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Patrimônio Histórico Cultural:

trajetória no contexto mundial


e conceituação

Profª Ms. Adriana Sartório Ricco


Conceito de Cultura
 Para Edward Tylor (1871) “Cultura é aquele todo
complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a
moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e
aptidões adquiridos pelo homem como membro da
sociedade”.

 Herskovitz (1948) conceitua cultura como sendo “a parte


do ambiente feita pelo homem”.

 Cultura é “comportamento cultivado, ou seja, a totalidade


da experiência adquirida e acumulada pelo homem e
transmitida socialmente...” (KEESING, 1958)

 Geertz (1973) propõe que “a cultura deve ser vista como


um conjunto de mecanismos de controle – planos,
receitas, regras, instituições – para governar o
comportamento”.
 A cultura, portanto, pode ser analisada,
ao mesmo tempo, sob vários enfoques:
idéias (conhecimento e concepções
mentais); crenças (religião e
superstição); valores (ideologia e moral);
normas (costumes e leis); atitudes
(preconceito e respeito ao próximo);
padrões de conduta (monogamia, tabu);
abstração do comportamento (símbolos e
significados); instituições (famílias e
sistemas econômicos); técnicas (artes e
habilidades) e artefatos (instrumentos de
utilidade e decoração).
Cultura e Identidade
 Em uma síntese do tema, podemos
entender a cultura como todo o legado
construído pelo homem ao longo de sua
existência e isso inclui bens tangíveis e
bens intangíveis que representam valores
materiais e imateriais assim definidos
pela sociedade. Esse conjunto de bens
representa a identidade de um povo, que
se expressa na língua, na crença, nas
práticas cotidianas, na memória e no
imaginário coletivo.
Patrimônio: do indivíduo à
coletividade
• Patrimônio individual (material e espiritual): depende
de nós, que decidimos o que nos interessa
(apropriação – memória);

• Patrimônio coletivo: definido por outras pessoas, em


termos da coletividade (grupos diversos em constante
mutação e interesses distintos);

• O que para uns é patrimônio, para outros não é (os


valores sociais mudam com o tempo);
Patrimônio: origens
• Patrimonium: pertencer ao pai, pater, ou pater famílias
(Roma antiga). Tudo que podia ser legado por
testamento (escravos, bens móveis e imóveis, mulher
e filhos);

• Valor aristocrático e privado da elite patriarcal romana.


Não havia conceito de patrimônio público;

• No Cristianismo (século IV) e na Idade Média


(séculos VI-XV) acrescentou-se o caráter religioso
(simbólico e coletivo). Legado: valorização de lugares,
objetos e rituais e monumentalização das igrejas;
Patrimônio: origens
• No Renascimento (séc. XV-XVI) houve o combate
ao teocentrismo e os humanistas buscaram
inspiração na Antiguidade grega e romana
(coleção de objetos e vestígios da Antiguidade);

• Antiquariado – catalogação pelos humanistas de


moedas, inscrições em pedra, cerâmica, estátuas
e valorização dos monumentos clássicos (orgulho
cultural);
O Estado nacional e a invenção do
Patrimônio
• Até o séc. XVIII na Europa imperou a monarquia cujos
reinos eram formados por regiões heterogêneas e
com tradições variadas;

• O patrimônio ainda assim continuava privado e


aristocrático, na forma de coleções de antiguidade.

• O surgimento dos Estados nacionais era o que faltava


para desencadear uma transformação radical no
conceito de patrimônio.
O Estado nacional e a invenção do
Patrimônio
• Na França (1789) se desenvolve o moderno conceito
de patrimônio a partir da criação do Estado nacional;

• A Revolução Francesa destruiu os fundamentos do


antigo reino. A República criava a igualdade e
precisava compartilhar valores e costumes comuns;

• O Estado nacional surge a partir da formação de


cidadãos com língua, cultura, origem e território
comuns;
O Estado nacional e a invenção do
Patrimônio

 Habitus (Bordieu) – naturalização inconsciente,


introjetada através das escolas que passam a ser
mecanismos de reprodução social (idéia de
pertencimento);

 Assim, o conceito de patrimônio que temos hoje, não


é mais no âmbito privado ou religioso, mas de todo
um povo, com uma única língua, origem e território.
O Patrimônio e o Direito
• Os Estados nacionais surgiram a partir de dois
sistemas jurídicos: o romano (latino) e o anglo-saxão
(inglês)

• Direito romano: considera a propriedade privada


sujeita a restrições (limitação à propriedade pelo bem
público). É o caso do Brasil;

• Direito anglo-saxão: bens achados em propriedades


privadas são de seu proprietário e podem ser
vendidos. É o caso dos Estados Unidos;
O Patrimônio e o Direito
• Valores comuns nas duas tradições (latina e anglo-
saxônica): patrimônio material concreto (tangível),
valores comuns pois representam a nacionalidade e
criação de leis e instituições patrimoniais;

• A ênfase no patrimônio nacional atinge seu ápice no


período de 1914 e 1945, quando duas guerras
mundiais eclodem;

• Vestígios monumentais de antepassados justificavam


reivindicações territoriais e invasões militares
(nacionalismo imperialista);
O patrimônio mundial e a
diversidade
 1945 - Com o fim da Segunda Guerra Mundial criou-
se a ONU (Organização das Nações Unidas) e
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura);

 O pós-guerra caracterizou-se pelo reconhecimento da


diversidade em vários aspectos (grupos e interesses
distintos contra a homogeneidade social imposta pela
idéia de unidade nacional);

 Fim da década de 1950: a legislação de proteção ao


patrimônio ampliava-se para o meio ambiente e para
os grupos sociais e locais;
O patrimônio mundial e a
diversidade
 A diversidade humana e ambiental passa a ser valor
universal a ser promovido;

 Com o despertar para a importância da diversidade já


não se valorizava apenas o belo, o mais precioso e o
mais raro. A noção de preservação passava a
incorporar um conjunto de bens que se repetem, que
são comuns.

 É nesse contexto que se desenvolve a noção de


imaterialidade do patrimônio.
Conceituação geral - UNESCO
1972 – Convenção referente ao Patrimônio: os sítios
declarados como patrimônio da humanidade passaram a
pertencer a todos os povos do mundo, compondo-se de:
• Monumentos: obras arquitetônicas, esculturas,
pinturas;
• Conjuntos: grupos de construções;
• Sítios: obras humanas e naturais de valor histórico,
estético, etnológico ou científico;
• Monumentos naturais: formações físicas e biológicas;
• Formações geológicas ou fisiográficas: habitat de
espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção;
• Sítios naturais: áreas de valor científico ou de beleza
natural.
Conceituação geral - UNESCO
1982 – O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
(ICOMOS) definiu como patrimônio:

“O patrimônio cultural de um povo


compreende as obras de seus artistas, arquitetos,
músicos, escritores e sábios, assim como as criações
anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de
valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras
materiais e não materiais que expressam a
criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças,
os lugares e monumentos históricos, a cultura,
as obras de arte e os arquivos e bibliotecas”.
Conceituação geral - BRASIL
1988 – O Conceito da Unesco influenciou os legisladores na
elaboração do art. 216, da Constituição Federal:

 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Bens de natureza Material

 Segundo a Unesco, o patrimônio cultural material


é classificado segundo sua natureza nos quatro
Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e
etnográfico; histórico; belas artes; e das artes
aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis
como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e
paisagísticos e bens individuais; e móveis como
coleções arqueológicas, acervos museológicos,
documentais, bibliográficos, arquivísticos,
videográficos, fotográficos e cinematográficos.
Bens de natureza Imaterial

 A Unesco define como Patrimônio Cultural


Imaterial "as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares
culturais que lhes são associados - que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de
seu patrimônio cultural."
Bens de natureza Imaterial

 O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração


em geração e constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de
sua história, gerando um sentimento de
identidade e continuidade, contribuindo assim
para promover o respeito à diversidade cultural e
à criatividade humana.
Patrimônio em movimento
 A cultura é um produto histórico estando
sujeito a interações e contradições
inerentes ao seu processo evolutivo, em
um processo dinâmico que envolve
mudanças constantes. O conjunto de
símbolos e significados é selecionado a
cada momento histórico e isso condiciona
as inter-relações que as diferentes
sociedades estabelecem entre o passado,
o presente e o futuro.
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1930-40

 A Constituição de 1937 submeteu o instituto da


propriedade privada ao interesse coletivo (sob a
chancela do SPHAN) no caso dos monumentos das
cidades históricas de Minas Gerais e da evasão de
obras artísticas.

 1937 – primeira concepção conceitual de patrimônio


no Brasil como sendo “conjunto de bens móveis e
imóveis existente no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por
excepcional valor arqueológico ou etimológico,
bibliográfico ou artístico”.
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1930-40

 O Decreto-lei nº 25/1937 autoriza os processos de


tombamento no país pelo IPHAN que se encarrega
da identificação, catalogação, restauração,
conservação, preservação, fiscalização e difusão dos
bens culturais em todo o território nacional;

 Marcas desta política de preservação nos anos 1930-


1940, pelo SPHAN/IPHAN:
 Seleção de edifícios do período colonial (barroco)
e palácios governamentais neoclássicos e
ecléticos.
 Arquitetura elevada à condição de marca nacional
 Bens culturais da elite
Políticas patrimoniais no Brasil:
Início da década de 1970

 A Constituição de 1967 criou novas categorias:


jazidas e sítios arqueológicos;

 Na ditadura militar (1964-1970), as obras passaram


a sofrer intervenções e proibições (artes plásticas,
exposições, teatro, cinema e televisão);

 Nos anos 1970 ocorre a inclusão de matérias


relacionadas ao patrimônio nacional nos currículos
de diversos níveis;

 1973 – Programa de Reconstrução das Cidades


Históricas (além da articulação entre a preservação
patrimonial e o fomento turístico);
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1970-80

 Ainda nos anos 1970 o governo Médici criou o


Programa de Ação Cultural (PAC) e a Política
Nacional de Cultura – 1975.

 Em 1979, criou-se a Fundação Nacional Pró-


Memória, visando financiamentos para programas e
projetos na área de cultura. A concepção de
patrimônio se amplia na diversidade cultural, étnica,
religiosa e no saber popular (renovação das políticas
culturais do país);

 Na década de 1980, a preservação dos espaços de


convívio e recuperação de modos de viver, muda a
política de preservação do Estado (Tombamento do
Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho);
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1980

 Essa ampliação da noção de bens a serem


preservados foi reforçada pelas políticas de
incentivo fiscal (Lei Sarney, 1986). A lei
constituiu de um lado, um significativo impulso
na proteção do patrimônio, e propiciou o
desenvolvimento do marketing cultural
(patrimônio = produto cultural), consolidado
nos anos 1990;

 Pela Constituição democrática de 1988 (art.


216), a ação em prol do patrimônio deveria se
desenvolver independentemente da ação de
tombamento e devia basear-se na
referencialidade dos bens. Reiteram-se aí a
proteção às manifestações populares de
quaisquer segmentos étnicos nacionais;
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1980

 A Constituição de 1988 e Decreto nº 3.551/2000


possibilitou o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial no Livro de Registro dos saberes
(Mestres de capoeira, Paneleiras de Goiabeiras,
Acarajé), Livro de Registro das Formas de
Expressão (Frevo, Jongo, Samba de Roda), Livro
das Celebrações (Círio de Nazaré - PA, Festa do
Divino - GO) e no Livro dos Lugares (Feira de
Caruaru - PE, Cachoeira do Iauareté – AM).

 Em 1991 é sancionada a Lei Rouanet que institui o


PRONAC – Programa Nacional de Apoio à Cultura,
para incentivar projetos culturais por intermédio do
FNC – Fundo Nacional da Cultura.
Políticas patrimoniais no Brasil:
Década de 1990
 Características deste novo momento:
 Proteção de manifestações indígenas e afro-
brasileiras
 Defesa do meio-ambiente

 Associação de bens culturais à “cidade-


espetáculo” (consumo cultural)
 Simulacro de preservação (fachada)

 Exclusão da população residente


(gentrificação –Centro do RJ,Praça da Sé– SP)
 Homogeneidade dos centros históricos como
“cenários” da industria cultural;
 Comercialização de “produtos da cultura local”

 Redução do investimento público

 Ausência de gestão associada à políticas


ambientais, urbanísticas e habitacionais.
Como preservar o patrimônio?
 Associar a preservação do patrimônio cultural e da
memória social ao desenvolvimento urbano e
inclusão social (Quito e Havana – p. 58 e p.59);

 A implementação de políticas patrimoniais deve


partir dos anseios da comunidade e pela delimitação
democrática dos bens reconhecidos;

 Adotar medidas conjuntas envolvendo atores


públicos e privados;

 A reabilitação dos centros históricos potencializa a


identidade coletiva dos povos e promove a
preservação de seus bens culturais, incrementando
a indústria turística;
Como preservar o patrimônio?
 Incentivos fiscais para o restauro de imóveis
considerados bens históricos;

 Atribuição de novos usos a ambientes antigos


transformando-os em espaços de convívio social,
cultural, escolas, etc;

 Oferta de cursos de educação patrimonial;

 Organização de oficinas-escola;

 Serviços de restauro em mutirão;

 Estímulo à responsabilidade coletiva;


Como preservar o patrimônio?
 Realização de inventários pelos órgãos de
preservação, em conjunto com as comunidades;

 Realização de oficinas de resgate à memória por


meio da história oral e fotográfica;

 Criação de Conselhos de Defesa do Patrimônio local;

 Criação de espaços e eventos culturais para a


apresentação de manifestações culturais locais;

 Busca de incentivos financeiros à manutenção de


grupos folclóricos e culturais;

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