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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade Mineira de Direito

Thamires Dayra do Carmo Andrade

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE:


Instituto inserido pela Lei 13.467/2017

Betim
2019
Thamires Dayra do Carmo Andrade

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE:


Instituto inserido pela Lei 13.467/2017

Monografia apresentada ao curso de Direito da


Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Michel Carlos Rocha Santos

Betim
2019
Thamires Dayra do Carmo Andrade

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE:


Instituto inserido pela Lei 13.467/2017

Monografia apresentada ao curso de Direito da


Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Michel Carlos Rocha Santos

Professor Michel Carlos Rocha Santos (Orientador)

Prof. – PUC MINAS (Banca Examinadora)

Prof. – PUC MINAS (Banca Examinadora)

Betim
2019
RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade analisar a nova modalidade contrato de


trabalho individual, inserida na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), por
intermédio da Lei de nº 13.467/2017, intitulada como Trabalho Intermitente. Tal
analise tem como intuito averiguar a constitucionalidade das novas disposições da
CLT frente à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como
parâmetro os princípios constitucionais e os artigos relacionados ao Direito do
Trabalho. A construção do presente estudo inicia-se pela explanação de forma geral
das alterações trazidas pela Lei de nº13.467/2017; com posterior apresentação da
definição do Trabalho Intermitente, seus requisitos e discursões sobre o tema;
adiante é feita uma analise da evolução do Direito do Trabalho frente as
constituições brasileira; sendo por fim, averiguada a inconstitucionalidade desta
modalidade diante dos princípios fundamentais, sociais e o trabalho como ordem
econômica e social, previstos na Constituição.

Palavras-chave: Constituição. Reforma Trabalhista. Lei nº 13.467/2017. Trabalho


Intermitente. Inconstitucionalidade.
ABSTRACT

The purpose of this paper is to analyze the new modality individual labor contract,
inserted in the Consolidation of Labor Laws (CLL), through Law 13,467 / 2017,
entitled Intermittent Work. The purpose of this analysis is to verify the constitutionality
of the new provisions of CLT in relation to the Constitution of the Federative Republic
of Brazil of 1988, having as a parameter the constitutional principles and articles
related to Labor Law. The construction of this study begins with the general
explanation of the changes brought by Law no. 13467/2017; with subsequent
presentation of the definition of Intermittent Work, its requirements and discursions
on the subject; The following is an analysis of the evolution of Labor Law in relation
to the Brazilian constitutions; Finally, the unconstitutionality of this modality is verified
before the fundamental, social principles and the work as economic and social order,
foreseen in the Constitution.

Keywords: Constitution. Labor Reform. Law nº 13467/2017. Intermittent work.


Unconstitutionality.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade


CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CLT - Consolidação da Leis Trabalhistas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ME – Ministério da Economia
MP – Medida Provisória
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
OIT - Organização Internacional do Trabalho
STF – Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2. PANORÂMA GERAL DA REFORMA TRABALHISTA – LEI Nº 13.467/2017 .. 15
3. INTRODUÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE PELA LEI Nº 13.467/17 ...... 19
3.1 Conceito de Trabalho Intermitente e seus requisitos.............................. 19
3.2 O trabalho Intermitente e os requisitos da relação de emprego ............ 22
3.3 Das vantagens e desvantagens do Trabalho Intermitente ...................... 24
4. O DIREITO DO TRABALHO FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
29
4.1. A evolução do Direito do Trabalho até Constituição de 1988 ................ 29
5. A INCONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE ................... 35
6. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 43
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 45
13

1. INTRODUÇÃO

A Consolidação das Leis Trabalhistas, promulgada em 1943 através do


Decreto-Lei nº 5.452, passou a sofrer criticas por ser uma legislação retrograda
frente aos avanços sociais e tecnológicos da população. Por isso, conforme relatório
do Deputado Rogério Marinho para o projeto de lei nº 6.787 de 2016 que propunha
uma “Reforma Trabalhista”, a alteração da legislação se fazia necessária por haver
mais de setenta e quatro anos de sua promulgação, bem como a mudança de
grande número da população do campo para a cidade.
Nesta justificativa, em 13 de julho de 2017 foi publicada a lei de nº
13.467/2017, conhecida popularmente por “Reforma Trabalhista”. Nesta legislação
foram alterados, inseridos e suprimidos diversos dispositivos, os quais acarretaram
impactos nas relações de trabalho, em um contexto atrelado à crise econômica e
social do país.
A referida lei introduziu nova modalidade de contrato individual intitulado
como trabalho intermitente. O art. 433 da CLT passou a dispor: “o contrato individual
de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por
escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho
intermitente.” (BRASIL, 2017). Por parte do trabalhador é permitida a prestação de
serviço de forma não continua, ainda que subordinada, com variância de períodos
em dia, hora e meses, percebendo remuneração de forma proporcional ao trabalho
prestado ao empregador.
O trabalhador intermitente deverá prestar o serviço com subordinação, de
forma não continua, no qual deve ocorrer de maneira alternada entre a prestação de
serviço e de inatividade, determinada por horas, dias e meses (BRASIL, 2017).
Neste direcionamento quanto à nova modalidade de trabalho não há previsão de
dias a serem trabalhados ou convocações mínimas a serem feitas por parte do
empregador, o que gera discursões sobre a existência da relação de emprego, haja
vista que para configurar tal relação é necessário o preenchimento de cinco
requisitos, quais sejam: pessoalidade, pessoa física, onerosidade, não
eventualidade e subordinação.
O contrato intermitente de trabalho apresenta vantagens e desvantagens. O
empregado poderá ser contratado por mais de um empregador, podendo laborar em
outros empregadores enquanto não for convocado, mas é praticamente impossível
14

que o trabalhador consiga obter tal condição. O empregador por sua vez, poderá
obter mão de obra quando necessário, o que diminui custos para a sua produção.
Dentre as desvantagens, podem ser elencadas a incerteza do trabalhador quanto à
sua convocação para a prestação de serviço e em relação ao recebimento de salário
final, o que acarreta assim impactos físicos e psicológicos no mesmo.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) fora recepcionada pela
Constituição Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), havendo a inclusão de direitos e
princípios inerentes à relação de emprego.
Ressalta-se que, dentre as constituições do Brasil, desde a primeira no
período imperial em 1824 até a última em 1988, aconteceram diversos avanços
relacionados às relações trabalhistas. De início, a previsão era simplória apenas no
sentido de não poder proibir nenhum gênero de trabalho. Já a Constituição de 1934
foi a primeira a apresentar um rol de direitos relacionados ao amparo e à proteção
do trabalhador, bem como à criação de órgão administrativo para dirimir questões
entre empregadores e empregados. Em 1946, tal órgão foi integrado ao Poder
Judiciário, intitulado como Justiça do Trabalho.
Com o advento da CF/88, foi inserido o direito ao trabalho entre os princípios
fundamentais e sociais, além de ser intitulado como fundamento da ordem
econômica e social.
A análise das normas infraconstitucionais mostra-se necessária frente à
Constituição, por ser o topo da hierarquia das normas jurídicas. Desta forma, no
capitulo cinco é examinada a constitucionalidade do trabalho intermitente, inserido
pela lei 13.467/2017.
A insegurança trazida ao trabalhador pela inexistência de uma jornada de
trabalho fixa a possibilidade da violação da garantia de um salário mínimo pelo
serviço prestado, previstos no art. 7 da CF/88, bem como o possível ferimento aos
princípios constitucionais ligados à relação de trabalho, faz surgir o tema central
deste trabalho. Busca-se analisar se houve por parte do legislador violação dos
direitos constitucionais inerentes aos trabalhadores, fazendo com que o trabalho
intermitente possa ser considerado inconstitucional.
15

2. PANORAMA GERAL DA REFORMA TRABALHISTA – LEI Nº 13.467/2017

Frente à legislação retrógrada e em vigor do Decreto-Lei nº 5.452, conhecida


como Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada em 1º de maio de
1943, deu-se a necessidade de formular uma proposta de reforma diante dos
avanços sociais ocorridos nas últimas décadas.
Assim, conforme assentado no Relatório do Deputado Rogério Marinho
(2017) da Comissão Especial, destinada a proferir parecer ao projeto de lei nº 6.787
de 2016, do Poder Executivo, que "altera o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943”, dá-se a necessidade de alteração da legislação devido à realidade atual dos
trabalhadores frente à situação dos mesmos na época de promulgação do Decreto-
Lei, ou seja, no ano de 1943:

O Brasil de 1943 não é o Brasil de 2017. Há 74 anos éramos um país rural,


com mais de 60% da população no campo. Iniciando um processo de
industrialização, vivíamos na ditadura do Estado Novo [...] Novas profissões
surgiram e outras desapareceram, e as leis trabalhistas permanecem as
mesmas. (MARINHO, 2017, p.17).

O referido de Deputado afirma ainda que a CLT encontra-se desatualizada


em vários aspectos:

Sustentamos o entendimento de que a CLT tem importância destacada na


sua função de estabilizar as relações de trabalho, mas que, evidentemente,
sofreu desgastes com o passar dos anos, mostrando-se desatualizada em
vários aspectos, o que não é de se estranhar. [...] Precisamos evoluir,
precisamos nos igualar ao mundo em que os empregados podem executar
as suas atividades sem que estejam, necessariamente, no estabelecimento;
em que a informatização faz com que um empregado na China interaja com
a sua empresa no Brasil em tempo real; um mundo em que se pode, e se
deve, conferir maior poder de atuação às representações sindicais de
trabalhadores e de empregadores para decidirem, de comum acordo, qual a
melhor solução para as partes em momentos determinados e específicos.
(MARINHO, 2017, p.18).

Desta forma, por meio do projeto de lei nº 6.787 que propôs a alteração de
vários dispositivos constantes no Decreto-Lei mencionado anteriormente, deu-se a
publicação, em 13 de junho de 2017, da Lei nº 13.467/2017, devidamente
sancionada pelo Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia. Essa lei
ficou conhecida popularmente como “Lei da Reforma Trabalhista” e entrou em vigor
16

após cento e vinte dias de sua publicação oficial, ou seja, em 11 de novembro de


2017.
Por tratar-se de uma “Reforma”, houve diversas alterações, supressões e
inclusões de dispositivos na CLT, dentre as quais podem ser elencadas: alteração
das disposições legais em relação ao tempo à disposição do empregado ao
empregador; retirada das horas “in itinere”; inclusão da modalidade do trabalho
intermitente; formas de homologação de acordos extrajudiciais; alteração de regime
de trabalho em escala 12 x 36 horas; retirada da obrigatoriedade na contribuição
sindical anual; inclusão do teletrabalho; entre outros.
Logo após a publicação da Lei nº 13.467/17, fora aprovada a Medida
Provisória de nº 808 de 2017, que regulava alguns dispositivos já alterados pela Lei
nº 13.467/17. De acordo com Antônio Daud Junior (2018), a publicação da Medida
Provisória ocorreu devido ao acordo formulado entre a Presidência da República e o
Senado Federal para que fosse sancionado o projeto de lei rapidamente.

A Medida havia sido editada como resultado de um acordo costurado entre


a Presidência da República e o Senado Federal, para viabilizar a aprovação
do texto original da reforma trabalhista no Senado. Chegou a receber
centenas e centenas de emendas, muitas das quais visavam rediscutir a
própria reforma trabalhista de julho de 2017. (DUAD JUNIOR, 2018).

Entre os dispositivos legais alterados pela MP 808/2017, pode-se destacar os


seguintes temas: Jornada 12 x 36; dano moral; aspectos sobre o contrato de
trabalho intermitente; situação da empregada gestante; gorjeta; entre outros. Nota-
se, portanto, que através de tal Medida Provisória ocorreram alterações não apenas
nos dispositivos já preexistentes na CLT, mas também naqueles dispositivos que
foram incluídos por meio da Lei nº 13.467 de 2017.
Ocorre que, conforme previsão constitucional do art. 62, §3º e §7º, a MP
perderia a vigência caso não fosse levada a analise do Congresso Nacional no
prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período. Nesse caso, a Casa
Legislativa teria que expedir decreto disciplinando as relações jurídicas decorrentes
da prorrogação (BRASIL, 1988). Portanto, de acordo com a disposto na
Constituição, a Medida Provisória perdeu sua validade em 23 de abril de 2018 pelo
fato de não ter sido levada a analise do Congresso Nacional.
Por consequência inevitável, durante sua vigência, esta Medida produziu
efeitos. Sobre essa ótica, analisa Sergio Ferreira Pantaleão (2018):
17

Decorridos o prazo previsto legalmente, a citada medida sequer foi


submetida ao Congresso para aprovação. Portanto, perdeu sua validade a
partir de 23 de abril de 2018. Mesmo perdendo sua validade a partir da
citada data, a medida produziu efeitos jurídicos durante o período em que
esteve vigente, ou seja, a contar de 14/11/2017 a 22/04/2018. Neste
período, todos os atos praticados pelo empregador com base na MP
808/2017, foram válidos e possuem amparo legal. (PANTALEÃO, 2018).

Assim, diante do fato da mencionada Medida Provisória ter cessado sua


vigência, a Lei que deu origem à conhecida “Reforma Trabalhista” voltou a viger em
sua redação original.
Contudo, as alterações trazidas pela Lei nº 13.467 de 2017, mesmo após o
fim da vigência da Medida Provisória, foram alvos de inúmeras criticas por parte de
doutrinadores e estudiosos do Direito. Para Marcos Scalercio (2018) a “Reforma
Trabalhista” fere a Constituição Federal afetando diretamente direitos fundamentais
presentes em um Estado Democrático de Direito, atingindo não só o direito material
envolvendo direito individual e coletivo, mas também o âmbito processual da CLT.
Assim, o autor em seu artigo, exemplifica alterações que ferem tais direitos
fundamentais:

Temos perfilhado, tanto no exercício da jurisdição quanto na docência, do


ponto de vista do direito material, que a interpretação pretendida haverá de
preferir os princípios da dignidade humana do trabalhador, da proteção e
não retrocesso social; ao princípio da autonomia privada coletiva. Já sob o
prisma do processo em si, apontamos o princípio do acesso à justiça, do
ativismo judicial, entre outros; em detrimento de obstáculos criados pela
nova lei. (SCALERCIO, 2018).

Sobre a mesma ótica, Homero Batista Mateus da Silva (2017) disserta sobre
a insegurança jurídica trazida, bem como as dificuldades enfrentadas na Justiça do
Trabalho:

O nível de insegurança gerado pela reforma é muito alto e honestamente


ninguém sabe aonde ela vai nos levar. São diversas suas contradições
internas e são numerosos os contrassensos. Há grande ênfase na
negociação coletiva, mas ao mesmo tempo os sindicatos foram acuados,
porque considerados os principais responsáveis pelo entrave do
desenvolvimento trabalhista, em afirmações genéricas e desprovidas de
base científica. Há grande propaganda sobre o potencial de geração de
empregos, mas a reforma teve a ousadia de dizer que a dispensa em
massa é igual à dispensa individual, em sua forma e em seu conteúdo, em
claro desafio à Constituição Brasileira e a amplo consenso internacional em
sentido contrário. Há grande desprezo à Justiça do Trabalho, mas ao
mesmo tempo o país não desenvolveu a contento o sistema de inspeção
trabalhista, que poderia lidar com a prevenção com muito mais eficácia do
que com o remédio, e não encontra outros campos para a conversa e o
entendimento. (SILVA, H., 2017, p.8).
18

O então Ministro do Trabalho à época do advento da nova legislação,


Ronaldo Nogueira, disse que com a aprovação da Reforma Trabalhista em até dois
anos seriam gerados mais de dois milhões de postos formais de trabalho com o
trabalho intermitente, a jornada parcial e a remuneração por produtividade, conforme
reportagem feita por Janary Júnior (2017).
Ocorre que os dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) sobre o número de desempregados no Brasil, que foram
analisados por Bruno Gomes Borges da Fonseca (2019), demonstram que na
prática não houve o crescimento esperado pelo Ministro do Trabalho na geração de
empregos:

A taxa de desocupação, quando da vigência da Reforma Trabalhista, era


12,6% (novembro/2017). Um pouco mais de dois anos depois
(janeiro/2019), a taxa de desemprego está em 12%. Houve, portanto,
pequena redução, embora possa-se admitir, em uma perspectiva positiva,
tendência a queda.
Em comparação com os meses anteriores, entretanto, o desemprego, nesse
trimestre (novembro e dezembro/2018 e janeiro/2019), subiu e atingiu a
marca de 12,7 milhões de pessoas. No início do ano é comum certa
sazonalidade quanto ao número de postos de emprego, em razão da
celebração de contratos temporários e por prazo para o período natalino,
contudo, deve-se considerar que o trimestre fechado em janeiro/2019 foi
menos favorável do que o verificado nos mesmos períodos dos anos de
2017 e 2018. A tendência de queda, portanto, torna-se duvidosa.
(FONSECA, 2019).

Conclui-se, portanto, que apesar da necessidade iminente de reforma nas


normas presentes da Consolidação das Leis Trabalhistas, as alterações trazidas
pelas Lei nº 13.467/2017 não foram satisfatórias, principalmente em relação ao
trabalhador e a geração de novos empregos. Não se sabe ao certo, até o momento,
quais serão as consequências enfrentadas pelos trabalhadores, mas destaca-se de
imediato a insegurança jurídica imposta aos empregados e aos operadores do
Direito.
19

3. INTRODUÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE PELA LEI Nº 13.467/17

Dentre as inúmeras alterações introduzidas para a Consolidação das Leis


Trabalhistas através da Lei de nº 13.467/17, destaca-se a incorporação de uma nova
modalidade de trabalho ao ordenamento jurídico brasileiro, intitulado
doutrinariamente como Trabalho Intermitente.
Tal instituto foi introduzido, como já mencionado, diante da necessidade de
alteração da Lei anteriormente vigente, por se tratar de lei retrógrada, cumulada com
a problemática do grande número de desempregados no país e o avanço de
trabalhadores exercendo suas atividades sem a devida formalidade prevista em lei,
conhecida popularmente como “bicos”, que colocam o empregado em situação
desvantajosa.

3.1 Conceito de Trabalho Intermitente e seus requisitos

De acordo com a previsão legal do art. 433, da CLT, que estabelece as


modalidades de contrato de trabalho individual, poderão ser celebrados contratos
por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente
(BRASIL, 2017).
A conceituação legal do que se trata o Trabalho Intermitente está prevista no
§3º do dispositivo legal mencionado acima, no qual sustenta que será um contrato
na forma de prestação de serviço, através de subordinação, mas não contínua, que
ocorrerá com alternâncias entre as prestações de serviços e de inatividade, sendo
estas determinadas por horas, dias ou até meses, podendo ser aplicadas a qualquer
tipo de atividade, com exceção aos aeronautas, pois para estes haverá aplicação de
legislação própria da categoria (BRASIL, 2017), conforme disposto abaixo:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou


expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou
indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
(...)
o
§ 3 Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a
prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com
alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade,
determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas,
regidos por legislação própria. (BRASIL, 2017).
20

Nesses termos, Jéssica Muñoz Oviedo e Vinicius Pinheiro Marques (2018)


entendem sobre o conceito da nova modalidade de trabalho:

Sendo assim, o conceito legal de trabalho intermitente inseriu a ideia de que


contrato de trabalho (sob o manto da CLT e alicerçado no vínculo de
emprego) dar-se-á de forma alternada, ou seja, o trabalhador, a seu critério,
poderá permanecer em períodos de atividade ou inatividade em períodos de
intermitência. (OVIEDO; MARQUES, 2018).

Além do dispositivo referido alhures, em que conceitua a nova modalidade de


trabalho individual, tal tema também é abordado no art. 452-A da CLT, no qual
disciplina as formas do contrato e os direitos do empregado submetido à essa
modalidade:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por


escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não
pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos
demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em
o
contrato intermitente ou não. § 1 O empregador convocará, por qualquer
meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual
será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. §
o
2 Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para
o
responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3 A recusa
da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de
o
trabalho intermitente. § 4 Aceita a oferta para o comparecimento ao
trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no
prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração
o
que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. § 5 O período
de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador,
o
podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6 Ao final
de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o
pagamento imediato das seguintes parcelas: I – remuneração; II - férias
proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário
proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais. §
o
7 O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos
o o
relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6 deste artigo. § 8 O
empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o
depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com
base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado
o
comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9 A cada doze meses,
o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um
mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar
serviços pelo mesmo empregador. (BRASIL, 2017).

Observa-se que o art. 452-A da CLT (2017) traz em seu texto condições
específicas para contratação sobre a forma de trabalho intermitente, como por
exemplo: a convocação para o trabalho; a possibilidade de recusa por parte do
empregado; o pagamento de multa em caso de descumprimento tanto por parte do
empregado quanto pelo empregador; o período de inatividade não é considerado
21

tempo à disposição do empregador; entre outros. Portanto, a contratação em tal


modalidade se difere das demais em vários aspectos, tal como mencionado acima.
Apesar de não possuir mais vigência, a Medida Provisória (MP) de nº 808 de
2017 regulava vários aspectos relacionados ao trabalho intermitente. Contudo, por
ter perdido a vigência e com o intuito especial estabelecer regras voltadas à
execução, houve a publicação da Portaria de nº 349, em maio de 2018, pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que dispõe sobre o trabalho intermitente
nos artigos 2º ao 6º (BRASIL, 2018):

Art. 2º O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e


registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social, ainda que previsto
em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá: I -
identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; II - valor da hora ou
do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do
salário mínimo, nem inferior àquele devido aos demais empregados do
estabelecimento que exerçam a mesma função, assegurada a remuneração
do trabalho noturno superior à do diurno; e III - o local e o prazo para o
pagamento da remuneração. § 1º O empregado, mediante prévio acordo
com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos
termos dos §§ 1º e 3º do art. 134 da Consolidação das Leis do Trabalho. §
2º Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento
das parcelas a que se referem o § 6º do Art. 452-A da Consolidação das
Leis do Trabalho não poderá ser estipulado por período superior a um mês,
devendo ser pagas até o quinto dia útil do mês seguinte ao trabalhado, de
acordo com o previsto no § 1º do art. 459 da CLT. § 3º Dadas as
características especiais do contrato de trabalho intermitente, não constitui
descumprimento do inciso II do caput ou discriminação salarial pagar ao
trabalhador intermitente remuneração horária ou diária superior à paga aos
demais trabalhadores da empresa contratados a prazo indeterminado. § 4º
Constatada a prestação dos serviços pelo empregado, estarão satisfeitos os
prazos previstos nos §§ 1º e 2º do Art. 452-A da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Art. 3º É facultado às partes convencionar por meio do contrato de trabalho
intermitente: I - locais de prestação de serviços; II - turnos para os quais o
empregado será convocado para prestar serviços; e III - formas e
instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços.
Art. 4º Para fins do disposto no § 3º do art. 443 da Consolidação das Leis do
Trabalho, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto
daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha
prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A da referida lei. § 1º
Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de
qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a
mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou
outra modalidade de contrato de trabalho. § 2º No contrato de trabalho
intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à
disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará
descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração
por tempo à disposição no período de inatividade.
Art. 5º As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na
média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de
trabalho intermitente.
Parágrafo único. No cálculo da média a que se refere o caput, serão
considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha
22

recebido parcelas remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o


período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior.

Art. 6º No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o


recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o
depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço com base nos valores
pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do
cumprimento dessas obrigações. (BRASIL, 2018).

Porém, diferentemente da MP que possui força de lei, a Resolução do MTE


por ser ato normativo, não possui força vinculante, conforme Giuseppe Giamundo
Neto (2018):

Referida Portaria, ao contrário da MP, não detém a força de Lei. Não ocupa,
assim, o vácuo legal deixado pela MP 808/2017 quando vigente. Ou seja,
enquanto previstas na MP, as normas eram de aplicação obrigatória. Agora,
como Portaria Ministerial, as regras prestam-se a orientar o próprio
Ministério do Trabalho no âmbito da sua atuação, especificamente para as
inspeções realizadas pela Fiscalização do Ministério do Trabalho.
(GIAMUNDO NETO, 2018).

Desta forma, por não se aplicar mais a MP 808/2018, as disposições


referentes ao trabalho intermitente deverão ser aplicadas conforme a redação
original da Lei nº 13.467/2017, havendo, ainda, como orientação, a Portaria nº 349,
do MTE.

3.2 O trabalho Intermitente e os requisitos da relação de emprego

O contrato de trabalho intermitente destaca-se pela possibilidade do


trabalhador exercer a sua função de forma não contínua, podendo este recusar a
convocação feita pelo empregador, o que gera uma quebra na previsão do conceito
de empregado disposto no art. 3º da CLT (BRASIL, 1943). Nos termos do referido
artigo, para ser considerado empregado é necessário cumprir todos os cinco
requisitos da relação de emprego, quais sejam: pessoa física, pessoalidade,
onerosidade, subordinação e não eventualidade; sendo imprescindível a presença
de todos para a configuração da relação de emprego.
De inicio, para Mauricio Godinho Delgado (2014, p. 295) para que seja
configurada a relação de emprego faz-se necessário que o trabalho exercido pelo
empregado seja realizado de forma permanente, mesmo que por um período
pequeno, no qual não seja qualificado como um trabalho esporádico.
23

Observa-se, contudo, em consonância com os artigos 433, §3º e 452-A, §§1º


e 2º da CLT (2017), o trabalhador intermitente deverá prestar o serviço com
subordinação, de forma não continua, devendo ocorrer de maneira alternada entre
os períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados por horas, dias
ou meses. O empregado será convocado pelo empregador para exercer sua
atividade com antecedência de no mínimo três dias úteis, sendo que, após o
recebimento da solicitação, o empregado terá até um dia útil para aceitar tal
convocação.
Nota-se, portanto, que não há previsão legal de uma exigência mínima de
convocações, ou de dias e horários trabalhados, presumindo por tanto que se trata
de uma modalidade de trabalho eventual.
Vale destacar que, para alguns estudiosos sobre o tema, o contrato de
trabalho intermitente, por ser eventual, não poderia ser caracterizado como
emprego, embora haja previsão legal. Sobre tal prisma, para Fernando Cesar
Teixeira França (2017), “aquele que presta serviços em caráter eventual, não é
considerado empregado, mesmo que presente os requisitos da pessoalidade e da
subordinação” (FRANÇA apud D’AMORIM, 2018, p.44)
Desta forma, indaga-se com a falta do requisito da não eventualidade,
haveria alteração da relação de emprego daqueles submetidos ao trabalho
intermitente? Esta lacuna ainda não foi preenchida pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
Outro ponto importante é relacionado à subordinação. Apesar de haver a
previsão legal de que mantém o caráter de subordinação após a recusa do
empregado em prestar serviço após a convocação do empregador, pode-se dizer
que tal requisito é discutível, em face do previsto no art. 3º da CLT (BRASIL, 1943),
para a caracterização da relação de emprego.
Sergio Pinto Martins (2014) considera subordinação quando: “O obreiro
exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido. O
empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo
empregador” (MARTINS, 2014, p.107).
Desta forma, analisando a possibilidade do empregado recusar a convocação,
se fosse observada a situação tendo como parâmetro a relação de emprego clássica
(art. 3º da CLT), o trabalhador estaria desobedecendo as ordens do empregador,
24

sendo assim, insubordinado, podendo ser aplicado a ele até mesmo dispensa por
justa causa.
Mariana Correia D’Amorim (2018) critica a manutenção da subordinação no
caso do trabalho intermitente, sendo para ela, a mitigação do princípio da
subordinação aplicada em favor do empresário, vejamos:

Nesse caso, há uma evidente contradição em relação ao que reza o


princípio da subordinação. Estaria Havendo, uma mitigação deste princípio
para atender aos interesses da atividade empresarial? Para a conveniência
do empregador em ter a direção e o controle sobre o trabalhador está
prevista a subordinação, mas para favorecer este mesmo empregador em
relação à flexibilidade de jornada, tempo de prestação de serviços e
barateamento de custos, a legislação abre mão da subordinação, ao admitir
a recusa do trabalhador a uma convocação de trabalho. O que ocorre é que
a subordinação, que é decorrente de qualquer contrato de trabalho, no caso
do trabalho intermitente está condicionada à aceitação da convocação pelo
empregado. (D’AMORIM, 2018, p. 44)

Porém, mesmo após as críticas tecidas acima, ante a existência da previsão


legal do parágrafo terceiro do art. 452-A de CLT (2017), a recusa do empregado à
oferta feita pelo empregador não irá descaracterizar a subordinação para fins do
contrato de trabalho intermitente, permanecendo assim, apenas a violação do
requisito da não eventualidade, por não haver previsão legal resguardando este
requisito da relação de emprego.
Por fim, verifica-se que os demais requisitos da relação de emprego, ou seja,
trabalho realizado por pessoa física, prestado por certa e determinada pessoa e
mediante pagamento pelo serviço prestado, encontram-se respaldados pelo art. 452-
A da CLT (2017) em seus parágrafos.

3.3 Das vantagens e desvantagens do Trabalho Intermitente

Um ponto importante a ser destacado em relação à nova modalidade de


contrato de trabalho individual na forma intermitente é a existência de pontos
positivos e negativos perante a doutrina e estudiosos do Direito.
Para William Fernandes Chaves (2018), como vantagens a favor do
empregado, destaca-se a disponibilidade de prestar serviços a outras empresas,
pois o tempo de inatividade não será considerado tempo à disposição do
empregador. Ou seja, o empregado poderá mediante contrato intermitente ser
contratado por mais de um empregador, podendo laborar com outros empregadores
25

enquanto não for convocado. Tal possibilidade está prevista no art. 452-A da CLT
(2017).
Contudo, conforme posicionamento de Renan Leite Vieira (2018), diante do
grande número de desempregados no Brasil, é praticamente impossível que o
trabalhador consiga obter dois ou mais empregos desta forma, fazendo com que tal
norma possa não surtir o efeito esperado.
Outra vantagem destacada é em favor do empregador, no qual este poderá
contratar devido a sua demanda, com um custo reduzido, conforme Willian
Fernandes Chaves (2018):

Quanto aos empregadores, estes passam a ter uma série de benefícios,


que podem mais claramente ser observados na flexibilidade em se
contratar, por exemplo, trabalhadores domésticos, professores, vendedores
que atuam no varejo em finais de ano, trabalhadores na construção civil, em
restaurantes, entre outros setores profissionais. Em alguns casos, essa
nova modalidade de contrato reduzirá significativamente os custos
referentes à remuneração de colaboradores. (CHAVES, 2018).

Porém, vale ressaltar, que apesar de haver ponto positivo ao empregado que
poderá realizar, em tese, mais de um contrato, a flexibilização trazida pela nova
norma beneficia o empregador ao passo de poder reduzir os gastos contratando
empregados intermitentes, podendo levar a diminuição de contratações por tempo
integral, como as outras formas de contrato.
Já em relação às desvantagens, destaca-se a própria intermitência, na qual o
empregado, apesar de possuir vínculo empregatício, não possui a certeza de que irá
laborar de forma efetiva, tampouco a garantia de um salário mínimo fixo. Tal
situação poderá gerar ao trabalhador impactos físicos e psicológicos, haja vista a
falta de rotina e de organização financeira, ante a intermitência do trabalho.
Sobre esse prisma, aduz sobre o assunto Marilane Oliveira Teixeira, Andréia
Galvão, José Dari Krein e Magda Barros Biavashi (2017):

Além dos impactos físicos, a incerteza quanto à jornada desemboca no


descontrole da própria rotina do trabalhador. Isso gera imediato impacto na
organização de sua vida social, assim como na própria vida profissional,
devido ao trabalho excessivo e à jornada imprevisível, dificultando a
possibilidade de capacitação via cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e
acúmulo de novos conhecimentos. Tudo isso pode desencadear doenças
psíquicas e perda de interesse em demais aspectos da vida. De novo, uma
questão de saúde pública. (TEIXEIRA, GALVÃO, KREIN e BIAVASCHI,
2017, p.42).
26

Outra desvantagem pode ser destacada pela quantidade de recusa que o


empregado pode fazer em face da convocação ao trabalho, realizada pelo
empregador.
Apesar de ser uma possibilidade, a recusa por parte do empregado pode
levar a situação de não ser mais convocado, haja vista que, no momento em que foi
necessária a prestação de serviço, aquele recusou, fazendo com que possa não ser
mais convocado pelo tomador de serviços, que dará prioridades àquele que
prontamente tenha aceitado, conforme exposto por Mariana Correia D’Amorim
(2018):

Observa-se que, apesar de não haver proibição quanto à recusa ao


chamado, na prática, os empregados que reiteradamente declinem o
serviço acabarão deixando de ser chamados, vez que o empregador dará
prioridade àqueles que costumam aceitar o chamado com assiduidade. É
importante ressaltar, que a legislação não deixa explícito quantas vezes o
trabalhador poderia recusar à oferta de trabalho, deixando uma lacuna não
preenchida. Como não há um limite à recusa regulamentado por lei, a sua
ocorrência torna o trabalhador ainda mais vulnerável à subjetividade do
julgamento do empregador. (D’AMORIM, 2018, p.31)

Mais uma desvantagem a ser destacada é a ausência da fixação de jornada


de trabalho específica ao empregado, conforme exposto por Renan Leite Vieira
(2018):

[...] outra desvantagem do trabalho intermitente é com relação à ausência


de uma jornada de trabalho específica. Em que pese o fato de haver uma
equiparação salarial, pode-se questionar a constitucionalidade deste tipo de
contrato, posto que, ao não estabelecer uma carga horária mínima de
trabalho, o empregado fica desemparado quanto à sua remuneração
mensal, o que viola, em tese, o disposto no art. 7º, IV, da Constituição
Federal. (VIEIRA, 2018).

Mariana Correia D’Amorim (2018) relata em sua dissertação que mesmo


havendo a equiparação do trabalhador intermitente na hora trabalhada dos demais
empregados não submetidos a essa modalidade, o fato de não haver previsão legal
das horas a serem trabalhadas, não haverá garantia que o empregado intermitente
conquiste o salário mínimo mensal previsto constitucionalmente, vejamos:

Uma das críticas mais comuns acerca do trabalho intermitente é que,


apesar de garantir a proporcionalidade salarial em relação aos demais
empregados que não estão submetidos a este tipo de contrato, este não
prevê um número mínimo de horas a serem trabalhadas. Neste sentido,
observa-se que a legislação é omissa, não estabelecendo qualquer
27

exigência quanto à jornada mínima e, consequentemente, não trazendo


nenhuma garantia de que ao final do mês, o empregado terá trabalhado
uma quantidade de horas suficiente para alcançar o salário mínimo. Tanto é
assim, que há a previsão de que o trabalhador deve complementar o
recolhimento à previdência social, caso o valor do seu salário não alcance o
teto inicial da previdência, que é o salário mínimo. Ora, a CF/88 estabelece
que o trabalhador deve receber um salário mínimo, fixado em lei e ainda
“capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família
com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social”. Sob esta perspectiva, a falta de previsão de
um número mínimo de horas de trabalho que garantam o atendimento a
essas necessidades, não estaria indo de encontro à Constituição?
(D’AMORIM, 2018, p. 38).

Dentre as vantagens e desvantagens apresentadas, nota-se que a


flexibilização das normas trabalhistas, ao inserir a modalidade de trabalho
intermitente como uma possível forma de diminuição de desemprego e dos serviços
informais, acaba por sua vez prejudicando o trabalhador, retirando possíveis direitos
anteriormente já consagrados. Nessa situação, observa-se facilmente a diminuição
da proteção do trabalhador para que sejam resguardados os interesses dos
empregadores em uma mão de obra mais barata com maiores ofertas.
28
29

4. O DIREITO DO TRABALHO FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Com a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte, em outubro de 1988


foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, sendo essa
reconhecida como Constituição Cidadã. Tal norma, conforme Vólia Bomfim Cassar
(2014, p. 55), encontra-se no topo da hierarquia das normas jurídicas, pois é ela que
confere fundamento e eficácia a todas as demais regras existente no país.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) fora recepcionada com o advento
da Constituição Federal de 1988 (CF/88), porém alguns de seus artigos tiveram
revogação tácita devido às disposições da “nova” CF/88. Contudo, houve a inclusão
de direitos e princípios trabalhista na dita Constituição Cidadã.

4.1. A evolução do Direito do Trabalho até Constituição de 1988

O trabalho sempre esteve inerente à figura do ser humano, haja vista a


necessidade de seu sustento através dele, bem como a sua realização pessoal por
intermédio de sua atividade laboral. Para isso, se fez necessário à menção do
trabalho desde a primeira Constituição do Brasil, ainda como Império, em 1824.
Na Constituição Política do Império do Brasil de 1824 (BRASIL, 1824), o
trabalho era sutilmente previsto no art. 179 em dois incisos, o primeiro dispunha
sobre a impossibilidade de proibir algum gênero de trabalho, e o outro sobre a
erradicação das Corporações de ofício, conforme disposto a seguir:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte:[...] XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou
commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes
publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. XXV. Ficam abolidas as
Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres. (BRASIL,
1824).

Nota-se, portanto, que a Constituição de 1824 apenas não proíbe o trabalho e


aboliu as Corporações de Oficio. Porém, não há preocupação alguma como a
regulamentação do trabalho e seus trabalhadores.
Logo após a proclamação da República, foi promulgada em 1891 a primeira
Constituição da República. Nesta, em que pese ao trabalho, tratará da liberdade de
associação, conforme previsto no art. 72, §8º desta Constituição (BRASIL, 1891).
30

Conforme expõe Alice Monteiro de Barros (2011, p.56), a Constituição da


República de 1934 foi a primeira a tratar da ordem econômica e social, dispondo, no
art. 120, que os sindicatos e associações profissionais começam a ser reconhecidos,
quando em conformidade com a lei.
Ainda em relação à Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), foi a primeira a
trazer em seu corpo, disposições sobre a proteção ao trabalhador e a condição de
trabalho que devem ser seguidas, nos termos do art. 121, §1º:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as


condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção
social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A
legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que
colimem melhorar as condições do trabalhador: a) proibição de diferença
de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer,
conforme as condições de cada região, às necessidades normais do
trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas
só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição de trabalho a
menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias
insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso hebdomadário,
de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g) indenização
ao trabalhador dispensado sem justa causa; h) assistência médica e
sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e
depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de
previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do
empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes de trabalho ou de morte; i) regulamentação do exercício de todas
as profissões; j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho.
(BRASIL, 1934).

Sendo assim, Alice Monteiro de Barros (2011, p. 57-58) acentua as


regulamentações trazidas pela Constituição, assim como as lacunas que
continuaram sem previsão constitucional:

Pelo que se pode constatar, foi essa a primeira Constituição a tratar do


salário mínimo, da jornada de oito horas, das férias anuais remuneradas, da
proibição de qualquer trabalho a menores de 14 anos, do trabalho noturno a
menores de 16 anos e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e
mulheres. Essa mesma Constituição assegurou indenização ao trabalhador
dispensado sem justa causa; repouso hebdomadário, de preferência aos
domingos. Não dispôs, entretanto, sobre sua remuneração, tampouco
estendeu o descanso aos dias santos e feriados. A Constituição de 1934
dedica atenção especial à maternidade, deixando claro que a licença
correspondente se faz sem prejuízo do salário e do empregado, mas
mediante a instituição de previdência a cargo da União, do empregador e do
empregado. Proíbe-se diferença de salário para o mesmo trabalhado por
motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. (BARROS, 2011, p.
57; 58).
31

Outra previsão no texto constitucional importante é a instituição da Justiça


do Trabalho como um órgão administrativo, não integrante ao Poder Judiciário, para
dirimir questões entre empregadores e empregados, conforme art. 122 da
Constituição Federal (1934).
Em seguida, no ano de 1937 foi promulgada nova Constituição, que trata
sobre o direito do trabalho junto ao texto da ordem econômica. Os direitos
trabalhistas, sendo esses individuais, coletivos e processuais, possuíam previsão
nos artigos 136 a 140 (BRASIL, 1937). Dentre os direitos já relacionados na
Constituição anterior, foram inseridos mais alguns e em contra partida retirado
outros, à título de exemplo respectivamente: a inserção da remuneração do trabalho
noturno superior a do diurno e a omissão quanto à licença-maternidade sem prejuízo
ao emprego, permanecendo apenas sem prejuízo ao salário, podendo ser a
empregada gestante dispensada no ciclo gravídico (BARROS, 2011, p. 59) .
Dentre as alterações trazidas, vale salientar o não reconhecimento do
direito de greve aos trabalhadores, segundo o art. 139, parágrafo único (BRASIL,
1937).
Posteriormente à promulgação da CLT, é outorgada outra Constituição no
ano de 1946 (BRASIL, 1946), que, assim como ressaltam Elizabet Leal da Silva e
Gilberto Stürmer (2015),

[...] os direitos sociais trabalhistas foram mantidos no âmbito da ordem


econômica e social, e a Justiça do Trabalho foi incorporada ao Poder
Judiciário fazendo parte do Título da organização federal, tendo sua
estruturação prescrita nos artigos 122 e 123[...]. (SILVA; STURMER. 2015).

A Constituição de 1967, por sua vez, manteve os diretos sociais previstos


anteriormente. Contudo, outras importantes alterações foram trazidas pela Emenda
Constitucional nº 1, de 1969, conforme Alice Monteiro de Barros (2011) expõe:

A Constituição de 1967 e a Emenda Constituicional n. 1, de 1969,


introduziram a cogestão e o regime do FGTS que, de início, conviveu com a
estabilidade e a da indenização, competindo ao empregado a “opção” por
um deles. O salário-família foi assegurado aos dependentes do trabalhador.
A idade mínima para o trabalho foi reduzida para 12 anos, ao contrário dos
outros textos. A mesma Constituição (1967), no inciso XX, garante a
aposentadoria da mulher aos 30 anos de trabalho, com vencimento integral
[...]. (BARROS, 2011, p.61;62).
32

Vale ressaltar, ainda, que, de acordo com o art. 157, §7º da Constituição
(1967), o direito de greve foi garantido, sendo esse proibido aos serviços públicos e
atividades essenciais, definidas em lei.
Hoje com o advento da Constituição Federal de 1988, o trabalho é tratado
em vários dispositivos. De inicio, o art. 1º, IV prevê, como fundamento da República
Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (BRASIL,
1988). Já no art. 5º, XIII, reconhece como ‘‘livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’’.
Por outro lado, os direitos envolvendo diretamente o trabalhador e a
regulamentação dos sindicatos são estabelecidos pelos artigos 6º a 11, elencados
no Capítulo dos direitos sociais.
Sobre esse prisma George Marmelstein (2011, p. 205) aduz:

Esses direitos possuem uma função diferente da função dos demais direitos
fundamentais, pois eles têm como principal destinatário as empresas
privadas e não o Estado. São, portanto, normas que limitam o poder de
direção do empregador como vistas a proporcionar condições mais dignas
de trabalho. Para isso, o constituinte estabeleceu uma série de garantias
mínimas a serem observadas na relação trabalhista, sem prejuízo de outras
estabelecidas em lei, tratados internacionais ou até mesmo acordos entre
patrões e empregados. (MARMALSTEIN, 2011, p. 205)

Importante acrescentar o quanto o rol dos direitos trabalhistas,


principalmente aqueles voltados para a proteção do trabalhador, trazidos na
Constituição vigente, teve um acréscimo desde as primeiras constituições.
Estabelecendo como base do direito do trabalho, o art. 7º da CF/88 prevê as
garantias mínimas constitucionais aos trabalhadores, fazendo com que o
hipossuficiente da relação trabalhista, ou seja, o trabalhador tenha uma proteção
maior frente ao empregador.
Há previsão, ainda, do trabalho como fundamento da ordem econômica
(art. 170) e a ordem social tendo como base o primado do trabalho (art. 193). Possui
também, no art. 186, inciso III, previsão que a função social da propriedade será
atendida quando observadas as disposições que regulam a relação de emprego
(BRASIL, 1988).
Nota-se, portanto, que além dos direitos inerentes ao trabalhador já
previstos anteriormente das constituições, a CF/88 aponta avanços relacionados ao
33

trabalho, principalmente como sendo fundamento da ordem econômica e social que,


tal como explica Eros Roberto Grau (2014):

A valorização do trabalho humano e o reconhecimento do valor social do


trabalho constituem em cláusulas principiológicas que portam em si
evidentes potencialidades transformadoras, e em interação aos demais
princípios constitucionais, revelam o primado do trabalho na conformação
da ordem econômica, ou seja, como prioridade sobre os demais valores da
economia de mercado. (GRAU,2014, apud, SILVA, 2018, p. 23).

Desta forma, tendo em vista a proteção da pessoa do trabalhador e


buscando a dignidade da pessoa humana tratada como principio fundamental,
prevista no art. 1, III, da CF/88 (BRASIL, 1988), tratar a valorização do trabalho
como fundamento da ordem econômica possui, mais uma vez, a finalidade
assegurar ao ser humano a vida digna.
Neste sentido, sendo o trabalho previsto na Carta Magna como princípio
fundamental, social e fundamento da ordem econômica e social, Jorge Miranda
(2000) em uma visão constitucional expõe sobre a proteção do principio da
dignidade da pessoa humana:

Quanto fica dito demonstra que a Constituição, a despeito do seu caráter


compromissório, confere uma unidade de sentido de valor e de
concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na
dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1, ou seja, na concepção
que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.
Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades, e garantias
pessoais e dos direitos económicos sociais e culturais comuns têm a sua
fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. (MIRANDA, 2000,
p. 180-181).

Por fim, conforme José Joaquim Gomes Canotilho (2003), a Constituição, ao


tratar do direito do trabalho não se preocupou em criar um capítulo exclusivo a esse
tema por dois motivos:

A Constituição não dedica qualquer capítulo especial a uma constituição


do trabalho. Isto compreende-se por dois motivos fundamentais: (1) dado
os preceitos constitucionais do trabalho se reconduzirem a normas de
garantias do direito ao trabalhado, do direito de trabalho e dos direitos aos
trabalhadores, a Constituição vincou a sua inequívoca dimensão subjectiva
e o seu carácter de direitos fundamentais; (2) superando a tendência
clássica (com justificação histórica) pata caracterizar o direito do trabalho
como simples direito de proteção (orientação pretectiva no direito de
trabalho), a Constituição erigiu o trabalho, o emprego, os direitos dos
trabalhadores e a intervenção democrática dos trabalhadores em elemento
constitutivo da própria ordem constitucional global e em instrumento
34

privilegiado de realização do princípio da democracia económica e social.


(CANOTILHO, 2003, p. 346-347).

Há que ressaltar, dentre os avanços trazidos pelas constituições, como


exposto, deve-se ressaltar a importância da analise e interpretação das leis
infraconstitucionais frente à Constituição. Tal analise feita em face da Carta Magna,
conforme expõe Lívia Talita Soares Silva (2018, p. 21), faz surgir expressão da
constitucionalização do Direito do Trabalho.
Cléber Lúcio de Almeida e Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida (2017)
conceituam a constitucionalização do Direito do Trabalho:

A constitucionalização do Direito do Trabalho significa o processo de


inclusão de regras e princípios do Direito do Trabalho na Constituição
(constitucionalização formal do Direito do Trabalho) e de
conformação/transformação, por força destas regras e princípios, do
ordenamento jurídico laboral, no momento da sua criação, interpretação,
aplicação e análise e crítica doutrinária, bem como das relações individuais
e coletivas de trabalho (constitucionalização substancial do Direito do
Trabalho). (ALMEIDA; ALMEIDA, 2017, p. 83, apud, SILVA, 2018, p. 21).

Sendo assim, observada a existência de direitos e garantias de trabalho


em todo o corpo da Constituição Federal, faz-se necessário que as leis
infraconstitucionais sejam aplicadas e formuladas de forma coerente com o que
naquela está previsto, haja vista a constitucionalização do Direito do Trabalho, na
qual impõe forças as regras e princípios frente à Constituição.
35

5. A INCONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE

Faz-se necessária a análise de todas as normas infraconstitucionais em face


da Constituição Federal para que seja analisada sua constitucionalidade. Tal estudo
não é diferente no caso da “Reforma Trabalhista” trazida pela Lei de nº 13.467/2017,
especificamente ao que se refere à nova forma de contrato individual, ou seja, o
Contrato de Trabalho na forma Intermitente.
Dentre as inúmeras novidades trazidas pelo Trabalho Intermitente, algumas já
elencadas anteriormente no que diz respeito à relação de emprego, há ainda
mudanças nessa nova forma de contrato que possui vinculo direto com as previsões
constitucionais.
Inicia-se pela insegurança trazida ao trabalhador pela inexistência de uma
jornada de trabalho fixa prevista no art. 7º, XIII da CF/88; a violação da garantia do
salário mínimo, com previsão constitucional no mesmo artigo mencionado em seus
incisos IV e VII; a possibilidade da ordem econômica no que tange a valorização do
trabalho, sendo essa com previsão no art. 170 da CF/88, bem como a transferência
do risco econômico do empregador para o empregado; e a violação dos demais
princípios constitucionais.
Pelo conceito de Trabalho Intermitente trazido pela Lei nº 13.467/2017, em
que a atividade laborativa poderá ser realizada em períodos de alternância, sendo
esses fixados em horas, dias e meses (BRASIL, 2017), sem que haja uma rotina de
trabalho pré-estabelecida.
A jornada de trabalho é prevista no art. 7º, XIII da CF/88, no qual aduz que:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: [...] XIII - duração do trabalho
normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais,
facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho. (BRASIL, 2017).

Nota-se que na previsão legal do trabalho intermitente não há uma jornada


mínima de trabalho fixa ao trabalhador, fazendo com que esse fique a espera da
convocação do empregador sem ao menos ter uma certeza que será chamado ao
trabalho, gerando assim insegurança.
Lado outro, alguns estudiosos do Direito como William Fernandes Chaves
(2018), elenca como ponto positivo nas contratações desta modalidade a
36

possibilidade de celebrar contrato com mais de um empregador. Contudo, os dados


presentados em março de 2019 pelo Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) demonstram que, apesar do número de contratações
através da modalidade de trabalho intermitente ter aumento em 88% (oitenta e oito
por cento) em comparação com o mês de março de 2018, somente 69 empregados
celebram mais de um contrato nesta modalidade:

Em Março de 2019, houve 10.328 admissões e 4.287 desligamentos na


modalidade de trabalho intermitente, gerando saldo de 6.041 empregos,
envolvendo 2.216 estabelecimentos e 1.720 empresas contratantes. Um
total de 69 empregados celebrou mais de um contrato na condição de
trabalhador intermitente.
Esse resultado representa uma expansão de 2.842 mil empregos (88%)
nessa modalidade na comparação com março de 2018, quando o saldo
observado foi de 3.199 mil empregos intermitentes.
Do ponto de vista setorial, o saldo de emprego na modalidade de trabalho
intermitente distribuiu-se por Comércio (2.301), Serviços (2.256),
Construção Civil (860), Indústria de Transformação (608), Extrativa Mineral
(9), SIUP (4), Agricultura (4) e Administração Pública (0).
As dez principais ocupações segundo saldo de empregos foram: vendedor
de comercio varejista (975 postos); faxineiro (739); vigilante (692); auxiliar
de escritório, em geral (674); operador de caixa (594); assistente
administrativo (545); motorista de caminhão (498); alimentador de linha de
produção (461); porteiro de edifícios (312); e recepcionistas em geral (284).
(ME, CAGED, 2019, grifo do autor)

Desta forma, observa-se que a vontade do legislador em autorizar que o


empregado celebre mais de um contrato de trabalho intermitente, ao mesmo tempo,
para que possa laborar para um enquanto não for convocado por outro empregador
não tem surtido o resultado esperado, haja vista o número mínimo de empregados
com mais de um contrato celebrado simultaneamente.
Além de não haver a fixação de uma jornada de trabalho ao empregado
intermitente e considerando que, pelos dados demonstrados, não há um número de
contratações simultâneas relevante, a falta de uma regulamentação quanto a isso
pode gerar ao trabalhador uma jornada de trabalho excessiva. Nesse sentido,
quando for necessária ao empregador uma produção maior e o empregado for
convocado para tal, poderá trabalhar por mais tempo em busca por uma
remuneração maior, já que não possui estabilidade quanto ao seu salário.
Neste sentido, Aarao Miranda da Silva (2017) expõe:

Pela ótica da empresa-empregador esta forma de contratação será um


mecanismo que reduz custos, aumenta a lucratividade, pois em momentos
de baixa produção o trabalhador poderá ter seu contrato de trabalho com
37

jornada e salários reduzidos permitindo assim, ajuste operacional, e


quando de produção excessiva o trabalhador, já treinado e efetivo da
empresa que estava com o contrato paralisado ou em menor “ritmo” de
produção, votará a trabalhar e até a fazer horas extras. (SILVA, A., 2017).

Assim, a forma intermitente de trabalho, mesmo devendo ser pactuada em


horas, dias e meses não especifica ao empregado a jornada de trabalho a ser
cumprida, haja vista a possibilidade de ser convocado ou não. Nesse contexto, o
trabalhador não tem controle sobre seu tempo de trabalho, podendo este ser
reduzido ou aumentado, bem como ser exercido em finais de semana, o que
prejudica o planejamento de sua vida social.
Outra insegurança sofrida pelo trabalhador submetido a esse regime é o
cumprimento da garantia constitucional do salário mínimo (art. 7º, IV e VII, CF/88).
Tal salário tem a finalidade de garantir ao trabalhador o seu sustento e o da
sua família, abrangendo ainda, lazer, saúde, vestuário, higiene, entre outros. É
garantido também ao empregado que receba um salário, não inferior ao mínimo,
quando sua remuneração for variável (BRASIL, 2017).
Diferentemente do mencionado constitucionalmente, o trabalhador
intermitente receberá de acordo com a sua atividade exercida, ou seja, receberá
somente pelo tempo de serviço prestado, não sendo garantido a ele uma
remuneração mínima (salário mínimo). Isso faz com que o empregado que labora
por apenas quatro horas em dois dias de serviço no mês receba apenas o
equivalente às oito horas trabalhadas, por exemplo.
Sobre tal viés, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017)
expõem:

[...] a noção do salário sofre tentativa de desestruturação pela Lei da


Reforma Trabalhista: conceituando como a parcela contraprestativa devida
e paga pelo empregador a seu empregado em virtude da existência do
contrato de trabalho, a verba salarial pode ser por unidade de tempo (salário
mensal fixo – o tipo mais comum de salário), por unidade de obra (salário
mensal variável, em face de certa produção por parte do obreiro), ou por
critério misto (denominado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de
cálculo).
Lidos, apressadamente e em sua literalidade, os novos preceitos jurídicos
parecem querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor: o
salário poderá existir, ocasionalmente, se e quando o trabalhador for
convocado para o trabalho, uma vez que ele terá o seu pagamento devido
na estrita medida desse trabalho ocasional. (DELGADO; DELGADO, 2017,
p.154-155)
38

Destaca-se que, em 25 de junho de 1957, foi ratificado pelo Presidente da


República a Convenção de nº 95 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
que dispõe sobre à proteção ao salário. Nesta convenção, o art. 4º alínea “b”
(BRASIL, 1957) salienta que:

ARTIGO 4º 1. A legislação nacional, as convenções coletivas ou as


sentenças arbitrais podem permitir o pagamento parcial do salário em
espécie nas indústrias ou nas profissões em causa. O pagamento do salário
sob forma de bebidas alcoólicas ou de drogas nocivas não será admitido em
caso algum. 2. Nos casos em que o pagamento parcial do salário em
espécie é autorizado, serão tomadas medidas apropriadas para que:
a) as prestações em espécie sirvam para o uso pessoal do trabalhador e de
sua família e lhes tragam benefício; b) o valor atribuído a essas
prestações seja justo e razoável. (BRASIL, 1957, grifo nosso).

Portanto, por receber de forma irregular e não ter a garantia do quantum a ser
recebido, o planejamento econômico do trabalhador e de sua família fica
comprometido, uma vez que tais mudanças não asseguram um valor mínimo fixo
para suprir suas necessidades básicas, violando assim o dispositivo constitucional e
a convenção da OIT.
Outro ponto importante a ser ressaltado é o fundamento da ordem econômica
na valorização do trabalho (art. 170, CF/88), em especial a observância do principio
da busca pelo pleno emprego previsto no inciso VIII. Havendo violação os direitos
inerentes aos trabalhadores (jornada de trabalho e direito ao salário mínimo), não há
como se falar em valorização do trabalho, tampouco a busca pelo pleno emprego,
haja vista que a finalidade de tais institutos é de “assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social” (BRASIL, 1988).
Para Eros Roberto Grau (2014) qualquer norma que não seja compatível com
a valorização do trabalho será considerada inconstitucional, senão vejamos:

a ordem econômica tem de necessariamente estar fundada na valorização


do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem de necessariamente ter por
fim assegurar a todos existência digna, nos termos da justiça social, desse
modo, qualquer norma jurídica que seja incompatível com a valorização do
trabalho humano e que divirja com a existência digna, conforme os
preceitos da justiça social será institucionalmente inconstitucional. (GRAU,
2014, p. 192; 193, apud, SILVA, L, 2018, p. 23).

Vale ressaltar que o Brasil, por meio do Decreto nº 3.321/1999 (BRASIL,


1999), promulgou o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ("Protocolo de
39

São Salvador”) que, por força de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do


Recurso Extraordinário (RE) 466343/SP (BRASIL, RE 466343/SP 2008), possui
força supralegal. Assim, o art. 6º de tal protocolo prevê:

Artigo 6 Direito ao Trabalho 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que


inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e
decorosa através do desempenho de atividade lícita, livremente escolhida
ou aceita. 2. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar medidas que
garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as
referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao
desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional,
particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados-Partes
comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que
coadjuvem o adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha
real possibilidade de exercer o direito ao trabalho. (BRASIL, 1999, grifo
nosso).

Desta forma, pelo fato do Brasil ser signatário ao Protocolo de São Salvador e
ante o caráter supralegal da disposição, as leis deverão ser submetidas à análise
dessas normas internacionais.
Assim, o trabalho intermitente, trazido pela Lei nº 13.467/2017, por ferir os
direitos dos trabalhadores, confronta a ordem econômica no que diz respeito à
valorização do trabalho, ou seja, a norma infraconstitucional acaba por entrar em
confronto com normas constitucionais e supralegais.
Neste sentido, diante da violação dos direito inerentes ao empregado, pode-
se dizer que o trabalho intermitente fere dois princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil, quais sejam: a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho, previstos no art. 1º, incisos III e IV, respectivamente, da CF/88
(BRASIL, 1988).
Um dos princípios norteadores do Direito do Trabalho é o principio da
proteção. Este tem como fundamental característica a proteção do trabalhador frente
ao empregador por ser o hipossuficiente da relação trabalhista, conforme exposto
por Renato Saraiva (2011):

O principio da proteção, sem dúvidas o de maior amplitude e importância no


Direito do Trabalho, consiste em conferir ao polo mais fraco da relação
laboral – o empregado- uma superioridade jurídica capaz de lhe garantir
mecanismos destinados a tutelar os direitos mínimos estampados na
legislação laboral vigente.
[...]
O principio da proteção, em verdade, insere-se na estrutura do Direito do
Trabalho como forma de impedir a exploração do capital sobre o trabalho
humano, impossibilitando a melhoria das condições de vida dos
40

trabalhadores e permitindo o bem-estar social dos obreiros. (SARAIVA,


2011, p. 32).

Assim, no contrato intermitente o empregado será convocado ao trabalho


quando existir necessidade de mão de obra por parte do empregador, ou seja, este
só trabalhará quando a empresa precisar, passando para o empregado o risco
empresarial. Contudo, segundo o art. 2º da CLT, o que caracteriza o empregador é o
fato de assumir o risco da atividade econômica. Portanto, sujeitar a prestação de
serviços à existência de demanda, irá transferir o risco da atividade econômica do
empregador para o hipossuficiente da relação, violando assim, mais uma vez, os
princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
Outrossim, pode-se relacionar mais uma violação do contrato de trabalho
intermitente frente ao principio da vedação ao retrocesso social que, conforme
exposto por José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 340), deve ser considerado
como forma de proteger os direitos fundamentais, em especial o núcleo essencial
deles. Sendo assim, há uma limitação ao legislador ao estabelecer novas normas
devendo resguardar o núcleo essencial, principalmente quando este possuir ligação
com as garantias mínimas de existência:

Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos


ideológicos ou formulado em termos gerias ou de garantir em abstracto um
status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais sobretudo
no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e
inerente auto-reversibilidade tem como limite o núcleo essencial já
realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do
mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana. (CANOTILHO, 2003, p. 340)

Ademais, a justificativa trazida no Relatório apresentado pelo Deputado


Rogério Marinho (2017, p. 26) da Comissão Especial, é que o Brasil no ano de 2016
havia passado por uma de suas maiores crises econômica e gerou um grande
número de desempregos, argumentando assim pela necessidade de uma reforma
para melhorar o mercado vai de encontro com o principio da vedação ao retrocesso,
como explanado por José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 338-339):

O principio da democracia económica e social aponta para a proibição de


retrocesso social.
A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de
contra-resolução social ou da revolução reaccionária. Com isto quer dizer-
se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores,
41

direitos à assistência, direito à educação), uma vez obtido e, determinado


grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia
institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada
pode fazer contra as recessões e crises económicas (reversibilidade
fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade os direitos
adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de
saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da
segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo
essencial da existência mínimo inerente aos respeito pela dignidade da
pessoa humana. (CANOTILHO, 2003, p. 338; 339, grifo do autor).

Desta forma, Renato da Fonseca Janon (2016) salienta que, por haver
violação de incisos IV e XIII do art. 7º da CF/88 pela nova forma de contrato
individual, há então nítida violação de clausula pétrea, assim como violação dos
núcleos essenciais. Desta forma, qualquer legislação que causa supressão destes
princípios sociais violará o principio da vedação ao retrocesso social, no qual
consequentemente estará ferindo a Constituição Federal.
Por derradeiro, acrescenta-se que estão em curso no Supremo Tribunal
Federal (STF) quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), segundo o site
do STF, referentes as disposições previstas na Lei nº 13.467/2017 ao que diz
respeito ao trabalho intermitente.
A primeira ADI de nº 5.806 ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores de Segurança Privada (Contrasp), alega violação ao direito ao salário
mínimo e grave flexibilização do princípio protetor, que rege do direito do trabalho
(NOVA..., 2017)
A segunda de nº 5.826 interposta pela Federação Nacional dos Empregados
em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro),
traz como inconstitucionalidade a

precarização da relação de emprego, servindo inclusive de desculpa para o


pagamento de salários inferiores ao mínimo constitucionalmente
assegurado e que não atendem às necessidades básicas do trabalhador e
de sua família, no tocante à moradia, alimentação, educação, saúde e lazer.
(CONFEDERAÇÃO..., 2017).

Ajuizada pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de


Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenattel), a ADI de nº 5.829
aponta vários questionamentos relacionados ao trabalho intermitente, entre eles
estão: permitir remuneração abaixo do salário mínimo; violação ao princípio da
isonomia; e contrariedade à vedação ao retrocesso social (ENTIDADE..., 2017).
42

Já a ultima ADI a ser interposta é a de nº 5.950 da Confederação Nacional


dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), nesta ação a confederação defende que o
contrato intermitente de trabalho é atípico, uma exceção ao contrato formal de
trabalho, uma vez que não prevê horário fixo nem de jornada de trabalho a ser
cumprida (seja diária, semanal ou mensal) (SUPREMO..., 2018).
As quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade possuem como relator atual
o Ministro Edson Fachin e todos estão conclusos, de acordo com acompanhamento
processual realizado no site do STF no dia 05 de junho de 2019. Como já dito
anteriormente, os pontos elencados pelas ADIs estão em consonância com o
debatido no presente trabalhado, ante a nítida violação do contrato de trabalho
intermitente em face dos preceitos fundamentais da Constituição da República.
43

6. CONCLUSÃO

Dentre as inúmeras alterações da Consolidação das Leis Trabalhistas


trazidas pela Lei de nº 13.467/2017, houve a inclusão do novo modelo de contrato
individual de trabalho intitulado “trabalho intermitente”.
Por tratar-se de algo novo e possivelmente inovador frente aos modelos já
existentes, foram encontradas em suas previsões legais lacunas que geram
discursões sobre a sua vigência e constitucionalidade. A finalidade, inicial de tal
modalidade, era de acompanhar os avanços sociais e as relações de emprego.
Contudo, a flexibilização trazida pelo trabalho intermitente ao invés de abranger
empregador e trabalhador, desenvolveu-se de uma forma a beneficiar aquele e
desvalorizar este.
O intuito da presente pesquisa é analisar em contraponto à Constituição a
nova modalidade de trabalho individual, especialmente em relação aos princípios
fundamentais e sociais, assim como a valorização do trabalho, a dignidade da
pessoa humana e a vedação ao retrocesso social.
O contrato, tal como se apresenta, fere alguns dos requisitos para a
configuração de emprego elencados na CLT, sendo eles a não eventualidade e a
subordinação, apesar de haver previsão legal resguardando a manutenção do
segundo requisito mencionado mesmo diante da recusa por parte do empregado em
aceitar a convocação.
A forma como o trabalho intermitente está regulamentada limita e priva o
trabalhador de direitos que foram garantidos através de inúmeras lutas e
revoluções ao longo da história deste país, violando o princípio da dignidade da
pessoa humana, ao transferir para o trabalhador o risco empresarial que é dever do
empregador. Desta forma, por tornar-se a mão de obra mais barata, o trabalho se
torna precário, minimizando o empregado em matéria-prima da produção do
empregador.
Dentre os princípios sociais constitucionais, podem ser elencados como
violações trazidas nessa modalidade o pagamento de um salário mínimo mensal ao
empregado em dois sentidos. Primeiro, por realizar atividade de forma não eventual
e o recebimento de seu salário relacionar-se com a sua prestação de serviço, não
sendo assegurado ao obreiro o salário mínimo constitucional. Segundo, porque
dependendo do número de convocações, o salário recebido pelo empregado, não
44

conseguirá garantir as necessidades vitais básicas para si e sua família, conforme


art. 7º, IV da CF/88. Outra violação dos princípios constitucionais é a inexistência de
uma jornada de trabalho previamente fixada, o que poderá desenvolver no
empregado desgaste emocional.
Desta forma, por estarmos em um Estado Democrático de Direito, violar os
direito já conquistados anteriormente, faz-se um afronto ao princípio da vedação ao
retrocesso social.
Conclui-se, portanto, que diante do cenário de crise econômico-social em que
o país se encontra, não justifica, no Estado Democrático de Direito, permitir que o
interesse econômico se sobreponha aos direitos dos trabalhadores. O que se espera
é que as mudanças proporcionem melhorias das condições de trabalho, e não ao
contrário como está sendo diante do contrato de trabalho intermitente. É
imprescindível garantir os direitos já conquistados.
45

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