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Introdução à lógica marxista (George Novack)

Título original: An introduction to the logic of marxism.


Palestras proferidas em 1942 e publicadas em 1969.

Prólogo da Edição Argentina


A obra se inscreve em uma série de trabalhos sobre a metodologia marxista: lógica marxista,
materialismo histórico e dialético, epistemologia.
Tem como objetivo explicar a lógica geral e marxista, visando a atividade política revolucionária (tira
exemplos da ação diária militante para voltar à mesma ação).
A importância da atividade política não entra em contradição com a ciência, já que o marxismo é uma
ciência política que combina um movimento social com a ciência.

Prefácio à Terceira Edição em Inglês


 Relações entre pensamento (lógica) e realidade (mundo externo):
Lógica formal: a lógica se desenvolve na mente e não está necessária e indissoluvelmente ligada à
sociedade e à natureza.
Lógica dialética: o que sucede na mente, tanto em conteúdo como em estruturas, é inseparável do
que acontece nas relações sociais e no mundo físico, e que a evolução do pensamento é parte do
processo de evolução orgânica. Assim, tenta acompanhar a realidade e busca atingir um guia racional
para a ação prática.
 Antidialéticos: argumentavam pela negação da validade da lógica dialética e de sua utilidade em
resolver problemas políticos. No entanto, eles desvalorizam a lógica marxista para não questionar
suas próprias ideias.
 Stalinismo: desvirtuou os ensinamentos do materialismo dialético tornando-os escolásticos e
sofísticos, para que servissem às necessidades da burocracia soviética.

1) A lógica formal e a dialética


Importância da lógica dialética: trata-se do instrumento indispensável para prosseguir na luta contra o
capitalismo e pelo socialismo.

O que é lógica? Lógica é a ciência do processo do pensamento em conexão com todos os demais
processos do universo. Os lógicos investigam o processo do pensamento que se produz nas mentes
humanas e formular as leis, formas e interrelações desses processos mentais. Tem como função a
compreensão de todo tipo de proposição.

O desenvolvimento da lógica? A lógica formal foi o primeiro grande sistema de conhecimento científico
do processo do pensamento. Os primeiros filósofos gregos fizeram importantes descobertas sobre a
natureza do processo de pensamento e seus produtos, com Aristóteles recompilando, classificando e
sistematizando esses resultados positivos, criando a lógica formal. A lógica aristotélica manteve seu
predomínio durante dois mil anos, quando foi derrotada pela lógica dialética. A dialética é o resultado do
trabalho intelectual dos filósofos da revolução burguesa da Europa Ocidental, tendo Hegel como o
revolucionador da ciência lógica ao expor as formas gerais de funcionamento da dialética e Marx/Engels
como revolucionadores da lógica hegeliana ao assentar a dialética sobre bases materiais concretas.

O que é a lógica formal? É o processo do pensamento dominado pelas leis da identidade, da contradição
e do terceiro excluído.
Lei da Identidade: A é igual a A. Uma coisa é sempre igual ou idêntica a si mesma; sob qualquer
condição permanece única e a mesma; uma determinada coisa existe absolutamente para todo
momento. Assim, uma coisa exclui as diferenças dentro da essência das coisas ou do pensamento.
Lei da Contradição: A não é não-A. Significa a exclusão da diferença na essência das coisas e do
pensamento. Diferença e identidade são características distintas, desconectadas e excludentes.
Lei do Terceiro Excluído: Se A é igual a A, não pode ser igual a não-A. As coisas são e devem ser uma de
duas mutuamente excludentes.

Base objetiva e conteúdo concreto das leis da lógica formal


1ª Lei – A Lei da Identidade traz fato de que determinadas coisas e alguns de seus traços positivos e
mantém reconhecível similaridade em meio a suas mudanças. Trata-se de uma continuidade essencial na
realidade.
 Se não pudéssemos reconhecer a nós mesmos em todo momento, estaríamos perdidos. Assim,
esta lei se aplica à consciência humana e em todas as partes da vida diária...
 Se não pudéssemos dizer o que é um estado operário em suas mudanças, facilmente erraríamos
na luta de classes. Apesar de todas as mudanças na URSS sob o stalinismo, manteve os
fundamentos socioeconômicos do estado operário criado na Revolução Russa.
 O trabalhador entende que um assalariado é um assalariado e um capitalista é um capitalista, e
que os trabalhadores não têm interesse de classe comum com os capitalistas.
 Esta lei nos leva a reconhecer o igual na diversidade, a permanência nas mudanças, a separar as
similaridades entre instâncias e entidades diferentes, a descobrir os laços que na realidade as
unem.
2ª Lei – A Lei da Contradição formula o fato de que coisas e tipos de coisas coexistentes diferem e se
excluem mutuamente.
 Eu não sou igual a você, mas bastante diferente; tampouco sou a mesma pessoa de ontem, pois
sou diferente.
 A URSS não é igual aos outros estudos e hoje é diferente do que era há 20 anos.
3ª Lei – A Lei do Terceiro Excluído expressa que as coisas se opõem mutuamente na realidade.
 Eu devo ser eu ou algum outro; posso ser o mesmo ou diferente de ontem.
 A URSS tem de ser o mesmo ou algo diferente dos demais estados.

2) As limitações da lógica formal: traços da realidade que as leis da lógica formal não abrangem ou
distorcem e onde termina sua utilidade.

 Lei da Identidade: na realidade objetiva, nada corresponde exatamente ao conteúdo desta lei, mas
encontramos seu oposto (A nunca é igual a A).
 A lei da identidade tem duas faces: é verdadeira e falsa. Julga corretamente as coisas enquanto
estas podem ser consideradas fixas e imutáveis ou enquanto a quantidade de mudança nelas
pode ser descartada ou considerada nula. Portanto, esta lei só dá resultados dentro de certos
limites e deve-se usar outras leis para corrigir seus erros.
 Exemplo: uma nota de um dólar é um dólar, mas um dólar hoje não é mais o mesmo dólar que
antes; todo operário sabe que é impossível fazer dois objetos completamente iguais e é
permitida uma margem de erro.
 A lei da identidade pode acabar usando a tolerância dialética: se o dólar dobra seu valor como
resultado da deflação, então A não é mais igual a A, mas maior que A; se cai como resultado da
inflação, novamente A não é igual a A, mas menor. Em vez de A igual a A, temos A igual a 2A ou a
½A.
 Necessidade de aplicar a lei da dialética: as mudanças quantitativas destroem a qualidade velha e
trazem uma nova.
A é extremamente complexo e contraditório: não é só A, mas tem algo mais que o torna esquivo
e volúvel. Nunca terminamos de compreendê-lo, porque quando estamos por fazê-lo começa a
se converter em outra coisa mais ou menos diferente. A é A e não-A: tomar A como A é abstração
que nunca pode ser encontrada ou realizada na realidade.
A se diferenciou de si mesmo: A está sempre mudando em diferentes direções, se tornando mais
ou menos a si mesmo, se aproximando ou distanciando. Neste processo de criação e perda de
identidade, A se torna outra coisa diferente da que começou.
 Enquanto a lei da identidade reflete corretamente certas partes da realidade, as distorce ou falha
ao refletir outras; os aspectos que distorce ou não pode expressar são mais profundas que os que
descreve.

3) Algo mais sobre as limitações da lógica formal: cinco erros básicos inerentes às leis da lógica formal.

A lógica formal requer um universo estático: as leis da lógica formal excluem de si mesmas o
movimento e a mudança.
 A lei da identidade diz que tudo é sempre igual a si mesmo e a lei da contradição diz que nada
pode ser diferente de si mesmo. No entanto, a diferença implica a presença e a atuação de uma
mudança; onde a diferença está excluída, não pode haver mudança ou movimento real. Portanto,
o movimento não pode ser incluído nesse reino de formas rígidas onde tudo está congelado em
seu lugar.
 No movimento, tudo leva continuamente à contradição de estar em dois lugares distintos. Assim,
a lei da contradição não expressa a verdadeira natureza da contradição (é a identidade de forma
negativa).
Porém, a lógica não consegue excluir a contradição do mundo real e acaba sendo incapaz de
explicar a essência do movimento, pois é explicitamente contraditório: contém em si dois
momentos opostos, A não é simplesmente igual a A, mas também é não-A.
 Nada é permanente: a realidade nunca descansa, sempre muda, sempre fui. “´[…] a totalidade da
natureza do menor elemento ao maior […] transcorre sua existência entre um eterno chegar a ser
e deixar de ser, em um movimento e mudança sem descanso” (Engels).

A lógica formal eleva barreiras entre as coisas, entre sucessivas fases do desenvolvimento de uma
mesma coisa e na imagem objetiva da realidade em nossas mentes.
 Entre a verdade e a falsidade não há pontos intermediários, não há transições aos escalões que
as conectam.
 Se tomarmos as leis da lógica formal ao pé da letra, temos que assumir que cada coisa ou estado
de uma coisa é absolutamente independente de qualquer outra coisa ou estado. Pressupõe-se
um mundo em que tudo é isolado.
 Cada coisa está sempre passando a ser e transformando-se em outra. Para isso, é necessário
romper e enfrentar as barreiras que anteriormente as separavam dessa outra coisa. A ruptura de
barreiras, a passagem de uma coisa a outra, sucede continuamente dentro e em torno de nós.

A lógica formal exclui a diferença da identidade: enquanto a lógica formal coloca barreira insuperáveis
entre os diferentes, o diferente acaba se convertendo em idêntico e o idêntico se torna diferente. Essa
transformação da identidade em diferença e da diferença em identidade tem lugar em todas as relações.
 Apesar das leis da lógica formal, a identidade material real não exclui de si a diferença, mas a
contém como parte essencial. Da mesma forma que a diferença real não exclui a identidade, mas
a inclui como elemento essencial.

O caráter absoluto das leis da lógica formal: essas leis regem o mundo do pensamento de forma
totalitária, exigindo inquestionável obediência e reclamando autoridade soberana.
 As leis absolutas não têm lugar no mundo real: todo objeto real se origina e se apresenta sob
condições históricas e materiais específicas em conexão com outras coisas.
 Se tudo existe sob limitações históricas e materiais definidas, evolui e se diversifica, muda e
desaparece, uma lei absoluta não pode ser aplicada no mesmo grau, em todo tempo e sob
qualquer condição.

A lógica formal não pode explicar a si própria: os lógicos formais dizem que suas leis são independentes
da razão e sua lógica é eterna. No entanto, a lógica formal surgiu em uma etapa definida da evolução da
sociedade humana, evoluindo paralelamente ao crescimento da sociedade e suas forças produtivas, e foi
assimilada e suplantada pela dialética.
 A dialética pode não só explicar a existência da lógica formal, mas também dizer porque a supera
e explicar a si mesma.
 A dialética surgiu como resultado de uma revolução social: a dialética revolucionária é que
prevaleceu na prática política; na esfera do conhecimento, o formalismo foi levado à mesma
crise.

4) A revolução hegeliana na lógica

Hegel revolucionou a ciência do pensamento demonstrando as limitações das leis da lógica formal e
criou, com base em novos princípios, um sistema superior de lógica conhecido como dialética.

Contexto histórico
 A revolução da lógica feita por Hegel é parte do movimento revolucionário que transformou o
mundo ocidental entre os séculos XVI e XIX, culminando na substituição de todos os aspectos da
vida social do feudalismo e formas pré-capitalistas pelo sistema burguês.
 Os movimentos revolucionários democrático-burgueses originados pelo crescimento e expansão
do capitalismo transformaram radicalmente as relações políticas, os métodos de produção, a
moral e as mentalidades. Os avanços do pensamento na prática industrial e científica
estabeleceram, assim, a necessidade de uma forma mais evoluída de lógica e uma teoria do
conhecimento superior para enfrentar a nova acumulação do conhecimento.

Hegel propôs um novo método apropriado ao novo contexto histórico: Hegel era consciente da
necessidade de um método apropriado de pensamento e da incapacidade da lógica formal em satisfazer
as necessidades dos novos conhecimentos. Assim, Hegel se propôs a formular uma lógica adequada ao
desenvolvimento da ciência e necessária para assegurar o progresso científico.
 Durante o século XVI até a aparição de Hegel, as novas forças do capitalismo haviam
questionado, enfrentado ou derrotado todas as instituições e relações estáveis. O feudalismo
havia sido minado ou subvertido pelo crescimento das relações capitalistas. As condições
históricas demandavam a criação de novo método de pensamento que estivesse de acordo com
as necessidades do desenvolvimento do pensamento científico. Bacon e Descartes buscaram
fazer sua lógica mais científica, mas foi Hegel quem conseguiu consumar a revolução na lógica.
 Novas ideias científicas acompanharam o surgimento da economia capitalista e à fermentação
política da revolução democrático-burguesa. Os cientistas de distintos campos procuraram
conciliar os novos temas de conhecimento que haviam coletado ou as novas leis que haviam
descoberto com as velhas categorias de pensamento. Revolucionaram suas práticas científicas
antes de revolucionar seus hábitos e métodos de pensamento.
 Os pensadores burgueses haviam começado já no século XVI a se rebelar contra as restrições da
lógica formal. Os mais destacados filósofos europeus procuraram formular um método próprio
para superar a lógica formal: o “Novum Organum” de Bacon, o “Discurso do método” de
Descartes, o método mecânico de Descartes, o método geométrico de Espizona, o “Ensaio sobre
o entendimento humano” de Locke representam marcos nesse caminho. A tentativa mais exitosa
foi feita por filósofos alemães começando por Kant, seguido por Fichte e Schelling e culminando
em Hegel, que consumou a revolução na lógica.

5) O Método Dialético I: discutir os conceitos principais do método dialético compreendendo-o como


um sistema aberto.

Forma de aproximação da realidade: “A verdade é concreta” (Hegel).


 Lógica formal: suas leis são facilmente expressáveis em simples fórmulas e equações porque são
generalizações que expressam a natureza interna do pensamento formal e não a realidade
externa. O formalismo sempre tende a produzir fórmulas incondicionais e invariáveis das três
leis, crendo conter toda a realidade com que operam.
 Lógica dialética: entende que a verdade é concreta, entravada no movimento, mudança,
evolução e contradição; cada fase da realidade constrói suas próprias leis, com as que
compartilham de outras fases. Estas leis e categorias devem ser descobertas por uma
investigação direta da totalidade concreta, não podendo ser produzidas pela mente antes de
serem analisadas na realidade material.
Se a realidade está sempre mudando, a dialética tem que adotar as mesmas características, já
que pretende ser um autêntico reflexo da realidade em termos lógicos. Assim, o pensamento
dialético deve ser concreto e fluido, usando as contradições que aparecem e reconhecendo que
as fórmulas devem ser provisórias e limitadas; cria fórmulas, as mantém e logo as descarta em
cada etapa de seu crescimento; a própria dialética cresce e muda (idealismo hegeliano 
materialismo marxista).
Ainda assim, a lógica dialética possui determinações e expressões categorias: ela incorpora a seu
próprio sistema e usa o aparato da lógica formal, adaptando essas ferramentas ao processo da
realidade e à realidade do pensamento. Compreende que a matéria e as formas que adota são
sempre interdependentes e surgem uma da outra, mas sendo decisivo o movimento da matéria.
Ninguém pode proporcionar um “livro de receita” sobre dialética, mas as ideias fundamentais
podem ser colocadas de forma que o método possa ser entendido e usado para a solução de
problemas concretos. Assim, existe uma trama de leis através de processos da realidade que se
descobre na existência e persistência das coisas.

As leis da realidade e sua necessidade: “Tudo o que é real é racional” (Hegel).


Existe uma razão no mundo real, que pode ser reflito na razão. Existem objetos materiais com relações
estáveis ao nosso redor, ocorrem fenômenos regulares na natureza, as coisas mudam. Esses
acontecimentos e suas leis podem ser conhecidos e explicados racionalmente.
A lógica deve tomar como ponto de partida a unidade dos processos subjetivos com os processos do
mundo externo.
Tudo o que existe deve ter uma razão necessária e suficiente de existência e esta razão pode ser
descoberta e comunicada: “princípio da razão suficiente”.
As bases materiais dessa lei residem na interdependência de todas as coisas e em suas interações. Se
tudo o que existe tem uma razão para sua existência, isto significa que tinha que chegar a ser, foi levado
à existência e se tornou necessidade. Assim, a realidade é provada em virtude de sua necessidade.
REALIDADE + RACIONALIDADE + NECESSIDADE: algo é racional porque se tornou real (racionalidade e
realidade reagem entre si e se reforçam); se algo não fosse necessário e se não se dessem as condições
para sua produção e reprodução, não se converteria em realidade. Todo fato é real, necessário e possui
uma explicação racional.
6) O Método Dialético II

O aspecto negativo da realidade: “Todas as coisas encontram seu fim” (Hegel). As coisas existem e
persistem, mas também evoluem e desaparecem; as coisas se afirmam, mas também se negam e são
negadas por outras.
A ação destrutiva da vida está presente em tudo: no movimento das coisas, no crescimento dos seres
vivos, na transformação das substâncias, na evolução da sociedade e na mente humana que reflete
todos estes processos objetivos.
“A existência é em parte mera aparência e só em parte realidade” (Hegel). Nem tudo o que é real deve
existir. A existência divide a si mesma em aspectos opostos de aparência e essência.

Aparência e essência. Uma coisa é autenticamente real se é necessária, se sua aparência corresponde
totalmente à sua essência e somente enquanto prove ser necessária. Hegel buscou a origem desta
necessidade na Ideia Absoluta e os materialistas nas condições materiais e nas forças conflitantes que
criam, sustentam e destroem todas as coisas.
Alguma coisa adquire realidade porque as condições necessárias para sua produção estão presentes e
operando objetivamente. Torna-se real com as mudanças nas circunstâncias externas e internas de sua
evolução. Permanece real quando for necessária, sob as condições dadas. Logo, quando as condições
mudam, perde sua necessidade e sua realidade, se dissolvendo em mera aparência.
Exemplo: o capitalismo foi em seu momento um sistema real e necessário. Chegou a existir por conta
das condições sociais existentes e do crescimento das forças produtivas; apareceu e continuou a se
estender pelo mundo, subordinando ou suplantando as relações sociais anteriores; provou sua
necessidade e inevitabilidade na prática histórica. Hoje em dia, o capitalismo está pronto para ser
superado, pois este antiquado sistema de produção é não-necessário, irreal e irracional; tem que ser
abolido ou negado se a humanidade vai viver e progredir. Será negado por uma força social dentro do
capitalismo, mais necessária e racional: o proletariado socialista.

A negação não é algo estéril ou autodestrutivo, mas também é afirmativo e positivo. A afirmação se
transforma em negação e, por sua vez, a negação mostra seu lado positivo (negação da negação), uma
afirmação inteiramente nova que contém já sua negação.
Toda evolução real ocorre de maneira contraditória, pelo conflito entre forças opostas que rodeiam e
formam parte de todo o existente. Tudo termina no curso da evolução. A necessidade se converte em
ausência da necessidade, em contingência ou mudança.
“Acima de todas as coisas, a contradição é a que move o mundo; é ridículo dizer que a contradição é
impensável. O correto nesta proposição é que a contradição não é o fim da questão, mas invalida a si
própria” (Hegel).

7) A revolução marxista na lógica

Revolução do materialismo histórico-dialético: Marx e Engels não se limitaram a melhorar a dialética de


Hegel, mas superaram a dialética idealista e a revolucionaram, criando o materialismo dialético como
novo instrumento lógico e a assentando sobre bases materialistas.
O idealismo hegeliano e o materialismo marxista são dois polos da lógica dialética moderna: a primeira é
sua expressão falsa e fetichista; a segunda é autenticamente revolucionária.

Como Marx e Engels partiram do hegelianismo


Hegel e Feuerbach forneceram a Marx e Engels as ferramentas intelectuais para a construção de seu
próprio enfoque. Eles adotaram uma postura crítica frente às ideias dos filósofos, retendo certos
elementos e transformando outros elementos do pensamento de ambos.
Marx e Engels começaram suas carreiras intelectuais como discípulos de Hegel. A escola hegeliana se
dividiu em suas tendências opostas: os velhos hegelianos aderiram aos aspectos mais reacionários de
seu sistema, extraindo conclusões conservadoras, e os jovens hegelianos desenvolveram as implicações
mais radicais das ideias de Hegel. Criticando as ideias dos jovens hegelianos, Marx e Engels aderiram ao
movimento democrático-burguês, à crítica da religião, da sociedade e do Estado, chegando às ideias
anarquistas, socialistas e comunistas.
 Crítica aos jovens hegelianos: entraram em colisão com as ideias e principais conclusões
errôneas dos principais líderes dos jovens hegelianos (Bauer, Hess, Stirner). Na década de 1840,
escreveram uma série de trabalhos críticos, como “A Sagrada Família” e “A ideologia alemã”,
polemizando com seus predecessores.
 Crítica ao materialismo de Feuerbach: receberam de Feuerbach uma crítica materialista de
Hegel e uma afirmação da posição fundamental do materialismo. Feuerbach expôs a realidade e
os erros dos excessos especulativos de Hegel, substituindo as especulações fetichistas dos
hegelianos pela verdade do materialismo. Marx e Engels apontaram, no entanto, que seu
pensamento teve sérios erros: não era dialético e nem completamente materialista. Feuerbach
era materialista em seu enfoque geral, mas não na aplicação específica do materialismo: a
história e a sociedade, em que não havia depurado seu pensamento dos vestígios do idealismo.
 Efeitos do pensamento de Hegel. 1) Ele errou ao construir um sistema filosófico fechado e
completo, no qual o fluxo da realidade estava enclausurado, pois esta tentativa herdade dos
metafísicos do passado contradiziam as concepções da dialética. 2) O sistema de Hegel era
idealista, tendendo a distorcer o caráter revolucionário da dialética. Ele pensava que as ideias
constituíam a essência da realidade e que era a evolução das ideias que arrastava ao resto da
realidade, reduzindo todos os processos da realidade ao processo único da Ideia Absoluta. O
processo histórico da evolução – na natureza, na sociedade e na mente – era um reflexo da
evolução das ideias do ser humano (“espírito”). 3) Em Hegel, a realidade externa era uma cópia
imperfeita das manifestações do pensamento em sua progressão até a perfeição da Ideia
Absoluta (Deus), sendo a história a realização desta Ideia Absoluta. Assim, o processo histórico
era um movimento circular da Ideia Absoluta e não uma evolução do velho ao novo, levando a
conceber a forma capitalista como forma última de desenvolvimento da sociedade e a
monarquia constitucional como um estado mais perfeito.

Crítica marxista do hegelianismo


Marx e Engels rejeitaram o idealismo hegeliano, pois compreendiam que a dialética tinha que se desligar
de sua falsa forma idealista e se assentar sobre bases materialistas concretas. Hegel havia invertido as
relações reais nas ideias e nas coisas, sustentando que as coisas reais eram somente realizações
imperfeitas da Ideias Absoluta e suas manifestações. Marx e Engels assinalaram o contrário: os conceitos
mentais são imagens de coisas reais. Assim, a dialética do conceito se converte em reflexo consciente do
movimento dialético do mundo real. "Meu próprio método dialético é não só fundamentalmente
diferente do hegeliano, mas é diretamente oposto. Para Hegel, o processo de pensamento (que ele
transforma realmente em um objeto independente, dando-lhe o nome de "ideia") é o criador do que é
real; e para ele o real é somente a manifestação exterior da ideia. No meu enfoque, pelo contrário, o
ideal não é mais que o material quando foi transladado e transposto à mente humana..." (Marx).
Apesar as críticas e oposição, Marx e Engels preservaram e desenvolveram o método dialético e suas
leis. Confrontados com as filosofias de Hegel e Feuerbach, Marx e Engels expuseram os defeitos de cada
uma, explicando ao mesmo tempo sua necessidade histórica. Logo partiram para combinar as ideias
válidas de ambos os pensadores em um novo sistema de pensamento.

8) As categorias da lógica dialética


Categoria essência. Os pensadores formais e metafísicos sustentam que a essência de uma coisa se
distingue de sua aparência pelo fato de que a natureza interna de um objeto é totalmente diferente e
absolutamente oposta à sua aparência externa. Também pensam na essência como algo permanente,
fixo e acabado, radicalmente diferente de suas aparências.
Na realidade, a essência de uma coisa não aparece e permanece imutável, mas evolui e se realiza ao
longo do processo de evolução do objeto. Portanto, a essência em geral e cada essência em particular
tem um caráter material e histórico; aparece sob condições específicas, evolui através de várias formas
e, eventualmente, desaparece ao desaparecer o próprio objeto. Seu curso de evolução tem um caráter
dialético ou contraditório.

Categoria aparência. A essência de uma coisa nunca aparece por si mesma e independente. Sempre se
manifesta com e por meio de seu oposto, a aparência. É através de uma série de aparências acidentais
que a essência manifesta seu conteúdo interno e adquire cada vez mais realidade, até exibir completa e
perfeitamente como lhe é possível sob as condições materiais dadas. A essência de uma coisa é o
necessário para sua aparência, a totalidade de qualidades sem as quais não poderia existir.

Relação entre essência e aparência.


No início da evolução de uma coisa, sua essência pode estar submersa na aparência e a análise
superficial precisa identificá-la. Mas em seu desenvolvimento posterior, o objeto descarta sua forma
original e assume aparências novas, diferentes e ainda contraditórias. Daí a necessidade de distinguir
entre essência e aparência, entre o fundo relativamente permanente e a superfície variável das coisas.
Assim, é importante ver a unidade de ambas, suas interconexões e sua conversão de uma em outra, já
que “Na essência tudo é relativo” (Hegel), enquanto na aparência tudo é imediato ou absoluto.
Ex. do ser humano: o ser humano apareceu primeiramente não em sua essência totalmente
desenvolvida, mas como um animal dificilmente distinguível do macaco antropoide; no curso posterior
da evolução, converteu-se em ser humano. Desde então, a espécie humana descartou cada vez mais
suas características de macaco adquirindo suas próprias e distintas. A essência do ser humano está
presente e operando em diferentes graus em todas as etapas da evolução e, ainda assim, está em
processo.
A essência e a aparência se identificam e se opõem em cada etapa da evolução de um dado movimento
material, mas suas relações podem se reverter no curso da evolução. Na fase inicial de uma coisa, a
aparência tende a subordinar a essência; em seu desenvolvimento, ambas divergem até chegar à
oposição; em sua etapa posterior, a essência domina a aparência, se destacando sua natureza essencial.
Após a essência se manifestar totalmente e coincidindo com a aparência, tendo realizado suas
possibilidades e desenvolvido seu conteúdo, o essencial se transforma novamente no menos essencial e,
eventualmente, no não essencial.
Ex.: o marxismo se realizava em cada uma das três primeiras internacionais, em graus ascendentes de
perfeição; está se realizando mais totalmente por meio da Quarta Internacional, criada em uma etapa
superior da luta da classe trabalhadora. Será a Quarta Internacional a forma essencial do Partido
Internacional Socialista?
A essência de uma coisa se manifesta sempre ligada a seu oposto, que é uma ou outra de suas
aparências. Em geral, quanto mais essência, menos aparência. Estas duas determinações da realidade e
do pensamento aparecem juntas, mas em relação inversa. Assim, a perfeição da realização de uma
essência depende das circunstâncias materiais que determinam a evolução do objeto.
A essência é abstrata e concreta: a essência de uma coisa é uma abstração de suas diversas formas
concretas, expressada conceitualmente em uma generalização tomada de suas instâncias particulares. O
abstrato e o concreto, o geral e o particular, a essência e a aparência, estão essencialmente
interrelacionadas e são categorias interconversíveis. Nunca se encontra a uma sem a outra. "Em essência
todas as coisas são relativas" (Hegel).
Ex.: o dinheiro sempre se mostra sob alguma forma específica, mas nenhuma dessas manifestações
concretas contém sua essência total. A existência do dinheiro está presente e ausente em qualquer de
suas formas particulares.

Qualidade e quantidade. A essência, em vez de ser algo fixo e simples em sua natureza, se compõe de
vários graus que constituem uma hierarquia da essência.
As coisas avançam do menos essencial ao mais essencial: a qualidade de uma essência pode tornar-se
quantitativamente maior ou menor, pode crescer em extensão e em conteúdo, podendo se determinar
ou definir em diferentes graus ou formas de seu ser. Ex.: o pré-requisito para a aparição quantitativa do
dinheiro como uma nova propriedade econômica é um desenvolvimento quantitativo específico do
intercâmbio. A nova qualidade de dinheiro aparece como o resultado necessário da acumulação
quantitativa de atos de intercâmbio.
Também pode ocorrer um salto de quantidade à qualidade. Ex.: quando os seres humanos começaram a
dizer no mercado “isto vale tanto” e a trocar os produtos de seu trabalho em termos equivalentes,
estavam dadas as condições prévias para a produção do dinheiro. Dada uma suficiente quantidade de
mercadorias diferentes e de atos de troca, se faz necessário encontrar uma mercadoria entre elas que
possa servir como dinheiro.
O processo continua com a nova qualidade se transformando em nova quantidade. Ex.: uma vez que a
qualidade dinheiro faz sua aparição na sociedade, tende a estender-se indefinidamente, a penetrar em
todas as partes e a transformar todas as demais relações econômicas. Esta quantificação leva à produção
de uma nova qualidade econômica. O dinheiro se transforma em capital, que é uma forma superior de
dinheiro.
Existe um processo incessante de transformação de quantidade em qualidade, de possibilidade em
inevitabilidade e de inevitabilidade em possibilidade.

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