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O Indígena No Ensino De

História: Representações
Indígenas Em Uma Coleção De
Livros Didáticos Para O Ensino
Fundamental
The Indian In The Teaching Of History:
Indigenous Representations In A Collection Of
Teaching Books For Fundamental Teaching

Ricardo Lima Bezerra*

RESUMO

Este texto objetiva compreender as representações sobre os indígenas apresentadas em uma coleção
didática adotada na disciplina de história para o Ensino Fundamental da Escola de Aplicação Profa.
Ivonita A. Guerra, situada na Universidade de Pernambuco-Campus Garanhuns. Buscamos assim,
através de uma leitura crítica da coleção didática escolhida e amparada na contribuição teórica-
metodológica das referências utilizadas perceber se os índios são caracterizados nesta amostra da
historiografia didática brasileira estereotipadamente ou não, conforme já estudavam pesquisadores
sobre a temática desde os anos 1990.

Palavras-chave: Índios; História e Representação Indígena; Livro Didático.

ABSTRACT

This text aims to understand the representations about the Indians presented in a didactic collection
adopted in the history discipline for the Elementary School of the School of Application Profa. Ivonita
A. Guerra, located at the University of Pernambuco-Garanhuns Campus. Thus, through a critical
reading of the didactic collection chosen and supported in the theoretical and methodological
contribution of the references used to understand if the Indians are characterized in this sample of
Brazilian didactic historiography stereotypically or not, as already pointed out by researchers on the
subject since the 1990s.

keywords: Indians; History and Indigenous Representation; Textbook.

* Doutor em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em
História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco
(UPE) - Campus Garanhuns e integrante do Núcleo de Estudos sobre África e Brasil da Universidade de
Pernambuco. ricardo.bezerra@upe.br
BEZERRA, L.R.
DOSSIÊ

Introdução

O presente texto apresenta brevemente o processo de escolha do livro didático


de História na escolarização brasileira e, em seguida, propõe uma compreensão das
representações sobre o índio nos livros didáticos adotados pelo ensino fundamental da
Escola de Aplicação Profa. Ivonita Alves Guerra da Universidade de Pernambuco –
Campus Garanhuns.
O livro didático é um significativo instrumento didático-pedagógico do trabalho
docente nas escolas da Educação Básica. Inúmeras pesquisas têm sido empreendidas
sobre a sua importância, enfatizando uma abordagem que explicita que tipo de ensino
de história é veiculado pelos livros didáticos, suas representações da história e a criação
de uma historiografia escolar e didática, como encontramos em Munakata (1997 e
2003), Araújo (2001), Fracalanza e Megid Neto (2006), D’Ávila (2008), Fonseca (2004)
e Coelho (2009). Sobre a importância e sua relevância para a escolarização, ressalta
Abud (2007) que desde os anos 1970, o livro didático assumiu a centralidade desse
processo, tornando-se o mais importante recurso de aprendizagem das escolas
brasileiras, em especial na educação pública.
O livro didático é um artefato cultural condicionado pelo mercado editorial, pelas
políticas educacionais e concepções que norteiam o pensamento e a prática dos autores.
Assim, ele não é isento, não é neutro, mas formador de práticas culturais e
representações de mundo, conforme Barros:
Um livro é um objeto cultural bem conhecido no nosso tipo de
sociedade. Para a sua produção, são movimentadas determinadas
práticas culturais e também representações, sem contar que o próprio
livro, depois de produzido, irá difundir novas representações e
contribuir para a produção de novas práticas (2008, p. 80).

Ademais, os livros didáticos assumem um caráter de centralidade na prática


docente e nas políticas públicas educacionais financiadas pelas agências internacionais,
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como o Banco Mundial, sobretudo nos países em desenvolvimento, segundo a


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afirmação de Lockheed e Verspoor, ao escrever sobre a estrutura da educação básica


nesses países. De acordo com a visão apresentada em sua obra, os textos escolares
constituem em si mesmo “o currículo efetivo, definindo suas práticas e, ainda, trata-se
de um instrumento de baixo custo e alta incidência sobre a qualidade da educação e o
rendimento escolar nessas nações em desenvolvimento” (LOCKHEED; VERSPOOR,
1991 apud TORRES, 1998, p. 156).
Sendo assim, torna-se importante estudar os discursos sociais que veiculam as
representações que disseminam os livros didáticos bem como os saberes e valores que
desejam socializar. Objetivamos, assim, entender que tipo de representações os livros
didáticos veiculam sobre populações distintas da maior parte dos consumidores dos
livros didáticos. Estudar as representações disseminadas pelos livros didáticos significa
estudar a concepção de mundo que se deseja disseminar e como essas representações
constroem outras representações na e sobre a sociedade.
Sobre representação, entendemos que elas incluem os “modos de pensar e de
sentir, inclusive coletivos [...] pois o campo das representações engloba todas e
quaisquer traduções mentais de uma realidade exterior percebida” (LE GOFF, 1985
apud BARROS, 2008, p. 82). A representação é, portanto, uma construção social, uma
produção que cria, transforma e concebe mundos e práticas.
Reforçamos a tese de que livro didático é um objeto cultural condicionado já que,
como afirmamos acima, é produzido sob a demanda das políticas educacionais vigentes,
das pressões do mercado editorial e das orientações conceituais e metodológicas de
autores e pesquisadores, acadêmicos ou não. Ou seja, sobre o livro didático uma série
de fatores exerce pressão e influencia na sua produção, distribuição, consumo e
utilização didática.
Neste trabalho, então, pretendemos compreender as representações veiculadas
em uma coleção de livros didáticos sobre os índios brasileiros, a Coleção Projeto
Araribá, editada por Maria Raquel Apolinário para a Editora Moderna, curiosamente
nomeada por uma palavra de origem tupi, que significa árvore frondosa e de
crescimento rápido. Esta coleção é utilizada na Escola de Aplicação Profa. Ivonita
Alves Guerra, situada na Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns, onde o
autor atua como docente e pesquisador na área de Ensino de História e Estágio
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Supervisionado.
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A trajetória do livro didático de História no Brasil

A partir da década de 1930 surgem os manuais didáticos para a disciplina História


com base nas primeiras políticas públicas sobre esta disciplina escolar. O Instituto
Nacional do Livro (INL), a partir de 1938, instituiu a Comissão Nacional do Livro que
teve como incumbência incrementar a produção desse material e oferecer legitimação
para o uso do livro em todo o país.
Por meio do Decreto-Lei n. 8460, de 26 de dezembro de 1945, ocorreu uma
consolidação governamental da legislação sobre as formas, utilização e importação do
livro didático, ficando os docentes incumbidos da responsabilidade em definir os livros
a serem adotados pelas escolas no país.
Nos anos 1960, o convênio do MEC com a United States Agency for International
Development (USAID), agência norte americana para o desenvolvimento da educação e
da cultura em países parceiros dos EUA, estabeleceu acordos que direcionaram
recursos para possibilitar a distribuição de 51 milhões de livros didáticos, gratuitamente,
durante 3 anos.
Mais adiante, já na década de 1970, o Estado brasileiro começou a estabelecer
uma política de financiamento para a compra de livros didáticos diretamente para as
escolas, sendo criado assim o Fundo do Livro Didático. Com o fim do convênio MEC-
USAID nesta década, o INL inicia um programa para os livros didáticos do ensino
fundamental coordenado e executado pelo próprio Ministério da Educação brasileiro.
Ainda na década de 1970, o INL foi extinto. Em seu lugar foi criado a Fundação
Nacional do Material Escolar (FENAME), em 1976. Esta fundação assumiu a função
de executor do Programa do Livro Didático para as escolas públicas brasileiras.
Na década seguinte, os anos 1980, o FENAME foi substituído pela Fundação de
Assistência ao Estudante (FAE). Em 1985, por meio do Decreto n. 91.542 ocorreram
outras significativas mudanças na política nacional para o livro didático com a criação
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do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no qual houve a inclusão de


diferentes disciplinas encontradas no currículo escolar e abertura para a participação
dos professores no processo de escolha dos livros didáticos. Instituiu-se, também, a
reutilização e o reaproveitamento dos livros por outros estudantes, além da criação de
um banco de dados de livros didáticos no Brasil como estabelecimento de uma política
de controle de preços e aquisição de obras por parte do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão administrativo e executor das ações de
escolha e aquisição dos livros didáticos por parte do governo federal.
Devido às limitações orçamentárias, durante os primeiros anos da década de 1990,
a aquisição dos livros didáticos ficou restrita à 4º série do ensino fundamental. No
entanto, entre 1995 e 1996, houve aquisições e distribuições de livros didáticos, e, a
criação de uma Comissão para implementar a avaliação das obras, estabelecendo
critérios que serviam para orientar os professores na escolha dos livros.
Entre 1999 e 2005 ocorreram três processos de avaliação de livros didáticos de
história destinados aos anos finais do ensino fundamental, e, em cada processo, os
critérios foram sendo aprimorados. Por exemplo, em 1999, cada volume era avaliado
de modo unitário e independente da coleção ao qual pertencia, o que acarretava
circunstâncias conflitivas em relação à viabilidade no processo de escolha e utilização
das obras. No PNLD de 2002 esta situação foi alterada, quando a coleção passou a ser
a unidade básica de avaliação (MIRANDA; LUCA, 2004). Também foi alterado o
procedimento de avaliação, de um modelo classificatório e distintivo, “baseado em
estrelas e menções discriminatórias”, para um modelo unicamente indicativo das obras
aprovadas, “o que modificou a própria organização do guia do livro didático que, na
versão de 2005, apresenta-se ao professor como um catálogo organizado em ordem
alfabética” (MIRANDA; LUCA, 2004, p. 127).
Desde 1997, o governo federal incluiu o livro didático de História e o de
Geografia entre as obras adquiridas para o ensino fundamental ao lado dos livros de
Matemática, Língua Portuguesa e Ciências.
Nas duas últimas décadas, foram incrementadas as políticas públicas de acesso e
distribuição dos livros didáticos, como por exemplo, a distribuição de dicionários de
Língua Portuguesa, de Língua Inglesa, além de Atlas e Mapas Geográficos como
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também a elaboração e distribuição de livros em Braile e audiobooks para escolas que


atendem crianças com deficiências.
Segundo Ananias e Bettini (2008), com a valorização por parte do governo
federal, muitos pesquisadores e professores universitários se interessaram em produzir
livros didáticos de História, como Jobson Arruda, Ricardo Faria e Joana Neves. Esses
autores procuraram modificar os livros na linguagem, na forma das ilustrações e na
estrutura dos capítulos para atender às demandas do governo e da política de aquisição
e distribuição dos livros didáticos de História, criando assim uma verdadeira
historiografia didática oficial contemporânea brasileira, com a influência do que é
produzido na academia, mas moldado e adequado pelo mercado editorial e pelas
políticas curriculares nacionais definidas pelo MEC.
Ainda de acordo com Ananias e Bettini (2008), outro elemento que merece
destaque diz respeito a linguagem dos livros didáticos, que passou a ser mais coloquial
e simplificada atendendo às necessidades das editoras e da clientela.
Assim, importa perceber que o livro didático é um precioso objeto cultural, pois
acompanha estudantes e professores por longas fases e situações no processo de
escolarização, sobretudo no nosso país. Descortinar suas formas de produção,
distribuição e seus usos escolares nos permitem, conforme afirma Chartier (1999, p. 8),
compreendê-los na perspectiva de que:
As obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas,
inscritas sobre as páginas de um livro [...]. Compreender os princípios
que governam a “ordem do discurso” pressupõe decifrar, com todo o
rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de
comunicação e de recepção dos livros.

Os índios nos Livros Didáticos de História do Ensino Fundamental: entre


simplificações e preconceitos.

Em geral, os livros didáticos de história empregados nas escolas brasileiras, na


atualidade, não têm valorizado a recente produção acadêmica, tanto em história quanto
em outras ciências sociais, sobre as questões relacionadas aos indígenas e suas temáticas.
Bittencourt afirma que, em recentes pesquisas, (RODRIGUES, 2005; COELHO, 2009)
destacam-se:
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as defasagens entre a produção escolar e a acadêmica, concluindo-se


por assertivas bastante categóricas de que os indígenas eram
representados nas obras didáticas de maneira equivocada pelo
desconhecimento dos autores recentes das produções
historiográficas. (2013, p. 104)

Representando os índios de maneira estereotipada e/ou simplista, uma parcela


considerável da historiografia didática reforça falsas representações sobre as populações
indígenas no ensino de história. Corroborando essa afirmação, Coelho, analisando
obras didáticas de história produzidas entre 1995 e 2005, percebeu que entre a produção
didática e a historiográfica existe:
uma gritante ambiguidade: enquanto, por um lado, se percebe um
processo de redimensionamento do lugar das populações indígenas
na composição dos conteúdos, em todo atento às pesquisas mais
recentes, por outro, nota-se a permanência de aportes que se
aproximam daquela antiga vocação: as populações indígenas são
representadas conforme aquela cultura histórica que as via como
ingênuas, vítimas dos colonizadores, cujo traço cultural fundamental
era, fora a preguiça, a relação com a natureza. (2009, p. 274)
Conforme exposto acima, o conhecimento produzido na academia a respeito
dos indígenas não tem exercido, adequadamente, a atuação que poderia ter sobre
espaços e saberes escolares. Em história escolar, ainda costuma-se ensinar sobre um
indígena que mora em florestas, longe das cidades, habitando ocas e tabas, que cultua
deuses ancestrais e fala apenas Tupi, sendo, em geral, estas informações transmitidas
como a única representação possível em muitas escolas sobre os índios, veiculadas,
através e principalmente, por meio dos livros didáticos oficiais (GRUPIONI, 1995).
As questões relativas aos índios são abordadas com uma visão evolucionista e
eurocêntrica pelos autores de muitos livros didáticos, de acordo com a visão de
pesquisadores sobre esta temática. Os indígenas, de acordo com Gobbi (2006), são
apresentados como primitivos, atrasados e incapazes de ingressarem na era da
civilização como estariam os homens brancos das sociedades europeias. Há ainda, a
recorrente afirmativa, na historiografia didática-escolar, de que a presença indígena
brasileira restringe-se ao início do período colonial, vindo a desaparecer nos séculos
seguintes. Sugerindo, assim, o desaparecimento ou a inexistência de populações nativas
nessas etapas posteriores da história brasileira.
Essa produção didática sobre os povos indígenas na história ensinada nas escolas
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tem, sobremaneira, dificultado o cumprimento da Lei nº.11.645 de 2008, que tornou


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obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos


escolares do país, sobretudo pela dificuldade em introduzir e desenvolver as
contribuições históricas e sociais dos povos indígenas a partir das discussões sobre
questões étnico-raciais sob novas perspectivas e abordagens historiográficas e
acadêmicas
A partir dessa caracterização, propomos, a seguir, uma interpretação das
representações veiculadas nos livros didáticos da coleção Projeto Araribá, publicada
pela editora Moderna, adotada nos Anos Finais do Ensino Fundamental da Escola de
Aplicação Profa. Ivonita Alves Guerra, situada na Universidade de Pernambuco (UPE)
- Campus Garanhuns.
Primeiramente, compete-nos esclarecer que esta é uma unidade escolar pública
do Estado de Pernambuco, dotada de ensino em nível fundamental e médio. A Escola
de Aplicação Profa. Ivonita Alves Guerra foi criada pela Resolução Estadual nº.
24/1995, com gestão escolar compartilhada pela Secretaria Estadual de Educação de
Pernambuco e a UPE, servindo como campo de vivência para o estágio supervisionado
dos estudantes das diversas licenciaturas, bem como locus de pesquisas pedagógicas da
referida Universidade. Nesta escola há oito turmas de Ensino Fundamental, sendo duas
turmas do 6º ao 9º Ano, e todas adotam essa mesma coleção didática para o ensino de
História, escolhida com base no Guia PNLD para o Livro Didático de História 2014.
Neste texto, nossa preocupação é observar a adequação, ou não, da coleção a
uma política de valorização da Educação para as Relações Étnico-Raciais e respeito da
pluralidade cultural e alteridade em busca da superação do mito da democracia racial e
dos preconceitos raciais através das representações sobre a história e a cultura indígenas
por ela veiculadas. Assim, buscamos compreender as representações sobre os indígenas
disseminadas pelo principal recurso didático utilizado nesta escola para o ensino da
disciplina escolar História.

A presença (ou não) indígena na Coleção de Livros Didáticos de História


Projeto Araribá

A coleção é composta por quatro livros dedicados aos 4 anos finais do ensino
fundamental. Segundo o Guia do Livro Didático PNLD 2014 – utilizado pela escola
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no processo de definição dos seus livros didáticos – o Projeto Araribá é uma coleção
que:
Adota uma organização cronológica linear dos conteúdos sob a
perspectiva integrada na história geral de matriz europeia com a do
Brasil possibilitando a percepção de semelhanças, diferenças e
especificações dos processos históricos. Também são abordados
conteúdos sobre a história da África e da Ásia (2013, p. 102).

Ainda de acordo com o Guia, a coleção aborda temáticas “como a


discriminação, o preconceito racial e preservação do meio ambiente” (2013, p. 103). A
coleção teria como mérito tratar “a história dos afrodescendentes e dos grupos
indígenas, além de dar destaque ao papel das mulheres” (idem, p. 103).
Destarte, o Guia analisa a forma como é abordada a história e a cultura indígena
nesta coleção. De acordo com ele:
As relações entre passado e presente também são levantadas na
coleção para conectar as experiências pretéritas às problemáticas
contemporâneas dos grupos indígenas, promovendo seu
conhecimento, a percepção e o respeito à diversidade (2013, p. 106).

É importante destacar que o próprio Guia chama a atenção que a história


indígena é compreendida principalmente a partir da chegada dos europeus a América,
“apontando as relações travadas, as representações sociais construídas, a experiência da
escravidão e as formas de resistência” (idem, p. 108). Essa perspectiva de abordagem
vai de encontro à visão de Gobbi quando afirma que “as referências às culturas não-
europeias são feitas sempre em relação às culturas europeias, dando a essas últimas uma
valoração positiva, em detrimento das outras” (2006, p. 61).
Dessa forma, os índios são representados como seres integrantes de um passado
distante e acabado. Gobbi (2006) ressalta que os autores dos livros didáticos, em geral,
defendem que são poucas as sociedades indígenas brasileiras que conservam suas
características originais, sendo que certos autores insistem que esses grupos índios
deveriam estar até os dias atuais comportando-se culturalmente da mesma forma desde
a chegada dos conquistadores portugueses ao continente americano.
Da mesma forma, percebemos que a coleção analisada apresenta uma
concepção de mundo, uma representação dominante, que propõe uma história que seja
de cunho civilizatório à moda ocidental, eurocêntrica e branca como sendo a mais
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correta, senão a única, a ser predominantemente ensinada nas escolas do ensino


fundamental.
Podemos ver também que a coleção Projeto Araribá contempla apenas sete
capítulos, em todos os quatro livros que a compõem, destinados ao estudo da temática
indígena brasileira, os quais concentram-se majoritariamente na periodização da história
do Brasil durante a fase colonial, enfatizando os acontecimentos relacionados aos
contatos iniciais entre as culturas índias e não-índias. Com relação ao período imperial
e a época republicana, há uma prevalência da temática indígena neste último período,
concentrando-se nas últimas décadas do século XX e do início do século XXI, como
se “reaparecessem” na narrativa histórica.
Em todo o volume dedicado ao 9º Ano, de 296 páginas, há apenas uma página
dedicada à temática indígena, com o título “Os índios no Brasil atual”. Neste capítulo,
decerto preocupado em retratar a condição indígena na atualidade brasileira, é
apresentada uma abordagem demográfica e sociológica, com dados estatísticos
oriundos do IBGE relativos ao número de indígenas remanescentes em 2010
(aproximadamente 817 mil pessoas) e dados do Instituto Socioambiental, em 2012,
sobre o número de hectares de terras indígenas demarcadas na Amazônia Legal (cerca
de 100 milhões de hectares). Dessa forma, a abordagem histórico-cultural dá lugar a
uma abordagem que se restringe a discorrer sobre as demandas sociais atuais dos
indígenas.
Nos primeiros volumes da coleção, destacamos as representações dos indígenas
encontradas no livro didático dedicado ao 6º Ano. Uma das unidades, intitulada de
“tema”, destinada ao estudo do Povoamento do Brasil, é inteiramente voltada para a
temática. Esta seção chama a atenção para uma época em que o espaço geográfico
brasileiro era muito diferente, com áreas florestais mais densas e clima seco e frio.
Também ressalta este capítulo que escavações arqueológicas em diferentes épocas,
desde o século XIX, apontaram para uma ocupação do território realizada por povos
de origem asiática, africana e aborígene australiana.
O tema 4 – “A vida dos primeiros habitantes do Brasil” – preocupa-se em
descrever diversas características sociais e econômicas dos primeiros habitantes do
território brasileiro, tais como a vida nômade antes do desenvolvimento da agricultura,
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os sambaquis, as moradias rudimentares, o cultivo da mandioca e a prática da arte


ceramista com finalidades para o uso alimentar e nos processos funerários.
Apesar de bastante generalizante e sem apontar muitas das pesquisas recentes no
campo da arqueologia sobre a vivência indígena antes do contato com os portugueses,
o volume dedicado ao 6º ano traz uma abordagem interessante da história indígena
antes da chegada dos colonizadores. De forma genérica, as populações do pré-contato
com os europeus, são vistas como habitantes rudimentares e “órfãos” do paleolítico,
sem expressividade cultural mais complexa ou modelo econômico definido.
No entanto, percebemos que em toda a Coleção Projeto Araribá utilizada pela
escola estudada, a posição dos indígenas é sempre secundária, só havendo menção a
sua importância quando esta é desencadeada pelo contato com o europeu ou o
protagonismo exercido pelo colono estrangeiro. Assim, confirma o que Grupioni
ressalta, pois “evidencia-se que os manuais didáticos privilegiam os feitos e a
historiografia das potências europeias, silenciando ou ignorando os feitos e a vivência
dos povos que aqui viviam”. (1995, p. 487)
Chama atenção, no volume dedicado ao 7º ano, que quando os autores se referem
às populações que habitavam o Brasil, no momento do contato com os europeus, estes
são chamados de “índios”, e, quando há referência aos incas, maias ou os astecas estes
são chamados de “Império Asteca”, “Civilização Maia” e “Civilização Inca”.
Essa forma de abordagem atribui aos índios brasileiros a identidade de atrasados
e selvagens, enquanto que aos índios Mesoamericanos, da América do Norte e da
América Andina são atribuídas características de povos evoluídos, civilizados e com
uma alta cultura. Essa perspectiva contribui para reforçar as representações presentes
na educação básica de nosso país de que os indígenas correspondem a um povo sem
relevância econômica e social para a formação histórica brasileira, inerte e sem
continuidade temporal, posto que se encontrariam estagnados.
O livro didático, destinado ao 7º ano indica, de forma muito resumida, os
conflitos entre os indígenas e os conquistadores portugueses, afirmando que tensões se
tornaram inevitáveis quando os portugueses começaram a escravizar os nativos e as
guerras entre conquistadores e nativos, conhecidas como guerras justas, tornaram-se
frequentes. Este pequeno tópico do “tema 3”, do livro dedicado ao 7º ano, também faz
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uma breve observação indicando que, no século XVII, muitas populações indígenas já
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haviam sido dizimadas e as restantes isolaram-se no interior do território ou foram


aldeadas sob o domínio europeu. Isso reproduz uma tendência da historiografia didática
brasileira de que os índios “verdadeiros” desapareceram com o avançar do tempo e do
processo de transformação do Brasil.
No entanto, apesar das simplificações, estereótipos e reducionismos que
encontramos nesta coleção Projeto Araribá, é justamente no livro dedicado ao 7º ano
que encontramos o maior tópico relacionado ao estudo didático dos povos indígenas
do Brasil. Mesmo assim, são apenas seis páginas que procuram destacar algumas
diferenças linguísticas entre os grupos indígenas que habitavam o Brasil na época dos
descobrimentos e ainda ressalta a dificuldade de, na atualidade, registrar o número de
pessoas que se autodeclararam indígenas comparando a uma estimativa de 3 a 5 milhões
de índios no nosso território, no século XVI, época da chegada dos portugueses.
Nesta seção, destaca-se ainda que o crescente desaparecimento dos povos
indígenas ocorreu devido às perseguições, ao processo de aprisionamento e
escravização, às doenças que estes sofreram e às diversas formas de violência física
durante o período colonial e o Império. Além disso, informa também que, apesar da
Constituição brasileira garantir a posse e propriedade das terras, que tradicional e
historicamente ocuparam aos índios, esse direito vive em constante ameaça na
atualidade, devido a ação predatória de mineradores, madeireiros e fazendeiros nos
territórios indígenas em várias partes do país.
O volume da coleção Projeto Araribá dedicado ao 8º ano tematiza, logo em sua
abertura, na Unidade 1, da “Expansão da América Portuguesa”, com um texto e
algumas imagens ressaltando a presença indígena no Brasil. Nesta abertura do volume,
é ressaltado que os povos indígenas sofreram violência desde o início da conquista
portuguesa e esta continuou nos anos seguintes. Em um texto um tanto lúcido e atual,
fazem parte assuntos como as doenças trazidas pelos europeus e a exigência do trabalho
forçado, além da perda das suas terras tradicionais, obrigando as populações a
refugiarem-se em locais distantes do litoral.
O tema 1, continuidade a esta seção, tem como tema “as missões jesuíticas”. É
afirmado, logo no caput que “as missões ou reduções representaram o principal meio
de cristianização dos indígenas na América Ibérica” (2010, p. 12). E ao longo do
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capítulo, o papel dos jesuítas no processo de cristianização e formação de aldeias ou


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reduções indígenas é tratado como parte do processo de colonização, favorecendo a


pacificação das populações a partir do processo de aculturação das suas práticas,
crenças e modos de vida diante da imposição do cristianismo.
No tema 2, em sequência, nos chama a atenção, entre as representações didáticas
sobre os indígenas, o tópico “Assimilação de conhecimentos indígenas”. Neste item, o
texto do livro didático afirma que os exploradores paulistas conseguiram resistir às
dificuldades da colonização colocando em prática alguns conhecimentos assimilados
dos indígenas, como por exemplo, saber guiar-se através das matas com base nas
estrelas e a reconhecer a aproximação de cobras e onças nos caminhos. Outros
conhecimentos indígenas também foram assimilados como o uso do arco e flecha nos
confrontos travados nas florestas e o emprego de canoas feitas com o tronco de uma
única árvore, para navegarem os rios da colônia.
Essa abordagem, aparentemente favorável às populações indígenas, por certo
acaba por reforçar o estereótipo de que as contribuições culturais indígenas se
restringiram ao período colonial sendo ressaltadas como fundamentais, para os
colonos, no processo de enfretamento das adversidades do território colonial para a
criação de um ambiente civilizatório. A escrita didática reforça, assim, que o
protagonismo histórico é exercido pelo colono paulista, que sabe utilizar os
conhecimentos dos indígenas, estes vistos como coadjuvantes no processo de expansão
colonial.
Além desse aspecto, estas representações reforçam o fato de as populações
indígenas serem abordadas em função do passado, a partir das relações sociais mantidas
com o colonizador português. Ou seja, mantém o caráter tradicional da historiografia
didática que insere a contribuição dos povos indígenas na formação da cultura brasileira
como oriunda de um tempo histórico remoto e acabado, olvidando a importância e a
significação da cultura indígena na contemporaneidade.
Essa abordagem remota e reducionista da contribuição cultural das populações
indígenas, concentrada essencialmente no período colonial, traz a perspectiva de uma
cultura cristalizada e estagnada, que não avançou no tempo, com saberes acabados. Isso
dificulta, assim, que professores e estudantes do ensino fundamental percebam as
contribuições culturais indígenas na/para atualidade, e valorizem a sua importância e a
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sua vitalidade para a cultura brasileira.


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Aspectos da contemporaneidade dos povos indígenas, como sua luta por


melhores condições ambientais e a defesa pelas terras tradicionais, como repositórios
de cultura, não são destacados na Coleção Projeto Araribá, que concentra a abordagem
das populações indígenas como não-presentes na atualidade, representantes do passado
evolutivo na forma de populações primitivas e inferiores ao colono europeu,
representante de um estágio cultural mais desenvolvido.

Considerações Finais: Sempre o mesmo índio, sempre a mesma história.

Em 1996, Luis Donisete Benzi Grupioni publicou na Revista Brasileira de


Estudos Pedagógicos um artigo intitulado “Imagens Contraditórias e Fragmentadas
sobre o lugar dos Índios no Livros Didáticos”, no qual questiona “qual a imagem do
índio veiculada nos manuais escolares?” e “de que forma são tratados?”. Embora
dedicado ao estudo dos livros didáticos destinados a disciplina de Estudos Sociais, da
hoje nomeadas séries iniciais do ensino fundamental (1º a 4º série, na época da
publicação do artigo), suas reflexões a respeito do lugar dos índios nos livros didáticos
são especialmente importantes para percebemos as representações dos livros didáticos
da época.
No seu texto, Grupioni nos chama a atenção para as eventuais críticas que os
livros didáticos podem sofrer a respeito de qual o papel desempenhado pelos índios na
história brasileira representada nos livros didáticos da disciplina escolar História.
Destaca ainda que, “falar em índios é falar do passado, e fazê-lo de uma forma
secundária: o índio aparece em função do colonizador” (1996, p. 427). Essa situação,
segundo Grupioni, permite-nos perceber a dificuldade em lidar com as contribuições
culturais e a existência da pluralidade étnica, no nosso país, na atualidade trazida pelos
livros didáticos, relegando a contribuição cultural e a presença dos grupos indígenas,
em especial, a um passado longínquo da sociedade brasileira.
O autor, citando Telles, afirma que essa situação também dá margem a que se
faça mais uma crítica a imagem representada dos índios no texto didático: a de que “a
história [indígena é] estanque, marcada por eventos, eventos significativos de uma
historiografia basicamente europeia” (TELLES Apud GRUPIONI, 1996, p. 427). A
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presença indígena, dessa forma, no continente americano não era problematizada nos
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textos didáticos, pois a questão das origens dos povos indígenas nas Américas é tomada
como algo dado a priori que não precisa de reflexão. Grupioni chama a atenção para o
fato dos livros didáticos privilegiarem os feitos e a historiografia europeias, relegando a
segundo plano as experiências e vivências dos grupos humanos que habitavam as
Américas antes dos descobrimentos. Assim, acabam por reforçar o “fato de o índio
aparecer como coadjuvante na história e não como sujeito histórico, o que revela o viés
etnocêntrico e estereotipado da historiografia em uso” (TELLES apud GRUPIONNI,
1996, p. 427-428).
As críticas apontadas por Grupioni, em seu texto de 1996, são facilmente
reconhecidas nos livros didáticos da atualidade, conforme nos esforçamos por
apresentar na avaliação da coleção Projeto Araribá. No mesmo sentido, Silva afirma
que:
Ainda hoje, quando são lidos alguns livros didáticos de História, tem-
se a impressão de que as populações indígenas pertencem
exclusivamente ao passado do Brasil. Os verbos relacionados aos
índios invariavelmente estão no pretérito, e a eles são dedicadas
apenas algumas poucas páginas, geralmente na chamada “pré-
história” e/ou no “cenário do descobrimento”. A partir da chegada
dos portugueses ao continente americano, os indígenas
“desaparecem”, e os alunos não fazem a mínima ideia do que teria
ocorrido nos séculos seguintes com os diferentes grupos (bem como
com seus descendentes) que habitavam as terras que viriam a se tornar
o território brasileiro. (2015, p.21)

O que nos chama a atenção, contudo, é a distância temporal entre o artigo de


Grupioni (publicado em 1996) e a continuidade do mesmo tipo de representação dos
povos indígenas em uma coleção de livros didáticos que continua sendo bastante
utilizada nas escolas. É emblemático, no entanto, que, neste meio tempo, ocorreu a
reforma no artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº.
9394/1996), realizada pela Lei nº. 11.645 de 2008, que tornou obrigatório o estudo da
História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena nas disciplinas escolares de artes,
literatura e história, que poderia melhorar e aprofundar a produção e disseminação de
uma historiografia didática mais condizente com representações indígenas que
superassem as visões estanques, estereotipadas e passadistas ainda recorrentes em
muitas obras.
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Essa situação, contudo, não vem ocorrendo satisfatoriamente, de acordo com o


nosso entendimento. A forma como muitos livros didáticos representam as populações
indígenas, na atualidade, com base no estudo que empreendemos, continua reforçando
a cultura indígena em termos da sua precariedade em face da cultura europeia e
colonizadora.
Para Grupioni, os indígenas são tratados como desprovidos de traços culturais
considerados significativos: “falta de escrita, falta de governo, falta de tecnologia para
lidar com metais, nomadismo etc.”(1996, p. 428). Além disso, afirma que é significativo
que as fontes de informações sobre povos indígenas sejam retiradas de produções de
cronistas, viajantes e missionários reforçando assim, para os estudantes do ensino
fundamental, o caráter não contemporâneo da cultura indígena, além de dependente e
secundarizada, em relação à cultura do colono europeu.
Mas, a mais contundente crítica do autor, diz respeito aos autores de livros
didáticos que
Operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que
sempre existiu nessas sociedades. Eles são tratados como se
formassem um todo homogêneo e como se a generalização fosse a
maneira correta de estudá-los (GRUPIONI, 1996, p. 430).

Em todo o texto da Coleção Projeto Araribá os indígenas são constantemente


tratados como “os índios do Brasil” com clara generalização e estandardização das suas
características linguísticas, territoriais, alimentares e ritualísticas. Olvidando-se a
diversificada e complexa gama de traços culturais dessas populações, seja no período
colônia/império, seja na contemporaneidade, pois cada grupo, cada nação indígena tem
sua lógica e representações culturais, encontram-se em áreas diversas ambientalmente
do território brasileiro e tem tido contato diferenciado com outros grupos humanos
não-índios. Assim:
Cada sociedade indígena se pensa e se vê como um todo homogêneo
e coerente e procura manter suas especificidades, apesar dos efeitos
destrutivos do contato. Um Guarani ou um Yanomami, apesar de
índios, vão continuar se pensando como um Guarani e como um
Yanomami. (GRUPIONI, 1996, p. 430-431).

Para Grupioni, e para nós, quando lidamos com uma importante coleção
didática para a disciplina História, como é o Projeto Araribá, é interessante que a rica
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diversidade de traços sociais, territoriais e culturais, historicamente constituídas das


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populações indígenas brasileiras, não apareçam adequadamente referenciadas, mesmo


reconhecendo ser esta uma série didática aprovada pelo PNLD após as mudanças na
legislação e na estrutura curricular brasileira, que prevê uma adequação inclusiva do
ensino da história e cultura indígena. A esse respeito, convém concordar mais uma vez
com Silva quando afirma que:
Crianças, adolescentes e jovens brasileiros infelizmente ainda
convivem, desde a infância, com as estereotipadas imagens do “índio
genérico” (expressão cunhada por Darcy Ribeiro, antropólogo,
escritor e político brasileiro), alimentam inúmeras fantasias sobre o
que consideram espécies de "fósseis humanos”. (2015, p. 24)

As tantas lutas e reivindicações dos povos indígenas e as tantas produções


acadêmicas de pesquisadores em História, Antropologia e outras ciências sociais sobre
o conhecimento da identidade indígena, o respeito a alteridade e o tratamento adequado
da diversidade étnica e cultural para uma educação intercultural não são aproveitadas
pelos autores da Coleção Projeto Araribá. A despeito de um projeto gráfico bem
apresentado, ricamente ilustrado em volumes com textos ágeis e bem escritos,
lamentavelmente esta coleção, no que diz respeito aos índios, constrói uma
representação que há muito poderia estar superada.
Sendo assim, ainda lidamos, como pesquisadores, professores e alunos (não-
índios e índios) da educação básica brasileira, com muitos livros didáticos que
representam as populações indígenas com preconceitos, simplificações, reducionismos,
subestimando suas diferenças e contribuições para a cultura, a sociedade e a formação
étnica brasileira, “índios genéricos” do passado e, infelizmente, como povos atrasados
e deslocados da contemporaneidade brasileira.

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