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Departamento de Economia
São Paulo
2019
SUMÁRIO
* PREFÁCIO
PRIMEIRA PARTE
XI. Mineração I
XII. Mineração II
SEGUNDA PARTE
** Bibliografia básica
PRIMEIRA PARTE
PREFÁCIO
O presente trabalho nada mais é do que uma breve síntese do processo histórico
José Flávio Motta e pela Professora Luciana Suarez Lopes, trata-se de um pequeno
tornar público este texto é justamente, e apenas, a de ajudar a todos os futuros alunos
desse objetivo.
disciplina, inclusive os com pouco interesse nos temas de História Econômica e História
dos possíveis leitores passasse a ter gosto por essas áreas magníficas das ditas
humanidades, passando então a estuda-las com mais afinco. Todo bom economista
da Econometria. Não apenas conhecer, como também saber como os operar na vida
prática com muita precisão. Caso contrário, o economista estará perdido. Ele, contudo,
será tosco se não desenvolver o mínimo interesse pelo estudo da dinâmica histórica que
está por trás da construção da economia moderna, sobre a qual o economista realiza
dos campos científicos mais brilhantes, exatamente por ter como estruturas basilares a
7
Com relação à estrutura desse compêndio, cada capítulo corresponde a uma aula
ministrada pelos docentes. Algumas aulas, infelizmente, não foram sintetizadas. Não
G.G.M.
8
I
Caio Prado Jr. (1907-1990) pode sem quaisquer ressentimentos ser colocado na
sendo, por assim dizer, até hoje uma referência primordial para os estudiosos da
respeito formação econômica e social brasileira ganhou relevância, permitindo que hoje
por qual razão o autor nos remete aos três primeiros séculos de nossa história, ou seja,
ao período colonial? Justamente pelo fato de que o plano original de Caio Prado Jr. era
Antonio Candido:
9
do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando
superior. São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem
social que eclodiu depois da revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo,
Dos três autores citados, é justamente Prado que possui um enfoque mais forte e
argumento.2
realidade social imediata do Brasil estava pautado nas explicações de cunho étnico-
1
CANDIDO, A. O significado de Raízes do Brasil. In HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do
Brasil. Edição comemorativa 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 235-236.
2
Idem, pp. 237
10
justificativa plausível. É nesse sentido que as teorias raciais, fortalecidas na transição do
século XIX para o XX, apesar de todas as implicações negativas, tornam-se o principal
O que se percebe é que o Brasil dos anos 30, que aos poucos passa a viver
política dos novos estratos sociais, a intensa movimentação cultural (de que
grandes figuras, tais como reis, príncipes, generais, etc.). Ao contrário, Febvre e Bloch
buscavam uma análise histórica que abrisse espaço para a interpretação ao redor dos
3
VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo:
EDUC, 2007, p. 75
11
fatos centrais. Preferiam, inclusive, um diálogo mais fecundo com a antropologia, a
com grande ênfase no estudo das condições de vida material (...). Uma
Não é por acaso que, ao buscar cobrir a vida humana como um todo e não
tempo, o estudo da História passou por uma profunda especialização. “Ai no quadro
das Histórias especiais, ganhou vulto, sobretudo em nossos dias, a Econômica, exigida
partir de Caio Prado Jr. Mas, desde o século XVI, é possível reconhecer obras que
João Lúcio de Azevedo, que, em 1928, publica Épocas de Portugal econômico: esboços
Simonsen, Celso Furtado e o próprio Caio Prado Jr. De acordo com Normano:
borracha, café – cada um desses produtos tem seu lugar na história do país e
A primeira obra que de fato pode ser considerada como de História Econômica é
aspecto totalizante da economia nacional no período colonial, aquilo que norteia todo o
processo. Na visão de muitos autores mais recentes, tais como Maria Yedda Linhares, a
Essa lacuna será preenchida justamente por Caio Prado em seu Formação do
quem, por enxergar o processo econômico globalmente, vai mostrar um quadro que não
se altera apesar das distintas atividades econômicas ao longo da colonização, que possui
5
NORMANO, John F. Evolução econômica do Brasil. 2.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1945, p. 23
13
“uma forma homogênea e única”, como diria Alice Canabrava. Foi esse mesmo autor
uma estrutura fundamentalmente exportadora nos trópicos. Em suma, foi Caio Prado Jr.
quem percebeu que os ciclos econômicos são manifestações distintas de uma realidade
trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que
a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
marcante na obra de Prado, outros aspectos que nortearam sua obra deram a seus
Prado explica:
6
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense.
14
tradicional’, que compreenderia genericamente todas as formas econômico-
por si e em si; e sim apenas em contraste com o que vem depois dela (...).7
compreender o Brasil como um todo, numa visão global e que teve como grandes
representantes, além de Caio Prado: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso
teoria e a práxis política: a história não poderia se resumir à academia, antes ela deveria
brasileira com vias a estimular a luta política. As descobertas históricas estavam longe
de servir apenas para verificação, mas sim para abrir caminho para movimentos de
II
O sentido da colonização
7
PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1972, p. 25
15
O início dessa que é uma das maiores obras de Caio Prado Jr. trata
às demandas do mercado europeu, que ganhava cada vez mais força. Assim, a
colonização nos trópicos teve, desde o introito, o aspecto de uma vasta empresa. É
estabilidade e a organicidade na colônia 9, tal fator nunca foi capaz de eliminar aquilo
metrópole, tais como o açúcar, o tabaco, os minérios preciosos, o café, etc. Eis a
Como já foi visto, Caio Prado Jr. teve, em toda sua trajetória política e
8
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011,
pp. 28-29.
9
É o que quis dizer Gilberto Freyre ao afirmar que, na experiência colonizadora, formou-se
“uma sociedade com característicos nacionais e qualidades de permanência” (FREYRE, p.
16).
16
um olhar atento para as estruturas socioeconômicas que moldaram a tessitura social
brasileira. Essa “preocupação pradiana” fez com que o autor analisasse com demasiada
anacrônicos, mas que estavam, no momento em que Prado escreve Formação do Brasil
nacional um caráter conservador, uma vez que as mudanças, ao longo de quatro séculos
até a publicação da obra, não foram capazes de romper esses obstáculos impostos pelo
É nesse sentido que é possível notar a ligação da obra pradiana com a práxis
política do autor (outro fruto de sua ligação profunda com o marxismo), na medida em
que Caio Prado escreve seus principais textos sempre como instrumento, ou melhor,
economia e no corpo social e que, na visão do autor, são as únicas capazes de varrer
assim, toda essa análise foi construída “com certa obsessão. Nesse sentido, a projeção
que [o autor] faz para o Brasil não é nada animadora” (AMARAL LAPA, 1999, p.
263).
utiliza de um recorte temporal preciso: a primeira metade do século XIX. A escolha não
10
PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1972, p. 91-92
17
é inocente e, muito menos, fortuita. Na realidade, é nesse momento em que temos a
expressão plena e mais clara de todos os elementos da colonização, quando essa etapa
de seu caráter conservador, como observamos acima. A partir dos primeiros cinquenta
anos dos “oitocentos”, portanto, é que Prado se dispõe a “olhar para trás” e entender o
e mão-de-obra. Todas elas, no entanto, acabam ofuscando, de acordo com Caio Prado, o
numa profundidade de análise um pouco maior, o autor poderá, por sua vez,
colônia” (PRADO, 2011). Por outro lado, a nossa colonização, com seu sentido e
inclusive com seus “incidentes” secundários, faz parte de um todo maior, inserindo-se
aos incidentes fenomênicos, Prado nos leva à conclusão de que o caráter desse momento
histórico da formação brasileira não poderia ser diferente do que foi, ou seja, que a
nova ordem econômica do mundo que se inaugura (...)” (PRADO, 2011, p. 124).
18
Quanto às condições naturais e físicas da colônia, as descrições de Gilberto
sociedade. Se é certo que nos países de clima quente o homem pode viver
lado, não esquecer que igualmente exuberantes são, nesses países, as formas
Além das condições físicas mostradas acima, Caio Prado analisa também o estilo
adversidades naturais, o português que chegava aos trópicos, marcado por sua origem
nobre e fidalga em Portugal, não se predispôs a uma vida de trabalhador, vivendo para a
11
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. 51ª ed. rev. São Paulo: Global, 2005, p. 78
19
assim que, de início, são grandes áreas de terras que se concedem no Brasil
aos colonos. (...) Nenhum daqueles colonos (...) aceitaria outra coisa12.
porções de terra que foram distribuídas (sob o nome de “sesmarias”) aos colonos
vemos que o trabalho compulsório de africanos escravizados era mais que bem-vindo.
dessa etapa de nossa formação econômica e social, que caracteriza a chamada “linha-
mestra” reside na grande propriedade, sustentada pelo trabalho escravo, comandada pelo
empresário português e que existe como uma inserção, um elo na lógica mercantil do
12
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 124
13
Idem, p. 126-127
20
fornecedor de gêneros tropicais, altamente lucrativos para a metrópole, na divisão
Caio Prado, foi um modelo eleito dentre outros possíveis. Como já foi visto, foi uma
consequência natural e imposta pelas condições internas e externas que moldaram nossa
O autor não se limita a analisar somente a grande produção agrária, por mais que
ela seja o núcleo básico de nossa evolução econômica e social. Para ele, outras duas
convenha nesta floresta suficiente para todos que forma uma propriedade
14
Prado utiliza esses termos tomando como base o trabalho de Leroy-Beaulieu, que consagrou a
dicotomia “povoamento-exploração” em sua obra De la colonisation chez les peuples modernes.
21
fundiário como o fazendeiro e o minerador, mas que dirige e explora, como
estes, uma numerosa mão-de-obra que trabalha para ele e sob suas ordens15.
do trabalho (algo que já havíamos notado), Prado percebe uma intensa concentração da
riqueza nas mãos dos colonos dirigentes e, intimamente relacionado a isso, um imenso
vácuo social (em termos qualitativos) numa estratificação marcada por dois polos da
encontra aquilo que ele chama de “formas inorgânicas da vida social”, marcadas pela
população que não estava nas pontas, pela extrema degradação moral, pela inutilidade e
299-301). É necessário pontuar que toda essa descrição pradiana bruta e com deslizes
preconceituosos, por mais que o autor norteie sua obra pela práxis política de viés
revolucionário, pode gerar efeitos colaterais indesejados. Nas palavras de Iraci del Nero:
elites dominantes e abrir as portas para teses simplistas como a que reduziu
na colônia. Mas, Caio Prado secundariza sua importância, colocando esse setor da
economia como “de pouca monta, será subsidiário e destinado unicamente a amparar
15
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 117-118.
16
DEL NERO DA COSTA, Iraci. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior
(parte I). São Paulo: Informações fipe, fevereiro de 2007, p. 26.
22
e tornar possível a realização daquele fim essencial” (PRADO, 2011, p. 123). É certo
paradigma pradiano, porém, contestam essa afirmação pouco flexível de Caio Prado,
17
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p. 130.
18
É o que nos diz José Roberto do Amaral Lapa: “quanto à existência ou não de um mercado
interno no Brasil, dentro do sistema colonial, bem como ainda chamamos de comércio
intercolonial, (...) para nós, ambos esses mercados conseguem em diferentes conjunturas e
regiões da colônia apresentar um certo grau de autonomia e dinâmica, capaz de conferir-lhes
um desempenho que não está necessariamente atrelado à grande lavoura de exportação.” (DO
AMARAL LAPA, José Roberto. Caio Prado: Formação do Brasil contemporâneo. In: MOTA,
L. D. (Org). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. 2. ed. São Paulo: Editora SENAC,
1999, p. 265).
23
III
Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial, parte de seu livro intitulado Portugal e
24
A interpretação de Novais, segundo o próprio autor, guarda proximidade com o
Caio Prado Jr., não a nega, mas procura aprofundá-la e alargar seu campo de visão. Ele
que trata Caio Prado Jr.: a questão é saber se não seria preciso a
capitalista.19
sua vez, pretende alargar a análise e entender o papel das colônias na formação do
capitalismo moderno.
implicitamente o “sentido profundo da colonização”. Caio Prado não deixa de frisar que
marcada pelo estabelecimento de novas rotas, fenômeno este que transformou o quadro
para a proposta de Novais, que, por sua vez, busca aprofundar o conceito. Assim, o
XVIII, defensor das práticas mercantilistas: “as colônias devem (...) dar à metrópole
um maior mercado para seus produtos; (...) ocupação a seus manufatureiros, artesãos
e marinheiros; (...) fornecer-lhe uma maior quantidade dos artigos de que precisa”
(Apud. NOVAIS, 1990, p. 16). De fato, a colônia acabou servindo como um dos
extraordinários. Percebe-se, assim, com o que foi exposto, que a colonização nos
trópicos, para Novais, não poderia ter tido outro direcionamento além daquele marcado
20
Alguns historiadores, tais como o sueco E. Hecksher, entendem sim o mercantilismo como
um corpo teórico bem sedimentado, apesar de não ser tão harmônico como outras escolas
econômicas (clássica, neoclássica, marxista, keynesiana, etc.). O próprio Novais admite: “ É
importante destacar, desde já, e a partir dessa formulação básica, que a doutrina mercantilista
tem o imediato objetivo de formular normas de política econômica, parte dessa problemática e
só para justificar o seu receituário é que se alça à formulação duma teoria explicativa da vida
econômica como tal. Não parte de conceitos puros e de uma sistemática explicação da
economia para deduzir normas de intervenção nesta realidade, senão percorrer quase o
caminho inverso; paralelamente, as preocupações de seus doutrinadores não ultrapassam as
fronteiras de suas respectivas nações” (NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo
sistema colonial. São Paulo, 1990, p. 6)
26
trabalho escravo (do qual trataremos adiante com mais detalhe), permitindo, dessa
Ancien Régime, ou seja, as articulações do novo mundo com a formação dos Estados
produção.22
pautado, como Marx explicitou brilhantemente nos primeiros capítulos de sua Magnum
21
Percebe-se que, embora o autor entenda que Prado tenha ficado “no meio do caminho”, é
impossível não notar aproximações e conexões muito profundas entre as análises históricas de
ambos, principalmente no que tange à essência da exploração colonial no trópico.
22
NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São Paulo, 1990, pp.
31-32)
27
mercadorias: D – M – Processo produtivo, uso de força do trabalho – M’ – D’, com
D’>D) ainda não era viável em larga escala, permitindo que o capitalismo amadurecesse
e “andasse com as próprias pernas”, fazendo-se uso, com isso, de “pontos de apoio fora
do sistema, induzindo a uma acumulação que, por se gerar fora do sistema, Marx
metrópoles.
gêneros apenas para sua metrópole, a qual, por sua vez, seria a única permitida a vender
permitindo uma manipulação dos preços que deprimia absurdamente a cotação dos
gêneros e inflava o valor dos manufaturados. O resultado não poderia ser outro além da
É bem verdade que o regime do exclusivo não era de uma rigidez impenetrável.
dificuldade financeira, como no caso português após a Restauração de 1640 23), de roubo
A escravidão, por sua vez, era a forma de trabalho par excellence para sustentar
escravismo.
capitalismo, o qual ganhava força justamente pelo desatamento dos laços servis de
produção e pela dupla libertação do trabalhador (livre do jugo do senhor feudal, livre
dos meios de produção que utilizava para sua subsistência), fosse necessário e plausível
da força de trabalho, após a remuneração dos fatores de produção, ocorre nova inversão
em escala ampliada. O fluxo do capital, sua rotação, é muito mais rápida e dinâmica, ao
assim como um pagamento prévio por ela (a compra do escravizado), emperra o fluxo e
29
inclusive o ajuste da mão-de-obra (consequentemente da produção) às flutuações de
demanda no mercado (não se pode dispensar algo que é sua propriedade, no caso o
delírio dos dirigentes econômicos. Foi, na verdade, uma imposição das especificidades
conjunturais das colônias, nas suas articulações históricas com a transição para o
capitalismo industrial, este, no seu apogeu em pleno século XIX, “se virou e destruiu a
(WILLIAMS, 2012).
africana nas colônias é o novo setor comercial que se impulsiona por meio dela: o
25
Cf. Eric Williams – Capitalism & Slavery, 2ª ed, N. York, 1961, pp. 3-7.
30
especificamente, não surgia da produção de gêneros com mão-de-obra escrava, nem
paradoxal, mas, para Novais, “é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a
IV
26
Capítulo elaborado para a obra Inteligência brasileira, organizada por Reginaldo Moraes,
Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante. São Paulo: Brasiliense, 1986.
31
Antes de mais nada, é primordial ressaltar como Furtado, com brilhantismo, foi
capaz de unir tanto sua formulação econômica teórica com sua práxis política. Nas
(...) uma rara figura intelectual e homem de ação. Essas duas qualidades
poucas vezes vêm juntas, e no Brasil infelizmente essa coincidência é ainda
essa chance; de outro lado, a maioria dos homens públicos brasileiros não
falta de caráter27.
concretizar suas formulações teóricas, ou pelo menos se esforçar para tal, nas políticas
maior atenção.
surpreendente, tomando como base o exposto, que Furtado venha a pensar reformas que
27
OLIVEIRA, Francisco de. Celso Furtado e o pensamento econômico brasileiro. In:
Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 47.
32
acabem por ser igualmente distintas daquelas que vigoraram no centro do sistema. Esse
“Furtado é mais aberto, alargando o campo de reflexão para além dos limites em que o
contemporâneo de ambos. Seu “discípulo” (assim diria Francisco de Oliveira), por sua
Ciências Sociais até meados da década de 1930. O ponto de contato entre Furtado e
surge na medida em que todos eles constroem uma interpretação a respeito do Estado
33
Não se está dizendo, reitere-se, que há filiações entre Furtado e os
que o contrário28.
palavras de A. Candido, ou seja, não teria Furtado também buscado apoio em Freyre,
Hollanda e Prado? Oliveira diz que sim. Apesar das obras dos três já terem sido
publicadas muito antes da magnum opus de Furtado e, além disso, deles tratarem de
Brasil), Oliveira mostra que “Furtado não dialoga com os ‘novos clássicos’ da
2003, p. 60).
teve influência marcante na produção intelectual de Celso Furtado. A mesma afirma que
Em síntese, o que se quer lembrar é que Celso Furtado, antes de ser um dos
28
OLIVEIRA, Francisco de. Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o pensamento
autoritário brasileiro. In: A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo:
Boitempo, 2003, p. 82.
34
dimensão essencial para o entendimento das razões do vigor explicativo e a
dois fatores: “a força do moderno pensamento social brasileiro, nascido com os ares de
Chegamos a ficar em dúvida, porém, se de fato há uma influência tão forte dessa
tríade, principalmente de Caio Prado Jr., na obra de Furtado. Isso porque não há, no seu
Tamás Szmrecsányi acaba por esclarecer nossa dúvida, afirmando que “o trabalho não
não elimina o fato de que Celso Furtado se baseia extensamente nas análises da “tríade”
dos anos de 1930 para compor a sua própria formulação teórica. Toda a análise de nossa
de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) e de Caio Prado Jr. (Formação do Brasil
Prado Jr. para formular toda sua produção intelectual a respeito do desenvolvimento (e
têm distinções. Prado, como sabemos, era filiado, desde o início de sua vida acadêmica,
à corrente teórica marxista. Propunha, com isso, a partir de sua formulação consistente a
VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo:
29
atraso econômico e social. Havia, portanto, para Prado, uma relação intrínseca entre o
formar” (OLIVEIRA, 2003). Furtado, por sua vez, ignora essa vinculação tão forte
categoricamente que reformas “são necessárias para manter uma sociedade aberta e
dominantes do Brasil. É nesse ponto que, retornando ao que foi dito no segundo
parágrafo, ele conseguiu a amálgama entre formulação teórica e práxis política, o que
(OLIVEIRA, 2003).
Celso Furtado seja visto, até hoje, como um dos maiores economistas do Brasil. É, ao
mesmo tempo, fraqueza justamente porque o mesmo, junto com a CEPAL, acabou
36
classes sociais (o que configura uma lacuna teórica), submetendo os oprimidos aos
interesses “emancipacionistas” das elites, justificando essa prática com o uso do termo
conseguiu se colocar como uma “terceira via” entre a teoria econômica neoclássica e o
Lênin, Luxemburgo, Trotsky, entre outros). Aquela é marcada pela ausência de uma
ponto numa curva linear da história, avançando de forma igualmente linear até o limite
entre o capitalismo e a revolução (como se a história fosse uma função de primeiro grau
37
V
30
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985.
38
sócio-política lusitana prévia, tentando entender, a partir disso, o quão influente foi essa
Com base nisso, Gorender volta seus olhos para a formação do Estado Nacional
na Europa.
31
Muita importância é dada a fatores geográficos quando se debate a respeito das causas do
pioneirismo expansionista português. É bem verdade que a localização privilegiada (convém
lembrar que Portugal está na saída do Mediterrâneo em direção ao Atlântico) contribuiu para a
saída lusitana para os oceanos. Convém lembrar, entretanto, que a expansão se deu num ponto
determinado do movimento histórico e não em qualquer outro. Assim, outros fatores foram
ainda mais essenciais para efetivar a expansão. Aí reside o esforço de Gorender em estudar a
formação do Estado Português.
39
que não possuíam grande pecúlio ou que se viam arredados dos títulos
Parentes dos condes e duques borgonheses, ambos partiram à Península Ibérica na busca
portucalense, liderada por Afonso Henriques, sobre a casa leonina (chefiada por sua
século XIII, inicia uma política régia cujo objetivo primordial era a concentração e o
fortalecimento do poder real. É claro que o efeito mais imediato dessa diretriz – um
partir daí entre a nobreza e a Corte pode ser ilustrada pelas políticas de Afonso II
títulos (bens, privilégios e jurisdições) dos senhores feudais e até mesmo eclesiásticos
monarquia na qual o rei era soberano nas suas decisões e na sua atuação.
concentração de poder por parte da Coroa. É claro que esse processo não
foi simples nem linear. Mas estava dado o mote que seria, desde muito cedo,
32
RAMOS, Rui. História de Portugal. 6.Ed [1.Ed., nov. 2009]. Lisboa: A Esfera dos Livros,
2010, p. 23.
40
consolidava-se concentrando poder, procurando limitar e sobrepor-se aos
poderes concorrentes.33
do Estado português. Afinal, Portugal, no início de sua história, era feudal? A resposta
estamos tratando:
É latente que Gorender, para chegar a essa conclusão, fia-se nas definições de
Pautado pela análise de cunho jurídico (exatamente oposta à de Gorender, como vimos),
Faoro, partindo da inexistência da gleba rural típica, não encontrando, com isso, o título
33
Idem, p. 57.
34
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 105-106
41
que empoderava o senhor feudal, conclui pela ausência das relações clássicas de
da Europa no mesmo período. Faoro, com isso, conclui que Portugal se constituía,
pela burguesia, a qual, por sua vez, já não possuía quaisquer laços com a nobreza
feudal, interessada não na posse e nos privilégios enraizados no nascimento, mas sim
nos ganhos comerciais, resultantes da diferença entre preço de compra e preço de venda.
Gorender, por outro lado, entende a formação da Dinastia de Avis como uma
“revolução nacional”. Isso porque o autor não enxerga uma mudança na estrutura de
35
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro (Edição
comemorativa 50 anos). 4.ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 38
42
classes da sociedade portuguesa. A burguesia típica não alcançava o trono e suplantava
o então setor dominante, como foi o caso das revoluções Puritana e Francesa de 1640 e
a nobreza um caráter cada vez mais aburguesado: é o reflexo de uma classe mercantil
que, embora fora do comando social, galgava alianças com a Coroa na pretensão de
insurgente servirá, para Gorender, como a base da expansão ultramarina lusitana. É ela
que irá funcionar, como havíamos dito no início de nossa explanação, como vetor do
sólido.
nobreza auferir maior renda; ampliou as unidades de pesca sob posse tanto de nobres
acabou sendo minimizado pelas conquistas de Ceuta, das ilhas africanas na costa oeste,
assim como pelo descobrimento do Brasil. Nas palavras de Arno e Maria José Wehling:
43
consumo(...). A tudo isso, acrescente-se o espírito de Cruzada,
pelo apoio do Papado, que em pelo menos duas bulas, a Sane Charissimus,
status de Cruzada.36
hegemônicos, fortalecia cada vez mais a burguesia comercial que, embora aliada a boa
parte das políticas de Estado implantadas pela família real portuguesa, ganhava cada vez
mais estímulos para consolidar não só o poder econômico, mas também o político. Essa
solucionada pela violenta intervenção régia, que chegou ao ponto de permitir a entrada
caráter classista dessa medida, imposta por D. João III, é um exemplo do fortalecimento
aberto e mais amplo do modo de produção tipicamente capitalista, essencial para que
36
WEHLING, Arno & José Maria. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994, p. 37.
44
econômica, por outro lado, ele assegura, no interior do país, a persistência
burguês.37
indústria nacional e de seus ganhos, políticas praticadas em larga escala por Inglaterra e
desenvolvimento industrial muito mais sólido nos séculos XVIII e XIX. Portugal, na
condição de pioneiro, não atentou para esse ponto específico, redobrando esforços
Como sabemos, este entende a experiência colonizadora nos trópicos como a principal
alavanca para a acumulação originária/primitiva de capital. Aquele, por sua vez, entende
que essa proposição apenas faz sentido quando analisamos o impacto da transferência
de renda das colônias para as metrópoles no caso de nações europeias que já haviam
como era o caso da Inglaterra, cuja dissolução das bases materiais feudais já estava
praticamente completa38. Esse não era nem de longe o caso português nos séculos XVII
e XVIII. É assim que o autor conclui que a maneira com que Novais trata o tema baseia-
37
SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. Porto: Ed. Inova, 1969, p. 53-54.
38
É por essa razão que o autor justifica o olhar do historiador britânico Eric Williams, apesar
das ideias deste a respeito da acumulação originária/primitiva de capital terem embasado em
boa parte as conclusões de Novais, “precisamente porque teve em mira a conexão do
colonialismo com a formação do capitalismo na Inglaterra” (GORENDER, 1985, p. 114.).
45
se numa “ideia simplista em cuja refutação coincidiram Marx e Weber, apesar de
VI
Este capítulo tratará, com base nas explanações do inglês C. R. Boxer 39, do
servidão, com extração de renda feudal (que chegou a consumir cerca de 70% do
produto português), mas fora dos limites da gleba senhorial, uma vez que ela era
Watkins nos fornece um panorama interessante sobre esse quadro de tensão política:
marco inicial do processo de expansão ultramarina. O território era uma zona comercial
transportavam especiarias africanas como tecidos, pescados, mel e cera. Era uma área
inclusive de criação de cavalos e cabras, além da produção de cereais. Uma das razões
dos rendimentos feudais às casas nobiliárquicas. Cabe ressaltar que a ação também foi
Estado, o que permitiria a própria sobrevivência da Dinastia de Avis (o que acaba nos
dando uma pista sobre o caráter essencialmente estatal do empreendimento 42). Nas
palavras de Rui Ramos, a “ida para o Norte de África era assimilável a uma natural
das cargas transportadas pelas caravanas. A produção de trigo era insuficiente, exigindo
a constante importação do cereal. Vale dizer também que Portugal não conseguiu
alcançar o ouro africano a partir de sua posição em Ceuta. Após completar o saque da
(...) à Coroa portuguesa. Isolada das terras à sua volta, praticamente já não
costa oeste africana. O primeiro era de execução mais difícil e arriscada: navegar pelo
Mar Mediterrâneo implicava entrar em conflitos com Egito, Veneza, Gênova e Aragão,
43
PAGE, Martin. Portugal e a revolução global: como um dos menores países do mundo
mudou a nossa história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 123.
48
Marrocos atendia a interesses nobiliárquicos ligados à expansão da territorialidade
pelo litoral africano acabou sendo a principal veia de expansão ultramarina portuguesa:
Na virada para o século XVI, houve o contorno da costa leste africana, permitindo o
muçulmano e italiano das rotas que passavam pelo mediterrâneo). A veia de expansão
chegou até o extremo oriente em Nagasaki. Por toda a extensão, do oeste africano até o
próprios títulos dos monarcas lusitanos nos dão uma pista de como a expansão
44
A primeira feitoria instalada por Portugal na África.
45
COELHO, António Borges. Clérigos, mercadores, “judeus” e fidalgos – Questionar a
história, II. Lisboa: Editorial Caminho, 1994, p. 12. O excerto de António Borges Coelho
inclusive nos dá uma pista da reduzida importância dada ao Brasil por Portugal. Frente aos
enormes ganhos lucrativos dos lusitanos no Oriente, a porção de terra americana, na qual a ação
lusitana se resumia basicamente à extração de pau-brasil, de fato se mostrava muito pouco
atrativa. Essa condição, como veremos, irá se inverter na virada do século XVI para o XVII.
49
Pode-se dizer que a expansão ultramarina em direção ao Oriente esteve sempre
norteada por interesses territoriais e mercantis46. Aquele se mostrou mais presente nas
século XVI) vitalícias para diversos membros da classe senhorial 47. Este, por sua vez,
foi mais fecundo em toda a costa africana do Atlântico-sul e do Índico, assim como no
resistência das frotas mercantes árabe e guzerate ao avanço português, como nos mostra
Boxer:
46
Vale sempre ressaltar que, embora as motivações da nobreza e da burguesia portuguesas na
exploração oceânica possuíssem peculiaridades e distinções, ignorar a mescla e a fusão entre as
duas, insistindo numa suposta exclusividade, incorreria numa narrativa histórica estanque,
compartimentada e, porque não dizer, falsa.
47
O próprio D. Henrique foi donatário, com exceção de São Tomé e Príncipe, até sua morte no
ano de 1460.
48
As principais estavam em Goa (1510), Ormuz (1511) e Málaca (1515).
49
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 59 e 73
50
Mesmo com poucos obstáculos, é engano achar que os portugueses não
rede comercial árabe e muçulmana prévia já bem consolidada há muito mais tempo
exigiu da marinha lusitana uma força capaz de destruí-la para então formar uma nova,
Índia, sem que nenhuma das partes tentasse converter a outra, consolidou o
existência de apenas um porto bem estruturado (que era o de Goa), Boxer é levado a
da Coroa e pela Coroa. Aqueles que não eram portugueses e se interessassem em ofertar
mercadorias eram ou negociadas nos próprios estuários ou levadas para Lisboa, de onde
50
Idem, p. 61.
51
partiam para o Mediterrâneo e o Atlântico. Nota-se inclusive uma dispersão e
território que hoje corresponde ao Rio de Janeiro (chegando a fundar a França Antártica
naquele momento, aos recursos orientais que iam para o mercado. Essa confluência de
fatores fez com que o monarca adotasse uma postura diferente da de seu antecessor,
51
Ibidem, p. 66.
52
VII
52
“A descoberta das terras americanas (...) [d]e início pareceu ser episódio secundário. E na
verdade o foi para os portugueses durante todo um meio século.”: FURTADO, Celso.
Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 50.
53
Fazendo o esforço, porém, de inverter o “mirante” da análise, poderemos
concluir não pela pouca importância do descobrimento, mas exatamente pelo contrário.
diferencial de poder para as tribos nativas, facilmente apareceu como atrativo para os
chefes das famílias, que ofereciam suas filhas aos colonizadores em troca da posse do
Assim passaram a ter um papel que antes não existia na sociedade tupi: o de
Vicente.53
Outra transformação importante se deu com relação aos cativos de guerra, que,
mercadorias pelos genros. Vale dizer que “já na segunda metade do século XVI esses
53
CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e
governos. São Paulo: Estação Brasil, 2017, p. 35
54
entrepostos permanentes comandados pelos genros dos chefes” (CALDEIRA, 2017, p.
35).
Brasil por Pedro Álvares Cabral. É fundamental frisar desde já que a vaga noção de que
o descobrimento foi pura obra do acaso coloca-se como antiquada. Jorge Couto 54 nos
cabralina foi fruto de um projeto de Estado encabeçado por D. Manuel, cujo objetivo era
amparo técnico para as naus que partiam em direção às Índias Orientais para a conquista
de Jerusalém55. A própria condição geográfica, no que concerne aos ventos e aos mares
É necessário, porém, questionar essa relação tão direta entre a viagem de Cabral
econômicos da classe mercantil portuguesa. Com muito menos recursos que o grosso
54
A construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos, do início do povoamento a
finais de Quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1998, p. 182.
55
“O grande projeto de d. Manuel (r. 1495-1521) era, na sua essência, um projeto de cruzada,
visando ao ataque ao Império Mameluco pelo mar Roxo e a recuperação de Jerusalém. O Brasil
não podia representar nele senão o modesto papel de escala técnica para as naus da Índia.”
THOMAZ, Luís Filipe F. R. D. Manuel, a Índia e o Brasil. Rev. de História, USP, n. 161, 2º
semestre de 2009, pp. 13-57.
56
Idem, pp. 13-57.
55
dos comerciantes do norte da Itália, os mercadores lusitanos encontravam consideráveis
barreiras de entrada nos negócios das Índias Orientais. A exploração das terras sul-
comerciantes portugueses.
Percebe-se, com isso, que a rota para o Brasil certamente não foi uma
coincidência ou, como já se pensou por muito tempo, um erro de cálculo da navegação
cabralina. Mesmo assim, convém mostrar que a Historiografia mais recente coloca em
xeque a ideia de que D. Manuel tenha sido o único fator responsável pela descoberta da
nova porção territorial na América. Na realidade, foi uma confluência de fatores, sendo
que um deles, o econômico, era capaz até mesmo de se chocar com a estratégia religiosa
do Venturoso:
É nesse contexto que a passagem do trono português para D. João III, marcada
por uma inflexão na política imperial, ganha importância redobrada quando se quer
discutir a razão de ser da colônia brasileira no século XVI. Vimos anteriormente, por
57
Ibidem, pp. 13-57.
56
desfavoráveis fizeram com que a Coroa voltasse os olhos com mais atenção para as
terras tropicais:
pelo seu antecessor. (...) Optou, sempre que possível, por concentrar
colonização do Brasil.58
“propriedade” portuguesa? Celso Furtado59 nos mostra com clareza que a exploração
escala na Europa. O lucro potencial era muito baixo. Os custos de frete, inclusive,
58
COUTO, Jorge. A construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos, do início do
povoamento a finais de Quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1998, p. 202-203.
59
Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 53
57
descoberta imediata de ouro e prata em largas quantidades pelos espanhóis em suas
portugueses. Uma vez que o ouro foi encontrado no Brasil somente na transição do
século XVII para o XVIII, era necessário garantir até lá a manutenção econômica do
Uma vez que era necessário o trabalho agrícola, cabe a nós compreender as
razões para seu sucesso. Na medida em que nos esforçamos para encontra-lo, é um
empreendimentos açucareiros estabelecidos nas ilhas da costa oeste africana 61. São
Tomé foi o ponto em que houve o maior acúmulo de conhecimentos sobre o trato da
açucareira no Brasil ao longo dos séculos XVI e XVII. A participação holandesa, como
mercados para o açúcar brasileiro no Velho Continente. O que é interessante, por outro
60
FURTADO, Celso. Idem, pp. 52-53.
61
Vale dizer que desde o final do século XV, políticas implementadas por D. Manuel já visavam
o estabelecimento de feitorias açucareiras nos entrepostos da Costa Oeste africana. Celso
Furtado nos indica que, em 1496, a produção máxima chegava a 120 mil arrobas.
58
lado, é ver que os Países Baixos contribuíam inclusive com a inversão de capitais na
ampliando a produtividade.
negreiro, com lucratividade elevadíssima, era um enorme atrativo para o uso dos
escravos na produção açucareira. Por outro lado, é muito curioso como a troca de
escravizado:
selvagem irremediável, ‘sem fé, sem rei, sem lei’. Essa mudança de atitude
escrava).62
62
BOXER, Charles R. O Império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 99-100.
59
população de indígenas, em função da chegada de doenças para as quais eles não tinham
qualquer imunidade.
holandesa e uso cada vez mais intensivo de trabalho escravo) que deu à economia
açucareira um caráter central – deixando de ser uma mera atividade tampão até que se
aqui, cabe entender como ele se transformou em monopólio lusitano até fins do século
XVII. Para isso, podemos olhar para outra potência colonial da época: a Espanha.
americana quase que de imediato63. Pouca atenção, a partir daí, foi dada para atividades
econômicas complementares. As colônias eram cada vez mais sucateadas, uma vez que
o trabalho realizado era puramente extrativo. Não se dava a oportunidade para concorrer
com o açúcar português a partir das Antilhas. Permitiu-se assim, que o trato da cana no
passasse a produzir açúcar nas Antilhas pelos holandeses na segunda metade do século
XVII.
63
O brutal afluxo de metais para a Espanha fez com que o país se tornasse um centro de inflação
crônica, que acabou se espalhando por toda a Europa, induzido a um quadro de déficit na
Balança Comercial, debilitando tanto a metrópole como as colônias americanas.
60
VIII
A Economia Açucareira I
mais lucrativas com suas especiarias e funcionavam como um vetor estratégico para
colonial:
61
Quaisquer que pudessem ter sido os números reais, não há dúvida de que a
o açúcar do Brasil era mais lucrativo para a monarquia ibérica do que toda
p. 101). Essa visão é reforçada quando vemos as necessidades constantes de capital fixo,
grande era seu caráter de “vanguarda”, acabou mesmo servindo como exemplo para a
México, assim como produtores ingleses de Barbados viajavam para o nordeste com o
possessões. Do ponto de vista da organização do trabalho, por outro lado, nota-se com
clareza um movimento regular, bem determinado do início ao fim, com uma disciplina
manufatureira:
64
BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 118-119.
65
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p. 116.
62
(...) o fabrico do açúcar já apresentava características nitidamente
açucareira no Brasil, ele acaba mascarando uma estrutura de trabalho mais profunda e
até mesmo “arcaica” que é o modo de produção escravista, para utilizar o termo do
processo de trabalho numa grande fábrica inglesa do século XIX, que o característico
dos séculos XVI e XVII na Europa” (CASTRO, 1980, p. 92). Esse quadro complexo,
como um eixo para a acumulação primitiva de capital (como nos mostrou Novais,
embora seja questionável acreditar, como fez o autor, que a colonização tenha sido a
principal força motriz para a acumulação primitiva de capital); o cativo, por sua vez,
XIX. A presença, porém, bem clara de um modo de produção escravista fornece a essa
vendia sua força de trabalho em troca de um salário para sua reprodução material,
liberando o patrão de custos fixos com manutenção dos escravos, permitindo inclusive
66
GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983, p. 342
63
que sua produção fosse absorvida pelos produtores, fechando um ciclo de consumo e
No regime social que aqui se instala há dois teclados; os teclados são dois,
produtivo em si. Agosto era o mês em que se fazia o preparo prévio para as safras (que
eram renovados e os bois eram trazidos dos pastos para os engenhos 68. Vale dizer que o
trabalho nos canaviais e nas moendas era praticamente ininterrupto: estas chegavam a
funcionar por até 20 horas diárias, parando somente para poucas horas de limpeza.
Iniciada a safra, o ciclo da cana começava com um trato do solo baseado no uso
dos cativos que possibilitava a introdução do vegetal nas terras de massapé. Uma vez
67
CASTRO, Antonio Barros de. A economia política, o capitalismo e a escravidão. In:
AMARAL LAPA, J. R. do (org.). Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes,
1980, p. 106-107.
68
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 96.
64
deveria ser sucessivo, permitindo um corte sequencial e, com isso, um fluxo constante
A retenção dos engenhos para limpeza e fiscalização, a escassez de cana nos períodos
chuvosos, assim como o descanso nos domingos, dias santos e dias de festa consumia
28% do tempo de trabalho na temporada. Ao longo do período de trabalho, por sua vez,
os engenhos funcionavam com moendas de rolos, com cilindros horizontais, pelo menos
desgaste advindo dos dentes de ferro incrustados na moenda. Fora isso, a prensagem da
três cilindros verticais, permitindo alimentação de cana por um lado e realimentação por
implicava um tamanho menor das moendas. Isso não eliminou a enorme vantagem em
não exigia quantidades tão grandes de animais como força motriz e podia
produto brasileiro era realizado pelas empresas holandesas associadas aos mercadores
dos Países Baixos. Nessa etapa, o trabalho era livre e artesanal, garantindo lucros
transporte a distribuição), o que fez Furtado afirmar que “o negócio do açúcar era na
realidade mais deles que dos portugueses” (FURTADO, 2009, p. 57). A inexistência de
refinarias na colônia, por sua vez, era até mesmo uma imposição metropolitana:
Schwartz, por sua vez, não elimina a existência de uma imposição política
nos mostrou Fraginals. O autor, porém, problematiza a questão ao afirmar que a própria
“açúcar do Brasil”.
70
FRAGINALS, Manuel Moreno. O engenho: complexo socioeconômico açucareiro cubano.
São Paulo: Hucitec / Ed. Da UNESP, 1987, v. I, p. 15
66
IX
Economia Açucareira II
Celso Furtado chegou a uma conclusão pouco animadora a respeito desses montantes:
“não se pode ir além de vagas conjeturas” (FURTADO, 2009, p. 98). O autor, partindo
70.000 eram compostos por negros, índios e mestiços 71. Seguindo em frente, ele
71
Furtado compila esses dados a partir da coleta de Contreiras Rodrigues
67
arrobas, fabricadas em 120 engenhos que contavam, ao todo, com 15.000 escravos
(correspondendo a 75% da mão-de-obra cativa do Brasil naquele período). Uma vez que
a inversão de capital era de 15.000 libras por engenho e de 25 libras por escravo, vemos
que a mão-de-obra era equivalente a cerca de 20% de todo o capital fixo investido por
Portugal na colônia.
Essas estimativas iniciais permitiram a Furtado concluir que, num ano favorável,
a exportação total de açúcar brasileiro estava próxima de 2.500.000 libras, gerando uma
renda bruta de 2.000.000 de libras na colônia. 75% desta era a renda líquida da
conclusão imediata de Celso Furtado é de que “em nenhuma outra época de sua
história – nem mesmo no auge da produção de ouro – o Brasil logrou recuperar esse
nível [de renda per capita]” (FURTADO, 2009, pp. 99-100). Finalmente, ao olhar o
quadro distributivo, o autor estima que 90% desse montante de renda estava direcionado
para senhores de engenho e plantadores de cana, ao passo que os 10% restantes eram
cada dois anos. Aparentemente o ritmo de crescimento foi dessa ordem nas
72
Nos “anos menos favoráveis”, Furtado estima que a renda líquida da economia açucareira era
de cerca de 1.200.000 libras, sendo que 50% dela era alocada em consumo.
73
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 101.
68
É bem verdade, porém, que em certos momentos a capacidade de reinvestimento
e acumulação de capital diminuía. Isso porque uma parcela considerável dos capitais
fixos para outro setor que não os senhores de engenho. Em termos de contabilidade
tema. O historiador francês, coletando dados, referentes ao período de 1622 até 1635, do
Engenho Sergipe do Conde (à época administrado pelo Pe. Pereira), questiona o elevado
sobre o capital, ao longo dos anos em análise, variavam entre 1,2% e 3,4%, estando
muito longe, portanto, daqueles 90% da renda líquida apropriados pelos senhores (os
quais garantiam para si um lucro sobre o capital entre 70% e 80%). Mauro não é o
Econômica do Brasil:
Buescu, por exemplo, fez notar que os cálculos de Celso Furtado sobre o
74
Le Portugal et l’Atlantique au XVII Siécle.
69
que se saiba. Uma análise cuidadosa de algumas fontes contemporâneas
lucros por parte dos senhores de engenho. O período em que o autor analisa Sergipe do
Conde foi marcado por uma profunda queda nos preços do açúcar, depressão essa que
perdurou na Europa mais ou menos até 1633, o que explica em parte uma queda nos
lucros ao longo da década estudada por Mauro. Outro aspecto importante captado pela
diminuía seus lucros reais, numa forma de encobrir acusações a respeito de sua péssima
Mauro acaba indo pelo lado oposto: uma lucratividade muito pequena para uma
produção que era, não obstante o exagero furtadiano, considerável. Como encontrar um
até mesmo 15%, “embora em tempos de prosperidade pudessem ser obtidos retornos
fossem constrangidos por uma grande proporção de custos fixos e vez por
75
JOHNSON, H & SILVA, Maria B. N. da (Coords.). O Império Luso-Brasileiro, 1500-1620
In: SERRÃO, J. & MARQUES, A. H. de O. (dirs.). Nova História da Expansão Portuguesa,
Volume VI. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 273.
70
obrigações, a indústria açucareira baiana como um todo não operou com
10%, excelentes.76
Isso não significa que, no Nordeste brasileiro, houve uma internalização dessa renda,
exatamente o oposto: “não havia (...) nenhuma possibilidade de que o crescimento com
para sua subsistência, dinheiro esse que é gasto no mercado. Pelo contrário, ele acaba
na economia nordestina agravava-se ainda mais pelo fato de que boa parte do consumo
76
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195-196.
71
dos senhores de engenho (maiores apropriadores da renda) era de artigos importados.
fundamentalmente externo.
Estudos posteriores, como o de Francisco Teixeira da Silva 77, revisam, por sua
vez, esse caráter subsidiário do mercado interno brasileiro. É certo que a diretriz
primárias indica que a Coroa acabou mesmo por incentivar uma produção interna de
que hoje corresponde ao Uruguai) com alimentos. Estimulou-se, para esse fim, a vinda
Temos autores que chegam até mesmo a diminuir o caráter hegemônico da economia
açucareira:
Nelas [nas áreas das vilas em que não havia exportação – sécs. XVI, XVII]
especialização numa economia cujo modo de produção é escravista é bem baixo. Isso
77
Conquista e colonização da América portuguesa – o Brasil colônia, 1500/1750. In:
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990,
cap. 1, p. 77.
78
CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e
governos. São Paulo: Estação Brasil, 2017, p. 117.
72
porque “não se pode esperar que os escravos realizem mais do que aquilo que são
método alternativo de trabalho que não fosse a escravidão, a qual, por sua vez, implica
por sua vez, não nega o caráter brutal do trabalho escravo (que seria o fator de maior
descreveram.79
79
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 195-196.
73
X
Países Baixos e a Espanha no período que vai de 1568 até 1648, conhecido como
“Guerra dos Oitenta Anos”. Era a luta pela independência dos Estados liderados pela
Holanda:
Baixos lutaram durante várias décadas, a Guerra dos Oitenta Anos [1568-
1648], com todos os seus recursos, contra o Império habsbúrgico, onde o sol
nunca se punha.80
por ela, no período em que acontece a “Guerra dos Oitenta Anos”, fazer parte da União
Ibérica. Todas as suas colônias, incluindo o Brasil, estiveram, de 1580 a 1640, sob
80
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. A revolução holandesa: origens e projeção oceânica.
São Paulo: Perspectiva, 2014, p. XI.
74
intensa perseguição espanhola ao longo do conflito. Sustentados financeiramente por
Peru, focam seus ataques nas possessões portuguesas. Do ponto de vista econômico, é
certo que o ouro e a prata das colônias espanholas eram de lucratividade muito maior na
ações dos Países Baixos foi de caráter militar: as áreas de domínio lusitano, bem mais
espalhadas ao redor do globo, acabavam sendo mais vulneráveis e frágeis frente a uma
invasão estrangeira (a maioria delas estavam situadas na costa, estando, portanto, muito
mais expostas, facilitando uma potencial invasão). Soma-se a isso o fato de que o ouro e
extremamente protegidos. Assim, uma vez definido que a estratégia principal era
concentrar os ataques nas áreas lusitanas, a União centraliza seus recursos materiais e
anos pela independência contra a Espanha, no final do século XVI, foi nas
ibéricas estavam espalhadas pelo mundo todo, a luta subsequente foi travada
Uma vez definida a estratégia dos Países Baixos, como vimos, o Nordeste
açucareiro é então invadido pelos holandeses após uma tentativa fracassada de tomar
importantes (como a já citada introdução da moenda com três cilindros verticais) nos
engenhos. Foi também nesse momento, vale dizer, que a economia do açúcar conseguiu
“completar sua transição do trabalho indígena para o africano” (MELLO, 1998, pp.
24-25). Não é surpreendente, tendo como base tais dados históricos, que a produção de
trégua. A moenda de entrosas ampliava e muito a produtividade, uma vez que permitia a
constante alimentação com matéria-prima, além de ser muito mais potente para prensar
a cana. O escravo africano, por sua vez, já estava muito mais adaptado ao trato do
Brasil em 1654. Isso porque, em 1648, época em que a Espanha ainda tentava
Foi aí [no Nordeste] que nossa integridade territorial correu maior perigo.
Por lamentável que tivesse sido, a perda do Rio Grande do Sul não teria
portuguesa.82
82
MELLO, Evaldo Cabral de. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste,
1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998, p. 14.
76
Foi apenas com o tratado de Haia, em 1669, que a Holanda de fato reconheceu a
sempre presente na Coroa Portuguesa o medo de uma invasão dos Países Baixos que
região açucareira, por sua vez, acabou transformando completamente os destinos dessa
cana, já que, na segunda metade do século XVII, a Holanda centraliza seus recursos nas
do Caribe.
por até 200 escravos. Não obstante, essa atividade econômica sempre teve caráter
secundário nas assim chamadas “Grandes Antilhas”, o que não surpreende se pudermos
preciosos logo que chegou aos territórios americanos. Assim, atividades econômicas
Se nas Grandes Antilhas, como vimos, o quadro era de notável abandono por
inusitado, mas, acima de tudo, decisivo para a história da América do Norte. É nelas que
da região. O objetivo dessa manobra era, futuramente, uma vez conquistadas as ilhas
antilhanas, tomar posse do quinhão minerador espanhol nas zonas mais afastadas do
mar. São Cristóvão e São Eustáquio foram alguns dos pontos de assentamento dessas
novas populações:
No fim do século XVII, (...) A França dominava ainda parte de São Cristóvão
São Tomás.83
geopolítica ousada das novas potências foi a produção do fumo. Ela já marca uma
qual foi impulsionada com a posterior chegada dos holandeses. Com base nos dados de
83
CANABRAVA, Alice Piffer. O açúcar nas Antilhas (1697-1755). São Paulo: IPE/USP, 1981,
p. 21-22.
84
HARLOW, V. T. A history of Barbados. In: FURTADO, Celso. Formação econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 76, nota 30.
78
escravizada: “os negros haviam aumentado de 5.680 para 82.203” (FURTADO, 2009,
p. 76). Paralelamente, na região que hoje corresponde à costa leste dos Estados Unidos,
que chega à Nova Inglaterra tem como objetivo primário reproduzir seu estilo de vida
Connecticut.86
que se instalava em definitivo na Europa: uma que funcionava de dentro para fora, com
85
No período de crescimento da produção antilhana de açúcar, a Inglaterra passa por agitações
político-religiosas cruciais: a realeza, que havia adotado o Anglicanismo como orientação
religiosa no final do século XVI, instaura um quadro de perseguições constantes à massa de
calvinistas revoltosos no país. Muitos deles, fugindo do país de origem, partem rumo ao
atlântico norte, fundando os Estados de Massachussets (1620), Connecticut (1633) e Rhode
Island (1636). Essa tensão político-religiosa é um dos aspectos mais importantes da Revolução
Puritana de 1640. Tomemos o cuidado, porém, de não inverter a lógica e colocar esse quadro
como a raiz da convulsão social pela qual passou a Inglaterra, esquecendo-nos de enfatizar o
papel crucial das transformações econômicas materiais sofridas séculos antes. Para uma melhor
compreensão da matéria, o livro The English Revolution 1640, de Christopher Hill, é
fundamental.
86
HARLOW, V. T. A history of Barbados. In: FURTADO, Celso. Formação econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 76, nota 33.
79
atividades produtivas destinadas à exportação e aquelas ligadas ao mercado interno”
holandesa nas Antilhas, já na transição para o século XVIII. É nesse momento que a
atividade é valorizada tanto nas pequenas como nas grandes ilhas, consolidando-se um
ter quebrado definitivamente o monopólio português no trato da cana, acabou por influir
economia europeia.87
nas Antilhas ao longo de três séculos, podemos retornar ao ciclo açucareiro no Brasil e
discutir, numa maneira mais aprofundada, a formação daquilo que Celso Furtado
agroexportadora característica e uma economia voltada para dentro que era a pecuária.
Esta, por sua vez, antes de servir como fonte importante de abastecimento para os
87
CANABRAVA, Alice Piffer. O açúcar nas Antilhas (1697-1755). São Paulo: IPE/USP, 1981,
p. 22.
80
engenhos (trataremos disso posteriormente), funcionou como o primeiro vetor de
(...). Via Goiás, penetrou o gado as regiões do Mato Grosso, onde foi de
assim também o gado que subia o São Francisco foi-se encontrar com o que
pela Capitania de São Vicente tinha sido introduzido em (...) Minas Gerais.88
terras da colônia, marcada por uma fluidez fronteiriça considerável. Como projeção da
característica que marca a etapa inicial da atividade criatória está intimamente associada
Brasil.
por ser, portanto, um dos fatores responsáveis pela crise do Nordeste açucareiro. Se a
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil, (1500-1820). 8.ed. São Paulo: Ed.
88
81
demanda por capital fixo se manteve muito parecida mesmo nesse momento turbulento,
a mão-de-obra necessária foi diminuindo cada vez mais e, com isso, se transferia para o
setor de criação de gado. Uma vez que a procura por animais de tiro diminuía
para um quadro de involução econômica. Menos renda monetária era necessitada, uma
vez que se formava um quadro de autoconsumo, dado que o couro não era mais
exportado e os animais não eram mais enviados para o litoral. A produtividade, que já
era pequena, diminuía cada vez mais, assim como o grau de especialização e,
82
XI
Mineração I
mesmo tempo que inevitável, compará-lo com a economia açucareira dos séculos XVI e
entrada no negócio do ouro eram muito menores, no seu conjunto, dado que, de acordo
aluvião. O quadro acabava atraindo pessoas com uma disponibilidade de capitais que,
para garantir a sobrevivência no ramo da cana, era insuficiente, mas que bastava para
entrar na mineração. A grande semelhança entre os dois ciclos, por sua vez, é que, assim
resultado, como nos mostra Furtado, foi uma profunda regressão e involução.
89
De acordo com dados do DNPM.
83
Califórnia, na Austrália, no Alasca e até mesmo na África do Sul, um século antes o
Brasil contribuía com 60%, a maior parcela na época. Se compararmos com o que se
extraiu no século XX e com o que se produz hoje, as quantidades do século XVIII eram
bem pequenas, muito em função é claro, dos avanços tecnológicos ao longo do tempo
pelos quais passou o setor. Mas, até aquele período, a colônia portuguesa na América
era dona da “maior massa aurífera explorada e produzida após a queda de Roma”
eram contrabandeados, o que gera um diferença estatística considerável, uma vez que,
ouro está acima dos cálculos que os documentos permitem realizar. (...) [A]
18 a 20t anuais.90
operavam sempre entre dois polos: o risco de uma sublevação dos mineradores, em caso
Como se deu a transição do ciclo açucareiro para esse quadro complexo em que
se envolve a extração de metais nas Gerais? A crise da produção nordestina fez com
aquele real estímulo para a manutenção da soberania Portuguesa nos trópicos sul-
existência da colônia: a descoberta dos metais preciosos, principalmente o ouro 91. Isso
porque “era mais ou menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar
outro milagre similar ao do açúcar” (FURTADO, 1980, p. 73). Nos primeiros passos
desbravamento territorial para a descoberta dos metais e não mais para a captura do
nativo com vistas a usá-lo no trabalho agrícola. Concessões foram dadas aos paulistas,
tais como a posse das primeiras datas mineradoras na região das Gerais (questão que
será tratada com mais afinco posteriormente). Esta é uma amostra da importância que
Furtado:
91
Um segundo ponto de vista interessante para entender os rumos tomados pela Coroa no século
XVIII consiste na análise de Adriana Romeiro: Bem diferente do que afirmam alguns
historiadores, o evento [a descoberta do ouro] suscitou receio e temor nos dois lados do
Atlântico, afigurando-se às autoridades, funcionários e conselheiros régios uma séria ameaça
ao domínio português na América Portuguesa. Do ponto de vista político, temia-se que as
riquezas recém-descobertas viessem a se transformar rapidamente em alvo da cobiça das
nações estrangeiras, que não hesitariam em invadir a assaltar os portos marítimos em busca do
ouro. Teria Portugal como resistir a inimigos reconhecidamente superiores no plano militar
naval? (Paulistas e emboabas no coração das Minas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p.
35.)
85
Os governantes portugueses cedo se deram conta do enorme capital que,
não haviam descoberto o ouro em suas entradas pelos sertões, era por falta
de conhecimentos técnicos.92
quando entrou para o sertão a bandeira de Fernão Dias Pais, bandeira essa
região das minas, falta delinear as estratégias régias, tanto fiscais como sociais, tomadas
no início dos setecentos com vistas a garantir a soberania lusitana nessa porção colonial.
92
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 133.
93
O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII. 2.ed. São Paulo: Hucitec;
Edusp, 1990, p. 37.
94
Idem, p. 38.
86
vez que caberia exclusivamente a eles o abastecimento da região mineradora com mão-
comunicação entre a Bahia e a zona mineradora ordenada pela Coroa (...) sepultou
quais, por sua vez, acolheram de imediato a proposta lusitana. Em troca de privilégios e
concessões aos sertanistas (uma ilustração é a anistia de Borba Gato, que antes era
região das minas, considerando-se novamente como parte do Império, Portugal garantia,
zonas extrativas:
litorâneas do Brasil viram-se diante da mesma ameaça. [...] Não havia gente
87
minas (...) começaram a ser olhadas como causadoras de desgraças e fontes
de malefícios.95
região era com certeza muito mais explosiva do que sua antecessora, o Nordeste
açucareiro. Emergiam vilas violentas, cada uma das quais com sua legislação própria,
estando sempre presentes os cruéis ritos de violência, como por exemplo as assuadas,
marcadas pela exibição pública de poder pelos paulistas. Embora o controle português,
como vimos, fosse uma realidade, as estratégias de negociação para sua sobrevivência
nos primeiros anos abriam uma margem muito maior para uma estrutura de poder
vida nas Minas nos primeiros anos do século XVIII, comparando a região a
vadios, que viviam de faiscar nas lavras abandonadas, cometendo aqui e ali
95
Ibidem, p. 47-48.
88
institucionalizado, tal estrutura de poder ―marcada pela violência e de
ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas. Belo Horizonte: Editora
96
UFMG, 2008, p. 84
89
XII
Mineração II
No início do ciclo minerador no Brasil, as Gerais não haviam passado por uma
diversificação da atividade econômica. O foco, como era de se esperar, tanto por parte
de forasteiros como por parte da própria Coroa, era única e exclusivamente a extração
de ouro e prata. Assim, as crescentes demandas por abastecimento na região das minas
resultaram invariavelmente na elevação dos preços dos alimentos e dos transportes nas
renda.
marmelo, couros e carnes.97 Nas últimas décadas do século XVII, eram responsáveis
97
ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII. 2.ed.
São Paulo: Hucitec; Edusp, 1990, p. 56.
90
porém, os paulistas intensificavam ainda mais a produção, podendo até mesmo
lucros, intensificaram essa produção, com o fito de vender cada vez mais,
ainda que fosse com sacrifício dos consumidores locais. Em seguida (...)
Deve-se enfatizar, por sua vez, o papel do Rio de Janeiro na formação de novos
caminhos até as Gerais. Antes, partindo de Parati e cruzando por Taubaté (era o
dias para chegar às datas mineradoras. Com o “caminho novo” do Rio de Janeiro, o
tempo reduzia-se para até 12 dias. Não havia capitania melhor para se chegar às minas
do que a do Rio de Janeiro e, a partir do século XVIII, tanto o ouro a ser exportado
palavras de Zemella (1990, pp. 119-120): “a abertura desse caminho representou uma
extração do ouro, como vimos anteriormente, abria muito maior espaço para pessoas
98
Idem, pp. 60-61.
99
“(...) Enquanto o caminho paulista exigia dois meses para ser transposto, e no ‘caminho velho
do Rio de Janeiro’ gastavam-se quarenta e três dias, o ‘caminho novo’ era vencido, (...) em
‘marcha escoteira’, de dez a doze dias.” Ibidem, pp.119-120.
91
em administrar um engenho (o que, na maioria dos casos, mostrava-se quase que
com alimentos e transportes tornava muito maior a presença dos indivíduos de pequenas
posses, os quais passaram a formar, graças à mineração, uma classe média branca mais
robusta.
existência de um mercado interno mais sólido deve ser levada em conta. O próprio
início, terras até mesmo para aqueles que não possuíam nenhum escravo 100. É bem
verdade que, com o passar do tempo, mais restrições foram impostas “à medida em que
abril de 1702:
(...) se não dará segunda data a pessoa alguma sem ter lavrado a primeira e
repartir, então se atenderá aos que tiverem mais negros porque tendo mais
negro, e constando também ao guarda mor que cada um dos mineiros tem
100
“E porque é muito prejudicial repartirem-se aos poderosos em cada Ribeiro que se descobre
sua data, ficando por esta causa, muitos pobres sem ela ou sucede ordinariamente por não
poderem lavrar tantas datas venderem os pobres, ou estarem muito tempo por lavrar o que não é
somente em prejuízos dos meus Vassalos, mas também dos meus Quintos, pois podendo-se tirar
logo se dilatam como se não lavrarem as ditas datas, e havendo ficado muitos dos meus
Vassalos sem elas, por evitar esta injustiça (...)”. Artigo 5º do Regimento de abril de 1702. In:
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Notícias das minas de São Paulo e dos sertões da
mesma Capitania. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, p. 199.
92
lavrado, havendo terra para repartir, a repartirá novamente com ele na
Convém dizer que, por mais que a distribuição das datas ficasse mais restrita, ela não foi
da posse de escravos. Com base nos trabalhos de Francisco V. Luna 102, podemos dizer
que, na média, havia 6,5 escravos por proprietário. O elemento do grande proprietário,
possuidor de enormes massas de escravos, foi uma figura que, embora não inexistente,
não se constituiu como regra pelo menos durante boa parte do ciclo minerador. Luna,
posse de cativos:
escravaria de um, dois ou, no máximo, cinco escravos. [...] Assim, a nosso
formam um quadro muito peculiar na região das minas, quadro esse que era distinto
101
Idem, p. 199.
102
Minas Gerais: escravos e senhores. São Paulo: IPE/USP, 1981.
103
LUNA, Francisco V. Idem.
93
atividade nas Gerais. Muitas vezes acabavam exercendo até mesmo um trabalho
remunerado e, com a parcela de ouro que era descoberta, podiam acumular recursos
para comprar a alforria. O mais curioso é que, a partir de Luna, vemos que 20% dos
Finalmente, para tornar ainda mais complexa a tessitura social das Gerais, havia
apenas com suas próprias forças. Corria, portanto, o risco de empobrecer ainda mais, ao
interessantes. Caio Prado Jr. entende esse elemento como um claro sinal de decadência,
aniquilamento.104
Celso Furtado, por sua vez, inverte o mirante e coloca o faiscador como porta de entrada
JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo – colônia. São Paulo: Companhia
104
permitir às Gerais uma atividade extrativa de maior porte. Nas palavras do autor:
um escravo. Por último, se seus recursos não lhe permitiam mais que
profundas no ciclo do ouro. E de fato eles eram consideráveis, mesmo que, em termos
absolutos, o nível anual de renda nas minas fosse menor do que aquele encontrado na
economia açucareira (Furtado nos aponta uma média de 3,6 milhões de libras nos anos
mais favoráveis). O que poderia contribuir também para uma internalização da renda,
artigos acabava sendo muito mais cara e, portanto, compensava menos do que se
abastecer daquilo que a própria colônia fornecia. O mais importante de tudo isso é que,
por um menor nível de concentração de renda, o que ampliava ainda mais o potencial de
105
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 136 e 146
95
Esse conjunto de circunstâncias tornava a região mineira muito mais
séculos XVIII e XIX. Furtado descarta essa possibilidade para, ao invés disso, olhar as
de Methuen. Portugal, país com grau manufatureiro bem baixo, não foi capaz de
colônia não chegou a conhecer [...]. A primeira condição para que o Brasil
E por mais que se tentasse uma política de proteção à indústria nascente na metrópole
Methuen acabou bloqueando qualquer tentativa nessa direção, dado que a Inglaterra
período em que o tratado entra em vigência fornece uma base real para a sobrevivência
106
Idem, p. 140.
107
Ibidem, Editora Nacional, 1980, p. 80.
96
de Methuen108. O metal garante um equilíbrio na balança comercial, afluindo quase que
na sua totalidade para as manufaturas inglesas 109. Assim, a atividade mineradora acabou,
Uma vez compreendido esse quadro, fica claro que a decadência do ciclo do
ouro foi sucedida por uma lenta involução econômica: a aplicação de capitais reduziu
XIII
108
Sem o ouro, era impossível que apenas o vinho fosse capaz de compensar a entrada dos
têxteis ingleses. O grau de déficit comercial chegaria a um nível muito mais crítico,
possibilitando que se mobilizassem interesses que convergissem a uma política fiscal
protecionista, desbancando as intenções dos produtores rurais.
109
A Inglaterra, vale dizer, já havia passado por transformações estruturais importantes, tais
como os enclosures, que lhe permitiram aproveitar e internalizar os ganhos com o tratado de
1703.
97
A crise do Antigo Sistema Colonial
desenvolvido pelo próprio autor, de Antigo Sistema Colonial. Este foi um elemento
sentido, foi importantíssimo na medida em que funcionou, de acordo com o autor, como
nas colônias, do modo de produção escravista. Ganhava forma, assim, aquilo que
As dimensões da independência. In: MOTA, C. G. (org.). 1822: Dimensões. 2.ed. São Paulo:
110
efeitos nas zonas coloniais, as quais não ficarão inertes às transformações econômicas e
políticas pelas quais passava a Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX.
europeias, com a burguesia tendo o controle definitivo do poder político, não poderia
mais conviver com o quadro econômico típico das colônias americanas. Na periferia do
111
Embora Novais coloque os mecanismos subjacentes à colonização como a principal
ferramenta de acumulação primitiva, é necessário enfatizar que outros elementos, internos ao
próprio modo feudal de produção, foram cruciais para a formação do capitalismo. Marx, assim
como outros autores marxistas (tais como M. H. Dobb), dão peso elevado e priorizam as
contradições e transformações subjacentes ao próprio feudalismo. Isso porque são elas que
evidenciam o processo de formação do proletariado moderno e até mesmo a consolidação de
elementos que posteriormente comporiam a burguesia industrial, ou seja, explicam a
constituição dos dois principais organismos do capitalismo, as duas classes que produzem seu
movimento. J. Gorender, outro historiador marxista de contribuição considerável, mostra que o
desenvolvimento do comércio, em que estão inclusos os mecanismos da colonização,
potencializaram o capitalismo naqueles Estados em que o feudalismo já havia passado por
mudanças e decomposições profundas em seu modo de produção. Assim, é importante que se
coloque o Antigo Sistema Colonial como uma face da acumulação primitiva, não
correspondendo à totalidade do processo.
99
fundamentalmente exógenos, passam a constituir entraves para seu desenvolvimento
num volume e ritmo que passam a exigir no Ultramar mais amplas faixas de
A passagem nos mostra como a industrialização a pleno vapor não podia mais
112
NOVAIS, Fernando A. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial (séculos XVI-XVIII),
5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 100.
100
de “capitalismo comercial” por Novais 113), acabaram criando os mecanismos para a
Em suma, a Europa passava por uma Revolução Industrial decisiva, além de ter
visto a crise generalizada do Antigo Regime com as convulsões sociais de 1640 e 1789
Antigo Sistema Colonial será negado pelo capitalismo a partir do século XVIII.
Convém, a partir de então, olhar para o que estava ocorrendo especificamente dentro
análise de Caio Prado) deram aos produtos agrícolas brasileiros novos mercados e novas
ao Rio de Janeiro em 1808 foi acompanhada, pouco tempo depois, duma espécie de
113
Se pensarmos a partir do marxismo, Novais incorre num erro teórico. Nunca existiu esse
chamado “capitalismo comercial”, justificado muitas vezes pela robustez do capital comercial
nos séculos que compreendem o Absolutismo. A existência do capital comercial precede o
capitalismo: não é por acaso que Marx afirma que “o capital é antediluviano, mas o capitalismo
é recente” (O Capital. Boitempo Editorial, 2013). Até mesmo na Antiguidade greco-romana a
vida econômica era regida pelo capital comercial. Nem por isso chamamos esse período da
História de capitalista. O capitalismo é a estrutura econômica regida pelo capital industrial, com
um modo de produção específico que lhe corresponde. O termo torna-se ainda mais
problemático quando vemos que o Estado Absolutista era ainda feudal, dado que a classe
dominante continuava sendo, mutatis mutandis, a dos nobres e que o modo de produção ainda
era, apesar das transformações sofridas ao longo de séculos, caracterizado pela servidão. Sobre
esse tema, convém ler Linhagens do Estado Absolutista, do inglês Perry Anderson.
101
liberalismo que marcou inúmeros decretos de D. João VI. O liberalismo é notado, por
exemplo: na abertura dos portos, nos tratados comerciais com a Inglaterra a partir de
fato levaram D. João a assinar medidas desse caráter. No caso da abertura dos portos,
era necessário que Portugal garantisse à Inglaterra, sufocada pelo bloqueio napoleônico,
um mercado para seus artigos industrializados. Abrindo essa janela para a economia
do governo inglês, contra quaisquer ameaças francesas. Celso Furtado nos mostra a
em relação à abertura:
que o exclusivo metropolitano esteve vigente, apresentam, para um olhar mais retido,
um certo ranço colonial inglês. A tarifa preferencial de 15% dada ao artigo britânico não
foi de toda aceita pelos articuladores ingleses. A Inglaterra queria descontos maiores
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
114
exterior, o que não é uma postura efetivamente liberal, se levarmos a rigor os escritos
mundo na época, o liberalismo de outros Estados com ela era vantajoso na medida em
que ampliava os mercados para seus produtos; ao mesmo tempo, políticas protecionistas
para seus principais concorrentes eram vistas com bons olhos, exatamente porque
liberais, precisa ser pormenorizada a partir das suas circunstâncias específicas que
problema monetário: os 80 mil contos de réis trazidos por D. João na forma de haveres
para atender aos desígnios monetários dos Bragança. Em 1809, tem início a circulação
numerário.
Cada vez mais, porém, com as crescentes despesas da Coroa, o Banco do Brasil
colônia. A necessidade de garantir, por outro lado, que a moeda corrente estivesse
lastreada exigia uma regulação monetária. Nota-se, nesse sentido, um caráter ambíguo
nas diretrizes do Banco do Brasil. Ambiguidade essa que é marcada, na realidade, por
conflitos entre a expansão fiscal e a contração monetária. Rosado Gambi esclarece ainda
mais o problema:
103
A ‘pressão’ do governo para que o banco lhe fornecesse recursos
notas que, por sua vez serviam para financiar as despesas estatais. [...] Os
estatutos do banco não previam nenhum limite para a emissão dessas notas e
abrir mão da ilusão do lastro metálico para o troco das notas bancárias, o
VI assim que a Coroa chegou ao Brasil nos levam ao que Furtado chamou de “falsa
euforia” no início do século XIX. A realidade brasileira era outra: na passagem para a
câmbio sofria pesada desvalorização por conta dos déficits na balança comercial (era
impossível, mesmo que se tentasse uma proteção cambial, competir com os artigos
comercial, desvalorizando ainda mais o câmbio. Esse círculo vicioso, para Furtado, só
econômico na América”.
105
XIV
século XVIII para o XIX, nos mostra um quadro pouco animador: o ocaso da mineração
ainda mais grave na medida em que não havia, na colônia, uma base técnica, ou melhor,
despesas com importação, por sua vez, deveria ser feita com o aumento nas
boa medida pela produção cafeeira no Vale do Paraíba), não conseguindo acompanhar o
modernização econômica.
Os tecidos ingleses, de maior qualidade, tinham outro fator que lhes dava
vantagem na competição com artigos do mesmo tipo feitos no Brasil, como vimos
de produção, diminuindo o preço pelo qual a Inglaterra exportava seus têxteis, os quais
mercado externo que faz com que Furtado conclua pela pequena eficiência, em termos
autor:
118
FURTADO, Celso. Ibidem, p. 106.
107
econômica, marcada pelo aumento do setor de subsistência, sem modernização
produtiva.
primeiros cinquenta anos do século retrasado, será de grande valia os estudos de Mircea
legou bases importantes que geraram frutos para o desenvolvimento do Brasil nos anos
tráfico negreiro, o surto da produção cafeeira, assim como o crescimento de uma classe
Um fator que chamou mais a atenção de Buescu foi a maior difusão, a partir dos
intelectual no Brasil. Para esta, ficava cada vez mais claro que a Coroa Portuguesa
divorciar os cidadãos do Estado, identificado, por sua vez, com a metrópole espoliadora.
Buescu capta esse novo espírito que permeia a elite intelectual na colônia a partir
Afirma ser necessário que se garanta liberdade aos produtores para empregarem
trabalho e capital da maneira mais vantajosa, assim como liberdade para que eles
que têm maior valor, é o mesmo que lhes roubar uma porção desse valor;
isto é privá-los das riquezas que eles fizeram nascer com o suor do seu rosto
do pensamento liberal clássico, que foi hegemônico na Economia Política até meados
do século XIX. Isso é passível de comprovação até mesmo nas palavras de Brito a
farinha no valor de cem moedas, que depois de vendido por esse preço os
ladrões lhe roubem dez, como ver-se obrigado por conta dos regulamentos a
viria a ganhar solidez nos anos de nossa emancipação. O autor, porém, enfatiza que sua
postura liberal na realidade serve mais como pano de fundo para uma luta econômica
120
Idem, 1970.
121
Ibidem, 1970.
109
contra as restrições reais impostas à colônia. O burocrata português não pensava em
transformador, ou era aliado de uma espécie de despotismo ilustrado que pudesse dar
nova feição às relações entre Brasil e Portugal? A questão acaba nos remetendo às
Transformador porque de fato advoga pelo fim das restrições comerciais e dos
seu discurso liberal não avança para a luta contra a monarquia absolutista. A intenção
independente), o que poderia inclusive amortecer tensões entre a massa escrava, à qual
Brito sequer faz referência no seu discurso liberal, a aristocracia rural brasileira e os
comerciantes lusitanos.
Outros historiadores, como Karla Maria Silva, não enxergam todas essas
realidade, a nova mentalidade liberal, que via o desenvolvimento pleno das metrópoles e
era por si só uma grande amostra de renovação ideológica na elite intelectual. Nas
123
SILVA, Karla M. Os escritos de João Rodrigues de Brito (1807): um retrato das novas
ideias no mundo íbero-americano. Intellèctus XV (2): 43-65, 2016. pp. 44-48.
111
XV
principal dos 60 anos de vigência da União Ibérica) tornava-o cada vez mais dependente
da potência inglesa. Era necessário à Coroa Lusitana garantir o seu quinhão colonial na
América e, para isso, uma aliança. A partir de então, os tratados entre os dois países
prático é o acordo selado em 1642, descrito com clareza por Alan K. Manchester:
[...] Deveriam ser indicados comissários para tratar das concessões aos
XVII, como esse de 1642, são, para Manchester, as raízes da dominação diplomática e
comercial deste país sobre aquele126. O autor, nesse sentido, desbanca a tese de que foi a
partir de 1703, com o Tratado de Methuen, que o reino ibérico passou a ser um vassalo
Portugal deveria comprometer-se a fechar seus portos para navios de guerra e corsários
franceses; permitia, por outro lado, a entrada ininterrupta de embarcações inglesas, dado
que o acordo afirmava que navios britânicos e lusitanos deveriam ser considerados do
mesmo país. Vale dizer que esse tratado reafirmava o que já havia sido estabelecido
entre os dois países no século XVII. Era a reafirmação, portanto, da “soberania” inglesa
sobre o pequeno reino ibérico. Ainda nas palavras de Manchester, “o pequeno tratado
controle dos portos portugueses, cuja importância residia no seu valor estratégico e
comercial” (MANCHESTER, 1973, p. 60). D. João, por sua vez, apesar de firmar o
125
MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p.
20.
126
Idem, p. 32.
127
Cf.: “Ao longo do século XVIII, a política externa portuguesa teve como sua chave mestra a
aliança inglesa, tal como fora plasmada pelos tratados de 1642, 1654 e 1661, completados, no
campo econômico, pelo de Methuen, em 1703.” ALEXANDRE, Valentim. A carta régia de
1808 e os tratados de 1810. In.: OLIVEIRA, L. V. de & RICUPERO, R. (org.). A abertura dos
portos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007, p. 101.
113
acordo, hesitava em obedecê-lo, na suposta tentativa de estabelecer uma política
napoleônico deixou Portugal num verdadeiro beco sem saída: aceitando as condições
francesas, comprometia sua aliança vital com a Inglaterra; negando-as, corria o sério
risco de ter seu território invadido pelas tropas do Imperador francês. A solução
encontrada por D. João, como sabemos, foi transferir a Coroa para o principal
continental), em 1808 a Corte parte para o Rio de Janeiro, escoltada pelas tropas
britânicas.
claro dessa inflexão é a abertura dos portos: era o fim do exclusivo metropolitano, com
nos preços dos artigos estrangeiros no Brasil. Outro aspecto que merece atenção quando
se discute a abertura dos portos é que a possessão portuguesa na América passava a ser,
britânicas no território brasileiro. Como bem notou Olga Pantaleão, a maioria dos
114
o abarrotamento do mercado [...] tornou difícil o escoamento das
sh. 6 d.128
mercado notado por Pantaleão. Os portos coloniais não conseguiam acomodar todos os
Criavam-se assim, dificuldades para o comércio em larga-escala 129. A autora nos mostra
por parte de D. João130, buscaram até mesmo aprimorar a infraestrutura da colônia nesse
128
PANTALEÃO, Olga. A presença inglesa no Brasil. In.: HOLANDA, S. B. de (org.).
História Geral da Civilização Brasileira. 6.ed. São Paulo: DIFEL, 1985, vol. 3, p. 76.
129
A própria Pantaleão nos mostra que os artigos ingleses, uma vez passados pela alfândega,
num moroso trajeto desde o cais, eram jogados todos juntos e misturados, comercializados nas
próprias ruas. É mais uma amostra muito clara da enorme precariedade estrutural da economia
colonial, incapaz, na época, de se adaptar a uma mudança econômica daquela magnitude.
130
Cf.: “[...] para criar um Império nascente, fui servido adotar os princípios mais demonstrados
de sã economia política, quais o da liberdade e franqueza do comércio, o da diminuição dos
direitos das Alfândegas, unidos aos princípios mais liberais, e de maneira que promovendo-se o
comércio, pudessem os cultivadores do Brasil achar o melhor consumo para os seus produtos, e
que daí resultasse o maior adiantamento na geral cultura, [...].” (Discurso de D. João para o
clero, a nobreza e o povo, escrito em 07 de março de 1810).
115
acordos comerciais, de acordo com a autora, foi que “tal concessão [...] impediu o
desenvolvimento da indústria no Brasil, pois seus produtos não podiam concorrer com
Novamente, os resultados efetivos dos tratados de 1810 apontam para o caráter limitado
anteriormente.
passou a ter o Brasil para a economia inglesa. Uma importância maior do que para o
combalido reino português. O consumo brasileiro absorvia 25% a mais dos artigos
ingleses do que toda a Ásia. É bem verdade que isso foi realidade num contexto de
outras regiões do globo. Com a queda de Napoleão, cada vez mais diminuía a relevância
para a América do Sul. [...] A paz mundial em 1815, com mercados sedentos
131
MANCHESTER, Alan K. Op. cit., pp. 94-95.
116
industrialização continua atravancada. Nem mesmo o “tarifaço” de Alves Branco em
1844, que acabou com a tarifa de importação de 15% para a mercadoria britânica, foi
capaz de eliminar por completo a submissão brasileira aos interesses da Inglaterra. Para
Pantaleão, “o século XIX, sobretudo em sua primeira metade, foi assim, no Brasil, o
XVI
117
Emancipação Política I
coloniais com Portugal, é motivo de estudos históricos desde o século XIX. Emília
FFLCH-USP entre 1964 e 1969), discutindo sobre esse interesse da historiografia pela
dos assuntos mais estudados pela historiografia brasileira e, no entanto, um dos menos
conhecidos” (COSTA, 1981, p. 64). Os motivos dessa crítica, para a autora, residem no
118
outrora estabelecido entre as partes da América portuguesa e sua
metrópole.132
acima, Viotti tenta traçar elementos que formam esse pano de fundo econômico e social
próprio resultado desse processo histórico. É importante ressaltar que a negação aos
colônia: o modo escravista de produção continuou vigorando no Brasil até 1888, quando
aspecto aponta para a complexa e gradual tomada de consciência passada pela elite
colonial brasileira. Cada vez mais esta se aproximava do ideário liberal. É importante,
porém, que se questione até que ponto o Liberalismo foi absorvido pela burguesia rural
132
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Estado e política na independência In: GRINBERG, K. &
SALLES, R. (org.). O Brasil Imperial – Volume I – 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2009, p. 97
133
A consolidação desses mecanismos endógenos (a valorização do valor mediante criação e
reprodução constante de mais-valia) deu à esfera da produção um caráter definitivamente
capitalista.
119
do Brasil. De cunho notadamente anticolonialista, o que de fato ocorreu, de acordo com
Emília Viotti e outros autores mais recentes, foi uma “filtragem” desse ideário burguês
contra o Estado. [...] Mas essa visão nem sempre se sustenta quando
Estado, do que pelo Estado, que busca a proteção dos indivíduos muito
poderosos.134
província.
Nas Gerais, a crítica ao fiscalismo régio, cada vez mais pesado num contexto de
1996, p. 171-172.
120
iluminista, conforme se depreende dos depoimentos de alguns dos
tributários.135
muito bem com seus interesses anticolonialistas. Não é de se estranhar, uma vez que a
maioria dos líderes do movimento, membros das castas mais altas da sociedade mineira,
contrário do que ocorreu nas Gerais, a participação social foi muito mais alargada. Até
mesmo elementos escravos estavam presentes num movimento que, ainda assim, era
Conjura Baiana colocava em xeque seu sucesso. De fato, a viabilização de uma proposta
fundada na luta contra a metrópole portuguesa exigia uma amplitude social maior nas
da colônia (uma vez que havia, a partir de então, a possibilidade incômoda de uma
movimento tiravam enorme proveito. Subentende-se que a Conjura era dotada, no seu
núcleo, de uma interessante contradição que impedia o seu próprio sucesso. Nas
135
FURTADO, João P. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência
Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 223.
136
Idem, 2002.
121
A sua fragilidade resulta daí, pois era por demais evidente [...] que a
usar a revolta das massas para benefício próprio. Estas não ultrapassaram o limite
estreito a elas imposto no movimento, fazendo-se de tudo para que não tivessem acesso
à difusão do ideário liberal que percorria o pensamento das elites. Fugindo do controle
quais residiam numa maior liberdade administrativa e no fim das restrições comerciais e
JANCSÓ, István. Na Bahia, contra o Império: história do ensaio de sedição de 1798. São
137
popular.138
boa evidência de como o liberalismo foi muito bem “filtrado” por nossa elite ruralista.
Isso fica ainda mais claro quando Emília Viotti nos mostra que era muito corrente na
emancipação, argumentava-se que era possível manter Brasil e Portugal sob uma mesma
soberania política (no caso, sob o jugo dos Bragança), desde que tivessem liberdade
monopólios. A proposta, como veremos logo mais, não se efetivou. Mesmo assim, é
possível, com isso, ir mais além na análise das limitações do “liberalismo brasileiro”.
essencialmente político foi, grosso modo, renegado. Não interessava, para uma classe
entre Portugal e Brasil. Mais uma vez Viotti é assertiva ao afirmar que “para esta
1981, p. 92). Pode-se inclusive questionar até que ponto a independência brasileira foi
pelos membros das elites e por um pequeno número de homens livres, com
COSTA, Emília V. da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA,
138
Carlos Guilherme (org.) Brasil em perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 98-99.
123
acesso mais ou menos direto à cultura escrita em que eram veiculados os
principais debates.139
interesses antagônicos entre as elites portuguesa e brasileira. Esta, como vimos, exigia a
liberdade comercial e produtiva. O exclusivo metropolitano não podia mais ser uma
realidade para nossa burguesia rural. As cortes de Lisboa, por sua vez, objetivavam a
tomada do poder político (com o fim do despotismo dos Bragança a partir da formação
díspares tentaram ser acomodadas pela política liberal de D. João enquanto esteve no
Brasil. Com uma mão favorecia os brasileiros, eliminando o monopólio. Mas buscava
sempre limitar tais regalias na medida em que buscava atender às demandas dos
deputados portugueses. Tudo em vão. Como afirma Viotti, “não conseguia D. João VI
senão descontentar a todos” (COSTA, 1981, p. 78). E assim, aparecia como única saída
XVII
Emancipação Política II
139
NEVES, Lúcia M. Bastos P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da
Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003, p. 22.
140
Cf.: “[...] a revolução liberal do Porto continha, nos seus fundamentos, uma intenção
antiliberal”. COSTA, Emília V. Op. cit., 1981.
124
É conhecido por todos que, após a complexa etapa da independência brasileira
centralizada, cuja vida terminou apenas em 1889, com o golpe republicano. Na visão de
nossa historiografia, um fato puramente sequencial à emancipação, como que fosse uma
certeza. O mérito dos estudos mais recentes, nesse sentido, é tentar entender como se
historiografia “mais nova” conseguiu enxergar que, apesar de o fato ter sido o Império,
outras alternativas foram colocadas em discussão ao longo dos primeiros anos de nossa
Portuguesa de 1820 fazia previsível a mudança do status quo colonial, não estava
escrito nas estrelas que ela desembocaria no Império do Brasil” (MELLO, 2004, p.
11).
dissolução dos laços entre Portugal e Brasil, com singularidades cujas raízes podemos
encontrar na chegada dos Bragança ao Rio de Janeiro em 1808, é marcada pela ausência
141
Cf.: “a historiografia teria naturalizado a solução unitária, apresentando as demandas
federalistas como antinacionais, sem perceber que, em 1822, a nação ainda não estava
constituída.” COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil, 1823-
1866. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p. 10.
125
manutenção, portanto, do status quo político de nossa elite intelectual, assentada no
últimas décadas do século XVIII, mas não retira de cena nem seus
143
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da
Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003, p. 51.
126
O último grupo, finalmente, era o da elite “brasiliense”. Adeptos de uma postura mais
radical, com ampla influência do ideário iluminista e sem uma formação acadêmica
pátria com o lugar em que tinham nascido, ao qual deviam prestar a principal
como um todo unitário, passa por uma decomposição. Abrem-se os interesses reais a
a uma monarquia que, pari passu, teria sido despojada dos seus atributos
Entendiam que o processo de independência pelo qual passou o Brasil nada mais fez do
que transferir o autoritarismo de Lisboa para o Rio de Janeiro. Era necessária uma maior
144
É importante ressaltar que os últimos não eram contrários à uma monarquia constitucional,
desde que garantissem maior autonomia às províncias formadoras do Brasil. Assim, num
primeiro momento, o movimento republicano acabou por ficar esvaziado.
145
MELLO, Evaldo C. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824.
São Paulo: Editora 34, 2004, p. 18.
127
soberanas, podendo ou não aceitar o pacto nacional com a monarquia. Com a
sul”, principalmente paulistas e fluminenses, ao longo dos anos de 1823 e 1824 (um
período um tanto quanto esquecido pela historiografia tradicional 146). É bem verdade
É importante levar em conta, e isso acabará sendo um fator que nos ajuda a entender
ficando ofuscado em razão da ocupação portuguesa, que perdurou até 1823. Coube,
alternativa federalista.
146
Cf.: “Uma das consequências do rio-centrismo da historiografia da Independência consistiu
em limitar o processo emancipacionista ao triênio 1820-1822. Na realidade, 1823 e 1824,
marcados pela dissolução da Constituinte e pela Confederação do Equador, foram anos cruciais
para a consolidação do Império, na medida em que ambos os episódios permitiram ao Rio
resolver a contento a questão fundamental da distribuição do poder no novo Estado. Questão
que não se reduzia à disputa entre o Legislativo e o Executivo, privilegiada pelos historiadores
do período, mas dizia respeito sobretudo ao conflito entre o centralismo da Corte e o
autogoverno provincial.” MELLO, Evaldo C. Op. cit., p. 12.
147
COSER, Ivo. Op. cit., p. 37.
128
O ponto de inflexão fundamental que marca a vitória da “causa centralista” é as
relações entre Bonifácio e D. Pedro I. Indignado com a usurpação dos poderes de seu
mesmo tempo que utilizado como ferramenta pelos centralistas, D. Pedro se aproveita
das convulsões no Congresso para então aplicar um golpe de Estado que lhe garantia a
XVIII
Economia cafeeira I
148
NEVES, Lúcia M. B. P. das. Op. cit., p. 418.
129
Ao longo do século XIX, o Brasil entrará num novo ciclo econômico marcante
que foi visto até aqui: os séculos XVI e XVII assistiram à hegemonia do açúcar no
que o café passava a ser o principal produto nas pautas brasileiras de exportação. De
num primeiro olhar, parece curioso é a estagnação nas pautas de exportação de café
realidade, o que nos ajuda a compreender o quadro econômico desse pequeno intervalo
mão de obra.150
longo de toda a segunda metade do século XIX. Era necessário pensar em alternativas
(FURTADO, 2009, p. 176). Isso porque o Brasil passava, desde o fim da expansão
diminuição da renda per capita. Nem mesmo a “falsa euforia” foi capaz de animar
um novo gênero que reanimasse a atividade econômica ligada à terra (fator de produção
mais abundante do país até então). A solução foi encontrada exatamente com o
queda inicial nos preços de exportação foram capazes de inibir a produção do artigo
tropical151. Celso Furtado nos enuncia as razões para essa insistência com o café. Os
escravos, pouco utilizados nas Gerais ao longo das primeiras décadas do século XIX,
Cf.: “Com efeito, a quantidade exportada mais que quintuplicou entre 1821-30 e 1841-50, se
151
bem que os preços médios se hajam reduzido em cerca de 40% durante esse período.”
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.
181.
131
levava a uma redução dos custos de transporte do café até o litoral. Finalmente, e aqui
A historiografia mais recente também diverge das análises de Furtado, mas não
Prado Jr. A discussão girou em torno dessa “capacidade ociosa” salientada pelo autor.
Isso porque outros historiadores apontam para um uso considerável de escravos nas
Gerais ao longo de todo o século XIX, como faz Roberto Borges Martins:
metade do século é contestada, mais que por qualquer outra evidência, pelo
tinha 148.772 escravos, contingente esse que cresceu para 168.543 em 1819,
do total. Seu rápido crescimento entre 1819 e 1872 reforçou essa posição e a
escrava de Minas cresceu a uma taxa cerca de duas vezes e meia maior que
a média nacional e o seu aumento absoluto foi igualado apenas pelo do Rio
de Janeiro.153
Outros historiadores, como Renato Leite Marcondes 154, apontam que, na realidade, eram
Vale do Paraíba. Segundo ele, a província havia passado, ao longo dos 60 anos entre
152
Cf.: “Outra dificuldade da lavoura cafeeira é que a planta somente começa a produzir ao cabo
de 4 a 5 anos de crescimento; é um longo prazo de espera que exige pois maiores inversões de
capital.” JÚNIOR, Caio P. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 161.
153
MARTINS, Roberto B. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa
economia não-exportadora. Estudos Econômicos vol. 13, nº. 1, p. 181-209, jan./abr. 1983, p.
187.
154
O evolver demográfico e econômico nos espaços fluminenses (1780-1840). Estudos
Econômicos vol. 25, nº. 2, pp. 235-270, maio/ago. 1995, p. 239.
132
1780 e 1840, por um crescimento demográfico vertiginoso, provocando, por esse
dos inícios da expansão cafeeira, é possível apontar outros motivos, não captados por
preços. Analisando núcleos cafeeiros no interior de São Paulo, José Flavio Motta nos
atividade subsidiária.155
implica uma análise a respeito de suas relações com a situação da mão-de-obra no Brasil
A interpretação clássica sobre o fim da escravidão, presente nos estudos dos três
MOTTA, José F. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em
155
portanto, à geração de mais-valia relativa. Assim, cada vez mais as potências centrais (e
sobrevivência da escravidão nos países em que ela era ainda vigente. Dialeticamente, a
sendo o principal e decisivo, como já reiteramos aqui inúmeras vezes). Veja como Caio
indústria moderna.156
Ianni completa:
mas também dos custos, e que estes podem ser controlados e reduzidos pela
157
IANNI, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1972, p. 6.
134
A análise de Celso Furtado, embora não entre em debate explícito com os dois
anteriores, não se aprofunda nesse detalhamento teórico como fazem Prado e Ianni. Na
imigração. Esta, por sua vez, foi muito mais decisiva na estrutura política do poder local
do que nos aspectos econômicos organizacionais, dado que conseguiu abalar a velha
aristocracia rural, cuja força assentava-se na posse de escravos. Veja nas palavras de
Furtado:
principalmente no Brasil, mas realizando uma discussão de caráter teórico, a autora vai
de encontro com a análise clássica de Prado e Ianni. Para ela, a escravidão, servindo
econômica exigia, acima de tudo, mão-de-obra barata para a produção em larga escala.
Assim, não havia uma relação de incompatibilidade, mas sim de indiferença entre a
indústria e a escravidão, que poderia ou não ser dispensada por um trabalho assalariado.
158
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 213.
135
Essa conclusão faz com que a autora afirme ser necessário estudo pormenorizado de
cada região periférica em que a escravidão foi abolida. Como diz Beiguelman:
XIX
Economia Cafeeira II
159
BEIGUELMAN, P. A destruição do escravismo moderno, como questão teórica. In:
BEIGUELMAN, P. Pequenos estudos de ciência política. 2.ed. ampliada. São Paulo: Pioneira,
1973, p. 5 e 8.
136
Uma das análises canônicas a respeito dessa transformação marcante passada
pelo Brasil no século XIX é, como sabemos, a de Caio Prado Jr. O autor, inserido na
brasileiro. Era algo impensável em um país cujo modo de produção hegemônico era o
escravista. Caberia a este país, portanto, a pressão política e diplomática pelo fim da
uma retórica nacionalista em defesa do escravismo por parte de nossa classe política.
160
É bem verdade que é notada pelo autor uma certa “postura moral”, tanto na Inglaterra quanto
no Brasil, contrária ao tráfico de africanos escravizados. Ao final do processo de emancipação,
ia-se desenvolvendo um “espírito antiescravista” no jovem país.
137
atuação inglesa não surtisse nenhum efeito. Convinha para a Inglaterra a abolição
Esses “comerciantes” eram alvo até mesmo de oposição dos próprios fazendeiros
brasileiros, uma vez que estes eram devedores daqueles. Encontrava-se então o
escravizados. Em 1850, com a famosa Lei Eusébio de Queirós, era abolido o tráfico
central nas discussões políticas e até mesmo nas agitações sociais. Ao mesmo tempo,
Vale do Paraíba, primeira zona com forte produção cafeeira, dependia quase que
161
Um dos efeitos mais imediatos, segundo Prado, da abolição do tráfico foi o
redirecionamento de capitais ingleses para o Brasil. Com a amenização das tensões
diplomáticas, o fluxo de ativos foi regularizado. É uma análise que, embora pautada numa
circunstância particular, se choca com o ponto de vista furtadiano a respeito dessa mesma
questão. Para este autor, mesmo após o fim do comércio regular de escravizados, a entrada de
capitais continuou baixa e instável. Não teria sido a melhora nas relações diplomáticas bilaterais
o principal fator que estimulou o retorno de ativos. Na realidade, Furtado busca mostrar que é a
retomada do ritmo crescente nas exportações e, consequentemente, uma melhora nas próprias
condições econômicas do país que deu aos investidores estrangeiros um maior grau de
confiança, garantindo maior entrada de capitais no Brasil.
162
É importante ressalvar que, embora a Lei Áurea de 1888 seja o marco do fim da escravidão,
não podemos dar um salto interpretativo e afirmar temerariamente que ela é a causa única e
exclusiva da abolição. O escravismo já vinha definhando, passando por transformações
estruturais e sofrendo implicações políticas, há anos desde o final do processo emancipatório,
até um ponto em que seu fim era irreversível. 1888 sela algo que tem raízes em décadas
passadas. Se me permitem uma analogia, a Revolução Puritana Inglesa de 1640 marca o fim do
feudalismo na Inglaterra e, consequentemente, do modo de produção servil. Ela, no entanto, é
reflexo de um longo processo anterior de transformações estruturais concernentes ao próprio
feudalismo, que foi decompondo-se até um nível de maturação que tornava necessária e
possível, dada a conjuntura, uma revolução social.
138
totalmente do trabalho negro cativo. A abolição selaria, portanto, a ruína desses
produtores.
inúmeras propostas de Lei passam a ser colocadas em pauta a partir da década de 1860.
Prado, do total desse conjunto, observa principalmente a Lei do Ventre Livre de 1871,
que tornavam emancipados os filhos de cativas logo após o nascimento (não é por acaso
que a Lei é também chamada de Lei dos Nascituros). O autor traça sua crítica
diversionista, serviu para frear as organizações mais radicais e assim bloquear avanços
da pauta abolicionista, aliviando pressões pelo fim da escravidão. Veja nas palavras de
Caio Prado:
escravista. [...] A lei do Ventre Livre não resultou assim, em última análise,
senão numa diversão, uma manobra em grande estilo que bloqueou muito
perigosos para aqueles que dependiam da mão-de-obra escravizada. Nem mesmo essas
medidas conciliadoras dos anos de 1860 e 1870, como a Lei do Ventre Livre, foram
cativos diminuía sensivelmente, até que chegou a níveis muito baixos nos últimos
JÚNIOR, Caio P. História econômica do Brasil. 20.ed. São Paulo: Brasiliense, 1977, p. 178-
163
179.
139
decênios do século XIX. Esvaía-se a galinha dos ovos de ouro que sustentava a
Não bastasse o quadro de escassez, a opinião pública fiava-se cada vez mais na
qualquer tipo de intervenção. Nem mesmo a Lei dos Sexagenários de 1885, que,
segundo Prado, foi recebida com “gargalhadas” pelos abolicionistas, conseguiu evitar o
(vimos que Beiguelman coloca o escravismo como uma criação capitalista e que, com a
processo de extinção do modo de produção até então vigente no Brasil a partir das
escravismo, Beiguelman aponta para o caráter quase que irrelevante da ação dos navios
ingleses: ela foi moldada por motivos muito mais localizados, que envolviam discussões
autora, a influência principal veio do próprio Brasil, dentro do debate político nacional,
Coroa.
a respeito da Lei do Ventre Livre. Aquela, em clara oposição a este, vê a medida como
importância até mesmo à Coroa nesse trâmite político, a autora entende a Lei como um
desse momento que a causa abolicionista começa a ganhar contornos mais gerais na
população brasileira, dado que a Lei dos Nascituros foi aclamada tanto pelos
⎯para criar um irreversível, posto tratar-se de questão que, uma vez agitada,
crescimento.164
os interesses, nesse sentido, pela solução imigratória. A melhor alternativa seria adotar o
trabalho assalariado.
alocados nas lavouras. A principal se dará entre o Oeste “Novo” Paulista e o Vale do
entrada de mais cativos. Aquela, pelo contrário, estava pouco abastecida de braços. Não
Prado). As duas regiões da província paulista, nesse contexto, uniram-se para bloquear a
entrada de cativos em São Paulo, contando inclusive com apoio do Norte brasileiro. A
Estas, por sua vez, ganharam ainda mais coro com a criação da Sociedade Promotora da
142
XX
período de transição que merece agora um olhar mais atento de nossa parte. Podemos,
nesse sentido, dividi-lo em três partes (não podemos esquecer, mesmo assim, que,
143
núcleos coloniais, o do sistema de parcerias e o da grande imigração subvencionada
pelo Estado.
de ser uma ideia interessante, cujo sucesso poderia dar outra direção à distribuição
fundiária no Brasil ao longo do século XX, na prática acabaram entrando num círculo
produção agrícola exigia um desenvolvimento dos mercados no país, que, por sua vez,
existe uma falha sistêmica inerente aos núcleos coloniais, dado que, para resolver o
assalariado nas lavouras era o próprio estado de muitas das propriedades, induzindo
muitos colonos a deixarem os lotes e partirem para o trabalho nas grandes fazendas. É o
deparavam.165
Costa, não podemos afirmar que, do ponto de vista do colono, a existência dos núcleos
coloniais terminaram em fracasso. O que nos ajuda a confirmar esse ponto é o fato de
165
COSTA, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 100-102.
144
que, entre 1827 e 1889, o Rio Grande do Sul assistiu à formação de quase 100 colônias
brasileira. De fato, as “falhas sistemáticas” dos núcleos notadas por Furtado fazem
sentido quando analisamos essa estrutura partindo dos olhos do grande proprietário, que
autônomos concorrentes.
maiores proporções. É dessa conjuntura adversa que tem início o modelo de parcerias,
meação dos lucros líquidos, oriundos tanto da plantação do café quanto da venda do
excedente da subsistência.
Num primeiro olhar, parece que o grande beneficiado era o próprio trabalhador
imigrante. Ledo engano. Ele já iniciava seus trabalhos com alto endividamento, dado
que os custos de viagem e de inicial sustento no campo eram arcados pelo proprietário.
Era necessário trabalhar até que a “conta” fosse paga. Na prática, acabava funcionando
segundo lugar, os colonos eram alocados em cafezais já constituídos, com solo em alto
Finalmente, eram recorrentes os casos de fraudes nos preços dos bens e nas passagens
145
para o Brasil, aumentando indevidamente as dívidas dos trabalhadores, forjando uma
ficaram sujeitos os colonos acabou gerando focos de tensão e revolta, como no caso de
Ibicaba em 1856.
Uma vez que o sistema de parcerias se mostrava inviável no longo prazo pelas
abria cada vez mais para solucionar o problema pela via da imigração subvencionada
pelo governo. A expansão das produções cafeeira e, em menor grau, algodoeira, assim
como alavanca para que o Estado arcasse com o ônus do estabelecimento de imigrantes
nas fazendas cafeeiras. Além disso, os fazendeiros do Oeste Novo, setor produtivo que
mais crescia e que ainda não se mostrava pleno de mão-de-obra, clamavam por braços
transitava da meação de lucros para o assalariamento puro, dava ao colono uma garantia
garantido.166 Assim, tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda por mão-de-
foi inclusive o quadro social na Europa, principalmente na Itália (de onde vinha o
Furtado: havia no país a disponibilidade de mão-de-obra livre. Por que, então, preferiu-
uma relação social muito profunda. Assim, a cooptação desses trabalhadores exigiria
não só pelo obstáculo intencional dos fazendeiros, mas também pelo surto da borracha
trabalho da borracha. Contribuiu também para o fenômeno a crítica seca nos sertões,
que perdurou de 1877 até 1880. Dizimando praticamente todo o gado e contribuindo
para quase 200 mil mortes, o fenômeno natural agravou uma condição social
167
PETRONE, M. T. S. Imigração assalariada. HOLANDA, S. B. de (org.). História Geral da
Civilização Brasileira. 5.ed. São Paulo: DIFEL, t. 2: O Brasil Monárquico, v. 3: Reações e
transações, 1985, p. 274-296.
147
estruturalmente calamitosa, levando os roceiros para a Zona da Mata. Esta, por sua vez,
incapaz de lidar com o quadro turbulento que tomava forma, funcionou como
visto de maneira muito pouco lisonjeira pela burguesia rural brasileira. Colocado como
província de São Paulo. Isso não implica o mesmo êxito em outras regiões do país, as
quais precisaram arregimentar o trabalhador nacional livre. É o que nos aponta Ana
Lanna:
experiência paulista faz com que a província mineira estabeleça uma série
vagabundagem.169
da Mata mineira, 1870-1920. Campinas: Editora da UNICAMP; Brasília: CNPq, 1988, p. 107.
149
XXI
O complexo cafeeiro
150
ampliação do movimento e do dinamismo do capital paulista, cujas bases estruturais
estão na elevação das exportações de café. É a produção deste gênero, portanto, que
XX. Como afirma Sérgio Silva, “A partir da década de 1870, e sobretudo a partir de
Brasil.”170
sobre as origens desse fundamento econômico. Ele nasce a partir do esgotamento dos
solos no Vale do Paraíba (primeira região com sólida produção de café no país), que é
sucedido por uma lógica diminuição nos rendimentos marginais. Por mais que a velha
zona cafeicultora tenha servido de inspiração literária para Monteiro Lobato em fins do
século retrasado, o quadro econômico e produtivo era lastimável. É o que nos mostra
Pierre Monbeig:
outro lado, atesta uma baixa contínua [...]. Ravinadas pela erosão, mal
170
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega,
1976, p. 49.
171
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec; Polis, 1984, p.
167-172.
151
Um dos principais e primeiros fatores que contribuíram para a constituição do
complexo cafeeiro foi a construção das ferrovias que partiam do Oeste novo para o
porto de Santos (que passava a ser, na passagem para o século XX, o principal ponto de
tantas que davam aos custos a terça parte do preço final do café. Veja a descrição de
estradas: eram veredas por onde mal passavam as tropas, em alguns pontos
tão estreitas que tinham apenas largura necessária para uma mula
sido contratados.172
espalhava pelo interior e ficava mais distante do litoral. Era necessário, vista a
172
COSTA, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 101.
152
estradas para que o crescimento dos custos não acabasse por inviabilizar a lucratividade
dos empresários do complexo. Nesse sentido, a expansão ferroviária viria como forma
de superação da crise dos transportes. Ao mesmo tempo, dada a base ainda escravista de
“questão da mão-de-obra”.
externo, por parte das províncias e do governo central, para a construção das estradas no
brasileira desde os anos de 1830, é em 1852 que ocorre a primeira concessão efetiva
da província). Flávio Saes nos fornece um bom panorama sobre como essa política de
SAES, Flávio A. M. de. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira: 1850-
173
153
É importante ver, com base no que já foi exposto, que a expansão das vias
desenvolvimento do modo de produção capitalista, que era exatamente o que veio a ser
nas relações econômicas e evidentemente deixou sua marca sobre a produção paulista,
tornando-se deveras influente nas direções tomadas pelo capital cafeeiro. Uma amostra
Confira o que nos aponta Silva quanto a esse novo patamar alcançado pelo capital
financeiro:
caracteriza precisamente [...] pelo papel dominante que a partir dessa época
de crédito para a produção agrícola. É justamente a partir dos anos de 1880, o sistema
paulista de crédito, com prazos mais vantajosos e taxas de juros mais aprazíveis, ganha
café no interior.
governo imperial. Isso porque o crescimento da produção de café não foi acompanhado
meios de pagamento foram notáveis: as contas nos bancos (em que estão inclusas as
letras a prêmio e os depósitos) chegaram a decuplicar no período que vai de 1875 até
1887.
fazendeiros paulistas. Era um caso inverso àquele típico do Vale do Paraíba numa época
anterior.
176
No caso do capital comercial, o comerciante fazia as vezes de “banco”, indo além de mero
intermediário entre produção e consumo, passando a adiantar recursos. No caso do usurário, é a
típica relação capitalista individual, em que o emprestador garante recursos ao produtor, com
certeza de um rendimento oriundo dos juros.
155
SEGUNDA PARTE
XXII
A proclamação da República
156
O processo de queda da Monarquia Brasileira, passando pela substituição desta
qual questões fundamentais são discutidas no que se refere ao Quinze de Novembro. 177
Uma delas, e talvez a mais importante, é sobre quais teriam sido os principais
relação a nossa pauta de exportações, não é surpresa para ninguém que o café ocupava o
grosso de nossas operações no comércio internacional. Nos anos de 1840, o gênero era
responsável por cerca de 40% das nossas vendas para o exterior. Cinco décadas depois,
o percentual sobe para pouco mais de 60%. Uma composição tal como essa de nossas
177
Claramente faço referência à data oficial de proclamação da República (quinze de novembro
de 1889).
157
fazendeiros. Do ponto de vista do restante da população, porém, que consumia uma
enorme soma de bens importados, havia uma perda de renda, em termos reais, e de
poder de compra, justamente por conta do aumento do nível de preços. Esse fenômeno
peculiar de nossa economia no século XIX foi chamado por Celso Furtado de
mesmo tempo em que, com o aumento das exportações após a desvalorização cambial,
eram construídas, assim como novos bancos, essenciais para o financiamento tanto da
era marcada por uma enorme adstringência, com baixíssimos níveis de liquidez
Não só a borracha, mas também o fumo e a erva-mate foram commodities que tiveram suas
178
mostra Furtado:
anteriores ao Quinze de Novembro, podemos agora nos debruçar com mais atenção às
expoentes foi Oliveira Vianna, focaliza seu olhar nas chamadas Questões Militar,
pelo trabalho escravo e os homens fortes do exército nacional. A confluência desses três
Veja como a própria Emília Viotti, que nos anos de 1960 realizaria um importante
revolucionário, seja por interesse, seja por paixão, seja por ignorância ou
dos elementos cruciais do “tripé monárquico” foi sendo derrubado um após o outro em
função dessas Questões que nada mais seriam do que momentos de instabilidade
política. Com a queda definitiva do tripé, caia junto a Família Real brasileira.
históricos sobre a proclamação da República em meados do século XX, então qual teria
sido a proposta chave de Viotti para reinterpretar o processo sob novas lentes? Imbuída
de uma metodologia marxista, pelo menos nos aspectos mais essenciais de seus
fundo material necessário para o processo de derrubada da monarquia. 181 Nesse sentido,
180
COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Fundação
Editora UNESP, 1999, p. 447-449.
181
Cf.: “Nenhuma revolução é feita em nome de ideias que não tenham alguma receptividade e
as razões que explicam por que certas ideias surgem ou vencem em determinado momento só
podem ser entendidas quando se analisa a realidade vivida pelos homens que lutam a favor ou
contra elas. A proclamação da República é o resultado, portanto, de profundas transformações
160
a transição da escravidão ao trabalho livre e assalariado, em que pesou a imigração
para que possamos entender bem o Quinze de Novembro. A partir de tais mudanças,
novos grupos foram ganhando força, com novos interesses político e econômico,
solapando gradualmente as forças hegemônicas até então. Trata-se das classes médias
urbanas, dos industriais que paulatinamente começavam a surgir em São Paulo e no Rio
federativo republicano estava por vir como “solução” para o problema. Veja nas
Vemos que, de fato, é nos anos de 1960 que a historiografia sobre a proclamação
da República ganha um caráter mais “robusto”. Não obstante, já na década de 1930 com
metade do século XIX, da qual a questão da transição dos modos de produção no Brasil
imperiais teriam sido o ponto de inflexão que culminou com a fundação da República.
frisante exemplo.184
monetário adequado, bem como sua inaptidão para encaminhar com firmeza
184
JÚNIOR, C. Prado. Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. 1933, p. 91.
185
FURTADO, C. Op. cit., p. 171.
162
Dado o quadro explosivo de contradições engendradas na própria sociedade brasileira
em seu fundo material, era de se esperar que cedo ou tarde ganhasse força um
organização ganha força na década final do Império com a adesão da imprensa em prol
da Família Real logo idealizaram um pacote de reformas ditas “estruturais” com o exato
sabemos, era de caráter vitalício), a liberdade de culto e de ensino, uma mudança na Lei
186
Veja como o próprio Visconde de Ouro Preto compreendeu a complicada conjuntura política
nacional: “Vossa Majestade terá seguramente notado que em algumas províncias agita-se uma
propaganda ativa cujos intuitos são a mudança da forma de governo. [...] No meu humilde
conceito é mister não desprezar essa torrente de ideias falsas e imprudentes cumprindo
enfraquecê-la, inutilizá-la, não deixando que se avolume. Os meios de consegui-lo, não são os
da violência ou repressão, consistem simplesmente na demonstração prática de que o atual
sistema de Governo tem elasticidade bastante para admitir a consagração dos princípios mais
adiantados (...). Chegaremos a este resultado, senhor, empreendendo com ousadia e firmeza
largas reformas na ordem política, social e econômica, inspiradas na escola democrática.
Reformas que não devem ser adiadas para não se tornarem improfícuas. O que hoje bastará,
amanhã talvez seja pouco.” Apud. COSTA, E. V. da. Op. cit., p. 486.
187
É importante ressaltar que as Reformas tinham o intuito não só de esfriar as pressões
republicanas, mas também de frear o movimento federalista, que surge exatamente por conta da
pouca autonomia dada às Províncias nos anos da monarquia.
163
demanda por uma república. De um lado, os conservadores do Império reclamavam que
o pacote era demasiado radical. Na outra ponta, os republicanos viam as propostas como
insuficientes. Todo o receio que se formou em torno das Reformas de Ouro Preto fez
XXIII
nova elite que se apossou do poder transferiu o centro de decisão da União para os
164
Estados (antes denominados Províncias). A república, uma vez ancorada nos princípios
dos 40 anos que englobaram nossa primeira fase republicana, as agremiações que irão
ditar a ordem do dia serão estaduais, a saber: o PRP (Partido Republicano Paulista) e o
Toda essa vasta autonomia que foi dada aos Estados com o fim do Império é
sociedade, a qual toma uma nova direção após o imbróglio transitório. A eleição de
Deodoro da Fonseca, tendo Floriano Peixoto como vice, em 1891 foi acompanhada de
ferrenha oposição por parte dos paulistas, que haviam lançado a candidatura de
Prudente de Morais. Ora, é natural que, com a vitória de uma figura indesejada, passasse
165
principais Estados. A oposição então só aumenta e, com a intenção de brecá-la, Fonseca
presidente acabou por fechar e dissolver o Congresso Nacional, o que minou ainda mais
por sua vez, dava sinais mais claros de que iria diminuir. O sufocamento das revoltas
exército, o que dava à República uma maior segurança para sua sobrevivência. Esse
fortalecimento do regime se deu também pela via do apoio paulista, uma vez que o PRP
Deodoro.
chefiada por um civil pela primeira vez. Não obstante, a homogeneidade no Congresso
ainda era uma miragem: os conflitos entre os Estados e dentro dos partidos que os
com a passagem de bastão para Campos Sales, outro paulista, e, portanto, com uma
continuidade política que refletia os interesses do PRP que a República terá de fato uma
vida mais tranquila. É importante, portanto, entender como o governo de Campos Sales
foi capaz de, no plano político, esfriar as tensões que rondavam o novo regime.
Campos Sales, e assim será até o início da Era Vargas, é o poder Legislativo que estará
166
encarregado de diplomar seus membros. Convém entender o quão habilmente essa
plenos poderes para exercer as funções que lhes cabiam. O Congresso Nacional, a partir
de então, passa a depender quase totalmente dos interesses das principais unidades
federativas (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e, em menor medida, Rio de
Governadores. O que foi falado no parágrafo pode muito bem ser ilustrado pelas
nível nacional, sob a hegemonia dos Estados mais fortes, Minas Gerais e
da vida republicana.189
189
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Op. cit., p. 181.
167
É importante notar que os principais Estados (São Paulo e Minas Gerais) que regeram o
brasileira para um outro patamar com a produção de café. Nas palavras de Caio Prado
Júnior:
XXIV
assalariado em fins do século XIX. É essa transformação estrutural que impõe a nossa
salários. Há, com isso, uma ampliação substancial do fluxo de renda no Brasil, levando
que a transição entre os modos de produção na economia nacional produz dois efeitos
anos imperiais. Esta, por sua vez, era agravada pelo frágil sistema bancário brasileiro do
período: estava fora dos costumes da população brasileira o apelo aos bancos, o que
acaba tirando destes boa parte do poder de multiplicação monetária. Podemos ter uma
[...] era raro o uso de cheques, com hábito comum ali de reterem os
169
satisfazendo então os seus débitos com as somas acumuladas em casa no
fazia sentir, a passagem para o trabalho assalariado provocou graves crises de liquidez.
Nem mesmo uma expansão da base monetária em 25 mil contos de réis feita por Ouro
Preto foi capaz de amenizar o problema. 192 Em suma, o quadro monetário se mostrava
reclamava em alto tom de voz por uma maior flexibilidade monetária em nossa
economia.194
fundo essa quadro monetário extremamente desconfortável. Uma série de medidas com
Congresso a partir dos planos do então ministro da fazenda Rui Barbosa. O primeiro
191
Apud. FRANCO, Gustavo H. B. A primeira década republicana. In ABREU, Marcelo de P.
A ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2014, p. 34.
192
Cf.: “Além do padrão-ouro, a outra importante medida de política econômica tomada por
Ouro Preto seria a criação dos chamados auxílios à lavoura. Tratava-se de um vasto programa
de concessão de crédito destinado a servir como compensação aos ex-proprietários de escravos
[...] o programa resultou em uma distribuição bastante seletiva dos créditos que favoreceria em
última instância [...] ‘a lavoura que tivesse condições de vida’.” Idem., p. 37.
193
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 170.
194
FRANCO, Gustavo H. B. Op. cit., p. 36.
170
passo foi um maior fornecimento, por parte do governo federal, de linhas de crédito
aprovação de uma nova Lei Bancária. A partir dela, instauravam-se três regiões do
Brasil com autorização para a emissão de meios de pagamento: o Norte, que englobava
os Estados da Bahia até o Amazonas; o Centro, que era composto por São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina; e o Sul, abarcando o
Mato Grosso, o Rio Grande do Sul e Goiás. As três zonas foram autorizadas a emitir
450 mil contos de réis lastreados em títulos da dívida pública do governo brasileiro.
Pouco tempo depois, outros bancos (Banco do Brasil, Banco Nacional do Brasil e
Banco dos Estados Unidos do Brasil) foram autorizados pelo governo federal a emitir
é mais que previsível: a rápida quantidade de papel-moeda emitido (335 mil contos) era
1,5 vez maior do que toda a quantidade de meios de pagamentos disponíveis até então
Veja o gráfico que mostra a expansão vertiginosa de nossa base monetária nos anos em
171
900.0
800.0
700.0
600.0
500.0
400.0
300.0
200.0
100.0
0.0
85
87
89
91
93
95
97
99
18
18
18
18
18
18
18
18
economia, a qual se deu também muito em função da aprovação da Lei das Sociedades
Anônimas. Com uma diminuição das restrições para a abertura de empresas, há uma
Não é necessária muita perspicácia para ver que a economia caminhava para
intensificação das especulações na bolsa com a feroz abertura de novas empresas sem
195
“Por volta de outubro de 1890, o governo mostra preocupações claras sobre o andamento da
especulação bursátil e chega inclusive a tomar medidas para detê-la através de um decreto
elevando os depósitos mínimos para a constituição de novas sociedades, o que criaria certa
dificuldade na praça. [...] O trabalho de “limpar” as carteiras dos bancos de emissão
preservando os empreendimentos viáveis se estenderia, na verdade, por vários anos.” FRANCO,
Gustavo H. B. Op. cit., p. 39.
172
que a atividade econômica estivesse devidamente preparada para isso, provocou um
desvalorização cambial:196
900.0 30.000
800.0
25.000
700.0
600.0 20.000
500.0
15.000
400.0
300.0 10.000
200.0
5.000
100.0
0.0 0.000
Araripe e Barão de Lucena evitaram controlar a expansão monetária muito por conta da
196
Em laranja temos a taxa de câmbio em pence/mil-réis, ao passo que a curva azul aponta para
a base monetária
173
Lucena. Ambos eximiram-se de proceder ao saneamento do grande instituto
especulativo reinante. Não resta dúvida, por outro lado, de que influências
no Brasil em 1891.197
nomeação de Joaquim Murtinho para o ministério da Fazenda. Seria levada a cabo uma
empréstimo externo tomado junto à Casa dos Rothschild, consolidando a dívida pública
para trás seu caráter inflacionista e assumiria uma postura visivelmente deflacionista,
com uma redução de 13,5% do meio circulante entre 1898 e 1902 e uma concomitante
à antiga Lei Bancária dos anos de Barbosa e que subitamente teve uma diminuição
frutos positivos para a economia brasileira a partir de 1903. Tem-se início, no governo
197
FRANCO, Gustavo H. B. Op. cit., p. 40.
198
Idem, p. 43.
199
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira.
Brasília: IPEA, 1973, p. 106.
174
de Rodrigues Alves, uma retomada do crescimento econômico, impulsionado também
ambiente industrial. O que acabamos de dizer é bem ilustrado por Villela e Suzigan:
Capital Federal. [...] Uma grande parte desses investimentos foi, contudo,
igual aumento no nível das exportações de café, amparadas pela renovada estrutura
logística. A defesa dos preços do café (sobre a qual falaremos com muito mais detalhe
do centro dinâmico a partir de 1930. Mas é importante ressaltar que, como nos mostrou
200
Idem, p. 106.
175
constantemente dependente da importação de bens de capital, a qual seria viabilizada
pelas exportações de gêneros, no caso o café. E foi exatamente isso que aconteceu. 201
Note o aumento da Formação Bruta de Capital Fixo a partir da década de 1900 e que
segue uma tendência ascendente que se intensifica até meados do decênio seguinte
1.4000E-09
1.2000E-09
1.0000E-09
8.0000E-10
6.0000E-10
4.0000E-10
2.0000E-10
0.0000E+00
01 903 905 907 909 911 913 915 917 919 921 923 925 927 929
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
XXV
A defesa do café
1.) Episódica
201
“É geralmente aceito que a mola propulsora do surto industrial ocorrido em São Paulo, e
provavelmente em outros Estados a partir da República, foi a própria monocultura do café. Ela
gerou as poupanças que os fazendeiros investiram não só em infraestrutura mas também em
atividades industriais substitutivas de manufaturas de consumo importadas, como tecidos,
alimentos, bebidas, etc.” Ibidem, p. 123.
176
Dado que realizamos a análise e a descrição da transição política brasileira,
monetária republicana, podemos adentrar no estudo sobre a defesa dos preços daquele
que era na época nosso principal gênero de exportação: o café. Começaremos, no que
comportamento cíclico dada a própria natureza da planta. Existe uma expansão inicial
da oferta dado que o cafeeiro produz de forma perene, completando seu ciclo em até
viáveis ao longo de mais de uma década, o que faz com que a oferta do gênero dependa
dos preços que se formam não no primeiro ano, mas em momentos anteriores, no início
da cultura. A procura, por sua vez, segue um caminho menos “tortuoso”, dado que
reflete os preços presentes. É claro, com base na explanação, que deveria haver, ao final
do ciclo uma queda no valor do gênero. Esta depreciação, porém, não teria duração por
tempo indeterminado uma vez que outros ciclos de produção poderiam ter início,
havendo então novo ajuste entre oferta e procura. Veja a descrição, sobre o que
do ano “t” dependeria, não do preço do café no ano “t”, mas de seu preço
177
entretanto, depende, no caso mais simples, somente do preço no ano “t”
[...].202
identificar três ciclos da produção do gênero. De todos eles, o mais decisivo certamente
é o segundo (1869 – 1885). Isso porque este tem como pano de fundo a expansão das
ferrovias na formação do complexo cafeeiro. A nova estrutura logística teria sido crucial
no novo quadro em que se encontrava a cultura de café: o Oeste Paulista, e não mais o
Vale do Paraíba, era a maior e mais importante zona produtora do gênero. O fim do
tráfico negreiro e da escravidão, que era o eixo norteador da produção dos Vales
desdobramentos para os empresários mais antigos das duas Províncias: arcaram com as
anos imperiais.203 Os homens fortes do Oeste, principalmente do Oeste Novo, foram, por
sensível queda nos preços de exportação do café, o qual passava por seu auge, como
cambial, servindo como um “colchão protetor” para os cafeicultores paulistas. Era assim
anos da década de 1890 (principalmente porque o câmbio descia a taxas muito maiores
202
DELFIM NETTO, Antônio. O problema do café no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981.
(Ensaios Econômicos, 16), p. 8.
203
Idem, pp. 21 – 23.
178
que o valor do bem).204 A saída do jurista da pasta da Fazenda, no entanto, e o início do
câmbio para uma valorização. Esta, por sua vez, deveria continuar a derrubada dos
preços do café, iniciada com a defasagem, que aumentaria cada vez mais, entre oferta e
40
20
-20
-40
-60
204
Cf.: “O quadro anterior revela a gênese do problema cafeeiro nacional. A coincidência de
uma queda mais rápida do câmbio do que dos preços do café criou condições para a expansão
da cultura cafeeira quando o mercado já não podia absorver a quantidade produzida a não ser a
níveis ínfimos de preços.” Ibidem, pp. 29 – 30.
205
Lembremos da relação que explicita os termos de troca, muito referenciada pelo cepalino R.
Prebisch em seu relatório de 1949: P x/Pm = 1/θ, em que Px é o preço de exportação, P m é o preço
de importação e θ é o câmbio real.
179
estatal na produção cafeeira. O Estado de São Paulo proibiu, no mesmo ano, um
aumento das áreas plantadas de café por todo o seu território. Durante 5 anos a oferta do
bem não poderia ser expandida.206 Mas é apenas em 1906, ano de uma desesperadora
supersafra do café, que a discussão sobre um plano mais robusto de valorização dos
partir da arrecadação com a sobretaxa de 3 francos sobre cada saca de café exportado. 207
aumento nos preços externos da commoditie com uma diminuição de seus preços dentro
206
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 43.
207
É bem verdade que políticas de “marketing”, com vistas a estimular a demanda internacional,
seriam levadas a cabo.
180
implicava defender não só os preços externos no nível de 32$000, mas também a
estabilidade do câmbio.208
O grande problema que permeava o duplo plano de defesa do Convênio era que,
café tinha sua raiz numa defasagem do mercado, dado que desde a última década do
século XIX a oferta excedia em alta proporção a demanda pelo gênero agrícola. A
defesa artificial destes a busca pela estabilização cambial num patamar desvalorizado
por intermédio da Caixa de Conversão justamente para impedir a corrosão dos lucros do
empresariado rural acabaria por transferir aos consumidores de bens importados (que
compunham boa parcela da população brasileira no início do século XX) uma série de
208
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 65. A defesa da estabilização cambial, embora
estivesse plenamente adequada aos interesses específicos da burguesia cafeicultora brasileira,
era tida como uma demanda quase que nacional, tanto por parte da população como por parte da
União. O controle do câmbio foi, pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, uma meta a ser
atingida. A grande questão é que os cafeicultores e os ditos economistas ortodoxos do período
divergiam quanto ao que seria o nível “adequado” da estabilização: aqueles pretendiam um grau
muito mais desvalorizado que estes, interessados no retorno da paridade de 1847 (26 pence/mil-
réis). Cf.: “Examinando as políticas monetárias, adotadas no Brasil antes da Primeira Guerra
Mundial, fica clara a constante preocupação do Governo com a estabilidade cambial. Não só o
Governo buscava uma taxa de câmbio estável, mas a estabilidade era desejada pela maior parte
da população. Havia então, como há agora, um consenso, de que a estabilidade da taxa de
câmbio era, ao menos em princípio, uma meta a ser atingida […]. Com o objetivo de defender
sua renda, os cafeicultores passaram a pressionar o Governo a adotar medidas que viessem não
só a aumentar os preços do café no mercado internacional mas, também, impedir que esses
preços continuassem caindo em moeda nacional […]. As divergências entre os cafeicultores e o
Congresso não se referiam às vantagens e desvantagens de se estabelecer um mecanismo que
tornasse a moeda conversível e mantivesse o câmbio estável. A discussão que se travou então
foi, sobretudo, a respeito do nível de taxa cambial a ser adotado pela Caixa de Conversão. Os
cafeicultores reivindicavam uma taxa desvalorizada […] os políticos ortodoxos defendiam uma
valorização ao nível da velha paridade de 1847 [...].” OLIVEIRA, Maria Teresa R. de; SILVA,
Maria Luiza F. O Brasil no padrão-ouro: a caixa de conversão de 1906-1914. História
Econômica &História de Empresas IV, I (2001), p. 83 – 114.
181
perdas em função da elevação dos preços desses mesmos bens. Veja nas palavras do
Existia uma superprodução, causada por várias razões, e é certo que uma
problema cambial e procurar baixar a taxa cambial e fixá-la nesse nível (era
Uma vez que os objetivos do Convênio foram acima analisados, podemos delinear as
cada safra de café exportado deveria ser imperceptível ao consumidor, de modo que a
procura sofresse mínimos impactos; b) a elevação dos preços do café para o nível de
que era de fato improvável, dado que o segundo maior produtor, que era a Colômbia,
determinadas em 1902.211
209
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 66.
210
Cf. Martins & Johnston, 150 anos de café, Apêndice estatístico.
211
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 76.
182
como se deu realmente a execução do plano de valorização. Se era necessário contrair
extremamente delicada quando apenas o Estado de São Paulo decidiu assumir por
libras junto ao Brasilianisch Bank fur Deutschland, cobrando, não obstante, a sobretaxa
monetárias necessárias para a viabilidade do plano, tem início a estocagem das sacas de
algumas localidades do Brasil. Para que o café mineiro e fluminense não fosse
nível considerado “ótimo” no ano de 1908. Até então, a expectativa do mercado era de
que a União e o Estado de São Paulo saldariam suas dívidas com os estoques. É só
quando essa incerteza é eliminada que o valor da safra passa a reagir positivamente.
212
Idem, pp. 67 – 68.
183
O plano de valorização, levando em consideração os objetivos perseguidos, deve
ser visto como bem-sucedido. De fato, entre 1908 e 1912, os preços aumentam
que certamente levaria a uma diminuição da oferta, adequando-se ou ficando até inferior
sistema de preços do café, assim como abriram precedente para futuras ingerências
relação aos Governos Federal e Estadual no que concernia a futuras defasagens entre
213
Além do empréstimo principal de 15 milhões de libras esterlinas assumido conjuntamente por
São Paulo e a União (a unidade federativa, como vimos, tomou 1 milhão emprestado do
Brasilianisch Bank fur Deutschland e o restante foi levado a cabo pelo Governo Federal junto
aos Rotschild), os paulistas arrendaram a sorocabana e contraíram novo empréstimo de 2
milhões de libras esterlinas. Outra forma de financiamento veio por intermédio da União, que
forneceu ao Estado crédito de 3 milhões de libras de modo a regularizar a estocagem.
214
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 75.
184
oferta e demanda. Abria-se, com isso, margem para novos planos de valorização
artificial.215
federal como a nível estadual) tem raízes em dois fatores imbricados e que atuaram, por
café, mobiliza 110 mil contos de réis para a formação de estoques. É importante
ressaltar que a União havia retomado, como forma de financiamento do déficit público,
repasse desse montante de meios de pagamento. Paralelo a isso, o Estado de São Paulo
adquiriu 3,1 milhões de sacas de café no porto de Santos pelo valor de 30$000 cada
uma.
acima, com toda a certeza dependeu dos esforços das instâncias do executivo federal e
fenômeno natural crucial para a elevação dos preços: a geada de 1918 no Estado de São
Paulo. A restrição natural do suprimento mundial de café elevou o valor da saca de café
de tal forma que todos os estoques, inclusive aqueles realizados em 1906 no Convênio,
215
Idem, p. 90.
185
foram vendidos. Ao fim e ao cabo, os homens fortes da cafeicultura recolheram lucros
defender o preço do gênero no mercado mundial, não podemos fazer vista grossa com
grosso dos bens consumidos pela população. Como nos afirma Delfim Netto:
A escalada dos preços do café em 1918 abriu novo precedente para que, no
reais. O quadro da economia mundial que motivou a terceira operação de defesa era, por
sua vez, o de uma restrição do crédito americano e europeu para importar sacas de café,
2.) Permanente
216
Ibidem, p. 98.
217
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., pp. 99 – 100.
186
O propósito da política de defesa permanente dos preços do café era o de uma
nos entroncamentos entre as ferrovias que desembocavam nos portos. Com isso,
serviriam, por sua vez, como garantia de empréstimos realizados a juros módicos.
Com o que foi ligeiramente exposto nos dois parágrafos anteriores, podemos ver
que a nova estratégia de defesa do café tem um fundamento completamente diverso das
desesperador desequilíbrio do mercado mundial do bem, tendo, por assim dizer, caráter
esporádico. Na realidade, o que se buscava agora era a fixação de um preço tal que os
defasagem entre a oferta e a demanda internacional de café. 218 Celso Furtado, porém,
nos mostra precisamente que uma política cujo norte se dava pela manutenção teimosa
218
Cf.: “É preciso considerar-se com cuidado a diferença entre esta nova fase da defesa e as
anteriores. Até aqui as intervenções tinham tomado o caráter de medida de salvação da lavoura
[...]; eram tomadas já quando a situação do mercado cafeeiro era suficientemente grave e
mesmo assim só depois de muita discussão e oposição [...] Ora, a ideia da defesa permanente
era exatamente o oposto.” Idem, p. 125.
187
do nível de preços em um patamar elevado acabaria estimulando consistentemente a
desequilíbrio externo.219
economia mundial expôs o enorme desequilíbrio que se formou, desde o início das
operações nos anos de 1920, entre a oferta e procura mundial por café. Os problemas
estruturais que derivam da defesa permanente e que Furtado nos apontou ficam
experimentara uma baixa nos preços esperando por uma elevação da demanda, o que
por café.220 Era necessário, em função da escassez de recursos, que o valor da saca de
219
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 182.
220
DELFIM NETTO, Antônio. Op. cit., p. 138.
188
café fosse defendido por meio de métodos inteiramente novos e arriscados. No início da
Era Vargas, o Governo Federal assume o compromisso de queimar as sacas de café. 221 É
comparação ao que já tinha sido feito anteriormente) de defesa dos preços do café, o
221
Trataremos com muito mais detalhes posteriormente a respeito do período que compreende o
fim da Primeira República e o início da Era Vargas.
222
FURTADO, Celso. Op. cit., pp. 190 – 193.
189
XXVI
A industrialização controversa
Argentina e México, no rol das nações que passaram pelo complexo processo de
não-linear que permeia a formação do parque industrial brasileiro não poderia provocar,
223
Há quem diga, não obstante, que o Brasil hoje passa por uma desindustrialização.
Claramente, um debate que tenha como núcleo tal problemática só pode ser rodeado de
economistas ou outros profissionais e acadêmicos que não possuem a menor ideia a respeito dos
fundamentos básicos da História Econômica do Brasil. Não nos esforçaremos, portanto, em
entrar, nem que superficialmente, em tal discussão.
190
É possível, com base no que foi afirmado acima, identificar quatro linhas
como resultado de Políticas Governamentais. Cabe agora delinear com mais detalhe o
que cada vertente diz sobre a modernização da economia brasileira e como cada uma
Vale notar que o impacto vindo de fora faz-se sentir inclusive no sistema de preços,
do centro só poderia, nesse sentido, acontecer pelas vias da industrialização. Veja como
periféricos era “voltado para fora” [...] com a procura externa funcionando
industrialização.225
Mas por qual razão podemos dizer que a CEPAL se encaixa na chamada versão
relevância razoável. Assim, não só a crise de 1929 e a Grande Depressão são descritos
preços dos bens importados pela periferia, como choques adversos, promovendo a
etapa. Mas hizo falta que sobrevinieses con el primer conflicto belico
225
Idem, p. 26.
192
demonstraran las posibilidades industriales de aquellos países […] y que, en
del impulso que desde fuera había estimulado hasta entonces la economía
población.226
1930 exige que seja realizado o esforço de enxergar como o autor articula o abalo
externo da grave crise mundial com as políticas governamentais de queima das sacas de
226
Estudio Económico de America Latina, 1949. Elaborado por la secretaria de la Comision
Económica para America Latina. Naciones Unidas, Departamento de Asuntos Económicos. NY,
1951, p. 4.
227
Vale dizer que Tavares, como veremos a seguir, migra da linha dos choques adversos para
aquela que interpreta a industrialização brasileira com base no desenvolvimento do capitalismo
tardio. A autora estaria, com isso, movimentando-se do pensamento cepalino para o marxista.
193
funcionando como um atenuante do multiplicador do desemprego, uma vez que realizou
setor da atividade econômica brasileira. A crise de 1929, por sua vez, tem um duplo
direcionamento. Ela represa internamente o nível de renda que havia sido defendido
pela intervenção estatal, uma vez que os preços de importação tornam-se mais caros,
renda para outros nichos da economia brasileira. A depressão mundial teve impacto
nacional, uma pressão sobre os produtores nacionais para o mercado interno, os quais
ampliando a capacidade produtiva nacional. 229 Furtado assim nos explica como a
principais economias do mundo davam ainda seus primeiros passos rumo à recuperação.
228
É importante que se note que o aumento do nível de preços dos bens importados tem como
fatores de causalidade tanto a crise de 1929 como a política de defesa do café empreendida no
início da década de 1930. De fato, o choque negativo da economia mundial, produzindo um
quadro inflacionário na Europa e nos EUA, encareceu a mercadoria importada. Mas, é
necessário ressaltar que a forma de financiamento da queima das sacas de café (expansão
creditícia) provocou intensa desvalorização cambial, contribuindo também para o
encarecimento dos bens internacionais. Cf. FURTADO, Celso, Op. cit., pp. 195 – 197.
229
Cf.: “[...] a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se
num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,
inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer
preconizado em qualquer dos países industrializados. [...] Que destino tomava essa renda, que,
devendo ser despendida no exterior em importações, ficava represada dentro do país pelo
mecanismo corretor da baixa do referido coeficiente? É evidente que ia pressionar sobre os
produtores internos. [...] Outro fator que se deve ter em conta é a possibilidade que se
apresentou de adquirir a preços muito baixos, no exterior, equipamentos de segunda mão.”
FURTADO, Celso. Op. cit., p. 199.
194
Essa linhagem interpretativa tem como principais nomes Dean e Nicol, os quais
desenvolvem uma tese que corrobora muito com a interpretação furtadiana sobre a
justamente porque o complexo cafeeiro que se formou na passagem do século XIX para
empresariado paulista. A raiz da classe dos industriais do Estado de São Paulo está nos
comerciantes brasileiros. Não apenas esse aspecto, mas também o maior conhecimento
anos de 1930 são Sérgio Silva, João Manuel Cardoso de Mello e Maria da Conceição
Tavares.
génesis de la industrialización en São Paulo. Revista Mexicana de Sociología, vol. 39, no. 3,
Cuestiones agrarias en America Latina (Jul. - Sep., 1977), pp. 781-797. Publicado por
Universidad Nacional Autónoma de México. DOI: 10.2307/3539877. Disponível em
http://www.jstor.org/stable/3539877.
232
Apesar das industrializações periféricas da América Latina terem sido colocadas em marcha
com as bases comuns da dependência e do subdesenvolvimento, é inconcebível abstrair das
peculiaridades entre os processos de modernização pelos quais cada nação latino-americana
passou nos séculos XIX e XX. Este trabalho, porém, não será capaz de aprofundar tais
pormenores.
196
nacional”. É disto, na verdade, que o conceito de dependência pretendeu dar
conta.233
Nesse sentido, não é por acaso que a atenção, quando analisamos especificamente o
Brasil (como fizeram Silva, Tavares e Mello), seja dada para a cafeicultura como o
“marco-zero” de todo o processo. Ela atinge seus picos mais altos justamente na
transição estrutural! O que também não é mera coincidência, dado que uma economia
possuidores apenas de sua força de trabalho impõe limites para a acumulação de capital
na atividade cafeeira. Não se pretende aqui dizer que o capitalismo não conviveu ou não
convívio, entretanto, não se dá com harmonia pura e simplesmente, mas sim em viva
de capital com a produção de café alcançaria níveis inéditos nos decênios finais do
233
MELLO, João M. C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 25.
234
Cf.: “Há contradição entre capitalismo industrial e formas de trabalho compulsório porque se
exige, na periferia, generalização das relações mercantis, quer dizer, mercantilização das forças
de trabalho. Só o trabalho assalariado poderia significar mercados os mais amplos possíveis e,
simultaneamente, produção mercantil complementar em massa.” Idem, p. 45.
197
Até aqui parece que a interpretação descrita acima se espelha na linha da
industrialização induzida pela expansão das exportações. De fato, quando se pensa que a
na indústria, imagina-se, como falou Dean, uma conexão direta e linear entre uma e
outra. A grande diferença entre uma e outra interpretação, porém, se dá pelo fato de que
os autores do Capitalismo Tardio enxergam uma relação não direta e lógica, mas sim
capital industrial, assim como impunha limites a ela. Ao mesmo tempo em que havia
Versiani. Toda a análise está fundamentada num estudo quantitativo a respeito das
Dado esse panorama inicial, pode-se dizer que a tese dos autores é a de que deveria
haver uma relação de forte causalidade entre picos de produção industrial algodoeira e
235
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega,
p. 97.
198
variações na taxa de câmbio. Como é de se esperar, nos períodos de valorização
grande exemplo disso foi a instauração das tarifas Alves-Branco em 1844. Ou seja, já no
aproveitar os surtos produtivos até mesmo como forma de sanar o déficit orçamentário
das tarifas podia ser importante na medida em que sobrevivia a essas fases,
parcialmente.237
236
Nesse sentido, os Versiani, aproximando-se ligeiramente de Dean, mostram a importância
dos comerciantes importadores para o processo de formação industrial brasileira. Cf.
VERSIANI F. & VERSIANI, M. T. R. O. A industrialização brasileira antes de 1930: uma
contribuição. Estudos Econômicos. São Paulo, v. 5, n. 1, jan/abr 1975, p. 42 – 43.
237
Idem, p. 54.
199
XXVII
falência dos mecanismos de defesa permanente do café (como já foi explicitado nos
capítulos anteriores), o Brasil se encontra no limiar de uma inflexão política que será
1930 é marcada pelo fim da chamada República Velha e pela quebra da hegemonia das
200
Antes de adentrarmos de fato na análise da inflexão propriamente dita, convém
passava era um verdadeiro controle eleitoral por parte das unidades federativas,
principalmente São Paulo e Minas Gerais, construindo mecanismos até mesmo para
chamada Lei de Verificação dos Poderes, que tirava a autoridade do Judiciário para
acontecia realmente era um ajustamento entre os partidos estaduais para determinar até
gênero no mercado mundial), torna-se claro que todo o invólucro político delineado
burguesia cafeeira brasileira. O Estado era fruto das articulações da classe e, como não
poderia deixar de ser, tinha sua existência pautada pela defesa das vontades de seus
chefes.
As evidências empíricas do que foi dito acima nós já tratamos quase que
fundação da Caixa de Conversão, das políticas episódicas de defesa dos preços do café,
1920, além das políticas creditícias geralmente expansionistas que permearam todo o
esforço de defesa desde o início do século XX, as quais serviram justamente para a
201
manutenção dos estoques e dos armazéns. Veja o que dizia o próprio presidente Epitácio
financeira do Brasil.238
República.239 Se até o fim dos anos de 1920, as fracas tensões existentes no seio da
esse quadro deixa de ser a tônica na medida em que o setor industrial da classe
dominante começa a ganhar mais espaço no cenário econômico e político a partir disso.
menos até o fim dos primeiros cinquenta anos do século passado. A interpretação
canônica da “Revolução de 1930”, a de Boris Fausto, considera até mesmo que não
rivalizar com os produtores de café. E isso é que acabaria por determinar os rumos da
autor:
238
Epitácio Pessoa, 1921. Apud DELFIM NETTO, Antonio. O problema do café no Brasil. São
Paulo: IPE/USP, 1973, p. 110.
239
FURTADO, Celso. Op. cit., pp. 181 – 182.
202
[...] a organização social da Primeira República é marcada pela
grupo que apresentasse uma opção viável, em oposição aos seus interesses
setor da burguesia forte o suficiente para fazer frente às oligarquias cafeeiras é a razão
também os setores urbanos médios e até mesmo militares de baixa patente (os tenentes
máximo que a Aliança Liberal poderia alcançar em suas demandas era uma reforma
Washington Luís se completava com o Partido Democrático. Fruto de uma cisão interna
Boris Fausto. A Revolução de 1930. In MOTA, Carlos G. (org.). Brasil em Perspectiva. São
240
estabilizando o câmbio a níveis mais valorizados que aqueles desejados pelo setor
café.
Vargas ao poder. Mas o que não pode se ausentar na análise é o impacto do crack da
O próprio Estado que se configura a partir de 1930, nascido num ambiente sem
burguesia. O executivo sob comando de Vargas ocupa, nesse sentido, o que antes se
apresentava como um vazio de poder, incapaz de ser preenchido por uma ou outra força
oposicionista.
242
Ibidem, p. 242
204
OS “AUSENTES” DA “REVOLUÇÃO DE 1930” – A LEITURA DE TRONCA.
convém dar espaço para uma outra leitura a respeito do fim da República Velha. Trata-
se dos estudos de Ítalo Tronca sobre o papel do movimento operário no processo que
Tronca recusa a leitura de Fausto de que o Estado que vem com a “Revolução de 1930”
teria surgido “do alto”, com o fim único e exclusivo de preencher um vazio de poder
realidade, toda a inflexão é fruto das lutas de classes entre o operariado e a burguesia
industrial. A própria CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) teria papel
trabalhadora (fruto de uma visão dogmática sobre o Estado brasileiro, que ainda seria,
“Revolução de 1930” por parte do próprio PCB acabou servindo para ofuscar o papel do
proletariado na inflexão do quadro político brasileiro na virada de década, uma vez que
Getúlio Vargas (1934 – 1937), é fundamental analisar o quadro nacional nos anos do
Estado Novo, ou seja, no período em que Vargas se consolida como ditador máximo do
país.
o fato de que somente a partir do golpe de 1937 nós podemos falar em um Estado
cafeeira faz com que fique muito difícil usar a mesma simbologia. É por isso que um
regionalismos, na busca por associar quase que unilateralmente sua figura à da Nação.
economia de caráter feudal soa para nós como completamente falsa e oportunista. Além disso,
está completamente distante do marxismo. Não há erro mais crasso em história econômica do
que afirmar que, em algum momento de nosso desenvolvimento, passamos pelo modo feudal de
produção, o qual, por sua vez, só teria sido varrido do país com a “Revolução Burguesa de
1930”. Algumas linhas do estalinismo brasileiro perpetuaram o oportunismo, cravando que o
Estado Brasileiro até hoje não é plenamente burguês, sendo necessário, antes da emancipação
definitiva dos trabalhadores, a submissão do proletariado aos interesses da burguesia nacional
anti-imperialista. Fica aqui, para os estalinistas de plantão, uma pequena pergunta: se até 1930,
nossa economia e, consequentemente, nosso Estado eram feudais, como explicar a greve geral
da classe trabalhadora em 1917 e as consideráveis taxas de crescimento da produção e do
investimento industrial na década de 1910 antes do conflito mundial?
206
O Estado Novo teria de ser o Brasil e o Brasil teria de ser o Estado Novo. Veja de
federais para o Estado de São Paulo, eliminando a figura do governador, tão influente
nos anos áureos das oligarquias do café. Veja o panorama dado por L. Sola a respeito
O golpe de 1937 foi articulado por um conjunto de generais das Forças Armadas
Brasileiras (Gaspar Dutra, Góes Monteiro, Daltro Filho, etc.) que serviriam inclusive
anteriores ao golpe, em que pese a ação da ANL e do PCB em específico. Este era um
com um programa que englobava, entre outras coisas, a reforma agrária e o não
que poderiam motivar a classe trabalhadora e parte das classes médias urbanas.246
ideológica para as perseguições e para toda a repressão civil por parte do Estado
atento de nossa parte é a relação que se estabelece entre Vargas e a classe trabalhadora.
Estamos certamente nos referindo à legislação trabalhista nos anos da ditadura. Numa
justa causa; etc.249 Não podemos, porém, cair numa ilusão perigosa. Junto às
sindicatos, tornando-os cada vez mais dependentes do aparelho estatal por meio da
Primeira Era Vargas (1930 – 1945) em si, trataremos com mais detalhes nos próximos
tópicos, assim como da queda do Estado Novo ao final da Segunda Guerra Mundial.
249
Idem, p. 271.
209
nos casos das defesas do preço do café na República Velha), passando a assumir o papel
XXIX
210
produto real de nossa economia, uma economia dependente do setor
pela elevação do produção industrial em 11,3%. O que foi falado pode ser demonstrado
no gráfico abaixo:251
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
9 30 931 932 933 934 935 936 937 938 939 940 941 942 943 944 945
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
250
SILBER, Simão. Análise da Política econômica e do comportamento da economia brasileira
durante o período 1929/1939. In VERSIANI, F. R. & BARROS, J. R. M. de. (orgs) Formação
econômica do Brasil: a experiência da industrialização. 1a. Ed. São Paulo: Saraiva, 1978, p,
187.
251
Fonte: IPEADATA. Para 1901-1947: Haddad, Claudio Luiz da Silva. Crescimento do
produto real no Brasil, 1900-1947. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1978. Apud:
Abreu, Marcelo de Paiva (Org.). A ordem do progresso - cem anos de política econômica
republicana. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Obs.: Produto Interno Bruto (PIB). Série
interrompida.
211
79% do produto nacional era ocupado pela produção agrícola, quadro que se mantém 12
anos depois em 1919. É fundamental notar, porém, que o peso do setor industrial
contribuía com 21% para a composição do PIB, 20 anos depois ele passa a formar 43%
período que vai de 1929 até 1939, podemos ver que a taxa média de elevação anual da
industrial apresentada pela economia brasileira num contexto de crise mundial deu-se
secundária fez com que a indústria nacional passasse por surtos de industrialização com
setor primário passou imune pelos desdobramentos da crise mundial. Salientamos que a
importância relativa do café em nossa pauta de exportações, cedendo mais espaço para o
algodão. Não é que a produção daquele que era até então nossa principal commoditie
produção algodoeira é que fez com que esse bem primário aumentasse seu percentual na
252
Cf. VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia
brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973, p. 180 e p. 241 (gráfico)
253
Idem, p. 211 – 213.
254
Ibidem, p. 213.
212
composição de nossas vendas para o comércio mundial. De acordo com Villela e
Suzigan:
de 1930. Trata-se da nova dinâmica demográfica que passa a operar no Brasil neste
Janeiro e São Paulo. Esse aumento da participação da “paisagem urbana” (peço perdão
aos geógrafos pela apropriação apressada de um termo tão caro à literatura geográfica
brasileira pode ser creditado por um fenômeno novo para a época: a maciça entrada de
nordestino que tentava a vida nas fábricas de São Paulo e do Rio de Janeiro.256
255
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 202.
256
Cf.: “A década de 1930 foi o ponto alto das migrações internas para o antigo Distrito Federal
e para o Estado de São Paulo. Entre 1934 e 1940, só no Estado de São Paulo entraram cerca de
322 mil imigrantes brasileiros, dos quais 67% provinham da Bahia e do Nordeste. Esse anos
constituíram o período de transição da imigração internacional para a imigração interna. [...]
Não era coincidência que os dois maiores centros absorvedores de imigrantes brasileiros fossem
também os dois maiores centros industriais do País que, no momento, experimentavam rápido
desenvolvimento industrial. Entre 1920 e 1940, como consequência [...] observou-se grande
crescimento da população urbana [...] que passou de 4,6 milhões, em 1920 para 6,2 milhões, em
1940.” VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 181-182.
213
Uma vez que apresentamos o panorama geral das tendências que se
econômico brasileiro nos anos em que Getúlio Vargas esteve na chefia do executivo.
atividade industrial no mesmo período? Essas e outras questões pertinentes foram objeto
dentre eles Furtado, Peláez, Villela e Suzigan, Fishlow, Simão Silber, entre outros.
nos anos de 1930 é aquela de Celso Furtado, o qual buscou analisar o deslocamento do
centro dinâmico. Como já vimos, o crack da bolsa de Nova York em outubro de 1929 e
a crise mundial que o sucedeu foi o elemento definitivo para a falência da estrutura
institucional montada nos anos de 1920 para a defesa permanente dos preços do café no
mercado mundial. O Estado brasileiro após o fim da República Velha teve a difícil
exportação. E esta é garantida, por sua vez, por meio da queima extensiva de sacas de
café antes estocadas. Dado que o financiamento não se deu mediante empréstimos
externos, mas sim por meio da expansão creditícia nacional, era de se esperar que o
internacionais (já com preço elevado em função da escalada inflacionária nos países
214
É importante ressaltar, porém, que a estratégia de defesa funcionou como uma
política pré-keynesiana anticíclica, segurando a renda nacional em níveis nos quais foi
possível desviar a demanda por bens de consumo para o mercado interno. O desvio, na
economia, fez com que a indústria nacional passasse a ser o grande amortecedor das
Eis o mecanismo mais geral pelo qual a economia brasileira acabou resistindo
aos impactos da Grande Depressão, ampliando sua produção industrial com utilização
centro dinâmico como foi possível a rápida recuperação do PIB nacional na comparação
que daremos sobre sua discussão historiográfica com o autor de Formação Econômica
(PELÁEZ, 1971).
queima perene de estoques volumosos de café, Peláez aponta que a estratégia tomada
215
O autor, nessa linha de argumentação, recusa a ideia de um keynesianismo
avant-la-lettre promovido por Vargas nas queimas de sacas e mais sacas de café. Na
mundial teria sido o saldo positivo na balança comercial nos anos de 1931 e de 1932.
Isso porque apenas em momentos muito específicos, e por razões também pontuais, o
política econômica no governo varguista. Peláez tenta fortalecer ainda mais seu
partir de 1937, toda a queima de sacas de café se realizou a partir do uso das chamadas
operacionalizado desde o início da década de 1930 foi financiado grosso modo por um
canônica de que a manutenção da renda no setor cafeeiro foi sucedida por uma
com o autor, foi um desvio da renda nacional para outras atividades primárias,
fim definitivo da política de defesa do café que a atividade industrial pode dar saltos
216
Os autores Villela e Suzigan, famosos por seus estudos quantitativos, seguem as
seguido uma diretriz mais ortodoxa do que aparentava, estando norteada pela ideia fixa
do equilíbrio orçamentário nas contas públicas, de modo que não houve uma reação
afirmar que o setor secundário de nossa economia desenvolveu-se apenas com o fim do
Albert Fishlow no debate iniciado por Peláez nos anos de 1960. O autor é original ao
maneira, da linha furtadiana de análise, dado que aceita o papel do Estado brasileiro na
Furtado ao apontar que a política econômica, mesmo esta tenha sido inicialmente guiada
217
deduz pelo interesse do governo em aumentar a expansão creditícia para garantir a
Furtado, como mostramos acima, também faz sua aproximação e qualificação a respeito
ambiente de recessão mundial. Mas Fishlow qualifica Peláez ao apontar que este não
econômica num ambiente de crise. Em segundo lugar, o autor aponta que o ônus
tributário não foi arcado pelos próprios latifundiários, como supôs Peláez, mas sim
atividade industrial tal como Furtado apontou, ela teve sim um papel crucial para o
teriam sido: a retomada da elevação das exportações entre 1932 e 1936, assim como a
redução dos impostos sobre a venda dos bens para o comércio mundial.
Silber sobre o desenvolvimento econômico brasileiro nos anos de 1930, assim como
Suzigan. Separando os vinte anos entre 1919 e 1939 pelos decênios 1919 – 1929 e 1929
218
– 1939, o autor faz uma dupla aproximação à política de defesa do café e às políticas
Assumindo o café como o centro dinâmico da economia pelo menos até a crise
Silber é categórico em afirmar que a política de defesa do café (tanto a última de caráter
episódico como a permanente) foi bem sucedida em seus objetivos mais imediatos:
A política de defesa do café entre 1919 e 1929, apesar de atingir êxito, foi
idealizadores do plano de valorização do café entendiam que era fundamental, para que
câmbio em níveis mais ou menos desvalorizados. E é o que de fato ocorre entre 1919 e
1923. Nesse período inclusive Silber nota que a depreciação cambial funcionou também
encarecimento das importações de bens finais, a produção interna passa a ser o principal
componente para o abastecimento da demanda nacional. Após 1923, porém, Silber nos
aponta uma estabilização do câmbio em taxas mais apreciadas, o que se explica pelo
valorização cambial. Não obstante, abriu-se maior margem para a compra de bens de
219
Com a crise econômica mundial seguida do crack da bolsa de Nova York em
nesse aspecto concorda com Furtado ao salientar que houve um desvio da demanda
nacional para o mercado interno, o que foi viabilizado justamente pela defesa da renda
produção nacional então passa a ser o principal amortecedor das pressões oriundas da
porém, que este autor não tenha feito as devidas qualificações à análise canônica
daquele economista. As críticas de Silber residem no fato de que Furtado não entendeu
funcionou como uma política pré-keynesiana anticíclica, afirmar a mesma coisa para o
período que vai de 1923 até 1929 não procede. Como mostramos, Silber nota uma
distorção nos preços relativos por conta da apreciação cambial que resulta do êxito da
política de defesa a partir de 1919. Distorção essa que bloqueou o aumento da produção
220
brasileiro. Por outro lado, Furtado não notou, de acordo com Silber, o papel do
viabilizar a queima das sacas, o qual acabou também funcionando como um efeito
Tudo o que foi dito pode ser sintetizado nas palavras do próprio autor:
defesa do setor cafeeiro. Parece-nos que Celso Furtado tem o insight correto
mencionadas […].257
221
As qualificações de Silber a Furtado são relevantes, mas as mais categóricas se
Uma estratégia de queima de sacas e mais sacas de café ao longo de anos não pode ser
considerada outra coisa que não uma política efetivamente anticíclica e que inclusive
nacional nos anos de 1930 em diante. A própria grandeza do déficit fiscal nos primeiros
três anos em que Vargas esteve na chefia do poder executivo, assim como a necessidade
afirmar que o aumento da carga tributária no setor cafeeiro tenha sido o único meio de
impostos foi arcado pelo consumidor estrangeiro por conta da inelasticidade preço da
cambial que se segue ao keynesianismo avant-la-lettre empreendido por Vargas não foi
apontado por Peláez, o que é crucial para entender também a condução não ortodoxa da
222
afirmações de que as compras de café foram financiadas basicamente por
impostos não corresponde de forma exata aos seus próprios dados […]. […]
interpretação.258
XXX
258
Idem, p. 203.
223
complexificação da economia brasileira. Com o objetivo de atingir uma noção mais
mais que esperado que a situação do Brasil na economia internacional se fundasse num
internacional que eram de posse do Banco de Brasil (que ainda naquele momento
mundial na qual se inseria o Brasil era acompanhada de uma queda de 26% nas relações
sendo 55% no preço. Estava assim montado todo o aparato para uma grave crise
cambial, uma vez que nosso regime cambial à época era flutuante. Não foi por mero
acaso ou coincidência, portanto, que sucessivas moratórias até o ano de 1931 chegaram
259
Uma das causas cuja menção se faz necessária é a falência da própria Caixa de Estabilização
no final do governo W. Luís. A própria entidade era responsável pelo gerenciamento de nossas
reservas em moeda internacional
260
Convém recordar das observações de Furtado a respeito do caráter adverso da “conta capital”
numa economia periférica como a brasileira. Em situações críticas como a da Grande
Depressão, a fuga de capitais para as nações centrais, mais “seguras”, tornava quase impossível
evitar um desequilíbrio para baixo da conta de capitais do Brasil.
224
o Banco do Brasil adota o monopólio cambial. Voltávamos ao regime de câmbio fixo.
monetária com base no câmbio oficial, menor que a taxa de mercado. Nas palavras de
britânico para acomodar a crise cambial na qual se inseria o país. Conhecida como
britânico de alto escalão Sir Otto Niemeyer, o que acabou funcionando como uma pré-
261
ABREU, M. de P. Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945. In: ABREU,
M. de P. (org.). A ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014, p. 80.
262
Idem, p. 81.
225
Um comunicado oficial publicado em 10 de janeiro de 1931 anunciava a
visita de Sir Otto ao Brasil. A visita foi apresentada à opinião pública como
equilíbrio orçamentário nos anos que se seguem à Grande Depressão. Em nenhum ano
do decênio 1930 – 1939, as contas públicas do governo não fecharam “no vermelho”, o
263
Ibidem, A missão Niemeyer. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 14, n. 4,
p. 07-28, agosto, 1974, pp. 15 – 21.
264
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira,
1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973, p. 185.
226
1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939
0
-200
-400
-600
-800
-1000
-1200
-1400
continuava num quadro pouco animador. Isso porque, ao terminarem os pagamentos dos
(como vinha sendo o caso desde o início do governo provisório), mas sim na elevação
das pautas de exportação, assim como numa maior ênfase por parte das autoridades
Williams”:
227
Essas pressões provocaram o envio ao Brasil de missão chefiada por John
1934. O ganho de divisas com exportações, até mesmo considerando as vendas de sacas
de café no mercado mundial, não mais se atrelava à cobertura cambial que se destinava
mais restritivo, mas sob novas bases. A partir do início daquele ano, 35% das cambiais
obtidas com exportações deveriam ser repassadas ao Banco do Brasil mediante taxa
oficial, ao passo que o restante poderia ser negociado livremente a partir da taxa de
mercado.266
seguiam após 1935, o governo federal manteve as políticas fiscal, monetária e creditícia
que vai de 1934 até 1937. A aceleração, por sua vez, teve de levar em conta a retomada
266
É bem verdade que, já a partir de fevereiro de 1935, o Banco do Brasil abriria mão da
obrigatoriedade dos 35% no que se referia às exportações. O repasse poderia se dar abaixo desse
patamar, variando consideravelmente no período do interregno democrático. No caso das
importações, porém, a cobertura cambial se manteve a níveis constantes. Cf. ABREU, M. de P.
Op. cit., pp. 87 – 88.
228
da trajetória ascendente da produção industrial. Isso era plenamente compreensível
milagre ― puxa o PIB do período para uma taxa de 9,4% [...]. A alta taxa de
qualitativos e quantitativos. Ele deixa de ser apenas um “player” ocasional que assumia
economia brasileira. É bem verdade que este é um processo que veio tomando forma
desde a “Revolução de 1930”, mas ele atinge seu ápice exatamente na ditadura
pelo Estado já não coadunam mais com uma política cambial menos restritiva. O
monopólio cambial estrito é assim reestabelecido. Junto com o regime de câmbio fixo
veio também a estratégia de controle de importações, que serviria mais como uma forma
267
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 249.
229
de conter os déficits na balança comercial, o que vinha sendo o principal causador do
compromisso de iniciar o pagamento dos juros da dívida pública no curto prazo, o que o
Brasil conseguiu foi um modesto empréstimo de US$ 19,2 milhões para descongelar os
especial foi recebida com considerável insatisfação principalmente por parte das Forças
Armadas, uma vez que tal condição poderia funcionar como obstáculo para a
“Missão Aranha” tenha sido modesta, Oswaldo Aranha se compromete com a adoção de
uma política cambial menos restritiva na comparação com aquela até então adotada
desde o início da ditadura varguista. Assim, o nome regime cambial terá aspecto
268
Cf.: “Em fins de 1937, a escassez de divisas, fruto da substancial elevação das importações,
que cresceram cerca de 40% em valor entre 1936 e 1937, foi usada como justificativa, após o
golpe de novembro, para o default da dívida externa e a adoção de monopólio cambial do
governo.” ABREU, M. de P. Op. cit., p. 93.
269
Idem, p. 93.
270
Cf. Ibidem, pp. 94 – 95.
230
semelhante àquele adotado em 1935 no interregno democrático. Das cambiais obtidas
com as exportações, 30% deveriam ser repassadas ao Banco do Brasil mediante taxa
oficial menor que a de mercado. As outras 70% poderiam ser negociadas livremente.
Sendo a taxa oficial mais vantajosa, o governo federal poderia ter a capacidade de
Paiva:
mercado “livre”.271
sangrento de toda a história da humanidade, passará por uma inflexão em seu trajeto que
será marcante em nossa história econômica até seu período mais recente. O fechamento
dos mercados centrais para os principais produtos brasileiros (entre eles obviamente o
café), ao mesmo tempo em que não houve aumento das importações dos países aliados
pelo menos até 1942, fez com que nossa balança comercial sofresse uma queda a níveis
271
ABREU, M. de P. Op. cit., pp. 94 – 95.
231
paradoxal é que a mesma dificuldade de importações funcionou como um mecanismo
protetor para o industrial brasileiro, na medida em que ele pode se desenvolver sem
por Abreu:
ampliação da capacidade.272
comercial tornaram mais fortes as percepções, por parte das autoridades, de que era
necessário uma intervenção estatal mais forte para a formação de um parque industrial
exemplo. Veremos mais adiante que o Estado Varguista será o principal componente na
suprimento dos interesses estratégicos das nações centrais que rivalizam com o Nazi –
Fascismo pela hegemonia do globo. Com isso, a oferta brasileira se direciona para o
mercado externo, de modo que a renda gerada com o crescimento do PIB desde 1935
fica represada sem ser atendida pelo mercado nacional. Ao mesmo tempo em que se
272
Idem, p. 96.
232
Governo Federal apelava para emissões monetárias lastreadas em títulos públicos assim
como emissões primárias, ambas servindo para financiar o déficit público oriundo dos
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945
XXXI
273
Ibidem, p. 96.
274
VILLELA, A. & SUZIGAN, W. Op. cit., p. 424.
233
A defesa da indústria na Era Vargas (1930 – 1945)
brasileira nos anos em que Vargas esteve na chefia do executivo nacional até 1945,
abrimos espaço agora para analisar em mais pormenores o papel do Estado no processo
própria autora:
perspectiva histórica.275
275
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
234
Leopoldi conclui sua premissa básica afirmando que, apesar da inconsistência da
tese que defende a intencionalidade a priori do Estado, este acabou exercendo um papel
ambiente que o executivo poderá empreender uma política cujo enfoque se direciona
oferecia deveria tornar-se mais estreita a partir de então: um novo marco regulatório
institucional passou a ser pauta nacional justamente para dar ao executivo federal maior
Constituição de 1937 que apontam exatamente para esse fortalecimento dos laços
das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda
transitoriamente suspensa
da Nação.
Art 147 - A lei federal regulará a fiscalização e revisão das tarifas dos
a) O petróleo
em meados do decênio seguinte que o petróleo passa a ser visto como uma alternativa
236
nacional.277 Isso porque com uma nova alternativa para o fornecimento de energia, viria
junto uma maior independência nacional com relação aos interesses das companhias
estrangeiras de matérias primas e insumos para as fábricas. Não é por acaso, portanto,
que em 1938 tenha sido criado o Conselho Nacional do Petróleo, comandado pelo
General Horta.
Leopoldi:
segundo governo de Getúlio Vargas (1951 – 1954), quando é criado o imposto único
277
Cf.: “Inspirados pelo exemplo da Argentina, que criara em 1922 uma empresa estatal de
petróleo, e pelo México, que em 1938 expropriara as refinarias estrangeiras instaladas no país,
os militares brasileiros começaram a tornar pública sua posição de que a dependência da
importação do petróleo precisava ser revertida, pois era uma questão de segurança nacional.”
Ibidem, p. 254.
278
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Op. cit., p. 254.
237
estatal brasileira petrolífera: a famigerada Petrobrás, estabelecida no ano de 1953 após
b) A siderurgia
Quando falamos de siderurgia no Brasil, logo nos vem ao pensamento uma série de
empresas de grande porte e de demasiada importância para toda nossa cadeia produtiva.
Não é de se esperar outra coisa que não lembrar da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional) e da Vale do Rio Doce. A grande questão que não pode faltar à análise
histórica, porém, são os antecedentes desse quadro que ganha robustez a partir dos anos
de 1940.
americano Percival Farquhar.280 Era corrente, entretanto, a noção de que deveria haver
dizer, acabava sendo compartilhado por militares, engenheiros civis e também pela
classe política. Mas esbarravam na realidade ao ver a falta de aço para a modernização e
279
Idem, p. 255.
280
Nos anos de 1940, as propriedades de Farquhar foram apropriadas pelo Estado Brasileiro para
a construção da Acesita em Minas Gerais (1942). O empresário viria a morrer na miséria.
281
Ibidem, pp. 256 – 257.
282
Com a conflagração do conflito mundial e o posterior alinhamento brasileiro ao lado dos
aliados faz com que cessem as relações diplomáticas entre Brasil e a Alemanha Nazista, indo
238
década de 1940 com a criação da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico. A entidade
acordo que garantia o apoio estado – unidense para a construção de nosso parque
siderúrgico. Em troca da concessão de uma base militar brasileira no Nordeste para uso
exclusivo dos EUA em 1942, o Eximbank estabelece uma linha de crédito no montante
seriam investidos pelo próprio governo federal com financiamento vindo de fontes
que envolveu uma aliança entre Estado, industriais e militares. A CSN pôs
c) As hidrelétricas
compreende os decênios de 1920 e de 1930, cada vez mais se avoluma uma defasagem
população citadina por um abastecimento energético eficiente já não mais poderiam ser
No início do governo Vargas [...]. Boa parte do país ainda recorria aos
geração de energia elétrica ganha força no país. Abrindo mão do sistema de concessões
para subsidiárias estrangeiras (a tônica até o momento), o Estado passaria a ter papel
distribuição de energia. O que acabamos de dizer novamente pode ser sintetizado pelas
palavras de Leopoldi:
XXXII
humana, o Brasil oficialmente entra na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados.
e comerciais que existiam com os países do Eixo Roma – Berlim – Tóquio foram
Por mais interessante que possa ser o estudo e a análise da Segunda Guerra em
si, assim como deve ser igualmente estimulante entender de maneira aprofundada os
ênfase aqui ao quadro da economia nacional durante a sangria que perdurou de 1939 até
1945.
nações rivais em conflito: Alemanha e EUA. O Brasil havia selado um acordo bilateral
que teria usado da ameaça alemã para atrair o investimento estado-unidense, outras
287
Os dois times brasileiros de futebol que carregavam o nome de Palestra Itália, um em São
Paulo e outro em Minas Gerais, foram obrigados a mudar o título da agremiação: em São Paulo,
passou a ser a Sociedade Esportiva Palmeiras; em Minas Gerais, tornou-se o Cruzeiro Esporte
Clube. Futebol também é História.
288
Vide nota 25.
241
Marcelo de Paiva Abreu é um dos autores que nega essa habilidade presente na
mundial que buscava exercer cada vez mais sua hegemonia econômica e política na
América Latina e via no Brasil o melhor país para estabelecer sua influência. De fato, a
própria Alemanha nazista romperia com Vargas no exato momento em que este teria
declarado seu apoio oficial aos aliados (EUA, Inglaterra, França e URSS), desfazendo o
alemã só pode ser vista como um típico blefe. O que se argumenta aqui é
Argentina.289
uma velha solução para financiá-los: a emissão monetária. 3 milhões de contos de réis
foram emitidos na forma de títulos públicos com rendimento de 6,0% a.a., os quais
242
milhão de contos foram vendidos aos bancos comerciais na forma de letras do Tesouro
Nacional. Além das emissões monetárias, mais acordos entre EUA e Brasil foram
primas estratégicas para os planos norte – americanos. Após o rompimento com o Eixo,
o crédito estrangeiro expande para 200 milhões de dólares. Ao fim e ao cabo, o Brasil
foi receptor de praticamente 330 milhões de dólares, dos quais uma parte foi
a uma escalada do nível de preços. O impacto inflacionário pode ser visto a partir de
duas óticas. De um lado temos a análise canônica de Celso Furtado, que encontra as
razões da inflação num desequilíbrio entre a oferta e a procura por bens dentro do país.
caminho para a expansão da renda. E se antes do conflito a oferta teria sido capaz de
suprir a demanda agregada que se desviara para o mercado interno, com a entrada do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, aquilo que era direcionado “para dentro” toma o
caminho das exportações. Cria-se um desequilíbrio que só poderia ser resolvido pelo
mecanismo da elevação dos preços. Por outro lado, a historiografia mais recente, em
que está incluso Marcelo de Paiva Abreu, aponta para um descontrole da emissão
290
Idem, p. 332.
243
da Fazenda. Tornava-se muito frequente, nesse sentido, a descontinuidade e a
inexistência de um plano monetário mais claro e direcionado. A inflação teria sido, por
que explicita a evolução do nível de preços da economia brasileira entre 1934 e 1945:291
291
VILLELA & SUZIGAN, p. 426.
244
Além do mecanismo de financiamento, convém lançar luz sobre o fato de que a
dizer que o potencial do Brasil para importar havia diminuído. Ora, uma vez que a
principal fonte de receita do governo federal vinha por meio da arrecadação do imposto
nossas receitas teriam de reduzir. O fato é que passam a ganhar muita importância os
justificativas concretas para a realização de obras públicas cujo fim último era a defesa
portanto, que nos anos da Segunda Guerra Mundial, a participação dos gastos do
governo na dívida pública chegam ao patamar de 19,0%, enquanto nos anos de 1930,
ela não havia ultrapassado modestos 6,0%. Em todo o intervalo 1940 – 1945, o saldo
292
Nos seis anos de duração da Guerra, a porcentagem do tributo de importação na receita
federal vai de 32,4% para 12,4%. O imposto de renda amplia sua participação de 9,4% para
27,1%. Cf. Idem, p. 223.
245
governamental realizado ficou abaixo do saldo previsto, assim como a despesa realizada
comprometida pelos acordos comerciais bilaterais com os EUA e com a Inglaterra. Com
minerais, borracha, babaçu, algodão, mamona, cacau e arroz. Mas o que mais
20% de nossa parcela no mercado mundial. Veja como cresce a produção de algodão
246
A expansão da produção reflete-se num aumento das taxas de lucro dos empresários do
importantíssimo pontuar a falta de ética comercial por parte de nossos empresários. Isso
justamente porque a maioria dos tecidos enviados para o exterior (especialmente para a
no comércio internacional.
arcar com seus compromissos impactou inclusive no quadro das importações de bens de
capital e de outros insumos. Não que o Brasil não tenha ampliado sua capacidade para
importar. Pelo contrário: com a elevação de nossas exportações, ela aumentou, apesar
da queda média de 20% das nossas compras. Na realidade, o que houve foi a venda, por
293
É fundamental pontuar que o aumento da produção têxtil no Brasil reflete uma mudança no
comportamento demográfico, com uma ampliação da urbanização no período de modernização
da economia nacional no decênio de 1930.
247
parte principalmente de Inglaterra e EUA, de bens de capital de segunda mão e sem
XXXIII
248
Passadas as turbulências da Segunda Guerra Mundial no quadro da economia
ganham novos contornos com a queda de Getúlio Vargas e a chegada do General Eurico
Gaspar Dutra à chefia do poder executivo federal. No debate público, duas vertentes
mais amplas de pensamento econômico ganham força na busca por hegemonia sobre os
principalmente por Eugênio Gudin (1886 – 1986). A rival, fundamentada numa visão
intervencionista desde o golpe do Estado Novo em 1937. Estes, por outro lado, eram
249
na forma de tarifas protecionistas ou controle cambial. Para essa corrente, o
importações essenciais.294
Gudin.
parque inteiro por conta própria. No que concernia às relações bilaterais Brasil – EUA,
americano, e não por meio de investidores privados. Em suma, a proteção nacional era a
294
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-
1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, J. & DELGADO, L. de
A. N. (org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 279.
250
única forma de garantir, segundo Simonsen, a sobrevivência das indústrias locais frente
quando estudamos com um pouco mais de seriedade a história econômica brasileira, não
O aspecto mais importante que merece de nós um olhar mais atento é o quadro
inflacionário que seguia escalando após o fim da Segunda Guerra Mundial. O conflito
demanda interna por bens de consumo e sua oferta doméstica. Essa, se antes conseguia
abastecer bem a procura (ampliada robustamente por conta das políticas expansionistas
vigentes em boa parte da década de 1930), muda de direção na medida em que o Brasil
295
BASTOS, Pedro Paulo Z. O presidente desiludido: pêndulo de política econômica no governo
Dutra. História Econômica & História de Empresas, v. 7, n. 1, 2004, p. 107.
296
Idem, p. 108.
251
guerra durante o conflito. É esse comprometido brasileiro com o atendimento das
exigências internacionais que se coloca na base de uma defasagem entre a oferta real e a
e a procura monetária.297
É exatamente sobre esse fundo inflacionário que o governo Dutra propõe uma
nova política cambial e de comércio exterior por conseguinte. Não bastava, para conter
de bens de capital, assim como para atrair uma soma maior de investimentos
O que essa política econômica não considerou ou não conseguiu controlar foi o
297
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1995, p. 210-213.
252
que se passou no Brasil foi um déficit em moedas fortes conversíveis, ao passo que
encontravam bloqueadas pela autoridade monetária. Com o déficit veio a queda brusca
das reservas internacionais em ouro, de modo que em 1947 o governo federal autoriza
câmbio de Cr$18,50 por dólar, 30% das cambiais deveriam ser repassadas ao BB, de
modo que os 70% restantes poderiam ser negociados no mercado livre, mas de acordo
Importações). A política restritiva, claramente sendo seguida de acordo com uma linha
mais rígida após fevereiro de 1948. Funcionava, em linhas gerais, da seguinte maneira:
desencorajados eram os bens de consumo duráveis, que eram colocados em longa lista
Uma vez que o combate à inflação foi considerado pelo Governo Dutra como a
principal tarefa de seu mandato, a política cambial não poderia ser vista como suficiente
por si só para frear o aumento no nível de preços. A ortodoxia como linha de política
econômica também tomou conta dos lados fiscal e monetário. Tanto o investimento
forma tanto a conter o déficit governamental como a eliminar o efeito monetário sobre a
inflação. A liberação de crédito por parte do Banco do Brasil, por exemplo, seguiu as
orientações ministeriais, sofrendo uma contração real de 2,0%. De fato, a inflação sentiu
os efeitos da ortodoxia na medida em que o nível geral de preços reduziu-se para 9,0%.
253
O resultado paralelo a isso, porém, foi uma diminuição do fôlego da atividade
“retorno” da inflação e do déficit público. Isso porque o nível geral de preços aumentou
gráfico abaixo:298
25
20
15
10
0
1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951
crescimento, da adoção de uma política econômica mais flexível. Nesse sentido, dois
fatores podem ser elencados: a) a proximidade das eleições, em que Dutra pensava na
298
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2000
(IBGE/SCN 2000 Anual).
254
também como propaganda política (nenhum governante pode pensar em se eleger com o
seguinte discurso: “reduzi a inflação por um ou dois anos, mas a economia já não cresce
mais como antes justamente por causa da minha estratégia recessiva”); b) o crescimento
exigência maior de crédito por parte do empresariado, interessado em importar cada vez
Em suma, a economia brasileira ao final dos anos Dutra pode ser caracterizada
contrário do que uma leitura apressada pode apontar, não se tratava de um plano global
na medida em que não incorporava o papel que o setor privado poderia ter nos projetos
nos desafios que a economia brasileira poderia impor às autoridades. Nesse sentido, o
e energia.299 Idealizado para durar no período que vai de 1950 até 1954, o SALTE
299
Era necessário ampliar e melhorar os serviços de saúde pública e de abastecimento de
gêneros alimentícios. Por outro lado, a expansão do quadro gerador de energia elétrica e a
modernização dos sistemas de transporte intranacional eram tidos como elementos
fundamentais para o desenvolvimento.
300
BAER. Industrialização e desenvolvimento econômico, p. 63.
255
Energia Saúde
16% 13%
Alimentação
14%
Transportes
57%
Por falta de recursos, porém, o plano falhou em seus objetivos e durou apenas
por um ano.
256
XXXIV
Eduardo Gomes, uma velha figura da política nacional voltava ao palco depois de uma
posto de presidente do Brasil. Com 49% dos votos válidos, o executivo nacional
257
Para fins de nosso trabalho, porém, mais relevante que o panorama político que
condução razoavelmente não ortodoxa das diretrizes econômicas, com expansões fiscal
orçamentário cada vez maior. Para além disso, vale mencionar as estratégias adotadas
É essa a conjuntura, em linhas gerais, que opera como antecedente imediato à linha de
democrático.
clara entre duas vertentes de planejamento adotadas por Vargas enquanto este foi
de P. (org.). A ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2.ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014, p. 113.
258
presidente do país nos anos de 1950. Nos primeiros anos, para conter a aceleração da
um extenso arcabouço ortodoxo para a condução das políticas fiscal e monetária. Teria
sido essa a fase “Campos Sales” do governo Vargas, em alusão à política de saneamento
monetário encabeçada por Joaquim Murtinho a partir de 1898 para conter a crise
atividade econômica. Era a fase “Rodrigues Alves”, numa referência ao período que vai
de 1902 até 1906 em que o executivo federal pensou com mais carinho na criação de um
Já nos anos de 1950, com Vargas, essa segunda fase de política econômica não foi
governo por duas razões: primeiro, porque o financiamento dos projetos por
302
Idem, pp. 124 – 125.
259
Para além do desenho da política econômica a ser empreendida no longo prazo,
o executivo federal lança mão de uma velha “aliada” que desde os tempos do Convênio
Estamos falando obviamente da política cambial. O câmbio, assim como nos anos
Dutra, deveria ser estabilizado a níveis razoavelmente valorizados, num regime fixo.
prioridades da CEXIM.
Coreia. O temor que se seguia ao conflito no Extremo Oriente de que um novo banho de
sangue mundial estaria por vir fez com que as restrições às importações fossem
flexibilizadas. Era uma medida de segurança, dado que, se realmente fosse ocorrer uma
nova Guerra Mundial em proporções ainda maiores, os países com maior envolvimento
periferia. O descontrole sobre o comércio exterior que se seguiu a isso, uma vez que se
importações (algo não previsto pelas autoridades da CEXIM), culminou numa crise
assim como pelo corte das despesas governamentais, as quais se somariam a uma
estratégia desenhada por Vargas ficava clara na medida em que ela era confrontada com
303
Ibidem, p. 128.
260
e da base monetária. O chefe da autoridade monetária brasileira à época aumentou a
contrário àquele idealizado pelo ministro Horácio Lafer. Por outro lado, o corte nas
para 1951 já havia sido aprovado ao final do governo de Eurico Gaspar Dutra. Ao
arrecadação federal não seria possível para o exercício contábil do mesmo ano.
Apesar das dificuldades, do ponto de vista fiscal a política econômica foi capaz
de reduzir suas despesas e alcançar um pequeno saldo orçamentário positivo nas contas
públicas. A falta de coordenação no tratamento dos meios de pagamentos, por seu turno,
acabou produzindo efeito contrário àquele desejado pelas autoridades: a inflação não
Rio de Janeiro saltou de 12,1% ao ano em 1951 para 17,3% em 1952. Não obstante, a
mesma expansão creditícia promovida por Jafet a contragosto de Lafer abriu margem
composição do PIB, que tem uma ampliação do crescimento de 4,9% para 7,3%, a
Vianna:
realizados no país. [...] o PIB real cresceu 4,9% e 7,3% em 1951 e 1952,
304
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. cit., p. 130.
261
A partir de 1953, o governo Vargas sofre uma importante inflexão. Em março
desse mesmo ano eclode uma greve geral de 300 mil trabalhadores que colocava em
assim como de uma maior distribuição de renda, começavam a inverter-se e isso trouxe
empreende uma reforma ministerial: Horácio Lafer deixa a pasta da Fazenda, que é
assumida pelo velho conhecido Oswaldo Aranha. Este, por sua vez, comprometia-se
pela UDN, ao mesmo tempo em que deixava um novo líder do movimento trabalhista
Getúlio [...] desejava estar preparado para seguir mais à direita ou mais à
305
Idem, p.137.
306
Ibidem, p. 137.
262
A política de estabilização de Oswaldo Aranha foi acompanhada da retomada do
estrito de importações por parte da CEXIM foi substituído pelos leilões de câmbio.
como o trigo, o câmbio determinado era o da taxa oficial apenas. Algumas compras,
porém, eram realizadas olhando para o câmbio oficial somado a uma sobretaxa fixa: era
o caso de importações realizadas pelo governo, pelas autarquias ou até mesmo por
sociedades mistas. As demais importações, por outro lado, estavam sujeitas aos leilões
passíveis de alcançar taxas mais altas no leilão, ou seja, com um câmbio mais
inclusas na instrução deveriam incidir ágios cuja função teria de ser a de ampliar a
arrecadação da União.
exportações. Veja que o saldo “Ex. – Im.” no período de janeiro a setembro era de US$
desestímulo à demanda nacional por bens estrangeiros. Ao mesmo tempo, permitiu uma
ampliação vertiginosa em meados de 1953 das vendas de café para o exterior, por mais
que este tenha sofrido uma ligeira queda no fim deste ano e no início de 1954. 307 No
307
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. Cit., p. 146.
263
segundo governo de Getúlio Vargas, essa commoditie chegou a compor
funcionou internamente como uma alavanca para o aumento no nível de preços. Este,
por outro lado, tem como antecedente a política de Jango no Ministério do Trabalho, o
XX, pautar o segundo Governo Vargas pela oposição entre os interesses dos
264
protoneoliberais internacionalistas, chamados pejorativamente de entreguistas por
o planejamento econômico.
convivência entre esses interesses aparentemente distintos teria sido a tônica de todo o
segundo governo de Getúlio Vargas. Isso porque a aparente ambiguidade era fruto de
uma mais alinhada aos interesses do capital estrangeiro e outra partidária da política
D’ARAÚJO, Maria Celina Soares de. O segundo governo Vargas, 1951-1954: democracia,
308
partidos e crise política. 2a. Edição. São Paulo: Ática, 1992, p. 148.
265
Essa posição dúbia, porém não ingênua e/ou fortuita, do segundo mandato de
próprio Ministério da Fazenda, que tinha boa influência nos “corredores liberais” do
política, era tido como certo que o caminho a ser trilhado deveria ser o da conciliação de
momento em que os choques não puderam ser amortecidos que a crise ganha contornos
interesses do imperialismo. Vianna, por outro lado, recusa essa tese ao afirmar que o
sua política de boa vizinhança. Assim, se antes uma boa relação comercial com o Brasil
era vista com bons olhos, ela deixa de ser prioritária de acordo com os interesses da
309
Idem, pp. 149 – 150.
266
periferia latino-americana deixava de ser a tônica, o Banco Mundial encontrou maior
espaço para exercer suas diretrizes de política econômica sobre os países demandantes
CMBEU, mais do que uma suposta demonstração de força nacionalista por parte de
310
VIANNA, Sérgio Besserman. Op. cit., pp. 130 – 132.
267
268
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273
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