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A (IN)VISIBILIDADE INDÍGENA NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DO

ENSINO MÉDIO1

Phábio Rocha da Silva∗

Introdução

O livro didático é um instrumento de apoio ao desenvolvimento da educação formal,


utilizado por professores/as e alunos/as no processo de ensino aprendizagem, sendo uma fonte
de informação na (re)construção do conhecimento a ser mediado pelo/a professor/a ao/a
aluno/a. Como tal, ele possibilita uma série de interpretações, e traz consigo uma quantidade
de ideias, valores, crenças e representações, enfim, concebe uma visão de mundo e/ou de um
grupo. Nesse estudo, optamos por discutir a imagem do/a índio/a difundida no livro didático
de História do ensino médio.
Ao trabalhar com o livro didático de História, percebemos que esse traz os diversos
grupos indígenas no passado, desconsiderando as rupturas e permanências que compõem o
cotidiano desses povos. Esse fator nos despertou a atenção para o tema, pois observando
como as imagens que representam os/as indígenas são dispostas no livro didático, percebemos
uma generalização que não corresponde à realidade existente.
Nosso estudo foi desenvolvido a partir da observação de um livro didático de História
recomendado pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLEM –
2009, evidenciando o discurso sobre a abordagem textual e a difusão de imagens sobre as
populações indígenas no Brasil. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com
intuito de verificar a discussão sobre a presença dos/das indígenas no livro didático. Além da
análise do livro didático como fonte de informação e documental.
A discussão sobre o tema proposto passará pelos estudos de Bittencourt (2009) que
viabilizam a compreensão e possível mudança na abordagem feita pelo livro didático sobre as

1
Este texto foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, da ‘Especialização em Educação para
Diversidade e Cidadania’, na Faculdade de Direito da UFG.

Mestre em História (PUC/GO), Especialista em Educação para Diversidade e Cidadania (UFG), Especialista no
Ensino de História (FIV/IVE), Graduado em História (UNIVAR). Docente nas Faculdades Unidas do Vale do
Araguaia – UNIVAR.
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populações indígenas no Brasil. De maneira que o livro didático passe a valorizar a
abordagem da diversidade étnica indígena brasileira.
Em Chartier (1990) buscamos o suporte teórico necessário sobre a categoria de
representação, vista como a maneira como os grupos criam suas concepções e identificam os
outros. Em Fernandes (1993) observamos a discussão sobre a diversidade étnica dos grupos
indígenas brasileiros com suas particularidades. Nas discussões de Zamboni (1998),
ressaltamos as representações acerca do ensino de História, e a maneira como esse contribui
para a formação da sociedade. O que contribui para o desenvolvimento da pesquisa e
observação das orientações do MEC para Educação Básica. Libâneo (2002) possibilitou
pensarmos o papel do professor como mediador do conhecimento. Na abordagem de Grupioni
(2004) observamos a relação entre a função do professor e a problemática da produção dos
manuais didáticos no Brasil.
Já na análise da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB/96
procuramos compreender as orientações que determinam a regulamentação do ensino
brasileiro sobre a abordagem da questão indígena na educação básica, e em especial, com
relação à inserção obrigatória de conteúdos referentes à História indígena nas escolas de
ensino fundamental e médio. A Lei 11.645, de 10 de março de 2008:

altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de


9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena.(BRASIL, 2008)

Sobre essa questão é importante observar como o livro didático de História,


recomendado pelo Ministério da Educação (MEC) por meio do PNLEM de 2009, 2010 e
2011 e adotado por três escolas públicas de Barra do Garças, Mato Grosso - MT, aborda as
diferentes etnias indígenas brasileiras. Ao pensarmos nas imagens/textos difundidas/os ao
longo dos anos pelo livro didático de História acerca das populações indígenas, percebemos
que essas são reduzidas genericamente a categoria de índios/as, como se todas as etnias
fossem iguais e partilhassem da mesma cultura. Diante dessa constatação, surge nosso
questionamento: a referida lei promoveu mudanças na forma como os diferentes grupos
indígenas são retratados no livro didático de História do ensino médio? A partir da indagação
anterior, refletimos sobre o processo de rupturas com a ausência ou forma estereotipada como
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as populações indígenas (eram) são tratadas nos manuais de História. Levando em
consideração as imagens e as informações difundidas como expressão da única realidade
existente.
O livro didático, sobretudo o de História, ainda está permeado por uma concepção
positivista da historiografia brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos
chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos, escamoteando, assim, a participação de
outros segmentos sociais no processo histórico do país. Na maioria deles, despreza-se a
participação das minorias étnicas, especialmente índios/as e negros/as. Quando aparecem no
livro didático, seja por meio de textos ou de ilustrações, índios/as e negros/as são tratados/as
de forma pejorativa, preconceituosa ou estereotipada.
A História do Brasil nos manuais didáticos começa com a chegada do colonizador.
Os/as índios/as aparecem na História somente a partir desse contato, retratados/as quase
sempre em situação de inferioridade. Não há uma preocupação em mostrar uma História
indígena anterior à colonização portuguesa. A partir da imagem difundida sobre os/as
indígenas/as nos livros didáticos de História é possível pensar na representação feita sobre o/a
índio/a, identificando a presença deles/as em nossa sociedade e a maneira como essa os/as
representa. De acordo com Pesavento (2004: 41)

[...]. As representações são também portadores do simbólico, ou seja, dizem mais do


que aquilo que mostram ou enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos
social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam
como naturais, dispensando reflexão.

A relevância dessa pesquisa está alicerçada na análise da implementação das leis que
regem a educação básica no país, bem como nas orientações propostas pelo MEC, sobre o
ensino de História (na educação básica) em consonância com o material didático utilizado.
Dessa forma, torna-se essencial a discussão sobre a ausência ou a maneira como são
retratados os povos indígenas nos manuais didáticos de História, buscando alternativas de
mudança.
Em sua grande maioria, os conteúdos abordados falam dos/as índios/as no passado,
como se esses não mais existissem e/ou fossem desprovidos de uma História. Fernandes
(1993: 143) assinala que:
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Pesquisas feitas por alunos do curso de História, da Universidade Federal de Mato
Grosso, para a disciplina de Antropologia, revelam dados preocupantes. A grande
maioria dos livros, aplicados em salas de aula da capital de Mato Grosso, coloca o
índio no passado – eles “eram”, “moravam”, “viviam” – e mostram um índio
genérico e uniformizado - “moravam em ocas”, “viviam da caça e pesca”,
“adoravam o sol e a lua”, “o feiticeiro era o pajé”. Sistematicamente, os livros
desconsideram a diversidade cultural e étnica no Brasil, dando uma visão muito
pobre de nosso país.

Assim, é possível identificar alguns livros didáticos como reprodutores de uma visão
equivocada e transmissores de estereótipos e preconceitos, que passam a representar uma
pseudo verdade absoluta. Nesse sentido, buscamos compreender as imagens difundidas pelo
livro didático de História e de que forma esse contribui para uma generalização das
populações indígenas, reduzindo-as à categoria de índios/as, sem levar em consideração as
particularidades de cada etnia. Segundo Chartier (1990: 17) “representações do mundo social,
embora aspirem à universalidade fundada na razão, são sempre determinadas pelo interesse do
grupo que as forjam.” Sendo assim, é importante observar como foram cristalizadas as
imagens produzidas pelo livro didático de História do ensino médio sobre as populações
indígenas brasileiras, e se essas imagens propõem rupturas nas abordagens com relação às
visões equivocadas sobre as populações indígenas no seu contexto histórico e cotidiano de
praticas e vivências.
Segundo Fernandes (1993: 15)

Em função de uma política de dominação veiculam-se imagens distorcidas sobre o


índio. Não há interesse em se conhecer a realidade indígena, seus costumes, sua
sabedoria, na medida em que esse conhecimento poderia colocar em cheque toda a
“civilização” dos brancos.

Assim sendo, é evidente como são negligenciadas as produções do conhecimento


histórico brasileiro em relação à História indígena, abordada nos livros didáticos,
prevalecendo (quase sempre) uma visão dominante. A qual necessita ser superada.

Imagem e representação: o indígena no livro didático de História

No dia 19 de abril, o índio, essa entidade abstrata, emerge de sua invisibilidade


cotidiana para ser apenas ridicularizado e mostrado como um ser imbecil. A
comemoração do dia do índio é uma brincadeira de faz-de-conta. E a escola, cujo
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fim é educar e informar, é o veículo principal da ideologia de uma sociedade
dominante que vem massacrando os índios ao longo dos séculos. O livro didático e a
desinformação dos professores (salvo exceções, evidentemente) são os veículos
principais para que isso se reproduza no tempo. (FERNANDES, 1993: 143)

Como já ressaltado na Introdução, ao longo dos tempos o livro didático de História


tem se mostrado omisso com relação à abordagem da História do/a índio/a brasileiro/a. Neste
trabalho buscamos discutir as rupturas e permanências da imagem difundida pelo livro de
História do ensino médio sobre as etnias indígenas a partir da implantação da lei 11.645/2008.
O livro didático analisado nesse estudo “História Global: Brasil e Geral”, do autor
Gilberto Cotrim, é editado em volume único, 8ª edição de 2005 e 9ª tiragem de impressão
2009. Não há informações se o livro passou por reformulações recentes. Conforme selo na
capa, ele foi aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio -
PNELM (2009) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE do Ministério
da Educação - MEC. Ao escolhermos esse livro didático do PNLEM 2009, 2010 e 2011,
utilizado em mais de três escolas públicas de ensino médio de Barra do Garças, optamos por
observar os reflexos da Lei 11.645/2008 na abordagem sobre as populações indígenas
brasileiras. Segundo Santiago e Sabino (2006: 1), “o livro didático exerce um papel
fundamental na escola e tem sido considerado o principal veiculador do conhecimento
sistematizado e um instrumento auxiliar, em sala de aula, para o/a professor/a e para os/as
alunos/as”. O que torna essencial a análise do tipo de conhecimento que vem sendo
produzido.
Para Zamboni (1998: 6), “com relação à produção do conhecimento em sala de aula,
lidamos diretamente com a construção e elaboração de imagens e palavras”. Nesse aspecto, a
compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância. É essencial reconhecer
os discursos e as imagens que representam os/as índios/as no livro didático de História, e a
maneira como os/as professores/as e alunos/as se apropriam dessas representações para que
possamos ter uma visão crítica de como vem sendo construída e difundida a História indígena
no livro didático. Ao abordar a aprendizagem escolar Libâneo (2002: 28) assegura que “[...]. o
valor da aprendizagem escolar está justamente na sua capacidade de introduzir os alunos nos
significados da cultura e da ciência por meio de mediações cognitivas e interacionais providas
pelo professor”. E por meio da aprendizagem é possível superar as imagens estereotipadas
sobre os/as índios/as.
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Criou-se em torno do índio/a visões de extremo preconceito que não condizem com a
realidade, pois de acordo com Fernandes (1990: 15):

Para alguns, o índio é selvagem, cruel, traiçoeiro. Para outros, ele é um ser puro,
impregnado da inocência das crianças. Os que acreditam na sua pureza, idealizam-
no, enquanto os que acreditam na selvageria, os temem índios. Em ambos os casos,
a imagem construída a respeitos dos povos indígenas é baseada em estereótipos, ou
seja, idéias falsas que igualam e colocam sob um mesmo rótulo um sem número de
situações diversas.
O índio “ideal” deve ser forte, bonito, deve andar nu, não pode falar português, não
deve gostar de óculos escuros, nem beber Coca-Cola. Deve, ainda ter lindos dentes,
andar com o corpo pintado e enfeitar-se com penas. Esse é o “índio de verdade”.
Saindo desse padrão imaginário, criado muito distante de toda a complexidade de
inúmeras situações a que são submetidos os povos indígenas brasileiros, os índios
conhecidos não são “índios de verdade”, ou então são “índios civilizados”, “índios
aculturados”.

A superação dessa visão estigmatizada contribui para a promoção do conhecimento da


diversidade étnica indígena e o consequente respeito às formas de vida e cultura desses povos.
Que passam a ter sua cultura (re)conhecida como uma entres as várias expressões culturais
existentes nos diversos lugares no mundo. Passamos a discutir as abordagens do livro didático
“História Global: Brasil e Geral” sobre o/a índio/a.

A trajetória indígena no livro didático de História do ensino médio

No livro didático de História analisado, a História da América começa a ser abordada


a partir do capítulo intitulado “Expansão européia e a conquista da América”. O autor inicia
discutindo o processo das “Grandes Navegações”, a expansão portuguesa e espanhola.
Apresenta o desvio da rota de Cabral e sua chegada ao Brasil. Já verificamos algo sugestivo
sobre o caráter de ocupação da América. Sobre a negação da historicidade do continente
americano nos livros didáticos Grupioni (2004: 488) argumenta que “ao desconsiderar a
história do continente, os manuais didáticos erram pela omissão, redução e simplificação ao
não considerar como relevante todo o processo histórico em curso no continente”.
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A fonte documental apoiada na análise do livro didático serviu como instrumento de
observação de como é tratada a ocupação da América pelos europeus. Assim, ressaltamos
como são representados/as os/as indígenas, pois:

A problemática do “mundo como representação”, moldado através das séries de


discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão
sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos
textos (ou das imagens) que dão a ver e pensar o real. (CHARTIER: 23-24)

Nesse sentido, o livro didático enquanto construção social de discursos e imagens


históricas carrega consigo uma gama de representações acerca das populações indígenas.
Essas representações, em alguns casos, servem para reforçar os estereótipos e preconceitos em
relação ao diversos grupos indígenas, contribuindo para sua invisibilidade na sociedade e a
consequente valorização da ocupação européia.
Esse aspecto foi observado no livro didático de História analisado, responsável por
equívocos, que, de certa forma, reforçam a visão negativa em torno das populações indígenas
brasileiras. De acordo com Araújo (1999: 237) apud Santiago (2007: 24)

[...] ainda são marcantes as lacunas e descompassos entre os novos paradigmas


historiográficos e o que se vincula enquanto conteúdo dos manuais escolares de
História. O livro didático continua com um forte caráter alienador, já que se
constitui em canal de transmissão e manutenção de mitos e estereótipos que povoam
a História ensinada.

Nessa perspectiva, observamos o livro didático como veículo generalizante de ideias


que negam a identidade e a diversidade étnica/cultural indígena no Brasil, evidenciando
aspectos que mostram de forma pejorativa o/a índio/a. Ou seja, mesmo após a Lei
11.645/2008, alguns equívocos continuam a ser reproduzidos pelos manuais didáticos na
construção e manutenção de visões pejorativas “como verdades absolutas”. Cabe ao professor
mediador tentar superá-las contribuindo para que os/as alunos/as percebam outra realidade,
além da difundida pelo livro didático. Sobre o papel do professor mediador no cotidiano
escolar Libâneo (2002: 29) explica:

[...] a ajuda do professor para o desenvolvimento das competências do pensar, em


função do que coloca problemas, pergunta, dialoga, ouve os alunos, ensina-os a
argumentar, abre espaço para expressarem seus pensamentos, sentimentos, desejos,
de modo que tragam para a aula sua realidade vivida. É nisso que consiste a ajuda
pedagógica ou mediação.
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Retomando a discussão anterior, na sequência do livro, o autor aborda “O impacto da


conquista”, apresentando o capítulo da seguinte maneira: “Apesar da brutal dizimação
provocada pela conquista e colonização européia da América, os povos indígenas continuam
lutando, até nossos dias, pelo respeito à sua terra, cultura e liberdade”. E levanta a indagação:
“O que você conhece sobre a luta dos índios brasileiros na atualidade? Pesquise”.
Apesar disso, não há um trabalho sobre o/a indígena na atualidade, isso é deixado para
que o aluno pesquise. Mas onde? Como? E o quê? Isto não é mostrado ou explicado no livro.
Posteriormente, o autor retoma a discussão do choque cultural entre os europeus e os
povos indígenas, comentando sobre os impactos discutidos pela historiografia clássica
brasileira. Apresenta a chegada de Colombo à América, aborda a questão da polêmica em
torno do termo “descobrimento”, problematizando as discussões e refutações do
descobrimento apresentando a ideia de ocupação e invasão propostas pela historiografia
revisionista. No entanto, não há maiores discussões sobre o assunto.
Após a discussão anterior, no capítulo: “A conquista dos indígenas pelos europeus”, o
livro afirma que antes da chegada dos europeus ao continente americano havia mais de três
mil nações indígenas vivendo no território. Apresenta os maias, astecas e incas, de forma
rápida e com algumas características em uma página e meia de discussão. Mostra a violência
na utilização de armas de fogo pelos europeus no ataque ao indígena. Aborda a contaminação
dos/das indígenas por doenças vindas da Europa. Nesse sentido, faltou uma maior discussão
sobre a estruturação dessas sociedades antes da chegada do colonizador europeu, e a
discussão da organização dos chamados povos pré-colombianos (maias, incas e astecas).
Outro fator explorado é a questão dos aldeamentos praticados na América portuguesa
e na América espanhola, com a retirada de populações indígenas de um lugar para outro. Essa
questão poderia ser aproveitada para trabalhar a problemática da terra indígena na atualidade
com a luta dos povos indígenas pela demarcação de suas terras e o direito de permanência.
Observamos uma ênfase na Europa, mesmo quando o autor apresenta as características e
impactos aos ameríndios.
Com relação ao Brasil colônia, a abertura do capítulo é feita com a imagem “Terra
Brasilis” (mapa do Atlas Muller feito entre 1515 e 1519). Ilustração que, segundo o autor,
representa o início da colonização do Brasil e aspectos da extração do pau-brasil pela mão de
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obra indígena. Entretanto, não há uma análise mais profunda da figura. Essas ilustrações
trazem consigo uma série de valores e ideologias, que, se não trabalhados de forma coerente,
contribuem para reforçar ou criar novas visões sobre o assunto que apresentam, “criando o
indígena genérico”.

Figura 1: Mapa Terra Brasilis

Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa25.htm. Acesso: novembro de 2011.

Ao longo da História brasileira, diversas imagens foram difundidas pelos manuais


didáticos de História sobre as populações indígenas por meio de figuras, aquarelas e fotos,
que buscavam de certo modo criar uma noção acerca de costumes, modo de vida e formas de
organização social dos povos indígenas. Para Bittencourt (2009: 81)

A recorrência de representações das populações indígenas nos livros de História


fomentou uma série de questionamentos não apenas sobre as possíveis
interpretações das populações indígenas ao longo da história ensinada, mas também
sobre os métodos para a proposição de estudos que articulem texto e imagem e
possibilitem a utilização de uma leitura crítica do acervo de ilustrações selecionado e
produzido para fins didáticos.
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A análise dessas imagens como representações das populações indígenas, aliada às
leituras críticas dos textos, pode auxiliar na superação de estereótipos e preconceitos
construídos historicamente e reproduzidos pelos manuais didáticos de História no decorrer do
tempo. Segundo Fernandes (1990: 16) “para compreendermos o funcionamento de uma
sociedade indígena, não podemos nos ater a nosso critério de inferioridade ou superioridade”.
Para Santiago e Sabino (2006: 2) “no século XIX, o processo de construção da
identidade absorveu do desenvolvimento técnico científico as teorias da diferença “racial”,
com o predomínio do branco europeu sobre as demais "raças"”. Essas ideias chegam ao Brasil
e passam a ser trabalhadas durante o século XX, e desse modo, chegam ao ambiente escolar
abordadas nos livros didáticos, como forma de difundir uma ideia dominante. Dentro dessa
perspectiva Pesavento (2004: 41- 42) afirma:

Aquele que tem o poder simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o
controle da vida social e expressa a supremacia conquistada em uma relação
histórica de forças. Implica que esse grupo vai impor a sua maneira de dar a ver o
mundo, de estabelecer classificações e divisões, de propor valores e normas, que
orientam o gosto e a percepção, que definem limites e autorizam os comportamentos
e papéis sociais.

Ao longo da escrita da História do Brasil foi frequente a exclusão do/a indígena do


processo histórico brasileiro. Segundo Moreira (2001: 2) “a pouca atenção dada à questão
indígena pela historiografia brasileira é um claro indício da existência de sérios vícios teóricos
e metodológicos presentes na maneira corrente de escrever-se a história do processo de
ocupação e colonização territorial”. Dessa forma fica evidente a problemática sobre a
(re)escrita da história brasileira e a constante falta de atenção dada às populações indígenas no
cotidiano histórico do Brasil.
De acordo com Bittencourt (2009: 23)

A História do Brasil tem sido apresentada e introduzida no ensino escolar como


resultante da Europa. Na visão liberal mais tradicional, o “descobrimento” é o
momento fundante da nação e as relações do mundo europeu com as populações
nativas ocorrem em função de transformá-las em grupos “civilizados”, moldados
segundo o modelo ultramarino.

Esse aspecto é observado no começo do capítulo intitulado: “Início da colonização”,


que trata sobre o processo histórico de ocupação portuguesa da América, aborda a exploração
do pau-brasil e o trabalho dos indígenas, aponta algumas expedições colonizadoras e discute
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brevemente a escravidão indígena. Entretanto, falta uma abordagem sistematizada sobre a
diversidade étnica, apontando que cada sociedade indígena possui características particulares.
Após apresentar a igreja no Brasil colonial, o período ibérico, as disputas pelo domínio
do território entre portugueses e holandeses, os/as indígenas não aparecem mais na discussão.
Como se não mais estivessem presentes nesse período. Com a discussão sobre a expansão
territorial portuguesa na América, há um reaparecimento do indígena no alvo central das
bandeiras de apresamento. Assim, é evidente a maneira como na história do Brasil, o/a índio/a
é relegado ao esquecimento, e volta a aparecer em condição de inferioridade.
Na América do século XIX aparece a discussão sobre a expropriação de terras
indígenas, com enfoque no caso dos Estados Unidos, mas de forma rápida e sucinta. Já na
introdução ao século XIX na História do Brasil o/a índio/a não aparece. Da mesma forma que
é percebida sua ausência na discussão sobre o primeiro reinado, regência, segundo reinado e
durante a crise do império. Durante a instituição da república não há aparecimento do/a
indígena no cenário brasileiro.
Com relação ao século XX, o/a indígena desaparece por inteiro/a das páginas do livro
didático analisado, como se não existisse mais, ou simplesmente não tivesse participado da
História desse período. Com relação às posturas assumidas por autores/as de manuais
didáticos, editoras e Governo Federal, na elaboração, editoração e distribuição de livros
Grupioni (2004: 492) destaca:

Os autores destes manuais didáticos precisam rever suas fontes e as teorias que
seguem, balizando seus livros em pesquisas mais contemporâneas. As editoras, por
sua vez, precisam ser mais cuidadosas no controle de materiais que elas publicam. E
o Governo Federal deve incentivar avaliações sistemáticas dos livros didáticos
beneficiados nos programas de compra e distribuição de material didático para todo
o país. Por fim, cabe aos próprios índios, e muitos representantes indígenas já estão
em condições de manter um diálogo mais efetivo com a sociedade nacional,
“pacificar” e “civilizar” os não-índios.

Assim, ressaltamos que na História do Brasil o indígena continua a ser retratado no


passado, a partir de generalizações. E não há uma preocupação em abordar a diversidade
étnica na atualidade. Nesse sentido, mesmo com a aprovação da lei 11.645/2008, houve pouco
avanço na estrutura do livro didático de História analisado. Na História contemporânea do
Brasil o indígena sequer aparece na discussão.
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Segundo Fernandes (1993: 20)

O “ser” Bororo é distinto do “ser” Cinta Larga, do “ser” Xavante, do “ser” branco e
assim por diante. Na verdade, não existe um ser índio. Esse nome índio, essa
categoria social é uma invenção dos europeus colonizadores. Os povos indígenas são
muito diferentes uns dos outros. Nós que, com nossos conhecimentos
fragmentários, tendemos a igualá-los sob um único rótulo. Se são, no Brasil, 200
povos indígenas, com 174 línguas distintas, são também tantos costumes, tantos
sistemas religiosos, econômicos, tantas ideologias.

Nessa perspectiva, é necessário considerar o importante papel do professor enquanto


mediador do conhecimento histórico ao aluno, para que possa fazer as devidas considerações
sobre a diversidade étnica evidenciando a (in)visibilidade indígena no livro didático e sua
participação no processo histórico brasileiro, com o intuito de romper com os estereótipos e
preconceitos que permeiam na sociedade em relação aos grupos indígenas. Para Grupioni
(2004: 492) “o professor precisa levar para dentro da sala de aula a crítica séria e competente
dos livros didáticos e o exercício de convívio na diferença”.
Ainda em relação à função do/a professor/a mediador/a do conhecimento Libâneo
(2002: 30) afirma:

O que está em questão, portanto, é uma formação que ajude o aluno a transformar-se num
sujeito pensante, de modo que aprenda a utilizar seu potencial de pensamento por meio de
meios cognitivos de construção e reconstrução de conceitos, habilidades, atitudes, valores.
Trata-se de investir numa combinação bem sucedida da assimilação consciente e ativa
desses conteúdos com o desenvolvimento das capacidades cognitivas e afetivas pelos
alunos visando a formação de estruturas próprias de pensamento, ou seja, instrumentos
conceituais de apreensão dos objetos do conhecimento, mediante a condução pedagógica do
professor que disporá de práticas de ensino intencionais e sistemáticas de promover o
“ensinar a aprender a pensar”.

Enfim, quando o livro didático for omisso em relação ao conteúdo abordado e/ou
apresentar determinadas limitações, é necessário que o/a professor/a faça as devidas
considerações de forma que possa contribuir para o desenvolvimento crítico do/a aluno/a em
relação à forma de obtenção do conhecimento na reconstrução de conceitos.

Considerações finais
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O livro didático de História como instrumento de apoio no processo de
desenvolvimento do ensino/aprendizagem tem sido alvo de inúmeras discussões sobre a
forma como a História é abordada. Nesse estudo analisamos um livro didático de História
aprovado pelo PNELM 2009, buscando compreender como são retratadas as populações
indígenas nesse manual.
Na análise feita, observamos que a expansão marítima européia e a chegada do
colonizador é o marco utilizado para trabalhar com a “ocupação” da América pelos europeus.
A população indígena não é retratada antes da chegada do colonizador, sendo evidenciada sua
presença a partir do contato e com o consequente “choque cultural”.
Nesse sentido, é evidente a invisibilidade indígena no livro didático de História, que
ainda traz o/a índio/a no passado, sem fazer relações com a atual situação desses grupos com
variadas culturas e formas de vida diferenciadas. Essa ausência da discussão sobre o/a índio/a
na atualidade contribui para a criação de estereótipos e preconceitos em torno das
comunidades indígenas.
O livro didático é um produto de construção social. E como tal reflete uma visão de
um grupo e serve para atender determinados interesses. Assim, é essencial ao/à professor/a,
enquanto mediador/a do conhecimento histórico, esclarecer aos/as alunos/as que aquelas
ideias representam uma visão particular de determinado fato, e que há outras possibilidades de
interpretação e leituras diversas.
As discussões envolvendo a problemática da terra são de fundamental importância
para a compreensão da atual situação das populações indígenas no Brasil. É essencial que
sejam discutidos os equívocos cometidos pela historiografia brasileira tradicional que
influenciaram de forma direta na produção do conhecimento histórico brasileiro e, de certa
forma, privilegiaram a construção de feitos e fatos heróicos.
Os equívocos e preconceitos construídos ao longo da História brasileira em relação
aos/as índios/as ainda continuam presentes em nossa sociedade, em grande parte tendo o livro
didático de História como principal veiculador de ideias pejorativas. Assim, é necessário que
de fato ocorram mudanças significativas no livro didático de História na abordagem em
relação às populações indígenas.
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Mesmo com a implantação da lei 11.645/2008 percebemos que ainda há poucas
rupturas na forma como essas abordagens se dão. As continuidades são fatos marcantes, as
imagens e os textos reproduzidos continuam a trabalhar com um/a índio/a genérico/a, ou seja,
a diversidade étnico/cultural indígena não é discutida. Sendo assim, enquanto essas mudanças
não ocorrerem no livro didático, cabe ao professor apontá-las em suas práticas cotidianas
junto aos alunos.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. (in): BITTENCOURT,


Circe (org.) O saber histórico na sala de aula. 11ª ed. 2ª- reimpressão. São Paulo: Contexto,
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BRASIL. Lei Nº 11. 645, de 10 de março de 2008. Que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática “Historia e Cultura Afro-Brasileira e indígena”. República Federativa do Brasil.
Brasília, 2008, CNE.

COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. Volume único, 8ª edição, 9ª tiragem. São
Paulo: Saraiva, 2009.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria


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