HISTÓRIA DA
AMÉRICA MERIDIONAL
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Sumário
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................7
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Conhecendo o Professor
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Apresentação
mação histórica das sociedades na América Meridional compre- Significa que um grupo social
faz de sua visão de mundo a
endendo dimensões que vão desde o processo de ocupação até a
única possível, e discretamente
contemporaneidade. Os estudos sobre a América Meridional es- se for o caso a melhor, a
natural, a superior, a certa. O
tão direcionados para as diversas formas de ocupação e coloniza-
grupo do outro fica nesta
ção deste espaço, o que se verificou a partir da chegada dos espa- lógica como sendo o engraça-
do, absurdo, anormal ou
nhóis.
inteligível. Este processo
resulta num considerável
Salientamos, porém, que foi uma ocupação em um lugar no
reforço de identidade do nosso
qual já havia uma população nativa, ocasionando então uma grupo. Para maiores detalhes
ver: Rocha, Everaldo. O que é
mudança significativa nas formas de organização dos que habi-
etnocentrismo. São Paulo:
tavam o continente antes da chegada dos colonizadores. Brasiliense, 1994.
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Espanha com essa intenção de obter riquezas para o trono e catequizar os nativos, com a
justificativa ideológica de levar o nome de Deus, cristianizando os que ali estavam. A inten-
ção real do colonizador, no entanto, era saquear as riquezas e descobrir os metais preciosos
tão importantes para o mercantilismo.
Esses atos de violência revelavam os verdadeiros objetivos dos espanhóis, qual seja, de
saquear as riquezas, utilizando a fé como pretexto e justificativa para a dominação.
Os nativos realmente não tinham como se defender das armas de fogo que eram utili-
zadas contra eles, e consequentemente se submeteram ao processo de dominação.
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Unidade 1
• Descrever os sistemas produtivos dos diferentes povos que habitam a América Meridional.
Nesta primeira unidade você irá entender algumas dimensões que caracterizam a
América Colonial. Vamos conhecer como os primeiros colonizadores ocuparam socialmente
o espaço, suas formas de trabalho e as relações sociais estabelecidas com os nativos.
As relações entre nativos e colonizadores não foram nada amenas, ou seja, foram
conflituosas, pois o processo de exploração dos recursos naturais foi intenso, e alguns auto-
res, inclusive, consideram que houve realmente um saqueamento das riquezas da América
Colonial.
Os nativos ainda foram utilizados como mão de obra escrava nos primeiros tempos da
colonização e a economia foi desenvolvida para atender à demanda dos países colonizado-
res, uma vez que estava direcionada para a exportação, mas mantendo-se uma economia de
subsistência para atender às necessidades da população local.
Nesse período colonial tudo girava em torno dos interesses dos países colonizadores.
A política atendia aos interesses das metrópoles, e não havia uma autonomia para propor
novos projetos. A cultura foi constituída por um processo de hibridização, ou seja, juntou-se
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partes dos colonizadores com partes dos colonizados. A consciência dos setores locais em
torno de um projeto político libertador levou ao desmantelamento do antigo sistema coloni-
al, dando origem ao processo de independência. A América Meridional, após o processo de
independência, passou para as mãos de uma elite local, formando-se e então um Estado
oligárquico, centralizador e autoritário.
Seção 1.1
A América Pré-Colombiana
Antes da chegada de Colombo à América já havia uma história, não ligada à Europa,
mas dos nativos que viviam neste espaço. O importante é preservar as diferentes formas de
vivências dos nativos para não cometermos o erro de chamá-los de bárbaros ou selvagens
somente porque não tinham os mesmos hábitos dos europeus.
A organização social dos nativos era bem diferente daquela do europeu, mas isso não
os tornava inferiores, ao contrário do que defendem alguns historiadores, que revelando
uma atitude etnocêntrica, os denominam de bárbaros, selvagens e pagãos. Devemos enten-
der que as culturas têm a sua própria organização, e no caso dos nativos, eles viviam em
diferentes estágios de desenvolvimento, o que os tornava também diferentes entre si, sem,
contudo, que essa diferença seja motivo para que os classifiquemos como inferiores.
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A História da América antes da chegada de Colombo já era vivida pelo menos há apro-
ximadamente 20 mil anos, ou seja, já tinha a sua própria trajetória, independente da Euro-
pa, não fazendo parte das classificações históricas dos povos europeus.
Os nativos tinham os seus próprios credos, os seus deuses, diferentes daquele dos cris-
tãos, gerando, com isso um estranhamento por parte do europeu, que procurava catequizá-
los. Esses diferentes estágios de desenvolvimento dos nativos foram decisivos para impor todo
o processo de colonização, facilitando ou dificultando a dominação imposta pelo espanhol.
O que mais dizimou, no entanto, foram realmente os saques que os espanhóis faziam,
devastando os povoados em busca de metais preciosos e, mais tarde, com o próprio processo
de escravização do nativo. Alguns historiadores chegam a comentar que esse foi um verda-
deiro cataclismo demográfico, ou seja, uma destruição em massa da população nativa.
É importante destacar e ter sempre em mente que na América viviam nativos em dife-
rentes estágios de povoamento, o que torna ainda mais complexo entender o processo de
ocupação. Vamos num primeiro momento apenas fazer alguns comentários sobre estas co-
munidades ou, como alguns denominam, estas civilizações, por ser uma abordagem ilustrativa
para compreendermos a diversidade da ocupação.
Serão feitas algumas considerações sobre os astecas, maias e incas, mas não pretende-
mos aqui esgotar o assunto, fazendo apenas uma ilustração destes povos que foram funda-
mentais para a história da América pré-colombiana.
1.1.1 – OS ASTECAS
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Os astecas foram os últimos a chegarem neste vale. Eram não só provenientes de Astlán,
uma região situada no noroeste do México, como também eram oriundos do sul dos Esta-
dos Unidos, vindo a ocupar este vale e formando ali uma civilização bem organizada em
todos os aspectos.
Os astecas ocupavam grande parte do vale do México, e para isso enfrentaram muitos
obstáculos, pois naquele espaço já existiam outras comunidades. Foi realmente um proces-
so de conquista, um processo de ocupação que se deu lentamente, pois os astecas foram aos
poucos dominando o espaço, criando suas comunidades e também as suas cidades.
Desta forma foi criado um conjunto de cidades nas quais os astecas estabeleceram os seus
domínios sobre os demais povos que ocupavam os espaços próximos, com isso formado um
verdadeiro império, não sem lutas e violência, pois enfrentaram a resistência dos demais povos.
A organização da propriedade da terra também era diferente da atual, pois para os astecas
ela era, em sua maioria, coletiva, ou seja, de propriedade do Estado, praticamente não existin-
do a propriedade privada como conhecemos hoje. A distribuição da terra ocorria da seguinte
maneira: cada um dos adultos ou famílias recebiam um pedaço de terra para ser cultivada, na
qual deveria produzir para a família e mais tarde também para guardar como excedente.
Com a expansão dos astecas e conquistas de novas áreas iniciou-se a ocupação priva-
da da terra. Nestas novas áreas conquistadas eram criadas o que chamamos de fazendas
(uma grande propriedade de terras); estas terras privadas passaram a pertencer aos nobres,
pois a sociedade era dividida em castas (o que chamamos atualmente de classes sociais). Os
excedentes produzidos eram comercializados nas cidades, não era utilizada moeda, mas a
troca era em forma de escambo, quer dizer, produto trocado por produto.
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A estrutura da sociedade para os astecas mudou muito desde a sua chegada no vale
do México, pois logo que ocupavam o espaço eles formavam uma sociedade mais homogê-
nea, ou seja, mais igualitária, e governada por sacerdotes. Com o processo de ocupação foi
se formando e complexificando uma verdadeira sociedade de classes.
A divisão social era a seguinte: uma classe dominante (como em toda a sociedade)
formada pelos denominados nobres, que eram chefes guerreiros e os sacerdotes. Depois des-
tes havia uma classe média, formada pelos comerciantes, que acumulavam riquezas, não
com moedas, mas com um grande volume de produtos que iam adquirindo ao longo do
tempo nas atividades comerciais. O povo propriamente dito era dividido em duas camadas:
os que eram classificados como cidadãos comuns e os mais baixos, os escravos.
Os astecas possuíam uma vida cultural bem variada, sua formação cultural foi decor-
rente da junção das diversas manifestações dos povos que habitavam o vale do México. Os
astecas desenvolveram muitos conhecimentos na área da astronomia, e os aplicavam na
prática da agricultura. Também desenvolveram a Astrologia e a Matemática.
A vida cultural também era intensa, e o sistema educacional estava dividido em duas
partes, ou tipos de escolas: a escola Calmecac, local onde estudavam os filhos dos nobres, e
a escola Telpochcalli, frequentada pelos jovens do povo.
1.1.2 – OS MAIAS
Os maias habitavam uma extensa região, que atualmente compreende o sul do Méxi-
co, Guatemala, Honduras e Honduras Britânica. Essa região começou a ser habitada apro-
ximadamente em 300 a.C., o que significa que estes povos já tinham toda uma história
antes da chegada de Colombo na América.
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A história dos maias divide-se em períodos que compreendem três fases: pré-Maia, de
300 a 317; o Antigo Império, 317 a 987, e finalmente o Novo Império, que vai de 987 a 1697.
A primeira fase, conhecida como Pré-Maia, é pouco estudada, pois os indícios docu-
mentais são raros, mas entende-se que nessa fase teve início a produção do milho, como
também o começo da construção das cidades. A segunda fase, o Antigo Império, foi um
período marcado pelo estabelecimento de um Estado com características centralizadoras.
Nessa época as cidades maias foram dirigidas pelos monarcas divinos, sendo estes os gran-
des proprietários de terras, que determinavam como deveriam ser os trabalhos obrigatórios
que a população precisava cumprir. Já na terceira fase, o Novo Império, as cidades recon-
quistaram a sua independência.
A principal atividade econômica dos maias era a agricultura, e as terras eram de pro-
priedade do Estado. Os produtos cultivados eram os mais diversos, mas basicamente planta-
vam milho, algodão, feijão, tomate, batata, cacau, etc. Como a agricultura era a principal
atividade, eles lhe dedicavam muita atenção e as técnicas eram aplicadas sempre para con-
seguir uma maior produtividade, destacando-se, por exemplo, a irrigação. Ao mesmo tempo
também praticavam a queimada, o que contribuía para o esgotamento dos solos.
Os historiadores são unânimes em afirmar que o cultivo do milho era realmente uma
atividade expressiva, e consistia a base da alimentação dos maias, e por ser uma cultura
fácil de praticar, eles dedicavam grande parte de seu tempo a outras ocupações. As demais
atividades eram destinadas à construção de cidades e magníficas obras arquitetônicas, como
seus templos.
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A questão cultural, porém, não está restrita à cultura material, ela também pode ser
percebida nas ciências, por exemplo, na própria astronomia, considerada tão desenvolvida
quanto a europeia na época dos descobrimentos. Os instrumentos da cultura material tam-
bém são expressivos, pois já trabalhavam com alguns metais como o ouro e a prata. Também
utilizavam a pedra polida para a confecção de instrumentos, tanto para o trabalho, quanto
para a guerra. Quanto às suas crenças, eram adeptos aos deuses da natureza.
1.1.3 – OS INCAS
A partir do ano 600 este espaço foi ocupado pelos Chimu, que desenvolveram ampla-
mente os processos de irrigação, possibilitando a agricultura. Os Chimu fundaram a cidade
de Chan-Chan, sua capital, que contou com aproximadamente 80 mil pessoas. Os incas
foram sucessores dos Chimu.
Este processo teve várias fases, mas pode-se citar a conquista do Império Chimu e da
cidade de Tiahuanaco. Este longo processo de expansão é marcado pela conquista de povos
e cidades, bem como pela assimilação de culturas mais desenvolvidas. A expansão dos incas
ocorreu devido as suas constantes guerras e busca de riquezas, consequentemente incorpo-
rando povos, culturas e bens materiais. Antes da chegada dos espanhóis eles formavam um
verdadeiro império, com praticamente 8 milhões de habitantes, divididos em vários grupos
étnicos.
Os povos andinos tinham muitas dificuldades de sobreviver num clima e relevo extre-
mamente hostil e, sendo assim, criaram muitas técnicas para desenvolver a agricultura na-
quele espaço. A agricultura destes povos pré-colombianos era bem adiantada, cultivando
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muitas espécies de alimentos. Para isso várias técnicas foram sendo experimentadas para
dominar o clima e a geografia, desenvolveram a irrigação, transformando a área desértica
em local produtivo, irrigado com as águas das geleiras.
Esse processo agrícola foi realmente bem desenvolvido, inclusive realizavam fertiliza-
ção dos solos, utilizando o guano como adubo, resíduo proveniente dos excrementos das
aves marinhas. Todo este trabalho de agricultura e realização de obras de infraestrutura
exigia um grande esforço coletivo, e para isso realizavam mutirões para dar conta destas
atividades.
Essa relação com a terra é semelhante aos demais impérios, pois em quase todos ela era
propriedade do Estado. Com o incas este processo se repete, uma vez que não havia a propri-
edade privada da terra, e sim, a organização em unidades produtivas chamadas de ayllu. O
ayllu consistia num agrupamento de várias tribos num mesmo território, dividido em partes
que compreendiam as terras destinadas ao Deus-Sol, ao imperador e às da comunidade.
Como todo império, os incas também se dividiam em classes sociais, as quais compre-
endiam o clero, a nobreza e naturalmente o povo. O clero, responsável pela parte espiritual
do império, tinha como responsabilidade a magia e os rituais. A nobreza era constituída
pela família do nobre, ou seja, do imperador inca; também faziam parte dela os chefes guer-
reiros e os denominados curacas. O povo era constituído basicamente pelos camponeses, os
quais muito cedo casavam e permaneciam morando no ayllu, praticando a agricultura e
prestando a mita.
No que se refere à administração política, havia uma concentração de poder nas mãos
da família do Inca, ou seja, do imperador. Era um tipo de império teocrático, pois o domínio
era exercido em nome do Deus-Sol. Seus poderes estendiam-se ao papel de chefe civil, poder
militar e religioso, e realmente havia uma concentração de poder na sua figura.
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O grande império era dividido em províncias, cada uma delas com um governador, havendo
uma estrutura política bem organizada, o que possibilitava a perfeita comunicação dentro
do império.
A vida cultural dos incas foi extremamente desenvolvida, pois estes herdaram um sig-
nificativo patrimônio cultural dos povos da região andina, incorporando vários elementos
destes em sua cultura. Na cultura material destaca-se a arquitetura, com a construção de
grandes edifícios utilizando-se de pedras irregulares que se encaixavam perfeitamente. Este
patrimônio cultural pode ser constatado nas cidades de Cuzco e Machu Picchu, que são
exemplos desta cultura.
Essas três civilizações podem ser consideradas as mais desenvolvidas da América Pré-
Colombiana, pois viviam em cidades e possuíam formas de produção bem organizadas, mas
mesmo assim foram dominadas e saqueadas pelos espanhóis, e não conseguiram resistir ao
invasor.
Isso não significa que seus integrantes não reagiram aos ataques dos espanhóis, pois
os relatos dos religiosos revelam que os conflitos foram devastadores para a população nati-
va, que assistiu à destruição de suas cidades e organizações sociais. Com a finalidade de
saquear as riquezas, os espanhóis realmente colocavam fogo nos povoados, matavam a po-
pulação, não tinham nenhuma piedade, e por incrível que possa parecer, ainda se apresen-
tavam como cristãos que levavam o nome de Deus para os pagãos.
Os nativos que ocupavam mais o sul da América ainda viviam no estágio da pedra
lascada e polida, não pertenciam às grandes civilizações e a sua vivência ainda era em
forma tribal, sofrendo também os ataques dos espanhóis, que procuravam riquezas, princi-
palmente metais.
Seção 1.2
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A instituição do sistema colonial fazia parte de todo um processo mais amplo de mu-
dança do feudalismo para o capitalismo. Com a chegada na América efetivou-se este siste-
ma colonial estabelecendo relações de exclusividade entre as metrópoles e as colônias. As-
sim, tudo o que era explorado e produzido nas colônias era destinado para os países coloni-
zadores. Neste sentido, podemos afirmar que este sistema econômico era complementar ao
pré-capitalismo europeu, ou seja, os metais preciosos eram todos enviados para o país colo-
nizador, além dos produtos tropicais e matérias-primas.
A organização do sistema colonial foi extremamente rígido, pois a Espanha criou todo
um aparato para garantir a dominação nos territórios conquistados, além de estabelecer as
formas de produzir riquezas, organizando as formas de trabalho de acordo com o próprio
sistema mercantilista. O aparato criado pela Espanha era complexo, havia o Conselho das
Índias, tendo a tarefa de organizar as questões judiciais, legislativas, militares e eclesiásti-
cas. Já a Casa de Contratação era responsável pelo comércio. Toda a parte administrativa
era regulamentada pelos vice-reis, que se instalavam por todo o território conquistado, for-
mando o seu núcleo de poder, mas subordinado às metrópoles.
O poder mais local era representado pelos cabildos e ayuntamientos, que consistiam
em órgãos locais de poder; seus representantes eram os descendentes de espanhóis nascidos
na América.
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O vice-reinado da Nova Espanha se expandia pelo oeste dos Estados Unidos, o atual
México e uma parte da América Central, e, como podemos observar nos diferentes mapas
(disponíveis na biblioteca), era um território muito extenso. Convém salientar que o México
e o Peru foram importantes centros produtores para o sistema colonial, com grande parte da
produção consistindo na extração de metais preciosos, pois era o que a Espanha procurava
naquele período.
O vice-reinado do Peru situava-se onde atualmente estão o Peru e parte da atual Bo-
lívia, ou seja, um espaço do Império Inca. Antes da chegada dos espanhóis era um território
muito rico, com metais preciosos que foram motivo de cobiça pelos colonizadores. Após o
saque das riquezas, os espanhóis escravizaram os nativos, obrigando-os a trabalharem nas
minas extraindo metais, como também formaram grandes fazendas, cuja mão de obra era
composta pelos nativos. Os proprietários da minas e os fazendeiros detinham um amplo
poder local, entrando em conflito com os representantes da Coroa.
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Os nativos foram os que mais sofreram com a colonização, pois estavam submetidos à
escravidão, trabalhando nas minas e nas fazendas, tendo sua liberdade condicionada à
prestação do trabalho compulsório. Na nova escala social os nativos estavam condiciona-
dos à escravidão, era a classe mais baixa na hierarquia social, acima deles estavam os mes-
tiços, que constituíram uma classe livre, mas que não subiam na escala social e permaneci-
am temerosos de serem rebaixados a escravos.
Os núcleos de povoamento eram raros, pois não se tinha uma riqueza aparente, então
se atraía um grande número de aventureiros que se dedicavam ao comércio e também à
apropriação de grande quantidade de terras que tinham pouco valor, mas já contava com a
presença de gado selvagem. Os espanhóis geralmente ocupavam as margens do Rio da Pra-
ta, pois era uma área dedicada ao comércio e ao contrabando de couro e metais.
Nesse vice-reinado as relações com os nativos de imediato foram diferentes das ocorri-
das nos demais territórios, pois os espanhóis não encontraram minas, nem cultivavam a
terra. Sendo assim, os nativos não sofreram num primeiro momento o proce sso de
escravização. Os espanhóis tiveram muitos filhos com as nativas, gerando um grande núme-
ro de mestiços.
Para além dos vice-reinados ainda havia as capitanias gerais, as quais ficavam subor-
dinadas àqueles. As mais expressivas eram as da Guatemala, Flórida, Cuba, Venezuela e
Chile, e como podemos perceber, ocupavam uma vasta região territorial. Também desenvol-
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viam atividades produtivas, como nos vice-reinados. Essa divisão territorial em vice-reina-
dos e capitanias gerais foi fundamental para a Espanha controlar todas as atividades de
extração de metais e produção agrícola praticada aqui, pois o pacto colonial obrigava a
enviar para a metrópole toda a produção, bem como a pagar impostos da extração e expor-
tação.
Esse período colonial foi realmente muito longo, mas ao mesmo tempo foi estabelecido
um poder local pelos criollos, que mais tarde se revoltaram com a situação colonial e luta-
ram pela independência das colônias.
Seção 1.3
Logo que os espanhóis chegaram à América a busca de metais preciosos foi constante e
a economia mineradora tornou-se responsável pelo enriquecimento da Espanha. A explora-
ção iniciou-se pelos planaltos do México, expandindo-se pela Cordilheira dos Andes, e todo o
trabalho foi feito pelos nativos, com a denominação de mita. Esse sistema consistia num tra-
balho compulsório que empregava as comunidades dos nativos no processo de mineração.
Além da mita ainda podemos destacar com outra forma de exploração do trabalho dos
nativos, a encomienda, também amplamente utilizada no período colonial americano. Po-
demos destacar duas formas distintas de atividade econômica, a mineração e a produção
agrícola, e nesta última era adotada a encomienda.
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Os escravos negros também reagiam à escravidão por meio de fugas e motins, pois não
aceitavam facilmente as condições de trabalho impostas pelos seus proprietários.
A intensa exploração dos nativos despertou o interesse da Igreja, que mandou para as
terras americanas a Companhia de Jesus, ainda no século 16, formando assim o que pode-
mos denominar de Reduções Jesuíticas. No Rio Grande do Sul tivemos os sete povos das
missões: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São
Lourenço Mártir, São João Batista e Santo Ângelo Custódio, sendo um dos mais conhecidos
o de São Miguel, patrimônio da humanidade reconhecido pela Unesco.
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O detalhe desta relação é a seguinte: esses produtos são comprados nos armazéns das
minas ou fazendas por um preço muito alto. Sendo assim, o trabalhador fica permanente-
mente endividado, e isso faz com que ele continue trabalhando para esse mesmo patrão pelo
resto de sua vida, caracterizando mais uma servidão do que um trabalho livre.
No século 18 foi posto fim ao regime de porto único. Sendo assim, qualquer porto
espanhol poderia comercializar com a América. Toda a produção de metais explorados aqui
deveria ser enviadas à Espanha, bem como as matérias-primas que aqui eram produzidas. O
ouro e a prata pagavam altos impostos, e era chamado de quinto um imposto de 20% sobre
o metal. Os produtos manufaturados importados pelas colônias eram comprados com um
alto preço, resultando em altos ganhos por para a Espanha.
A Espanha tinha uma fraca indústria, que não conseguia atender às demandas das
colônias. Com isso, havia muito contrabando, inclusive com a permissão dos administrado-
res locais, que recebiam propinas para permitir que os navios estrangeiros atracassem e
vendessem as suas mercadorias para as colônias. Os funcionários corruptos recebiam mui-
tas propinas por permitir esse comércio, juntando muito dinheiro e voltando a viver na
Espanha. Os ingleses, holandeses e franceses frequentavam constantemente os portos para
fazer contrabando, vendiam os produtos manufaturados, e, em troca, compravam produtos
agrícolas recebendo em ouro e prata, comércio lucrativo para os contrabandistas.
Outra grande herança espanhola foi a questão da grande propriedade, pois foi consti-
tuída uma estrutura agrária com predomínio dos latifúndios destinados aos conquistadores
e seus sucessores. A estrutura dos latifúndios é um modelo que começou no período colonial
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e que persiste até a atualidade. Toda a produção colonial era destinada para a metrópole,
assim o desenvolvimento interno das colônias foi extremamente prejudicado, pois não se
investia internamente.
A estrutura social determinava que no seu topo ficariam alocados os espanhóis prove-
nientes da península ibérica, os denominados chapetones, descendentes da nobreza
empobrecida da Espanha. Esses chapetones ocupavam todos os cargos administrativos das
colônias, pois eram os letrados, também tornando-se donos das grandes propriedades e das
minas, portanto tinham poder político e econômico ao mesmo tempo.
Abaixo dos chapetones ficavam os criollos. Esses eram os filhos de espanhóis nascidos
na América, mas não podiam ter mestiçagem, ou seja, não podiam ter cruzamento interétnico.
Os criollos geralmente eram grandes proprietários de terras, mas também comerciantes. Não
podiam ocupar altos cargos administrativos, mas participavam dos cabildos, um órgão que
representava o poder local.
Na base da sociedade estavam os índios, que na época da chegada dos espanhóis eram
aproximadamente 30 milhões e ficaram reduzidos a cerca de 10 milhões. Isso comprova o
verdadeiro massacre que essa população sofreu ao longo do processo de colonização, pois
foram condenados à servidão nas minas e fazendas.
Na tentativa de interferir no massacre dos índios, a Espanha criou a Lei das Índias,
que procurava proteger a organização comunitária da propriedade e do trabalho indígena.
Na prática, porém, essas leis não funcionaram, pois o encomendero que cobrava impostos e
estava encarregado de cristianizar os indígenas, na realidade os explorava ainda mais, trans-
formando-os em força de trabalho e quando estes morriam ou deixavam as terras, ficava
com elas.
Essa mesma Lei da Índias também proibia a mita, mas isso, na prática, também não
teve acesso, pois os índios continuavam a ser alocados em trabalhos forçados, o que contri-
buiu decisivamente para o genocídio desse povo. Na lei foi instituída a igualdade de direitos
entre índios e espanhóis, mas isso somente existiu formalmente, pois na realidade os indíge-
nas continuaram a ser mão de obra nas fazendas e minas.
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A Igreja Católica foi representada também pela Companhia de Jesus, cujos inte-
grantes eram os que mais se dedicavam a catequizar os índios. Os jesuítas foram impla-
cáveis na difusão do cristianismo e no combate às heresias, sendo os principais respon-
sáveis pela introdução do cristianismo na América, e no seu trabalho de cristianização
criaram escolas, batizaram índios e colonos e tentaram de todas as formas livrar os índi-
os da escravidão.
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Seção 1.4
O período colonial foi o mais longo de toda a história da América Espanhola, pois
começou no século 16 e foi até o início do século 19, mais de três séculos de intensa explo-
ração da Espanha em todos os territórios, nos vice-reinados e capitanias gerais. Durante
todo o período colonial a produção mineral e agropecuária era destinada à metrópole, além,
é claro, dos impostos que os colonos tinham de pagar. Houve inclusive a concorrência des-
leal dos produtos aqui produzidos com os comprados da Europa.
Este período violento começou no século 19. Nos vários vice-reinados ocorreram lutas
pela independência, mobilizadas pelos criollos, para acabar com as velhas estruturas colo-
niais, mas a Espanha reagiu violentamente a esse processo, pois não desejava o fim do
período colonial. Os criollos, por sua vez, se mostraram muito organizados e com força de
mobilização, mantendo a luta até conseguirem definitivamente a libertação da Espanha,
tendo fim o longo período colonial.
SÍNTESE DA UNIDADE 1
Nesta Unidade visualizamos duas fases da América: num primeiro
momento o período pré-colombiano, ou seja, antes da chegada de
Colombo à América, um longuíssimo período da história da Améri-
ca, muito pouco conhecido por nós, pois os estudos históricos não
são muito expressivos. Este período ficou marcado pelas diferentes
formas de organizações sociais dos nativos, que viviam aqui antes
da chegada de Colombo. As formas de organização social eram
realmente bem diversas, pois alguns ainda viviam de forma tribal,
no período da pedra lascada ou da pedra polida, e outros já se
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Unidade 2
Nesta Unidade você vai estudar o processo de formação do Estado Nacional, como
ocorreu a sua efetivação após o processo de independências, estruturado a partir de um
acordo entre as elites locais, garantir suas formas de poder centralizador. Nesta perspectiva
forma-se o Estado oligárquico, ou seja, o poder estava nas mãos das oligarquias locais,
chegando, em alguns países, a formar o caudilhismo.
A centralização do poder causou vários problemas entre países vizinhos, pois procura-
va-se expandir as fronteiras e seus domínios, originando alguns conflitos na Bacia do Prata.
A expansão dos conflitos gerou um panorama de instabilidade no século 19, comprometen-
do inclusive a estabilidade do Estado oligárquico. O conflito mais intenso foi a guerra con-
tra o Paraguai, que dizimou este país, acabando com o sonho de se tornar um país livre em
termos de economia, pois no século 19 os países do Prata dependiam das exportações para
estabilizar sua economia.
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Seção 2.1
Esta primeira fase após o processo de independências foi marcada por um longo período
de reestruturação de toda a sociedade, pois ainda não estava definido exatamente como
seriam as bases do Estado. Alguns historiadores chamam esta de fase da anarquia, haja
vista que ainda não se tinha organizado as formas administrativas, tendo essa expressão
sido largamente utilizada na historiografia latino-americana, pois remete a um período difí-
cil no processo político destes novos países independentes, que passaram por um longo
processo até atingir um ordenamento estável.
Por outro lado, os historiadores também observam que essa desorganização do Estado
deu origem ao fenômeno conhecido como caudilhismo, ou seja, o poder concentrado nas
mãos de uma figura política centralizadora, denominado caudilho. Isso tudo atestou a inca-
pacidade das classes dominantes de instituir um Estado que realmente ocupasse um lugar
de poder, sendo um processo muito longo no decorrer do século 19.
Outro papel dos militares era servir como mediadores para acalmar conflitos em al-
guns países que apresentavam a economia totalmente debilitada em decorrência do proces-
so de independência. A economia foi a que mais se desestabilizou, pelo fato de ter ficado
muito tempo sem receber os capitais dos investidores estrangeiros. A situação de instabili-
dade e as dificuldades de impor uma política estável, transformaram toda a economia da
América Latina num verdadeiro caos, uma situação totalmente dramática para esses países
livres. A interrupção das exportações foi a principal causa do desequilíbrio econômico.
Toda esta instabilidade política e econômica que abateu a América Latina foi decor-
rente das lutas de poder, criando um clima de pessimismo em vários países, principalmente
a partir de 1830, dando margem para que segmentos tradicionais tomassem o poder e cons-
tituíssem um Estado totalmente conservador. Podemos citar vários exemplos destes conser-
vadores e centralizadores no poder, tais como: Antonio López de Santa Anna, no México,
Juan Manoel Rosas, na Argentina (este foi, no sentido literal da palavra, um verdadeiro
caudilho), além de Diego Portales, no Chile.
30
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Terras comunais
A instabilidade econômica entrou em uma outra fase na
São propriedades de uso
segunda metade do século 19, pois a partir desse período foi per-
coletivo que ainda havia no
cebido um acelerado desenvolvimento do setor primário exporta- século 19 na Argentina.
Seção 2.2
31
EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
Campanha do Deserto do clero, dado que pretendiam pôr em prática um projeto de mo-
A campanha do deserto
dernização econômica e social. Esses liberais denunciavam que
consistia em ampliar o
povoamento rumo às regiões o clero não poderia mais ter o poder de decisão na educação e
ainda desérticas e que
cultura, pois viam isso como uma forma de centralização da li-
precisariam ser ocupadas e
colonizadas. berdade de pensamento.
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
O Estado nacional institui verdadeiramente uma nova matriz econômica, agora baseada no
grande latifúndio, daí decorrendo um grande processo de desapropriações de terras, as quais
foram parar nas mãos dos latifundiários ligados ao setor primário exportador.
O Estado nacional, a partir de suas novas políticas, foi incisivo na efetivação de uma
estrutura econômica mais compatível com o mercado externo, conquistando dessa forma
uma retomada dos negócios internacionais. O latifúndio foi responsável pelo incremento da
produção para exportação, aumentando significativamente a quantidade de produtos. Nes-
ta fase a economia já estava mais estabilizada, mas direcionada para o mercado externo,
marcando decisivamente o mercado latino-americano, que adotou uma economia voltada
para as exportações.
Com isso, alguns segmentos da classe dominante conseguiram fazer parte do Esta-
do, com a posse de capital suficiente para impor o seu domínio sobre os demais. Sendo
assim, configurou-se esse segmento dominante tanto no comando político quanto na eco-
nomia. Vale destacar que desde a segunda metade do século 19 a Europa já se encontrava
plenamente recuperada economicamente, impulsionando o processo de industrialização,
e com isso importando matéria- prima da América Latina. Essa foi a nova configuração do
capitalismo, ou seja, os países europeus industrializados e os demais fornecendo a maté-
ria-prima.
Esses países industrializados ganharam muito nestas trocas desiguais e por isso inves-
tiram parte deste capital por aqui, possibilitando a construção de estradas de ferro, a insta-
lação de iluminação elétrica, como também estabelecendo filiais de bancos. No decorrer do
século 19 era necessário a formação de mão de obra para atuar nesta produção primária, e
por isso gradualmente foi ocorrendo a abolição da escravatura, um passo fundamental para
a consolidação do capitalismo como modo de produção dominante.
33
EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
É importante frisar que foi somente com essa oligarquia primário-exportadora que
realmente se instalaram as bases efetivas para o desenvolvimento do capitalismo. Já no
final do século 19 percebeu-se uma estabilidade social, econômica e política, demonstrando
o sucesso do capitalismo na América Latina como um todo. Todo esse período de estabilida-
de foi decorrente da atuação desses segmentos primário-exportadores, que desenvolveram
um projeto que atendia aos interesses internos, aliados ao próprio desenvolvimento do capi-
talismo internacional.
Grande parte dos autores discute o capitalismo na América Latina defendendo a ideia
de modelo primário exportador dependente dos rumos do capitalismo internacional. Essa é
a verdadeira ideia de teoria da dependência, que vigoraram muito tempo nas teorias clássi-
cas sobre a dependência, para explicar o modelo capitalista. Atualmente já existem outras
correntes teóricas que discutem o capitalismo de um outro ângulo.
Seção 2.3
Este segmento que ocupou o poder apresentava-se como liberal, mas era um grupo
oligárquico, extremamente conservador, pois ainda preservava as mesmas atitudes do período
colonial, tentando impor o seu domínio sobre as demais províncias. Havia, entretanto, uma
outra oligarquia que vivia no interior e que não se dedicava ao comércio, ou seja, os grandes
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
proprietários rurais, que estavam mais preocupados em manter as suas grandes propriedades
de terras, levando uma vida simples no campo. Por outro lado, os que viviam em Buenos Aires
adotavam hábitos europeus e importavam todos os produtos manufaturados do exterior.
Os unitaristas assumiram o poder realizando uma política que favorecia Buenos Aires,
e todas as exportações e importações eram taxadas na sua alfândega, arrecadando um bom
capital. Esse era o papel que a metrópole exercia no período colonial, quando Buenos Aires
detinha todo o controle sobre a economia da Argentina, pois todos os bancos estavam lá
localizados, e também era responsável pela emissão da moeda.
A mão de obra local das estâncias era feita pelos gaúchos, um tipo social interiorano
que vivia da criação e matança de gado, que com a exportação destes produtos ficaram à
margem do mercado de trabalho e acabaram formando as tropas dos caudilhos que lutavam
contra a hegemonia de Buenos Aires. Com a guerra civil de 1828 a 1829 os unitaristas de
Buenos Aires foram destituídos do poder e cada província passou a desfrutar de autonomia.
Na própria guerra civil um nome se destacou: Juan Manoel Rosas, um rico proprietá-
rio de terras da Província de Buenos Aires, que obteve apoio dos caudilhos do interior, con-
quistando o poder desta província com o apoio dos aliados das demais províncias interioranas.
Rosas ficou conhecido como o “caudilho dos caudilhos”, pois enorme era o seu poder, tendo
a capacidade de dominar toda a vida política da Federação, procurando desta forma a con-
solidação da unidade nacional. Seu poder era reconhecido pelos demais caudilhos das pro-
víncias do interior, que mantinham sua autonomia política, mas cabia a Buenos Aires cui-
dar das relações exteriores da Federação.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
Rosas era um herói da oligarquia rural conservadora e das massas populares que não
eram atendidas por ninguém, ou seja, totalmente desassistidas. O apoio a Rosas era basica-
mente concedido pelos ricos porque ele era capaz de impor ordem na política, garantindo
assim a prosperidade deste segmento. Por outro lado, as classes populares eram submetidas
ao seu poder porque ele era tido como típico gaúcho, era respeitado e venerado inclusive em
procissões, que carregavam a sua imagem, quase como um Deus.
Rosas instituiu uma política severa em relação à economia e estabeleceu uma legisla-
ção alfandegária protecionista. Essas medidas estendiam-se ao artesanato, ficando proibido
importar selas de cavalo, tecidos de lã e algodão, sapatos, bebidas alcoólicas, frutas secas e
demais gêneros. Com isso acabaria a concorrência entre o artesanato local e os produtos
importados. Essa medida também mantinha os rios do interior fechados ao comércio externo.
Durante o governo de Rosas não havia na Argentina uma burguesia industrial, por-
tanto o país era dominado pela burguesia comercial e pelos grandes proprietários de terras,
voltados para o comércio externo, pois naquela ocasião ainda não havia interesse em inves-
tir no processo de industrialização.
Rosas, ao longo de seu governo como caudilho dos caudilhos, obteve significativa
credibilidade por parte do povo, pois era temido e amado ao mesmo tempo, mas todo o seu
esforço não logrou quebrar o domínio do porto de Buenos Aires sobre o comércio internacio-
nal. As províncias, apesar das medidas protecionistas, não conseguiam entrar no comércio
internacional, portanto o seu artesanato era destinado ao consumo interno.
O governo de Rosas teve fim por um movimento militar liderado por Justo José Urquiza,
governador da Província de Entre-Rios. O movimento teve apoio do Brasil e do Partido
Colorado do Uruguai. Com a derrota de Rosas na Argentina foi instituído um Estado nacional
dominado pelos comerciantes portenhos e pela aristocracia rural de Buenos Aires, todos
vinculados ao imperialismo inglês.
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
O Estado liberal foi concebido pelos grandes proprietários de estâncias e dos seto-
res ligados ao comércio internacional, e funcionou plenamente no período de 1870 a
1930. Esse mesmo Estado acabou com a autonomia regional das oligarquias não vincu-
ladas ao mercado externo. Desta forma, o setor exportador impôs sua hegemonia em toda
a Argentina.
As elites que conquistaram o poder após a queda de Rosas eram economicamente mais
diversificadas, ou seja, não apenas ligadas à exportação. As novas teorias econômicas das
elites refletiam as concepções que vinham do exterior, pois apresentavam um verdadeiro
entrave para o desenvolvimento, os denominados gaúchos, que eram os interioranos defini-
dos como bárbaros, entendidos um dos motivos do subdesenvolvimento da Argentina.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
Grande parte da produção industrial era destinada ao mercado externo, pois o merca-
do interno era um tanto quanto limitado para absorver toda esta produção. Com o processo
de industrialização a Argentina tornou-se um dos países mais ricos da América Latina, com
um desenvolvimento muito rápido e aumento do poder de compra dos assalariados, tendo as
aplicações financeiras alcançado um patamar bem significativo.
Seção 2.4
O Paraguai no Século 19
O governo de Francia foi realmente diferente dos demais governos da América Latina,
pois desde o início ele isolou o Paraguai do mundo externo. As fronteiras do país foram
fechadas e vigiadas pelos militares, as pessoas e mercadorias não podiam circular, estando
sujeitas à punição. Era muito rara a permissão para navios estrangeiros comercializarem
com o país e, às vezes, trocavam mercadorias por erva-mate.
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Francia, por meio do Estado patriarcal, fazia os direcionamentos das políticas públi-
cas orientando os investimentos na economia. Com essas diretrizes políticas e econômicas o
Estado conseguiu desenvolver a produção de manufaturas para o abastecimento do merca-
do interno, não necessitando da mão de obra da imigração europeia para alavancar o pro-
cesso de industrialização. Francia mantinha em suas mãos o controle total do país, inclusi-
ve usando a coerção física, pois em alguns casos mandava fuzilar os considerados inimigos.
Com a morte de Francia o autoritarismo continuou a vigorar, sendo eleito pelo Congres-
so Carlos Antonio Lopez, que se manteve no poder de 1844 a 1862, juntamente com mais um
cônsul, mas o poder realmente permaneceu apenas em suas mãos. Ele foi eleito presidente da
República por dez anos, e no começo do governo se mostrou progressista, abolindo a tortura,
libertando os escravos nascidos a partir de 1843, limitando o período em que o escravo se
mantinha trabalhando, bem como submetendo os religiosos ao poder do Estado.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
to pe rmanente, defendendo que era preciso manter-se alerta diante dos interesses
expansionistas dos países vizinhos. No caso da Argentina, havia um perigo permanente,
uma vez que esta desejava anexar o Paraguai aos seus domínios territoriais.
Carlos Lopez governou o Paraguai até 1862, e com sua morte assumiu o poder o seu
filho Francisco Solano Lopez, que governou até 1870. Solano Lopez manteve a mesma po-
lítica econômica desenvolvimentista dos governos anteriores, ou seja, de manter o Paraguai
como uma economia autônoma, sem depender dos investimentos externos. O governo sus-
tentou o desenvolvimento da economia investindo na infraestrutura, pois foi o primeiro país
da América Latina a possuir uma ferrovia controlada pelo Estado, e instalou também uma
linha telegráfica, investiu na fabricação de navios a vapor nos seus próprios estaleiros, avan-
çou na produção siderúrgica e na indústria bélica.
Com todos os investimentos internos feitos, o Paraguai foi um dos únicos países da
América Latina a manter uma balança comercial favorável, ou seja, seu desenvolvimento
não se baseava no capital externo, como os demais países. Para manter a balança comercial,
investia os lucros obtidos com a exportação da erva-mate e madeira, produzia praticamente
tudo o que o país consumia. O Estado era quem controlava a economia, sem a intervenção
dos países estrangeiros.
O Paraguai tinha uma excelente infraestrutura interna, e com isso foi possível investir
também na organização de um exército forte, considerado um dos melhores da América
Latina. O governo entendia que o fortalecimento militar era fundamental para impedir qual-
quer tentativa expansionista dos países vizinhos. Com esse forte exército, também era ne-
cessário um grande número de soldados, os quais quando não estavam de prontidão, eram
destinados a trabalhos em obras tais como: construções de estradas, canais de irrigação e
ferrovias, além de ocuparem cargos em empresas estatais.
40
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
que exerciam estas atividades quando não estavam lutando. A maioria das terras era de
propriedade do Estado, que organizava o que denominava de “fazendas da pátria”, que
produziam principalmente erva-mate para a exportação.
O Paraguai resistiu bravamente contra os três países que o atacaram, pois estes países
ainda contavam com o apoio da Inglaterra. Com essa guerra acabou o sonho de um país
com desenvolvimento autônomo na América Latina, uma vez que os demais países eram
dependentes dos investimentos externos.
A situação do Paraguai era realmente delicada até o início da guerra, uma vez que o
governo de Solano pretendia manter a saída para o mar pelo Rio da Prata, pois o país natu-
ralmente não era banhado pelo mar e necessitava uma saída para os produtos exportáveis,
principalmente a erva-mate.
Com relação ao Brasil, um dos aliados, os problemas com o Paraguai já haviam come-
çado anteriormente, pois para atingir o Mato Grosso era necessário navegar pelo Paraguai,
e dessa forma toda a vez que um navio trafegava em águas paraguaias, necessitava pedir
uma autorização. Os brasileiros começaram a fortificar o Mato Grosso para garantir a sua
posse, mas também tinham problemas com as fronteiras, pois as divisas com o Paraguai
ainda não estavam bem definidas, o que provocava graves incidentes.
Por outro lado a Argentina, também aliada, iniciou uma ofensiva que visava a fortifi-
car a embocadura dos Rios Paraguai e Paraná, e isso naturalmente afetava diretamente a
navegação do Paraguai, que não conseguia exportar a erva-mate. Com essa série de proble-
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
No decorrer da guerra, que durou cinco anos, o Paraguai resistiu bravamente aos
adversários, mas teve também muitas baixas. Quando as munições bélicas começaram a
faltar, os soldados paraguaios combatiam com cacos de vidros, alternativa encontrada para
a falta de armas. A Tríplice Aliança foi financiada pela Inglaterra, portanto, dispunha das
melhores armas e munições, e, depois de um verdadeiro massacre, acabou com o Paraguai,
que permaneceu ocupado pelo Brasil até 1876.
Quando terminou a guerra, metade do território do Paraguai pertencia aos países in-
tegrantes da Tríplice Aliança. O mais impactante, porém, foi a redução da população, o que
comprova que ocorreu um verdadeiro extermínio, pois antes da guerra havia 1,5 milhão de
habitantes, mas no fim do conflito restaram apenas 500 mil.
Isso significa que foram exterminadas nada menos que 1 milhão de pessoas em cinco
anos, e dos que sobreviveramem sua maioria eram mulheres, velhos, inválidos e crianças. A
situação ficou muito crítica após a derrota, pois foram destruídos os meios de produção, as
fábricas, os fornos de fundição, tudo ficou arrasado. A maior perda, todavia, foi o desenvol-
vimento sustentável que ostentavam, a sua independência econômica. Todo esse projeto
teve fim com a guerra.
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
SÍNTESE DA UNIDADE 2
Nesta Unidade você tomou conhecimento da situação social, polí-
tica e econômica da América Latina ao longo do século 19, o mo-
mento de transição dos países realmente livres, com a consolida-
ção de um modelo de desenvolvimento. Logo após a independên-
cia estes países passaram por uma verdadeira crise, até novamente
se rearticularem como o mercado externo, pois por um longo perí-
odo ainda dependiam da ajuda externa para desenvolver a sua
economia.
43
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Unidade 3
• Descrever as diferentes etapas dos processos que marcaram o século, analisando as expe-
riências que o povo vivenciou nos diferentes países.
Nesta Unidade abordaremos algumas questões que marcaram o século 20, de muitas
mudanças, que influenciaram diretamente no desenvolvimento das dimensões sociais, eco-
nômicas e culturais dos países latinos-americanos. Iniciaremos pelas atividades econômicas
que se alteraram em consequência do próprio capitalismo, gerando um modelo econômico
dependente, o que alguns autores denominam de teoria da dependência.
É importante salientar, contudo, que sempre existiu uma economia voltada para o
mercado interno, que contou inclusive com um processo preliminar de industrialização. Ao
longo do século 20 ocorreram inúmeras transformações, o processo de hibridização da cul-
tura foi intensificado pelos processos de imigração, iniciado ainda no final do século 19.
Com isso, a cultura foi se diversificando a partir da junção desses fragmentos.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
A diversidade social gerou uma crise do Estado oligárquico, que precisou ser revisto
para atender aos interesses dos grupos sociais que reivindicavam participação no cenário
político. As mudanças políticas ocasionaram uma certa tendência à formação do populismo,
criando estratégias políticas que tivessem vínculos ideológicos com os segmentos populares,
embora alguns projetos apenas tenham construído um imaginário populista para tentar
contemplar os interesses populares. Ainda nesta perspectiva política vamos abordar algu-
mas questões sobre as ditaduras militares na América Latina.
Seção 3.1
O apogeu e a crise do Estado oligárquico ocorreram no século 20, embora tenha ele se
estruturado já no século 12. No período que vai de 1900 a 1930, este modelo de Estado sofre
as maiores alterações em alguns países da América Latina, onde se percebeu que em deter-
minados lugares a fragilidade era maior, mas na maioria dos países marcou profundamente
as estruturas políticas e sociais.
O modelo de Estado oligárquico foi marcado pela figura do fazendeiro, que tinha o
poder de decisão. Sua autoridade era tanta que todos ficavam subjugados ao seu poder, os
escravos, os peões, mestiços, negros, mulatos e brancos pobres, e estando sob o seu controle,
trabalhavam para manter este modelo econômico. Ao mesmo tempo, este modelo de Estado
foi ameaçado pelas manifestações contrárias ao seu poder centralizador e ao monopólio da
economia, principalmente no caso da monocultura. As manifestações eram contra ao
autoritarismo de Estado e principalmente, contra a dependência que estes países apresenta-
vam em relação aos países industrializados, pois isso impedia o desenvolvimento econômico.
O caso do México foi emblemático, e Porfírio Diaz (1876-1910) foi representante deste
Estado oligárquico, derrotado pela resistência das classes opositoras. Em outros países esta
resistência também se manifestou, causando uma série de movimentos de contestação, in-
clusive derrubando governantes.
46
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Apesar dos constantes ataques às oligarquias, em muitos países este modelo perdurou
praticamente até o final do século 20, como foi o caso de alguns países da América Central.
No caso específico da Argentina, as oligarquias foram contestadas e tiradas do poder, su-
plantadas pelos setores antioligárquicos, estabelecendo-se um projeto capitalista alternativo.
Esse início do século 20 até praticamente 1930 foi marcado por uma grande expansão
do setor primário exportador, pois o mercado externo mostrava-se favorável. Nesse período
tivemos uma expansão caracterizada pelo aumento das exportações, principalmente do café,
cereais, cana-de-açúcar, frutas, guano, salitre, cobre, estanho, lã, carne e demais derivados
do gado, látex, minerais e metais pesados, todos produtos deste modelo primário exportador.
Podemos citar o caso do Chile, que não foge a essa regra do Estado oligárquico, pois
no começo do século 20 contava com uma classe dominante muito rica, a qual explorava o
salitre à custa do trabalho das massas pobres. A Inglaterra ostentava um grande poder eco-
nômico no país, pois participava da exploração do salitre e do cobre. Havia ainda uma
incipiente burguesia que estava ligada à exploração do minério, às exportações e aos negó-
cios bancários. Sendo assim, a oligarquia tradicional era ligada a essa burguesia mineradora,
detendo o poder político também na sociedade que estava submetida ao trabalho intenso.
Segundo alguns autores, esse modelo era caracterizado pelas relações pré-capitalis-
tas, pois não desenvolvia um mercado interno consumidor, estando as relações comerciais
dependentes muito mais do mercado externo do que do interno. Neste tipo de relação de
mercado foram emergindo classes sociais vinculadas ao modelo capitalista de desenvolvi-
mento dependente, típico da primeira fase do século 20.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
1 – algumas regiões tidas como grandes vazios demográficos foram colonizadas seguindo
esse modelo primário exportador, naturalmente controlado pelas oligarquias locais;
2 – em alguns países o setor primário exportador foi marcado pelas relações de trabalho
semisservis, ocorrendo uma acumulação capitalista caracterizada pelas relações de pro-
dução pré-capitalistas;
Esses novos segmentos foram os mais críticos em relação a essa oligarquia rural, pois
definiam o seu modelo produtivo como o mais atrasado possível, incapaz de alavancar o
próprio capitalismo industrial. Convém salientar que mesmo essa oligarquia rural possuía
um segmento médio, o qual apoiava o seu modelo de desenvolvimento econômico e mesmo
o seu poder político.
48
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Em outros países, como a Argentina, Uruguai e Chile, a expansão capitalista foi mais
intensa, e isso ocasionou uma verdadeira expulsão dos trabalhadores rurais do campo, pois
perderam as suas pequenas propriedades, favorecendo ainda mais a formação do grande
latifúndio.
Convém salientar que já havia um mercado de trabalho livre nas cidades, composto
principalmente pelos imigrantes europeus, que já possuíam experiência de trabalho nas in-
dústrias, gerando dessa forma um mercado interno propício para o consumo de produtos
industrializados, principalmente os mais populares.
Essa indústria de produtos populares era a que mais encontrava condições de se de-
senvolver nesse cenário, pois o mercado interno não possuía poder de compra para produtos
sofisticados, e os segmentos que tinham mais poder aquisitivo eram os que compravam os
produtos importados, muito embora já se começasse a constituir esse mercado interno, que
se decisivo para o desenvolvimento da indústria local.
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EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
Essa burguesia industrial aos poucos conseguia também acumular capitais, emergin-
do a vontade de participação no cenário político para promover o desenvolvimento. Sendo
assim, suas ações políticas estavam mesmo mais voltadas para a promoção do crescimento
do mercado interno que, naturalmente, era o seu centro de consumo.
Boa parte dos operários era oriunda do meio rural. Acostumados que estavam àquelas
antigas relações trabalhistas, indo para as cidades permaneciam isolados, morando nos su-
búrbios em condições de vida totalmente desumanas. Esses operários sentiam muito as
mudanças de vida e na cidade precisavam se adaptar a uma nova realidade. Esse processo
transformou antigos artesãos em proletários, pois ficavam obrigados a vender a sua força de
trabalho para sobreviver no capitalismo industrial.
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EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Esses segmentos médios não tiveram uma participação efetiva nos movimentos sociais
de transformação da sociedade. No caso do México, a Revolução de 1910 mobilizou dife-
rentes segmentos sociais daquele país. Afora o México, os movimentos sociais, com cunho
mais popular, ficaram restritos às grandes cidades, nas quais se aliavam populares com es-
ses segmentos médios. As classes populares estavam mais próximas do campesinato, ambos
fazendo resistência às práticas oligárquicas.
Essas casas foram ocupadas por um número muito grande de famílias; cada uma
morava em um dos quartos dessas casas, tendo algumas áreas de uso coletivo. No Brasil
essas casas receberam o nome de cortiços, local onde habitavam as pessoas pobres das
cidades.
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Seção 3.2
A Era do Populismo
Em meio a esse contexto de crise surge uma nova ideologia, o populismo, constituin-
do uma resposta política para o caos social, especialmente na Argentina, no Brasil e no
México. Foi uma tentativa das classes dominantes de combater as ideologias das classes
médias, que poderiam ameaçar seu poder e legitimidade. No populismo ocorreu uma tenta-
tiva de construir um novo modelo político, procurando incorporar os segmentos mais afeta-
dos pela crise, os quais apoiaram incondicionalmente alguns governantes com um projeto
ideológico de linhas um tanto quanto confusas. Nesse novo projeto populista não ficava
claro qual o papel que cada um dos segmentos sociais iria exercer na vida política e social.
O discurso populista substituía a ação, e era utilizado para manipular a massa, que se
sentia incorporada ao projeto político. O termo populista definia um estilo de exercício de
poder, o qual era impregnado pelo paternalismo de demagogia e nacionalismo. A Argentina,
52
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Vamos tomar como exemplo o peronismo na Argentina, o qual foi um dos maiores
representantes do populismo, ao lado do getulismo, no Brasil. Perón foi uma experiência
emblemática para a Argentina, e tudo começou com sua atuação política nas décadas de 40
e 50, pois exatamente em 1945 Perón foi preso, quando as Forças Armadas deram um golpe
de Estado. Este foi um momento de grande comoção, pois alguns segmentos sociais apoia-
vam Perón e outros eram favoráveis ao golpe. A atriz Eva Duarte, “Evita”, fez uma campa-
nha popular pela libertação de Perón, conseguindo apoio das classes populares, que ocupa-
ram as ruas.
Esse movimento foi tão forte que obteve vitória no mesmo ano da prisão. Perón lan-
çou-se candidato a presidente da República pelo Partido Lavorista, com o apoio dos popula-
res, conseguiu uma vitória estrondosa e absoluta sobre os segmentos antiperonistas, ele-
gendo também senadores, deputados federais e governadores.
Todos os segmentos sociais que o apoiavam ficavam sob o seu controle, mas manteve-
se autoritário em relação aos comunistas, socialistas e mesmo à burguesia, segmentos que
foram perseguidos durante o seu governo. A censura imperava e os meios de comunicação
passaram a ser monopólio do Estado.
A figura de Perón passou a ser venerada por toda a Argentina, nas escolas, nos clubes,
nos campos de futebol, nas casas, enfim, por todos os lugares. Sua mulher, Eva Perón, tam-
bém passou a ser cultuada, dedicando-se à assistência social. Conhecida como “senhora da
53
EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
esperança”, tornou-se amada pelos trabalhadores, e seu fascínio crescia muito, juntamente
com o de Perón. O popularismo de Perón era tanto que se difundiam por todo o país palavras
de ordem tais como: “Perón é tudo”, “Perón, todos nos alimentamos de sua luz”, o que
mostrava a sua aceitação popular.
A Argentina passou por essa fase do populismo como uma etapa em que as forças
populares foram incorporadas ao modelo político, mas essas massas peronistas eram na
realidade objetos de manipulação do governo, não tinham o direito de serem verdadeiros
sujeitos da História.
Essa onda populista que atingiu países da América Latina no século 20 foi muito
marcante na política, constituindo-se numa tentativa de integrar os segmentos populares
ao projeto do governo. Essa experiência foi marcante por permitir, pelo menos num sentido
ideológico, incorporar os interesses dos populares nas políticas públicas. Isso aconteceu nas
legislações trabalhistas, que foram feitas para permitir incorporar algumas reivindicações
que os movimentos operários lutavam há muito tempo.
Esse imaginário foi construído a partir de alguns símbolos que se tornaram nacionais.
O próprio fato de exibirem em suas casas os retratos dos governantes já significa que estes
faziam parte do imaginário dos populares. Esses governos populistas foram tão significati-
vos que permaneceram durante muito tempo como símbolos de homens públicos comprome-
tidos com os trabalhadores.
54
EaD HISTÓRIA DA AMÉRICA MERIDION AL
Seção 3.3
Os estudos sobre as ditaduras na América Latina são muito recentes, inclusive muitos
torturadores ainda estão vivos, sem pagar pelos seus crimes, causando certo receio em algu-
mas pessoas, que foram torturadas, de falar sobre o que sofreram nesse período. Grande parte
da documentação ainda está nas mãos dos militares, não disponíveis aos pesquisadores.
Seção 3.4
Em 1973 ocorreu uma eleição na qual foi candidato Héctor Cámpora, o qual renun-
ciou, assumindo Perón em seu lugar. Nesse novo governo Perón propôs uma política de
reconciliação, tentando aproximar o patronato e os trabalhadores, firmou relações com Cuba
e demais países do Leste Europeu, todos socialistas. O país, porém, foi atingido pela crise
econômica mundial, como também pelas divergências internas do seu governo, que enfren-
tava a oposição direitista e dos militares, enfraquecendo sua posição. Perón morreu em 1974,
aos 78 anos. Deixou o poder para sua então esposa, Maria Estela Martinez de Perón, co-
nhecida como Isabelita Perón.
Assumindo o poder, Isabelita pactuou com a tendência direita do peronismo, mas não
tinha o carisma de Perón. O grande destaque do governo era um bruxo, chamado López
Rega, um esotérico, que assumiu o cargo de ministro do Bem-Estar Social, formando uma
aliança (Aliança Anticomunista Argentina).
55
EaD Ivo do s Sa nt os C an abarro
Os militares assumem novamente o poder e agora, com mais força de coerção, estavam
mais preparados para reprimir qualquer forma de oposição ao governo. Esses militares tam-
bém tinham formação para a administração civil, e a partir daí os oficiais argentinos estive-
ram sempre à frente das iniciativas e projetos de desenvolvimento industrial do país. Os
militares também possuíam formação política, pois desde o Estado oligárquico sempre tive-
ram alguma forma de participação nos governos. Destaque-se que no primeiro governo de
Perón havia inclusive uma aliança com os militares.
Os militares argentinos tinham mais ligações com a Europa do que com os Estados
Unidos. Isso mostrou o caráter religioso destes, que eram extremamente católicos, manten-
do o vínculo com o catolicismo retrógrado e autoritário. A Igreja Católica argentina era
antirreformista, promovia constantemente cursilhos de cristandade, dos quais os militares
sempre participavam e pregava a cristandade contra o moderno anticristo, o comunismo.
Convém ressaltar, porém, que o seu inimigo número um era o peronismo, pois procuravam
estabelecer relações entre este e o comunismo. Essa relação, contudo, não existia, porque o
peronismo era também anticomunista.
Havia uma divisão bem clara entre os militares: de um lado estavam os colorados, que
eram os mais extremistas, os chamados gorilas do poder militar, partidários da destruição do
peronismo e defendiam apenas um governo militar. De outro lado estavam os azuis, consi-
derados os mais moderados, que argumentavam que os militares deveriam defender a lega-
lidade do regime militar.
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A repressão foi extremamente violenta durante o período militar, pois cada uma das
armas e a própria Polícia Federal era comandada por militares. Utilizando os seus próprios
métodos, torturaram e assassinaram milhares de pessoas, o que revela o caráter autoritário
e repressor do regime. A Marinha matava as pessoas queimando-as vivas nos seus fornos da
Escola de Mecânica da Armada. A Aeronáutica costumava jogar no mar as pessoas para
serem comidas pelos tubarões; os filhos das prisioneiras eram doados para famílias desco-
nhecidas; os bens dos presos eram saqueados pelos militares e bandidos, era uma autêntica
forma de banditismo. Sabe-se inclusive de casos de militares que mandavam matar pessoas
ricas para ficarem com seus bens.
Estas mães ficavam o dia todo circulando pela praça na tentativa de obter informa-
ções sobre os parentes desaparecidos. Ficavam juntas, com medo de que desaparecessem
com elas. Em 1983 os militares declararam mortos todos os desaparecidos, gerando muitos
protestos na Argentina e no exterior. O resultado final do período da ditadura foi desastroso,
pois os militares arrocharam os salários e abriram o mercado para as importações.
A administração foi um fracasso, as empresas estatais eram dirigidas por militares, que
formavam um antro de corrupção. Houve um sucateamento da indústria, juntando isso com
o aumento da dívida externa, os empréstimos externos foram desviados para a corrupção e
não utilizados nas obras. O saldo final da ditadura na Argentina foi um desastre, com mi-
lhares de mortos e desaparecidos, foi uma das ditaduras mais cruéis da América Latina.
Seção 3.5
A ditadura de Stroessner no Paraguai foi uma das mais longas de toda a América
Latina. Ele se manteve por muito tempo como ditador absoluto, e no começo de seu gover-
no já tomou medidas repressivas, como acabar como toda a oposição, pois queria poder
absoluto para governar. Suas medidas também acabaram com as greves e tentou suspen-
der todas as garantias constitucionais. O país passou a viver em constante estado de sítio,
com o poder absoluto nas mãos do governante e dos chefes militares. O Congresso Nacio-
nal perdeu o seu poder representativo, passando a ser meramente cumpridor das medidas
do ditador.
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No começo de seu governo, ainda nos anos 60, o ditador enfrentou uma série de pro-
testos das guerrilhas camponesas, mas todas elas foram massacradas, revelando para a opo-
sição que o governo não admitia contestações ao seu poder. Stroessner cooptou o Exército
e não permitiu nenhuma forma de oposição, por mais branda que fosse, consolidando-se no
poder. Essa repressão foi tão intensa que ele conseguiu se reeleger presidente por oito vezes
seguidas.
Essa forma de cooptação política possibilitou que o ditador legitimasse o seu poder
nos diferentes segmentos sociais, mas isso foi feito a partir de medidas totalmente autoritá-
rias, ou seja, não havia democracia na sociedade, todos deviam obedecer as suas medidas
governamentais ao longo de seus mandatos.
Essa hegemonia dos militares, no entanto, também deu espaço para a corrupção.
Era comum o contrabando, o tráfico de drogas, as quadrilhas de roubo de carros brasilei-
ros e argentinos, e tudo com o aval dos militares, que ocupavam cargos de comando e
permitiam todas essas atividades ilícitas. O dinheiro que Stroessner obti nha com a
corrupção e o contrabando era aplicado na compra de fazendas, mansões e gado de raça
no Brasil.
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Seção 3.6
A Ditadura no Uruguai
O Partido Blanco, então, no governo não conseguia manter a cooptação dos setores
médios e populares. A política econômica instaurada visava a manter as atividades
agroexportadoras favorecendo o capital monopolista, permitindo também a entrada de capi-
tal externo, ou seja, sua política tinha a intenção de diminuir o papel do Estado na economia.
Em 1966 os colorados voltaram ao poder elegendo para presidente Gestido, que mor-
reu em 1967. No seu lugar assumiu Pacheco Areco, e a partir daí começou um ciclo de
autoritarismo no Uruguai. O novo governo concentrou o poder no Executivo, adotando
medidas de segurança, reprimindo não apenas manifestações nas ruas, mas também as lide-
ranças políticas e sindicais, além da imprensa ligada à esquerda.
Tentou-se acabar com a guerrilha urbana, buscando apoio dos EUA e do Brasil. Por
outro lado, a economia não estava nada bem, havendo suspensão das convenções coletivas
de trabalho, pois a inflação levou à redução brutal dos salários dos trabalhadores. A esquer-
da, no entanto, permanecia ativa, criando a Frente Ampla em 1971, a qual congregava os
partidos de esquerda, os comunistas e socialistas, constituindo-se numa força política e
ameaçando a hegemonia dos partidos tradicionais. Foram, porém, duramente reprimidos
pelo governo, que ameaçado também pelas guerrilhas urbanas, pelos tupamaros, comba-
teu-os com os militares, desta forma iniciando a participação do Exército na vida política.
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SÍNTESE DA UNIDADE 3
No decorrer desta Unidade você pôde perceber algumas dimensões
do longo século 20 na América Latina. Realmente foi um período
muito movimentado, que passou por várias fases. No início do sé-
culo ocorreu o triunfo do Estado oligárquico, que imperou duran-
te muitos anos, no qual a classe dominante estava ligada ao mo-
delo primário exportador, que era a base do desenvolvimento eco-
nômico, e o poder estava concentrado nas mãos da oligarquia ru-
ral. Esse modelo de desenvolvimento vigorou até praticamente
1930, quando foi brutalmente atingindo pela crise econômica de
1929. Já na segunda fase temos como característica o populismo,
uma forma de governo que tentou incorporar os segmentos popu-
lares nas ações políticas. A eles foram dados alguns direitos, na
tentativa de cooptá-los e torná-los massa de manobra desses go-
vernos com cunhos autoritários. O populismo foi um fenômeno tão
marcante que a maioria da população cultuava esses governos com
símbolos sagrados, extremamente aceitos no imaginário popular.
A terceira fase do século foi o período negro, quando ocorreram as
experiências das ditaduras militares que deixaram feridas que per-
manecem até os dias atuais. Foi um período de torturas, prisões e
mortes, marcado pelo autoritarismo dos militares, os quais não ti-
nham a menor habilidade para comandar os países, apelando para
a força e a coerção. É uma fase muito recente da nossa História, e
ainda temos muito para escrever sobre este período.
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Saiba Mais
CHASTEEN, John Charles. América Latina: uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro:
Campus, 2001.
LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989.
PINSKY, Jaime (Org.). História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 1994.
PRADO, Luiz Fernando Silva. História contemporânea da América Latina 1930-1960. Porto
Alegre: Editora UFRGS, 1996.
WASSERMAN, Claudia (Coord.). História da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre:
Editora UFRGS, 2000.
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