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Departamento de Economia
São Paulo
2019
SUMÁRIO
* PREFÁCIO
PRIMEIRA PARTE
XI. Mineração I
XII. Mineração II
SEGUNDA PARTE
** Bibliografia básica
PRIMEIRA PARTE
PREFÁCIO
O presente trabalho nada mais é do que uma breve síntese do processo histórico
de formação da economia brasileira. Embasado nas aulas ministradas pelo Professor José
Flávio Motta e pela Professora Luciana Suarez Lopes, trata-se de um pequeno resumo
Econômica e Social do Brasil no ano de 2019. Não obstante, a intenção de tornar público
este texto é justamente, e apenas, a de ajudar a todos os futuros alunos desse curso,
objetivo.
disciplina, inclusive os com pouco interesse nos temas de História Econômica e História
possíveis leitores passasse a ter gosto por essas áreas magníficas das ditas humanidades,
passando então a estuda-las com mais afinco. Todo bom economista precisa conhecer
Não apenas conhecer, como também saber como os operar na vida prática com muita
precisão. Caso contrário, o economista estará perdido. Ele, contudo, será tosco se não
desenvolver o mínimo interesse pelo estudo da dinâmica histórica que está por trás da
sobre a qual se ergue toda a Teoria Econômica. A Economia é um dos campos científicos
mais brilhantes, exatamente por ter como estruturas basilares a História e a Matemática,
7
Com relação à estrutura desse compêndio, cada capítulo corresponde a uma aula
ministrada pelos docentes. Algumas aulas, infelizmente, não foram sintetizadas. Não
Finalmente, o autor pede perdão por não ter conseguido sistematizar perfeitamente
as notas de rodapé e as referências ao longo das páginas. Ele crê, no entanto, que isso não
G.G.M.
8
I
Caio Prado Jr. (1907-1990) pode sem quaisquer ressentimentos ser colocado na
lista seleta dos maiores historiadores que a intelectualidade brasileira já conheceu, sendo,
por assim dizer, até hoje uma referência primordial para os estudiosos da História
Brasil Contemporâneo: Colônia (1942). É a partir dela que a sua interpretação a respeito
formação econômica e social brasileira ganhou relevância, permitindo que hoje possa se
qual razão o autor nos remete aos três primeiros séculos de nossa história, ou seja, ao
período colonial? Justamente pelo fato de que o plano original de Caio Prado Jr. era
Candido:
Os homens que estão hoje [1967] um pouco para cá ou um pouco para lá dos
termos de passado e em função de três livros: Casa Grande & Senzala (1933),
9
(1936), de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando estávamos no curso
da revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo 1.
Dos três autores citados, é justamente Prado que possui um enfoque mais forte e
segundo Candido:
argumento.2
realidade social imediata do Brasil estava pautado nas explicações de cunho étnico-racial.
1
CANDIDO, A. O significado de Raízes do Brasil. In HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil.
Edição comemorativa 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 235-236.
2
Idem, pp. 237
10
plausível. É nesse sentido que as teorias raciais, fortalecidas na transição do século XIX
O que se percebe é que o Brasil dos anos 30, que aos poucos passa a viver sob
política, diplomática e até mesmo militar (enfatizando, assim, as grandes figuras, tais
como reis, príncipes, generais, etc.). Ao contrário, Febvre e Bloch buscavam uma análise
3
VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo:
EDUC, 2007, p. 75
11
histórica que abrisse espaço para a interpretação ao redor dos fatos centrais. Preferiam,
com grande ênfase no estudo das condições de vida material (...). Uma história
Não é por acaso que, ao buscar cobrir a vida humana como um todo e não apenas
o estudo da História passou por uma profunda especialização. “Ai no quadro das
Histórias especiais, ganhou vulto, sobretudo em nossos dias, a Econômica, exigida pela
partir de Caio Prado Jr. Mas, desde o século XVI, é possível reconhecer obras que podem
e de viajantes da colônia.
4
VAINFAS, Ronaldo. Micro-história: os protagonistas anônimos da história. Rio de Janeiro:
Campus, 2002, p. 17
12
É em 1935, com a publicação de Evolução econômica do Brasil por John F.
João Lúcio de Azevedo, que, em 1928, publica Épocas de Portugal econômico: esboços
Simonsen, Celso Furtado e o próprio Caio Prado Jr. De acordo com Normano:
chamar de “produtos reis”. Açúcar, cacau, ouro, fumo, borracha, café – cada
um desses produtos tem seu lugar na história do país e foram, cada um no seu
A primeira obra que de fato pode ser considerada como de História Econômica é
aspecto totalizante da economia nacional no período colonial, aquilo que norteia todo o
processo. Na visão de muitos autores mais recentes, tais como Maria Yedda Linhares, a
5
NORMANO, John F. Evolução econômica do Brasil. 2.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1945, p. 23
13
Essa lacuna será preenchida justamente por Caio Prado em seu Formação do
quem, por enxergar o processo econômico globalmente, vai mostrar um quadro que não
se altera apesar das distintas atividades econômicas ao longo da colonização, que possui
“uma forma homogênea e única”, como diria Alice Canabrava. Foi esse mesmo autor
uma estrutura fundamentalmente exportadora nos trópicos. Em suma, foi Caio Prado Jr.
quem percebeu que os ciclos econômicos são manifestações distintas de uma realidade
trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que
a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
americanos.6
na obra de Prado, outros aspectos que nortearam sua obra deram a seus estudos um salto
6
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense.
14
dos modelos econômicos internacionais clássicos. Em seu História e desenvolvimento
unicamente marcar com ela um ponto de partida cômodo onde fosse possível
compreender o Brasil como um todo, numa visão global e que teve como grandes
representantes, além de Caio Prado: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso
Furtado e Raimundo Faoro. Finalmente, é necessário frisar a relação pradiana entre teoria
e a práxis política: a história não poderia se resumir à academia, antes ela deveria
brasileira com vias a estimular a luta política. As descobertas históricas estavam longe de
servir apenas para verificação, mas sim para abrir caminho para movimentos de combate
7
PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1972, p. 25
15
II
O sentido da colonização
O início dessa que é uma das maiores obras de Caio Prado Jr. trata especificamente
europeu, que ganhava cada vez mais força. Assim, a colonização nos trópicos teve, desde
o introito, o aspecto de uma vasta empresa. É justamente desse sentido que resulta os
estabilidade e a organicidade na colônia9, tal fator nunca foi capaz de eliminar aquilo que
raros na Europa e, portanto, com alto potencial de lucratividade para a metrópole, tais
8
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011,
pp. 28-29.
9
É o que quis dizer Gilberto Freyre ao afirmar que, na experiência colonizadora, formou-se “uma
sociedade com característicos nacionais e qualidades de permanência” (FREYRE, p. 16).
16
como o açúcar, o tabaco, os minérios preciosos, o café, etc. Eis a essência da formação
brasileira e dela derivaram todas as atividades econômicas realizadas no Brasil até sua
emancipação política.
Como já foi visto, Caio Prado Jr. teve, em toda sua trajetória política e acadêmica,
a influência da metodologia e da análise histórica marxista, o que lhe deu um olhar atento
“preocupação pradiana” fez com que o autor analisasse com demasiada atenção o caráter
conservador, uma vez que as mudanças, ao longo de quatro séculos até a publicação da
obra, não foram capazes de romper esses obstáculos impostos pelo “sentido da
É nesse sentido que é possível notar a ligação da obra pradiana com a práxis
política do autor (outro fruto de sua ligação profunda com o marxismo), na medida em
que Caio Prado escreve seus principais textos sempre como instrumento, ou melhor,
economia e no corpo social e que, na visão do autor, são as únicas capazes de varrer toda
10
PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1972, p. 91-92
17
essa “permanência deletéria” de elementos chave da nossa colonização. Ainda assim, toda
essa análise foi construída “com certa obsessão. Nesse sentido, a projeção que [o autor]
faz para o Brasil não é nada animadora” (AMARAL LAPA, 1999, p. 263).
expressão plena e mais clara de todos os elementos da colonização, quando essa etapa de
seu caráter conservador, como observamos acima. A partir dos primeiros cinquenta anos
dos “oitocentos”, portanto, é que Prado se dispõe a “olhar para trás” e entender o que foi,
e mão-de-obra. Todas elas, no entanto, acabam ofuscando, de acordo com Caio Prado, o
numa profundidade de análise um pouco maior, o autor poderá, por sua vez, compreender
(PRADO, 2011). Por outro lado, a nossa colonização, com seu sentido e inclusive com
aos incidentes fenomênicos, Prado nos leva à conclusão de que o caráter desse momento
histórico da formação brasileira não poderia ser diferente do que foi, ou seja, que a
18
existência da agro exportação, com vistas a atender à demanda do mercado capitalista
nova ordem econômica do mundo que se inaugura (...)” (PRADO, 2011, p. 124).
certo que nos países de clima quente o homem pode viver sem esforço da
Além das condições físicas mostradas acima, Caio Prado analisa também o estilo
adversidades naturais, o português que chegava aos trópicos, marcado por sua origem
11
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. 51ª ed. rev. São Paulo: Global, 2005, p. 78
19
nobre e fidalga em Portugal, não se predispôs a uma vida de trabalhador, vivendo para a
espécie e em que figure como senhor, o pode interessar. Vemos assim que, de
início, são grandes áreas de terras que se concedem no Brasil aos colonos.
porções de terra que foram distribuídas (sob o nome de “sesmarias”) aos colonos
vemos que o trabalho compulsório de africanos escravizados era mais que bem-vindo.
12
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 124
13
Idem, p. 126-127
20
Assim, o cerne da colonização brasileira, a célula fundamental que dá o sentido
dessa etapa de nossa formação econômica e social, que caracteriza a chamada “linha-
mestra” reside na grande propriedade, sustentada pelo trabalho escravo, comandada pelo
empresário português e que existe como uma inserção, um elo na lógica mercantil do
Esse modelo de produção, essa estrutura produtiva nem de longe, na visão de Caio
Prado, foi um modelo eleito dentre outros possíveis. Como já foi visto, foi uma
consequência natural e imposta pelas condições internas e externas que moldaram nossa
O autor não se limita a analisar somente a grande produção agrária, por mais que
ela seja o núcleo básico de nossa evolução econômica e social. Para ele, outras duas
grandes unidades, trabalhadas por escravos (...). O terceiro setor das grandes
de forma diferente, porque não terá por base a propriedade territorial (...); os
14
Prado utiliza esses termos tomando como base o trabalho de Leroy-Beaulieu, que consagrou a
dicotomia “povoamento-exploração” em sua obra De la colonisation chez les peuples modernes.
21
colhedores têm a liberdade de se dirigirem para onde lhes convenha nesta
floresta suficiente para todos que forma uma propriedade comum (...). Trata-
minerador, mas que dirige e explora, como estes, uma numerosa mão-de-obra
do trabalho (algo que já havíamos notado), Prado percebe uma intensa concentração da
riqueza nas mãos dos colonos dirigentes e, intimamente relacionado a isso, um imenso
vácuo social (em termos qualitativos) numa estratificação marcada por dois polos da
encontra aquilo que ele chama de “formas inorgânicas da vida social”, marcadas pela
população que não estava nas pontas, pela extrema degradação moral, pela inutilidade e
299-301). É necessário pontuar que toda essa descrição pradiana bruta e com deslizes
preconceituosos, por mais que o autor norteie sua obra pela práxis política de viés
revolucionário, pode gerar efeitos colaterais indesejados. Nas palavras de Iraci del Nero:
15
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 117-118.
22
dominantes e abrir as portas para teses simplistas como a que reduziu a
colônia. Mas, Caio Prado secundariza sua importância, colocando esse setor da economia
como “de pouca monta, será subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar
possível a realização daquele fim essencial” (PRADO, 2011, p. 123). É certo que a
longo do período colonial: fatores, como o crescimento populacional, além de outros que
Estudos mais recentes sobre esse momento histórico do Brasil e sobre o paradigma
pradiano, porém, contestam essa afirmação pouco flexível de Caio Prado, chegando à
16
DEL NERO DA COSTA, Iraci. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior
(parte I). São Paulo: Informações fipe, fevereiro de 2007, p. 26.
17
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 130.
23
nacional” obteve autonomia, importância e dinamismo de relevância tão grande quanto à
18
É o que nos diz José Roberto do Amaral Lapa: “quanto à existência ou não de um mercado
interno no Brasil, dentro do sistema colonial, bem como ainda chamamos de comércio
intercolonial, (...) para nós, ambos esses mercados conseguem em diferentes conjunturas e
regiões da colônia apresentar um certo grau de autonomia e dinâmica, capaz de conferir-lhes
um desempenho que não está necessariamente atrelado à grande lavoura de exportação.” (DO
AMARAL LAPA, José Roberto. Caio Prado: Formação do Brasil contemporâneo. In: MOTA,
L. D. (Org). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. 2. ed. São Paulo: Editora SENAC,
1999, p. 265).
24
III
e dinâmica do antigo sistema colonial, parte de seu livro intitulado Portugal e Brasil na
Caio Prado Jr., não a nega, mas procura aprofundá-la e alargar seu campo de visão. Ele
que trata Caio Prado Jr.: a questão é saber se não seria preciso a
capitalista.19
19
NOVAIS, Fernando. Sobre Caio Prado Júnior. In: Aproximações: estudos de história e
historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 288-289.
25
articulação com os interesses e diretrizes da metrópole lusitana. Fernando Novais, por sua
vez, pretende alargar a análise e entender o papel das colônias na formação do capitalismo
moderno.
implicitamente o “sentido profundo da colonização”. Caio Prado não deixa de frisar que
marcada pelo estabelecimento de novas rotas, fenômeno este que transformou o quadro
É nesse sentido que a análise pradiana, embora válida, acaba sendo insuficiente
para a proposta de Novais, que, por sua vez, busca aprofundar o conceito. Assim, o autor
relaciona a colonização com a formação dos Estados nacionais modernos (fenômeno que
20
Alguns historiadores, tais como o sueco E. Hecksher, entendem sim o mercantilismo como um
corpo teórico bem sedimentado, apesar de não ser tão harmônico como outras escolas econômicas
(clássica, neoclássica, marxista, keynesiana, etc.). O próprio Novais admite: “É importante
destacar, desde já, e a partir dessa formulação básica, que a doutrina mercantilista tem o
imediato objetivo de formular normas de política econômica, parte dessa problemática e só para
justificar o seu receituário é que se alça à formulação duma teoria explicativa da vida econômica
como tal. Não parte de conceitos puros e de uma sistemática explicação da economia para
deduzir normas de intervenção nesta realidade, senão percorrer quase o caminho inverso;
paralelamente, as preocupações de seus doutrinadores não ultrapassam as fronteiras de suas
respectivas nações” (NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São
Paulo, 1990, p. 6)
26
Postlethwayt, um economista britânico do século XVIII, defensor das práticas
mercantilistas: “as colônias devem (...) dar à metrópole um maior mercado para seus
uma maior quantidade dos artigos de que precisa” (Apud. NOVAIS, 1990, p. 16). De
o que foi exposto, que a colonização nos trópicos, para Novais, não poderia ter tido outro
propriedade agrária sustentada pelo trabalho escravo (do qual trataremos adiante com
Régime, ou seja, as articulações do novo mundo com a formação dos Estados nacionais
produção capitalista (...). Enquanto, porém, o último passo não era alcançado,
21
Percebe-se que, embora o autor entenda que Prado tenha ficado “no meio do caminho”, é
impossível não notar aproximações e conexões muito profundas entre as análises históricas de
ambos, principalmente no que tange à essência da exploração colonial no trópico.
27
possuía ainda suficiente capacidade de crescimento endógeno; a capitalização
pautado, como Marx explicitou brilhantemente nos primeiros capítulos de sua Magnum
ainda não era viável em larga escala, permitindo que o capitalismo amadurecesse e
“andasse com as próprias pernas”, fazendo-se uso, com isso, de “pontos de apoio fora do
sistema, induzindo a uma acumulação que, por se gerar fora do sistema, Marx chamou
gêneros apenas para sua metrópole, a qual, por sua vez, seria a única permitida a vender
permitindo uma manipulação dos preços que deprimia absurdamente a cotação dos
22
NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São Paulo, 1990, pp. 31-
32)
28
gêneros e inflava o valor dos manufaturados. O resultado não poderia ser outro além da
É bem verdade que o regime do exclusivo não era de uma rigidez impenetrável.
dificuldade financeira, como no caso português após a Restauração de 1640 23), de roubo
de exploração colonial.24
A escravidão, por sua vez, era a forma de trabalho par excellence para sustentar a
escravismo.
capitalismo, o qual ganhava força justamente pelo desatamento dos laços servis de
produção e pela dupla libertação do trabalhador (livre do jugo do senhor feudal, livre dos
23
“É bem verdade que (...) a monarquia ibérica se debatia em dificuldades financeiras enormes,
o que levou o rei de Espanha e Portugal, apesar das novas proibições (por exemplo, em
9/2/1591), à concessão de licenças especiais, o que chegou a ponto de permitir um tráfico regular
direto com Hamburgo que movimentou 19 navios entre 1590 e 1602” (Idem, p. 49)
24
Ibidem, p. 66
29
meios de produção que utilizava para sua subsistência), fosse necessário e plausível o uso
trabalho, após a remuneração dos fatores de produção, ocorre nova inversão em escala
ampliada. O fluxo do capital, sua rotação, é muito mais rápida e dinâmica, ao passo que
mercado (não se pode dispensar algo que é sua propriedade, no caso o escravo). Por que,
25
Cf. Eric Williams – Capitalism & Slavery, 2ª ed, N. York, 1961, pp. 3-7.
30
econômicos. Foi, na verdade, uma imposição das especificidades conjunturais das
colônias, nas suas articulações históricas com a transição para o capitalismo moderno. Na
dialética do movimento histórico, porém, Williams nos mostra que, na medida em que o
apogeu em pleno século XIX, “se virou e destruiu a força motriz do capitalismo
africana nas colônias é o novo setor comercial que se impulsiona por meio dela: o tráfico
negreiro. Este era extremamente lucrativo para os mercadores europeus, garantindo uma
paradoxal, mas, para Novais, “é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a
31
IV
Antes de mais nada, é primordial ressaltar como Furtado, com brilhantismo, foi
capaz de unir tanto sua formulação econômica teórica com sua práxis política. Nas
(...) uma rara figura intelectual e homem de ação. Essas duas qualidades
ou não experimentaram por em ação sua doutrina ou não tiveram essa chance;
de outro lado, a maioria dos homens públicos brasileiros não têm doutrina –
caráter27.
26
Capítulo elaborado para a obra Inteligência brasileira, organizada por Reginaldo Moraes,
Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante. São Paulo: Brasiliense, 1986.
27
OLIVEIRA, Francisco de. Celso Furtado e o pensamento econômico brasileiro. In: Inteligência
brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 47.
32
De fato, Furtado ficou marcado por, sempre em que esteve na chefia de um cargo
suas formulações teóricas, ou pelo menos se esforçar para tal, nas políticas econômicas.
surpreendente, tomando como base o exposto, que Furtado venha a pensar reformas que
acabem por ser igualmente distintas daquelas que vigoraram no centro do sistema. Esse
“Furtado é mais aberto, alargando o campo de reflexão para além dos limites em que o
economista trabalha” (OLIVEIRA, 2003, p. 41). De fato, Prebisch acaba realizando uma
ambos. Seu “discípulo” (assim diria Francisco de Oliveira), por sua vez, interessava-se
33
em “captar o desenrolar dos acontecimentos no tempo, o encadeamento dos fatores que
subdesenvolvimento.
Ciências Sociais até meados da década de 1930. O ponto de contato entre Furtado e esses
na medida em que todos eles constroem uma interpretação a respeito do Estado Nacional,
história das ideias e das posições assumidas por intelectuais, filiações que
contrário28.
palavras de A. Candido, ou seja, não teria Furtado também buscado apoio em Freyre,
Hollanda e Prado? Oliveira diz que sim. Apesar das obras dos três já terem sido
publicadas muito antes da magnum opus de Furtado e, além disso, deles tratarem de temas
28
OLIVEIRA, Francisco de. Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o pensamento
autoritário brasileiro. In: A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo:
Boitempo, 2003, p. 82.
34
Oliveira mostra que “Furtado não dialoga com os ‘novos clássicos’ da modernidade, a
geração que justamente veio à luz na década de 1930” (OLIVEIRA, 2003, p. 60).
categoricamente que, na realidade, a “tríade” das ciências sociais na década de 1930 teve
Em síntese, o que se quer lembrar é que Celso Furtado, antes de ser um dos
como afirmou Rosa Maria Vieira, é justamente graças à conjunção de dois fatores: “a
força do moderno pensamento social brasileiro, nascido com os ares de 30, e o vigor da
Chegamos a ficar em dúvida, porém, se de fato há uma influência tão forte dessa
tríade, principalmente de Caio Prado Jr., na obra de Furtado. Isso porque não há, no seu
Tamás Szmrecsányi acaba por esclarecer nossa dúvida, afirmando que “o trabalho não
29
VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo:
EDUC, 2007, p. 88.
35
não elimina o fato de que Celso Furtado se baseia extensamente nas análises da “tríade”
dos anos de 1930 para compor a sua própria formulação teórica. Toda a análise de nossa
Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) e de Caio Prado Jr. (Formação do Brasil
Com a exposição acima, conclui-se que Celso Furtado se amparou em Caio Prado
têm distinções. Prado, como sabemos, era filiado, desde o início de sua vida acadêmica,
à corrente teórica marxista. Propunha, com isso, a partir de sua formulação consistente a
econômico e social. Havia, portanto, para Prado, uma relação intrínseca entre o atraso,
pradiana “jamais poderia ter se transformado em pauta de ação para a burguesia, sendo
(OLIVEIRA, 2003). Furtado, por sua vez, ignora essa vinculação tão forte entre revolução
reformas “são necessárias para manter uma sociedade aberta e pluralista, que sobreviva
acabou tendo respaldo das classes dominantes do Brasil. É nesse ponto que, retornando
ao que foi dito no segundo parágrafo, ele conseguiu a amálgama entre formulação teórica
e práxis política, o que acabou sendo “ao mesmo tempo, a força e a fraqueza do
36
É força na medida em que esse respaldo lhe permitiu a formulação de políticas
Celso Furtado seja visto, até hoje, como um dos maiores economistas do Brasil. É, ao
mesmo tempo, fraqueza justamente porque o mesmo, junto com a CEPAL, acabou
classes sociais (o que configura uma lacuna teórica), submetendo os oprimidos aos
interesses “emancipacionistas” das elites, justificando essa prática com o uso do termo
conseguiu se colocar como uma “terceira via” entre a teoria econômica neoclássica e o
Luxemburgo, Trotsky, entre outros). Aquela é marcada pela ausência de uma análise
compartilhando uma visão estanque do desenvolvimento histórico das classes e das forças
37
revolução (como se a história fosse uma função de primeiro grau com inclinação
que comecem na periferia e não no centro. Torna-se, assim, não dialética, afastando-se
totalmente do marxismo.
38
V
política lusitana prévia, tentando entender, a partir disso, o quão influente foi essa
Com base nisso, Gorender volta seus olhos para a formação do Estado Nacional
na Europa.
Península Ibérica exigia uma unificação política que permitisse a acumulação de recursos
30
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985.
31
Muita importância é dada a fatores geográficos quando se debate a respeito das causas do
pioneirismo expansionista português. É bem verdade que a localização privilegiada (convém
lembrar que Portugal está na saída do Mediterrâneo em direção ao Atlântico) contribuiu para a
saída lusitana para os oceanos. Convém lembrar, entretanto, que a expansão se deu num ponto
determinado do movimento histórico e não em qualquer outro. Assim, outros fatores foram ainda
mais essenciais para efetivar a expansão. Aí reside o esforço de Gorender em estudar a formação
do Estado Português.
39
materiais e humanos significativos. Contribuiu para tal o afluxo de estrangeiros
Parentes dos condes e duques borgonheses, ambos partiram à Península Ibérica na busca
portucalense, liderada por Afonso Henriques, sobre a casa leonina (chefiada por sua
século XIII, inicia uma política régia cujo objetivo primordial era a concentração e o
fortalecimento do poder real. É claro que o efeito mais imediato dessa diretriz – um efeito
concorrentes ao comando estatal. A relação conflituosa que se estabelece a partir daí entre
32
RAMOS, Rui. História de Portugal. 6.Ed [1.Ed., nov. 2009]. Lisboa: A Esfera dos Livros,
2010, p. 23.
40
privilégios e jurisdições) dos senhores feudais e até mesmo eclesiásticos “deveriam
monarquia na qual o rei era soberano nas suas decisões e na sua atuação.
de poder por parte da Coroa. É claro que esse processo não foi simples nem
linear. Mas estava dado o mote que seria, desde muito cedo, um elemento
concorrentes.33
do Estado português. Afinal, Portugal, no início de sua história, era feudal? A resposta de
nosso autor é positiva, apesar da ausência do feudo clássico em terras lusitanas. O autor
tratando:
É latente que Gorender, para chegar a essa conclusão, fia-se nas definições de
33
Idem, p. 57.
34
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 105-106
41
feudalismo deriva de feudo, expressão cuja categoria é jurídico-institucional, ao contrário
do mesmo tema, de outro importante autor brasileiro: Raymundo Faoro. Pautado pela
partindo da inexistência da gleba rural típica, não encontrando, com isso, o título que
empoderava o senhor feudal, conclui pela ausência das relações clássicas de suserania e
da Europa no mesmo período. Faoro, com isso, conclui que Portugal se constituía, naquele
35
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro (Edição
comemorativa 50 anos). 4.ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 38
42
Avis. Mais uma vez, Jacob Gorender entra em polêmica. Discutindo o caráter desse
pela burguesia, a qual, por sua vez, já não possuía quaisquer laços com a nobreza feudal,
interessada não na posse e nos privilégios enraizados no nascimento, mas sim nos ganhos
Gorender, por outro lado, entende a formação da Dinastia de Avis como uma
“revolução nacional”. Isso porque o autor não enxerga uma mudança na estrutura de
então setor dominante, como foi o caso das revoluções Puritana e Francesa de 1640 e
a nobreza um caráter cada vez mais aburguesado: é o reflexo de uma classe mercantil que,
embora fora do comando social, galgava alianças com a Coroa na pretensão de atingir
peculiar, mas ainda assim feudal) com os interesses da burguesia insurgente servirá, para
Gorender, como a base da expansão ultramarina lusitana. É ela que irá funcionar, como
auferir maior renda; ampliou as unidades de pesca sob posse tanto de nobres como de
43
o Novo Mundo. O problema da baixa lucratividade da produção interna (que afetava o
minimizado pelas conquistas de Ceuta, das ilhas africanas na costa oeste, assim como
pelo apoio do Papado, que em pelo menos duas bulas, a Sane Charissimus, de
de Cruzada.36
fortalecia cada vez mais a burguesia comercial que, embora aliada a boa parte das
políticas de Estado implantadas pela família real portuguesa, ganhava cada vez mais
estímulos para consolidar não só o poder econômico, mas também o político. Essa gritante
contradição de classe engendrada pelo próprio pioneirismo lusitano era solucionada pela
violenta intervenção régia, que chegou ao ponto de permitir a entrada da Santa Inquisição
36
WEHLING, Arno & José Maria. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994, p. 37.
44
cristão-novos (também chamados de cripto-judeus). O caráter classista dessa medida,
produção tipicamente capitalista, essencial para que Portugal, ao longo dos séculos XVII
competir com outras nações em franca ascensão, tais como Inglaterra e Holanda. Segundo
Saraiva:
e de seus ganhos, políticas praticadas em larga escala por Inglaterra e França e que
muito mais sólido nos séculos XVIII e XIX. Portugal, na condição de pioneiro, não
atentou para esse ponto específico, redobrando esforços “apenas” para o bullionismo e
Como sabemos, este entende a experiência colonizadora nos trópicos como a principal
37
SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. Porto: Ed. Inova, 1969, p. 53-54.
45
alavanca para a acumulação originária/primitiva de capital. Aquele, por sua vez, entende
que essa proposição apenas faz sentido quando analisamos o impacto da transferência de
renda das colônias para as metrópoles no caso de nações europeias que já haviam
era o caso da Inglaterra, cuja dissolução das bases materiais feudais já estava praticamente
completa38. Esse não era nem de longe o caso português nos séculos XVII e XVIII. É
assim que o autor conclui que a maneira com que Novais trata o tema baseia-se numa
38
É por essa razão que o autor justifica o olhar do historiador britânico Eric Williams, apesar das
ideias deste a respeito da acumulação originária/primitiva de capital terem embasado em boa parte
as conclusões de Novais, “precisamente porque teve em mira a conexão do colonialismo com a
formação do capitalismo na Inglaterra” (GORENDER, 1985, p. 114.).
46
VI
Este capítulo tratará, com base nas explanações do inglês C. R. Boxer 39, do
servidão, com extração de renda feudal (que chegou a consumir cerca de 70% do produto
português), mas fora dos limites da gleba senhorial, uma vez que ela era praticamente
monárquica precoce no século XII enfraqueceu o poder senhorial direto sobre o camponês
39
BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, cap. 2, pp. 54-79.
47
competindo com os negociantes tradicionais (...). A participação dessas
marco inicial do processo de expansão ultramarina. O território era uma zona comercial
transportavam especiarias africanas como tecidos, pescados, mel e cera. Era uma área
inclusive de criação de cavalos e cabras, além da produção de cereais. Uma das razões
virada do século XIV para o XV, de garantir apenas pela produção interna a distribuição
dos rendimentos feudais às casas nobiliárquicas. Cabe ressaltar que a ação também foi
Estado, o que permitiria a própria sobrevivência da Dinastia de Avis (o que acaba nos
palavras de Rui Ramos, a “ida para o Norte de África era assimilável a uma natural
para Avis, acabou, porém, resultando em frustração. As rotas comerciais, com a chegada
importação do cereal. Vale dizer também que Portugal não conseguiu alcançar o ouro
40
WATKINS, Ronald. Unknown Seas: The Portuguese Captains and the Passage to India [kindle
edition]. Amazon Digital Services, cap. 3, “The enterprise of Ceuta”.
41
Apesar das tensões políticas explicitadas no segundo parágrafo, a nobreza continuava no
comando social e mantinha, mesmo que a constituição política do Estado português pudesse gerar
situações de tensão, relações íntimas com as diretrizes econômicas da Coroa, buscando sempre
tirar benefício delas, como foi o caso do empreendimento de Ceuta.
42
RAMOS, Rui. História de Portugal. 6.ed. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, p. 178.
48
africano a partir de sua posição em Ceuta. Após completar o saque da cidade, os homens
(...) à Coroa portuguesa. Isolada das terras à sua volta, praticamente já não
se queixava perante as cortes, dizendo que Ceuta apenas servia para devorar
oeste africana. O primeiro era de execução mais difícil e arriscada: navegar pelo Mar
novas terras, podendo ampliar a renda senhorial. A navegação pelo litoral africano acabou
altíssima lucratividade, além do acesso ao ouro e aos escravos. Na virada para o século
rotas comerciais (quebrando inclusive os monopólios muçulmano e italiano das rotas que
Nagasaki. Por toda a extensão, do oeste africano até o oriente, Portugal foi estabelecendo
feitorias fortificadas, sendo principais as de São Jorge da Mina (1482), Arguim44 (1445),
Sofala (1505), Moçambique (1507). Os próprios títulos dos monarcas lusitanos nos dão
43
PAGE, Martin. Portugal e a revolução global: como um dos menores países do mundo mudou
a nossa história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 123.
44
A primeira feitoria instalada por Portugal na África.
49
uma pista de como a expansão ultramarina teve razoável sucesso a partir do contorno pelo
oeste africano:
o rei Duarte. Afonso V alargou-o para ‘rei de Portugal e dos Algarves daquém
Pérsia e Índia’.45
norteada por interesses territoriais e mercantis46. Aquele se mostrou mais presente nas
século XVI) vitalícias para diversos membros da classe senhorial47. Este, por sua vez, foi
mais fecundo em toda a costa africana do Atlântico-sul e do Índico, assim como no litoral
45
COELHO, António Borges. Clérigos, mercadores, “judeus” e fidalgos – Questionar a história,
II. Lisboa: Editorial Caminho, 1994, p. 12. O excerto de António Borges Coelho inclusive nos dá
uma pista da reduzida importância dada ao Brasil por Portugal. Frente aos enormes ganhos
lucrativos dos lusitanos no Oriente, a porção de terra americana, na qual a ação lusitana se resumia
basicamente à extração de pau-brasil, de fato se mostrava muito pouco atrativa. Essa condição,
como veremos, irá se inverter na virada do século XVI para o XVII.
46
Vale sempre ressaltar que, embora as motivações da nobreza e da burguesia portuguesas na
exploração oceânica possuíssem peculiaridades e distinções, ignorar a mescla e a fusão entre as
duas, insistindo numa suposta exclusividade, incorreria numa narrativa histórica estanque,
compartimentada e, porque não dizer, falsa.
47
O próprio D. Henrique foi donatário, com exceção de São Tomé e Príncipe, até sua morte no
ano de 1460.
48
As principais estavam em Goa (1510), Ormuz (1511) e Málaca (1515).
50
lusitano no Oriente, potencializado e favorecido pela fraca resistência das frotas
dos cascos. (...) Eram, portanto, mais frágeis em relação às carracas e aos
imperial.49
impuseram sua ocupação territorial com violência. Na realidade, a existência de uma rede
comercial árabe e muçulmana prévia já bem consolidada há muito mais tempo exigiu da
marinha lusitana uma força capaz de destruí-la para então formar uma nova, que, a partir
49
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 59 e 73
50
Idem, p. 61.
51
Tendo em vista a escassez de recursos humanos e de navios durante todo o
existência de apenas um porto bem estruturado (que era o de Goa), Boxer é levado a
taxas alfandegárias nos portos de Ormuz, Goa e Málaca. Todas as mercadorias eram ou
negociadas nos próprios estuários ou levadas para Lisboa, de onde partiam para o
a derrota naval para a China em 1521, o acirramento da disputa pelas Molucas com o
espanhol Carlos V, assim como a presença de corsários franceses no território que hoje
51
Ibidem, p. 66.
52
corresponde ao Rio de Janeiro (chegando a fundar a França Antártica em 1555), além de
um lucro potencial dos gêneros brasileiros maior se comparado, naquele momento, aos
recursos orientais que iam para o mercado. Essa confluência de fatores fez com que o
53
VII
ponto de vista metropolitano a nova porção de terra era pouco atraente em comparação
as relações sociais entre os nativos e forjou um contato profícuo destes com os europeus,
guarani, com os lusitanos resultou numa nova dinâmica social dentro do território recém
Um dos elementos dessa nova dinâmica certamente foi a prática do escambo. Com
52
“A descoberta das terras americanas (...) [d]e início pareceu ser episódio secundário. E na
verdade o foi para os portugueses durante todo um meio século.”: FURTADO, Celso. Formação
econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 50.
54
de poder para as tribos nativas, facilmente apareceu como atrativo para os chefes das
famílias, que ofereciam suas filhas aos colonizadores em troca da posse do novo material.
Assim passaram a ter um papel que antes não existia na sociedade tupi: o de
Vicente.53
Outra transformação importante se deu com relação aos cativos de guerra, que, se
mercadorias pelos genros. Vale dizer que “já na segunda metade do século XVI esses
35).
Brasil por Pedro Álvares Cabral. É fundamental frisar desde já que a vaga noção de que
o descobrimento foi pura obra do acaso coloca-se como antiquada. Jorge Couto54 nos
cabralina foi fruto de um projeto de Estado encabeçado por D. Manuel, cujo objetivo era
por interesses de cruzada, D. Manuel enxergava o Brasil como um mero ponto de amparo
53
CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e
governos. São Paulo: Estação Brasil, 2017, p. 35
54
A construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos, do início do povoamento a finais
de Quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1998, p. 182.
55
técnico para as naus que partiam em direção às Índias Orientais para a conquista de
Jerusalém55. A própria condição geográfica, no que concerne aos ventos e aos mares do
Atlântico-Sul, nos dá pistas sobre o caráter intencional da expedição que atracou em Porto
É necessário, porém, questionar essa relação tão direta entre a viagem de Cabral
econômicos da classe mercantil portuguesa. Com muito menos recursos que o grosso dos
barreiras de entrada nos negócios das Índias Orientais. A exploração das terras sul-
comerciantes portugueses.
Percebe-se, com isso, que a rota para o Brasil certamente não foi uma coincidência
ou, como já se pensou por muito tempo, um erro de cálculo da navegação cabralina.
Mesmo assim, convém mostrar que a Historiografia mais recente coloca em xeque a ideia
55
“O grande projeto de d. Manuel (r. 1495-1521) era, na sua essência, um projeto de cruzada,
visando ao ataque ao Império Mameluco pelo mar Roxo e a recuperação de Jerusalém. O Brasil
não podia representar nele senão o modesto papel de escala técnica para as naus da Índia.”
THOMAZ, Luís Filipe F. R. D. Manuel, a Índia e o Brasil. Rev. de História, USP, n. 161, 2º
semestre de 2009, pp. 13-57.
56
Idem, pp. 13-57.
56
de que D. Manuel tenha sido o único fator responsável pela descoberta da nova porção
territorial na América. Na realidade, foi uma confluência de fatores, sendo que um deles,
o econômico, era capaz até mesmo de se chocar com a estratégia religiosa do Venturoso:
não foi ocasional, é impossível determinar com certeza de quem foi a intenção.
hipóteses(...).57
É nesse contexto que a passagem do trono português para D. João III, marcada
por uma inflexão na política imperial, ganha importância redobrada quando se quer
discutir a razão de ser da colônia brasileira no século XVI. Vimos anteriormente, por meio
desfavoráveis fizeram com que a Coroa voltasse os olhos com mais atenção para as terras
tropicais:
pelo seu antecessor. (...) Optou, sempre que possível, por concentrar esforços
57
Ibidem, pp. 13-57.
58
COUTO, Jorge. A construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos, do início do
povoamento a finais de Quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1998, p. 202-203.
57
régios pela manutenção da porção de terra tropical na América. O sistema simples de
mostrou-se incapaz de evitar invasões estrangeiras. Tornava-se, assim, cada vez mais
“propriedade” portuguesa? Celso Furtado59 nos mostra com clareza que a exploração
possíveis gêneros, quase nenhum poderia ser introduzido a um comércio de grande escala
na Europa. O lucro potencial era muito baixo. Os custos de frete, inclusive, devido às
e prata em largas quantidades pelos espanhóis em suas possessões na América) foi capaz
de compensar a incerteza e o pessimismo portugueses. Uma vez que o ouro foi encontrado
no Brasil somente na transição do século XVII para o XVIII, era necessário garantir até
particular a açucareira:
59
Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 53
60
FURTADO, Celso. Idem, pp. 52-53.
58
Uma vez que era necessário o trabalho agrícola, cabe a nós compreender as razões
para seu sucesso. Na medida em que nos esforçamos para encontra-lo, é um equívoco
açucareiros estabelecidos nas ilhas da costa oeste africana61. São Tomé foi o ponto em
açucareira no Brasil ao longo dos séculos XVI e XVII. A participação holandesa, como
mercados para o açúcar brasileiro no Velho Continente. O que é interessante, por outro
lado, é ver que os Países Baixos contribuíam inclusive com a inversão de capitais na
ampliando a produtividade.
experiência dos empreendimentos na costa oeste africana. Além disso, o tráfico negreiro,
com lucratividade elevadíssima, era um enorme atrativo para o uso dos escravos na
produção açucareira. Por outro lado, é muito curioso como a troca de atividade econômica
61
Vale dizer que desde o final do século XV, políticas implementadas por D. Manuel já visavam
o estabelecimento de feitorias açucareiras nos entrepostos da Costa Oeste africana. Celso Furtado
nos indica que, em 1496, a produção máxima chegava a 120 mil arrobas.
59
na colônia (da extração de pau-brasil para a plantation agroexportadora) transformou por
selvagem irremediável, ‘sem fé, sem rei, sem lei’. Essa mudança de atitude
escrava).62
população de indígenas, em função da chegada de doenças para as quais eles não tinham
qualquer imunidade.
holandesa e uso cada vez mais intensivo de trabalho escravo) que deu à economia
açucareira um caráter central – deixando de ser uma mera atividade tampão até que se
mercados europeus.
62
BOXER, Charles R. O Império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 99-100.
60
Após o sucesso inicial do empreendimento açucareiro, como explanamos até aqui,
cabe entender como ele se transformou em monopólio lusitano até fins do século XVII.
Para isso, podemos olhar para outra potência colonial da época: a Espanha.
americana quase que de imediato63. Pouca atenção, a partir daí, foi dada para atividades
econômicas complementares. As colônias eram cada vez mais sucateadas, uma vez que o
trabalho realizado era puramente extrativo. Não se dava a oportunidade para concorrer
com o açúcar português a partir das Antilhas. Permitiu-se assim, que o trato da cana no
passasse a produzir açúcar nas Antilhas pelos holandeses na segunda metade do século
XVII.
63
O brutal afluxo de metais para a Espanha fez com que o país se tornasse um centro de inflação
crônica, que acabou se espalhando por toda a Europa, induzido a um quadro de déficit na Balança
Comercial, debilitando tanto a metrópole como as colônias americanas.
61
VIII
A Economia Açucareira I
feitorias do Oriente, na transição do século XV para o XVI, eram muito mais lucrativas
com suas especiarias e funcionavam como um vetor estratégico para uma expansão da
quadro porém, como mostramos, se transforma na passagem para o século XVII. O Brasil
Quaisquer que pudessem ter sido os números reais, não há dúvida de que a
açúcar do Brasil era mais lucrativo para a monarquia ibérica do que toda a
64
BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 118-119.
62
mecanismo da produção açucareira no Brasil. Ao analisar a combinação entre o trabalho
101). Essa visão é reforçada quando vemos as necessidades constantes de capital fixo,
Os estudos de S. Schwartz65 nos indicam que a produção açucareira brasileira, tão grande
era seu caráter de “vanguarda”, acabou mesmo servindo como exemplo para a produção
ponto de vista da organização do trabalho, por outro lado, nota-se com clareza um
movimento regular, bem determinado do início ao fim, com uma disciplina rigorosa,
65
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p. 116.
66
GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983, p. 342
63
processo produtivo inteiramente inovador para o momento, acabou funcionando como
processo de trabalho numa grande fábrica inglesa do século XIX, que o característico
dos séculos XVI e XVII na Europa” (CASTRO, 1980, p. 92). Esse quadro complexo,
mercantilização da economia europeia nos séculos XV, XVI e XVII, funcionando como
um eixo para a acumulação primitiva de capital (como nos mostrou Novais, embora seja
questionável acreditar, como fez o autor, que a colonização tenha sido a principal força
motriz para a acumulação primitiva de capital); o cativo, por sua vez, operava o sistema
porém, bem clara de um modo de produção escravista fornece a essa moderna produção
um quadro incompleto. Faltava o elemento do trabalhador livre, que vendia sua força de
trabalho em troca de um salário para sua reprodução material, liberando o patrão de custos
fixos com manutenção dos escravos, permitindo inclusive que sua produção fosse
da renda:
No regime social que aqui se instala há dois teclados; os teclados são dois,
67
CASTRO, Antonio Barros de. A economia política, o capitalismo e a escravidão. In: AMARAL
LAPA, J. R. do (org.). Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980, p.
106-107.
64
produtivo em si. Agosto era o mês em que se fazia o preparo prévio para as safras (que
eram renovados e os bois eram trazidos dos pastos para os engenhos68. Vale dizer que o
trabalho nos canaviais e nas moendas era praticamente ininterrupto: estas chegavam a
funcionar por até 20 horas diárias, parando somente para poucas horas de limpeza. Havia
Iniciada a safra, o ciclo da cana começava com um trato do solo baseado no uso
de machados, foices, picaretas e enxadas. Era, portanto, o trabalho pesado e exaustivo dos
cativos que possibilitava a introdução do vegetal nas terras de massapé. Uma vez que o
sucessivo, permitindo um corte sequencial e, com isso, um fluxo constante de cana para
as moendas.
retenção dos engenhos para limpeza e fiscalização, a escassez de cana nos períodos
chuvosos, assim como o descanso nos domingos, dias santos e dias de festa consumia
28% do tempo de trabalho na temporada. Ao longo do período de trabalho, por sua vez,
os engenhos funcionavam com moendas de rolos, com cilindros horizontais, pelo menos
desgaste advindo dos dentes de ferro incrustados na moenda. Fora isso, a prensagem da
68
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 96.
65
cana era incompleta, necessitando de animais de tração para complementar a pressão. Ao
longo do século XVII, porém, difundiu-se na produção a moenda de entrosas, com três
um tamanho menor das moendas. Isso não eliminou a enorme vantagem em termos de
Ela oferecia grandes vantagens: era mais fácil de construir, prensava melhor
quantidades tão grandes de animais como força motriz e podia moer a cana a
produto brasileiro era realizado pelas empresas holandesas associadas aos mercadores dos
Países Baixos. Nessa etapa, o trabalho era livre e artesanal, garantindo lucros
havia refinarias no Brasil e em Portugal. Era uma prerrogativa holandesa (assim como o
transporte a distribuição), o que fez Furtado afirmar que “o negócio do açúcar era na
realidade mais deles que dos portugueses” (FURTADO, 2009, p. 57). A inexistência de
refinarias na colônia, por sua vez, era até mesmo uma imposição metropolitana:
69
Idem, pp. 117-118.
66
dessas refinarias na Europa não correspondia a uma política da produção, do
dependesse.70
Schwartz, por sua vez, não elimina a existência de uma imposição política
nos mostrou Fraginals. O autor, porém, problematiza a questão ao afirmar que a própria
o consumo imediato” (SCHWARTZ, 1988, pp. 145-146). Esse açúcar, inclusive, foi
70
FRAGINALS, Manuel Moreno. O engenho: complexo socioeconômico açucareiro cubano. São
Paulo: Hucitec / Ed. Da UNESP, 1987, v. I, p. 15
67
IX
Economia Açucareira II
Celso Furtado chegou a uma conclusão pouco animadora a respeito desses montantes:
“não se pode ir além de vagas conjeturas” (FURTADO, 2009, p. 98). O autor, partindo
total de 100.000 habitantes, 30.000 eram brancos, enquanto os outros 70.000 eram
compostos por negros, índios e mestiços71. Seguindo em frente, ele concluiu que, em
120 engenhos que contavam, ao todo, com 15.000 escravos (correspondendo a 75% da
mão-de-obra cativa do Brasil naquele período). Uma vez que a inversão de capital era de
15.000 libras por engenho e de 25 libras por escravo, vemos que a mão-de-obra era
equivalente a cerca de 20% de todo o capital fixo investido por Portugal na colônia.
Essas estimativas iniciais permitiram a Furtado concluir que, num ano favorável,
a exportação total de açúcar brasileiro estava próxima de 2.500.000 libras, gerando uma
renda bruta de 2.000.000 de libras na colônia. 75% desta era a renda líquida da economia
71
Furtado compila esses dados a partir da coleta de Contreiras Rodrigues
68
açucareira. Assim, tendo como denominador os 30.000 brancos, senhores de engenho, a
renda per capita do Nordeste açucareiro chegava a ser de 67 libras. A conclusão imediata
de Celso Furtado é de que “em nenhuma outra época de sua história – nem mesmo no
auge da produção de ouro – o Brasil logrou recuperar esse nível [de renda per capita]”
estima que 90% desse montante de renda estava direcionado para senhores de engenho e
plantadores de cana, ao passo que os 10% restantes eram absorvidos nos serviços de
anos. Aparentemente o ritmo de crescimento foi dessa ordem nas etapas mais
favoráveis.73
e acumulação de capital diminuía. Isso porque uma parcela considerável dos capitais
pertencia aos comerciantes, implicando transferência da renda gerada pelos capitais fixos
para outro setor que não os senhores de engenho. Em termos de contabilidade nacional,
72
Nos “anos menos favoráveis”, Furtado estima que a renda líquida da economia açucareira era
de cerca de 1.200.000 libras, sendo que 50% dela era alocada em consumo.
73
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 101.
69
As pesquisas e conclusões de Furtado, elencadas acima, a respeito do nível de
tema. O historiador francês, coletando dados, referentes ao período de 1622 até 1635, do
Engenho Sergipe do Conde (à época administrado pelo Pe. Pereira), questiona o elevado
sobre o capital, ao longo dos anos em análise, variavam entre 1,2% e 3,4%, estando muito
longe, portanto, daqueles 90% da renda líquida apropriados pelos senhores (os quais
garantiam para si um lucro sobre o capital entre 70% e 80%). Mauro não é o único, na
Brasil:
Buescu, por exemplo, fez notar que os cálculos de Celso Furtado sobre o
lucros por parte dos senhores de engenho. O período em que o autor analisa Sergipe do
74
Le Portugal et l’Atlantique au XVII Siécle.
75
JOHNSON, H & SILVA, Maria B. N. da (Coords.). O Império Luso-Brasileiro, 1500-1620 In:
SERRÃO, J. & MARQUES, A. H. de O. (dirs.). Nova História da Expansão Portuguesa, Volume
VI. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 273.
70
Conde foi marcado por uma profunda queda nos preços do açúcar, depressão essa que
perdurou na Europa mais ou menos até 1633, o que explica em parte uma queda nos lucros
ao longo da década estudada por Mauro. Outro aspecto importante captado pela
diminuía seus lucros reais, numa forma de encobrir acusações a respeito de sua péssima
Mauro acaba indo pelo lado oposto: uma lucratividade muito pequena para uma produção
que era, não obstante o exagero furtadiano, considerável. Como encontrar um meio
2 e 3 contos de réis. Esperava-se portanto, uma lucratividade de 10% ou até mesmo 15%,
fossem constrangidos por uma grande proporção de custos fixos e vez por
excelentes.76
76
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195-196.
71
Como podemos perceber, a rentabilidade da economia açucareira
Isso não significa que, no Nordeste brasileiro, houve uma internalização dessa renda, com
oposto: “não havia (...) nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no
(FURTADO, 2009, pp. 101 e 109). A autossuficiência não foi um elemento do ciclo do
açúcar no Brasil. Apesar dos constantes reinvestimentos em capital fixo para ampliar a
subsistência, dinheiro esse que é gasto no mercado. Pelo contrário, ele acaba
na economia nordestina agravava-se ainda mais pelo fato de que boa parte do consumo
fundamentalmente externo.
72
Estudos posteriores, como o de Francisco Teixeira da Silva77, revisam, por sua
vez, esse caráter subsidiário do mercado interno brasileiro. É certo que a diretriz principal
que a Coroa acabou mesmo por incentivar uma produção interna de cereais, de modo a
abastecer o Brasil (e até mesmo possessões na África e Sacramento, que hoje corresponde
ao Uruguai) com alimentos. Estimulou-se, para esse fim, a vinda de colonos com
Nelas [nas áreas das vilas em que não havia exportação – sécs. XVI, XVII] se
séc. XVII era dono de uma grande manufatura com 5 oficinas especializadas]
especialização numa economia cujo modo de produção é escravista é bem baixo. Isso
porque “não se pode esperar que os escravos realizem mais do que aquilo que são
método alternativo de trabalho que não fosse a escravidão, a qual, por sua vez, implica
77
Conquista e colonização da América portuguesa – o Brasil colônia, 1500/1750. In:
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990,
cap. 1, p. 77.
78
CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e
governos. São Paulo: Estação Brasil, 2017, p. 117.
73
claramente um representante da historiografia disposta a revisar os trabalhos clássicos,
por sua vez, não nega o caráter brutal do trabalho escravo (que seria o fator de maior
descreveram.79
79
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195-196.
74
X
Países Baixos e a Espanha no período que vai de 1568 até 1648, conhecido como “Guerra
dos Oitenta Anos”. Era a luta pela independência dos Estados liderados pela Holanda:
lutaram durante várias décadas, a Guerra dos Oitenta Anos [1568-1648], com
punha.80
por ela, no período em que acontece a “Guerra dos Oitenta Anos”, fazer parte da União
Ibérica. Todas as suas colônias, incluindo o Brasil, estiveram, de 1580 a 1640, sob
representação política dos Estados holandeses independentes e que foram alvo de intensa
e França, os holandeses, embora desejosos das minas ibéricas no México e no Peru, focam
seus ataques nas possessões portuguesas. Do ponto de vista econômico, é certo que o ouro
80
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. A revolução holandesa: origens e projeção oceânica.
São Paulo: Perspectiva, 2014, p. XI.
75
e a prata das colônias espanholas eram de lucratividade muito maior na comparação com
os territórios portugueses. O fator decisivo, entretanto, que moldou as ações dos Países
Baixos foi de caráter militar: as áreas de domínio lusitano, bem mais espalhadas ao redor
do globo, acabavam sendo mais vulneráveis e frágeis frente a uma invasão estrangeira (a
maioria delas estavam situadas na costa, estando, portanto, muito mais expostas,
facilitando uma potencial invasão). Soma-se a isso o fato de que o ouro e a prata, principal
protegidos. Assim, uma vez definido que a estratégia principal era concentrar os ataques
nas áreas lusitanas, a União centraliza seus recursos materiais e humanos no tráfico
do Brasil:
anos pela independência contra a Espanha, no final do século XVI, foi nas
Uma vez definida a estratégia dos Países Baixos, como vimos, o Nordeste
açucareiro é então invadido pelos holandeses após uma tentativa fracassada de tomar
1621) entre União Ibérica e Utrecht que temos, na região, inovações tecnológicas
importantes (como a já citada introdução da moenda com três cilindros verticais) nos
81
BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 120.
76
engenhos. Foi também nesse momento, vale dizer, que a economia do açúcar conseguiu
“completar sua transição do trabalho indígena para o africano” (MELLO, 1998, pp. 24-
25). Não é surpreendente, tendo como base tais dados históricos, que a produção de açúcar
moenda de entrosas ampliava e muito a produtividade, uma vez que permitia a constante
alimentação com matéria-prima, além de ser muito mais potente para prensar a cana. O
escravo africano, por sua vez, já estava muito mais adaptado ao trato do açúcar, dado que,
porque, em 1648, época em que a Espanha ainda tentava reestabelecer a União Ibérica,
estava previsto, pelo tratado de Münster, a concessão do Nordeste brasileiro aos Países
Baixos:
Foi aí [no Nordeste] que nossa integridade territorial correu maior perigo.
Por lamentável que tivesse sido, a perda do Rio Grande do Sul não teria
portuguesa.82
Foi apenas com o tratado de Haia, em 1669, que a Holanda de fato reconheceu a
82
MELLO, Evaldo Cabral de. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste,
1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998, p. 14.
77
concessões financeiras e comerciais lusitanas. De 1654 até o ano do tratado, esteve
sempre presente na Coroa Portuguesa o medo de uma invasão dos Países Baixos que
região açucareira, por sua vez, acabou transformando completamente os destinos dessa
cana, já que, na segunda metade do século XVII, a Holanda centraliza seus recursos nas
do Caribe.
passou a ter 34 engenhos; em 1568, as plantations chegavam a ser ocupadas por até 200
escravos. Não obstante, essa atividade econômica sempre teve caráter secundário nas
assim chamadas “Grandes Antilhas”, o que não surpreende se pudermos enxergar que a
Portugal, a Espanha encontrou vastas quantidades de metais preciosos logo que chegou
sucateamento.
Se nas Grandes Antilhas, como vimos, o quadro era de notável abandono por parte
inusitado, mas, acima de tudo, decisivo para a história da América do Norte. É nelas que
as novas potências coloniais França e Inglaterra, assim como a mais tradicional Holanda,
objetivo dessa manobra era, futuramente, uma vez conquistadas as ilhas antilhanas, tomar
posse do quinhão minerador espanhol nas zonas mais afastadas do mar. São Cristóvão e
São Eustáquio foram alguns dos pontos de assentamento dessas novas populações:
No fim do século XVII, (...) A França dominava ainda parte de São Cristóvão
São Tomás.83
geopolítica ousada das novas potências foi a produção do fumo. Ela já marca uma
qual foi impulsionada com a posterior chegada dos holandeses. Com base nos dados de
“os negros haviam aumentado de 5.680 para 82.203” (FURTADO, 2009, p. 76).
Paralelamente, na região que hoje corresponde à costa leste dos Estados Unidos,
83
CANABRAVA, Alice Piffer. O açúcar nas Antilhas (1697-1755). São Paulo: IPE/USP, 1981,
p. 21-22.
84
HARLOW, V. T. A history of Barbados. In: FURTADO, Celso. Formação econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 76, nota 30.
79
desenvolve-se, no mesmo período, a partir da ocupação de perseguidos políticos
que chega à Nova Inglaterra tem como objetivo primário reproduzir seu estilo de vida
antes consolidado na metrópole. Se, de início, a pequena produção nessas regiões resultou
Atlântico Norte:
Brotaram os engenhos de açúcar para moer as canas, mas Barbados não tinha
cavalos, por isso foram adquiridos cavalos na Nova Inglaterra. Também eram
que se instalava em definitivo na Europa: uma que funcionava de dentro para fora, com
(FURTADO, 2009, p. 79), abastecendo o exterior com o excedente, permitindo, com isso,
85
No período de crescimento da produção antilhana de açúcar, a Inglaterra passa por agitações
político-religiosas cruciais: a realeza, que havia adotado o Anglicanismo como orientação
religiosa no final do século XVI, instaura um quadro de perseguições constantes à massa de
calvinistas revoltosos no país. Muitos deles, fugindo do país de origem, partem rumo ao atlântico
norte, fundando os Estados de Massachussets (1620), Connecticut (1633) e Rhode Island (1636).
Essa tensão político-religiosa é um dos aspectos mais importantes da Revolução Puritana de 1640.
Tomemos o cuidado, porém, de não inverter a lógica e colocar esse quadro como a raiz da
convulsão social pela qual passou a Inglaterra, esquecendo-nos de enfatizar o papel crucial das
transformações econômicas materiais sofridas séculos antes. Para uma melhor compreensão da
matéria, o livro The English Revolution 1640, de Christopher Hill, é fundamental.
86
HARLOW, V. T. A history of Barbados. In: FURTADO, Celso. Formação econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 76, nota 33.
80
O terceiro período que pretendemos analisar é o da consolidação da presença
holandesa nas Antilhas, já na transição para o século XVIII. É nesse momento que a
atividade é valorizada tanto nas pequenas como nas grandes ilhas, consolidando-se um
ter quebrado definitivamente o monopólio português no trato da cana, acabou por influir
discutir, numa maneira mais aprofundada, a formação daquilo que Celso Furtado nomeou
agroexportadora característica e uma economia voltada para dentro que era a pecuária.
Esta, por sua vez, antes de servir como fonte importante de abastecimento para os
87
CANABRAVA, Alice Piffer. O açúcar nas Antilhas (1697-1755). São Paulo: IPE/USP, 1981,
p. 22.
81
a costa até o São Francisco, expulsando os selvagens. [...] Os Ávilas e os seus
o gado que subia o São Francisco foi-se encontrar com o que pela Capitania
Esse potencial de expansão teve como um dos alicerces a própria disponibilidade de terras
característica que marca a etapa inicial da atividade criatória está intimamente associada
por ser, portanto, um dos fatores responsáveis pela crise do Nordeste açucareiro. Se a
demanda por capital fixo se manteve muito parecida mesmo nesse momento turbulento,
a mão-de-obra necessária foi diminuindo cada vez mais e, com isso, se transferia para o
setor de criação de gado. Uma vez que a procura por animais de tiro diminuía
continuamente, a pecuária, que sofria um aumento de sua força de trabalho, regrediu para
88
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil, (1500-1820). 8.ed. São Paulo: Ed.
Nacional, 1978, p. 152.
82
um quadro de involução econômica. Menos renda monetária era necessitada, uma vez
que se formava um quadro de autoconsumo, dado que o couro não era mais exportado e
os animais não eram mais enviados para o litoral. A produtividade, que já era pequena,
divisão do trabalho.
83
XI
Mineração I
tempo que inevitável, compará-lo com a economia açucareira dos séculos XVI e XVII. A
negócio do ouro eram muito menores, no seu conjunto, dado que, de acordo com as fontes
acabava atraindo pessoas com uma disponibilidade de capitais que, para garantir a
sobrevivência no ramo da cana, era insuficiente, mas que bastava para entrar na
mineração. A grande semelhança entre os dois ciclos, por sua vez, é que, assim como no
decadência das minas, assim como no complexo econômico nordestino, o resultado, como
Califórnia, na Austrália, no Alasca e até mesmo na África do Sul, um século antes o Brasil
contribuía com 60%, a maior parcela na época. Se compararmos com o que se extraiu no
século XX e com o que se produz hoje, as quantidades do século XVIII eram bem
pequenas, muito em função é claro, dos avanços tecnológicos ao longo do tempo pelos
89
De acordo com dados do DNPM.
84
quais passou o setor. Mas, até aquele período, a colônia portuguesa na América era dona
1978, p. 248).
Os dados enunciados acima, porém, não consideram o grosso de metais que eram
está acima dos cálculos que os documentos permitem realizar. (...) [A]
anuais.90
operavam sempre entre dois polos: o risco de uma sublevação dos mineradores, em caso
90
PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos
estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Cia. Ed. Nacional; Brasília, INL, 1979,
p. 116-117.
85
Como se deu a transição do ciclo açucareiro para esse quadro complexo em que
se envolve a extração de metais nas Gerais? A crise da produção nordestina fez com que,
a partir do século XVIII, a política metropolitana retomasse o objetivo inicial, aquele real
a descoberta dos metais preciosos, principalmente o ouro91. Isso porque “era mais ou
menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar outro milagre similar
região mineradora como posse lusitana, a administração régia apoia-se muito nas
descoberta dos metais e não mais para a captura do nativo com vistas a usá-lo no trabalho
agrícola. Concessões foram dadas aos paulistas, tais como a posse das primeiras datas
mineradoras na região das Gerais (questão que será tratada com mais afinco
91
Um segundo ponto de vista interessante para entender os rumos tomados pela Coroa no século
XVIII consiste na análise de Adriana Romeiro: Bem diferente do que afirmam alguns
historiadores, o evento [a descoberta do ouro] suscitou receio e temor nos dois lados do
Atlântico, afigurando-se às autoridades, funcionários e conselheiros régios uma séria ameaça ao
domínio português na América Portuguesa. Do ponto de vista político, temia-se que as riquezas
recém-descobertas viessem a se transformar rapidamente em alvo da cobiça das nações
estrangeiras, que não hesitariam em invadir a assaltar os portos marítimos em busca do ouro.
Teria Portugal como resistir a inimigos reconhecidamente superiores no plano militar naval?
(Paulistas e emboabas no coração das Minas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 35.)
86
haviam descoberto o ouro em suas entradas pelos sertões, era por falta de
conhecimentos técnicos.92
qualidades técnicas que lhes permitiram o descobrimento dos primeiros metais nas
Gerais:
entrou para o sertão a bandeira de Fernão Dias Pais, bandeira essa que abriu
região das minas, falta delinear as estratégias régias, tanto fiscais como sociais, tomadas
no início dos setecentos com vistas a garantir a soberania lusitana nessa porção colonial.
unilateral entre Bahia e as Gerais, favorecendo os latifundiários do açúcar, uma vez que
92
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 133.
93
O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII. 2.ed. São Paulo: Hucitec;
Edusp, 1990, p. 37.
94
Idem, p. 38.
87
entre a Bahia e a zona mineradora ordenada pela Coroa (...) sepultou definitivamente o
ou seja, uma “Política de Portas Abertas”. O objetivo era o rápido povoamento da região,
cooptação dos bandeirantes paulistas, os quais, por sua vez, acolheram de imediato a
a anistia de Borba Gato, que antes era perseguido por seus assassinatos e, com Sá e
tiveram o domínio político inicial da região das minas, considerando-se novamente como
parte do Império, Portugal garantia, por meio dos mesmos, o controle do ouro e da
arrecadação.
extrativas:
litorâneas do Brasil viram-se diante da mesma ameaça. [...] Não havia gente
88
(...) começaram a ser olhadas como causadoras de desgraças e fontes de
malefícios.95
social em que as Gerais se encaixaram nos primórdios do século XVIII. A região era com
certeza muito mais explosiva do que sua antecessora, o Nordeste açucareiro. Emergiam
vilas violentas, cada uma das quais com sua legislação própria, estando sempre presentes
os cruéis ritos de violência, como por exemplo as assuadas, marcadas pela exibição
pública de poder pelos paulistas. Embora o controle português, como vimos, fosse uma
realidade, as estratégias de negociação para sua sobrevivência nos primeiros anos abriam
uma margem muito maior para uma estrutura de poder privado vindo dos próprios
95
Ibidem, p. 47-48.
89
pela violência e de caráter privado― sobreviveria por muito tempo,
capitania.96
paulista passa a ser cada vez mais contestado. Os forasteiros, pejorativamente conhecidos
96
ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2008, p. 84
90
XII
Mineração II
No início do ciclo minerador no Brasil, as Gerais não haviam passado por uma
diversificação da atividade econômica. O foco, como era de se esperar, tanto por parte de
forasteiros como por parte da própria Coroa, era única e exclusivamente a extração de
ouro e prata. Assim, as crescentes demandas por abastecimento na região das minas
resultaram invariavelmente na elevação dos preços dos alimentos e dos transportes nas
economia monetária nas Gerais, com a consequente criação de um fluxo circular da renda.
marmelo, couros e carnes.97 Nas últimas décadas do século XVII, eram responsáveis pelo
mineradores com seus gêneros. De início, apenas os “restos” da pequena produção eram
97
ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII. 2.ed.
São Paulo: Hucitec; Edusp, 1990, p. 56.
91
intensificavam ainda mais a produção, podendo até mesmo comprometer o consumo
local:
lucros, intensificaram essa produção, com o fito de vender cada vez mais,
ainda que fosse com sacrifício dos consumidores locais. Em seguida (...) foram
Deve-se enfatizar, por sua vez, o papel do Rio de Janeiro na formação de novos
caminhos até as Gerais. Antes, partindo de Parati e cruzando por Taubaté (era o encontro
chegar às datas mineradoras. Com o “caminho novo” do Rio de Janeiro, o tempo reduzia-
se para até 12 dias. Não havia capitania melhor para se chegar às minas do que a do Rio
de Janeiro e, a partir do século XVIII, tanto o ouro a ser exportado como os escravos
(1990, pp. 119-120): “a abertura desse caminho representou uma verdadeira revolução
extração do ouro, como vimos anteriormente, abria muito maior espaço para pessoas com
98
Idem, pp. 60-61.
99
“(...) Enquanto o caminho paulista exigia dois meses para ser transposto, e no ‘caminho velho
do Rio de Janeiro’ gastavam-se quarenta e três dias, o ‘caminho novo’ era vencido, (...) em
‘marcha escoteira’, de dez a doze dias.” Ibidem, pp.119-120.
92
chances de sucesso econômico explorando o ouro de aluvião do que se pensasse em
administrar um engenho (o que, na maioria dos casos, mostrava-se quase que impossível).
e transportes tornava muito maior a presença dos indivíduos de pequenas posses, os quais
passaram a formar, graças à mineração, uma classe média branca mais robusta.
existência de um mercado interno mais sólido deve ser levada em conta. O próprio
terras até mesmo para aqueles que não possuíam nenhum escravo100. É bem verdade que,
com o passar do tempo, mais restrições foram impostas “à medida em que os trabalhos
exigiam maior vulto e, portanto, indivíduos com elevados recursos materiais” (LUNA,
(...) se não dará segunda data a pessoa alguma sem ter lavrado a primeira e
repartir, então se atenderá aos que tiverem mais negros porque tendo mais
dos doze pertencentes à primeira data se fará com eles a repartição na forma
constando também ao guarda mor que cada um dos mineiros tem lavrado,
100
“E porque é muito prejudicial repartirem-se aos poderosos em cada Ribeiro que se descobre
sua data, ficando por esta causa, muitos pobres sem ela ou sucede ordinariamente por não poderem
lavrar tantas datas venderem os pobres, ou estarem muito tempo por lavrar o que não é somente
em prejuízos dos meus Vassalos, mas também dos meus Quintos, pois podendo-se tirar logo se
dilatam como se não lavrarem as ditas datas, e havendo ficado muitos dos meus Vassalos sem
elas, por evitar esta injustiça (...)”. Artigo 5º do Regimento de abril de 1702. In: LEME, Pedro
Taques de Almeida Paes. Notícias das minas de São Paulo e dos sertões da mesma Capitania.
Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, p. 199.
93
havendo terra para repartir, a repartirá novamente com ele na forma que fica
dito.101
Convém dizer que, por mais que a distribuição das datas ficasse mais restrita, ela não foi
posse de escravos. Com base nos trabalhos de Francisco V. Luna102, podemos dizer que,
possuidor de enormes massas de escravos, foi uma figura que, embora não inexistente,
não se constituiu como regra pelo menos durante boa parte do ciclo minerador. Luna, com
de cativos:
escravaria de um, dois ou, no máximo, cinco escravos. [...] Assim, a nosso ver,
formam um quadro muito peculiar na região das minas, quadro esse que era distinto
101
Idem, p. 199.
102
Minas Gerais: escravos e senhores. São Paulo: IPE/USP, 1981.
103
LUNA, Francisco V. Idem.
94
atividade nas Gerais. Muitas vezes acabavam exercendo até mesmo um trabalho
remunerado e, com a parcela de ouro que era descoberta, podiam acumular recursos para
comprar a alforria. O mais curioso é que, a partir de Luna, vemos que 20% dos
Finalmente, para tornar ainda mais complexa a tessitura social das Gerais, havia
o elemento do faiscador: o pequeno minerador que, por lhe faltarem recursos necessários
até para a compra de um único escravo, empreendia a extração de metais apenas com suas
próprias forças. Corria, portanto, o risco de empobrecer ainda mais, ao mesmo tempo em
historiografia clássica, a figura do faiscador suscitou debates interessantes. Caio Prado Jr.
Celso Furtado, por sua vez, inverte o mirante e coloca o faiscador como porta de entrada
104
JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo – colônia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011, p. 187-188.
95
enriquecimento e consolidação de uma posição como empresário, o faiscador podia
permitir às Gerais uma atividade extrativa de maior porte. Nas palavras do autor:
escravo. Por último, se seus recursos não lhe permitiam mais que financiar o
faiscadores.105
e o potencial fluxo circular da renda de fato conseguiram criar raízes profundas no ciclo
do ouro. E de fato eles eram consideráveis, mesmo que, em termos absolutos, o nível
anual de renda nas minas fosse menor do que aquele encontrado na economia açucareira
(Furtado nos aponta uma média de 3,6 milhões de libras nos anos mais favoráveis). O que
muito mais cara e, portanto, compensava menos do que se abastecer daquilo que a própria
colônia fornecia. O mais importante de tudo isso é que, uma vez reconhecida a
105
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 136 e 146
96
Esse conjunto de circunstâncias tornava a região mineira muito mais propícia
praticamente nulo.106
pelo baixíssimo grau de desenvolvimento endógeno na colônia nos séculos XVIII e XIX.
Furtado descarta essa possibilidade para, ao invés disso, olhar as implicações do próprio
país com grau manufatureiro bem baixo, não foi capaz de transferir ao Brasil o know-how
colônia não chegou a conhecer [...]. A primeira condição para que o Brasil
E por mais que se tentasse uma política de proteção à indústria nascente na metrópole
acabou bloqueando qualquer tentativa nessa direção, dado que a Inglaterra soube
106
Idem, p. 140.
107
Ibidem, Editora Nacional, 1980, p. 80.
97
que o tratado entra em vigência fornece uma base real para a sobrevivência de Methuen108.
O metal garante um equilíbrio na balança comercial, afluindo quase que na sua totalidade
para as manufaturas inglesas109. Assim, a atividade mineradora acabou, no fim das contas,
Uma vez compreendido esse quadro, fica claro que a decadência do ciclo do ouro
foi sucedida por uma lenta involução econômica: a aplicação de capitais reduziu
108
Sem o ouro, era impossível que apenas o vinho fosse capaz de compensar a entrada dos têxteis
ingleses. O grau de déficit comercial chegaria a um nível muito mais crítico, possibilitando que
se mobilizassem interesses que convergissem a uma política fiscal protecionista, desbancando as
intenções dos produtores rurais.
109
A Inglaterra, vale dizer, já havia passado por transformações estruturais importantes, tais como
os enclosures, que lhe permitiram aproveitar e internalizar os ganhos com o tratado de 1703.
98
XIII
desenvolvido pelo próprio autor, de Antigo Sistema Colonial. Este foi um elemento
conseguindo, inclusive, materializar e dar corpo às ideias gerais que formaram a estrutura
teórica da política econômica mercantilista. O Antigo Sistema Colonial, nesse sentido, foi
do modo de produção escravista. Ganhava forma, assim, aquilo que Novais chamou de
110
As dimensões da independência. In: MOTA, C. G. (org.). 1822: Dimensões. 2.ed. São Paulo:
Perspectiva, 1986, pp. 15-26.
99
Essa face111 da acumulação primitiva de capital, contribuindo na gestação do
europeias, com a burguesia tendo o controle definitivo do poder político, não poderia mais
111
Embora Novais coloque os mecanismos subjacentes à colonização como a principal ferramenta
de acumulação primitiva, é necessário enfatizar que outros elementos, internos ao próprio modo
feudal de produção, foram cruciais para a formação do capitalismo. Marx, assim como outros
autores marxistas (tais como M. H. Dobb), dão peso elevado e priorizam as contradições e
transformações subjacentes ao próprio feudalismo. Isso porque são elas que evidenciam o
processo de formação do proletariado moderno e até mesmo a consolidação de elementos que
posteriormente comporiam a burguesia industrial, ou seja, explicam a constituição dos dois
principais organismos do capitalismo, as duas classes que produzem seu movimento. J. Gorender,
outro historiador marxista de contribuição considerável, mostra que o desenvolvimento do
comércio, em que estão inclusos os mecanismos da colonização, potencializaram o capitalismo
naqueles Estados em que o feudalismo já havia passado por mudanças e decomposições profundas
em seu modo de produção. Assim, é importante que se coloque o Antigo Sistema Colonial como
uma face da acumulação primitiva, não correspondendo à totalidade do processo.
100
fundamentalmente exógenos, passam a constituir entraves para seu desenvolvimento
A passagem nos mostra como a industrialização a pleno vapor não podia mais
112
NOVAIS, Fernando A. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial (séculos XVI-XVIII),
5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 100.
113
Se pensarmos a partir do marxismo, Novais incorre num erro teórico. Nunca existiu esse
chamado “capitalismo comercial”, justificado muitas vezes pela robustez do capital comercial nos
séculos que compreendem o Absolutismo. A existência do capital comercial precede o
capitalismo: não é por acaso que Marx afirma que “o capital é antediluviano, mas o capitalismo
é recente” (O Capital. Boitempo Editorial, 2013). Até mesmo na Antiguidade greco-romana a
vida econômica era regida pelo capital comercial. Nem por isso chamamos esse período da
História de capitalista. O capitalismo é a estrutura econômica regida pelo capital industrial, com
101
Em suma, a Europa passava por uma Revolução Industrial decisiva, além de ter
visto a crise generalizada do Antigo Regime com as convulsões sociais de 1640 e 1789
Antigo Sistema Colonial será negado pelo capitalismo a partir do século XVIII. Convém,
a partir de então, olhar para o que estava ocorrendo especificamente dentro das colônias.
populacional europeia (elementos estruturais que pesam na análise de Caio Prado) deram
comercial após séculos de estagnação. Era um quadro que permitia inclusive mecanismos
ao Rio de Janeiro em 1808 foi acompanhada, pouco tempo depois, duma espécie de
liberalismo que marcou inúmeros decretos de D. João VI. O liberalismo é notado, por
exemplo: na abertura dos portos, nos tratados comerciais com a Inglaterra a partir de
um modo de produção específico que lhe corresponde. O termo torna-se ainda mais problemático
quando vemos que o Estado Absolutista era ainda feudal, dado que a classe dominante continuava
sendo, mutatis mutandis, a dos nobres e que o modo de produção ainda era, apesar das
transformações sofridas ao longo de séculos, caracterizado pela servidão. Sobre esse tema,
convém ler Linhagens do Estado Absolutista, do inglês Perry Anderson.
102
Essa roupagem liberal da qual falamos acima precisa, entretanto, ser
problematizada. Torna-se necessário uma análise das conjunturas específicas que de fato
levaram D. João a assinar medidas desse caráter. No caso da abertura dos portos, era
mercado para seus artigos industrializados. Abrindo essa janela para a economia
governo inglês, contra quaisquer ameaças francesas. Celso Furtado nos mostra a
em relação à abertura:
[...] os ingleses ⎯que acreditavam menos em Adam Smith do que José da Silva
teria sido maior se a admissão dos navios e das manufaturas britânicos fosse
embora sejam liberais, ainda mais se confrontados historicamente com os séculos em que
certo ranço colonial inglês. A tarifa preferencial de 15% dada ao artigo britânico não foi
de toda aceita pelos articuladores ingleses. A Inglaterra queria descontos maiores para
seus produtos e taxas alfandegárias mais elevadas para seus rivais no comércio exterior,
o que não é uma postura efetivamente liberal, se levarmos a rigor os escritos dos
114
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
nota 76, p. 157.
103
época, o liberalismo de outros Estados com ela era vantajoso na medida em que ampliava
os mercados para seus produtos; ao mesmo tempo, políticas protecionistas para seus
principais concorrentes eram vistas com bons olhos, exatamente porque restringia o
liberais, precisa ser pormenorizada a partir das suas circunstâncias específicas que
problema monetário: os 80 mil contos de réis trazidos por D. João na forma de haveres
conflitavam-se com a escassez de numerário na colônia, dado que havia, no Brasil, cerca
atender aos desígnios monetários dos Bragança. Em 1809, tem início a circulação
numerário.
Cada vez mais, porém, com as crescentes despesas da Coroa, o Banco do Brasil
colônia. A necessidade de garantir, por outro lado, que a moeda corrente estivesse
lastreada exigia uma regulação monetária. Nota-se, nesse sentido, um caráter ambíguo
nas diretrizes do Banco do Brasil. Ambiguidade essa que é marcada, na realidade, por
conflitos entre a expansão fiscal e a contração monetária. Rosado Gambi esclarece ainda
mais o problema:
seu papel regulador do valor da moeda. [...] Quer dizer, os recursos que
entravam no banco serviam de lastro para a emissão de suas notas que, por
sua vez serviam para financiar as despesas estatais. [...] Os estatutos do banco
104
não previam nenhum limite para a emissão dessas notas e isso, de certa
com a ajuda do Banco do Brasil. Sem querer abrir mão da ilusão do lastro
metálico para o troco das notas bancárias, o mesmo governo adotava uma
VI assim que a Coroa chegou ao Brasil nos levam ao que Furtado chamou de “falsa
euforia” no início do século XIX. A realidade brasileira era outra: na passagem para a
câmbio sofria pesada desvalorização por conta dos déficits na balança comercial (era
impossível, mesmo que se tentasse uma proteção cambial, competir com os artigos
conflitos militares no início de nossa história independente forçavam uma expansão fiscal
desvalorizando ainda mais o câmbio. Esse círculo vicioso, para Furtado, só se resolveria
com a ascensão da produção cafeeira, a qual seria responsável por superávits comerciais
importantes. Outros autores, porém, como Simonsen e Caio Prado, sobrelevam a ausência
115
GAMBI, Thiago F. R. O banco da Ordem: política e finanças no Império brasileiro (1853-
1866). São Paulo: Alameda, 2015, p. 54.
105
protecionismo poderia ser um elemento favorável à ex-colônia, Simonsen afirmou que
106
XIV
XVIII para o XIX, nos mostra um quadro pouco animador: o ocaso da mineração veio
mais grave na medida em que não havia, na colônia, uma base técnica, ou melhor, um
despesas com importação, por sua vez, deveria ser feita com o aumento nas
estáveis ao longo do período. O setor exportador cresceu apenas 0,8% (sustentado em boa
116
Declínio a longo prazo do nível de renda: primeira metade do século XIX. In.: FURTADO,
Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1980, pp. 106-110.
117
Furtado de fato enfatiza consideravelmente a alta das exportações como condição necessária à
industrialização. Ele mesmo, porém, afirma ser essa uma condição não suficiente para a
modernização econômica: a burguesia rural escravista como classe dominante, tendo em suas
mãos os rumos da colônia e, posteriormente, do Brasil Independente, funcionava como grande
barreira para empreendimentos industriais de maior escala. Nas palavras do próprio autor:
“Mesmo deixando de lado a consideração de que uma política inteligente de industrialização seria
impraticável num país dirigido por uma classe de grandes senhores agrícolas escravistas, é
necessário reconhecer que a primeira condição para o êxito daquela política teria sido uma firme
e ampla expansão do setor exportador”. In.: Idem, p. 107.
107
industrializados eram muito pequenos no Brasil: praticamente não se absorviam os
econômica.
Os tecidos ingleses, de maior qualidade, tinham outro fator que lhes dava
vantagem na competição com artigos do mesmo tipo feitos no Brasil, como vimos acima.
diminuindo o preço pelo qual a Inglaterra exportava seus têxteis, os quais eram os mais
competitivos do mundo naquela época. É esse quadro de preços no mercado externo que
faz com que Furtado conclua pela pequena eficiência, em termos de consolidar a
defender qualquer indústria local por meio de tarifas. Houvera sido necessário
118
FURTADO, Celso. Ibidem, p. 106.
108
Para contrapor as análises de Furtado a respeito da economia brasileira nos
primeiros cinquenta anos do século retrasado, será de grande valia os estudos de Mircea
período: apesar de um sensível declínio na renda, a primeira metade do século XIX legou
bases importantes que geraram frutos para o desenvolvimento do Brasil nos anos
tráfico negreiro, o surto da produção cafeeira, assim como o crescimento de uma classe
Um fator que chamou mais a atenção de Buescu foi a maior difusão, a partir dos
intelectual no Brasil. Para esta, ficava cada vez mais claro que a Coroa Portuguesa
divorciar os cidadãos do Estado, identificado, por sua vez, com a metrópole espoliadora.
Buescu capta esse novo espírito que permeia a elite intelectual na colônia a partir
dos escritos de Rodrigues de Brito, um dos homens integrantes da burocracia real lusitana.
Inspirado nos textos formadores da Economia Política Clássica, Brito avança contra as
medidas restritivas da Metrópole com relação à produção agrícola no Brasil. Afirma ser
119
Rodrigues de Brito: um libelo contra o colonialismo. In.: BUESCU, M. História econômica
do Brasil: pesquisas e análises. Rio de Janeiro: APEC, 1970.
109
necessário que se garanta liberdade aos produtores para empregarem trabalho e capital da
maneira mais vantajosa, assim como liberdade para que eles escolham os melhores
têm maior valor, é o mesmo que lhes roubar uma porção desse valor; isto é
privá-los das riquezas que eles fizeram nascer com o suor do seu rosto e
pensamento liberal clássico, que foi hegemônico na Economia Política até meados do
século XIX. Isso é passível de comprovação até mesmo nas palavras de Brito a respeito
Porque tanto importa ao farinheiro, por exemplo, que traz um barco de farinha
no valor de cem moedas, que depois de vendido por esse preço os ladrões lhe
roubem dez, como ver-se obrigado por conta dos regulamentos a liquidar
noventa unicamente.121
ganhar solidez nos anos de nossa emancipação. O autor, porém, enfatiza que sua postura
liberal na realidade serve mais como pano de fundo para uma luta econômica contra as
120
Idem, 1970.
121
Ibidem, 1970.
110
absolutismo, clássico no pensamento francês iluminista. Era necessário que se abrisse
dessa premissa, Brito estaria de fato absorvido por um pensamento transformador, ou era
aliado de uma espécie de despotismo ilustrado que pudesse dar nova feição às relações
sobre o caráter desse absolutismo esclarecido. Veja o que nos apontam José Luís Cardoso
porque de fato advoga pelo fim das restrições comerciais e dos monopólios concernentes
ao exclusivo metropolitano. Limitado na medida em que todo seu discurso liberal não
avança para a luta contra a monarquia absolutista. A intenção estava em dar uma maior
poderia inclusive amortecer tensões entre a massa escrava, à qual Brito sequer faz
lusitanos.
Outros historiadores, como Karla Maria Silva, não enxergam todas essas
realidade, a nova mentalidade liberal, que via o desenvolvimento pleno das metrópoles e
122
CARDOSO, José L. & CUNHA, Alexandre M. Discurso econômico e política colonial no
Império Luso-Brasileiro (1750-1808). Tempo 17 (31): 65-88, 2011, p. 71.
111
das colônias intimamente associado a uma maior liberdade econômica, abrindo novas
por si só uma grande amostra de renovação ideológica na elite intelectual. Nas palavras
da própria autora:
e outro lado [...]. Superando a ideia de que as medidas adotadas por esses
123
SILVA, Karla M. Os escritos de João Rodrigues de Brito (1807): um retrato das novas ideias
no mundo íbero-americano. Intellèctus XV (2): 43-65, 2016. pp. 44-48.
112
XV
60 anos de vigência da União Ibérica) tornava-o cada vez mais dependente da potência
inglesa. Era necessário à Coroa Lusitana garantir o seu quinhão colonial na América e,
para isso, uma aliança. A partir de então, os tratados entre os dois países cada vez
das leis portuguesas para os súditos ingleses. [...] Deveriam ser indicados
124
“Em Londres [...] foi negociado e assinado um tratado entre D. João, Mestre de Avis, e o rei
Ricardo II. [...] Essencialmente, a Inglaterra comprometeu-se a ir em defesa de Portugal,
assegurando, em contrapartida, privilégios comerciais no porto de Lisboa. [...] Foi acordado
também o casamento entre Filipa, filha mais velha do duque [de Lencastre, tio do rei inglês], e o
Mestre de Avis [...].” PAGE, Martin. Portugal e a revolução global: como um dos menores países
do mundo mudou a nossa história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 114-115.
113
Sul portuguesa. Procurava-se, em vão, uma cláusula econômica em benefício
estável em 1642.125
como esse de 1642, são, para Manchester, as raízes da dominação diplomática e comercial
deste país sobre aquele126. O autor, nesse sentido, desbanca a tese de que foi a partir de
1703, com o Tratado de Methuen, que o reino ibérico passou a ser um vassalo comercial
deveria comprometer-se a fechar seus portos para navios de guerra e corsários franceses;
permitia, por outro lado, a entrada ininterrupta de embarcações inglesas, dado que o
acordo afirmava que navios britânicos e lusitanos deveriam ser considerados do mesmo
país. Vale dizer que esse tratado reafirmava o que já havia sido estabelecido entre os dois
pequeno reino ibérico. Ainda nas palavras de Manchester, “o pequeno tratado de seis
artigos profetizava claramente a luta entre Napoleão e a Inglaterra pelo controle dos
125
MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p.
20.
126
Idem, p. 32.
127
Cf.: “Ao longo do século XVIII, a política externa portuguesa teve como sua chave mestra a
aliança inglesa, tal como fora plasmada pelos tratados de 1642, 1654 e 1661, completados, no
campo econômico, pelo de Methuen, em 1703.” ALEXANDRE, Valentim. A carta régia de 1808
e os tratados de 1810. In.: OLIVEIRA, L. V. de & RICUPERO, R. (org.). A abertura dos portos.
São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007, p. 101.
114
(MANCHESTER, 1973, p. 60). D. João, por sua vez, apesar de firmar o acordo, hesitava
decisivas nos primeiros anos do século XIX europeu. O bloqueio continental napoleônico
deixou Portugal num verdadeiro beco sem saída: aceitando as condições francesas,
comprometia sua aliança vital com a Inglaterra; negando-as, corria o sério risco de ter seu
território invadido pelas tropas do Imperador francês. A solução encontrada por D. João,
como sabemos, foi transferir a Coroa para o principal sustentáculo português: o Brasil.
influência econômica britânica de Portugal para o Brasil. O primeiro exemplo mais claro
dessa inflexão é a abertura dos portos: era o fim do exclusivo metropolitano, com a
compradores estrangeiros. Sem o entreposto lusitano, naturalmente houve uma queda nos
preços dos artigos estrangeiros no Brasil. Outro aspecto que merece atenção quando se
discute a abertura dos portos é que a possessão portuguesa na América passava a ser, num
britânicas no território brasileiro. Como bem notou Olga Pantaleão, a maioria dos
115
o abarrotamento do mercado [...] tornou difícil o escoamento das
uma baixa grande de preços, agravada ainda pela pressa de alguns indivíduos
em vender rapidamente sua mercadoria. Assim, boa cutelaria foi vendida por
mercado notado por Pantaleão. Os portos coloniais não conseguiam acomodar todos os
por parte de D. João130, buscaram até mesmo aprimorar a infraestrutura da colônia nesse
128
PANTALEÃO, Olga. A presença inglesa no Brasil. In.: HOLANDA, S. B. de (org.). História
Geral da Civilização Brasileira. 6.ed. São Paulo: DIFEL, 1985, vol. 3, p. 76.
129
A própria Pantaleão nos mostra que os artigos ingleses, uma vez passados pela alfândega, num
moroso trajeto desde o cais, eram jogados todos juntos e misturados, comercializados nas próprias
ruas. É mais uma amostra muito clara da enorme precariedade estrutural da economia colonial,
incapaz, na época, de se adaptar a uma mudança econômica daquela magnitude.
130
Cf.: “[...] para criar um Império nascente, fui servido adotar os princípios mais demonstrados
de sã economia política, quais o da liberdade e franqueza do comércio, o da diminuição dos
direitos das Alfândegas, unidos aos princípios mais liberais, e de maneira que promovendo-se o
comércio, pudessem os cultivadores do Brasil achar o melhor consumo para os seus produtos, e
que daí resultasse o maior adiantamento na geral cultura, [...].” (Discurso de D. João para o clero,
a nobreza e o povo, escrito em 07 de março de 1810).
116
comerciais, de acordo com a autora, foi que “tal concessão [...] impediu o
desenvolvimento da indústria no Brasil, pois seus produtos não podiam concorrer com
Novamente, os resultados efetivos dos tratados de 1810 apontam para o caráter limitado
anteriormente.
a ter o Brasil para a economia inglesa. Uma importância maior do que para o combalido
reino português. O consumo brasileiro absorvia 25% a mais dos artigos ingleses do que
toda a Ásia. É bem verdade que isso foi realidade num contexto de bloqueio continental,
Com a queda de Napoleão, cada vez mais diminuía a relevância brasileira para os
sobre o Brasil. Os tratados de 1827 entre o novo Estado e a potência britânica concretizam
131
MANCHESTER, Alan K. Op. cit., pp. 94-95.
117
exatamente isso. Os privilégios dos comerciantes ingleses são mantidos e a
1844, que acabou com a tarifa de importação de 15% para a mercadoria britânica, foi
capaz de eliminar por completo a submissão brasileira aos interesses da Inglaterra. Para
Pantaleão, “o século XIX, sobretudo em sua primeira metade, foi assim, no Brasil, o
118
XVI
Emancipação Política I
coloniais com Portugal, é motivo de estudos históricos desde o século XIX. Emília Viotti
USP entre 1964 e 1969), discutindo sobre esse interesse da historiografia pela
conhecidos” (COSTA, 1981, p. 64). Os motivos dessa crítica, para a autora, residem no
fato de que nossos historiadores clássicos do século retrasado embasaram-se numa análise
pano de fundo econômico e social mais complexo. A historiografia teria muito a percorrer
119
explicar movimentos de continuidades e de rupturas no pacto outrora
Viotti tenta traçar elementos que formam esse pano de fundo econômico e social no qual
a independência tomará forma. Nesse sentido, todos eles se encaixam, de alguma maneira,
acumulação primitiva, acabou sendo desbancado pelo próprio resultado desse processo
histórico. É importante ressaltar que a negação aos monopólios não atingiu, num primeiro
continuou vigorando no Brasil até 1888, quando definitivamente não se comportava mais
aspecto aponta para a complexa e gradual tomada de consciência passada pela elite
colonial brasileira. Cada vez mais esta se aproximava do ideário liberal. É importante,
porém, que se questione até que ponto o Liberalismo foi absorvido pela burguesia rural
132
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Estado e política na independência In: GRINBERG, K. & SALLES,
R. (org.). O Brasil Imperial – Volume I – 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 97
133
A consolidação desses mecanismos endógenos (a valorização do valor mediante criação e
reprodução constante de mais-valia) deu à esfera da produção um caráter definitivamente
capitalista.
120
do Brasil. De cunho notadamente anticolonialista, o que de fato ocorreu, de acordo com
Emília Viotti e outros autores mais recentes, foi uma “filtragem” desse ideário burguês
contra o Estado. [...] Mas essa visão nem sempre se sustenta quando
pelo Estado, que busca a proteção dos indivíduos muito poderosos. 134
província.
Nas Gerais, a crítica ao fiscalismo régio, cada vez mais pesado num contexto de
134
MAXWELL, K. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996, p. 171-172.
121
iluminista, conforme se depreende dos depoimentos de alguns dos
tributários.135
muito bem com seus interesses anticolonialistas. Não é de se estranhar, uma vez que a
maioria dos líderes do movimento, membros das castas mais altas da sociedade mineira,
contrário do que ocorreu nas Gerais, a participação social foi muito mais alargada. Até
mesmo elementos escravos estavam presentes num movimento que, ainda assim, era
Baiana colocava em xeque seu sucesso. De fato, a viabilização de uma proposta fundada
na luta contra a metrópole portuguesa exigia uma amplitude social maior nas
da colônia (uma vez que havia, a partir de então, a possibilidade incômoda de uma tomada
enorme proveito. Subentende-se que a Conjura era dotada, no seu núcleo, de uma
135
FURTADO, João P. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira
de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 223.
136
Idem, 2002.
122
interessante contradição que impedia o seu próprio sucesso. Nas palavras de István
Jancsó:
A sua fragilidade resulta daí, pois era por demais evidente [...] que a
incompatível que era com os interesses de qualquer setor das elites coloniais,
usar a revolta das massas para benefício próprio. Estas não ultrapassaram o limite estreito
a elas imposto no movimento, fazendo-se de tudo para que não tivessem acesso à difusão
do ideário liberal que percorria o pensamento das elites. Fugindo do controle da classe
numa maior liberdade administrativa e no fim das restrições comerciais e dos monopólios.
137
JANCSÓ, István. Na Bahia, contra o Império: história do ensaio de sedição de 1798. São
Paulo: Hucitec; Salvador: EDUFBA, 1996, p. 212.
123
era a preservação da ordem, que garantia seus privilégios.[...] O temor da
sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular. 138
evidência de como o liberalismo foi muito bem “filtrado” por nossa elite ruralista. Isso
fica ainda mais claro quando Emília Viotti nos mostra que era muito corrente na
emancipação, argumentava-se que era possível manter Brasil e Portugal sob uma mesma
soberania política (no caso, sob o jugo dos Bragança), desde que tivessem liberdade
monopólios. A proposta, como veremos logo mais, não se efetivou. Mesmo assim, é
possível, com isso, ir mais além na análise das limitações do “liberalismo brasileiro”. Na
essencialmente político foi, grosso modo, renegado. Não interessava, para uma classe
entre Portugal e Brasil. Mais uma vez Viotti é assertiva ao afirmar que “para esta
1981, p. 92). Pode-se inclusive questionar até que ponto a independência brasileira foi de
138
COSTA, Emília V. da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA,
Carlos Guilherme (org.) Brasil em perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 98-99.
124
O processo de independência do Brasil, portanto, não foi uma revolução, nem
membros das elites e por um pequeno número de homens livres, com acesso
debates.139
interesses antagônicos entre as elites portuguesa e brasileira. Esta, como vimos, exigia a
liberdade comercial e produtiva. O exclusivo metropolitano não podia mais ser uma
realidade para nossa burguesia rural. As cortes de Lisboa, por sua vez, objetivavam a
tomada do poder político (com o fim do despotismo dos Bragança a partir da formação
díspares tentaram ser acomodadas pela política liberal de D. João enquanto esteve no
Brasil. Com uma mão favorecia os brasileiros, eliminando o monopólio. Mas buscava
sempre limitar tais regalias na medida em que buscava atender às demandas dos
deputados portugueses. Tudo em vão. Como afirma Viotti, “não conseguia D. João VI
senão descontentar a todos” (COSTA, 1981, p. 78). E assim, aparecia como única saída
139
NEVES, Lúcia M. Bastos P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da
Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003, p. 22.
140
Cf.: “[...] a revolução liberal do Porto continha, nos seus fundamentos, uma intenção
antiliberal”. COSTA, Emília V. Op. cit., 1981.
125
XVII
Emancipação Política II
1822, o Estado recém-nascido acabaria por se constituir uma monarquia centralizada, cuja
vida terminou apenas em 1889, com o golpe republicano. Na visão de pesquisadores mais
fato puramente sequencial à emancipação, como que fosse uma certeza. O mérito dos
estudos mais recentes, nesse sentido, é tentar entender como se deu realmente a
nação independente. O mérito, portanto, está no fato de que a historiografia “mais nova”
conseguiu enxergar que, apesar de o fato ter sido o Império, outras alternativas foram
colocadas em discussão ao longo dos primeiros anos de nossa vida emancipada. Nas
palavras de Evaldo Cabral de Mello: “se a Revolução Portuguesa de 1820 fazia previsível
a mudança do status quo colonial, não estava escrito nas estrelas que ela desembocaria
141
Cf.: “a historiografia teria naturalizado a solução unitária, apresentando as demandas
federalistas como antinacionais, sem perceber que, em 1822, a nação ainda não estava
constituída.” COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil, 1823-
1866. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p. 10.
126
dissolução dos laços entre Portugal e Brasil, com singularidades cujas raízes podemos
encontrar na chegada dos Bragança ao Rio de Janeiro em 1808, é marcada pela ausência
portanto, do status quo político de nossa elite intelectual, assentada no modo de produção
por elites políticas portadoras dos ideais da civilização e com a missão auto-
atribuída de forjar, ao longo do tempo, uma nação. Essa solução aborta uma
século XVIII, mas não retira de cena nem seus personagens nem os princípios
142
VIANA, Luiz W. In: COSER, Ivo. Op. cit., p. 10.
127
conservava a figura do rei como representante da Nação, mas negava que a
O último grupo, finalmente, era o da elite “brasiliense”. Adeptos de uma postura mais
radical, com ampla influência do ideário iluminista e sem uma formação acadêmica
com o lugar em que tinham nascido, ao qual deviam prestar a principal lealdade, ao
um todo unitário, passa por uma decomposição. Abrem-se os interesses reais a respeito
como principal problema o plano da autonomia provincial. É o que nos mostra Evaldo
Cabral de Mello:
uma monarquia que, pari passu, teria sido despojada dos seus atributos
143
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003, p. 51.
144
É importante ressaltar que os últimos não eram contrários à uma monarquia constitucional,
desde que garantissem maior autonomia às províncias formadoras do Brasil. Assim, num primeiro
momento, o movimento republicano acabou por ficar esvaziado.
145
MELLO, Evaldo C. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824.
São Paulo: Editora 34, 2004, p. 18.
128
De fato, na ala mais radical entre os federalistas estavam os deputados pernambucanos.
Entendiam que o processo de independência pelo qual passou o Brasil nada mais fez do
que transferir o autoritarismo de Lisboa para o Rio de Janeiro. Era necessária uma maior
sul”, principalmente paulistas e fluminenses, ao longo dos anos de 1823 e 1824 (um
período um tanto quanto esquecido pela historiografia tradicional146). É bem verdade que
relação à antiga metrópole. A liberdade das províncias era indesejada e, para eles,
proposta paulista. Para eles, não haveria o Reino do Brasil, mas as províncias
colonial.147
É importante levar em conta, e isso acabará sendo um fator que nos ajuda a entender
146
Cf.: “Uma das consequências do rio-centrismo da historiografia da Independência consistiu
em limitar o processo emancipacionista ao triênio 1820-1822. Na realidade, 1823 e 1824,
marcados pela dissolução da Constituinte e pela Confederação do Equador, foram anos cruciais
para a consolidação do Império, na medida em que ambos os episódios permitiram ao Rio resolver
a contento a questão fundamental da distribuição do poder no novo Estado. Questão que não se
reduzia à disputa entre o Legislativo e o Executivo, privilegiada pelos historiadores do período,
mas dizia respeito sobretudo ao conflito entre o centralismo da Corte e o autogoverno provincial.”
MELLO, Evaldo C. Op. cit., p. 12.
147
COSER, Ivo. Op. cit., p. 37.
129
especialmente restritos a Pernambuco e à Bahia. E mesmo o federalismo baiano acabou
ficando ofuscado em razão da ocupação portuguesa, que perdurou até 1823. Coube,
alternativa federalista.
relações entre Bonifácio e D. Pedro I. Indignado com a usurpação dos poderes de seu pai
tempo que utilizado como ferramenta pelos centralistas, D. Pedro se aproveita das
convulsões no Congresso para então aplicar um golpe de Estado que lhe garantia a
148
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Op. cit., p. 418.
130
XVIII
Economia cafeeira I
Ao longo do século XIX, o Brasil entrará num novo ciclo econômico marcante
que foi visto até aqui: os séculos XVI e XVII assistiram à hegemonia do açúcar no
Nordeste; o século XVIII é o auge da mineração nas Gerais. Chegava o momento em que
o café passava a ser o principal produto nas pautas brasileiras de exportação. De fato,
primeiro olhar, parece curioso é a estagnação nas pautas de exportação de café entre as
o que nos ajuda a compreender o quadro econômico desse pequeno intervalo é a situação
palavras de Bacha:
149
MARTINS, M. & JOHNSTON, E. 150 anos de café. São Paulo: Salamandra Consultoria
Editorial, 1992, p. 324-325
131
período da história brasileira do café foram a falta de transporte e de
mão de obra.150
de toda a segunda metade do século XIX. Era necessário pensar em alternativas objetivas
Furtado nos aponta um momento delicado da economia brasileira e com perspectivas nada
pela metade do século XIX chegaria a perceber a amplitude das transformações que nela
se operariam no correr do meio século que se iniciava” (FURTADO, 2009, p. 176). Isso
porque o Brasil passava, desde o fim da expansão mineradora, por fortes estagnação e
mesmo a “falsa euforia” foi capaz de animar nossa economia (e justamente por isso é que
era falsa).
um novo gênero que reanimasse a atividade econômica ligada à terra (fator de produção
mais abundante do país até então). A solução foi encontrada exatamente com o
mercado internacional, retomando seu papel agroexportador. Nem mesmo uma queda
150
BACHA, E. L. In: MARTINS, M. & JOHNSTON, E. Op. cit., p. 21.
132
inicial nos preços de exportação foram capazes de inibir a produção do artigo tropical151.
Celso Furtado nos enuncia as razões para essa insistência com o café. Os escravos, pouco
utilizados nas Gerais ao longo das primeiras décadas do século XIX, funcionaram como
dos custos de transporte do café até o litoral. Finalmente, e aqui temos embates
A historiografia mais recente também diverge das análises de Furtado, mas não
Prado Jr. A discussão girou em torno dessa “capacidade ociosa” salientada pelo autor.
Isso porque outros historiadores apontam para um uso considerável de escravos nas
Gerais ao longo de todo o século XIX, como faz Roberto Borges Martins:
metade do século é contestada, mais que por qualquer outra evidência, pelo
tinha 148.772 escravos, contingente esse que cresceu para 168.543 em 1819,
do total. Seu rápido crescimento entre 1819 e 1872 reforçou essa posição e a
escrava de Minas cresceu a uma taxa cerca de duas vezes e meia maior que a
151
Cf.: “Com efeito, a quantidade exportada mais que quintuplicou entre 1821-30 e 1841-50, se
bem que os preços médios se hajam reduzido em cerca de 40% durante esse período.” FURTADO,
Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 181.
152
Cf.: “Outra dificuldade da lavoura cafeeira é que a planta somente começa a produzir ao cabo
de 4 a 5 anos de crescimento; é um longo prazo de espera que exige pois maiores inversões de
capital.” JÚNIOR, Caio P. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 161.
133
média nacional e o seu aumento absoluto foi igualado apenas pelo do Rio de
Janeiro.153
Outros historiadores, como Renato Leite Marcondes154, apontam que, na realidade, eram
provenientes do Rio de Janeiro a maioria dos cativos que abasteciam as lavouras do Vale
do Paraíba. Segundo ele, a província havia passado, ao longo dos 60 anos entre 1780 e
1840, por um crescimento demográfico vertiginoso, provocando, por esse motivo, fluxos
inícios da expansão cafeeira, é possível apontar outros motivos, não captados por Furtado,
Analisando núcleos cafeeiros no interior de São Paulo, José Flavio Motta nos mostra que
implica uma análise a respeito de suas relações com a situação da mão-de-obra no Brasil
153
MARTINS, Roberto B. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa
economia não-exportadora. Estudos Econômicos vol. 13, nº. 1, p. 181-209, jan./abr. 1983, p. 187.
154
O evolver demográfico e econômico nos espaços fluminenses (1780-1840). Estudos
Econômicos vol. 25, nº. 2, pp. 235-270, maio/ago. 1995, p. 239.
155
MOTTA, José F. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume / FAPESP, 1999.
134
presente em estudos consagrados de Caio Prado Júnior, Octávio Ianni, Fernando Novais,
A interpretação clássica sobre o fim da escravidão, presente nos estudos dos três
primeiros autores citados acima, pauta-se pela incompatibilidade entre o modo escravista
que absorvesse as mercadorias produzidas nas indústrias dos países centrais. Criava, ao
de mais-valia relativa. Assim, cada vez mais as potências centrais (e o primeiro país
países em que ela era ainda vigente. Dialeticamente, a nova estrutura econômica
como já reiteramos aqui inúmeras vezes). Veja como Caio Prado endossa o que acabou
de ser dito:
indústria moderna.156
156
JÚNIOR, Caio P. Op. cit., p. 175, nota 57.
135
Ianni completa:
mas também dos custos, e que estes podem ser controlados e reduzidos pela
A análise de Celso Furtado, embora não entre em debate explícito com os dois
anteriores, não se aprofunda nesse detalhamento teórico como fazem Prado e Ianni. Na
imigração. Esta, por sua vez, foi muito mais decisiva na estrutura política do poder local
do que nos aspectos econômicos organizacionais, dado que conseguiu abalar a velha
aristocracia rural, cuja força assentava-se na posse de escravos. Veja nas palavras de
Furtado:
tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que como
157
IANNI, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1972, p. 6.
158
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 213.
136
Finalmente, para concluir o panorama historiográfico, temos a proposta de
principalmente no Brasil, mas realizando uma discussão de caráter teórico, a autora vai
de encontro com a análise clássica de Prado e Ianni. Para ela, a escravidão, servindo como
de tudo, mão-de-obra barata para a produção em larga escala. Assim, não havia uma
poderia ou não ser dispensada por um trabalho assalariado. Essa conclusão faz com que
a autora afirme ser necessário estudo pormenorizado de cada região periférica em que a
159
BEIGUELMAN, P. A destruição do escravismo moderno, como questão teórica. In:
BEIGUELMAN, P. Pequenos estudos de ciência política. 2.ed. ampliada. São Paulo: Pioneira,
1973, p. 5 e 8.
137
XIX
Economia Cafeeira II
nos ainda mais nas interpretações historiográficas sobre como se deu a transição do
Uma das análises canônicas a respeito dessa transformação marcante passada pelo
Brasil no século XIX é, como sabemos, a de Caio Prado Jr. O autor, inserido na tradição
longo prazo. Não se pagam salários de subsistência periódicos como no caso assalariado.
138
brasileiro. Era algo impensável em um país cujo modo de produção hegemônico era o
escravista. Caberia a este país, portanto, a pressão política e diplomática pelo fim da
uma retórica nacionalista em defesa do escravismo por parte de nossa classe política.
atuação inglesa não surtisse nenhum efeito. Convinha para a Inglaterra a abolição
“comerciantes” eram alvo até mesmo de oposição dos próprios fazendeiros brasileiros,
uma vez que estes eram devedores daqueles. Encontrava-se então o mecanismo objetivo
a famosa Lei Eusébio de Queirós, era abolido o tráfico negreiro, afetando principalmente
160
É bem verdade que é notada pelo autor uma certa “postura moral”, tanto na Inglaterra quanto
no Brasil, contrária ao tráfico de africanos escravizados. Ao final do processo de emancipação,
ia-se desenvolvendo um “espírito antiescravista” no jovem país.
161
Um dos efeitos mais imediatos, segundo Prado, da abolição do tráfico foi o
redirecionamento de capitais ingleses para o Brasil. Com a amenização das tensões diplomáticas,
o fluxo de ativos foi regularizado. É uma análise que, embora pautada numa circunstância
particular, se choca com o ponto de vista furtadiano a respeito dessa mesma questão. Para este
autor, mesmo após o fim do comércio regular de escravizados, a entrada de capitais continuou
baixa e instável. Não teria sido a melhora nas relações diplomáticas bilaterais o principal fator
que estimulou o retorno de ativos. Na realidade, Furtado busca mostrar que é a retomada do ritmo
crescente nas exportações e, consequentemente, uma melhora nas próprias condições econômicas
do país que deu aos investidores estrangeiros um maior grau de confiança, garantindo maior
entrada de capitais no Brasil.
139
Com a extinção do tráfico, tornava-se lógico, para Prado, o fim definitivo do modo
escravista de produção.162 A partir de 1850, a questão da abolição ganha lugar central nas
discussões políticas e até mesmo nas agitações sociais. Ao mesmo tempo, porém, em que
obra pelo tráfico interprovincial. É importante ressaltar que o Vale do Paraíba, primeira
zona com forte produção cafeeira, dependia quase que totalmente do trabalho negro
inúmeras propostas de Lei passam a ser colocadas em pauta a partir da década de 1860.
Prado, do total desse conjunto, observa principalmente a Lei do Ventre Livre de 1871,
que tornavam emancipados os filhos de cativas logo após o nascimento (não é por acaso
que a Lei é também chamada de Lei dos Nascituros). O autor traça sua crítica
serviu para frear as organizações mais radicais e assim bloquear avanços da pauta
abolicionista, aliviando pressões pelo fim da escravidão. Veja nas palavras de Caio Prado:
escravista. [...] A lei do Ventre Livre não resultou assim, em última análise,
162
É importante ressalvar que, embora a Lei Áurea de 1888 seja o marco do fim da escravidão,
não podemos dar um salto interpretativo e afirmar temerariamente que ela é a causa única e
exclusiva da abolição. O escravismo já vinha definhando, passando por transformações estruturais
e sofrendo implicações políticas, há anos desde o final do processo emancipatório, até um ponto
em que seu fim era irreversível. 1888 sela algo que tem raízes em décadas passadas. Se me
permitem uma analogia, a Revolução Puritana Inglesa de 1640 marca o fim do feudalismo na
Inglaterra e, consequentemente, do modo de produção servil. Ela, no entanto, é reflexo de um
longo processo anterior de transformações estruturais concernentes ao próprio feudalismo, que
foi decompondo-se até um nível de maturação que tornava necessária e possível, dada a
conjuntura, uma revolução social.
140
senão numa diversão, uma manobra em grande estilo que bloqueou muito mais
perigosos para aqueles que dependiam da mão-de-obra escravizada. Nem mesmo essas
medidas conciliadoras dos anos de 1860 e 1870, como a Lei do Ventre Livre, foram
cativos diminuía sensivelmente, até que chegou a níveis muito baixos nos últimos
decênios do século XIX. Esvaía-se a galinha dos ovos de ouro que sustentava a opulência
Não bastasse o quadro de escassez, a opinião pública fiava-se cada vez mais na
da abolição, nas lavouras do interior. O espaço público ia sendo tomado pelas campanhas
intervenção. Nem mesmo a Lei dos Sexagenários de 1885, que, segundo Prado, foi
Dos inúmeros ataques posteriores que sofreu a interpretação pradiana sobre o fim
Beiguelman coloca o escravismo como uma criação capitalista e que, com a consolidação
163
JÚNIOR, Caio P. História econômica do Brasil. 20.ed. São Paulo: Brasiliense, 1977, p. 178-
179.
141
autora minimiza a importância do elemento externo, no caso a pressão inglesa desde a
primeira metade do século XIX, para os desdobramentos históricos que levaram ao fim
produção até então vigente no Brasil a partir das articulações políticas intranacionais,
Beiguelman aponta para o caráter quase que irrelevante da ação dos navios ingleses: ela
foi moldada por motivos muito mais localizados, que envolviam discussões dentro do
a influência principal veio do próprio Brasil, dentro do debate político nacional, em que
a respeito da Lei do Ventre Livre. Aquela, em clara oposição a este, vê a medida como
importância até mesmo à Coroa nesse trâmite político, a autora entende a Lei como um
momento que a causa abolicionista começa a ganhar contornos mais gerais na população
brasileira, dado que a Lei dos Nascituros foi aclamada tanto pelos conservadores quanto
142
precisava ser resolvida. Subjetivamente, a Coroa atuava investida da missão
Com a Lei do Ventre Livre, há uma diminuição consistente do preço das escravas,
de criação de cativos, fazendo com que os interesses opostos à abolição rareassem cada
interesses, nesse sentido, pela solução imigratória. A melhor alternativa seria adotar o
trabalho assalariado.
nas lavouras. A principal se dará entre o Oeste “Novo” Paulista e o Vale do Paraíba. Este
cativos. Aquela, pelo contrário, estava pouco abastecida de braços. Não obstante, olhava
duas regiões da província paulista, nesse contexto, uniram-se para bloquear a entrada de
cativos em São Paulo, contando inclusive com apoio do Norte brasileiro. A área estava
164
BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos 3.ed.
São Paulo: EDUSP, 2005, p. 82.
143
também saturada de mão-de-obra, ficando praticamente impedida de vender escravos e
Estas, por sua vez, ganharam ainda mais coro com a criação da Sociedade Promotora da
144
XX
período de transição que merece agora um olhar mais atento de nossa parte. Podemos,
nesse sentido, dividi-lo em três partes (não podemos esquecer, mesmo assim, que, apesar
de ser uma ideia interessante, cujo sucesso poderia dar outra direção à distribuição
fundiária no Brasil ao longo do século XX, na prática acabaram entrando num círculo
vicioso, de acordo com Celso Furtado. A concretização dos núcleos coloniais na produção
agrícola exigia um desenvolvimento dos mercados no país, que, por sua vez, necessitava
de uma expansão nas pautas de exportação. A expansão, finalmente, tinha como pré-
requisito a solução do problema da mão-de-obra nas lavouras. Perceba que existe uma
falha sistêmica inerente aos núcleos coloniais, dado que, para resolver o problema,
bastava que as pequenas propriedades passassem a exportar por conta própria, o que
assalariado nas lavouras era o próprio estado de muitas das propriedades, induzindo
muitos colonos a deixarem os lotes e partirem para o trabalho nas grandes fazendas. É o
145
Entre 1827 e 37, cerca de 1.200 colonos foram localizados em diferentes
deparavam.165
É importante ressaltar que, apesar desse “contratempo” bem observado por Costa,
não podemos afirmar que, do ponto de vista do colono, a existência dos núcleos coloniais
terminaram em fracasso. O que nos ajuda a confirmar esse ponto é o fato de que, entre
1827 e 1889, o Rio Grande do Sul assistiu à formação de quase 100 colônias particulares
no campo, surgindo até mesmo nos períodos turbulentos da Regência brasileira. De fato,
as “falhas sistemáticas” dos núcleos notadas por Furtado fazem sentido quando
analisamos essa estrutura partindo dos olhos do grande proprietário, que necessitava de
concorrentes.
comprometia-se a pagar a viagem para o novo continente, assim como garantia o sustento
de seus trabalhadores nos primeiros meses. Ao longo da produção, havia a meação dos
165
COSTA, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 100-102.
146
lucros líquidos, oriundos tanto da plantação do café quanto da venda do excedente da
subsistência.
Num primeiro olhar, parece que o grande beneficiado era o próprio trabalhador
imigrante. Ledo engano. Ele já iniciava seus trabalhos com alto endividamento, dado que
os custos de viagem e de inicial sustento no campo eram arcados pelo proprietário. Era
necessário trabalhar até que a “conta” fosse paga. Na prática, acabava funcionando como
lugar, os colonos eram alocados em cafezais já constituídos, com solo em alto grau de
eram recorrentes os casos de fraudes nos preços dos bens e nas passagens para o Brasil,
sujeitos os colonos acabou gerando focos de tensão e revolta, como no caso de Ibicaba
em 1856.
Uma vez que o sistema de parcerias se mostrava inviável no longo prazo pelas
abria cada vez mais para solucionar o problema pela via da imigração subvencionada pelo
governo. A expansão das produções cafeeira e, em menor grau, algodoeira, assim como
alavanca para que o Estado arcasse com o ônus do estabelecimento de imigrantes nas
fazendas cafeeiras. Além disso, os fazendeiros do Oeste Novo, setor produtivo que mais
crescia e que ainda não se mostrava pleno de mão-de-obra, clamavam por braços que
147
transitava da meação de lucros para o assalariamento puro, dava ao colono uma garantia
garantido.166 Assim, tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda por mão-de-obra,
inclusive o quadro social na Europa, principalmente na Itália (de onde vinha o grosso da
produção, podemos adentrar numa discussão interessante encabeçada por Celso Furtado:
(que compunham a mão-de-obra livre nacional), além de dispersos pela região, eram
fazendeiros. Essa cooperação era simplesmente inviável, já que o poder político desses
166
Abria-se também para o imigrante europeu a possibilidade de uma paulatina acumulação
econômica com o ganho constante de salários, estimulando a formação de uma poupança. Essa
perspectiva dos colonos foi bem notada pelo cafeicultor, que entendia a necessidade de dar a seus
funcionários boas condições de trabalho, estimulando-os a continuar trabalhando naquela dada
propriedade. Era importante que fosse dado um tratamento mais digno aos assalariados, se
comparados aos escravos, por parte dos colonos.
167
PETRONE, M. T. S. Imigração assalariada. HOLANDA, S. B. de (org.). História Geral da
Civilização Brasileira. 5.ed. São Paulo: DIFEL, t. 2: O Brasil Monárquico, v. 3: Reações e
transações, 1985, p. 274-296.
148
“proto-coronéis” assentava-se em arregimentar no seu núcleo uma considerável
não só pelo obstáculo intencional dos fazendeiros, mas também pelo surto da borracha
trabalho da borracha. Contribuiu também para o fenômeno a crítica seca nos sertões, que
perdurou de 1877 até 1880. Dizimando praticamente todo o gado e contribuindo para
quase 200 mil mortes, o fenômeno natural agravou uma condição social estruturalmente
calamitosa, levando os roceiros para a Zona da Mata. Esta, por sua vez, incapaz de lidar
com o quadro turbulento que tomava forma, funcionou como “catapulta” de trabalhadores
acelerados, partia para aquelas bandas levando uma carta de prego para o
salubres do mundo. Mas feita a tarefa expurgatória, não se curava mais dela.
149
Cessava a intervenção governamental. Nunca, até os nossos dias, a
visto de maneira muito pouco lisonjeira pela burguesia rural brasileira. Colocado como
trabalho. Ao mesmo tempo, o europeu era saudado como um trabalhador muito mais
São Paulo. Isso não implica o mesmo êxito em outras regiões do país, as quais precisaram
experiência paulista faz com que a província mineira estabeleça uma série de
168
CUNHA, Euclides da. Os sertões. 2016.
150
como solução de braços para a lavoura não significa arcaísmo ou recusa das
169
LANNA, Ana L. D. A transformação do trabalho: a passagem para o trabalho livre na Zona
da Mata mineira, 1870-1920. Campinas: Editora da UNICAMP; Brasília: CNPq, 1988, p. 107.
151
XXI
O complexo cafeeiro
na elevação das exportações de café. É a produção deste gênero, portanto, que promove
afirma Sérgio Silva, “A partir da década de 1870, e sobretudo a partir de 1880, [...] o
sobre as origens desse fundamento econômico. Ele nasce a partir do esgotamento dos
solos no Vale do Paraíba (primeira região com sólida produção de café no país), que é
sucedido por uma lógica diminuição nos rendimentos marginais. Por mais que a velha
zona cafeicultora tenha servido de inspiração literária para Monteiro Lobato em fins do
século retrasado, o quadro econômico e produtivo era lastimável. É o que nos mostra
Pierre Monbeig:
outro lado, atesta uma baixa contínua [...]. Ravinadas pela erosão, mal
170
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega,
1976, p. 49.
152
cuidadas por uma mão de obra insuficiente desde a abolição da escravatura,
A partir de então, as plantações do gênero seguem rumo a oeste da província de São Paulo.
complexo cafeeiro foi a construção das ferrovias que partiam do Oeste novo para o porto
de Santos (que passava a ser, na passagem para o século XX, o principal ponto de
que davam aos custos a terça parte do preço final do café. Veja a descrição de Emília
Viotti da Costa:
estradas: eram veredas por onde mal passavam as tropas, em alguns pontos
tão estreitas que tinham apenas largura necessária para uma mula carregada.
Nesses lugares, ao cruzarem-se duas tropas, era necessário que uma delas
171
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec; Polis, 1984, p.
167-172.
153
Província. Os colonos chegaram de fato a vir, mas acabaram, como os demais,
contratados.172
momento que o preço do escravo paulista se eleva. Ao mesmo tempo, o café se espalhava
pelo interior e ficava mais distante do litoral. Era necessário, vista a confluência desses
dois elementos, transformar, ou melhor, aprimorar a situação das estradas para que o
crescimento dos custos não acabasse por inviabilizar a lucratividade dos empresários do
complexo. Nesse sentido, a expansão ferroviária viria como forma de superação da crise
dos transportes. Ao mesmo tempo, dada a base ainda escravista de nossa economia, o uso
externo, por parte das províncias e do governo central, para a construção das estradas no
brasileira desde os anos de 1830, é em 1852 que ocorre a primeira concessão efetiva dada
da província). Flávio Saes nos fornece um bom panorama sobre como essa política de
172
COSTA, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 101.
154
o trecho inicial da linha; já em 9 de junho de 1855 o Decreto 1614 aprova os
É importante ver, com base no que já foi exposto, que a expansão das vias férreas
modo de produção capitalista, que era exatamente o que veio a ser chamado de
imperialismo.174 O capital financeiro ganhava cada vez mais importância nas relações
deveras influente nas direções tomadas pelo capital cafeeiro. Uma amostra disso é que os
ferrovias, derivando altos rendimentos desse setor da construção civil. Confira o que nos
aponta Silva quanto a esse novo patamar alcançado pelo capital financeiro:
desenvolver-se num ritmo sem precedentes. [...] o que devemos destacar nessas
173
SAES, Flávio A. M. de. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira: 1850-
1930. São Paulo: Hucitec, 1986, p. 31.
174
Sobre o assunto, convém ler o célebre texto de Vladimir Lenin: Imperialismo, fase superior
do capitalismo.
155
transformações não é o próprio desenvolvimento do comércio internacional
[que também ocorre], mas justamente o fato de que o comércio deixa de ser o
precisamente [...] pelo papel dominante que a partir dessa época passa a ser
para a produção agrícola. É justamente a partir dos anos de 1880, o sistema paulista de
crédito, com prazos mais vantajosos e taxas de juros mais aprazíveis, ganha força e torna-
imperial. Isso porque o crescimento da produção de café não foi acompanhado de uma
pagamento foram notáveis: as contas nos bancos (em que estão inclusas as letras a prêmio
175
SILVA, Sérgio. Op. cit., p. 30. É importante, numa análise retida ao caso paulista, ressaltar
que, de acordo com o próprio autor, o comissariado do porto de Santos (representantes do capital
comercial brasileiro) nunca conseguiu exercer forte influência sobre os interesses dos fazendeiros
paulistas. Era um caso inverso àquele típico do Vale do Paraíba numa época anterior.
176
No caso do capital comercial, o comerciante fazia as vezes de “banco”, indo além de mero
intermediário entre produção e consumo, passando a adiantar recursos. No caso do usurário, é a
típica relação capitalista individual, em que o emprestador garante recursos ao produtor, com
certeza de um rendimento oriundo dos juros.
156
SEGUNDA PARTE
157
XXII
A proclamação da República
por uma República Federativa, engloba um rico arcabouço historiográfico dentro do qual
delas, e talvez a mais importante, é sobre quais teriam sido os principais motivadores da
delinear o quadro geral da economia brasileira nesse momento de transição. Com relação
a nossa pauta de exportações, não é surpresa para ninguém que o café ocupava o grosso
responsável por cerca de 40% das nossas vendas para o exterior. Cinco décadas depois, o
percentual sobe para pouco mais de 60%. Uma composição tal como essa de nossas
177
Claramente faço referência à data oficial de proclamação da República (quinze de novembro
de 1889).
158
defasagem na balança comercial. O nível das exportações evidentemente diminuía logo
enorme soma de bens importados, havia uma perda de renda, em termos reais, e de poder
de compra, justamente por conta do aumento do nível de preços. Esse fenômeno peculiar
de nossa economia no século XIX foi chamado por Celso Furtado de “socialização das
perdas”.
mesmo tempo em que, com o aumento das exportações após a desvalorização cambial, se
construídas, assim como novos bancos, essenciais para o financiamento tanto da produção
diversificação da economia brasileira no final do século XIX. Mesmo que de forma ainda
178
Não só a borracha, mas também o fumo e a erva-mate foram commodities que tiveram suas
pautas de exportação ampliadas no final do século XIX.
159
(introduzindo-se lentamente em Minas Gerais e nas terras do atual norte paranaense) e,
era marcada por uma enorme adstringência, com baixíssimos níveis de liquidez
mostra Furtado:
anteriores ao Quinze de Novembro, podemos agora nos debruçar com mais atenção às
expoentes foi Oliveira Vianna, focaliza seu olhar nas chamadas Questões Militar,
pelo trabalho escravo e os homens fortes do exército nacional. A confluência desses três
elementos de instabilidade teriam dado poder de organização aos militares, os quais foram
os principais responsáveis pela deposição da Família Real brasileira em 1889. Veja como
a própria Emília Viotti, que nos anos de 1960 realizaria um importante trabalho de revisão
de Novembro:
179
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1970, pp. 170.
160
É opinião corrente que a proclamação da República resultou das crises que
por interesse, seja por paixão, seja por ignorância ou por falta de informações
exatas, seja pela dificuldade de abarcar o processo como um todo, nas suas
múltiplas contradições.180
dos elementos cruciais do “tripé monárquico” foi sendo derrubado um após o outro em
função dessas Questões que nada mais seriam do que momentos de instabilidade política.
sobre a proclamação da República em meados do século XX, então qual teria sido a
proposta chave de Viotti para reinterpretar o processo sob novas lentes? Imbuída de uma
180
COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Fundação
Editora UNESP, 1999, p. 447-449.
161
metodologia marxista, pelo menos nos aspectos mais essenciais de seus trabalhos, a
num contexto de diversificação da economia são fatores fundamentais para que possamos
entender bem o Quinze de Novembro. A partir de tais mudanças, novos grupos foram
forças hegemônicas até então. Trata-se das classes médias urbanas, dos industriais que
paulatinamente começavam a surgir em São Paulo e no Rio de Janeiro, assim como dos
de forças se rompia e um pacto federativo republicano estava por vir como “solução” para
181
Cf.: “Nenhuma revolução é feita em nome de ideias que não tenham alguma receptividade e as
razões que explicam por que certas ideias surgem ou vencem em determinado momento só podem
ser entendidas quando se analisa a realidade vivida pelos homens que lutam a favor ou contra
elas. A proclamação da República é o resultado, portanto, de profundas transformações que se
vinham operando no país.” Idem, p. 451.
182
É importante ressaltar que a nomenclatura usada nesse caso não é unânime. Isso porque muitos
desses latifundiários fizeram bom proveito do trabalho escravo compulsório até que se tornasse
vantajoso pleitear a abolição, quando o trabalho livre já era muito mais promissor
economicamente. Assim, seria no mínimo questionável chamá-los de “progressistas”.
162
parcela da opinião pública que considerava tal sistema um entrave ao
Vemos que, de fato, é nos anos de 1960 que a historiografia sobre a proclamação
da República ganha um caráter mais “robusto”. Não obstante, já na década de 1930 com
metade do século XIX, da qual a questão da transição dos modos de produção no Brasil
teriam sido o ponto de inflexão que culminou com a fundação da República. De acordo
com Prado:
frisante exemplo.184
monetário adequado, bem como sua inaptidão para encaminhar com firmeza
183
COSTA, E. V. da. Op. cit., p. 470.
184
JÚNIOR, C. Prado. Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. 1933, p. 91.
163
questões fundamentais, como fora o caso da luta pela manutenção do tráfico
províncias meridionais.185
seu fundo material, era de se esperar que cedo ou tarde ganhasse força um movimento de
institucional.
Família Real logo idealizaram um pacote de reformas ditas “estruturais” com o exato
185
FURTADO, C. Op. cit., p. 171.
186
Veja como o próprio Visconde de Ouro Preto compreendeu a complicada conjuntura política
nacional: “Vossa Majestade terá seguramente notado que em algumas províncias agita-se uma
propaganda ativa cujos intuitos são a mudança da forma de governo. [...] No meu humilde
conceito é mister não desprezar essa torrente de ideias falsas e imprudentes cumprindo
enfraquecê-la, inutilizá-la, não deixando que se avolume. Os meios de consegui-lo, não são os da
violência ou repressão, consistem simplesmente na demonstração prática de que o atual sistema
de Governo tem elasticidade bastante para admitir a consagração dos princípios mais adiantados
(...). Chegaremos a este resultado, senhor, empreendendo com ousadia e firmeza largas reformas
na ordem política, social e econômica, inspiradas na escola democrática. Reformas que não devem
ser adiadas para não se tornarem improfícuas. O que hoje bastará, amanhã talvez seja pouco.”
Apud. COSTA, E. V. da. Op. cit., p. 486.
164
da representação eleitoral, a temporariedade do Senado (que antes, como sabemos, era de
caráter vitalício), a liberdade de culto e de ensino, uma mudança na Lei de Terras, assim
o pacote era demasiado radical. Na outra ponta, os republicanos viam as propostas como
insuficientes. Todo o receio que se formou em torno das Reformas de Ouro Preto fez com
apoio de boa parte do exército, era praticamente inviável que a monarquia se sustentasse.
187
É importante ressaltar que as Reformas tinham o intuito não só de esfriar as pressões
republicanas, mas também de frear o movimento federalista, que surge exatamente por conta da
pouca autonomia dada às Províncias nos anos da monarquia.
165
XXIII
anteriormente, trouxe junto a ela uma série de consequências importantes. A nova elite
que se apossou do poder transferiu o centro de decisão da União para os Estados (antes
se comprova inclusive pela ausência de partidos nacionais. Ao longo dos 40 anos que
englobaram nossa primeira fase republicana, as agremiações que irão ditar a ordem do
dia serão estaduais, a saber: o PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido
Toda essa vasta autonomia que foi dada aos Estados com o fim do Império é
confirmada com a Constituição de 1891. Com base nela, as unidades da federação tinham
188
Os chefes dos Estados tinham pesada influência inclusive sobre os dirigentes locais, também
conhecidos como “coronéis”, incumbidos de controlar a massa ao redor (o chamado curral
eleitoral) e forçá-la a eleger o candidato do partido local, o que não era difícil uma vez que o voto
era aberto. Todo o processo eleitoral era condicionado pelo fenômeno do “coronelismo”, apesar
de, no regime republicano, os critérios monárquicos, inclusive o pecuniário, terem sido, com
exceção da exclusão dos analfabetos, abandonados. Dava-se a aparência, com isso, de uma ampla
representatividade eleitoral, a qual se colocava, junto ao presidencialismo e ao federalismo, como
um dos pilares da República. Cf. SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-
partidário na Primeira República. In MOTTA, C. G. Brasil em perspectiva. São Paulo: DIFEL,
1971, p. 163.
166
Enganam-se aqueles, entretanto, que ingenuamente acreditam que a passagem da
sociedade, a qual toma uma nova direção após o imbróglio transitório. A eleição de
Deodoro da Fonseca, tendo Floriano Peixoto como vice, em 1891 foi acompanhada de
ferrenha oposição por parte dos paulistas, que haviam lançado a candidatura de Prudente
de Morais. Ora, é natural que, com a vitória de uma figura indesejada, passasse a existir
por fechar e dissolver o Congresso Nacional, o que minou ainda mais sua sustentação,
afastamento de uma série de militares. Com isso, o novo presidente do país passa a ser
Floriano Peixoto.
por sua vez, dava sinais mais claros de que iria diminuir. O sufocamento das revoltas
exército, o que dava à República uma maior segurança para sua sobrevivência. Esse
fortalecimento do regime se deu também pela via do apoio paulista, uma vez que o PRP
já havia lançado Floriano como vice de Prudente de Morais antes da eleição de Deodoro.
chefiada por um civil pela primeira vez. Não obstante, a homogeneidade no Congresso
ainda era uma miragem: os conflitos entre os Estados e dentro dos partidos que os
167
a passagem de bastão para Campos Sales, outro paulista, e, portanto, com uma
continuidade política que refletia os interesses do PRP que a República terá de fato uma
vida mais tranquila. É importante, portanto, entender como o governo de Campos Sales
foi capaz de, no plano político, esfriar as tensões que rondavam o novo regime.
Campos Sales, e assim será até o início da Era Vargas, é o poder Legislativo que estará
somente os candidatos eleitos da situação, ou seja, dos Estados que detinham a hegemonia
poderes para exercer as funções que lhes cabiam. O Congresso Nacional, a partir de então,
passa a depender quase totalmente dos interesses das principais unidades federativas (São
Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e, em menor medida, Rio de Janeiro). Se por um
lado o terceiro presidente deu a República uma duradoura estabilidade e uma importante
homogeneidade entre deputados e senadores, ele também fez com que os próximos chefes
para os Estados, culminando na chamada Política dos Governadores. O que foi falado no
parágrafo pode muito bem ser ilustrado pelas palavras de Maria do Carmo Campello de
Souza:
168
dos poderes. Definia-se ela por reconhecer somente os diplomas dos
sob a hegemonia dos Estados mais fortes, Minas Gerais e São Paulo,
É importante notar que os principais Estados (São Paulo e Minas Gerais) que regeram o
brasileira para um outro patamar com a produção de café. Nas palavras de Caio Prado
Júnior:
189
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 181.
190
PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 207.
169
XXIV
assalariado em fins do século XIX. É essa transformação estrutural que impõe a nossa
economia uma maior flexibilidade monetária. Isso porque, com a abolição de 13 de maio
Há, com isso, uma ampliação substancial do fluxo de renda no Brasil, levando aos
transição entre os modos de produção na economia nacional produz dois efeitos que
anos imperiais. Esta, por sua vez, era agravada pelo frágil sistema bancário brasileiro do
período: estava fora dos costumes da população brasileira o apelo aos bancos, o que acaba
tirando destes boa parte do poder de multiplicação monetária. Podemos ter uma ilustração
170
desse quadro a partir de um depoimento do jornal The Economist, datado de 1890, sobre
[...] era raro o uso de cheques, com hábito comum ali de reterem os indivíduos
meses.191
Se numa estrutura ancorada na escravidão a baixa liquidez de nossa economia não se fazia
sentir, a passagem para o trabalho assalariado provocou graves crises de liquidez. Nem
mesmo uma expansão da base monetária em 25 mil contos de réis feita por Ouro Preto
191
Apud. FRANCO, Gustavo H. B. A primeira década republicana. In ABREU, Marcelo de P. A
ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2014, p. 34.
192
Cf.: “Além do padrão-ouro, a outra importante medida de política econômica tomada por Ouro
Preto seria a criação dos chamados auxílios à lavoura. Tratava-se de um vasto programa de
concessão de crédito destinado a servir como compensação aos ex-proprietários de escravos [...]
o programa resultou em uma distribuição bastante seletiva dos créditos que favoreceria em última
instância [...] ‘a lavoura que tivesse condições de vida’.” Idem., p. 37.
193
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 170.
171
Era clara a incompatibilidade entre oferta e demanda de moeda no país e já em 1887 se
reclamava em alto tom de voz por uma maior flexibilidade monetária em nossa
economia.194
fundo essa quadro monetário extremamente desconfortável. Uma série de medidas com
Congresso a partir dos planos do então ministro da fazenda Rui Barbosa. O primeiro passo
foi um maior fornecimento, por parte do governo federal, de linhas de crédito tanto para
aprovação de uma nova Lei Bancária. A partir dela, instauravam-se três regiões do Brasil
Estados da Bahia até o Amazonas; o Centro, que era composto por São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina; e o Sul, abarcando o Mato
Grosso, o Rio Grande do Sul e Goiás. As três zonas foram autorizadas a emitir 450 mil
contos de réis lastreados em títulos da dívida pública do governo brasileiro. Pouco tempo
depois, outros bancos (Banco do Brasil, Banco Nacional do Brasil e Banco dos Estados
Unidos do Brasil) foram autorizados pelo governo federal a emitir moeda sem qualquer
a rápida quantidade de papel-moeda emitido (335 mil contos) era 1,5 vez maior do que
economia brasileira, provocando rápido aumento no nível de preços. Veja o gráfico que
194
FRANCO, Gustavo H. B. Op. cit., p. 36.
172
mostra a expansão vertiginosa de nossa base monetária nos anos em que Rui Barbosa
900.0
800.0
700.0
600.0
500.0
400.0
300.0
200.0
100.0
0.0
1885
1891
1886
1887
1888
1889
1890
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1900
economia, a qual se deu também muito em função da aprovação da Lei das Sociedades
Anônimas. Com uma diminuição das restrições para a abertura de empresas, há uma
195
“Por volta de outubro de 1890, o governo mostra preocupações claras sobre o andamento da
especulação bursátil e chega inclusive a tomar medidas para detê-la através de um decreto
elevando os depósitos mínimos para a constituição de novas sociedades, o que criaria certa
dificuldade na praça. [...] O trabalho de “limpar” as carteiras dos bancos de emissão preservando
os empreendimentos viáveis se estenderia, na verdade, por vários anos.” FRANCO, Gustavo H.
B. Op. cit., p. 39.
173
Não é necessária muita perspicácia para ver que a economia caminhava para uma
intensificação das especulações na bolsa com a feroz abertura de novas empresas sem que
cambial:196
900.0 30.000
800.0
25.000
700.0
600.0 20.000
500.0
15.000
400.0
300.0 10.000
200.0
5.000
100.0
0.0 0.000
1885
1886
1887
1888
1889
1890
1891
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1900
Araripe e Barão de Lucena evitaram controlar a expansão monetária muito por conta da
196
Em laranja temos a taxa de câmbio em pence/mil-réis, ao passo que a curva azul aponta para
a base monetária
174
política. Todos esses fatores agravavam ainda mais a desvalorização cambial e a inflação
reinante. Não resta dúvida, por outro lado, de que influências “exógenas”,
nomeação de Joaquim Murtinho para o ministério da Fazenda. Seria levada a cabo uma
empréstimo externo tomado junto à Casa dos Rothschild, consolidando a dívida pública
para trás seu caráter inflacionista e assumiria uma postura visivelmente deflacionista, com
uma redução de 13,5% do meio circulante entre 1898 e 1902 e uma concomitante queda
porém, foi a falência de considerável porção do sistema bancário, adaptado à antiga Lei
197
FRANCO, Gustavo H. B. Op. cit., p. 40.
198
Idem, p. 43.
175
Bancária dos anos de Barbosa e que subitamente teve uma diminuição brutal de suas
reservas.199
frutos positivos para a economia brasileira a partir de 1903. Tem-se início, no governo de
ambiente industrial. O que acabamos de dizer é bem ilustrado por Villela e Suzigan:
Capital Federal. [...] Uma grande parte desses investimentos foi, contudo,
igual aumento no nível das exportações de café, amparadas pela renovada estrutura
199
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira.
Brasília: IPEA, 1973, p. 106.
200
Idem, p. 106.
176
logística. A defesa dos preços do café (sobre a qual falaremos com muito mais detalhe
dinâmico a partir de 1930. Mas é importante ressaltar que, como nos mostrou Furtado, a
de gêneros, no caso o café. E foi exatamente isso que aconteceu.201 Note o aumento da
Formação Bruta de Capital Fixo a partir da década de 1900 e que segue uma tendência
ascendente que se intensifica até meados do decênio seguinte (provocando, assim, uma
alteração na nossa composição de importações, nas quais passou a ter maior peso os
1.4000E-09
1.2000E-09
1.0000E-09
8.0000E-10
6.0000E-10
4.0000E-10
2.0000E-10
0.0000E+00
201
“É geralmente aceito que a mola propulsora do surto industrial ocorrido em São Paulo, e
provavelmente em outros Estados a partir da República, foi a própria monocultura do café. Ela
gerou as poupanças que os fazendeiros investiram não só em infraestrutura mas também em
atividades industriais substitutivas de manufaturas de consumo importadas, como tecidos,
alimentos, bebidas, etc.” Ibidem, p. 123.
177
XXV
A defesa do café
1.) Episódica
republicana, podemos adentrar no estudo sobre a defesa dos preços daquele que era na
época nosso principal gênero de exportação: o café. Começaremos, no que nos aparenta
comportamento cíclico dada a própria natureza da planta. Existe uma expansão inicial da
oferta dado que o cafeeiro produz de forma perene, completando seu ciclo em até cinco
longo de mais de uma década, o que faz com que a oferta do gênero dependa dos preços
que se formam não no primeiro ano, mas em momentos anteriores, no início da cultura.
A procura, por sua vez, segue um caminho menos “tortuoso”, dado que reflete os preços
presentes. É claro, com base na explanação, que deveria haver, ao final do ciclo uma
queda no valor do gênero. Esta depreciação, porém, não teria duração por tempo
indeterminado uma vez que outros ciclos de produção poderiam ter início, havendo então
novo ajuste entre oferta e procura. Veja a descrição, sobre o que acabamos de dizer, feita
178
planta perene que apenas produz completamente no seu quarto ou quinto ano
ano “t” dependeria, não do preço do café no ano “t”, mas de seu preço no
[...].202
identificar três ciclos da produção do gênero. De todos eles, o mais decisivo certamente
é o segundo (1869 – 1885). Isso porque este tem como pano de fundo a expansão das
ferrovias na formação do complexo cafeeiro. A nova estrutura logística teria sido crucial
no novo quadro em que se encontrava a cultura de café: o Oeste Paulista, e não mais o
Vale do Paraíba, era a maior e mais importante zona produtora do gênero. O fim do tráfico
negreiro e da escravidão, que era o eixo norteador da produção dos Vales paulista e
empresários mais antigos das duas Províncias: arcaram com as pesadas consequências
salários, num contexto de elevada adstringência monetária nos anos imperiais. 203 Os
homens fortes do Oeste, principalmente do Oeste Novo, foram, por outro lado, capazes
A passagem da Monarquia para a República, porém, foi marcada por uma sensível
queda nos preços de exportação do café, o qual passava por seu auge, como pudemos
202
DELFIM NETTO, Antônio. O problema do café no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981.
(Ensaios Econômicos, 16), p. 8.
203
Idem, pp. 21 – 23.
179
culmina na crise do encilhamento, provocou uma pesada desvalorização cambial,
servindo como um “colchão protetor” para os cafeicultores paulistas. Era assim dado um
década de 1890 (principalmente porque o câmbio descia a taxas muito maiores que o
câmbio para uma valorização. Esta, por sua vez, deveria continuar a derrubada dos preços
do café, iniciada com a defasagem, que aumentaria cada vez mais, entre oferta e
204
Cf.: “O quadro anterior revela a gênese do problema cafeeiro nacional. A coincidência de uma
queda mais rápida do câmbio do que dos preços do café criou condições para a expansão da
cultura cafeeira quando o mercado já não podia absorver a quantidade produzida a não ser a níveis
ínfimos de preços.” Ibidem, pp. 29 – 30.
205
Lembremos da relação que explicita os termos de troca, muito referenciada pelo cepalino R.
Prebisch em seu relatório de 1949: Px/Pm = 1/θ, em que Px é o preço de exportação, Pm é o preço
de importação e θ é o câmbio real.
180
Com a oferta nacional não se encaixando nos limites da demanda mundial (a qual
produção cafeeira. O Estado de São Paulo proibiu, no mesmo ano, um aumento das áreas
plantadas de café por todo o seu território. Durante 5 anos a oferta do bem não poderia
ser expandida.206 Mas é apenas em 1906, ano de uma desesperadora supersafra do café,
que a discussão sobre um plano mais robusto de valorização dos preços do gênero ganhará
Minas Gerais.
partir da arrecadação com a sobretaxa de 3 francos sobre cada saca de café exportado.207
nível razoável para os preços do café, possuía um segundo pilar: a estabilização cambial.
206
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 43.
207
É bem verdade que políticas de “marketing”, com vistas a estimular a demanda internacional,
seriam levadas a cabo.
181
O êxito da defesa dos preços sem que as exportações diminuíssem sensivelmente
poderiam provocar uma reação em cadeia que culminaria numa apreciação do câmbio,
atenuando os benefícios trazidos pelo aumento dos preços externos do café aos
câmbio.208
O grande problema que permeava o duplo plano de defesa do Convênio era que,
208
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 65. A defesa da estabilização cambial, embora
estivesse plenamente adequada aos interesses específicos da burguesia cafeicultora brasileira, era
tida como uma demanda quase que nacional, tanto por parte da população como por parte da
União. O controle do câmbio foi, pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, uma meta a ser
atingida. A grande questão é que os cafeicultores e os ditos economistas ortodoxos do período
divergiam quanto ao que seria o nível “adequado” da estabilização: aqueles pretendiam um grau
muito mais desvalorizado que estes, interessados no retorno da paridade de 1847 (26 pence/mil-
réis). Cf.: “Examinando as políticas monetárias, adotadas no Brasil antes da Primeira Guerra
Mundial, fica clara a constante preocupação do Governo com a estabilidade cambial. Não só o
Governo buscava uma taxa de câmbio estável, mas a estabilidade era desejada pela maior parte
da população. Havia então, como há agora, um consenso, de que a estabilidade da taxa de câmbio
era, ao menos em princípio, uma meta a ser atingida […]. Com o objetivo de defender sua renda,
os cafeicultores passaram a pressionar o Governo a adotar medidas que viessem não só a aumentar
os preços do café no mercado internacional mas, também, impedir que esses preços continuassem
caindo em moeda nacional […]. As divergências entre os cafeicultores e o Congresso não se
referiam às vantagens e desvantagens de se estabelecer um mecanismo que tornasse a moeda
conversível e mantivesse o câmbio estável. A discussão que se travou então foi, sobretudo, a
respeito do nível de taxa cambial a ser adotado pela Caixa de Conversão. Os cafeicultores
reivindicavam uma taxa desvalorizada […] os políticos ortodoxos defendiam uma valorização ao
nível da velha paridade de 1847 [...].” OLIVEIRA, Maria Teresa R. de; SILVA, Maria Luiza F.
O Brasil no padrão-ouro: a caixa de conversão de 1906-1914. História Econômica &História de
Empresas IV, I (2001), p. 83 – 114.
182
café tinha sua raiz numa defasagem do mercado, dado que desde a última década do
século XIX a oferta excedia em alta proporção a demanda pelo gênero agrícola. A
artificial destes a busca pela estabilização cambial num patamar desvalorizado por
empresariado rural acabaria por transferir aos consumidores de bens importados (que
compunham boa parcela da população brasileira no início do século XX) uma série de
perdas em função da elevação dos preços desses mesmos bens. Veja nas palavras do
Existia uma superprodução, causada por várias razões, e é certo que uma boa
problema cambial e procurar baixar a taxa cambial e fixá-la nesse nível (era
de café.209
Uma vez que os objetivos do Convênio foram acima analisados, podemos delinear as
cada safra de café exportado deveria ser imperceptível ao consumidor, de modo que a
procura sofresse mínimos impactos; b) a elevação dos preços do café para o nível de
209
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 66.
183
32$000 não poderiam ativar uma concorrência internacional no mercado do gênero (o
que era de fato improvável, dado que o segundo maior produtor, que era a Colômbia,
determinadas em 1902.211
(nossa primeira estratégia significativa de defesa do café). Convém agora explicitar como
extremamente delicada quando apenas o Estado de São Paulo decidiu assumir por
desses fatos, o Estado de S. Paulo decidiu empreender, por sua própria conta,
210
Cf. Martins & Johnston, 150 anos de café, Apêndice estatístico.
211
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 76.
212
Idem, pp. 67 – 68.
184
Garantido o empréstimo que serviria de lastreamento para as emissões monetárias
necessárias para a viabilidade do plano, tem início a estocagem das sacas de café de
localidades do Brasil. Para que o café mineiro e fluminense não fosse prejudicado no
“ótimo” no ano de 1908. Até então, a expectativa do mercado era de que a União e o
Estado de São Paulo saldariam suas dívidas com os estoques. É só quando essa incerteza
ser visto como bem-sucedido. De fato, entre 1908 e 1912, os preços aumentam
sacas, as quais, somadas a mais ou menos 3,6 milhões produzidas por nossos
213
Além do empréstimo principal de 15 milhões de libras esterlinas assumido conjuntamente por
São Paulo e a União (a unidade federativa, como vimos, tomou 1 milhão emprestado do
Brasilianisch Bank fur Deutschland e o restante foi levado a cabo pelo Governo Federal junto aos
Rotschild), os paulistas arrendaram a sorocabana e contraíram novo empréstimo de 2 milhões de
libras esterlinas. Outra forma de financiamento veio por intermédio da União, que forneceu ao
Estado crédito de 3 milhões de libras de modo a regularizar a estocagem.
185
concorrentes, dava um suprimento de 15 a 16 milhões de sacas por ano,
café, assim como abriram precedente para futuras ingerências estatais na economia
cafeeira. Os empresários ganhariam cada vez mais dependência em relação aos Governos
Federal e Estadual no que concernia a futuras defasagens entre oferta e demanda. Abria-
já em 1917. O apelo da cafeicultura para a intervenção estatal (tanto a nível federal como
a nível estadual) tem raízes em dois fatores imbricados e que atuaram, por assim dizer,
Guerra Mundial.
café, mobiliza 110 mil contos de réis para a formação de estoques. É importante ressaltar
desse montante de meios de pagamento. Paralelo a isso, o Estado de São Paulo adquiriu
3,1 milhões de sacas de café no porto de Santos pelo valor de 30$000 cada uma.
214
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 75.
215
Idem, p. 90.
186
A segunda operação de valorização, que pudemos descrever panoramicamente
acima, com toda a certeza dependeu dos esforços das instâncias do executivo federal e
natural crucial para a elevação dos preços: a geada de 1918 no Estado de São Paulo. A
restrição natural do suprimento mundial de café elevou o valor da saca de café de tal
forma que todos os estoques, inclusive aqueles realizados em 1906 no Convênio, foram
defender o preço do gênero no mercado mundial, não podemos fazer vista grossa com
novos estoques se deu, como vimos, por intermédio de um aumento da base monetária.
A expansão dos meios de pagamento com vistas a financiar a operação acabou por
produzir, na forma de uma escalada inflacionária, um imposto sobre o grosso dos bens
A escalada dos preços do café em 1918 abriu novo precedente para que, no
O quadro da economia mundial que motivou a terceira operação de defesa era, por sua
216
Ibidem, p. 98.
217
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., pp. 99 – 100.
187
vez, o de uma restrição do crédito americano e europeu para importar sacas de café, num
feitas inclusive tentativas frequentes de restringir, nesse intervalo, a entrada de café nos
portos.
2.) Permanente
entroncamentos entre as ferrovias que desembocavam nos portos. Com isso, regulava-se
acumulavam nos armazéns do interior do Estado de São Paulo serviriam, por sua vez,
Com o que foi ligeiramente exposto nos dois parágrafos anteriores, podemos ver
que a nova estratégia de defesa do café tem um fundamento completamente diverso das
desesperador desequilíbrio do mercado mundial do bem, tendo, por assim dizer, caráter
188
esporádico. Na realidade, o que se buscava agora era a fixação de um preço tal que os
defasagem entre a oferta e a demanda internacional de café.218 Celso Furtado, porém, nos
mostra precisamente que uma política cujo norte se dava pela manutenção teimosa do
desequilíbrio externo.219
mundial expôs o enorme desequilíbrio que se formou, desde o início das operações nos
anos de 1920, entre a oferta e procura mundial por café. Os problemas estruturais que
derivam da defesa permanente e que Furtado nos apontou ficam evidentes com o gráfico
abaixo:
218
Cf.: “É preciso considerar-se com cuidado a diferença entre esta nova fase da defesa e as
anteriores. Até aqui as intervenções tinham tomado o caráter de medida de salvação da lavoura
[...]; eram tomadas já quando a situação do mercado cafeeiro era suficientemente grave e mesmo
assim só depois de muita discussão e oposição [...] Ora, a ideia da defesa permanente era
exatamente o oposto.” Idem, p. 125.
219
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 182.
189
Consumo Mundial Produção Mundial + Estoques
experimentara uma baixa nos preços esperando por uma elevação da demanda, o que
por café.220 Era necessário, em função da escassez de recursos, que o valor da saca de
café fosse defendido por meio de métodos inteiramente novos e arriscados. No início da
União a partir de 1931, sendo financiada mediante empréstimos que totalizavam a soma
notar que, ao praticar uma política extremamente heterodoxa (em comparação ao que já
tinha sido feito anteriormente) de defesa dos preços do café, o Governo Federal,
220
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 138.
221
Trataremos com muito mais detalhes posteriormente a respeito do período que compreende o
fim da Primeira República e o início da Era Vargas.
190
interessado em defender o principal setor da burguesia nacional (e, portanto, daquela
222
FURTADO, Celso. Op. cit., pp. 190 – 193.
191
XXVI
A industrialização controversa
Argentina e México, no rol das nações que passaram pelo complexo processo de
não-linear que permeia a formação do parque industrial brasileiro não poderia provocar,
na academia, outra coisa que não um extenso debate historiográfico acerca do fenômeno.
É possível, com base no que foi afirmado acima, identificar quatro linhas
Políticas Governamentais. Cabe agora delinear com mais detalhe o que cada vertente diz
sobre a modernização da economia brasileira e como cada uma olha para o processo.
223
Há quem diga, não obstante, que o Brasil hoje passa por uma desindustrialização. Claramente,
um debate que tenha como núcleo tal problemática só pode ser rodeado de economistas ou outros
profissionais e acadêmicos que não possuem a menor ideia a respeito dos fundamentos básicos
da História Econômica do Brasil. Não nos esforçaremos, portanto, em entrar, nem que
superficialmente, em tal discussão.
192
da economia nacional, de modo que a demanda pelo gênero diminua sensivelmente. Vale
notar que o impacto vindo de fora faz-se sentir inclusive no sistema de preços, elevando
poderia, nesse sentido, acontecer pelas vias da industrialização. Veja como as palavras de
era “voltado para fora” [...] com a procura externa funcionando como “motor
224
Cf. SUZIGAN, W. A indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo:
HUCITEC/UNICAMP, 2000, p. 25.
193
crescimento, “voltado para dentro”, somente seria possível por meio da
industrialização.225
Mas por qual razão podemos dizer que a CEPAL se encaixa na chamada versão extrema?
Basicamente pelo fato de que seus principais pensadores “generalizam” os efeitos que
Assim, não só a crise de 1929 e a Grande Depressão são descritos como acontecimentos
a demanda mundial pelas commodities e elevaram os preços dos bens importados pela
Mas hizo falta que sobrevinieses con el primer conflicto belico universal,
225
Idem, p. 26.
226
Estudio Económico de America Latina, 1949. Elaborado por la secretaria de la Comision
Económica para America Latina. Naciones Unidas, Departamento de Asuntos Económicos. NY,
1951, p. 4.
194
É fundamental notar, porém, que Furtado e Tavares, expoentes da primeira
1930 exige que seja realizado o esforço de enxergar como o autor articula o abalo externo
da grave crise mundial com as políticas governamentais de queima das sacas de café no
brasileira.
da atividade econômica brasileira. A crise de 1929, por sua vez, tem um duplo
direcionamento. Ela represa internamente o nível de renda que havia sido defendido pela
intervenção estatal, uma vez que os preços de importação tornam-se mais caros,
227
Vale dizer que Tavares, como veremos a seguir, migra da linha dos choques adversos para
aquela que interpreta a industrialização brasileira com base no desenvolvimento do capitalismo
tardio. A autora estaria, com isso, movimentando-se do pensamento cepalino para o marxista.
228
É importante que se note que o aumento do nível de preços dos bens importados tem como
fatores de causalidade tanto a crise de 1929 como a política de defesa do café empreendida no
início da década de 1930. De fato, o choque negativo da economia mundial, produzindo um
quadro inflacionário na Europa e nos EUA, encareceu a mercadoria importada. Mas, é necessário
ressaltar que a forma de financiamento da queima das sacas de café (expansão creditícia)
195
renda para outros nichos da economia brasileira. A depressão mundial teve impacto
nacional, uma pressão sobre os produtores nacionais para o mercado interno, os quais
Essa linhagem interpretativa tem como principais nomes Dean e Nicol, os quais
desenvolvem uma tese que corrobora muito com a interpretação furtadiana sobre a
conexão direta entre o progresso das fábricas e as pautas de exportações de café. Expansão
porque o complexo cafeeiro que se formou na passagem do século XIX para o século XX
provocou intensa desvalorização cambial, contribuindo também para o encarecimento dos bens
internacionais. Cf. FURTADO, Celso, Op. cit., pp. 195 – 197.
229
Cf.: “[...] a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num
verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente,
uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer
dos países industrializados. [...] Que destino tomava essa renda, que, devendo ser despendida no
exterior em importações, ficava represada dentro do país pelo mecanismo corretor da baixa do
referido coeficiente? É evidente que ia pressionar sobre os produtores internos. [...] Outro fator
que se deve ter em conta é a possibilidade que se apresentou de adquirir a preços muito baixos,
no exterior, equipamentos de segunda mão.” FURTADO, Celso. Op. cit., p. 199.
196
É evidente que o crescimento continuado da indústria paulista resultou do
empresariado paulista. A raiz da classe dos industriais do Estado de São Paulo está nos
imigrantes, os quais passaram a atuar como comerciantes importadores. Isso porque esses
agentes, dadas as boas relações com os demandantes europeus, possuíam condições para
Não apenas esse aspecto, mas também o maior conhecimento a respeito do mercado de
bens industrializados internacionais sedimentou bases para que tais imigrantes tornassem-
c) O Capitalismo Tardio
anos de 1930 são Sérgio Silva, João Manuel Cardoso de Mello e Maria da Conceição
Tavares.
230
DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: DIFEL, 1976, p. 93.
231
Cf.: “Em sua interpretação [de Warren Dean] foi a familiaridade dos comerciantes
importadores com o mercado consumidor de manufaturas e com os produtos industriais que
costumavam importar que lhes abriu a porta para que produzissem eles mesmos a mercadoria que
mandavam trazer do estrangeiro.” Tradução livre de MARTINS, José de Souza. El café y la
génesis de la industrialización en São Paulo. Revista Mexicana de Sociología, vol. 39, no. 3,
Cuestiones agrarias en America Latina (Jul. - Sep., 1977), pp. 781-797. Publicado por Universidad
Nacional Autónoma de México. DOI: 10.2307/3539877. Disponível em
http://www.jstor.org/stable/3539877.
197
da economia moderna. Não é por acaso que os grandes pensadores do Capitalismo Tardio
Nesse sentido, não é por acaso que a atenção, quando analisamos especificamente o Brasil
(como fizeram Silva, Tavares e Mello), seja dada para a cafeicultura como o “marco-
zero” de todo o processo. Ela atinge seus picos mais altos justamente na transição
estrutural! O que também não é mera coincidência, dado que uma economia sustentada
232
Apesar das industrializações periféricas da América Latina terem sido colocadas em marcha
com as bases comuns da dependência e do subdesenvolvimento, é inconcebível abstrair das
peculiaridades entre os processos de modernização pelos quais cada nação latino-americana
passou nos séculos XIX e XX. Este trabalho, porém, não será capaz de aprofundar tais
pormenores.
233
MELLO, João M. C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 25.
198
por trabalhadores-mercadoria ao invés de trabalhadores-consumidores e possuidores
apenas de sua força de trabalho impõe limites para a acumulação de capital na atividade
cafeeira. Não se pretende aqui dizer que o capitalismo não conviveu ou não consegue
conviver com formas pré-capitalistas de produção. Na realidade, essa é uma das tônicas
entretanto, não se dá com harmonia pura e simplesmente, mas sim em viva contradição a
capital com a produção de café alcançaria níveis inéditos nos decênios finais do século
industrialização induzida pela expansão das exportações. De fato, quando se pensa que a
na indústria, imagina-se, como falou Dean, uma conexão direta e linear entre uma e outra.
A grande diferença entre uma e outra interpretação, porém, se dá pelo fato de que os
autores do Capitalismo Tardio enxergam uma relação não direta e lógica, mas sim
capital industrial, assim como impunha limites a ela. Ao mesmo tempo em que havia um
234
Cf.: “Há contradição entre capitalismo industrial e formas de trabalho compulsório porque se
exige, na periferia, generalização das relações mercantis, quer dizer, mercantilização das forças
de trabalho. Só o trabalho assalariado poderia significar mercados os mais amplos possíveis e,
simultaneamente, produção mercantil complementar em massa.” Idem, p. 45.
199
[...] as relações entre o comércio exterior e a economia cafeeira de um lado, e
Versiani. Toda a análise está fundamentada num estudo quantitativo a respeito das
Dado esse panorama inicial, pode-se dizer que a tese dos autores é a de que deveria
haver uma relação de forte causalidade entre picos de produção industrial algodoeira e
Uma vez identificada a conexão entre os picos produtivos e a taxa de câmbio, o papel
exemplo disso foi a instauração das tarifas Alves-Branco em 1844. Ou seja, já no período
235
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega,
p. 97.
236
Nesse sentido, os Versiani, aproximando-se ligeiramente de Dean, mostram a importância dos
comerciantes importadores para o processo de formação industrial brasileira. Cf. VERSIANI F.
& VERSIANI, M. T. R. O. A industrialização brasileira antes de 1930: uma contribuição. Estudos
Econômicos. São Paulo, v. 5, n. 1, jan/abr 1975, p. 42 – 43.
200
os surtos produtivos até mesmo como forma de sanar o déficit orçamentário do Estado.
têxtil estabelecida num decreto de 1846. [...] o efeito protetor das tarifas podia
237
Idem, p. 54.
201
XXVII
falência dos mecanismos de defesa permanente do café (como já foi explicitado nos
capítulos anteriores), o Brasil se encontra no limiar de uma inflexão política que será
1930 é marcada pelo fim da chamada República Velha e pela quebra da hegemonia das
“Revolução de 1930” culmina com a subida de Getúlio Vargas para a chefia do executivo
oligarquias rurais. É necessário, nesse sentido, fazer menção à Política dos Governadores,
controle eleitoral por parte das unidades federativas, principalmente São Paulo e Minas
entre os partidos estaduais para determinar até mesmo quem seria o presidente.
202
Num quadro em que as principais agremiações políticas representavam os
gênero no mercado mundial), torna-se claro que todo o invólucro político delineado acima
cafeeira brasileira. O Estado era fruto das articulações da classe e, como não poderia
deixar de ser, tinha sua existência pautada pela defesa das vontades de seus chefes.
As evidências empíricas do que foi dito acima nós já tratamos quase que
fundação da Caixa de Conversão, das políticas episódicas de defesa dos preços do café,
dos mecanismos institucionais para viabilização da defesa permanente nos anos de 1920,
além das políticas creditícias geralmente expansionistas que permearam todo o esforço
de defesa desde o início do século XX, as quais serviram justamente para a manutenção
dos estoques e dos armazéns. Veja o que dizia o próprio presidente Epitácio Pessoa e
podemos então comprovar o quão lastreado nos interesses da burguesia cafeeira estava o
portanto, o produto que mais ouro fornece à solução dos nossos compromissos
Brasil.238
238
Epitácio Pessoa, 1921. Apud DELFIM NETTO, Antonio. O problema do café no Brasil. São
Paulo: IPE/USP, 1973, p. 110.
239
FURTADO, Celso. Op. cit., pp. 181 – 182.
203
Se até o fim dos anos de 1920, as fracas tensões existentes no seio da burguesia brasileira
ser a tônica na medida em que o setor industrial da classe dominante começa a ganhar
mais espaço no cenário econômico e político a partir disso. Não obstante, mesmo após o
nos rumos do desenvolvimento brasileiro pelo menos até o fim dos primeiros cinquenta
Fausto, considera até mesmo que não havia, no seio da própria burguesia, nenhum
concorrente que pudesse realmente rivalizar com os produtores de café. E isso é que
apresentasse uma opção viável, em oposição aos seus interesses [...]. Dentro
setor da burguesia forte o suficiente para fazer frente às oligarquias cafeeiras é a razão
240
Boris Fausto. A Revolução de 1930. In MOTA, Carlos G. (org.). Brasil em Perspectiva. São
Paulo: Difel, 1981, p. 233.
204
por trás da composição heterogênea da Aliança Liberal, principal organização de
também os setores urbanos médios e até mesmo militares de baixa patente (os tenentes
máximo que a Aliança Liberal poderia alcançar em suas demandas era uma reforma
Washington Luís se completava com o Partido Democrático. Fruto de uma cisão interna
estabilizando o câmbio a níveis mais valorizados que aqueles desejados pelo setor
café.
ao poder. Mas o que não pode se ausentar na análise é o impacto do crack da Bolsa de
241
Cf. Idem, pp. 235 – 240.
205
A rápida aglutinação, obtida em poucos meses, não pode ser explicada, se
O próprio Estado que se configura a partir de 1930, nascido num ambiente sem
burguesia. O executivo sob comando de Vargas ocupa, nesse sentido, o que antes se
apresentava como um vazio de poder, incapaz de ser preenchido por uma ou outra força
oposicionista.
convém dar espaço para uma outra leitura a respeito do fim da República Velha. Trata-se
dos estudos de Ítalo Tronca sobre o papel do movimento operário no processo que
Tronca recusa a leitura de Fausto de que o Estado que vem com a “Revolução de 1930”
teria surgido “do alto”, com o fim único e exclusivo de preencher um vazio de poder dada
realidade, toda a inflexão é fruto das lutas de classes entre o operariado e a burguesia
242
Ibidem, p. 242
206
industrial. A própria CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) teria papel
trabalhadora (fruto de uma visão dogmática sobre o Estado brasileiro, que ainda seria, em
“Revolução de 1930” por parte do próprio PCB acabou servindo para ofuscar o papel do
proletariado na inflexão do quadro político brasileiro na virada de década, uma vez que
243
Infelizmente não há espaço aqui para tratarmos detalhadamente dos riscos e do grande
equívoco que permeia essa interpretação dogmática da história brasileira, propagada pelo PCB e
por outros quadros do estalinismo nacional. Adiantamos já que a conclusão de que não havia
Estado Burguês no Brasil antes de 1930 e que este teria sido até então sustentado por uma
economia de caráter feudal soa para nós como completamente falsa e oportunista. Além disso,
está completamente distante do marxismo. Não há erro mais crasso em história econômica do que
afirmar que, em algum momento de nosso desenvolvimento, passamos pelo modo feudal de
produção, o qual, por sua vez, só teria sido varrido do país com a “Revolução Burguesa de 1930”.
Algumas linhas do estalinismo brasileiro perpetuaram o oportunismo, cravando que o Estado
Brasileiro até hoje não é plenamente burguês, sendo necessário, antes da emancipação definitiva
dos trabalhadores, a submissão do proletariado aos interesses da burguesia nacional anti-
imperialista. Fica aqui, para os estalinistas de plantão, uma pequena pergunta: se até 1930, nossa
economia e, consequentemente, nosso Estado eram feudais, como explicar a greve geral da classe
trabalhadora em 1917 e as consideráveis taxas de crescimento da produção e do investimento
industrial na década de 1910 antes do conflito mundial?
207
XXVIII
Vargas (1934 – 1937), é fundamental analisar o quadro nacional nos anos do Estado
Novo, ou seja, no período em que Vargas se consolida como ditador máximo do país.
o fato de que somente a partir do golpe de 1937 nós podemos falar em um Estado
cafeeira faz com que fique muito difícil usar a mesma simbologia. É por isso que um dos
na busca por associar quase que unilateralmente sua figura à da Nação. O Estado Novo
teria de ser o Brasil e o Brasil teria de ser o Estado Novo. Veja de acordo com o próprio
ditador:
federais para o Estado de São Paulo, eliminando a figura do governador, tão influente nos
244
Apud. SOLA, L. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, C. G. (org.). Brasil em
perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 257.
208
anos áureos das oligarquias do café. Veja o panorama dado por L. Sola a respeito dos
O golpe de 1937 foi articulado por um conjunto de generais das Forças Armadas
Brasileiras (Gaspar Dutra, Góes Monteiro, Daltro Filho, etc.) que serviriam inclusive
anteriores ao golpe, em que pese a ação da ANL e do PCB em específico. Este era um
com um programa que englobava, entre outras coisas, a reforma agrária e o não
que poderiam motivar a classe trabalhadora e parte das classes médias urbanas.246
245
Idem, p. 268.
246
Ibidem, p. 260.
209
A retórica anticomunista (embora a ANL e o PCB, apesar do nome, estivessem
ideológica para as perseguições e para toda a repressão civil por parte do Estado varguista.
do judiciário. 248
Outro aspecto da faceta política do Estado Novo que merece um olhar mais atento
de nossa parte é a relação que se estabelece entre Vargas e a classe trabalhadora. Estamos
certamente nos referindo à legislação trabalhista nos anos da ditadura. Numa primeira
aproximação, as leis que compunham a nova legislação se apresentam como uma grande
remuneradas; estabilidade no emprego; indenização por demissão sem justa causa; etc.249
Não podemos, porém, cair numa ilusão perigosa. Junto às concessões, vieram as
cada vez mais dependentes do aparelho estatal por meio da contribuição sindical
247
Em outra oportunidade poderemos explicar melhor. Fica aqui apenas o conselho: o nome de
um partido não necessariamente, e muitas vezes está longe de ser o caso, reflete seu programa,
seus interesses e suas táticas. O PCB, apesar de ter “comunista” no nome, está imbuído de um
programa, de uma lógica de funcionamento interno, e de um conjunto de táticas que o torna
razoavelmente distante das estratégias efetivamente comunistas.
248
SOLA, L. Op. cit., pp. 265 – 266.
249
Idem, p. 271.
210
obrigatória. Além disso, os sindicatos foram fracionados por profissão: cada categoria
quaisquer circunstâncias.
Primeira Era Vargas (1930 – 1945) em si, trataremos com mais detalhes nos próximos
tópicos, assim como da queda do Estado Novo ao final da Segunda Guerra Mundial.
do país. O Estado deixa de intervir somente quando necessário (como nos casos das
211
XXIX
elevação do produção industrial em 11,3%. O que foi falado pode ser demonstrado no
gráfico abaixo:251
250
SILBER, Simão. Análise da Política econômica e do comportamento da economia brasileira
durante o período 1929/1939. In VERSIANI, F. R. & BARROS, J. R. M. de. (orgs) Formação
econômica do Brasil: a experiência da industrialização. 1a. Ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p, 187.
251
Fonte: IPEADATA. Para 1901-1947: Haddad, Claudio Luiz da Silva. Crescimento do produto
real no Brasil, 1900-1947. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1978. Apud: Abreu,
212
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
Mais importante que apontar o crescimento quantitativo do PIB é apresentar a mudança
em sua composição, tomando como base o setor primário e o secundário. Em 1907, 79%
do produto nacional era ocupado pela produção agrícola, quadro que se mantém 12 anos
depois em 1919. É fundamental notar, porém, que o peso do setor industrial aumenta
com 21% para a composição do PIB, 20 anos depois ele passa a formar 43% do valor
que vai de 1929 até 1939, podemos ver que a taxa média de elevação anual da produção
industrial apresentada pela economia brasileira num contexto de crise mundial deu-se
Marcelo de Paiva (Org.). A ordem do progresso - cem anos de política econômica republicana.
Rio de Janeiro: Campus, 1992. Obs.: Produto Interno Bruto (PIB). Série interrompida.
252
Cf. VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia
brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973, p. 180 e p. 241 (gráfico)
253
Idem, p. 211 – 213.
213
num ambiente interno de restrição para as importações de maquinário. O bloqueio para a
secundária fez com que a indústria nacional passasse por surtos de industrialização com
passou imune pelos desdobramentos da crise mundial. Salientamos que a mudança mais
café em nossa pauta de exportações, cedendo mais espaço para o algodão. Não é que a
produção daquele que era até então nossa principal commoditie diminuiu. Na realidade,
em termos absolutos ela teve elevação relevante. A grande diferença está no seguinte: o
desenvolvimento tecno-científico pelo qual passava a produção algodoeira é que fez com
que esse bem primário aumentasse seu percentual na composição de nossas vendas para
qualidade [...].255
Trata-se da nova dinâmica demográfica que passa a operar no Brasil neste período.
254
Ibidem, p. 213.
255
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 202.
214
consequentemente do surgimento de grandes centros metropolitanos, dentre eles Rio de
Janeiro e São Paulo. Esse aumento da participação da “paisagem urbana” (peço perdão
aos geógrafos pela apropriação apressada de um termo tão caro à literatura geográfica por
brasileira pode ser creditado por um fenômeno novo para a época: a maciça entrada de
nordestino que tentava a vida nas fábricas de São Paulo e do Rio de Janeiro.256
Uma vez que apresentamos o panorama geral das tendências que se apresentavam
em que Getúlio Vargas esteve na chefia do executivo. Qual foi o verdadeiro papel do
anos de 1930 é aquela de Celso Furtado, o qual buscou analisar o deslocamento do centro
256
Cf.: “A década de 1930 foi o ponto alto das migrações internas para o antigo Distrito Federal
e para o Estado de São Paulo. Entre 1934 e 1940, só no Estado de São Paulo entraram cerca de
322 mil imigrantes brasileiros, dos quais 67% provinham da Bahia e do Nordeste. Esse anos
constituíram o período de transição da imigração internacional para a imigração interna. [...] Não
era coincidência que os dois maiores centros absorvedores de imigrantes brasileiros fossem
também os dois maiores centros industriais do País que, no momento, experimentavam rápido
desenvolvimento industrial. Entre 1920 e 1940, como consequência [...] observou-se grande
crescimento da população urbana [...] que passou de 4,6 milhões, em 1920 para 6,2 milhões, em
1940.” VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 181-182.
215
dinâmico. Como já vimos, o crack da bolsa de Nova York em outubro de 1929 e a crise
mundial que o sucedeu foi o elemento definitivo para a falência da estrutura institucional
montada nos anos de 1920 para a defesa permanente dos preços do café no mercado
mundial. O Estado brasileiro após o fim da República Velha teve a difícil tarefa de
esta é garantida, por sua vez, por meio da queima extensiva de sacas de café antes
estocadas. Dado que o financiamento não se deu mediante empréstimos externos, mas
sim por meio da expansão creditícia nacional, era de se esperar que o resultado cambial
internacionais (já com preço elevado em função da escalada inflacionária nos países
política pré-keynesiana anticíclica, segurando a renda nacional em níveis nos quais foi
possível desviar a demanda por bens de consumo para o mercado interno. O desvio, na
economia, fez com que a indústria nacional passasse a ser o grande amortecedor das
Eis o mecanismo mais geral pelo qual a economia brasileira acabou resistindo aos
centro dinâmico como foi possível a rápida recuperação do PIB nacional na comparação
216
O ponto de vista mais oposto ao de Furtado sobre os condicionantes da
que daremos sobre sua discussão historiográfica com o autor de Formação Econômica
Ortodoxia Monetária, Cambial e Fiscal no Brasil entre 1889 – 1945 (PELÁEZ, 1971).
para a nossa industrialização por meio de uma política anticíclica materializada na queima
perene de estoques volumosos de café, Peláez aponta que a estratégia tomada para a
industrial brasileiro.
la-lettre promovido por Vargas nas queimas de sacas e mais sacas de café. Na realidade,
sido o saldo positivo na balança comercial nos anos de 1931 e de 1932. Isso porque apenas
uma política fiscal expansionista. A grave seca no Nordeste no início da década de 1930,
varguista. Peláez tenta fortalecer ainda mais seu argumento a respeito da ortodoxia
quando apresenta dois dados interessantes: (1) a partir de 1937, toda a queima de sacas
governo abrir mão de qualquer tentativa de ampliação do gasto público; (2) todo o
217
mecanismo de defesa do setor cafeeiro operacionalizado desde o início da década de 1930
foi financiado grosso modo por um aumento da carga tributária que incidia sobre a própria
proveio mais da política de orçamento equilibrado do que por uma simples expansão do
crédito.
canônica de que a manutenção da renda no setor cafeeiro foi sucedida por uma
com o autor, foi um desvio da renda nacional para outras atividades primárias,
fim definitivo da política de defesa do café que a atividade industrial pode dar saltos mais
seguido uma diretriz mais ortodoxa do que aparentava, estando norteada pela ideia fixa
do equilíbrio orçamentário nas contas públicas, de modo que não houve uma reação
afirmar que o setor secundário de nossa economia desenvolveu-se apenas com o fim do
Estado Novo e da estratégia de defesa do setor cafeeiro, Villela e Suzigan “pendem” para
substituição de importações, em que a compra de bens finais cedia espaço para a aquisição
218
de insumos industriais, os quais se direcionaram principalmente para a metalurgia e
Fishlow no debate iniciado por Peláez nos anos de 1960. O autor é original ao afirmar
defesa da renda no setor cafeeiro. Fishlow aproxima-se, dessa maneira, da linha furtadiana
de análise, dado que aceita o papel do Estado brasileiro na garantia da renda e do emprego
na cafeicultura.
Furtado ao apontar que a política econômica, mesmo esta tenha sido inicialmente guiada
deduz pelo interesse do governo em aumentar a expansão creditícia para garantir a queima
Furtado, como mostramos acima, também faz sua aproximação e qualificação a respeito
ambiente de recessão mundial. Mas Fishlow qualifica Peláez ao apontar que este não
num ambiente de crise. Em segundo lugar, o autor aponta que o ônus tributário não foi
arcado pelos próprios latifundiários, como supôs Peláez, mas sim pelos consumidores
219
Em suma, Fishlow conclui sua análise afirmando que, embora a política
atividade industrial tal como Furtado apontou, ela teve sim um papel crucial para o
desenvolvimento econômico nacional na década de 1930. Outros elementos, por sua vez,
sido: a retomada da elevação das exportações entre 1932 e 1936, assim como a redução
Silber sobre o desenvolvimento econômico brasileiro nos anos de 1930, assim como suas
Separando os vinte anos entre 1919 e 1939 pelos decênios 1919 – 1929 e 1929 – 1939, o
autor faz uma dupla aproximação à política de defesa do café e às políticas monetária,
fiscal e cambial.
Assumindo o café como o centro dinâmico da economia pelo menos até a crise de
1929, e considerando o aumento das receitas com exportações a partir de 1919, Silber é
categórico em afirmar que a política de defesa do café (tanto a última de caráter episódico
como a permanente) foi bem sucedida em seus objetivos mais imediatos: garantir um
A política de defesa do café entre 1919 e 1929, apesar de atingir êxito, foi
idealizadores do plano de valorização do café entendiam que era fundamental, para que
câmbio em níveis mais ou menos desvalorizados. E é o que de fato ocorre entre 1919 e
220
1923. Nesse período inclusive Silber nota que a depreciação cambial funcionou também
das importações de bens finais, a produção interna passa a ser o principal componente
para o abastecimento da demanda nacional. Após 1923, porém, Silber nos aponta uma
entrada de divisas de exportação dado o sucesso das políticas de defesa do setor cafeeiro.
Com a crise econômica mundial seguida do crack da bolsa de Nova York em 1929,
bens importados e na subsequente queda nas importações. Silber nesse aspecto concorda
com Furtado ao salientar que houve um desvio da demanda nacional para o mercado
interno, o que foi viabilizado justamente pela defesa da renda na cafeicultura, mantendo
a ser o principal amortecedor das pressões oriundas da demanda interna por bens finais.
em específico, do Brasil após o fim da República Velha. Não significa, porém, que este
221
autor não tenha feito as devidas qualificações à análise canônica daquele economista. As
críticas de Silber residem no fato de que Furtado não entendeu a dupla causalidade no
1930, a estratégia varguista de literalmente destruir o café funcionou como uma política
pré-keynesiana anticíclica, afirmar a mesma coisa para o período que vai de 1923 até
1929 não procede. Como mostramos, Silber nota uma distorção nos preços relativos por
conta da apreciação cambial que resulta do êxito da política de defesa a partir de 1919.
Distorção essa que bloqueou o aumento da produção industrial nacional, dado que o
Furtado não notou, de acordo com Silber, o papel do empréstimo externo de 20 milhões
de libras que se deu com o objetivo claro de viabilizar a queima das sacas, o qual acabou
“esquecimento” se deu com relação aos déficits fiscais entre 1930 e 1932 e o superávit
do setor cafeeiro para o industrial. Tudo o que foi dito pode ser sintetizado nas palavras
do próprio autor:
defesa do setor cafeeiro. Parece-nos que Celso Furtado tem o insight correto
com relação aos impactos favoráveis sobre o nível de renda da defesa do café,
222
níveis de produção, a partir de 1932. Não considera o empréstimo externo de
desenvolvimento industrial.
ortodoxa da política econômica nacional em suas facetas fiscal, monetária e cambial. Uma
estratégia de queima de sacas e mais sacas de café ao longo de anos não pode ser
considerada outra coisa que não uma política efetivamente anticíclica e que inclusive
nacional nos anos de 1930 em diante. A própria grandeza do déficit fiscal nos primeiros
três anos em que Vargas esteve na chefia do poder executivo, assim como a necessidade
afirmar que o aumento da carga tributária no setor cafeeiro tenha sido o único meio de
257
SILBER, Simão. Análise da Política econômica e do comportamento da economia brasileira
durante o período 1929/1939. In VERSIANI, F. R. & BARROS, J. R. M. de. (orgs) Formação
econômica do Brasil: a experiência da industrialização. 1a. Ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 202
– 203.
223
financiamento governamental para a defesa do café. Não só o ônus da elevação de
impostos foi arcado pelo consumidor estrangeiro por conta da inelasticidade preço da
cambial que se segue ao keynesianismo avant-la-lettre empreendido por Vargas não foi
apontado por Peláez, o que é crucial para entender também a condução não ortodoxa da
impostos não corresponde de forma exata aos seus próprios dados […]. […]
258
Idem, p. 203.
224
XXX
complexificação da economia brasileira. Com o objetivo de atingir uma noção mais clara
mais que esperado que a situação do Brasil na economia internacional se fundasse num
internacional que eram de posse do Banco de Brasil (que ainda naquele momento exercia
225
zeradas.259 Do mesmo modo, nossas balanças de rendas e serviços, assim como a de
mundial na qual se inseria o Brasil era acompanhada de uma queda de 26% nas relações
sendo 55% no preço. Estava assim montado todo o aparato para uma grave crise cambial,
uma vez que nosso regime cambial à época era flutuante. Não foi por mero acaso ou
coincidência, portanto, que sucessivas moratórias até o ano de 1931 chegaram a ser
cambiais obtidas com exportação deveriam ser vendidas à autoridade monetária com base
no câmbio oficial, menor que a taxa de mercado. Nas palavras de Marcelo de Paiva Abreu:
259
Uma das causas cuja menção se faz necessária é a falência da própria Caixa de Estabilização
no final do governo W. Luís. A própria entidade era responsável pelo gerenciamento de nossas
reservas em moeda internacional
260
Convém recordar das observações de Furtado a respeito do caráter adverso da “conta capital”
numa economia periférica como a brasileira. Em situações críticas como a da Grande Depressão,
a fuga de capitais para as nações centrais, mais “seguras”, tornava quase impossível evitar um
desequilíbrio para baixo da conta de capitais do Brasil.
261
ABREU, M. de P. Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945. In: ABREU,
M. de P. (org.). A ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014, p. 80.
226
É nesse quadro cambial pouco alentador que a nova estratégia de negociação da
partir de 1931 seriam quitados no prazo de 3 anos, com lastreamento na emissão de títulos
Como último elemento para a análise da política econômica nesse primeiro bloco,
acomodar a crise cambial na qual se inseria o país. Conhecida como “Missão Niemeyer”,
o Brasil recebe a visita do banqueiro e funcionário público britânico de alto escalão Sir
Otto Niemeyer, o que acabou funcionando como uma pré-condição para a consolidação
a missão:
262
Idem, p. 81.
227
julho de 1931, propunha basicamente dois grupos de medidas, pois, de acordo
adotada [...].263
De fato, é muito difícil contrariar Niemeyer no que tange à tentativa de atingir o equilíbrio
orçamentário nos anos que se seguem à Grande Depressão. Em nenhum ano do decênio
1930 – 1939, as contas públicas do governo não fecharam “no vermelho”, o que se
263
Ibidem, A missão Niemeyer. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 14, n. 4, p.
07-28, agosto, 1974, pp. 15 – 21.
264
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira,
1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973, p. 185.
228
1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939
0
-200
-400
-600
-800
-1000
-1200
-1400
a atividade econômica no Brasil, não residia num tratamento cambial diferenciado (como
vinha sendo o caso desde o início do governo provisório), mas sim na elevação das pautas
de exportação, assim como numa maior ênfase por parte das autoridades numa política
229
Niemeyer em 1931, Williams reconheceu que a solução do problema cambial
1934. O ganho de divisas com exportações, até mesmo considerando as vendas de sacas
de café no mercado mundial, não mais se atrelava à cobertura cambial que se destinava
restritivo, mas sob novas bases. A partir do início daquele ano, 35% das cambiais obtidas
com exportações deveriam ser repassadas ao Banco do Brasil mediante taxa oficial, ao
passo que o restante poderia ser negociado livremente a partir da taxa de mercado.266
seguiam após 1935, o governo federal manteve as políticas fiscal, monetária e creditícia
que vai de 1934 até 1937. A aceleração, por sua vez, teve de levar em conta a retomada
265
ABREU, M. de. P. Op. cit., p. 86.
266
É bem verdade que, já a partir de fevereiro de 1935, o Banco do Brasil abriria mão da
obrigatoriedade dos 35% no que se referia às exportações. O repasse poderia se dar abaixo desse
patamar, variando consideravelmente no período do interregno democrático. No caso das
importações, porém, a cobertura cambial se manteve a níveis constantes. Cf. ABREU, M. de P.
Op. cit., pp. 87 – 88.
230
conjuntura de crise internacional, o que favorecia o processo de substituição de
milagre ― puxa o PIB do período para uma taxa de 9,4% [...]. A alta taxa de
qualitativos e quantitativos. Ele deixa de ser apenas um “player” ocasional que assumia
as rédeas da condução econômica em situação mais aguda e passa a ser o principal agente
economia brasileira. É bem verdade que este é um processo que veio tomando forma
desde a “Revolução de 1930”, mas ele atinge seu ápice exatamente na ditadura varguista.
E é justo nessa inflexão que os planos de investimento industrial desenhados pelo Estado
já não coadunam mais com uma política cambial menos restritiva. O monopólio cambial
estrito é assim reestabelecido. Junto com o regime de câmbio fixo veio também a
estratégia de controle de importações, que serviria mais como uma forma de conter os
267
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 249.
231
déficits na balança comercial, o que vinha sendo o principal causador do rombo na dívida
importação resultou ser instrumento mais eficaz para conter ou reduzir o nível
iniciar o pagamento dos juros da dívida pública no curto prazo, o que o Brasil conseguiu
recebida com considerável insatisfação principalmente por parte das Forças Armadas,
uma vez que tal condição poderia funcionar como obstáculo para a importação de material
“Missão Aranha” tenha sido modesta, Oswaldo Aranha se compromete com a adoção de
uma política cambial menos restritiva na comparação com aquela até então adotada desde
268
Cf.: “Em fins de 1937, a escassez de divisas, fruto da substancial elevação das importações,
que cresceram cerca de 40% em valor entre 1936 e 1937, foi usada como justificativa, após o
golpe de novembro, para o default da dívida externa e a adoção de monopólio cambial do
governo.” ABREU, M. de P. Op. cit., p. 93.
269
Idem, p. 93.
270
Cf. Ibidem, pp. 94 – 95.
232
o início da ditadura varguista. Assim, o nome regime cambial terá aspecto semelhante
exportações, 30% deveriam ser repassadas ao Banco do Brasil mediante taxa oficial
menor que a de mercado. As outras 70% poderiam ser negociadas livremente. Sendo a
taxa oficial mais vantajosa, o governo federal poderia ter a capacidade de liquidar seus
sangrento de toda a história da humanidade, passará por uma inflexão em seu trajeto que
será marcante em nossa história econômica até seu período mais recente. O fechamento
dos mercados centrais para os principais produtos brasileiros (entre eles obviamente o
café), ao mesmo tempo em que não houve aumento das importações dos países aliados
pelo menos até 1942, fez com que nossa balança comercial sofresse uma queda a níveis
271
ABREU, M. de P. Op. cit., pp. 94 – 95.
233
paradoxal é que a mesma dificuldade de importações funcionou como um mecanismo
protetor para o industrial brasileiro, na medida em que ele pode se desenvolver sem
recorrer exclusivamente ao suprimento externo. Essa peculiaridade pode ser resumida por
Abreu:
ampliação da capacidade.272
comercial tornaram mais fortes as percepções, por parte das autoridades, de que era
necessário uma intervenção estatal mais forte para a formação de um parque industrial de
insumos. É assim que o projeto estatal siderúrgico começa a se delinear, por exemplo.
Veremos mais adiante que o Estado Varguista será o principal componente na formação
dos interesses estratégicos das nações centrais que rivalizam com o Nazi – Fascismo pela
hegemonia do globo. Com isso, a oferta brasileira se direciona para o mercado externo,
de modo que a renda gerada com o crescimento do PIB desde 1935 fica represada sem
ser atendida pelo mercado nacional. Ao mesmo tempo em que se materializava uma
272
Idem, p. 96.
234
importações brasileiras devido ao esforço de guerra, o Governo Federal apelava para
ambas servindo para financiar o déficit público oriundo dos gastos decorrentes do projeto
nível de preços chegou a subir anualmente no intervalo entre 15% e 20%. 273 De acordo
com o gráfico:274
400
300
200
100
0
1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945
273
Ibidem, p. 96.
274
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 424.
235
XXXI
brasileira nos anos em que Vargas esteve na chefia do executivo nacional até 1945,
abrimos espaço agora para analisar em mais pormenores o papel do Estado no processo
executivo brasileiro na promoção de nossa modernização. Será dado, assim, maior espaço
236
econômicas e políticas, e só pode ser compreendido se visto de uma
perspectiva histórica.275
tese que defende a intencionalidade a priori do Estado, este acabou exercendo um papel
ambiente que o executivo poderá empreender uma política cujo enfoque se direciona para
retidamente.276
disponibilidade de recursos naturais que o Brasil oferecia deveria tornar-se mais estreita
a partir de então: um novo marco regulatório institucional passou a ser pauta nacional
275
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 248.
276
Idem, pp. 250 – 252.
237
Art 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água
minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de
transitoriamente suspensa
da Nação.
Art 147 - A lei federal regulará a fiscalização e revisão das tarifas dos serviços
públicos explorados por concessão para que, no interesse coletivo, delas retire
a) O petróleo
em meados do decênio seguinte que o petróleo passa a ser visto como uma alternativa
238
argentina, o executivo federal em conjunto com as Forças Armadas colocam o
nacional.277 Isso porque com uma nova alternativa para o fornecimento de energia, viria
junto uma maior independência nacional com relação aos interesses das companhias
estrangeiras de matérias primas e insumos para as fábricas. Não é por acaso, portanto, que
em 1938 tenha sido criado o Conselho Nacional do Petróleo, comandado pelo General
Horta.
governo de Getúlio Vargas (1951 – 1954), quando é criado o imposto único sobre os
277
Cf.: “Inspirados pelo exemplo da Argentina, que criara em 1922 uma empresa estatal de
petróleo, e pelo México, que em 1938 expropriara as refinarias estrangeiras instaladas no país, os
militares brasileiros começaram a tornar pública sua posição de que a dependência da importação
do petróleo precisava ser revertida, pois era uma questão de segurança nacional.” Ibidem, p. 254.
278
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Op. cit., p. 254.
239
derivados do petróleo, idealizado fundamentalmente para o financiamento da estatal
no Congresso Nacional.279
b) A siderurgia
Quando falamos de siderurgia no Brasil, logo nos vem ao pensamento uma série de
empresas de grande porte e de demasiada importância para toda nossa cadeia produtiva.
Não é de se esperar outra coisa que não lembrar da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional) e da Vale do Rio Doce. A grande questão que não pode faltar à análise histórica,
porém, são os antecedentes desse quadro que ganha robustez a partir dos anos de 1940.
americano Percival Farquhar.280 Era corrente, entretanto, a noção de que deveria haver
dizer, acabava sendo compartilhado por militares, engenheiros civis e também pela classe
279
Idem, p. 255.
280
Nos anos de 1940, as propriedades de Farquhar foram apropriadas pelo Estado Brasileiro
para a construção da Acesita em Minas Gerais (1942). O empresário viria a morrer na miséria.
281
Ibidem, pp. 256 – 257.
240
compensação comercial com a Alemanha, selado em 1937.282 O projeto avança já na
acordo que garantia o apoio estado – unidense para a construção de nosso parque
siderúrgico. Em troca da concessão de uma base militar brasileira no Nordeste para uso
exclusivo dos EUA em 1942, o Eximbank estabelece uma linha de crédito no montante
seriam investidos pelo próprio governo federal com financiamento vindo de fontes
c) As hidrelétricas
compreende os decênios de 1920 e de 1930, cada vez mais se avoluma uma defasagem
população citadina por um abastecimento energético eficiente já não mais poderiam ser
282
Com a conflagração do conflito mundial e o posterior alinhamento brasileiro ao lado dos
aliados faz com que cessem as relações diplomáticas entre Brasil e a Alemanha Nazista, indo pelo
ralo os acordos comerciais antes selados.
283
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Op. cit., p. 257.
241
No início do governo Vargas [...]. Boa parte do país ainda recorria aos
de energia elétrica ganha força no país. Abrindo mão do sistema de concessões para
distribuição de energia. O que acabamos de dizer novamente pode ser sintetizado pelas
palavras de Leopoldi:
284
Idem, p. 259.
285
Ibidem, p. 260.
286
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Op. cit., p. 261.
242
XXXII
humana, o Brasil oficialmente entra na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados. Era
comerciais que existiam com os países do Eixo Roma – Berlim – Tóquio foram
Por mais interessante que possa ser o estudo e a análise da Segunda Guerra em si,
ênfase aqui ao quadro da economia nacional durante a sangria que perdurou de 1939 até
1945.
do setor siderúrgico brasileiro, ponto nevrálgico que envolvia duas nações rivais em
287
Os dois times brasileiros de futebol que carregavam o nome de Palestra Itália, um em São
Paulo e outro em Minas Gerais, foram obrigados a mudar o título da agremiação: em São Paulo,
passou a ser a Sociedade Esportiva Palmeiras; em Minas Gerais, tornou-se o Cruzeiro Esporte
Clube. Futebol também é História.
243
plano robusto de financiamento do aço no Brasil. Se Maria Leopoldi aponta no sentido
de um eminente poder de barganha por parte do governo brasileiro, que teria usado da
Marcelo de Paiva Abreu é um dos autores que nega essa habilidade presente na
mundial que buscava exercer cada vez mais sua hegemonia econômica e política na
América Latina e via no Brasil o melhor país para estabelecer sua influência. De fato, a
própria Alemanha nazista romperia com Vargas no exato momento em que este teria
declarado seu apoio oficial aos aliados (EUA, Inglaterra, França e URSS), desfazendo o
288
Vide nota 25.
289
ABREU, Marcelo de Paiva. O Brasil e a economia mundial, 1930-1945. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999, p. 327.
244
Uma vez em Estado de guerra, o Brasil assume seus compromissos e encontra
uma velha solução para financiá-los: a emissão monetária. 3 milhões de contos de réis
foram emitidos na forma de títulos públicos com rendimento de 6,0% a.a., os quais
milhão de contos foram vendidos aos bancos comerciais na forma de letras do Tesouro
Nacional. Além das emissões monetárias, mais acordos entre EUA e Brasil foram
primas estratégicas para os planos norte – americanos. Após o rompimento com o Eixo,
o crédito estrangeiro expande para 200 milhões de dólares. Ao fim e ao cabo, o Brasil foi
receptor de praticamente 330 milhões de dólares, dos quais uma parte foi diretamente
a uma escalada do nível de preços. O impacto inflacionário pode ser visto a partir de duas
óticas. De um lado temos a análise canônica de Celso Furtado, que encontra as razões da
inflação num desequilíbrio entre a oferta e a procura por bens dentro do país. As políticas
anticíclicas da década de 1930 teriam tido o mérito de “isolar” a economia brasileira dos
expansão da renda. E se antes do conflito a oferta teria sido capaz de suprir a demanda
agregada que se desviara para o mercado interno, com a entrada do Brasil na Segunda
Guerra Mundial, aquilo que era direcionado “para dentro” toma o caminho das
290
Idem, p. 332.
245
elevação dos preços. Por outro lado, a historiografia mais recente, em que está incluso
claro e direcionado. A inflação teria sido, por assim dizer, o resultado de anos de
291
VILLELA & SUZIGAN, p. 426.
246
1942 206,8 79$590
própria estrutura de arrecadação tributária passou por importante ponto de inflexão. Com
dizer que o potencial do Brasil para importar havia diminuído. Ora, uma vez que a
principal fonte de receita do governo federal vinha por meio da arrecadação do imposto
nossas receitas teriam de reduzir. O fato é que passam a ganhar muita importância os
292
Nos seis anos de duração da Guerra, a porcentagem do tributo de importação na receita federal
vai de 32,4% para 12,4%. O imposto de renda amplia sua participação de 9,4% para 27,1%. Cf.
Idem, p. 223.
247
justificativas concretas para a realização de obras públicas cujo fim último era a defesa
novas ferrovias e rodovias de importância claramente militar. Não é por acaso, portanto,
que nos anos da Segunda Guerra Mundial, a participação dos gastos do governo na dívida
pública chegam ao patamar de 19,0%, enquanto nos anos de 1930, ela não havia
realizado ficou abaixo do saldo previsto, assim como a despesa realizada ficou acima da
comprometida pelos acordos comerciais bilaterais com os EUA e com a Inglaterra. Com
minerais, borracha, babaçu, algodão, mamona, cacau e arroz. Mas o que mais impressiona
parcela no mercado mundial. Veja como cresce a produção de algodão para a indústria de
248
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947
Tecido de algodão
A expansão da produção reflete-se num aumento das taxas de lucro dos empresários do
importantíssimo pontuar a falta de ética comercial por parte de nossos empresários. Isso
justamente porque a maioria dos tecidos enviados para o exterior (especialmente para a
no comércio internacional.
arcar com seus compromissos impactou inclusive no quadro das importações de bens de
293
É fundamental pontuar que o aumento da produção têxtil no Brasil reflete uma mudança no
comportamento demográfico, com uma ampliação da urbanização no período de modernização
da economia nacional no decênio de 1930.
249
capital e de outros insumos. Não que o Brasil não tenha ampliado sua capacidade para
importar. Pelo contrário: com a elevação de nossas exportações, ela aumentou, apesar da
queda média de 20% das nossas compras. Na realidade, o que houve foi a venda, por parte
Era uma espécie de retaliação, a qual acabou trazendo consequências indesejáveis para o
250
XXXIII
brasileira, assim como em seu invólucro político, os rumos da política econômica ganham
novos contornos com a queda de Getúlio Vargas e a chegada do General Eurico Gaspar
Dutra à chefia do poder executivo federal. No debate público, duas vertentes mais amplas
Eugênio Gudin (1886 – 1986). A rival, fundamentada numa visão próxima da linha
causa por trás da ineficiência e da baixa produtividade da indústria nacional, cada vez
mais afastada do investimento direto estrangeiro na medida em que o Estado assumia uma
posição mais e mais intervencionista desde o golpe do Estado Novo em 1937. Estes, por
Quando a guerra chegava ao fim veio à tona no Brasil um intenso debate sobre
251
neoliberais (Eugênio Gudin, Octavio Gouveia de Bulhões, Valentim Bouças),
que tinham alguma conexão com companhias estrangeiras ou uma visão mais
Simonsen e Euvaldo Lodi [...] tornaram público seu projeto econômico para
Gudin.
294
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 279.
252
empresariado nacional, o qual não teria condições de consolidar um parque inteiro por
conta própria. No que concernia às relações bilaterais Brasil – EUA, Simonsen admitia
um financiamento externo que viesse do próprio governo norte – americano, e não por
garantir, segundo Simonsen, a sobrevivência das indústrias locais frente àquelas dos
que Dutra esteve na presidência. Isso porque o desenho de qualquer planejamento, quando
estudamos com um pouco mais de seriedade a história econômica brasileira, não é feito
O aspecto mais importante que merece de nós um olhar mais atento é o quadro
inflacionário que seguia escalando após o fim da Segunda Guerra Mundial. O conflito
295
BASTOS, Pedro Paulo Z. O presidente desiludido: pêndulo de política econômica no governo
Dutra. História Econômica & História de Empresas, v. 7, n. 1, 2004, p. 107.
296
Idem, p. 108.
253
mundial alterou drasticamente a relação que se havia estabelecido no país entre a demanda
interna por bens de consumo e sua oferta doméstica. Essa, se antes conseguia abastecer
bem a procura (ampliada robustamente por conta das políticas expansionistas vigentes
internacionais que se coloca na base de uma defasagem entre a oferta real e a procura
É exatamente sobre esse fundo inflacionário que o governo Dutra propõe uma
nova política cambial e de comércio exterior por conseguinte. Não bastava, para conter a
inflação, estabilizar o câmbio. Era necessário sua estabilidade a níveis mais valorizados.
Passava a ser institucionalizado o mercado livre de câmbio, de modo que a taxa oficial
capital, assim como para atrair uma soma maior de investimentos estrangeiros. Em suma,
297
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1995, p. 210-213.
254
buscava-se corrigir o desequilíbrio interno entre a procura monetária e a oferta real da
O que essa política econômica não considerou ou não conseguiu controlar foi o
que se passou no Brasil foi um déficit em moedas fortes conversíveis, ao passo que havia
bloqueadas pela autoridade monetária. Com o déficit veio a queda brusca das reservas
Cr$18,50 por dólar, 30% das cambiais deveriam ser repassadas ao BB, de modo que os
70% restantes poderiam ser negociados no mercado livre, mas de acordo com uma tabela
política restritiva, claramente sendo seguida de acordo com uma linha mais ortodoxa que
livremente; dentre aqueles que entravam nas regras do licenciamento, os prioritários eram
de consumo duráveis, que eram colocados em longa lista de espera para então serem
importados.
Uma vez que o combate à inflação foi considerado pelo Governo Dutra como a
principal tarefa de seu mandato, a política cambial não poderia ser vista como suficiente
por si só para frear o aumento no nível de preços. A ortodoxia como linha de política
econômica também tomou conta dos lados fiscal e monetário. Tanto o investimento
255
forma tanto a conter o déficit governamental como a eliminar o efeito monetário sobre a
inflação. A liberação de crédito por parte do Banco do Brasil, por exemplo, seguiu as
orientações ministeriais, sofrendo uma contração real de 2,0%. De fato, a inflação sentiu
os efeitos da ortodoxia na medida em que o nível geral de preços reduziu-se para 9,0%.
O resultado paralelo a isso, porém, foi uma diminuição do fôlego da atividade econômica
mesmo período.
“retorno” da inflação e do déficit público. Isso porque o nível geral de preços aumentou
gráfico abaixo:298
298
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2000
(IBGE/SCN 2000 Anual).
256
25
20
15
10
0
1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951
Taxa de inflação (Medida pelo deflator implícito do PIB)
crescimento, da adoção de uma política econômica mais flexível. Nesse sentido, dois
fatores podem ser elencados: a) a proximidade das eleições, em que Dutra pensava na
vitória de seu sucessor, fazia com que as políticas de desenvolvimento servissem também
como propaganda política (nenhum governante pode pensar em se eleger com o seguinte
discurso: “reduzi a inflação por um ou dois anos, mas a economia já não cresce mais
exigência maior de crédito por parte do empresariado, interessado em importar cada vez
Em suma, a economia brasileira ao final dos anos Dutra pode ser caracterizada da
de meio circulante.
257
O último elemento marcante do Governo Dutra é o Plano SALTE. Este, ao
contrário do que uma leitura apressada pode apontar, não se tratava de um plano global
na medida em que não incorporava o papel que o setor privado poderia ter nos projetos
desafios que a economia brasileira poderia impor às autoridades. Nesse sentido, o Plano
energia.299 Idealizado para durar no período que vai de 1950 até 1954, o SALTE deveria
Energia Saúde
16% 13%
Alimentação
14%
Transportes
57%
299
Era necessário ampliar e melhorar os serviços de saúde pública e de abastecimento de
gêneros alimentícios. Por outro lado, a expansão do quadro gerador de energia elétrica e a
modernização dos sistemas de transporte intranacional eram tidos como elementos fundamentais
para o desenvolvimento.
300
BAER. Industrialização e desenvolvimento econômico, p. 63.
258
da venda de divisas por parte do Banco do Brasil e também da criação de impostos que
Por falta de recursos, porém, o plano falhou em seus objetivos e durou apenas por
um ano.
259
XXXIV
Eduardo Gomes, uma velha figura da política nacional voltava ao palco depois de uma
posto de presidente do Brasil. Com 49% dos votos válidos, o executivo nacional colocava
Para fins de nosso trabalho, porém, mais relevante que o panorama político que
condução razoavelmente não ortodoxa das diretrizes econômicas, com expansões fiscal e
orçamentário cada vez maior. Para além disso, vale mencionar as estratégias adotadas
Besserman Vianna:
260
protecionista, através das restrições à importação de bens competitivos e
É essa a conjuntura, em linhas gerais, que opera como antecedente imediato à linha de
democrático.
clara entre duas vertentes de planejamento adotadas por Vargas enquanto este foi
presidente do país nos anos de 1950. Nos primeiros anos, para conter a aceleração da
um extenso arcabouço ortodoxo para a condução das políticas fiscal e monetária. Teria
sido essa a fase “Campos Sales” do governo Vargas, em alusão à política de saneamento
monetário encabeçada por Joaquim Murtinho a partir de 1898 para conter a crise
Ruy Barbosa no início da década de 1890. Passado o período da estabilização, era urgente
econômica. Era a fase “Rodrigues Alves”, numa referência ao período que vai de 1902
até 1906 em que o executivo federal pensou com mais carinho na criação de um complexo
de 1950, com Vargas, essa segunda fase de política econômica não foi desenhada sem dar
301
VIANNA, Sérgio Besserman. Política econômica externa e industrialização. In: ABREU, M.
de P. (org.). A ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2.ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014, p. 113.
261
espaço à participação da capital estrangeiro na estratégia de desenvolvimento. É pensando
nessa segunda fase de política econômica que a CMBEU (Comissão Mista Brasil-Estados
governo por duas razões: primeiro, porque o financiamento dos projetos por
executivo federal lança mão de uma velha “aliada” que desde os tempos do Convênio de
Estamos falando obviamente da política cambial. O câmbio, assim como nos anos Dutra,
deveria ser estabilizado a níveis razoavelmente valorizados, num regime fixo. Além disso,
CEXIM.
Coreia. O temor que se seguia ao conflito no Extremo Oriente de que um novo banho de
sangue mundial estaria por vir fez com que as restrições às importações fossem
flexibilizadas. Era uma medida de segurança, dado que, se realmente fosse ocorrer uma
nova Guerra Mundial em proporções ainda maiores, os países com maior envolvimento
poderiam novamente entrar em esforço de guerra, limitando suas vendas para a periferia.
O descontrole sobre o comércio exterior que se seguiu a isso, uma vez que se concretizou
302
Idem, pp. 124 – 125.
262
uma defasagem entre a concessão das licenças e a efetivação das importações (algo não
previsto pelas autoridades da CEXIM), culminou numa crise cambial que motivou o
assim como pelo corte das despesas governamentais, as quais se somariam a uma
desenhada por Vargas ficava clara na medida em que ela era confrontada com a própria
idealizado pelo ministro Horácio Lafer. Por outro lado, o corte nas despesas
já havia sido aprovado ao final do governo de Eurico Gaspar Dutra. Ao mesmo tempo, a
utilização do novo sistema tributário que almejava ampliar a arrecadação federal não seria
Apesar das dificuldades, do ponto de vista fiscal a política econômica foi capaz
de reduzir suas despesas e alcançar um pequeno saldo orçamentário positivo nas contas
públicas. A falta de coordenação no tratamento dos meios de pagamentos, por seu turno,
acabou produzindo efeito contrário àquele desejado pelas autoridades: a inflação não
Rio de Janeiro saltou de 12,1% ao ano em 1951 para 17,3% em 1952. Não obstante, a
303
Ibidem, p. 128.
263
mesma expansão creditícia promovida por Jafet a contragosto de Lafer abriu margem para
do PIB, que tem uma ampliação do crescimento de 4,9% para 7,3%, a participação do
realizados no país. [...] o PIB real cresceu 4,9% e 7,3% em 1951 e 1952,
desse mesmo ano eclode uma greve geral de 300 mil trabalhadores que colocava em risco
como de uma maior distribuição de renda, começavam a inverter-se e isso trouxe grandes
uma reforma ministerial: Horácio Lafer deixa a pasta da Fazenda, que é assumida pelo
velho conhecido Oswaldo Aranha. Este, por sua vez, comprometia-se com o objetivo da
ortodoxias fiscal e monetária, num aceno à oposição encabeçada pela UDN, ao mesmo
304
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. cit., p. 130.
305
Idem, p.137.
264
tempo em que deixava um novo líder do movimento trabalhista no comando da pasta do
Getúlio [...] desejava estar preparado para seguir mais à direita ou mais à
sucessão presidencial.306
estrito de importações por parte da CEXIM foi substituído pelos leilões de câmbio. Eram
trigo, o câmbio determinado era o da taxa oficial apenas. Algumas compras, porém, eram
realizadas olhando para o câmbio oficial somado a uma sobretaxa fixa: era o caso de
importações realizadas pelo governo, pelas autarquias ou até mesmo por sociedades
mistas. As demais importações, por outro lado, estavam sujeitas aos leilões de cambiais.
alcançar taxas mais altas no leilão, ou seja, com um câmbio mais desvalorizado, o que
306
Ibidem, p. 137.
265
recursos. De qualquer modo, em todas as categorias inclusas na instrução deveriam incidir
Veja que o saldo “Ex. – Im.” no período de janeiro a setembro era de US$ 55 milhões,
desestímulo à demanda nacional por bens estrangeiros. Ao mesmo tempo, permitiu uma
ampliação vertiginosa em meados de 1953 das vendas de café para o exterior, por mais
que este tenha sofrido uma ligeira queda no fim deste ano e no início de 1954.307 No
307
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. Cit., p. 146.
266
Carne bovina
congelada
Borracha Açúcar
0.04%
0.13% 1.69% Erva-mate
0.55% Couros e
peles
Fumo 1.10% Algodão
1.24% 7.66%
Cacau
5.66%
Café
81.93%
internamente como uma alavanca para o aumento no nível de preços. Este, por outro lado,
pautar o segundo Governo Vargas pela oposição entre os interesses dos protoneoliberais
267
grupo na passagem para a segunda fase do governo democrático, assumindo a partir de
esses interesses aparentemente distintos teria sido a tônica de todo o segundo governo de
Getúlio Vargas. Isso porque a aparente ambiguidade era fruto de uma estratégia
preconcebida de conciliação entre esses polos da burguesia brasileira: uma mais alinhada
político maior, tanto com ideias quanto com organizações, que marcará
Essa posição dúbia, porém não ingênua e/ou fortuita, do segundo mandato de
308
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares de. O segundo governo Vargas, 1951-1954: democracia,
partidos e crise política. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1992, p. 148.
268
próprio Ministério da Fazenda, que tinha boa influência nos “corredores liberais” do
política, era tido como certo que o caminho a ser trilhado deveria ser o da conciliação de
momento em que os choques não puderam ser amortecidos que a crise ganha contornos
oposição que Vargas passa a fazer ao capital estrangeiro, assumindo em definitivo uma
imperialismo. Vianna, por outro lado, recusa essa tese ao afirmar que o fim da CMBEU
Latina. Com a eleição de D. Eisenhower, os EUA preferem estreitar suas relações com a
Assim, se antes uma boa relação comercial com o Brasil era vista com bons olhos, ela
ser a tônica, o Banco Mundial encontrou maior espaço para exercer suas diretrizes de
centralização também pesou contra a continuidade da CMBEU, mais do que uma suposta
demonstração de força nacionalista por parte de Vargas. Em suma, Vianna nos afirma:
309
Idem, pp. 149 – 150.
269
É conveniente, em primeiro lugar, afastar a versão corrente na historiografia
que atribui a uma suposta “virada nacionalista” [...] um papel decisivo nos
310
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. cit., pp. 130 – 132.
270
271
BIBLIOGRAFIA
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