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MUSEUS, ARQUIVOS E PATRIMÔNIO

HISTÓRICO
TRADIÇÃO: MEMÓRIA E
CONSTRUÇÃO
Autor: Me. Juscelino Pereira Neto
Revisor: Vinnícius Pereira De Almeida

INICIAR

i t d ã
introdução
Introdução
Os debates sobre patrimônio histórico têm se tornado cada vez mais abrangentes. À
luz da literatura sobre o tema, retomaremos as interpretações mais correntes sob
uma perspectiva histórica e conceitual da bibliografia especializada acerca dos temas
citados, classificando-os como um produto/recurso cultural com funções sociais e
políticas.

O patrimônio é definido por um grupo dominante dentro de uma sociedade


específica, e, em muitos casos, é decidido pela ação dos governos. Locais de
memória, como monumentos, placas, museus e espaços arquitetônicos simbólicos
são lembretes estáticos e permanentes do passado concretizados no presente.
Podem ser interpretados como esforços de construção de governos nacionais para
representar valores hegemônicos que cultivam noções de identidade nacional e
moldam ideias e histórias de uma nação.
A Invenção da
Tradição na
Construção do
Patrimônio

Em primeiro lugar, o termo “patrimônio” está enraizado no universo jurídico, pois


deriva do latim patrimonium , que significa, literalmente, o que se recebe de uma
família, sendo pater (pai) um termo entendido mais em seu sentido social do que no
afetivo e biológico (POULOT, 2003).

Em seu sentido lato, tem-se como referência a definição do Novo Dicionário Aurélio de
Língua Portuguesa : “[...] um bem, material ou não, significativo como produto e
testemunho de tradição artística e histórica, ou como manifestação da dinâmica
cultural de um povo ou de uma região” (FERREIRA, 1986, p. 247).

No entanto, deve-se lembrar que a terminologia “patrimônio”, ainda que tenha


referências históricas e concretas, apresenta, nos dias de hoje, uma dimensão em
construção, sujeita a incessantes redefinições e novos significados sobre os campos
aos quais se refere.

O surgimento do conceito de patrimônio cultural é resultado de um longo


desenvolvimento histórico em que diferentes valores são atribuídos a monumentos,
edifícios, obras de arte, artefatos, paisagens etc. A destruição ou perda sistemática
desses objetos suscitou imenso número de políticas públicas e de movimentos
sociais que demandavam a “proteção do patrimônio”, e levou à formulação de frases
como “valor universal excepcional” e à declaração de que esses objetos pertencem à
“humanidade”. Essas ideias foram desenvolvidas por meio do entendimento de que o
patrimônio cultural e o ambiente natural com o qual está intimamente enredado são
únicos e insubstituíveis. O surgimento do conceito está diretamente relacionado à
ideia de proteção ou de conservação.

A tradição de coletar objetos menores, como obras de arte e outras obras-primas


culturais, pertencia ao “interesse antiquário”. As primeiras coleções do Período
Medieval tardio e do início da Era Moderna consistiam em conjuntos de objetos
altamente selecionados ou em coleções enciclopédicas do tipo “o mundo inteiro em
uma sala”. Mas qual é a razão para o colecionismo?

O antiquário admira a História, a entende como o registro dos feitos notáveis do


passado. Essa admiração faz com que ele queira preservar o passado e protegê-lo do
sumiço dos tempos. Um homem antiquário olha para a vida dos indivíduos no
passado, sente-se parte dele e agradece por sua própria existência. Tem-se a
impressão de que ele deseja preservar, para as gerações futuras, as condições em
que ele surgiu e, portanto, preserva os objetos que as evoquem.

O historiador francês Dominique Poulot disserta sobre a natureza desses objetos,


por ele denominados “bens patrimoniais”, com capacidade de evocar o passado e
fazer a conexão com a História.

Os objetos “patrimoniais”, documentos e monumentos, testemunhos de


uma época, de pessoas e de eventos passados, separados de seu meio de
origem, quer porque perderam sua função e sua utilidade, quer porque
foram mutilados, modificados ou destruídos em maior ou menor grau,
manifestam um vínculo físico entre nós e o outro desaparecido: eles têm
um potencial de evocação (POULOT, 2003, p. 34).

Para um antiquário, os bens possuídos por seus antepassados são como um tesouro,
e sua reverência a eles faz com que sua alma conservadora e honrada se fixe neles.
Uma perspectiva antiquária o faz acreditar que as coisas do passado têm mais valor
do que as do presente.

Os antiquários remontam ao período do Renascimento. Manifestando um inequívoco


interesse pela Antiguidade greco-romana, esses homens dedicam um intenso
trabalho de exploração e pesquisa de objetos “autênticos” que sejam manifestações
do passado, o passado que inclui objetos de arte Antiga.

Para os humanistas do século XV e da primeira metade do seguinte, os


monumentos antigos e seus vestígios confirmavam ou ilustravam o
testemunho dos autores gregos e romanos. Mas, dentro da hierarquia da
confiabilidade, eles estavam abaixo dos textos, que conservavam a
autoridade incondicional da palavra. Os antiquários, ao contrário,
desconfiam dos livros [...]. Para eles, o passado se revela de modo muito
mais seguro pelos seus testemunhos involuntários, por suas inscrições
públicas e, sobretudo pelo conjunto da produção da civilização ocidental
(CHOAY, 2006, p. 62).

Desta forma, tem-se, a partir do Renascimento, cujo movimento humanístico


incentiva o interesse pela arte e valores da Antiguidade Clássica, o despertar de uma
busca incessante de estudiosos e eruditos da época por vestígios da Antiguidade
greco-romana. Esse colecionismo deu origem ao que ficou conhecido como
Antiquariado.

Figura 1.1 - O enigma (1756): gravura que retrata quatro antiquários se esforçando
para decifrar o que parece ser uma inscrição antiga
Fonte: John Bowles / Wikimedia Commons.

O objetivo do antiquário, ao preservar objetos, artefatos e construções que estavam


dispersas ou em vias de desaparecer, era resgatar e salvar um ideal estético e
reavivar um passado clássico. O caminho para tanto era a preservação dos
documentos e artefatos que passam a ter o significado de monumento.
Os objetos “patrimoniais”, documentos e monumentos, testemunhos de
uma época, de pessoas e de eventos passados, separados de seu meio de
origem, quer porque perderam sua função e sua utilidade, quer porque
foram mutilados, modificados ou destruídos em maior ou menor grau,
manifestam um vínculo físico entre nós e o outro desaparecido: eles têm
um potencial de evocação (POULOT, 2003, p. 34).

Segundo Poulot (2003), o conceito de patrimônio estava se definindo graças ao seu


valor, seja o econômico, seja, principalmente, o histórico. Por se configurar como
histórico, um bem que, ao ser deixado aos pósteros, remete a uma história e aponta
uma origem:

Para o direito romano, responsável pela formação de parte da


consciência ocidental, o patrimônio é o conjunto dos bens familiares
considerados não segundo seu valor pecuniário, mas segundo sua
condição de bens-para-transmitir. Tal traço os diferencia de forma
absoluta dos demais bens que, de modo geral, ‘não estão inscritos num
status [...], e sim considerados em separado dentro de um mundo de
objetos que possuem um valor próprio, atribuído exclusivamente pela
troca e pela moeda’. De fato, na cultura do patrimonium, ‘a norma social
pedia que aquilo que fosse possuído por alguém devia ter sido
transmitido através de herança paterna e aquilo que tinha sido herdado
devia ser transmitido.’ O termo ‘patrimônio’ remete assim a um bem de
herança que, segundo Littré, por exemplo, ‘descende conforme as leis dos
pais e das mães aos filhos’. Ele não evoca a priori o tesouro ou a obra-
prima, mas envolve a reivindicação de uma genealogia (POULOT, 2003, p.
35).

Essas foram as primeiras etapas de um longo processo de institucionalização de um


conjunto de artefatos e objetos de valor histórico a alcançarem a condição de
monumentos. A seleção desses objetos não foi operada pelo passado nem pelos
contemporâneos ao atribuírem aos objetos um valor histórico, mas foi baseada em
noções de valor inerentes à época e ao local da aquisição ou relacionadas à raridade,
à qualidade estética do objeto. Eles também foram uma demonstração do
conhecimento contemporâneo em expansão com a descoberta de novos segmentos
do mundo conhecido.

De início, o texto pretende trazer, a respeito da temática, apontamentos e


considerações preliminares que precedem a discussão sobre a invenção das
tradições patrimoniais, a ação preservacionista, o fato histórico e o lugar da memória
nas sociedades contemporâneas.

Lembrar e comemorar o passado é uma parte essencial do presente, sendo


importante por inúmeras razões, já que não apenas está inexoravelmente ligado ao
nosso senso de identidade, mas também constitui uma parte inerente ao processo
de herança, à medida que nos lembramos do passado ao sabor de nossas
necessidades e aspirações presentes (WALKER, 1996).

A escolha do patrimônio histórico é um processo altamente politizado, sujeito à


contestação e vinculado à construção, reconstrução, desconstrução, destruição de
memória e identidade. Isso porque a memória sempre representa uma luta pelo
poder e, portanto, está implicada nas perguntas “quem decide?” (WHELAN, 2003).

Figura 1.2 - Catedral de Notre-Dame de Paris em chamas no dia 15 de abril de 2019


Fonte: LeLaisserPasserA38 / Wikimedia Commons.

Essa noção de poder é central na construção do patrimônio e, consequentemente, na


identidade, dando peso ao argumento de que o patrimônio não é dado, é erigido
(HARVEY, 2001).

A Invenção das Tradições e


Monumentos
Muitos pesquisadores têm analisado a perspectiva de identificar as possibilidades do
processo de invenção e reinvenção da tradição. Ao inventar uma tradição, é criada a
oportunidade de constituição de locais de patrimônio cultural e, automaticamente,
estes se tornam partes representativas de um poder. Um patrimônio histórico é uma
dimensão do passado que uma sociedade, por meio de uma forma específica do
poder, decidiu preservar para lembrar de si mesma.

Yvonne Whelan (2003) afirma que o patrimônio histórico é constituído de ícones


memoriais de identidade, como monumentos, memoriais e edifícios; são construções
em que foram investidos significados e que estão eivadas de identidades, são
capazes de transmitir mensagens conscientes e estão sempre sujeitas à luta
incessante de interesses, muitas vezes, concorrentes. É o caso, por exemplo, da
capacidade específica que os campos de Auschwitz-Birkenau têm de evocar uma
memória específica do Holocausto. Esses locais de memória estão abertos a várias
interpretações e maleáveis às necessidades de poder e influência. O surgimento do
museu de Auschwitz-Birkenau – em 2002, a UNESCO declarou oficialmente as ruínas
de Auschwitz-Birkenau como Patrimônio da Humanidade – dois anos após o fim da
Segunda Guerra Mundial como símbolo do Holocausto é um dos muitos exemplos de
expressões de poder em ação. Um exame mais atento sobre a formulação deste
espaço simbólico destaca múltiplas tentativas das diferentes formas de poder que
tentaram, de maneira individual, conferir ao local uma maneira específica de se
preservar a memória de determinados grupos. A Igreja Católica e do antigo Estado
comunista polonês reivindicaram a propriedade do local para suas próprias
necessidades (CHARLESWORTH, 1994).

Essa disputa é reveladora de como o jogo em termos políticos se processa: aqueles


com maior capacidade de exercer sua influência têm interesse na produção de locais
de patrimônio cultural e tentam subjugar o passado em foco para legitimar uma
ordem social presente. Por essa razão, identidades e memórias, bem como o
patrimônio histórico e sua herança, são inevitavelmente seletivas, pois servem a
interesses particulares e ideologias políticas no presente (GILLIS, 1994).

A ideia de que o passado possa ser arbitrariamente produzido para ser consumido
como um subproduto das sociedades de mercado, assim como eventos e temas de
uma série com pano de fundo histórico para se adaptar à última moda, pode soar
tentadora, mas banaliza e aniquila o conceito de memória, que significa aquilo que
liga as pessoas em uma narrativa comum dentro da sociedade.

Mais uma vez, sob essa premissa, as memórias são vistas como seletivas, parciais e
usadas para atender às exigências individuais de identidade em um determinado
momento e em um espaço particular, como se os indivíduos se comportassem como
consumidores vorazes do passado, adquirindo o que melhor convém ou melhor se
adapta ao seu senso particular naquele momento (GILLIS, 1994).

Esse gesto pode guardar relação com a transitoriedade inexorável à História, isto é,
os indivíduos vislumbram o passado e reinterpretam eventos e ideias à luz do
presente; eles procuram sentido, coerência em eventos passados para calcar suas
ações presentes.

A este respeito, refletindo sobre as razões para selecionar aspectos particulares do


passado, Lowenthal (1985) assevera que as sociedades mudam e alteram o passado
porque precisam ou querem mais do que lhes foi legado pelas gerações passadas. O
autor acredita que a maioria das pessoas exagera sua antiguidade cultural ou oculta
sua relatividade. Posteriormente, novas Histórias mais apropriadas são “inventadas”:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,


normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade em relação ao passado
(HOBSBAWM; RANGER, 1984, p. 10).

Como o excerto anterior deixa entrever, os autores discutem sobre a noção de


“tradição inventada”. Essa categoria é chave para compreensão da construção dos
patrimônios históricos. Hobsbawm e Ranger (1984) distinguem, ainda, “tradição” e
“costume”, afirmando que o primeiro é invariável e o último não impede mudanças.
De acordo com os referidos autores, muitas práticas consideradas tradicionais são,
de fato, invenções bastante recentes, muitas vezes, deliberadamente construídas
para servir a fins ideológicos específicos, dentre elas, os patrimônios históricos. Por
mais simples que pareça, uma análise da invenção da tradição em si requer um
exame mais aprofundado dos conceitos-chave empregados. A característica essencial
da tradição, segundo os autores, é sua constância e invariabilidade.

Hobsbawm e Ranger (1984) identificam três razões principais pelas quais as tradições
são inventadas: promover a coesão social entre comunidades artificiais, legitimar a
autoridade e inculcar crenças na sociedade. Essa coesão social artificial se verifica na
medida em que se identifica uma referência a um passado simbólico, mas a
peculiaridade das tradições “inventadas” é que sua continuidade é um exercício
fictício. Em suma, as tradições podem ser respostas a situações novas que tomam a
forma de referência a situações antigas ou que estabelecem seu próprio passado por
meio da repetição quase obrigatória.

Os autores fazem uma distinção clara entre “tradição” e “costume”. A primeira é, por
natureza, descrita como imutável, enquanto o segundo sustenta a precedência como
base para a continuidade social e, portanto, é caracterizado por “flexibilidade” e
adesão formal ao precedente. Uma distinção adicional é feita com “convenção” e
“rotina”, que são descritas como conduta invariável com funções (e, portanto,
justificativas) que são técnicas e não ideológicas.

De tal distinção resulta uma conceitualização da tradição, que é estática e se


concentra mais nos símbolos e nos valores que eles incorporam do que nas
performances de rituais. O uso da palavra “tradição”, por exemplo, no idioma inglês,
foi percebido pela primeira vez no século XIV e, do latim ( traditum ), trazia consigo
vários significados: entrega (nas mãos de outro), entrega do conhecimento (por
gerações sucessivas) e a transmissão e instrução de uma doutrina. Tudo isso difundia
uma noção de algo transmitido com forte senso de respeito e dever e, portanto,
suscitou conotações poderosas relacionadas à velhice, à cerimônia, ao dever e à
reverência (HOBSBAWM; RANGER, 1984).

Essas “tradições inventadas”, no entanto, diferem de outras “tradições” porque


afirmam ser antigas, apesar de suas origens mais recentes, e tendem a surgir quando
uma rápida transformação da sociedade enfraquece ou destrói os padrões sociais
para os quais as “velhas” tradições foram projetadas.

Todavia, vale a pena notar outro significado, quase esquecido, do original latino
trā ditiō , que se referia à tradição como traição. Nesse sentido, a tradição parece ter,
já embutido em sua própria essência, um elemento de engano. Isso pode servir como
um alerta para a natureza potencialmente ilusória da tradição (VELHO, 2006).

Assim, as tradições normalmente parecem anacrônicas, ou seja, fora do tempo, e


deslocadas em um mundo que é inevitavelmente diferente daquele em que foram
concebidas.

Outra característica crucial da tradição é a adaptabilidade, que facilita sua existência


em circunstâncias históricas, a fim de manter a relevância e a vitalidade. A esse
respeito, as tradições não são diferentes dos costumes.
praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.

“A novidade mais importante trazida em 1988, sem dúvida, foi alterar o conceito de bens
integrantes do patrimônio cultural passando a considerar que são aqueles ‘portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira’” (SOUZA FILHO, 1999, p. 23).

Da citação anterior, que traz o excerto sobre a Constituição Federal de 1988 , no que diz
respeito ao patrimônio histórico, assinale a alternativa que não caracterize o que são
prerrogativas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

a) A prerrogativa de zelar pela guarda e a defesa da integralidade do patrimônio


público surgiu, pela primeira vez, no primeiro diploma federal brasileiro, tratando
do patrimônio cultural datado de 1933.
b) Proteger documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural.
c) A promoção de eventos culturais figura entre as atribuições dos órgãos de defesa
do patrimônio histórico cultural e artístico nacional.
d) Assegurar a preservação da fauna e da flora e garantir aos indivíduos que todos
tenham direito a um ambiente ecologicamente equilibrado.
e) Zelar pela segurança de obras de arte e proteger seu egresso para outros países.
A Construção da
Identidade em uma
Sociedade Autoritária

Os estudos sobre patrimônio destacaram a importância do papel do poder público


em diferentes realidades históricas e sociais. As teorias do patrimônio, no entanto,
foram formuladas tendo como pano de fundo, principalmente, regimes
democráticos. Pesquisas recentes têm buscado analisar políticas de patrimônio em
ambientes autoritários, a fim de entender o funcionamento interno de regimes não
democráticos e como eles enxergam, na política patrimonial, uma das estratégias de
legitimação de seus poderes.

O primeiro aspecto diz respeito à relação do patrimônio com o governo e às


maneiras pelas quais a conservação do patrimônio cruza com esse governo. Embora
a autoridade seja uma propriedade relativa comum a todas as sociedades, os
regimes políticos autoritários sempre exercem uma influência especial no patrimônio
cultural. Estudiosos apontam que, entre as tiranias europeias do século XX e os
regimes militares em todo o mundo, há, comparativamente, uma relação entre
patrimônio cultural e autoritarismo. Nesses regimes, há um uso autoritário do
passado.

Tal uso se faz necessário, pois a reivindicação de legitimidade de um regime é


importante para explicar seus meios de governar e, por sua vez, sua durabilidade, já
que confiar apenas na repressão é caro demais como forma de sustentar o regime
autoritário. Na tradição de Weber (1980), que introduziu um conceito empírico de
legitimidade, adotamos um entendimento de legitimação que se refere ao processo
de obtenção de apoio.

A relação entre História e Patrimônio pode, inicialmente, parecer natural. Se os


estudiosos do Patrimônio Cultural identificam e compreendem seu objeto de estudo,
“patrimônio” é um processo do que uma sociedade faz com seu passado (HARVEY,
2001). O vínculo entre patrimônio e identidade, dentro de um projeto autoritário
desse tipo, tende a se concentrar no controle e uso do patrimônio pelos poderes
“oficiais” e, muitas vezes, centraliza-se na nação como o principal veículo desse
projeto.

De fato, Smith (2006, p. 11) vê um “discurso de herança autorizado” hegemônico que


atua para validar um “[...] conjunto de práticas e performances, que preenche
construções populares e especializadas de ‘herança’ e mina ideias alternativas e
subalternas sobre herança”. Parafraseando uma das máximas da obra 1984 de
George Orwell, quem controla o presente controla o passado. No entanto, além de
ressaltar a “presença” e o propósito político do patrimônio, essa frase também coloca
em evidência a maneira como o patrimônio é usado visando o futuro, em vez de
permitir que ideias unidimensionais de “preservação” ocultem essa tarefa.

praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,


tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. São eles: - As formas de
expressão; - Os modos de criar, fazer e viver; - As criações científicas, artísticas e
tecnológicas; - As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988, on-
line ).

As alternativas a seguir são enquadradas no conceito do patrimônio histórico e artístico


nacional, com exceção de:

a) Podem ser classificadas como patrimônios históricos todas as obras que estejam
vinculadas a heranças de patrimônios estrangeiros.
b) Configuram-se como patrimônios históricos todas as obras que sejam compradas
por pessoas estrangeiras para adorno de suas casas.
c) Configuram-se como patrimônios históricos todas as obras que pertençam ao
comércio de objetos de valor histórico e/ou artístico.
d) Podem ser classificadas como patrimônios históricos todos os objetos que
adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam
carreira no país.
e) Podem ser classificadas como patrimônios históricos todas as obras que foram
adquiridas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais.
A Ideia de Mito
Fundador

Um mito fundador pode ser compreendido como narrativa ou alegoria que


apresenta uma versão inspiradora sobre o passado de uma nação. Esses mitos
costumam servir como um importante símbolo nacional e trazem consigo um
conjunto de valores nacionais que são modelares, isto é, devem servir de exemplo
aos cidadãos. Às vezes, um mito nacional pode assumir a forma de um épico nacional
ou ser incorporado a uma religião civil, entendida como:

[...] sentimentos de sociabilidade que instilassem que o súdito fiel fosse


também um bom cidadão e que estariam alicerçados na exortação e
crença em uma divindade inteligente, benfazeja e poderosa; em uma vida
futura; na felicidade dos justos e no castigo dos ímpios, bem como na
santidade das leis e do contrato social (FILHO, 2006, p. 232).

A esse respeito, Fernando Catroga traz o conceito de religião civil para compreender
as bases da formação e da organização de Estados. A religião civil é compreendida
enquanto “[...] componente religadora que teve seu primeiro grande teorizador em
Rousseau, e cuja função reside na sacralização do viver comum de uma dada
colectividade” (CATROGA, 2005, p. 12).

Catroga identifica em Rousseau a definição de religião civil, que consistiria na crença


em um Deus transcendente, na imortalidade da alma e no Juízo Final. Essas
premissas seriam necessárias para a sacralização do próprio contrato social que
plasma a organização entre os cidadãos. Exemplo empregue por Catroga é a
formação dos Estados Unidos da América. Nesse país, apesar de não existir uma
religião civil estabelecida, porém emulada pelo poder político, haveria a imagem dos
habitantes estadunidenses como um “povo eleito”, destinado ao expansionismo
territorial, a ocupar as terras à Oeste, em direção ao México (CATROGA, 2005).

Um grupo de mitos relacionados a uma nação pode ser chamado de mito nacional,
μῦθος, a palavra grega original para "mito". Um mito nacional costuma ser uma lenda
ou narrativa ficcionalizada que foi elevada a um nível mitológico, simbólico, mas que
goza de estima séria, de maneira a traduzir de modo fiel a história da nação.

Os mitos não têm compromisso com a veracidade dos fatos e, por essa razão,
costumam carregar nas cores e dramatizar incidentes verdadeiros, ou omitir detalhes
históricos importantes, ou adicionar detalhes para os quais não há evidências, mas
que trazem uniformidade à narrativa, a fim de que ela componha uma mensagem e
transmita um valor, ou, ainda, simplesmente elaborar um relato, uma história fictícia
que ninguém entende como sendo literalmente verdadeira, mas que contém um
significado simbólico para a nação.

Entre exemplos desse tipo de literatura estão o folclore nacional de muitas nações -
que trazem, em seu interior, narrativas de mitos fundadores -, que pode envolver
uma luta contra o colonialismo ou uma guerra de independência. Não raras vezes, as
narrativas contêm significados distintos de mitos nacionais que conflitam entre si
sobre a versão apresentada.

Os mitos nacionais servem a muitos propósitos sociais e políticos. Os mitos nacionais


costumam existir apenas para fins de propaganda patrocinada pelo Estado. Essa
questão remete a uma análise rigorosa das relações entre religião e Estado, em suas
múltiplas perspectivas. Nas ditaduras totalitárias, por exemplo, é atribuído ao líder
uma história de vida sobrenatural, mítica, para, assim, fazê-lo parecer divino e
suprapoderoso. Tal característica justificaria o chamado “culto à personalidade”.

No entanto, mitos nacionais não são apanágio de sociedades totalitárias, ao


contrário, existem em todas as sociedades. Nos regimes liberais, eles podem servir
ao propósito de inspirar a virtude cívica e o autossacrifício (MILLER, 1995), ou de
consolidar o poder dos grupos dominantes e legitimar seu governo.
praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.

"O museu é uma instituição permanente de fins não lucrativos, a serviço da sociedade e de
seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire e conserva, pesquisa e expõe, com
finalidade de estudo, educação e entretenimento a evidência material do homem e de seu
ambiente" (CHAGAS, 1985, p. 183).

Iniciativas que promovam a aproximação identitária e cultural entre indivíduos de


coletividades às obras, aos bens culturais e às obras de artes em espaços de museus devem
ser um esforço contínuo, a fim de facilitar a compreensão da obra de arte ou arquitetônica
em questão em toda sua magnitude, incutindo nos indivíduos o gosto pelas atividades
culturais. Considere as alternativas e marque a que corresponde corretamente à descrição.

a) O museu é um serviço à memorialização, planejado por governadores e bacharéis


em Direito enquanto um espaço cultural.
b) A musealização, concebida por arquivistas e técnicos do setor de comunicação.
c) A mediação cultural, realizada por profissionais da instituição/museu.
d) A prática de curatorial, promovida por estudiosos em história da arte.
e) A comunicação patrimonial, estimulada por setor de publicidade do museu.
O Fato Histórico

Antes de adentrar na discussão sobre o que é fato histórico, mais prudente é dar um
passo para trás e definir o significado de história, isto é, ainda que estejamos mais
familiarizados com a palavra, é uma noção mais precisa do que isso significa.

Em geral, a história tem a ver com o pensamento e ação de homens e mulheres que
viveram em tempos passados, ou, como precisou Marc Bloch (2002), a história como
a ciência dos homens no tempo. Com efeito, se há um ligeiro consenso do que seja
presente, o mesmo vale, também, para o que seja passado.

Há a sensação reconfortante para alguns (e inquietante para outros) de que o


passado esteja distante dos indivíduos. Em todo caso, é nessa temporalidade que o
historiador opera: a partir do seu tempo presente, ele trabalha no passado, explora-
o com o fito de descobrir o que os homens fizeram e pensaram em suas
temporalidades. Para isso, ele necessita descobrir e expor os "fatos" da história.

A definição de fato histórico é assim oferecida por Carr (1996, p. 38):

Que é um fato histórico? Esta é urna questão crucial que devemos olhar
mais de perto. De acordo com a visão do senso comum, há certos fatos
básicos que são os mesmos para todos os historiadores e que formam,
por assim dizer, a espinha dorsal da história - o fato, por exemplo, de que
a Batalha de Hastings aconteceu em 1066.

Um fato histórico é um fato sobre o passado; procura responder à pergunta muito


básica com a qual todo historiador se defronta: "o que aconteceu?". Além de
meramente listar os eventos em ordem cronológica, os historiadores tentam
descobrir por que os eventos aconteceram, quais circunstâncias contribuíram como
causa, quais efeitos subsequentes eles tiveram e como foram interpretados. Para
Carr (1996, p. 68), em posse dos fatos, o historiador começa a executar seu ofício,
qual seja,

[...] a história começa com a seleção e a ordenação dos fatos pelo


historiador para que se tornem fatos históricos. Nem todos os fatos são
fatos históricos. Mas a distinção entre fatos históricos e não históricos não
é rígida ou constante; qualquer fato pode, por assim dizer, ser promovido
ao status de fato histórico a partir do momento que se distinguem sua
relevância e sua significação.

Contudo, onde está o fato histórico? Um acontecimento, por exemplo, é um evento


real, sua ocorrência marca o fato no momento que aconteceu. Os historiadores, no
futuro, selecionam esse fato, que também pode ser eventos, atos, pensamentos,
emoções, mas que desapareceram para sempre como ocorrências reais (BECKER,
1955).

Portanto, é com isso que o historiador lida. Estes são o seu material. O fato histórico
está nos registros - em jornais contemporâneos, cartas, diários, testemunhos orais,
imagens, quadros, pinturas rupestres, como afirma Michel de Certeau (1982), o
historiador lida com o morto e resgata esse morto (documento) para a vida através
de sua escrita (operação historiográfica).

O historiador pode estar interessado em qualquer coisa que tenha a ver com a vida
do homem no passado - qualquer ato ou evento, qualquer emoção que os homens
tenham expressado, qualquer ideia, verdadeira ou falsa. Ainda que historiador esteja
interessado em quaisquer eventos desse tipo, ele não pode lidar diretamente com
esse evento em si, uma vez que este já desapareceu. Aquilo com que ele pode lidar
diretamente é a afirmação que tenha ficado registrada sobre o evento e que tenha
sido preservada.
Ele lida, em síntese, não com o evento, mas com uma afirmação que assegure (ainda
que a afirmação seja falsa) que o evento ocorreu. O historiador está sempre lidando
com atos, pensamentos, ideias que tenham sido registradas. O fato histórico é o
evento passado, um símbolo que nos permite recriá-lo imaginativamente.

Em uma tentativa coletiva de entender o que aconteceu, os historiadores comparam


histórias de uma ampla variedade de fontes, buscando elementos comuns que
corroborem um relato plausível. Muitas vezes, fontes historiográficas são cotejadas
com as descobertas arqueológicas. O método historiográfico pressupõe que a
História não seja uma ciência exata; ao dispor de um instrumental teórico, técnicos e
tecnológicos que estão em constante aperfeiçoamento, é possível que apresentem
versões mais verossímeis do passado (BECKER, 1955) .

Em um esforço para entender o que realmente aconteceu, os historiadores


comparam histórias de uma ampla variedade de fontes, buscando elementos
comuns que corroborem um relato plausível. As contas são comparadas com os
achados arqueológicos. Nem a História nem a Arqueologia são ciências exatas, mas
as melhorias técnicas e tecnológicas ao longo dos anos permitiram que ambos
apresentassem casos cada vez mais fortes pelas suas contas do passado.

Veja a seguir, o infográfico sobre Patrimônio Cultural:

Ruínas
de
estradas
romanas
de Wikimedia
Conímbriga Commons
A definição atribui ao patrimônio cultural o
legado de artefatos físicos e atributos
imateriais de um grupo ou da sociedade
herdados ao longo das gerações
passadas.Nem todos os legados das
gerações passadas são "patrimônio", o
patrimônio é um produto da seleção das
sociedades. O patrimônio cultural inclui
cultura tangível (como edifícios,
monumentos, paisagens, livros, obras de
arte e artefatos), cultura intangível (como
folclore, tradições, idioma e conhecimento)
e patrimônio natural (incluindo paisagens
culturalmente significativas e
biodiversidade.

A definição atribui ao patrimônio cultural o legado de artefatos físicos e atributos


imateriais de um grupo ou de uma sociedade herdados ao longo das gerações
passadas. Nem todos os legados das gerações passadas são "patrimônio", pois o
patrimônio é um produto da seleção das sociedades. O patrimônio cultural inclui
cultura tangível (como edifícios, monumentos, paisagens, livros, obras de arte e
artefatos), cultura intangível (como folclore, tradições, idioma e conhecimento) e
patrimônio natural (incluindo paisagens culturalmente significativas e biodiversidade.
Os Lugares e o direito
à Memória

Quando se afirma que a memória é viva, significa que a História é uma operação
intelectual que está sempre revolvendo e narrando o passado. Nas sociedades que
vivem sob o signo da História, alguns lugares funcionam como “refúgios” da
memória por conferirem a ela materialidade. Esses locais são chamados de "lugares
da memória".

Um lugar de memória ou local da memória é um conceito popularizado pelo


historiador francês Pierre Nora em sua coleção de três volumes Les Lieux de
Mémoire. O lugar da memória está relacionado à memória coletiva, afirmando que
certos lugares, objetos ou eventos podem ter um significado especial relacionado à
lembrança do grupo (NORA, 1993). Nas palavras de Nora (1993, p. 21-22),

Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de


arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura
simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de
aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra
na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que
parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um
corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um
lembrete concentrado de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre [...].
É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese , pois
garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua
transmissão; mas simbólica por definição visto que caracteriza por um
acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno número uma
maioria que deles não participou.

Pode se referir, portanto, a qualquer lugar, objeto ou conceito que tenha significado
histórico na memória coletiva popular, como um monumento, um museu, um
evento, um símbolo, como uma bandeira, mesmo uma cor revestida de memória
histórica (a bandeira vermelha da política de esquerda, por exemplo).

Segundo a Commission franco-québécoise sur les lieux de mémoire communs (Comissão


franco-canadense sobre os lugares de memória comuns), um local de memória
significa marcos culturais, lugares, práticas e expressões decorrentes de um passado
compartilhado, sejam materiais (monumentos) ou intangíveis (linguagem e
tradições).

À medida que os locais de memória se tornam mais conhecidos e oficializados pelos


governos, eles tendem a homogeneizar diversas memórias locais. De acordo com
Nora (1993), no passado, havia uma história nacional e uma multiplicidade de
lembranças particulares. A memória nacional, cuja unidade está assentada em
patrimônios materiais que estão sob constante demanda, sofrem os perigos da
divisão e da expansão, correndo o risco de se tornarem “tradições inventadas”
(NORA, 1993).

As conexões entre memória, território e patrimônio são complexas e, muitas vezes,


se sobrepõem. Inerente à produção de locais de patrimônio cultural está o conceito
de territorialidade. A memória já foi entendida por autores como analogia de um
“local físico” e, assim, estaria intimamente ligada aos esforços para construir território
e local (LURIA, 1968).

O conceito de - ou atos de - territorialidade se liga a noções de um espaço geográfico


demarcado (um território) que, geralmente, contém algum tipo de comunidade
homogênea e que ali coabita, compartilhando uma identidade ou uma herança
coletiva (GROSBY, 2005). A territorialidade seria necessária para estabilizar e
mobilizar grupos ou indivíduos dentro de limites demarcados. Dentro das
sociedades, então, vários grupos inserem símbolos nas paisagens culturais que
ressoam com seu senso de patrimônio e identidade, e que, simultaneamente, incitam
a lembrança e a marca do território. Para que a territorialidade funcione, o grupo que
elenca símbolos deve ter estes signos reconhecidos.
Do mesmo modo, a territorialidade não apenas demarca as fronteiras que, em última
análise, pretendem excluir os estrangeiros, mas, ao mesmo tempo, que conquistam e
asseguram um espaço público compartilhado e controlam os que estão dentro do
território. Tais objetivos são endossados pela crítica irlandesa Edna Longley (1994),
que afirma serem os marcadores territoriais direcionados tanto para a comunidade
local quanto para os de fora. Cita, como exemplo, as bandeiras, que refletem a
herança de um grupo ou nação em particular, produzem pertencimento e exclusão e
são bons exemplos de significantes territoriais.

Os patrimônios históricos têm o efeito simbólico de produzir nos estrangeiros o não


pertencimento ao território em que estão prestes adentrar, o sentimento de que
aquele espaço não é deles. Pelo contrário, pertence àqueles que vivem dentro dos
limites demarcados ou àqueles que simpatizam com o que a bandeira representa. Os
limites são construídos e mantidos através da produção de símbolos, no esforço de
reivindicar poder para a coletividade dos indivíduos (TILLY, 1990).

O patrimônio edificado reforça as demarcações espaciais que, por sua vez,


sustentam o poder do grupo dominante e são componentes essenciais para o
controle dos grupos e dos valores hegemônicos que o grupo dominante representa
ou impõe. Os grupos dominantes geralmente estão identificados com o Estado
nacional; são eles que controlam as fronteiras territoriais e exercem o monopólio da
violência (dois componentes inexoravelmente interconectados), que são as duas
características definidoras do estado atual. As fronteiras territoriais são as bases de
instituições como a soberania nacional, do mesmo modo que a cidadania está
atrelada à ideia de bem-estar social e de democracia.
reflita
Reflita
"Patrimônio histórico. A expressão designa
um fundo destinado ao usufruto de uma
comunidade alargada a dimensões
planetárias e constituído pela acumulação
contínua de uma diversidade de objetos
que congregam a sua pertença ao
passado: obras e obras-primas das belas-
artes e das artes aplicadas, trabalhos e
produtos de todos os saberes e
conhecimentos humanos. Na nossa
sociedade errante, sempre em
transformação devido ao movimento e
ubiquidade do seu presente, ‘patrimônio
histórico’ tornou-se numa das palavras-
chave da tribo mediática: ela remete para
uma instituição e para uma mentalidade"
(CHOAY, 2006, p. 10).
reflita
Reflita
A constituição de um patrimônio histórico
não é, portanto, um conjunto
indiscriminado de objetos, desprovidos de
qualquer definição para todas pessoas. É
um processo que se opera a partir de um
recorte que o presente faz no passado e
que está intimamente relacionado aos
requisitos de identidade no presente. Essa
identidade é sempre objeto de disputa
entre os grupos para legitimar, desafiar,
refutar ou minar o poder.
saiba
mais
Saiba mais
Diversos grandes museus e galerias de arte de
todo o mundo podem ser visitados virtualmente.
Eles oferecem experiências interativas aos
visitantes para que possam acompanhar o acervo
do local escolhido. Um dos mais famosos museus
da cidade de Nova York, o Metropolitan Museum
of Art – conhecido como MET – oferece uma
experiência completa de visão em 360º graus dos
espaços do museu, como, por exemplo, o
corredor principal, além de oferecer a visualização
de fotos e descrições sobre as obras. Veja mais no
site.

ACESSAR

O patrimônio histórico é sempre um ato político circunscrito territorialmente,


atendendo a certos grupos por meio da comunicação de narrativas de inclusão e
exclusão, continuidade e instabilidade. Em síntese, trata-se de operação complexa
que não pode ser separada dos conceitos de memória e identidade.

Locais de monumentos e patrimônio histórico funcionam como “topoi retórico”,


(lugar retórico): atuam como locais de construção da memória cívica ao instruírem os
cidadãos sobre o que eles devem valorizar com relação a sua herança nacional e suas
responsabilidades públicas. Esses espaços pretendem incorporar poder,
transparecer grandeza, resistência, memória e perda (SILVEIRA; BUENDIA, 2011).

Tais locais retóricos são instrumentos poderosos e oficiais da reconstrução da


memória. Valendo-se de uma metáfora teatral, é como se os cidadãos reencenassem
e repetissem o passado em um ato dramatúrgico cujo palco seria o território
ocupado pelo Estado nacional, e essa obra teria como diretor seus governos
nacionais.
praticar
Vamos Praticar
“História que fermenta a partir do estudo dos ‘lugares’ da memória coletiva. ‘Lugares
topográficos, como os arquivos, as bibliotecas e os museus; lugares monumentais como os
cemitérios ou as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações, as
peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais como os manuais, as
autobiografias ou as associações: estes memoriais têm a sua história’. Mas não podemos
esquecer os verdadeiros lugares da história, aqueles onde se deve procurar, não a sua
elaboração, não a produção, mas os criadores e os denominadores da memória coletiva:
'Estados, meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou de gerações,
levadas a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da
memória’” (LE GOFF, 1990, p. 474).

Após analisar o excerto da obra do historiador francês, analise as alternativas sobre o


patrimônio histórico cultural e marque a correta.

a) A preservação do Patrimônio e da memória deve considerar somente os bens


materiais de reconhecível valor arquitetônico.
b) A memória é atributo essencial da identidade social. Para que ela sempre se
renove, resta preservar os bens históricos nos museus e destruir os antigos
monumentos para que exista a possibilidade do surgimento de novos bens culturais.
c) O Patrimônio Material é o único capaz de conferir identidade cultural sólida,
portanto, todos devem ter acesso aos bens materiais que representam o passado.
d) A preservação do Patrimônio e da memória interessa mais aos museólogos do
que aos gestores, que devem, em primeiro lugar, buscar o desenvolvimento
econômico da sociedade.
e) O Patrimônio Cultural interessa a toda a sociedade, uma vez que toca em um
direito fundamental dos cidadãos, que é o direito à memória, e que é base para a
construção da identidade cultural.
indicações
Material
Complementar

FILME

Vale Tombado
Ano : 2016
Comentário : Vale Tombado é um documentário que mostra
os bairros Rio da Luz, em Jaraguá do Sul e Testo Alto, em
Pomerode, Santa Catarina, quando estes locais foram
oficialmente transformados em patrimônio histórico
nacional. O documentário discute a necessidade de
preservação da paisagem cultural e da memória, refletindo
sobre as dificuldades de se manter o passado vivo.
Para conhecer mais sobre o filme, acesse o trailer a seguir.

TRAILER
LIVRO

Memória e Patrimônio: Ensaios


Contemporâneos
Editora : DP&A
Cláudia Cristina de Mesquita Garcia Dias, Regina Abreu,
Mário de Souza Chagas
ISBN : 8574902411, 9788574902418
Comentário : O livro Memória e patrimônio é um conjunto de
ensaios sobre o novo momento, em que a discussão do
patrimônio cultural vive no país após a aprovação do Decreto
3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o inventário e o
registro do patrimônio cultural imaterial ou intangível. Com
essa aprovação, muitas possibilidades de patrimônios
culturais foram inauguradas.
conclusão
Conclusão
O presente texto procurou promover uma discussão que auxiliasse na compreensão
dos principais conceitos e questões que envolvem as conexões entre patrimônio,
memória e identidade, destacando a interseção destas categorias no âmbito cultural.

Discutindo a importância e o significado da edificação de patrimônios históricos


como instrumentos de análise, compreendeu-se seu potencial para expressar não
apenas relacionamentos no presente, mas também um relacionamento em mudança
da sociedade com seu passado.

Enfatizou-se que a construção do patrimônio histórico é um processo dinâmico e


negociável, sujeito à contestação, ao conflito de forças que envolvem o poder e
maleável às necessidades das sociedades e culturas no presente.

referências
Referências
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