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O FIM DO PACTO DE CLASSES NO BRASIL: A REFORMA TRABALHISTA E O

RECRUDESCIMENTO DA EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

THE END OF BRAZIL´S CLASS PACT: LABOR REFORM AND THE


RECRUDESCENCE OF LABOR EXPLOITATION

Diego Roberto de Oliveira1, Natalia Alves da Silva2, Macell Cunha Leitão3, Rafael Caetano
Cherobin4

Resumo

A recente reforma trabalhista implementada no Brasil, contrariando as justificativas


hegemônicas de seus proponentes, em última análise serviu para incrementar a exploração da
força de trabalho e recompor os ganhos do capital. Assim, o artigo procura examinar algumas
dessas transformações jurídicas, argumentando que as mesmas podem ser interpretadas como
um indicativo de que estamos vivenciando no Brasil o esgotamento do pacto de classes que
justamente vinha caracterizando o ciclo político instaurado nos anos 1990.

Palavras-chave

Reforma trabalhista; exploração da força de trabalho; fim do pacto de classes no Brasil.

Abstract

The recent labor reform implemented in Brazil, contrary to the hegemonic justifications of its
proponents, ultimately served to increase labor force exploitation and rebuild capital gains.
Thus, the article seeks to examine some of these legal transformations, arguing that they can
be interpreted as an indication that we are experiencing in Brazil the exhaustion of the class
pact that was precisely characterizing the political cycle established in the 1990s.

Keywords

Labor reform; labor exploitation; the end of Brazil´s class pact.

1
Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela LFG. Bacharel em Administração pela
Universidade do Vale do Itajaí. Graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí.
2
Graduanda em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí.
3
Professor Titular do Centro Universitário Uninovafapi. Doutor em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina.
4
Professor Titular da Universidade do Vale do Itajaí. Doutor em Direito pela Universidade Federal de
Santa Catarina.

1
INTRODUÇÃO

Concebida num controverso momento político do Brasil, logo após a derrubada da


ex-presidente Dilma Rousseff que pôs fim a treze anos de hegemonia do Partido dos
Trabalhadores no país, a reforma trabalhista plasmada pela Lei 13.467/2017 concretizou a
mais ampla transformação do direito do trabalho desde a outorga getulista da Consolidação
das Leis do Trabalho5 durante o Estado Novo. A menção aqui ao “getulismo” não é
despropositada, pois em conjunto com outras reformas recentes, tais como a fixação de um
teto de gastos públicos (EC 95 – Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos), a
reforma previdenciária e a privatização da BR Distribuidora, além de propostas ainda em
andamento, mas com grandes chances de lograrem êxito, tais como as reformas tributária e
administrativa, percebe-se nesse conjunto de medidas recentes um ímpeto político para
arrematar os últimos resquícios da agenda desenvolvimentista que justamente havia sido
inaugurada nos anos 1930 por Getúlio Vargas (MARINI, 2014).
Da perspectiva crítica pela qual partimos, portanto, importa precisamente inserir
essas recentes inflexões socioeconômicas nos marcos de uma interpretação totalizante do
problema, inclusive para que seja possível enredar as atuais vicissitudes jurídicas no processo
de valorização do valor e na luta de classes (TRASPADINE; STÉDILE, 2011; FRANK, 1980;
SANTOS, 1972; BAMBIRRA, 2013). Uma análise político-jurídica da reforma trabalhista,
neste caso, deve evitar as armadilhas típicas do liberalismo e do juspositivismo, pois já não
interessa aqui dissociar a esfera jurídica de sua base socioeconômica (PACHUKANIS, 2017).
Muito pelo contrário, embora sem apelar para qualquer determinismo econômico, a opção por
uma abordagem materialista e dialética intenciona justamente salientar como essas
transformações jurídicas das relações de trabalho seguem condicionantes estruturais, o que
nos permite descortinar, por outro vértice, a propagada ideologia da “modernização jurídica”,
segundo a qual uma reforma trabalhista se fazia necessária para que o país pudesse se
modernizar e acompanhar o mundo globalizado.
Em outras palavras, se nos debates parlamentares que antecederam a aprovação da
Lei 13.467/2017 a reforma trabalhista foi em grande medida justificada por seu suposto
caráter técnico e benéfico a todos os setores da sociedade, empregadores e empregados, na

5
Para facilitar a leitura, no restante do artigo utilizaremos a abreviatura CLT para nos
referirmos à Consolidação das Leis do Trabalho.

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prática o que se desvela é um conjunto de subterfúgios jurídicos cujo sentido é a ampliação da
extração de mais-valor por parte do empresariado, cabendo ao jurista, exatamente, decodificar
essa nova roupagem legal, inclusive para indigitar quem será beneficiado ou prejudicado com
tais modificações. Tal é o objetivo deste trabalho.

ASPECTOS DESTACADOS DA LEI Nº 13.467/2017: TRABALHO INTERMITENTE,


JORNADA DE TRABALHO, HORAS IN ITINERE, JORNADA DE TRABALHO
PARCIAL

Na exposição de motivos da Lei nº 13.467/2017, alega-se que o compromisso


firmado foi com os milhões de brasileiros então desempregados. Bem observado, porém, o
que sobressai é que as motivações da lei apenas refletem um suposto imperativo econômico
forjado no país, sintetizado na consigna de que os trabalhadores devem escolher entre ter mais
direitos e menos empregos ou mais empregos e menos direitos. O problema, contudo, é que
cerca de dois anos depois da aprovação da reforma os trabalhadores brasileiros ficaram com
menos direitos e ainda esperam por mais empregos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
desemprego seguiu crescendo após a reforma promovida pela Lei nº 13.467/2017, atingindo
no primeiro trimestre de 2019 a taxa de 12,7%, o que representa 13,4 milhões de pessoas em
busca de trabalho (SARAIVA; PERET, 2019). Percebe-se assim a dissonância entre as
motivações da reforma trabalhista e a realidade do país. Em última análise, conforme
salientou Rosângela Rodrigues Dias de Lacerda (2017, p. 109-128), não é admissível que
sejam retirados direitos da classe trabalhadora, em evidente retrocesso social, sem
compensação correspondente, tanto mais sob o falso discurso de aumento no nível de
emprego formal e maior competitividade da economia.
Cumpre destacar que muito antes dos dados apontados pelo IBGE terem sido
produzidos - cerca de seis meses após o início da vigência da Lei 13.467/2017 -, os
participantes de uma Audiência Pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH) já tinham declarado que a reforma trabalhista dificultava o
acesso à Justiça pelos trabalhadores, além de que vinha produzindo mais desemprego e
situações de trabalho análogo à escravidão (AGÊNCIA SENADO, 2018).

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Ocorre que após o início da vigência da Lei 13.467/2017 houve uma crescente
pressão patronal por acordos de demissão voluntária e pela utilização de bancos de horas em
finais de semanas, gerando desemprego e fazendo com que os empregados trabalhassem nos
finais de semana para cobrir o espaço vago deixado pelos recém demitidos.
Um dos fatores mais controversos da reforma trabalhista, entretanto, refere-se à
criação do contrato de trabalho intermitente, que ademais se tornou um fator de desvio dos
números acerca do desemprego no país.
Sobre essa modalidade de contratação (art. 443, §3º, da CLT6), depreende-se
sublinhar que embora os empregados contratados em regime de intermitência tenham registro
formal de trabalho, estes não detêm remuneração fixa, deixando de usufruir dos direitos
trabalhistas em sua plenitude. Não obstante, os mesmos integram os números dos
considerados empregados nas estatísticas.
Em outras palavras, mesmo que os trabalhadores sejam considerados formalmente
empregados para efeitos estatísticos, o tempo em inatividade não é computado como tempo à
disposição do empregador e, por esse motivo, os mesmos não recebem qualquer tipo de
remuneração, além de se encontrarem desprotegidos tanto no âmbito trabalhista quanto no
previdenciário. Na prática, o trabalho intermitente nada mais é do que um instrumento legal
para desvencilhar o empregador de suas obrigações patronais, aumentando assim sua margem
de lucro.
É verdade que muito se fez para tentar ocultar o sentido real desse instituto jurídico.
Ao tempo da aprovação da Lei 13.467/2017, por exemplo, o então relator do projeto de lei
Rogério Marinho fazia referência ao sistema jurídico alemão para justificá-lo. Contudo,
embora o trabalho intermitente realmente tenha sido adotado na Alemanha, faltou dizer que
neste país os empregados que atuam sob regime de trabalho intermitente possuem algumas
garantias mínimas, o que torna mais plausível, inclusive, que tais trabalhadores computem
como efetivamente empregados nas estatísticas do país. Na Alemanha, o contrato na referida
modalidade deve especificar a quantidade de horas diárias de trabalho e, se a duração semanal
não for especificada, será presumida a jornada de trabalho de dez horas semanais, de modo
que, ainda que de forma mínima, aos empregados intermitentes são assegurados direitos

6
Art. 443, §3º, da CLT: “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de
serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de
serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”.

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básicos, o que não ocorre no Brasil (TEBALDI, 2018, p. 107-113; FERNANDES, 2018, p.
107-113).
Para além do trabalho intermitente, resta destacar que a Lei nº 13.467/2017 não surgiu
conforme sustentava o relator do projeto Rogério Marinho, mediante discussão ampla e aberta
com a sociedade, e muito menos contou com a efetiva participação de setores progressistas
que historicamente promoveram a defesa dos direitos dos trabalhadores (LACERDA, 2017, p.
109-128). Muito pelo contrário, consoante expressou Paulo Renato Fernandes Silva (2018, p.
69-75), a reforma trabalhista aprovada proporcionou vantagens apenas aos empregadores,
uma vez que em sentido amplo a flexibilização das regras de contratação assegurou as
condições para reduzir o custo da força de trabalho, sempre sob o falso pretexto de que o
desemprego iria retroceder no país, o que dificilmente se sustenta, já que a legislação
trabalhista possui relação apenas indireta com o ritmo da economia, em oposição ao que
alguns querem fazer acreditar. Em realidade, fatores macroeconômicos são muito mais
relevantes para a geração de empregos do que a simples diminuição do custo da força de
trabalho, sobretudo num país cujo setor exportador - que num certo sentido poderia se
beneficiar dessa redução de custos para se tornar mais competitivo internacionalmente - está
cada vez mais alocado no agronegócio, atividade na qual as máquinas progressivamente
suprem o trabalho humano.
De todo modo, dando continuidade à análise das mudanças impelidas pela Lei
13.467/2017, outro aspecto central da reforma trabalhista se refere à jornada de trabalho, que
em linhas gerais pode ser compreendida como sendo o “tempo diariamente dedicado ao
trabalho” ou a “quantidade de labor diário do empregado” (MARTINS, 2019, p. 786). Para a
melhor compreensão da temática, todavia, convém esclarecer os critérios de composição da
jornada laboral.
Para Maurício Godinho Delgado (2017, p. 980), são pelo menos três: o tempo
efetivamente trabalhado, o tempo à disposição do empregador e o tempo de deslocamento ao
local de trabalho.
Com relação ao primeiro critério, deve ser ressalvado que as paralisações do
empregado na empresa, causadas, por exemplo, por falta de matérias-primas ou por alguma
outra razão cujo ônus seja do empregador, incluem-se no tempo efetivamente trabalhado
(MARTINS, 2019, p. 109), não obstante a legislação brasileira contenha uma situação

5
excepcional prevista no art. 78 da CLT7, em que se estabelece que o salário poderá ser
ajustado por empreitada ou convencionado por tarefa ou peça, respeitado o salário mínimo
legal plasmado no art. 7º, VII, da Constituição Federal (DELGADO, 2017, p. 980).
Já quanto ao segundo critério, a legislação brasileira considerava como jornada de
trabalho o tempo em que o empregado estivesse à disposição do empregador,
independentemente de sua efetiva produção (DELGADO, 2017, p. 980). Para ilustrar,
podemos citar o emblemático caso dos mineiros, em que desde a entrada na mina já se inicia o
cômputo da jornada de trabalho, haja vista que o tempo até o local do efetivo serviço pode ser
longo (art. 294, da CLT).
Finalmente, pelo terceiro critério, em algumas situações específicas se considerava
como integrando a jornada de trabalho o tempo de deslocamento despendido pelo empregado
no percurso entre sua residência e o trabalho (e vice-versa), ampliando assim a composição da
jornada (DELGADO, 2017, p. 981). É nesse sentido que se configurou o instituto jurídico
horas in itinere, originado na ordem jurídica brasileira em construção jurisprudencial e
igualmente pela antiga redação do art. 58, § 2º, da CLT.8
Como explica Jorge Neto (2019, p. 787), desde 2001 o terceiro critério foi adotado,
ainda que para tanto devam ser respeitados certos requisitos sumulados, conforme segue:

a) Para haver a referida caracterização necessita-se que o tempo gasto para ir


e retornar ao local de trabalho seja em condução fornecida pela empresa
(Súm. 90, I). A condução não necessita ser de propriedade do empregador.
Também não se necessita que o transporte seja gratuito (Súm. 320);
b) O local necessita ser de difícil acesso ou que não seja servido por
transporte público. Se ocorrer de o empregado em seu deslocamento utilizar
condução própria ou transporte público pago pelo empregador, não se tem a
caracterização das horas in itinere fornecida pela empresa (Súm. 90, IV). Por
outro lado, a mera insuficiência do transporte público não justifica o
pagamento das horas in itinere (Súm. 90, III). Considerando que as horas in
itinere são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a
jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o
adicional respectivo (Súm. 90, V).

7
Art. 78, da CLT: “Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa ou
peça, será garantida ao trabalhador uma remuneração diária nunca inferior à do salário mínimo por dia
normal da região, zona ou subzona”.
8
Art. 58, §2º, da CLT (redação anterior à Lei 13.467/2017): “O tempo despendido pelo empregado até
o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na
jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte
público, o empregador fornecer a condução”.

6
Vemos assim que nos marcos legais anteriores à Lei nº 13.467/2017 previa-se na
legislação trabalhista brasileira que o tempo de serviço compreendia o período em que o
empregado estivesse à disposição do empregador e o tempo despendido pelo empregado no
trajeto residência-trabalho (e vice-versa) – neste último caso desde que os critérios sumulados
apresentados acima se verificassem na situação concreta.
Com a reforma trabalhista, entretanto, o art. 58, § 2º, da CLT9, que dispõe exatamente
sobre as horas in itinere, foi alterado de maneira substancial, transformando-se em norma
proibitiva e, consequentemente, violando princípios (como o do não retrocesso social), a
jurisprudência e a própria Constituição Federal (CHEDID, 2019, p. 27-36).
Isso porque ao converter o dispositivo de contagem das horas in itinere em norma
proibitiva, o legislador afrontou o princípio do não retrocesso social, oriundo do sistema
jurídico-constitucional e segundo o qual um direito social incorporado ao patrimônio jurídico
dos cidadãos não pode ser arbitrariamente suprimido (BARROSO, 2015, p. 56-73). Ou seja, o
Estado legislou negativamente ao proibir o cômputo das horas in itinere na composição da
jornada de trabalho, onerando o trabalhador e esgarçando a jornada de trabalho para mais de
oito horas diárias, violando assim a Constituição Federal (CHEDID, 2019, p. 27-36).
Em suma, verifica-se que tal inovação legislativa restringe direitos, vez que se a
atividade empresarial se desenvolve em local de difícil acesso ou não servido por transporte
público, o fornecimento de transporte aos empregados torna-se uma necessidade para o
próprio desenvolvimento do negócio do empregador, sendo imperiosa a conclusão de que
nessas condições o tempo despendido pelos empregados até o local de trabalho deva ser
computado como tempo à disposição do empregador e, como tal, ser remunerado
(LACERDA, 2017, p. 109-128).
Prevalece aqui o princípio da realidade, pois como entende Americo Pla Rodriguez
(2000, p. 162), “o princípio da primazia da realidade é algo a mais que uma presunção:
constitui um critério básico que ordena que se prefiram os fatos a papéis, às formalidades e
aos formalismos”. Com efeito, quando um trabalhador se dirige a um local ermo a fim de
executar o trabalho, no próprio trajeto ele já está à disposição do empregador, devendo esse
período ser computado na jornada total, inclusive porque o local no qual a empresa exerce

9
Art. 58, §2º, da CLT (redação determinada pela Lei 13.467/2017): “O tempo despendido pelo
empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno,
caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será
computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”.

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suas atividades derivou da escolha e ônus do empregador, não podendo este transferir parte
dos riscos e custos de seu negócio para o empregado.
Avançando um pouco mais nas transformações implementadas pela Lei 13.467/201,
merece destaque a figura da jornada de trabalho parcial, na qual se verifica mais um ponto em
que a reforma trabalhista buscou desvencilhar o empregador de custos com a força de
trabalho.
Preliminarmente, cumpre advertir que antes da reforma trabalhista o caput do art. 58-
A da CLT limitava a jornada de trabalho parcial em apenas 25 horas semanais. De resto, o
primeiro parágrafo do referido artigo versava sobre o salário - no sentido de que o valor pago
ao trabalhador em jornada parcial deveria ser proporcional ao percebido pelos trabalhadores
que atuam na mesma função em jornada integral -, enquanto que o parágrafo segundo
dispunha sobre a possibilidade de alteração do regime integral para o parcial - caso o
trabalhador assim desejasse, conforme previsão em negociação coletiva (KROST, 2019, p.
81-84).
Já no novo formato da CLT, o art. 58-A é mais abrangente que na versão anterior,
viabilizando dois modelos de contrato em regime de tempo parcial. O primeiro modelo
estabelece que a jornada semanal não exceda 30 horas, ampliando, portanto, a jornada
semanal prevista no art. 58-A antes da reforma trabalhista (DELGADO; DELGADO, 2017, p.
124). E o segundo modelo dispõe que o contrato poderá ser de até 26 horas semanais, mas
com a possibilidade de acréscimo de 6 horas suplementares, totalizando 32 horas semanais
(DELGADO, 2017, p. 124).
Como se pode notar, em ambos os casos a nova legislação assegura o aumento da
jornada de trabalhado em regime de tempo parcial. Contudo, o mais importante aqui é
ressaltar que tais modificações legais, ao contrário do que é propagado ideologicamente, não
visam à diminuição do desemprego, mas à ampliação da jornada e ao incremento da
exploração da força de trabalho, proporcionando assim um lucro adicional ao empregador.
Como bem argumenta Arnaldo Sussekind (2004, p. 453), em realidade, ao se limitar a
jornada de trabalho, “restringe-se o desemprego e aumenta-se a produtividade, mantendo-o [o
trabalhador] efetivamente na população economicamente ativa”. Mas o que se observa na
prática é uma tendência social oposta, razão pela qual o trabalho extraordinário vem se
tornando ordinário, o que somente contribui para a diminuição de postos de trabalho e
aumento do desemprego no país (SUSSEKIND, 2004, p. 470).

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Como agravante, a Lei 13.467/2017 revogou o §4º do art. 59 da CLT, que justamente
vedava a prestação de horas-extras pelos trabalhadores contratados em regime parcial. Além
disso, possibilitou a compensação da jornada na semana seguinte (DELGADO, 2017, p. 124).
Desse modo, por um lado legalizou-se a contratação de trabalhador de forma menos custosa
via contrato por tempo parcial, e por outro se permitiu que esse trabalhador preste horas-
extras, as quais, todavia, não serão pagas em sua integralidade, pois poderão ser compensadas
na jornada da semana seguinte.
Ora, dessa forma contribui-se negativamente para o combate ao desemprego de duas
maneiras. Em primeiro lugar, porque o trabalhador encontrará mais dificuldade para exercer
outra atividade, já que poderá ter que trabalhar em jornada estendida durante a semana. E em
segundo lugar, porque mediante trabalho extraordinário ele termina ocupando a vaga que um
desempregado poderia preencher (KROST, 2019, p. 81-84).
Embora esses exemplos abordados apenas expressem uma pequena parte das
alterações proporcionadas pela reforma trabalhista, eles expressam o sentido geral da reforma,
que longe de contribuir para a geração de mais empregos no país, visa antes ao aumento da
exploração da força de trabalho e à recomposição dos lucros das classes dominantes num
contexto de crise econômica e social.

CONCLUSÕES

Em continuidade com o exposto acima, cumpre destacar que em perspectiva


sociológica a reforma trabalhista, junto com outras medidas e políticas públicas recentes,
exsurgiu no atual contexto brasileiro de profunda crise política, no qual o anterior pacto de
classes vinha sucumbindo. Assim, se o ciclo virtuoso de exportações de produtos primários
permitiu na década passada transferir parte dos ganhos para setores das camadas subalternas,
o que na esfera política deu ensejo à hegemonia petista dos últimos anos, com a crise
econômica que se avizinhava desde 2012, a situação se tornou insustentável.
Fato é que as fronteiras das disputas pelo excedente econômico vinham sendo
comprimidas, fomentando o radicalismo político. Foi nesse contexto, ante a perda de
popularidade do Partido dos Trabalhadores e sem que outra força de esquerda pudesse fazer
frente à crise social instaurada, além do descrédito da centro-direita identificada com o
sistema político em vias de degeneração, que a extrema-direita encontrou espaço para cooptar

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o rancor social produzido pela crise social e assim se afirmar politicamente. E se apresentando
como alternativa fora do sistema, paradoxalmente a extrema-direita conseguiu se cacifar para
implementar uma política ultraliberal cujo sentido, porém, não é outro senão levar às últimas
consequências o processo de acumulação num país de capitalismo dependente, com todas as
suas sequelas sociais.
É nesse contexto político instável, pois, que interessa aqui realocar a reforma
trabalhista, pois para além da racionalidade econômica e social implícita (ou explícita) da
legislação reformada, mesmo de um ponto de vista estritamente jurídico o novo regramento
incorre em inúmeras controvérsias hermenêuticas, sendo questionável a constitucionalidade
de muitos pontos da reforma. Essas disputas político-jurídicas, entretanto, estão apenas
iniciando e deverão se acirrar nos próximos anos.

REFERÊNCIAS

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