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ACUMULAÇÃO FLEXIVEL, PERTENCIMENTO

POLÍTICO E SOLIDARIEDADE DE CLASSES1


Silas Souza Savedra2
Henrique Silva Angelo3
Luiz Ricardo Molina4

RESUMO: De acordo com Mészáros (1995) a partir da década de 1970 deu-se início a
maior crise estrutural do sistema capitalista que produziu uma reconfiguração no seu
padrão de acumulação. No Brasil, como indica Giovanni Alves (2014), percebe-se um
padrão especifico dessa instrumentalização, a partir dos governos petistas que
readequaram a lógica da acumulação flexível. A Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI) é um exemplo desse tipo de fenômeno. A Universidade
Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) por ser produto desse programa e com
sinais de desgaste do mesmo tem passado por processos de demissão em massa e
precarização do trabalho terceirizado. Sendo assim, este trabalho objetiva compreender
as formas de organização política dos trabalhadores terceirizados do Campus-Juazeiro da
UNIVASF. Analisamos especificamente como são organizados os vínculos
empregatícios com as respectivas empresas e as formas de organização política dos
trabalhadores a partir de análise de dados e referencial bibliográfico. Conclui-se que,
devido às condições do trabalho terceirizado, os trabalhadores não sentem-se pertencentes
aos modelos de organização política local, devido à instabilidade empregatícia e a
inabilidade de outras categorias em empreender a solidariedade de classe.
Palavras Chaves: Acumulação Flexível; Pertencimento Político; Solidariedade de
Classe; Organização Política; Univasf

1
Trabalho apresentado no GT “Trabalho, sindicalismo e ação coletiva” na VIII Semana
de Ciências Sociais e IV Colóquio Internacional de História da África, realizados entre os dias
18 e 21 de novembro de 2018, na Universidade Federal do Vale do São Francisco, campus
Juazeiro/BA
2
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
Campus Juazeiro. silassaavedraba@gmail.com
3
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
Campus Juazeiro.henriquesangelo60@gmail.com
4
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
Campus Juazeiro. luizricardomolina@hotmail.com
1 INTRODUÇÃO
De acordo com Mészáros (1995) a partir da década de 1970 deu-se início a maior
crise estrutural do sistema capitalista que produziu uma reconfiguração no seu padrão de
acumulação, alguns elementos são fundamentais para entender a emergência da nova
configuração produtiva, sendo as principais: a queda nas taxas de lucro da burguesia; o
esgotamento do binômio taylorismo/fordismo; a crise do compromisso do welfare state;
e a hipertrofia do capital financeiro. Essa confluência de fatores está associada no plano
político ao surgimento do neoliberalismo como modelo hegemônico de administração do
Estado e do toyotismo como padrão de exploração de mão de obra.

No Brasil, como indica Giovanni Alves (2013; 2014), percebe-se um padrão


especifico dessa instrumentalização, a partir dos governos petistas que readequaram a
lógica da acumulação flexível a partir de políticas neodesenvolvimentistas. A
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) é um exemplo desse
tipo de fenômeno. A Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), apesar
de ter nascido anteriormente a implementação deste programa, expande-se e estrutura-se
a partir do mesmo, o que acarreta em problemas relacionados ao trabalho terceirizado que
são específicos da instituição.

Essa problemática surge da necessidade de investigar de forma mais minuciosa


como os trabalhadores terceirizados da universidade organizam-se politicamente,
especialmente na atual conjuntura, onde tem havido demissões em massa da categoria na
instituição, atraso salarial e intensificação e insatisfação com a atividade de trabalho, além
de outras formas de precarização. Este trabalho tem como objetivo central compreender
as formas de organização política dos trabalhadores terceirizados do Campus-Juazeiro da
UNIVASF. Para alcançar esse propósito analisamos especificamente como são
organizados os vínculos empregatícios com as respectivas empresas; investigar as
posições políticas ideológicas dos trabalhadores; averiguar a participação política a nível
local nos espaços de decisão da UNIVASF.

Para análise do problema foi utilizado investigação exploratória de documentos


primários e secundários relacionados às condições de trabalho da categoria, além de
entrevista semiestruturada afim de compreender, os modos de reivindicação e discussão
de problemas cotidianos referente às práticas laborais. Conclui-se que, devido às
condições do trabalho terceirizado, os trabalhadores não sentem-se pertencentes aos

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modelos de organização política local, devido à instabilidade empregatícia e a inabilidade
de outras categorias (técnicos e docentes) em empreender a solidariedade de classe,
construindo espaços que contemplem os terceirizados. Percebe-se também que a
categoria de maior vínculo com os terceirizados são os estudantes, especialmente àqueles
que são beneficiários da Assistência Estudantil, uma expressão concreta disso, é a
integração das pautas de ambas as categorias a partir da tentativa de construção do Comitê
em Defesa dos Terceirizados.

2 ACUMULAÇÃO FLEXIVEL, TERCEIRIZAÇÃO E NOVA


PRECARIEDADE SALARIA

Com o discurso de modernização das relações de trabalho, a partir de modelos de


vínculos empregatícios que atendessem às demandas de produção do mundo
contemporâneo, a terceirização passou a ser a principal forma de flexibilização dos
contratos de trabalho no Brasil, a partir dos anos 1990. As mais variadas formas de
flexibilização das atividades de trabalho, seja por pessoa jurídica ou física, passaram ser
um importante marco naquela que se convencionou chamar de “década neoliberal” do
país (DRUCK, 1999).

A terceirização enquanto forma atípica de contrato não é um fenômeno novo no


capitalismo, porém, a partir da ascensão dessa visão de mundo, toma contornos
específicos e torna-se o “par perfeito” para consolidação da acumulação flexível
(MESZAROS, 2010; ALVES 2000; 2014).

Apesar de ter sido elemento constitutivo dos governos neoliberais dos anos 1990,
a flexibilização das relações de trabalho teve continuidade a partir dos governos
neodesenvolvimentistas de Lula e Dilma nos anos 2000. À proporção que os governos
petistas foram marcados pela aposta na conciliação de classes para garantia da
governabilidade, foi uma constante nas gestões do partido ações governamentais que
tentassem combinar os interesses das classes dominantes com os interesses das classes
populares, mesmo este sendo uma adaptação rebaixada do Welfare State, característica
que é fruto da estruturação produtiva mista. (ALVES, 2013; ANTUNES, 1999).

Dessa forma, operou-se aquilo que Giovanni Alves (2000) denominou de


toyotismo sistêmico. Ou seja, apesar da queda do desemprego (no primeiro mandato da
ex-presidente Dilma o país chegou inclusive a operar em pleno emprego) houve um

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aumento das relações de trabalho tidas como precarizadas, principalmente da
terceirização.

A terceirização a partir da “nova precariedade salarial”, ganha novos aspectos que


casam muito bem com as novas aspirações empresariais para aumento da acumulação do
capital. A nova precariedade salarial é caracterizada por uma tríade que reorganiza as
relações de trabalho: a introdução das novas tecnologias informacionais, a gestão
toyotista e as relações de trabalho flexíveis (DRUCK, 1999; ALVES, 2013).

A acumulação flexível está intrinsicamente associada à flexibilização desses três


elementos à totalidade do processo produtivo. Esse conjunto de fenômenos gera a
“precarização do homem-que-trabalha”, que está mais associada aos efeitos físicos,
psicológicos, morais, etc. (ALVES, 2000; 2014).

Além disso, a própria percepção de pertencimento à empresa muito advogada pelo


toyotismo tem encontrado incongruências mediante os impactos concretos da
terceirização, haja visto que o trabalhador terceirizado não estabelece relação direta com
seu local de trabalho, mas com a empresa que é contratada para fornecer determinado
serviço (ALVES, 2000; ANTUNES, 1999; DRUCK, 1999;).

Engloba-se também no seio do problema da terceirização o perfil (étnico, racial,


escolaridade, gênero, etc.) de quem trabalha nessa modalidade de contrato de trabalho,
sendo em sua grande maioria pessoas em condições mais vulneráveis e marginalizadas.
Em geral, negros(as), mulheres, com menor grau de escolaridade em relação aos que tem
vínculo empregatício direto.

Segundo dados do DIEESE/CUT (2011), no que diz respeito a remuneração


salarial, os trabalhadores (as) recebem 27, 1% a menos que os trabalhadores diretos. No
que cerne à jornada de trabalho, segundo a mesma pesquisa, trabalhadores terceirizados
trabalham, em média, 3 horas a mais por semana que os trabalhadores diretos. No que
tange ao tempo de contrato, a diferença entre trabalhadores diretos e terceirizados é ainda
mais contundente tendo os primeiros com tempo médio de 5,8 anos de contrato e os
segundos com tempo médio de 2,6 ano de tempo de emprego.

Ainda que a empresa que fornece os serviços terceirizados tenha um importante


papel na lógica de exploração do trabalho, é na grande empresa capitalista que é
encontrada as bases para essas formas de flexibilização e de reorganização da divisão

4
social do trabalho, principalmente por conta da concorrência no mercado nacional e
internacional. (DRUCK, 1999; ALVES, 2014).

No Brasil especificamente, esse processo desenvolve-se articulando formas


arcaicas de exploração do trabalho, oriundas das formas especifica do desenvolvimento
do capitalismo no país com métodos modernos de gerenciamento da produção a partir do
toyotismo e da introdução das novas tecnologias informacionais no processo de produção
(FERNANDES, 2005).

3 O REUNI E A UNIVASF
A Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) foi criada por meio
da Lei N° 10.473, de 27 de junho de 2002, assinado pelo então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso. Apesar de ter tido seu marco legal na data supracitada e seu
efetivo funcionamento com início em 2004 - ainda quando era sediada em Petrolina no
Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), em Juazeiro na antiga FACJU e em
São Raimundo Nonato na Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM)- é em
2007 que a instituição passa pelos principais processos de reconstrução fundamentado
pelo Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (BRASIL,
2010).

Não coincidentemente é justamente com base no REUNI que a universidade


constrói seus primeiros campis (Campus Juazeiro, Campus Centro e Campus Serra da
Capivara) e sua imediata expansão mediante a criação do Campus Ciências Agrarias e o
Campus Senhor do Bonfim. Entre os anos de 2012 e 2017 ainda foi criado o Campus
Paulo Afonso e o Campus Salgueiro, totalizando (7) unidades da instituição.

É de suma importância partir do nascimento da UNIVASF e da criação do REUNI


para o entendimento do quadro atual em que a universidade está inserida, inclusive no
que cerne ao cenário de precarização do trabalho e de demissão em massa dos
trabalhadores terceirizados, haja visto que existem continuidades e descontinuidades
nessas ocorrências.

O Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (REUNI)


nasceu em 2007 por meio do Decreto N° 6096 produto do relatório do Grupo de Trabalho
Interministerial alcunhado de “Bases para o enfrentamento da crise emergencial das

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universidades Brasileiras “(OTRANTO, 2006; MACHADO E LIMA, 2016). Este
relatório apontava para uma situação crítica do Ensino Superior no país, particularmente
naquilo que tange à disparidade do número de vagas nas IES privadas e públicas, com
alto número das primeiras em relação às últimas. Essa conjuntura no âmbito da educação
superior tinha relação intrínseca com as políticas adotadas pelos governos FHC para
expansão das IES privadas, resultado do alinhamento do então governo brasileiro às
exigências dos órgãos multilaterais. (FREITAS, 2013; MARTONI, 2015)

Dessa maneira, os paradigmas da “gestão eficiente” mediante à alta produção,


racionalização de recursos, etc. passaram a ser elementos invariáveis no nível da
Administração Pública, tendo a LRF e expressão peremptória da noção das finanças
públicas como entidade apartada da política. É nesse bojo de reorganização do ensino
superior que as IES aproximam-se cada vez mais da lógica de mercado, aumentando os
investimentos privados de financiamento, prestação de serviços para empresas e, aquilo
que é de mais proeminente para o objetivo deste trabalho, a possibilidade de contratação
de empresas para prestação de serviços em “atividades-meio”, maiormente nos cargos
que foram extintos a partir da Reforma Administrativa do Estado brasileiro (COSTA,
2010).

O REUNI, apesar da sua importância no sentido da ampliação do número de vagas


a partir da expansão das universidades federais, não rompeu com a lógica de mercado das
universidades públicas de ensino superior, mas, ao contrário, em alguns aspectos
aprofundou essas políticas de mercantilização da educação (MACHADO E LIMA, 2016,
MARTONI, 2015).

Sendo assim, o REUNI deve ser compreendido como um Programa produto da


luta de classes (MASCARO, 2013), dos embates políticos dos diversos grupos em disputa
e da forma como esse conjunto de fatores foi concebido na esfera estatal. Faz parte
também daquilo que Nildo Ouriques (2014) chama de sistema petucano, que é a
resignação das grandes pautas do país em detrimento dos acintes da pequena política.
Entendido dessa forma, o REUNI foi, por um tempo, uma política eficiente – para os fins
políticos estabelecidos pelo programa.

Contudo, a partir de 2013, quando a conciliação de classes passa dar seus sinais
mais fortes de desgaste, por diversos fatores políticos e econômicos, altera-se a correlação
de forças e a classe trabalhadora passa ter sucessivas derrotas. O REUNI, por fazer parte

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desse conjunto de políticas assentadas na frágil “malha social” criada pelos governos
petistas passa a dar sinais de corrosão por meio das próprias bases que o fundaram: a
expansão imponderada, a associação ao capital privado e à lógica de mercado.

É possível notar, de fato, processos de descontinuidades na educação superior


durante os governos petistas, mas as continuidades em relação ao projeto mercantilista
são mais evidentes, e o ciclo que é aberto pela Lei de Responsabilidade Fiscal tem uma
nova fase, mais avançada, que se abre a partir da EC 96/2016 do governo Temer, que
congela por 20 anos os investimentos públicos. Essa ofensiva, formada pela coalizão
neoconservadores e neoliberais, vê nas universidades “elefantes brancos”, espaços de
doutrinação ideológica, que devem ser privatizadas ou aniquiladas (APLE, 2010).

4 O TRABALHO TERCEIRIZADO NA UNIVASF

No âmbito da grande empresa privada é bastante expresso que a terceirização tem


por objetivo o aumento da acumulação de capital mediante a flexibilização das relações
de trabalho. No entanto, na empresa pública (que é o espaço do objeto investigado no
trabalho), na verdade, a terceirização ambiciona a “contenção dos gastos públicos”,
discurso próprio do capitalismo financeirizado (ALVES, 2013).

Evidente que esse conjunto de coisas acarretadas pela terceirização redunda em


efeitos negativos na vida dos trabalhadores terceirizados, que devido à alta rotatividade,
a intensa jornada de trabalhado e os baixos salários têm poucas perspectivas em relação
ao planejamento de vida, formação profissional, além da precarização do homem-que-
trabalha mediante os danos psicológicos e físicos advindos da superexploração do
trabalho. (ALVES, 2014)

A terceirização é um elemento importante, constitutivo e imprescindível na atual


forma de organização do capitalismo, mas é também, no Brasil principalmente, um fator
de restruturação da exploração desse sistema no país, a partir dos seus caracteres de nação
localizada na periferia do sistema do capitalismo e que teve sua origem a partir da base
produção arcaica (FERNANDES, 2005; MARINI, 2000).

Dessa maneira, o discurso “modernizador” das “boas práticas” internacionais de


contrato de trabalho vê sua antítese no aumento dos acidentes de trabalho, no índice de
adoecimento mental dos trabalhadores e no dado real da grande maioria dos vínculos de

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trabalho análogos a escravidão estarem situados nas formas flexíveis de contrato,
principalmente a terceirização. O discurso da condição sine quo non da terceirização no
capitalismo contemporâneo só tem validade a medida que legitima o caráter explorador
das relações sociais que existem nesse sistema (ALVES, 2014)

Na UNIVASF, os contratos terceirizados representam uma parcela importante dos


vínculos empregatícios da universidade, ainda mais se se considera somente as
atividades-meio – excetuando-se os docentes. Segundo dados do Serviço de Atendimento
ao Cidadão (SIC), em janeiro deste ano a instituição contava com 362 trabalhadores
terceirizados em todos os seus campis. Destes, 150 foram demitidos em Maio devido o
contingenciamento de 30% das verbas discricionárias do Ensino Superior. No Campus-
Juazeiro há o quantitativo de 60 trabalhadores terceirizados, divididos em diversas
empresas e modalidades de terceirização, tem setores de vigilância, limpeza, manutenção,
apoio administrativo, etc.

Nesse sentido, as mais diversas formas de trabalho terceirizado são executado na


UNIVASF, desde a contratação de Pessoa Jurídica à terceirização por empresa. Em
média, os contratos têm duração de 12 meses. No Campus-Juazeiro existem 7 empresas
desempenhando função de terceira.

Dentre os elementos importantes a serem destacados, um deles diz respeito ao


perfil dos trabalhadores terceirizados. Dentre os terceirizados, o percentual de 37,5% é de
pessoas do sexo masculino e o 62,5% de pessoas do sexo feminino. Além disso, mais de
62,5% desses trabalhadores tem o fundamental incompleto, outros 19,35% o fundamental
completo somente 18,15% o Ensino Médio Completo.

Outro fator importante diz respeito ao aprofundamento da divisão sexual do


trabalho nas empresas terceiras da universidade, donde quase 90% das(os) Auxiliares de
Serviços Gerais são pessoas do sexo feminino e a totalidade (100%) dos trabalhadores de
vigilância, manutenção e motoristas são pessoas do sexo masculino. Dentre as atividades
de apoio administrativo existe uma variação maior em relação ao gênero.

Esses dados mostram aquilo que Anna Pollert (1996) e Helena Hirata (1995) ao
tratar desses temáticas, apresentam semelhança em suas pesquisas, acerca da diferença
entre o trabalho feminino e masculino. É visível que o maior contingente do trabalho
feminino envolve trabalho intensivo, que abarca trabalhos manuais e repetitivos com

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menor qualificação, , já o trabalho masculino se coloca ao capital intensivo, em contato
com estabelecimentos que tem maquinários mais sofisticados.

Dessa forma o trabalho feminino apresenta-se com regimes de trabalho mais


precarizados consequentemente as trabalhadoras são afetadas com esse sistema desigual
e heterogêneo na sua divisão social e sexual do trabalho e na maioria dos casos do trabalho
terceirizado o trabalho feminino acabar por ser uma espécie de extensão do trabalho
doméstico na esfera pública (POLLERT, 1996 e HIRATA, 1995 apud ANTUNES, 1999).

Desde de 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, com início dos cortes em
verbas na educação superior de maneira mais incisiva, que o sucateamento da UNIVASF
tem atingido a comunidade acadêmica como todo, o grupo mais afetado por essas ações
orçamentárias foram os trabalhadores terceirizados.

Acumula-se a esses problemas, principalmente as implicações políticas dos


contratos flexíveis, haja visto que organização política dos trabalhadores é prejudicada
pela forma que a terceirização é constituída. A terceirização é também um instrumento
do capitalismo flexível para mudança na correlação de forças através da formação de
grande exército industrial de reserva por meio do desemprego estrutural (MÈSZAROS,
1999; ANTUNES, 1999).

O problema da terceirização na esfera pública coloca um problema de ordem


político-econômica central para o entendimento das ações dos terceirizados enquanto
agentes políticos, que é a questão da negociação. É continuo nos discursos da Reitoria da
UNIVASF é a ideia de que a demissão é a única ação possível devido cortes,
contingenciamentos e bloqueios que são gerados na esfera federal.

Com o recente contingenciamento de mais de 5,6 bilhões de reais pelo MEC a


UNIVASF teve mais de 11 milhões de suas verbas discricionárias contingenciadas, dentre
outras medidas adotadas pela administração da Universidade, uma delas foi a demissão,
mais uma vez, de 150 trabalhadores terceirizados. Devido esse déficit, a instituição está
operando de forma precária, com redução abrupta de serviços essenciais.

O processo de demissão causa efeitos, evidentemente, naqueles que perdem seus


empregos, mas também afeta de maneira direta aqueles que continuam nos postos de
trabalho. A consequência imediata é a superexploração da força de trabalho daqueles(as)
que continuam na instituição (ANTUNES, 1999). Na área da limpeza, por exemplo, onde

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o cálculo do trabalho é feito pela metragem, as auxiliares de serviços gerais têm dado
conta do dobro de metros de antes do último processo de demissão, além de em vários
momentos, segundo relatos das próprias trabalhadoras, tendo que utilizar matérias
próprios, pois a empresa não fornece o quantitativo suficiente.

No setor da segurança os efeitos também foram evidentes, de forma que a


administração da universidade teve que alterar inclusive os horários de abertura e
fechamento dos portões da instituição, devido ao estágio de venerabilidade oportunizado
pela falta de pessoas para execução das atividades. Além disso, serviços de manutenção
foram bastante prejudicados. No setor dos transportes, a rota feita pelos ônibus estudantis
foi completamente alterada, impactando completamente nas formas de acesso à
universidade, isso devido à demissão de grande parte do motoristas, que também têm
condições de trabalho cada vez mais intensas.

O setor de apoio administrativo também teve impactos, principalmente na


prestação de serviços das Bibliotecas da universidade, que passaram opera em horário
reduzido, além do remanejamento de técnicos-administrativos para postos antes ocupados
por terceirizados.

5 PERTENCIMENTO E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS


TERCERIZADOS NA UNIVASF

Sem dúvida, a terceirização coloca implicações concretas na identidade da classe


que vive do trabalho, reverberando nas formas como organizam-se politicamente esses
atores e também nas estratégias organizativas dos sindicatos e demais esferas da
representação e atuação dos trabalhadores (ANTUNES, 1999).

Além das divisões existentes dentro do próprio grupo dos trabalhadores


terceirizados, existem pelo menos mais três categorias fundamentais que compõe o corpo
acadêmico da universidade, são elas: estudantes, técnico-administrativos e docentes. Nos
processos de reivindicações políticas dessas três categorias, apesar das divergências
devidos às condições de existência de cada uma delas, acontecem reiteradas tentativas de
associação política em busca de unificação das pautas, como foi o caso da greves de 2012,
2015 e 2016.

Em 2016 foi criada a “Assembleia Tripartite” da UNIVASF, instância esta que


abarcava estudantes, técnicos e docentes e tinha caráter consultivo. Entretanto, não houve

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esforço para inserção dos trabalhadores terceirizados. De toda forma, é notável o foço
existente, por questões políticas e materiais implicadas na terceirização que dificultam a
integração entre esses diversos grupos e a unificação de pautas comuns. Esses empecilhos
dificultam nos terceirizados a noção de pertencimento à comunidade acadêmica e também
à instâncias políticas criadas pelos demais grupos e categorias que congregam esse espaço

Através dos relatos, é notório também por parte dos terceirizados a insatisfação
com a representação sindical, haja visto que são representados, na maioria das vezes por
sindicatos patronais que têm sede em Salvador com representantes na região do Vale do
São Francisco. São comuns relatos de que “o sindicato só pega o dinheiro e não dão nada
em troca” ou que “o sindicato representa a empresa e não a gente”. Nesse sentido
podemos afirmar que um maior nível de institucionalização dos organismos de resistência
sindical resulta numa relativa despolitização da classe trabalhadora (ANTUNES, 1999).

Aliado à postos de empregos que não têm tradição sindical, dificuldade de


continuidade de planejamento político sindical nesses postos devido a alta rotatividade e
perseguição por parte das empresas, iniciou-se uma política de Estado de desestruturação
dos sindicatos oficiais. No Brasil a começar pela não obrigatoriedade do pagamento do
imposto sindical, depois pela proibição de desconto da contribuição no contracheque e
pôr fim a proibição de qualquer forma de sindicalização compulsória.

6 SOLIDARIEDADE DE CLASSES E A EXPERIÊNCIA DO “COMITÊ DE


DEFESA DOS TERCEIRZADOS

Ao tratar do período embrionário da construção do capitalismo e do nascimento


da organização política do proletariado em quanto classe, Karl Marx (2009) relata que
nessa fase da conformação política e econômica da sociedade moderna, a organização dos
trabalhadores objetiva “o verdadeiro resultado da suas lutas, não é tanto o sucesso
imediato, mas antes a solidariedade crescente dos trabalhadores (Marx, 2009, p.25)

Portanto, a noção de solidariedade de classe é fundamental para construção da


identidade da classe trabalhadora desde a emergência do capitalismo e do aparecimento
do proletariado. Entretanto, com as fraturas criadas pelo capitalismo dependente do Brasil
e a sua necessária reverberação nas condições de trabalho e nas instâncias de
representação política, essa concepção foi sendo relegada em detrimento do
corporativismo.

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Assim como a Associação Internacional do Trabalho (AIT) histórica, onde havia
pluralidade ideológica (GUILLAUME, 2009) além de ser a primeira organização a
articular o socorro mútuo (mutualismo) com a forma de organização de resistência, e a
exemplo também da experiência dos trabalhadores portuários na cidade de Fortaleza, a
partir da Sociedade Mutualista Deus e Mar (MORAIS, 2017), podemos ver que o percurso
da história das lutas e organizações de solidariedade de classe perpassa a disputa das mais
diversas matrizes ideológicas, o mesmo ocorre com o incipiente Comitê de Defesa dos
Terceirizados (CDT) na UNIVASF, onde diversas linhas políticas e organizações,
fundamentalmente estudantis, constroem a iniciativa e disputam os caminhos a serem
traçados por esta organização de socorro mútuo.

“O mutualismo é um sistema de associativismo baseado na organização de


trabalho mútuo, independente e interligado.” (TOMASI, 2018, p.86). O CDT é uma
experiência que ultrapassa os limites formais do sindicalismo em direção à construção de
uma alternativa que possa começar a dar os contornos de uma nova organização, capaz
de aglutinar de forma e orgânica os trabalhadores terceirizados. Além de uma estrutura
que não se adeque aos estreitos limites do sindicalismo de Estado, o CDT retoma a
tradição associativista das classe trabalhadora com intuito de construir alternativas de
solidariedade de classe.

O CDT é impulsionado por estudantes e já de antemão articula-se a partir das


demandas desses trabalhadores terceirizados. O CDT objetiva criar um “caixa de socorro”
de acesso exclusivo dos trabalhadores terceirizados em condições de emergência como
demissão, aviso prévio, etc. Segundo os membros do Comitê são realizadas atividades
para arrecadação, como brechós, eventos culturais, venda de alimentos etc. O Comitê
cumpre também o papel de integrar as diversas categorias dos trabalhadores terceirizados,
coisa que o modelo de sindicato atual não consegue fazer devido às amarras da lógica
burocrática do sindicalismo de Estado.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que à dinâmica dos vínculos empregatícios flexíveis dificultam à


organização dos terceirizados em torno de pautas comuns, seja pela fragmentação ou pela
própria condição de precarização do trabalho. Além disso, devido às condições do
trabalho terceirizado, os trabalhadores não sentem-se pertencentes aos modelos de
organização política local, devido à instabilidade empregatícia e a inabilidade de outras

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categorias (técnicos e docentes) em empreender a solidariedade de classe, construindo
espaços que contemplem os terceirizados. De toda forma, para compreensão de como
estrutura-se o trabalho terceirizado e a dinâmica de organização política desses atores,
deve-se recorrer à análise dos condicionantes políticos, econômicos e geográficos que
dão base a essa situação na UNIVASF. Percebe-se também que a categoria de maior
vínculo com os terceirizados são os estudantes, especialmente àqueles que são
beneficiários da Assistência Estudantil, uma expressão concreta disso, é a integração das
pautas de ambas as categorias a partir da tentativa de construção do Comitê em Defesa
dos Terceirizados.

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13
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