Você está na página 1de 4

A civilização do Espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura – Mario Vargas

Llosa
LLOSA, Mario Vargas. A civilização do Espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa
cultura.Tradução Ivone Benedetti. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013

Sobre o que é o livro?


Trata a obra de uma acurada análise sobre a transformação da cultura clássica, a qual instigava
a inteligência e aos bons valores, em simples reduto de entretenimento, fuga da realidade e
imbecilização em massa.
“(...) A ingênua ideia de que, através da educação se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade
está destruindo a ‘alta cultura’, pois a única maneira de conseguir essa democratização universal da
cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais superficial.” (p. 13).
“A cultura se transmite através da família e, quando esta instituição deixa de funcionar de maneira
adequada, o resultado é a deterioração da cultura (p.43)”. (p. 14).
“(...) no campo da técnica e da ciência nossa época produz milagres todos os dias. Mas o progresso
moderno, agora sabemos, tem amiúde, um custo destrutivo, por exemplo em danos irreparáveis à
natureza e à ecologia, e nem sempre contribui para reduzir a pobreza, e sim para ampliar o abismo de
desigualdades entre países, classes e pessoas”. (p.17).
A cultura é vítima do que Steiner chamou de “retirada da palavra”; noutros termos, deterioração da
palavra.
“(...) a ideia de cultura nunca significou quantidade de conhecimentos, e sim qualidade e sensibilidade”.
(p. 20).
“(...) num meio em que a vida deixou de ser vivenciada para ser apenas representada, vive-se ‘por
procuração’, como atores vivem a vida fingida que encarnam num cenário ou numa tela”. (p.22).
“A diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquelas
pretendiam transcender o tempo presente, durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os
produtos deste são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer (...)”. (p. 27).
Nessa ordem de ideias, enquanto a cultura do passado, a alta cultura, produzia coisas para serem
apreciadas, no melhor sentido do termo, atualmente, porém, na cultura do entretenimento, tudo é
concebido para ser meramente consumido.
“(...) o desaparecimento da velha cultura implica o desaparecimento do velho conceito de valor. O único
valor existente é o agora fixado pelo mercado.” (p. 27).
“O que quer dizer civilização do espetáculo? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela
de valores vigente é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão
universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. (...) Mas transformar em valor
supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas: banalização da cultura,
generalização da frivolidade e, no campo da informação a proliferação do jornalismo irresponsável da
bisbilhotice e do escândalo”. (29-30).
O que culminou para o surgimento dessa civilização:
1. O bem-estar que se seguiu aos anos de privação da Segunda Guerra Mundial e à escassez dos
primeiros anos pós-guerra;
2. Abertura dos parâmetros morais (a começar pela vida sexual);
3. Multiplicação da indústria de diversão, em virtude do bem-estar, da liberdade de costumes e do
espaço crescente ocupado pelo ócio;
4. Democratização da cultura (a quantidade em detrimento da qualidade).
“A literatura light, assim como o cinema light e a arte light, dá ao leitor e o espectador a cômoda
impressão de que é culto, revolucionário, moderno, de que está na vanguarda, com um mínimo esforço
intelectual. Desse modo, essa cultura que se pretende avançada, de ruptura, na verdade propaga o
conformismo através de suas piores manifestações: a complacência e a autossatisfação. ” (p. 32).
“(...) Querer fugir ao vazio e à angustia provocada pelo sentimento se ser livre e de ter a obrigação de
tomar decisões, como o que fazer de si mesmo e do mundo ao redor (...), é o que suscita essa
necessidade de distração, motor da civilização em que vivemos (...)”. (p.36)....
“(...)Na civilização do espetáculo, o cômico é rei (....)”. (p. 38).
“(....) na civilização do espetáculo, o intelectual só interessará se entrar no jogo da moda e se tornar
bufão”. (p. 40).
O que levou ao apoucamento e à volatização do intelectual em nosso tempo?
1. Descrédito por que muitas gerações de intelectuais incidiram por ter apoiada ou simpatizados
com regimes totalitaristas, bem como o seu silencio ante a horrores como o holocausto, dentre
outros.
2. Mas a real razão é o ínfimo valor que o pensamento tem na civilização do espetáculo.
“(...) nossa época, em conformidade com a inflexível pressão da cultura dominante [baixa cultura] (...),
privilegia o engenho em vez da inteligência, as imagens em vez das ideias, o humor em vez da sisudez,
o banal em vez do profundo e o frívolo em vez do sério (...)”. (p. 41).
“(...) não se surpreende que, na era do espetáculo, no cinema os efeitos especiais tenham passado a ter
um protagonismo que relega a segunda plano temas, diretores, roteiros e até atores. (....) isso se deve a
uma cultura que propicia o menor esforço intelectual, a ausência de preocupação, angústia e , em última
instancia, pensamento (...)”. (p. 42).
“(...) Nas artes plásticas a frivolidade chegou a extremos alarmantes. O desaparecimento de consensos
mínimos sobre os valores estéticos faz que nesse âmbito a confusão reine e continue reinando ainda por
muito tempo, pois já não é possível discernir com certa objetividade o que é ter e o que é não ter talento,
o que é belo e o que é feio, qual obra representa algo novo e duradouro e qual não passa de fogo de
palha. Essa confusão transformou o mundo das artes plásticas num carnaval em que genuínos criadores
e oportunistas embusteiros andam misturados, sendo frequentemente difícil distingui-los (...)”. (p.43).
Octavio Paz citado por Mario Vargas Llosa: “(...) a civilização do espetáculo é cruel. Os espectadores
não têm memoria; por isso também não tem remorsos nem verdadeira consciência. Vivem presos à
novidade, não importa qual, contanto que seja nova. Esquecem depressa e passam sem pestanejar das
cenas de morte e destruição da guerra do Golfo Pérsico às curvas, contorções e trêmulos de Madonna
e Michael Jackson (...)”. (p. 45).
NOTA: sobre o âmbito do sexo verificar página 46 e o âmbito do jornalismo página 47.
“(...) até nossa época cultura sempre significou uma soma de fatores e disciplinas que, segundo amplo
consenso social, a constituíam e eram por ela implicados: reivindicação de um patrimônio de ideias,
valores e obras de arte, de conhecimento históricos, religiosos, filosóficos e científicos em constante
evolução, fomento da exploração de novas formas artísticas e literárias e da investigação em todas os
campos do saber”. (p. 59).
“(...) o âmbito da literatura abarca toda experiência humana – pois a reflete e contribui decisivamente
para modelá-la – (...), por isso mesmo, ela deveria ser patrimônio de todos, atividade que se alimenta no
fundo comum da espécie e à qual se pode recorrer incessantemente em busca de ordem quando
parecemos imersos no caos, de alento em momentos de desanimo e de dúvidas e incertezas quando a
realidade que nos cerca parece excessivamente segura e confiável”. (p. 86).
“A vacuidade e a vulgaridade que têm minado a cultura de certa forma também prejudicaram outra das
mais importantes conquistas de nossa época nos países democráticos: a liberdade sexual, o eclipse de
muitos tabus e preconceitos que cercavam a vida erótica. Porque, assim como nos campos da arte e da
literatura, o desaparecimento dos formalismo na vida sexual não significa progresso, mas sim retrocesso
que desnatura a liberdade e empobrece o sexo, rebaixando-o ao puramente instintivo e animal.” (p. 95).
“(...) o valor supremo é agora divertir-se e divertir, acima de qualquer outra forma de conhecimento ou
ideal. As pessoas abrem um jornal, vão ao cinema, ligam a tevê ou compram um livro para se entreter,
no sentido mais ligeiro da palavra, não para martirizar o cérebro com preocupações, problemas, dúvidas.
Só para distrair-se, esquecer-se das coisas sérias, profundas, inquietantes e difíceis, e entregar-se a um
devaneio ligeiro, ameno, superficial, alegre e sinceramente estupido (...)”. (p. 123-124).
“Um aspecto nevrálgico de nossa época, que contribui para enfraquecer a democracia, é o desapego à
lei, outra gravíssima consequência da civilização do espetáculo [...]”. (p. 131)
“O desapego à lei nasceu no seio dos Estados de direito e consiste numa atitude cívica de desprezo ou
desdém pela ordem legal existente e na indiferença e anomia moral que autoriza o cidadão a transgredir
e burlar a lei quantas vezes puder para benefício próprio, principalmente lucrando, mas muitas vezes
também para simplesmente manifestar desprezo, incredulidade ou zombaria em relação à ordem
existente [...]. Uma explicação que se dá para o desapego à lei é que amiúde as leis são malfeitas, não
são ditadas para favorecer o bem comum, mas sim a interesses particulares, ou são concebidas com
tanta obtusidade que os cidadãos se veem estimulados a esquivar-se delas [...]. As más leis não
contrariam apenas os interesses dos cidadãos comuns, mas também desprestigiam o sistema legal e
fomentam esse desapego à lei que, como um veneno, corrói o Estado de direito […].” (p.132).
“O desapego [à lei] pressupõe que as leis são obras de um poder que não tem outra razão de ser senão
a de servir a si mesmo, ou seja, às pessoas que o encarnam e administram, e que, portanto, as leis, os
regulamentos e as disposições que emanam dele têm como lastro o egoísmo e os interesses particulares
e de grupos, o que exonera moralmente o cidadão comum de cumpri-los. A maioria costuma acatar a lei
porque não tem outra opção, por medo, ou seja, pela percepção de que há mais prejuízo que benefício
em tentar infringir as normas, mas essa atitude enfraquece tanto a legitimidade e a força da ordem legal
quanto das pessoas que delinquem ao infringi-las [...].” (p. 133-134).
“(...) nada tem de surpreendente o fato de na civilização da pantomima a religião se aproximar do circo
e às vezes se confundir com ele.” (p. 155).
“O laicismo não é contrário à religião; é contrário à transformação da religião em obstáculo para o
exercício da liberdade e em ameaça ao pluralismo e à diversidade que caracterizam as sociedades
abertas (...).” (p. 160).
“(...) quando o gosto do grande público determina o valor de um produto cultural, é inevitável que, em
muitíssimos casos, escritores, pensadores e artistas medíocres ou nulos, mas vistosos e pirotécnicos,
espertos na publicidade e na autopromoção ou hábeis em acalentar os piores instintos do público, atinjam
altíssimos níveis de popularidade, pareçam ser os melhores à maioria inculta, e suas obras sejam as
mais cotadas e divulgadas (...)”. (p. 164).
“No passado, a cultura foi muitas vezes o melhor meio de chamar a atenção para (...) problemas
[relevantes], uma consciência que impedia as pessoas cultas de darem as costas à realidade nua e crua
de seu tempo. Agora, ao contrário, e um mecanismo que permite ignorar os assuntos problemáticos, que
nos distrai do que é sério, submergindo-nos num momentâneo ‘paraíso artificial’ (...)”. (p. 183).

Você também pode gostar