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A historiografia sobre o período colonial: debates e perspectivas.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 05/09, 2010, p.01-05.

A economia e a sociedade colonial brasileira foram objeto de estudo de diversos autores


e tendências, desde a metade do século XIX ou mesmo antes, originando trabalhos
clássicos incorporados à historiografia que trata do período.

Embora, as questões culturais tenham despertado o interesse dos historiadores em uma


época relativamente mais recente, segundo Laura de Mello e Sousa, a partir do inicio do
século XX.

Em outras palavras, a multiplicidade miscigenada da realidade colonial foi examinada


dentro do âmbito de diversas tradições interpretativas, recortes e correntes teóricas.

Entretanto, uma análise atenta sobre o debate historiográfico permita notar que em raras
ocasiões as três esferas (economia, sociedade e cultura) foram examinadas em um olhar
cruzado, mesclando aportes e perspectivas para entender a realidade contemporânea a
partir de sua gênese colonial.

Ao inverso, a tendência historiográfica, intimamente vinculada com a expansão dos


programas de pós-graduação em história nos centros de ensino universitário, integrando
um movimento em progresso há mais de vinte anos, mostra-se inclinada a uma rígida
profissionalização tecnicista.

Um grande problema que tem originado trabalhos de natureza monográfica, pontuais,


primando pelo modelo monotemático, inserido em micro-análises.

Pesquisas que possuem seus méritos, mas que deixam de lado a erudição dominada
pelos historiadores brasileiros clássicos do passado, tal como Capristano de Abreu, Caio
Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.

A maior parte dos trabalhos contemporâneos parecem ter abandonado, igualmente, a


interdisciplinaridade daqueles que poderíamos ousar chamar pais da moderna
historiografia colonial, em beneficio do domínio técnico da metodologia mais correta ao
uso apropriado desta ou daquela fonte.
E o pior, na maior parte dos casos, deixando em segundo plano
aquilo que Braudel chamou de longa duração, tornando raros os grandes trabalhos de
fôlego de natureza totalizante ao estilo braudeliano de O mediterrâneo e o mundo
mediterrânico na época de Felipe II.

O que, inclusive, tem gerado ferozes criticas aos não historiadores de oficio, entenda-se
ai aqueles não diretamente vinculados às universidades, produtores de trabalhos
relevantes dentro do âmbito historiográfico, muitos dos quais obtendo maior sucesso
editorial do que as teses e dissertações que conferem títulos.

Neste sentido, caberia perguntar até que ponto a tendência historiográfica acadêmica
não necessita ser repensada.

O que implica em tentar entender como e porque se chegou a esta situação e, por sua
vez, retomar alguns debates como forma de traçar novas perspectivas em torno da
historiografia sobre o período colonial.

A historiografia colonial em retrospectiva.

A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, foi sem dúvida um


marco, estimulou o surgimento de diversos estudos sobre o período colonial.
Isto, a despeito de poder ser objetado que o recorte historiográfico do Brasil colonial se
inicia já com Pero de Magalhães Gandavo ou, quiçá, antes. No entanto, optaremos aqui
por iniciar a discussão através de alguns poucos e emblemáticos clássicos da
historiografia do inicio do século XX.

A razão é óbvia, os autores que publicaram suas obras a partir de 1907, muitos dos quais
sem formação em história propriamente, iniciaram debates que continuam presentes na
produção historiográfica até hoje.

Apesar de nem sempre terem concluído suas hipóteses iniciais, levantaram dúvidas,
localizaram fontes e iniciaram orientações teóricas seguidas pelas pesquisas
monográficas contemporâneas.

A grande diferença entre estes clássicos e os estudos atuais, na sua imensa maioria, é o
fato dos pais da moderna historiografia colonial terem primado pela
interdisciplinaridade, a erudição e o caráter totalizante, inaugurando novas
problemáticas, debates e perspectivas.
Entre estes verdadeiros pais da moderna
historiografia colonial, dado a durabilidade dos resultados alcançados em suas pesquisas
e a repercussão de suas obras; João Capistrano de Abreu fornece um exemplo valioso de
erudito que buscou a interdisciplinaridade que foi se perdendo ao longo das décadas de
1980 e 1990, em beneficio do tecnicismo histórico.

Ele não passou pelo banco das Universidades, mas nem por isto deixou de buscar uma
formação autoditada que possibilitaria tornar-se um dos maiores historiadores
brasileiros.

Depois de cursar o primário e o secundário em Maranguape, no Ceará, mudou-se para o


Rio de Janeiro, onde foi caixeiro viajante, antes de se tornar oficial da Biblioteca
Nacional e, posteriormente, ser aprovado no concurso para professor de História do
Brasil no Colégio Pedro II.

Em 1907, Capistrano de Abreu publicou o seu Capítulos de História Colonial, onde


demonstrou como a pluralidade étnica, a mestiçagem, formou a sociedade e a cultura
brasileira.

Uma abordagem totalizante que iniciou múltiplas discussões que se tornariam objetos
centrais da historiografia, como, por exemplo, o papel dos povos indígenas.

Outro emblemático exemplo é Caio Prado Junior, formou ao lado do antropólogo


Gilberto Freire e de Sérgio Buarque de Holanda, a chamada “tríade fundadora” da
historiografia profissionalizada.
Caio Prado Junior não tinha formação acadêmica em história, era bacharel em direito,
livre-docente em economia política, mas produziu uma rica gama de trabalhos que se
tornaram referencia para gerações de historiadores.

Entre outros textos, o clássico a Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em


1942, inserido dentro da tradição marxista, ao analisar quatro séculos do período
colonial, inaugurou a busca por um sentido da colonização.

Na obra, o autor propôs a tese de que o Brasil teria sido o quintal da colônia, a gênese
do subdesenvolvimento brasileiro.

Não menos importante, o já mencionado Sérgio Buarque de Holanda também não


possuía formação em história, era bacharel em ciências jurídicas e sociais, mas nem por
isto deixou de produzir, entre outros, dois grandes clássicos da historiografia: Raízes do
Brasil, publicado em 1936, e Visão do Paraíso de 1959.

Obras que traçaram uma macro-análise da formação do Brasil a partir do período


colonial e que são exemplos típicos de erudição a serviço da história, levantando
inúmeros debates, a exemplo dos trabalhos de Capistrano de Abreu e tantos outros.

Destarte, como esses homens teriam sido recebidos pelos meios acadêmicos se tivessem
vivido entre nós contemporaneamente?

Teriam se tornado referencias como foram em sua época e são ainda hoje?

É verdade que são fruto de seu tempo e que poderiam não ter se interessado pelos temas
que abordaram, mas, usando de um pouco de imaginação e recorrendo a um
anacronismo verossímil, certamente não teriam sido aprovados em um concurso para
professor em qualquer Universidade pública.

A historiografia colonial em perspectiva.


A “tríade” da década de 1930, ao mesmo tempo em que primou pela erudição e
interdisciplinaridade, também profissionalizou o oficio de historiador no Brasil,
influenciando várias gerações, dentre as quais, a década de 1970 assistiu surgir os
trabalhos de Fernando Novais.

Em seu estudo clássico Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial, publicado
originalmente em 1979, a amplitude do recorte temporal já não é tão ambiciosa como
fora na época de Capistrano de Abreu ou de Gilberto Freire, Caio Prado Junior e Sérgio
Buarque de Holanda.

No entanto, nota-se nitidamente a continuação da busca por um sentido na colonização e


uma tentativa totalizante, acompanhada por farto volume de informações abordados
com fina erudição.

Na década de 1980, paradoxalmente a tendência monográfica iniciada pela mesma


altura, influenciados pela “Nova História Cultural” de Roger Chartier, surgiram outros
grandes nomes da historiografia colonial: Laura de Mello e Souza, Mary Del Priore e
István Jancsó, entre outros.

Os grandes mestres que dominariam a interdisciplinaridade e erudição, sem descuidar


dos aspectos teóricos e metodológicos, conciliando recortes mais específicos com
abordagens amplas.

Entretanto, as gerações que tiveram contato com estes brilhantes historiadores, talvez
movidos por um zelo técnico excessivo, começaram a deixar de dialogar com outras
áreas do conhecimento humano.

Abandonaram a longa duração em prol de focos específicos e pontuais e foram


perdendo a erudição antes típica dos historiadores.

Entregando as tentativas de explicações mais amplas e elaboradas sobre o período


colonial aos jornalistas e outros profissionais, além de brasilianistas como Thomas
Skidmore.
Concluindo.

É verdade que, em sua trajetória rumo ao reconhecimento como ciência autônoma e


legitima, a história precisou se profissionalizar, demonstrar sua capacidade
metodológica de explicar a si mesma; mas será que já não atingiu sua maturidade?

A despeito de continuar a existir um intenso debate sobre


a cientificidade da história, sendo este o caso também de tantas outras ciências, como,
por exemplo, a psicologia; não seria o caso dos historiadores voltarem-se novamente
mais para o âmago do seu suposto oficio e deixarem o tecnicismo para a filosofia da
ciência?

Ao contrario de contribuírem para legitimar a história como ciência, os estudos


monográficos, neste sentido, ao se distanciarem dos leitores, não permitindo uma visão
de conjunto; não fazem a história contada pelos profissionais cair no ostracismo,
causando o efeito inverso ao que tencionam aqueles que se dizem historiadores
academicamente legitimados?

Será que já não chegou o momento de ousar, arriscar, buscar novos diálogos, ampliar a
visão, alterar o ângulo ou popularizar a historia escrita por historiadores, obviamente
sem descuidar da erudição, contribuindo para educar a população brasileira.

Estamos em uma encruzilhada, qual caminho será escolhido: aquele que leva ao fim da
história, ao seu confinamento nos centros acadêmicos ou aquele em que história permite
entender de fato quem somos a partir de sua origem colonial, tal como pretenderam,
entre outros, Capistrano de Abreu, Gilberto Freire, Caio Prado Junior e Sérgio Buarque
de Holanda.

Para saber mais sobre o assunto.

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.

BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo. São Paulo:


Martins Fontes, 2005.

BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.


Lisboa, Martins Fontes, 1983.
CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.

FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo:


Contexto, 2001.

GANDAVO, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz. Lisboa:


Tipografia de Antonio Gonçalves, 1576.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no


descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2000.

NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808).


São Paulo: Hucitec, 1995.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,


2000.

SKIDMORE, Thomas. Uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

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