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FACULDADE ÚNICA EDUCAÇÃO A

DISTÂNCIA

HISTÓRIA DA ÁFRICA

LETÍCIA CRISTINA FONSECA DESTRO

1
HISTÓRIA DA ÁFRICA
LETÍCIA CRISTINA FONSECA DESTRO

1
1
HISTÓRIA DA ÁFRICA
1° edição

Ipatinga, MG
Faculdade Única
2021
2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral: Valdir Henrique Valério


Diretor Executivo: William José Ferreira
Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos
Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira
Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa
Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luiza Mendes Leite
Carla Jordânia G. de Souza
Guilherme Prado Salles
Rubens Henrique L. de Oliveira
Design: Aline de Paiva Alves
Bárbara Carla Amorim O. Silva
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Luiza Filgueiras
Taisser Gustavo Soares Duarte

© 2021, Faculdade Única.

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do Editor

NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA


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3
LEGENDA DE

Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do
conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones
ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado
trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a
seguir:

FIQUE ATENTO
Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas
quais você precisa ficar atento.

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VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.

FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.

GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.

4
SUMÁRIO IMAGENS DA ÁFRICA
UNIDADE 1

1.1 Introdução.........................................................................................................................................................................................9
1.2 Em breve panorama geográfico e a diversidade de povos e culturas ..................................................9
1.3 Imagem da África e dos africanos na antiguidade e entre os árabes ..................................................11
1.4 A África e os africanos descritos pelos ocidentais .............................................................................................13
FIXANDO CONTEÚDO ...................................................................................................................................................................16

UNIDADE 2
ÁFRICA, UM CONTINENTE COM HISTÓRIA
2.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................20
2.2 Continente A-Histórico?.......................................................................................................................................................20
2.3 Reinventando a sua própria história ...........................................................................................................................23
2.4Novos estudos africanos ......................................................................................................................................................25
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................28

UNIDADE 3
UM CONTINENTE EM MOVIMENTO
3.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................31
3.2 Estados antigos do Sudão: Egito, Kush , Axum ...................................................................................................31
3.2.1 Egito antigo ......................................................................................................................................................................31
3.2.2 Núbia ...................................................................................................................................................................................34
3.2.3 Axum ...................................................................................................................................................................................35
3.3 Estados do Antigo Sudão: Gana, Mali e Songai ...................................................................................................35
3.3.1 Gana ......................................................................................................................................................................................36
3.3.2 Mali ........................................................................................................................................................................................37
3.3.3 Songai .................................................................................................................................................................................38
3.4 Estados da África Austral: O monomotapa ...........................................................................................................38
FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................................................................................40

UNIDADE 4
AS SOCIEDADES AFRICANAS E A ESCRAVIDÃO
4.1 Introdução ....................................................................................................................................................................................43
4.2 As estruturas sociais africanas........................................................................................................................................43
4.2.1 Senegal e Golfo da Guiné .........................................................................................................................................43
4.2.2 Congo e Angola ..............................................................................................................................................................44
4.3 A escravidão na África e o contato com os europeus ...................................................................................46
4.4 O impacto do tráfico de ecravos e da escravidão atlântica........................................................................49
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................52

UNIDADE 5
ÁFRICA CONTEMPORÂNEA
5.1 Introdução ......................................................................................................................................................................................55
5.2 Partilha da África ( 1880-1914): Interpretações .......................................................................................................55
5.3 O caso emblemático do Congo ......................................................................................................................................57
5.4 A conquista na pespectiva africana..............................................................................................................................58
5.5 Descolonização e guerras coloniais ..............................................................................................................................59
FIXANDO O CONTEÚDO ...............................................................................................................................................................63

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SUMÁRIO UNIDADE 6
A ÁFRICA NO BRASIL

6.1 Introdução ....................................................................................................................................................................................67


6.2 A importancia da África no Brasil ................................................................................................................................67
6.3 Caminhos até a implementação da Lei Nº 10.639/03 .....................................................................................70
6.4 Ensino de história da África: Desafios e possibilidades ...............................................................................72
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................76

6
UNIDADE 1
CONFIRA NO LIVRO

Ao longo da história, o continente africano foi diversamente representado. Estas


representações, por sua vez, de uma forma ou de outra, contribuíram para construir
as ideias sobre a África e o africano que circulam no imaginário contemporâneo.
Nesta unidade conheceremos um pouco dessas imagens e sua história.

UNIDADE 2
É perceptível o quanto uma visão eurocêntrica esteve presente nos textos acerca
da história africana. Muitos clássicos viam a África como um continente, inclusive,
sem história. Contrários a tal visão, um grupo de intelectuais mobilizou esforços para
reescrever a história da África, valorizando-a e reconhecendo a sua diversidade e
importância. Estudaremos sobre esses movimentos intelectuais nesta unidade.

UNIDADE 3
A África, ao longo da sua história, abrigou diversos reinos, impérios e Estados. Nesta
unidade conheceremos alguns deles compreendendo um pouco da sua organização
política, cultural, econômica e social.

UNIDADE 4
Nesta unidade estudaremos as organizações das sociedades africanas no alvorecer
dos contatos com os europeus e do comércio atlântico de escravos que deles
resultou. Analisaremos, além disso, a escravidão na África e a participação de Estados
africanos no comércio moderno de escravizados que levaram milhões de africanos
para a América.

UNIDADE 5
No Brasil se verifica uma grande desigualdade social e racial. Além disso, apesar da
efetiva influência cultural e histórica africana e afrodescendente na formação do
país, estas foram, durante séculos, desvalorizadas e negligenciadas. Para reverter
tal cenário, diversos movimentos têm se organizado de modo a exigir políticas
antirraciais mais efetivas. A Lei 10.639/03 é um exemplo. Nesta unidade, portanto,
conheceremos melhor a promulgação da Lei e o seu contexto.

UNIDADE 6
Nesta unidade estudaremos o processo de partilha da África no contexto do
imperialismo das potências europeias industriais em finais do século XIX, bem como
a consequente descolonização que acarretou na formação dos países atuais.

7
01
IMAGENS DA ÁFRICA UNIDADE

8
1.1 INTRODUÇÃO

África: “berço da humanidade”? Uma das teorias científicas mais aceitas sobre
o surgimento da espécie humana remonta a este vasto continente. Foi nele que se
encontraram os primeiros vestígios dos ancestrais mais longínquos, os Australopithecus,
e, provavelmente, foi nele que a espécie de desenvolveu até chegar ao homem moderno,
o Homo Sapiens. Foi da África que ele partiu em direção à Europa e Ásia chegando,
posteriormente, à América e Oceania. Também foi lá que grandes civilizações se
desenvolveram e deram suas contribuições para as sociedades posteriores. Foi desse
continente também que saíram diversos homens, mulheres e crianças que tiveram sua
força de trabalho explorada em diversos lugares do mundo. Foram dessas histórias e
culturas que se formaram tantas outras histórias e culturas no Brasil e no mundo. Contudo,
o interesse por toda essa diversidade é algo recente na historiografia mundial. Nesta
unidade, portanto, vamos começar a conhecer essa(s) África(s), seus contornos geográficos
e étnicos, para então, adentrarmos suas histórias e historiografia

1.2 UM BREVE PANORAMA GEOGRAFICO E A DIVERSIDADE DE


POVOS E CULTURAS

Alguns autores frequentemente dividem o continente africano tomando por


base o deserto do Saara (segundo maior deserto do mundo) localizado ao norte do
continente: África do Norte, também chamada de “África Branca” (países da África ao
norte do Saara como Egito, Marrocos, Líbia, Argélia e outros, cuja religião principal é o Islã),
e África Subsaariana, também conhecida como a “África Negra” (os 44 países ao sul do
Saara como Sudão, Senegal, Etiópia, Angola, Namíbia, Uganda, Moçambique, República
Democrática do Congo, Serra Leoa, África do Sul, Botsuana, e diversos outros). Contudo,
esta divisão geopolítica muitas vezes é resultado de uma postura racista e ideológica sobre
o continente, que busca fazer uma distinção entre uma África “civilizada” (a África do Norte
ligada ao Mediterrâneo) e a África “bárbara” (África ao sul do Saara). Além disso, ela acaba
por unificar regiões que possuem histórias, culturas, religiosidades diversas. Apesar dessas
denominações serem questionadas por vários estudiosos, ainda é possível encontrá-las
em estudos que buscam classificar os povos africanos.
Assim sendo, para se compreender o continente africano de maneira geral é
importante questionar estas classificações e repensar o continente dentro da sua
diversidade histórico-cultural. A África é o terceiro maior continente com cerca de 30
milhões de quilômetros quadrados, mas em termos de população, é o segundo maior
(perdendo somente para a Ásia). Ela é cercada pelos oceanos Atlântico (oeste), Índico
(leste), além dos mares Mediterrâneo (norte) e vermelho (nordeste). Quanto à vegetação,
na sua porção equatorial, predomina-se a floresta.

9
Conforme vai se aproximando das regiões mais secas, a floresta vai dando lugar às savanas
(tipo de vegetação mais abundante no continente) até chegar ao deserto do Saara, que é
um dos maiores do mundo. Há ainda o Sahel, uma faixa de 5400 km de extensão, entre
o deserto do Saara ao norte e a savana do Sudão ao sul que é de transição entre as terras
áridas do Saara e as terras férteis da savana sudanesa.
Em termos étnicos, o continente é extremamente heterogêneo, sendo muito difícil
fazer uma contagem oficial da população desses grupos. No mapa a seguir, tem-se a divisão
do território africano a partir das diferentes etnias, demonstrando suas complexidades e
variedades.

GLOSSÁRIO
ETNIA: apesar de muitos utilizarem etnia como sinômino de raça, tal relação não é correta.
Raça é um termo não científico que somente pode ter significado biológico quando o ser
apresenta características homogêneas. Como o ser humano não se inclui nesse sentido, o
termo etnia é melhor empregado e constrói uma identidade entre os indivíduos baseada em
parentesco, línguas e outros. Vale ressaltar, contudo, que o termo é criticado por apresentar
uma unidade social a realidades tão diversas quanto as africanas pré-coloniais.

Em termos linguísticos, a África também impressiona com 54 países e atualmente


possui mais de mil línguas faladas. Algumas dessas línguas, como o hauçá, são faladas por
milhões de pessoas, outras por poucos milhares. Além disso, mesmo que em uma área
grande predomine um determinado idioma, pode haver pequenas regiões com outros
idiomas. Assim, povos vizinhos podem se expressar por línguas inteiramente diferentes.

BUSQUE POR MAIS

“As etnias procedem apenas da ação do colonizador que, em sua vontade de territorializar
o continente africano, recortou entidades étnicas que acabaram sendo reapropriadas pelas
populações” (AMSELLE; M’BOKOLO, 2017, p. 30). Para melhor entender tal crítica, leia o livro or-
ganizado por Elikia M’Bokolo e Jean-Loup Amselle, No Centro da Etnia, disponível em: https://
bit.ly/39ezhJg

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Como se pode perceber, não é fácil, portanto, fazer um agrupamento dos países
africanos em conjuntos que apresentem alguma homogeneidade, mas é comum, para
facilitar os estudos, a divisão do continente em cinco regiões principais:

• Norte da África: é a maior em extensão territorial e compreende os países do Maghreb


(região noroeste da África que inclui o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia), do Saara e
do Vale do Rio Nilo.

• África Ocidental: está localizada entre o deserto do Saara e o golfo da Guiné e abrange
17 países, entre eles: Nigéria, Costa do Marfim, Senegal, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Guiné
Equatorial, Gana, Guiné, Libéria, Mali, Gabão, Gâmbia, Cabo Verde, Camarões, Benim, Togo,
entre outros.

• África Central: os países dessa região central são: República Centro-Africana, República
do Congo, República Democrática do Congo e Chade.

• África Oriental: região que vai da bacia hidrográfica do Congo até o Mar Vermelho e
Oceano Índico. Os países incluídos nessa região são: Eritreia, Etiópia, Djibuti, Somália,
Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi e Seicheles.

• África Meridional: região mais austral do continente que inclui: Angola, Bostwana, Lesoto,
Madagascar, Malawi, Zâmbia, África do Sul, Moçambique, entre outros.

1.3 IMAGEM DA ÁFRICA E DOS AFRICANOS NA ANTIGUIDADE E


ENTRE OS ÁRABES

Depois de estudarmos a variedade étnico-cultural africana e um pouco da sua divisão


geográfica, analisaremos as imagens que se construíram sobre a África ao sul do Saara ao
longo da história e que, muitas vezes, ignoraram toda esta diversidade. Lembrando que
as representações acerca da África e seus habitantes não foram homogêneas e também
não foram compartilhadas por todos de maneira igual. Tais imagens espelham apenas as
diversas visões acerca do continente que surgiram ao longo dos séculos, e que, de uma
forma ou de outra, construíram a ideia de África.
Para analisar tais imagens podemos retornar até a Antiguidade Clássica. Gregos e
romanos já revelavam a existência de territórios africanos fora do mare nostrum, compondo
juntamente com a Ásia e a Europa o chamado ecúmeno (mundo conhecido). Vindos e/ou
trazidos Nilo abaixo, não seria impossível encontrar um habitante da África subsaariana
a andar pelas ruas do Império Romano. Contudo, nada ou quase nada se saberia sobre
suas terras e suas culturas. De acordo com o filólogo congolês Valentin Mudimbe, a parte
conhecida da África estaria dividia em: Lybia, Egito e Aethiopia. A Lybia seria a região a
oeste do Egito e a Aethiopia corresponderia à região ao sul do Egito (MUDIMBE, 1998. p. 26).

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A falta de conhecimento, por sua vez, cedeu lugar ao fantástico. Nas obras de autores
antigos não havia dúvidas, por exemplo, da veracidade da informação acerca de homens
que se transformavam em leões e homens com rabo e cabeça de cachorro habitando as
quentes terras ao sul do Saara. Plínio (23-79), o Velho, um naturalista romano, escreveu:

O imperador romano Nero (37-68) enviou uma expedição


à Núbia, em busca das fontes do Nilo. No regresso, os ex-
ploradores contaram que a relva na vizinhança de Meroé
se apresentava mais verde e mais fresca, que ali havia
pequenas matas e sinais de rinocerontes e elefantes […].
Não é de estranhar que, na extremidade meridional da
região, os homens e animais assumam formas monstru-
osas, dado o poder transformador do fogo, cujo calor é o
que molda os corpos (PLÍNIO, 2012. p. 26-27).

A ideia do calor intenso da região, enfatizada pelo romano, está expressa, inclusive,
no próprio termo África, que de acordo com o historiador burquinene Joseph Ki-Zerbo teria
o sentido de “ensolarada”, do latim Aprica, e “isento de frio”, do grego Apriké (KI-ZERBO,
1982. p. 21). Obras de pensadores da Antiguidade e mesmo no medievo europeu vão, dessa
forma, enfatizar o calor intenso e insuportável, cujas influências do clima poderiam ser
observadas nas características físicas, como se observa na escrita de Plínio.
Vale ressaltar ainda, que havia na Grécia e na Roma antigas quem tivesse uma visão
positiva dos homens da zona tórrida, e que já afirmam que a humanidade teria lá surgido,
vide a descrição do grego Deodoro da Sícila (Diodorus Siculus, 80-20 a.C.):

Os etíopes, como afirmam os historiadores, foram os pri-


meiros de todos os homens, e as provas disso são eviden-
tes. Praticamente todos concordam em que eles não che-
garam como imigrantes às terras que ocupam, mas delas
eram nativos e, por essa razão, ostentam com justiça o
título de “autóctones”. Além disso, é claro para todos que
aqueles que vivem sob o sol do meio-dia foram, com toda
a probabilidade, os primeiros a serem gerados pela terra,
uma vez que se deve ao calor do sol, no surgimento do
universo, o tê-la enxugado, quando ainda estava úmida, e
a impregnado de vida (Cf. SILVA., 2012. p. 20).

Contudo, somente com os árabes é que a África subsaariana passou a ser descrita
por pessoas que a haviam visitado. Ibn Battuta (1304-1357) é um importante viajante árabe.
Natural do Tânger, chegou a visitar o Oriente Médio, a África Índica e Ocidental, o Ceilão, a
Índia e, possivelmente, a China. A respeito do Malineses, ele teria escrito:

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• Entre as boas qualidades destaca-se que, entre eles,
é rara a injustiça. Trata-se da gente que menos a pra-
tica; e o sultão não perdoa o menor deslize nessa di-
reção. É total a segurança no território do Mali, de tal
modo que nem os locais nem os viajantes têm o que
temer de ladrões e salteadores. [...]

• Entre os atos reprováveis, destaco o andarem nuas


em público, com as vergonhas descobertas, as servas,
as escravas e as mocinhas (SILVA, 2012. p.55-56).

Na citação acima de Ibn Battuta é possível observar uma descrição que buscava
dar conta do observado por eles próprios, sobressaindo, de alguma forma, juízos de valor
ao comparar elementos da cultura do povo observado com a própria cultura – como se
observa no caso da utilização da vestimenta. Como para a cultura de Battuta a utilização de
vestimenta era importante e desejável, o fato do outro povo não a utilizar seria reprovável.
Vale ressaltar, contudo, que apesar das descrições se basearem no observado, não cessaria
a tentação do fantástico. Ibn Kaldhun (1332-1406), por exemplo, um historiador muçulmano
teria escrito: “Mais para o sul não há civilização propriamente dita. Os homens que ali
vivem assemelham-se mais aos animais do que aos seres pensantes. Vivem na mata e em
cavernas e se alimentam de ervas e grãos crus.” (SILVA, 2012. p. 59).

1.4 A ÁFRICA E OS AFRICANOS DESCRITOS PELOS OCIDENTAIS

No período medieval, a explicação cristã do mundo dominava as esferas do


conhecimento. A Bíblia era, portanto, a principal fonte para o conhecimento do mundo real.
Este, por sua vez, estava dividido em apenas três partes: África, Europa e Ásia. Lembrando
que a América e Oceania só fariam parte do imaginário europeu posteriormente, no século
XV, quando se inicia a expansão ultramarina.
Tendo em vista a divisão bíblica do mundo pós-dilúvio aos três filhos de Noé, os
medievais estabelecem a seguinte ordem: Sem teria povoado a Ásia, Jafet teria ido para
a Europa e Cam ficaria com a África. Ora, de acordo com a Bíblia, Cam teria sido o filho
amaldiçoado de Noé à eterna servidão. Vejamos melhor sobre isso.
De acordo com o Gênesis, Cam, o filho mais novo de Noé, teria flagrado e profanado a
nudez e embriaguez de seu pai. Como punição, seus irmãos, Sem e Jafet, teriam amaldiçoado
os descendentes de Cam à servidão eterna. Apesar de nenhuma relação estabelecida à cor
da pele dos descendentes camitas no texto bíblico, no imaginário medieval, os responsáveis
para o povoamento da África teriam sido, no período pós-dilúvio, os descendentes de
Cam. Os efeitos interpretativos da sentença foram elementos importantes na percepção
europeia acerca do africano associando-o a imagens nocivas e negativas.

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VAMOS PENSAR?
Você já parou para refletir acerca desses preconceitos relativos ao continente africano e como
eles circulam também no imaginário da sociedade brasileira? O que você conhece acerca da
África e dos seus habitantes?

No século XV, os portugueses ultrapassaram o Cabo Bojador em direção às terras


africanas ao sul do deserto do Saara, chegando à região denominada pelos europeus
Guiné.

FIQUE ATENTO
Guiné era um termo genérico utilizado para denominar toda a região ao sul do deserto do
Saara que se ia conhecendo. Guinéus (homens de cor negra) era a forma que os europeus se
referiam aos diversos grupos étnicos existentes na costa ocidental africana. A mesma região
era chamada pelos árabes de Bilad es-Sudam (País dos Negros).

No processo de expansão, muitos relataram e descreveram o que viram com o intuito,


muitas vezes, de informar acerca das marés, dos ventos, do abastecimento e diversos
outras informações técnicas. Entretanto, os europeus não descuidavam de descrever os
habitantes locais: como eram suas vestimentas, suas comidas, bebidas, casas, aldeias. Na
maior parte das narrativas, conforme ressalta o historiador e diplomata africanista Alberto
da Costa e Silva, não se observa qualquer esforço para compreender os habitantes locais.
Muitas vezes, eles eram descritos como preguiçosos, volúveis, estúpidos, supersticiosos,
mentirosos, luxuriosos ladrões e violentos. Além disso, observa-se também tentativas de
tradução do desconhecido utilizando-se de elementos que dizem mais sobre a cultura
europeia do que da cultura observada de maneira a inferiorizar a outra cultura. Os africanos
foram considerados preguiçosos baseado em qual noção de trabalho e ócio, por exemplo?
Nesse sentido, a África vai aparecendo cada vez mais como um continente imperfeito
e perverso, que a Europa tinha o dever de levar a civilização. Veja-se na seguinte citação do
cronista real português Gomes Eanes Zurara: “ca eles não sabiam o que era pão e vinho,
nem cobertura de pano, nem alojamento de casa e o que pior era, a grande ignorância
que em eles havia, pela qual não havia algum conhecimento de bem, somente viver em
uma ociosidade bestial” (ZURARA, 1989 p. 99). Ou ainda nas palavras do viajante português
Duarte Pacheco Pereira:

14
Esta gente é viciosa, de pouca paz uns com os outros, e são
muito grandes ladrões e mentirosos, que nunca falam a verda-
de, e são muito grandes ladrões e mentirosos, e grandes bêba-
dos e muito ingratos, que bem que lhe façam não agradem, e
muito desavergonhados que não deixam de pedir. (PEREIRA,
1954. p. 74).

Com a expansão do tráfico de escravos, por sua vez, aumentou-se o número


de europeus que visitavam as cortes africanas deixando relatos. Tais obras acabavam
reforçando os que defendiam a manutenção do tráfico ou mesmo justificando-o a partir
dos estereótipos que sobre a África e os africanos se acumularam ao longo dos séculos.
Novamente retornamos ao mito camítico, lembra-se qual era a maldição rogada aos
descendentes de Cam?
Com a escravidão moderna que se verificou a partir do século XV, os grupos africanos
passaram a ser transformados em mercadorias. As representações iconográficas acerca
da escravidão evidenciam o tratamento desumano sofrido pelos africanos ao serem
transportados até o litoral e nos navios negreiros, onde eram amontoados para irem até a
América serem explorados, o que ficou conhecido como diáspora africana.
Nas Américas, as imagens que circulavam (seja no cotidiano entre as pessoas ou
mesmo na iconografia da época como nos trabalhos de Jean Baptista Debret) buscaram
reforçar a ideia de que os escravizados se reduziam, conforme ressalta Anderson Oliva,
ao binômio trabalho braçal/castigo corporal. Também, relacionado ao tráfico de escravos,
ocorria um processo de redefinição das identidades africanas pensadas a partir da América.
Consequência disso: passava-se a ideia de que escravizados faziam parte de um grupo
relativamente homogêneo (Cf. Oliva, Anderson, 2019. p.19).
Enfim, a África e os africanos, ao longo da história receberam diversas representações
em contextos distintos. O esforço de síntese aqui estabelecido é apenas uma parte de toda
uma variedade muito mais espelhada e imprecisa. Contudo, nos ajuda a compreender um
pouco das relações estabelecidas entre as sociedades e como essas relações contribuíram
de alguma forma para as ideias de África.

BUSQUE POR MAIS

• Jean-Batist Debret (1768-1848) foi um importante artista francês que integrou a Missão
Artística Francesa em 1818, que fundou no Rio de Janeiro uma academia de Artes e Ofícios
(mais tarde se tornaria Academia Imperial de Belas Artes) onde lecionou. Acerca do cotidiano
da sociedade escravocrata carioca, deixou-nos diversas pinturas. Para conhecer mais, leia o
artigo: https://bit.ly/2Bm5CBu
• Para conhecer mais sobre a diversidade linguística africana (que, inclusive, influenciou
o português falado no Brasil) acesse: https://bit.ly/2OFlz8W
• No artigo “A África Antiga sob a ótica dos clássicos gregos e o viés africanistas”, Maria
Regina Cândia faz uma análise comparativa entre a cultura helênica e a dos negros africa-
nos cotejando informações acerca do continente no período: https://bit.ly/30DNko2
• Análise sobre a representação das colônias portuguesas na África a partir do cinema
português: https://bit.ly/32LXyoG

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (IFB 2017- professor - adaptada)


Os conceitos de grupo étnico e de etnicidade têm sido utilizados, conforme Antônio Lima e
Sérgio Castilho (2010), como chaves conceituais para ultrapassar a visão simplista do senso
comum que considera manipulação, e fruto de interesses espúrios, tudo o que não caia
nos lugares comuns sobre índios, negros e ciganos, por exemplo.

Sobre estes conceitos, julgue os itens abaixo.


I) A noção de etnicidade é a chave explicativa que nos sinaliza para os complexos processos
de diferenciação biológ`icos, pelos quais uma coletividade se diferencia de outras
coletividades.
II) Etnicidade designa o sentimento de ser portador de atributos distintivos face aos
integrantes de outros grupos, sendo estes atributos considerados os mais importantes
pelos indivíduos que pertencem a um dado grupo.
III) A etnicidade, como marcador de diferença, é um fenômeno de ordem essencialmente
biológica
IV) A etnicidade é especialmente atrelada a componentes de ordem cultural.

a) I e II.
b) II e IV.
c) I, III, IV.
d) III e IV.
e) I, II, III e IV.

2. “Em função do pressuposto de que os grupos étnicos chegados às Américas em


condição de cativeiro têm à sua frente uma infinidade de possibilidades de reorganização,
e não aquelas previamente definidas em suas sociedades tribais […]. Nos grupos de
procedência são valorizados critérios como portos de embarque, ao lado de alguns
componentes culturais como, por exemplo, a língua. Mas mesmo os componentes culturais
adotados não são, necessariamente, étnicos”. (Soares,s/d p. 116).

A respeito da identidade étnica dos escravizados, a historiadora Mariza Soares ressalta que,
ao desembarcarem na América:
a) as etnias africanas eram redefinidas, ignorando as identidades de origem.
b) garantia-se a fidelidade da região de origem dos africanos.
c) as etnias africanas se readaptavam facilmente na América.
d) não era negado às etnias africanas sua própria identidade.
e) era respeitado as religiões e culturas de origem africana.

16
3. Também há aqui homens selvagens, a que os Antigos chamaram Sátiros, e são todos
cobertos de um cabelo ou seda quase tão ásperas como de porco; e estes parecem criatura
humana e usam o coito com suas mulheres como nós usamos com as nossas; e em vez de
falarem, gritam quando lhe fazem mal [...] Tôdolos negros desta terra andam nus [...] Nesta
serra não já edifícios, e moram em casas palhaças”. (Pereira, D. P., Esmeraldo de Situ Orbis,
p. 118.).

A respeito da descrição do português Duarte Pacheco Pereira de uma região da África


Ocidental, no século XVI, pode-se afirmar que:
a) o português reproduziu informações observadas pela sua própria experiência.
b) não se tem como questionar a veracidade da informação.
c) o português era um grande conhecedor da cultura da antiguidade clássica.
d) provavelmente, o português contou o que ouviu e não o que observou.
e) a descrição constrói uma imagem que diz muito sobre a própria cultura e crença do
observador.

4. De acordo com o estudado na unidade acerca das divisões geográficas do continente


africano, marque (V)erdadeiro ou (F) para as seguintes afirmações:

( ) A África subsaariana é comporta por países como Marrocos, Líbia, Tunísia e Egito.
( ) A África do Norte possui boa parte de seus países banhados pelo Mediterrâneo e são
muçulmanos na grande maioria.
( ) O Saara, o mais extenso deserto do planeta extende-se do Oceano Atlântico ao Índico e
compõe a maior região da África Central.
( ) A distinção estabelecida entre África Branca e África Negra é resultado de uma postura
racista que divide o continente em uma África “civilizada” (a África do Norte ligada ao
Mediterrâneo) e a África “bárbara” (África ao sul do Saara).

a) FVFF
b) VVFV
c) FVFV
d) FFVV
e) VFVF

5. (FURB/professor-adaptada)
O continente africano é composto por uma grande quantidade de países, no entanto, a
divisão da África não ocorre somente entre nações. A África está dividida ou regionalizada
conforme a cultura, ou melhor, com a religião praticada em diferentes pontos do continente.
Dividiu-se regionalmente o continente em duas áfricas. Essas regiões foram chamadas de
“África Branca” e “África Negra”.

Acerca dessa divisão é possível afirmar que:


a) Busca aproximar países com uma mesma geo-política.
b) Leva em consideração apenas a diversidade linguística dos países africanos.
c) Unifica regiões que possuem uma grande diversidade étnica em torno de uma visão
racista da África.

17
d) É sensível à realidade cultural e regional africana.
e) Seleciona diversos critérios para sua elaboração, tais como etnia, política e economia.

18
02
ÁFRICA, UM CONTINENTE COM UNIDADE
HISTÓRIA

19
2.1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade vamos concentrar os estudos na historiografia acerca da África e na


africana propriamente dita. Nesse sentido, estudaremos a trajetória dos estudos acerca
da história desse continente iniciando pelas visões eurocêntricas, que divulgavam a África
como um continente cuja história se resumia à presença europeia. Passaremos pelas
primeiras iniciativas africanas que se esforçaram para construir uma história para África
feita pelos próprios africanos, ressaltando a importância da coletânea História Geral da
África organizada por importantes nomes como Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Anta Diop. Por
fim, conheceremos os esforços mais contemporâneos de análise da história da África pela
ótica africana e estrangeira.

GLOSSÁRIO
EUROCENTRISMO: é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (cultura, política,
língua e outras características) como o centro do mundo. Ou seja, os elementos culturais eu-
ropeus são tidos como referência no contexto de composição de toda a sociedade moderna.

ETNOCENTRISMO: conceito muito utilizado nos estudos antropológicos, é a tendência de ob-


servar o mundo pela ótica particular de um povo, uma cultura considerando-a superior às
demais.

2.2 CONTINENTE A-HISTÓRICO?

A costa da Guiné, como visto na unidade 1, foi a primeira região da África tropical
acessada pelos portugueses. Ela foi tema de toda uma série de obras a partir do século XV,
como de Luís de Cadamosto, Duarte Pacheco Pereira, Gomes Eanes Zurara, entre diversos
outros autores de narrativas de viagens. Esse material é de grande importância uma vez
que nos fornece testemunhos dessas diversas realidades. Contudo, há de se ressaltar que
o objetivo principal de grande parte desse material era descrever a experiência de um
ponto de vista. Muitos não se preocupavam, por exemplo, em entender a realidade que
observavam como já estudamos no capítulo anterior.
As outras regiões despertaram o interesse dos europeus na sequência. Obras
históricas sobre a Etiópia foram elaboradas por missionários como Manoel Almeida (1569-
1646). Angola, por sua vez, foi tema do grande Guerras Angolanas de Antônio de Oliveira
Cadornega (1623-1690).

20
No século XVIII, por sua vez, começam a aparecer ensaios monográficos sobre a
África e não mais apenas descrições de viagens e de experiências. Contudo, foi também
nessa época que as histórias não-europeias foram cada vez mais discriminadas nos meios
acadêmicos. Baseando-se, tal como analisa o africanista John Fage, no que era considerado
uma herança greco-romana única, os acadêmicos da Europa consideraram que os europeus
formavam a civilização que deveria prevalecer sobre as demais. Consequentemente, a
história europeia seria a chave de todo conhecimento enquanto as outras civilizações eram
consideradas a-históricas (ou seja, sem história).
O filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), como porta-voz do pensamento hegemônico
de sua época, na Filosofia da História Universal escrevera:

A África propriamente dita é a parte característica deste continente.


Começamos pela consideração deste continente, porque em seguida
podemos deixá-lo de lado, por assim dizer. Não tem interesse históri-
co próprio, senão o de que os homens vivem ali na barbárie e na sel-
vageria, sem fornecer nenhum elemento à civilização. Por mais que
retrocedamos na história, acharemos que a África está sempre fecha-
da no contato com o resto do mundo, é um Eldorado recolhido em
si mesmo, é o país criança, envolvido na escuridão da noite, aquém
da luz da história consciente […]. Nesta parte principal da África, não
pode haver história (HEGEL, 1928, p. 187).

No seu livro, Hegel faz uma distinção entre três Áfricas, a setentrional ligada ao
Mediterrâneo que mais pertenceria à Espanha do que à própria África; a Meridional, que
contém o Egito e a África propriamente dita que fica ao sul do Saara e sobre a qual faz
as considerações acima. À luz dessa exposição geral de Hegel é possível perceber que o
filósofo confere à África um estado de selvageria, no qual não se produz cultura e nem
história. Aos africanos, ele confere um estado bestial , ou seja, não possuiria os critérios
“racionais” de civilização e, portanto, não teriam história e nem cultura.
Posição semelhante podemos ver também no seguinte trecho do professor da
Universidade de Oxford Hugh Trevor-Hoper:
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada.
No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos euro-
peus na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema
de história [...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tri-
bos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que não exer-
cem nenhuma influência em outras regiões (TREVO-HOPER apud
FAGE,1980. p. 49).

21
Trevor-Hoper, assim como Hegel, enfatiza a aistoricidade do continente africano
ressaltando que a única parte histórica da África existiria a partir da chegada dos europeus.
Tudo envolvendo os povos nativos seria, dessa forma, trevas e não constituiria tema de
história. Muitos explicavam, dessa forma, que as origens de importantes arquiteturas e
técnicas estatutárias africanas seriam frutos de interferências de outras civilizações e não
criação africana (OLIVA, 2004).
O “racismo científico” do século XIX tornou-se também uma ideologia estratégica
para dominação do continente africano. A pigmentação da pele passou a ser utilizada
como algo determinante nas relações de dominação, nos quais caberia aos arianos (os
considerados “verdadeiros brancos”), o papel de senhores dos demais continentes.

GLOSSÁRIO

RACISMO CIENTÍFICO: No século XIX, as teorias raciais ganharam status científico e, por meio
do conceito de raça, os europeus passaram a classificar a humanidade, fazendo uso de ta-
xionomias. O racismo científico propagava a ideia de que a humanidade estava dividida em
raças com hierarquias biológicas, na qual os brancos ocupariam a posição superior. Nesse
sentido, passou-se a estudar as ditas raças humanas medindo o formato da caixa craniana,
por exemplo, e depois baseou-se no estudo dos genes e da hereditariedade

A pigmentação da pele, nesse sentido, passou a ser utilizada como algo determinante
nas relações de dominação. Assim, interesses políticos e econômicos nas terras africanas
justificavam-se por teorias racistas pretensamente científicas. Sobre o assunto, escreveu
Antônio Olimpio Sant’Ana:
Em 1835, Arthur de Gobineau produziu um conhecido tratado
denominado Ensaios sobre a Desigualdade das Raças Huma-
nas: Raças Branca, Amarela e Negra. O que caracterizava o
seu ensaio era a divisão que fazia da raça branca. Esta, se-
gundo Gobineau, tinha três subgrupos: os arianos, que são
os verdadeiros brancos criadores da civilização, os albinos,
de origem mongólica, e os mediterrâneos, de origem africa-
na. Sustentava que se o poder permanecesse nas mãos dos
albinos e mediterrâneos, a humanidade voltaria à barbárie.
Gobineau desejava provar com o seu ensaio que a nobreza
europeia era ariana, descendente dos nórdicos (SANT’ANA,
2005. p. 47).

22
Dessa forma, Gobineau, grande representante do racismo científico, defenderia que
aos arianos caberia o papel de civilizar aqueles que estavam em estado de inferioridade,
justificando assim, as ações imperialistas europeias em solo africano, por exemplo.

VAMOS PENSAR?
Já parou para refletir nas consequências de pensar numa única história da África? Qual foi
o papel do discurso preconceituoso e simplista para a construção do imaginário acerca da
África e dos africanos? Assista o vídeo da escritora nigeriana Chimamanda Adichie para o
TEDtalks e reflita sobre: https://bit.ly/2BjmNn7

2.3 REINVENTANDO A SUA PRÓPRIA HITÓRIA

Na contra-mão do eurocentrismo ocorreram mudanças significativas nos estudos


acerca da África. Entre os anos de 1940 e 1980, influenciada pela criação de centros de
estudos e universidades em países africanos, a historiografia africana inverte o papel
concedido à África na história da humanidade. As investigações deveriam, assim, enfatizar
a África em sua própria trajetória:
As histórias dos reinos e civilizações africanas foram utilizadas
como exemplo da capacidade de organização, transformação e
produção africanas, que em nada ficavam a dever para os padrões
europeus. Além disso, os vestígios materiais deixados do passado
– técnicas de cultivo, padrões de estética da arte estatuária, ruínas
dos mais diversos matizes – foram usados para evidenciar as qua-
lidades do continente (OLIVA, 2004. p. 24).

Além disso, no período em questão, a fragmentação política resultado dos processos


de independência dos países africanos, forçou a construção de histórias e identidades
nacionais. Nesse contexto, entre os primeiros pensares da África pós- independência,
estariam ideologias que defendiam e estabeleciam uma nova identidade africana: o pan-
africanismo e a negritude.

FIQUE ATENTO
PAN-AFRICANISMO
O pan-africanismo originou-se em oposição aos tráficos escravistas nas Américas, Ásia e Eu-
ropa. No seu início, o pan-africanismo (ainda não tinha esta denominação) era apenas uma
reduzida manifestação de solidariedade, restrita às populações de ascendência africana.

23
Para saber mais, busque no link e leia : https://bit.ly/3jqtPYr

NEGRITUDE
A palavra négritude, em francês, deriva nègre, termo que, no início do século XX, tinha um
caráter pejorativo, utilizado para desqualificar o negro. A intenção do movimento, nesse sen-
tido, foi inverter o sentido da palavra dando-lhe uma conotação positiva. O termo apareceu
com esse nome em 1939, no poema do antilhano Aimé Césaire. Assim, na sua forma inicial, o
movimento tinha um caráter cultural e negava a política de assimilação à cultural (que tinha
como padrão a cultura branca). Passou-se a enaltecer e resgatar valores e símbolos culturais
de matriz africana. Negritude é, enfim, um termo com vários significados, podendo significar:
. o fato de pertencer à raça negra;
. à própria raça como coletividade;
. à consciência e à reivindicação do homem negro civilizado;
. à característica de um estilo literário;
. ao conjunto de valores da civilização africana.

BUSQUE POR MAIS

Para compreender melhor esse conceito e sua história, leia o livro de Kabengele Munanga
disponível em: https://bit.ly/30BcJPb

Dois grandes expoentes desta geração foram Jospeh Ki-Zerbo, de Burkina Faso, e o
literato senegalês Cheikh Anta Diop. Para o movimento iniciado por eles, a África deveria
focar-se em sua própria trajetória. Ki-Zerbo, no contexto, escreveu um dos primeiros
trabalhos individuais contemporâneos sobre a África subsaariana – História da África Negra
– e ambos foram responsáveis por organizar e publicar a grande coleção História Geral da
África, editada pela Unesco a partir de trabalhos discutidos em seminários, na década de
1960. A coletânea possui oito volumes escritos por mais de trezentos estudiosos.
Cheik Anta Diop, por sua vez, ficou conhecido por ter sido o criador do afrocentrismo,
movimento que se concentrava no objetivo de defender a africanidade do Egito Faraônico,
contrariando a argumentação comum de que a civilização egípcia afigurava-se componente
da cultura branca. Ele apoiava essa tese para demonstrar que a grande civilização sobre a
qual os gregos e outros se apoiaram era uma civilização negra, portanto, a origem de indo-
europeus era africana.
Vale ressaltar, entretanto, que apesar desses esforços, muitos autores afirmaram
que esta vertente acabou revelando erros anteriormente cometidos, o principal: enaltecer
desproporcionalmente as características histórico-culturais da África utilizando-se, agora,
do afrocentrismo como contraposição do eurocentrismo. Dessa forma, os trabalhos
pioneiros dos nacionalistas foram importantes na medida em que iniciaram esforços para
a construção de uma história para a África que se expandiu, inclusive, para outras partes do
mundo, mas contavam com muitas críticas.

24
Levando em consideração os esforços em se conhecer a África pela África, os anos
de 1960 e 1970 viu surgir também uma busca pelo entendimento dos complexos quadros
socioculturais, econômicos, e políticos que se desenvolveram nos países africanos no pós-
independência:
Percebe-se, portanto, que foi preciso chegar às décadas de 1960 e
1970 para que ocorresse significativa expansão dos estudos e pes-
quisas realizadas no continente africano e fora dele. Na África, tal
fato esteve relacionado à expansão das universidades, à maciça
presença de professores africanos e europeus lecionando em suas
salas de aula, à busca de identidades e à tentativa de encontrar so-
luções para os problemas que assolavam suas regiões. No mundo,
possíveis causas explicativas para esse interesse seriam as aten-
ções que o continente despertava, fruto de suas especificidades,
ou ainda de sua problemática história recente. Mais do que isso, os
pressupostos e metodologias utilizadas nas investigações históri-
cas passaram a ser mais bem elaborados, chegando a um nível de
sofisticação que, em alguns sentidos, superava ao resto da histo-
riografia mundial (OLIVA, 2004. p. 26).

É nesse momento que surge também o primeiro jornal internacional especializado


nos estudos da história africana, o Jounal of African History (Jornal da História Africana), o
livro History of East African (História do Leste Africano), e os primeiros congressos sobre o
estudo da história africana. De maneira geral, um tema recorrente do debate desse período
foi a falta de fontes escritas para se realizar uma pesquisa histórica acerca do continente,
que ficava restrita à utilização das fontes de tradição oral dos povos africanos e mesmo
arqueológicas. Lembrando que boa parte das fontes escritas acerca da África foi feita
por estrangeiros (conforme analisado na unidade I), já que a maioria dos grupos étnicos
africanos eram ágrafos. Para contornar, a história da África passou a ser cada vez mais
associada a outras disciplinas e ciências: arqueologia, cartografia, antropologia, linguística.
Nos anos de 1980, por sua vez, passada a euforia das histórias nacionalistas da
África pós-independência, uma nova “escola” de historiadores africanos e africanistas se
forma. Apesar de também envolvidos com as preocupações de seus colegas anteriores,
procuraram integrar os estudos sobre o continente à historiografia mundial. Vejamos mais
sobre isso.

2.4 NOVOS ESTUDOS AFRICANOS

Já no despontar da década de 1970, novas fontes escritas ressurgiram nos estudos


acerca da África. Arquivos da presença europeia na África e fontes árabes facilitavam a
pesquisa sobre determinados sistemas vigentes na história africana. Houve, vale ressaltar,
a sofisticação das metodologias aplicadas ao uso da história oral como fonte para a
pesquisa em história, bem como uma maior aproximação com outras áreas de pesquisa
como antropologia, arqueologia e linguística. Em decorrência disso, verificou-se uma
diversificação das temáticas de pesquisa: epidemias, imaginário, cotidiano e outros:
O fato é que as pesquisas realizadas por africanos e africanistas têm
procurado desvendar e explicar o continente pelas óticas sempre
diversificadas das reflexões históricas. Estudos sobre o passado re-
moto ou recente das regiões e do processo de formação da África
atual, o entendimento da diversidade de suas culturas e povos, as

25
releituras sobre a colonização e os anseios sobre o desvendar das
origens de tantos e complexos problemas a que submerge hoje o
continente foram alvo de uma quantidade avassaladora de investi-
gações. Soma-se a isso a utilização das novas metodologias de pes-
quisa que tornaram a África, conjunta- mente aos outros elementos
apontados, um fruto cobiçado por muitos (OLIVA, 2004. p. 28).

Outra novidade dessa geração de investigadores foi a iniciativa de inserir a África em


um contexto maior do que a própria África, o chamado: “mundo atlântico”. A partir dessa
ótica, os povos e culturas africanas são analisados em uma perspectiva que os vincula a
diversos outros mundos. Ou seja, os povos africanos saíram do isolamento cultural ao qual
estiveram renegados até então. Além disso, tal como aconteceu nos estudos acerca da
América, os países que certa vez foram colônias deixaram de ser analisados a partir de um
ponto de vista periférico em relação à sua metrópole. Assim, África e América começaram
a ser analisadas por elas mesmas e com histórias que antecedem, inclusive, a chegada dos
europeus. A partir dessa perspectiva, os africanos são inseridos na história como agentes
ativos e possuindo poder de negociação e imposição.
Tratando-se, assim, desses avanços da historiografia acerca da África muitos
especialistas se destacaram dentro do próprio continente como o congolês Valentin
Mudimbe, o nigeriano Toyin Falola, entre diversos outros. Fora da África muitos estudos
também avançaram, destacando nomes como Jan Vansina, John Thornton, Catherine
Coquery-Vidrovitch, Paul Lovejoy entre outros.
No Brasil, por sua vez, apesar das influências africanas na história e cultura brasileira,
os estudos acerca da África, com algumas exceções, tornaram-se mais frequentes a partir
da década de 1980. Antes, estudos pioneiros acerca da África enfocavam a experiência
africana no Brasil como o caso do livro Os Africanos no Brasil, de Nina Rodrigues, por uma
ótica negativa da miscigenação racial verificada no país. Na contramão, Gilberto Freyre foi
crucial para uma valorização da herança africana na cultura brasileira dando início a um
debate acalorado acerca da polêmica ideia de “democracia racial”.
Depois de uma geração de historiadores engajados em desmontar a ideia de
democracia racial, a escravidão se abre com pesquisas intensivas utilizando-se de fontes
e perspectivas diversificadas inserindo, inclusive, os africanos como agentes ativos no
comércio de escravizados. Entretanto, como se pode observar, o foco das abordagens
centravam-se na presença africana no Brasil e nas pesquisas acerca do sistema escravista.
Na década de 1960, criou-se o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao), da Universidade
Federal da Bahia, com a Revista Afro-Ásia. Nesse centro de estudos, as reflexões sobre
o afrodescendente intensificaram a ideia de sua importância para o entendimento do
processo de construção da cultura brasileira. Em 1973, surgiu o Centro de Estudos Afro-
Asiáticos da Universidade Cândido Mendes e, em 1978, o centro de Estudos Africanos da
Universidade de São Paulo, que foram responsáveis pelas revistas Estudos Afro-Asiáticos
e África, respectivamente. Todos estes centros foram e são de grande importância para a
divulgação dos trabalhos acerca da África e da presença africana no Brasil.

26
Com a promulgação, em 2002, da Lei Federal 10.639, que tornou obrigatório o ensino
de História da África e da cultura afro-brasileira na Educação Básica, a demanda foi ainda
maior. Nas universidades, disciplinas, cursos de capacitação e pós-graduações passaram
a ser ofertados diversificando e multiplicando os estudos acerca desse continente que
histórica e culturalmente é tão importante para o Brasil. Na mesma demanda, diversos
livros acerca do tema têm sido produzidos e traduzidos para o português, aumentando
a abrangência de público. Além disso, os encontros anuais da Associação Nacional de
História (ANPUH) já contam com um Grupo de Trabalho em História da África, que tem a
participação de vários acadêmicos e pesquisadores africanistas como José Rivair Macedo,
Thiago Mota, Regiane Augusto de Mattos, Vanicléia Santos, Cristina Wissenbach, Waldemir
Zamparoni e diversos outros nomes importantes dos estudos de História da África no Brasil.

BUSQUE POR MAIS

• Para entender um pouco acerca da questão da democracia racial, assista ao vídeo da


socióloga Lilia Schwarcz, A Ladainha da Democracia Racial: https://bit.ly/32EWeEf
• Para saber mais acerca da importante coleção História Geral da África leia o artigo da
historiadora brasileira Mônica Lima, em que ela analisa os volumes da obra e o seu conteúdo:
https://bit.ly/2CoMmUA
• Vídeo de encontro promovido pela Irmandade Azhari Bantú, que reuniu africanos que
moram no Espírito Santo, discutindo o Pan-Africanismo: https://bit.ly/3g0XAND
• Vídeo sobre a importante liderança política e militante do movimento negro no Brasil:
Abdias do Nascimento https://bit.ly/32BuQah

27
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente,
porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são trevas
[...]”. (Hugh Trevor-Hoper – renomado professor da Universidade de Oxford do século XX ).
No trecho acima, fica evidente a/o:

a) Americanização da África.
b) Africanidade do autor.
c) Etnicidade dos países africanos.
d) Eurocentrismo do autor.
e) Identidade dos grupos étnicos africanos.

2. (ENADE)
Gilberto Freire, no livro Casa-grande & Senzala, analisa aspectos das relações inter-raciais
no Brasil. Considerando a maneira como esse autor desenvolve em sua análise o mito da
harmonia entre as três raças que constituíram a nação brasileira, assinale a opção correta.

a) Segundo esse autor, a miscigenação produziu uma sociedade singular nos trópicos,
caracterizada principalmente pela convivência pacífica entre as raças.
b) A análise de Gilberto Freire está focada na ideia de dissidência entre as três raças, o
que constitui o principal ponto de conflito da nação brasileira.
c) No mito da harmonia racial, Gilberto Freire sugere a preponderância absoluta do
elemento branco sobre os negros e índios.
d) O preconceito racial é, segundo esse autor, um elemento fundador do mito da nação
brasileira.
e) Para o autor, o fenômeno da miscigenização indica um desequilíbrio entre as três
raças constitutivas da nação brasileira.

3. [...] surgiu de um sentimento de solidariedade e consciência de uma origem comum


entre os negros do Caribe e dos Estados Unidos. Ambos estavam envolvidos numa luta
semelhante contra a violenta segregação racial. Essa solidariedade que marcou a segunda
metade do séc. 19 propôs a união de todos os povos da África como forma de potencializar
a voz do continente no contexto internacional

O texto acima discorre sobre:


a) Eurocentrismo.
b) Afrocentrismo.
c) Negritude.
d) Pan-africanismo.
e) Etnocentrismo

28
4. Cheik Anta Diop foi um importante intelectual africanista que, assim como Joseph
Ki-Zerbo, organizou a importante coletânea História Geral da África. Ele foi um dos pioneiros
nos estudos acerca desse continente valorizando-o e ressaltando as suas particularidades.
Nesse sentido, Diop defendeu que as bases nas quais a cultura ocidental estava alicerçada
era negra e africana.

Essa corrente filosófica defendida por Diop e outros intelectuais africanistas é conhecida
como:
a) Afrocentrismo.
b) Etnocentrismo.
c) Eurocentrismo.
d) Racismo.
e) Democracia Racial.

5. No trecho abaixo o historiador Cheik Anta Diop ressalta que:


[…] a despeito das discrepâncias que apresentam o seu grau de con-
vergência prova que a base da população egípcia no período pré-di-
nástico era negra. Assim, todas elas são incompatíveis com a teoria de
que o elemento se infiltrou no Egito em período tardio. Pelo contrário,
os fatos provam que o elemento negro era preponderante do princípio
ao fim da história egípcia. […] Nos manuais de maior divulgação, entre-
tanto, a questão é suprimida: na maioria dos casos, afirma-se simples e
claramente que os egípcios eram brancos [...]. (DIOP, C. A. 1983, p.41-42).

a) A civilização egípcia era negra africana desde o princípio, apesar de muitos manuais
afirmarem o contrário.
b) A base da civilização egípcia era negra no período tardio, o que contribuiu para as
visões de um Egito branco.
c) A civilização egípcia era branca e, por isso, foi a base de formação da cultura indo-
europeia.
d) Não há demonstração científica que determine a africanidade do Egito Antigo.
e) Muitas são as discrepâncias que provam que a base da civilização egípcia é realmente
negra.

29
03
UM CONTINENTE EM MOVIMENTO UNIDADE

30
3.1 INTRODUÇÃO

Conforme visto anteriormente, a África possui uma rica e diversificada história prévia
à intensificação dos contatos com os europeus. Esta história, por sua vez, diferente da
“História” tradicional que recorre a documentos escritos, utiliza-se muito da tradição oral
das sociedade africanas – lembrando que a maior parte delas eram ágrafas. Os guardiões
da memória, os chamados Griôts, eram e ainda são os indivíduos responsáveis por repassar
o conhecimento adquirido de geração para geração, por meio da contação de história.
Para os griôts, manter a integridade da história é sagrado.
Além das tradições orais, para os estudos acerca das sociedades africanas ainda é
utilizado documentos escritos produzidos por diversos povos que entraram em contato
com os africanos, como os vistos na unidade 1, e os achados arqueológicos. Dessa forma,
nesta unidade, vamos nos voltar para a história de alguns Estados africanos. Lembrando
que a África é um continente grande e diverso, portanto, fizemos uma seleção dessa
diversidade a ser apresentada aqui, tendo em vista as demandas das propostas curriculares
da Educação Básica. Ao longo da unidade, entretanto, serão oferecidos diversos livros para
que se possa aprofundar o conteúdo.

3.2 ESTADOS DO ANTIGO SUDÃO:


EGITO, KUSH, AXUM

No período da Pré-história, quando verifica-se grandes modificações climáticas


no mundo, a África se transformava. Foi nesse período que o deserto do Saara, um dos
maiores desertos atualmente, expandiu-se e forçou diversos povos a emigrarem para
outras regiões, apesar de alguns grupos que permaneceram e aprenderam a conviver
com o clima desértico e a pouca oferta de água (seus descendentes são hoje conhecidos
como Tuaregues e berberes). Estes foram responsáveis por trocas comerciais internas e
externas por entre o deserto do Saara. Nesse processo, o rio Nilo era um oásis em meio
ao árido deserto. Nas suas férteis margens em função dos períodos de cheias floresceram
grandiosas civilizações.

3.2.1 Egito Antigo

Conforme mencionado anteriormente, o Egito Antigo foi tema de debates


acalorados na historiografia pan-africana. Situada no noroeste africano, essa antiga
civilização é reconhecida e valorizada mundialmente. Apresentaremos aqui brevemente
suas características, uma vez que será novamente tema de estudos na disciplina História
Antiga.

31
Para começar, o Egito Antigo representa o primeiro reino unificado conhecido da
história e também a mais longa experiência humana documentada de continuidade
política e cultural. Foram cerca de 3000 anos de dinastias faraônicas – não descartando,
vale ressaltar, os períodos de descentralização e domínio estrangeiro.
A história do vale do Nilo começa ainda no período pré-histórico, quando grupos
sedentários encontraram às margens do rio terreno fértil para a agricultura. Ali se
estabeleceram formando comunidades (nomos) que só seriam unificadas entre 3300 e
3100 a.C. Como se deu tal unificação? Algumas teorias foram elaboradas por egiptólogos
para explicar os fatores que teriam levado à unificação. Uma delas é a teoria que vê nos
trabalhos hidráulicos (construção de diques, represas e canais) a principal causa. Assim, a
unificação seria uma resposta à necessidade de uma administração centralizada dessas
obras. Contudo, tal explicação, apesar de amplamente aceita durante tempos, acabou
sendo questionada e diversos historiadores, como o maior especialista brasileiro em
estudos sobre Antiguidade Oriental, Ciro Flamarion Cardoso:

A que atribuir, então, a unificação do Egito? Existem muitas te-


orias a respeito, difíceis de avaliar em virtude da escassez de da-
dos e fontes. Muitas das tentativas contemporâneas de explica-
ção (L. Kraeder, B.Trigger, R. Carneiro) enfatizam fatores ligados
à guerra, à conquista, ao militarismo. Seja como for, tudo indica
que o processo de formação do Egito como reino centralizado
dependeu de numerosos fatores – demográficos, ecológicos,
políticos, etc. – entre os quais a irrigação, pelo menos indireta-
mente, foi elemento de peso (CARDOSO, 1982, p. 25).

Apesar das divergências e das diversas teorias que se apresentam para tentar explicar
o processo, é importante salientar que foi por meio da unificação que se marcou o início
da época histórica dos faraós. A história do Egito, a partir da unificação, é comumente
dividida em em sete grandes períodos, para facilitar os estudos. O quadro a seguir resume
esta divisão baseado no texto do professor Arnoldo Walter Doberstein. Vale ressaltar que
para simplificação, muitos dividem somente em Reino Antigo, Reino Médio e Reino Novo.

32
ANOS (a.C) DENOMINAÇÃO PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS

3100-2695 Dinástico Primitivo Unificação com o faraó Menés.


Utilização de barro e pedra nas construções e nos
artefatos.
2695-2160 Reino Antigo Construção das pirâmides, cuja principal função
era abrigar as múmias, as estátuas e os pertences
dos mortos, mas também pesquisadores que res-
saltem sua função militar e astronômica.
2160-1991 1° Período Intermediário Nesse período, o Estado se encontrava mais frag-
mentado que poderia ser explicado pelo exces-
so de autonomia dado aos sacerdotes, pelo des-
preparo dos governantes e mesmo por crises na
agricultura decorrente de períodos de seca mais
prolongado.
1991-1785 Reino Médio No Reino Médio, o Egito voltou a ser um Estado
unificado.
1785-1540 2° Período Intermediário Invasão dos hicsos – povos de diversas e contro-
versas origens étnicas.
1540-1070 Reino Novo Expansão militar. Expulsão dos hicsos. Considera-
do por muitos como o momento mais glorioso da
civilização egípcia. É nesse período também que
as mulheres governantes são mais lembradas:
Hatseptsut, Nefertite e Nefertari.
1070-712 3° Período Intermediário Dinastia dos faraós negros – período do domínio
núbio.
Fonte : (DOBERSTEIN, 2010)
Ao longo de todos esses séculos, o Egito teve cerca de 30 dinastias. A sociedade,
de maneira geral, era hierarquicamente organizada, com um rei, considerado um deus, a
família real, os sacerdotes e funcionários de alta hierarquia. Na parte intermediária tinha-se
diversos escribas, outros funcionários e sacerdotes de menor hierarquia, além dos artesãos
e artistas especializados. Por fim, na larga base da pirâmide social, formando a maior parte
da população, estavam os trabalhadores braçais.
Em termos econômicos, a base da sociedade era a agricultura que dependia
inteiramente das cheias do rio Nilo. As tumbas mostram um pequeno comércio local e o
pagamento de serviços. No período faraônico, conforme ressalta Ciro Flamarion Cardoso, a
quase totalidade da vida econômica passava pelo rei e seus funcionários (CARDOSO, 1982,
p. 38).
O pensamento egípcio, por sua vez, aparece marcado por um esforço de preservar a
estrutura vigente e ordem cósmica. O mito explicava o mundo descrevendo o fato como
se deu pela primeira vez. Para eles, o tempo tinha uma conotação cíclica, ou seja, o tempo
e o universo faziam com que uma dada ocorrência continuasse a ter vigência e atualidade.
O universo era visto como o domínio de forças que podiam se manifestar de maneiras
diversas (CARDOSO, Ciro, 1982, p. 85). Vale ressaltar, contudo, que as informações do
pensamento egípcio foram obtidas a partir dos escritos de uma minoria de letrados, uma
vez que grande parte da população era analfabeta. Dessa forma, qualquer generalização

33
para todos os âmbitos da sociedade pode incorrer em erros.
O pensamento egípcio, por sua vez, aparece marcado por um esforço de preservar a
estrutura vigente e ordem cósmica. O mito explicava o mundo descrevendo o fato como
se deu pela primeira vez. Para eles, o tempo tinha uma conotação cíclica, ou seja, o tempo
e o universo faziam com que uma dada ocorrência continuasse a ter vigência e atualidade.
O universo era visto como o domínio de forças que podiam se manifestar de maneiras
diversas (CARDOSO, Ciro, 1982, p. 85). Vale ressaltar, contudo, que as informações do
pensamento egípcio foram obtidas a partir dos escritos de uma minoria de letrados, uma
vez que grande parte da população era analfabeta. Dessa forma, qualquer generalização
para todos os âmbitos da sociedade pode incorrer em erros.

3.2.2 Núbia

Na região Núbia (ao sul do antigo Egito que fazia fronteira com o Mar Vermelho
e o deserto, ao sul se estendiam até o atual Cartum, no Sudão) também floresceram
importantes civilizações que guardavam muitas similaridades geográficas e culturais
com os egípcios especialmente em função dos contatos arqueologicamente comprovados
entre ambos. Diferentemente dos antigos egípcios, pouco se sabe acerca dessas civilizações
em função das dificuldades em decifrar as escritas e por muito de seus monumentos,
esculturas e inscrições terem sido destruídos pelos invasores.
Os egípcios sempre demonstraram seu interesse pela região e suas riquezas
minerais e buscaram dominá-la em algumas ocasiões, mas perderam esse domínio com
a invasão do Egito pelos hicsos (povos semitas asiáticos). Neste período, o reino Querma
na Núbia viveu o seu auge. A autoridade do rei de Querma foi sentida na Núbia Superior
e Inferior, e parte, inclusive, do Antigo Egito.
Quando os egípcios restabeleceram o poder sob este território, novamente iniciaram
um processo de expansão territorial sob os núbios. No século XV a.C., o faraó Tutmés I
dividiu a Núbia em duas partes. A parte do norte tornou-se Wawat, e a parte sul, Kush
(ou Cuxe) – com mais influência egípcia que o antigo Querma, porém dele provavelmente
derivado. Muitas riquezas do reino de Kush foram levadas ao Egito como ébano, marfim,
incenso, gado, ouro e escravizados (MOKHTAR, 1980. p.247)
O reino Kush era governado por chefes políticos e militares, que em dada época
acreditavam ser herdeiros legítimos dos faraós de tempos antigos e como eles vestiam-se
e atuavam. Hábeis guerreiros, os kushitas controlaram as principais rotas comerciais às
margens meridionais do rio Nilo e impuseram seus domínios sobre povos da vizinhança,
chegando, inclusive, a dominar os próprios egípcios. Este domínio durou cerca de 50
anos, e os “faraós negros” governaram de maneira unificada a Núbia e o Egito, e foi
interrompido em função da invasão assíria (civilização da Mesopotâmia) no Egito, que
fez com os kushitas retornassem para a Núbia.
As duas principais cidades, Napata e Meroé, revesaram-se como capital. A principal
Napata, escolhida talvez por fatores climáticos e econômicos, foi transferida mais ao sul
para Meroé. Após a mudança, não foramm abandonados os valores egípcios, mas as
formas culturais núbias voltaram a se impor. O soberano ainda se chamava faraó, mas
novos deuses apareciam e as tradições matrilineares (com o prestígio das rainhas-mães,
as candaces) voltaram ser mais fortes. Os meroítas conseguiram fazer frente aos avanços
romanos, mas acabaram sendo dominados pelo Reino Axum.

34
3.2.3 Axum

O Reino de Axum foi um antigo e importante reino localizado na atual Etiópia e Eritreia. De
acordo com a mitologia etíope contida no livro Kebra Negast, acredita-se que nesta região teria
vivido a Rainha de Sabá (Makeda) e que a família imperial do país Etiópia seria descendente de seu
filho com o rei Salomão. Esta dinastia governou o país durante aproximadamente 3000 anos, tendo
seu fim no século XX, com o imperador Haile Selassie.
A ocupação da região é muito antiga, mas pouco se sabe a esse respeito, as informações que
se têm datam do reino Axum em diante, quando se unificaram os povos da região em torno do
Cristianismo, no século I d.C. A expansão Axum teve início já no início da Era Cristã e eles passaram
a controlar importantes rotas comerciais marítimas especialmente pela sua proximidade com o
Mar Vermelho. O seu prestígio e poderio foram atestados pela cunhagem de moedas, seguindo os
modelos romanos.
A introdução do Cristianismo foi obra de Frumêncio, mercador cristão que foi tutor de um
rei e o influenciou a adotar oficialmente o Cristianismo e o Antigo Testamento foi traduzido para o
ge’ez, (língua semita utilizada até hoje). A Etiópia é, portanto, um dos primeiros países cristãos do
mundo e sua Igreja é a Igreja Ortodoxa Etíope (BRANCO, 2015, p. 66).
Axum teve muitas dificuldades frente ao avanço árabe nos séculos VII e VIII d.C., mas
continuou até o século XI isolado frente ao avanço muçulmano pela Etiópia. Axum entrou em
decadência, mas sua importância manteve-se pelas dinastias imperiais etíopes que se seguiram.

3.3 ESTADOS DO ANTIGO SUDÃO:


GANA, MALI E SONGAI
Outra região que recebeu diversos povos foi a região do antigo Sudão (não confundir
com o país Sudão). Nele estabeleceram-se diversos grupos que formaram importantes
Estados. Apresentaremos aqui os casos de Gana, Mali e Songai, que, embora sejam os mais
conhecidos, não foram os únicos, vale ressaltar.

FIQUE ATENTO
É muito comum conceituar e definir as bases da organização política dos africanos da Áfri-
ca Ocidental como “reinos” ou “impérios”. Esses termos são frequentemente utilizados como
forma de aproximar essas organizações ao que é familiar. Assim o fizeram os primeiros euro-
peus que despontaram na África. Como não compreendiam muito bem o sistema de organi-
zação, mas como viam que tinham uma autoridade disseram que era um império. Mas eles
ainda são termos tomados de empréstimos que não dão conta da realidade dessas regiões.
Por isso, optamos aqui por utilizar um termo mais neutro que é “Estado” - no sentido que ha-
via grupos que exerciam domínio sobre outros.

35
GLOSSÁRIO
SUDANESES: termo que generaliza uma diversidade de povos que habitam a região entre o
deserto do Saara e o Atlântico compreendendo o Chade, o Níger, o Sudão, as regiões da Costa
do Golfo (Nigéria e Benin), Togo, Gana, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa, Guiné, Senegal.
Ou seja, principalmente a região da África Ocidental, porém não só.

3.3.1 Gana

Gana foi um importante Estado que floresceu por volta do século IV d.C., localizado no
Sudão Ocidental, entre os atuais países Mali e Mauritânia. Região onde o deserto do Saara
começa a se encontrar com as savanas do Sahel. Como surgiu esse importante império?
A sua origem esteve ligada a uma rede comercial que unia o norte do deserto ao sul. Sua
posição geográfica, entre o Saara e os rios Níger e o Senegal, provavelmente foi decisivo para
que os ganenses dominassem as principais rotas desse comércio, controlando o fluxo de
ouro que vinha do sul e as fontes de sal. Por essa característica comercial, rapidamente o islã
expandiu-se por essas terras a partir dos comerciantes árabes que trocavam mercadorias.

FIQUE ATENTO
Para se ter uma ideia das rotas comerciais que ligavam os Estados sudaneses, acesse: http://
brasilafrica.fflch.usp.br/node/282. Observe como o deserto do Saara era cruzado por diferen-
tes rotas.

A sua riqueza e importância possibilitou aos seus governantes a anexação de territórios


vizinhos, transformando o reino em um grande Estado que dominou o oeste da África por séculos,
alcançando seu auge por volta do século XI d.C. Importantes cidades que estavam no cruzamento
de rotas tinham certa autonomia e privilégios. No entanto, possuíam um governante, o Gana, que
dependia do comércio para sustentar as estruturas de poder. Gana, portanto, era o título atribuído
ao governante cujo poder provinha do fato de ser o representante maior dos costumes ancestrais e
o protetor dos ritos (MACEDO, 2008, p. 52). A base econômica de seu poder era a tributação imposta
aos povos e aos tributos que circulavam em seus domínios.
Apesar de todo esse poder, contudo, Gana não conseguiu conter as invasões muçulmanas
na segunda metade do século XI d.C. Os muçulmanos sob os Almorávidas, que já dominavam
muitas rotas comerciais do Saara, atacam Gana e este opulente Estado é absorvido e, em seu lugar,
surge o Mali, que vai também se tornar um importante Estado. Vejamos mais sobre ele.

36
GLOSSÁRIO
AlLMORÁVIDAS: dinastia muçulmana proveniente de grupos nômades do Saara que unificou
sob seu domínio grandes extensões de terras compreendendo os territórios da atual Mauritâ-
nia, Saara Ocidental, Marrocos e Península Ibérica (atuais Portugal e Espanha).

3.3.2 Mali

O enfraquecimento de Gana abriu caminho para Estados menores buscarem


hegemonia e independência. Os povos mandingas, sob a chefia de Sundjata Keita, se
impuseram na região e formaram o Estado unificado do Mali. Ele durou por quase dois
séculos (meados do século XIII d.C. ao século XV d.C.) anexando territórios e se tornando
um “império” conhecido internacionalmente, abrangendo não somente os mandingas,
mas também os dogons, soninkês, fulas, sossos e bozos. Seus territórios possuíam maior
dimensão que o antigo Gana. Sua hegemonia se estendia por toda a África Ocidental e se
devia, conforme ressalta José Rivair Macedo, ao poderoso exército formado, ao controle de
áreas de extração de ouro e uma estrutura administrativa eficiente (MACEDO, 2013, p. 56).
Semelhantemente a Gana, a organização política do Mali se baseava na imposição de
autoridade sobre outros estados menores formando um Estado heterogêneo com poderes
locais subordinados a um representante direto, o Mansa. Este era tido como líder supremo,
executor das decisões coletivas e aplicador da justiça. Era também o representante dos
costumes ancestrais da comunidade.
O Islã já estava presente nessas terras muito antes, desde o século XI, e muitos
governantes e comerciantes se converteram. Notícias da importância do Islã nesse império
podem ser analisadas a partir da peregrinação do Mansa Mussa à Meca, em 1325. Buscando
dar maior visibilidade a seu império e integrá-lo ao mundo islâmico, Mussa trouxe sábios,
poetas, conhecedores da lei muçulmana para ensinar nas madrassas (escolas canônicas).
Mandou construir edifícios religiosos e palácios feitos de argila com portas e decorações em
estilo árabe. Um dos mais belos templos construídos, a Mesquita de Djenné, foi classificada
pela Unesco como patrimônio da humanidade (MACEDO, 2013, p. 57).
O declínio do Mali começou a ocorrer no século XIV, em função de conflitos internos
que enfraqueceram os poderes locais e o aparecimento de novos poderes no cenário
político da África Ocidental. Nos séculos XVI e XVII, o Mali possuía alguma autonomia e
ascendência simbólica sobre outros Estados de origem mandinga, mas sua supremacia já
havia passado.

37
3.3.3 Songai

Nas proximidades do rio Níger, uma cidade destacou-se pela sua importância
comercial, política e econômica: Gao. Esta cidade, desde o século XIV, estava sob o controle
dos songais que a partir desse centro iniciaram incursões militares. A expansão militar
dos songai aconteceu durante o reinado de Sonni Ali (1464-1493), que chegou a dominar,
inclusive, Tombuctu e Djenné (cidades do Mali). O império, que contava com uma estrutura
administrativa mais centralizada, passou, então, a dominar importantes centros comerciais.
Vale ressaltar que, assim como o Mali, o Songai também se baseava em princípios islâmicos.
Com um comércio bem organizado e um sistema de governo mais coeso do que
os impérios que o antecederam, o império Songai alcançou uma extensão territorial que
abrangia o sul do Saara, o Sahel, as savanas do litoral atlântico em direção ao leste. No
século XVI, os sultões marroquinos disputaram o controle das fontes de sal e assumiram o
controle das fontes de ouro – principais mercadores que sustentavam o império Songai. Os
marroquinos acabaram invadindo e destruindo o império no final do século XVI (MARQUES,
2008. p. 53).
Assim como os três grandes Estados acima mencionados, existiram vários outros,
como o de Kanem-Bornu, as várias cidades dos povos Haussás e os Mossi. No geral, assim
como os demais, também eram dependentes das rotas comerciais, apesar de apresentar
atividades econômicas e políticas diversificadas.

3.4 ESTADOS DA ÁFRICA AUSTRAL: O MONOMOTAPA

Importantes rotas de comércio ligavam a África Oriental ao Oceano Índico, ganhando


ainda mais importância com a chegada do Islã, no século VII d.C. Os africanos da região
falavam banto e eram chamados pelos árabes de Swahali (“moradores da costa”). Hoje, o
swahili é uma das línguas mais faladas na África Oriental e é uma mistura de árabe com
línguas de origem banta.

GLOSSÁRIO
BANTO: os bantos são centenas de povos bem diferentes, ligados por questões etnolinguísti-
ca. Os povos bantos teriam se dispersado por todo o continente africano há 2000 a.C.

Os Swahalis adotaram o Islã e espalharam sua influência por outros territórios na


costa leste, desde a região do atual país Somália. A costa Leste, de maneira geral, fazia
parte de um importante comércio oriental que contava com a participação da Índia, China,
Malásia e outros. O Índico, por volta dos séculos XIV e XV d.C., era o centro das transações
comerciais da época, por isso, os europeus tanto se esforçaram em acessá-lo no mesmo
período.

38
Muito do ouro e outros produtos comercializados vinham do interior do continente e
contribuíram para o fortalecimento de diversos reinos e povos. O povo Monomotapa da etnia
Shona (Xona) é um deles. Terra rica dos sertões de Sofala, aqueceu o imaginário europeu e
muçulmano. As suas minas de ouro atraíram e fascinaram os grandes impérios africanos,
asiáticos e também os europeus e árabes. Seus vizinhos, com quem provalvemente se
relacionaram, teriam sido os responsáveis pela construção do Grande Zimbabwe.

VAMOS PENSAR?
No século XX, quando europeus encontraram as ruínas do Grande Zimabwe, muitos discuti-
ram e questionaram se as construções teriam sido realmente feitas por povos africanos locais.
Algumas teorias chegaram a ligar os fenícios (povos navegantes do Oriente) à construção. De
acordo com o que temos discutido até aqui, quais seriam os motivos para os questionamentos
quanto à autoria da construção?

O ouro, portanto, era a base econômica e a sua extração era basicamente para a
exportação. O trabalho com metais, portanto, era considerado uma tarefa de prestígio
e era realizado por famílias especializadas. Eles possuíam técnicas bem avançadas na
prospecção de metais que eram trocados no comércio com os árabes. O trabalho agrícola
também era bastante tradicional, apesar de utilizarem utensílios de ferro como a enxada.
Estes trabalhos, então, eram divididos entre os clãs. O rei, por sua vez, era o topo de toda
organização social e, dada a importância do comércio, os comerciantes possuíam também
muito prestígio (HORTA, 1988. p. 78). O nome Monomotapa, por sua vez, veio do título do
rei Mwana Mutapa. O fim do império se deu com a sua fragmentação.

BUSQUE POR MAIS

• Para saber mais acerca da África pré-histórica, leia o primeiro capítulo


(Pré-história africana) do livro História da África de José Rivair Macedo disponível
em: https://bit.ly/2ZNPYs7
• Para aprofundar na História das civilizações antigas da região do Nilo, leia
o Volume II do História Geral da África: https://bit.ly/3jylUZp
• Para conhecer mais acerca dos diversos reinos e impérios do Sudão Oci-
dental, leia o volume III da História Geral da África disponível em: https://bit.
ly/2BhjJb4
• Vídeo-documentário feito pelo historiador José Rivair Macedo acerca da
viagem de Ibn Battuta e a organização dos Estados da África Ocidental no perío-
do. Vídeo conta com diversos e importantes africanistas: https://bit.ly/2OJAa35

39
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Professor de História/RN - adaptada)


Entre os séculos VIII e XVII, a África ao sul do deserto do Saara era habitada por vários povos
negro‐africanos, cada um com seu jeito próprio de ser. Alguns desses povos construíram
impérios e reinos prósperos e organizados, como o Império do Mali e o Reino do Congo. Há
poucos documentos escritos sobre o Mali; os vestígios arqueológicos (vasos, potes, panelas,
restos de alimentos e de fogueiras) também são reduzidos. Dentro do contexto da história
africana e de alguns impérios como o Mali, conferia‐se a importância notável aos griots,
que:
a) representavam o grupo majoritário na sociedade, pois, como guerreiros, cuidavam
da segurança e das estratégias de guerra.
b) eram os líderes religiosos, que baseados em conhecimentos ancestrais, ainda
mantêm intacta a religião de seus antepassados.
c) eram os indivíduos que tinham o compromisso de preservar e transmitir histórias,
fatos históricos, os conhecimentos e as canções de seu povo.
d) detinham o poder entre as mais variadas tribos por serem os únicos proprietários de
terras, responsáveis por distribuir o trabalho e a produção.
e) faziam parte do grupo minoritário que cuidavam das transações comerciais,
especialmente do comércio de ouro.

2. (UECE) O Reino de Kush foi o berço onde se desenvolveram importantes civilizações


e culturas. Teve um papel determinante como elo cultural entre diferentes povos do
Mediterrâneo e aqueles da África subsaariana. Entre suas características destaca-se o modo
como o rei era eleito e o papel da mulher na política. Assinale a afirmação verdadeira:

a) O Reino de Kush foi o lendário rival da antiga Núbia africana.


b) A história de Kush está estreitamente ligada à história do Egito.
c) O Reino de Kush não consta nos relatos de Heródoto sobre a África.
d) A economia cuxita foi precária devido à pobreza do solo e à escassez de água.
e) Os cuxitas não tiveram nenhuma influência na história africana.

3. (Professor de História/IF-PB)
“Antes do século XV, de acordo com o geógrafo grego Ptolomeu, o mundo consistia em
Mediterrâneo oriental, parte da Europa meridional e segmentos do litoral da África do
norte, ao sul do qual jazia um abismo sem fim, um inferno que ninguém ousava penetrar.
Esse limitado conceito descritivo do mundo e de seu inferno adjacente, semelhante àquele
exposto na Bíblia, tornaria-se a imagem convencional da África. Entretanto, seria impossível
negar que existiam diversas civilizações que o mundo pretensamente consciente, isto é, a
Europa ocidental, ignorava absolutamente.” (HAMENOO, 2008. p. 109-110).
Assim, entre os antigos povos, impérios ou civilizações africanas que os europeus
desconheciam completamente até o século XV, encontra-se:

40
a) a Civilização Egípcia.
b) o Império de Kush.
c) o Império de Songai.
d) o Povo Etíope.
e) o Povo Berbere.

4. (Professor de História/IF-PB)
Considerados os povos mais antigos do continente africano, viviam de forma nômade, com
a economia baseada no comércio, principalmente de tecidos, alimentos, sal, artesanato e
joias. Usavam muito o camelo como meio de transporte de mercadorias, graças à resistência
deste animal e de sua adaptação à vida no deserto. Durante as viagens, levavam e traziam
informações e aspectos culturais. Logo, eles foram de extrema importância para a troca
cultural que ocorreu no norte da África.
O texto acima descreve as características culturais de qual dos seguintes povos africanos
no mundo antigo?

a) Os Bantos.
b) Os Berberes.
c) Os Egípcios.
d) Os Núbios.
e) Os Songais.

5. (Professor de Hitória/PI – adaptado)


Gana destacou-se pelo comércio de um produto que abasteceu as regiões mediterrâneas
africanas e europeias. Esse produto era:

a) Diamantes.
b) Ouro.
c) Cobre.
d) Ferro.
e) Algodão.

41
04
AS SOCIEDADES AFRICANAS E A UNIDADE
ESCRAVIDÃO

42
4.1 INTRODUÇÃO

Os contatos iniciais com a África subsaariana ocorreram em meados dos séculos XV,
no alvorecer da expansão marítima portuguesa e espanhola. Ao desembarcar na África, os
europeus depararam-se com diversas formações sociais cujas estruturas acabaram sendo
transformadas em função das novas relações que foram estabelecidas e também por
questões internas. Muito se conhece acerca do papel europeu em todo esse processo, mas
e o africano? Nesta unidade, conheceremos melhor aspectos dessas sociedades africanas
à luz dos contatos com europeus e do comércio atlântico de escravos que deles resultou.

4.2 AS ESTRUTURAS SOCIAIS AFRICANAS


Quando os europeus desembargaram na África, os grupos africanos dispunham,
como já visto, de modelos sociais diversificados. Variavam desde sociedades simples,
organizadas em chefaturas, até sociedades mais complexas que ganharam o título de
reinos e impérios pelos europeus.

4.2.1 Senegal e Golfo da Guiné

Conforme analisa José Rivair Macedo, no território do atual Senegal, desde o século
XV, a hegemonia política era partilhada e, por vezes disputada, por unidades políticas
desmembradas de um Estado conhecido como Grão Jolof – constituído por populações
que falavam a língua wolof. A partir do desmembramento desse Estado teriam surgido
diversos outros “reinos” como de Kaior, Waloo e Sine, que reproduziam a estrutura social
da hierarquia já existente na época do Grão Jalofo. (MACEDO, 2013. p. 72).
Já no golfo da Guiné, contrariamente à descentralização do poder da região do
Senegal, desenvolveram-se instituições monárquicas mais centralizadas entre os povos de
língua iorubá que ocuparam o sudeste da Nigéria, Benim e Togo. Vários grupos podem ser
citados nessa comunidade: edo, ibo, fon, evhé, entre outros.
Na comunidade iorubá, o reino do Benin (não confundir com o atual país Benim,
antes chamado de Daomé), por volta do século XV, encontra-se em pleno processo de
expansão. Há relatos portugueses dos contatos estabelecidos com Evaré, o Grande, o obá
(governante do Benim) em exercício. O comércio que se estabeleceu entre ambos contava
com armas, pimentas, vestimentas, marfim e, principalmente, escravos. Como veremos, os
povos africanos participaram ativamente do comércio de escravos e possuíam a instituição
(diferente daquela observada no Brasil) em diversas sociedades. O obá Esigi, que sucedeu
Evaré, era ainda mais interessado nas mercadorias europeias, especialmente armas, e
embora não tenha se convertido ao Catolicismo, permitiu que se construísse Igrejas e que
missionários pregassem na região (SILVA, 2008. p. 106).

43
Vizinho do Benim, Daomé era um reino fon que incluía os reinos de Alada, Ajudá e Popó que
se ligaram em função do comércio de escravos e estavam submetidos à influência de Oió
– outro reino vizinho. O reino do Daomé durou até o século XX, quando foi incorporado às
colônias francesas da África Ocidental. Outro reino iorubano estabelecido nas proximidades
do Daomé, o Oió, organizava-se por meio de uma confederação de cidade com destaque
para Ifé, considerada a fonte mística do poder. A cidade era o centro do mundo espiritual e
o local de consagração dos governantes, conforme aponta Macedo (2013). Os governantes
tinham o título de Alafin e conseguiram expandir seu território mantendo sob seus
domínios, inclusive, o Daomé. Apesar de ter se mantido fora da influência europeia, o fato
de ter o comércio de escravos como base econômica foi responsável por sua decadência
no século XIX, e depois passou a ser controlado pelos britânicos.
Na Costa do Ouro, nos atuais países de Gana e Togo, ganhou forma um dos Estados
de maior projeção dos séculos XVIII e XIX, a chamada Confederação Achanti. Segundo as
tradições orais, em meio a líderes, um sacerdote local teria feito descer dos céus um assento
de ouro (sikadwa) aos joelhos de Osei Tutu, que foi muito hábil em fazer alianças políticas
e matrimoniais. O acontecimento, então, passou a simbolizar o início da Confederação
(MACEDO, 2013. p. 79).
Apesar de inicialmente os achantis não terem muita projeção política e econômica,
suas conquistas militares e sua burocracia palaciana os transformaram em uma das
formações mais poderosas da África, com um exército fixo e disciplinado. Por volta do
século XIX, os achantis dominavam quarenta povos entre o interior da floresta e a costa.
Para manter a integração, ainda criaram uma rede de comunicação que tinha como capital,
Kumasi. Assim como os demais reinos acima mencionados, a principal base econômica era
o comércio de escravizados, apesar de também se beneficiarem da agricultura, extração
de noz-de-cola e ouro.
Com o tempo, os achantis foram deixando de ser uma confederação e passaram
por uma centralização de poder na figura do achantithene (principal chefe do governo)
e passaram a reproduzir de forma ampliada as estruturas tradicionais das monarquias
africanas (MACEDO, 2013. p. 80).
A importância e riqueza achanti afetaram os interesses holandeses e ingleses na
região, que, no século XVIII, aliaram-se a povos não controlados pela confederação. Depois
de muitos conflitos com a vitória achanti e no final do século XIX, a capital Kumasi foi
saqueada e incendiada e os achantis foram obrigados a renunciar a qualquer direito sobre
a região e proibidos de promover o tráfico de escravos.

4.2.2 Congo e Angola

Na África Central, na área que corresponde às atuais República Democrática do


Congo, República Popular do Congo e República de Angola, importantes formações sociais
e estatais também desempenharam importante posição no contato com os europeus. A
começar pelo Reino do Congo, de acordo com Jan Vansina, ele teria tido sua origem na
chefiatura vungu. A princípio, um conglomerado de chefias e pequenos reinos cobriam
toda região. Nimi Lukeni fundou a capital Mbanza Kongo na localização atual de São
Salvador e por meio de alianças foi expandindo sua esfera de influência. A data precisa
dessa formação não é conhecida, mas alguns historiadores costumam datá-la do século IX,

44
enquanto outros apontam para o século XIII (VANSINA, In: OGOT, 2010. p. 650).
Em termos de divisão territorial, costuma-se dividir o reino do Congo em seis províncias:
Mpemba, Soyo, Mbamba, Nsundi, Mbata e Mpango. Além das províncias, sob seus domínios
também tinha os Estados independentes: Ndongo, Matamba, Loango, Ngoyo, Dembe,
Cakongo entre outros. As cidades eram chamadas de mbanza, cujos chefes eram os sobas,
e as aldeias de lubata, cujos chefes eram chamados de nkuluntus. Apesar desses poderes
locais, o Congo era um reino altamente centralizado na figura do manicongo (senhores do
Congo) e tinha sob sua autoridade diversos chefes locais conquistados por meio de guerras
e alianças. O centro de poder localizava-se na cidade de Mbanza Kongo. O manicongo
podia demitir governadores e outros funcionários de acordo com seus interesses. Também
cabia a ele a emissão da moeda local – nzimbu. Militarmente, o reino contava com uma
guarda real, única força permanente, mas em tempos de guerra, havia o recrutamento de
camponeses.
Após os primeiros contatos estabelecidos com o navegador português Diogo Cão,
no século XV, rapidamente os congoleses se aproximaram dos portugueses. Em 1491, o
manicongo Nzinga Nkuwu recebeu o batismo e se converteu ao Cristianismo. Com
Afonso I, no século XVI, o reino abriu-se aos interesses portugueses, o que acarretou uma
reorganização política e econômica. Este rei tornou o Catolicismo a religião oficial do
Estado e quis controlar o tráfico de escravizados antes de aboli-lo em 1526. Com os recursos
obtidos do comércio de escravizados e marfim, buscou trazer para seu reino técnicos e
missionários portugueses. Como consequência dessas transformações, aumentou-se a
desigualdade social e a presença de portugueses na região.
Portugal interessou-se cada vez mais pelas riquezas mineiras que acreditavam
existir naquelas paragens e quis dominá-lo. O rei do Congo, por sua vez, buscava conservar
seu poder frente aos interesses portugueses. Os diferentes reis que sucederam o trono
buscaram frear a exploração portuguesa e receberam, na contramão, um embargo nas
vendas de navios portugueses. Com o passar do tempo, o Reino do Congo foi perdendo
a sua hegemonia e importância local especialmente em relação ao Ndongo, que, por sua
vez, fortalecia-se graças ao tráfico clandestino de cativos (VANSINA, 2010).
Ao sul Congo, no século XV, formou-se o Ndongo que era habitado por mbundus
(povo de origem banta), falantes do kimbundu. A principal autoridade recebia o título
de Ngola (de onde veio o termo Angola do atual país) que seguia a sucessão matrilinear.
Diferentemente do Congo, o poder do Ngola era limitado pela independência dos diversos
sobas da região. Alguns sobas reconheciam o Ngola somente por seus poderes místicos e
não políticos.
A ocupação portuguesa na região foi iniciada no século XV, não sem grandes tensões
especialmente com a rainha Nzinga Mabnde. A famosa rainha Ginga assumiu o governo
em função da morte do Ngola da época, que era seu irmão, em 1624. Os portugueses
não reconheceram suas pretensões ao trono e travaram com ela muitas batalhas. Nesse
contexto, os portugueses chegaram a nomear um rei fantoche, o Ngola Ari, para assumir
o poder e manter a lealdade do reino aos portugueses. Isolada, Nzinga se refugia em
Matamba, onde conseguiu apoio dos jagas (povo nômade e guerreiro da região) que
reconheceu sua soberania local.

45
Mais tarde, com a presença holandesa em Luanda, Nzinga viu mais uma oportunidade
de resistir e com sua ajuda, a Companhia das Índias Orientais consegue dominar Luanda.
Logo, os portugueses derrotam suas forças e Angola foi definitivamente conquistada pelos
portugueses. Em 1659, Nzinga assina um tratado de paz com Portugal e a dona Ana, nome
cristão que recebeu com sua conversão, governa até seus 80 anos. Após sua morte, muitos
de seus soldados são enviados escravizados ao Brasil colônia.

4.3 A ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA E O CONTATO


COM OS EUROPEUS

Como vimos, muitas sociedades africanas participaram ativamente do comércio


de escravizados. Alguns reinos e impérios fizeram deste comércio sua principal base
econômica. Para eles, a “escravidão” não era uma realidade distante ou inimaginável, muitas
dessas sociedades já possuíam, inclusive, escravos em seus meios. Conforme ressalta John
Fage, a escravidão e o comércio de escravizados já era uma prática bem estrutura na África
antes mesmo da chegada dos europeus:

A escravidão era amplamente difundida na África, e seu cresci-


mento e desenvolvimento foi muito independente do comér-
cio atlântico, exceto que, à medida que esse comércio estimu-
lou o comércio interno e seus desdobramentos, ele também
ocasionou uma escravização mais intensa. (THORNTON, 2004,
p. 124).

Conforme estudamos na unidade anterior, o deserto do Saara, apesar da sua aridez,


possuía diversificadas rotas comerciais que envolviam, entre outros produtos, escravizados.
Desde o acesso árabe, pelo menos, à África subsaariana, o comércio de escravizados cresceu
consideravelmente e passou a desempenhar um importante papel nessas sociedades. A
escravidão para os muçulmanos era uma ação legítima contra aqueles que não aceitavam
a conversão. Nos impérios islamizados, os escravizados eram usados em funções militares
e mesmo no governo, como concubinas, nas plantações, entre diversas outras funções.
No século XV, mais precisamente nas décadas de 1430 e 1440, as primeiras caravelas
portuguesas alcançaram a costa ocidental da África pelo oceano Atlântico, chegando ao
rio Senegal em 1445. Ao fazê-lo, abriram uma rota alternativa às transaarianas. Com os
europeus, o tráfico atlântico europeu, a escravidão (que já existia no continente e que já
havia sido impulsionada pelos mercadores árabes) intensificou-se. Conforme o pesquisador
Paul Lovejoy, em um período de 350 anos, teriam saído da África com destino à América
quase 8 milhões de indivíduos. Considerando seu início, 1450, o total estimado seria maior,
de 11 milhões. (LOVEJOY, 2002).

46
BUSQUE POR MAIS
• O historiador e diplomata brasileiro Alberto da Costa e Silva é um reconhecido
especialista em cultura e história da África. Ao longo da sua carreira escreveu impor-
tantes livros acerca da História da África antes e depois da chegada dos europeus
como A enxada e a lança (1992), A manilha e o libambo (2002), Um rio chamado
Atlântico (2003) e Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004). Para que se
possa aprofundar na questão da escravidão na África, segue um vídeo desse impor-
tante historiador: https://bit.ly/2ZKgVN4
• João José Reis é um importante historiador brasileiro, professor da Universida-
de Federal da Bahia, considerado uma referência mundial para o estudo da história
e da escravidão na África e no Brasil. No vídeo “Nossa história começa na África”, o
historiador dá uma pequena aula acerca da escravidão moderna: https://bit.ly/3jn-
2ZR0
• Para saber mais acerca da conversão do Reino do Congo, leia o artigo dos his-
toriadores Ronaldo Vainfas e Marina de Mello e Souza: Catolização e poder no tempo
do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos
XV-XVIII. Disponível em: https://bit.ly/3hhtNQE

Vale ressaltar de antemão, conforme analisaremos melhor a seguir, que o que se


chama escravidão na África é uma variada forma de submissão e obediência, que aos
olhos dos europeus ganharam a terminologia supracitada. Ou seja, o que se verificava nas
sociedades africanas não era semelhante à escravidão instituída pelos europeus aqui na
América.

FIQUE ATENTO
Escravidão tal como verificada nas colônias americanas pode ser definida como uma forma
de exploração na qual um ser humano é considerado um objeto de propriedade, alienável
e submetido ao seu senhor, sem direitos políticos e que pode ser destinado a qualquer tipo
de trabalho e ainda ser punido à vontade de seu senhor. Contudo, na história temos teste-
munhos da presença da escravidão na vida social de diferentes povos desde a Antiguidade.
Em uma análise mais detida nos diferentes tipos de “escravidão” constata-se que nem sem-
pre escravo é reduzido a status de mercadoria, tal como se verifica na escravidão moderna
(Atlântica) apesar de ser aquele tipo de trabalhador que não teria os meios produtivos e nem
o controle de seu próprio esforço. Escravidão, nesse sentido, é um termo que unifica um pro-
cesso mais complexo e variado.

47
De maneira geral, no pensamento ocidental moderno, escravidão é uma forma
de exploração e os escravos eram geralmente tratados como uma propriedade privada.
Escravidão, nesse sentido, seria a antítese de liberdade. Já para as sociedade africanas, a
relação estabelecida era vinculada mais ao pertencimento. Assim, para alguém se tornar
escravo, na prática, era necessário que perdesse seu lugar na linhagem (também chamada
escravidão doméstica ou de parentesco), conforme analisam alguns historiadores. As
pessoas, portanto, eram transformadas em escravos por punição a algum crime ou por
dívida.
O que está no cerne dessa questão é que para os europeus a acumulação de riquezas
e poder estava ligada à posse das terras, e nas sociedades africanas o poder de um soberano
africano estava ligado à quantidade de dependentes que ele possuía sob seu domínio:
A escravidão era difundida na África atlântica porque os
escravos eram a única forma de propriedade privada que
produzia rendimentos reconhecida nas leis africanas. Em
contraste, nos sistemas legais europeus a terra era a prin-
cipal forma de propriedade privada lucrativa, e a escravi-
dão ocupava uma posição relativamente inferior (THOR-
NTON , 2004. p. 125).

Contudo, os escravizados nas sociedades africanas não recebiam um tratamento


diferente dos camponeses agrícolas na Europa. Essa situação, por sua vez, deu origem
à ideia de que eram mais bem tratados do que seu correlato nas Américas. Além disso,
muitos escravizados na África poderiam ser empregados como administradores, soldados
e mesmo conselheiros reais, usufruindo de liberdade e prestígio social - algo impensável
nos termos da escravidão verificada nas colônias americanas.
No Congo, o termo utilizado para designar os cativos era nleke, também designativo
de criação – o que sugere a posição desse grupo no seio familiar. No reino senegalês de Caior,
no século XVII, os cativos do governante eram chamados ceddo ou tyeddo e participavam
do Conselho dos Anciãos. Além disso, em diversas sociedades tradicionais africanas, os
cativos podiam estabelecer relações com indivíduos livres e seus descendentes tornavam-
se membros integrais, adquirindo ou herdando bens como qualquer outro.
Conforme ressalta José Rivair Macedo, os servidores pessoais de grupos importantes
podiam tornar-se comerciantes bem sucedidos e funcionários da corte (MACEDO, 2013).
Contudo, isso não significa que os escravizados nunca recebessem trabalhos árduos,
perigosos e degradantes. A diferença é que não eram trabalhos exclusivos dos escravizados,
poderiam ser feitos por um trabalhador livre.
As razões pelas quais as pessoas eram escravizadas na África pré-colonial variavam de
sociedade para sociedade. Um afastamento por decisão em função de um delito transformaria
o indivíduo em um “estrangeiro” e como “estrangeiro” poderia ser comercializado e teria
que estabelecer novos laços de parentesco com outro grupo. A sobrevivência também era
um importante fator, muitas pessoas livres aceitavam a escravização em troca de comida
para a sua comunidade, por exemplo. Entretanto, a principal fonte de cativos, de fato, era a
guerra.

48
4.4 O IMPACTO DO TRÁFICO DE ESCRAVOS
E DA ESCRAVIDÃO ATLÂNTICA

Apesar da escravidão já existir na África antes da chegada dos europeus, a partir


desse contato ela assumiu outro significado para as sociedades africanas. A partir de então,
o cativo tornou-se uma espécie de “mercadoria”, cujo valor podia oscilar de acordo com a
lei da oferta e da procura. Essa escravidão foi a mão de obra base das grandes plantações
no Novo Mundo. Quais seriam as consequências desse comércio internacional de cativos
para a África?
Muitos historiadores debateram acerca dessa polêmica questão. Alguns historiadores
como John Fage defenderam que, em termos demográficos, o comércio não teria resultado
em um desastre tal como analisado por Walter Rodney (que, inclusive, sugere ser um dos
fatores para o subdesenvolvimento dos países africanos). De acordo com Fage, não se
pode afirmar, por exemplo, que o tráfico teria causado o despovoamento de regiões na
África – o que foi fortemente contestado pelo pesquisador Patrick Manning. A partir de sua
análise quantitativa, Manning defendeu que as exportações levaram a uma forte redução
populacional em algumas regiões e ainda causou transformações na estrutura familiar e
na composição etária e de gênero das sociedades.
Ao contrário, as análises do historiador estadunidense John Thornton, por sua vez, na
posse de censos portugueses acerca de regiões africanas, fortalecem a posição de Fage.
O historiador estadunidense desenvolve o argumento de que o impacto não teria sido
tão danoso, uma vez que as sociedades africanas possuíam uma grande capacidade de
reprodução devido à poligamia comum a várias delas. Thornton vai além ao enfatizar que
nem em termos econômicos se pode afirmar um impacto prejudicial, já que a escravidão
era bastante difundida em todo o continente e os africanos participaram ativamente e por
iniciativa própria. Em suma, para o historiador, a África não teria se modificado em função
do comércio, apenas satisfeito às demandas externas. Além disso, segundo ele, o impacto
demográfico foi importante, porém, local e difícil de dissociar das perdas em razão das
lutas e guerras internas e do comércio interno de escravizados (THORNTON, 2004).
Paul Lovejoy, na contramão de Thornton e diferentemente do que afirmava Walter
Rodney, analisa as consequências demográficas sem, contudo, estabelecer uma relação
entre elas e o subdesenvolvimento dos países africanos. Segundo ele, as estruturas
sociais foram alteradas bem como a economia. Tudo isso contribuiu para transformar
consistentemente as sociedades africanas. Como se pode observar essa é uma discussão
muito complexa, as consequências do contato com os europeus e do comércio atlântico
para as sociedades africanas estão longe de um consenso entre os pesquisadores.
No entanto, não há como contestar que em análise locais é possível constatar que
transformações importantes ocorreram. A própria captura dos escravizados se modificou,
ficando disseminada a prática de ataques a vilarejos e raptos de pessoas para abastecimento
de mercado externo. A estrutura política dos Estados também se modificou, como
estudamos no item anterior, muitos Estados (como o Daomé e os Ashantis) passaram a
estabelecer no comércio de escravizados a base de sua economia. Como consequência,

49
grupos sociais ascenderam socialmente com o papel de capturar e comercializar cativos. No
século XVIII, surgiu um grupo influente de intermediários que se estabeleceram na região
dos reinos do Benin e Daomé chamados “brasileiros”. Eram mestiços “luso-brasileiros” e
até mesmo libertos que retornavam à África e lançavam-se como negociantes junto aos
governantes africanos. Um nome de grande projeção desse grupo é do baiano Francisco
Félix de Souza (1754-1849), ou simplesmente Chachá.

BUSQUE POR MAIS


Para saber mais sobre esse importante mercador brasileiro em terras africanas,
leia o artigo do diplomata Alberto da Costa e Silva: https://bit.ly/2E56fQW

Quanto à proveniência dos cativos, conforme analisa Macedo, houve variações ao


longo dos séculos. Em princípio, São Tomé exerceu um papel importante no comércio entre
África e América. Outra região frequentada desde os fins do século XV foi São Jorge da Mina,
onde foi construída uma fortaleza transformando a região em um dos principais polos
comerciais da época. O Golfo da Guiné, nesse sentido, foi a principal área de fornecimento
de cativos nesses primeiros tempos. As exportações giravam em torno de 1.200 a 2.500
cativos por ano (MACEDO, 2013. p. 106).
A África Central, por sua vez, tornou-se proeminente ao longo do século XVII, de
onde partiram cerca de 3 mil a 7 mil escravizados anuais. Neste período, surgiram grupos
especializados em capturar e transportar os cativos para o litoral, os “pombeiros”. Este
tráfico serviu aos interesses dos mercadores de São Tomé, e só depois aos mercadores
portugueses, que iriam revendê-los ao Brasil durante os primeiros tempos da colonização.
Essa importância dos santomenses e o seu desejo de comercializar sem a interferência
da Coroa Portuguesa gerou vários conflitos políticos e econômicos. No século XVI, os
comerciantes da ilha acabaram perdendo o direito de comercializar livremente com o
Congo, e Portugal assumiu as trocas com as terras do Manicongo. Estes comerciantes
migraram, então, para Angola e foram proibidos, em 1548, também de comercializar na
região.
No século XVIII, o golfo da Guiné voltou a sediar os principais centros de fornecimento
de cativos, embora os portos de Angola e até mesmo de Moçambique continuassem a ser
frequentados por mercadores. Já nessa época, o número de cativos oscilava entre 30 mil e
50 mil de ambos os sexos. Entre 1751-1800, foram comercializados 3.780.000, e entre 1801-
1870, cerca de 3.270.000 (MACEDO, 2013.p. 107).
Nesse longo processo, o monopólio português foi constantemente contestado
por outras potências europeias, que reclamavam sua parte nesse lucrativo comércio. Os
franceses, no século XVII, instalaram-se em uma ilha na foz do rio Senegal, construíram
um forte e passaram a controlar o comércio na região. Mais abaixo, ingleses, holandeses,
suecos e dinamarqueses passaram a disputar a posse da Costa do Ouro. Entre os principais
fortes da região destacavam-se: Acra, Arguim e Axim. Companhias foram sendo criadas
para regulamentar e controlar esse comércio.

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Após o trânsito pela África, os escravizados eram alojados em navios negreiros.
Separados nas embarcações, eles seriam selecionados e revendidos ao longo da costa
americana, para serem reinseridos na condição de escravos nas colônias europeias no
Novo Mundo. É preciso lembrar que a história do continente africano é muito mais do que
escravidão e comércio de escravizados. Esta foi uma instituição importante na história das
sociedades africanas, mas o continente não se resume a um grande mercado de cativos.
A África possuía sociedades com organizações políticas, econômicas, sociais e culturais
bem estruturadas e diversas antes da fundamentação do comércio internacional de
escravizados.

VAMOS PENSAR?
Escravidão é um tema recorrente nos manuais de história do Brasil, uma vez que em nosso
país esse tipo de exploração da força de trabalho foi utilizada por séculos. Você sabia acerca
da participação africana nesse processo? Reflita sobre o papel desempenhado pelos reinos
africanos nesse comércio tal como aprendido na unidade e na forma como sempre se pensou
o papel deles anteriormente. Quais diferenças você pode elencar?

51
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Professor de História/PM-MG - adaptado)


Leia o texto abaixo.
No Rio de Janeiro do século XIX, a concentração de negros estendia-se desde o mal-
afamado Valongo até a “cidade nova sobre o mangue”. Heitor dos Prazeres, um dos frutos
mais ilustres daquela região, a ela se referiu como “pequena África”. Tal expressão foi
tomada pela historiografia para identificar exatamente a unidade social e cultural afro-
brasileira que se percebe nesses distritos e em muitos outros redutos semelhantes Brasil
afora (SILVA, 1997).
A análise desse texto permite afirmar que o estudo da África, dos africanos e de seus
descendentes no Brasil:

a) dificulta a compreensão da diversidade de povos que formaram o Brasil e os


brasileiros.
b) valoriza a abordagem tradicional da História, centrada no estudo das sociedades
europeias.
c) impede a plena compreensão do tráfico negreiro e da escravidão no Brasil.
d) auxilia na construção de outra memória histórica, destacando a importância dos
africanos e afrodescendentes na história do Brasil.
e) demonstra que os africanos pouco contribuíram para a história do Brasil de maneira
geral.

2. Acerca da África e dos povos africanos no contexto do tráfico atlântico, leia as


preposições:

I - Os vários povos de origem africana que desembarcaram na América nessa época


não possuíam a noção de que eram “africanos”, uma vez que essa identidade se forjaria
principalmente durante o processo de independência ocorrido no século XX, sobretudo no
pós-Segunda Guerra Mundial.
II - Quando foram feitos os primeiros contatos com europeus em Estados nacionais
organizados, grande parte da África estava integrada à civilização islâmica, sobretudo no
leste e sul do continente.
III - Grande parte da mão de obra africana obtida pelos portugueses na costa da Guiné
pertencia à etnia angola.
IV- Os grupos étnicos africanos participaram ativamente do mercado de escravizados na
África e, inclusive, Estados africanos enriqueceram em função do comércio.

Estão corretas:
a) I e IV.
b) II e IV.
c) I e II.
d) I, II e IV.
e) II e IV.

52
3. A Baía do Benim recebeu a alcunha de “Costa dos Escravos”. Tal expressão se deve ao
fato de:
a) Todo africano da região era considerado um escravo natural.
b) Os grupos africanos locais terem escravizados outros grupos africanos para abastecer
o comércio de escravos.
c) A região ter desempenhado importante papel no fornecimento de cativos
comercializados através do Atlântico.
d) Ser frequente as guerras na região com o intuito de adquirir escravos para o comércio
asiático.
e) A região ser a mais próxima da Europa e ser, portanto, a preferida dos europeus para
estabelecer contato e comércio de escravizados.

4. “Na região africana do Benin, a identidade brasileira é visível em diversos segmentos,


sobretudo, na culinária: com a feijoada, que antes de se transformar em uma iguaria
nacional era um prato característico da senzala; ou com o kosidou, a mandioca ou o
milho que fazem parte da dieta local. A relação cultural entre os dois países pode ser vista
também nas festas populares, com a comemoração de Nosso Senhor do Bonfim; ou com o
folguedo da burrinha, que segundo alguns estudiosos muito se parece com os festejos do
boi” (Reportagem: Influências brasileiras caracterizam a rotina dos moradores do Benin).

A influência africana na cultura brasileira se fez muito forte em função do tráfico de


escravizados que trouxe forçadamente muitos africanos para o Brasil. Contudo, o que
historicamente explicaria tanta influência brasileira na cultura africana, especificamente
do Benin, conforme ressalta a reportagem é a figura dos:
a) Portugueses que viviam entre as duas regiões.
b) Retornados, pessoas que após a liberdade conseguiram retornar à África.
c) Europeus que colonizaram tanto o Brasil quanto regiões africanas.
d) Brasileiros que faziam turismo pelas colônias africanas.
e) Mercadores brasileiros que viviam na África.

5. Foram Estados africanos que participaram ativamente do tráfico transatlântico de


escravos:
a) Kush e Gana.
b) Axum e Daomé.
c) Daomé e Congo.
d) Angola e Kush.
e) Songai e Egito.

53
05
ÁFRICA CONTEPORÂNEA UNIDADE

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5.1 INTRODUÇÃO

De acordo com o historiador Eric Hobsbawm, o fato maior do século XIX foi a criação de
uma economia global única, que atingiu as partes mais distantes do globo. Regiões antes
remotas, integraram a economia europeia. A burguesia industrial em ascendência via na
África um eldorado de matérias-primas. Neste período, chamado por Hobsbwam “Era dos
Impérios”, verificou-se uma acirrada competição entre as grandes potências europeias (os
chamados impérios) que desembocaram na repartição da África, dentro de um processo
que ficou conhecido como Imperialismo, que gerou consequências incontornáveis para os
futuros países que se formaram no processo de independência posteriormente observado.
Vejamos mais sobre isso.

5.2 A PARTILHA DA ÁFRICA (1880-1914): INTERPRETAÇÕES

Como vimos nas unidades anteriores, o tráfico moderno de escravizados foi


responsável por diversas consequências para os Estados europeus e africanos. Com a sua
intensidade diminuída e com o desenvolvimento do que Hobsbawm chamau “Era dos
Impérios”, as regiões africanas sofreram um processo de “roedura” em decorrência de uma
expansão europeia mais acentuada em seus territórios.
Até 1880, o controle político efetivo na África era muito reduzido, limitado a algumas
feitorias portuguesas no litoral, especialmente na costa ocidental. No século XIX, entretanto,
o continente africano começou a ser visto pela burguesia industrial europeia, que ganhava
projeção social, como uma região rica de matérias-primas e recursos naturais. Os mercados
europeus se encontravam saturados e não davam mais vazão aos produtos das indústrias
nascentes com as revoluções industriais. A Grã-Bretanha, precursora da primeira Revolução
Industrial, já havia atingido um estágio de desenvolvimento e passava, então, para uma
etapa em que necessitava expandir o seu mercado.
A presença europeia na África foi se organizando. A princípio, com os exploradores
e também pelos missionários de diversas religiões de base Cristã e de diversos países, que
em nome da conversão ao Cristianismo, acabavam por expandir a esfera de influência e
primazia dos interesses europeus e da cultura ocidental. Toda essa situação foi justificada
pelo racismo, que no século XIX, ganhou contornos científicos. É nesse período que nasce
o darwinismo social, que aplicou as teorias de seleção natural do inglês Charles Darwin na
sociedade humana. O darwinismo social considera que os seres humanos são, por natureza,
desiguais e dotados de aptidões inatas, algumas superiores e outras inferiores. Ligado ao
darwinismo social, nasce o racismo científico, a partir do qual a ideia de raça subdividiu a
espécie humana em superiores (arianos) e inferiores (judeus, negros etc.). É nesse ínterim
que nasce também a eugenia, teoria que procurava melhorar a humanidade por meio da
esterilização das raças “inferiores”.

55
FIQUE ATENTO
Charles Darwin: em 1859, Charles Darwin lança a sua obra sobre a origem das espécies por
meio da seleção natural. Entre as ideias de Darwin destaca-se a crença em um mundo vivo
e mutável, cujo principal motor de mudança seria a seleção natural. Vale ressaltar que o da-
rwinismo social é uma releitura das teorias de Darwin proposta por outros cientistas.

A convergência de interesses políticos e econômicos de diversos Estados europeus


sob territórios africanos impunha negociações diplomáticas capazes de arbitrar todos
os conflitos gerados entre os países europeus. Portugal teria proposto a convocação de
uma conferência interna para resolver disputas territoriais na África Central – sua esfera de
influência e interesse.
Todo esse processo culminou na Conferência de Berlim (1884) que oficializou a
partilha da África entre os interessados países europeus. De acordo com Leila Hernandez,
teriam sido quatro os principais motivos que levaram à realização dessa conferência. O
primeiro deles refere-se aos interesses do rei Leopoldo II, da Bélgica, em fundar um império
ultramarino. O segundo foi a corrida portuguesa em estabelecer sua soberania sobre os
territórios entre Angola e Moçambique (o chamado mapa cor-de-rosa). O terceiro foi o
expansionismo da política francesa com a Grã-Bretanha no controle do Egito, do Congo e
do Gabão. Por fim, o interesse em torno da livre navegação e do livre comércio nas bacias
do Níger e do Zaire, manifestado principalmente pela Inglaterra (HERNANDEZ, 2005. p. 61).
Foi nessa conferência que a carta geopolítica africana foi traçada, conservando as
fronteiras conhecidas até os tempos atuais. Foi também com essa conferência que se
acelerou a corrida ao continente que acabou por recortar quase todo o espaço explorado e
submetido a um “imperialismo colonial”. A partir de então, o território africano ficou quase
todo sob o domínio europeu, com exceção da Libéria e da Etiópia.
A Libéria teve sua independência proclamada em 1847, como um estatuto específico
de “neocolônia” do Estados Unidos da América. Vale lembrar que a Libéria foi um país
projetado para abrigar escravos libertos norte-americanos, retirando-os da sociedade
norte-americana. Já a Etiópia, uma das civilizações mais antigas da humanidade, com o
exército de Menelik II, derrotou as tropas italianas em 1896, e conseguiu manter-se livre
das possessões europeias. Somente em 1935, os italianos, sob o comando de Mussolini,
conseguiram se introduzir no país.
O sistema colonial que se verificou em função da presença europeia na África, já em
finais do século XIX, contava com quatro mecanismos básicos:

1) os meios de financiamentos (essencial da atividade econômica ficavam centralizados


nas companhias europeias marginalizando os comerciantes locais);
2) o confisco de terras (ignorava-se o valor da terra para as populações locais, que em
muitas tradições simbolicamente viam na terra um elemento que ligava os seres vivos e os
mortos);
3) as formas compulsórias de trabalho;
4) a cobrança de impostos (fixados de maneira arbitrária pela administração colonial).

56
Além desses elementos, poder-se-ia acrescentar ainda uma política de assimilação
na qual se verifica uma iniciativa dos europeus em converter o africano culturalmente
transformando sua organização política, econômica e cultural. É preciso entender, contudo,
que mesmo compartilhando tais conjuntos de mecanismos, os sistemas coloniais na África
variavam de acordo com a intensidade com que eram utilizados dada a diversidade cultural
africana. De todo modo, se há algo em comum que podemos ressaltar é a violência com
que foram marcados.
O termo imperialismo foi utilizado pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra,
ao dar nome a uma política orientada:

[…] para criar uma federação imperial baseada no fortalecimen-


to da unidade dos Estados autônomos do império. Vinte anos
depois, em 1890, no decorrer das discussões sobre a conquista
colonial, integrando a dimensão econômica que permanece
até os dias atuais, passou a fazer parte do vocabulário político e
jornalístico (HERNANDEZ, 2005. p. 71).

Apesar das polêmicas e das contradições relativas ao termo, é importante


compreender que os fenômenos ligados a ele têm em comum o fato de se referirem a uma
expansão dos Estados marcada por uma forte e violenta dominação que se manifesta de
diversas formas. O caso do Congo é bastante emblemático a esse respeito.

5.3 O CASO EMBLEMÁTICO DO CONGO

O Congo, na época, cobiçado pelos europeus em função dos seus recursos naturais e
pelo rio Congo passou a ser domínio da Bélgica. Muito maior do que o país europeu, a sua
exploração enriqueceu consideravelmente o então rei belga, Leopoldo II, que não mediu
esforços ao instaurar uma colonização violenta e exploratória. No seu regime, não havia
mecanismos para conter a violência da colonização e nem para controlar o emprego da
força física. O terror era a marca dessa colonização: aldeias eram incendiadas, massacres
em massa, tortura e mutilações eram recorrentes.
Quando a extração do látex (uma das principais fontes de riqueza existentes na
região) atingiu o auge, a ambição europeia se tornava mais predatória. Diferentemente
do que se observa nas seringueiras da América Latina, a espécie africana requeria maior
tempo para a retirada do látex. A ambição, contudo, não sustentava a espera e os congoleses
eram forçados a um regime desumano. A recusa de um trabalhador, em contrapartida, era
respondida com a dizimação da sua aldeia servindo como exemplo às outras.
A estimativa da perda demográfica da população local em decorrência da política
genocida do rei Leopoldo II, dá-se em torno de 10 milhões de pessoas (apesar de ser impossível
falar com precisão acerca desses números em função da falta de documentação). Não se
pode deixar de mencionar, contudo, as revoltas, fugas e manifestações locais contrárias à
burocracia colonial que eram sempre repreendidas espalhando terror.

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Abandonando as promessas feitas na Conferência de Berlim e diante de escândalos
internacionais que já davam conta das atrocidades cometidas na região, o rei belga
chegou mesmo a proibir a entrada de estrangeiros na região. Relatos das violações de
direitos humanos constantes na colônia fizeram com que a coroa Britânica realizasse uma
investigação. Os resultados foram apresentados em um relatório oficial que narra com
detalhes várias torturas, mutilações, assassinatos e diversos outros abusos cometidos pelo
regime de Leopoldo II.
Em 1910, depois de muita pressão, a administração belga anunciou que substituiria
o trabalho forçado pelo imposto em dinheiro. Todavia, a legislação não foi aplicada e o
trabalho forçado permaneceu por longas décadas (HERNANDEZ, 2005). Nesse momento,
o Congo era gerido pelo governo belga e não pelos interesses privados do rei Leopoldo
II. Contudo, o fato do Congo ser transferido para o domínio do governo belga em nada
modificou o sistema colonial operante pelo antigo rei.
O rei Leopoldo II chegou a ser, inclusive, condenado pelas atrocidades cometidas
no Congo em sua gestão, contudo não foi afastado de seu cargo e nem sofreu qualquer
tipo de perda ou sanção. Antes de morrer, em 1909, recebeu uma compensação pelos seus
“esforços” e a administração belga tratou de destruir vários documentos que relatavam o
regime genocida empreendido pelo rei. Em função disso, muito do terror e da violência
cotidiana sofrida pelos congoleses caíram no esquecimento, sendo aos poucos recuperados
pelos esforços de pesquisadores.
O Congo, por fim, somente conseguirá sua independência em 1960, mudando seu
nome para República do Congo. Sem qualquer estrutura econômica, administrativa, com
um histórico de colonização baseada na exploração e na violência, a história do Congo
independente perpassa golpes de Estado, assassinatos, tratados não cumpridos, guerras
civis financiadas por grandes potências, miséria e exploração.

5.4 A CONQUSTA NA PESPECTIVA AFRICANA

Muitas obras importantes acerca do tema da partilha da África geralmente


empreendem análises que enfatizam o protagonismo europeu, colocando em relevo
os temas da partilha e da conquista. Em muitas delas evidencia-se uma perspectiva
etnocêntrica e racista que apresenta a África como uma região incivilizada e primitiva à
espera da salvação e conversão do civilizado e desenvolvido europeu. Outras diminuíam
o lugar das lutas de resistência na história do imperialismo na África. Qual foi a posição
africana no processo de partilha de seu próprio território?
Do lado africano, diversas análises foram estabelecidas na tentativa de explicar
a partilha da África a partir da perspectiva africana. Elas criticavam as representações
construídas pelos ocidentais no processo e as teorias psicológicas (darwinismo social,
cristianismo evangélico e ativismo social) que surgiram evidenciando as disposições para
o domínio e a exploração a partir da circulação de ideias que enfatizavam a superioridade
e a inferioridade de uma raça em relação a outra. (HERNANDEZ, 2005).
As análises do historiador nigeriano Kenneth Onwuka Dike, feitas em 1956, tiveram
um papel importante nesse quesito por considerar a partilha e a conquista processos
envolvendo civilizações e cultura diferentes. Com o historiador britânico A. G. Hopkins,

58
por sua vez, uma “interpretação africana” mais histórica do tema apresenta-se na medida
em que propõe uma articulação entre componentes externos e internos do continente
africano.
O nigeriano Godfrey Uzoigwe, por sua vez, buscou dar vida ao dinamismo sociopolítico
africano a partir do qual negou que a partilha tenha sido um fenômeno inevitável à África
e evidenciou a desestabilização regional ocasionada em função do estabelecimento de
missionários, de entrepostos comerciais, de colônias e protetorados. Além disso, conferiu
importância crucial à negociação estabelecida entre os europeus e os soberanos africanos.
Havia, segundo ele, os tratados políticos celebrados por representantes de governos
europeus e pelos mandatários africanos, que acabavam abdicando à soberania do território
em troca de proteção de determinada nação europeia (HERNANDEZ, 2005).
Este último caso pode ser observado, por exemplo, na África oriental alemã (atual Tanzânia)
onde os grupos firmaram alianças de proteção contra povos inimigos. Também se
verificaram alianças para soberanos africanos conseguirem manter a obediência de seus
súditos. Em todos esses aspectos, a consequência convergiu para a perda da soberania dos
próprios africanos sob seu território.
Vale ressaltar que não houve uma reação pacífica africana perante o processo
de conquista europeu como se costuma representar. Muitas sociedades, mesmo
descentralizadas, como os ibos e haules, marcaram esse período da história com guerras e
guerrilhas. Contudo, a efetividade da presença europeia foi garantida pelo conhecimento
militar, econômico e geofísico que eles tinham das regiões africanas graças às atividades
dos já mencionados missionários e exploradores (HERNANDEZ, 2005). Dessa forma,
o protagonismo africano pode ser observado na resistência de vários grupos perante a
violenta perda de soberania, independência e liberdade. Contudo, o desenvolvimento
bélico somado a um estratégico conhecimento acerca dos locais garantiram aos europeus
a dominação que se verificou.

5.5 DESCOLONIZAÇÃO E GUERRAS COLONIAIS

Um dos erros comuns ao se analisar o imperialismo na África é a constante menção


a uma suposta falta de resistência africana, ou, pelo menos, a uma falta de resistência
organizada frente à violenta dominação europeia. Tais equívocos não se sustentam e se deve
reconhecer os esforços africanos nas suas lutas contrárias aos processos de dominação e
exploração. Outro equívoco que se pode observar se refere à uniformização das tentativas
de resistências operadas ao longo do continente motivadas por diversos fatores. De acordo
com Leila Hernandez, as principais razões que estiveram diretamente relacionadas com as
revoltas que eclodiram entre os anos de 1880 e 1914 foram as seguintes:

1) Perda da soberania;
2) Quebra da legitimidade;
3) Ideias religiosas;
4) Despropósito de mecanismos econômicos;
5) Repressão cultural.

59
É muito difícil, entretanto, observar qual desses elementos sobressaiu em um dado
movimento. Além disso, muitos deles apresentavam-se, inclusive, de forma articulada. O
importante é compreender que diversas razões entrelaçaram-se para que se eclodissem
as revoltas. Assim, para melhor compreender o significado desses movimentos, vamos
analisar alguns casos específicos. Antes, porém, é importante fazermos uma observação
acerca da seleção dos movimentos. Nos limites estabelecidos nas páginas que se
inserem é impossível uma apreciação de todos os movimentos ocorridos, portanto, serão
selecionados alguns, sempre correndo o risco de desprivilegiar importantes movimentos
para específicas localidades.
Entre os exemplos significativos desses movimentos de resistência podemos citar,
por exemplo, o caso da Argélia em 1830, quando o governo francês, invocando os ataques
piratas nos postos do Mediterrâneo, ocupou o território argelino gerando um movimento
de resistência constante e organizado por parte da população árabe. Esta, zelosa de sua
soberania, não aceitava as políticas e os métodos europeus tal como ocorreu na rebelião
de Mamadou Lamine (1898-1901) no Senegal, em que os soninke rebelaram-se contra a
dominação francesa especialmente por não serem muçulmanos. De acordo com a crença
local, uma revelação divina haveria alertado, proibindo de serem dominados por povos
não-islâmicos (HERNANDEZ, 2005).
Tais exemplos demonstram, em linhas gerais, o significado da soberania para a maior parte
das sociedades africanas que possuía importância além do poder político considerado de
forma restrita. Havia, em muitos casos, uma articulação entre organização política e social
fundada na religiosidade.
Já na África Oriental Alemã (hoje Tanzânia), entre os anos 1905 e 1907, houve um
conflito liderado por Kinjikitile Ngwale, no qual as crenças da religião local foram utilizadas
como meios de revolta contra os 20 anos de colonização alemã, marcados pela crueldade,
exploração e injustiça. Kinjikitile, então, recorreu às suas crenças religiosas atrelando-as
aos princípios tradicionais de unidade e liberdade dos povos da região, unindo em uma
mesma bandeira diversos grupos culturalmente distintos.
Mais próximo do plano econômico, muitos movimentos eclodiram contrários aos
pesados impostos e à perda da terras, como o caso de Serra Leoa, em 1898. Esta rebelião
foi uma reação ao imposto da palhota, mas também contra a perda das terras locais e a
utilização de mão-de-obra de maneira compulsória. O recrutamento para o trabalho de
maneira forçada, além disso, instigou em outras localidades reações diversas como o caso
de Uganda e no Quênia em 1911, que somadas às outras perdas e à imposição da cultura
europeia impulsionaram a população local.
Em termos culturais temos o caso do teatro do velho Império Oió, na Nigéria. Esta
manifestação cultural era muito comum no antigo império e consistia na utilização de
máscaras em funerais dos reis que, segundo a crença, protegeriam a população. Com a
desintegração do império, o teatro se dispersou para o sul, ultrapassando os limites do
Daomé e extinguindo-se no local de origem. Os muçulmanos que dominaram a região
proibiram as manifestações teatrais e, posteriormente, o mesmo aconteceu com a presença
dos missionário cristãos. A partir daí, esse teatro tornou-se uma força de resistência às
culturas islâmica e cristã. No contexto de independência ressurgirá no pós-independência,
na região meridional da Nigéria (HERNANDEZ, 2005).

60
Outro exemplo de grupos que, apesar da tentativa de ocidentalização conseguiram
manter muito de suas crenças e culturas, é o povo zulu da África Meridional e os umbundos
em Angola. De acordo com Hernandez, os ditos movimentos “resultaram de uma grande
experiência histórica compartilhada por colonizadores e colonizados, o que deu origem a
temas complementares, não obstante contrapostos, como o imperialismo ocidental e o
nacionalismo terceiro-mundista”(HERNANDEZ, 2005 p. 175).
Nesse processo, o período de conflitos e exploração ganharam alcances maiores
e mais simbólicos conseguindo mobilizar e articular massas populares. Somado a eles,
as Guerras Mundiais que eclodiram em paralelo acentuaram as demandas opostas por
parte dos europeus e dos africanos. Tanto a Europa quanto a África foram afetadas social
e economicamente pelas Guerras. Muitos europeus foram obrigados a migrar para postos
administrativos na África aumentando a pressão e a exploração nas colônias para que
dessem conta de suprir os déficits que o momento de guerra impunha. Além disso, muitos
africanos foram convocados a lutar no front de batalha nos exércitos europeus, o que
contribuiu para questionar as imposições ideológicas da superioridade racial. Ao retornar,
as experiências e o contato com outras realidades e com as ideias que circulavam na época
(socialismo e comunismo) contribuíram para a organização de uma luta anticolonial.
Nesse momento, a África via surgir em várias localidades uma sociedade mais
urbana onde nascia uma elite cultural (responsáveis pelo movimento pan-africano) crítica
da opressão e da exploração, grupos de estudantes organizados em seções universitárias,
partidos políticos, legais ou não, trabalhadores reunidos em sindicatos e igrejas (cristãs
e muçulmanas) que contestavam o sistema colonial. Todos esses atores contribuíram
de maneira decisiva para a formação de ideal anti-imperialista e nacionalista que foram
fundamentais para sustentar as lutas revolucionárias por liberdades, direitos individuais e
sociais que acarretaram os movimentos de independência.
Apesar de todo esse movimento, o processo de descolonização da África foi tardio e
relativamente controlado pelas potências europeias. O Egito declarou sua independência
da Inglaterra em 1922, a Etiópia rompeu com os italianos em 1941, a Líbia em 1952. Em
Madagáscar, após a população pegar em armas, a França reconheceu a independência em
1947. A Tunísia e o Marrocos colocaram fim ao domínio francês em 1956. Menos violenta, a
oposição na Costa do Ouro, liderada por Kwame Nkrumah, conseguiu a independência da
Inglaterra. Sua estratégia baseou-se na desobediência civil e no protesto pacífico. Em 1956
um novo país surgia com o nome de Gana, em homenagem ao antigo império Gana.
Em 1960, por muitos considerado o “ano africano”, a maioria dos países do continente
tornou-se independente: Camarões, Congo-Brazzaville, Gabão, Chade, República Centro-
africana, Togo, Costa do Marfim, Daomé (Benin), Alto Volta (Burkina Fasso), Níger, Nigéria,
Senegal, Mali, Madagascar, Somália, Mauritânia e Congo-Leopolville. Entre 1961 e 1966 foi
a vez de Serra Leoa, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi, Quênia, Gâmbia, Botsuana e
Lesoto. Na África portuguesa, o sucesso seria estabelecida após a Revolução dos Cravos,
que colocou fim à ditadura de Antônio Salazar, em 1974.
A problemática que se seguiu, entretanto, foi a falta de estrutura e a debilidade
econômica dos recém países face à saída europeia. Vários países tentaram associar-se em
nível continental, mas a inexistência de mínimas condições objetivas dificultou diversas
realizações. Os problemas africanos eram imensos, as fronteias artificiais não davam conta
da diversidade étnica e cultural dos povos, unindo grupos historicamente rivais e separando
outros que mantinham afinidades. As rivalidades, por sua vez, haviam sido instigadas pelos

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colonizadores como forma de controlar a dominação.
Entretanto, não devemos limitar as análises da história dos países africanos a
somente seus problemas internos. A história da África nos mostra que desde as primeiras
independências conquistadas o continente se articulou de maneira a buscar uma inserção
mais justa dos países africanos no cenário internacional, apesar das dificuldades sentidas.
No início da década de 1960, os governantes buscaram criar mecanismos para representá-
los como foi o caso da Organização da Unidade Africana (OUA), que buscou, inclusive,
mediar conflitos locais. A OUA, em 2001, foi substituída pela União Africana, cuja finalidade
é promover a cooperação entre os Estados e sua integração regional, política e econômica.
A realidade, contudo, é que a maioria dos países contrariam os desejos dos líderes
dos movimentos pró-independência. Verificou-se uma sequência de golpes de Estados,
ditaduras (com destaque para a de Uganda sob o domínio de General Idi Amin Dada),
regimes segregacionistas como apartheid o verificado na África do Sul. No século XXI, a
África ainda luta para se reestabelecer e deixar os números negativos da economia mundial
e do desenvolvimento humano. No plano intelectual, os africanos buscam reescrever sua
história apontando seu protagonismo e importância mundial com os movimentos já
mencionados (pan-africanismo e negritude). O reconhecimento de diversos outros países
que contaram com forte influência africana em suas histórias, como o caso dos países do
continente americano, mostram a vitalidade da cultura africana e a sua capacidade de
superação.

VAMOS PENSAR?
Ruanda, país africano centro-oriental, viveu uma guerra civil no início dos anos 1990
que resultou em um genocídio envolvendo os grupos étnicos locais (especialmente
tutsi e hutus). Estima-se que cerca de 70% da população tutsi tenha sido assassinada.
Faça uma pesquisa acerca da história desse conflito e reflita sobre a sua relação com
o neocolonialismo estudado na unidade.

BUSQUE POR MAIS


• Vídeo da professora doutora Leila Hernandez, autora do livro “África na Sala de
Aula” sobre a África contemporânea: https://bit.ly/2BhD0sY
• Artigo sobre a presença portuguesa na África contemporânea e seu interesse em
estabelecer na região entre Angola e Moçambique (representado pelo mapa cor-de-rosa
– representativo das pretensões de Portugal em exercer soberania sobre tais territórios)
https://bit.ly/3jsGGJx
• Capítulo do livro Desvendando a história da África sobre o regime segregacionista
sul-africano (apartheid): https://bit.ly/2WHWj6b
• Capítulo “Descolonização e tempo presente”, do livro de José Rivair Macedo discu-
te sobre o processo de independência dos países africanos de maneira mais detalhada:
https://bit.ly/3hqkOwT

62
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Professor de História / Prefeitura de Congonhas 2010)
…Nós conquistamos a África pelas armas… temos direito de nos glorificarmos, pois após
ter destruído a pirataria no Mediterrâneo, cuja existência no século XIX é uma vergonha
para a Europa inteira, agora temos outra missão não menos meritória, de fazer penetrar a
civilização num continente que ficou para trás…
A partir da citação anterior, analise as afirmativas.

I. Os europeus em geral classificavam os povos que viviam no continente africano, asiático e


em outros continentes como primitivos para justificar a ocupação territorial e a submissão
que utilizavam.
II. A ideia de levar a civilização aos povos considerados bárbaros estava presente no discurso
dos que defendiam a política imperialista.
III. Para os europeus, civilizar consistia em povoar e partilhar a cultura com os povos de
outros continentes, assim desenvolveram a origem da globalização.
IV. Uma das preocupações dos estados nacionais europeus era justificar a ocupação dos
territórios, apresentando os melhoramentos materiais que beneficiariam as populações
nativas.

Estão corretas apenas as afirmativas:


a) II, IV.
b) I, II, III.
c) I, II, IV.
d) I, III.
e) III, IV.

2. (Adaptado. Professor de história/CE)


A ocupação do continente africano, particularmente a parte subsaariana, teve um longo
percurso, a partir de meados do século XI, até atingir seu ápice na segunda metade do
século XIX, quando ocorreu uma verdadeira partilha da África por países como França,
Inglaterra, Alemanha, Itália, Bélgica, Espanha, Portugal e Holanda. Esse processo histórico
tem sido interpretado como:

a) mercantilismo e metalismo.
b) colonialismo e imperialismo.
c) extrativismo e processo civilizatório.
d) neocolonialismo e capitalismo.
e) Racismo e Darwinismo social.

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3. (ENADE - adaptada)
O Brasil é uma país extraordinariamente africanizado. E só a quem não conhece a África
pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de ser e de viver e no
sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a outra costa atlântica podem-se
facilmente reconhecer os brasileirismos. (SILVA, 1994, p 39- 40).
Considerando o diálogo atlântico estabelecido entre europeus, africanos e brasileiros entre
os séculos XVI e XVIII, referido no mapa e no fragmento do texto, avalie as afirmações a
seguir.

I- Os portugueses, pioneiros nas expedições de exploração da costa atlântica africana, desde


o início estavam interessados no comércio de escravos, que seriam vendidos, inicialmente,
na Europa e depois nas ilhas atlânticas, no Caribe e na América Espanhola.
II- A multiplicação das rotas comerciais transatlânticas estabelecidas pelos europeus ao
longo dos séculos XVI e XVIII, favoreceu o crescimento de cidades do interior africano, visto
que muitos povos buscavam nessa região, refúgio diante das capturas ou do aprisionamento
por guerra para o comércio de escravos.
III- Os intercâmbios produzidos pelo comércio atlântico promoveram a mútua influência
entre Brasil e África, como pode ser comprovado pelos laços estabelecidos entre
comerciantes baianos e africanos da Costa da Mina, em virtude do interesse desses últimos
no tabaco produzido na Bahia.
IV- O aumento da produção açucareira no século XVII desencadeou uma demanda
considerável por escravos que, nesse período, foram fornecidos pelos portos da Costa da
Mina e de Angola, estreitando ainda mais as relações desses com Salvador e Rio de Janeiro.

É correto apenas o que se afirma em

a) I.
b) II.
c) I e III.
d) II e IV.
e) III e IV.

4. (UFG) Leia o texto a seguir:


Por mais que retrocedamos na História, acharemos que a África
está sempre fechada no contato com o resto do mundo, é um
país criança envolvido na escuridão da noite, aquém da luz da
história consciente. O negro representa o homem natural em
toda a sua barbárie e violência; para compreendê-lo devemos
esquecer todas as representações europeias. Devemos esque-
cer Deus e as leis morais. (HEGEL, Apud HERNANDEZ, 2005. p.
20-21)

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O fragmento é um indicador da forma predominante como os europeus observavam o
continente africano no século XIX. Essa observação relacionava-se a uma definição sobre a
cultura, que se identificava com a ideia de:
a) progresso social, materializado pelas realizações humanas como forma de se opor à
natureza.
b) tolerância cívica, verificada no respeito ao contato com o outro, com vistas a manter
seus hábitos.
c) autonomia política, expressa na escolha do homem negro por uma vida apartada da
comunidade.
d) liberdade religiosa, manifesta na relativização dos padrões éticos europeus.
e) respeito às tradições, associado ao reconhecimento do valor do passado para as
comunidades locais.

5. ( Professor de História – Prefeitura de Salvador)


Foi a Segunda Guerra Mundial que precipitou a luta anticolonial no continente africano. A
avalanche revolucionária ganhou intensidade, sobretudo porque a França e a Inglaterra,
senhoras dos principais impérios coloniais, saíram enfraquecidas da Segunda Guerra para
enfrentar revoltas coloniais. Por outro lado, a derrota de Chiang Kai-sheck, na China, a
capitulação francesa na Indochina (1954) e a nacionalização do Canal de Suez por Nasser,
líder egípcio, também estimularam as guerras de libertação.
Nessas lutas, projetaram-se inúmeros líderes africanos que, por vezes, procuraram adaptar
ideologias ocidentais às condições locais, com o objetivo de eliminar todas as formas de
colonialismo na África, como, por exemplo a(o):
a) Pan-Africanismo e a Negritude.
b) Conferência de Acra e a Conferência de Casablanca.
c) Conferência de Monróvia e a Organização da Unidade Africana.
d) União Africana e o Comitê de Libertação Africana.
e) MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) e a FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique).

65
06
A ÁFRICA NO BRASIL UNIDADE

66
6.1 INTRODUÇÃO

Muitas pesquisas acadêmicas, assim como movimentos sociais, apontam a educação


brasileira como um espaço no qual persistem históricas desigualdades sociais e raciais.
Por seu lugar de destaque na formação do cidadão, muitos debates são e foram feitos no
sentido de discutir tal questão. Tendo em vista a importância histórica da cultura africana
e afro-brasileira na formação do povo brasileiro, há uma antiga demanda por políticas
públicas que superem o racismo na educação básica e reconheça o papel das matrizes
culturais africanas e indígenas, e não somente europeia, na nossa própria história e cultura.
Nesse sentido, debates sobre inclusão e diversidade na educação tem ganhado cada vez
mais destaque redirecionando ações políticas como a própria aprovação da Lei 10639/03,
a partir da qual se tornou obrigatória a História africana e afro-brasileira nos currículos
escolares de todo o Brasil. Nesta unidade, vamos entender o processo histórico que levou
à aprovação dessa Lei, bem como as possibilidades e desafios da sua implementação.

6.2 A IMPORTÂNCIA DA ÁFRICA PARA O BRASIL

Vimos ao longo dessa disciplina a importância da história e cultura africanas para


pensarmos as nossas próprias. O Brasil se destaca como uma das maiores sociedades
multirraciais do mundo contando com um número significativo de descendentes africanos.
Além disso, a nossa história carrega as pesadas consequências de um passado escravista,
que tantas marcas deixou em nossa memória e cotidiano. Marcas estas visíveis ainda hoje
na grande desigualdade social e racial da nossa sociedade e uma intolerância religiosa
maior com as religiões de matriz africana como Candomblé e Umbanda. Marcas também
positivas na nossa cultura de maneira geral.
O tráfico internacional de escravos já havia começado no final do século XV,
bem no início da colonização portuguesa, quando a mão de obra indígena diminuía
substancialmente em função da alta mortandade dos nativos em função do contato com
os povos europeus (guerras, doenças, assassinatos e outros). A partir de então, os africanos
escravizados passaram a ser utilizados como a principal mão de obra para trabalhar
compulsoriamente nos engenhos de açúcar e abastecer o mercado internacional. De acordo
com o historiador Rafael Bivar Marquese, entre os anos de 1576 a 1600 desembarcaram
nos portos brasileiros cerca de 40 mil africanos escravizados das mais diversas etnias; no
quarto de século seguinte (1601-1625), esse volume triplicou, passando para cerca de 150 mil
pessoas, a maior parte deles destinada aos trabalhos em canaviais e engenhos de açúcar
(MARQUESE, 2006).
No século XVII e XVIII, com as descobertas auríferas, um grande contingente de
pessoas se deslocou para as regiões das minas. O volume do tráfico transatlântico para a
América portuguesa, que já era maior de todo o continente, duplicou na primeira metade
do século XVIII. Entre 1701 e 1720, o número de africanos que desembarcaram nos portos
brasileiros foi de cerca de 292 mil, mas nesse momento, a maioria era destinada ao trabalho
nas minas. Na década seguinte, o número aumentou para 312,4 mil pessoas. O ápice desse

67
século foi entre os anos de 1741 a 1760, quando os números bateram a quantia de 354 mil
africanos introduzidos compulsoriamente na colônia portuguesa (MARQUESE, 2006).
No final do século XVIII e início do XIX, a sociedade da América portuguesa já contava
com uma volumosa população negra livre (muito em função das alforrias) ou mestiça
descendente de africanos, que vivia lado a lado com uma quantidade substantiva de
brancos e uma maioria de escravizados (africanos e pardos nascidos na América). Se o
número do tráfico de escravizados já era surpreendente nos séculos XVII e XVIII, foi no XIX
que ele mostrou todo seu vigor. Desde a vinda da família real para o Brasil em 1808, até
o fim definitivo do tráfico, em 1850, foi introduzido cerca de 40% de todos os africanos já
desembarcados em três séculos da história do Brasil. Isso equivale, em termos numéricos,
a uma quantia de 1,4 milhões de indivíduos.
Esses dados mostram a enorme quantidade de africanos e descendentes que
passaram a compor a sociedade brasileira ao longo de todo o processo. De acordo com
Rafael Marquese, os dados demográficos da sociedade em início do século XIX, contava
com as seguintes proporções: 28% de brancos, 27,8% de negros e mulatos livres, 38,5% de
negros e mulatos escravizados, 5,7% de índios (MARQUESE, 2006).

GLOSSÁRIO
Cartas de Alforria: a partir do século XVIII, os escravizados tiveram a possibilidade de
obter sua liberdade a partir das chamadas Cartas de Alforria, que era um documento
dado ou vendido a um escravizado pelo seu proprietário.

A população mestiça, por sua vez, sobreveio de um processo específico, não encontrado
em diversas outras colônias americanas. Um processo de mestiçagem alicerçado na
exploração e na opressão, mas que por sua simples existência corroborou para conclusões
acerca de uma suposta sociedade democrática e inclusiva. De acordo com o historiador
Luís Felipe de Alencastro:

[...] houve no Brasil um processo específico que transformou a miscigena-


ção — simples resultado de uma relação de dominação e de exploração
- na mestiçagem, processo social complexo dando lugar a uma sociedade
plurirracial. O fato de esse processo ter se estratificado e, eventualmente,
ter sido ideologizado, e até sensualizado, não se resolve na ocultação de
sua violência intrínseca, parte consubstancial da sociedade brasileira: em
última instância, há mulatos no Brasil e não há mulatos em Angola porque
aqui havia a opressão sistêmica do escravismo colonial, e lá não (ALEN-
CASTRO, Apud MARQUESE, 2006, p. 118).

68
No entanto, o estudo da história do Brasil revela o uso de diferentes ferramentas para
excluir a matriz africana do processo formativo do povo brasileiro. A violência da escravidão
tentou, dessa forma, apagar os costumes, crenças e línguas dos grupos escravizados,
contudo, de uma maneira ou de outra, a cultura africana resistiu. No âmbito religioso, criou-
se uma forma de cultuar seus deuses (orixás) através do sincretismo com santos católicos
– resistindo, de alguma forma, à imposição da religiosidade europeia.
Desse sincretismo, nasceu o Candomblé praticado na Bahia, que teve em 1830,
a criação de seu primeiro templo – para depois se formarem os terreiros. Da síntese de
antigos Candomblés (há vários candomblés na história do Brasil) e o espiritismo kardecista,
no início do século XX, uma nova religião se formaria no Rio de Janeiro, a umbanda. Vale
ressaltar que ambas carregam um amplo histórico de perseguição e preconceito fruto da
ignorância e da discriminação.
Para além das religiões, na culinária, muitos condimentos e elementos das mais
variadas regiões africanas influenciaram pratos que se tornaram típicos brasileiros. Foi
introduzido o leite de coco-da-baía, o azeite de dendê, o feijão preto, o quiabo, ensinou-se
a fazer o vatapá, o caruru, o mungunzá, o acarajé, o angu, a pamonha e diversos outros.
Com a abolição da escravatura, em 1888, o contingente de escravizados enumerCom a

VAMOS PENSAR?
Faça uma pesquisa acerca da intolerância religiosa no Brasil. Busque saber quais são
as religiões que mais sofrem ataques e perseguições ainda hoje. Responda: quais os
motivos mais comuns alegados para tais ataques? São fundamentados em conheci-
mento ou ignorância acerca dessas religiões? Qual relação se pode estabelecer com o
processo histórico visto até aqui? Pense em como seria possível tratar tal questão em
uma sala de aula.

Em termos de música e dança, também introduziram instrumentos como reco-reco e


cuíca e os batuques (danças dos negros africanos) que vão ganhar espaço como o Carimbó,
o samba de roda, o jongo – apenas para citar alguns. Entre vários grupos africanos, ser músico
era muito importante, uma vez que estava vinculado às tradições religiosas. O samba, na
sua origem africana, por exemplo, também tinha bastante característica ritualística que foi
se perdendo no Brasil. Enfim, são muitas as influências da cultura africana na brasileira e é
impossível mensurar todas separando-as de seu processo de miscigenação e sincretismo
que se verificou fortemente na formação da nossa sociedade.

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6.3 CAMINHOS ATÉ IMPLEMENTAÇÃO DA LEI N° 10.639/03

Com a abolição da escravatura, em 1888, o contingente de escravizados enumerados


no item anterior, foi liberto sem, contudo, haver uma preocupação com a sua inserção
social e econômica. Somada à falta de organização da economia, extremamente
dependente da mão de obra escrava, o regime monárquico vigente veio a sucumbir anos
mais tarde iniciando o período republicano brasileiro, em 1889. Mesmo nesse regime que
conceitualmente remete ao interesse pelo bem comum, a classe política estava longe de
iniciar um projeto que se preocupasse com a população negra. Restou aos “homens de
cor”, como eram denominados, organizarem-se em grupos, associações, grêmios e clubes
de ajuda mútua através dos quais passaram a reivindicar direitos civis, sociais, políticos e
educacionais:
Sediadas principalmente nas capitais e grandes cidades brasileiras, de início, es-
sas associações tinham um caráter eminentemente assistencialista, recreativo
e/ou cultural; mas, aos poucos, foram ganhando conotação política. O principal
canal de reivindicação utilizado por esses militantes foi a imprensa, mais preci-
samente os jornais. Cansados de serem representados de forma negativa pelos
periódicos da grande imprensa – pois neles figuravam como ladrões, assassinos,
desordeiros, prostitutas, bêbados e vagabundos – os negros se inspiraram nos
jornais alternativos publicados pelos membros das colônias estrangeiras e pas-
saram a produzir suas próprias publicações. Assim, nasceram dezenas de jornais
como A Pátria (1889), O Baluarte (1903), O Menelik (1915), O Alfinete (1918), O Ban-
deirante (1918), O Getulino (1923), O Clarim da Alvorada (1924), A Tribuna Negra
(1928), O Quilombo (1929), A Voz da Raça (1930), dentre muitos outros. (SILVA;
DUARTE, 2018. p. 117).

Nesse primeiro momento da República, foi criada a Frente Negra Brasileira (1931), que
chegou a obter cerca de trinta mil filiados e logo, em 1936, tornou-se um partido político.
Dando mais ênfase à questão educacional, os membros da FNB não mediram esforços
para manter escolas para adultos e crianças negras (SILVA; DUARTE,2018). De maneira
geral, os movimentos deram muita importância à educação, e apesar de reconhecer que
ela não era a solução de todos os males, eles sabiam que ocupava um lugar importante
“nos processos de produção de conhecimento sobre si e sobre “os outros”, contribuindo na
formação de quadros intelectuais e políticos, e constantemente usada pelo mercado de
trabalho como critério de seleção de uns e exclusão de outros” (GOMES, 2011).
Infelizmente, contudo, a FNB acabou extinta com a instauração do Estado Novo,
governo autoritário de Getúlio Vargas em 1937. Somente com a queda de Vargas, em 1945,
o movimento negro retorna com mais força suas atividades. Nesse período, os movimentos
sociais passaram a se unir e a fazer alianças. Assim, foi criado o Teatro Experimental Negro
(TEN), que como a FBN, tinha a educação como uma das principais pautas. Como o FBN,
os projetos do TEN foram interrompidos com o advento da Ditadura Militar. Somente
no final da década de 1970, os movimentos sociais irão recrudescer através da luta pela
redemocratização.

70
Em 1978, surge o Movimento Negro Unificado (MNU), que tinha como principais
objetivos não somente denunciar o racismo na sociedade brasileira, mas exigir a
participação política de pessoas negras, além de lutar por mais igualdade social em uma
sociedade tão desigual. A educação, em todo o processo, vai ganhando cada vez mais
espaço e importância:
[...] propunha-se uma mudança radical nos currículos, visando
a eliminação de preconceitos e estereótipos em relação aos ne-
gros e à cultura afro-brasileira na formação de professores com
o intuito de comprometê-los no combate ao racismo na sala
de aula. Enfatiza-se a necessidade de aumentar o acesso dos
negros em todos os níveis educacionais e de criar, sob a forma
de bolsas, condições de permanência das crianças e dos jovens
negros no sistema de ensino (GONÇALVES; SILVA, 2000, p.151)

A partir da década de 1990, por sua vez, são criadas diversas políticas públicas visando
atender às antigas e recorrentes demandas do movimento negro. Em 1996 é estabelecida a
Lei de Bases da Educação Brasileira (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) –
lembrando que este último, ao contrário da LDB, serve como sugestão e não como medida
compulsória. Em ambos os componentes, tornava-se obrigatório o reconhecimento da
matriz africana na formação do povo brasileiro juntamente com a europeia e a indígena.
Assim, abre-se espaço para a valorização do estudo de História da África e da diáspora
negra no Brasil. Contudo, apesar da participação marcante da militância negra, a LDB não
incluiu as mudanças mais categóricas das reivindicações desse movimento:

Podemos dizer, então, que, até a década de 1990, a luta do Movimento Negro
brasileiro, no que se refere ao acesso à educação, demandava a inserção da
questão racial no bojo das políticas públicas universais, as quais tinham como
mote: escola, educação básica e universidade para todos. Contudo, à medi-
da que esse movimento social foi constatando que as políticas públicas de
educação pós-ditadura militar, de caráter universal, ao ser implementadas,
não atendiam à grande massa da população negra e não se comprometiam
com a superação do racismo, seu discurso e suas reivindicações começaram a
mudar. É nesse momento que as ações afirmativas, com forte inspiração nas
lutas e conquistas do movimento pelos direitos civis dos negros norte-ame-
ricanos, começam a se configurar como uma possibilidade e uma demanda
política, transformando-se, no final dos anos 1990 e no século seguinte, em
ações e intervenções concretas. As demandas do Movimento Negro, a partir
de então, passam a afirmar, de forma mais contundente, o lugar da educação
básica e da superior como um direito social e, nesse sentido, como direito à
diversidade étnico-racial. (GOMES, 2011. p.113)

71
Nesse contexto surgem as pressões políticas como a Marcha Zumbi dos Palmares
(1995), em Brasília, que acabam sendo incorporadas em algumas iniciativas do governo
federal. Uma das respostas foi a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a
Valorização da População Negra, em 1996.
A partir de 2003 verifica-se um aprofundamento de todo esse debate. É nesse ano
que foi aprovada a Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura africana e afrobrasileira na Educação Básica. Para obter resultados mais satisfatórios,
em 2006 foi elaborado (lançado somente em 2009) o Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-raciais para o
Ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana.
É importante compreender a força e o caráter dessa Lei. Primeiramente, há de se
destacar a abrangência nacional. Ou seja, todas as escolas, públicas e privadas, devem
implementar as demandas, assim como como os conselhos, secretarias de educação e
universidades. Segundo, é importante considerar o papel que as escolas ocupam na
formação do cidadão.
À escola não cabe somente a transmissão de conteúdos historicamente acumulados,
ela também deve discutir temáticas que fazem parte do nosso complexo processo de
formação humana. A escola é um dos principais espaços para refletir sobre as diferenças
culturais que formam o nosso país, e há uma demanda social por se debater questões
ligadas ao racismo retornando à importância das matrizes africanas na configuração da
nossa sociedade.
Nesse sentido, a Lei representa um avanço das demandas do movimento negro
que, como vimos, ao longo das décadas lutava pelo reconhecimento da importância da
história e cultura africana e afro-brasileira. É importantíssimo que os currículos escolares
não corroborem com o racismo e, principalmente, traga reflexões acerca das contribuições
que os diversos grupos étnicos tiveram para a formação do povo brasileiro. Vale lembrar
que em 2008 a Lei em questão foi modificada pela Lei 11.645 que acrescenta à demanda o
ensino de história e cultura indígena.

6.4 ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA:


DESAFIOS E POSSIBILIDDES

A Lei discutida anteriormente representa diversos avanços ao reconhecer a importância


das populações africanas e indígenas na formação do povo brasileiro. Contudo, não
podemos desconsiderar os desafios que ela ainda insere ao cotidiano escolar para que
venha realmente obter resultados em termos de uma educação multicultural e possa
contribuir para a formação de uma sociedade mais igualitária. A Lei, por si só, não garante a
efetivação de seus preceitos. Ela é mais um instrumento para que a dinâmica do cotidiano
escolar seja ressignificado.
Um dos problemas inseridos de imediato à implementação da Lei foi (e continua
sendo) a formação dos próprios docentes. Nas instituições de Ensino Superior, por
exemplo, a oferta de cursos especializados em História da África só ganharam espaços
mais substanciais com a implementação da Lei, bem como com o aumento de pesquisas
e produções acadêmicas na época. A partir de então, a História da África passou a ser
ofertada ao lado de disciplinas básicas como História Medieval, História Antiga, História

72
Moderna, História do Brasil Colonial e diversos outros que compreendem a matriz curricular
fundamental dos cursos de História.
Na educação básica muitos professores, especialmente os das séries iniciais do
Ensino Fundamental I, possuem uma formação diversificada e não frequentaram uma
instituição de ensino superior para obter uma habilitação para trabalhar essa nova temática
curricular. Contudo, mesmo professores formados em cursos de História anteriormente à
implementação da Lei, não tiveram contato com a História da África na universidade. Além
disso, conforme ressalta Kabengele Munanga:

Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido


na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com
a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e mate-
riais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes as-
cendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e
prejudicam seu aprendizado. O que explica o coeficiente de repetência e
evasão escolar altamente elevado do alunado negro, comparativamente ao
do alunado branco (MUNANGA, 2005, p. 16).

Em uma sociedade na qual o mito da democracia racial (teoria que concebia uma
sociedade brasileira harmônica entre os diferentes grupos que a forma: indígenas, negros
e brancos) ainda está presente, muitos educadores acabam sendo pouco eficientes ao
lidar com o tema e com a diversidade escolar de maneira satisfatória. Esta falta de preparo
compromete a formação dos futuros cidadãos que poderiam contribuir para uma sociedade
mais igualitária.
Vale ressaltar que não há uma relação direta e imediata entre ensino de história da
África e da cultura afrobrasileira e a mudança das relações sociais. Entretanto, ela pode
ser um caminho para a desconstrução gradual de estereótipos e mentalidades que
estão arraigadas na sociedade brasileira. Nesse sentido, uma boa formação docente é
imprescindível. As escolas precisam estar inseridas em um contexto mais afirmativo e com
gestões mais democráticas para que a educação das relações étnico-raciais se insiram em
um processo de reeducação das relações sociais. A escola discrimina?
Não precisamos ressaltar que, para além da representatividade e da necessidade de
construção de uma identidade histórico-cultural aos alunos negros e à população negra, a
Lei também foca sua atenção à questão do racismo e da discriminação de maneira geral.
A escola, nesse aspecto, é um lugar privilegiado para se levantar debates e reflexões acerca
desses temas. Como comentamos acima, muitos docentes reproduzem estereótipos raciais
por simples desconhecimento ou mesmo por inabilidade de lidar com estas questões.
Além disso, diversas pesquisas demonstram que a escola é um dos principais ambientes
em que se verificam altos índices de discriminação racial.
Os livros didáticos, principal instrumento de trabalho da grande maioria dos
professores, ainda estão permeados por uma concepção que privilegia o relatos dos
grandes fatos e dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos. Assim, deixam de
lado a participação de outros grupos sociais, especialmente das minorias, no processo
histórico do país. Estas, quando aparecem, são tratadas de forma estereotipada e pejorativa.
A consequência disso é muito danosa, conforme ressalta José Fernandes:

73
Currículos e manuais didáticos que silenciam e chegam até a omi-
tir a condição de sujeitos históricos às populações negras e amerín-
dias têm contribuído para elevar os índices de evasão e repetência
de crianças provenientes dos estratos sociais mais pobres. A grande
maioria adentra nos quadros escolares e sai precocemente sem con-
cluir seus estudos no ensino fundamental por não se identificarem
com uma escola moldada ainda nos padrões eurocêntricos, que não
valoriza a diversidade étnico-cultural de nossa formação (FERNAN-
DES, José, 2005, p. 308).

Com a aprovação da Lei, por certo, muito já se avançou nesse sentido. Ainda há muito
que ser feito para que alcancemos uma educação multicultural e que valorize o papel
e a cultura das minorias sociais. Enquanto futuros professores, é importante estarmos
preparados para tais problemáticas e utilizarmos o meio educacional para propiciar o
conhecimento da nossa diversidade cultural e pluralidade étnica.

GLOSSÁRIO

Minoria: o termo “minoria” utilizado no discurso jurídico e político refere-se a grupos


sociais que se encontram em desvantagens sociais, tais como: negros, mulheres, indí-
genas, LBTQI+ etc. Nesse caso, o termo não se refere a um número menor de pessoas.
Vale lembrar que o termo não é um consenso absoluto e muitos estudiosos questio-
nam sua utilização.

BUSQUE POR MAIS

• Conheça o projeto Pixaim realizado na cidade de Cuiabá que discutiu sobre dis-
criminação racial nas escolas. A meta, segundo eles, era estimular a aplicação da Lei
10.639/03 tendo em vista a dificuldade de professores e alunos em trabalharem o tema.
Desse projeto, inclusive, nasceu o livro em quadrinhos Cabelo ruim? A história das três
meninas aprendendo a se aceitar de Neusa Baptista Pinto, na qual a autora discute a
auto-aceitação. https://bit.ly/30vuoHX
• Em uma escola do Rio de Janeiro, alunas formaram um coletivo (Solta esse bla-
ck) para empoderar garotas a combater o racismo e o machismo dentro da escola por
meio de oficinas de turbante, penteado afro e compartilhamento de ideias sobre como
cuidar do cabelo crespo. https://www.youtube.com/watch?v=QOjOOSuOwTw

74
• Vídeo com dois blocos de entrevista. Um com a históriadora Marina de Mello e
Souza, do departamento de História da Universidade de São Paulo, sobre a inclusão
no currículo das escolas brasileiras do ensino da cultura e da história Afro-brasileira.
O segundo com a antropóloga Rachel Bakke sobre o ensino da cultura Afro-Brasileira
nas escolas e sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores ao tratar do tema.
https://bit.ly/3eOIclN
• Artigo de Reginaldo Prandi sobre as religiões Candomblé e Umbanda:
https://bit.ly/2CP37YJ

75
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (ENEM)
A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre História
e Cultura Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da
História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e
o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, além de instituir, no
calendário escolar, o dia 20 de novembro como data comemorativa do “Dia da Consciência
Negra”. (http://www.planalto.gov.br)

A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também para a
sociedade brasileira, porque
a) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.
b) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.
c) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.
d) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à educação.
e) impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país.

2. (Professor de História - SC )
A lei 10.639/03 ficou popularmente conhecida por:
a) Tornar obrigatório o ensino de História Indígena.
b) Tornar obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
c) Tornar optativo o ensino de História Indígena, para que assim se possa privilegiar o
ensino de História e Cultura Africana.
d) Tornar o ensino de História e Cultura Africana matéria extracurricular.
e) Tornar obrigatório o ensino de Historia Africana e Indígena.

3. (Professor de História – IF/PA)


Em 09 de Janeiro de 2003 o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República Luís
Inácio Lula da Silva sancionou a Lei de nº 10.639. Esta, altera a Lei nº 9.394/96 que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A respeito da Lei
10.639/03 e os debates acerca dela é correto afirmar que:
a) a aprovação da Lei pode ser considerada um avanço no que se refere à luta para
combater os imaginários e práticas racistas. Celebrar o dia da consciência negra na escola,
como cumprimento da legislação, supera a política de revisão dos conteúdos curriculares,
pois consegue efetivamente, gerar a valorização da diversidade cultural na formação do
Brasil e a afirmação da identidade negra.
b) sobre a questão, cabe desconstruir que foi uma ação de cima para baixo, ou seja,
do governo para a sociedade. O Movimento Negro contemporâneo (e parceiros da luta
antirracista) tem sido o protagonista desse debate, durante décadas. Ativistas estiveram (e
estão) comprometidos (as) com ações pedagógicas de valorização da cultura negra, tanto
no espaço formal quanto no informal de educação.

76
c) esta política educacional também tem sido um instrumento para se repensar o
currículo escolar brasileiro e as relações raciais no país, entendendo, assim, a Educação
como único caminho para o combate ao racismo e à discriminação racial, ou seja, para a
construção de uma sociedade que reconheça a contribuição de todos (as).
d) segundo o artigo 26 A, acrescido à Lei nº 9394/96 por conta da Lei 10.639/03, tornou-
se obrigatório o estudo sobre “História e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas da rede pública
de todo o país. Além disso, cabe aos historiadores, nos conteúdos curriculares de História do
Brasil a obrigatoriedade, já para os demais profissionais da educação, é opcional o trabalho
com a temática em questão.
e) no processo, ainda que relativamente lento de implementação da Lei por todo o
país, vale destacar a institucionalização dos NEABs (Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-
brasileiros) em todos os campi das Universidades Públicas e Institutos Federais do Brasil.
Por meio dos mesmos, estudantes e pesquisadores tem se lançado nos temas das relações
raciais, da história da população negra e pensado pedagogias de combate ao racismo.

4. Assinale a alternativa que corresponde a mudanças que a Lei 10.639/2003 trouxe à


LDB 9.394/96.
a) Torna obrigatório, no Ensino Fundamental e Médio, da rede pública e privada, o
ensino da história e da cultura afro-brasileira e institui o Dia Nacional da Consciência Negra.
b) Torna obrigatória a matrícula das crianças com 6 anos de idade no Ensino
Fundamental e amplia o Ensino Fundamental para nove anos.
c) Torna obrigatória a educação de 4 a 17 anos e estipula que a alfabetização das crianças
deve ocorrer até o terceiro ano no Ensino Fundamental.
d) Inclui a Educação Infantil na Educação Básica e reconhece que o profissional que
atua nessa etapa é professor.
e) Institui a modalidade Educação Especial e torna obrigatório o atendimento
especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de educação
especial.

5. (Professor de História – SEE/PB)


No início de 2003, após debates em âmbito nacional, houve alteração da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação com a sanção da conhecida Lei nº 10.639, determinando que:
a) os conceitos de ancestralidade , luta, sedução, jogo e território devem ser evitados
como pilares de uma ciência africana
b) os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira sejam ministrados no
âmbito do Ensino Médio nas áreas de Educação Artística.
c) fique a cargo de cada estabelecimento a inclusão do 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra.
d) seja obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos
oficiais de Ensino Fundamental.
e) não seja obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos
estabelecimentos oficiais de Ensino Fundamental.

77
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 A

UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 C

UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 E

78
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