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FICHAMENTO:

TEXTO 1: ANTROPOLOGIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL


AUTORA: Juliana Geraldi Yamaguti

Já a palavra cultura para a Antropologia é um conceito chave para interpretar a vida social.
Para Da Matta (1981), cultura não é apenas referência que marca uma hierarquia de
“civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa.
Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através
do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo
e a si mesmas. (DA MATTA, 1981: 2). Pag. 04

Mas a grande descoberta antropológica, segundo Da Matta (1999), é que todo o mundo têm
“cultura”. Lida como um substantivo, à maneira antropológica, a palavra “cultura” não fala
apenas de um processo ou de certos traços de qualidade que podem ser achados,
adquiridos, ensinados ou perdidos, esquecidos e aprendidos, mas de um estado. Pag.04

compreende a cultura como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais,


intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange,
além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de
valores, as tradições e as crenças. (Unesco) pag. 04/05

No Brasil, a Constituição Federal (1988), em seu artigo 216, entende por cultura: todas as
ações por meio das quais os povos expressam suas formas de criar, fazer e viver. Pag.05

A NOÇÃO DE PATRIMÔNIO

Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos, e


as obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os
saberes, os fazeres, os falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as idéias e a
fantasia. (FONSECA, 2001: 69). Pag.05

(...) em 1972 a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura, culminando na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural, que definiu, em seu artigo 1º, o que é considerado Patrimônio Cultural:

Os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos


de estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor
universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

Os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua


arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tem valor universal excepcional do ponto
de vista da história, da arte ou da ciência;

Os locais de interesse: obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e


as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional
do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. Pag.06
Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns
casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este
patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e
contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
Para os fins da presente
Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja
compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os
imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável. (Unesco, 2003: 4). Pag.07

De acordo com Fonseca (2009), tal prática deve priorizar sua análise à luz de dois fatos: o
primeiro refere-se ao movimento modernista, cujos intelectuais foram os protagonistas dos
projetos patrimoniais por ocuparem as direções dos órgãos nacionais criados para a gestão
do patrimônio no Brasil. O segundo fato refere-se à ambiência histórica do Estado Novo, à
ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), período fortemente marcado pela censura, mas, ao
mesmo tempo, espaço aberto para a realização de projetos. Pag.08

Na concepção do Iphan (2010), patrimônio cultural é aquilo que diz respeito à formação de
uma comunidade, uma cidade, um estado e um país. É tudo o que representa a cultura de
um povo. Considera-se patrimônio os saberes criados e passados de geração em geração,
aperfeiçoados e modificados com o passar do tempo. São também frutos da relação do
homem
com a natureza e entre si, são a herança coletiva de um povo apresentando-se, dessa
maneira, a razão de sua preservação, a fim de manter viva a história e a memória. Pag. 09

O órgão federal de preservação patrimonial classifica o patrimônio cultural em:


1. Patrimônio material: edificações, objetos de arte, objetos de uso cotidiano, bens
arqueológicos, entre outros. Considerados bens “palpáveis”.
2. Patrimônio imaterial: são as festas, folguedos, lendas, culinária, modos de fazer e outros.
São aqueles bens culturais que não têm existência material, conhecidos também como
intangíveis. Pag.09

conforme Rotman e Castells (2007), que o afastamento entre material e


imaterial é impraticável, pois esses aspectos estão unidos e se articulam como expressão
do patrimônio cultural:
pag.10

“[...] a intangibilidade pode ser valorizada inclusive como o aspecto mais relevante de um
bem, na medida em que precisamente sua legitimação como patrimônio será resultado das
lutas pela imposição do sentido “[...] são os significados, os usos e valores que se
assinalam e se atribuem às expressões culturais os fatores que determinam seu caráter e,
portanto, sua inclusão no campo patrimonial”. (ROTMAN e CASTELLS, 2007: 73 e 74).
Pag.10
O primeiro ponto ou aspecto da agenda, de acordo com Arantes
(2006: 426):
...o ponto de partida tácito é que o patrimônio é construção social e, assim sendo, torna-se
necessário considerá-lo no contexto das práticas sociais que o geram e lhe oferecem
sentido. Pag.10

Fonseca (2017) relata que em todos os textos jurídicos é o valor cultural atribuído ao bem
que justifica seu reconhecimento como patrimônio e, consequentemente, sua proteção pelo
Estado. Pag.10

O patrimônio é referência para quem? O patrimônio tem sentido para quem? Abreu (2012)
apresenta o surgimento de duas novas forças: a preservação e destruição do que era
considerado patrimônio de uma nação. Aqui, podemos indagar sobre o que preservar e
sobre o que apagar? Quais memórias iluminar e quais memórias apagar?
A quem cabe tal decisão? Pag.11

A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA NO CAMPO PATRIMONIAL

O referido episódio, segundo o antropólogo brasileiro, contribuiu para a reflexão sobre a


dinâmica e as transformações do patrimônio cultural. O autor analisou o episódio como um
drama social, usando os termos do antropólogo inglês Victor Turner. Havia um grupo de
atores bem definido com opiniões e mesmo interesses não só diferenciados, mas
antagônicos em torno
de uma temática que se revelava emblemática para a própria discussão da identidade
nacional e constata:

Independentemente de aspectos técnicos e legais, o que estava em jogo era, de fato, a


simbologia associada ao Estado em suas relações com a sociedade civil. Tratava-se de
decidir o que poderia ser valorizado e consagrado através da política de tombamento.
Reconhecendo a válida preocupação de conselheiros com a justa implementação da figura
do tombamento, hoje é impossível negar que, com maior ou menor consciência, estava em
discussão a própria identidade da nação brasileira. Pag.17

...é crucial a nossa tarefa de procurar perceber e compreender os diferentes pontos de vista
em jogo. Sabemos, pelo menos desde Simmel, que o conflito é fenômeno constitutivo da
vida social (ver p. ex. Simmel 1964 e 1971), que percebo como um constante e ininterrupto
processo de negociação da realidade, com idas e vindas, recuos e avanços, alianças sendo
feitas e desfeitas, projetos adaptando-se e alterando-se, com transformações institucionais
e individuais. Pag. 17

ANTROPOLOGIA, EDUCAÇÃO E PATRIMÔNIO CULTURAL


O olhar antropológico sobre a Educação não se restringe ao universo do espaço escolar e,
neste sentido, a educação não-formal passa a ser objeto relevante de análise antropológica.
Carlos Rodrigues Brandão (1983: 9) menciona os processos de transmissão do saber
popular no contexto das folias de reis: “antes de surgirem as escolas, são os lugares dos
rituais os melhores
espaços de trocas de saber. Dançando se sabe e cantando se ensina o saber da história e
dos mitos da tribo”. Pag.19

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O CONCEITO PELO MUNDO AFORA

No Brasil, atribui-se o momento de fundação da Educação Patrimonial ao I Seminário


realizado em 1983, no Museu Imperial – instituição vinculada ao Iphan – por Maria de
Lourdes Horta (diretora da instituição no referido período), baseado no conceito de Heritage
Education, termo de origem inglesa. As experiências pioneiras de Educação Patrimonial
foram realizadas em museus. Pg.21

Vale lembrar a influência da pedagogia “freiriana”, que apresenta como um dos pontos
fundamentais em suas discussões o conceito antropológico de cultura. Paulo Freire,
educador, pedagogo e filósofo brasileiro, procurou observar que este tema é de extrema
relevância em qualquer contexto, uma vez que, ao discutir sobre a cultura e seus
elementos, os indivíduos vão desnudando a sua realidade e se descobrindo nela. Assim,
para Lima Filho (2007), cultura material torna-se elemento do processo de “alfabetização
cultural”, termo utilizado por Freire, assim como uma concepção de cultura que inclui as
manifestações eruditas e populares.
Pag.22

A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao


indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo
sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Esse processo leva ao
reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira,
compreendida como múltipla e plural. (HORTA;1999: 6). Pag. 23

o Iphan apresenta a Educação Patrimonial como:


[...] todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio
Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio histórica das
referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu
reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos
educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por
meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva
das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem
diversas noções de Patrimônio Cultural. (FLORÊNCIO; 2014: 21) pag. 23/24

Para o Iphan, a Educação Patrimonial tem função mediadora e deve proporcionar uma nova
leitura da história com o objetivo de apresentar outras ferramentas, outros objetos e saberes
no espaço escolar – na educação formal, desconstruindo, desse modo, a ideia e a prática
da história e da memória impostas e contadas de cima para baixo, em uma perspectiva
elitista, mas sim, um espaço de diálogo, autonomia e participação da população, da
comunidade produtora e usuária do patrimônio cultural. Pag. 24

TEXTO 2: NARRATIVAS IDENTITÁRIAS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO BRASIL


AUTOR: Rodrigo Manoel Dias da Silva

Então, em um contexto onde se observa uma ressignificação nos sentidos e nos usos
sociopolíticos atribuídos aos patrimônios culturais, inscritos, inúmeras vezes, na
ambivalência acima contextualizada entre dinâmicas de desenvolvimento econômico e
processos de afirmação identitária, faz-se pertinente indagarmos sobre a condição da
educação patrimonial. Como a
educação patrimonial se contextualiza nessas paisagens sociais? Como pensar a educação
patrimonial em cidades brasileiras que sofreram processo de patrimonialização, onde tal
ambivalência tem demonstrado estar presente? Como identificar e analisar as correlações e
as correspondências entre as políticas de educação patrimonial e as narrativas identitárias
agenciadas em escala local? PAG. 18

GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E IDENTIDADE

As intensas transformações operadas pela globalização da economia, os recorrentes


deslocamentos populacionais e suas repercussões em processos migratórios, as inovações
técnico-científicas e a cultura de massa realçam uma nova configuração nas relações entre
cultura e identidade (YÚDICE, 2002). Pag. 19

Hoje, se reconhece que “a cultura recobre transversalmente os aspectos mais dinâmicos da


vida contemporânea” (YÚDICE, 2002, p. 20 [tradução nossa]), porém “a cultura já não pode
mais proporcionar uma explicação adequada do mundo que nos permita construir ou
ordenar nossas vidas” (FEATHERSTONE, 1997, p. 15). Neste contexto, a cultura se torna
um recurso para projetos orientados por múltiplas finalidades e definido a partir de suas
interseções com a política e a economia. Pag.19

De acordo com George Yúdice, na globalização, os processos de formação das identidades


culturais são arregimentados por “mandatos performativos”. Tal como a própria cultura, as
identidades organizam-se a partir de imperativos sociais de desempenho (YÚDICE, 2004).
Pag.19

Os territórios que não podem ou não respondem ao imperativo performativo projetado


desde o campo de forças serão excluídos ou marginalizados no processo de produção do
valor (YÚDICE, 2002, p. 22). Pag.19

Tais projetos evidenciam os modos pelos quais a cultura tem sido envolvida no
enfrentamento das desigualdades sociais e de diversas outras problemáticas urbanas. Nos
termos de Sovik, “das cinzas da violência e da negação de direitos surge, então, a fênix da
cultura” (2014, p. 174). Pag. 20
...pois a “era hipermoderna transformou profundamente o relevo, o sentido, a superfície
social e econômica da cultura” (2011, p. 10-11). Na hipermodernidade, também definida
pelos autores como Era da Cultura-Mundo, há uma mercantilização integral das culturas
que é, simultaneamente, uma culturalização das mercadorias. Pag. 20

Diante desta intensificação das experiências simbólicas dos indivíduos, as produções


identitárias encontram novas referências ou marcações, tanto aquelas fabricadas nas
escalas locais, quanto às oriundas da sociedade global de consumo. Contudo, não é
possível afirmar que a
globalização consolide uma influência discursiva unilateral ou manifeste-se exclusivamente
sob a forma de um “imperialismo cultural”. É digno de nota que, nas décadas de 1980 e
1990, abordagens críticas dos processos globais anunciavam sua semelhança à
padronização típica das redes
estadunidenses de fast food. Mike Featherstone, em perspectiva semelhante, apresentava a
ideia de que “em acréscimo aos processos globais de americanização e niponização ou de
ocidentalização e orientalização, é possível falar em „abrasileiramento‟1 do mundo: um
processo dual de zoneamento e de sincretismo cultural” (1997, p. 25).
No entanto, como observou ainda Lipovetsky, as produções identitárias e culturais na
globalização situam-se em uma zona de ambivalência entre a
homogeneização e as demandas por reconhecimento e por diferença.
Pag. 20

De um lado, a cultura-mundo se apresenta como uma das figuras do irresistível avanço do


mundo tecnológico, submetendo o cultural a seus valores de desempenho eficiente. Mas,
por outro lado, é preciso observar que, longe de fazer declinar as questões culturais, o
mundo tecnomercantil contribui para relançá-las por meio da problemática das identidades
coletivas, das „raízes‟, do patrimônio, das línguas nacionais, do religioso e dos sentidos
(LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 17). Pag. 20/21

Entre a fragmentação produzida no local pela globalização e a revalorização do local como


espaço de resistência ao global existem inúmeros processos culturais que interferem nos
relatos da identidade e nos processos identitários em si, cujos limites, por certo, seriam o
excesso
dos particularismos ou dos fundamentalismos. Pag. 21

...“um lugar de encontro‟ de multidões de minorias e comunidades marginalizadas ou de


coletividades de pesquisa e trabalho educativo ou artístico. (MARTÍN- BARBERO, 2012, p.
59). Pag.21

Em alguma medida, então, o estudioso argumenta sobre a necessidade de diferenciarmos


as lógicas homogeneizadoras da economia de outras que mundializam a cultura, em um
contexto onde a diversidade cultural passa a adquirir centralidade enquanto categoria para
análises do Contemporâneo. Além de suas inflexões em direção à economia, a diversidade
articula-se
politicamente às demandas por respeito, reconhecimento e cidadania.
Pag. 21
Vivemos em cidades desbordadas não apenas pelo crescimento dos fluxos informáticos,
mas também por estes outros fluxos que a pauperização e a emigração dos camponeses
seguem produzindo, criando o grande paradoxo de que, enquanto o urbano desborda a
cidade, permeando cada vez mais o mundo rural, nossas cidades vivem um processo de
desurbanização, de ruralização da cidade, devolvendo vigência a velhas formas de
sobrevivência que inserem nas aprendizagens e apropriações da modernidade urbana
saberes, sentires e relatos fortemente camponeses (MARTÍN-BARBERO, 2012, p. 65). Pag.
21/22

Na globalização, as identidades rearticulam-se a partir de novas demarcações simbólicas


produzidas em relação às identidades coletivas, sofrendo influência das indústrias culturais,
das (novas) divisões sociais e dos múltiplos processos de seleção informacional. Há,
portanto, novos
modos de operar, perceber e narrar a identidade, entrecruzados por temporalidades não
contemporâneas e manifestações culturais de diversas ancoragens geográficas. Mais do
que antes, as identidades produzem-se, afirmam-se, contestam-se e são agenciadas entre
narrativas. Pag. 22

IDENTIDADES, PATRIMÔNIOS E EDUCAÇÃO

[...] a identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto, como alvo
de um esforço, „um objetivo‟; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do
zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais.
Pag. 22

Em termos sociológicos, a crise dos pertencimentos comunitários engendrou a


manifestação da ideia de identidade. Pag. 22

Semelhantes empenhos ocorreram também no contexto latino-americano após os


processos de independência, onde foi necessário produzir unidade. Diversas estratégias
foram utilizadas no objetivo de nacionalização, tais como: a emergência de políticas para a
escolarização, o uso da imprensa, a seleção das expressões artísticas e a musealização
através da memória nacional. Pag. 22

No Brasil, significou, com efeito, que as primeiras políticas para o patrimônio fossem
orientadas por uma seleção eurocêntrica de patrimônio, tendo em vista a influência do
Barroco, e por representações elitistas e
eruditas da nação e de seu patrimônio (ambos no singular). A escolarização formal, por sua
vez, acompanhou esta tendência à seletividade dos registros ou marcações simbólicas que
reforçavam os imaginários nacionais, através da cristalização de relações monoculturais
entre a educação e o patrimônio nacional (SILVA, 2015). Pag. 22

Em primeiro lugar, a influência da Unesco enquanto agente internacional


atuante em processos globais de patrimonialização, desde a década de 1940. Através de
um conjunto de documentos públicos, essa instituição inseriu uma nova dimensão aos
debates sobre patrimônio, a qual foi rapidamente absorvida em processos nacionais, a
saber: o conceito
antropológico de cultura (ABREU, 2015). Pag. 24

Tal conceito, orientado a partir de experiências simbólicas diversificadas, engendrou a


publicação da “Recomendação de Salvaguarda das Culturas
Tradicionais e Populares”, no ano de 1989, o que desencadeou uma tendência à
“patrimonialização das diferenças” (ABREU, 2015) e à pluralização nas discussões e
representações acerca da memória social e dos patrimônios. Pag. 24

Discussões sobre singularidades identitárias, especificidades locais, intangibilidade


patrimonial e diversidade cultural são incorporadas na agenda da Unesco e, por
consequência, há a “entrada na cena pública de segmentos sociais antes invisíveis,
oriundos das camadas populares e das sociedades tradicionais” (ABREU, 2015, p. 70). Pag.
24

Em segundo lugar, ao longo da história ocidental moderna, o Estado fez-se o principal (ou
único) demandante da seleção de um bem a patrimonializar, mediante gestos de poder.
Porém, na atualidade, os próprios movimentos sociais e organizações civis passam a
incorporar a questão patrimonial em seus repertórios de reivindicação, em decorrência, de
alguma forma, das lutas sociais mais amplas que passam a associar o enfrentamento das
injustiças materiais e das injustiças simbólicas (FRASER, 2001). Pag. 24

As novas dinâmicas de patrimonialização combinam-se às demandas


por reconhecimento, em uma paisagem social em que as coletividades assumem a posição
de demandantes, configurando uma inversão na lógica histórica que organizava o setor.
Pag. 24

Para além de uma pedagogia da “conscientização patrimonial”, esta eivada por uma
representação estável e fixa de patrimônio, as políticas e os projetos de educação
patrimonial passaram a agenciar pautas politicamente mais amplas e de conteúdo
identitário cada vez mais plural e multifacetado. A agenda contemporânea da educação
patrimonial tem incorporado múltiplas temporalidades e ancoragens geográficas, diante da
dissolução das monoidentidades (SILVA, 2015). Pag. 25

SANTA TEREZA E A ITALIANIDADE

A paisagem local foi o objeto da referida ação, caso das relações da nucleação urbana com
as montanhas da Serra Gaúcha, da urbanidade com natureza e do sítio histórico com o
meio natural. Portanto, o processo de Santa Teresa evidenciou a relevância da paisagem
na patrimonialização e não apenas as edificações, de modo isolado. Pag. 26

Naquele contexto, Diogo Segabinazzi Siqueira, então prefeito municipal, pronunciou-se


afirmando que a cidade havia conquistado “um diferencial que pouquíssimas cidades do
Brasil possuem. Vamos fazer valer esse título e desenvolver o nosso potencial”. Pag. 26

A ideia de potencial ou de potência então pronunciada refere-se à possibilidade de agenciar


política e economicamente o patrimônio cultural.
Pag. 26
o uso da expressão “potencial” aplicado ao tombamento nacional associa-se ao contexto
mais amplo de desenvolvimento turístico da região, nas últimas décadas, assim como
enuncia que o tombamento alteraria a economia simbólica do lugar tombado (SANTOS;
PEIXOTO, 2013). No
contexto socioeconômico regional, as narrativas identitárias dão centralidade à imigração
italiana, onde a “italianidade” faz-se o centro das ações de desenvolvimento econômico e
turístico, caso, por exemplo, da Festa da Uva, em Caxias do Sul, ou a ExpoBento, em Bento
Gonçalves.
Pag. 26

A italianidade tornou-se discurso privilegiado para a conservação da paisagem


patrimonializada, mas igualmente favoreceu ações
associaram patrimônio a turismo e, consequentemente, educação patrimonial e
agenciamentos econômicos. A „italianidade‟ agenciada pelos atores através das ações de
educação patrimonial não apenas visavam a preservação desse patrimônio, mas a
produção e a circulação de narrativas
identitárias que produziam sentido para o mesmo. Pag. 28

Essa situação favorece a compreensão das potencialidades da educação patrimonial


enquanto ferramenta sociopolítica de intervenção na vida coletiva, significando-a não
apenas como ferramenta de conscientização ou alfabetização patrimonial. Pag. 28

Ao interpretar o local como uma propriedade fenomenológica da vida social, o antropólogo


entende que o local é fabricado por relações de produção, reprodução e autorreprodução.
Pag. 29

Parafraseando Appadurai, podemos pensar que a educação patrimonial não opera apenas
no âmbito da conservação dos ditos patrimônios de uma determinada formação social, mas
produz, reproduz e autorreproduz processos sociais e pedagógicos que formam a própria
sociedade e, por esta, seus patrimônios. Nesse sentido, muito mais que salvaguardar, a
educação patrimonial produz o local. Pag. 29

PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO LUIZ DO PARAITINGA

Em 1982, cerca de quatrocentas edificações foram tombadas pelo Conselho de Defesa do


Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico (Condephaat). Pag. 29

Além da patrimonialização da arquitetura, há na cidade destacadas práticas


culturais, festivas e religiosas, o que contribuiu para que, em 2002, se tornasse estância
turística do Estado de São Paulo. Essas indicações se intensificam no contexto local
quando, em 2009, o IPHAN realiza o tombamento provisório de parte significativa da
paisagem luizense. Pag. 29

As políticas patrimoniais da cidade, passam a agenciar elementos da patrimonialização e


das manifestações da cultura popular. Pag. 29
No entanto, no dia primeiro de janeiro de 2010, parte da cidade foi destruída por uma forte
enchente. O transbordamento do Rio Paraitinga, além das perdas materiais, sentimentais e
simbólicas, destruiu inúmeros prédios de valor histórico (18 foram destruídos e 65 tiveram
algum
tipo de avaria). A Igreja Matriz São Luiz de Tolosa, ícone do catolicismo popular na região,
foi plenamente destruída pela enchente. Pag. 29

A condição de instabilidade trazida por esse evento crítico, fez com que o IPHAN
acelerasse o tombamento definitivo do centro histórico e se tornasse colaborador ativo na
reconstrução da cidade. Pag. 30

A reconstrução da cidade catalisou um intenso processo de educação patrimonial que


envolveu grande parte da população e fez da cultura um importante protagonista nas
propostas de reconstrução urbana (SANTOS, 2015). Pag. 30

Estudantes das escolas locais iam acompanhar as ações, enquanto outros inscreviam nos
tapumes dizeres de esperança e delineavam uma narrativa identitária de contornos novos.
Pag. 30

A reconstrução da cidade e de seu patrimônio com reconhecimento nacional, mesmo que


em uma situação atípica, oportunizou que a reflexividade dos atores locais acerca da
patrimonialização se convertesse na produção de uma pedagogia da memória. Pag. 30

O que lembrar? O que esquecer? Reconstruir tal como era? Produzir algumas edificações
novas? Qual o risco de produzir caricaturas de nossa memória? Como se faz um restauro?
Pag. 30

...a população local se interessou pela reconstrução do patrimônio da cidade e procurou


participar desse processo. Pag. 31

Mesmo sendo um patrimônio interpretado como nacional, o acompanhamento das ações e


o conteúdo dessa patrimonialização ocorriam em escala local, através da percepção das
narrativas identitárias presentes no lugar, mas também com a presença e a participação das
pessoas envolvidas. Pag. 31

Mais do que patrimônio do país, São Luiz é onde as pessoas vivem, onde construíram suas
referências identitárias, seus pertencimentos e produziram sentido para suas vidas. Pag. 31

Nós queríamos participar desse processo, tendo consciência


de que os alunos de ensino médio, os alunos da rede municipal, os alunos de ensino
fundamental estavam assistindo, participando, acompanhando e percebendo quais as
discussões que estavam sendo feitas. Pag. 31

Então, a enchente serviu de educação patrimonial para a população


de São Luiz do Paraitinga. (Daniel, professor). Pag. 32
O prédio escolar também foi danificado pela enchente de 2010 e, em maio de 2012, a nova
edificação foi inaugurada. Pag. 32
No entanto, a comunidade escolar não se identificou muito com as estruturas de concreto
da nova escola, que definiram como “fria e maciça”...
Pag. 32

Sob a justificativa de que “o prático não combina muito com o ser


luizense”, propuseram ao artista local José Carlos Monteiro, que é funcionário da escola,
para que pintasse quadros que ilustrasse as múltiplas manifestações da cultura popular nas
estruturas de concreto do novo prédio. Pag. 32

A educação patrimonial produzida pela Escola Monsenhor Ignácio Gióia agencia uma
pedagogia da memória dirigida pela intencionalidade de reinterpretar o passado, que se
corporifica no processo de tombamento e nas manifestações do patrimônio imaterial, e de
produzir novas significações que, em suas experiências vividas, permite-lhes ensaiar novos
acontecimentos e projetos de vida. Pag. 33

A memória remexe o dado estático do passado com novas significações, sem parar, que
põem sua recordação para trabalhar, levando começos e finais a reescrever novas
hipóteses e conjecturas para desmontar com elas o fecho explicativo das totalidades
demasiado seguras de si mesmas. (RICHARD, 1999, p. 322). Pag. 33

Nas duas narrativas, por fim, ao identificarmos certas correspondências entre a


patrimonialização e os processos identitários, fez-se possível percebermos que a educação
patrimonial está voltada para o futuro. Pag.34

No âmbito das relações educativas, em que pese suas contingências pedagógicas,


históricas, culturais ou identitárias, a educação patrimonial permite reflexões densas sobre
os patrimônios e as memórias sociais, mas com o olhar atento para as “várias formas
possíveis – e viáveis – de construir futuros” (SANTOS, 2008, p. 163). Pag.34

TEXTO 3: Educação Patrimonial em Antônio Prado/RS: experiências educativas a partir da


valorização de bens materiais e imateriais
AUTORA: Sandra Lilian Silveira Grohe

Situada na região nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, tem sua origem
profundamente relacionada ao processo migratório europeu, especificamente italiano.
Segundo Silva (2017, p. 29) o acervo arquitetônico pradense representa “um importante
marco nas políticas patrimoniais brasileiras, uma vez que foi o primeiro tombamento
material que não havia originado de imigração portuguesa”. Pag. 87

O tombamento do casario colonial desencadeou a necessidade de ações em Educação


Patrimonial, tendo em vista a potencialidade dessa ação pedagógica para salvaguardar e
“produzir o local”. Pag. 87

A inserção da Educação Patrimonial como política para a escolarização amplia o


conhecimento no contexto dos atores, concedendo às distintas culturas e à cidade lugar
para as aprendizagens, assim como dá abertura para a problematização da existência dos
patrimônios e, consequentemente, problematiza o vivido. Pag. 88
A partir destas entrevistas, para sua análise neste capítulo, foram destacadas e
aprofundadas duas temáticas, a saber: a primeira, envolvendo o patrimônio imaterial,
especificamente a língua Talian; e a segunda relativa ao patrimônio material, tendo como
foco o tombamento do casario colonial presente na cidade. Pag. 88

Patrimônio imaterial: o ensino de Talian como segunda língua

Como meio de garantir que uma língua permaneça e tenha continuidade, uma das
estratégias utilizadas, principalmente por municípios brasileiros, foi a cooficialização das
línguas. Em 2002, foi aprovada a primeira lei de cooficialização da língua no Brasil,
tornando, a partir da Lei n. 145, cooficiais as línguas indígenas Tukano, Baniwa e
Nheengatu (FARIA, 2007). A partir desta lei, outras línguas passaram pelo mesmo
procedimento, em diversos municípios do Brasil. Pag. 88/89

O Talian, originado dos italianos e de seus descendentes, foi uma das línguas
cooficializadas na cidade de Antônio Prado, RS. Pag. 89

O Talian, originado dos italianos e de seus descendentes, foi uma das línguas
cooficializadas na cidade de Antônio Prado, RS. Pag. 89

No mês de setembro de 2016, a partir da Lei n. 3.017, foi cooficializada a língua Talian no
Município de Antônio Prado. Pag. 89

Chilanti ressalta que o ensino do Talian é um meio de “valorizar as raízes” desde a primeira
infância; porém chama a atenção para a “morte” da língua devida, principalmente, ao
bullying. Segundo a professora, vários fatores incentivam o “silenciamento” da língua, uma
delas é a expressão oral, reveladora de “sotaques” e a comunicação em si, a partir do
dialeto Talian. Pag. 91

Na década de 70 (do século XX), houve alguns motivos para que o Talian não fosse
ensinado nas escolas de Antônio Prado. Segundo Chilanti, algumas das orientações eram
para repreender os alunos que falassem o Talian, devido à importância de ensinar o
português. Pag. 91

Uma política homogeneizadora e repressiva que, por meio do processo de escolarização,


ignorava as línguas indígenas, a identidade e cultura local, a partir de um processo
discriminatório. Pag. 91

No Brasil, o primeiro avanço notável se deu com a Constituição Federal de 1988, que
reconheceu aos indígenas o direito à cidadania, à sua cultura e à sua língua. No entanto, as
inúmeras línguas de imigrantes (talian, italiano, alemão, ucraniano, polonês...), os crioulos
(Karipuna e Galibi-Marworno), as línguas de sinais (LIBRAS e Kaapor) e as afro-brasileiras
permaneceram no silenciamento (SOUZA; LOBO, 2016, p. 49). Pag. 91

Em 2002, outro avanço foi a cooficialização das línguas indígenas Tukano, Baniwa e
Nheengatu, assim como, no mesmo ano, é implementada a Lei n. 10.436, reconhecendo a
Língua Brasileira de Sinais (Libras), como “meio legal de comunicação e expressão” no
Brasil (BRASIL, 2002). Pag. 92

Chilanti se refere a estes objetivos, pois, nas escolas de Antônio Prado, ainda não é incluído
efetivamente o Talian no currículo. O material didático é escasso. Os professores são pouco
instrumentalizados. Pag. 93

O ensino de Talian nas escolas e os projetos educacionais

Após anos trabalhando com método próprio, em 2010 as escolas municipais João XXIII e
Nossa Senhora Aparecida participaram de um projeto da Prefeitura Municipal de Antônio
Prado, que incluía no currículo escolar das instituições municipais o aprendizado da Língua
Italiana. Pag. 94

De 2016 a 2018, a professora, a partir da participação no programa de incentivo à


preservação da diversidade linguística e cultural “Juntos na diversidade”,3 criou e
implementou diversos projetos. Pag. 95

Em 2016, com o Projeto “Música/Talian: alegria de cantar”, foram realizadas pesquisas


sobre as músicas e canções conhecidas e cantadas nas famílias dos alunos. Estas músicas
foram conhecidas, lidas, traduzidas, memorizadas e compreendidas com o auxílio dos
familiares (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL, 2016) Segundo Chilanti, este projeto não
foi só direcionado às músicas, mas também aos provérbios, ditos populares, orações,
pequenos versos que se chamam “cançonetes”, poesias e textos. Pag. 95

Como extensão deste projeto, em 2016 e 2017 houve um projeto particular para a formação
de professoras. Chilanti elaborou uma apostila, e as professoras do município receberam
formação em Talian.
Pag. 95

Em 2017, a professora inscreveu dois projetos no Programa “Juntos na diversidade”. O


primeiro projeto denominado “Talian: herança, história e cultura” objetivava estudar a cultura
do Talian, através de expressões literárias, como músicas, dramatizações, danças,
provérbios, orações, ditos populares, poesias e textos, na busca de conhecimentos culturais
acerca das tradições italianas. Pag. 95

E o segundo projeto denominado “Talian – socorro! Não me deixe morrer”, tinha como
objetivo proporcionar aos participantes o conhecimento dessa língua, com o intuito de
incentivá-lo a valorizar a cultura do Talian... pag. 95

Em 2018, com a inscrição do projeto “Talian! Ôba! Estou sendo lembrado”, o objetivo foi o
de resgatar a fala e as heranças do Talian... pag. 95

De acordo com Chilanti, o projeto“Pulando janelas” visava o patrimônio material, imaterial,


meio ambiente. Então seus projetos, vinculados ao “Pulando janelas”, eram relacionados
àquilo que ela trabalhava em sala de aula. Pag. 96
Ela destaca também o projeto “Legado Talian: a alegria de relembrar”, que tinha por objetivo
realizar uma pesquisa com as famílias de todos os alunos do Município, incluindo as
escolas estaduais, municipais e particulares, sobre brincadeiras, brinquedos, jogos e rodas
cantadas. Pag. 96

Outro exemplo trazido pela professora, como base para o fortalecimento do Talian nas
escolas, foi a construção, juntamente com os alunos da escola João XXIII e o Projeto
Memória, de uma maquete em tecido, representando o centro histórico de Antônio Prado.
Pag. 97

Nesta proposta, assim como na anterior, Chilanti uniu o patrimônio imaterial ao material...
pag. 97

Em relação a esta separação, tanto o patrimônio material quanto o imaterial “são categorias
interdependentes [...]. pag. 98

O patrimônio cultural é um ‘coletivo’ de materialidade e imaterialidade. É um híbrido. Todo


bem material é também imaterial e vice-versa” (TEMPAS, 2006, p.137). pag. 98

Educação patrimonial e patrimônio material

Em Antônio Prado, pouco antes do projeto “Nosso patrimônio, nossa história” ser criado e
implementado, o conjunto arquitetônico e urbanístico de Antônio Prado, RS, havia sido, em
1990, tombado pelo Iphan. Pag. 98

Nos trinta anos de tombamento, vinte e cinco foram dedicados ao Projeto Memória,
envolvendo trabalhos de pesquisa, documentários, livros e até uma rota cultural. Pag. 98

Este movimento ultrapassa a ação pontual de conscientização e/ou alfabetização


patrimonial, pois, ao ter a Educação Patrimonial como foco, ela por si só passa a ser uma
“ferramenta sociopolítica de intervenção na vida coletiva” (SILVA, 2017). Pag. 100
Outro aspecto em destaque é a Educação Patrimonial como meio de “reconciliação da
população com suas memórias” (MEMÓRIA E PRESERVAÇÃO, 2009). A partir da
valorização da identidade e cultura local, o sentimento de pertencimento é cultivado. Pag.
100/101

Institucionalização do projeto “Nosso patrimônio, nossa história”

Roveda (2019) destaca a importância do registro e da documentação das atividades


realizadas, principalmente como argumentos para dar continuidade ao projeto “Nosso
patrimônio, nossa história”, assim como para sua institucionalização e oficialização, por
meio do Poder Público. Pag. 101

Uma forma de registro muito utilizada por Roveda é a fotografia. A fotografia, considerada
por Sontag (1973) como o “vestígio material” do vivido, proporciona para quem não está no
projeto possibilidade de conhecer as pessoas envolvidas, os lugares, as coisas; identificar o
tempo de cada ação. Pag. 101
Os registros, realizados em vídeos, textos, imagens, publicações em jornais comprovam
que as ações aconteceram e garantem a existência do projeto, assim como se configuram
como estratégias sistematizadas para a continuidade. Pag. 101

O ato de montar as casas transcende a dobradura, a pintura, o corte e o papel. Ela se


ressignifica na memória de cada pessoa que passou pela experiência. Pag. 101/102

... as práticas que vimos até aqui de Educação Patrimonial mobilizam experiências urbano-
educativas, pois, ao proporcionar reflexão sobre seus patrimônios, os alunos se indagam
sobre suas próprias experiências vividas e sobre as configurações socioespaciais da
cidade. Pag. 102

Então, a Educação Patrimonial em Antônio Prado, além de partilhar conhecimento e


retomar a história e memória, precisa se manter ativo, permanente e contínuo, a partir de
sua institucionalização. Pag. 103

Neste sentido, as temáticas desenvolvidas em Antônio Prado, envolvendo o patrimônio


cultural, exigem olhar mais atento para as políticas, como forma de garantir a continuidade
dos projetos e das ações locais, e igualmente como ferramenta sociopolítica para preservar
a história e memória e seus respectivos meios para a proteção e continuidade de um
legado. O currículo escolar também pode ser um instrumento de “patrimonialização”
cultural. Pag. 104

TEXTO 4: Educação patrimonial e reenquadramento das memórias: Diversidade cultural e


políticas educacionais no Brasil
AUTOR: Rodrigo Manoel Dias da Silva

No âmbito das políticas e das práticas de escolarização institucionalizadas no contexto da


Modernidade, nos termos de Bauman (2005), o nascente Estado moderno enfrentou a
necessidade de uma ordem social não mais reproduzida pelas “sociedades de familiaridade
mútua”, mas recriando um universo simbólico e valorativo apropriado à fundação de uma
nação. A ideia de identidade nacional (e mesmo de identidade) surge “da crise do
pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o
‘deve’ e o ‘é’ e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia – recriar a
realidade à semelhança da ideia” (BAUMAN, 2005, p. 26).
Pag. 84

Assim, “nascida como ficção, a identidade precisava de muita coerção e convencimento


para se consolidar e se concretizar numa realidade (mais corretamente: na única realidade
imaginável) – e a história do nascimento e da maturação do Estado moderno foi permeada
por ambos” (BAUMAN, 2005, p. 26). Pag. 85

Como tornar uma miríade de coletividades culturalmente distintas em uma nação? Pag. 85
A identidade nacional oferecia a recriação de um passado comum e um projeto de futuro.
Tratou-se, obviamente, de um projeto de poder contraditório e contextual, mas amplamente
vigente no mundo ocidental. Pag. 85

Memória nacional e educação escolar encarnavam a ambígua relação entre o passado e o


futuro. Pag. 85

No caso brasileiro, aproximando-nos do contexto de nossa problematização, a memória


nacional acompanhou uma tendência à monoidentificação (SILVA, 2015), em um trabalho
sistemático de invenção da identidade nacional, através de mecanismos de seleção da
memória e da história nacional em um processo semelhante ao que Michael Pollak (1989)
definiu como “enquadramento da memória”. Pag. 84/85

O barroco e a herança histórica e cultural lusitana predominaram enquanto representação


oficial da nação e de sua história, enquanto que outras expressões ou manifestações
culturais ou identitárias tornaram-se “subterrâneas”. Pag. 85

As políticas de massificação escolar, desde a escola republicana francesa (DUBET, 2011),


acompanharam o referido enquadramento, assim como a padronização e a
homogeneização foram assumidas enquanto mecanismos estruturantes de seu programa
institucional, no qual civismo e patriotismo fizeram-se, com freqüência, sinônimos de
cidadania. Pag. 85

No Brasil, as políticas educacionais e as políticas patrimoniais assumiram objetivos


civilizatórios semelhantes. Pag. 85

Em primeiro lugar, as críticas incidiram sobre a multiplicação das desigualdades em


sociedades segmentadas pelo mercado, pela introdução de novos critérios para a definição
das desigualdades, principalmente diante do reforço das microdesigualdades no que tange
à condição de mulheres, imigrantes, negros ou jovens (DUBET, 2003). Pag. 85

Em seguida, analistas evidenciaram que a globalização favoreceu a volta de identidades,


culturas ou comunidades e, com efeito, movimentos sociais passam a mobilizar-se acerca
de suas diferenças, demandando respeito e reconhecimento a sua existência, em diversas
escalas. Pag.85

Tais tensionamentos, associados à multiplicação das diásporas e dos fluxos migratórios,


configuraram três fenômenos próprios ao Estado contemporâneo, a saber: o crescimento
das diferenças culturais, a renovação do racismo (WIEVIORKA, 2006) e as disputas por
reconhecimento cultural (FRASER, 2001) pag. 85

Em sua diferença, as demandas por reconhecimento e a denúncia das injustiças sofridas


por mulheres, indígenas, negros, camponeses, populações empobrecidas e outras
coletividades nas produções discursivas sobre a educação e o patrimônio se impõem como
uma problemática mais ampla do que a própria definição de educação patrimonial e de suas
construções teórico-metodológicas. Pag. 85/86
...tal figuração traz em si problematizações ao “enquadramento” sócio-histórico sofrido por
estas coletividades e ao consequente “silenciamento” (POLLAK, 1989) de suas histórias,
memórias, processos formativos e trajetórias individuais ao longo da história do Brasil e, em
particular, na história das políticas implementadas no país. Pag. 86

...a aproximação empírica a um contexto situacional específico, no intuito de identificarmos


os conteúdos identitários presentes em propostas de educação patrimonial e, num
movimento simultâneo, compreendermos suas correspondências e implicações aos
processos educativos. Pag. 86

Do enquadramento ao reenquadramento das memórias

Por um registro histórico, a definição de patrimônio como recurso social não se faz
dissonante de suas experiências desde o contexto histórico posterior à Revolução Francesa
(POULOT, 2009). Entre seus diversos papeis, coadunou-se a uma tendência à
monoidentificação presente em muitas sociedades contemporâneas (CUCHE, 2002; SILVA,
2015)... pag. 87

apresentaremos três abordagens sobre tais processos:

(a) as relações entre o Estado e a memória social, através do conceito de “enquadramento


da memória” (POLLAK, 1989);

(b) a construção de políticas modernas de patrimonialização cultural e os usos da História


(POULOT, 2009); e

(c) a fabricação da cidadania e da identidade nacional a partir de produções ideológicas,


nos currículos, nas narrativas literárias ou nas formas escolares (DUBET, 2011). Pag. 87

---------------------------------------------//////////--------------------------------------------

(a) as relações entre o Estado e a memória social, através do conceito de “enquadramento


da memória” (POLLAK, 1989);

Michael Pollak, sociólogo alemão, produziu pertinentes estudos acerca das relações entre
as memórias coletivas e as ações do Estado. Pag. 88

(entender as funções da memória) Neste sentido, “a memória, essa operação coletiva dos
acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar”, integra-se às
definições de pertencimento e de fronteiras sociais entre coletividades, produzindo
referências de coesão e de oposições. Pag. 88

Cada grupo, mediado por suas relações de poder e dependendo de sua maior ou menor
aproximação ao Estado Nacional, seleciona, justifica e socializa um determinado tipo de
memória. Pag. 88
O trabalho de enquadramento da memória aciona uma clivagem entre a memória nacional e
as “memórias subterrâneas” - aquelas que foram silenciadas ou tornaram-se pouco
perceptíveis pela memória oficial. Pag. 88

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história.


Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de
referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras
sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o
passado em função dos combates do presente e do futuro.(POLLAK, 1989, p. 9-10). Pag.88

“o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo”


(POLLAK, 1989, p. 10). Pag. 88

Ao mesmo tempo, tal empreendimento exige atores profissionalizados com a capacidade de


operarem o controle da memória, seja sob a seleção de informantes e “testemunhas da
história”, ou pela definição de objetos materiais representativos de um olhar sobre as
memórias.
Pag. 88/89

Além da seleção das memórias, o Estado Nacional modulou representações materiais de


seu poder e de seu controle sobre as identidades coletivas através da relação com o que se
convencionou chamar de patrimônio. Pag. 89

O patrimônio parecia ser visto como um presente do passado. A patrimonialização exigiu,


pois, um empenho pedagógico pela transmissão dos valores, das simbolizações e das
identidades mobilizadas. Pag. 89

Um terceiro processo sociológico relevante nestas relações entre educação, patrimônio e


construção das identidades nacionais diz respeito à fabricação da cidadania, mediante a
veiculação dos símbolos da pátria, cujo cerne discursivo centrouse na erudição e no
patriotismo. Pag. 89

Liszt Vieira observa que na construção da identidade nacional, na Europa e na América, foi
privilegiado o sentimento de unidade, em detrimento da diversidade (2009, p. 65). Pag. 89

Essa ênfase, evidente na América Latina, engendrou ideologias, tais como a unificação
linguística, o patriotismo e o nacionalismo, que forneceram subsídios para a formação das
identidades nacionais e para a mobilização das populações para a defesa da pátria e de
suas virtudes cívicas. Pag. 89

A educação escolar coadunou-se aos interesses nacionalistas. Pag. 90

Em boa medida, no Brasil, o enquadramento das memórias oficiais, a seleção do patrimônio


material e a difusão dos valores e do “panteão cultural nacional” foram tarefas das
instituições públicas de ensino, mesmo que não exclusivamente. Pag. 90
Regina Abreu sintetiza a trajetória dos processos de patrimonialização em três grandes
momentos:

“os processos de patrimonialização fundamentavam-se na reconstrução do passado


(história) ou na busca e valorização de uma arte nacional” (ABREU, 2015, p. 69). Pag. 90
(criação de organismos e instituições de proteção ao patrimônio)
criação da Unesco em 1946, a qual passa a intervir sistematicamente nos debates
internacionais sobre cultura, advogando em nome de uma “concepção antropológica de
cultura”, moldando um importante campo de influência aos processos de patrimonialização.
Pag. 90

Tem início no final dos anos de 1980, particularmente com o lançamento pela Unesco da
Recomendação de Salvaguarda das Culturas Tradicionais e populares em 1989; pag. 91

As definições de patrimônio se ampliam, incorporando patrimônios tangíveis e intangíveis,


paisagísticos e ambientais, diversidade cultural e biodiversidade, mediados por tecnologias
e outras ferramentas de registro das manifestações e dos processos culturais. Pag. 91

Estão em curso processos de “reenquadramento das memórias”, nos quais negros,


indígenas, camponeses, mulheres e diversas outras coletividades vêm negociando o
reconhecimento oficial de suas histórias e identidades, bem como sua incorporação nas
lógicas político-institucionais... pag. 91

crescente movimento de patrimonialização cultural “não oficial”, alheio aos mecanismos


estatais de selecionar e definir patrimônios, no qual indivíduos e grupos disputam e põem
em evidência a salvaguarda de suas memórias e a difusão de seus saberes. Pag. 91/92

Diversidade e políticas educacionais no Brasil

Os princípios monoidentitários que arregimentaram a escola brasileira forjaram a pertinência


histórica de uma educação para o patrimônio ou, em termos mais objetivos, uma educação
para o nacional. Pag. 92

Em um programa institucional forte (DUBET, 2011), toda educação pública é uma educação
patrimonial. Pag. 92

Novas forças sociais passam a compor as correlações de força que moldam o social.
Paradoxalmente, diante da fragilização dos Estados nacionais, há uma ampliação das
demandas por cidadania. Pag. 93

Na esteira destas discussões e da preocupação governamental com a ampliação da jornada


escolar, o Ministério da Educação lança o Programa Mais Educação. Pag. 93

Criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007, trata-se de uma política indutora de


educação integral, a partir da ampliação do tempo de permanência dos estudantes na
escola e da ampliação do repertório formativo atento à multidimensionalidade das
experiências de aprendizagem. Pag. 93
A educação patrimonial foi inserida nesse programa governamental enquanto eixo formativo
(macro-campo) e elemento curricular (oficina), a partir de uma discussão epistemológica
sobre a reorganização dos saberes presentes na comunidade escolar e de sua capacidade
de revitalizarem o ordenamento curricular das instituições públicas de ensino. Pag. 93/94

Um dos pilares da organização político-pedagógica do Programa Mais Educação é a


relação entre os saberes escolares e comunitários.
Pag. 94

A “construção imaginária do nacional” (CANCLINI, 1994) dependia de estratégias


pedagógicas que se orientavam pela ideia de conservação, de conscientização. Pag. 95

Nos termos dos documentos do Programa Mais Educação, os estudantes e os docentes


identificam a cidade ou o entorno da escola como fonte de pesquisa e de diálogo.

Promover o diálogo entre diferentes modos de existir nos leva ao reconhecimento de


nossos contornos, individuais ou sociais, e nos conduz a uma prática baseada na eqüidade
(ou seja, o reconhecimento de que cada diferente necessita de abordagens diferentes na
garantia de seus direitos) (BRASIL, 2009, p. 90). Pag. 95

Parte-se da constatação de que estudantes são seres possuidores de diversas experiências


que estão constantemente formulando conhecimento e merecem que se dê atenção as
suas especificidades. (BRASIL, 2009, p. 90). Pag. 95

Processos de patrimonialização cultural a partir de um contexto regional

A microrregião de Caxias do Sul localiza-se na mesorregião do Nordeste RioGrandense.


Pag. 95

Festividades populares, passeios, roteiros turísticos, eventos, cartilhas e material publicitário


ou institucional recursivamente reforçam os sentimentos de pertencimento e, com efeito,
fabricam uma elaboração simbólica afirmativa em relação às origens italianas e engendram
significações e interesses socioeconômicos relevantes para os usos deste pertencimento na
atualidade. Pag. 96

Do ponto de vista histórico, sua definição regional sobrepõe-se a outras tipificações que
atribuem sua origem à chegada dos primeiros imigrantes italianos no Estado, tendo em vista
o uso de topônimos como “Região Colonial Italiana” ou “Antigas Colônias Italianas”
(POZENATO, 2003). Pag. 96

...a imigração italiana predominou, enquanto ordem discursiva, nas elaborações


socioculturais e educacionais na microrregião. Pag. 96

Do ponto de vista dos processos de patrimonialização oriundos de órgãos oficiais de


tombamento, a elaboração simbólica derivada da experiência histórica da imigração
destaca-se como predominante. Pag. 96
Muitas destas instituições desenvolvem, com regularidade, projetos pedagógicos próprios
ou mobilizam ações educativas em interlocução com instituições de ensino do lugar. Pag.
98

Segundo Silva (2013), foi constatado que muitas destas ações são orientadas por um
desejo pedagógico de mobilizar experiências educativas, onde a cultura local torna-se
conteúdo e prática escolar, ao mesmo tempo em que verificamos a circulação de
pedagogias voltadas à reconstrução de narrativas de sentido social e ao reconhecimento
político das produções identitárias locais. Pag. 98

...“o saber local não é algo que possa ser catalogado e preservado em uma perspectiva
conservacionista ou salvacionista das práticas culturais, é um saber vivenciado e inserido
no cotidiano de suas ações” (2013, p. 66). Pag. 98

Observamos que o reconhecimento das culturas identificadas com a história dos territórios,
manifestas no patrimônio histórico e na cultura popular tradicional, é uma recorrência
empírica relevante, tendo em vista a posição desprivilegiada que os imigrantes e os
camponeses tiveram em relação ao poder do Estado... pag. 99

em Caxias do Sul, onde as temáticas formativas desenvolvidas aproximam-se das culturas


urbanas e juvenis, de grupos populares afro-brasileiros e mesmo de outras vozes dos
processos migratórios. Pag. 99

Contudo, no campo das forças locais, tais processos reverberaram em novas disputas e
novos enquadramentos, no qual, por diversos interesses, a “identidade italiana” prevaleceu
enquanto narrativa identitária e patrimonial, em detrimento de diversas outras
manifestações. Pag. 99

Residente em Caxias do Sul desde 1976, Diógenes Antônio de Oliveira Brasil teve sua
iniciação na capoeira três anos mais tarde. Poucos anos depois, já iniciava um trabalho
social nas periferias da cidade e, atualmente, atua em dois Pontos de Cultura. Pag. 100

Um dos aspectos de sua atuação em cultura consiste em manter um projeto orientado pela
história e pela cultura africana e afro-brasileira por tanto tempo, mesmo em condições
discursivas que secundarizam ou mesmo desconsideram o papel do negro na memória
regional. Pag. 100

Diante da dicotomia entre escravizados e escravizadores enunciada pelo Mestre, o trabalho


dos Pontos de Cultura denota conteúdo afirmativo ou de visibilidade política afirmativa, em
um contexto que historicamente lhes subordinou, evidenciando ainda, mesmo que em
estágios iniciais, os novos enquadramentos da cultura afro-brasileira na memória regional e
nas pautas educacionais. Pag. 100

A agenda formativa da educação patrimonial: considerações conclusivas

Neste contexto de “patrimonialização das diferenças” (ABREU, 2015) e de “dissolução das


monoidentidades” (CANCLINI, 2006; SILVA, 2015), há uma fragilização nos dispositivos que
regulam as identificações, de maneira que as ideias de uma identidade nacional ou de um
patrimônio nacional, no singular, se tornam opacas. Pag. 101

As mediações pedagógicas entre a educação, a memória e o patrimônio tornam-se lócus


privilegiado para uma análise do reenquadramento das memórias. Pag. 101

questões que incidem sobre as redefinições nos sentidos da cidadania, da educação


patrimonial e em suas práticas educacionais. Pag. 101

Educação patrimonial ou educação turística?


...no regime das práticas sociais, as ações educativas em educação patrimonial voltam-se à
exploração do patrimônio, via retórica do empreendedorismo e da cultura como recurso
econômico, ou à capacitação de agentes para os circuitos da economia do turismo.
Pag. 101

Educação patrimonial e educação para a diversidade


A pauta da diversidade é contraditória e, em alguma medida, colonizada por
posicionamentos prescritivos de organismos internacionais, mas tende a desvelar os
múltiplos sentimentos de injustiça que foram silenciados (ou anulados) ao longo da história
da escolarização no Ocidente. O enfrentamento das injustiças, preconceitos e
desigualdades requer a identificação de suas manifestações nas experiências vividas
cotidianamente pelos atores. Pag. 102

Educação patrimonial e a pesquisa escolar


A educação patrimonial se torna uma forma indispensável da escola conhecer e dialogar
com seu entorno. Seus usos consagrados, com ênfase em objetivos de conscientização e
de transmissão cultural, orientavam-se por uma perspectiva formativa passiva ou
assimilacionista, enquanto que, na atualidade, a ideia de pesquisa de referências culturais
orienta-se por uma perspectiva intelectualmente ativa. Pag. 102

TEXTO 5: INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO ESTRATÉGIAS PARA O


(RE)CONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
AUTOR: THIAGO DANIEL DA SILVAf
Introdução

Contextualização:
O patrimônio cultural é visto como aquilo que a sociedade deve
preservar com a finalidade de garantir o legado de sua história e de sua cultura por
gerações. Como exemplo, mencionamos o patrimônio arquitetônico (monumentos, igrejas,
museus, palácios, casarios; a produção intelectual (artes plásticas, literatura, música,
cinema, fotografia); os bens naturais (rios, cachoeiras, montanhas, florestas, praias, lagoas,
dunas); os bens imateriais - costumes, tradições, folclore e ritos dos mais diferentes grupos
que compõem a sociedade). Embora o conceito de Patrimônio Cultural normalmente nos
conduza a um passado histórico, precisamos reconhecer a evolução e continuidade da
produção desses bens culturais no contexto do desenvolvimento humano. Pag. 18

Disseminar o Patrimônio Cultural Brasileiro entre o público escolar é de


fundamental importância para o conhecimento, apropriação e preservação da memória. A
informação vem auxiliar no processo de disseminação e conscientização de que o
Patrimônio cultural é herança de todos. Pag. 18

Questão problema:
Face a isso, a questão problema que norteou a presente pesquisa foi:
como as práticas de informação e as atividades de educação patrimonial
podem provocar nos estudantes atitudes protagonistas de uso e apropriação dos bens
culturais que fazem parte da sua própria história? Pag. 19

Objetivo geral:
Neste sentido, como objetivo geral, propomos explorar as práticas de
informação de estudantes do ensino médio, bem como analisar as práticas de educação
patrimonial - Observação, Registro, Exploração e Apropriação - desenvolvidas com o
referido público escolar. Pag. 19

Objetivos específicos:
traçamos os seguintes objetivos específicos:

a) Descrever a Escola Cidadã Integral Presidente João Goulart, onde o


projeto deste Trabalho de Conclusão de Curso é desenvolvido;

b) Caracterizar o perfil dos estudantes do 3° ano do ensino médio da


Escola Cidadã Integral Presidente João Goulart;

c) Caracterizar as práticas de informação dos estudantes;


d) Descrever as etapas de Educação Patrimonial – Observação, Registro, Exploração e
Apropriação - desenvolvidas com os estudantes;
pag. 20

Estrutura que compõe o TCC:


Por fim, apresentamos a estrutura que compõe este TCC, o qual se
encontra organizado em seis capítulos, além desta Introdução que
contextualiza a temática, apresenta a justificativa de motivação da pesquisa, os objetivos
geral e específicos. Pag. 20

Referencial teórico:
No Referencial Teórico, discutimos as temáticas cerne da pesquisa –
informação, patrimônio, informação patrimonial e educação patrimonial, a partir de autores
como: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Descrição do local:
Em seguida, descrevemos o local de realização da pesquisa: Aldeia Marakanã

Metodologia: escrevivencia, observação participante


Na Metodologia, apresentamos o caminho que trilhamos para o
desenvolvimento da pesquisa.

Resultados:
Na sequência, os resultados e discussões acerca dos achados da
Pesquisa

Considerações finais:
Nas Considerações Finais, expomos a síntese da pesquisa.
Pag.20

Referencial teórico:
Esta seção consiste na revisão da literatura de modo a evidenciar as
reflexões de autores acerca de temáticas-chave desta pesquisa: Informação, Práticas
Informacionais, Informação Patrimonial e Educação Patrimonial.

2.1 – Escrevivência
2.2 – Observação Participante
2.3 –

2.1 Informação

2.2 Patrimônio

O patrimônio está relacionado à nossa vida, trata de nossas


experiências, nossas memórias, agregando informações relacionadas à nossa história,
passando pela história de nosso bairro, cidade, estado ou país. Pag. 26

O patrimônio constitui um acervo de experiência humana que cada


grupo ou sociedade define como uma significação. É representado pelos
saberes que constituímos e dos saberes que estamos a constituir, por ter uma relação com
a cultura, com as experiências de vida, o patrimônio é dinâmico. Pag. 26

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216, define patrimônio como as formas de
expressão, os modos de criar, as criações artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, os
documentos, edificações, e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais,
além de conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
ecológico e científico. Pag. 26

Os patrimônios imateriais estão relacionados aos saberes, habilidades,


crenças, práticas, ao modo de ser das pessoas. Desta forma, podem ser
considerados bens imateriais os conhecimentos enraizados nas comunidades,
manifestações musicais ou cênicas, rituais, festas que marcam a vivência coletiva. Pag. 27

Daí, podemos classificar os patrimônios citados anteriormente em duas


divisões: patrimônio cultural e patrimônio natural. Os patrimônios culturais e naturais são os
bens mais representativos para uma cultura, para um grupo, sociedade. Os bens merecem
entrar em uma categoria que precisam ser preservados, ou seja, dar garantias que as
gerações futuras terão acesso a esses bens. Pag. 28

2.3 (In)Formação Patrimonial

A informação vinculada ao patrimônio é chamada de informação


patrimonial, que, por sua vez, acompanha o desenvolvimento das ciências sociais, por isso
conclui-se que a mesma é ressignificada, até pelo fato da informação patrimonial
acompanhar as relações dos sujeitos com sua cultura (OLIVEIRA, 2013). Pag. 32

Os autores, ainda, relatam que a informação patrimonial se trata da


internalização da mensagem transmitida pelo emissor para o receptor dentro de um
contexto social que o mesmo está inserido. Pag. 32

2.4 Educação Patrimonial

A educação Patrimonial desenvolve trabalhos educacionais centrados no patrimônio cultural


e suas manifestações a fim de levar crianças, adolescentes e adultos a um processo ativo
de conhecimento crítico, apropriação consciente e valorização para a preservação da
herança cultural. Pag. 34

Através da educação patrimonial o indivíduo é capaz de realizar uma leitura crítica do


mundo, possibilitando uma compreensão quanto à pluralidade cultural de um país (HORTA
et al. 1999). Pag. 34

A metodologia de educação patrimonial se divide em quatro etapas:


observação, registro, exploração e apropriação. Pag. 34

Na fase da observação é feita uma aproximação dos educandos com os bens com o
objetivo de criar uma identificação e desenvolver a percepção visual (HORTA et al. 1999).
Pag. 35
Na fase do registro é realizado através de desenhos, por exemplo, a fim de fixar o
conhecimento, o aprofundamento da observação e análise crítica, além do desenvolvimento
da memória
(HORTA et al. 1999). Pag. 35
na etapa da exploração, é feita a análise, discussões e
questionamentos para o desenvolvimento do julgamento crítico (HORTA et al.1999). pag. 35
o da apropriação, é realizada a recriação, uma releitura de tudo que foi visto antes, através
peças teatrais, desenhos, histórias em quadrinhos, mostrando o envolvimento afetivo e a
valorização do bem cultural (HORTA et al. 1999). Pag. 35

3 - CONTEXTO ESPACIAL DA PESQUISA

Esta seção retrata o local onde a pesquisa foi realizada: a Escola Cidadã Integral
Presidente João Goulart. Pag. 37
- História da escola
- contexto
- logradouro da escola
- infra-estrutura da escola
- equipamentos
- professores
- coordenação/secretaria
- funcionários contratados

4 METODOLOGIA

A metodologia, segundo Richardson (2009), trata do caminho para se


chegar a um determinado resultado, é o meio pelo qual ajuda a entender o processo de
investigação, são os procedimentos utilizados para se chegar a um fim. Pag. 40

4.1 Tipologias da pesquisa

No que se refere ao tipo da pesquisa, esta é bibliográfica e descritiva.


Pag. 40

A pesquisa bibliográfica conta com o aporte do conteúdo que foi


pesquisado para elaboração do referencial da pesquisa. Pag. 40

verificar bibliografias publicadas a respeito do tema abordado para fundamentar a linha da


pesquisa. Pag. 40
A bibliografia é parte e elemento essencial para o desenvolvimento da pesquisa realizada
sendo um apoio antes, durante e após a pesquisa, sendo imprescindível, inclusive, na fase
de redação do relatório final (RICHARDSON, 2009, p. 300). Pag. 40

Quanto à tipologia descritiva da pesquisa é possível descobrir, classificar e investigar as


causas ocasionadas pelo fenômeno.
Pag. 40

Os pesquisadores normalmente realizam pesquisas descritivas devido preocupações com a


atuação prática. Além da identificação da existência de ralações entre variáveis, pretende,
também, determinar a natureza desta relação (GIL, 2012, p. 28). Pag. 40

4.2 Atores da pesquisa

Segundo Richardson (1985, p. 103) a população da pesquisa é definida como “O conjunto


de elementos que possuem determinadas características. Fala-se de população ao referir-
se a todos os habitantes de determinado lugar”. Pag. 41

Nesta pesquisa, os atores correspondem aos estudantes do 3° ano do Ensino Médio, nível
técnico do curso de eventos, da Escola Estadual Cidadã Integral João Goulart. Pag. 42

4.3 Procedimentos de coleta de dados


Utilizamos como instrumento de coleta de dados o questionário. A utilização do questionário
é um procedimento que propicia flexibilidade na coleta de dados, pois pode ser aplicado em
curto espaço de tempo e reunir várias pessoas e informações. Pag. 42

O questionário utilizado na pesquisa foi elaborado com questões


objetivas e discursivas (APÊNDICE A), com o total de 17 questões a fim de coletar
informações que nos permitissem delinear o perfil social e informacional dos estudantes.
Pag. 42

De modo a preservar o anonimato de cada estudante, estabelecemos o código E


(=Estudante), devidamente enumerados para diferenciar os estudantes respondentes.
Exemplos: E1, E2, E3 até o E15. Pag. 42

4.4 Procedimentos de tratamento e análise dos dados

A Análise de Conteúdo, configura-se como um conjunto de técnicas para analisar as


comunicações por meio de procedimentos sistemáticos e descrever os conteúdos das
mensagens a partir de indicadores que possibilitam a inferência de conhecimentos relativos
às mensagens (BARDIN, 2011). Pag. 43

Utilizamos a análise de conteúdo para analisar os dados coletados a


partir das questões abertas do questionário, já comentado anteriormente. Nesse sentido,
estabelecemos, previamente, quatro categorias de análise:
a)Percepção sobre informação;
b) Percepção sobre patrimônio;
c) Percepção sobre informação patrimonial; e
d)Percepção sobre cidadania pag. 43

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção apresentamos os resultados obtidos com o desenvolvimento da pesquisa,


seguindo o seguinte roteiro: perfil dos
estudantes, percepções sobre informação, patrimônio, informação patrimonial e cidadania.
Por fim, os resultados sobre as ações de Educação Patrimonial desenvolvidas com o
público da pesquisa. Pag. 45

5.1 Perfil dos atores da pesquisa

coletamos dados que nos possibilitaram identificar os seguintes aspectos: gênero, idade,
profissão dos pais, pretensão de curso quando do ingresso na universidade. Pag. 45

(aqui é apresentado e analisado os dados produzidos pela pesquisa com estudantes)

5.1.1 Percepção sobre informação

Ainda de acordo com o questionário aplicado aos estudantes


questionamos através de uma pergunta aberta o que eles entendiam por Informação. Pag.
47

A seguir temos algumas respostas que caracterizam o entendimento dos estudantes a


respeito de informação:

“É tudo aquilo que lhe pode trazer informação


‘conhecimento’”. (E.1)
“informação é tudo aquilo que nos passa algum tipo de
conhecimento sobre algo” (E.3) pag. 47

5.1.2 Percepção sobre patrimônio

Assim, sobre o entendimento de patrimônio por parte dos estudantes,


obtivemos as seguintes respostas:

“É uma coisa própria. Que ela pode pertencer a uma


pessoa ou a um órgão”. (E. 1)
“Tudo aquilo que tem uma história, um bem”. (E. 6)
Pag. 49

As respostas nos conduzem a perceber que os estudantes têm uma


noção de patrimônio, tanto no que diz respeito ao direito, à uma herança, mas também no
tocante ao legado do patrimônio para gerações posteriores. Pag. 50

5.1.3 Percepção sobre Informação Patrimonial

Assim, buscamos evidenciar o entendimento dos estudantes sobre a


informação patrimonial, ao que apresentamos algumas respostas:

“É um patrimônio que passa informações, mesmo que


seja depois de um tempo. Ex.: patrimônios culturais”. (E.1)
“São memórias antigas que aprendemos hoje” (E.9)
Pag. 50

Estas repostas mostram que os estudantes não estão familiarizados com o termo
Informação Patrimonial, porém percebemos que as respostas não podem ser consideradas
inconsistentes. Pag. 50

5.1.4 Percepção sobre Cidadania

Tendo a noção que cidadania é a prática dos direitos e deveres de um indivíduo e que os
direitos e deveres devem andar sempre juntos. Segundo Dallari (1998, p. 14), “a cidadania
expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente
da vida e do governo de seu povo”. Pag. 51
Quanto à percepção de cidadania por parte do grupo pesquisado,
observamos que o mesmo compreende a importância de ser um cidadão ativo na
sociedade, com observância de direitos e deveres:

“Cidadania é exercer nossos direitos de cidadão, como o


direito ao voto, saúde, escola, etc”. (E.2)

“O ato de ser cidadão, colaborar para o bem social,


seguir as leis, ajudar os outros a se informar, cobrar
mudanças no estado se preciso”. (E.3)

5.2 Ações de educação para o patrimônio

Observação, Registro, Exploração e Apropriação. Pag. 52

5.2.1 Etapa: Observação

Para o desenvolvimento da atividade de Observação, cada estudante foi incumbido de


apresentar um objeto com o qual tivessem relação de afeto. Pag. 52
Esta atividade foi relevante para que os estudantes pudessem entender a importância que
os objetos têm e que podiam oferecer um vasto conjunto de informações que seriam
capazes de contar uma história a respeito da relação afetiva com o objeto. Pag. 53

As estudantes, inicialmente, identificaram os objetos para os demais


estudantes e contaram qual significado eles tinham em suas vidas. Pag. 53

Esta atividade foi relevante para que os estudantes pudessem entender a importância que
os objetos têm e que podiam oferecer um vasto conjunto de informações que seriam
capazes de contar uma história a respeito da relação afetiva com o objeto. Pag. 53

5.2.2 Etapa: Registro

A segunda etapa referiu-se ao registro dos bens culturais. Nesta etapa, realizamos
atividades que pudessem aprofundar a observação e análise crítica dos estudantes. Pag. 53

Assim, após apresentação dos tipos de patrimônio (Material, Imaterial e Natural), os


estudantes foram motivados a desenhar um tipo de patrimônio de sua escolha para, em
seguida, compartilhar o por quê da escolha do patrimônio desenhado e a relação de
afetividade ou de representação do mesmo com este patrimônio. A atividade foi
denominada de O patrimônio do meu coração.

5.2.3 Etapa: Exploração

Por meio desta é possível analisar os bens culturais com discussões, levantando
questionamentos entre os estudantes a respeito dos diversos tipos de bens a que temos
acesso. Pag. 58

Uma das atividades desenvolvidas foi sobre os museus e a


representação destes no imaginário dos estudantes. Para tanto, apresentamos os mais
diversos museus... pag. 58

No desenvolvimento da atividade, lançamos mão de alguns


questionamentos: Para você, o que é museu? Qual o seu imaginário de museu? Pag. 59

Ainda na etapa Exploração, realizamos atividade de conhecimento sobre os pintores


brasileiros, com reconhecimento no cenário internacional, destacando suas principais obras,
presentes em museus do mundo e do Brasil, e a importância destas obras para a reflexão
dos momentos históricos da sociedade. Pag. 61

Na sequencia da exposição aos estudantes a respeito das pinturas foi realizada uma
atividade onde os mesmos receberam quebra-cabeças das obras apresentadas para que
pudessem montar. pag. 61

5.2.4 Etapa: Apropriação

Embora, como síntese desta e da outras etapas de educação


patrimonial, planejamos uma exposição de todas as atividades que foram desenvolvidas
com os estudantes, a fim de que toda comunidade escolar podesse ter acesso ao material
desenvolvido nas atividades... pag. 65

Nesse contexto, as atividades de educação patrimonial desenvolvidas foram disponíveis


para fruição, tanto do grupo envolvido na atividade, como de toda a comunidade escolar e
das comunidades no entorno da escola. Pag. 65

As quatro etapas de Educação Patrimonial – Observação, Registro,


Exploração, Apropriação - desenvolvidas com os estudantes, teve como objetivo levar ao
conhecimento dos mesmos o patrimônio cultural que faz parte de nossa cidade, estado e do
nosso país, podendo, assim, despertá-los para a importância da preservação destes
patrimônios culturais, bem como garantir o usufruto destes bens. Pag. 65

Trabalhar com a informação e educação patrimonial junto ao público


escolar mostrou que existe eficácia no desenvolvimento dos indivíduos quando educados a
respeito dos bens culturais, assinalando que é possível disseminar a importância do
conhecimento para a preservação desses bens. Pag.

O trabalho de educação patrimonial pode ser desenvolvido junto à


pessoas de todas as idades. É preciso que aquele que se volte ao trabalho de educação
patrimonial possa entender a comunidade e o local onde tal trabalho será desenvolvido,
para que consiga, assim, uma eficácia nessa educação. Pag. 67

Texto: Pedagogia do oprimido – Autor Paulo Freire


Capitulo 1: Justificativa da pedagogia do oprimido.
Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo,
são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão.
Pag. 16

Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos de
vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria negação.
Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores.
Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de
sua humanidade roubada. Pag. 16

TEXTO: Educação patrimonial e mediação antropológica


Autor: Gilmar Rocha

De mais a mais, os significados dos conceitos mudam com o tempo, não


permanecem os mesmos sempre. Pag. 02
É sabido que a educação não se restringe ao espaço formal da escola; seus
domínios se estendem para além dos muros escolares, misturando-se aos
fenômenos da tradição, da transmissão da cultura, das manifestações rituais,
das formas de socialização e dos processos de aprendizagem. Pag. 02
Assim, processos de formação da pessoa envolvendo técnicas, práticas e
representações de ensino/aprendizagem podem ser vistos como da ordem da
educação não estando restritos aos pátios escolares. Pag. 02
Em particular, nos chama a atenção nesse momento o tema da educação
patrimonial e sua importância na sociedade brasileira contemporânea. As
primeiras experiências formais de educação patrimonial são datadas dos anos
1980, mas somente a partir dos anos 2000 é que se observa uma crescente
produção acadêmica sobre o assunto no Brasil. Pag.02
Este texto tem como objetivo então, de um lado, destacar a política nacional de
“patrimonialização da educação” na sociedade brasileira contemporânea, do
outro, ressaltar o quanto as contribuições teórico-metodológicas da antropologia
em torno do patrimônio cultural e da mediação etnográfica podem ser úteis aos
estudos e às práticas culturais envolvendo a educação patrimonial. Pag 03
A pedagogia do patrimônio

A formação dos Estados nacionais na era moderna constitui um processo


complexo, lento e singular quando se considera a especificidade histórico-
cultural de cada país. Apesar das diferenças, há um conjunto de estratégias
que, dependendo do caso, se mostram mais ou menos determinantes. Pag. 03
Essas estratégias se somam na composição dos Estados-Nação. Em meio
a esse conjunto, as ciências sociais, a educação e o patrimônio cultural não
ficam de fora nessa história. Pag. 04

Não por acaso, o olhar se mostra tão importante na cultura museal, pois garante a
distância devida entre público e os objetos exibidos. A maneira como as coleções,
os objetos patrimoniais, são expostos nos museus revelam um modo de
classificação muitas vezes alimentada pelas teorias antropológicas evolucionistas e
difusionistas predominantes até o início do século XX. Por outro lado, cabia ainda ao
museu a função pedagógica de, tomando emprestado a José Murilo de Carvalho
(1990) a bela expressão que dá título a um de seus livros, “formar as almas” da
nação. Educar, do ponto de vista, cientifico e sentimental, criando nas pessoas o
senso de identidade, de comunidade de pertencimento. Pag.05
Paula Montero fala dessa relação, observando: “Pode-se dizer, de um modo bem
geral, que a história das ciências sociais no Brasil e a história da Antropologia em
particular estiveram, desde seus primeiros passos no século XIX, ligadas ao
problema da construção da nação” (2006: 44). Na verdade, um universo mais
amplo de intelectuais, escritores, cientistas sociais, pedagogos etc, agindo individual
ou coletivamente nas instituições nascentes como os Institutos Históricos e
Geográficos, as Escolas de Direito e as de Medicina, e os museus etnográficos e de
folclore, contribuíram nesse processo. Pag. 05
Em sintonia com o espírito científico da época se buscava a singularidade da “raça
brasileira”. Pag. 05
Segundo Myrian Santos, o então diretor do Museu Imperial, Alcindo Sodré, via com
clareza que o museu tinha como tarefa ensinar e seduzir; o museu devia, nas
palavras dele, “ser um instrumento não só de acúmulo e preservação de um
patrimônio espiritual, mas também o instrumento de ciência, deleite e educação do
grande público” (Sodré apud Santos, 2003: 120). Pag.06 (USAR COMO EX. NA
MONO)
Aos poucos o patrimônio cultural e educação encontrariam um
forte aliado na diversidade cultural. A partir de 1972, a Unesco
passou a defender a ampliação do conceito de patrimônio cultural
com a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural
e Natural culminando na Convenção para Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003; política essa antecipada
pelo Brasil no Decreto n. 3.551, de 04/08/2000 cuja semente
Mario de Andrade plantou no projeto de criação do IPHAN em
1937.PAG. 06

De fato, inúmeras ações pedagógicas desenvolvidas à luz da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional (LDB) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
ambas de 1996, ratificam esse juízo, tais como: as políticas de educação
multicultural; as preocupações com os processos de registro e preservação do
patrimônio cultural de ampla parcela da população brasileira até então desassistidas
pela política oficial; a ênfase na arte-educação no processo de produção da
subjetividade crítica dos alunos; ampliação da concepção de educação
patrimonial como tecnologia educativa de promoção da cidadania e inclusão
social. PAG. 06/07
que a educação patrimonial se mostra um caminho profícuo na medida em

que apresenta novas possibilidades e novos problemas a serem considerados no


contexto contemporâneo. PAG. 07
Educação patrimonial e seu “campo”

É sabido que a produção acadêmica sobre a educação patrimonial é


crescente. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, somente 2 dissertações de
mestrado foram defendidas; o cenário muda a partir do ano 2000, com cerca de 30
trabalhos apresentados nos mais diversos programas de pós-graduação do país; e,
somente nos três primeiros anos da década que se inicia em 2010, são
contabilizados mais de 1 dezena de trabalhos... Pag. 09
Por sua vez, a elaboração de diretrizes para a formulação de uma
política de patrimônio voltada para a educação, assim como uma política de
educação voltada para a preservação do patrimônio e da memória, cuja
responsabilidade é efetivamente do Estado através de seus distintos
ministérios e instituições, deve considerar os diferentes universos como o da
educação formal, o dos espaços culturais como os museus, assim como um
vasto território de iniciativas empreendidas pela sociedade, com as liberdades
e restrições que cada espaço impõe e aceita. Além do mais, é importante que
fique claro que tais diretrizes devem orientar a ação institucional, e não
regular o campo social que precisa ter independência e criatividades próprias
para inventar e sugerir trabalhos de educação patrimonial. Casco, pag. 09
Com a ampliação da noção de patrimônio cultural por meio do Decreto nº
3.551, de 04 de agosto de 2000, que institui o “Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial”, um número significativo de objetos, lugares, atividades, são
contemplados pela educação patrimonial. Pag. 10
De um modo geral, os trabalhos analisados até o momento convergem para
os seguintes pontos em comum: vocação interdisciplinar; diversidade de
experiências; a inspiração paulofreireana; a indefinição quanto a natureza da
educação patrimonial (afinal, trata-se de uma disciplina, metodologia, política
pública?); dificuldade em “ouvir” os anseios e os desejos dos agentes envolvidos na
ação; valorização da diversidade cultural; entendimento da educação patrimonial
como processo de mediação cultural. Pag. 10/11
Destaca-se ainda o fato do discurso sobre a educação patrimonial ser
atravessado pela dimensão política, na medida em que a preocupação com a
memória, a história, a tradição etc, visa estabelecer um vínculo temporal e
territorial dos grupos sociais em termos de identidades culturais. Pag. 11
Com base nesses pressupostos, a educação patrimonial pode ser vista como ação
política com implicações cognitivas e pedagógicas voltadas para a preservação da
memória social e história, ou de construção do senso de identidade cultural, e
promoção da cidadania dos grupos sociais. Pag. 11
Educação patrimonial: de metodologia à disciplina?

A ênfase no estudo dos “objetos” se coaduna com a concepção da educação


patrimonial como instrumento de “alfabetização cultural”, proposta por Horta,
Grunberg e Monteiro (2009), mesmo que as autoras advirtam para o fato de que o
uso dos objetos pelos professores deve ser pensado “como peças chave no
desenvolvimento dos currículos e não simplesmente como mera ilustração das
aulas” (2009: 9). Pag. 13
Certamente não se trata de uma visão ingênua do patrimônio e dos objetos que
constituem a cultura, mas o reconhecimento efetivo das pessoas como produtores
da cultura só ganharia maior destaque com a edição do Decreto nº 3.551, de 04
de agosto de 2000, no qual se instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial. Pag. 13
É quando, então, os saberes e os fazeres tradicionais, as formas de expressão
(musicais, coreográficas, cênicas, literárias, lúdicas), as celebrações públicas e os
espaços coletivos, enfim, as ações, os usos, as práticas ganham visibilidade e o
foco desloca-se dos objetos para os sujeitos e suas relações culturais. Pag. 13
“a comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio” (TOLENTINO, 2012: 19).
Pag.13

Os signatários do documento conferem às Casas do Patrimônio


o objetivo de “constituir-se como um espaço de interlocução com
a comunidade local, de articulação institucional e de promoção de
ações educativas, visando fomentar e favorecer a construção do
conhecimento e a participação social para o aperfeiçoamento da
gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do
patrimônio cultural” (EDUCAÇÃOPATRIMONIAL, 2014: 46). Pag.
13/14

Destaca-se o fato de que para além das estratégias propostas


com fins à criação das condições necessárias para a
sustentabilidade dessa política, ao fim e ao cabo, o documento
chama a atenção ainda para a transversalidade da educação
patrimonial, bem como, para a sua função mediadora entre a
educação formal e a não formal e articuladora entre agentes
sociais diversos, tais como: artistas, educadores, instituições.
Pag. 14

A autora destaca ainda o fato de grande parte das ações educativas,


inspiradas em Paulo Freire, serem tributárias de uma concepção de educação
patrimonial tradicional caracterizada pela imposição de uma identidade e memória
cúmplices do projeto de construção nacional em oposição a ideia de uma ação
educativa transformadora e, suficientemente, ampliada, capaz de abarcar contextos

múltiplos, valorizar a diversidade de bens e manifestações, bem como a diversidade


de apropriações e interpretações. Pag. 14
Ao que tudo indica parece estar ocorrendo uma verdadeira mudança de
paradigma, algo mais complexo e profundo do que somente a passagem da
perspectiva do objeto ao sujeito, do museu às Casas do Patrimônio 18 , mas também
a superação da visão da educação patrimonial como metodologia de aplicação e
auxilio à salvaguarda do patrimônio cultural para a da sua institucionalização como
“disciplina”. Pag. 15

Afinal, a educação patrimonial é hoje uma política pedagógica que envolve


não só a sociedade civil por meio das Casas do Patrimônio mas também os
programas oficiais de governo como Mais Educação, Mais Cultural e PROEXT; tudo
orquestrado e mediado pelo IPHAN. Pag. 15

Haja vista que a política de educação patrimonial está assentada sobre três
eixos de atuação: a) inserção do tema patrimônio cultural na educação formal; b)
gestão compartilhada das ações educativas; c) instituição de marcos
programáticos no campo da educação patrimonial. Pag. 15
“Em razão da ampliação do conceito de patrimônio e da multiplicação de
ações educativas em todo o país, há necessidade de normatizar e garantir o
cumprimento de diretrizes mínimas da Política Nacional de Educação Patrimonial.
Essas diretrizes foram consolidadas nos seguintes documentos: Carta de Nova
Olinda (2009), I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural (2009) e Documento do II
Encontro nacional de Educação Patrimonial (2011)” (2014: 29). Pag. 15

Ao que tudo indica então, está em curso um processo de “disciplinarização”


da educação patrimonial. Pag. 15

Nessa perspectiva, a educação patrimonial aparece como um dos pilares


das políticas culturais do patrimônio no Brasil. Essa condição orienta o olhar sobre
o tema, pois mesmo considerando a função mediadora da educação patrimonial,
ainda assim o fiel da balança pesa para o lado do patrimônio. Pag. 16

Em última instância, busca-se a salvaguarda e proteção do patrimônio e


não, necessariamente, a reinvenção da educação. Por certo os objetos, os saberes,

as celebrações, os espaços, as manifestações, enfim, os patrimônios material e


imaterial são também da ordem da educação na medida em que participam da
formação da pessoa. Pag. 16
Com efeito, somos levados a pensar que mais do que somente reforçar a
política cultural do patrimônio, a educação patrimonial deve possibilitar que se
repense o significado mesmo da educação, como nos sugere um dos sentidos
etimológicos do verbo educar: “trazer à luz a ideia” (MARTINS, 2005: 33). Pag. 16

Na verdade, a educação patrimonial deve ser um meio de fornecer uma


leitura outra da história visando introduzir outras ferramentas, objetos e saberes no
espaço da educação formal. Fugindo à ideia de uma história e memória impostas
de cima para baixo, a educação patrimonial pode ser um espaço no qual a história
pode ser, quem sabe, vista de baixo para cima. Essa perspectiva confere à
população a quem se dirige a maior ação participativa e autonomia de decisão.
Pag. 16

Haja vista a crítica mais ou menos corriqueira de que as experiências de


educação patrimonial ainda têm dado pouca atenção aos “agentes- objetos” da
ação, pois, na maioria das vezes, os grupos sociais “sequer são ouvidos em
seus anseios acerca do destino de seus patrimônios”, denunciam Silveira e Bezerra
(2007: 88), o que estimula a nossa imaginação antropológica em busca de
modelos alternativos de entendimento da educação patrimonial. Pag. 16

Mediações antropológicas

São inúmeras as referências à educação patrimonial como processo de


mediação sendo possível identificar ao menos três sentidos:
1. Cognitivo - tem por base; a filosofia de Vygosty, entende a educação
patrimonial como “um processo de desenvolvimento e de aprendizagem humana,
com incorporação da cultura, como domínios de modos culturais de agir e
pensar, de se relacionar com outros e consigo mesmo” (EDUCAÇÃO PATRIMONIAL,
2014: 22);
2. Pedagógico – a educação patrimonial como estratégia capaz de
promover a mediação entre a educação formal e a educação não formal, entre a
escola e o cotidiano;
3. Antropológico – a partir da perspectiva de Gilberto Velho e Karina
Kuschinir, entende-se a mediação como “bricolage” enquanto trabalho de
negociação e tradução-interpretação da realidade “juntando fragmentos e pedaços

de mundos diferentes, agregando-os para novas finalidades” (1996: 105). Pag.


16/17
Trata-se, via de regra, do modo como os homens comuns pensam e
sentem a vida, sendo a magia, a arte, o totemismo, o mito, enfim, os saberes
práticos, o senso comum, suas expressões concretas. É de onde a educação
patrimonial se alimenta e retira sua matéria e inspiração. De certa forma, é de
onde também o pensamento antropológico se alimenta e se inspira na prática
etnográfica. Pag. 17
A etnografia, sob muitos aspectos, se assemelha ao trabalho da
bricolage, afinal, promove a mediação entre o pensamento cientifico e o saber
local, entre a antropologia e a educação em sentido amplo do termo. Pag. 17
A etnografia, pode-se dizer, constitui-se uma artesania intelectual, um
trabalho no qual a teoria e o método não estão separados, onde o sujeito e o
objeto são da mesma natureza do conhecimento. Pag. 17
Daí a advertência de Wright Mills: “estimule a reabilitação do artesão
intelectual despretensioso, e tente se tornar você mesmo tal artesão. Deixe que
cada homem seja seu próprio metodologista; deixe que cada homem seja seu
próprio teorizador; deixe que que teoria e método se tornem parte da prática de
um ofício” (2009: 56). Pag. 17

Portanto, não se restringindo a um simples método de pesquisa, nem um recurso


discursivo com pretensões literárias, a etnografia enquanto epistemologia é a
experiência que nos possibilita todo um processo reflexivo que vai do campo ao
texto, unindo o método e a teoria, mediando as relações, em nosso caso, entre a
antropologia e a educação, promovendo o diálogo entre o “antropólogo” e o
“nativo”. Portadora de qualidades performativas, a etnografia garante ao
antropólogo não só o acesso aos sistemas de educação do outro, do nativo, do
primitivo, mas exige do próprio antropólogo um processo de reeducação constante.
Pag. 17/18

penso que uma proposta de etnoeducação patrimonial só será completa


se for capaz de desenvolver complementarmente uma “teoria etnográfica da
educação”. Em outras palavras, a etnoeducação deve permitir que se passe do
nível das concepções (ideias, representações e categorias) nativas (alunos,
professores e suas comunidades) para o plano da formulação teórica, no sentido
dado por Geertz (1989) ao conceito de cultura enquanto modelos de e modelo

para. Pag. 19/20


A etnoeducação implica em exercício de reflexão epistemológica. Significa
dizer, então, que envolve aspectos relacionados à produção do conhecimento.
Nesse sentido, não se reduz a teoria e nem especificamente a uma metodologia.
Teoria e método não estão separados. Pag. 20
Visando superar as distâncias entre o particular e o universal, o objetivo e
o subjetivo, a teoria e a empiria, enfim, o antropólogo e o nativo, a teoria
etnográfica é construída no encontro das categorias nativas com as categorias
analíticas do antropólogo. Como observado em outro lugar, “é preciso levar a sério
o ponto de vista nativo, suas lógicas e suas agências, mesmo que, aparentemente,
antitéticas e segmentadas no curso da vida social” (ROCHA, 2012b: 132). Pag. 20
Tal procedimento pode ser observado na teoria da magia de Malinowski, na
teoria da dádiva de Mauss, ou nas redes de parentesco identificadas por Claudia
Fonseca (1999), por exemplo. E, ao que tudo indica, também pode ser aplicado
com proveito ao campo da educação. Pag. 20 (LER)

A etnoeducação não está restrita ao espaço da escola, antes o contrário,


abarca um amplo universo de situações classificadas como educação não
formal. Assim, a etnoeducação pode ser um caminho fecundo para a
produção, quem sabe, de “teorias etnográficas da educação”. Pag. 20/21

E a categoria educação, então, constitui o ponto de partida para se pensar


como os indivíduos envolvidos no processo de formação da pessoa e de
transmissão de valores, e de conhecimentos, entre gerações e contemporâneos,
julgam e consideram o que é eficaz e o que é importante na produção e
reprodução da vida social. Pag. 21

O mesmo se aplica à categoria patrimônio, ou seja, é a partir do entendimento do


que as pessoas julgam importante ser valorizado, lembrado, festejado, guardado,
sacralizado, posto que são bens para a construção ou reelaboração de suas
identidades sociais e manutenção da memória cultural do grupo, é que podemos
extrair ou sugerir teorias etnográficas em torno da história, da cultura, da
educação, e outras categorias de pensamento. Pag. 21

Em suma, uma “etnoeducação patrimonial” pode ser vista como parte da


antropologia do conhecimento (BARTH, 2002) na medida em que por meio da

etnografia dos saberes e dos fazeres, dos lugares e dos objetos, classificado pelos
“nativos” em situações formais e não formais de educação como fundamentais à
constituição do ser humano, da sua definição como pessoa e da construção da
ordem do mundo, nos possibilite a formulação de teorias etnográficas cuja eficácia
resida na oportunidade de se produzir uma educação patrimonial menos
verticalizada, menos “manualizada”, menos abstrata. Pag. 21
Nestes termos, o sentido político confiado à elaboração de uma teoria
etnográfica da educação é o de fornecer modelos pedagógicos alternativos ou o de
colocar em destaque o ethos de uma cultura educativa, muitas vezes, encapsulada
pelos “vícios” de nossa própria visão de educação ou de cultura. Pag. 22

uma coisa é certa, cada vez mais os antropólogos estão inclinados a


reconhecer, do ponto de vista ético e simétrico, os nativos também como
produtores de teorias, metodologias, enfim, epistemologias tão sofisticadas quanto
as nossas ciências; que o digam Claude Levi- Strauss, Evans-Pritichard, Eduardo
Viveiros de Castro, Bruno Latour, entre outros. Pag. 22

Assim, num esforço de síntese, a etnoeduação pode ser vista como um


procedimento antropológico (teórico e prático) em que, por meio da etnografia
(entendida, então, como atividade epistemológica produtora de conhecimento
resultante das relações entre empiria, teoria e metodologia) dos saberes, dos
fazeres, dos lugares, das manifestações, das celebrações e dos objetos, portanto,
daquilo que os indivíduos e/ou grupos sociais (sejam eles alunos, professores e/ou
agentes culturais institucionais ou populares) definem como seus bens patrimoniais
e/ou patrimonializaveis, se busca compreender e/ou até mesmo desenvolver
processos de patrimonialização e/ou de ensino- aprendizagem das pessoas da
localidade a partir de suas experiências formais e não formais de educação nos
deixando ver assim as estratégias de mediação entre o mundo da vida cotidiana
(no sentido de história vivida) com o mundo da escola (espaço dos saberes e das
práticas disciplinares)...pag. 22

ou seja, as formas de transmissão e de invenção da cultura, com vistas a


ampliação do significado mesmo da educação como patrimônio (e vice-versa) na
salvaguarda dos bens culturais e na constituição das identidades culturais dos
grupos envolvidos e na definição da pessoa. Pag. 22

TEXTO: Educação patrimonial e mediação antropológica


Autor: Gilmar Rocha

De mais a mais, os significados dos conceitos mudam com o tempo, não


permanecem os mesmos sempre. Pag. 02
É sabido que a educação não se restringe ao espaço formal da escola; seus
domínios se estendem para além dos muros escolares, misturando-se aos
fenômenos da tradição, da transmissão da cultura, das manifestações rituais,
das formas de socialização e dos processos de aprendizagem. Pag. 02
Assim, processos de formação da pessoa envolvendo técnicas, práticas e
representações de ensino/aprendizagem podem ser vistos como da ordem da
educação não estando restritos aos pátios escolares. Pag. 02
Em particular, nos chama a atenção nesse momento o tema da educação
patrimonial e sua importância na sociedade brasileira contemporânea. As
primeiras experiências formais de educação patrimonial são datadas dos anos
1980, mas somente a partir dos anos 2000 é que se observa uma crescente
produção acadêmica sobre o assunto no Brasil. Pag.02
Este texto tem como objetivo então, de um lado, destacar a política nacional de
“patrimonialização da educação” na sociedade brasileira contemporânea, do
outro, ressaltar o quanto as contribuições teórico-metodológicas da antropologia
em torno do patrimônio cultural e da mediação etnográfica podem ser úteis aos
estudos e às práticas culturais envolvendo a educação patrimonial. Pag 03
A pedagogia do patrimônio

A formação dos Estados nacionais na era moderna constitui um processo


complexo, lento e singular quando se considera a especificidade histórico-
cultural de cada país. Apesar das diferenças, há um conjunto de estratégias
que, dependendo do caso, se mostram mais ou menos determinantes. Pag. 03
Essas estratégias se somam na composição dos Estados-Nação. Em meio
a esse conjunto, as ciências sociais, a educação e o patrimônio cultural não
ficam de fora nessa história. Pag. 04

Não por acaso, o olhar se mostra tão importante na cultura museal, pois garante a
distância devida entre público e os objetos exibidos. A maneira como as coleções,
os objetos patrimoniais, são expostos nos museus revelam um modo de
classificação muitas vezes alimentada pelas teorias antropológicas evolucionistas e
difusionistas predominantes até o início do século XX. Por outro lado, cabia ainda ao
museu a função pedagógica de, tomando emprestado a José Murilo de Carvalho
(1990) a bela expressão que dá título a um de seus livros, “formar as almas” da
nação. Educar, do ponto de vista, cientifico e sentimental, criando nas pessoas o
senso de identidade, de comunidade de pertencimento. Pag.05

Paula Montero fala dessa relação, observando: “Pode-se dizer, de um modo bem
geral, que a história das ciências sociais no Brasil e a história da Antropologia em
particular estiveram, desde seus primeiros passos no século XIX, ligadas ao
problema da construção da nação” (2006: 44). Na verdade, um universo mais
amplo de intelectuais, escritores, cientistas sociais, pedagogos etc, agindo individual
ou coletivamente nas instituições nascentes como os Institutos Históricos e
Geográficos, as Escolas de Direito e as de Medicina, e os museus etnográficos e de
folclore, contribuíram nesse processo. Pag. 05

Em sintonia com o espírito científico da época se buscava a singularidade da “raça


brasileira”. Pag. 05
Segundo Myrian Santos, o então diretor do Museu Imperial, Alcindo Sodré, via com
clareza que o museu tinha como tarefa ensinar e seduzir; o museu devia, nas
palavras dele, “ser um instrumento não só de acúmulo e preservação de um
patrimônio espiritual, mas também o instrumento de ciência, deleite e educação do
grande público” (Sodré apud Santos, 2003: 120). Pag.06 (USAR COMO EX. NA
MONO)
Aos poucos o patrimônio cultural e educação encontrariam um
forte aliado na diversidade cultural. A partir de 1972, a Unesco
passou a defender a ampliação do conceito de patrimônio cultural
com a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural
e Natural culminando na Convenção para Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003; política essa antecipada
pelo Brasil no Decreto n. 3.551, de 04/08/2000 cuja semente
Mario de Andrade plantou no projeto de criação do IPHAN em
1937.PAG. 06

De fato, inúmeras ações pedagógicas desenvolvidas à luz da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional (LDB) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
ambas de 1996, ratificam esse juízo, tais como: as políticas de educação
multicultural; as preocupações com os processos de registro e preservação do
patrimônio cultural de ampla parcela da população brasileira até então desassistidas
pela política oficial; a ênfase na arte-educação no processo de produção da
subjetividade crítica dos alunos; ampliação da concepção de educação
patrimonial como tecnologia educativa de promoção da cidadania e inclusão
social. PAG. 06/07
que a educação patrimonial se mostra um caminho profícuo na medida em

que apresenta novas possibilidades e novos problemas a serem considerados no


contexto contemporâneo. PAG. 07
Educação patrimonial e seu “campo”

É sabido que a produção acadêmica sobre a educação patrimonial é


crescente. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, somente 2 dissertações de
mestrado foram defendidas; o cenário muda a partir do ano 2000, com cerca de 30
trabalhos apresentados nos mais diversos programas de pós-graduação do país; e,
somente nos três primeiros anos da década que se inicia em 2010, são
contabilizados mais de 1 dezena de trabalhos... Pag. 09
Por sua vez, a elaboração de diretrizes para a formulação de uma
política de patrimônio voltada para a educação, assim como uma política de
educação voltada para a preservação do patrimônio e da memória, cuja
responsabilidade é efetivamente do Estado através de seus distintos
ministérios e instituições, deve considerar os diferentes universos como o da
educação formal, o dos espaços culturais como os museus, assim como um
vasto território de iniciativas empreendidas pela sociedade, com as liberdades
e restrições que cada espaço impõe e aceita. Além do mais, é importante que
fique claro que tais diretrizes devem orientar a ação institucional, e não
regular o campo social que precisa ter independência e criatividades próprias
para inventar e sugerir trabalhos de educação patrimonial. Casco, pag. 09
Com a ampliação da noção de patrimônio cultural por meio do Decreto nº
3.551, de 04 de agosto de 2000, que institui o “Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial”, um número significativo de objetos, lugares, atividades, são
contemplados pela educação patrimonial. Pag. 10
De um modo geral, os trabalhos analisados até o momento convergem para
os seguintes pontos em comum: vocação interdisciplinar; diversidade de
experiências; a inspiração paulofreireana; a indefinição quanto a natureza da
educação patrimonial (afinal, trata-se de uma disciplina, metodologia, política
pública?); dificuldade em “ouvir” os anseios e os desejos dos agentes envolvidos na
ação; valorização da diversidade cultural; entendimento da educação patrimonial
como processo de mediação cultural. Pag. 10/11
Destaca-se ainda o fato do discurso sobre a educação patrimonial ser
atravessado pela dimensão política, na medida em que a preocupação com a
memória, a história, a tradição etc, visa estabelecer um vínculo temporal e
territorial dos grupos sociais em termos de identidades culturais. Pag. 11
Com base nesses pressupostos, a educação patrimonial pode ser vista como ação
política com implicações cognitivas e pedagógicas voltadas para a preservação da
memória social e história, ou de construção do senso de identidade cultural, e
promoção da cidadania dos grupos sociais. Pag. 11
Educação patrimonial: de metodologia à disciplina?
A ênfase no estudo dos “objetos” se coaduna com a concepção da educação
patrimonial como instrumento de “alfabetização cultural”, proposta por Horta,
Grunberg e Monteiro (2009), mesmo que as autoras advirtam para o fato de que o
uso dos objetos pelos professores deve ser pensado “como peças chave no
desenvolvimento dos currículos e não simplesmente como mera ilustração das
aulas” (2009: 9). Pag. 13
Certamente não se trata de uma visão ingênua do patrimônio e dos objetos que
constituem a cultura, mas o reconhecimento efetivo das pessoas como produtores
da cultura só ganharia maior destaque com a edição do Decreto nº 3.551, de 04
de agosto de 2000, no qual se instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial. Pag. 13
É quando, então, os saberes e os fazeres tradicionais, as formas de expressão
(musicais, coreográficas, cênicas, literárias, lúdicas), as celebrações públicas e os
espaços coletivos, enfim, as ações, os usos, as práticas ganham visibilidade e o
foco desloca-se dos objetos para os sujeitos e suas relações culturais. Pag. 13
“a comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio” (TOLENTINO, 2012: 19).
Pag.13

Os signatários do documento conferem às Casas do Patrimônio


o objetivo de “constituir-se como um espaço de interlocução com
a comunidade local, de articulação institucional e de promoção de
ações educativas, visando fomentar e favorecer a construção do
conhecimento e a participação social para o aperfeiçoamento da
gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do
patrimônio cultural” (EDUCAÇÃOPATRIMONIAL, 2014: 46). Pag.
13/14

Destaca-se o fato de que para além das estratégias propostas


com fins à criação das condições necessárias para a
sustentabilidade dessa política, ao fim e ao cabo, o documento
chama a atenção ainda para a transversalidade da educação
patrimonial, bem como, para a sua função mediadora entre a
educação formal e a não formal e articuladora entre agentes
sociais diversos, tais como: artistas, educadores, instituições.
Pag. 14

A autora destaca ainda o fato de grande parte das ações educativas,


inspiradas em Paulo Freire, serem tributárias de uma concepção de educação
patrimonial tradicional caracterizada pela imposição de uma identidade e memória
cúmplices do projeto de construção nacional em oposição a ideia de uma ação
educativa transformadora e, suficientemente, ampliada, capaz de abarcar contextos

múltiplos, valorizar a diversidade de bens e manifestações, bem como a diversidade


de apropriações e interpretações. Pag. 14
Ao que tudo indica parece estar ocorrendo uma verdadeira mudança de
paradigma, algo mais complexo e profundo do que somente a passagem da
perspectiva do objeto ao sujeito, do museu às Casas do Patrimônio 18 , mas também
a superação da visão da educação patrimonial como metodologia de aplicação e
auxilio à salvaguarda do patrimônio cultural para a da sua institucionalização como
“disciplina”. Pag. 15

Afinal, a educação patrimonial é hoje uma política pedagógica que envolve


não só a sociedade civil por meio das Casas do Patrimônio mas também os
programas oficiais de governo como Mais Educação, Mais Cultural e PROEXT; tudo
orquestrado e mediado pelo IPHAN. Pag. 15

Haja vista que a política de educação patrimonial está assentada sobre três
eixos de atuação: a) inserção do tema patrimônio cultural na educação formal; b)
gestão compartilhada das ações educativas; c) instituição de marcos
programáticos no campo da educação patrimonial. Pag. 15

“Em razão da ampliação do conceito de patrimônio e da multiplicação de


ações educativas em todo o país, há necessidade de normatizar e garantir o
cumprimento de diretrizes mínimas da Política Nacional de Educação Patrimonial.
Essas diretrizes foram consolidadas nos seguintes documentos: Carta de Nova
Olinda (2009), I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural (2009) e Documento do II
Encontro nacional de Educação Patrimonial (2011)” (2014: 29). Pag. 15

Ao que tudo indica então, está em curso um processo de “disciplinarização”


da educação patrimonial. Pag. 15

Nessa perspectiva, a educação patrimonial aparece como um dos pilares


das políticas culturais do patrimônio no Brasil. Essa condição orienta o olhar sobre
o tema, pois mesmo considerando a função mediadora da educação patrimonial,
ainda assim o fiel da balança pesa para o lado do patrimônio. Pag. 16

Em última instância, busca-se a salvaguarda e proteção do patrimônio e


não, necessariamente, a reinvenção da educação. Por certo os objetos, os saberes,

as celebrações, os espaços, as manifestações, enfim, os patrimônios material e


imaterial são também da ordem da educação na medida em que participam da
formação da pessoa. Pag. 16
Com efeito, somos levados a pensar que mais do que somente reforçar a
política cultural do patrimônio, a educação patrimonial deve possibilitar que se
repense o significado mesmo da educação, como nos sugere um dos sentidos
etimológicos do verbo educar: “trazer à luz a ideia” (MARTINS, 2005: 33). Pag. 16

Na verdade, a educação patrimonial deve ser um meio de fornecer uma


leitura outra da história visando introduzir outras ferramentas, objetos e saberes no
espaço da educação formal. Fugindo à ideia de uma história e memória impostas
de cima para baixo, a educação patrimonial pode ser um espaço no qual a história
pode ser, quem sabe, vista de baixo para cima. Essa perspectiva confere à
população a quem se dirige a maior ação participativa e autonomia de decisão.
Pag. 16
Haja vista a crítica mais ou menos corriqueira de que as experiências de
educação patrimonial ainda têm dado pouca atenção aos “agentes- objetos” da
ação, pois, na maioria das vezes, os grupos sociais “sequer são ouvidos em
seus anseios acerca do destino de seus patrimônios”, denunciam Silveira e Bezerra
(2007: 88), o que estimula a nossa imaginação antropológica em busca de
modelos alternativos de entendimento da educação patrimonial. Pag. 16

Mediações antropológicas

São inúmeras as referências à educação patrimonial como processo de


mediação sendo possível identificar ao menos três sentidos:
1. Cognitivo - tem por base; a filosofia de Vygosty, entende a educação
patrimonial como “um processo de desenvolvimento e de aprendizagem humana,
com incorporação da cultura, como domínios de modos culturais de agir e
pensar, de se relacionar com outros e consigo mesmo” (EDUCAÇÃO PATRIMONIAL,
2014: 22);
2. Pedagógico – a educação patrimonial como estratégia capaz de
promover a mediação entre a educação formal e a educação não formal, entre a
escola e o cotidiano;
3. Antropológico – a partir da perspectiva de Gilberto Velho e Karina
Kuschinir, entende-se a mediação como “bricolage” enquanto trabalho de
negociação e tradução-interpretação da realidade “juntando fragmentos e pedaços

de mundos diferentes, agregando-os para novas finalidades” (1996: 105). Pag.


16/17
Trata-se, via de regra, do modo como os homens comuns pensam e
sentem a vida, sendo a magia, a arte, o totemismo, o mito, enfim, os saberes
práticos, o senso comum, suas expressões concretas. É de onde a educação
patrimonial se alimenta e retira sua matéria e inspiração. De certa forma, é de
onde também o pensamento antropológico se alimenta e se inspira na prática
etnográfica. Pag. 17
A etnografia, sob muitos aspectos, se assemelha ao trabalho da
bricolage, afinal, promove a mediação entre o pensamento cientifico e o saber
local, entre a antropologia e a educação em sentido amplo do termo. Pag. 17
A etnografia, pode-se dizer, constitui-se uma artesania intelectual, um
trabalho no qual a teoria e o método não estão separados, onde o sujeito e o
objeto são da mesma natureza do conhecimento. Pag. 17
Daí a advertência de Wright Mills: “estimule a reabilitação do artesão
intelectual despretensioso, e tente se tornar você mesmo tal artesão. Deixe que
cada homem seja seu próprio metodologista; deixe que cada homem seja seu
próprio teorizador; deixe que que teoria e método se tornem parte da prática de
um ofício” (2009: 56). Pag. 17

Portanto, não se restringindo a um simples método de pesquisa, nem um recurso


discursivo com pretensões literárias, a etnografia enquanto epistemologia é a
experiência que nos possibilita todo um processo reflexivo que vai do campo ao
texto, unindo o método e a teoria, mediando as relações, em nosso caso, entre a
antropologia e a educação, promovendo o diálogo entre o “antropólogo” e o
“nativo”. Portadora de qualidades performativas, a etnografia garante ao
antropólogo não só o acesso aos sistemas de educação do outro, do nativo, do
primitivo, mas exige do próprio antropólogo um processo de reeducação constante.
Pag. 17/18

penso que uma proposta de etnoeducação patrimonial só será completa


se for capaz de desenvolver complementarmente uma “teoria etnográfica da
educação”. Em outras palavras, a etnoeducação deve permitir que se passe do
nível das concepções (ideias, representações e categorias) nativas (alunos,
professores e suas comunidades) para o plano da formulação teórica, no sentido
dado por Geertz (1989) ao conceito de cultura enquanto modelos de e modelo

para. Pag. 19/20


A etnoeducação implica em exercício de reflexão epistemológica. Significa
dizer, então, que envolve aspectos relacionados à produção do conhecimento.
Nesse sentido, não se reduz a teoria e nem especificamente a uma metodologia.
Teoria e método não estão separados. Pag. 20
Visando superar as distâncias entre o particular e o universal, o objetivo e
o subjetivo, a teoria e a empiria, enfim, o antropólogo e o nativo, a teoria
etnográfica é construída no encontro das categorias nativas com as categorias
analíticas do antropólogo. Como observado em outro lugar, “é preciso levar a sério
o ponto de vista nativo, suas lógicas e suas agências, mesmo que, aparentemente,
antitéticas e segmentadas no curso da vida social” (ROCHA, 2012b: 132). Pag. 20
Tal procedimento pode ser observado na teoria da magia de Malinowski, na
teoria da dádiva de Mauss, ou nas redes de parentesco identificadas por Claudia
Fonseca (1999), por exemplo. E, ao que tudo indica, também pode ser aplicado
com proveito ao campo da educação. Pag. 20 (LER)

A etnoeducação não está restrita ao espaço da escola, antes o contrário,


abarca um amplo universo de situações classificadas como educação não
formal. Assim, a etnoeducação pode ser um caminho fecundo para a
produção, quem sabe, de “teorias etnográficas da educação”. Pag. 20/21

E a categoria educação, então, constitui o ponto de partida para se pensar


como os indivíduos envolvidos no processo de formação da pessoa e de
transmissão de valores, e de conhecimentos, entre gerações e contemporâneos,
julgam e consideram o que é eficaz e o que é importante na produção e
reprodução da vida social. Pag. 21

O mesmo se aplica à categoria patrimônio, ou seja, é a partir do entendimento do


que as pessoas julgam importante ser valorizado, lembrado, festejado, guardado,
sacralizado, posto que são bens para a construção ou reelaboração de suas
identidades sociais e manutenção da memória cultural do grupo, é que podemos
extrair ou sugerir teorias etnográficas em torno da história, da cultura, da
educação, e outras categorias de pensamento. Pag. 21

Em suma, uma “etnoeducação patrimonial” pode ser vista como parte da


antropologia do conhecimento (BARTH, 2002) na medida em que por meio da
etnografia dos saberes e dos fazeres, dos lugares e dos objetos, classificado pelos
“nativos” em situações formais e não formais de educação como fundamentais à
constituição do ser humano, da sua definição como pessoa e da construção da
ordem do mundo, nos possibilite a formulação de teorias etnográficas cuja eficácia
resida na oportunidade de se produzir uma educação patrimonial menos
verticalizada, menos “manualizada”, menos abstrata. Pag. 21
Nestes termos, o sentido político confiado à elaboração de uma teoria
etnográfica da educação é o de fornecer modelos pedagógicos alternativos ou o de
colocar em destaque o ethos de uma cultura educativa, muitas vezes, encapsulada
pelos “vícios” de nossa própria visão de educação ou de cultura. Pag. 22

uma coisa é certa, cada vez mais os antropólogos estão inclinados a


reconhecer, do ponto de vista ético e simétrico, os nativos também como
produtores de teorias, metodologias, enfim, epistemologias tão sofisticadas quanto
as nossas ciências; que o digam Claude Levi- Strauss, Evans-Pritichard, Eduardo
Viveiros de Castro, Bruno Latour, entre outros. Pag. 22

Assim, num esforço de síntese, a etnoeduação pode ser vista como um


procedimento antropológico (teórico e prático) em que, por meio da etnografia
(entendida, então, como atividade epistemológica produtora de conhecimento
resultante das relações entre empiria, teoria e metodologia) dos saberes, dos
fazeres, dos lugares, das manifestações, das celebrações e dos objetos, portanto,
daquilo que os indivíduos e/ou grupos sociais (sejam eles alunos, professores e/ou
agentes culturais institucionais ou populares) definem como seus bens patrimoniais
e/ou patrimonializaveis, se busca compreender e/ou até mesmo desenvolver
processos de patrimonialização e/ou de ensino- aprendizagem das pessoas da
localidade a partir de suas experiências formais e não formais de educação nos
deixando ver assim as estratégias de mediação entre o mundo da vida cotidiana
(no sentido de história vivida) com o mundo da escola (espaço dos saberes e das
práticas disciplinares)...pag. 22

ou seja, as formas de transmissão e de invenção da cultura, com vistas a


ampliação do significado mesmo da educação como patrimônio (e vice-versa) na
salvaguarda dos bens culturais e na constituição das identidades culturais dos
grupos envolvidos e na definição da pessoa. Pag. 22

TEXTO: REFERÊNCIAS CULTURAIS: BASE PARA NOVAS POLÍTICAS DE


PATRIMÔNIO
autora: Maria Cecília Londres Fonseca

A proteção de bens culturais de excepcional valor histórico e aróstíco, em nome do


interesse público, é prática social consolidada no Brasil há mais de cinqüenta anos. Pag. 1

IndagaçÔes sobre quem tem legitimidade para selecionar o que deve ser preservado, a
partir de que valores, em nome de que interesses e de que grupos, passaram a pôr em
destaque a dimensão social e política de uma atividade que costuma ser vista como
eminentemente técnica. pag. 1

Entendia-se que o patrimônio cultural brasileiro não devia se restringir aos grandes
monumentos, aos testemunhos da história “ oficial”, em que sobretudo as elites se
reconhecem, mas devia incluir também manifestações culturais representativas para os
outros grupos que compõem a sociedade brasileira — os índios, os negros, os imigrantes,
as classes populares em geral.pag. 1

Quando se fala em “referências culmrais”, se pressupõem sujeitos para os quais essas


referências façam sentido (referências para quem?). Essa perspectiva veio deslocar o foco
dos bens — que em geral se impõem por sua monumentalidade, por sua riqueza, por seu
“peso” material e simbólico — para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores. Ou seja,
para o fato de que os bens culturais não valem por si mesmos, não têm um valor intrínseco.
O valor lhes é sempre atribuído por sujeitos particulares e em função de determinados
critérios e interesses historicamente condicionados. pag.½

A noção de “referência cultural”, e as inúmeras experiências que, em seu nome, foram


realizadas, serviram de base, juntamente com a releitura das posições de Mário de
Andrade no seu anteprojeto para um Serviço do Patrimônio Aróstico Nacional e na sua
atuação no Departamento de Cultura, para a definição de património cultural expressa no
artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que alarga o conceito ao falar de “bens
culturais de natureza material e imaterial ” ( o grifo é nosso). pag. 2

1- A NOÇÃO DE REFERÊNCIA CULTURAL:

1.1 Sobre os sentidos do termo “referência”

As teorias referencialistas da significação foram contestadas tanto no campo da lingüística


quanto no da fdosofia, para o que contribuíram o desenvolvimento da psicanálise e da
antropologia. Passou-se a questionar a possibilidade de se pensar e conhecer uma
realidade anterior e externa a qualquer interpretação. pag. 3

1.2 Sobre a noção de “referência cultural”

A expressão “referência cultural” tem sido utilizada sobretudo em textos que têm como base
uma concepção antropológica de cultura, e que enfatizam a diversidade não só da produção
material, como também dos sentidos e valores atribuídos pelos diferentes sujeitos a bens e
práticas sociais. Essa perspectiva plural de algum modo veio “descentrar” os critérios,
considerados objetivos, porque fundados em saberes considerados legítimos, que
costumavam nortear as interpretações e as atuações no campo da preservação de bens
culturais. pag. 4

Logo, quando não se trata de solo virgem, inexplorado, mas de regiões que tém história,
tradições, ou seja, quando se trata de um solo “cultivado”, que tem cultura inscrita nele,
pensar em uma intervenção, mesmo que seja com o objetivo de “preservar o patrimônio”,
implica em uma reorientação do uso desse solo. Trata-se de levar em conta um ambiente,
que não se constitui apenas de natureza — vegetação, relevo, rios e lagos, fauna e flora,
etc. — e de um conjunto de construções, mas sobretudo de um processo cultural — ou seja,
a maneira como determinados sujeitos ocupam esse solo, utilizam e valorizar os recursos
existentes, como constróem sua história, como produzem edificações e objetos,
conhecimentos, usos e costumes. pag.4

Embora essas informaçoes só possam ser apreendidas a partir de manifestações materiais,


ou “suportes” — sítios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, relatos, ritos, práticas,
etc. — só se constituem como “referências culturais” quando são consideradas e
valorizadas enquanto marcas distintivas por sujeitos definidos. pag. 4-5

Referências culturais não se constituem, portanto, em objetos considerados em si mesmos,


intrinsecamente valiosos, nem apreender referências significa apenas armazenar bens ou
informações. Ao identificarem determinados elementos como particularmente significativos,
os grupos sociais operam uma ressemantização desses elementos, relacionando-os a uma
representação coletiva, a que cada membro do grupo de algum modo se identifica. pag. 5

O ato de apreender “referências culturais” pressupõe não apenas a captação de


determinadas representações simbólicas como também a elaboração de relações entre elle,
e a construção de sistemas que “falem” daquele contexto cultural, no sentido de representá-
lo.‘ pag. 5

Nessa perspectiva, os sujeitos dos diferentes contextos culturais têm um papel não apenas
de informantes como também de intérpretes de seu patrimônio cultural. pag. 5

Preservar traços de sua cultura é também, hoje sabemos, uma demonstração de poder.’
Pois são os poderosos que não só conseguem preservar as marcas de sua identidade
como, muitas vezes, chegam até a se apropriar de referências de outros grupos (no caso do
Brasil, de índios e negros), ressemantizando-as na sua interpretação. pag. 5

Isso quando não recorfem simplesrriente à destruição dos vesógios da cultura daqueles que
desejam submeter. pag.5

É do lugar da hegemonia cultural que se constróem representações de uma “identidade


nacional”. pag.5

Portanto, se consideramos a Atividade de identificar referências e proteger bens culturais


não apenas como um saber, mas também como um poder, cabe perguntar: quem teria
legitimidade paxa decidir quais são as referências mais significativas e o que deve ser
preservado, sobretudo quando estão em jogo diferentes versões da identidade de um
mesmo grupo? pag. 5

O fato é que o princípio exclusivo de autoridade — seja ela cienófica, religiosa, fincada na
tradição, ou mesmo política (o Estado agindo em nome da Nação) — já não se sustenta em
uma sociedade que se queira democrática. Por outro lado, a ausculta de outras “vozes”, a
consideração de outros interesses que não os dos grupos de maior poder econômico e/ou
intelectual, só é possível quando a própria sociedade se organiza com essa finalidade.
pag.6
A Experiência do CNRC

Para Aloísio Magalhães, o Brasil ocupava, entre os países, uma posição privilegiada em
termos de perspectiva de desenvolvimento. Aqui coexistiam, naquele momento, o mundo
avançado da tecnologia e da indústria e o mundo das tradições populares, do fazer
artesanal. pag. 6

No projeto do CNRC se pretendia cruzar esses dois mundos − o recurso às mais modernas tecnologias
para recuperar e proteger as raízes autênticas da nacionalidade − com o objetivo de fornecer
indicadores para um desenvolvimento apropriado [Magalhães, 1985]. pag. 6

O Projeto Tecelagem Manual no Triângulo Mineiro, desenvolvido no âmbito do Programa


Tecnologias Patrimoniais, foi dos poucos trabalhos realizados em que todas as fases
propostas foram cumpridas, o que permitiu avaliação da experiência [FNPM, 1984;
Maureaux, 1986]. pag. 6

Uma característica da pesquisa, e que se revelou fundamental para a apreensão dessa


especificidade, como também para criar uma ponte de diálogo com as tecedeiras, foi o
centramento na tecnologia. A descrição minuciosa de todo o processo de fabricação de
tecidos, além de propiciar a recuperação desse fazer (de modo a registrá-lo e a possibilitar
sua eventual reprodução em outros locais ou por pessoas desejosas de aprender a tecer)
foi um caminho seguro para se avaliar o potencial e os impasses atuais dessa atividade na
região. pag. 7

Nossa hipótese era de que, se a pesquisa tivesse partido de questões mais genéricas e/ ou
abstratas, como indagar se se trata de artesanato ou indústria caseira, se a produção atual
conserva sua autenticidade, ou mesmo tentado captar diretamente o imaginário das
tecedeiras, as representações que constroem sobre o tecer, essa postura poderia ter levado
a pesquisa a reproduzir modelos de análise estranhos à maneira como as tecedeiras
encaram sua atividade, deixando de fora o que seria a maior riqueza e a mais importante
contribuição de uma pesquisa como essa: a apreensão dos sentidos que as tecedeiras,
implícita e explicitamente, atribuem à sua prática com a tecelagem. pag. 7

É importante frisar que não se partia também de pressupostos que costumam estar
presentes nas pesquisas feitas pelos folcloristas ou pelos planejadores econômicos, ou
seja, a defesa incondicional da necessidade de se proteger produtos e modos de vida
autênticos, em uma visão idealizada da cultura popular; pag. 7

Em ambos os casos, o foco estaria em valores externos aos dos produtores e usuários
habituais, e talvez fora das possibilidades daquela situação específica. pag. 7

Pois, justamente, o que distingue as produções pré-industriais da produção industrial é sua


diversidade, em função de sua adequação ao meio ambiente, às necessidades do
momento, a um universo simbólico, etc. pag. 8
Ou seja, a tentativa de apreender as referências culturais que caracterizam a tecelagem
manual em teares de quatro pedais, tal como é praticada no Triângulo Mineiro, partia do
pressuposto de que, sob uma capa de resistência, de reiteração de gestos e produtos, se
desenvolvia uma dinâmica específica.pag. 8

Essa perspectiva está bem distante de uma visão − que é a que costuma ser adotada pelos folcloristas
− que interpreta as manifestações da cultura popular a partir de uma noção mítica de tempo,
enfatizando o seu caráter repetitivo, opondo tradição a mudança. Ao tentarem resgatar ou preservar a
autenticidade dessas manifestações, esses estudiosos na verdade estão tentando preservar seus
próprios valores, convertendo a cultura popular em símbolo de um tempo perdido e em refúgio para a
vida moderna. pag. 8

significa, em última instância, reconhecerlhes o estatuto de legítimos detentores não apenas


de um saber-fazer, como também do destino de sua própria cultura. Não é preciso chamar
atenção para as implicações políticas dessa perspectiva, nem para seus limites em
situações concretas, quando até o termo comunidade pode servir para encobrir interesses
de grupos locais mais poderosos, de autoridades políticas, etc. pag.8

Conclusão

A noção de referência cultural pressupõe a produção de informações e a pesquisa de


suportes materiais para documentá-las, mas significa algo mais: um trabalho de elaboração
desses dados, de compreensão da ressemantização de bens e práticas realizadas por
determinados grupos sociais, que visa à construção de um sistema referencial da cultura
daquele contexto específico. pag. 9

Ou seja, é preciso definir um ponto de vista para organizar o que se quer identificar, e para isso é
preciso definir um determinado recorte ou recortes − como, por exemplo, o trabalho, a religiosidade, a
sociabilidade −, o que, evidentemente, vai indicar uma determinada compreensão do campo que se
quer mapear. pag. 9

O conhecimento do mundo é também feito pelas práticas do mundo. E é através dessas


práticas que inventamos uma educação familiar às classes populares.

Forma de conhecimento pela vida do corpo.

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