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CONSERVAÇÃO E RESTAURO

AULA 1

Profª Danielly Dias Sandy


CONVERSA INICIAL

Esta aula objetiva apresentar ao leitor o que é o patrimônio, buscando


contribuir com o despertar da consciência patrimonial ao abordar a definição de
patrimônio, sua relação com a memória e com o poder e sua relevância para o
desenvolvimento. Além disso, também abordamos questões relacionadas à
salvaguarda, nos espaços museológicos, de informações acerca de suas
principais ações de conservação. Dessa forma, seguimos a seguinte sequência,
nos assuntos:

1. O bem patrimonial
• 1.1 As Cartas Patrimoniais
• 1.2 O reconhecimento do patrimônio no Brasil
2. A relação do patrimônio com o poder
• 2.1 Os museus como espaços de poder
• 2.2 Patrimônio e mercado
3. Patrimônio e desenvolvimento
• 3.1 Sentimento de pertença
• 3.2 Patrimônio e sustentabilidade
4. Patrimônio e museus
• 4.1 Gabinetes de curiosidades
• 4.2 A nova museologia
5. Ações básicas de salvaguarda
• 5.1 Normas gerais
• 5.2 Ações de salvaguarda

Ao observarmos a inexorável passagem temporal, podemos perceber, de


longe, os seus efeitos sobre a matéria. O tempo age sobre absolutamente tudo,
inclusive sobre nossas lembranças e, para mantermos algo vivo, precisamos
principalmente conhecê-lo, precisamos saber do que se trata.
E isso, invariavelmente, ocorre com a nossa história, com os nossos
objetos de memória, a nossa arte, a nossa cultura, ou seja, os nossos bens
patrimoniais.

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TEMA 1 – O BEM PATRIMONIAL

Os bens patrimoniais naturalmente carregam em si uma força


inexplicável, a marca da história e da cultura com a qual foram produzidos. Essa
magia contida nos objetos de memória vai além do tempo e tem a força de
influenciar gerações, com base em ensinamentos diversos. Assim, aprendemos
a ter cada vez mais respeito pelo passado e a manifestar nossa reverência a ele,
no presente.
A palavra patrimônio tem origem latina e vem de patrimonium, cujo
significado é bens de família, herança, de acordo com o dicionário de Raulino
Busarello (2003), o que pode ser confirmado em outros dicionários de latim.
Quanto ao sentido etimológico da palavra patrimônio, esse é o seguinte: patri
(pai) + monium (recebido); e demonstra estar relacionado, sobretudo, à herança
paterna. Mas, o patrimônio pode ser classificado de outras formas, para além do
seu aspecto econômico: ele tem importância histórico, artística e cultural.
Mesmo quando se trata de um bem de valor econômico, esse patrimônio
está atrelado à história do indivíduo e há sempre uma representação por trás
disso. Quanto aos demais exemplos de bens patrimoniais, estes estão
relacionados à história e servem como documentos da memória, são
testemunhos do passado e também contam uma história e isso independe de
seu tamanho, formato ou valor de mercado. O patrimônio é uma forma de manter
a memória viva.
De acordo com Hugues de Varine (2013, p. 20, grifo do original), “o
patrimônio está ligado ao tempo por sua evolução e por seus ritmos”. E isso
demonstra que há um valor inestimável do bem patrimonial que vai além de sua
estética e que precisa ser preservado.

1.1 As cartas patrimoniais

Ao longo de décadas, a Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desenvolve reuniões oficiais para
debater acerca das questões relacionadas ao patrimônio e sua preservação.
Dessas reuniões têm origem documentos formais, mas sem poder de lei
instituída, que são as chamadas cartas patrimoniais. Ou seja, tratam-se de
documentos, elaborados em conferências, especialmente voltados para
apresentar diretrizes para que seja realizado um trabalho sério e responsável

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com o patrimônio, em nível mundial. As cartas patrimoniais exercem influência
em diferentes esferas, por meio de recomendações com vistas à efetiva
preservação de bens considerados importantes.
A carta patrimonial elaborada em conferência geral da Unesco, realizada
na cidade de Paris, em 1972, tem o nome de Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural e também é conhecida como
Recomendação de Paris (Unesco, 1972). No art. 1º do mencionado documento,
são descritos os bens que podem receber o título de patrimônio cultural:

• os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura


monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,
inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor
universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência;
• os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em
virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem,
tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história,
da arte ou da ciência;
• os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do
homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares
arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de
vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (Unesco, 1972)

Ainda no mesmo documento, no art. 2º temos a definição de patrimônio


natural, estabelecida na reunião oficial da Unesco (1972):

• os monumentos naturais constituídos por formações físicas e


biológicas ou por grupos de tais formações, que tenham valor
universal excepcional do ponto de vista estético ou científico;
• as formações geológicas e fisiográficas e as áreas nitidamente
delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais
ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de
vista estético ou científico;
• os lugares notáveis naturais ou as zonas naturais estritamente
delimitadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista
da ciência, da conservação ou da beleza natural.

Essas definições sobre patrimônio cultural e natural são claras. Os países


geralmente acatam-nas e as inserem em sua legislação para preservação e
fomento do patrimônio. Assim, destacamos a importância de sabermos mais o
que é patrimônio para podermos preservá-lo e, assim, tornarmos possível a sua
existência para as gerações vindouras.

1.2 O reconhecimento do patrimônio no Brasil

A partir da década de 1930, iniciou-se um projeto de criação de uma


identidade brasileira e foram instituídas as primeiras políticas públicas para a

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cultura. Houve o reconhecimento da necessidade de se preservar o patrimônio,
embora nesse período o país ainda tenha perdido muitos bens históricos e
culturais. Em 30 de novembro de 1937 foi instituído o Decreto-Lei n. 25/1937,
assinado por Vargas, o qual define, logo no seu art. 1º, que:

[...] constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos


bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico. (Brasil, 1937)

Essa concepção de patrimônio se estende pelos incisos seguintes do


decreto; mas, devido à reconhecida diversidade cultural do país, obviamente não
foi suficiente para alcançar todos os bens patrimoniais brasileiros, em toda a sua
grandeza. Mesmo assim, o mencionado decreto foi o que orientou as decisões
da área por várias décadas (Brasil, 1937).
A partir da Constituição Federal de 1988, houve uma expansão do
conceito de patrimônio no Brasil, de acordo com art. 216:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material


e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (Brasil,
1988)

Assim, podemos observar com clareza que o conceito de patrimônio, na


Constituição Federal de 1988, apresenta uma ampliação, podendo abarcar de
maneira mais ampla a produção dos diferentes grupos e etnias que integram o
conjunto cultural brasileiro.

TEMA 2 – AS RELAÇÕES DO PATRIMÔNIO COM O PODER

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) investigou profundamente,


em sua obra Microfísica do poder, as relações de poder. Para Foucault (2015),
está claro que o poder não é algo concreto e que existe de fato e que o que
existe realmente são as relações de poder, suas práticas, que têm lugar não
somente em meio aos grupos legitimados ou hegemônicos, mas também nos
diferentes grupos sociais (Foucault, 2015).

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Com base no pensamento de Foucault (2015), podemos perceber que o
poder perpassa por todas as relações humanas, mesmo no quotidiano mais
ordinário, estando sempre presente nos mecanismos que estabelecem os
discursos. O autor ainda afirma que “o grande jogo da história será de quem se
apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam” e que “o
devir da humanidade é uma série de interpretações” (Foucault, 2015, p. 69-70).
Em analogia com o pensamento de Foucault (2015), podemos mencionar
a patrimonialização das coisas, móveis e imóveis, tangíveis e intangíveis.
Destacamos que o que pode ser representativo, para um determinado grupo,
não necessariamente o é para outro. Dessa forma, reconhecer algo como
patrimônio, assim como preservá-lo e/ou adquiri-lo, é um gesto de legitimação e
poder, além de um ato político, mas não necessariamente partidário.

2.1 Os museus como espaços de poder

Sobre patrimônio, memória e poder na realidade brasileira do século XX,


Lourenço (1999, p. 80) declara que o museu ainda “[...] é visto como um
repositório dos símbolos pátrios, capaz de configurar aquilo que nos orgulha e
mostrá-los, de forma doutrinária, a amplos segmentos”.
Para o museólogo brasileiro Mário Chagas (2000, p. 13), “os museus
podem ser espaços celebrativos da memória do poder ou equipamentos
interessados em trabalhar com o poder da memória”. Ou seja, os museus
possuem um reconhecido valor e um status social que naturalmente transferem
para as obras e objetos contidos em seus acervos e coleções.
Por meio de exposições e da forma como as curadorias dessas
exposições podem planejá-las e apresentá-las ao público, muitos fatos e grupos
podem ser legitimados, além de hábitos, histórias, costumes diversos.
Salientamos que uma mostra expositiva contribui com a prática de tornar os
objetos mais próximos da realidade do visitante, permitindo ao público a
apropriação simbólica do objeto, o que naturalmente lhe gera o reconhecimento
e sentimento de pertença.
Há uma forte relação de poder presente em todo o processo de
patrimonialização, que vai do reconhecimento do bem à tomada de medidas de
salvaguarda e exposição ao público. Reconhecemos que, em meio a esse
processo, há quem possa efetivamente legitimar o reconhecimento, a
autenticidade e o valor do bem patrimonial.
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2.2 Patrimônio e valor de mercado

O patrimônio, além de seu valor histórico e cultural, que pode vir a ser
inestimável, também pode possuir um forte valor econômico. Atualmente, os
valores atribuídos aos diferentes bens patrimoniais são estipulados com base
em preços de mercado.
Dessa forma, pode ser atribuído um valor para cada bem patrimonial e
isso pode variar bastante, de acordo com o autor, os materiais empregados, a
data de elaboração, o estado de conservação e, ainda, o que se conhece como
o currículo da obra.
O currículo da obra, do objeto ou mesmo do patrimônio imóvel constitui-
se com base no seu histórico e em tudo o que ocorreu desde a sua criação até
o momento da sua venda. Obviamente, há fatos que agregam valor ao bem,
enquanto há outros que podem retirar-lhe valor.
De acordo com Souza Filho (1999, p. 50): “O valor dos bens materiais,
assim, tem a magnitude da consciência dos povos a respeito de sua própria vida.
Muitas vezes o indivíduo de uma coletividade não consegue se aperceber do
valor de sua própria cultura, imbuído que está no seu próprio individualismo”.
Pelo fato de o bem patrimonial conter em si um valor muitas vezes
inestimável, ele torna-se objeto de desejo de muitos indivíduos capazes de
investir quantias realmente elevadas para tê-los entre os seus bens.

TEMA 3 – PATRIMÔNIO E DESENVOLVIMENTO

Para muitos, o patrimônio é visto como um forte ativo econômico. O


patrimônio tem um papel fundamental no desenvolvimento, seja econômico, seja
social, seja cultural. Ao preservarmos nossos bens patrimoniais, passamos a
valorizar quem realmente somos e, consequentemente, o nosso meio, já que o
patrimônio envolve e valoriza aspectos principalmente humanos das cidades.
Em relação às cidades mais jovens e sem construções arquitetônicas
centenárias e/ou monumentais, o patrimônio a ser empregado para seu
desenvolvimento pode ser, entre outros, o imaterial.
A consciência patrimonial precisa ser aprendida nas escolas e estar
presente desde cedo na vida do cidadão. Ao aprender sobre a memória, o
indivíduo torna-se muito mais cônscio de sua identidade.

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3.1 O sentimento de pertença

Para fazer, de fato, com que o patrimônio esteja mais atrelado ao


desenvolvimento, é importante fomentar, na população, o sentimento de
pertença. Tal sentimento, além de evocar os valores morais e culturais da
sociedade, grupo ou meio, ainda une os indivíduos em uma coletividade mais
harmoniosa, proporcionando a interação consciente com os seus símbolos.
O sentimento de pertença, também conhecido como sentimento de
pertencimento, é um conceito bastante utilizado no estudo do patrimônio.
Significa um sentimento que deve ser fomentado nas pessoas e que é próprio
do ser humano, ao identificar-se com algo como seu. É um sentimento de
construção de valores humanos que contribui com atos concretos de respeito e
cuidado, estimulando uma consciência mais elevada em relação ao papel do
indivíduo na sociedade.

3.2 Patrimônio e sustentabilidade

A Unesco reconhece a importância do patrimônio no desenvolvimento e


na sustentabilidade, compreendendo a contribuição dos bens patrimoniais para
gerar benefícios às economias nacionais e locais. Na obra As raízes do futuro: o
patrimônio a serviço do desenvolvimento local, Hugues de Varine (2013, p. 207)
defende o patrimônio como uma “[...] riqueza que traz em si mesma seus próprios
meios, que é preciso fazer frutificar” e o trata como essencialmente um recurso,
não somente financeiro. Atualmente, o bem patrimonial está intrinsecamente
ligado às noções de sustentabilidade, inclusive dos recursos econômicos e
naturais.
O desenvolvimento local torna-se possível com práticas inteligentes e
compartilhadas de gestão do patrimônio, seja ele arquitetônico, seja histórico,
artístico, natural, tangível ou intangível etc.
O patrimônio precisa ser preservado, estudado e compreendido pois isso
naturalmente contribui para a sustentabilidade dos diferentes grupos que atuam
diretamente com ele, promovendo o turismo, o desenvolvimento econômico e
social. Há muitos benefícios que as práticas de preservação e fomento podem
oferecer aos locais que trabalham diretamente com o seu patrimônio.

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TEMA 4 – PATRIMÔNIO E MUSEUS

A origem dos museus remonta à Grécia Antiga, a priori como templos


dedicados à deusa da memória Mnemosine. Esta, por sua vez, era filha de Urano
e Gaia e mãe dos nove museus. De acordo com a etimologia clássica, a palavra
museu significa templo das musas. Mnemosine teve suas nove filhas musas com
Zeus, sendo elas as responsáveis pela inspiração artística e científica.
Os museus são responsáveis pela musealização e, consequentemente,
pela patrimonialização. A museóloga brasileira Marília Xavier Cury (2006)
defende a ideia de que tudo é passível de ser musealizado. Mas, sobre isso,
destacamos que há critérios estabelecidos, para tanto. De acordo com o Código
de Ética do Conselho Internacional de Museus (Icom), os museus têm como
princípio a responsabilidade de:

[...] adquirir, preservar e promover suas coleções, contribuindo para


salvaguardar o patrimônio natural, cultural e científico. Seus acervos
constituem um patrimônio público significativo, têm um estatuto legal
especial e são protegidos por legislação internacional. Intrínseco a esta
confiança pública está o conceito de guarda, que abrange a
propriedade legítima, a permanência, a documentação, o acesso e a
alienação responsável. (Icom, 2006, p. 10)

Cabe ressaltar que os museus também são instituições permanentes e


sem fins lucrativos, a serviço pleno da sociedade e do desenvolvimento social
(Icom, 2008).
Sabemos que uma instituição museológica tem como prioridade dedicar-
se com afinco ao seu acervo, por meio de um conjunto de ações que vão do
armazenamento à realização de exposições e ações culturais e educativas.
Assim, as funções dos museus abarcam os processos de conservação, estudo
e pesquisa e comunicação – desde a exposição à transferência de
conhecimentos (Poulot, 2013).

4.1 Os gabinetes de curiosidades

A partir das explorações e dos descobrimentos provenientes dos séculos


XVI e XVII, surgiram os locais fantásticos conhecidos como gabinetes de
curiosidades. Nesses gabinetes de curiosidades eram agrupadas coleções de
diversos itens, muitas vezes inusitados, que representavam os avanços da

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ciência e da cultura da época. Por uma questão de status social e poder, os
proprietários dessas coleções buscavam adquirir o maior número possível de
bens, organizados em quatro categorias: artificial, natural, exótica e científica.
Os gabinetes de curiosidades são vistos hoje como uma marca significativa na
história dos museus, principalmente durante a Idade Média.
Os gabinetes de curiosidades também ficaram conhecidos como câmaras
das maravilhas ou câmaras mágicas. Os proprietários dos gabinetes de
curiosidades eram geralmente colecionadores poderosos da nobreza e do clero
que investiam muito em suas coleções, as quais eram guardadas e mostradas
somente a um público seleto. Na maioria desses espaços, os objetos ficavam
amontoados e a quantidade de peças exóticas era, na maioria das vezes, o que
determinava a sua relevância.

4.2 A nova museologia

A museologia ainda é reconhecida como ciência em construção. No ano


de 1972, na cidade de Santiago do Chile, ocorreu um evento que influenciou a
museologia e ainda a influencia. Trata-se da Mesa-Redonda de Santiago do
Chile e que foi capaz de debater sobre questões que ainda são bastante
relevantes para a área, criando, assim, a chamada nova museologia.
A nova museologia, também conhecida como museologia social, foi um
movimento da área que se preocupou com a renovação dos museus. Da mesma
forma, a museologia social buscava quebrar os antigos paradigmas
museológicos promovendo ações mais humanizadas e críticas para os museus.
Uma das suas intenções foi substituir o caráter de espaço sacralizador dos
museus, para permitir que as coleções se tornassem mais acessíveis aos seus
visitantes.
Tal troca de paradigmas da sociedade repercutiu ligeiramente nas artes
moderna e pós-moderna, dando início a reflexões relativas à fruição e ao
consumo da arte e aos espaços em que ela se apresenta – os museus.
Em seu histórico, o século XX também manifestou novos paradigmas
arquitetônicos e patrimoniais, alguns, especificamente, direcionados à
construção de grandes museus de arte. Entre eles, destacamos o ideal do
espaço museológico como cubo branco ou da construção minimalista para não
interferir na fruição da obra. Contudo, a intenção dessas propostas foi romper
com os ideais arquitetônicos do ornamento celetista do século anterior,
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enfatizando o design limpo, na maioria das vezes usado nas construções
modernas e monumentais (O’Doherty, 2002).

TEMA 5 – AÇÕES BÁSICAS DE SALVAGUARDA

Até o momento, a humanidade já produziu um número praticamente


infindável de bens patrimoniais e objetos de memória. Isso traduz as diferentes
culturas com seus mitos, seus arquétipos; e, mais, esses artefatos, naturalmente,
tornam-se patrimônio material ou imaterial. Sabemos que não há possibilidade
de juntar toda essa herança em um único pacote, no tocante aos métodos e aos
procedimentos de conservação. Dessa forma, há especificidades técnicas para
cada tipologia de bem patrimonial, mas ações básicas que contribuem com a
preservação de todos.

5.1 Normas gerais

Para a preservação do patrimônio, existem normas gerais que podem ser


aplicadas aos diferentes tipos de bem patrimonial. Essas normas encontram-se
inseridas no conjunto de técnicas aplicadas nas instituições de natureza
museológica, conservativa e cultural. A preservação de um bem para gerações
futuras envolve diversos processos básicos.
Cada um desses processos é formado por tarefas que podem apresentar,
em sua estrutura, pequenas variações, a depender do local onde estão sendo
desenvolvidas. É fundamental termos consciência de que essas ações não
necessariamente acontecem de maneira linear e sequencial. Isso pode
depender, inclusive, da quantidade e da preparação dos profissionais
envolvidos.

5.2 Ações de salvaguarda

As principais ações de salvaguarda do patrimônio musealizado são as


seguintes:

• Armazenamento: refere-se ao local onde a obra ou o objeto será


guardado. O armazenamento contempla o prédio, a sala do prédio –
reserva técnica – e todo o mobiliário técnico voltado especialmente para
essa finalidade, como estantes, armários, arquivos, prateleiras,
mapotecas. Esse local de armazenamento deve ser completamente limpo
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e seguro e seguir as normas técnicas de conservação, como manutenção
de níveis de temperatura e umidade adequados, controle de pragas,
proteção contra incêndios, roubos, depredação e demais sinistros.
• Arrolamento: essa tarefa geralmente é realizada quando chegam
conjuntos de peças ou coleções inteiras de outros locais. Trata-se do
trabalho de listagem dos itens. É durante o arrolamento que se tem uma
ideia geral sobre a quantidade exata e as condições dos objetos recém-
chegados. Nesse momento, os objetos devem ser separados de acordo
com a sua tipologia e o seu estado de degradação, para depois passarem
por uma avaliação mais criteriosa e, assim, a elaboração de seu laudo
técnico de entrada.
• Registro: todo objeto deve ser cuidadosamente registrado, de preferência
em um livro-tombo, e receber um número de registro, que o identifica, por
toda a sua permanência na instituição, como um bem tombado. Com o
uso da tecnologia, atualmente os bens, além de relacionados em livro-
tombo, ainda são registrados em uma plataforma virtual. Desse modo,
seus dados podem ser mais rapidamente acessados para facilitar e
agilizar o trabalho dos profissionais.
• Documentação: toda obra possui um conjunto de documentos
imprescindíveis para a sua identificação, os quais fornecem informações
que geralmente são bastante úteis para o aprofundamento de pesquisas,
assim como para intervenções de restauro. Entre os documentos de
entrada de uma obra em uma instituição museológica, encontram-se:
termo de doação, compra ou comodato; termo de entrada na instituição,
que informa dia, hora, condições e responsável pela entrega, incluindo a
placa do veículo; laudo técnico de estado de conservação.
• Acondicionamento: esse procedimento busca dar boas condições de
guarda, ou seja, acondicionar o bem de maneira correta no espaço de
armazenamento, de acordo com as normas e, principalmente, de acordo
com as necessidades da obra. Embalar é uma ação integrante da
execução da tarefa de acondicionar.
• Pesquisa: essa tarefa ocorre de maneira cíclica com a tarefa de
documentação e outras, porém de forma ainda mais aprofundada. Na
pesquisa, buscam-se novos conhecimentos acerca da obra, como o seu
histórico desde a criação, informações acerca da vida do artista, da época

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e das relações sociais. A pesquisa é fundamental para o trabalho de
conservação e restauração do objeto.
• Conservação: corresponde ao conjunto de ações realizadas com o intuito
de conservar a obra o maior tempo possível em toda a sua integridade,
abarcando ações diversas de conservação preventiva, conservação
curativa e restauro.
• Conservação preventiva: é o conjunto de ações que visam à máxima
conservação de uma obra, buscando sempre postergar uma possível
ação de conservação curativa ou intervenção de restauro. A conservação
preventiva envolve diversos atores nos cuidados com acondicionamento,
manuseio, transporte e exposição.
• Conservação curativa: é a ação realizada por profissionais, com a devida
formação e experiência, para reverter alguma avaria causada por dano
mecânico, agentes biológicos ou outros elementos.
• Restauração: é uma ação que deve ser realizada em último caso, por
profissionais com a devida formação e experiência, quando a
conservação curativa não puder mais reverter o dano causado por
motivos variados.
• Mantenimento: refere-se à manutenção da obra no espaço de guarda.
Contempla do acondicionamento à exposição, envolve ações já
mencionadas (como a conservação) e considera, ainda, gastos
financeiros e recursos físicos e humanos necessários para cada uma das
ações (fiscalização, monitoramento etc.).
• Comunicação: é realizada por meio da exposição ao público.
Corresponde às mostras, aos catálogos, aos fôlderes e aos trabalhos
diversos de ações educativas. A comunicação de um acervo é realizada
por equipe competente, que busca estabelecer laços entre as obras do
acervo e a comunidade.

NA PRÁTICA

Ao sair para um breve passeio, observe com atenção os locais que são
bens patrimoniais de sua cidade. Caso seu município tenha sido fundado mais
recentemente, observe o que, em sua opinião, poderia vir a ser identificado como
patrimônio e reflita acerca dessa questão.

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Além disso, procure observar se o local está bem preservado ou não e
identifique quais são, ou poderiam ser, os responsáveis por essa conservação.
Por fim, reflita sobre quais ações você poderia tomar, em seu município,
para contribuir com a preservação do bem patrimonial escolhido por você.

FINALIZANDO

Nesta aula, foi explicado o que é o patrimônio, abordando a sua definição


e fazendo referência às suas relações com o poder e com o desenvolvimento
social, com base em suas particularidades.
Assim, aprendemos mais acerca do patrimônio histórico, artístico e
cultural. Também pudemos compreender um pouco mais esse universo,
considerando algumas técnicas básicas utilizadas para a sua preservação e que
foram aqui apresentadas.

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