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DISTÂNCIA
HISTÓRIA DA ÁFRICA
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HISTÓRIA DA ÁFRICA
LETÍCIA CRISTINA FONSECA DESTRO
1
1
HISTÓRIA DA ÁFRICA
1° edição
Ipatinga, MG
Faculdade Única
2021
2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização escrita
do Editor
3
LEGENDA DE
Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do
conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones
ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado
trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a
seguir:
FIQUE ATENTO
Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas
quais você precisa ficar atento.
VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.
FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.
GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.
4
SUMÁRIO IMAGENS DA ÁFRICA
UNIDADE 1
1.1 Introdução.........................................................................................................................................................................................9
1.2 Em breve panorama geográfico e a diversidade de povos e culturas ..................................................9
1.3 Imagem da África e dos africanos na antiguidade e entre os árabes ..................................................11
1.4 A África e os africanos descritos pelos ocidentais .............................................................................................13
FIXANDO CONTEÚDO ...................................................................................................................................................................16
UNIDADE 2
ÁFRICA, UM CONTINENTE COM HISTÓRIA
2.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................20
2.2 Continente A-Histórico?.......................................................................................................................................................20
2.3 Reinventando a sua própria história ...........................................................................................................................23
2.4Novos estudos africanos ......................................................................................................................................................25
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................28
UNIDADE 3
UM CONTINENTE EM MOVIMENTO
3.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................31
3.2 Estados antigos do Sudão: Egito, Kush , Axum ...................................................................................................31
3.2.1 Egito antigo ......................................................................................................................................................................31
3.2.2 Núbia ...................................................................................................................................................................................34
3.2.3 Axum ...................................................................................................................................................................................35
3.3 Estados do Antigo Sudão: Gana, Mali e Songai ...................................................................................................35
3.3.1 Gana ......................................................................................................................................................................................36
3.3.2 Mali ........................................................................................................................................................................................37
3.3.3 Songai .................................................................................................................................................................................38
3.4 Estados da África Austral: O monomotapa ...........................................................................................................38
FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................................................................................40
UNIDADE 4
AS SOCIEDADES AFRICANAS E A ESCRAVIDÃO
4.1 Introdução ....................................................................................................................................................................................43
4.2 As estruturas sociais africanas........................................................................................................................................43
4.2.1 Senegal e Golfo da Guiné .........................................................................................................................................43
4.2.2 Congo e Angola ..............................................................................................................................................................44
4.3 A escravidão na África e o contato com os europeus ...................................................................................46
4.4 O impacto do tráfico de ecravos e da escravidão atlântica........................................................................49
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................52
UNIDADE 5
ÁFRICA CONTEMPORÂNEA
5.1 Introdução ......................................................................................................................................................................................55
5.2 Partilha da África ( 1880-1914): Interpretações .......................................................................................................55
5.3 O caso emblemático do Congo ......................................................................................................................................57
5.4 A conquista na pespectiva africana..............................................................................................................................58
5.5 Descolonização e guerras coloniais ..............................................................................................................................59
FIXANDO O CONTEÚDO ...............................................................................................................................................................63
5
SUMÁRIO UNIDADE 6
A ÁFRICA NO BRASIL
6
UNIDADE 1
CONFIRA NO LIVRO
UNIDADE 2
É perceptível o quanto uma visão eurocêntrica esteve presente nos textos acerca
da história africana. Muitos clássicos viam a África como um continente, inclusive,
sem história. Contrários a tal visão, um grupo de intelectuais mobilizou esforços para
reescrever a história da África, valorizando-a e reconhecendo a sua diversidade e
importância. Estudaremos sobre esses movimentos intelectuais nesta unidade.
UNIDADE 3
A África, ao longo da sua história, abrigou diversos reinos, impérios e Estados. Nesta
unidade conheceremos alguns deles compreendendo um pouco da sua organização
política, cultural, econômica e social.
UNIDADE 4
Nesta unidade estudaremos as organizações das sociedades africanas no alvorecer
dos contatos com os europeus e do comércio atlântico de escravos que deles
resultou. Analisaremos, além disso, a escravidão na África e a participação de Estados
africanos no comércio moderno de escravizados que levaram milhões de africanos
para a América.
UNIDADE 5
No Brasil se verifica uma grande desigualdade social e racial. Além disso, apesar da
efetiva influência cultural e histórica africana e afrodescendente na formação do
país, estas foram, durante séculos, desvalorizadas e negligenciadas. Para reverter
tal cenário, diversos movimentos têm se organizado de modo a exigir políticas
antirraciais mais efetivas. A Lei 10.639/03 é um exemplo. Nesta unidade, portanto,
conheceremos melhor a promulgação da Lei e o seu contexto.
UNIDADE 6
Nesta unidade estudaremos o processo de partilha da África no contexto do
imperialismo das potências europeias industriais em finais do século XIX, bem como
a consequente descolonização que acarretou na formação dos países atuais.
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01
IMAGENS DA ÁFRICA UNIDADE
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1.1 INTRODUÇÃO
África: “berço da humanidade”? Uma das teorias científicas mais aceitas sobre
o surgimento da espécie humana remonta a este vasto continente. Foi nele que se
encontraram os primeiros vestígios dos ancestrais mais longínquos, os Australopithecus,
e, provavelmente, foi nele que a espécie de desenvolveu até chegar ao homem moderno,
o Homo Sapiens. Foi da África que ele partiu em direção à Europa e Ásia chegando,
posteriormente, à América e Oceania. Também foi lá que grandes civilizações se
desenvolveram e deram suas contribuições para as sociedades posteriores. Foi desse
continente também que saíram diversos homens, mulheres e crianças que tiveram sua
força de trabalho explorada em diversos lugares do mundo. Foram dessas histórias e
culturas que se formaram tantas outras histórias e culturas no Brasil e no mundo. Contudo,
o interesse por toda essa diversidade é algo recente na historiografia mundial. Nesta
unidade, portanto, vamos começar a conhecer essa(s) África(s), seus contornos geográficos
e étnicos, para então, adentrarmos suas histórias e historiografia
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Conforme vai se aproximando das regiões mais secas, a floresta vai dando lugar às savanas
(tipo de vegetação mais abundante no continente) até chegar ao deserto do Saara, que é
um dos maiores do mundo. Há ainda o Sahel, uma faixa de 5400 km de extensão, entre
o deserto do Saara ao norte e a savana do Sudão ao sul que é de transição entre as terras
áridas do Saara e as terras férteis da savana sudanesa.
Em termos étnicos, o continente é extremamente heterogêneo, sendo muito difícil
fazer uma contagem oficial da população desses grupos. No mapa a seguir, tem-se a divisão
do território africano a partir das diferentes etnias, demonstrando suas complexidades e
variedades.
GLOSSÁRIO
ETNIA: apesar de muitos utilizarem etnia como sinômino de raça, tal relação não é correta.
Raça é um termo não científico que somente pode ter significado biológico quando o ser
apresenta características homogêneas. Como o ser humano não se inclui nesse sentido, o
termo etnia é melhor empregado e constrói uma identidade entre os indivíduos baseada em
parentesco, línguas e outros. Vale ressaltar, contudo, que o termo é criticado por apresentar
uma unidade social a realidades tão diversas quanto as africanas pré-coloniais.
“As etnias procedem apenas da ação do colonizador que, em sua vontade de territorializar
o continente africano, recortou entidades étnicas que acabaram sendo reapropriadas pelas
populações” (AMSELLE; M’BOKOLO, 2017, p. 30). Para melhor entender tal crítica, leia o livro or-
ganizado por Elikia M’Bokolo e Jean-Loup Amselle, No Centro da Etnia, disponível em: https://
bit.ly/39ezhJg
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Como se pode perceber, não é fácil, portanto, fazer um agrupamento dos países
africanos em conjuntos que apresentem alguma homogeneidade, mas é comum, para
facilitar os estudos, a divisão do continente em cinco regiões principais:
• África Ocidental: está localizada entre o deserto do Saara e o golfo da Guiné e abrange
17 países, entre eles: Nigéria, Costa do Marfim, Senegal, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Guiné
Equatorial, Gana, Guiné, Libéria, Mali, Gabão, Gâmbia, Cabo Verde, Camarões, Benim, Togo,
entre outros.
• África Central: os países dessa região central são: República Centro-Africana, República
do Congo, República Democrática do Congo e Chade.
• África Oriental: região que vai da bacia hidrográfica do Congo até o Mar Vermelho e
Oceano Índico. Os países incluídos nessa região são: Eritreia, Etiópia, Djibuti, Somália,
Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi e Seicheles.
• África Meridional: região mais austral do continente que inclui: Angola, Bostwana, Lesoto,
Madagascar, Malawi, Zâmbia, África do Sul, Moçambique, entre outros.
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A falta de conhecimento, por sua vez, cedeu lugar ao fantástico. Nas obras de autores
antigos não havia dúvidas, por exemplo, da veracidade da informação acerca de homens
que se transformavam em leões e homens com rabo e cabeça de cachorro habitando as
quentes terras ao sul do Saara. Plínio (23-79), o Velho, um naturalista romano, escreveu:
A ideia do calor intenso da região, enfatizada pelo romano, está expressa, inclusive,
no próprio termo África, que de acordo com o historiador burquinene Joseph Ki-Zerbo teria
o sentido de “ensolarada”, do latim Aprica, e “isento de frio”, do grego Apriké (KI-ZERBO,
1982. p. 21). Obras de pensadores da Antiguidade e mesmo no medievo europeu vão, dessa
forma, enfatizar o calor intenso e insuportável, cujas influências do clima poderiam ser
observadas nas características físicas, como se observa na escrita de Plínio.
Vale ressaltar ainda, que havia na Grécia e na Roma antigas quem tivesse uma visão
positiva dos homens da zona tórrida, e que já afirmam que a humanidade teria lá surgido,
vide a descrição do grego Deodoro da Sícila (Diodorus Siculus, 80-20 a.C.):
Contudo, somente com os árabes é que a África subsaariana passou a ser descrita
por pessoas que a haviam visitado. Ibn Battuta (1304-1357) é um importante viajante árabe.
Natural do Tânger, chegou a visitar o Oriente Médio, a África Índica e Ocidental, o Ceilão, a
Índia e, possivelmente, a China. A respeito do Malineses, ele teria escrito:
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• Entre as boas qualidades destaca-se que, entre eles,
é rara a injustiça. Trata-se da gente que menos a pra-
tica; e o sultão não perdoa o menor deslize nessa di-
reção. É total a segurança no território do Mali, de tal
modo que nem os locais nem os viajantes têm o que
temer de ladrões e salteadores. [...]
Na citação acima de Ibn Battuta é possível observar uma descrição que buscava
dar conta do observado por eles próprios, sobressaindo, de alguma forma, juízos de valor
ao comparar elementos da cultura do povo observado com a própria cultura – como se
observa no caso da utilização da vestimenta. Como para a cultura de Battuta a utilização de
vestimenta era importante e desejável, o fato do outro povo não a utilizar seria reprovável.
Vale ressaltar, contudo, que apesar das descrições se basearem no observado, não cessaria
a tentação do fantástico. Ibn Kaldhun (1332-1406), por exemplo, um historiador muçulmano
teria escrito: “Mais para o sul não há civilização propriamente dita. Os homens que ali
vivem assemelham-se mais aos animais do que aos seres pensantes. Vivem na mata e em
cavernas e se alimentam de ervas e grãos crus.” (SILVA, 2012. p. 59).
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VAMOS PENSAR?
Você já parou para refletir acerca desses preconceitos relativos ao continente africano e como
eles circulam também no imaginário da sociedade brasileira? O que você conhece acerca da
África e dos seus habitantes?
FIQUE ATENTO
Guiné era um termo genérico utilizado para denominar toda a região ao sul do deserto do
Saara que se ia conhecendo. Guinéus (homens de cor negra) era a forma que os europeus se
referiam aos diversos grupos étnicos existentes na costa ocidental africana. A mesma região
era chamada pelos árabes de Bilad es-Sudam (País dos Negros).
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Esta gente é viciosa, de pouca paz uns com os outros, e são
muito grandes ladrões e mentirosos, que nunca falam a verda-
de, e são muito grandes ladrões e mentirosos, e grandes bêba-
dos e muito ingratos, que bem que lhe façam não agradem, e
muito desavergonhados que não deixam de pedir. (PEREIRA,
1954. p. 74).
• Jean-Batist Debret (1768-1848) foi um importante artista francês que integrou a Missão
Artística Francesa em 1818, que fundou no Rio de Janeiro uma academia de Artes e Ofícios
(mais tarde se tornaria Academia Imperial de Belas Artes) onde lecionou. Acerca do cotidiano
da sociedade escravocrata carioca, deixou-nos diversas pinturas. Para conhecer mais, leia o
artigo: https://bit.ly/2Bm5CBu
• Para conhecer mais sobre a diversidade linguística africana (que, inclusive, influenciou
o português falado no Brasil) acesse: https://bit.ly/2OFlz8W
• No artigo “A África Antiga sob a ótica dos clássicos gregos e o viés africanistas”, Maria
Regina Cândia faz uma análise comparativa entre a cultura helênica e a dos negros africa-
nos cotejando informações acerca do continente no período: https://bit.ly/30DNko2
• Análise sobre a representação das colônias portuguesas na África a partir do cinema
português: https://bit.ly/32LXyoG
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FIXANDO O CONTEÚDO
a) I e II.
b) II e IV.
c) I, III, IV.
d) III e IV.
e) I, II, III e IV.
A respeito da identidade étnica dos escravizados, a historiadora Mariza Soares ressalta que,
ao desembarcarem na América:
a) as etnias africanas eram redefinidas, ignorando as identidades de origem.
b) garantia-se a fidelidade da região de origem dos africanos.
c) as etnias africanas se readaptavam facilmente na América.
d) não era negado às etnias africanas sua própria identidade.
e) era respeitado as religiões e culturas de origem africana.
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3. Também há aqui homens selvagens, a que os Antigos chamaram Sátiros, e são todos
cobertos de um cabelo ou seda quase tão ásperas como de porco; e estes parecem criatura
humana e usam o coito com suas mulheres como nós usamos com as nossas; e em vez de
falarem, gritam quando lhe fazem mal [...] Tôdolos negros desta terra andam nus [...] Nesta
serra não já edifícios, e moram em casas palhaças”. (Pereira, D. P., Esmeraldo de Situ Orbis,
p. 118.).
( ) A África subsaariana é comporta por países como Marrocos, Líbia, Tunísia e Egito.
( ) A África do Norte possui boa parte de seus países banhados pelo Mediterrâneo e são
muçulmanos na grande maioria.
( ) O Saara, o mais extenso deserto do planeta extende-se do Oceano Atlântico ao Índico e
compõe a maior região da África Central.
( ) A distinção estabelecida entre África Branca e África Negra é resultado de uma postura
racista que divide o continente em uma África “civilizada” (a África do Norte ligada ao
Mediterrâneo) e a África “bárbara” (África ao sul do Saara).
a) FVFF
b) VVFV
c) FVFV
d) FFVV
e) VFVF
5. (FURB/professor-adaptada)
O continente africano é composto por uma grande quantidade de países, no entanto, a
divisão da África não ocorre somente entre nações. A África está dividida ou regionalizada
conforme a cultura, ou melhor, com a religião praticada em diferentes pontos do continente.
Dividiu-se regionalmente o continente em duas áfricas. Essas regiões foram chamadas de
“África Branca” e “África Negra”.
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d) É sensível à realidade cultural e regional africana.
e) Seleciona diversos critérios para sua elaboração, tais como etnia, política e economia.
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02
ÁFRICA, UM CONTINENTE COM UNIDADE
HISTÓRIA
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2.1 INTRODUÇÃO
GLOSSÁRIO
EUROCENTRISMO: é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (cultura, política,
língua e outras características) como o centro do mundo. Ou seja, os elementos culturais eu-
ropeus são tidos como referência no contexto de composição de toda a sociedade moderna.
A costa da Guiné, como visto na unidade 1, foi a primeira região da África tropical
acessada pelos portugueses. Ela foi tema de toda uma série de obras a partir do século XV,
como de Luís de Cadamosto, Duarte Pacheco Pereira, Gomes Eanes Zurara, entre diversos
outros autores de narrativas de viagens. Esse material é de grande importância uma vez
que nos fornece testemunhos dessas diversas realidades. Contudo, há de se ressaltar que
o objetivo principal de grande parte desse material era descrever a experiência de um
ponto de vista. Muitos não se preocupavam, por exemplo, em entender a realidade que
observavam como já estudamos no capítulo anterior.
As outras regiões despertaram o interesse dos europeus na sequência. Obras
históricas sobre a Etiópia foram elaboradas por missionários como Manoel Almeida (1569-
1646). Angola, por sua vez, foi tema do grande Guerras Angolanas de Antônio de Oliveira
Cadornega (1623-1690).
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No século XVIII, por sua vez, começam a aparecer ensaios monográficos sobre a
África e não mais apenas descrições de viagens e de experiências. Contudo, foi também
nessa época que as histórias não-europeias foram cada vez mais discriminadas nos meios
acadêmicos. Baseando-se, tal como analisa o africanista John Fage, no que era considerado
uma herança greco-romana única, os acadêmicos da Europa consideraram que os europeus
formavam a civilização que deveria prevalecer sobre as demais. Consequentemente, a
história europeia seria a chave de todo conhecimento enquanto as outras civilizações eram
consideradas a-históricas (ou seja, sem história).
O filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), como porta-voz do pensamento hegemônico
de sua época, na Filosofia da História Universal escrevera:
No seu livro, Hegel faz uma distinção entre três Áfricas, a setentrional ligada ao
Mediterrâneo que mais pertenceria à Espanha do que à própria África; a Meridional, que
contém o Egito e a África propriamente dita que fica ao sul do Saara e sobre a qual faz
as considerações acima. À luz dessa exposição geral de Hegel é possível perceber que o
filósofo confere à África um estado de selvageria, no qual não se produz cultura e nem
história. Aos africanos, ele confere um estado bestial , ou seja, não possuiria os critérios
“racionais” de civilização e, portanto, não teriam história e nem cultura.
Posição semelhante podemos ver também no seguinte trecho do professor da
Universidade de Oxford Hugh Trevor-Hoper:
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada.
No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos euro-
peus na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema
de história [...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tri-
bos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que não exer-
cem nenhuma influência em outras regiões (TREVO-HOPER apud
FAGE,1980. p. 49).
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Trevor-Hoper, assim como Hegel, enfatiza a aistoricidade do continente africano
ressaltando que a única parte histórica da África existiria a partir da chegada dos europeus.
Tudo envolvendo os povos nativos seria, dessa forma, trevas e não constituiria tema de
história. Muitos explicavam, dessa forma, que as origens de importantes arquiteturas e
técnicas estatutárias africanas seriam frutos de interferências de outras civilizações e não
criação africana (OLIVA, 2004).
O “racismo científico” do século XIX tornou-se também uma ideologia estratégica
para dominação do continente africano. A pigmentação da pele passou a ser utilizada
como algo determinante nas relações de dominação, nos quais caberia aos arianos (os
considerados “verdadeiros brancos”), o papel de senhores dos demais continentes.
GLOSSÁRIO
RACISMO CIENTÍFICO: No século XIX, as teorias raciais ganharam status científico e, por meio
do conceito de raça, os europeus passaram a classificar a humanidade, fazendo uso de ta-
xionomias. O racismo científico propagava a ideia de que a humanidade estava dividida em
raças com hierarquias biológicas, na qual os brancos ocupariam a posição superior. Nesse
sentido, passou-se a estudar as ditas raças humanas medindo o formato da caixa craniana,
por exemplo, e depois baseou-se no estudo dos genes e da hereditariedade
A pigmentação da pele, nesse sentido, passou a ser utilizada como algo determinante
nas relações de dominação. Assim, interesses políticos e econômicos nas terras africanas
justificavam-se por teorias racistas pretensamente científicas. Sobre o assunto, escreveu
Antônio Olimpio Sant’Ana:
Em 1835, Arthur de Gobineau produziu um conhecido tratado
denominado Ensaios sobre a Desigualdade das Raças Huma-
nas: Raças Branca, Amarela e Negra. O que caracterizava o
seu ensaio era a divisão que fazia da raça branca. Esta, se-
gundo Gobineau, tinha três subgrupos: os arianos, que são
os verdadeiros brancos criadores da civilização, os albinos,
de origem mongólica, e os mediterrâneos, de origem africa-
na. Sustentava que se o poder permanecesse nas mãos dos
albinos e mediterrâneos, a humanidade voltaria à barbárie.
Gobineau desejava provar com o seu ensaio que a nobreza
europeia era ariana, descendente dos nórdicos (SANT’ANA,
2005. p. 47).
22
Dessa forma, Gobineau, grande representante do racismo científico, defenderia que
aos arianos caberia o papel de civilizar aqueles que estavam em estado de inferioridade,
justificando assim, as ações imperialistas europeias em solo africano, por exemplo.
VAMOS PENSAR?
Já parou para refletir nas consequências de pensar numa única história da África? Qual foi
o papel do discurso preconceituoso e simplista para a construção do imaginário acerca da
África e dos africanos? Assista o vídeo da escritora nigeriana Chimamanda Adichie para o
TEDtalks e reflita sobre: https://bit.ly/2BjmNn7
FIQUE ATENTO
PAN-AFRICANISMO
O pan-africanismo originou-se em oposição aos tráficos escravistas nas Américas, Ásia e Eu-
ropa. No seu início, o pan-africanismo (ainda não tinha esta denominação) era apenas uma
reduzida manifestação de solidariedade, restrita às populações de ascendência africana.
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Para saber mais, busque no link e leia : https://bit.ly/3jqtPYr
NEGRITUDE
A palavra négritude, em francês, deriva nègre, termo que, no início do século XX, tinha um
caráter pejorativo, utilizado para desqualificar o negro. A intenção do movimento, nesse sen-
tido, foi inverter o sentido da palavra dando-lhe uma conotação positiva. O termo apareceu
com esse nome em 1939, no poema do antilhano Aimé Césaire. Assim, na sua forma inicial, o
movimento tinha um caráter cultural e negava a política de assimilação à cultural (que tinha
como padrão a cultura branca). Passou-se a enaltecer e resgatar valores e símbolos culturais
de matriz africana. Negritude é, enfim, um termo com vários significados, podendo significar:
. o fato de pertencer à raça negra;
. à própria raça como coletividade;
. à consciência e à reivindicação do homem negro civilizado;
. à característica de um estilo literário;
. ao conjunto de valores da civilização africana.
Para compreender melhor esse conceito e sua história, leia o livro de Kabengele Munanga
disponível em: https://bit.ly/30BcJPb
Dois grandes expoentes desta geração foram Jospeh Ki-Zerbo, de Burkina Faso, e o
literato senegalês Cheikh Anta Diop. Para o movimento iniciado por eles, a África deveria
focar-se em sua própria trajetória. Ki-Zerbo, no contexto, escreveu um dos primeiros
trabalhos individuais contemporâneos sobre a África subsaariana – História da África Negra
– e ambos foram responsáveis por organizar e publicar a grande coleção História Geral da
África, editada pela Unesco a partir de trabalhos discutidos em seminários, na década de
1960. A coletânea possui oito volumes escritos por mais de trezentos estudiosos.
Cheik Anta Diop, por sua vez, ficou conhecido por ter sido o criador do afrocentrismo,
movimento que se concentrava no objetivo de defender a africanidade do Egito Faraônico,
contrariando a argumentação comum de que a civilização egípcia afigurava-se componente
da cultura branca. Ele apoiava essa tese para demonstrar que a grande civilização sobre a
qual os gregos e outros se apoiaram era uma civilização negra, portanto, a origem de indo-
europeus era africana.
Vale ressaltar, entretanto, que apesar desses esforços, muitos autores afirmaram
que esta vertente acabou revelando erros anteriormente cometidos, o principal: enaltecer
desproporcionalmente as características histórico-culturais da África utilizando-se, agora,
do afrocentrismo como contraposição do eurocentrismo. Dessa forma, os trabalhos
pioneiros dos nacionalistas foram importantes na medida em que iniciaram esforços para
a construção de uma história para a África que se expandiu, inclusive, para outras partes do
mundo, mas contavam com muitas críticas.
24
Levando em consideração os esforços em se conhecer a África pela África, os anos
de 1960 e 1970 viu surgir também uma busca pelo entendimento dos complexos quadros
socioculturais, econômicos, e políticos que se desenvolveram nos países africanos no pós-
independência:
Percebe-se, portanto, que foi preciso chegar às décadas de 1960 e
1970 para que ocorresse significativa expansão dos estudos e pes-
quisas realizadas no continente africano e fora dele. Na África, tal
fato esteve relacionado à expansão das universidades, à maciça
presença de professores africanos e europeus lecionando em suas
salas de aula, à busca de identidades e à tentativa de encontrar so-
luções para os problemas que assolavam suas regiões. No mundo,
possíveis causas explicativas para esse interesse seriam as aten-
ções que o continente despertava, fruto de suas especificidades,
ou ainda de sua problemática história recente. Mais do que isso, os
pressupostos e metodologias utilizadas nas investigações históri-
cas passaram a ser mais bem elaborados, chegando a um nível de
sofisticação que, em alguns sentidos, superava ao resto da histo-
riografia mundial (OLIVA, 2004. p. 26).
25
releituras sobre a colonização e os anseios sobre o desvendar das
origens de tantos e complexos problemas a que submerge hoje o
continente foram alvo de uma quantidade avassaladora de investi-
gações. Soma-se a isso a utilização das novas metodologias de pes-
quisa que tornaram a África, conjunta- mente aos outros elementos
apontados, um fruto cobiçado por muitos (OLIVA, 2004. p. 28).
26
Com a promulgação, em 2002, da Lei Federal 10.639, que tornou obrigatório o ensino
de História da África e da cultura afro-brasileira na Educação Básica, a demanda foi ainda
maior. Nas universidades, disciplinas, cursos de capacitação e pós-graduações passaram
a ser ofertados diversificando e multiplicando os estudos acerca desse continente que
histórica e culturalmente é tão importante para o Brasil. Na mesma demanda, diversos
livros acerca do tema têm sido produzidos e traduzidos para o português, aumentando
a abrangência de público. Além disso, os encontros anuais da Associação Nacional de
História (ANPUH) já contam com um Grupo de Trabalho em História da África, que tem a
participação de vários acadêmicos e pesquisadores africanistas como José Rivair Macedo,
Thiago Mota, Regiane Augusto de Mattos, Vanicléia Santos, Cristina Wissenbach, Waldemir
Zamparoni e diversos outros nomes importantes dos estudos de História da África no Brasil.
27
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente,
porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são trevas
[...]”. (Hugh Trevor-Hoper – renomado professor da Universidade de Oxford do século XX ).
No trecho acima, fica evidente a/o:
a) Americanização da África.
b) Africanidade do autor.
c) Etnicidade dos países africanos.
d) Eurocentrismo do autor.
e) Identidade dos grupos étnicos africanos.
2. (ENADE)
Gilberto Freire, no livro Casa-grande & Senzala, analisa aspectos das relações inter-raciais
no Brasil. Considerando a maneira como esse autor desenvolve em sua análise o mito da
harmonia entre as três raças que constituíram a nação brasileira, assinale a opção correta.
a) Segundo esse autor, a miscigenação produziu uma sociedade singular nos trópicos,
caracterizada principalmente pela convivência pacífica entre as raças.
b) A análise de Gilberto Freire está focada na ideia de dissidência entre as três raças, o
que constitui o principal ponto de conflito da nação brasileira.
c) No mito da harmonia racial, Gilberto Freire sugere a preponderância absoluta do
elemento branco sobre os negros e índios.
d) O preconceito racial é, segundo esse autor, um elemento fundador do mito da nação
brasileira.
e) Para o autor, o fenômeno da miscigenização indica um desequilíbrio entre as três
raças constitutivas da nação brasileira.
28
4. Cheik Anta Diop foi um importante intelectual africanista que, assim como Joseph
Ki-Zerbo, organizou a importante coletânea História Geral da África. Ele foi um dos pioneiros
nos estudos acerca desse continente valorizando-o e ressaltando as suas particularidades.
Nesse sentido, Diop defendeu que as bases nas quais a cultura ocidental estava alicerçada
era negra e africana.
Essa corrente filosófica defendida por Diop e outros intelectuais africanistas é conhecida
como:
a) Afrocentrismo.
b) Etnocentrismo.
c) Eurocentrismo.
d) Racismo.
e) Democracia Racial.
a) A civilização egípcia era negra africana desde o princípio, apesar de muitos manuais
afirmarem o contrário.
b) A base da civilização egípcia era negra no período tardio, o que contribuiu para as
visões de um Egito branco.
c) A civilização egípcia era branca e, por isso, foi a base de formação da cultura indo-
europeia.
d) Não há demonstração científica que determine a africanidade do Egito Antigo.
e) Muitas são as discrepâncias que provam que a base da civilização egípcia é realmente
negra.
29
03
UM CONTINENTE EM MOVIMENTO UNIDADE
30
3.1 INTRODUÇÃO
Conforme visto anteriormente, a África possui uma rica e diversificada história prévia
à intensificação dos contatos com os europeus. Esta história, por sua vez, diferente da
“História” tradicional que recorre a documentos escritos, utiliza-se muito da tradição oral
das sociedade africanas – lembrando que a maior parte delas eram ágrafas. Os guardiões
da memória, os chamados Griôts, eram e ainda são os indivíduos responsáveis por repassar
o conhecimento adquirido de geração para geração, por meio da contação de história.
Para os griôts, manter a integridade da história é sagrado.
Além das tradições orais, para os estudos acerca das sociedades africanas ainda é
utilizado documentos escritos produzidos por diversos povos que entraram em contato
com os africanos, como os vistos na unidade 1, e os achados arqueológicos. Dessa forma,
nesta unidade, vamos nos voltar para a história de alguns Estados africanos. Lembrando
que a África é um continente grande e diverso, portanto, fizemos uma seleção dessa
diversidade a ser apresentada aqui, tendo em vista as demandas das propostas curriculares
da Educação Básica. Ao longo da unidade, entretanto, serão oferecidos diversos livros para
que se possa aprofundar o conteúdo.
31
Para começar, o Egito Antigo representa o primeiro reino unificado conhecido da
história e também a mais longa experiência humana documentada de continuidade
política e cultural. Foram cerca de 3000 anos de dinastias faraônicas – não descartando,
vale ressaltar, os períodos de descentralização e domínio estrangeiro.
A história do vale do Nilo começa ainda no período pré-histórico, quando grupos
sedentários encontraram às margens do rio terreno fértil para a agricultura. Ali se
estabeleceram formando comunidades (nomos) que só seriam unificadas entre 3300 e
3100 a.C. Como se deu tal unificação? Algumas teorias foram elaboradas por egiptólogos
para explicar os fatores que teriam levado à unificação. Uma delas é a teoria que vê nos
trabalhos hidráulicos (construção de diques, represas e canais) a principal causa. Assim, a
unificação seria uma resposta à necessidade de uma administração centralizada dessas
obras. Contudo, tal explicação, apesar de amplamente aceita durante tempos, acabou
sendo questionada e diversos historiadores, como o maior especialista brasileiro em
estudos sobre Antiguidade Oriental, Ciro Flamarion Cardoso:
Apesar das divergências e das diversas teorias que se apresentam para tentar explicar
o processo, é importante salientar que foi por meio da unificação que se marcou o início
da época histórica dos faraós. A história do Egito, a partir da unificação, é comumente
dividida em em sete grandes períodos, para facilitar os estudos. O quadro a seguir resume
esta divisão baseado no texto do professor Arnoldo Walter Doberstein. Vale ressaltar que
para simplificação, muitos dividem somente em Reino Antigo, Reino Médio e Reino Novo.
32
ANOS (a.C) DENOMINAÇÃO PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS
33
para todos os âmbitos da sociedade pode incorrer em erros.
O pensamento egípcio, por sua vez, aparece marcado por um esforço de preservar a
estrutura vigente e ordem cósmica. O mito explicava o mundo descrevendo o fato como
se deu pela primeira vez. Para eles, o tempo tinha uma conotação cíclica, ou seja, o tempo
e o universo faziam com que uma dada ocorrência continuasse a ter vigência e atualidade.
O universo era visto como o domínio de forças que podiam se manifestar de maneiras
diversas (CARDOSO, Ciro, 1982, p. 85). Vale ressaltar, contudo, que as informações do
pensamento egípcio foram obtidas a partir dos escritos de uma minoria de letrados, uma
vez que grande parte da população era analfabeta. Dessa forma, qualquer generalização
para todos os âmbitos da sociedade pode incorrer em erros.
3.2.2 Núbia
Na região Núbia (ao sul do antigo Egito que fazia fronteira com o Mar Vermelho
e o deserto, ao sul se estendiam até o atual Cartum, no Sudão) também floresceram
importantes civilizações que guardavam muitas similaridades geográficas e culturais
com os egípcios especialmente em função dos contatos arqueologicamente comprovados
entre ambos. Diferentemente dos antigos egípcios, pouco se sabe acerca dessas civilizações
em função das dificuldades em decifrar as escritas e por muito de seus monumentos,
esculturas e inscrições terem sido destruídos pelos invasores.
Os egípcios sempre demonstraram seu interesse pela região e suas riquezas
minerais e buscaram dominá-la em algumas ocasiões, mas perderam esse domínio com
a invasão do Egito pelos hicsos (povos semitas asiáticos). Neste período, o reino Querma
na Núbia viveu o seu auge. A autoridade do rei de Querma foi sentida na Núbia Superior
e Inferior, e parte, inclusive, do Antigo Egito.
Quando os egípcios restabeleceram o poder sob este território, novamente iniciaram
um processo de expansão territorial sob os núbios. No século XV a.C., o faraó Tutmés I
dividiu a Núbia em duas partes. A parte do norte tornou-se Wawat, e a parte sul, Kush
(ou Cuxe) – com mais influência egípcia que o antigo Querma, porém dele provavelmente
derivado. Muitas riquezas do reino de Kush foram levadas ao Egito como ébano, marfim,
incenso, gado, ouro e escravizados (MOKHTAR, 1980. p.247)
O reino Kush era governado por chefes políticos e militares, que em dada época
acreditavam ser herdeiros legítimos dos faraós de tempos antigos e como eles vestiam-se
e atuavam. Hábeis guerreiros, os kushitas controlaram as principais rotas comerciais às
margens meridionais do rio Nilo e impuseram seus domínios sobre povos da vizinhança,
chegando, inclusive, a dominar os próprios egípcios. Este domínio durou cerca de 50
anos, e os “faraós negros” governaram de maneira unificada a Núbia e o Egito, e foi
interrompido em função da invasão assíria (civilização da Mesopotâmia) no Egito, que
fez com os kushitas retornassem para a Núbia.
As duas principais cidades, Napata e Meroé, revesaram-se como capital. A principal
Napata, escolhida talvez por fatores climáticos e econômicos, foi transferida mais ao sul
para Meroé. Após a mudança, não foramm abandonados os valores egípcios, mas as
formas culturais núbias voltaram a se impor. O soberano ainda se chamava faraó, mas
novos deuses apareciam e as tradições matrilineares (com o prestígio das rainhas-mães,
as candaces) voltaram ser mais fortes. Os meroítas conseguiram fazer frente aos avanços
romanos, mas acabaram sendo dominados pelo Reino Axum.
34
3.2.3 Axum
O Reino de Axum foi um antigo e importante reino localizado na atual Etiópia e Eritreia. De
acordo com a mitologia etíope contida no livro Kebra Negast, acredita-se que nesta região teria
vivido a Rainha de Sabá (Makeda) e que a família imperial do país Etiópia seria descendente de seu
filho com o rei Salomão. Esta dinastia governou o país durante aproximadamente 3000 anos, tendo
seu fim no século XX, com o imperador Haile Selassie.
A ocupação da região é muito antiga, mas pouco se sabe a esse respeito, as informações que
se têm datam do reino Axum em diante, quando se unificaram os povos da região em torno do
Cristianismo, no século I d.C. A expansão Axum teve início já no início da Era Cristã e eles passaram
a controlar importantes rotas comerciais marítimas especialmente pela sua proximidade com o
Mar Vermelho. O seu prestígio e poderio foram atestados pela cunhagem de moedas, seguindo os
modelos romanos.
A introdução do Cristianismo foi obra de Frumêncio, mercador cristão que foi tutor de um
rei e o influenciou a adotar oficialmente o Cristianismo e o Antigo Testamento foi traduzido para o
ge’ez, (língua semita utilizada até hoje). A Etiópia é, portanto, um dos primeiros países cristãos do
mundo e sua Igreja é a Igreja Ortodoxa Etíope (BRANCO, 2015, p. 66).
Axum teve muitas dificuldades frente ao avanço árabe nos séculos VII e VIII d.C., mas
continuou até o século XI isolado frente ao avanço muçulmano pela Etiópia. Axum entrou em
decadência, mas sua importância manteve-se pelas dinastias imperiais etíopes que se seguiram.
FIQUE ATENTO
É muito comum conceituar e definir as bases da organização política dos africanos da Áfri-
ca Ocidental como “reinos” ou “impérios”. Esses termos são frequentemente utilizados como
forma de aproximar essas organizações ao que é familiar. Assim o fizeram os primeiros euro-
peus que despontaram na África. Como não compreendiam muito bem o sistema de organi-
zação, mas como viam que tinham uma autoridade disseram que era um império. Mas eles
ainda são termos tomados de empréstimos que não dão conta da realidade dessas regiões.
Por isso, optamos aqui por utilizar um termo mais neutro que é “Estado” - no sentido que ha-
via grupos que exerciam domínio sobre outros.
35
GLOSSÁRIO
SUDANESES: termo que generaliza uma diversidade de povos que habitam a região entre o
deserto do Saara e o Atlântico compreendendo o Chade, o Níger, o Sudão, as regiões da Costa
do Golfo (Nigéria e Benin), Togo, Gana, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa, Guiné, Senegal.
Ou seja, principalmente a região da África Ocidental, porém não só.
3.3.1 Gana
Gana foi um importante Estado que floresceu por volta do século IV d.C., localizado no
Sudão Ocidental, entre os atuais países Mali e Mauritânia. Região onde o deserto do Saara
começa a se encontrar com as savanas do Sahel. Como surgiu esse importante império?
A sua origem esteve ligada a uma rede comercial que unia o norte do deserto ao sul. Sua
posição geográfica, entre o Saara e os rios Níger e o Senegal, provavelmente foi decisivo para
que os ganenses dominassem as principais rotas desse comércio, controlando o fluxo de
ouro que vinha do sul e as fontes de sal. Por essa característica comercial, rapidamente o islã
expandiu-se por essas terras a partir dos comerciantes árabes que trocavam mercadorias.
FIQUE ATENTO
Para se ter uma ideia das rotas comerciais que ligavam os Estados sudaneses, acesse: http://
brasilafrica.fflch.usp.br/node/282. Observe como o deserto do Saara era cruzado por diferen-
tes rotas.
36
GLOSSÁRIO
AlLMORÁVIDAS: dinastia muçulmana proveniente de grupos nômades do Saara que unificou
sob seu domínio grandes extensões de terras compreendendo os territórios da atual Mauritâ-
nia, Saara Ocidental, Marrocos e Península Ibérica (atuais Portugal e Espanha).
3.3.2 Mali
37
3.3.3 Songai
Nas proximidades do rio Níger, uma cidade destacou-se pela sua importância
comercial, política e econômica: Gao. Esta cidade, desde o século XIV, estava sob o controle
dos songais que a partir desse centro iniciaram incursões militares. A expansão militar
dos songai aconteceu durante o reinado de Sonni Ali (1464-1493), que chegou a dominar,
inclusive, Tombuctu e Djenné (cidades do Mali). O império, que contava com uma estrutura
administrativa mais centralizada, passou, então, a dominar importantes centros comerciais.
Vale ressaltar que, assim como o Mali, o Songai também se baseava em princípios islâmicos.
Com um comércio bem organizado e um sistema de governo mais coeso do que
os impérios que o antecederam, o império Songai alcançou uma extensão territorial que
abrangia o sul do Saara, o Sahel, as savanas do litoral atlântico em direção ao leste. No
século XVI, os sultões marroquinos disputaram o controle das fontes de sal e assumiram o
controle das fontes de ouro – principais mercadores que sustentavam o império Songai. Os
marroquinos acabaram invadindo e destruindo o império no final do século XVI (MARQUES,
2008. p. 53).
Assim como os três grandes Estados acima mencionados, existiram vários outros,
como o de Kanem-Bornu, as várias cidades dos povos Haussás e os Mossi. No geral, assim
como os demais, também eram dependentes das rotas comerciais, apesar de apresentar
atividades econômicas e políticas diversificadas.
GLOSSÁRIO
BANTO: os bantos são centenas de povos bem diferentes, ligados por questões etnolinguísti-
ca. Os povos bantos teriam se dispersado por todo o continente africano há 2000 a.C.
38
Muito do ouro e outros produtos comercializados vinham do interior do continente e
contribuíram para o fortalecimento de diversos reinos e povos. O povo Monomotapa da etnia
Shona (Xona) é um deles. Terra rica dos sertões de Sofala, aqueceu o imaginário europeu e
muçulmano. As suas minas de ouro atraíram e fascinaram os grandes impérios africanos,
asiáticos e também os europeus e árabes. Seus vizinhos, com quem provalvemente se
relacionaram, teriam sido os responsáveis pela construção do Grande Zimbabwe.
VAMOS PENSAR?
No século XX, quando europeus encontraram as ruínas do Grande Zimabwe, muitos discuti-
ram e questionaram se as construções teriam sido realmente feitas por povos africanos locais.
Algumas teorias chegaram a ligar os fenícios (povos navegantes do Oriente) à construção. De
acordo com o que temos discutido até aqui, quais seriam os motivos para os questionamentos
quanto à autoria da construção?
O ouro, portanto, era a base econômica e a sua extração era basicamente para a
exportação. O trabalho com metais, portanto, era considerado uma tarefa de prestígio
e era realizado por famílias especializadas. Eles possuíam técnicas bem avançadas na
prospecção de metais que eram trocados no comércio com os árabes. O trabalho agrícola
também era bastante tradicional, apesar de utilizarem utensílios de ferro como a enxada.
Estes trabalhos, então, eram divididos entre os clãs. O rei, por sua vez, era o topo de toda
organização social e, dada a importância do comércio, os comerciantes possuíam também
muito prestígio (HORTA, 1988. p. 78). O nome Monomotapa, por sua vez, veio do título do
rei Mwana Mutapa. O fim do império se deu com a sua fragmentação.
39
FIXANDO O CONTEÚDO
3. (Professor de História/IF-PB)
“Antes do século XV, de acordo com o geógrafo grego Ptolomeu, o mundo consistia em
Mediterrâneo oriental, parte da Europa meridional e segmentos do litoral da África do
norte, ao sul do qual jazia um abismo sem fim, um inferno que ninguém ousava penetrar.
Esse limitado conceito descritivo do mundo e de seu inferno adjacente, semelhante àquele
exposto na Bíblia, tornaria-se a imagem convencional da África. Entretanto, seria impossível
negar que existiam diversas civilizações que o mundo pretensamente consciente, isto é, a
Europa ocidental, ignorava absolutamente.” (HAMENOO, 2008. p. 109-110).
Assim, entre os antigos povos, impérios ou civilizações africanas que os europeus
desconheciam completamente até o século XV, encontra-se:
40
a) a Civilização Egípcia.
b) o Império de Kush.
c) o Império de Songai.
d) o Povo Etíope.
e) o Povo Berbere.
4. (Professor de História/IF-PB)
Considerados os povos mais antigos do continente africano, viviam de forma nômade, com
a economia baseada no comércio, principalmente de tecidos, alimentos, sal, artesanato e
joias. Usavam muito o camelo como meio de transporte de mercadorias, graças à resistência
deste animal e de sua adaptação à vida no deserto. Durante as viagens, levavam e traziam
informações e aspectos culturais. Logo, eles foram de extrema importância para a troca
cultural que ocorreu no norte da África.
O texto acima descreve as características culturais de qual dos seguintes povos africanos
no mundo antigo?
a) Os Bantos.
b) Os Berberes.
c) Os Egípcios.
d) Os Núbios.
e) Os Songais.
a) Diamantes.
b) Ouro.
c) Cobre.
d) Ferro.
e) Algodão.
41
04
AS SOCIEDADES AFRICANAS E A UNIDADE
ESCRAVIDÃO
42
4.1 INTRODUÇÃO
Os contatos iniciais com a África subsaariana ocorreram em meados dos séculos XV,
no alvorecer da expansão marítima portuguesa e espanhola. Ao desembarcar na África, os
europeus depararam-se com diversas formações sociais cujas estruturas acabaram sendo
transformadas em função das novas relações que foram estabelecidas e também por
questões internas. Muito se conhece acerca do papel europeu em todo esse processo, mas
e o africano? Nesta unidade, conheceremos melhor aspectos dessas sociedades africanas
à luz dos contatos com europeus e do comércio atlântico de escravos que deles resultou.
Conforme analisa José Rivair Macedo, no território do atual Senegal, desde o século
XV, a hegemonia política era partilhada e, por vezes disputada, por unidades políticas
desmembradas de um Estado conhecido como Grão Jolof – constituído por populações
que falavam a língua wolof. A partir do desmembramento desse Estado teriam surgido
diversos outros “reinos” como de Kaior, Waloo e Sine, que reproduziam a estrutura social
da hierarquia já existente na época do Grão Jalofo. (MACEDO, 2013. p. 72).
Já no golfo da Guiné, contrariamente à descentralização do poder da região do
Senegal, desenvolveram-se instituições monárquicas mais centralizadas entre os povos de
língua iorubá que ocuparam o sudeste da Nigéria, Benim e Togo. Vários grupos podem ser
citados nessa comunidade: edo, ibo, fon, evhé, entre outros.
Na comunidade iorubá, o reino do Benin (não confundir com o atual país Benim,
antes chamado de Daomé), por volta do século XV, encontra-se em pleno processo de
expansão. Há relatos portugueses dos contatos estabelecidos com Evaré, o Grande, o obá
(governante do Benim) em exercício. O comércio que se estabeleceu entre ambos contava
com armas, pimentas, vestimentas, marfim e, principalmente, escravos. Como veremos, os
povos africanos participaram ativamente do comércio de escravos e possuíam a instituição
(diferente daquela observada no Brasil) em diversas sociedades. O obá Esigi, que sucedeu
Evaré, era ainda mais interessado nas mercadorias europeias, especialmente armas, e
embora não tenha se convertido ao Catolicismo, permitiu que se construísse Igrejas e que
missionários pregassem na região (SILVA, 2008. p. 106).
43
Vizinho do Benim, Daomé era um reino fon que incluía os reinos de Alada, Ajudá e Popó que
se ligaram em função do comércio de escravos e estavam submetidos à influência de Oió
– outro reino vizinho. O reino do Daomé durou até o século XX, quando foi incorporado às
colônias francesas da África Ocidental. Outro reino iorubano estabelecido nas proximidades
do Daomé, o Oió, organizava-se por meio de uma confederação de cidade com destaque
para Ifé, considerada a fonte mística do poder. A cidade era o centro do mundo espiritual e
o local de consagração dos governantes, conforme aponta Macedo (2013). Os governantes
tinham o título de Alafin e conseguiram expandir seu território mantendo sob seus
domínios, inclusive, o Daomé. Apesar de ter se mantido fora da influência europeia, o fato
de ter o comércio de escravos como base econômica foi responsável por sua decadência
no século XIX, e depois passou a ser controlado pelos britânicos.
Na Costa do Ouro, nos atuais países de Gana e Togo, ganhou forma um dos Estados
de maior projeção dos séculos XVIII e XIX, a chamada Confederação Achanti. Segundo as
tradições orais, em meio a líderes, um sacerdote local teria feito descer dos céus um assento
de ouro (sikadwa) aos joelhos de Osei Tutu, que foi muito hábil em fazer alianças políticas
e matrimoniais. O acontecimento, então, passou a simbolizar o início da Confederação
(MACEDO, 2013. p. 79).
Apesar de inicialmente os achantis não terem muita projeção política e econômica,
suas conquistas militares e sua burocracia palaciana os transformaram em uma das
formações mais poderosas da África, com um exército fixo e disciplinado. Por volta do
século XIX, os achantis dominavam quarenta povos entre o interior da floresta e a costa.
Para manter a integração, ainda criaram uma rede de comunicação que tinha como capital,
Kumasi. Assim como os demais reinos acima mencionados, a principal base econômica era
o comércio de escravizados, apesar de também se beneficiarem da agricultura, extração
de noz-de-cola e ouro.
Com o tempo, os achantis foram deixando de ser uma confederação e passaram
por uma centralização de poder na figura do achantithene (principal chefe do governo)
e passaram a reproduzir de forma ampliada as estruturas tradicionais das monarquias
africanas (MACEDO, 2013. p. 80).
A importância e riqueza achanti afetaram os interesses holandeses e ingleses na
região, que, no século XVIII, aliaram-se a povos não controlados pela confederação. Depois
de muitos conflitos com a vitória achanti e no final do século XIX, a capital Kumasi foi
saqueada e incendiada e os achantis foram obrigados a renunciar a qualquer direito sobre
a região e proibidos de promover o tráfico de escravos.
44
enquanto outros apontam para o século XIII (VANSINA, In: OGOT, 2010. p. 650).
Em termos de divisão territorial, costuma-se dividir o reino do Congo em seis províncias:
Mpemba, Soyo, Mbamba, Nsundi, Mbata e Mpango. Além das províncias, sob seus domínios
também tinha os Estados independentes: Ndongo, Matamba, Loango, Ngoyo, Dembe,
Cakongo entre outros. As cidades eram chamadas de mbanza, cujos chefes eram os sobas,
e as aldeias de lubata, cujos chefes eram chamados de nkuluntus. Apesar desses poderes
locais, o Congo era um reino altamente centralizado na figura do manicongo (senhores do
Congo) e tinha sob sua autoridade diversos chefes locais conquistados por meio de guerras
e alianças. O centro de poder localizava-se na cidade de Mbanza Kongo. O manicongo
podia demitir governadores e outros funcionários de acordo com seus interesses. Também
cabia a ele a emissão da moeda local – nzimbu. Militarmente, o reino contava com uma
guarda real, única força permanente, mas em tempos de guerra, havia o recrutamento de
camponeses.
Após os primeiros contatos estabelecidos com o navegador português Diogo Cão,
no século XV, rapidamente os congoleses se aproximaram dos portugueses. Em 1491, o
manicongo Nzinga Nkuwu recebeu o batismo e se converteu ao Cristianismo. Com
Afonso I, no século XVI, o reino abriu-se aos interesses portugueses, o que acarretou uma
reorganização política e econômica. Este rei tornou o Catolicismo a religião oficial do
Estado e quis controlar o tráfico de escravizados antes de aboli-lo em 1526. Com os recursos
obtidos do comércio de escravizados e marfim, buscou trazer para seu reino técnicos e
missionários portugueses. Como consequência dessas transformações, aumentou-se a
desigualdade social e a presença de portugueses na região.
Portugal interessou-se cada vez mais pelas riquezas mineiras que acreditavam
existir naquelas paragens e quis dominá-lo. O rei do Congo, por sua vez, buscava conservar
seu poder frente aos interesses portugueses. Os diferentes reis que sucederam o trono
buscaram frear a exploração portuguesa e receberam, na contramão, um embargo nas
vendas de navios portugueses. Com o passar do tempo, o Reino do Congo foi perdendo
a sua hegemonia e importância local especialmente em relação ao Ndongo, que, por sua
vez, fortalecia-se graças ao tráfico clandestino de cativos (VANSINA, 2010).
Ao sul Congo, no século XV, formou-se o Ndongo que era habitado por mbundus
(povo de origem banta), falantes do kimbundu. A principal autoridade recebia o título
de Ngola (de onde veio o termo Angola do atual país) que seguia a sucessão matrilinear.
Diferentemente do Congo, o poder do Ngola era limitado pela independência dos diversos
sobas da região. Alguns sobas reconheciam o Ngola somente por seus poderes místicos e
não políticos.
A ocupação portuguesa na região foi iniciada no século XV, não sem grandes tensões
especialmente com a rainha Nzinga Mabnde. A famosa rainha Ginga assumiu o governo
em função da morte do Ngola da época, que era seu irmão, em 1624. Os portugueses
não reconheceram suas pretensões ao trono e travaram com ela muitas batalhas. Nesse
contexto, os portugueses chegaram a nomear um rei fantoche, o Ngola Ari, para assumir
o poder e manter a lealdade do reino aos portugueses. Isolada, Nzinga se refugia em
Matamba, onde conseguiu apoio dos jagas (povo nômade e guerreiro da região) que
reconheceu sua soberania local.
45
Mais tarde, com a presença holandesa em Luanda, Nzinga viu mais uma oportunidade
de resistir e com sua ajuda, a Companhia das Índias Orientais consegue dominar Luanda.
Logo, os portugueses derrotam suas forças e Angola foi definitivamente conquistada pelos
portugueses. Em 1659, Nzinga assina um tratado de paz com Portugal e a dona Ana, nome
cristão que recebeu com sua conversão, governa até seus 80 anos. Após sua morte, muitos
de seus soldados são enviados escravizados ao Brasil colônia.
46
BUSQUE POR MAIS
• O historiador e diplomata brasileiro Alberto da Costa e Silva é um reconhecido
especialista em cultura e história da África. Ao longo da sua carreira escreveu impor-
tantes livros acerca da História da África antes e depois da chegada dos europeus
como A enxada e a lança (1992), A manilha e o libambo (2002), Um rio chamado
Atlântico (2003) e Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004). Para que se
possa aprofundar na questão da escravidão na África, segue um vídeo desse impor-
tante historiador: https://bit.ly/2ZKgVN4
• João José Reis é um importante historiador brasileiro, professor da Universida-
de Federal da Bahia, considerado uma referência mundial para o estudo da história
e da escravidão na África e no Brasil. No vídeo “Nossa história começa na África”, o
historiador dá uma pequena aula acerca da escravidão moderna: https://bit.ly/3jn-
2ZR0
• Para saber mais acerca da conversão do Reino do Congo, leia o artigo dos his-
toriadores Ronaldo Vainfas e Marina de Mello e Souza: Catolização e poder no tempo
do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos
XV-XVIII. Disponível em: https://bit.ly/3hhtNQE
FIQUE ATENTO
Escravidão tal como verificada nas colônias americanas pode ser definida como uma forma
de exploração na qual um ser humano é considerado um objeto de propriedade, alienável
e submetido ao seu senhor, sem direitos políticos e que pode ser destinado a qualquer tipo
de trabalho e ainda ser punido à vontade de seu senhor. Contudo, na história temos teste-
munhos da presença da escravidão na vida social de diferentes povos desde a Antiguidade.
Em uma análise mais detida nos diferentes tipos de “escravidão” constata-se que nem sem-
pre escravo é reduzido a status de mercadoria, tal como se verifica na escravidão moderna
(Atlântica) apesar de ser aquele tipo de trabalhador que não teria os meios produtivos e nem
o controle de seu próprio esforço. Escravidão, nesse sentido, é um termo que unifica um pro-
cesso mais complexo e variado.
47
De maneira geral, no pensamento ocidental moderno, escravidão é uma forma
de exploração e os escravos eram geralmente tratados como uma propriedade privada.
Escravidão, nesse sentido, seria a antítese de liberdade. Já para as sociedade africanas, a
relação estabelecida era vinculada mais ao pertencimento. Assim, para alguém se tornar
escravo, na prática, era necessário que perdesse seu lugar na linhagem (também chamada
escravidão doméstica ou de parentesco), conforme analisam alguns historiadores. As
pessoas, portanto, eram transformadas em escravos por punição a algum crime ou por
dívida.
O que está no cerne dessa questão é que para os europeus a acumulação de riquezas
e poder estava ligada à posse das terras, e nas sociedades africanas o poder de um soberano
africano estava ligado à quantidade de dependentes que ele possuía sob seu domínio:
A escravidão era difundida na África atlântica porque os
escravos eram a única forma de propriedade privada que
produzia rendimentos reconhecida nas leis africanas. Em
contraste, nos sistemas legais europeus a terra era a prin-
cipal forma de propriedade privada lucrativa, e a escravi-
dão ocupava uma posição relativamente inferior (THOR-
NTON , 2004. p. 125).
48
4.4 O IMPACTO DO TRÁFICO DE ESCRAVOS
E DA ESCRAVIDÃO ATLÂNTICA
49
grupos sociais ascenderam socialmente com o papel de capturar e comercializar cativos. No
século XVIII, surgiu um grupo influente de intermediários que se estabeleceram na região
dos reinos do Benin e Daomé chamados “brasileiros”. Eram mestiços “luso-brasileiros” e
até mesmo libertos que retornavam à África e lançavam-se como negociantes junto aos
governantes africanos. Um nome de grande projeção desse grupo é do baiano Francisco
Félix de Souza (1754-1849), ou simplesmente Chachá.
50
Após o trânsito pela África, os escravizados eram alojados em navios negreiros.
Separados nas embarcações, eles seriam selecionados e revendidos ao longo da costa
americana, para serem reinseridos na condição de escravos nas colônias europeias no
Novo Mundo. É preciso lembrar que a história do continente africano é muito mais do que
escravidão e comércio de escravizados. Esta foi uma instituição importante na história das
sociedades africanas, mas o continente não se resume a um grande mercado de cativos.
A África possuía sociedades com organizações políticas, econômicas, sociais e culturais
bem estruturadas e diversas antes da fundamentação do comércio internacional de
escravizados.
VAMOS PENSAR?
Escravidão é um tema recorrente nos manuais de história do Brasil, uma vez que em nosso
país esse tipo de exploração da força de trabalho foi utilizada por séculos. Você sabia acerca
da participação africana nesse processo? Reflita sobre o papel desempenhado pelos reinos
africanos nesse comércio tal como aprendido na unidade e na forma como sempre se pensou
o papel deles anteriormente. Quais diferenças você pode elencar?
51
FIXANDO O CONTEÚDO
Estão corretas:
a) I e IV.
b) II e IV.
c) I e II.
d) I, II e IV.
e) II e IV.
52
3. A Baía do Benim recebeu a alcunha de “Costa dos Escravos”. Tal expressão se deve ao
fato de:
a) Todo africano da região era considerado um escravo natural.
b) Os grupos africanos locais terem escravizados outros grupos africanos para abastecer
o comércio de escravos.
c) A região ter desempenhado importante papel no fornecimento de cativos
comercializados através do Atlântico.
d) Ser frequente as guerras na região com o intuito de adquirir escravos para o comércio
asiático.
e) A região ser a mais próxima da Europa e ser, portanto, a preferida dos europeus para
estabelecer contato e comércio de escravizados.
53
05
ÁFRICA CONTEPORÂNEA UNIDADE
54
5.1 INTRODUÇÃO
De acordo com o historiador Eric Hobsbawm, o fato maior do século XIX foi a criação de
uma economia global única, que atingiu as partes mais distantes do globo. Regiões antes
remotas, integraram a economia europeia. A burguesia industrial em ascendência via na
África um eldorado de matérias-primas. Neste período, chamado por Hobsbwam “Era dos
Impérios”, verificou-se uma acirrada competição entre as grandes potências europeias (os
chamados impérios) que desembocaram na repartição da África, dentro de um processo
que ficou conhecido como Imperialismo, que gerou consequências incontornáveis para os
futuros países que se formaram no processo de independência posteriormente observado.
Vejamos mais sobre isso.
55
FIQUE ATENTO
Charles Darwin: em 1859, Charles Darwin lança a sua obra sobre a origem das espécies por
meio da seleção natural. Entre as ideias de Darwin destaca-se a crença em um mundo vivo
e mutável, cujo principal motor de mudança seria a seleção natural. Vale ressaltar que o da-
rwinismo social é uma releitura das teorias de Darwin proposta por outros cientistas.
56
Além desses elementos, poder-se-ia acrescentar ainda uma política de assimilação
na qual se verifica uma iniciativa dos europeus em converter o africano culturalmente
transformando sua organização política, econômica e cultural. É preciso entender, contudo,
que mesmo compartilhando tais conjuntos de mecanismos, os sistemas coloniais na África
variavam de acordo com a intensidade com que eram utilizados dada a diversidade cultural
africana. De todo modo, se há algo em comum que podemos ressaltar é a violência com
que foram marcados.
O termo imperialismo foi utilizado pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra,
ao dar nome a uma política orientada:
O Congo, na época, cobiçado pelos europeus em função dos seus recursos naturais e
pelo rio Congo passou a ser domínio da Bélgica. Muito maior do que o país europeu, a sua
exploração enriqueceu consideravelmente o então rei belga, Leopoldo II, que não mediu
esforços ao instaurar uma colonização violenta e exploratória. No seu regime, não havia
mecanismos para conter a violência da colonização e nem para controlar o emprego da
força física. O terror era a marca dessa colonização: aldeias eram incendiadas, massacres
em massa, tortura e mutilações eram recorrentes.
Quando a extração do látex (uma das principais fontes de riqueza existentes na
região) atingiu o auge, a ambição europeia se tornava mais predatória. Diferentemente
do que se observa nas seringueiras da América Latina, a espécie africana requeria maior
tempo para a retirada do látex. A ambição, contudo, não sustentava a espera e os congoleses
eram forçados a um regime desumano. A recusa de um trabalhador, em contrapartida, era
respondida com a dizimação da sua aldeia servindo como exemplo às outras.
A estimativa da perda demográfica da população local em decorrência da política
genocida do rei Leopoldo II, dá-se em torno de 10 milhões de pessoas (apesar de ser impossível
falar com precisão acerca desses números em função da falta de documentação). Não se
pode deixar de mencionar, contudo, as revoltas, fugas e manifestações locais contrárias à
burocracia colonial que eram sempre repreendidas espalhando terror.
57
Abandonando as promessas feitas na Conferência de Berlim e diante de escândalos
internacionais que já davam conta das atrocidades cometidas na região, o rei belga
chegou mesmo a proibir a entrada de estrangeiros na região. Relatos das violações de
direitos humanos constantes na colônia fizeram com que a coroa Britânica realizasse uma
investigação. Os resultados foram apresentados em um relatório oficial que narra com
detalhes várias torturas, mutilações, assassinatos e diversos outros abusos cometidos pelo
regime de Leopoldo II.
Em 1910, depois de muita pressão, a administração belga anunciou que substituiria
o trabalho forçado pelo imposto em dinheiro. Todavia, a legislação não foi aplicada e o
trabalho forçado permaneceu por longas décadas (HERNANDEZ, 2005). Nesse momento,
o Congo era gerido pelo governo belga e não pelos interesses privados do rei Leopoldo
II. Contudo, o fato do Congo ser transferido para o domínio do governo belga em nada
modificou o sistema colonial operante pelo antigo rei.
O rei Leopoldo II chegou a ser, inclusive, condenado pelas atrocidades cometidas
no Congo em sua gestão, contudo não foi afastado de seu cargo e nem sofreu qualquer
tipo de perda ou sanção. Antes de morrer, em 1909, recebeu uma compensação pelos seus
“esforços” e a administração belga tratou de destruir vários documentos que relatavam o
regime genocida empreendido pelo rei. Em função disso, muito do terror e da violência
cotidiana sofrida pelos congoleses caíram no esquecimento, sendo aos poucos recuperados
pelos esforços de pesquisadores.
O Congo, por fim, somente conseguirá sua independência em 1960, mudando seu
nome para República do Congo. Sem qualquer estrutura econômica, administrativa, com
um histórico de colonização baseada na exploração e na violência, a história do Congo
independente perpassa golpes de Estado, assassinatos, tratados não cumpridos, guerras
civis financiadas por grandes potências, miséria e exploração.
58
por sua vez, uma “interpretação africana” mais histórica do tema apresenta-se na medida
em que propõe uma articulação entre componentes externos e internos do continente
africano.
O nigeriano Godfrey Uzoigwe, por sua vez, buscou dar vida ao dinamismo sociopolítico
africano a partir do qual negou que a partilha tenha sido um fenômeno inevitável à África
e evidenciou a desestabilização regional ocasionada em função do estabelecimento de
missionários, de entrepostos comerciais, de colônias e protetorados. Além disso, conferiu
importância crucial à negociação estabelecida entre os europeus e os soberanos africanos.
Havia, segundo ele, os tratados políticos celebrados por representantes de governos
europeus e pelos mandatários africanos, que acabavam abdicando à soberania do território
em troca de proteção de determinada nação europeia (HERNANDEZ, 2005).
Este último caso pode ser observado, por exemplo, na África oriental alemã (atual Tanzânia)
onde os grupos firmaram alianças de proteção contra povos inimigos. Também se
verificaram alianças para soberanos africanos conseguirem manter a obediência de seus
súditos. Em todos esses aspectos, a consequência convergiu para a perda da soberania dos
próprios africanos sob seu território.
Vale ressaltar que não houve uma reação pacífica africana perante o processo
de conquista europeu como se costuma representar. Muitas sociedades, mesmo
descentralizadas, como os ibos e haules, marcaram esse período da história com guerras e
guerrilhas. Contudo, a efetividade da presença europeia foi garantida pelo conhecimento
militar, econômico e geofísico que eles tinham das regiões africanas graças às atividades
dos já mencionados missionários e exploradores (HERNANDEZ, 2005). Dessa forma,
o protagonismo africano pode ser observado na resistência de vários grupos perante a
violenta perda de soberania, independência e liberdade. Contudo, o desenvolvimento
bélico somado a um estratégico conhecimento acerca dos locais garantiram aos europeus
a dominação que se verificou.
1) Perda da soberania;
2) Quebra da legitimidade;
3) Ideias religiosas;
4) Despropósito de mecanismos econômicos;
5) Repressão cultural.
59
É muito difícil, entretanto, observar qual desses elementos sobressaiu em um dado
movimento. Além disso, muitos deles apresentavam-se, inclusive, de forma articulada. O
importante é compreender que diversas razões entrelaçaram-se para que se eclodissem
as revoltas. Assim, para melhor compreender o significado desses movimentos, vamos
analisar alguns casos específicos. Antes, porém, é importante fazermos uma observação
acerca da seleção dos movimentos. Nos limites estabelecidos nas páginas que se
inserem é impossível uma apreciação de todos os movimentos ocorridos, portanto, serão
selecionados alguns, sempre correndo o risco de desprivilegiar importantes movimentos
para específicas localidades.
Entre os exemplos significativos desses movimentos de resistência podemos citar,
por exemplo, o caso da Argélia em 1830, quando o governo francês, invocando os ataques
piratas nos postos do Mediterrâneo, ocupou o território argelino gerando um movimento
de resistência constante e organizado por parte da população árabe. Esta, zelosa de sua
soberania, não aceitava as políticas e os métodos europeus tal como ocorreu na rebelião
de Mamadou Lamine (1898-1901) no Senegal, em que os soninke rebelaram-se contra a
dominação francesa especialmente por não serem muçulmanos. De acordo com a crença
local, uma revelação divina haveria alertado, proibindo de serem dominados por povos
não-islâmicos (HERNANDEZ, 2005).
Tais exemplos demonstram, em linhas gerais, o significado da soberania para a maior parte
das sociedades africanas que possuía importância além do poder político considerado de
forma restrita. Havia, em muitos casos, uma articulação entre organização política e social
fundada na religiosidade.
Já na África Oriental Alemã (hoje Tanzânia), entre os anos 1905 e 1907, houve um
conflito liderado por Kinjikitile Ngwale, no qual as crenças da religião local foram utilizadas
como meios de revolta contra os 20 anos de colonização alemã, marcados pela crueldade,
exploração e injustiça. Kinjikitile, então, recorreu às suas crenças religiosas atrelando-as
aos princípios tradicionais de unidade e liberdade dos povos da região, unindo em uma
mesma bandeira diversos grupos culturalmente distintos.
Mais próximo do plano econômico, muitos movimentos eclodiram contrários aos
pesados impostos e à perda da terras, como o caso de Serra Leoa, em 1898. Esta rebelião
foi uma reação ao imposto da palhota, mas também contra a perda das terras locais e a
utilização de mão-de-obra de maneira compulsória. O recrutamento para o trabalho de
maneira forçada, além disso, instigou em outras localidades reações diversas como o caso
de Uganda e no Quênia em 1911, que somadas às outras perdas e à imposição da cultura
europeia impulsionaram a população local.
Em termos culturais temos o caso do teatro do velho Império Oió, na Nigéria. Esta
manifestação cultural era muito comum no antigo império e consistia na utilização de
máscaras em funerais dos reis que, segundo a crença, protegeriam a população. Com a
desintegração do império, o teatro se dispersou para o sul, ultrapassando os limites do
Daomé e extinguindo-se no local de origem. Os muçulmanos que dominaram a região
proibiram as manifestações teatrais e, posteriormente, o mesmo aconteceu com a presença
dos missionário cristãos. A partir daí, esse teatro tornou-se uma força de resistência às
culturas islâmica e cristã. No contexto de independência ressurgirá no pós-independência,
na região meridional da Nigéria (HERNANDEZ, 2005).
60
Outro exemplo de grupos que, apesar da tentativa de ocidentalização conseguiram
manter muito de suas crenças e culturas, é o povo zulu da África Meridional e os umbundos
em Angola. De acordo com Hernandez, os ditos movimentos “resultaram de uma grande
experiência histórica compartilhada por colonizadores e colonizados, o que deu origem a
temas complementares, não obstante contrapostos, como o imperialismo ocidental e o
nacionalismo terceiro-mundista”(HERNANDEZ, 2005 p. 175).
Nesse processo, o período de conflitos e exploração ganharam alcances maiores
e mais simbólicos conseguindo mobilizar e articular massas populares. Somado a eles,
as Guerras Mundiais que eclodiram em paralelo acentuaram as demandas opostas por
parte dos europeus e dos africanos. Tanto a Europa quanto a África foram afetadas social
e economicamente pelas Guerras. Muitos europeus foram obrigados a migrar para postos
administrativos na África aumentando a pressão e a exploração nas colônias para que
dessem conta de suprir os déficits que o momento de guerra impunha. Além disso, muitos
africanos foram convocados a lutar no front de batalha nos exércitos europeus, o que
contribuiu para questionar as imposições ideológicas da superioridade racial. Ao retornar,
as experiências e o contato com outras realidades e com as ideias que circulavam na época
(socialismo e comunismo) contribuíram para a organização de uma luta anticolonial.
Nesse momento, a África via surgir em várias localidades uma sociedade mais
urbana onde nascia uma elite cultural (responsáveis pelo movimento pan-africano) crítica
da opressão e da exploração, grupos de estudantes organizados em seções universitárias,
partidos políticos, legais ou não, trabalhadores reunidos em sindicatos e igrejas (cristãs
e muçulmanas) que contestavam o sistema colonial. Todos esses atores contribuíram
de maneira decisiva para a formação de ideal anti-imperialista e nacionalista que foram
fundamentais para sustentar as lutas revolucionárias por liberdades, direitos individuais e
sociais que acarretaram os movimentos de independência.
Apesar de todo esse movimento, o processo de descolonização da África foi tardio e
relativamente controlado pelas potências europeias. O Egito declarou sua independência
da Inglaterra em 1922, a Etiópia rompeu com os italianos em 1941, a Líbia em 1952. Em
Madagáscar, após a população pegar em armas, a França reconheceu a independência em
1947. A Tunísia e o Marrocos colocaram fim ao domínio francês em 1956. Menos violenta, a
oposição na Costa do Ouro, liderada por Kwame Nkrumah, conseguiu a independência da
Inglaterra. Sua estratégia baseou-se na desobediência civil e no protesto pacífico. Em 1956
um novo país surgia com o nome de Gana, em homenagem ao antigo império Gana.
Em 1960, por muitos considerado o “ano africano”, a maioria dos países do continente
tornou-se independente: Camarões, Congo-Brazzaville, Gabão, Chade, República Centro-
africana, Togo, Costa do Marfim, Daomé (Benin), Alto Volta (Burkina Fasso), Níger, Nigéria,
Senegal, Mali, Madagascar, Somália, Mauritânia e Congo-Leopolville. Entre 1961 e 1966 foi
a vez de Serra Leoa, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi, Quênia, Gâmbia, Botsuana e
Lesoto. Na África portuguesa, o sucesso seria estabelecida após a Revolução dos Cravos,
que colocou fim à ditadura de Antônio Salazar, em 1974.
A problemática que se seguiu, entretanto, foi a falta de estrutura e a debilidade
econômica dos recém países face à saída europeia. Vários países tentaram associar-se em
nível continental, mas a inexistência de mínimas condições objetivas dificultou diversas
realizações. Os problemas africanos eram imensos, as fronteias artificiais não davam conta
da diversidade étnica e cultural dos povos, unindo grupos historicamente rivais e separando
outros que mantinham afinidades. As rivalidades, por sua vez, haviam sido instigadas pelos
61
colonizadores como forma de controlar a dominação.
Entretanto, não devemos limitar as análises da história dos países africanos a
somente seus problemas internos. A história da África nos mostra que desde as primeiras
independências conquistadas o continente se articulou de maneira a buscar uma inserção
mais justa dos países africanos no cenário internacional, apesar das dificuldades sentidas.
No início da década de 1960, os governantes buscaram criar mecanismos para representá-
los como foi o caso da Organização da Unidade Africana (OUA), que buscou, inclusive,
mediar conflitos locais. A OUA, em 2001, foi substituída pela União Africana, cuja finalidade
é promover a cooperação entre os Estados e sua integração regional, política e econômica.
A realidade, contudo, é que a maioria dos países contrariam os desejos dos líderes
dos movimentos pró-independência. Verificou-se uma sequência de golpes de Estados,
ditaduras (com destaque para a de Uganda sob o domínio de General Idi Amin Dada),
regimes segregacionistas como apartheid o verificado na África do Sul. No século XXI, a
África ainda luta para se reestabelecer e deixar os números negativos da economia mundial
e do desenvolvimento humano. No plano intelectual, os africanos buscam reescrever sua
história apontando seu protagonismo e importância mundial com os movimentos já
mencionados (pan-africanismo e negritude). O reconhecimento de diversos outros países
que contaram com forte influência africana em suas histórias, como o caso dos países do
continente americano, mostram a vitalidade da cultura africana e a sua capacidade de
superação.
VAMOS PENSAR?
Ruanda, país africano centro-oriental, viveu uma guerra civil no início dos anos 1990
que resultou em um genocídio envolvendo os grupos étnicos locais (especialmente
tutsi e hutus). Estima-se que cerca de 70% da população tutsi tenha sido assassinada.
Faça uma pesquisa acerca da história desse conflito e reflita sobre a sua relação com
o neocolonialismo estudado na unidade.
62
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Professor de História / Prefeitura de Congonhas 2010)
…Nós conquistamos a África pelas armas… temos direito de nos glorificarmos, pois após
ter destruído a pirataria no Mediterrâneo, cuja existência no século XIX é uma vergonha
para a Europa inteira, agora temos outra missão não menos meritória, de fazer penetrar a
civilização num continente que ficou para trás…
A partir da citação anterior, analise as afirmativas.
a) mercantilismo e metalismo.
b) colonialismo e imperialismo.
c) extrativismo e processo civilizatório.
d) neocolonialismo e capitalismo.
e) Racismo e Darwinismo social.
63
3. (ENADE - adaptada)
O Brasil é uma país extraordinariamente africanizado. E só a quem não conhece a África
pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de ser e de viver e no
sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a outra costa atlântica podem-se
facilmente reconhecer os brasileirismos. (SILVA, 1994, p 39- 40).
Considerando o diálogo atlântico estabelecido entre europeus, africanos e brasileiros entre
os séculos XVI e XVIII, referido no mapa e no fragmento do texto, avalie as afirmações a
seguir.
a) I.
b) II.
c) I e III.
d) II e IV.
e) III e IV.
64
O fragmento é um indicador da forma predominante como os europeus observavam o
continente africano no século XIX. Essa observação relacionava-se a uma definição sobre a
cultura, que se identificava com a ideia de:
a) progresso social, materializado pelas realizações humanas como forma de se opor à
natureza.
b) tolerância cívica, verificada no respeito ao contato com o outro, com vistas a manter
seus hábitos.
c) autonomia política, expressa na escolha do homem negro por uma vida apartada da
comunidade.
d) liberdade religiosa, manifesta na relativização dos padrões éticos europeus.
e) respeito às tradições, associado ao reconhecimento do valor do passado para as
comunidades locais.
65
06
A ÁFRICA NO BRASIL UNIDADE
66
6.1 INTRODUÇÃO
67
século foi entre os anos de 1741 a 1760, quando os números bateram a quantia de 354 mil
africanos introduzidos compulsoriamente na colônia portuguesa (MARQUESE, 2006).
No final do século XVIII e início do XIX, a sociedade da América portuguesa já contava
com uma volumosa população negra livre (muito em função das alforrias) ou mestiça
descendente de africanos, que vivia lado a lado com uma quantidade substantiva de
brancos e uma maioria de escravizados (africanos e pardos nascidos na América). Se o
número do tráfico de escravizados já era surpreendente nos séculos XVII e XVIII, foi no XIX
que ele mostrou todo seu vigor. Desde a vinda da família real para o Brasil em 1808, até
o fim definitivo do tráfico, em 1850, foi introduzido cerca de 40% de todos os africanos já
desembarcados em três séculos da história do Brasil. Isso equivale, em termos numéricos,
a uma quantia de 1,4 milhões de indivíduos.
Esses dados mostram a enorme quantidade de africanos e descendentes que
passaram a compor a sociedade brasileira ao longo de todo o processo. De acordo com
Rafael Marquese, os dados demográficos da sociedade em início do século XIX, contava
com as seguintes proporções: 28% de brancos, 27,8% de negros e mulatos livres, 38,5% de
negros e mulatos escravizados, 5,7% de índios (MARQUESE, 2006).
GLOSSÁRIO
Cartas de Alforria: a partir do século XVIII, os escravizados tiveram a possibilidade de
obter sua liberdade a partir das chamadas Cartas de Alforria, que era um documento
dado ou vendido a um escravizado pelo seu proprietário.
A população mestiça, por sua vez, sobreveio de um processo específico, não encontrado
em diversas outras colônias americanas. Um processo de mestiçagem alicerçado na
exploração e na opressão, mas que por sua simples existência corroborou para conclusões
acerca de uma suposta sociedade democrática e inclusiva. De acordo com o historiador
Luís Felipe de Alencastro:
68
No entanto, o estudo da história do Brasil revela o uso de diferentes ferramentas para
excluir a matriz africana do processo formativo do povo brasileiro. A violência da escravidão
tentou, dessa forma, apagar os costumes, crenças e línguas dos grupos escravizados,
contudo, de uma maneira ou de outra, a cultura africana resistiu. No âmbito religioso, criou-
se uma forma de cultuar seus deuses (orixás) através do sincretismo com santos católicos
– resistindo, de alguma forma, à imposição da religiosidade europeia.
Desse sincretismo, nasceu o Candomblé praticado na Bahia, que teve em 1830,
a criação de seu primeiro templo – para depois se formarem os terreiros. Da síntese de
antigos Candomblés (há vários candomblés na história do Brasil) e o espiritismo kardecista,
no início do século XX, uma nova religião se formaria no Rio de Janeiro, a umbanda. Vale
ressaltar que ambas carregam um amplo histórico de perseguição e preconceito fruto da
ignorância e da discriminação.
Para além das religiões, na culinária, muitos condimentos e elementos das mais
variadas regiões africanas influenciaram pratos que se tornaram típicos brasileiros. Foi
introduzido o leite de coco-da-baía, o azeite de dendê, o feijão preto, o quiabo, ensinou-se
a fazer o vatapá, o caruru, o mungunzá, o acarajé, o angu, a pamonha e diversos outros.
Com a abolição da escravatura, em 1888, o contingente de escravizados enumerCom a
VAMOS PENSAR?
Faça uma pesquisa acerca da intolerância religiosa no Brasil. Busque saber quais são
as religiões que mais sofrem ataques e perseguições ainda hoje. Responda: quais os
motivos mais comuns alegados para tais ataques? São fundamentados em conheci-
mento ou ignorância acerca dessas religiões? Qual relação se pode estabelecer com o
processo histórico visto até aqui? Pense em como seria possível tratar tal questão em
uma sala de aula.
69
6.3 CAMINHOS ATÉ IMPLEMENTAÇÃO DA LEI N° 10.639/03
Nesse primeiro momento da República, foi criada a Frente Negra Brasileira (1931), que
chegou a obter cerca de trinta mil filiados e logo, em 1936, tornou-se um partido político.
Dando mais ênfase à questão educacional, os membros da FNB não mediram esforços
para manter escolas para adultos e crianças negras (SILVA; DUARTE,2018). De maneira
geral, os movimentos deram muita importância à educação, e apesar de reconhecer que
ela não era a solução de todos os males, eles sabiam que ocupava um lugar importante
“nos processos de produção de conhecimento sobre si e sobre “os outros”, contribuindo na
formação de quadros intelectuais e políticos, e constantemente usada pelo mercado de
trabalho como critério de seleção de uns e exclusão de outros” (GOMES, 2011).
Infelizmente, contudo, a FNB acabou extinta com a instauração do Estado Novo,
governo autoritário de Getúlio Vargas em 1937. Somente com a queda de Vargas, em 1945,
o movimento negro retorna com mais força suas atividades. Nesse período, os movimentos
sociais passaram a se unir e a fazer alianças. Assim, foi criado o Teatro Experimental Negro
(TEN), que como a FBN, tinha a educação como uma das principais pautas. Como o FBN,
os projetos do TEN foram interrompidos com o advento da Ditadura Militar. Somente
no final da década de 1970, os movimentos sociais irão recrudescer através da luta pela
redemocratização.
70
Em 1978, surge o Movimento Negro Unificado (MNU), que tinha como principais
objetivos não somente denunciar o racismo na sociedade brasileira, mas exigir a
participação política de pessoas negras, além de lutar por mais igualdade social em uma
sociedade tão desigual. A educação, em todo o processo, vai ganhando cada vez mais
espaço e importância:
[...] propunha-se uma mudança radical nos currículos, visando
a eliminação de preconceitos e estereótipos em relação aos ne-
gros e à cultura afro-brasileira na formação de professores com
o intuito de comprometê-los no combate ao racismo na sala
de aula. Enfatiza-se a necessidade de aumentar o acesso dos
negros em todos os níveis educacionais e de criar, sob a forma
de bolsas, condições de permanência das crianças e dos jovens
negros no sistema de ensino (GONÇALVES; SILVA, 2000, p.151)
A partir da década de 1990, por sua vez, são criadas diversas políticas públicas visando
atender às antigas e recorrentes demandas do movimento negro. Em 1996 é estabelecida a
Lei de Bases da Educação Brasileira (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) –
lembrando que este último, ao contrário da LDB, serve como sugestão e não como medida
compulsória. Em ambos os componentes, tornava-se obrigatório o reconhecimento da
matriz africana na formação do povo brasileiro juntamente com a europeia e a indígena.
Assim, abre-se espaço para a valorização do estudo de História da África e da diáspora
negra no Brasil. Contudo, apesar da participação marcante da militância negra, a LDB não
incluiu as mudanças mais categóricas das reivindicações desse movimento:
Podemos dizer, então, que, até a década de 1990, a luta do Movimento Negro
brasileiro, no que se refere ao acesso à educação, demandava a inserção da
questão racial no bojo das políticas públicas universais, as quais tinham como
mote: escola, educação básica e universidade para todos. Contudo, à medi-
da que esse movimento social foi constatando que as políticas públicas de
educação pós-ditadura militar, de caráter universal, ao ser implementadas,
não atendiam à grande massa da população negra e não se comprometiam
com a superação do racismo, seu discurso e suas reivindicações começaram a
mudar. É nesse momento que as ações afirmativas, com forte inspiração nas
lutas e conquistas do movimento pelos direitos civis dos negros norte-ame-
ricanos, começam a se configurar como uma possibilidade e uma demanda
política, transformando-se, no final dos anos 1990 e no século seguinte, em
ações e intervenções concretas. As demandas do Movimento Negro, a partir
de então, passam a afirmar, de forma mais contundente, o lugar da educação
básica e da superior como um direito social e, nesse sentido, como direito à
diversidade étnico-racial. (GOMES, 2011. p.113)
71
Nesse contexto surgem as pressões políticas como a Marcha Zumbi dos Palmares
(1995), em Brasília, que acabam sendo incorporadas em algumas iniciativas do governo
federal. Uma das respostas foi a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a
Valorização da População Negra, em 1996.
A partir de 2003 verifica-se um aprofundamento de todo esse debate. É nesse ano
que foi aprovada a Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura africana e afrobrasileira na Educação Básica. Para obter resultados mais satisfatórios,
em 2006 foi elaborado (lançado somente em 2009) o Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-raciais para o
Ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana.
É importante compreender a força e o caráter dessa Lei. Primeiramente, há de se
destacar a abrangência nacional. Ou seja, todas as escolas, públicas e privadas, devem
implementar as demandas, assim como como os conselhos, secretarias de educação e
universidades. Segundo, é importante considerar o papel que as escolas ocupam na
formação do cidadão.
À escola não cabe somente a transmissão de conteúdos historicamente acumulados,
ela também deve discutir temáticas que fazem parte do nosso complexo processo de
formação humana. A escola é um dos principais espaços para refletir sobre as diferenças
culturais que formam o nosso país, e há uma demanda social por se debater questões
ligadas ao racismo retornando à importância das matrizes africanas na configuração da
nossa sociedade.
Nesse sentido, a Lei representa um avanço das demandas do movimento negro
que, como vimos, ao longo das décadas lutava pelo reconhecimento da importância da
história e cultura africana e afro-brasileira. É importantíssimo que os currículos escolares
não corroborem com o racismo e, principalmente, traga reflexões acerca das contribuições
que os diversos grupos étnicos tiveram para a formação do povo brasileiro. Vale lembrar
que em 2008 a Lei em questão foi modificada pela Lei 11.645 que acrescenta à demanda o
ensino de história e cultura indígena.
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Moderna, História do Brasil Colonial e diversos outros que compreendem a matriz curricular
fundamental dos cursos de História.
Na educação básica muitos professores, especialmente os das séries iniciais do
Ensino Fundamental I, possuem uma formação diversificada e não frequentaram uma
instituição de ensino superior para obter uma habilitação para trabalhar essa nova temática
curricular. Contudo, mesmo professores formados em cursos de História anteriormente à
implementação da Lei, não tiveram contato com a História da África na universidade. Além
disso, conforme ressalta Kabengele Munanga:
Em uma sociedade na qual o mito da democracia racial (teoria que concebia uma
sociedade brasileira harmônica entre os diferentes grupos que a forma: indígenas, negros
e brancos) ainda está presente, muitos educadores acabam sendo pouco eficientes ao
lidar com o tema e com a diversidade escolar de maneira satisfatória. Esta falta de preparo
compromete a formação dos futuros cidadãos que poderiam contribuir para uma sociedade
mais igualitária.
Vale ressaltar que não há uma relação direta e imediata entre ensino de história da
África e da cultura afrobrasileira e a mudança das relações sociais. Entretanto, ela pode
ser um caminho para a desconstrução gradual de estereótipos e mentalidades que
estão arraigadas na sociedade brasileira. Nesse sentido, uma boa formação docente é
imprescindível. As escolas precisam estar inseridas em um contexto mais afirmativo e com
gestões mais democráticas para que a educação das relações étnico-raciais se insiram em
um processo de reeducação das relações sociais. A escola discrimina?
Não precisamos ressaltar que, para além da representatividade e da necessidade de
construção de uma identidade histórico-cultural aos alunos negros e à população negra, a
Lei também foca sua atenção à questão do racismo e da discriminação de maneira geral.
A escola, nesse aspecto, é um lugar privilegiado para se levantar debates e reflexões acerca
desses temas. Como comentamos acima, muitos docentes reproduzem estereótipos raciais
por simples desconhecimento ou mesmo por inabilidade de lidar com estas questões.
Além disso, diversas pesquisas demonstram que a escola é um dos principais ambientes
em que se verificam altos índices de discriminação racial.
Os livros didáticos, principal instrumento de trabalho da grande maioria dos
professores, ainda estão permeados por uma concepção que privilegia o relatos dos
grandes fatos e dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos. Assim, deixam de
lado a participação de outros grupos sociais, especialmente das minorias, no processo
histórico do país. Estas, quando aparecem, são tratadas de forma estereotipada e pejorativa.
A consequência disso é muito danosa, conforme ressalta José Fernandes:
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Currículos e manuais didáticos que silenciam e chegam até a omi-
tir a condição de sujeitos históricos às populações negras e amerín-
dias têm contribuído para elevar os índices de evasão e repetência
de crianças provenientes dos estratos sociais mais pobres. A grande
maioria adentra nos quadros escolares e sai precocemente sem con-
cluir seus estudos no ensino fundamental por não se identificarem
com uma escola moldada ainda nos padrões eurocêntricos, que não
valoriza a diversidade étnico-cultural de nossa formação (FERNAN-
DES, José, 2005, p. 308).
Com a aprovação da Lei, por certo, muito já se avançou nesse sentido. Ainda há muito
que ser feito para que alcancemos uma educação multicultural e que valorize o papel
e a cultura das minorias sociais. Enquanto futuros professores, é importante estarmos
preparados para tais problemáticas e utilizarmos o meio educacional para propiciar o
conhecimento da nossa diversidade cultural e pluralidade étnica.
GLOSSÁRIO
• Conheça o projeto Pixaim realizado na cidade de Cuiabá que discutiu sobre dis-
criminação racial nas escolas. A meta, segundo eles, era estimular a aplicação da Lei
10.639/03 tendo em vista a dificuldade de professores e alunos em trabalharem o tema.
Desse projeto, inclusive, nasceu o livro em quadrinhos Cabelo ruim? A história das três
meninas aprendendo a se aceitar de Neusa Baptista Pinto, na qual a autora discute a
auto-aceitação. https://bit.ly/30vuoHX
• Em uma escola do Rio de Janeiro, alunas formaram um coletivo (Solta esse bla-
ck) para empoderar garotas a combater o racismo e o machismo dentro da escola por
meio de oficinas de turbante, penteado afro e compartilhamento de ideias sobre como
cuidar do cabelo crespo. https://www.youtube.com/watch?v=QOjOOSuOwTw
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• Vídeo com dois blocos de entrevista. Um com a históriadora Marina de Mello e
Souza, do departamento de História da Universidade de São Paulo, sobre a inclusão
no currículo das escolas brasileiras do ensino da cultura e da história Afro-brasileira.
O segundo com a antropóloga Rachel Bakke sobre o ensino da cultura Afro-Brasileira
nas escolas e sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores ao tratar do tema.
https://bit.ly/3eOIclN
• Artigo de Reginaldo Prandi sobre as religiões Candomblé e Umbanda:
https://bit.ly/2CP37YJ
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FIXANDO O CONTEÚDO
1. (ENEM)
A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre História
e Cultura Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da
História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e
o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, além de instituir, no
calendário escolar, o dia 20 de novembro como data comemorativa do “Dia da Consciência
Negra”. (http://www.planalto.gov.br)
A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também para a
sociedade brasileira, porque
a) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.
b) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.
c) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.
d) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à educação.
e) impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país.
2. (Professor de História - SC )
A lei 10.639/03 ficou popularmente conhecida por:
a) Tornar obrigatório o ensino de História Indígena.
b) Tornar obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
c) Tornar optativo o ensino de História Indígena, para que assim se possa privilegiar o
ensino de História e Cultura Africana.
d) Tornar o ensino de História e Cultura Africana matéria extracurricular.
e) Tornar obrigatório o ensino de Historia Africana e Indígena.
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c) esta política educacional também tem sido um instrumento para se repensar o
currículo escolar brasileiro e as relações raciais no país, entendendo, assim, a Educação
como único caminho para o combate ao racismo e à discriminação racial, ou seja, para a
construção de uma sociedade que reconheça a contribuição de todos (as).
d) segundo o artigo 26 A, acrescido à Lei nº 9394/96 por conta da Lei 10.639/03, tornou-
se obrigatório o estudo sobre “História e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas da rede pública
de todo o país. Além disso, cabe aos historiadores, nos conteúdos curriculares de História do
Brasil a obrigatoriedade, já para os demais profissionais da educação, é opcional o trabalho
com a temática em questão.
e) no processo, ainda que relativamente lento de implementação da Lei por todo o
país, vale destacar a institucionalização dos NEABs (Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-
brasileiros) em todos os campi das Universidades Públicas e Institutos Federais do Brasil.
Por meio dos mesmos, estudantes e pesquisadores tem se lançado nos temas das relações
raciais, da história da população negra e pensado pedagogias de combate ao racismo.
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RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 A QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 A
UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 D
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 C
UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 E
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
•
AMSELLE, J.-L.; M’BOKOLO, E. No centro da etnia. Etnias, tribalismo na África. Petrópolis:
Editora Vozes, 2017. Disponível em: https://bit.ly/30st3S8. Acesso em: 16 dez. 2019.
HERNANDEZ, L. L. A África na Sala de Aula. São Paulo: Selo Negro, 2005. 679 p.
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MACEDO, J. R. Desvendo a História da África. Grande do Sul: Editora da UFRGS, 2008. 240
p.
MOKHTAR, G. História Geral da África, II: África Antiga. Brasília: UNESCO, 1980. 1008 p.
OGOT, B. História Geral da África, V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: UNESCO, 2010.
1208 p.
SILVA, R. T.; DUARTE, A. Um longo caminho: a aprovação da lei 10.639/03 como fruto da
luta do movimento social negro pelo direito à educação (1889-2003). 3. ed. [S.l.]: Ensino &
Pesquisa. União da Vitória, v. 16, 2018. 114-138 p.
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Paulo: Campus, 2004. 436 p.
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