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Estudar a dinâmica do capitalismo, suas crises e reinvenções nas últimas décadas dos séculos
XX e primeiras décadas do
XXI.
PROPÓSITO
Compreender os fenômenos do capitalismo contemporâneo, parte fundamental na dinâmica
mundial, é importante para
profissionais que precisam analisar o mundo contemporâneo.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Examinar o fortalecimento dos projetos políticos que, no início do século XXI, questionaram o
modelo neoliberal do
capitalismo internacional
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
O capitalismo se consolidou como realidade histórica num longo e complexo processo, que
teve início no século XIV e se
estendeu até o final do século XVIII. Nesse período, várias
experiências colaboraram para o amadurecimento, lento e não
linear, da ordem capitalista: a
crise do feudalismo, a formação do Estado moderno, as reformas religiosas, a revolução
científica, o descobrimento da América e as revoluções burguesas, especialmente a Revolução
Francesa e a Revolução
Industrial. No início do século XIX, o capitalismo já era realidade
estruturada e não havia região no mundo imune à sua
influência. Mas seria equivocado supor
que a afirmação do capitalismo como modo de vida hegemônico significa que o
sistema não foi
desestabilizado por crises internas e por questionamentos daqueles que tentaram superá-lo,
propondo
ordem social alternativa.
Ainda no século XIX, podemos destacar as revoluções sociais de 1848 e de 1871 na França,
que trouxeram ao primeiro plano
de suas reivindicações a superação do capitalismo. A crise
geral de 1873 mostrou como a própria dinâmica interna do
capitalismo era capaz de abalar o
sistema. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi, em parte, resultado das
contradições
internas do capitalismo. Ao mesmo tempo, acontecia a Revolução Russa, que deu origem à
União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, com seu projeto de superação do capitalismo
através da implantação do comunismo. Poderíamos
falar, ainda, da crise geral do capitalismo
da década de 1929, da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da Guerra Fria,
na segunda
metade do século XX.
Em 1973, o capitalismo foi balançado por mais uma crise geral. A história do sistema
econômico, portanto, é a história
de suas mais diversas experiências críticas. É uma história
marcada mais pela instabilidade do que pela estabilidade.
Aqui, neste conteúdo, estamos
interessados em estudar os capítulos mais recentes dessa história. Neste nosso século XXI,
novamente a crise do capitalismo é realidade incontornável, seja no aspecto político, com a
emergência de populismos de
extrema-direita que ameaçam o modelo da democracia liberal
burguesa, seja com a pandemia da covid-19, que colocou o
ocidente capitalista de joelhos.
OBAMA CARE
Programa de saúde governamental do governo Obama, que foi muito criticado pela oposição.
MÓDULO 1
Descrever a dinâmica do modelo neoliberal de acumulação
capitalista
CONHECENDO O NEOLIBERALISMO
NEOLIBERALISMO: HISTÓRIA E
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
No final da década de 1980, alguns governos de importantes países centrais, como Estados
Unidos e Inglaterra, começaram
a colocar em prática uma modalidade de gestão político-
administrativa que ficaria conhecida como “neoliberalismo”.
Assim, a relação capital versus trabalho, entre patrões e empregados, aconteceria sem
nenhuma mediação do poder público,
com o Estado se eximindo da responsabilidade de
garantir proteção social aos trabalhadores e aos pobres em geral.
Margaret Thatcher e Ronald
Reagan chegaram ao comando político de seus países comprometidos com a agenda
neoliberal, o
que fez com que seus governos tenham sido marcados por muitas tensões e
protestos promovidos pelos trabalhadores e por
outros setores da sociedade civil organizada.
Thatcher já era figura relevante na cena política inglesa desde meados da
década de 1970,
quando liderava a oposição conservadora contra o governo trabalhista comandado por James
Callaghan
(1912-2005).
TENTATIVA DE ASSASSINATO
Ronald Reagan foi eleito o 40° Presidente dos EUA em novembro de 1980, após derrotar o
candidato democrata Jimmy Carter,
que, na época, era o presidente em exercício, tentando
reeleição. A vitória de Reagan foi esmagadora e traduziu um
desejo de mudança compartilhado
pela sociedade norte-americana.
A situação, em parte, era semelhante à inglesa. Na década de 1930, em virtude da crise geral
do capitalismo, os Estados
Unidos, sob a liderança do presidente Franklin Delano Roosevelt
(1882-1945), estabeleceram um tipo de governo que
podemos definir como sendo de matriz
social-democrata.
O Estado se tornou o principal investidor e, por meio de obras públicas, gerou milhares de
empregos, agindo também como
protetor social dos mais pobres, com forte legislação
trabalhista. Isso tudo, às custas e tributação progressiva da
sociedade civil, na qual os ricos
pagam mais impostos e os pobres são os principais receptores dos direitos sociais
garantidos
pelo Estado.
O plano de reestruturação econômica idealizado por Roosevelt, que ficou conhecido como
New Deal, impactou o mundo no
período entreguerras, demonstrando os limites práticos da
tese do livre mercado, fundamental para o repertório liberal a
partir do século XVIII, desde os
textos de Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823). As guerras mundiais e o
colapso do sistema capitalista internacional mostraram que, em momentos de crise aguda,
somente o Estado é capaz de
promover movimentos anticíclicos e estimular a economia
quando os investidores privados estão assustados e pouco
dispostos a correrem riscos.
Segundo Pierre Dardot e Christian Laval, foi a “necessidade prática de intervenção do
governo
que pôs em crise o liberalismo dogmático, pautado numa ideia de desregulamentação que
nunca se consolidou na
prática” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 38).
NEW DEAL
Foto: Shutterstock.com
Sinais para a eleição de 1936 nas ruas de Hardwick, Vermont, EUA.
A cultura do New Deal foi fundamental para a superação da crise catastrófica que se abateu
sobre os EUA entre as décadas
de 1930 e 1950. Porém, a partir do final da década de 1960,
ganharam força os questionamentos ao modelo rooseveltiano do
Estado provedor. Como
demonstra Jürgen Habermas, as críticas à social-democracia, nos EUA, tiveram o resultado de
refundar a direita norte-americana, dando início àquilo que o autor chama de “A nova
obscuridade”. Além das críticas à
carga tributária necessária para a manutenção do
experimento social-democrata, ganhou forma, também, um tipo de crítica
cultural, que
explicava o comportamento considerado desregrado da juventude (movimento pelos direitos
civis da população
negra, movimento hippie, festival de Woodstock) pelas alegadas
comodidades que o “Estado assistencialista”
possibilitava. Isso teria dado origem a uma
geração preguiçosa, hedonista e pouco afeita ao trabalho.
SEGUNDO OS NEOLIBERAIS, A SITUAÇÃO DE
COLAPSO MORAL QUE ESTARIA SENDO VIVENCIADA
NOS EUA, NAS DÉCADAS DE 1960 E 1970, SE
EXPLICAVA PELA “INFLAÇÃO DE EXPECTATIVAS E
REINVINDICAÇÕES IMPULSIONADA PELA
CONCORRÊNCIA ENTRE OS PARTIDOS, PELAS
MÍDIAS DE MASSA, PELO PLURALISMO DE
ASSOCIAÇÕES ETC. ESSA PRESSÃO DAS
EXPECTATIVAS DOS CIDADÃOS “EXPLODE” EM UMA
AMPLIAÇÃO DRÁSTICA DAS TAREFAS ESTATAIS. OS
INSTRUMENTOS DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
SE SOBRECARREGAM COM ISSO. A
SOBRECARGA
LEVA TANTO MAIS ÀS PERDAS DE LEGITIMIDADE
QUANTO O ESPAÇO DE AÇÃO ESTATAL É
ESTRANGULADO POR BLOCOS DE PODER
PRÉ-
PARLAMENTARES, E QUANDO OS CIDADÃOS
RESPONSABILIZAM O GOVERNO PELAS PERDAS
ECONÔMICAS PERCEPTÍVEIS. ISSO É TANTO
MAIS
PERIGOSO QUANTO MAIS A LEALDADE DA
POPULAÇÃO DEPENDE DE COMPENSAÇÕES
MATERIAIS.
Foi nesse clima de acirrado conflito e intensas disputas entre concepções de Estado
diametralmente opostas que
aconteceram as eleições presidenciais de 1980. Todo o debate
eleitoral girou ao redor do legado do modelo rooseveltiano.
A vitória esmagadora de Reagan
decretou um novo momento na história dos EUA, caracterizado pela radicalização da
perseguição às esquerdas, pelo enfraquecimento dos sindicatos e pelo desmonte da legislação
destinada à proteção social.
Com todo custo social que tiveram, os governos de Thatcher e Reagan conseguiram diminuir
os gastos públicos e garantir
maior rendimento aos setores mais dinâmicos e poderosos do
capitalismo na época, transformando o modelo neoliberal de
gestão em padrão hegemônico.
A FORÇA DO NEOLIBERALISMO PARECIA
INABALÁVEL, TENDO SIDO COROADA PELO
CONSENSO DE WASHINGTON, REALIZADO EM
1989.
O “consenso”, como ficou conhecido, foi um fórum internacional comandado pelo Banco
Mundial, pelo Fundo Monetário
Internacional, o FMI, e pelo Departamento de Tesouro dos EUA
que definiram o receituário neoliberal como o único
tecnicamente correto para administrar as
economias nacionais. O encontro estabeleceu algumas “regras de ouro” para a boa
prática da
gestão econômica, como a desregulamentação dos gastos obrigatórios do Estado, a
privatização das empresas
públicas e diminuição da carga tributária.
O principal efeito ideológico do Consenso de Washington foi transformar aquilo que era uma
orientação ideológica em
obrigação técnica e, dessa forma, conseguir pautar o debate
econômico mundial.
ATENÇÃO
A hegemonia neoliberal, no entanto, não duraria para sempre. O alvorecer do século XXI
trouxe diversos questionamentos
ao modelo neoliberal, impulsionando diferentes experiências
de crise, como estudaremos nas próximas seções. Por
enquanto, é importante dedicar mais
atenção ao próprio neoliberalismo, às suas transformações, tentando entender seu
lugar na
história do pensamento político/econômico liberal.
David Ricardo.
Adam Smith.
Ou seja, setores com excesso produtivo compensariam o deficit produtivo de outros setores,
naturalmente, em troca
impulsionada pelo livre fluxo da atividade econômica, sem interferência
do Estado, que somente atrapalharia o
processo. Havia, nesses autores e nas práticas políticas
que eles inspiraram, aquilo que podemos chamar de “utopia
liberal”, segundo a qual o
aprimoramento das liberdades individuais levaria à erradicação da pobreza social.
ATENÇÃO
O dilema da pobreza social tornou-se ainda maior no século XIX, com o aprofundamento da
Revolução Industrial. Surgiram
grandes conglomerados urbanos em diversos países da
Europa, com trabalhadores amontoados em bairros proletários, com
acesso precário à água e
aos serviços sanitários. As doenças se espalhavam, assim como a violência.
Todos os grandes pensadores oitocentistas trouxeram a pobreza social para o primeiro plano
de suas reflexões. No final
do século XIX, o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903)
promoveu algumas mudanças no pensamento econômico liberal,
especialmente no que se
refere à questão da pobreza social, tornando-se matriz daquilo que posteriormente seria
conhecido como neoliberalismo.
Tal como Ricardo e Smith, Spencer também defendia que a pobreza social seria naturalmente
extinta pelo livre mercado.
Porém, diferentemente dos seus antecessores, Spencer negava a
lógica da complementariedade produtiva e, evocando os
princípios do darwinismo, falava em
competição social.
Para isso, o Estado não deveria intervir no processo, tampouco garantir amparo social aos
pobres. Na lógica spenceriana,
a pobreza social acabaria na medida em que os pobres
desaparecessem. Nas palavras do próprio Spencer no livro O
indivíduo contra o Estado ,
publicado pela primeira vez em 1884:
SENDO A AQUISIÇÃO DE UM BEM PARA O POVO O
TRAÇO EXTERNO VISÍVEL COMUM NAS MEDIDAS
LIBERAIS NOS TEMPOS ANTIGOS (E ESSE
BEM
CONSISTIA ESSENCIALMENTE NUMA DIMINUIÇÃO DA
COERÇÃO), RESULTOU QUE OS LIBERAIS VIRAM O
BEM DO POVO NÃO COMO UM
OBJETIVO QUE ERA
NECESSÁRIO ATINGIR DIRETAMENTE. E,
PROCURANDO ATINGI-LO DIRETAMENTE,
EMPREGARAM MÉTODOS INTRINSECAMENTE
CONTRÁRIOS AOS QUE HAVIAM SIDO EMPREGADOS
ORIGINALMENTE. (...) QUEREM LASTIMAR AS
MISÉRIAS DOS POBRES MERITÓRIOS, EM VEZ
DE
REPRESENTÁ-LAS – O QUE NA MAIORIA DOS CASOS
SERIA MAIS CORRETO – COMO AS MISÉRIAS DOS
POBRES DEMERITÓRIOS. EM MINHA
OPINIÃO, PODE-
SE CONSIDERAR QUE UM DITADO CUJA VERDADE É
ACEITA IGUALMENTE PELA CRENÇA COMUM E PELA
CRENÇA DA CIÊNCIA
GOZA DE UMA AUTORIDADE
INCONTESTÁVEL. POIS BEM! O MANDAMENTO: “SE
UMA PESSOA NÃO DESEJA TRABALHAR, NÃO DEVE
COMER” É
SIMPLESMENTE O ENUNCIADO CRISTÃO
DESSA LEI DA NATUREZA SOB IMPÉRIO DA QUAL A
VIDA ATINGIU SEU GRAU ATUAL, A LEI SEGUNDO
A
QUAL UMA CRIATURA QUE NÃO É SUFICIENTEMENTE
ENÉRGICA PARA SE BASTAR DEVE PERECER.
Como podemos perceber na citação, o Estado, para Mises, é força coercitiva, cuja única
função é constranger e limitar a
liberdade individual. Estamos aqui muito distantes da
concepção de Estado que foi desenvolvida por outros autores do
escopo liberal, como John
Locke (1632-1704), para quem o Estado tinha a função de garantir as liberdades individuais
através da aplicação da lei. Em Mises, o Estado é a ameaça à liberdade individual, e, quanto
menos Estado, mais
liberdade.
Foi esse modelo neoliberal que se tornou hegemônico no capitalismo internacional em fins do
século XX e, como veremos a
seguir, entrou em colapso já nos primeiros anos do século XXI.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
E) Comunista, caracterizada pela ideia de que o modelo ideal de sociedade é aquele no qual
inexistem as diferenças entre as classes sociais e o resultado da riqueza econômica seja
desfrutado por todos.
GABARITO
CRISES DO NEOLIBERALISMO
Assista ao vídeo abaixo com o professor Rodrigo Perez sobre a crise do modelo neoliberal no
mundo.
Imagem: Shutterstock.com
O século XXI nasceu sobre os impactos da lógica neoliberal acumulados ao longo da década
de 1990. Em regiões mais pobres
do mundo, sobretudo na América Latina, as diretrizes do
Consenso de Washington provocaram o empobrecimento geral das
sociedades civis, a
precarização de serviços públicos e o comprometimento da soberania nacional, com a
privatização em
empresas públicas estratégicas. Um dos principais efeitos do neoliberalismo se
deu na transformação na ideia de Estado
e, consequentemente, de função do poder público.
TANTO AS PESSOAS QUANTO OS ESTADOS SÃO
BASEADOS NO MODELO DA EMPRESA
CONTEMPORÂNEA, ESPERA-SE QUE TANTO AS
PESSOAS
QUANTO OS ESTADOS SE COMPORTEM DE
MODOS QUE MAXIMIZEM SEU VALOR CAPITAL NO
PRESENTE E AUMENTEM SEU VALOR FUTURO, E
TANTO
AS PESSOAS QUANTO OS ESTADOS O FAZEM
ATRAVÉS DE PRÁTICAS DE EMPREENDEDORISMO,
AUTOINVESTIMENTO E ATRAÇÃO DE
INVESTIDORES.
Como o autor deixa claro, a racionalidade liberal, ou a “nova razão do mundo”, para usarmos
as palavras de Pierre Dardot
e Christian Laval, afetou todas as relações humanas, tanto as
públicas como as privadas. É como se o neoliberalismo
tivesse inflado a lógica econômica a tal
ponto que todas as ações humanas passaram a ser vividas a partir das ideias de
lucro e
prejuízo. Até mesmo a temporalidade, como argumenta Arthur Ávilla, foi afetada pela lógica
neoliberal, com
horizontes de futuro sendo fechados e a experiência humana sendo encerrada
no eterno presente, no curto tempo da
performance, da eficiência e do consumo.
VEJA AQUI!
Na época, o fenômeno ficou conhecido como “guinada latino-americana”. Abaixo, a lista desses
governos, com seus períodos
de duração:
Foto: Testing/Shutterstock.com
Bandeira de Hugo Chávez durante as eleições presidenciais de abril em Caracas,
Venezuela, 2018.
É claro que esses governos têm suas particularidades e qualquer tentativa de generalização é
analiticamente perigosa.
Entre esses governos, podemos encontrar desde projetos de
conciliação nacional que tentaram negociar com as forças do
capital, como foram os casos do
kirchnismo na Argentina e do petismo no Brasil. Encontramos, também, governos de
enfrentamento e de ruptura, como foi o de Chávez, na Venezuela, e de Morales, na Bolívia.
Alguns encontraram resistências e foram golpeados logo no início, como foram os casos de
Manuel Zelaya, em Honduras,
e de Hugo Chávez, na Venezuela, sendo que Chávez conseguiu
reverter a situação e se manter no poder. Também Evo
Morales foi golpeado, mas depois de
anos de governo. Fernando Lugo, no Paraguai, e Dilma Rousseff, no Brasil, foram
objeto de
processos de impeachment polêmicos e definidos como “golpe parlamentar” por parte da
bibliografia
especializada.
KIRCHNISMO
As resistências ao neoliberalismo nos primeiros anos do século XXI não ficaram restritas à
América Latina. Também
nas duas principais potências do mundo, nos EUA e na China,
aconteceram críticas e questionamentos ao
neoliberalismo.
Seria exagerado dizer que o governo do democrata Barack Obama, entre 2009 e 2017, rompeu
com os preceitos neoliberais.
Mas seria equivocado supor que sua administração seguiu os
mesmos passos dos governos republicanos anteriores, herdeiros
de Ronald Reagan, que
fizeram dos EUA o laboratório mundial das práticas neoliberais. Obama, ao menos dentro
dos EUA,
relativizou algumas dessas práticas, ainda que tenha as imposto a países mais
pobres.
Barack Obama iniciou seu governo sob grande euforia da sociedade civil norte-americana.
Cerca de 2 milhões de pessoas
compareceram à cerimônia de posse em 24 de fevereiro de
2009, num clima de congraçamento político que poucas vezes se
viu naquele país. Não era
para menos, pois os EUA acabavam de eleger o primeiro presidente negro, concluindo um ciclo
de
lutas da população afro-americana que havia começado na década de 1960, com a jornada
dos direitos civis. O governo de
Obama foi bastante contraditório no que se refere à
comparação entre as políticas externa e interna. Poucos presidentes
dos EUA foram tão
belicistas como Barack Obama, cuja administração foi marcada por intensa movimentação
militar,
sobretudo no Oriente Médio.
RESUMINDO
Foto: Shutterstock.com.
Ao criar o “Obama Care”, em 2010, Obama ofereceu plano de saúde subsidiado pelo Estado a
todos os cidadãos americanos em
situação de vulnerabilidade social. Com isso, o presidente
trouxe o Estado para o debate nacional sobre o direito à
saúde, recuperando a ideia, de matriz
social-democrata, de que cabe ao poder público garantir acesso a direitos sociais
básicos.
Posteriormente, Donald Trump, sucessor de Obama, tomou o desmonte do “Obama Care”
como prioridade política, o
que estudaremos com mais calma na próxima seção, quando nos
dedicaremos aos populismos de extrema-direita, que se
fortaleceram em diversas partes do
mundo como um dos resultados do colapso do neoliberalismo.
Imagem: Shutterstock.com
Também do outro lado do Oceano Atlântico, na Ásia, diversos países organizaram estratégias
de desenvolvimento econômico
que confrontaram preceitos do neoliberalismo. Analisando
justamente a crise do império capitalista estadunidense, o
cientista político norte-americano
Chalmers Johnson (1931-2010) foi o primeiro a utilizar o conceito “desenvolvimentismo
asiático” para analisar projetos econômicos emergentes naquela região do mundo ao longo dos
primeiros anos do século
XXI. O livro de Johnson, publicado em 1982, se dedica
principalmente ao “milagre econômico japonês”, mas as linhas
gerais da análise do autor
podem nos ajudar a compreender outros casos que configuram, em grande medida, a crise
contemporânea do capitalismo neoliberal.
O “MODELO ECONÔMICO” JAPONÊS DO PÓS-
GUERRA NÃO ERA ORIGINAL E VINHA DOS ANOS
1920; E SUA CARACTERÍSTICA FUNDAMENTAL NÃO
ERA ECONÔMICA, TINHA A VER COM A
“INTENSIDADE” COM QUE A SOCIEDADE E O
GOVERNO JAPONÊS SE DEDICAVAM AO
ESTABELECIMENTO E
CUMPRIMENTO DOS SEUS
OBJETIVOS ESTRATÉGICOS. ESTA “INTENSIDADE”
SE DEVIA AO FATO DE QUE O “MODELO” TINHA SIDO
CONCEBIDO
COMO UM INSTRUMENTO DE GUERRA E
DE RECONSTRUÇÃO, DEPOIS DA GUERRA, E COMO
INSTRUMENTO DE DEFESA DA SOBERANIA
JAPONESA,
FRENTE AOS DESAFIOS DO MUNDO E DO
CONTEXTO GEOPOLÍTICO ASIÁTICO, NA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO XX.
O recado que vinha da Ásia parecia claro: o neoliberalismo ocidental, com sua concepção de
“Estado-firma”, não servia
para aquela região do mundo. Foi exatamente dessa negação ao
neoliberalismo que se fortaleceu outra ideologia
político-econômica que na transição do século
XX para o século XXI acabou reequilibrando a geopolítica mundial, fazendo
da Ásia a região
mais economicamente ativa e desenvolvida do planeta.
Em 1989, foi publicado outro livro sobre o desenvolvimentismo asiático, dessa vez assinado
pela economista
norte-americana Alice Amsden (1943-2012). Sugestivamente intitulado Asia’s
Next Giant (O próximo gigante asiático , em
tradução livre), Amsden ampliou a análise de
Johnson para a Coreia do Sul, para o “milagre econômico coreano”, nas
palavras da própria
autora. Segundo Amsden, no caso da Coreia do Sul, o modelo de desenvolvimento também
era
caracterizado pelo protagonismo do Estado, fincando suas raízes na primeira metade do
século XX, na luta
anticolonialista contra o próprio Japão.
Sobre a China, Johnson também chama atenção para a experiência da guerra anticolonialista,
o “campesinato
revolucionário” como força de impulsão desenvolvimentista. Para os autores,
as guerras fizeram com que as sociedades
asiáticas criassem vínculos de solidariedade e
confiança com o Estado, visto como o guardião dos interesses nacionais. A
partir da leitura
desses autores, podemos analisar o desenvolvimentismo asiático em quatro características
principais:
Imagem: Shutterstock.com
A estratégia econômica destes países asiáticos esteve sempre muito longe dos valores
neoliberais, rejeitando
frontalmente a premissa do “Estado mínimo”, ou do “Estado-firma”.
Ao longo dos anos, nenhum país ocidental conseguiu rivalizar com esses índices e,
gradualmente, a frase Made in China
começou a se fazer bastante presente em nossa vida
cotidiana. Caso esteja lendo esse texto em seu computador,
recomendamos que vire o
mouse e procure o local em que o produto foi fabricado. A chance de encontrar um Made in
China é
grande. Se não acontecer, basta uma busca simples e você perceberá que muitos
produtos que temos à nossa disposição são
chineses. Ainda que os EUA continuem
responsáveis por boa fatia do comércio internacional, o país asiático deve assumir
a dianteira
até 2026.
Por esse motivo, nenhuma análise sobre as dinâmicas comerciais do século XXI pode ignorar a
participação chinesa no
mercado global. Apesar das inúmeras variáveis e divergências que
compõem o complexo jogo que garantiu essa mudança,
muitos analistas se apoiam em duas
explicações gerais para esse processo.
Segundo Rhys Jenkins (2019, p. 22), essas mudanças podem ser observadas a partir de duas
lentes, uma externa e outra
interna.
EXTERNA
INTERNA
Foto: Shutterstock.com
MERCADOS IRREGULARES
Foto: Shutterstock.com
Ainda que a ênfase nos estudos sobre as dinâmicas comerciais se dê a partir de elementos
visíveis, parte importante das
transações econômicas globais acontece à margem dos esforços
oficiais de contabilização. Para além dos grandes debates
acerca do modus operandi de
parte do mercado financeiro, da ausência de transparência em muitas transações, dos
processos de lavagem de dinheiro e de depósitos que se avolumam em paraísos fiscais, parte
do movimento no comércio
global se desdobra para além da superfície através da venda e
compra de produtos de inegáveis impactos políticos,
sociais e econômicos.
EXEMPLO
Também vale destacar que a distinção geral entre drogas lícitas (tabaco, álcool, ansiolíticos
etc.) e ilícitas (maconha,
cocaína, crack, metanfetamina) não depende das características de
cada droga, haja vista que muitas substâncias, hoje
ilegais, já foram permitidas e muitas
drogas, hoje ilegais, já foram autorizadas sem qualquer regulamentação. Há
inúmeras
questões envolvidas nessa equação, desde o estigma social do usuário até a criminalização da
pobreza.
Imagem: Shutterstock.com.
Refletindo
Com o passar dos anos, a crise do neoliberalismo foi ganhando contornos mais trágicos,
motivados pela insatisfação
social provocada pela precarização da qualidade de vida em
diversos países ocidentais. Esse ambiente de frustração e
ressentimento serviu como
combustível para a ascensão de governos de extrema-direita, que, nos anos 2010, colocaram
em
risco a própria ideia de democracia liberal representativa, que estudaremos na próxima
seção.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
C) Todos esses governos tiveram em comum as críticas, em níveis distintos, aos preceitos
neoliberais e às diretrizes do Consenso de Washington.
GABARITO
1. No começo do século XXI, aconteceu aquilo que alguns autores chamam de “Guinada
latino-americana”, que consistiu na ascensão de governos de esquerda e centro-
esquerda na América Latina. Assinale a opção que melhor define a característica comum
a esses governos.
Até o governo de Barack Obama, não havia qualquer compromisso do poder público nos EUA
com a promoção do direito à saúde, e o “Obama Care” rompeu com a tradição privatista no
setor, trazendo o Estado para o campo de promoção dos direitos sociais.
MÓDULO 3
Identificar o fortalecimento de populismos de extrema-direita
A EXTREMA-DIREITA E A DEMOCRACIA
LIBERAL
Assista ao vídeo abaixo com o professor Rodrigo Perez apresentando o debate da ascensão
de movimentos de extrema-direita
no mundo.
COMO AS DEMOCRACIAS MORREM
Imagem: Shutterstock.com
Em 2018, chegou ao Brasil o best seller Como as democracias morrem , de Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt, publicado
originalmente nos EUA em 2017. O sucesso do livro escrito pelos
professores de Ciência Política da Universidade de
Harvard foi mundial, o que pode ser
explicado pelo tema tratado no texto, o que nos interessa diretamente aqui, em
nossos
estudos. Os autores analisaram as crises democráticas contemporâneas e o seu principal
desdobramento no plano
político: a ascensão de governos de extrema-direita em diversos
países, como EUA, Georgia, Hungria, Filipinas e Brasil.
O tema também foi explorado por outro livro de destacado sucesso no mercado editorial
internacional: trata-se de O povo
contra a democracia , escrito pelo cientista político Yascha
Mounk e publicado no Brasil também em 2018. É a partir
desses dois textos que discutimos as
crises democráticas contemporâneas, explorando suas relações com o colapso
internacional
da ordem capitalista neoliberal.
Tanto “crise” como “democracia” são termos bastante polissêmicos no vocabulário político
ocidental. Começaremos
esclarecendo com cuidado qual modalidade de democracia está
colapsando nos dias de hoje. Trata-se do experimento
democrático liberal burguês que nasceu
no século XVIII na Europa e nos EUA, tendo se tornado hegemônico mundialmente no
final da
década de 1980, com o fim da URSS e com o término da Guerra Fria.
A convicção de que a democracia liberal era vitoriosa foi tão forte que o cientista político norte-
americano Francis
Fukuyama chegou a decretar o “fim da história”, como se a humanidade
houvesse chegado, definitivamente, ao ponto final
de sua evolução política. Em trabalho
conjunto, os cientistas políticos norte-americano e alemão Alfred Stepan e Juan
Linz afirmaram
que a democracia liberal era a “única opção” e que tinha “vindo para ficar”.
IMPRESSIONADOS COM A ESTABILIDADE SEM
PARALELO DAS DEMOCRACIAS RICAS, OS
CIENTISTAS POLÍTICOS COMEÇARAM A CONCEBER A
HISTÓRIA DO PÓS-GUERRA EM DIVERSOS PAÍSES
COMO UM PROCESSO DE “CONSOLIDAÇÃO
DEMOCRÁTICA”. PARA SUSTENTAR UMA
DEMOCRACIA,
O PAÍS DEVIA ATINGIR UM ALTO NÍVEL
DE RIQUEZA E EDUCAÇÃO. TINHA DE CONSTRUIR
UMA SOCIEDADE CIVIL VIBRANTE E ASSEGURAR A
NEUTRALIDADE DE INSTITUIÇÕES DE ESTADO
FUNDAMENTAIS, COMO O JUDICIÁRIO. GRANDES
FORÇAS POLÍTICAS TIVERAM DE ACEITAR QUE
DEVIAM DEIXAR OS ELEITORES – E NÃO O PODER DE
SEUS EXÉRCITOS OU DE SUAS CARTEIRAS GORDAS
– DETERMINAR OS RESULTADOS
POLÍTICOS. TODOS
ESSES OBJETIVOS FREQUENTEMENTE SE
REVELARAM ESQUIVOS.
(MOUNK, 2018, pp. 18-19)
Qualquer eventual crise nas democracias liberais era explicada, e justificada, pelas condições
inadequadas das
sociedades em que a crise se manifestou, sempre em países pobres,
sobretudo na América Latina, África e Ásia.
ATENÇÃO
A causa das crises democráticas, então, não seria o modelo liberal, mas o precário
desenvolvimento capitalista desses
países, sendo os ataques à democracia originários sempre
de atores políticos exteriores ao funcionamento da própria
democracia, como as forças
armadas.
Sobre essas crises democráticas, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram:
DURANTE A GUERRA FRIA, GOLPES DE ESTADO
FORAM RESPONSÁVEIS POR QUASE TRÊS EM CADA
QUATRO COLAPSOS DEMOCRÁTICOS. AS
DEMOCRACIAS EM PAÍSES COMO ARGENTINA,
BRASIL, GANA, GRÉCIA, GUATEMALA, NIGÉRIA,
PAQUISTÃO, PERU, REPÚBLICA DOMINICANA,
TAILÂNDIA, TURQUIA E URUGUAI MORRERAM DESSA
MANEIRA. (...) COM UM GOLPE DE ESTADO, A MORTE
DA DEMOCRACIA É IMEDIATA E
EVIDENTE PARA
TODOS. O PALÁCIO PRESIDENCIAL ARDE EM
CHAMAS. O PRESIDENTE É MORTO, APRISIONADO
OU EXILADO.
A segunda década do século XXI negou os prognósticos feitos no final dos anos 1980. A
democracia liberal não era uma
realidade eterna. O mundo viu um novo tipo de crise
democrática, bem diferente do modelo “clássico” observado no século
XX e capaz de
desestabilizar o ambiente político, também, em países ricos. Agora, a democracia não está
colapsando
apenas em países pobres.
PORÉM, HÁ OUTRA MANEIRA DE ARRUINAR UMA
DEMOCRACIA. É MENOS DRAMÁTICA, MAS
IGUALMENTE DESTRUTIVA. DEMOCRACIAS PODEM
MORRER NÃO NAS MÃOS DE GENERAIS, MAS DE
LÍDERES ELEITOS – PRESIDENTES OU PRIMEIROS-
MINISTROS QUE SUBVERTEM O PRÓPRIO
PROCESSO
QUE OS LEVOU AO PODER. ALGUNS DESSES
LÍDERES DESMANTELAM A DEMOCRACIA
RAPIDAMENTE, COMO FEZ HITLER NA SEQUÊNCIA
DO INCÊNDIO DO REICHSTAG EM 1933 NA
ALEMANHA. COM MAIS FREQUÊNCIA, PORÉM, AS
DEMOCRACIAS DECAEM AOS POUCOS, QUE MAL
CHEGAM A SER VISÍVEIS.
Levitsky e Ziblatt afirmam que, do ponto de vista das defesas democráticas, os novos tipos de
crise dificultam ainda
mais a autodefesa dos regimes democráticos. Como não há um momento
claro de ruptura, pois o processo de erosão da
democracia se dá dentro dos próprios ritos
democráticos, nada é capaz de disparar os dispositivos de alarme da
sociedade.
Se essas lideranças foram eleitas, se são apoiadas por segmentos relevantes da sociedade
civil, por que representam
ameaças à democracia? Novamente, é relevante prestar atenção no
que dizem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.
UMA VEZ QUE UM ASPIRANTE A DITADOR
CONSEGUE CHEGAR AO PODER, A DEMOCRACIA
ENFRENTA UM SEGUNDO TESTE CRUCIAL: IRÁ ELE
SUBVERTER AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS OU
SER CONSTRANGIDO POR ELAS? AS INSTITUIÇÕES
ISOLADAMENTE NÃO SÃO O BASTANTE
PARA
CONTER AUTOCRATAS ELEITOS. CONSTITUIÇÕES
TÊM QUE SER DEFENDIDAS – POR PARTIDOS
POLÍTICOS E CIDADÃOS ORGANIZADOS,
MAS
TAMBÉM POR NORMAS DEMOCRÁTICAS, QUE NEM
SEMPRE ESTÃO CODIFICADAS EM LEI.
ASCENSÃO DE TRUMP
Foto: Nuno21/Shutterstock.com
Muitos consideram que a eficácia dessa tática de Trump não pode ser apartada do
conhecimento dos dados dos usuários
fornecidos ilegalmente pelo Facebook: conhecer
minuciosamente o perfil dos eleitores permitiu produzir notícias falsas
que exploravam
questões sensíveis para o eleitorado norte-americano. Um dos nomes mais expressivos
nesse contexto foi de
Steve Bannon, diretor executivo da campanha de Trump que também era
responsável pelo Breitbart News , um veículo de mídia
de extrema-direita.
Os autores, convencidos de que os EUA são o país mais “livre do mundo”, o que denota
postura algo etnocêntrica, mostram
estupefação com o comportamento de Donald Trump no
governo daquele país.
Sem contar que o texto foi escrito antes da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021,
quando, em um evento inédito
na história dos EUA, o candidato derrotado não reconheceu o
resultado das eleições e insuflou seus apoiadores a
invadirem o parlamento. Definitivamente, o
novo tipo de crise democrática não acontece, apenas, em países pobres, de
desenvolvimento
capitalista atrasado.
Mas ainda podemos investir mais na questão elementar para essa reflexão: se esses
autocratas foram eleitos e são
apoiados por setores relevantes da sociedade civil, por
que representam um perigo para a democracia?
AS DEMOCRACIAS LIBERAIS TÊM MUITOS
MECANISMOS DE CONTROLE CRIADOS PARA
IMPEDIR UM PARTIDO DE ACUMULAR DEMASIADO
PODER E
PARA CONCILIAR OS INTERESSES DE
GRUPOS DIFERENTES. MAS NA IMAGINAÇÃO DOS
POPULISTAS A VONTADE DO POVO NÃO PRECISA
SER
MEDIADA E QUALQUER COMPROMISSO COM AS
MINORIAS É UMA FORMA DE CORRUPÇÃO. NESSE
SENTIDO, OS POPULISTAS SÃO PROFUNDAMENTE
DEMOCRATAS: MUITO MAIS FERVOROSOS DO QUE
OS POLÍTICOS TRADICIONAIS, ELES ACREDITAM QUE
O DEMOS DEVE GOVERNAR. MAS TAMBÉM
SÃO
PROFUNDAMENTE ILIBERAIS: AO CONTRÁRIO DOS
POLÍTICOS TRADICIONAIS, DIZEM ABERTAMENTE
QUE NEM AS INSTITUIÇÕES
INDEPENDENTES NEM
OS DIREITOS INDIVIDUAIS DEVEM ABAFAR A VOZ DO
POVO.
(MOUNK, 2018, pp. 23-24)
Foto: Shutterstock.com
HÁ UM QUARTO DE SÉCULO, A MAIORIA DOS
CIDADÃOS DAS DEMOCRACIAS LIBERAIS ESTAVA
MUITO SATISFEITA COM SEUS GOVERNOS E O
ÍNDICE
DE APROVAÇÃO DE SUAS INSTITUIÇÕES ERA
ELEVADO; HOJE, A DESILUSÃO É MAIOR DO QUE
NUNCA. HÁ UM QUARTO DE SÉCULO, A
MAIORIA DOS
CIDADÃOS TINHA ORGULHO DE VIVER NUMA
DEMOCRACIA LIBERAL E REJEITAVA
ENFATICAMENTE UMA ALTERNATIVA
AUTORITÁRIA A
SEU SISTEMA DE GOVERNO; HOJE, MUITOS ESTÃO
CADA VEZ MAIS HOSTIS À DEMOCRACIA.
O que mudou? Por que o povo está contra a democracia? A resposta passa pela situação de
mal-estar social gerado pela
própria lógica econômica neoliberal que já estudamos.
Até mesmo nos países ricos, cada vez mais, o neoliberalismo está cobrando um alto preço
social. Na medida em que o
Estado, movido pela necessidade de corte de gastos e pela
imposição de projetos de ajuste fiscal, vai abandonando sua
vocação protetora, as pessoas se
sentem mais desamparadas.
O trabalho nunca esteve tão precarizado, a ponto de, mesmo nas economias centrais, ser raro
encontrar trabalhador, fora
do serviço público, sendo protegido pelos direitos tradicionais
garantidos pela social-democracia, como férias
remuneradas, 13° salário, licença-maternidade.
Soma-se à “flexibilização das relações trabalhistas” a precarização dos
serviços públicos
provocada pela redução da capacidade de investimento dos governos. A máxima neoliberal do
“Estado
mínimo” é especialmente opressora com as pessoas comuns, trabalhadoras, e
generosa com os grandes investidores que atuam
no mercado financeiro.
A PANDEMIA E O CAPITALISMO
Assista ao vídeo abaixo com o professor Rodrigo Perez sobre a pandemia da covid-19 e a
intensificação das contradições
do neoliberalismo.
Foto: Shutterstock.com
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde usou pela primeira vez o termo
“pandemia” para se referir à
covid-19. Naquela altura, a doença já estava espalhada pelo
mundo, impondo desafios estruturais à ordem social, política
e econômica capitalista.
Liberdades individuais como o direito de ir e vir, livre mercado, Estado mínimo. Todo o sistema
de valores construído desde o século XVI, que estruturou historicamente o capitalismo, foi
desafiado pela doença que se
mostrou ser, antes de tudo, uma patologia social.
Os cientistas mais brilhantes do mundo começaram a trabalhar 24 horas por dia com o objetivo
de desenvolver substâncias
capazes de controlar o contágio e a letalidade do SARSCOV-19. A
vacina foi desenvolvida em tempo recorde. A “corrida
pela vacina” se tornou mais do que uma
urgência de saúde pública. Transformou-se mesmo em questão geopolítica de
primeira
importância.
Foto: Shutterstock.com
O mundo, entretanto, recebeu a vacina russa com ressalva e o imunizante não foi usado pelas
nações centrais. Isso
aconteceria apenas com a vacina BNT162b2 desenvolvida pela
farmacêutica multinacional Pfizer, em parceria com o
laboratório alemão Biontech.
SAIBA MAIS
Em 08 dezembro de 2020, Margaret Keenan, mulher inglesa com 90 anos, se tornou o primeiro
ser humano vacinado contra a
covid-19. A partir de então, a “vacina do Pfizer”, como ficou
popularmente conhecida, passou a ser usada em diversos
países do mundo, com a exceção
daqueles que tiveram o infortúnio de serem governados por lideranças negacionistas.
Governos de quase todos os países do mundo se viram, então, obrigados a adotar medidas de
restrição de movimentação
social, decretando toques de recolher, lockdowns , multando
pessoas que transitassem nas ruas sem justificativa.
Criou-se, assim, a normalização de um
Estado de exceção que durou muitos meses, nos quais os direitos de livre movimento
e de
reunião, dois entre os mais importantes no repertório do liberalismo político democrático, foram
sacrificados.
Aqueles que por séculos foram considerados direitos individuais sagrados, como
símbolos da luta da sociedade contra a
tirania do Estado, foram suspensos, mostrando na
prática, como os valores políticos ocidentais não eram capazes de
enfrentar o novo desafio que
se impunha ao mundo.
Outro recado claro que a pandemia da covid-19 deu ao mundo foi em relação ao esgotamento
do neoliberalismo como modelo
viável de organização da economia capitalista.
ATENÇÃO
O SARSCOV-19 não mata apenas as pessoas, mas também a capacidade do Estado em tratar
os doentes. Como o vírus tem grande
capacidade de contágio, muitas pessoas adoecem ao
mesmo tempo, o que sobrecarrega os hospitais públicos e privados,
demandando dos
governos mais investimentos na construção de estruturas hospitalares de emergência, na
aquisição de
insumos médicos e na viabilização de assistência social e políticas públicas de
distribuição de renda para aqueles cujo
sustento depende da atividade social, da circulação de
pessoas.
Em outras palavras, para sermos mais diretos: com as necessárias medidas de restrição de
atividade social, a economia
mundial entrou na maior recessão desde 1929, o que
praticamente anulou a capacidade de investimento das empresas
privadas. Se a iniciativa
privada não é capaz de, por si só, contrariar o ciclo econômico recessivo, quem seria? A
resposta é óbvia: o Estado, o poder público, os governos. Mas como fazê-lo dentro da cartilha
neoliberal? A resposta
está vindo da economia mais capitalista do mundo, que, simplesmente,
propõe o abandono da cartilha neoliberal.
NOVOS RUMOS?
Foto: Shutterstock.com
Biden assumiu a Casa Branca no início de 2021 em um cenário político bastante conflituoso,
como já vimos na seção
anterior. Logo nos primeiros dias de seu mandato, Biden anunciou um
pacote de recuperação econômica na ordem de 2,3
trilhões de dólares, o maior da história
daquele país. Trata-se de investimento público direto em proteção social a
pessoas e
empresas e obras de infraestrutura com o objetivo de gerar empregos. Segundo o economista
norte-americano Paul
de Grauwe, Biden está rompendo com a herança de Reagan e
retomando herança ainda mais antiga, de Franklin Roosevelt
(1882-1945), o New Deal . Biden
estaria, portanto, ainda segundo Paul de Grauwe, apresentando para a sociedade
norte-
americana um Great New Deal e, com isso, está dizendo ao mundo que os preceitos
neoliberais não são capazes de
solucionar a crise provocada pela pandemia, que só o Estado,
agindo como indutor do desenvolvimento e não como “firma”,
pode proteger a economia e a
vida das pessoas.
A China e a Rússia, adversários globais dos EUA, também aumentaram a participação dos
investimentos públicos em suas
economias. O mesmo aconteceu na Espanha, Portugal,
Inglaterra e França, também segundo os dados apresentados por Paul de
Gauwe. Poucos
países do mundo ainda insistem na fórmula neoliberal do ajuste fiscal e da redução de gastos
públicos,
como o Brasil e a Índia. Não à toa, são países que, após mais de um ano de
pandemia, encontram mais dificuldades em
controlar o número de pessoas infectadas e mortas
pelo SARSCOV-2.
NÃO SERIA EXAGERADO, PORTANTO, AFIRMAR
QUE A PANDEMIA DA COVID-19 REPRESENTA
MAIS UM CAPÍTULO NA HISTÓRIA DAS CRISES
DO
CAPITALISMO, TENDO A ESPECIFICIDADE
DE TER ESCANCARADO OS LIMITES DA
LÓGICA NEOLIBERAL.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A) As crises democráticas contemporâneas são sempre precedidas por guerras civis, que
marcam a transição da situação democrática para governos autoritários comandados por
lideranças militares.
B) As crises democráticas contemporâneas são sempre precedidas por crises econômicas que
se desdobram em distúrbios sociais, o que marca com clareza a transição da ordem
democrática para a ordem autocrática.
D) As crises democráticas contemporâneas são marcadas pela intervenção direta das forças
armadas no processo político, o que faz com que o colapso da democracia seja facilmente
identificado por um evento fundador.
E) As crises democráticas contemporâneas são caracterizadas pela eleição de lideranças
militares, que, uma vez no poder, são golpeadas por lideranças civis autocráticas, o que torna o
colapso da democracia facilmente identificável por um evento fundador.
A) A insatisfação das diversas sociedades civis com a ordem democrática se explica pela
constante incapacidade da democracia liberal em atender aos desejos de liberdades políticas
individuais.
B) A insatisfação das diversas sociedades civis com a ordem democrática se explica pela
dificuldade da democracia em atender às demandas da cultura popular, sobretudo no que se
refere às festas pertencentes ao repertório do folclore.
C) A insatisfação das diversas sociedades civis com a ordem democrática se explica pela
situação de mal-estar social, insegurança laboral e precarização das relações de trabalho
provocadas pela lógica neoliberal da acumulação capitalista.
D) A insatisfação das diversas sociedades civis com a ordem democrática se explica pela
catástrofe ambiental potencializada pela lógica neoliberal da acumulação capitalista.
E) A insatisfação das diversas sociedades civis com a ordem democrática se explica pela
inclinação autoritária que sempre fundamenta a racionalidade política das massas.
GABARITO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, nos dedicamos a entender com mais cuidado a história recente do capitalismo
internacional, com atenção
especial à dinâmica neoliberal e às crises por ela provocada. Como
vimos na primeira seção, o neoliberalismo é
hegemônico no sistema capitalista desde a década
de 1980, quando nasceu com a promessa de desonerar a sociedade civil da
carga tributária
necessária para a manutenção do Estado de Bem-Estar Social. Com o tempo, entretanto, o
resultado foi o
contrário, tendo como consequências o aumento das desigualdades sociais e a
precarização das condições de vida em
diversas cidades do mundo. O aumento das
insatisfações sociais levou a diversos questionamentos do modelo neoliberal ao
longo das
duas primeiras décadas do século XXI, indo desde governos progressistas na América Latina e
nos EUA até os
populismos de extrema-direita, passando pelo desenvolvimentismo asiático.
FALA MESTRE
Capitalismo, propriedade e fatores de produção
Sinopse: José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec RJ,
e Guilherme Benchimol, fundador da XP Inc, refletem sobre os caminhos possíveis para a
evolução do capitalismo.
Sinopse: José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec RJ,
e Guilherme Benchimol, fundador da XP Inc, refletem sobre os caminhos possíveis para a
evolução do capitalismo.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Arthur Lima de. Apontamentos sobre o fim da temporalidade: elementos para uma
discussão. In : PEREZ,
Rodrigo; SILVA, Daniel. Tempos de crise: ensaios de história política.
Rio de Janeiro: Autografia, 2020. pp. 127-150.
BROWN, Wendy. Undoing the Demos: neoliberalism’s stealth revolution. Nova York: Zone
Books, 2015.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo,
2016.
FUKUYAMA, Francis. The end of history and the last man. Nova York: Free Press, 1992.
JENKINS, Rhys. How China is Reshaping the Global Economy. Development Impacts in
Africa and Latin America. Oxford:
Oxford University Press, 2019.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar,
2018.
LINZ, Juan; STEPAN, Alfred. Toward consolidated democracies. Journal of democracy, v. 27,
n 3, 2016, pp 5-17.
Consultado na internet em: 4 maio 2021.
MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS
AND CRIME - UNODC. About UNODC. [S.l.], 2019.
Consultado na internet em: 4 maio 2021.
SILVERMAN, Craig; ALEXANDER, Lawrence. How teens in the Balkans are duping Trump
supporters with fake news. Buzzfeed
News, v. 3, p. 874-888, 2016. Consultado na internet
em: 4 maio 2021.
EXPLORE+
Leia o artigo Neoliberalismo: genocídio de almas , publicado pela Revista Cult , sobre formas
críticas de pensar o
capitalismo.
Leia também o texto publicado em Opera Mundi , intitulado Hoje na História: 1933 -Roosevelt
apresenta New Deal ao
congresso , sobre o pensamento de Roosevelt.
Por último, consulte o texto Coronavírus: OMS decreta pandemia; o que muda nos cuidados
com a saúde? , publicado no
portal UOL, sobre a pandemia de coronavírus.
CONTEUDISTA
Rodrigo Perez Oliveira
CURRÍCULO LATTES
NOTAS
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