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A ANTIGUIDADE ORIENTAL NA ACADEMIA

É impossível falarmos sobre o estudo da Antiguidade Oriental sem nos atermos à


Antiguidade Clássica grega, a Polis e a importância de suas imagens para a construção
do Ocidente. Isto se deve, principalmente, às características próprias do
desenvolvimento do campo da História Antiga.

Segundo Bruce Trigger (2008, p. 40-41), dos aborígenes australianos


contemporâneos aos gregos antigos, quase toda sociedade humana, de certa forma,
possui algum interesse em seu próprio passado. Para nós “ocidentais”, as fontes mais
antigas para a gênese de nossa civilização encontram-se na Antiguidade, período
histórico anterior à História Medieval e Moderna, que não só atribui sentido lógico aos
processos históricos europeus (expansão colonial e desenvolvimento capitalista), mas
também tece identidades individuais e coletivas nas grandes narrativas nacionais
(Guarinello, 2004, p. 164). De forma complementar, Martin Bernal (2005, p. 13-14) nos
lembra que, diferentemente de um suposto distanciamento da política moderna — seja
por questões temporais ou ideológicas — creditado a pesquisa e ensino da Antiguidade,
sua origem está, na verdade, intimamente inserida na lógica de dominação e legitimação
cultural europeia. Portanto, a produção historiográfica acerca da Antiguidade e, por
consequência seu ensino, não estariam alheios aos anseios do período histórico e meio
em que se inseririam, mas sim representariam uma manifestação do contexto
sociocultural em que foram concebidas (Bernal, 2005, p. 13-14).

Guarinello (2004, p. 173) caracteriza o surgimento da História Antiga como “um


movimento cultural e literário de produção de memória a partir de textos e objetos”.
Para o historiador, os vestígios materiais da Antiguidade, inicialmente, não constituíam
espaços de memória na paisagem para os indivíduos imediatamente posteriores ao seu
tempo. O fórum romano, na própria cidade de Roma, por exemplo, era utilizado, já no
medievo, para o pastoreio de animais e suas estátuas antigas derretidas para a produção
de cal. Até mesmo o passado bíblico parecia imóvel e imutável (Guarinello, 2004, p.
173). O autor, entretanto, não se refere aqui a um desinteresse intrínseco para com
ruínas de Roma, mas sim que o conhecimento relativo a um mundo pré-cristão foi se
dissipando com o passar dos séculos e com o surgimento de uma metodologia científica
nos anos posteriores, estas mesmas ruínas foram ressignificadas de acordo com as
manifestações culturais de seu tempo.
O interesse pelo passado sempre existiu. Podemos identificar ainda na Idade
Antiga, mais precisamente nas sociedades egípcias e mesopotâmicas, que os artefatos e
construções antigas não só eram valorizados enquanto relíquias de antigos governantes
que representavam um período de grandeza política e material, mas também como
fontes sobre o passado (TRIGGER, 2008, p. 43). Diversos são os exemplos. Durante a
Décima Segunda Dinastia egípcia (1991-1786 A.E.C), artesãos reais copiavam estilos
artísticos e arquitetônicos do Império Antigo e incorporavam-nos às tumbas reais de seu
tempo. A mesma preocupação com o passado se perpetuou durante a Décima Oitava
Dinastia (1552-1305 A.E.C), com os grafites deixados por escribas registrando suas
visitas à monumentos abandonados ou antigos, em uma tentativa de estudar e autenticar
antigos festejos reais. Na Décima Nona Dinastia (1292-1189 A.E.C), Khaemwese, filho
de Ramsés II, estudou os textos ligados às construções religiosas abandonadas perto da
cidade de Memphis, objetivando repará-las e reviver seus cultos. Na Mesopotâmia, o
Rei Nabonidus (556-539 A.E.C) e outros governantes babilônios posteriores escavaram
e estudaram antigos templos feitos de tijolos de barro, buscando reconstruí-los em seu
original e restaurar seus cultos. Ademais, também eram feitas coleções de estatuetas e
textos antigos visando purificar os ritos. O acervo reunido por Bel-Shati-Nannar, filha
de Nabonidus, por exemplo, é tratada como o mais antigo museu de antiguidades
conhecido (TRIGGER, 2008, p. 43-44). Fica evidente, portanto, a importância dada ao
passado para os povos mesopotâmicos e egípcios antigos. Isso se dava, segundo Trigger
(2008, p. 44), pela crença na proximidade temporal desses saberes e artefatos ao ato da
criação divina de suas civilizações que, por sua vez, carregariam consigo os modelos
mais puros a serem seguidos.

O entusiasmo sobre o passado, todavia, não foi suficiente para que essa “forma
antiga de antiquarismo” se desenvolvesse mais a fundo, limitando-se apenas ao
aperfeiçoamento de ritos baseando-se na ideia de que os conhecimentos passados seriam
superiores aos presentes (TRIGGER, 2008, p. 44-45).

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