ECONO M IA

Muitas práticas de negócios comuns se assemelham

ao desonesto esquema de vigaristas
Por Kaushik Basu

I ~~~~ SÍ~Tl•iSE

Aviga•rice do tipo em que o golpista rouba Peter para Ponzis revela. que eles são uma característica mais flutuação de bolhas financeiras assume uma "quali-
pagar Paul. provavelmente tem sido um elemento fixo onipresente de economias modernas que se acredita- dade Ponzi~ Enquanto isso. práticas de negócios co-
da atividade econômica pelo menos desde o mundo va anteriormente- e que reguladores ftnanceiros es- muns - como oferecer opções de ações - podem
dickensiano do século 19. Uma nova olhada em tA<> mal equipados para lidar com eles. A acentuada ser adotadas para camuflar um esquema piramidal.

60 Scientiftc American Brasil I Julho 2014 RUBtroção por Adam Simp$1111

 Kaushik Basu éYice-presidentesênior eea>nomista·
chefe do Banro Munó~al e prolessoc' de economia na
Comell University. Além de seu trabalho sobre esquemas
Ponzi realizou abrangentes pesquisas em muitas áreas.
inclusive estudos sobre a lei e economia da comupçao.

ESQUEMA PONZl TEM SIDO UM ELEMENTO RECORRENJ'E DA VIJDA ECONÔMICA

em nações ricas e pobres desde, no mínimo, o século 19, criando
alguns poucos milionários e arruinando a vida de milhões. Mas a
maioria das pessoas só tem uma vaga noção do que sãn essas estra-
tégias escusas, o que pode explicar por que tantas continuam ceden-
do ao seu fascfnio estranho, quase místico. Oassunto adquiriu certa
urgência devido à recente crise financeira global e às manchetes
sobre o escândalo Bernard Madoff, o maior golpe Ponzi de todos os
tempos, que ocorreu no auge da turbulência socioeconômica.

Qualquer pessoa que tenha acompanhado a derrocada Marloff
provavelmente acredita que "Ponzis" são fraudes engendradas deli-
beradamente. Em vez de empregar dinheiro de investidores para fi-
nanciar um negócio de risco produtivo, o golpista canaliza os rendi-
mentos de novos investidores para pagar juros a credores anterio-
res. Mas economistas começaram a se dar conta de que esse tipo de
comportamento' também pode ocorrer espontaneamente, ou até in-
conscient.emen'be, simplesmente ao fazer com que uma ex-pectativa
se alimente de outra, criando um fi-enesi especulativo, uma bolha
econômica inflru:!lonâria condenada a explodir destruidoramente.
F.<.tudi0505 de mercados financeiros e economistas comportamen-
tais chegaram à ronclusão de que romportamentos do tipo Ponzi
podem ser endêmicos do fluxo e refluxo de mercados financeiros glo-
bais, como se fossem fenômenos naturais semelhantes a marés oceâ-
nicas ou um eclipse lunar. Nenhum vilão do tipo Madoff é necessálio.
Na realidade, Ponzis podem w;ar muitos disfarces diferentes, o
que os toma diffceis de detectar e isolar para que possam ser toma-
das medidas regulatórias ou jurídicas claras. Minha própria pesqui-
sa se concentrou em um meio de manipular as operações de uma
empresa para mantê-lalivre de dificuldades financeiras, pelo menos
por algum tempo, que é difi'cil de discernir: "um Ponzi camuflado"
que não t.ransgride nenhuma le~ mas pode gerar caos econômico.
O interesse em Ponzis aumentou não só devido a manchetes de
tabloides, mas porque novas pesquisas descobriram que os esque-
mas podem ser explicados, em parte, por meio de uma análise cien-
tffica que revela suas estmturas matemáticas sJUbjacentes e, em
parte, através da psicologia do golpista que explora nossa ingcnui-
dadeinata.Essapesquisaéimportanteporqueaumentaacsperan-
ça de que seremos capazes de detectar produtos financeiros malig-
nos a tempo, antes que milhares de pessoas sejam seduzidas por
sua estranha atração, resultando em rufna financeira e uma pro-
funda ansiedade emocional
O GOLPE BÁSICO
o ESQUEMA PoNzl DE FATO é mais velho que o próprio Carlo C'Charles")
Ponzi (1882-1949). Ponzi iniciou seu estratagema fra:udulento na Nova
Inglaterra em 1920, mas provavelmente já era comum antes disso,
como mostram os personagens fictícios inescrupulosos do romancis-
ta e crítiro social inglês Charles Dickens (1812-1870), inspirados em
golpes de investimentos em Londres na era vitoriama Na realidade,
alguma forma de ''roubar Peter para pagar Paul" provavelmente já
existe desde os primeiros grandes assentamentos humanos.
Como Madoff demonstrou tão bem, o Ponzi b~isiro é um esque-
madeenriquecerrapidamenteque,com um toque demagiademar-
keting. pode ser levado a prosperar - mas só até o estratagema des-
moronar. No Ponzi clássico, o golpista pode prometer um rendimen-
to fenomenal de 10% ao mês para persuadir alguém a investir USS
100. No mês seguinte, duas pessoas investem, cadaL uma, US$100, te>
US$ 10 são devolvidos ao investidor original, enquanto o "empreen-
dedor Ponzi" fica rom US$190. Dessa fonna, o investimento piralm-

62 Scieotlfic Aruerlcan Brasil 1Julho 20l"

 daJ -continua ~ ~~ ax:1 os i."SS 100 cun.>.cadados
no primeiro mês. e ~ o .munero de i::;t\~res todos os
meses. o rencfuren:o tm âéariio oes dr;:uã a US5 .W.090. É por
isso que pessms qo1 opecz:::! l~ ~os acumulam ri-
quezas enocrr.es..A ~~ g~e o.lo ~maneira graciosa de
parar- a~~ iP-!~ quando não houver mais
~us~ I anos, o preço de uma onça troy (unidade que COtTesponde a31,10135
O~ - ...:::n!ib;;::it:o itre:;i:>1l\-el, porém, é que não há um
poow 'b:m r:r:: qoe ....cure o colapso. Se houvesse um de-
& _ sio, Ponzis não
;e::=:ms;us.. -msuém investiria
~ 00-.:pD e, sabendo dis-
~~;,..., wt:sti:ria dois meses anles da
~_,~'"'-- ~""'illl por diante. De acordo com
""""'"oi-.L.l~- .:mp1acâvel, conhecida como re-
~o esquema provavelmente nem
~-para começo de conversa.
:\ ausência de um pontD de implosão
uefinido dá origem a um impo1ta.nte enig-
ma psicológico. Em última instância, um
Ponzi pode ser considerado uma loucw-a
rulet.iva. Mas uma pessoa investir em Lun
dàesnão éintrinsccamenLe irracional, por-
que pode levar algum tempo antes que a
ó:ãgll estrutura d~moi'One.
PONZIS NATliRtU S
são novidades relaLiva-
OOIJIAS PINANCE!RAS
mcnte recentes na coleção heterogênea de
Ponzis. O reconhecimento de seus sLatus
de Ponzis ocorreu porque ficou clai'O que
a psicologia de um investidor é sempre a
mesma, Lanto faz se o dinheii'O está indo
parct um corretor imobitiárlo, um corretor
de ações ou um go1pista loquaz e convint(!n-
te. Em todosos casos,éoaumentosustenta.-
do de preços ou, mais precisamente, as ex-
pectativas de uma tendência ascendente,
que mantém o processo em a~ndamcnto. É
isso que levou o Prêmio Nobel de Economia
de 2013, RobettJ. Shiller, da Yale Universily,
a cbamã-Jo um "Ponzi que ocorre natural-
mente''; ou seja, uma bolha que não se
fonna em t'eSposta à batuta de um mani-
pulado!~ mas às forças naturais; do met-cado,
em que as expectativas de urna pessoa ali-
menlam o que as demais esperam.
Vimos isso acontecer no mercado imo-
büiáJiO e, ao longo dos tempos, nos merca-
dos de ouro, quando as pes:roas querem
compt-ar um bem só porque outros l.êm a
mesma motivação, o que faz com que os
preços subam. Recentemente os preços do
ouro despencaram como resultado de um
chamado "comportamento de manada''
~ que otiginou um Ponzi natural Os preços
~ haviam aumentado acentua.dament.e de
~ 2009 a 20ll porque investidores acredita-
1-am que a injeção de liquidez por pa.rte de bancos centrais para com-
bater a crise financeira faria com que os preços do precioso metal
oontinuassem a subir. Isso levou algumas pessoas a desembolsar di-
nheiro para comprar ouro à medida que o valor do papel-moeda di-
minuía Em consequência disso, surgiu uma enxurrada de func1os
pam aproveitar a esperada alta do mercado. Dumnte esses dois
gramas] de ouro saltou de aproximadamente US$ 900 para US$
LSOO. Em abril de 2013 houve uma pequena correção, que provocou
uma onda de pânico para vender o metal,
resultando em uma enorme desvaloriza-
ção. No decorrer de dois dias os preços de-
sabaram mais que em 30 anos, deixando
especuladores e analistas perplexos.
Assim como Ponzis podem se formar
naturalmente sem qualquer atticulação
intencional, bolhas e colapsos posteriores
que parecem naturais também podem ser
arquitetados. Um dos casos mais famosos
na história financeira ocorreu no início do
Carlo Ponzi; século 18, quando a empresa "Mississippi
A.~sistenle Especilll CÚJ Company'' de John Law na França come-
S11perbúendenle Penitenciá1"io çou a pagar rendimentos inflacionados
com lucros obtidos por seus erupreenldi-
Cario Pietro Giovanni GuglielmoTebaldo mentos na colônia francesa da Louisiana
Fbnzl nasceu no dia 3 ele março ele 1882, O estratagema atraiu cada vez mais inves-
em Lugo. na Itália. Após desperdiçar anos tidm'eS, até que uma corrida a um banco
em uma universidade em Roma, que a1iliado à empresa de La.w fez ruir estnon-
tratou como ''férias pagas•; ele migrou dosamentc o elaborado esquema
para os Estados Unidos, desembarcando
em Boston no final ele 1903. Sua falta ele ESTRA'I'AGE3US OCULTOS
escnípulos e uma inteligência incomum Al..GUMAS TRANSAÇÕFS FINi\NcmRAS que e.'rter-
tomaram-se rapidamente evidentes: a namente não parecem Ponzís podem, de
primeira quando acabou em uma prisão fato, se revelar instâncias "camufladas"' de
canadense por falsificar uma assinatura e um esquema piramidal Elas são perfeita-
a segunda qwndo esc:re..e.~ à sua amada mente legais e muitas vezes sw-gem quan-
rme da cadeia, explicando seu I1CMl do empresas manipulam suas operações
endereço como parte de seu maravilhoso para se manterem à tona em lempos difí-
emprego como "assistente especial"de ceis. Um Ponzi camuflado representa um
um superintendente penitenciário. desafio pat-a reguladores, porque está en-
AD retomar a Boston após sua liber- trelaçado a atividades perfeit.amente legfti-
taçao, A:>nzi começou a engendrar um mas. Aplicar regulamentos muito brusca-
esquema financeiro engenhoso atrás do mente para liquidá-los pode danificar teci-
outro para atrair a classe média vulnerá- dos saudáveis circundantes, e não ter con-
vel e conferir grande destaque à fraude trole sobre eles é aniscar o crescimento de
financeira. O colapso de um de seus malignidade. Além disso, esses esquemas
grandes esquemas 1100 só arruinou piramidais mascarados podem assumir
muitas famOias, mas lewu à falência seis fonnas diferentes.
bancos da cidade. Entrando e saindo Um exemplo disso é quando empresas e
continuamente da prisilo, ele finalmente governos cedem, de tempos em tem~:, ao
foi deportado para a Itália,e de lá imigrou que é chamado "malabarismo de emprésti-
para o Brasil. Derrotado espiritualmente, mo~ uma prática que por si só não é preju-
com a saúde abalada e quase cego. A:>nzi dicial. Uma en1presa pode optar por não li-
morreu na miséria no Rio de Janeiro em quidar uma parte de seus bens ativos, o que
18dejaneirode1949. - K.B. poderia acarretar altos custos par-a pagar
um credor. Então o mutuário, tanLO faz se é
uma pessoa física, uma empresa ou uma
nação, faz uma espécie de malabari::."TI10
www.sciam.com.br 63
 'I
ao tomar ernp•restado de um credor para pagar o ptimeiro. Se, ao
fa7.er isso a capacidade de pagar um empréstimo diminui ou um es-

Rou"'u.'~~. '.~~.~.':"!~.Gobar
perado retomo alto não se materializa, esses eventos podem precipi-
tarwn colapso•.
Alguns economistas consideram a crise da dívida no Peru, no
O conto "Rnam Krttva"("lbrdivida se necessário for"), de Shi-
início da década de 80, quando o governo fez novos empréstimos
bram Chakrabort;y, um bem conhecido escritor beogalês de
para saldar os preexistenles, uma forma de malabarismo de emprés-
meac:loo do séaJio 20, descreve habilick:Slmentea base do
timo. As expectativas do governo de que a economia melhoraria, o
esquema Fbnzi. O narrador conta a:rno certa quarta-feira pela
que lhe permiliria pagar os juros e o principal da dívida, nunca se
manha, precisando desesperadamente de 500 n.í1pias, resolveu
materializaram. Essas esperanças foram frustradas por um grande
se aptUteitar de seu ingênuo amigo de escola Harshabardhan e
terremoto, mn posterior declínio nas a'l)Ortações de batata e açúcar,
criou coragem para visitá-lo. Ele o CX)(M!OCe a lhe emprestar o
e umacriscgenerali7..adade endividamento na América.I.atina - fa-
tores que se traduziram na queda do produto interno bruto (PI B). dinheiro GOma promessa de que o valor será dev.oMdo no sába-
do. Quando chega sábado, é claro que ele está ncJVamente em
Muitas formas de atividades empresariais legitimas também
apuros. Felizmente, ele se lembm de Gobardhan, outro amigo
podem camuflar um Ponzi. Considere a prática bastante difundida
de infância ingênuo, e logo consegue baJulá-lo o s:uficiente para
e perfeitamente legal de dar opções de ações a funcionários. Isso
receber um empréstimo de 500 rupias. com a pn::messa de que
pode gerar lucros mesmo que as práticas da empresa possam criar
esse montante será devolvido na quarta-feira. Ele de\lolve as
produtos de baixo custo e valor insignificante.
500 rupias a Harshabardhan, mas como na quart:~•feira tem de
Um exemplo emblemático seria uma empresa st.art-up do VaJe
pagar Gobardhan. ele apela navamente a Harsha.lembrando
do Silício que contrata profissionais graduados altamente qualifica-
o amigo do quanto ele é um homem de palavra, ele...cita a em-
dos oferecendo um pacote inicial com salários abaixo dos valores vi-
prestar 500 rúpias e devolve o dinheiro a Gobar. E, em pouco
gentes no mercado, acrescentando, porém, opções de ações que
lemiJOI isso se toma um evento semanal.
prometem grandes retornos futuros. Os salários irrisórios garan-
Avida vai passando para o narrador de sábado a quarta e de
tem que a empresa ainda possa lucrar mesmo se cobrar de seus
quarta a sábaclo.lbr fim, a calamidade parece estar literalmente
clientes preços reduzidos por seus produtos. O proprietário, por sua
virando a esquina quando o narrador vê Gabar e Harsha cami-
Ve7.., fica com wna parte da diferença entre os bens de baixo custo e
nhando em sua dlreçào. de dois lados de uma encruzilhada. Ele
os saJârios ainda mais degradanles, enquanto paga o restante aos
se sente atordoado, mas se recupera bem a temp:> para á11.er o
funcionários seniores como se fossem ganhos suplementares.
quanto está feliz de encontrar seus dois melhon3 <3mlgos juntos.
A medida que a empresa cresce, ao empregar mais funcionários,
Depois de uma conversa infomlal,ele lhes conta que tem um
o empresário pode obter lucro muito alto, mesmo que, como todos
plano que, a:rno lhes garante, deixará suas vidas inalteradas,
os Ponzis, esse lialllbém acabará implodindo e dei>;ando os empre-
mas lhe poupará um monte de problemas desnecessários. Ele
gados desempregados ou em posse de opções sem nenburn valor.
diz a Harsha: "Todas as quartas-feiras. por favor, dê 500 rupias a
Um exemplo !>implificado ilustra como esse processo funciona, e
Gabar" e, voltando-se para Gabar. acresca1ta "e todos os sába-
como pode asswnir os atributos de um Ponzi. Uma start-up oferece
dos você dá 500 a Ha~ha.lembrem-se de que nu'l1ca devem
um salário baixo aos trabalhadores; inferior de fato ao valor em
parar': Eenquanto os amigos perplexos tentam en't:ender isso,
dólar do que qualquer um deles produz. Desse modo, a empresa
o narrador se despede deles evai embora. -K.B.
gera algum lucro com cada trabalhador. O que faz com que as pes-
soas queiram ~rabalhar nessa empresa, apesar dos baixos salários, é Com base no mduçJo em inglês de ' Rnam krttva: em An Economlst's
a sedução das o,pções de ações que a nnna lhes dá. Desse modo, no L Miscellaey, por Kaushik 8asu IOxford Unlverslry Pr.ess, 2011)

primeiro trimestre de suas operações, a starl-up emprega um fun-

cionátio e ofere<!e opções equivalentes àmctade de todos os lucros a
partir desse per1odo. No trimestre seguinte, a empresa dobr<~. sua
força de trabaTho ao contratar um novo funcionário e oferece a ele
opções que totalizam um quarto dos lucros desse perfodo em dian-
te. No terceiro trimestre, a empresa dobra novamente sua equipe ao
contratar mais d.ois novos empregados a quem acena com mn paco-
te de opções igual a um oitavo de todos os lucros a partir daquele
perfodo, o que siignlfica que a cada um deles é oferecido um d~-es­
seis avos (1/16) de todos os lucros. 'E assim por diante em cada tri-
mestre futuro.
Esse plano garantirá que os lucros de uma empresa dobrarão a
cada trimestre. Como os funcionários recebem uma parcela fixa dos
lucros, os ganhos de suas opções também dobrarão a cada perfodo
trimeí>tral. E a re:nda do empresário vem da diferença entre o valor
dos bens produzidos pelos trabalhadores e os baixos salários porque
ele fica com uma. parte dessa diferença, mas abre mão do restante
paru. pagar os rendimentos das opções de ações dos funcionários.
O crescimento exponencial do valor das opções de ações torna
um empfe1:,ro ncs,sa empresa sedu to r, mesmo que es..c:es .Profissionais
~
altamente treinados não considerassem o trabalho atraente de
outra forma em vista da baiXa remuneração. Em (J]tima análise,
porém, um Ponzi camuflado implodirá e levará a empresa à falên-
cia porque desenvolver um negócio desse modo requer uma inexo-
rável expansão da força de trabalho, o que é impossível em um
mundo com umapopulaçãofinita.
Um caso de Ponzi camuflado que deu errado envolveu a empresa
petrolífera bn1siloira OGX, dirigida pelo polivale:nte ex-bilionário
Eike Batista. A ascensão da OGX foi nada menos que espetacular,
assim como foi o seu ftm. O colapso da empresa, em.outubro de 2013,
foi o maior caJole empresarial da história latino-americana Uma es-
tralégia emprt'gada pela OGX foi roubar funcionáJios talentosos de
outras empresas ao lhes oferecer extravagantes opç;ões de. ações. Es-
se parcelamento de opções persistiu durante algum tempo, enquanto
a dívida se acumulava como uma pirâmide invertida. Então a.ernp~
sa implodiu, deixando funcionários e investidores quebrados.

64 Scientiflc Amerl.can Bro15ll I Julho 2014

 Mais uma vez, o desafio regulat6rio vem do fato de que um
Ponzi camuflado pode alterar seu caráter em pleno andamento; em
filtima análise deixando o empreendimento totalmente legítimo.
Favorecida por um clima econômico certo e um pouco de sorte,
uma empresa que se envolve uessas práticas pode acabar inovando
e criando produtos mais valiosos, possibilitando, assim, a contrata-
ção de mais funcionários mesmo sem a concessão de oJX.Xjes de
ações. Nessas condições, ela pode desacelerar sua expansão e tor-
nar-se gradualmente viável, s•em a necessidade de um crescimento
infinito e a distnbuição de rruús opções. É isso o que torna a regula-
mentação tão dificil. O excesso pode aniquilar empresas legítimas e
inibir a disposição de novas. De qualquer maneira, uma falta de re-
gulamentação pode dar origem a esquemas piramida1s e fraudes
que podem provocar grandes danos.
GR AND E DE MAIS PARA FRACASSA R
o GRANDE DESAFIO em considerar um oonjunto de regras regulatórias
deriva da existência de atividades que mesclam finanças legftjmas e
fraudulentas. Se alguém engana um investidor ao fingir que o dinhei-
ro está sendo investido de fon ua pl'odutiva c que os ganhos atuais só
estão sendo oompensados po1r possíveis perdas de futuros investido-
res, o vigarista pode enfrenta:r acusações criminais de fraude. Mas,
como acontece com outros Pc1nzis, é possível realizar essas openu;iíes
abertamente e ainda assim atrair dinheiro doi ingênuos.
Sintomático que a ortodoxia
econômica tenha necessitado
de toda um.a subdisciplina -
a economia, comportamental
e de uma série de experimentos
laboratoriais para reconhecer
que humauLos muitas vezes
,.., ,.. . .
nao sao rae1onms.
Parte do problema também resulta da irracionalidade humana
básica. É sintomático que a ortodoxía econômica tenha precisado de
toda uma subdisciplina - a ·economia comportarnental - e de uma
série de experimentos laboratoriais para reconbecer que humanos
muitas vezes não são raciolllús. Junto com esse reconhecimento veio
a necessidade de desenvolver leis para proteger os vulneráveis.
GrdÇBS ao acúmulo de anos de dados e análises, muitas leis
agora procuram evitar Pon:ds que são fraudes diretamente dirigi-
das aos desavisados. Nos Estados Unidos, a Securities and E:'\chan-
ge Commission (SEC) está encarregada de liquidar Ponzis frau-
dulentos. Leis cada vez. mais sofisticadas, como a lei Dodd-Frank,
aprovada pelo congresso em 2010, destinam-se a lidar com as
inúmeras formas adotadas por esses sistemas piramidais. O surto
de esquemas parecidos com o de Ponzi também resultou em recen-
tes discussões na Índia para emendar sua Lei da Comissão de Tí-
tulos e Câmbios, de 1992, para tomá-la mais eficaz no controle de
fraudes financeiras.
Uma grande dif1culdade para regular Ponzis, legítimos ou não,
Lem relação oom as idiossincrasias de polfticas governamentais.
Muitos governos, especialmente em economias industrializadas, fi-
zeram questão de intervir e salvar empresas muito grandes quando
elas es1avam prestes a falir. Essa prática, chamada "too big to fail'
('grande demais par.:~. fracassar'?, é onipresente o bastante para• ter
adquirido a desagradável sigla "TBTF: No entanto, ela pode atrair
investidores para uma empresa que opera um Ponzi na convic:.ção
de que, uma vez que ela se torne suficientemente grande, o gove:mo
intervirá. com dinheiro do conttibuinte na hora do rolapso, prolc-
gendo assim os investidores total ou pelo menos parcialmente.
O raciocínio por lrãs do conceito TB1'f está vinculado à convic-
ção de que, se uma grande empresa de in~·timcntos vai à falência,
os danos colaterais para cidadãos comuns serâo tão enonnes que o
governo precisa intervir para salvá-la. Agora, porém, ficou evidente
que uma polftica TBFTbem-intenciona.da, ou uma mal-inteocic:>na-
da que seja, mas bem disfarçada, pode exacerbar uma clise ao asse-
gurar aos gerentes financeiros que, se obtiverem lucro, o ganho scrâ
deles, mas, se sofrerem prejuízo, os contribuintes arcarão com o
ônus. Isso claramente teve um papel rclev:lnte na recente cli!;e f1·
nanceiraglobal.
Essa situação levou a imprudentes tomadas de riscos c empre-
enclimentos financeiros irresponsáveis. É claro que o que precisa-
mos é de uma política que, em ocasiões especíais, pode acaJTet2u· In-
tervenção govemamental para salvar uma empresa
privada da ruína; mas ela não deve salvar as pessoas
que dirigem a empresa e tomam as decisões. Com
isso em mente, muitas nações estão Lentando criar
diretrizes para obrigar empresas financeiras a garan-
tir que o dinheiro do contribuinte não terá d1~ ser
gasto para salvar grandes empresas do colapso.
Entre outras ideias novas motivadas pela última
década de esquemas fraudulentos e crises financeiras
está um sistema de prescrição para produtos 6man-
ceiros. Como no caso de um médico que presc:reve
um medicamento perigoso, esse sistema exigirá que
un1 profissional financeiro garanta, por escrito, que
um novo produto financeiro, como uma comple;!Gt hi-
poteca residencial, é seguro para o comprador 1antes
que alguém possa assinar o documento final Mesmo
que empresas adotem essas meclidas, a realidade ê
que Pon7Js e bolhas financeiras concomitantes. con-
tinuarão sendo um subproduto ocasionalmente tóxico en1 qualquer
economia nacional. Cada novo regulamento será confrontado por
mais um produto financeiro engenhosamente arquitetado, que
tentará separar as pessoas de seu dinheiro, implicando mais uma
necessidade de resposta dos órgãos reguladores. S!
PARA CONHECER MAIS
Amarketíng scheme for making money off innocent people: Auser's manu~l.
~i Kaushik Basu em Economic lerters, vol. 107, n9 2. págs. 122-124, maio de 2010.
Animal spirits: How human psychology drives the global economy, and wh;y lt
mattefS for global capitalism. George A. Akeitof e Robert J. Shiller. Princcton
University Ptess. 2009.
Ponzi's scheme: The true story of a financiallegend. Milchell Zuckoff.llandom
..~ Hous.e, 2005.
lmtlonal exuberancc. RobertJ.Shiller. Princeton Universily Ptess,2000.
www.sciam.com.br 65