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QUARTA-FEIRA, 25/3/2020
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Em boa hora, o saber científico volta a ser valorizado, enquanto as atenções de todo
o mundo se voltam aos esforços da comunidade acadêmica, nos mais diversos
campos do conhecimento humano, em prol do desenvolvimento de instrumentos
para administrar os impactos da pandemia. Esse imprescindível empenho não se
limita às ciências da natureza, estendendo-se, sem dúvida, também às
humanidades. Particularmente na esfera jurídica, entram em pauta discussões
prementes, que convidam o intérprete a revisitar os fundamentos dos mais
tradicionais setores. Em matéria contratual, por exemplo, debatem-se temas da
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Como sói acontecer diante de um evento fático dessa magnitude, com tantos
impactos na vida quotidiana, uma das reações mais imediatas da doutrina costuma
ser a de propor possíveis qualificações jurídicas para a crise, de modo a atrair a
incidência da normativa que parece ser mais adequada a administrá-la. O empenho
subjacente à pluralidade de proposições pode, contudo, ser prejudicial (em vez de
benéfico), caso não seja acompanhado do devido respeito aos fundamentos e
requisitos próprios de cada instituto. Sem dúvida, o novo coronavírus representa
uma novidade fática, porém não inovou na ordem jurídica: as categorias normativas
continuam sendo as mesmas de sempre – e, ao menos no campo estrito do direito
privado, não parece conveniente a edição de leis de afogadilho, fomentadas pela
incerteza e pela ansiedade generalizadas causadas pela pandemia. Cabe ao
intérprete, assim, à semelhança do criterioso trabalho desempenhado pelos
cientistas de outras áreas, manejar os instrumentos jurídicos com técnica e
segurança, sempre com vistas a promover estabilidade (e não a agravar as
incertezas ínsitas ao momento).
Nesse cenário, uma discussão da maior relevância para o momento atual (e que
despertou a imediata atenção da doutrina) diz respeito às possíveis repercussões da
pandemia sobre as hipóteses de resolução contratual. Com efeito, o impacto da
COVID-19 sobre os negócios em todo o mundo rapidamente remete a categorias
clássicas do direito civil voltadas a flexibilizar a força vinculante dos pactos diante de
bruscas alterações das circunstâncias, motivadas for fatores imprevisíveis e, ao
menos no curto prazo, insuperáveis. É preciso, porém, proceder com cautela, de
modo a se evitarem soluções que, no ímpeto de responderem à crise, forcem a
subsunção da pandemia a modelos normativos que não a comportam
efetivamente4. A enunciação de alguns exemplos práticos (em particular, de
contratos de execução diferida ou a trato sucessivo, naturalmente mais suscetíveis
às mudanças de cenário global) permitirá, nessa direção, ponderar quando e em que
medida o recurso a institutos autorizadores da resolução contratual mostra-se
tecnicamente adequado.
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Por certo, as circunstâncias do novo coronavírus não podem ser interpretadas como
evidência, ipso facto, da impossibilidade superveniente de concretização de todo e
qualquer programa contratual. A análise, como sempre (e, particularmente, quanto
mais demarcada for a relevância de um olhar funcional sobre o contrato), dependerá
das peculiaridades de cada caso concreto. Em linhas gerais, parece razoável supor
que, para a generalidade dos passageiros em voos aéreos, por exemplo, o risco de
contaminação (seja no próprio voo, seja no local de destino), em se tratando de
enfermidade com a virulência e o índice de letalidade da COVID-19, há efetiva
impossibilidade de obtenção dos fins originalmente previstos pelo contrato. A
solução, porém, poderia ser diferente, a depender de inúmeras variáveis. A
contratação se deu depois de divulgadas as primeiras notícias sobre a pandemia? A
finalidade (turística, profissional etc.) da viagem foi informada no âmbito da
negociação? Essa finalidade foi efetivamente prejudicada com a disseminação da
doença? E assim por diante.
Chega-se ao terceiro grupo de hipóteses fáticas, a saber, aquelas em que uma das
partes passa a sofrer sacrifício patrimonial muito superior ao originalmente previsto.
É precisamente nestas que parece mais razoável cogitar da configuração da
onerosidade excessiva, o que torna ainda mais curiosa a circunstância de esse grupo
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de hipóteses fáticas raramente ser suscitado nos estudos que invocam a teoria em
comento. De qualquer modo, é nas situações deste grupo que parece mais
embasada, ao menos em tese, a alegação de excessiva onerosidade, em razão do
possível agravamento do sacrifício econômico a ser suportado pelo devedor. Não se
olvide que a resolução dependerá, em todo caso, de o devedor lograr demonstrar
tanto a efetiva configuração de excessiva onerosidade, com manifesta vantagem
para a outra parte, quanto o preenchimento dos demais requisitos previstos em lei.
Mais do que isso, devem-se prestigiar sempre as soluções consensuais que possam
ser alcançadas em cada setor econômico, sobretudo em um momento excepcional
como o presente. Assim, por exemplo, a Abrasce, associação de empresas de
shopping center, e a Alshop, entidade representante dos lojistas, firmaram
entendimento em relação à isenção dos aluguéis devidos pelos lojistas durante o
período em que seus estabelecimentos permanecerem fechados14. Do mesmo
modo, algumas produtoras de eventos musicais adiados em decorrência das
medidas de contenção da COVID-19 transferiram automaticamente os ingressos já
vendidos para novas datas, aparentemente sem prejuízo ao interesse da média dos
espectadores, ao mesmo tempo em que facultaram aos adquirentes a possibilidade
de reembolso se assim preferirem15. Tais soluções são louváveis, na medida em que
evitam a judicialização desnecessária dessas questões.
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Eduardo Nunes de Souza é doutor e mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor
Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont).
Rodrigo da Guia Silva é doutorando e mestre em Direito Civil pela UERJ. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Advogado.
__________
1 V., por todos, MUCELIN, Guilherme; D’AQUINO, Lúcia Souza. O papel do Direito do Consumidor para o
bem-estar da população brasileira e o enfrentamento à pandemia de COVID-19. Revista de Direito do
Consumidor, vol. 129, maio/jun. 2020, item 1.
4 Da maior relevância, nesse sentido, é a advertência feita por Anderson Schreiber sobre o momento atual,
que alerta a respeito de “um erro metodológico grave, que se tornou comum no meio jurídico brasileiro:
classificar os acontecimentos em abstrato como ‘inevitáveis’, ‘imprevisíveis’, ‘extraordinários’ para, a partir
daí, extrair seus efeitos para os contratos em geral. Nosso sistema jurídico não admite esse tipo de abstração.
O ponto de partida deve ser sempre cada relação contratual em sua individualidade” (SCHREIBER,
Anderson. Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do
dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional.
Migalhas, 23/03/2020).
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5 A respeito, v., por todos, PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: GZ, 2011, p.
398-399.
6 Sobre o equívoco na confusão entre causalidade e as noções de culpa e imputabilidade, cf. SOUZA,
Eduardo Nunes de. Nexo causal e culpa na responsabilidade civil: subsídios para uma
necessária distinção conceitual. Civilistica.com, a. 7, n. 3, 2018, passim.
7 Para o desenvolvimento da análise dos requisitos previstos pelo art. 478 do Código Civil, v. TARTUCE,
Flávio. Manual de direito civil. Volume único. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019, p. 603
e ss.
9 Sobre a utilidade da noção de causa em concreto para o melhor tratamento dessa figura, bem como a
possibilidade de enquadramento da frustração do fim do contrato como uma hipótese de impossibilidade
superveniente, v. SOUZA, Eduardo Nunes de. De volta à causa contratual: aplicações da
função negocial nas invalidades e nas vicissitudes supervenientes do contrato.
Civilistica.com, a. 8, n. 2, 2019, item 5.
11 Para um desenvolvimento da análise, v. SILV, Rodrigo da Guia. Cláusulas de não restituir versus cláusulas
de não indenizar: perspectivas de delimitação dogmática a partir de uma análise funcional dos efeitos da
resolução contratual. Revista IBERC, v. 2, n. 1, jan./abr. 2019, item 3.
14
14Shoppings e lojistas orientam isenção de aluguel de lojas fechadas. Valor
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Econômico, 23/03/2020.
15
15Saiba tudo que já foi cancelado na cultura por causa do coronavírus. Folha de São
Paulo, 12/03/2020.
16 Nesse sentido, v. SOUZA, Eduardo Nunes de. De volta à causa contratual, cit., item 5.
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& ATUALIZAR
Ótimo artigo e que mantêm atentos os casos em que vivemos, contudo, importante destacar
um ponto que muito me traz dúvidas. Descrevem os autores do presente artigo para que não se
faça qualificações jurídicas precipitadas. Contudo, pelo próprio artigo não se chega a uma
unanimidade quanto à forma de se solucionar cada caso em virtude da particularidade que se
encontra cada demanda. Sendo assim, a meu ver, a interpretação levada pelo causídico no
patrocínio do seu cliente não pode ser levada como precipitada, já que, como podemos ver do
artigo, sequer há consenso em que medida tomar. Resolução, revisão, caso fortuito (matéria de
defesa), circunstâncias supervenientes e imprevisíveis, que lado se socorrer??? De fato podemos
citar como exemplo, na locação comercial, que ao analisarmos a Lei do Inquilinato nela não se
faz menção de como agir em casos em que vivemos devido ao Covid-19, ou seja, apenas se
assemelha ao caso concreto o breve apontamento da retomada do imóvel por parte do locador
em casos em que o Poder Público exige obras de reparo. Contudo, ao analisarmos a omissão da
referida Lei ela nos aponta ao socorro do Código Civil. Eis a questão, por exemplo, um cliente
empresário que utiliza da locação comercial te procura para dar um parecer, já que está com sua
empresa paralisada, ou seja, não auferindo lucro e renda para a permanência do pagamento do
aluguel, arcando com os compromissos trabalhistas, enfim, o que dizer? Se me questionado
como agir, faria sugestão de uma proposta de acordo para a suspensão dos alugueis, contudo, se
este não for aceita pelo locador nos resta aguardar ser demandado em ação de cobrança de
aluguel ou despejo e, sim, em matéria de defesa alegaria o caso fortuito, em que pese o aludido
no artigo quanto à matéria ser de responsabilidade civil, já que, uma suposta revisional como
sugerido (mesmo que no artigo fale da revisão, não necessariamente no caso de locação) estaria
condicionada em alguns requisitos que a própria Lei do Inquilinato nos traz. Questiona-se, como
requerer uma revisão sem os requisitos legais elencados na Lei do Inquilinato, tais como, o lapso
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temporal para que o locatário requeira em juízo?? Ou pior, se descrito no contrato a renúncia
quanto a este ponto??? Se o empreendedor está no imóvel em curto período?? Ora, teria o
patrono na causa de utilizar das ferramentas que lhe são permitidas, não podendo ser
interpretado sua atuação como uma qualificação jurídica precipitada, já que a Lei do Inquilinato
não é omissa quanto à revisão, não podendo utilizar-se de outro diploma legal para se salvar. Ao
alegar o locatário a condição de paralisação dos seus lucros como circunstância superveniente e
imprevisível a ensejar uma revisional sem que se tenham os requisitos para a revisional, razão
não teria a ingressar com tal pleito. Em outro turno, a rescisão contratual seria prejudicial, diante
o que se possa imaginar, perda de clientes, investimento realizado, ou seja, no fim das contas, o
que se espera que tal crise vá passar e uma rescisão não seria a melhor solução. Vejamos,
ficamos em um impasse, revisional sem requisitos legais não se poderiam alegar as
circunstâncias supervenientes e imprevisíveis, rescisão seria demais prejudicial ao locatário, ou
seja, sendo infrutífera proposta de acordo caberia tão somente aguardar ser demandado e em
matéria de defesa alegar o caso fortuito, ainda que explanado a condição de matéria de
responsabilidade civil, não podendo tal argumentação levantada pelo patrono da causa como
precipitada e, sim, forma de usar as ferramentas que tinha à disposição.
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% 1 ( RESPONDER ) DENUNCIAR
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