Você está na página 1de 10

'"

-I:

AS ELITES E O USO DÀ FÕRÇA nuseável. ~ste é o primeiro passo num caminho que poderá
, NA SOCIEDADE';: . ser seguido por outros. Consideraremos o problema só no
que se refere ao equilíbrio social e tentaremos reduzir tanto
quanto possível o número de grupos e modos de circulação,
VILFREDO· PARE TO colocando-os sob um fenômeno geral bem semelhante.
Suponhamos que comecemos dando uma definição teóri-
Tradução de ALICE RANGEL ca do assunto que estarnos tratando, fazendo-a a mais exata
i.
possível, e então procuramos as considerações práticas que po-
·dem substituí-la .para .chegarmos a uma primeira aproxima-
ção. Não consideramos no momento o caráter bom ou mau,
útil ou prejudicial, louvável ou repreensível dos vários traços
dos indivíduos e nos limitemos a graus - em outras palavras,
se o traço em um dado caso é fraco, médio ou intenso - ou,
mais exatamente; ao índice que pode ser dado a cada indiví-
duo com' referência ao grau ou intensidade com que o traço
em questão aparece.
I. A idéia de elite e de cí~ulaçãode classes Suponhamos que, em qualquer ramo da atividade huma-
na, seja atribuído a cada indivíduo um índice que represente
Fomos mais de uma vez chamados a considerar o caráter um sinal de sua capacidade, de maneira semelhante ao modo
heterogêneo .da sociedade, e teremos que considerá-lo ainda que se dá nota nas várias matérias nos exames escolares. Ao
mais de perto agora que começamos nossa investigação das < tipo superior de advogado será dado nota dez, por exemplo.
condições que determinams.-HíOrIo sociaq Para têrmos um " Ao homem que não consegue um cliente, será dado nota 1
i caminho limpo à nossa ren e, sex:iaaconselhável discutir o - reservando-se o zero para um homem que seja um completo
assunto mais pormencrizadamente. neste ponto.. ., . idiota. Ao homem que fêz seus milhões - honestamente ou •
Quer certos teóricos gostem ou não, o fato é . que a so- \. · não, conforme o caso - daremos' dez. Ao homem que ga-
I.:~i ciedade humana não é homogênea, que os indivíduos.sãofísica, nhou seus milhares daremos 6. Os que apenas conseguem
moral e intelectualmente diferentes. Estamos aqui interessa-· livrar-se de ir para um" asilo de indigentes terão nota 1, reser-
dos nas coisas como são. Deve~os portanto levar 'em consi- vando-se o zero para os que não o conseguiram. Para as
~I(i~
(,;)r.,
deração " éss-e
fafo, -. Devemos ta bém levar em . consideração mulheres "na política", como a Aspásia de Péricles, a Main-
outro fato: que as classes sociais não são inteiramente distin- tenon de Luís XIV, a Pompadour de Luís XV, que lograram
tas, mesmo em países onde prev ece um sistema de castas; e enfatuar um homem de poder e ter uma parte na carreira do
que em modernos países civilizadç .a circulação entre as várias mesmo, daremos alguma nota alta, como 8 ou 9; para a pros-
classes é excessivamente rápida. Considerar vexaustivamente tituta que satisfaz meramente os sentidos de um homem assim
essa questão da diversidade dos numerosos grupos sociais e · e não exerce nenhuma influência nos interêsses públicos, da-
das inúmeras maneiras pelas qu ís se misturam está fora de remos zero. Para um esperto velhaco que sabe como enganar
I questão. Como sempre, portant , como não podemos ter o pessoas e conseguir manter-se fora da prisão, daremos 8, 9
I máximo, teremos que nos conte tar com, o mínimo e tentar ou 10, de acôrdo com o número de moambas que roubou e
I facilitar ao máximo o problema fim de' torná-Io mais ma- t- da quantidade de dinheiro que conseguiu extorquir. Para o
o

1 • Extraídode C. Wright MiIls, Images of Man, .George Braziller, ladrão que arranca um objeto de prata de uma mesa de res-
taurante e foge para os braços da polícia, daremos 1. Para
~; .
Inc., Nova York, 1960, pp. 262-277; de Pareto, The Mind and Society (tra-
duzido por A. Bonglorno e A. Livíngston; ed. Arthur Livingston) , quatro
volumes (Nova York: . Harcourt, Brace & Cornpany, 1935)" pp. 1419-143;?
um poeta como Carducci, daremos 8 ou 9, de acôrdo com
nossas preferências; para um. poetazinho que deixa todo mundo
I
~.
1512-1527. Comentários ao texto por Arthur Livingston,

t,
70 71
I~
Il
\,

I
i
i com sono com seus sonetos, daremos zero.: 'Para jogadores de Para a investigação especifica que empreendemos, um
xadrez podemos ter índices precisos," anotando que' jogos, e estudo do equilíbrio social, será de grande utilidade dividirmos,
quantos, ganharam. E assim para todos os ramos das' ativi- esta classe em duas outras: uma elite governante, compreen-
dades humanas.' , dendo os indivíduos que direta ou indiretamente particípam de
Estamos falando, lembrem-se, de
um' estado ide fato, e I forma considerável do govêrno, e uma elite não-govemante,
não 'de um estado potencial. Se num exame de Inglês um compreendendo os demais.
aluno disser; "Eu poderia saber In I ês muito bem se
quisesse; Um campeão de xadrez é certamente um membro da
só não o sei porque não achei nec ssário aprender'vó exami- elite, mas não é menos certo que seus méritos como jogador
nador responde: "Não estou intere sadono
para o que você sabe é zero".
seu alibL ' A nota
e, ígualmenteaígúém diz:
" de xadrez não lhe abrirão as portas da influência política; e
portanto, a menos que possua outras qualidades para', merecer
"Fulano de tal não rouba, não qu não possa, masporque é tal distinção, não será membro da elite governante. As aman-
um cavalheiro", responderemos:," uíto bem,n6so ' admira-. tes dos monarcas absolutos foram muitas vêzes membros da
mos pelo seu autocontrôle, mas a nota' que merece, como la- elite, ou por causa de sua beleza ou por causa de seus predi-
drão é zero". , " , cados intelectuais; mas só poucas dentre elas, que além disso
Há pessoas que adoram Nap leão Bonaparte como um possuíam: os talentos particulares requeridos pela política, par-
deus. Há pessoas que o detesta como o último 'dos crimi- ticiparam no govêrno,
nosos. Quem está certo? Não tentaremosresolver esta ques- Temos então dois estratos numa população: 1) um es-
tão em. relação a um assunto bem-diferente, GuerNapoleão trato inferior, a não-elite, cuja influência possível no govêr-
tenha sido um bom ou mau homem, êle certamente não foi no não nos interessa aqui; 2) um estrato superior, a elite,
um idiota, nem um homem de pouco interêsse, como milhões- dividida .ern dois; a) a elite governante; b) a elite não-go-
de outros o' são. Possuía qualidades excepcionais;' e isso é o vemante.'
bastante para que lhe confiramos um alto .põsto, sem precon- "r Concretamente, não há exames pelos quais a cada. pessoa
ceitos de qualquer natureza para questões que possam sei: le- seja assinalado um lugar adequado nessas várias classes. Essa
vantadas para a ética de suas qualidades ou suas utilidades deficiência é superada por outros meios, por vários rótulos que
sociais. to de certa maneira servem para diferenciá-los. O rótulo "advo-
Em resumo, estamos corno sempre recorrendo 'à análise gado" é afixado' num homem que se supõe saiba alguma coisa
científica, que distingue um problema do outro e 'estuda cada sôbre leis, e muitas vêzes o sabe realmente, apesar de algumas
um separadamente. Como sempre, também;' estamos "substi- vêzes ser também um ignorante. Assim, a elite governante
tuindo variações imperceptíveis 'em números absolutamente exa- contém indivíduos que usam rótulos apropriados para cargos
tos, com variações agudas correspondendo a agrupamentos por políticos de certa relevância ,- ministros, senadores, deputados,
classes, do mesmo modo que num exame os que passaram são juizes; generais,' coronéis; é assim por diante - fazendo a já
forte e arbitràriamente separados dos que foram reprovados, citada exceção para aquêles que acharam o caminho para essa
e do mesmo modo que em matéria de idade cronológica sepa- decantada companhia sem possuir as qualidades correspon-
ramos as crianças dos jovens, os jovens dos adultos. dentes aos rótulos que usam.
Reunamos, pois, em uma classe as pessoas que possuem Tais exceções são muito mais numerosas que as exceções
os mais altos índices em seus ramos de atividade e chamemos entre advogados, físicos, engenheiros, milionários (que ganha-
essa classe de elite, 1 ram seu próprio dinheiro) , artistas famosos e assim por diante;
1 Kolabinska, La circulatiott des élites en France, p, S: "A idéia t inteiramente qualquer tipo de julgamento dos méritos e utilidades de tais
"
principal no têrmo "dite" é "superioridade". 'l'!: a única que considero, classes. (A frase "circulação de elites" está estabelecída na líteratura conti-
Abandono as conotações secundárias de apreciação ou da Utilidade de tal nental. O próprio Pareto a traduz para o italiano como "circulação das classes
superioridade, Não estou interessado aqui no que é desejável. Estou fazendo de elite (selecionadas, escolhidas, dirigentes, "melhores")". :Il, urna frase
um simples estudo do que é, Num sentido lato entendo por' "elite" numa enfadonha e não muito exata, e não vejo rai'.ão para preferi-Ia a frase inglesa
sociedade as' pessoas que possuem um acentuado grau de qualidades de inte- mais natural e, na maioria das conexões, mais OXl1W, clrculcçõo de classes.
ligência. perícia, capacidade, de qualquer espécie, .. , Por outro lado evito A. L.).

,72 73
pela razão, entre outras, que nesses últimos departamentos vel, e as vadações ocasionam situações que têm importante
das atividades os rótulos são usados diretamente por cada indi- influência no equilíbrio social. Somos portanto obrigados a
víduo, enquanto na elite alguns rótulos- o rótulo de riqueza, fazer um estudo especial sôbre êles,
por exemplo - são hereditários.x Antigamemerhàvia sempre Além disso, a maneira pela qual os vários grupos de uma
rótulos hereditários também na elite governante:nbs nossos população se íntermisturam deve ser. considerada. Ao se loco-
dias s6 o rótulo de rei continua nesse status. Mas se a herança mover de um grupo para outro um' indivíduo traz geralmente
direta desapareceu, indiretamente a herança ainda é muito consigo certas inclinações, sentimentos, atitudes que adquiriu
forte; e um indivíduo que .herdou um razoável patrimônio pode no grupo do qual veio, circunstância essa que não pode ser
ser fàcilmente, em certos países, nomeado senador, ou conse- ignorada.
guir ser eleito para o Parlamento comprando votos ou, em Para essa mistura, no caso particular em que somente dois
certas ocasiões, enganando os eleitores com afirmações de ser grupos, a elite e a não-elite, são considerados, foi aplicado o
o democrata dos democratas, um socialista; um anarquista. Ri- têrmo "circulação das elites" 2 (em francês circulation. des élites
queza, família ou contatos sociais também ajudam em muitas ou em têrmos mais gerais "circulação de classes").
outras ocasiões a conseguir o rótulo da, elite em geral, ou da Em suma, devemos prestar atenção especial: 1) no caso
; ,
elite governante em particular, para pessoas que de outra ma- de um só grupo, às proporções entre o total do grupo e o nú-
neíra não poderiam ter direitos sôbre êles. ' mero de indivíduos que são nominalmente membros, mas não
Em sociedades onde a unidade social é a família, o rótulo possuem as qualidades requisitadas para a associação efetiva;
usado pelo chefe da família beneficia também os demais mem- e depois, 2) no caso de vários grupos, aos modos pelos quaís
bros, Em Roma, o homem que se tornasse imperador geral- ocorrem as transições de um ,para outro e à intensidade do
mente erguia seus escravos libertos à classe mais alta' e, muitas movimento - ou seja, à velocidade da circulação.
vêzes, de fato,' à elite governante. Nesse caso, ora, maior, ora .~ A velocidade da circulação deve ser considerada não só
menor, número de escravos libertos fazendo parte -do govêrno de modo absoluto como também na sua relação com a oferta
romano possuía qualidades boas ou más que justificavam o e procura de certos elementos sociais. Um país que está sem-
uso dos rótulos que haviam recebido como doação imperial. pre em paz não requer muitos soldados na sua classe gover-
Em nossas sociedades, a unidade social é o Indivíduo; mas o '~- 'nante, ,e a produção de generais pode ser exuberante demais
lugar que ocupa na sociedade beneficia também' sua mulher, comparada com a procura. Mas quando um país está conti-
seus filhos, seus conhecidos, seus amigos. ' nuamente em guerra são necessários muitos soldados, e~ apesar
Se todos êsses desvios do tipo fôssem de pouca impor- da produção permanecer no mesmo nível, pode não satisfazer
tância, poderiam ser desprezados, como são virtuaímente jíes; a procura. Isso, diga-se de passagem, foi a causa do colapso
prezados em casos onde se requer um diploma para a prática de muitas aristocracias. 8 _'
de uma profissão. Todo mundo sabe que há pessoas que não
merecem seus diplomas, mas a experiência mostra que no total 2 (S POUCo apropriado, pois, neste' sentido. a frase nunca significou
mais do que circulação entre a própria elite. Além disso, a elite não é a
tais exceções podem ser ignoradas. ' , única classe a ser considerada, c 05 princípios que se aplicam à circulação
Poder-se-ia também desprezar os desvios se; sob certos entre a elite se aplicam à circulação entre as classes inferiores que escolhemos,
por um motivo ou outro, considerar. - A. L.).
pontos de vista pelo menos, 'se mantivessem mais ou meDOS 3 Kolabinska, op. cit•• p. 10: ,"O recrutamento inadequado na elite
constantes quantitatívamenra. se só houvesse uma negligen- não é resultante de uma mera proporção numérica entre novos e velhos
ciável variação nas proporções entre o' total de uma classe e membros. Tem-se de levar em consideração o número de pessoas que pos-
suem as qualidades requeridas para associação na elite governante, mas
as pessoas que usam seu rótulo sem as qualidades. correspon- ! não são adlmitidos: ou então, em direção oposta, o número dos novos
dentes. . membros que a elite requer, mas não consegue. No primeiro caso, a pro-
De fato, os casos reais qpe devemos considerar em nossa dução de pessoas possuindo qualidades excepcionais no que diz respeito à
educação podem superar em muito o número de tais pessoas que a elite
sociedades diferem dêsses dois. Os desvios não são tão poucos . pode acomodar, e 'então temos o que foi chamado de "proletariado ín-
que possam ser desprezados. Além disso, seu número é variá- ,~

telectual",

74 .: 75
I

I
I
I Outro exemplo: num país onde há pouca indústria e pouco dos indivíduos pertencentes a essas aristocracias possui de fato
comércio, a oferta de, indivíduos possuindo em alto grau as as qualidades necessárias para ali permanecer; mas há também
qualidades requisitadas para êsse tipo de atividade excede a casos em que um considerável número de indivíduos que for-
I
!
demanda, Com o desenvolvimento do comércio e ela indústria,
a oferta, mesmo permanecendo a mesma, não satisfaz mais
mam a classe não possui tais requisitos. Tais pessoas podem
ocupar lugares mais ou menos importantes na elite governante
! a demanda. ou podem ser barrados dela.
Não devemos confundir o estado de direito' com o estado No princípio, aristocracias militares, religiosas e comer-
de fato; só o último (ou quase .só) tem influência nó equilíbrio ciais e plutocracias - com raras exceções que não merecem
.social, 'Há muitos exemplos .de castas legalmente fechadas, ser consideradas - devem ter constituído partes da elite go-
para as quais novos indivíduos abrem caminho, e muitas vêzes . vem ante e algumas vêzes a própria elite. O guerreiro vitorioso,
em grande número. Por outro lado, que diferença faz se uma o próspero comerciante, o plutocrata opulento, eram homens
castaé legalmente aberta se condições de jato impedem a en- dessas partes, cada um no seu .campo, sendo superiores ao indi-
trada de novos membros? Se uma pessoa que adquire riqueza víduo médio. Sob essas circunstâncias, o rótulo correspondia
se torna por isso membro da classe governante, mas ninguém a uma capacidade de fato. Mas à medida que o tempo passa,
fica rico, é como se a classe .fôsse fechada; e se só: uns poucos consideráveis diferenças, as vêzes muito consideráveis, surgem
ficam ricos é corno se a lei erigisse sérias barreiras contra o entre a capacidade e o rótulo; enquanto, por outro lado, certas
acesso à casta. Algo nesse gênero foi observado, mais para aristocracias que figuravam proeminentemente na elite nas-
o fim do Império Romano. Pessoas que adquirissem riqueza cente acabam por constituir um elemento insignificante na mes-
entravam na ordem dos curlaís. Mas só uns poucos indiví- ma. Isso acontece especialmente com aristocracias militares.
duos ficavam ricos. Teõrícamente podemos examinar qualquer As aristocracias não perduram por muito tempo. Quais-
número de grupos. Pràticamcnte devemos limitar-nos aos .mais quer que sejam as causas, é um fato incontestável que depois
importantes. Vamos continuar com sucessivas aproximações, de certo tempo elas morrem. A história é um cemitério de
começando pelo mais simples e indo para o mais complexo. aristocracias. O "povo" de Atenas era uma aristocracia com-
Classe alta e classe baixa em geral. O mínimo que po- parado com o resto da população de residentes estrangeiros e
demos fazer é dividir a sociedade em dois estratos: um estrato escravos. Desapareceu sem deixar descendentes. As várias
superior, que usualmente contém os dirigentes,. eum estrato aristocracias de Roma desapareceram no seu devido tempo.
inferior, que usualmente contém os dirigidos. Esse fato é tão Assim também o fizeram. as aristocracias dos bárbaros. Onde
óbvio que sempre se fêz presente nas observações mais super- estão, na França, os descendentes dos conquistadores francos?
ficiais, acontecendo o mesmo com a circulação dos indivíduos As genealogias das famílias inglêsas foram conservadas com
entre os dois estratos. Mesmo Platão já suspeitava de uma exatidão; e mostram que restam muito poucas famílias descen-
circulação de classes e tentou regulá-Ia artificialmente. O dentes dos companheiros de Guilherme, o Conquistador. O
"homem-nôvo", o homem que veio do nada, o parvenu, sem- resto desapareceu. Na Alemanha, a aristocracia dos dias pre-
pre foi um objeto de interêsse, e a literatura analisou-o exaus- sentes é em grande parte formada pelos descendentes dos vas-
tivamente vêzes sem fim.' Aquí.. portanto, estamos apenas salos dos antigos senhores. As populações dos países europeus
dando uma forma mais exata a coisas que há muito são per- aumentaram enormemente durante os. séculos passados. E é
cebidas de maneira meio vaga. Acima ... notamos uma dis- tão certo quanto possível que, as aristocracias não aumentaram
tribuição variável de resíduos nos vários agrupamentos sociais, proporcionalmente.
e principalmente na classe superior e inferior.L Tal heteroge- Não definham apenas em números. Decaem também em
neidade é fato 'percebido ao olhar mais superficial ... qualidade, no sentido de que perdem seu vigor, de que dimi-

1
O estrato superior da sociedade, a elite, contém nominal- nuem em proporção os resíduos que lhes permitiram conquis-
I
mente certos grupos de pessoas, nem sempre bem definidos, tar e manter o poder. 'A classe dominante é revigorada não
que são chamados aristocracias. Há casos ernque a maioria só em número, mas - e é isso o mais importante - em quali-

76 77
dade, por famílias saídas das classes inferiores e que trazem bém em têrmos da dignidade e respeito que antes gozava e
consigo o vigor e a proporção de resíduos necessários para se que constituía um capital. Nos primeiros estágios de declínio,
manterem no poder. :e, também revigorada pela perda dos ,:1
o poder é mantido por barganhas e concessões, e as pessoas
seus membros mais degenerados. se enganam de tal maneira que chegam a pensar que tal polí-
Se alguns dêsses movimentos chegam a um fim, ou, ainda tica pode: ser levada avante indefinidamente. Assim o Império
pior, ambos acabam, a classe governante cai na ruína. e muitas Romano decadente comprou a paz dos bárbaros com dinheiro
vêzes arrasta consigo tôda a nação. Uma 'forte causa de per- e honrarias. Assim, Luís XV na França, esbanjando em
turbação do equilíbrio é a acumulação de elementos superio- ij muito pouco tempo uma herança ancestral de amor, respeito
e reverência quase religiosa pela monarquia, conseguiu, fazendo
res nas classes inferiores, e, inversamente, de elementos infe- ·'1
J:j
riores nas classes' superiores. Se aristocracias humanas fôssem I repetidas concessões, ser o Rei da Revolução. Assim a aristo-
como os "puros-sangues" entre os animais, que se reproduzem cracia inglêsa conseguiu prolongar seu prazo de poder na se-
durante longo período com aproximadamente os mesmos tra- ~ gunda metade do século XIX até o alvorecer de sua decadência,
ços, a história humana seria completamente diferente da história :' anunciada pelo Parliament Bill nos primeiros anos do século XX.
que conhecemos.
Em virtude da circulação de classes, a elite governante está 11. ,O uso da [õrça na sociedade
sempre num estado de lenta e contínua transformação. Corre
como um rio, nunca sendo hoje O que foi ontem. De tempos Perguntá! se a fôrça deve ou não ser usada numa socie-
em tempos ocorre um súbito e, violento distúrbio.. Há uma dade, se o uso da fôrça é ou não benéfico, é fazer uma per-

I
enchente - o rio transborda. Depois, a nova elite'govemante gunta que não tem sentido; pois a fôrça é usada por aquêles
reassume sua lenta transformação. A enchente acalmou-se, o que querem preservar certas uniformidades e por aquêles que
rio corre normalmente, mais uma vez, em seu leito marcado. querem passá-Ias para trás; e a violência de uns fica em con-
As revoluções ocorrem através de acumulações: nos estra- traste e em conflito com a violência de outros. Na verdade, se
tos superiores da sociedade - seja for caUS,ade urna diminuição
no ritmo da circulação de classes seja devido a outros moti-
;1

Il!
um partidário de uma classe governante desaprova o uso da
fôrça, quer dizer que desaprova o uso da fôrça por insurgentes
vos - de elementos decadentes que não. mais possuem os que querem fugir às normas da dita uniformidade. Por outro
resíduos adequados para mantê-los no poder,· e que . temem o '~ lado, se diz que aprova ·0 uso da fôrça, o que real-
uso da fôrça; enquanto simultâneamente, nos estratos infe-· mente quer dizer é que aprova o uso da Iôrça peJa autoridade
riores da sociedade, surgem elementos deiqualldade superior, I: pública para constranger os insurgentes à conformidade. Inver-
samente, se um partidário da classe submetida diz que detesta
possuindo os resíduos adequados para oexercícíodas funções
do govêrno e dispostos a se utilizarem da fôrça.. '
li o uso da fôrça em sociedade, o que realmente detesta é o uso
Geralmente, em revoluções, os membros dosestratos in- .da fôrça por autoridades constituídas para forçar dissidentes
II
feriores são comandados por líderes dos' estratos' superiores, a conformarem-se; e se, ao invés, êle louva o uso da fôrça
porque os últimos possuem as qualidades intelectuais neces-
sárias para o delineamento de uma tática, enquanto sentem J !
está-se referindo ao uso da fôrça por aquêles que iriam afas-
tar-se de certas conformidades sociais."
falta dos resíduos combativos fornecidos pelos indivíduos dos I Nem há qualquer sentido particular na pergunta se o uso
estratos inferiores. ' da violência para reforçar certas' uniformidades existentes é
Os movimentos violentos ac ntecem aos. trances e bar- II benéfico para a sociedade, ou seé benéfico usar a fôrça para
i
I
1
;,
1,'
rancos, e seus efeitos não segue

pode subsistir por algum tempo


prando seus adversários e pagand
imedi atam ente suas causas.
Depois que uma classe governant , ou uma nação.se manteve
forte por longos períodos de tem o e adquiriu grande riqueza,
nda sem usar a fôrça, com-
não só em ouro, mas tam-
I~I, 4 No incidente de Zabern os mesmos jornais mostraram a maior
Indígnação com o "quebra-quebra" por parte das autoridades militares, mas
foram muito brandos em relação ao "quebra-quebra" e aos atos de "sabo-
tagem" praticados pelos grevistas na mesma época. Inversamente. os jornais
que aprovaram o uso da fôrça pelos militares mostraram-se indignados diante
dos atos de violência por parte de seus adversários.
i v
.r
78 11
79
I:
II
f· J
-r
.\.\":

superá-Ias; pois as várias UUifoJidad" devem ser distingui- violação pode ser encarada como uma anomalia individual com
das a fim de se ver quais são benéficas c quais são mortais para o fim de atingir alguma vantagem individual, e menos pronta-
a sociedade. Nem isso, na verdade, é suficiente, pois é neces- mente perdoada na medida em que a violação aparece como um ,
sário determinar se a utilidade da uniformidade é bastante gran- ato coletivo visando vantagens coletivas, especialmente se seu
de para compensar o dano que será feito ao usar' a violência objetivo aparente é substituir as normas gerais vigentes por
para reforçá-Ia, ou se o detrimento da uniformidade é bastante outras normais gerais. fi
I grande para contrabalançar o 'estrago que será causado ao se Isso mostra tudo o que há em comum entre o grande nú-
usar a fôrça para subvertê-Ia; e entre os pontos negativos não mero de fatos nos quais se faz uma distinção entre os .assim
I nos devemos esquecer de reconhecer o, atraso muito grande
envolvido na anarquia que resulta de qualquer uso freqüente
chamados crimes privados e os assim chamados crimes políti-
cos. .Uma distinção, e geralmente uma distinção bem clara, é
I
de violência para abolir uniformidades existentes" assim como feita entre o indivíduo que mata ou rouba para seu próprio
!, entre os benefícios e utilidades de se manter uniformidades benefício e o indivíduo que comete um assassinato ou roubo
i
francamente injuriosas devem ,ser contados a fôrça e estabili- com a intenção de beneficiar um partido. Em geral, os países
I dade que emprestam à ordem social. ' Assim, para 'se resolver civilizados concedem extradição para os últimos, recusando-a
I o problema do uso da fôrça, não é suficiente resolver o outro para os. primeiros. DÇl mesmo modo notamos uma sempre
problema da. utilidade, em geral, de certos tipos de organiza- crescente mitlgação para com crimes cometidos durante greves
ção social; é também primordial e essencial computar tôdas as de trabalho ou no curso de outros conflitos econômicos, sociais
vantagens e desvantagens, diretas e indiretas. Tal caminho nos ou políticos. Há uma tendência cada vez mais conspícua para
leva à solução de um problema científico; mas pode não ser, e se enfrentar tais agressões com resistência pacífica, pedindo-se
muitas vêzes não é, o caminho que leva a um aumentei da uti- à Iôrça policial, para não usar armas, ou permitindo-se o uso
lidade social. Seria melhor, portanto, quefôsse seguido apenas só em casos de extrema necessidade. Tais casos nunca acon-
pelas pessoas chamadas para resolverrum problema científico tecem na prática, Enquanto o policial está vivo, a necessidade
ou, em extensão limitada, por certos indivíduos da classe diri- não é considerada extrema, e é inútil, afinal de contas, consi-
gente; enquanto a utilidade social seria muitas vêzes melhor
'I derá-Ia extrema depois que está 'no túrnulo e não mais em
!
servida 'se os membros da classe submetida, cuja função não é posição de aproveitar-se da devida permissão para usar seu
liderar, mas agir, aceitassem, segundo o caso, uma das duas revólver; A punição por processo judicial está-se tornando
teologias citadas - quer a teologia que prega a .preservação cada vez menos severa. Os criminosos ou não são condenados,
das uniformidades existentes, quer a teologia que aconselha ou, se condenados, são soltos por alguma lei probativa, que,
a mudança. se falhar, podem ainda recorrer a comutações, perdões indivi-
O que dissemos acima serve para explicar, além das difi- duais, ou anistias gerais, .de ,modo que, no total, pouca coisa
culdades teóricas, como é que as soluções geralmente encon- ou nada têm a temer dos -tribunais. Em uma palavra, de um
tradas para o problema geral têm tão pouca, e muitas vêzes modo vago, nebuloso, está surgindo .a noção de que um go-
nenhuma, influência na realidade, As soluções para proble- vêrno existente pode fazer um pequeno uso da Iôrça contra
mas particulares chegam mais perto de seus objetivos porque,
situadas como estão em espaço e tempo definidos, apresentam 5 ' Não .5 necessário rever tôda a história do uso da fôrça desde os
tempos antigos até os tempos modernos. ou entrar em muitos detalhes,
menos dificuldades teóricas. e porque a inferência tácita do Limitar-nos-emos ao presente, e tentaremos achar uma fórmula que nos dê
empirismo prático leva em consideração muitas circunstâncias uma visão' geral dos fatos observados. Se, considerássemos o passado recente.
que a teoria, até que atinja um estado: de perfeição muito teríamos que considerar as violações de normas da uniformidade intelectual
par a par com as víolações da. ordem material. Até há pouco tempo eram
grande, não pode avaliar explicitamente. . assim consideradas e, muitas vêzes mesmo, aquelas eram consideradas mais
I, Considerando as violações de conformidades materiais entre sérias do que essas. Mas em nossos dias, com algumas exceções. as propor-

!' povos civilizados modernos, vemos em geral que o uso da vio-


~
u,
ções foram invertidas e são poucas ,!S normas da uniformidade
que a autoridade pública impõe.
inteíectual
Será melhor portanto serem consideradas
lência é mais prontamente perdoado na medida em que a separadamente das normas de ordem material.

80 81
seus uunugos, mas não muito, c deve ser condenado sob qual- curam a espinha de qualquer tendência à curvatura. (I 4) As
quer circunstância se levar o uso da Iõrça tão longe a ponto politicas da classe dominante não são planejadas com muita
de causar a morte de um número considerável, de um pequeno antecedência. A predominância dos .instíntos de combinação
número, de um único de seus inimigos; também não pode livrar- e o enfraquecimento dos sentimentos de persistência dos agre-
-se dêles mandando-os para a prisão ou de qualquer outra gados resultam em fazer a classe governante mais satisfeita
maneira. . .. com o presente e menos preocupada com o futuro. O indi-
Quais são agora as correlações que subsistem entre êsse víduo prevalece agora, e longe, sôbre a família, comunidade.
método de aplicar fôrça e os outros fatos sociais? Notamos, nação. Interêsses materiais e do presente ou futuro próximo
como sempre, uma seqüência de ações e reações nas quaís o prevalecem sôbre os interêsses ideais da comunidade, ou nação,
uso da Iôrça aparece ora como causa, ora como efeito. No e sôbre os interêsses de um futuro distante. O impulso geral
é gozar o presente sem pensar muito no amanhã. 5) Alguns
que diz respeitei à classe governante, temos, no total, cinco
dêsses fenômenos se tornam também visíveis em relações inter-
grupos de fatos a considerar: 1) Um mero punhado de cida-
nacionais. As guerras tornam-se essencialmente econômicas.
dãos,contanto que estejam dispostos a usar violência, pode
Esforços são feitos. a fim de evitar conflitos com os poderosos.
forçar sua vontade. sôbre oficiais públicos que não estão dis- e s6 os fracos são ameaçados com a espada. As guerras são
postos a enfrentar a violência com igual violência. i Se a relu- encaradas antes de mais nada com especulações. Um país é
tância dos oficiais a recorrer à fôrça é primordialmente moti- Involuntàríamente forçado à guerra por pequenos conflitos
vada por sentimentos humanitarístas, êsse 'resultado é rápido; econômicos, dos quais nunca se imaginou perder o contrôle
mas se se retraem da violência porque. julgam mais acertado nem que se transformassem em conflitos armados. Não poucas
usar outros meios, o efeito é geralmente o que se segue. 2) vêzes, no entanto, um país é forçado a entrar em guerra por
Para prevenir ou resistir à violência, a classe governante re- povos que não estão tão adiantados na evolução que leva à
corre à "diplomacia", fraude, corrupção -- as au'toridades predominância dos resíduos da Classe r. No que diz respeito
governamentais passam, em uma palavra, dos leões às rapôsas. à classe. temos' as seguintes relações, que corresponde.m em
A classe governante curva a cabeça sob a ameaça da violência, parte ao que foi dito acima: 1). Quando a classe dominada
mas só se rende em aparência, tentando virar o flanco para o contém um número de indivíduos dispostos a usar a fôrça e
obstáculo que não conseguiu demolir comum ataque frontal. lideres capazes - para guiá-Ios, a classe governante é, muitas
A longo prazo êsse tipo de procedimento vem exercer uma vêzes, derrubada e outra toma o seu lugar. Isso _acontece
influência de longo alcance na seleção da classe governante, fàcilmente se as classes governantes são inspiradas primordial-
que é agora recrutada entre as rapôsas, recusando-se os leões. mente por sentimentos humanitários e muito íàcilmente se não
O indivíduo que melhor domina a arte de solapara fôrça dos encontram meios de assimilar os indivíduos excepcionais que
inimigos do "enxêrto" e de reconquistar pela fraude. e engano estão à frente das classes-dominadas. A aristocracia humaní-
tarista fechada ou exclusiva representa o máximo de insegu-
o que parecia ter sido entregue sob pressão da fôrça é agora
rança, 2)]j: muito mais difícil derrubar uma classe governante
o líder dos líderes, O homem que tem explosões de rebelião,
que é perita no uso da trapaça, da fraude, da corrupção; e
e não sabe curvar a espinha no lugar e tempo apropriados, é
o pior dos líderes, e sua presença só é tolerada. entre êles . 6. o têrmo "resíduos", como usado por Pareto, parece referir-se a
elementos individuais psicológicos que são não-lógicos e imutáveis, e que de
se outros dons superarem êsse defeito. 3 ) Então surge que certa maneira estão na base -' do modo que os instintos o fazem, incons-
os resíduos de instintos-combinações (Classe I) são intensi- cientemente - uma variedade de ações sociais, Pareto os classifica em seis
ficados na classe governantc, e os resíduos. de persistência dos grupos com muitas subclassificaçôcs. ~le os usa como explicações, mas êles
próprios não são explicâveis, Seu desenvolvimento da idéia me parece bas-
agregados (Classe II) debilitados; pois os resíduos- de com- tante insatisfat6rio. As "derivações" se referem a explicações "semilégicas"
binação suprem, precisamente, a artimanha e a engenhosidade pelas quais as pessoas justificam suas ações, mas escondem seus verdadeiros
requeri das para substituir a resistência aberta por expedientes sentidos. Em suma, são coberturas, rucíonnllzacõcs, ideologias. Para um

habilidosos, enquanto os resíduos fe persistência dos agregados


cuidadoso e breve relato de Pareto, ver Franz Borkenau, Flue/o (Londres,
Chapman &. Hall, 1936).

82 83
ainda mais se tal classe assimilou com sucesso a maior parte hábito de considerar a política de um ponto de vista comercial
dos indivíduos que mostram êsses mesmos talentos, são adeptos e de julgar só em têrrnos de lucros e perdas, podem ser fàcíl-
dessa mesma arte e podem, portanto, tornar-se os.ilíderes dos mente induzidas a comprar a paz; e tal transação em si pode
plebeus dispostos a usarem a violência. Assim.vdeixada sem ser benéfica, pois a guerra pode ser mais onerosa do que o
liderança, sem talento, desorganizada, a classe dominada é preço exigido para a paz. No entanto, a experiência mostra
quase impotente para reagir contra qualquer regime estável. que a longo prazo tal prática, com suas inevitáveis conseqüên-
3) Dêsse modo os resíduos de combinações (Classe I) tornam- das, conduz o país à ruína. Os instintos de combinação rara-
o

-se até certo ponto enfraquecidos na classe dominada. Mas mente prevalecem no total da população. Mais comumentc
êsse fenômeno não é de maneira alguma comparável ao íncre- essa situação surge no estrato superior da sociedade, havendo
mento correspondente dos mesmos na classe governante; pois poucos vestígios nas classes inferiores e mais populosas. Então,
a classe governante sendo composta, como é, de um número quando estoura uma guerra, olha-se com espanto as energias
muito menor de indivíduos, muda consideràvelmente seu cará- que são subitamente manifestadas pelas massas, que não po-
o ter pela adição ou retirada de um número relativamente pe- diam ser previstas ao se estudar só as classes superiores. Algu-
queno de indivíduos; enquanto mudanças em . números idên- mas vêzes, como aconteceu no caso de Cartago, o surto de
ticos produzem pequeno efeito no enorme total da classe do-
o
energia pode não ser suficiente para salvar o país, porque uma
minada. Por êsse motivo restam ainda na classe dominada guerra pode ter sido inadequadamente preparada e incompe-
muitos indivíduos que possuem instintos de conibin~ção,apro- tentemente liderada pela classe dirigente, e muito bem pre-
veitados não para políticas ou atividades relacionadas com parada e inteligentemente liderada pela classe dirigente do país
política, mas para artes. e profisspes independentes da política. inimigo. Ou então, como aconteceu na Revolução Francesa,
Essa circunstância dá estabilidade às sociedades, pois a classe a energia das massas pode ser bastante grande para salvar
govcrnante precisa absorver apen as um pequeno número de
o o
o país, porque, apesar da guerra ter sido mal preparada pela
novos indivíduos a fim de que a classe dominada fique privada classe dirigente, a preparação e a liderança da classe dirigente
de liderança. No entanto." a longo prazo, as diferenças em foram ainda piores nos países inimigos, uma circunstância que
temperamento entre a classe. governante e a classe dominada dá tempo aos membros componentes dos estratos inferiores de
se acentuam gradativamente, e os instintos de combinação ten- . tirar. sua classe dirigente do poder e substituí-Ia por outra de
dem a predominar na classe dirigente, e os instintos de persis- maior energia e possuindo os instintos de persistência dos
tência dos agregados na classe dominada. Quando as diferen- agregados em maior abundância. . Ou ainda, como aconteceu
ças se tornam suficientemente grandes ocorre Ulna .revolução. na .Alernanha depois do desastre de Iena, a energia das massas
4) A revolução muitas vêzes transfere o poder para uma nova pode contaminar as classes superiores e incentivá-Ias a uma
classe governante, que exibe um refôrço nos se~s instintos de atividade realmente efetiva já que combina liderança capaz
com fé' entusíãstíca.. .. -
persistência dos agregados e assim adiciona aos seus desígnios
de gratificações imediatas aspf ações de gratificações ideais, Esses são pois os fenômenos mais importantes, porém ou-
prcsumívelmente atingíveis em goma época futura - o ceti- tros fenômenos de importância secundária ou acidental também
cismo dá lugar à fé. 5) Ess s considerações precisam ser aparecem. Notável entre. êstes é o fato de que se uma classe
aplicadas até certo ponto às r lações internacionais. Se os dirigente não consegue, não quer ou não é bastante competente
instintos de combinação são ref rçados em um dado país além para usar a fôrça para érradicar violações da uniformidade na
de certo limite, comparados c m os instintos de persistência vida privada, a ação anarquista por parte da classe dominada
dos agregados, êsse país pode s r fàcilmentevencldo na guerra tende a suprir a deficiência. A história nos mostra que a vin-
por outro país no qual a muda ça em proporções relativas não gança particular enfraquece ou aumenta na proporção que a
ocorreu. A Iôrça de um ideal como incentivo para a vitória autoridade pública continua ou cessa de substituí-Ia. Viu-se
é visível em lutas tanto civis co o Internacionais. Pessoas que que aumentou -sob forma de linchamentos nos Estados Unidos,
perdem o hábito de se utilizar dafôrça, que adquirem o mesmo na Europa. Quando a influência da autoridade pública

84 85
:.~:
;.;\

declina, pequenos estados crescem dentro -do estado, pequenas Todos êsses fatos, via 'de regra, se apresentam como deri-
sociedades dentro da sociedade. Assim, quando falha o pro- vações. De um lado temos teorias que condenam o uso da
CeSSO judicial', a justiça de grupo ou privada a substitui, e vice violência pela classe dominada em qualquer caso, por outro
versa.' Em relações internacionais a superficíalídadedohuma- lado teorias que' censuram o seu uso pela autoridade pública.
nitarismo e da declamação ética é só uma vestimenta para uma As teorias da classe dirigente, quando a necessidade da
fôrça oculta. Os chineses se consideravam superiores aos ja- lógica não é compreendida, apelam só para os sentimentos de
ponêses em civilização, e talvez o fôssem, mas lhes faltava uma veneração dos detentores do poder, ou para abstrações como
aptitude militar que os [aponêses, em virtude de vestígios ainda "o Estado", e para sentimentos de desaprovação para com indi-
atuantes do "barbarismo feudal", possuíam' em abundância. víduos que tentam perturbar ou subverter a ordem existente ..
Assim os pobres chineses foram atacados por bordas de europeus Quando se julga aconselhável satisfazer a lógica, faz-se um esfôr-
- cujos feitos na China .• como diz muito, bem Sorel, lembra ço para criar uma confusão entre a violação de uma uniformi-
uma das festas dos. conquistadores espanhóis nas Américas. So- dade estabelecida para proveito exclusivo do indivíduo e uma
freram assassinatos, rapinas e pilh ens nas mãos dos europeus, violação com o fim de realizar algum interêsse coletivo ou alguma
e ainda pagaram uma indenização; nquanto os japoneses saíram nova conformidade. O objetivo de tal derivação é levar ao
vitoriosos na guerra contra os rus se conquistaramo respeito ato social ou político a reprovação geralmente endereçada a
de todos. Há alguns séculos atrás, a sutil diplomacíadossenho- crimes comuns. Os raciocínios relacionados de algum modo
res cristãos de Constantinopla não s salvou daruínasob o im- com o Progresso são freqüentes em nossos dias. Não poucos de
pacto do fanatismo e do poder dos turcos; e agora, neste ano 'de nossos governos têm origens revolucionárias. Como condenar
1913, exatamente no mesmo luga , os vitoriososmostram que as revoluções sem repudiar seus antecedentes? Para rebater
se deterioraram no seu fanatismo no seu poder e, ,por sua vez, essa questão invoca-se um nôvo direito divino: A insurreição
depositando esperanças ilusórias n s artesdiplornátlcas, são ven- era legítima contra os governos do passado, onde a autoridade
cidos c derrubados pelo vigor de seus antigos dominados. Dolo- r se baseava na fôrça; não é legítima contra os governos moder-
rosa alucinação, sob a qual êsses estadistas trabalham, que ima- nos, onde a autoridade se baseia na "razão". Ou então: A
gina poder substituir o uso da fôrça pela lei sem armas. Entre insurreição era legítima contra reis eoligarqulstas; nunca contra
os muitos exemplos que podemos apontar, está a constituição de "O Povo". Ou ainda: A rebelião é justificável quando não
SUa na antiga Roma e a constituição conservadora ,da Terceira i, há o sufrágio universal, mas não quando essa panacéia é a lei
República na França. A constituição de SUa caiu porque a da terra. Ou ainda: A revolta é inútil e portanto repreensível
não manteve a fôrça armada que poderia ter compelido respeito em todos os países onde "O Povo" pode expressar sua "von-
a ela. A constituição de Augusto perdurou porque seus sucesso- tade". Ou então, finalmente - só para dar certa satisfação à
res estavam em posição de confiar no poder das legiões. Quando Sua Majestade, a Metafísica: A Insurreição não pode ser tole-
a Comuna foi vencida e derrubada, Thiers decidiu que seu go- rada onde existe um "estado de direito". Espero ser desculpado
vêrno deveria encontrar seu apoio antes nas leis que nas fôrças se não definir esta muito doce entidade. Apesar de tôdas as
armadas. Como resultado, suas leis se dispersaram, como fôlhas minhas esforçadas pesquisas; permanece uma entidade inteira-
sêcas ante o furacão da plutocracia democrática .. 7' Não nos mente desconhecida para mim, e preferiria que me pedissem o
precisamos referir a Luís XVI da
'França, que pensou poder pa- "pedigree" zoológico da Quimera. .
rar a Revolução com seu veto real, pois era dêle a ilusão de um Mais uma vez,· como sempre, nenhuma dessas derivações
fracote que logo perderia' a pouca cabeça que tinha, . tem qualquer sentido exato. Todos os governos usam a fôrça,
e todos afirmam ser baseados na razão. De fato, quer o sufrágio
7 üs humanitarístas gostam de repetir
o aforísmc:
avec des baionnenes excepté s'asseoir dessus",
"On . (leu' tout [aire
("Pode~se fazer tudo com as
,t universal prevaleça ou não, é sempre uma oligarquia que go-
baionetas, exceto sentar em cima delas"); mas seria interessante se êles nos verna, achando meios de dar à "vontade do povo" a expressão
dissessem se, em sua opinião, o poder de Augusto 'e seus' sucessores baseou-se que uns poucos desejam, desde a "lei real" que concedia o
I ou não pelo menos até certo ponto no poder: dos pretorianos e legionários.
Para ser mais exato, os pretorianos usavam espadas e não baionetas, mas se- imperium aos imperadores romanos até os votos de uma maio-
I" não é papa, 6 mingau. t ria legislatíva eleita de um modo ou de outro, desde o plebiscito
i~
I 86 87
I
I

que deu o império a Napoleão Itaté o :sufrágio universal que 1- A LEI DE FERRO DA OLIGARQUIA *
é espertamente comprado, falsific do e manipulado por nossos
"especuladores". Que é êsse nôv deus chamado Sufrágio Uni-
versal? Não é melhor definido,enos envolvido 'em mistério, ROBBRT MrCHELS
nem menos fora da esfera do real que as hastes de outras divin-
~ dades; nem há menos contradições flagrantes em sua teologia Tradução de SÉRGIO MAGALHÃES SANTEIRO
do que nas dos outros. Os adoradores do Sufrágio Universal
não são conduzidos pelo seu deus. Sãoêlesque o conduzem -.:.....
e pelo nariz, determinando as formas pelas quaís deve mani- .,'
festar-se. Muitas vêzes, proclamando a santidade .da "lei da
maioria" êles resistem à "lei da maíoria'vcomtâtícas obstru-
cíonístas, e apesar de só formarem pequenas minorias, queiman-
do incenso à deusa Razão, não desdenham, em certos casos,
alianças com a Trapaça, Fraude e Corrupção. . . . '
E NQUANTO A MAIORlA das escolas socialistas acredita que
Substancialmente tais derivações expressam ossentimentos será possível, num futuro mais ou menos remoto, a obtenção
das pessoas que montaram na sela e estão com vontade de ali de uma ordem genuinamente democrática, e enquanto o maior
ficar- junto com o sentimento bem mais geral que a estabilí- número daqueles que aderem às concepções políticas aristocrá-
dade social é benéfica, Se, no .momento em que um grupo, ticas considera pelo menos viável o estabelecimento da demo-
pequeno ou grande, cessasse de ficar satisfeito com certas nor- cracia, malgrado os perigos a que expõe a sociedade, vamos
mas estabelecidas na comunidade da qual faz, parte, corresse encontrar no mundo científico uma tendência conservadora ex-
para as armas com o fim de aboli-Ias; a sociedade cairia aos ..•. pressa naqueles que resoluta c definitivamente negam a exis-
pedaços. A estabilidade social é de tal ,maneira: benéfica que tência de tal possibilidade, Corno já tivemos ocasião de assi-
para mantê-Ia vale bem a pena 'recorrer à ajuda de ideais fan- nalar, essa tendência se tem particularmente acentuado na Itália,
tásticos desta ou daquela teologia -:... entre outras; -a teologia do conduzída por um estudioso de pêso, Gaetano Mosca, que decla-
sufrágio. universal - e resignar-se a' agüentar certas desvan- ra que não é possível a existência de uma ordem social altamente
tagens atuais. Antes que seja aconselhável perturbar a paz desenvolvida que prescinda de uma "classe política", vale dizer,
pública, tais desvantagens devem ter-se tornado muito sérias; e uma classe politicamente dominante, a classe de uma minoria.
já que os sêres humanos são guiados não pelos raciocínios céticos Os que não acreditam no deus da demôcracia jamais se cansam
da ciência, mas por "fés vivas" expressadas em ideais, teorias de afirmar que êste deus é a criação de uma faculdade mito-
como o direito divino dos reis, a legitimidade das oligarquias, do -poética infantil, e contestam tôdas as formulações que repre-
"Povo", da "maioria", das assembléias legislativas, e outras coi- sentem a idéia de govêrno das massas, têrmos tais como Esta-
sas como estas, podem ser úteis até certo. ponto, e de fato pro- do, direitos civis, representação popular, nação, considerando-os
varam ser, não importa quão absurdas possam ser do ponto descrições de um princípio meramente legal, destituídos de cor-
de vista científico. ' respondência a quaisquer fatos existentes na realidade. Consi-
Teorias com o fim de justificar o uso da íôrça pelo govêr- deram ainda que os eternos conflitos entre aristocracia e de-
no estão sempre combinadas com teorias que condenam o uso mocracia, de que temos notícia através da história, não passam
da fôrça pela autoridade pública. Uns poucos sonhadores re- de conflitos entre uma minoria antecedente, defendendo sua
jeitam o uso da fôrça em geral, de qualquer lado; mas suas 7 predominância, e uma nova e ambiciosa minoria, interessada
'~
teorias ou não têm nenhuma influência ou serviram meramente na conquista do poder, desejando ou bem se fundir com a
para enfraquecer a resistência por parte das pessoas no poder,
~ ~ ~ste capítulo e os c;.P.is seguintes foram extraídos de Robert Michels,
il\, limpando assim o campo para a violência por parte dos gover-
.~ nados. . . \- Polltical Parties (Glencoe: The Free Press, 1958), pp, 361/372, 381/392
c 393/409.

88 89

Você também pode gostar