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44 anos do Golpe de Estado no Chile e o seu conteúdo

de classe anti-operário

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País: Chile

/ Antifascismo e anti-racismo

/ Fonte: Esquerda Diário


[Tradução: Lara Zaramella] Os primeiros movimentos de tropa
começaram na madrugada do dia 11 de setembro. Às seis da
manhã, efetivos navais ocuparam as ruas da cidade portuária
chilena de Valparaíso e as nove da manhã já se escutavam
disparos na capital, Santiago, que terminaram ao meio dia com
o bombardeio no palácio da presidência La Moneda. O golpe
anti-operário estava em curso.

O Golpe de Estado do dia 11 de setembro de 1973 teve um claro


conteúdo de classe. Os empresários nacionais e estrangeiros,
donos das fábricas e empresas, dos monopólios das riquezas
nacionais, estavam perdendo seu poder e viam ameaçada as
bases de sua dominação.

A classe operária já não se limitava ao programa de governo da


Unidade Popular, estava mais adiante. Com a nacionalização do
cobre e a criação da Área de Propriedade Social proposta pelo
governo de Allende, que permitiu nacionalizar o cobre e outras
áreas da economia, a classe trabalhadora iniciou seu próprio
programa de toma das fábricas e expropriação, sobretudo
impulsionado pelos Cordões Industriais, organismos que se
formaram a meados do ano de 1972 como uma resposta à
paralisação patronal dos empresários e dos caminhoneiros.

Os Cordões Industriais se colocaram como uma organização de


trabalhadores a nível local (na fábrica), territorial (no bairro e
junto a outras organizações da zona) e tendencialmente
nacional (contando com uma coordenação dos Cordões
Industriais), ainda que não conseguiram se desenvolver como
produto do golpe do Estado. Iniciaram um processo de toma de
fábrica, para enfrentar o fechamento pelas patronais; se
preocuparam dos problemas do abastecimento – afetado pela
paralisação de transportes – e da distribuição, fazendo
convênios entre fábricas, com organizações populacionais e
sociais para distribuir seus produtos; também da gestão das
empresas. Embrionariamente, eram organismos de
auto-organização e independência de classe que começavam a
declarar o problema do poder a nível territorial e
potencialmente no poder político e no Estado.

Os Cordões Industriais foram criticados pela CUT, que os


acusava de paralelismo e estiveram em permanente tensão com
Allende e o governo. Como declarava uma carta do Comando
Coordenador dos Cordões, datada em 5 de setembro de 1973:
“Antes, tínhamos o medo de que o processo até o Socialismo
estava se dando para chegar a um governo de centro,
reformista, democrático-burguês, que tendia a desmobilizar as
massas ou leva-las a ações de rebeldia do tipo anárquico por
instinto de preservação. Mas agora, analisando os últimos
acontecimentos, nosso medo já não é mais esse, agora temos a
certeza de que estamos em um caminho que nos levará
inevitavelmente ao fascismo”.

Depois do bombardeio ao palácio da presidência La Moneda e o


suicídio de Allende, os partidos da Unidade Popular e o MIR se
recolhem. Tinha sido feito o chamado de não resistir. Nas
fábricas e nos cordões, centenas de trabalhadores esperaram
por horas e dias a chegada das armas ou dos militares
constitucionais que a Unidade Popular falava. A única coisa que
chegou foram as invasões massivas, em que milhares de
pessoas foram detidas e levadas aos campos de detenção,
enquanto se produziam as primeiras execuções.

Em síntese, o golpe de Estado e a Ditadura tiveram como


primeiro objetivo enfrentar o governo da Unidade Popular e
especialmente, a organização operária, popular e estudantil que
se expressava na organização dos Cordões Industriais ou nas
Juntas de Abastecimento Popular, para terminar instalando um
processo refundacional, com a aplicação do modelo neoliberal e
a destruição dos embasamentos tradicionais do poder político
econômico que sustentaram a nação durante largas décadas.

A Ditadura cívico-militar
Depois do Golpe se instalou uma Ditadura cívico-militar que
durou quase duas décadas e que produziu importantes
transformações no país. A Ditadura se sustentou na Doutrina
de Segurança Nacional, considerando como inimigos da nação
as organizações sindicais e de esquerda, utilizando uma política
baseada na repressão e no terror, pré-escrevendo os partidos
políticos e as instituições como o Congresso ou os partidos
políticos, ilegalizando muitas organizações sindicais, impondo o
toque de recolher durante largos períodos, contando com
detenções massivas, invasões à empresas e comunidades,
fechamento de muitos meios de comunicação. As violações aos
direitos humanos foram massivas, com milhares de detidos,
torturados, executados, desaparecidos e exilados.

A Ditadura buscou desmantelar os direitos econômicos,


políticos e sociais, conquistados durante anos pelos
trabalhadores, pelos setores populares e a classe média. No
âmbito econômico foi impulsionada a desregulação e a abertura
aos mercados estrangeiros, o financiamento econômico, a
privatização de empresas e serviços públicos para reorganizar a
estrutura do país; no âmbito político, se instalou o
autoritarismo e se modificou a constituição no ano de 1980,
implementando entre outras coisas, o sistema binominal e os
senadores designados; no âmbito social se promoveu o
individualismo, o consumismo e o medo; em suma, um projeto
associado ao modelo neoliberal que modificou
substancialmente a sociedade chilena.
Para alcançar esse objetivo, era necessário também submeter o
movimento sindical e os trabalhadores, modificando as relações
de trabalho e a estrutura produtiva do país. Não só se reprimiu
e perseguiu as organizações sindicais e seus dirigentes e
ativistas. Além disso, se iniciou um processo de
reestruturalização e autoritarismo para impedir seus
funcionamentos. A CUT e outros sindicatos foram ilegalizados,
expropriando seus locais de encontro. Também se proibiu, com
o Bando Militar nº 36, o direito a greve, a negociação coletiva,
as eleições sindicais e a possibilidade de demandar reajustes
salariais por tempo indeterminado. Toda reunião sindical devia
ser avisada previamente e devia contar com um agente militar.
Além disso também foram criadas novas organizações no final
da Ditadura para tratar de cooptar o movimento sindical. Essa
política cristalizou no Plano Laboral do ano de 1979, que
impulsionou a lógica neoliberal nas relações capital-trabalho.

O Plano Laboral de Piñera

O Plano Laboral, elaborado pelo Ministro do Trabalho, José


Piñera, indicou um marco nas relações entre o capital e o
trabalho, culminando em um ciclo de fortes ataques aos direitos
trabalhistas. A Ditadura se concentrava especificamente em
desarticular o movimento sindical como força política e social,
atacando especificamente a relação com os partidos e a política,
promovendo um sindicalismo corporativo ou gremial e
tratando de atomizar a organização operária. Segundo
anunciava Piñera, o objetivo do Plano era claro “o que se decide
é se se entrega o poder aos sindicalistas para paralisar a
economia e tomar como refém o país, o que se decide é se os
dirigentes sindicais podem chegar a ter em nossa sociedade
mais poder que os parlamentários”. No âmbito laboral, se
instalava a ideia da produtividade, atando os salários a esse
mecanismo, como também se propunha terminar com a
“sindicalização obrigatória, as negociações por ramo e não por
empresa, a greve com caráter de chantagem ao empresário”.

O Plano Laboral teve como eixo infringir a unidade sindical ao


possibilitar a existência de múltiplos sindicatos em uma mesma
empresa, estabelecendo além da vontade individual de filiação e
do pagamento da cota sindical, associando democracia e
indivíduo à ideia de liberdade de eleição para afiliar-se às
organizações sindicais, proibindo a existência de sindicatos nos
serviços públicos e empresas estratégicas. Esse ideal se
relacionava sem dúvida com o modelo neoliberal que estava
sendo instalado, cuja concepção de liberdade era baseada em
um indivíduo isolado e atomizado. Assim, se restringiu a
negociação coletiva por ramo, se anulando na prática o direito a
greve, ao possibilitar a contratação de substitutos. Também se
alentava a negociação individual, permitindo que os
trabalhadores pudessem compactuar com a empresa por sua
conta, se propondo que os empresários pudessem declarar o
fechamento, como medida de pressão contra as demandas
laborais.
Em suma, esse novo plano laboral tinha como objetivo
“eliminar o movimento sindical em sua condição de agente
socio-político nacional; a limitá-lo a um papel negociador débil
no terreno econômico-reivindicativo; a deixar livre o caminho
às “Leis de Mercado” no plano das Relações Laborais”, o
empregador tinha amplas liberdades para despedir, negociar os
salários, horários e também as condições de trabalho.

A transição e a pós-ditadura

A Ditadura buscou desarticular e derrotar o movimento de


trabalhadores, utilizando a repressão, a reconversão produtiva e
a implementação de uma nova institucionalidade laboral para
os seus propósitos. A classe trabalhadora e suas organizações se
organizaram para enfrentar essas políticas, realizando
importantes ações de resistência como paralisações legais e
ilegais, manifestações e protestos, mas não conseguiram
paralisá-las. O centro de sua ação se enfocava na luta contra os
planos econômicos e contra a Ditadura, tendo como demanda a
volta da democracia.

Apesar das importantes mobilizações, as numerosas e largas


greves, o ciclo de lutas e a reativação terminaram com a
imposição do Plano Laboral, que significou uma nova derrota
para o movimento sindical, consolidando um modelo sindical e
laboral neoliberal que posteriormente a Concertação de
Partidos pela Democracia aprofundou.
A luta contra o Plano Laboral impulsionou uma certa
convergência sindical, que se materializou na criação do
Comando Nacional de Trabalhadores, convocando a primeira
greve geral contra a Ditadura no ano de 1983, depois dos
devastadores efeitos da crise econômica internacional e
nacional. Entretanto, os protestos também foram derrotados
pela política de acordos entre o regime militar e a oposição (que
mais tarde se agruparia na Concertação de Partidos pela
Democracia), marginando novamente os trabalhadores e suas
demandas para organizar uma transição de pacto que não
rompeu com a política laboral nem com o resto da herança de
Pinochet.

Os governos conciliadores sustentaram o modelo econômico e


social da Ditadura; a respeito do mundo do trabalho
privilegiaram a continuidade sobre a ruptura, justificado pelo
discurso da ameaça à democracia, pela estabilidade econômica
e também porque as relações laborais que impulsionaram a
Ditadura eram parte da coluna vertebral do modelo. As
organizações sindicais predominantes, assimilaram também
esse discurso, o que se materializou nas políticas de diálogos e
acordo social que impulsionou a CUT durante os governos
conciliadores.

Entretanto, hoje se reabre o debate estratégico sobre a


reemergência da classe trabalhadora e suas organizações, como
também a necessidade de lutar contra o Código Laboral que
vem desde a Ditadura, uma das grandes demandas do
movimento sindical e que a reforma laboral de Bachelet, atual
presidente, praticamente não toca.

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