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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

Ian Monteiro Jesus

Matrícula: 92784

A Teoria da Dependência e o agronegócio: uma análise dos impactos na


Câmara dos Deputados em relação ao mundo do trabalho

Viçosa – Minas Gerais

2020
Introdução:
A partir desse artigo tenho a intenção de utilizar a teoria da dependência para
estabelecer uma relação entre o imperialismo internacional e a influência do
agronegócio na política brasileira. Assim como entender alguns desdobramentos
causados pela oligarquia ruralista que acompanha o Brasil desde a sua colonização.
O intuito é compreender melhor como funciona o exercício do poder por parte dos
empresários do agronegócio, ao mesmo tempo em que se percebe os impactos
desse exercício.
“O poder é a questão central de toda sociedade. A razão é simples. É ele
que nos irá dizer quem manda e quem obedece, quem fica com os
privilégios e quem é abandonado e excluído.” (SOUZA, 2019, p. 11)
É inegável que a banca ruralista é uma das mais influentes no congresso, e é
composta principalmente por latifundiários e por indivíduos que possuem uma
ligação com estes. Além disso, pode-se perceber que se trata de uma das bancadas
mais bem articuladas, que não têm grande dificuldade em unir seu numeroso
contingente de integrantes para votar em prol da aprovação de políticas públicas que
buscam beneficiar a agricultura empresarial. Além disso, o grande número de
políticos ligados aos interesses do agronegócio faz com que diversas pautas, que de
alguma forma afetariam o lucro desses latifundiários, sejam barradas.
Principalmente, quando se trata de questões ambientais, ou relacionadas aos
direitos trabalhistas, ou pautas que buscam uma maior assistência social aos povos
indígenas e aos pequenos agricultores.
“A hipótese levantada é a de que a relevância e contínua expansão do
agronegócio encontram-se associadas às políticas de natureza imperialista
(um novo imperialismo, constituído sobre outras bases), bem como esta
relevância/contínua expansão é reprodutora de uma situação de
dependência econômica, erigida, também, sobre novas bases, aquelas
atinentes ao capital financeiro em proporções globais.” (XAVIER, 2017, p.
151)
Inicialmente, para que o entendimento acerca do assunto seja mais completo,
farei uma retrospectiva histórica, analisando dessa forma a produção agrícola no
Brasil desde a colonização, assim como a importância desse setor para a economia
do país historicamente. No intuito de ser mais específico escolhi compreender os
impactos da influência do agronegócio no que tange o mundo do trabalho, e como
esses impactos, por meio da precarização, fortalecem ainda mais o status quo.
Teoria da Dependência e retrospectiva histórica
Essa vasta influência que o agronegócio conseguiu estabelecer no cerne da
democracia brasileira não ocorreu por acaso. É fruto de uma monopolização de
terras e renda que acompanha historicamente o Brasil. De acordo com o autor
Theotonio dos Santos existem três formas históricas de dependência, são elas:
dependência colonial, financeiro-industrial e tecnológico-industrial. Todas elas
podem ser relacionadas com algum período histórico do Brasil.
Desde a colonização o país tem a sua economia baseada na exploração dos
recursos naturais. Inicialmente o que chamou a atenção foi a grande quantidade de
pau-brasil em suas terras, porém o grande interesse sobre as terras brasileiras veio
a pós a descoberta de que o plantio da cana-de-açúcar era extremamente lucrativo
devido as condições climáticas e geográficas. A partir desse ponto se iniciou a
formação de latifúndios no Brasil, que ficavam concentrados nas mãos dos
portugueses influentes que possuíam alguma relação com a coroa. Nesse período,
podemos observar claramente uma dependência colonial, na qual os europeus
donos de capitais, trabalhando em conjunto com o Estado colonialista, governavam
as relações econômicas existentes entre Portugal e Brasil.
Após um período de tempo, devido a diversos fatores, a cana-de-açúcar foi
cedendo lugar ao café como o principal produto da economia brasileira, perdurando
como tal durante um longo tempo. No decorrer desse período, o mesmo foi sendo
cultivado em formas de latifúndio, e assim como a cana-de-açúcar, sempre foi
voltado para a exportação. Portanto, podemos perceber que, durante esse período
de tempo, os dois principais produtos da economia se tratavam de matérias primas e
tinham como único objetivo a exportação, principalmente para os países europeus e
para os norte-americanos, dessa forma a dependência brasileira foi sendo
construída de forma que beneficiaria uma parcela ínfima da população (os
latifundiários) e excluiria todo o resto, assim como beneficiaria os países
dominantes. Nesse período, podemos observar claramente uma dependência
financeiro-industrial, a qual se caracteriza pela dominação do grande capital nos
países poderosos, e consequentemente a sua expansão ao estrangeiro através de
investimentos na exploração dos recursos naturais e na produção agrícola, no intuito
de abastecer esses centros hegemônicos.
É inegável que, a partir do ponto de vista econômico, o Brasil tenha crescido
durante esse período, porém o que acabou ocorrendo foi uma falsa ideia de
desenvolvimento, visto que com as sucessivas crises que afligiam os países
dominantes, os mesmos que adquiriam os produtos agrícolas brasileiros, a
exportação brasileira foi diminuindo cada vez mais, e o fato de que o país não
possuía uma diversificação de produção acabou culminando em uma crise
arrastada, reflexo dos países dominantes. Logo, podemos perceber que a relação
existente entre o Brasil e os países desenvolvidos do Ocidente, acabou assumindo
uma forma de dependência, visto que isso ocorre “quando alguns países (os
dominantes) podem se expandir e ser autossustentáveis, enquanto outros (os
dependentes) só podem fazê-lo como um reflexo daquela expansão, o que pode ter
um efeito positivo ou negativo sobre o seu desenvolvimento”. (DOS SANTOS, 2011,
p. 6) Dessa forma, podemos observar que, enquanto os países dominantes
mantinham um progresso, isso acabou sendo benéfico pro Brasil, porém quando a
crise atingiu esses países, o Brasil também acabou sendo afetado.
“Se no contexto de consolidação da indústria nacional (1955-1972) a
agricultura representava um entrave dada a baixa produtividade e parca
inserção tecnológica, nos tempos atuais, de vigência do chamado
agronegócio, ela apresenta, ano após ano, aumento dos índices de
produtividade acompanhado de uma massiva inserção de tecnologia em
seus processos produtivos.” (XAVIER, 2017, p. 155)
Atualmente, após diversos anos da hegemonia da cana-de-açúcar e do café,
o país continua extremamente dependente da produção e exportação agrícola. De
acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) o
agronegócio representou cerca de 21% do PIB brasileiro em 2019. Porém,
atualmente o produto agrícola mais importante da economia brasileira é a soja, visto
que o Brasil é o segundo maior produtor do mundo. Hoje em dia, pode-se observar a
terceira forma de dependência, tecnológica-industrial, em vigência no estado
brasileiro. Esta acabou se consolidando no período pós-guerra, e se baseia em
corporações multinacionais que investem em uma produção voltada ao mercado
interno dos países subdesenvolvidos, como a produção e venda de máquinas
agrícolas por exemplo.
“Com efeito, infere-se que o agronegócio consiste no elemento central de
reprodução não apenas do imperialismo das economias centrais sobre a
economia brasileira, mas também de reproduções de seu subimperialismo,
asseguradas as devidas divergências como o chamado subimperialismo
que se consolidou nos tempos da ditadura.” (XAVIER, 2017, p. 152)
Os impactos do poder do agronegócio na Câmara dos Deputados: Teoria da
Dependência e o mundo do trabalho
O poder do agronegócio e a sua influência na política brasileira pode ser
medido de várias formas. Porém, no intuito de ser mais específico, optei por analisar
a força dessa oligarquia na Câmara dos Deputados.
Atualmente, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ocupa 245 das 513
cadeiras totais disponíveis na Câmara dos Deputados. Esse número é assustador,
visto que quase metade dos deputados federais possuem alguma relação com o
agronegócio e portando lutam para beneficiar a sua oligarquia. Além disso, de
acordo com a lista divulgada pelo Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap), que aponta os 100 parlamentares mais influentes de Brasília,
pode-se perceber que diversos políticos apontados estão diretamente ligados ao
agronegócio, como é o caso do Alceu Moreira (MDB), presidente da FPA, e do ex-
senador e deputado Aécio Neves (PSDB).
Pode-se perceber diversos impactos que são derivados dessa estrutura
consolidada de poder. Entre eles está a perpetuação da dependência internacional
do estado brasileiro. Visto que, como os produtos agrícolas são um dos principais
geradores de renda a partir da exportação no país, é natural que os indivíduos que
detêm os meios de produção sobre esses recursos sejam os mais poderosos, ao
passo que estes estão sendo beneficiados pela estrutura de dependência, é natural
que estes façam de tudo para manter essa ordem vigente, mesmo que isso
signifique prejudicar o restante da população e a hegemonia do país.
“Enquanto exportamos soja e minério de ferro para a China, desse país
importamos plataformas de perfuração ou de exploração, partes e
acessórios de máquinas, aparelhos de toda sorte, circuitos integrados e
componentes eletrônicos. Aos Estados Unidos vendemos óleos brutos de
petróleo, celulose, café, deles adquirimos partes de motores e turbinas para
a aviação, medicamentos, instrumentos e aparelhos os mais diversos,
adubos e fertilizantes.” (XAVIER, 2017, p. 154)
Dessa forma, ao mesmo tempo em que o país se preocupa em produzir
commodities, ele se abastece de produtos industrializados a partir da importação.
Isso faz com que o Brasil não desenvolva a indústria nacional e continue
dependente da tecnologia internacional, dessa forma o país é obrigado a extrair
cada vez mais matérias primas para que possa fechar a balança de forma favorável,
visto a disparidade de preço existente entre as commodities e os produtos
industrializados. Além disso, é fato que para que se alcance o desenvolvimento
industrial é necessário que haja algum setor de exportação que se encarregue em
obter a moeda estrangeira e dessa forma poder adquirir os produtos utilizados pelo
setor industrial, assim como consequência dessa dependência existe a necessidade
de se manter forte a base exportadora nacional, isso acaba “limitando
economicamente o desenvolvimento do mercado interno ao conservar relações
retrógradas de produção e que significa, politicamente, a manutenção do poder nas
mãos de oligarquias decadentes tradicionais.” (DOS SANTOS, 2011, p. 10)
Além disso, é possível observar os impactos dessa estrutura de poder sendo
refletida nas relações de trabalho no país. Visto que, a desigualdade social no Brasil
é muito elevada, é natural que haja um contingente enorme de indivíduos que se
sujeitam a trabalhar sem se importar com direitos trabalhistas, estes acabam sendo
superexplorados a partir da sua necessidade e desespero em adquirir condições
mínimas de sobrevivência. É inegável que os empresários do agronegócio, ao
possuir tamanha disparidade de renda em relação aos seus empregados, exercem
uma dominação por conta da disparidade de poder. Essa acumulação desigual de
capital, faz com que a grande disponibilidade de mão de obra barata, aliada a uma
tecnologia de capital intensivo, acabe gerando um alto nível de exploração da força
de trabalho. Além disso, é comum que se observe a bancada ruralista, presente na
Câmara dos Deputados, se articulando para flexibilizar os direitos trabalhistas, assim
como lutando para impedir a todo o custo a diminuição das desigualdades socias,
tudo no intuito de poder manter a alta disponibilidade de mão de obra barata. Essa
necessidade, além de outros fatores, advém também do fato de que a disparidade
de preços entre os produtos vendidos e adquiridos é enorme, logo recorre-se a
superexploração das forças de trabalho, aliado a produção latifundiária desenfreada,
para que se possa fechar a balança com um saldo positivo.
“Uma série de fatores permitem inferências dessa natureza, bastando
considerar a superexploração da força de trabalho, resultando até mesmo
no recrudescimento do trabalho análogo à escravidão, sobremodo em
regiões de expansão de monoculturas, bem como as próprias dinâmicas
territoriais subjacentes ao processo de ocupação de novas porções do
território nacional” (XAVIER, 2017, p. 155)
Além disso, essa exploração da mão de obra também tem a sua importância
no intuito de impor limites a criação de indústrias de bases nacionais, como afirma
Theotonio dos Santos:
“Em primeiro lugar, essa estrutura submete a força de trabalho a relações
altamente exploratórias que restringem seu poder aquisitivo. Em segundo
lugar, ao adotar uma tecnologia de uso intensivo do capital, cria muitos
poucos empregos em comparação com o crescimento da população e limita
a geração de novas fontes de renda. Essas duas limitações afetam o
crescimento do mercado de bens de consumo. Em terceiro lugar, a remessa
de lucros ao estrangeiro leva embora parte do excedente econômico gerado
no país.” (DOS SANTOS, 2011, p.15)

Conclusão
Com base nos argumentos anteriormente citados é possível entender melhor
como funciona a estrutura do poder inerente aos donos do agronegócio. Pode-se
perceber, portanto, que o exercício do poder por parte destes funciona como uma
via de mão dupla, ao mesmo tempo em que estes buscam fortalecer a dependência
brasileira do capital internacional, estes também são um dos únicos que são
beneficiados por essa dependência. Logo, nada mais natural do que a luta por parte
deles para manter a vigência dessa estrutura, utilizando-se dos mais diversos meios
para isso. Entre os principais meios pode-se perceber o domínio sobre a política
nacional, utilizando-se do dinheiro e influência estes grupos se tornam muito
poderosos e praticamente imbatíveis em qualquer cenário político ou jurídico na
esfera democrática.
“Cumpre considerar, portanto, que esse novo imperialismo (ao menos no
caso brasileiro), tem se amoldado mediante o imperativo do capital
financeiro e sob a hegemonia do agronegócio, do que nos valemos
metodologicamente de um quadro analítico sustentado pela teoria marxista
e pela teoria da dependência, ademais de outras contribuições.” (XAVIER,
2017, p. 148)
Além disso, é importante perceber o quanto o agronegócio influencia as
relações de trabalho no país. Muitas vezes utilizando-se de cargos públicos para
manter as desigualdades sociais, eles buscam de todo o modo barrar qualquer
avanço de caráter populista que possa beneficiar a classe trabalhadora e
consequentemente prejudicar seus lucros. Logo, é importante perceber que estes
empresários andam na contramão do país, quanto maior a desigualdade e a miséria
na nação maior é o lucro e consequentemente o poder dessa elite.
Pode-se perceber também o impacto dessa elite no intuito de barrar reformas
mais contundentes no estado brasileiro. Como a reforma agrária, que busca uma
redistribuição das propriedades rurais, no intuito de diminuir as desigualdades e de
impulsionar o desenvolvimento industrial no país. Porém, pautas como essa, mesmo
que sejam historicamente discutidas como essenciais para o avanço do país,
passam longe do congresso, e não existe até o momento um horizonte possível em
que essa reforma seja aprovada.
“A reforma agrária, uma demanda premente do país, especialmente durante
a década de 1950, com a emergência de movimentos sociais de luta pela
terra, caso houvesse sido implementada, teria pavimentado as vias para um
processo de industrialização dotado de maior autonomia e teria impedido,
portanto, uma associação, ao capital estrangeiro, altamente deletéria aos
interesses nacionais. Por meio dela, a reforma agrária, ter-se-ia permitido
maior integração campo-cidade, agricultura-indústria, de modo que o setor
rural asseguraria preços favoráveis para o avanço da indústria nacional,
seja por meio de fornecimento de matérias primas, seja por meio do
fornecimento de gêneros alimentícios para o abastecimento da força de
trabalho urbana.” (XAVIER, 2017, p. 155)
Portanto, podemos concluir que enquanto a elite agrária brasileira mantiver o
seu domínio sobre a estrutura democrática do país não há a possibilidade de afetar
a sua hegemonia. Dessa forma, o agronegócio irá se perpetuar e se tornará cada
vez mais forte, a medida em que também fortalece a dependência da nação em
relação ao capital internacional. Logo, encontra-se um ciclo infinito de fortalecimento
mútuo, que apenas beneficia os países dominantes ao mesmo tempo em que
beneficia uma parcela mínima da população, que já possui todas as regalias,
deixando todo o resto do povo a margem, para serem utilizados como escada, para
que a elite possa cada vez mais aumentar o seu poder.

Referências

FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA. Fpagropecuaria, 2020.


Integrantes. Disponível em: <https://fpagropecuaria.org.br/integrantes/todos-os-
integrantes/> Acesso em: 10 de dez. de 2020
SANTOS, Theotonio dos. A estrutura da dependência. Revista Sociedade
Brasileira de Economia Política, São Paulo, n. 30, 2011.

SASAKI, Fábio. O poder da bancada ruralista no congresso. Guia do Estudante, 4


de ago. de 2017. Disponível em: <
https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/atualidades-vestibular/o-poder-da-bancada-
ruralista-no-congresso/> Acesso em: 10 de dez. de 2020

SOARES, Olavo. Os 100 parlamentares mais influentes do congresso e o que isso


diz sobre a nova política. Gazeta do Povo, Brasília, 18 de dez. de 2019. Disponível
em: <https://www.gazetadopovo.com.br/republica/100-parlamentares-mais-
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SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro. Rio de Janeiro:


Estação Brasil, 2019.

TOOGE, Rikardy. Agronegócio cresce 3,8% e representa 21% do PIB brasileiro em


2019, diz CNA. Globo G1, 9 de mar. de 2020. Disponível em:
<https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/03/09/agronegocio-
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Acesso em: 10 de dez. de 2020

XAVIER, Glauber Lopes. Agronegócio e capitalismo dependente na América Latina:


o caso brasileiro. Argumentum, v. 9, n. 2, p. 147-160, 2017.

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