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Estudo de Propostas de Práticas de Leitura de representações

iconográficas em livros didáticos de história do Brasil, publicados entre as


décadas de 1970 a 1980.
(João Batista Gonçalves Bueno)1
Resumo
O objetivo deste trabalho é estudar as permanências e rupturas das propostas de práticas de
leitura de iconografias sugeridas nos livros didáticos de história do Brasil do nível
fundamental, dos autores Sérgio Buarque de Holanda e Julierme de Abreu Costa. Esses
livros foram muito utilizados durante a década de 1970 e início da década de 1980.
Proponho que os atos de visualidade dos documentos iconográficos detêm historicidade e
que a prática de leitura de iconografias resultante desses atos é construída através dos
interesses cognitivos de cada época. Procuro também, através da análise da composição
editorial, da prática de apresentação dos exercícios e das orientações teóricas sugeridas nos
manuais dos professores, os caminhos que possam desvendar como se deram as
transformações da visualidade na prática discursiva.
Summary
The objective of this paper is the analyses of the permanents and disruptions process of
reading iconographies on history textbooks in Brazil to the primary level from the authors
Sergio Buarque de Holanda and Julierme Costa de Abreu. These books were widely used
during the decade of 1970 and early 1980's. I propose that the acts of analyzing the
iconographic documents contain historicity and that the practices of reading iconographies,
the result of these acts, are built through the cognitive interests of each epoch. Also by
examining the editorial composition, the way theoretical exercises are offered and the
suggested guidelines on teachers textbook, I try to show the ways that changes happened on
the process of visuality in the practice discourse.

Palavras- chave: imagem, Iconografia, livro didático

Os livros didáticos de história do Brasil do nível fundamental, dos autores Sérgio


Buarque de Holanda e Julierme de Abreu Costa foram muito utilizados nas escolas
brasileiras durante a década de 1970 e início da década de 1980.

1
Doutorando em educação pela FE-UNICAMP. Grupo Memória. Orientadora Prof. Dra. Maria Carolina Bovério
Galzerani.
1
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Procuro me aproximar desses documentos históricos analisando os procedimentos
educativos que são instituídos pela modernidade capitalista e que reproduzem formas de
leitura que valorizam olhares “únicos e maquínicos” sobre as imagens visuais.
A partir das evidências desses documentos analiso as possibilidades de
transformação das mensagens, informações e percepções que as iconografias provocam nos
leitores. Pois, as imagens visuais caracterizam-se por representações que trazem a
impossibilidade da apreensão única e completa de sua totalidade.

Permanências editoriais

Os anos finais da década de 1960 e iniciais da década de 1970 foram marcados por
muitas inovações gráficas nos livros didáticos. Dentre a quais, a que mais se destacou foi o
aumento significativo do uso de imagens visuais. Os livros didáticos passaram a apresentar
muitas reproduções de pinturas, de fotografias e de desenhos elaborados por ilustradores.
No entanto, essa nova forma de apresentação visual e gráfica não representou uma
ruptura nos antigos padrões editoriais. Encontramos ainda, no início da década de 1970,
exemplares de livros didáticos que mantém o modelo gráfico tradicional dos manuais
didáticos que foram utilizados em períodos anteriores. São livros que possuem editoração
gráfica que valorizam textos extensos. Possuem poucas reproduções de imagens, estas são
impressas normalmente em preto e branco ou em apenas com uma cor. Como exemplo,
encontrei o manual de Pedro Brasil2, História do Brasil, 1970. A edição desse livro
valoriza os textos escritos e não as imagens visuais. Este livro possui uma diagramação
tradicional caracterizada por textos longos, apresenta uma construção histórica linear, que
enfatiza os grandes vultos históricos da política e economia. Os capítulos possuem a
seguinte estrutura: apresentação textual dos conceitos e exercícios de fixação. Para
responder a esses exercícios, entre dez e vinte questões, o aluno deve encontrar as respostas
no texto e transcreve-las no caderno. As questões caracterizam-se pelas seguintes
expressões: Qual?; Em que ano?; Para que?; Onde?; Que? e Por que?

2
BRASIL, Pedro. História do Brasil – ciclo Ginasial. São Paulo: Didática Irradiante AS,1970. 2ª edição revista – obra aprovada pela
comissão do Livro didático do Estado de São Paulo.

2
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Fazendo uma primeira aproximação
Inicio meu trabalho pelos livros didáticos de Sergio Buarque de Hollanda.
Os manuais didáticos, desse autor, foram escolhidos pela quantidade de edições, pela
importância que esse intelectual teve para a historiografia brasileira e por sua produção ser
utilizada como referência para o estudo da história do Brasil.
Encontrei na coleção de Livros didáticos da Faculdade de Educação da USP, as
edições dos livros de 1972, 1974, 1975, 1979 de SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, CARLA DE
3
QUEIROZ, SYLVIA BARBOZA FERRAZ, VIRGÍLIO NOYA PINTO, LAIMA MESGRAVIS (COLABORADOR).

Coleção História do Brasil. Da independência aos nossos dias. Área de estudos sociais.
São Paulo: Companhia Editora Nacional. Além disso, encontrei o caderno de exercícios e
os Livros do Professor de 1972, referentes à edição do mesmo ano.
A diferença entre as edições dos livros é quase imperceptível, poucas imagens são
substituídas, ocorrem poucas mudanças de disposições de textos e imagens, aparecem
poucas alterações textuais, normalmente correções das edições anteriores. No entanto,
como é característica da industria editorial, as novas edições são anunciadas como “novos”
livros, mais atualizados. O conjunto de materiais didáticos é constituído por um manual
destinado aos professores, juntamente com o livro texto e o caderno de exercícios
consumível, ambos destinados ao uso dos alunos.
Na apresentação dos autores, que se encontra impressa no manual dos professores,
desvelam-se os objetivos educacionais do livro didático, nela os autores defendem à
pedagogia tecnicista4, muito valorizada no momento. Percebe-se a preocupação de Buarque
de Holanda e seus companheiros em valorizar as inovações gráficas associando-as à
integração da história do Brasil dentro do cenário Mundial.

3
Todos esses autores eram professores da USP.
4
No período posterior a 1960 desponta no Brasil a pedagogia liberal-tecnicista, que no final desta mesma década tornou-se
predominante. Caracterizado por uma metodologia instrumental centrada em métodos que trazem para o ensino a aplicação de
tecnologias, o campo da educação se viu marcado pela valorização do esforço e da recompensa como chaves para a aprendizagem. No
ensino programado a fragmentação do conhecimento em unidades mínimas procura garantir a assimilação imediata, passível de avaliação
da capacidade reprodutiva dos alunos. Valorizando o uso de métodos e técnicas precisos para o ensino, a escola contribui para formar
novos usuários e produtores da tecnologia em crescimento no país e no mundo. A organização lógica e psicológica dos conteúdos é
preparada por especialistas que entregam ao professor um material instrucional pronto para ser aplicado eficazmente.
Para Sergio Buarque de Holanda “ O estudo dirigido leva o educando a desenvolver sua capacidade de identificação e escolha dos
elementos mais significativos de um contexto, precisão de linguagem e objetividade no raciocínio com assimilação de técnicas de
associação, comparação, oposição e julgamento, etc. Outra aquisição importante é a compreensão da evolução cronológica dos
acontecimentos da interligação de todos os fatos da experiência humana, e dos conceitos básicos da cultura (economia, sociedade, política,
etc.) Ver em: Buarque de Holand História do Brasil 2- Da independência aos nossos dias. Área de estudos sociais – Livro do Professor .
1972. São Paulo: Companhia Editora Nacional. (p. 11).

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
“[...]o livro do aluno, de características gráficas talvez inéditas no país, procurou
integrar a história do Brasil no cenário mundial, ao mesmo tempo em que se
recorreu aos estudos sociais para explicar a evolução do povo brasileiro. A
antropologia, a economia, a geografia, a sociologia, as histórias da cultura, da
técnica e das artes foram utilizadas para explicar o conjunto das realidades que
presidiram e que explicam a formação da nacionalidade brasileira [...] Suas
ilustrações não enfeitam apenas, o conteúdo, foram selecionadas e incluídas para
ilustrar efetivamente o texto, dando–lhe vida e significado visual”
(HOLANDA,1972. p. 9)

Quando os autores destacam o ineditismo das características gráficas de seu livro,


eles estão se referindo a forma de diagramação que foi implementada na distribuição dos
textos e imagens. Os textos foram divididos em duas colunas (semelhantes à diagramação
de jornais e revistas). Na coluna à direita foram colocados os textos e na coluna da
esquerda apareciam às reproduções de imagens visuais e os boxes, coloridos em amarelo,
com textos resumidos de conceitos.
A afirmação dos autores, de que “as ilustrações não apenas enfeitam....”, representa
uma concepção de leitura de imagem visual que considerava à não existência de
interferência dos autores, editores e ilustradores na construção, escolha e impressão das
imagens no livro e por isso, poder-se-ia associar o conteúdo da reprodução iconográfica
diretamente ao conteúdo dado pelo texto escrito. Isto é, nota-se que os autores têm a
percepção de que as imagens visuais são portadoras de mensagens e informações,
entretanto, eles ainda concebem o ato de leitura visual como reprodução idêntica da leitura
textual e verbal.
Segundo DUBOIS:5
“Trata-se aqui do primeiro discurso (e primário) sobre a fotografia. Esse discurso
já está colocado por inteiro desde o século XIX [...] a fotografia nelas é
considerada como a imitação mais perfeita da realidade (Baudelaire)”.(1993. p.
27)
A concepção de leitura de imagens visuais, apresentada por Holanda e
companheiros, como imitação da realidade ou complemento de significado dos textos
escritos ficou mais clara, quando comparei o livro texto e o caderno de trabalhos práticos
proposto para os alunos. As imagens visuais aparecem com muito destaque no primeiro,
mas no caderno de trabalhos práticos não. Neles, os autores apresentam a lista de exercícios
referentes aos capítulos do livro texto. Os exercícios têm o formato de testes de múltipla

5
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus,1993.
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
escolha ou de preenchimento de palavras cruzadas. Apresentam as seguintes chamadas:
marque as alternativas; assinale com X as questões certas; escreva na linha pontilhada. As
únicas imagens que aparecem nesses exercícios são de mapas para que o aluno preenchesse
os espaços em branco, colorindo as regiões ou estados ou relevo ou as regiões produtivas.
Como nenhum dos exercícios fez qualquer referência às imagens que aparecem no
livro texto, duas perguntas me instigaram: As imagens eram colocadas entre os textos
apenas como forma de complemento das informações escritas? Ou, o simples fato de seu
aparecimento como imagem visual já possibilitaria ao aluno a compreensão e percepção
das informações visuais necessárias ao conhecimento do conteúdo estudado?

Dificuldades na implementação do novo padrão gráfico

Em um olhar rápido sobre esses livros didáticos, podemos ser levados a pensar que
a introdução das inovações gráficas foram realizadas com tranqüilidade, devido a beleza e
cores das novas imagens visuais. No entanto, existiram resistências, principalmente por
parte dos professores, devido às questões relativas à cultura escolar prevalecente até aquele
momento.

O novo estilo editorial, que começou a ser utilizado no início da década de 1970, era
mais atrativo para os alunos; no entanto, os autores precisaram ainda, lançar mão de
defesas desses novos padrões editoriais, colocando mensagens destinadas aos professores
nas “Cartas ao professor” que abrem os livros didáticos; ou através de textos explicativos
que encontramos nos manuais.

Segundo HOLANDA:

“É por essa razão que esta nova coleção didática apresenta uma apreciável
quantidade de ilustrações das mais representativas de aspectos culturais
importantes da época, além de informações (neste volume sobre “slides” e
filmes que podem ser adquiridos ou emprestados pelos professores).No
entanto, é preciso que o professor estude com os alunos as ilustrações do
livro–texto, apontando os elementos mais interessantes e explicando sempre
que possível às razões históricas de cada aspecto examinado. O mesmo se
aplica ao uso dos “slides”, filmes, etc. do contrário, a sua exibição tornam-se
apenas um intervalo ameno da aula sem mais conseqüências. Dentre os
elementos que podem ser apontados lembramos: técnicas, habitações ou
edifícios públicos (estilo arquitetônico, sua utilidade, etc.), objetos, armas,
jóias, etc.” (1972. p.10)

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Este tipo de orientação passa a ser característico da época, Sérgio Buarque de
Holanda, bem como outros autores concentram-se na apresentação de seus livros em expor
os novos recursos iconográficos que devem ser utilizados para o trabalho em sala de aula.
Os autores procuram orientar o professor para estudar as imagens visuais e a apontar os
elementos mais interessantes delas. Todos, porém, deixam em aberto, como o professor
deve fazer essa tarefa.
Nota-se que apesar dos autores reforçarem que as reproduções de imagens visuais
dos livros eram as mais representativas dos aspectos culturais da época estudada, a forma
de utilização das iconografias era a de complementação das idéias trazidas no texto.
Não podemos nos esquecer, porém, de que a simples colocação das imagens entre
os textos, poderia possibilitar novas associações e percepções de informações visuais para
os leitores, que necessariamente não eram previstas pelos autores.
Já a forma de apresentação dos conteúdos escritos dialoga com pressupostos
estruturalistas. Os textos escritos são simplificados e reduzidos, criando eles também, uma
imagem visual compacta, que deixa a composição da página do livro mais leve e agradável
aos olhos. Os capítulos possuem uma estrutura que apresenta os conceitos divididos em
grandes temas como: Política, Economia e Cultura. Todos os capítulos têm na página de
abertura uma imagem que reproduz um detalhe de uma pintura histórica brasileira;
terminam com uma Tabela cronológica e uma lista de questões referentes aos conceitos
apresentados nos capítulos.
Em relação à diagramação das imagens visuais, as páginas são compostas
normalmente por duas iconografias coloridas, baseadas em reproduções de pinturas
históricas, fotos de lugares públicos ou de edifícios de arquitetura, mapas e gráficos. A
única exceção dessa estrutura de diagramação aparece nas páginas destinadas ao tema
Cultura. Neste espaço, são impressas em cada página uma média de quatro imagens,
predominando reproduções de pinturas da época trabalhada no capítulo e fotos de edifícios
arquitetônicos.
Ao ler a orientação do manual destinado aos professores, encontrei algumas
evidências que indicam como esses autores orientavam os professores para a prática de uso
de audiovisuais:
“Uso de “slides”, filmes, e estampas, mapas, discos, etc.

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Estes recursos são extremamente importantes no ensino moderno, uma vez que dão
o elemento visual de comprovada eficiência para a compreensão de fatos que não
podem ser completamente descritos com palavras como: arte, costumes, objetos ou
instrumentos de uma certa época, moda, etc.
Também é preciso que o ensino procure compensar a concorrência dos veículos de
informação visual, como o cinema e a televisão que, para os alunos atuais,
tornaram os textos puramente verbais desinteressantes [...].”(HOLANDA, 1972.
p.52)

Os autores no final do manual, ainda fazem mais um apelo para defender a idéia de
que a utilização de novos recursos visuais é importante, devem ser utilizados pelos
professores e trazidos para dentro da escola pois, estão presentes na sociedade da época. O
texto apresenta ainda uma lista com os vários tipos de recursos audiovisuais recomendados
para cada capítulo e instituições ou firmas que emprestam ou vendem filmes e slides.

“ Importância dos recursos audiovisuais”


Já foi provado por pesquisas intensas que os recursos audiovisuais têm uma
função motivadora da mais alta relevância, além de estimular no mais alto grau
todos os mecanismos de percepção.
Além, disso eles reproduzem coisas impossíveis de serem descritas com
palavras.
Os filmes sonoros, por exemplo, reproduzem cenas e fatos com maior nitidez
do que seria possível com a melhor das descrições. O mesmo acontece com os
diafilmes e diapositivos, que embora menos ricos em recursos, são mais
práticos para o uso corrente e mais acessíveis para o professor.
Para termos uma idéia do valor pedagógico dos recursos audiovisuais
reproduzimos no quadro abaixo os resultados de H. L. Hollingworth – do seu
livro “Psicologia da Audiência”

Pesquisa Lembrança Três dias após


Imediata
Som 71% 10%
isoladamente
Imagem 72% 20%
Isoladamente
Som mais 86% 65%
imagem
(audiovisual)

Como aproveitar os recursos audiovisuais


Para obter o máximo rendimento de um filme é preciso:
1-Que a sua projeção seja precedida de uma introdução (aula ou pesquisa) que
explique os fatos que serão vistos e os detalhes que devem ser observados.
2-Após sua projeção deve ser feito um resumo pelos alunos auxiliados pelo
professor.
3-Uma segunda projeção e um teste de verificação de aprendizagem podem
fixá-la melhor.

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Os diafilmes e diapositivos funcionarão melhor quando fizerem parte do
contexto de uma aula. Devem ser discutidos e comentados pela classe e pelo
professor que deverá chamar a atenção para todos os detalhes significativos.
Jamais os recursos audiovisuais devem ser apresentados sem explicações,
discussões ou estudo, porque do contrário serão apenas agradáveis interlúdios
sem maior significação didática.
Como última observação é preciso lembrar que o professor deve examinar o
material estudando-o, antes de sua apresentação em classe, para evitar
situações embaraçosas!! [...].( HOLANDA, 1972. p.53)

Nota-se que o autor busca defender o valor pedagógico dos novos recursos
audiovisuais lançando mão de pesquisas psicológicas baseadas na experimentação
comportamental6, que reforçam as idéias que as formas de leitura de textos escritos e textos
visuais são iguais ou semelhantes. Os autores utilizam como argumentação testes
realizados por pesquisadores americanos, que se tornaram usuais no início da década de
1970 com o acordo MEC- USAID7, para dar suporte teórico às concepções que defendiam
o uso de imagens visuais como forma de amenizar o ato de leitura textual. Essa tendência
tecnicista, valorizava como elementos interligados aos métodos de ensino: os objetivos, os
conteúdos, as estratégias, as técnicas e a avaliação. Buscava-se a partir desses métodos
uma maior eficiência da escola para preparar os indivíduos para o mercado de trabalho. Por
isso, as incorporações de recursos modernos, como as utilizações de objetos audiovisuais
direcionados ao ensino, revelavam a importância dada às idéias que favoreceriam o
processo de motivação da aprendizagem e da criatividade dos alunos.
Intuímos que os autores poderiam acreditar que a simples colocação de imagens nos
livros favoreceria a livre associação dos conteúdos textuais às imagens visuais. E portanto,
o contexto cultural que o leitor se encontrava no momento das leituras, pouco ou nada
importava para a construção dos conteúdos disciplinares.

“Um livro didático usando “quadrinhos” porque não” (JULIERME- 1970) .

6
Segundo BARBOSA , Ana Mae. Arte-educação: conflitos /acertos . São Paulo: Max Limonad Ltda. 1985 . “
Experimentos feitos por G. T Buswell e C. H. Judd (1922). Hokussai (1935) e Hocheberg (1976) mostram estágios e
estratégias semelhantes na leitura de objetos visuais e pictóricos.
Também escritos de Nelson Goodman (1968) e Gibson (1971) comprovam conceitos filosóficos e psicológicos que
reforçam a idéia de que as atividades de ler textos e interpretar desenhos (apesar do menor grau de regularidade sintática
dos objetos pictóricos ) possuem características comuns.( p.64)
7
MEC- Ministério da Educação e Cultura. USAID- Agência para Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos
(USAID, na sigla em inglês).
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Os ilustradores tornaram-se co-autores, dos livros didáticos neste período, isto é uma
característica importante na concepção de autor que se instaura a partir da década de 1970.
8
O livro de Julierme de Abreu e Costa é um exemplo de edição de grande sucesso na
época, alcançando altos índices de venda. Esse manual didático apresenta os fatos
históricos em forma de história em quadrinhos, constrói-se um enredo através de cenas,
ambientes e diálogos onde os personagens e fatos da história oficial e política brasileira são
representados. As composições e referências imagéticas dos desenhos dos ilustradores são
baseadas nos quadros históricos acadêmicos do final do século XIX e início do século XX9.
As seqüências dos desenhos dos quadros da história são da esquerda para a direita da
maneira tradicional das histórias em quadrinhos. As imagens dos personagens compõem
figuras que utilizam cores chapadas e contorno bem marcado por linhas pretas. No entanto,
as cenas são estilizadas, muitas delas valorizando detalhes da cena representada, de forma a
dar maior dramaticidade à história que está sendo contada.
Este autor, também faz a defesa da utilização de imagens visuais nos livros
didáticos. Ele coloca uma carta de apresentação no início de seu livro, onde professores,
alunos e pais poderiam ler. O enfoque desta defesa é bem diferente do texto de Sérgio
Buarque de Holanda:
“Ao professor
- Um livro didático usando “quadrinho”. Porque não?
Estamos atravessando uma fase histórica de transformações bem profundas, em
todos os campos, cujo alcance não podemos ainda avaliar.
Jamais houve tanto progresso no terreno das comunicações como hoje. Metade
da humanidade esteve na lua, quando lá pisou Armstrong, graças à televisão.
Diariamente participamos da Guerra do Vietnã, da luta no Oriente Próximo, do
futebol local, nacional e internacional, dos desfiles de moda, das questões da
fronteira russo-chinesa, da política italiana, de tudo, enfim.
Se a televisão mostra o presente, o cinema, cada vez mais perfeito, é capaz de
reconstituir o passado e antecipar o futuro com tal fidelidade que também, faz-
nos presentes na origem do homem e nas futuras viagens interplanetárias (haja
visto “2001”, de Stanley Kubrick).
Por outro lado, qualquer jornal que cai em nossas mãos, apresenta-se cada vez
mais aprimorado no sentido gráfico e, também, na técnica de transmissão da sua
mensagem (comunicação).
Estamos acostumados a consumir material gráfico de qualidade sempre
crescente. As revistas de maior tiragem são (e não por coincidência) aquelas que

8
Julierme de Abreu COSTA. História do Brasil. Para Estudos Sociais- 6ª série. Especialmente indicado para estudo
dirigido. São Paulo ,SP: IBEP – 197?, 1971. Desenhos de Rodolfo Zalla e Eugenio Colomnese.
9
São utilizados muitos quadros de pintores como Rugendas , Debret, Vitor Meirelles,Pedro Américo , entre outros.
9
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
melhor conseguem comunicar sua visão do mundo, sua publicidade, sua
mensagem.
Por outro lado , no que diz respeito à Escola e especialmente, aos livros
didáticos, pouca coisa mudou neste século. Os compêndios escolares não
seguiram o exemplo dos jornais , revistas , cinema e televisão.”
(JULIERME,1971 ,s /n)

Como é uma carta aberta aos públicos consumidores do livro, o texto é mais simples,
quase jornalístico e o autor concentra sua defesa no desenvolvimento técnico da sociedade,
e no desenvolvimento dos meios de comunicação. É interessante como ele cita a
importância das novas mídeas, que trabalham com imagens visuais em movimento e as
relaciona com o livro didático e com o desenvolvimento de um novo gosto pelas imagens
dos jovens estudantes. Por trás dessa defesa, percebemos idéias semelhantes às da carta de
Holanda, pois ambos defendem o tecnicismo na educação. O autor, na continuação de sua
carta, nos revela pontos de resistência dos professores e pesquisas que incentivam a adoção
dos novos métodos nas escolas.

“- Porque quase não houve progresso no livro escolar?


Até a pouco havia o tabu de que o material didático (livros e cadernos) deveria
ser “sombrio”,“sério”, alheio ás inovações gráficas ou de linguagem mais direta e
acessível, como estava ocorrendo fora da escola.
Houve tempo em que se fêz uma “guerra santa” às revistas de historietas em
quadrinhos. Os mais respeitáveis educadores de então as condenavam como
altamente prejudiciais à criança.
Hoje, entretanto, serão raros os que ainda pensam assim. A técnica do quadrinho
é válida tanto para a historieta do pato como para os mais “sérios” temas de
qualquer campo da educação. Afinal, não foi o quadrinho que “previu” , há mais
de 20 anos, as viagens espaciais com astronautas de então.(heróis da nossa
infância?).
Assim, sabedores do enorme interesse que despertam, em crianças e adultos, as
historietas em quadrinhos, graças à sua extraordinária capacidade de
comunicação, seria lícito ficar o livro didático por mais tempo ainda
marginalizando aquele recurso? Certamente que não.
Por isso aparece este livro. Certamente não é o primeiro a apresentar a História
do Brasil em quadrinhos, mas será , talvez, a primeira tentativa em levar o
quadrinho para dentro da escola, colocando-o a serviço da educação, sem
desprezar, porém, o texto tradicional, que acompanha cada capítulo,
complementando-o.
Antes de ser lançado, agora, à apreciação dos senhores professores, este trabalho
foi testado com várias classes de alunos de diferentes locais e idades. Os
resultados foram animadores. Aumentou extraordinariamente o interesse dos
educandos pela nossa história através da “descoberta” de facetas que o desenho
possibilita mais que o texto, tais como trajes, tipos humanos, arquitetura da
época, meios de transporte típicos e outros.

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Como motivação de estudo, o quadrinho se mostrou tão eficiente quanto o seria
um bom filme (infelizmente fora do alcance material de nossas escolas). O
professor pode explorar as centenas de desenhos para outros trabalhos sob sua
orientação, levando a criatividade a campos praticamente ilimitados.
Hoje há escolas que introduziram a televisão em suas salas, funcionando em
circuito fechado. Outras têm cinema, onde projetam regularmente filmes
científicos com grande proveito. Há ainda instituições dotadas de excelentes
bibliotecas onde os alunos encontram , ao lado de livros, revistas e jornais para
suas pesquisas.
Lamentavelmente são exceções. Nosso país não é, ainda, suficientemente dotado
de recursos para ter a maioria de suas escolas bem aparelhadas. Talvez mais de
90% delas careçam dos recursos didáticos mais elementares tendo, professores e
alunos, de usar hoje , em pleno século das comunicações, os mesmos recursos de
seus avós, no que diz respeito ao material didático.
É por isso que acreditamos que a tentativa de colocar um dos modernos recursos
de comunicação – o quadrinho a serviço de professores e alunos de toda e
qualquer escola brasileira venha a surtir êxito.” (JULIERME,1971. s/n)

Percebe-se pelo texto que até aquele momento, ainda existiam muitos educadores que
eram contra a utilização da história em quadrinhos pois, eles acreditavam que era uma
atividade prejudicial à educação dos alunos. Talvez por isso, dentro das estruturas dos
capítulos, logo após a apresentação do fato histórico contado através da história em
quadrinhos, os autores deixam, a disposição do leitor, um texto escrito como forma de
complementação do conteúdo.
Analisando as páginas internas do livro nota-se que existem ordens dadas pelo autor
que favorecem o direcionamento para que os alunos leiam as páginas onde aparecem as
histórias em quadrinhos e em seguida façam os exercícios. A intenção é que esta ações
podem acontecer quase sem a intervenção do professor.
Os exercícios de fixação são formados por questões que solicitam que os alunos
façam o levantamento dos nomes dos personagens principais. Aparecem questões que
desafiam o aluno a realizar tarefas como: Você é capaz de, através da leitura dos diálogos
escritos e das imagens, explicar o porquê aconteceu o fato? Você é capaz de apontar as
razões e as conseqüências do fato histórico? Analisando essas questões percebemos a
mesma idéia de que a leitura do texto escrito é semelhante ao texto visual.
A partir da realização das atividades iniciais é proposto ainda, que o aluno resolva
uma palavra cruzada, leia o texto escrito resumido e faça exercícios de associação, caça
palavras e indicação de respostas - certo ou errado.

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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Percebe-se neste formato de manual didático a idéia clara do uso de imagens como
portadora de conteúdos e informações . Nota-se ainda , que existe uma tentativa de limitar e
direcionar esse tipo de leitura , pois as informações solicitadas permanecem dirigidas pelo
texto escrito. Isto é , criam-se padrões de leitura que buscam limitar as variáveis semânticas
das reproduções das imagens do livro em relação às imagens que serviram como base para
construção de determinado fato histórico, representado pelas pinturas históricas acadêmicas
brasileiras. E também são produzidos exercícios que levam o aluno a reproduzir os
diálogos dos personagens ou os resumos dos conceitos. Talvez para compensar esse fato
nas páginas finais do livro são apresentadas algumas reproduções de pinturas de J.B.Debret
com o Título “Documentação nas quais são retratados as paisagens, os costumes e a vida
brasileira no início do século.”
Esse tipo de editoração vai ganhar muita força, transformando essa coleção em um
grande sucesso no mercado de livros didáticos e, isto se dá, pela ampla aceitação dos
alunos e professores ao material.

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