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Sobre o pleito de anulação da sentença arbitral nacional

em sede de execução

SOBRE O PLEITO DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL NACIONAL EM


SEDE DE EXECUÇÃO
Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 16/2008 | p. 98 - 108 | Jan - Mar / 2008
DTR\2008\858

Felipe Scripes Wladeck


Advogado.

Área do Direito: Civil; Arbitragem


Resumo: A Lei 9.307/96 possibilita o controle judicial das sentenças arbitrais nos casos (de errores
in procedendo) arrolados em seu art. 32 da Lei 9.307/1996. Os mecanismos impugnativos típicos
são: a demanda anulatória (proponível no prazo e na forma do art. 33, § 1.º, da Lei 9.307/1996) e,
em sendo a sentença arbitral condenatória, os embargos do devedor (art. 33, § 3.º, da Lei
9.307/1996) ou - em se tratando de condenação de particular ao pagamento de quantia - a
impugnação referida no art. 475-L do CPC e seguintes. Contudo, se acarretar a inexistência jurídica
ou material da sentença, o vício poderá ser constatado por via atípica a qualquer tempo, inclusive por
meio de objeção (dispensando-se, em tal caso, o prévio ajuizamento de ação judicial).

Palavras-chave: Lei de Arbitragem 9307/96 - Controle judicial - Sentença arbitral - Casos de error in
procedendo
Abstract: Arbitration Act 9.307/96 provides the judicial control of awards in the cases listed in Article
32 (cases of errors in procedendo). Typical challenging mechanisms are: annulatory action (in
accordance with the timeline and form as provided in Article 33, § 1.º) and, in case of condemnatory
award, a motion to stay the collection suit (Article 33, § 3.º) or - in case of condemnation of a private
party to the payment of a sum due - the challenge pursuant to Article 475-L and sequels of the Code
of Civil Procedure. Nevertheless, if it leads to the legal or material nullity of the award, such fault shall
be demonstrated by an atypical way every time, including by injunction (not requiring the filing of a
previous lawsuit).

Keywords: Arbitration Act 9307/96 - Judicial control - Awards - Cases of error in procedendo
Sumário:

1. Introdução: os meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais nulas previstos na Lei
9.307/96 - 2. As alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei 11.232/2005 e o pleito
de anulação da sentença arbitral nacional em sede de execução - 3. O emprego responsável dos
meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais

1. Introdução: os meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais nulas previstos
na Lei 9.307/96

Para a desconstituição das sentenças arbitrais nacionais nulas, a Lei 9.307/96 disponibiliza duas
medidas judiciais: a demanda anulatória e os embargos do devedor, de que tratam, respectivamente,
os §§ 1.º e 3.º do art. 33, da Lei 9.307/1996.

No presente texto, trataremos apenas do controle de sentenças arbitrais em sede de execução,


atentando, em especial, para o que há de pertinente ao tema nas alterações introduzidas no Código
de Processo Civil (LGL\1973\5) pela Lei 11.232/2005.

2. As alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei 11.232/2005 e o pleito de


anulação da sentença arbitral nacional em sede de execução

Em 23.06.2006 entrou em vigor a Lei 11.232/2005, que alterou o Código de Processo Civil
(LGL\1973\5) para, entre outras providências, estabelecer fase de cumprimento de sentenças interna
ao processo em que proferidas e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.

Doravante, podem ser identificados três grandes grupos de hipóteses de execução de título
executivo judicial de pagamento de quantia:

(a) Manteve-se praticamente intacto o regramento atinente às execuções de sentenças - judiciais ou


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arbitrais - condenatórias da Fazenda Pública. Tais execuções continuam se dando na forma dos arts.
730 e 731 do CPC (LGL\1973\5) ("praticamente intacto", pois ocorreram breves alterações no rol das
matérias que o Poder Público pode argüir em sede de embargos do devedor - confira-se a nova
redação do art. 741, CPC (LGL\1973\5)).

(b) As sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de quantia certa contrárias a particulares, por
sua vez, passam a ser executadas no bojo do próprio processo em que forem proferidas - ou seja,
deixa de haver processo executivo autônomo no tocante a elas. A respectiva fase de cumprimento
vem disciplinada nos arts. 475-I do CPC (LGL\1973\5) e seguintes.

(c) Por fim, as execuções das sentenças mencionadas nos incisos II (sentença penal condenatória
transitada em julgado), IV (sentença arbitral condenatória contrária a particular) e VI (sentença
estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça) do art. 475-N, CPC (LGL\1973\5)
permanecem ocorrendo por meio de processo autônomo (como logicamente não poderia deixar de
ser - vide o parágrafo único do mesmo dispositivo 1). Sua condução, entretanto, passa a se dar na
forma dos arts. 475-I e seguintes.

Nas execuções referidas em (a), movidas contra a Fazenda Pública, permanecem cabíveis os
embargos do devedor (art. 730, CPC (LGL\1973\5)). Já nas mencionadas em (b) e (c), a defesa do
executado passa a ser exercível por medida genericamente chamada de impugnação, regulada nos
arts. 475-L do CPC (LGL\1973\5) e seguintes. Trata-se de demanda de tutela cognitiva incidental ao
procedimento executivo, mas que não instaura novo processo.

A nosso ver, o mecanismo da impugnação faz as vezes dos embargos do devedor até mesmo para
os fins do art. 33, § 3.º, da Lei de Arbitragem - vale dizer, para o controle de sentenças arbitrais nulas
ou inexistentes. É o que se expõe no item 2.2, abaixo.

Sobre o pleito anulatório, em sede de execução, de sentenças arbitrais condenatórias em obrigações


de entrega de coisa e em obrigações de fazer ou não fazer, vide o item 2.3.

2.1 A Fazenda Pública executada por quantia certa: o cabimento de embargos do devedor (art.
33, § 3.º, da Lei de Arbitragem)

De acordo com a Lei 11.232/2005, as sentenças (arbitrais ou judiciais) condenatórias ao pagamento


de quantia contrárias ao Poder Público permanecem sendo executadas por meio de processo
autônomo, na forma dos arts. 730 e 731 do CPC (LGL\1973\5).

Os embargos do devedor continuam, portanto, consistindo na medida de defesa de que pode se


valer a Fazenda Pública no processo executivo, inclusive - em sendo o título judicial uma sentença
arbitral - para a argüição das matérias do art. 32 da Lei 9.307/1996.

Com efeito, consoante o art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/96, não tendo proposto a demanda anulatória no
prazo legal de 90 dias, poderá a Fazenda Pública tentar obter a desconstituição da sentença arbitral
nula (que a tenha condenado ao pagamento de quantia) pela via secundária dos embargos do
devedor - desde que instaurado o competente processo executivo ex intervallo, evidentemente.

É que, relativamente aos provimentos arbitrais condenatórios, o decurso do prazo previsto no § 1.º
do art. 33 não inviabiliza o juízo rescindens, mas apenas impede que se o pretenda pela via principal
(da ação anulatória), restando ao contendente interessado o mecanismo de defesa em execução, em
que se pode alegar qualquer dos errores in procedendo arrolados no art. 32.

Esse entendimento, todavia, não é assente na doutrina. A seguir, demonstraremos que muitos
estudiosos discordam dessa amplitude conferida ao rol de matérias argüíveis em sede de embargos
do devedor, ora invocando os princípios gerais regentes da medida, ora sua sujeição ao prazo
(decadencial) acima mencionado, se empregada para fins impugnativos do julgado arbitral.

Antes disso, importa dizer, tendo-se por base a tese do amplo cabimento dos embargos (ora
adotada), que eles podem - observados certos limites de ordem processual - ser manejados ainda
que previamente tenha-se proposto, sem sucesso, demanda anulatória.

Por um lado, se a sentença proferida não adentrar no meritum da ação anulatória ajuizada
(extinguindo-se o processo por carência da ação ou pela ausência de pressuposto processual), ficará
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possibilitado o pleno manejo dos embargos do devedor. Ou seja, estes serão admissíveis (ao menos
em relação ao pressuposto processual negativo da coisa julgada) com fulcro em qualquer dos casos
referidos no art. 32 da Lei 9.307/96, além daqueles do art. 741 do CPC (LGL\1973\5).

Por outro, se a sentença proferida tocar o meritum da demanda anulatória, restará impedida a via
dos embargos tão-somente no que concerne à causa de pedir já apresentada. Suponha-se, por
exemplo, que a Fazenda Pública tenha proposto demanda anulatória sustentando ter sido a
sentença arbitral proferida em desrespeito aos princípios do contraditório e da imparcialidade. Nada
obsta que, em seguida, ela ajuíze embargos de devedor versando sobre a nulidade da convenção de
arbitragem (cláusula ou compromisso arbitral).

Outrossim, nada impede que a Fazenda Pública proponha a ação de embargos do devedor enquanto
a demanda anulatória, anteriormente ajuizada, estiver em trâmite. Apenas se exige que as medidas
tenham fundamento em categorias distintas de matérias.

2.1.1 Os diversos entendimentos acerca do possível objeto dos embargos do devedor

Como se disse, não existe unanimidade na doutrina no que concerne às matérias que os embargos à
execução fundada em sentença arbitral podem veicular. Identificam-se, a esse respeito, basicamente
três correntes: a "ampliativa", a "restritiva" e a "intermediária".

2.1.1.1 Corrente "ampliativa"

Os autores que integram tal corrente (entre outros, Joel Dias Figueira Júnior, 2 Clávio de Melo
Valença Filho, 3 Selma Maria Ferreira Lemes, 4 Donaldo Armelin, 5 João Bosco Lee 6 e Araken de
Assis 7) sustentam que, instaurado o processo de execução, pode a parte interessada alegar nos
embargos do devedor não somente as matérias do art. 741, CPC (LGL\1973\5), mas também
qualquer das irregularidades arroladas no art. 32, da Lei de Arbitragem - desde que não tenham sido
objeto de prévia demanda anulatória, sob pena de verificar-se litispendência ou coisa julgada.

Em apertada síntese, a tese defendida pela corrente ampliativa funda-se nos exatos termos do
dispositivo em comento, reveladores que são da opção do legislador de dilatar a esfera dos temas
sobre os quais podem versar os embargos à execução fundada em sentença arbitral.

2.1.1.2 Corrente "restritiva"

De acordo com a corrente "restritiva", os embargos do devedor jamais poderiam veicular as matérias
do art. 32 da Lei de Arbitragem, mas apenas as do art. 741, do Código de Processo Civil
(LGL\1973\5).

Em outras palavras, a parte interessada somente poderia demandar a nulidade da sentença arbitral
condenatória com fulcro em um dos incisos do art. 32 na forma e prazo do § 1.º do art. 33 da Lei
9.307/96. Os embargos do devedor, independentemente do tempo em que fossem manejados,
prestar-se-iam apenas para alegar as matérias indicadas no art. 741, do Código de Processo Civil
(LGL\1973\5). Esse entendimento é defendido, por exemplo, por José Cretella Neto 8 e José Carlos
de Magalhães. 9

Arnoldo Wald vai além, entendendo que mesmo "a aplicação do art. 741, do CPC (LGL\1973\5)
deveria ser mitigada, adaptando-o de maneira adequada para a arbitragem". A seu ver, a
"interpretação da lei não deveria permitir à parte executada, que não pleiteou a anulação da
sentença arbitral no momento oportuno, suscitar em sua defesa matérias que permitiriam a anulação
da sentença". 10

O ilustre autor adverte que o "entendimento dominante é, todavia, diverso, considerando que o direito
de defesa deve ser amplo e não o sujeitando ao prazo de 90 dias, o que dá margem à possibilidade
de discussão da decisão arbitral por longo tempo". 11 Diante disso, tendo em mente futura reforma da
Lei de Arbitragem, consigna que a ação anulatória "deveria (...) ser a única via de discussão no
âmbito judicial da sentença arbitral. Por outro lado, os embargos do devedor (...) deveriam ser
unicamente cabíveis nos casos de incompetência do juiz da execução, de ilegitimidade das partes na
execução, ou quando ela é excessiva ou de fato posterior à sentença arbitral que poderia afetar a
execução, ou, em outras palavras, nos casos previstos no art. 741, III a VII, do CPC (LGL\1973\5),
com exclusão dos incisos I e II". 12
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Em suma, os seguidores da corrente sub examine afastam-se dos estritos termos do art. 33, § 3.º, da
Lei 9.307/96, objetivando, por um lado, restringir ao máximo o emprego de medidas de controle das
sentenças arbitrais, e, por outro, garantir o respeito aos princípios gerais dos embargos do devedor
(enquanto mecanismo de impugnação da pretensão creditícia do exeqüente e da validade da própria
relação processual executiva).

2.1.1.3 Corrente "intermediária" (suas duas vertentes)

Por fim, a chamada corrente "intermediária" apresenta duas vertentes. A primeira admite o cabimento
dos embargos do devedor como meio de ataque às sentenças arbitrais nacionais não somente nos
casos do art. 741, do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), mas também em algumas das
hipóteses - as de maior gravidade - do art. 32 da Lei 9.307/1996, ainda que posteriormente ao
decurso do prazo fixado no § 1.º do art. 33.

Esse é o entendimento, por exemplo, de Sidnei Amendoeira Júnior. A fim de evitar a "desnaturação
dos embargos do devedor e desprestígio da sentença arbitral", o autor entende ser a medida
incabível nos casos de "mera invalidade" referidos no art. 32. A seu ver, apenas as irregularidades
capazes de acarretar a inexistência das decisões poderiam ser suscitadas por meio dos embargos
do § 3.º do art. 33, da Lei 9.307/1996. 1314

A segunda vertente somente admite que os embargos do devedor veiculem as matérias referidas no
art. 32 se ajuizados anteriormente ao decurso do prazo legal do art. 33, § 1.º, da Lei 9.307/96.
Reputam seus integrantes que, a exemplo do que se passa com relação à demanda anulatória, a
medida de defesa do litigante executado, para fins impugnativos da sentença arbitral, sujeita-se ao
prazo de 90 dias. Eis o que lecionam José Eduardo Carreira Alvim, 15 Pedro Antonio Batista Martins,
16
Alexandre Freitas Câmara 17 e, revendo seu entendimento anterior, Carlos Alberto Carmona. 18

Finalmente, observe-se que a aceitação dessa última tese não eliminaria a chance de verificar-se a
situação de litispendência, uma vez que permaneceria o risco de existirem ao mesmo tempo,
pendentes de julgamento, demanda anulatória e embargos do devedor versando sobre assuntos
idênticos (poderia ocorrer de serem ajuizadas, no prazo do § 1.º do art. 33, aquelas duas ações,
tratando das mesmas matérias do art. 32).

2.1.1.4 Nosso entendimento

Em que pesem os argumentos dos estudiosos que aderem às correntes "restritiva" e "intermediária",
a conclusão a que os arts. 32 e 33 da Lei de Arbitragem permitem chegar não comporta qualquer
limitação no que concerne ao possível objeto dos embargos do devedor. 19

Consigna o § 3.º do art. 33 que: "A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser
argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de
Processo Civil (LGL\1973\5) [ou seja, na forma estabelecida em tais dispositivos; segundo o
procedimento por eles estabelecido], se houver execução judicial".

Se, por um lado, os casos em que as sentenças arbitrais são nulas são, de um modo geral, aqueles
elencados no art. 32 da Lei de Arbitragem e, por outro, o § 3.º do artigo 33 preceitua que a
decretação de nulidade também pode ser argüida mediante embargos do devedor, então não há
dúvida de que, entre as diversas teses ora expostas, a única que se mostra em consonância com os
termos legais é a "ampliativa".

Ademais disso, cumpre destacar - a fim de objetar especificamente ao entendimento dos adeptos da
"corrente restritiva" e da segunda vertente da "corrente intermediária" - que muitas das
irregularidades arroladas no art. 32 acarretam, na verdade, a inexistência da sentença dos árbitros,
não sua mera nulidade. 20 Trata-se de vícios de maior gravidade, que podem ser suscitados a todo
tempo (ou seja, mesmo após o término do prazo para a demanda anulatória) e por meio de qualquer
via judicial (embargos do devedor, inclusive), além de serem cognoscíveis de ofício pelo juízo
processante de medida pós-arbitral.

Portanto, ainda que houvesse no § 3.º do art. 33 da Lei de Arbitragem algum tipo de restrição quanto
ao possível objeto dos embargos do devedor (o que aqui se põe a título de mera argumentação), não
se poderia pretender, a partir da limitação, afastar o regime jurídico das sentenças arbitrais
inexistentes e de seus meios de controle.
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Noutras palavras, seja qual for o entendimento adotado quanto ao contido no § 3.º do art. 33, não se
pode simplesmente olvidar que (ao menos) os errores in procedendo capazes de acarretar a
inexistência da sentença arbitral, porque insanáveis, sempre poderão ser argüidos em sede de
embargos do devedor, tenha ou não havido o decurso do prazo do § 1.º daquele dispositivo - a não
ser que já tenha a irregularidade sido objeto de outra medida judicial apta a produzir coisa julgada
(por exemplo, actio nullitatis), evidentemente.

2.2 O particular executado por quantia certa: o cabimento da impugnação de que tratam os
arts. 475-L do CPC e seguintes

Conforme a Lei 11.232/2005, a execução judicial de sentenças arbitrais condenatórias ao pagamento


de quantia contrárias a particulares permanece ocorrendo por meio de processo autônomo (art.
475-N, parágrafo único, do CPC (LGL\1973\5)).

E não poderia ser diferente, na medida em que o processo de conhecimento arbitral se desenvolve
perante instância privada - sendo, por conseguinte, o cumprimento forçado do decisum dele
resultante dependente do ingresso da parte interessada no Poder Judiciário (exclusivo detentor do
imperium).

Os preceitos que disciplinam o processo de execução das sentenças sub examine são, todavia, os
mesmos que regem a fase de cumprimento das sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de
quantia (arts. 475-I do CPC (LGL\1973\5) e seguintes).

Como se disse, de acordo com aqueles dispositivos, a defesa do particular demandado em execução
de título judicial de pagamento de quantia não mais é realizada pela via dos embargos do devedor,
mas por remédio chamado genericamente de impugnação (arts. 475-L do CPC (LGL\1973\5) e
seguintes).

Assim, em sendo o título executivo uma sentença arbitral condenatória de particular ao pagamento
de quantia, cabe indagar: além das matérias arroladas no art. 475-L do Código de Processo Civil
(LGL\1973\5), pode aquela impugnação veicular as enumeradas no art. 32, da Lei 9.307/96? Ou
seja, a impugnação em referência faz as vezes dos embargos do devedor para os fins do art. 33, §
3.º, da Lei de Arbitragem?

Parece-nos que a resposta deve ser afirmativa. Da adoção do entendimento exposto no item 2.1.1.4
(acima) - segundo o qual a Fazenda Pública pode se valer dos embargos para, em sede de
execução por quantia certa, pleitear a anulação da sentença arbitral (e isso ainda que findo o prazo
do § 1.º do art. 33) - decorre, inevitavelmente, tal conclusão.

Seria anti-isonômico, absolutamente despropositado, reputar que, em razão das alterações


recentemente introduzidas no ordenamento pela Lei 11.232/2005, o Poder Público teria se tornado o
exclusivo detentor da faculdade de deduzir o pleito anulatório de sentenças arbitrais em sede de
execução.

Com efeito, a impugnação disciplinada no art. 475-L do CPC (LGL\1973\5) exerce exatamente a
mesma função dos embargos de que trata o art. 741 do CPC (LGL\1973\5) - o simples cotejo dos
dispositivos permite tal ilação. Portanto, conclui-se que a anulação da sentença arbitral também pode
ser pleiteada por meio da impugnação (na forma dos arts. 475-M do CPC (LGL\1973\5) e seguintes),
na pendência ou não do prazo do § 1.º do art. 33.

Semelhante conclusão há de prevalecer, ainda que com ressalvas e limitações, mesmo entre os
autores que aderem a qualquer das vertentes da corrente "intermediária" de que tratamos no item
2.1.1.3, acima.

2.3 O pleito de anulação em sede de execução de sentenças arbitrais condenatórias em


obrigações de entrega de coisa e em obrigações de fazer ou não fazer

As sentenças arbitrais condenatórias em obrigações de entrega de coisa e em obrigações de fazer


ou não fazer serão executadas nos moldes do Livro II (Capítulos II e III do Título II) do Código de
Processo Civil (LGL\1973\5) - a menos que as partes convencionem algo diverso. Isso vale tanto
para as execuções contrárias à Fazenda Pública, quanto para as contrárias a particulares.

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Como se sabe, por meio das reformas implementadas no referido diploma legal pelas Leis 8.952/94
e 10.444/2002, estabeleceu-se que as sentenças judiciais condenatórias em processo civil que
tenham por objeto obrigações daquela natureza não mais serão efetivadas segundo os
procedimentos encampados no Livro II, mas por meio de medidas coercitivas e sub-rogatórias
destinadas à consecução da "tutela específica" perseguida ou de "resultado prático equivalente" (na
forma dos arts. 461 e 461-A, do CPC (LGL\1973\5)).

Se a lei fosse interpretada literalmente ( v.g., arts. 475-I e 644 do CPC (LGL\1973\5)), poder-se-ia -
precipitada e equivocadamente, vale dizer - deduzir que também as sentenças arbitrais impositivas
de dever de entrega de bem ou de fazer ou não fazer (por consistirem em títulos judiciais) jamais
poderiam ser objeto de ação executiva autônoma. E que, por conseguinte, os embargos do devedor,
enquanto medida de controle da regularidade da arbitragem, teriam cabimento apenas em relação
aos julgados condenatórios em obrigação de pagar quantia contrários à Fazenda Pública, uma vez
que consistiriam em incidente exclusivo do processo executivo judicial de que tratam os arts. 730 e
731, do CPC (LGL\1973\5).

Nada obstante, parece-nos mais adequado reputar que, relativamente aos provimentos arbitrais, o
disposto nos arts. 461 e 461-A apenas deverá ser observado se as partes assim houverem
pactuado. Com efeito, a aplicabilidade daqueles preceitos limita-se aos casos em que se tenha
estipulado especificamente a adoção do modelo (sistema) de tutela neles previsto.

Assim, na hipótese de a convenção de arbitragem nada dispor acerca do modo de efetivação das
deliberações arbitrais, imperioso entender pela necessidade da instauração do processo executivo
ex intervallo (nos moldes dos arts. 621 a 631, do CPC (LGL\1973\5) ou arts. 632 a 645, do CPC
(LGL\1973\5), conforme o caso) a fim de se concretizar o comando da sentença ("condenatória
pura"). 21 ). Nessa esteira, os embargos do devedor consistirão na via de defesa de que poderá se
valer o executado inconformado, seja para suscitar as matérias do art. 741, CPC (LGL\1973\5)
(aplicável por analogia à situação ora imaginada), seja para levantar quaisquer das irregularidades
do art. 32, da Lei 9.307/96.

De outro lado, se as partes convencionarem o afastamento do regime executivo tradicional e, em seu


lugar, optarem pela incidência do regramento do art. 461 ou art. 461-A, desenvolvendo-se processo
com fulcro em um de tais dispositivos, a atuação concreta do provimento arbitral final dependerá de
direta requisição, pelo juiz privado ao juiz togado, das competentes medidas coercitivas e
sub-rogatórias, na forma do art. 22, § 4.º, da Lei 9.307/96.

A esse respeito, assevera Eduardo Talamini: "nos processos arbitrais em que se apliquem as regras
do art. 461, CPC (LGL\1973\5) (ou as do art. 461-A, CPC (LGL\1973\5)), não haverá propriamente
sentença arbitral 'condenatória', formadora de título executivo (em outras palavras, não haverá
sentença 'condenatória pura'). Cumprirá ao próprio árbitro, depois de proferir a sentença, requisitar
diretamente ao juiz para que adote as providências necessárias à sua efetivação - a exemplo do que
ocorreria com o provimento concessivo de tutela cautelar ou antecipada". 22

Remarque-se que o eventual afastamento do modelo executivo do Livro II do Código de Processo


Civil (LGL\1973\5) retira da parte sucumbente a oportunidade do ajuizamento dos embargos para os
fins do § 3.º do art. 33 da Lei 9.307/1996.

Finalmente, sobre o modus operandi da colaboração judicial destinada ao cumprimento de


provimentos arbitrais (interlocutórios e finais) decorrentes de processos a que se aplique o art. 461
ou 461-A, remete-se o leitor, por economia, aos textos mencionados em nota de rodapé. 23

3. O emprego responsável dos meios de controle judicial das sentenças arbitrais nacionais

Mais do que encerrar a relação jurídica processual e apresentar solução para a controvérsia, o
provimento arbitral final vincula as partes ao seu cumprimento. Quando estas, no livre exercício da
autonomia da vontade, optam por resolver contenda acerca de direito patrimonial disponível por
intermédio da arbitragem, instituindo-a, ficam obrigadas a sujeitar-se à autoridade dos árbitros, cuja
sentença tem - por expressa disposição legal - aptidão para produzir os mesmos efeitos dos julgados
judiciais, podendo-se nela reconhecer a imutabilidade correspondente à coisa julgada material.

O intuito do legislador ao prever em numerus clausus (no art. 32, da Lei 9.307/96) os casos - todos
consistentes em errores in procedendo - em que tem cabimento o manejo dos mecanismos
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impugnativos do art. 33 da Lei 9.307/96 foi, nesse passo, o de preservar as sentenças arbitrais de
interferências que não as estritamente necessárias para garantir sua conformidade com os ditames
do due process of law, propiciando, com isso, segurança jurídica aos contendentes.

Toda e qualquer interferência que o Poder Judiciário fizer antes do início, no curso ou após o
encerramento do procedimento arbitral deve limitar-se a aspecto que não diga respeito à justiça (ao
meritum) dos atos praticados pelos julgadores privados. Não fosse assim, a arbitragem seria instituto
imprestável ao fim para o qual foi criada, qual seja, a célere prestação de tutela especializada e
definitiva aos litigantes.

A Lei 9.307/96 está centrada em uma pilastra muito importante: a autonomia da vontade com
responsabilidade. Ao escolherem a jurisdição privada, os litigantes não podem - a menos que
consensualmente - dela se afastar. Não devem, outrossim, por mera insatisfação com entendimento
veiculado na sentença, recorrer ao Poder Judiciário com a pretensão de vê-lo reformado. Mesmo o
controle da validade dos provimentos arbitrais tem limites que devem ser observados, sob pena de
se prejudicar o desenvolvimento do instituto da arbitragem.

Impõe-se, portanto, que os estudiosos e operadores do direito conscientizem-se de que o controle


estatal não consiste em via apta ao desfazimento de toda e qualquer decisão advinda dos processos
arbitrais. Nos termos de Cândido Rangel Dinamarco, deve-se repudiar "a facilidade na aceitação dos
argumentos da parte que vem à Justiça impugnar uma sentença arbitral, sem a preocupação por um
equilíbrio entre o estatal e o convencional e sem valorizar a vontade das partes como fonte da
decisão que depois uma delas veio a criticar". 24

A escolha pela arbitragem apenas será capaz de proporcionar bons (melhores) resultados em nosso
ordenamento se houver trabalho efetivo e comprometimento não somente dos juízes privados - aos
quais compete promover a boa execução das atividades que lhes forem confiadas pelas partes -
como também dos juízes estatais - que, livres de paixão e orgulho, devem preocupar-se unicamente
com que as sentenças arbitrais estejam em consonância com preceitos que o sistema legal
estabelece como de observância cogente à manutenção da ordem jurídica.

Em suma, nos termos de Nilton César Antunes da Costa, "deve existir relação harmoniosa e
cooperativa entre a atividade jurisdicional estatal e a arbitral, sob pena de fazer com que o
jurisdicionado perca um meio alternativo de resolução de conflitos bastante salutar e democrático,
que prima pela participação do povo na administração da justiça". 25

1. A esse respeito, consulte-se: TALAMINI, Eduardo; SCRIPES WLADECK, Felipe. Liquidação da


sentença arbitral. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: mediação,
arbitragem e conciliação. v. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 144-145.

2. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 271.

3. VALENÇA FILHO, Clávio de Melo. Poder judiciário e sentença arbitral: de acordo com a nova
jurisprudência constitucional. Curitiba: Juruá, 2003, p. 154-155.

4. LEMES, Selma Maria Ferreira. A sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação 4/31. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-mar. 2005.

5. ARMELIN, Donaldo. Notas sobre ação rescisória em matéria arbitral. Revista de Arbitragem e
Mediação 1/17. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-mar. 2004.

6. LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. 1. ed. 4. tir.
Curitiba: Juruá, 2005, p. 202-203.

7. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 1.207.

8. CRETELLA NETO, José. Curso de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 128.
Página 7
Sobre o pleito de anulação da sentença arbitral nacional
em sede de execução

9. MAGALHÃES, José Carlos de. Do procedimento arbitral. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.).
Aspectos atuais da arbitragem: coletânea de artigos sobre arbitragem. Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 169.

10. WALD, Arnoldo. Os meios judiciais do controle da sentença arbitral. Revista de Arbitragem e
Mediação 1/55. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-mar. 2004.

11. Idem, ibidem, passim.

12. Idem, ibidem, p. 56.

13. AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Execução e impugnação da sentença arbitral. In: SHIMURA,
Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo de execução. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 710-712.

14. Na realidade, se a irregularidade acarretar a inexistência da sentença arbitral, sua argüição


poderá ser feita não somente em sede de embargos do devedor, mas também em "exceção de
pré-executividade" ( rectius, objeção) ou por simples petição nos autos. Mas, até mesmo de ofício
poderá o juiz do processo de execução conhecer da questão.

15. ALVIM, José Eduardo Carreira. Direito arbitral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 412.

16. MARTINS, Pedro Antonio Batista. Anotações sobre a sentença proferida em sede arbitral. In:
______; LEMES, Selma Maria Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da Lei
de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 416.

17. CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem - Lei 9.307/96. 4. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 152-153.

18. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2004, p. 344.

19. LEE. Op. cit., p. 202.

20. Acerca da qualificação das irregularidades arroladas no art. 32 da Lei de Arbitragem, vide, por
exemplo, além da obra referida na nota 3: ARMELIN, Donaldo. A ação declaratória em matéria
arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação 9/108 (DTR\2006\233)-119. São Paulo: Revista dos
Tribunais, abr.-jun. 2006.

21. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 301-306.

22. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer - e sua extensão aos
deveres de entrega de coisa (arts. 461 e 461-A do CPC (LGL\1973\5),; art. 84 do CDC
(LGL\1990\40)). 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 461.

23. CARMONA, Carlos Alberto. Das boas relações entre os juízes e os árbitros. Revista de Processo
87/80-89. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. 1997; CÂMARA, Alexandre Freitas. Das
relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário. Revista Brasileira de Arbitragem 6/18-28. São
Paulo: CBAR-IOB, abr.-jun. 2005; TALAMINI, Tutela relativa..., cit., p. 460.

24. DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdicional. In:
GARCEZ, José Maria Rossani; MARTINS, Pedro Antonio Batista (Coord.). Reflexões sobre
arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, p. 341.

25. COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 82.

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