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Prática Pedagógica
Interdisciplinar:
Teoria Literária
Profª. Drª. Bruna Carolina de Almeida Salles
Profª. Drª. Karla Menezes Lopes Niels
PRÁTICA PEDAGÓGICA
INTERDISCIPLINAR:
TEORIA LITERÁRIA -
TOMO I

1
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral:Valdir Henrique Valério

Diretor Executivo:William José Ferreira

Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos

Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira

Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa

Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luíza mendes Leite


Carla Jordânia G. de Souza
Guilherme Prado

Design: Aline De Paiva Alves
Bárbara Carla Amorim O. Silva
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Taisser Gustavo Soares Duarte

© 2021, Faculdade Única.

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-
ção escrita do Editor.

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www.faculdadeunica.com.br

1
PRÁTICA PEDAGÓGICA
INTERDISCIPLINAR: TEORIA
LITERÁRIA - TOMO I
1° edição

Ipatinga, MG
Faculdade Única
2021
2
LEGENDA DE

Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do
conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones
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FIQUE ATENTO
São os conceitos, definições ou afirmações importantes
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VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.

FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.

GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.

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SUMÁRIO O QUE É TEORIA?
UNIDADE 1
1.1 Introdução .........................................................................................................................................................................................8
1.2 Do senso comum ao conceito ............................................................................................................................................8
1.3 Estudos literários antes da teoria .....................................................................................................................................11
1.4 Nasce a teoria ...............................................................................................................................................................................12
FIXANDO O CONTEÚDO ..............................................................................................................................................................16

UNIDADE 2
MAS, O QUE É LITERATURA?
2.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................20
2.2 “Em busca do Santo Graal” ou por um conceito de literatura .................................................................20
2.3 Das características da literatura ou da literariedade ......................................................................................22
2.4 Das muitas funções da literatura .................................................................................................................................24
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................27

UNIDADE 3
A ARTE IMITA A VIDA?
3.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................34
3.2 Platão e o mito da caverna ...............................................................................................................................................34
3.3 As formas e o mito da caverna .......................................................................................................................................34
3.4 A mimeses platônica .............................................................................................................................................................36
FIXANDO O CONTEÚDO..............................................................................................................................................................38

UNIDADE 4
LITERATURA: A ARTE DAS PAIXÕES?
4.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................43
4.2 Da poética aristotélica e outras poéticas ................................................................................................................43
4.3 Das paixões humans à catarse ......................................................................................................................................45
FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................48

UNIDADE 5
PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DO CÂNONE
5.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................54
5.2 Por uma história da história .............................................................................................................................................54
5.3 Como se contrói um cânone?...........................................................................................................................................56
5.4 Todo cânone precisa de revisão? ..................................................................................................................................56
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................59

UNIDADE 6
DE NOVO, A TEORIA: CONCORRENTES
6.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................65
6.2 Formalismo russo e estruturalismo ............................................................................................................................65
6.3 New Cristicism e New Historicism ...............................................................................................................................67
6.4 Teoria do efeito estético e Teoria da interpretação ..........................................................................................68
6.5 “De se fazer muitos livros não há fim” ou das muitas teorias ....................................................................71
FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................73

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................................................................................................77


REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................78

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UNIDADE 1
Na unidade I, falaremos sobre o que é a Teoria da Literatura, sua origem, trajetória
e fundamentos. Antes distinguiremos senso comum de conceito e juízo de valor,
CONFIRA NO LIVRO

cuja compreensão é essencial para a disciplina.

UNIDADE 2
Na unidade II, abordaremos uma questão que é bastante complexa para os Estudos
Literários e, por conseguinte, para a Teoria da Literatura, a saber, a definição de seu
objeto, a Literatura: O que é Literatura?

UNIDADE 3
Na Unidade III, discorreremos sobre os conceitos de mimeses e verossimilhança
- conceitos essenciais para a Teoria da Literatura e para os Estudos Literários -, a
partir da República, de Platão e do mito da caverna.

UNIDADE 4
Na Unidade IV, consideraremos a visão de Aristóteles, e de outros autores, a respeito
dos conceitos de mimeses e de verossimilhança. Falaremos também sobre os
conceitos de peripécia e catarse, conceitos também imprescindíveis.

UNIDADE 5
Na unidade V, adentraremos o terreno da historiografia literária, ao falarmos sobre
a periodização da literatura, sobre a formação das escolas literárias e sobre as
escolhas que possibilitam a formação de um cânone literário.

UNIDADE 6
Na unidade VI, fechamos o ciclo desta disciplina, ao retornar à abordagem histórica
dessa iniciada na Unidade 01, a fim de comentar as principais correntes teóricas da
Teoria da Literatura.

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01
O QUE É TEORIA? UNIDADE

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1.1 INTRODUÇÃO

Roberto Acízelo de Souza (2018)inicia o seu manual de Teoria da Literatura com um


capítulo cujo título, per si, já nos conduz à reflexão: “Sem uma Teoria, a Literatura é o óbvio”.
A palavra teoria, obviamente nos remete à algumas conhecidas teorias como a teoria do
big bang, a teoria da evolução, a teoria das cordas, entre outras.
De fato, desde o século XIX, com o racionalismo, o positivismo e o avanço das ciên-
cias, fomentar teorias (e, por conseguinte, comprová-las), tornou-se de extrema importân-
cia para as mais diversas áreas do conhecimento, inclusive as humanas, como é o caso da
Literatura. Mas o que vem a ser uma teoria? O que seria a Teoria da Literatura? E, por que
sem ela, a Literatura se torna óbvia? É o que veremos nesta Unidade.
Vamos lá?

1.2 DO SENSO COMUM AO CONCEITO

Antes de falarmos propriamente sobre a Teoria, é imprescindível que distingamos


senso comum de conceito. E, para falarmos de senso comum, convém, a priori, desmem-
brarmos a expressão: a palavra senso, diz respeito à faculdade de julgar, de sentir, de apre-
ciar; juízo, entendimento, percepção, sentido; já o termo comum nos remete a algo habitu-
al ou partilhado entre várias pessoas de uma comunidade, enfim, algo que não é dotado
de uma especificidade que o singularize.
O sentido de senso comum é descrito desde a Roma antiga como uma sorte de
convicções tidas como verdadeiras pela sociedade, apresentando-se como um juízo par-
tilhado por todos sobre a vida cotidiana e desprovido de questionamentos ou reflexões a
respeito deste entendimento ou percepção. Grosso modo, portanto, poderíamos dizer que
o senso comum é um conhecimento compartilhado por indivíduos de uma dada socieda-
de.
O filósofo Hans-Georg Gadamer (2000) aduz que o presente não é uma coleção fixa
de opiniões, sendo moldado pelo passado para construção do senso comum presente em
uma dada sociedade que, obviamente, tende a modificar-se no futuro. Para ele, os conhe-
cimentos, os valores e as visões estão situados dentro de tradições comuns, enraizados co-
munitariamente, das quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos, ou seja, o
senso comum nos direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela
sociedade através do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisa-
mos e criticamos o conhecimento humano.
Antes dele, o filósofo Immanuel Kant (2016) já havia discorrido sobre a questão. Ele
cria também que senso comum era algo compartilhado por todos nós, mas entendia o ad-
jetivo comum como sinônimo de vulgar. O termo em sua etimologia seria aquilo que per-
tence ao vulgo, isto é, à plebe ou povo, portanto, sem distinção ou nobreza. Desse modo,
ele compreendia o senso comum como um poder de julgar que levaria em conta não ape-
nas a nossa própria impressão, mas as de outros sobre o mesmo objeto ou assunto. Ade-
mais, para o filosofo a faculdade de julgar estaria relacionada sobremaneira a capacidade
de pensar “o particular contido no universal” Assim, a capacidade de julgar, segundo Kant,
sempre dependerá de uma antinomia entre um gosto que “não se funda em conceitos”,
racional, e outro “se funda em conceitos”, sensitivo (KANT, 2016, p. 339).

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Figura 1: Immanuel Kant
Disponível em: https://bit.ly/3wVnGK6. Acesso em: 09 abr. 2021.

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Para saber mais sobre Kant (2018) e, especialmente, sobre suas ideias acerca do
senso comum e juízo de gosto, consulte o livro “Crítica da faculdade de julgar”,
disponível em: https://bit.ly/3qoTqoD. Acesso em: 09 abr. 2021.

De fato, o senso comum é aquilo que nos permite apreender o real através de um
conhecimento historicamente compartilhado, mas quando começamos a refletir sobre o
real (ou parte dele), como o surgimento do universo, ou o início da vida, por exemplo, co-
meçamos formular ideias, isto é, teorias e conceitos que validem ou modifiquem nosso
conhecimento de mundo.
Portanto, é a reflexão sobre um objeto que nos permite formular teorias sobre ele e,
por conseguinte, engendrar conceitos a seu respeito. Dentro desse contexto, o conceito
aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e conhecimentos par-
tindo de uma perspectiva formal, objetiva, institucionalizada e metódica, resultado de um
trabalho que deriva em um aprendizado que, no que lhe concerne, advém de uma obser-
vação analítica sobre o real, para além do que o senso comum oferece, que questiona e
problematiza as ideias concebidas usualmente pelo senso comum. Logo, podemos afir-
mar que o conceito é um modo de retorno ao que nos é apresentado, ao que está diante
de nós e nos provoca a assimilá-lo.
Com isso, entendemos que senso comum e conceito são termos que, utilizados em
determinados momentos, podem expressar uma objeção entre ideias adquiridas acritica-
mente e ideias que são resultado de um pensamento crítico. Entretanto, quando refleti-
mos analítica e criticamente sobre a expressão senso comum, também podemos evoluir
para um conceito de senso comum. Da mesma maneira, o senso comum pode ser confir-
mado pelo conceito ou até servir de base primária para a produção do conceito.
Sobre a relação entre o senso comum e os conceitos gerados pela teoria é pertinente
trazer a lume o que afirmou Compagnon (1999, p. 17-18)a respeito:
Os paradigmas não morrem nunca, juntam-se uns aos
outros, coexistem mais ou menos pacificamente e jo-
gam indefinidamente com as noções – noções que per-
tencem à linguagem popular [...]. É sempre pertinente
parir das noções populares que a teoria quis anular, as
mesmas que voltaram quando a teoria se enfraqueceu,
a fim de não só de rever as respostas opositivas que ela

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propôs, mas também tentar compreender porque essas
respostas não resolveram de uma vez por todas as velhas
perguntas.

No entanto, quando refletimos sobre um objeto (neste caso, a Literatura), antes de


chegarmos à formulação de um conceito sobre ele, podemos emitir juízos, isto é, julga-
mentos ao seu respeito que não se fundam em conceitos, mas na apreciação estética que
temos da contemplação do objeto, isto é, do sentimento de prazer que sentimos ao obser-
vá-lo; ou podemos formular preceitos, isto é, normatizá-lo.

FIQUE ATENTO
Senso significa faculdade de julgar, de sentir, de apreciar; de perceber, isto é, emitir julga-
mentos, juízos. Portanto, senso comum é um sentimento (ou juízo) partilhado pelos indivídu-
os de uma dada sociedade. Já o juízo de gosto, segundo Kant, é “uma representação intuitiva
singular referida ao sentimento de prazer” (KANT, p. 340) ao qual podemos conferir um valor
positivo ou negativo, daí a expressão juízo de valor.

FIQUE ATENTO
“O juízo estético, de caráter reflexionante, relaciona a faculdade da imaginação [...] ao modo
de disposição do ânimo do sujeito diante do qual o objeto se apresenta. Ou seja, o juízo esté-
tico não se refere em absoluto ao objeto, nem mediata, nem imediatamente; mas, sim, à dis-
posição de ânimo do sujeito. É somente a partir dessa primeira determinação que é possível
afirmar o caráter desinteressado do juízo estético, pois o seu fundamento de determinação
reside puramente no modo como as faculdades de conhecimento do sujeito funcionam dian-
te de certos objetos quando tidos como belos” (BAPTISTA, 2010).

VAMOS PENSAR?
Se teorizar é uma maneira de pensar e refletir sobre um objeto de forma a gerar conceitos so-
bre ele, a Teria da Literatura, assim como as outras disciplinas que se ocupam do fazer literá-
rio, implica em uma forma de pensar a produção literária. Há, no entanto, duas maneiras nas
quais podemos pensar sobre um objeto; uma de forma prescritiva e normativa; e outra de des-
critiva e reflexiva. Pense agora nas práticas literárias que conhece e pense em que situações
o crítico e/ou o teórico de literatura pode apresentar uma atitude normativa ou uma atitude
descritiva. A crítica jornalística, é descritiva ou normativa? O resumo que você lê na contra-
capa ou na orelha de um livro que deseja comprar, é descritivo ou normativo? Por fim, pense,
uma aula de literatura deve ser descritiva ou normativa ou conjugar ambas as modalidades?

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1.3 ESTUDOS LITERÁRIOS ANTES DA TEORIA

Antes de haver a escrita, já havia a Literatura. Desde sempre o homem não apenas
narra seus feitos, derrotas e vitórias, como fabula sobre aquilo que o real não dá conta. De
imagens rupestres à contação de histórias ao redor da fogueira, a Literatura acompanha a
humanidade e sua necessidade de criar e recriar o real. Se há um objeto, então, há como
teorizá-lo. Será, então, a Teoria tão antiga quanto o seu objeto?
A resposta é não. Se a necessidade de fabulação humana remonta a tempos imemo-
riais, a necessidade de estudar os produtos desta fabulação é deveras recente. Mas ainda
assim, não tão recente quanto é a Teoria da Literatura.
Quando falamos em cultura literatura ocidental sempre retroagimos a Grécia antiga.
Da mesma maneira, ao falarmos sobre estudos literários, é preciso retroagir à Antiguidade
Clássica, aos estudos da Retórica (mais tarde na Idade Média sob o nome Eloquência) e
da Poética, disciplinas que até o século XIX ocuparam-se, digamos, dos estudos literários.
A primeira promovia uma profunda reflexão sobre a linguagem; a segunda, origina-se em
obras que podemos chamar fundadoras como a Poética, de Aristóteles, a Ars poetica, de
Horácio, e o Sobre o sublime, de Longino, e preocupava-se sobremaneira com da arte li-
terária, em que predominavam, conforme pontua Souza (2018, p. 18)uma “atitude norma-
tiva” frente ao texto literário, isto é, “que diz como a literatura deve ser e como precisa ser
julgada”.
Do Século I a.C. até século XV d.C, os estudos da Poética aparecem amalgamados
aos estudos da Retórica, como se uma disciplina tivesse absorvido a outra. Será apenas
no século XV que dando origem às artes poéticas do Classicismo europeu moderno, ela
ressurge, mas por pouco tempo, pois cederá lugar para outra disciplina no século XVIII, a
Estética; esta menos normativa que a Poética e mais descritiva, marcada portanto pela
sensibilidade, pelo gosto e pela fruição. Cumpre ressaltar que a despeito dos momentos
de aparente ausência da Poética, essa nos legou conceitos e noções chave para os estudos
literários e para a Teoria da Literatura .
A partir do século XVIII, com o Iluminismo, surgem novas formas de se ver e entender
o mundo. Com isso mudam-se as relações sociais, assim como as relações com a ciência
e com as artes. Nesse momento, no que diz respeito à Literatura, a Europa verá nascer e
crescer um sistema literário com o surgimento do gênero romance, cujo sucesso suplanta
o épico, bem como de um mercado livreiro. Esse sistema engendra então o surgimento de
um novo fazer ligado às artes literárias, a crítica literária. Um fazer que se ligara sobretudo
aos novos meios de comunicação, como o jornal, e o surgimento dos salões e dos cafés
(sobretudo na França), que influirão sobre uma nova ideia de literatura e fazer literário.
Cabe lembrar que antes deste momento, em especial na Idade Média, os textos literários
eram aqueles destinados a uma atuação performática (ZUMTHOR, 1997), o que se distancia
pragmaticamente da ideia de circulação e recepção de texto que há nesse momento.
Desse cadinho emerge então a discussão que é possível se verificar em Descartes e
depois em Kant sobre razão e sensibilidade. Nesse respeito, a filosofia kantiana se tornará
crucial para os Estudos Literários (e, por conseguinte, para Teoria da Literatura ainda a nas-
cer), ao estabelecer a diferenciação entre o conhecimento racional e o estético. No que diz
respeito ao belo, o juízo desse não seria aquele que passa pela razão, mas pela sensibilida-
de. Para ele se o gosto é particular e subjetivo não haveria como determinar o que é ou não
literário, o que é ou não poético.

11
FIQUE ATENTO
A filosofia kantiniana é decisiva no século XVII, pois foi um divisor de águas ao estabelecer
condições para a diferenciação entre o conhecimento racional e o estético, este último rela-
cionado às Artes.

Um impasse que nos leva diretamente a France, principal nome do Impressionismo


crítico, que alegava não haver crítica objetiva haja vista não haver arte objetiva:
Não existe crítica objetiva, tanto quanto não existe arte
objetiva, e todos que esperam colocar outra coisa além
de si mesmos em suas obras são enganados pela mais
falaciosa ilusão. A verdade é que nunca saímos de nós
mesmos. É uma de nossas maiores misérias (FRANCE,
2011, p. 580).

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Para saber mais sobre a crítica literária oitocentista leia o artigo “O advento da
moderna crítica Literária na França do século XIX: de Mme. De Staël a Gustave
Lanson”, de Araújo (2006), disponível em: https://bit.ly/3xTlXFt. Acesso em: 09 abr.
2021.

Paralelamente, nesse momento, que coincide com o Romantismo, os estudos lite-


rários serão sobretudo marcados pelos historicismos e pelo biografismo, em que contexto
histórico e vida do autor importavam muito mais do que o texto literário. Fosse a aborda-
gem de viés psicológico, sociológico, ou filológico, sempre se daria pelo viés histórico, no
entanto. Com isso, surge então uma nova disciplina, “a história literária, que, desinteres-
sada das noções clássicas de boas ou belas-letras [, isto é, das estabelecidas pela Poética]
instala o conceito moderno de literatura nacional” (SOUZA, 2018, p. 33)daí termos até hoje
em nossos currículos escolares e universitários disciplinas como Literatura Brasileira, Lite-
ratura Portuguesa, Literatura Francesa, Literatura Italiana etc.

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Assista à entrevista com Roberto Acízelo de Souza sobre seu livro Do mito das
musas da razão às letras, livro vencedor do Prêmio Jabuti, que reúne textos de
estudos literários anteriores à disciplina Teoria da Literatura. Disponível em: ht-
tps://bit.ly/3d67rlC. Acesso em: 09 abr. 2021.

1.4 NASCE A TEORIA

Como vimos no tópico anterior, desde a antiguidade clássica, diversas disciplinas se


ocuparam do estudo da literatura, a saber, a Retórica, a Poética, a Estética, a História Lite-
rária, a Crítica Literária. Sobre esta última (que não é exatamente uma disciplina, mas uma

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prática literária) é imperativo trazer a lume um comentário de Souza (2018, p. 32):
A crítica dita científica, no século XIX, buscou apoios con-
ceituais na história, na sociologia, na psicologia, ao passo
que, no século XX, aproximou-se da linguística, da antro-
pologia, da psicanálise. Por outro lado, institucionalizou-
-se na universidade, enquanto sua vertente conhecida
como impressionismo (ou crítica impressionista) elegeu
jornais e revistas como espaço para suas manifestações.
A crítica literária, por seu turno, no âmbito acadêmico,
passou a ser empregada no século XX ora para designar
o estudo analítico dos textos específicos (no sentido, pois,
de análise literária), ora como sinônimo de teoria da lite-
ratura, neste último caso, ao que parece, por influência de
sua acepção usual em língua inglesa.

Seria então a Teoria da Literatura somenos um braço da Crítica ou um mero exer-


cício de análise literária? Apesar de quaisquer disciplinas dos Estudos Literários sempre
partirem de análises de textos literários seja para formular seja para comprovar teorias, a
disciplina em causa não é um mero exercício de analise literária.
Ocorre que no século XIX e início de século XX os Estudos Literários teriam sido mar-
cados por duas grandes áreas, digamos, a história da literatura e a crítica literária; essa divi-
dida entre uma crítica impressionista e uma especializada (a acadêmica).
Contudo, com o “declínio do historicismo e do naturalismo científico, [...] a ascensão das
chamadas ciências humanas, [...] e o surgimento das chamadas vanguardas artísticas”
(SOUZA, 2018, p. 36).
Torna-se essencial novas abordagens do literário como maior rigor metodológico,
que a considerasse como um produto da linguagem e que procurasse escrutinar suas ca-
racterísticas intrínsecas em detrimento às extrínsecas. Os Estudos Literários passam então
a dialogar com outros campos do saber como a linguística, a antropologia e a psicanálise
em lugar a filologia, da sociologia e da psicologia. Tais estudos darão origem, ainda nas pri-
meiras décadas do século XX à algumas correntes teóricas como a Estilística, o Formalismo
Russo e o New Cristicism .
A despeito de a expressão Teoria da Literatura já haver sido utilizada anteriormente,
é em 1949, com a publicação do manual homônimo de René Wellek e Austin Warren (1962)
é que Teoria emerge propriamente como disciplina, posto que “graças ao prestígio alcan-
çado [...] logo passaria a integrar currículos universitários mundo afora” (SOUZA, 2018, p. 24).
O primeiro, oriundo do Formalismo Russo; o segundo do New Cristicism, duas correntes
teóricas que a despeito das divergências eram avessas ao historicismo e ao biografismo
que marcaram os estudos literários no século anterior.
Ademais, o compêndio representou um marco ao estabelecer “uma distinção cen-
tral entre a abordagem extrínseca do estudo da literatura (biográfica, histórica, sociológica,
psicológica) e o estudo intrínseco da literatura, interessado pela estrutura do artefato ver-
bal” (CULLER, 1988, p. 12 Apud ARAÚJO, 2020, p. 27), e rumando em direção a uma abor-
dagem metodológica da Literatura que se opusesse ao historicismo, valorizando o caráter
literário dos textos sem, contudo, alcançar o outro extremo, o do estudo do texto pelo texto.
Para os professores Wellek e Warren História, Teoria e Crítica, longe de serem concorrentes,
deveriam ser complementares.
Souza (2018)afirma que a partir desse momento tem-se um entendimento equivo-

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cado acerca da Teoria da Literatura, pois passa-se a compreendê-la como “a disciplina que
trata das questões literárias em geral” (SOUZA, 2018, p. 24)que abarcaria todas as outras
sob suas asas. Entendimento que segundo Souza, desconhece a “especificidade histórica
da teoria da literatura quanto das demais disciplinas” (SOUZA, 2018, p. 25) que se ocupam
do literário. A Teoria, portanto, seria a disciplina que se ocupa sobremaneira com a investi-
gação dos princípios gerais, científicos e filosóficos, da literatura enquanto área do conhe-
cimento, isto é, enquanto ciência.

FIQUE ATENTO
Teoria da Literatura é tanto uma área do conhecimento quanto uma disciplina universitária,
que compõe os chamados Estudos Literários. Surge e se estabelece como disciplina em me-
ados do século XX com a publicação do manual homônimo de Warren e Wellek. No Brasil, a
área integrará o curso de Letras apenas na década de 1960, na Universidade de São Paulo,
por iniciativa de Antonio Candido.

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Para saber mais sobre o que é a Teoria da Literatura, leia a Unidade I de “Teoria
da Literatura I”, organizado por Silva (2014) e disponível em: https://bit.ly/3dc-
qZoB. Acesso em: Para saber mais sobre o surgimento da disciplina Teoria da
Literatura nos currículos dos cursos de Letras brasileiros, leia o artigo de Nitri-
ni (1994), professora da Universidade de São Paulo, disponível em: https://bit.ly/
3j9bYaN . Acesso em: 22 maio 2021.

Assista também à palestra do professor Paul Fry, da Universidade de Yale, dis-


ponível no canal do YouTube da Universidade Virtual do Estado de São Paulo.
Disponível em: https://bit.ly/3dbLFNj . Acesso em: 22 maio 2021.

GLOSSÁRIO
Conceito: Resultado de um processo de estudo analítico e metodológico acerca de um objeto.
A criação de um conceito requer, portanto, um estudo científico acerca do objeto estudado.

Crítica: Do grego krinein, significa diferenciar, realçar, julgar. Tecer uma crítica, portanto, se-
ria emitir um juízo de valor sobre algo. Nesse respeito, a crítica literária ocupa-se em julgar
as obras literárias sincronicamente tomando por base seu contexto de produção, sobretudo,
quando se trata de uma crítica não acadêmica, como a jornalista.

Estudos Literários: Conjunto de disciplinas e práticas que se ocupam de estudar, problemati-


zar falar sobre a literatura. Estes englobam as literaturas nacionais, a world literature, a litera-
tura comparada, a teoria da literatura, a crítica literária, a historiografia etc.

Estética: Disciplina que surge com a publicação homônima inacabada de Alexander Gottlieb
Baumgarten (1714-1762). Essa representava um estudo epistemológico sobre a ciência das
sensações ou o conhecimento do mundo sensível.

14
Juízo de gosto (ou valor): Julgamento que se emite a partir de percepções individuais sobre
determinado objeto que não passaria pela razão, mas pela sensibilidade.

Poética: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo metodológico e norma-


tivo de obras literárias, especialmente das epopeias e tragédias.

Retórica: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo das técnicas de orató-
ria. Com o passar do tempo, a retórica também de ocuparia da linguagem escrita, tanto que
nos legou o que hoje chamamos de figuras de linguagem.

Senso Comum: Conjuntos de ideias e valores acerca do real partilhados por indivíduos de
dada sociedade sem a necessária comprovação científica dos fatos.

Teoria: Conjunto de ideias ou conceitos que pretendem explicar fatos ou objetos e embasam
uma ciência.
Teoria da Literatura: Disciplina moderna que se ocupa do estudo não apenas do texto literá-
rio autorreferente, mas das diversas teorias que servem ao seu estudo.

Teoria Literária: Noção que se distingue da disciplina Teoria da Literatura. O texto literário
pode ser estudado por diversos vieses, isto é, por teorias, por exemplo, teoria pós-colonial, te-
oria decolonial, teoria marxista, teoria queer etc.

15
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Enade 2014)
Não sendo um meio de conhecimento ou informação, a literatura expeliu de seu âmbito o jornalismo,
a história, a filosofia. Para a poética neoclássica, os gêneros literários eram todas as manifestações
da atividade intelectual, possuíam um sentido amplo e sua classificação era exaustiva. Mas, a
duras penas, a literatura libertou-se das outras atividades. E isso depois que a ciência estética,
a partir do Século XVIII, se desenvolveu, passando pela polêmica romântica acerca dos gêneros
literários e pelas restrições de Croce. Em nosso tempo, as teorias poéticas, não aceitando, embora,
o negativismo croceano, tampouco se deixaram reverter à tradição neoclássica. Repelem, pois, o
sentido lato, amplo, reduzindo os gêneros literários àqueles de cunho estritamente literário, isto é,
os gêneros narrativos da ficção e epopeia, os gêneros dramáticos, líricos e ensaísticos, fechando
a porta a tudo o mais que não seja produto da imaginação e vise objetivos de conhecimento,
investigação, informação, análise.
COUTINHO, A. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p.92 (adaptado).

A partir da relação entre crítica literária e literatura estabelecida no texto acima, avalie as
afirmações a seguir:

I. A crítica literária é uma atividade intelectual reflexiva cuja matéria-prima é o fenômeno


literário.
II. A crítica literária não possui um campo de atuação que lhe é próprio; por isso, transita
por diversos setores da cultura e das ciências.
III. A crítica literária constitui-se no desenvolvimento de todas as forças intelectuais de um
povo: é o complexo de suas luzes e civilização; é a expressão do grau de ciência que ele
possui; é a reunião de tudo quanto exprime a imaginação e o raciocínio pela linguagem.

É correto o que se afirma em

a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

2. Para o filósofo Hans-Georg Gadamer, os conhecimentos, os valores e as visões que


utilizamos estão situados dentro de tradições comuns, enraizados comunitariamente, das
quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos. Ou seja, o senso comum nos
direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela sociedade através
do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisamos e criticamos o
conhecimento humano. A partir disso, podemos entender senso comum como:

a) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade e


elaborados criticamente.
b) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade com
aprofundamento teórico.

16
c) conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma
comunidade acriticamente.
d) conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma
comunidade criticamente.
e) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade sem
aprofundamento crítico e/ou teórico.

3. Sobre conceito é correto afirmar:

I. O conceito é o fruto de um estudo analítico e científico sobre determinado assunto.


II. O conceito é a ideia que todos compartilhamos sobre determinado assunto.
III. O conceito aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e
conhecimentos partindo de uma perspectiva formal, objetiva.

a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. Eis o grande problema a ser solucionado pela Theory tal como formulado logo no
início do livro por Wellek e Warren [...] avulta bem entendido, em vista de certo imperativo
enunciado de antemão pelos autores: o da cientificidade ou racionalidade no estudo da
literatura. Sim, pois se a atividade literária em si mesma “é criadora, uma arte”, ponderam
os autores, o estudo literário, por sua vez, “se não precisamente uma ciência, é uma espécie
de conhecimento ou saber”.
ARAÚJO, N. Teoria da Literatura e história da crítica: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Eduerj, 2020.

Para Wellek e Warren o estudo literário é:

a) uma atividade impressionista motivada pelo gosto.


b) uma atividade impressionista sem motivação científica.
c) uma prática social como a própria Literatura.
d) uma ciência básica que produz um saber sobre o literário.
e) uma ciência aplicada que procura usos práticos para a Literatura.

5. A linguagem poética organiza, comprime os recursos da linguagem cotidiana e, às


vezes, até comete violência contra ela, em uma tentativa de forçar a nossa consciência e
atenção. Muitos desses recursos um escritor encontrará formados, ou pré-formados, pelas
atividades silenciosas e anônimas de muitas gerações. Em certas literaturas altamente
desenvolvidas e especialmente em certas épocas, o poeta limita-se a usar uma convenção
estabelecida: a linguagem, por assim dizer, poetiza por ele (WELLEK; WARREN, 2003, p. 17).

Segundo Wellek e Warren, não o autor não é um gênio, no sentido atribuído pelos
românticos. Nesse respeito, a linguagem poética surge

a) da emulação inconsciente de modelos autorais de outras épocas.


b) da originalidade inconsciente do poeta de qualquer época.

17
c) da cópia consciente de modelos autorais de outras épocas.
d) de seguir preceitos normativos de modelos autorais do passado.
e) da paródia e do pastiche dos modelos autorais de sua época.

6. O estudo de um texto literário pode ser dar a partir de diferentes abordagens, histórica,
sociológica, antropológica, psicanalítica etc. Que abordagens teriam sido combatidas pelos
estudos literários dos primeiros anos do século XX?

a) A abordagem antropológica e sociológica.


b) A abordagem historiográfica e biográfica.
c) A abordagem estruturalista e formalista.
d) A abordagem retórica e poética.
e) A abordagem psicanalítica e antropológica.

7. Sobre a Teoria da Literatura é correto afirmar:

a) é uma disciplina recente que se ocupa do estudo do literário.


b) é uma disciplina que remonta da Antiguidade Clássica.
c) é uma disciplina que integra as artes literárias.
d) é uma disciplina que se ocupa da crítica impressionista.
e) é uma disciplina que se ocupa da história da literatura.

8. Ora, contrariando a sólida tradição de que a produção literária se presta a tornar-


se objeto de estudo – de caráter normativo ou descritivo-especulativo-, desenvolveu-se
uma posição que pretende subtrair o texto literário a esse círculo analítico, para confiá-lo
à fruição subjetiva e desinteressada de métodos e conceitos, próxima àquela espécie de
desarmamento conceitual próprio do leitor comum. Essa atitude antiteórica é conhecida
pelo nome de impressionismo crítico, tendo encontrado seu momento de formulação em
fins do século XIX e início do século XX, como reação contra o esforço de atingir objetividade
científica[...]. Assim, para os adeptos do impressionismo, o que se pode fazer com a produção
literária não é teorizar a seu respeito, mas tão somente registrar impressões de leitura [...].
(SOUZA, R.A.de. Teoria da Literatura: trajetória, fundamentos, problemas. São Paulo: É realizações, 2018.

Sobre o impressionismo crítico é correto afirma:

a) trata-se de uma crítica literária motivado por princípios científicos.


b) trata-se de uma crítica literária respaldada pela retórica.
c) trata-se de uma crítica literária motivada pela antropologia social.
d) trata-se de uma crítica literária respaldada pela Poética.
e) trata-se de uma crítica literária motivada pelo juízo de gosto.

18
02
UNIDADE
MAS, O QUE É LITERATURA?

19
2.1 INTRODUÇÃO
Se perguntarmos a alguém na rua, ou mesmo a um estudante do ensino fundamen-
tal ou médio o que é Literatura, ou, ainda, se fizermos uma rápida pesquisa em um site de
buscas, acharemos respostas das mais diversas, mas nenhuma que responda satisfatoria-
mente a essa questão. Uns dirão que são romances, contos, poemas – somenos exemplos
de textos literários; outros tratar-se de uma forma de entretenimento – uma das funções
da Literatura; ainda outros que é simplesmente uma disciplina estudada na escola. De fato,
há diversas opiniões no senso comum para a pergunta “o que é Literatura?”, mas nenhuma
que responda assertivamente à questão.
Como vimos na Unidade I, para Roberto Acízelo de Souza, a Literatura, sem uma
teoria que a balize, se torna algo óbvio. Se a Literatura é algo mais que do que romances,
contos, poemas que servem ao entretenimento e ao estudo, o que ela vem a ser então? A
resposta a essa pergunta, por mais simples que possa parecer, é assaz complexa (ao menos
para aqueles que se dedicam ao estudo dela!). Mas, digamos que seja possível alcançar
uma resposta satisfatória. Essa ainda levantaria muitas outras questões:

• O que distingue o texto literário do não literário?


• Há algum traço distintivo partilhado pelas obras literárias?
• A que propósito serve a Literatura? Quais seriam suas funções?
• O que diferencia a Literatura de outras atividades humanas?

A fim de responder não apenas o que é Literatura, mas também às demais questões
que se desdobram desta primeira, nesta Unidade, abordaremos as dificuldades da defini-
ção do que é Literatura; apresentaremos (e discutiremos) a visão de alguns teóricos e; por
fim, discorreremos sobre algumas das funções dela.
Vamos lá?

2.2 “EM BUSCA DO SANTO GRAAL” OU POR UM CONCEITO DE


LITERATURA

Como falamos na Introdução, definir o conceito do objeto de estudo da Teoria da


Literatura não é assim tão fácil. Uma vez que a Literatura é um objeto complexo, defini-la e
conceitua-la é uma tarela igualmente complexa. O filósofo Edmund Husserl () já defendia
que o objeto a ser conceituado já existe e que apresenta com um caráter familiar. Noutras
palavras, antes de haver um conceito de literatura, já há uma ideia de literatura. Diferen-
temente, no entanto, de alguns conceitos das áreas de exatas ou de biomédicas, não há
uma única e taxativa ideia de Literatura. Essa muta-se de autor para autor e de época para
época.
Cunhar um conceito de Literatura, portanto, seria como sair em busca do Santo Gra-
al. Sobre tal dificuldade, Culler (1999, p. 26-27) afirmou:
O que é Literatura? Essa é uma pergunta difícil. Os teóri-
cos lutaram com ela, mas sem sucesso notável. As razões
estão longe de se encontrar: as obras literárias de litera-
tura vêm em todos os formatos e tamanhos e a maioria
delas parece ter mais em comum com as obras que não
são geralmente chamadas de Literatura do que com al-

20
gumas outras obras reconhecidas como Literatura.

Ao que parece, para Culler, nem sempre aquilo que se denomina como Literatura
parece sê-lo e vice e versa. Exemplo disso é o fato de hoje lermos a Carta de Achamento do
Brasil de Pero Vaz de Caminha como Literatura, quando originalmente não foi escrito com
a finalidade de sê-lo.
De fato, o conceito de literatura remete a retomada crítica do que é literatura pelo
senso comum, assim como uma revisão histórica que perpassa sua conceituação dada
pelas diferentes culturas desde a invenção da escrita até a atualidade. Por exemplo, muito
do que hoje chamamos de “literatura”, na Idade Média (ou mesmo antes) deveria ser mais
propriamente denominado de performance, uma vez que manuscritos eram escritos ape-
nas para serem executados (ZUMTHOR, 1993). Sendo assim, faz-se mister retrocedermos
até a origem do termo que queremos conceituar.
A palavra Literatura, não apenas em língua portuguesa, mas em língua igualmen-
te românicas como o francês, o espanhol, o italiano; como não românicas como inglês e
alemão, origina-se do latim LITTERAE. O mesmo termo latino daria origem em português
à palavra letra, estabelecendo assim uma estreita relação com o código escrito da língua.
Sendo assim, poderíamos considerar como sendo Literatura todo e qualquer texto escrito?
Como um conjunto do que se produziu em termos de cultura letrada?
De fato, antes do século XIX, tinha-se por literatura “as inscrições, a escritura, a erudi-
ção, o conhecimento das letras” (COMPAGNON, 1999, p. 30). Ainda hoje, de acordo com o
significado da palavra, podemos entender o termo literatura como um coletivo de textos
escritos, a exemplo, da literatura médica (tudo que se escreveu sobre medicina), da litera-
tura de engenharia (tudo o que se escreveu sobre engenharia), da literatura matemática
(tudo o que se escreveu sobre matemática) etc.
Mas o que queremos aqui é definir o que é Literatura enquanto instituição e área do
conhecimento, tal qual os contornos que ganhou durante e após o Romantismo. Sobre tal
ponto, Eagleton (1997, p. 21-22) dirá que:
Alguns textos nascem literários, outros atingem a condi-
ção de literários, e a outro tal condição é imposta. [...] A
Literatura não existe da mesma maneira que os insetos,
e os juízos de valor que a constituem são historicamente
variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma es-
treita relação com as ideologias sociais.

Já Souza (2014, p. 14 ) defenderá que: “[...] a literatura é um produto cultural que surge
com a própria civilização ocidental, pelo fato de que textos literários figuram entre os indí-
cios mais remotos da existência histórica da civilização “.
O que podemos compreender dos pontos de vista de Eagleton e de Souza? Se a
Literatura é um produto cultural, é preciso entender primeiro o que é cultura e como a
Literatura é um produto seu. Segundo Terry Eagleton, em A ideia de Cultura, definir e con-
ceituar a cultura é uma atividade tão complexa como definir e conceituar literatura: “es-
tamos presos, no momento, entre uma noção de cultura debilitantemente ampla e outra
desconfortavelmente rígida” (EAGLETON, 1997, p. 52).
Mas, para nós, no entanto, interessa saber qual a ideia de cultura parece ter sido ado-
tada por Souza (2014)ao afirmar que a literatura é um produto cultural que emerge junto
com a civilização ocidental. Fiquemos, portanto, com uma definição apontada pelo mes-
mo Eagleton (1997, p. 58)

21
De maneira alternativa, pode-se tentar definir cultu-
ra funcionalmente em vez de substantivamente, como
tudo o que for supérfluo com relação às exigências ma-
teriais de uma sociedade. Segundo essa teoria, a comida
não é cultural, mas tomates secos são; o trabalho não é
cultural, mas usar trabalhos ferrados ao trabalhar é. Na
maioria dos climas, usar roupas é uma questão de neces-
sidade física, mas que tipos de roupas se usa não é .

Mais adiante, Eagleton (1997, p. 63)complementa:


A inflação da cultura é, assim, parte da história de uma
época secularizada, visto que de Arnold em diante, a Lite-
ratura – justamente a Literatura! – herda as pesadas tare-
fas éticas, ideológicas e mesmo políticas que tinham sido
uma vez confiadas a discursos mais técnicos ou práticos.

Em suma, cultura seria tudo aquilo que o homem não precisa para sua sobrevivência
física, mas que é essencial para o seu desenvolvimento e sobretudo para a vida em socie-
dade, isto é, práticas simbólicas que vão desde a língua a vestimenta de uma comunidade.
Nesse sentido, a literatura como parte de um fazer social, torna-se um produto cultural,
isto é, uma arte e uma prática social solidamente incorporada e, como tal, carrega a ideo-
logia da época e da sociedade que a produziu. Isto, portanto, significa dizer que o conceito
de literatura varia de acordo com a comunidade e o tempo em que se insere. Com isso,
voltamos à citação de Culler: o que hoje entendemos como literário, não era no passado;
e, talvez, aquilo que viermos a compreender no futuro não será o que entendemos ser no
presente.

2.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA OU DA LITERARIEDADE

Podemos definir a Literatura, então, a partir da diferenciação do que é ou não texto lite-
rário para determinada época e sociedade. Mas a despeito disso, é ainda imperativo nos
perguntarmos: haveria uma “essência” da Literatura? Algo que a caracterizasse definitiva-
mente como tal assim como uma mesa é e será sempre uma mesa?
Segundo Eagleton (1997) não. Para ele não há no texto literário algo que seja único e ex-
clusivo desse tipo de texto. Seria o uso social que se faz dele, o que definiria a sua natureza
literária. Antes de Eagleton, no entanto, um grupo de estudiosos da Literatura, que ficou
conhecido como “Formalistas Russos”, defenderam que o texto literário apresentaria tra-
ços e formas que o caracterizaria como imanentemente literário. Para esses estudiosos,
a arte literária, assim como qualquer arte, apresentaria características próprias que nos
fariam reconhecê-la como tal, assim como quem assiste ao Lago dos Cisnes sabe estar
diante de uma apresentação de balé, ou se ouve a uma execução de Mozart, sabe que está
a ouvir uma ópera.
A esses traços, denominaram “Literalidade”, isto é, usos específicos da linguagem encon-
trados em textos de natureza literária. Vejamos, então, alguns desses que, em tese, carac-
terizariam o texto literário:

1. Organização linguística da linguagem – A Literatura é a linguagem que

22
coloca em 1º plano a própria linguagem (CULLER, 1999). Se o pintor usa tela
e pincel para criar a sua obra, o escritor usa papel e palavras para criar a sua
obra. A linguagem é sua matéria-prima. Da mesma forma, como um artista
plástico trabalha as cores e as texturas de forma a criar significados únicos
para sua obra, assim o faz o escritor com as escolhas de termos nos eixos sin-
tagmáticos e paradigmáticos, trabalha os elementos de formar a criar múlti-
plos significados para sua obra. Sendo assim, ele vai selecionar e organizar as
palavras de forma a passar mais do que uma simples informação ao seu re-
ceptor. Uma seleção muito mais criteriosa do que a que fazemos em nossos
atos de fala cotidianos, ao conversamos com colegas, familiares, ou mesmo
ao escrever um e-mail ou ao escrever uma dissertação.
2. A relação entre a forma e o conteúdo - A contribuição que cada elemento
escolhido pelo autor traz para a construção do todo, a saber, o ritmo, a so-
noridade, a rima, as repetições, aliterações, metáforas, metonímias, etc. Em
outras palavras, como que o tema (ou assunto) tratado se relaciona com a
forma escolhida, se um soneto, uma ode, um hacai, um conto, uma crônica,
um romance.
3. A plurissignificação – O texto literário ao fazer um uso bastante específico
dos termos da língua, confere a essa uma significação múltipla, para além do
sentindo dicionarizados dos termos. Você já aprendeu que a língua pode ser
usada em seu sentido denotativa, isto é, em seu sentido primeiro, concreto,
dicionarizado; e em seu sentido conotativo, isto é, para além do seu significa-
do primeiro, o sentido figurado, metafórico. É sobretudo esse uso da língua
por parte da literatura que a permite ter múltiplos significados. O semiologis-
ta Umberto Eco, no livro Opera aperta, defendeu que a literatura é uma obra
de arte que está aberta às inferências do leitor. Da mesma maneira, o filósofo
francês Jean-Paul Sartre, em O que é Literatura?, assim como o professor e
crítico literário alemão Wolfgang Iser, dirá que toda obra literária apresenta
vazios e lacunas que devem ser preenchidas pelo leitor, tal qual coautor da
obra. Obviamente, cada leitor um preencherá as lacunas de acordo com o
seu reportório cultural, conforme postulado por Jauss (1994).
4. Ficcionalidade – “As obras literárias se referem a indivíduos imaginários e
não históricos. [...] A ficcionalidade da literatura separa a linguagem de outros
contextos nos quais ela poderia ser usada e deixa a relação da obra com o
mundo aberta à interpretação” (CULLER, 1999, p. 33) justamente por primar
pela linguagem conotativa e, com isso, ampliar suas significações, como vi-
mos no ponto 3. Nesse processo, recria-se, problematiza-se o real permitindo
ao leitor refletir sobre o mundo em que vive, o que nos leva diretamente ao
ponto 5.
5. Construção intertextual ou autorreflexiva – toda obra de arte existe e signi-
fica a partir das relações que estabelece com o seu meio. A literatura é uma
manifestação artística que, reflete e problematiza o seu meio, isto é, a socie-
dade em que vivemos. E, isso sempre se dá pela releitura que cada texto faz
do repertório cultural, literário e não literário, desta mesma sociedade.
6. Função estética da linguagem - literatura vista como objeto estético que
“exorta os leitores a considerar a interrelação entre forma e conteúdo” e des-
pertar-lhe emoções prazerosas, através do contato com essa. Da mesma ma-

23
neira que podemos nos emocionar com uma música ou sentir medo com
um filme de terror, o texto literário pode proporcionar a mesma experiência.

FIQUE ATENTO
Literatura pode ser definida como a arte da linguagem que integra as práticas culturais de
uma dada sociedade. Como toda arte, configura-se como uma representação do real, ge-
ralmente de cunho ficcional, que pode ser mais ou menos verossímil, isto é, pode estar mais
próxima ou mais afastada da percepção de realidade do leitor.

2.4 DAS MUITAS FUNÇÕES DA LITERATURA

Bosi (2006) argumenta que a Literatura não tem função pragmática na sociedade,
apesar de ser uma prática social solidamente incorporada. Por outro lado, o teórico da Li-
teratura Tzvetan Todorov (2009) afirma, em Literatura em Perigo, que a Literatura amplia
nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Quem
já não ouviu a máxima, “Quem lê, viaja”?
Da mesma maneira, Candido (2017)em “Direito à Literatura”, afirma que a Litera-
tura tem o poder de confirmar e negar, de propor e denunciar, de apoiar e combater e,
com isso, fornecer-nos todas as “possibilidades de vivermos dialeticamente os problemas”
(CANDIDO, 2017, p. 177)de nossa época, e, por isso, deveria ser entendida como um “direito
inalienável”de todo e qualquer ser humano.
Sendo assim, que funções, além das expostas por Todorov e Candido, podemos atri-
buir à Literatura? O Italiano Umberto Eco, em Sobre a Literatura, aponta alguns que co-
mentamos a seguir:

1. “A língua mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (ECO,
2002, p. 10)
2. “A prática literária mantém em exercício também a nossa língua individual” (ECO, 2002,
p. 11)
3. “As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um dis-
curso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da lin-
guagem da vida” (ECO, 2002, p. 12)
4. “O mundo da literatura é tal que nos inspira confiança de que algumas proposições não
podem ser postas em dúvida; que ele nos oferece, portanto, um modelo tanto quanto
se quiser, de verdade (ECO, 2002, p. 14)
5. “A função dos contos ‘imodificáveis’ [isto é, a Literatura] é precisamente esta: contra
qualquer desejo de mudar o destino, eles nos fazem tocar com a impossibilidade de
mudá-lo [...]. Creio que esta educação ao Fado e à morte é uma das funções principais
da literatura” (ECO, 2002, p. 21)

Muitas são as funções da literatura. Impossível seria comentar todas neste livro. Mas
é fato que concordamos com Umberto Eco que “a educação ao Fado e À morte” (ECO,
2002, p. 21) é uma de suas principais funções. Na Unidade quatro, você verá como esta fun-
ção foi considerada já na Grécia Antiga por Aristóteles.

24
VAMOS PENSAR?
Como podemos pensar a literatura como uma prática social que ultrapassa os muros da es-
cola? Para refletir sobre as questões citadas, associando-as à suas ações, seja no ambiente
profissional ou cotidiano, pense em práticas literárias que tem o potencial de garantir ao cida-
dão e ao leitor o “Direito à Literatura” (CANDIDO, 2017). Na sua cidade, no seu estado, enfim, no
Brasil, o direito e o acesso à Literatura têm sido respeitados? Se sim, esse tem ocorrido e que
forma? Somente através da escola ou por ações que ultrapassam os seus muros?

BUSQUE POR MAIS

Leia o capítulo um, intitulado Fenômeno Literário, do livro “Teoria da Literatura”,


de Paula (2012) , disponível em: https://bit.ly/3wVPiPc. Acesso em: 15 maio 2021

Para entender a Literatura como uma manifestação artística, leia o texto “Arte
como procedimento”, do formalista russo Chkovski (1914), disponibilizado pela
Universidade de São Paulo: https://bit.ly/3zSiXLh. Acesso em: 29 maio 2021

Veja também o editorial da Revista Letras, v. 25, n. 51, dez. 2015, da Universidade
Federal de Santa Maria, intitulado “Literatura, cultura e outras artes: percursos
críticos, interpretativos e metodológico”, de Tavares e Steil (2015) disponível em:
https://bit.ly/3xMbBqI. Acesso em: 21 maio 2021

Para saber mais sobre as muitas funções da Literatura, leia o livro “Literatura
para quê?” de Compagnon (2010). Se desejar poderá ler a resenha do título em:
https://bit.ly/3zX3d9A. Acesso em: 29 maio 2021

Para saber mais da Literatura como um direito de todo e qualquer ser humano,
leia na íntegra o texto de Antonio Candido “O direito à Literatura”, disponibiliza-
do pela USP em: https://bit.ly/3zrYs74 . Acesso: 29 maio 2021

GLOSSÁRIO
Arte: Manifestação humana com objetivo estético, isto é, de propiciar prazeres e emoções ao
observador.

Cultura: O conjunto da língua, dos hábitos e costumes e das manifestações artísticas de de-
terminado povo ou comunidade constituem sua cultura. É chamada de alta cultura aquela
produzida e consumida pela elite social da comunidade e cultura popular a que se produz e
se consome pelas massas populares.

Literatura: Forma de manifestação artística ficcional que utiliza a linguagem verbal e mista
como matéria prima e que integra as práticas culturais de uma dada sociedade

25
Literatura comparada: Também conhecido por comparatismo, trata-se do estudo que
visa comparar duas ou mais literaturas nacionais ou mesmo diferentes obras literárias de
mesma língua e origem.

Literatura infantil e juvenil: Conjunto de textos literários produzidos especificamente volta-


do para a criança e para o jovem.

Literatura feminina: Literatura escrita por autoras mulheres, muitas das vezes, mas não
via de regra, abordando temas afins ao feminismo.

Literatura marginal: O termo marginal aparece nas décadas de 1970 e 1980. Designava
um tipo de literatura surgente naqueles anos que afrontava o cânone ao romper com os
modelos estéticos e culturais ora vigentes. O termo também fora usado para qualificar o
trabalho de escritores que, contrários às regras impostas pelo mercado editorial, partem
para a produção e venda independente de sua obra. Ainda, no cenário contemporâneo o
termo qualifica a produção literária de autores oriundos das periferias e que tematizam
em sua literatura problemas de ordem social destas periferias como o crime, a violência, as
drogas e a miséria.

Literatura mundo ou world literature: Ideia que se contrapõe à ideia de literatura nacio-
nal. Essa relacionasse com a circulação de texto literários pelo mundo.

Literatura nacional: A ideia ou conceito de literatura nacional surge e ganha força com
o movimento romântico, quando a expressão da cultura nacional foi bastante valorizada.
Nesse sentido, literatura nacional diz respeito a literatura produzida na língua e por cida-
dão nascidos/residentes em determinado estado-nação. Daí termos Literatura Brasileira,
Literatura Portuguesa, Literatura Moçambicana, Literatura Americana, Literatura France-
sa etc.

Literatura oral – Narrativas que constituem a cultura de um povo ou comunidade que são
transmitidas oralmente de geração em geração, às vezes, compiladas como no caso dos
contos compilados pelos irmãos Grimm ou das lendas catalogadas por Câmara Cascudo.

26
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (OMNI 2021 – Prefeitura Santana do Livramento – magistério - adaptado)

Cegalla, no Dicionário escolar da língua portuguesa, afirma que a Literatura é a “arte de


compor ou escrever trabalhos em prova ou verso com o objetivo de atingir a sensibilidade ou
emoção do leitor ou do ouvinte” (CEGALLA, 2005, p. 543).

Com base na afirmação, analise as afirmativas a seguir:

1. Considera-se obra literária somente o escrito que se distingue pela beleza da forma
e a excelência do conteúdo. Será tanto mais apreciada quanto maior o seu poder de
sugerir, de tocar a nossa sensibilidade, de empolgar o nosso espírito.
2. As obras literárias de alcance universal têm, geralmente, menos valor que as de caráter
estritamente nacional ou regional.
3. Todo escritor tem seu estilo próprio, pessoal, isto é, sua expressão reveste uma forma
característica, pela qual se manifestam seus impulsos emotivos, sua sensibilidade e a
feição peculiar de seu espírito, afirmando que o estilo é o espelho em que se reflete a
alma do escritor, a tela em que se projeta a personalidade do artista.

Assinale a alternativa CORRETA.

a) Está correta somente a primeira afirmativa.


b) Está correta somente o segunda afirmativa.
c) Está correta apenas a terceira afirmativa.
d) Estão corretas o primeira e segunda afirmativas.
e) Estão corretas a primeira e a terceira afirmativas.

2. (UECE-CEV - 2018 - SECULT-CE - Analista de Cultura - Letras)


Concebendo a Literatura como uma forma de apreensão do real, podemos dizer que
esta capacidade de apreender o real chama-se literariedade. Assim, a literatura tem esta
propriedade devido a dois fatores: a linguagem, enquanto aquilo que nos capacita dizer o
que dizemos; e a ideia ou ideologia, entendida como a apreensão do real que há naquilo
que dizemos. Assinale a opção que faz digressão ao conceito de Literatura e aos fatores da
literariedade.

a) O termo literariedade nasceu com os críticos conhecidos como formalistas. O destino


desse termo se dirigiu à Linguística, ciência da linguagem humana, não como crítica da
escrita, mas como crítica literária.
b) A Literatura fala do mundo através de uma imagem do mundo. Segundo Sartre (1973),
só apreendemos o real se sairmos do real, pela imaginação.
c) Sendo a Literatura uma forma de apreensão do real, é ideológica, pois a sua mimese passa
por um código ideológico. Os dois fundamentos – linguagem e ideologia – caracterizam a
escrita do texto de arte literária.
d) Pode-se assegurar que linguagem e ideologia são duas faces da mesma moeda, pois

27
se a linguagem é aquilo que nos capacita dizer o que dizemos, seu dizer não se dá sobre
um vazio semântico, o que ele diz é ideológico, e sua capacidade de dizer manifesta a
linguagem.
e) Segundo Eco, a Literatura não tem função na sociedade, portanto, não tem serventia
pragmática para além da estética.

3. (Enade 2014)

Texto 1
Ainda quando se defende a existência de “uma escrituralidade literária”, herdeira, em certo sentido,
do conceito de “literariedade”, utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do
discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar
caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade
de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores “desarmados” de
literatura; que possam deixar de lado a teoria e “entrar no texto”, confundir-se com personagens
que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que
ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que
mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um “estatuto
do literário” que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação
minuciosa de sua produção.
Disponível em: <http://www.pucminas.br>. Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado).

Texto 2: Desencanto

Eu faço versos como quem chora


De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre.
(BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917)

A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entre a especificidade
da linguagem literária e a crítica literária.

a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois
a crítica literária não deixa nada descoberto.
b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem
ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira.
c) Para facilitar a leitura e permitir fruição estética mais intensa ao leitor, os críticos literários
mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura.
d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é
ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira.
e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário que o
leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura.

28
4. (Enade 2011) Nos textos comuns, não literários, o autor seleciona e combina as palavras
geralmente pela sua significação. Na elaboração do texto literário, ocorre uma outra
operação, tão importante quanto a primeira: a seleção e a combinação de palavras se
fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literário é um
discurso específico, em que a seleção e a combinação das palavras se fazem não apenas
pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais, o sonoro. Como resultado,
o texto literário adquire certo grau de tensão ou ambiguidade, produzindo mais de um
sentido. Daí a plurissignificação do texto literário.
GOLDSTEIN, N. Versos, sons, ritmos. 5. ed. São Paulo: Ática, 1988, p. 5.

Os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos e as


repetições constituem outros tantos meios de o escritor transformar a linguagem usual
em linguagem literária.
AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da literatura. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979, p.58 (com adaptações).

Tomando como referência os textos acima, avalie as afirmações que se seguem.

I. A plurissignificação de um texto literário é construída pela combinação de elementos


que vão além da significação das palavras que o compõem.
II. A construção do texto literário envolve um processo de seleção e combinação de palavras
baseados, necessariamente, no uso de metáforas.
III. A ambiguidade do texto literário resulta de um processo de seleção e combinação de
palavras.
IV. O texto literário se diferencia do não literário por não depender de significação, mas,
sim, de outros recursos no processo de seleção e combinação das palavras.

É correto apenas o que se afirma em

a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.

TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:

Textos para a(s) questão(ões) a seguir.

Texto 1

29
Texto 2
A própria produção literária atual encaminha-se na direção de uma fusão com vários
segmentos culturais, de que a chamada cultura de massa, tradicionalmente discutida em sua
diferença negativa, constitui tão somente um dos aspectos de negociação em bases renovadas. A
defesa exclusiva da literatura clássica e da herança nacional, um casamento expresso e legitimado
pela construção e manutenção de repertórios recheados de um saber cultural canônico, no entanto,
parece tão problemática quanto a sua rejeição global. Hoje circulam e prevalecem formas culturais
mistas, e até os textos canônicos são relidos como pontos de cruzamento de discursos amplos, que
transcendem as fronteiras tradicionais da esfera do literário e do horizonte de pertença a espaços
nacionais linguística e geograficamente circunscritos.

OLINTO, H. K. Literatura/cultura/ficções reais. In: OLINTO, H. K.; SCHLLHAMMER, K. E.


Literatura e Cultura. Rio de Janeiro: EPUC, 2008, p. 75 (adaptado).

5. (Enade 2014) Assinale a opção que melhor expressa as ideias desenvolvidas no texto 2.

a) b) c)

d) e)

6. (Enade 2014) Tomando como referência os textos 1 e 2, avalie as afirmações a seguir.

I. A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade cultural recriada.
II. A literatura apropria-se de valores de diversos segmentos culturais, estabelece fusão
entre eles e reelabora-os, por meio da língua, em formas estéticas.
III. A fusão estabelecida entre literatura e cultura tem por princípio apenas os valores
culturais canônicos.
IV. A literatura canônica está inserida em formas culturais mistas que transcendem a esfera
do tradicional.

É correto apenas o que se afirma em

a) I e II.

30
b) I e III.
c) III e IV.
d) I, II e IV.
e) II, III e IV.

7. (Enade 2014) Considerando a imagem e a citação, pode-se afirmar que a relação entre
manifestações literárias contemporâneas e cultura :

a) reelabora os valores culturais. Assim, a diversidade é transformada em unidade, à


semelhança do que se observa na imagem.
b) apresenta começo e fim determinados. Assim, a imagem aponta diversidades culturais
que existiram por um período preestabelecido.
c) desenvolve a diversidade cultural, à semelhança do que aponta a imagem, mas não
transcende os valores canônicos tradicionais da esfera do literário.
d) estabelece a fusão entre diversos valores culturais. Os elementos apresentados na imagem
são mais ou menos destacados, dependendo da literatura em que são referenciados.
e) torna a literatura contemporânea um modismo a partir dos cânones exclusivos das
literaturas clássicas. Assim, contrapõe-se à imagem que aponta para diversos elementos
culturais não canônicos.

8. (Quadrix - 2018 - SESC-DF - Professor - Português)

De fato, antes procurava‐se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela
exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de
essencial. Depois, chegou‐se à posição oposta, procurando‐se mostrar que a matéria de uma obra
é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo‐lhe
uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo
social, considerado inoperante como elemento de compreensão. Hoje sabemos que a integridade
da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender
fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto
de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a
estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo
interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem
como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da
estrutura, tornando‐se, portanto, interno.
Antonio Candido. Crítica e sociologia. In: Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010, p. 13 e 14.

A respeito das duas correntes teóricas de interpretação da obra literária apresentadas no


texto acima, assinale a alternativa correta.

a) De acordo com o texto, o essencial em uma obra literária é a expressão de determinado


aspecto concreto da realidade, independentemente de fatores estéticos.
b) A fusão de texto e contexto no processo interpretativo da obra significa, necessariamente,
o apagamento do contexto em favor das dimensões estéticas do texto.
c) Uma interpretação dialeticamente íntegra implica na neutralidade do crítico, que não
deve assumir nem uma perspectiva sociológica nem uma abordagem esteticista.
d) Infere‐se do texto que a abordagem crítica exigida pela obra de arte é aquela que

31
considera o trabalho estético de internalização dos dados externos na estrutura da obra.
e) O texto defende a ideia de que a corrente crítica que privilegia a centralidade da matéria
social na obra de arte está ultrapassada e deve ser substituída pela perspectiva crítica
atenta aos jogos de linguagem.

32
03
UNIDADE
A ARTE IMITA A VIDA?

33
3.1 INTRODUÇÃO

Vimos no capítulo anterior que o conceito de Literatura é algo complexo, difuso e his-
toricamente marcado, variando a ideia do que venha a ser ou não texto literário de acordo
com a época, a cultura e a ideologia social na qual se insere (EAGLETON, 1997).
No entanto, é imperativo retroceder às poéticas clássicas, isto é, aos gregos antigos,
para compreender o(s) conceito(s) modernos de Literatura e da disciplina Teoria da Lite-
ratura. Por isso, neste capítulo, falaremos sobre o conceito de mimeses na filosofia e na
Grécia antiga, sobretudo, em Platão, discutindo a importância de sua visão para os estudos
literários que o sucederam.
Vamos lá!

3.2 PLATÃO E O MITO DA CAVERNA

Certamente você já ouviu a máxima: “a arte imita a vida e a vida imita a arte”. De fato,
a arte parte do que lhe fornece o real a fim de trabalhar e retrabalhar este mesmo real,
conferindo-lhe novos significados. Grosso modo, através das mais diversas manifestações
artísticas o homem consegue melhor compreender a si, à sociedade e ao mundo que o
cerceia.
Platão, no entanto, via essa imitação de uma maneira negativa. Tanto que no diálogo
A República, bane a Literatura de sua cidade ideal por endenter que ela era nociva para a
paideia, a educação grega que envolvia trabalhar corpo e mente, e a aletheia, a verdade
filosófica.
A primeira obra platônica a tratar de um tema diretamente ligado à Literatura é o
diálogo Ion, mas é n’ A República que Platão vai engendrar duas teorias que embasam seu
pensamento, a Teoria das Formas e o Mito das Cavernas, ambas complementares para en-
tendermos o porquê Platão considera a Literatura como um fazer negativo. Argumentação
contra a arte e a Literatura
O diálogo é dividido em dez livros. Destacamos aqui os que interessam sobremanei-
ra ao nosso estudo. No livro I, Platão introduz o seu conceito de justiça e ética; no livro II,
inicia sua argumentação contra a literatura através de uma crítica pedagógica e teológica
contra essa, crítica que dá continuidade no Livro III ao abordar a constituição da cidade-es-
tado ideal. No livro VII, apresenta a Alegoria ou Mito da Caverna e, por fim, no Livro X, for-
mula sua crítica à mimeses e, por conseguinte, conclui que a literatura não pode ter espaço
na cidade-estado ideal.

3.3 AS FORMAS E O MITO DA CAVERNA


Platão, em A República, caracteriza as causas inteligíveis dos objetos físicos como
ideias ou formas, sendo essas as causas da beleza da verdade e da justiça. Os objetos, por
seu turno, meras sombras daqueles. Para ele, somente através de processos cognitivos,
isto é, do pensamento filosófico, pode-se se desamarrar da matéria e atingir-se a verdade
das coisas, a saber, suas formas etéreas . A fim de defender tal argumentação, Sócratres a
ilustrará através de uma alegoria.

34
Figura 2: Mito da Caverna
Disponível em: https://bit.ly/3y2SmcP. Acesso em: 28 maio 2021.
Ele pede a Glauco que imagine uma caverna na qual prisioneiro viveram a vida toda
sem jamais conhecer o mundo fora dela. Tudo que viam do mundo exterior era apenas
sombras dos objetos, animais e pessoas que se projetavam em uma parede à sua frente,
como pode se verificar na imagem acima. Essas sombras significavam todo o conheci-
mento de mundo desses homens.
As sombras, como é sabido, distorcem a forma dos objetos de acordo com a posição
e projeção da luz. Portanto, o conhecimento do mundo que esses homens tinham era
distorcido assim como as sombras projetadas na parece. No entanto, na sequência de sua
argumentação, afirma que aqueles prisioneiros, não tendo contato com o mundo exterior,
criam ser o que viam a verdade (ou ao menos a sua verdade), tanto que afirma que se um
deles saísse e retornasse contando o que vira no mundo exterior seria taxado de mentiroso.
Paralelamente, a caverna representaria o mundo material, sensitivo e físico, em contrapon-
to ao mundo exterior que representaria o mundo inteligível ou das ideias.
Externo - espírito Caverna - corpo
Ideia – forma matéria
Inteligível sensitivo
Real aparente
Universal particular
Eterno Efêmero
Essência objeto
Quadro 1: Forma versus sombra
Fonte: Elaborado pela Autora (2021)

A ideia de essência e essencial é que ordenaria a noção particulares das coisas, isto
é, sua imagem ou objeto. Sendo assim, Platão entendia que as artes, por serem somenos
simulacro da verdade, dificultariam o processo de ascensão ao mundo inteligível, pois por
serem aparências das formas presentes no mundo ideal, enganariam o receptor.

BUSQUE POR MAIS


Para saber mais sobre o pensamento platônico acerca da educação e o papel
didático da Literatura, veja o livro de Rodrigo (2014) “Platão e o debate educati-
vo na Grécia Antiga” disponível em: https://bit.ly/3d8aCZW. Acesso em: 28 maio
2021

35
A obra de Paviani (2008) “Platão & a Educação” também abrange o papel da
literatura na educação e está disponível em: https://bit.ly/35Novsq. Acesso em:
28 maio 2021

Para saber mais sobre “A república”, de Platão, leia o primeiro capítulo da obra
de Tavares e Noyama (2017) intitulada “Textos clássicos da filosofia antiga: uma
introdução a Platão e Aristóteles”, disponível em: https://bit.ly/3h1BcVR. Acesso
em: 28 maio 2021.

3.4 A MIMESES PLATÔNICA

Se de dentro da caverna só se viam as sombras das formas, aquele que as via tinha
apenas uma vaga noção do mundo ideal. Desse modo, aquele que fabrica um objeto ba-
seado não na forma, mas na ideia daquele objeto, fabrica uma cópia. Por sua vez, se um
pintor pinta aquilo que foi fabricado estará produzindo uma cópia da cópia, portanto, afas-
tando-se três vezes do real, isto é, a forma etérea das coisas.
Conforme salienta Benedito Nunes, em Platão:
[...] o artista imita por deficiência de conhecimentos. Se
fosse verdadeiramente sábio, não trocaria a realidade
pela aparência. Sua práxis, supérflua, é apenas um jogo,
uma atividade gratuita, que nada tem de séria, e que
pode, contudo, aumentando a sedução equívoca da ma-
téria sobre a sensibilidade, enredar a alma na trama de
falsos sentimentos e emoções, facilmente suscitados
pela Música e pela Poesia. Reencontramos o duplo senti-
do da mimese assinalado no capítulo 4: as composições
poéticas e musicais sugestionam o ouvinte, induzindo-o
a experimentar os estados de alma a que se associam.
Em linguagem moderna, diríamos que elas expressam e
comunicam estados afetivos (NUNES, 1999, p. 19).

O artista, portanto, é em Platão apenas um mero criador de aparências, simulacros


que não correspondem a verdade etérea das coisas, essas apenas possível de serem alcan-
çadas no mundo das ideias. Da mesma maneira, a literatura produziria um conhecimento
que seria nefasto a república ideal porque três vezes afastado da realidade. Por não corres-
ponder à verdade, não seria possível aprender nada por meio dela. Platão, portanto, não
admitia uma característica essencial do literário, a possibilidade de assemelhar-se ao real,
sem de fato imitá-lo integralmente.
O termo mimeses, em grego, seria, grosso modo, puramente imitação. Uma arte
mimética seria, portanto, meramente imitativa. Segundo Eric Haverlock (1996), primeiro
como mera classificação estilística, depois como método de composição e/ou ato de cria-
ção, na qual o poeta entraria em contato com a musa , e, por último atuação/perfomance.
Esta é, pois, a chave mestra da opção de Platão relativa-
mente à palavra mimesis para descrever a experiência
poética. Ela se concentra inicialmente não na atividade
criativa do artista, mas em sua capacidade de fazer com
que seu público se identifique quase patológica e sem

36
dúvida empaticamente com o conteúdo do que ele está
dizendo. E, por conseguinte, também quando Platão pa-
rece confundir os gêneros épico e dramático, o que está
dizendo é que qualquer enunciado poetizado deve ser
planejado e recitado de maneira tal que se transforme
numa espécie de drama dentro da alma tanto do recita-
dor quanto, consequentemente, do público. Essa espé-
cie de drama, essa maneira de reviver a experiência na
memória em vez de analisá-la e compreendê-la, constitui
para ele “o inimigo” [a ser combatido] (HAVERLOCK, 1996,
p. 61).

FIQUE ATENTO
Para Platão as artes e, por conseguinte, a literatura, é somenos uma cópia três vezes afasta-
da da realidade, isto é, das formas ideais. Por se apenas um simulacro da verdade, não teria
espaço em sua república ideal, assim como o artista, mero criador de aparências.

VAMOS PENSAR?
Para Platão, a Literatura seria nefasta porque impediria que o homem conhecesse a verdade,
essa que só se teria acesso pela filosofia. No entanto, pense sobre o tudo o que já leu e apren-
deu sobre Literatura e reflita: o texto Literário, ao repensar o real por outros prismas, permite-
-nos refletir sobre a nossa realidade desconstruindo e reconstruindo o que acreditávamos ser
verdade?

GLOSSÁRIO
Aletheia – palavra grega que designava a relação entre verdade e razão. Grosso modo, a ver-
dade filosófica pertencente ao mundo inteligível.

Mimeses: Noção grega que entende a arte como uma forma de representação da realidade.

Mundo inteligível: O mundo das ideias, aquele que só se atinge através do pensamento filosó-
fico. O conhecimento por esse propiciado, portanto, é aquele que se atinge pela razão.

Mundo Sensitivo: Conhecimento que se atinge através da percepção sensitiva, sem funda-
mento no pensamento ou na razão, por isso, próprio das artes.

Efêmero: Algo passageiro; de curta duração.

Verossimilhança: Similar ao que é verdadeiro. Que se assemelha ao real.

Paideia - Sistema de educação grego que incluía visava preparar o homem para o exercício
de seu papel na pólis (cidade). Era uma educação completa que trabalhava desde ginástica,
a artes, retórica e matemática.

37
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Enade 2008)
E dir-se-á o mesmo do justo e do injusto, do bom e do mau e de todas as ideias: cada uma, de per
si, é uma, mas, devido ao fato de aparecerem em combinação com ações, corpos, e umas com as
outras, cada uma delas se manifesta em toda a parte e aparenta ser múltipla.
Platão, República V. 476a. Fundação Calouste Gulbenkian.

A partir desse texto, assinale a opção correta.

a) Cada ideia é uma, mas aparenta ser múltipla.


b) Cada uma das ideias em toda a parte manifesta ser uma.
c) Ações e corpos manifestam-se em combinação uns com os outros.
d) As aparências combinam-se umas com as outras em toda a parte.
e) Cada ideia é múltipla, manifestando-se em combinação em toda a parte.

2. (Enade 2005) – Que responda esse honrado homem que não acredita que algo seja
belo em si, nem exista nenhuma ideia de um belo em si, sempre idêntica a si mesma, mas
que reconhece muitas coisas belas – esse amante dos espetáculos – que não aceita que lhe
digam que o belo é um só, e o justo, e do mesmo modo as outras realidades. Ora, dentre
estas coisas, diremos que, das muitas que são belas, acaso haverá alguma que não pareça
feia? E das justas, uma que não pareça injusta? E, das santas, uma que não pareça ímpia?
– Não, é forçoso que as mesmas coisas pareçam belas e feias, tal como as outras de que
falas.
Platão. República. (com adaptações).

Com base nesse texto de Platão, analise as asserções a seguir:

I. As coisas parecem ser o que são e o seu contrário

PORQUE

II. As muitas coisas são idênticas a si mesmas.

Assinale a opção correta a respeito dessa afirmação.

a) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta


da primeira.
b) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa
correta da primeira.
c) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa.
d) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é verdadeira.
e) As duas asserções são proposições falsas.

3. (INSTITUTO AOCP - 2019 - adaptado) O Mito da Caverna, de Platão, estabelece uma


relação interna ou intrínseca entre paideia (educação) e aletheia (verdade): a filosofia é

38
educação ou pedagogia para a verdade. Sobre o Mito da Caverna e o conceito de verdade
em Platão, assinale a alternativa INCORRETA.

a) A relação entre paideia e aletheia é proposta pelo mito com a analogia entre os olhos do
corpo e os olhos do espírito quando passam da obscuridade à luz: assim como os primeiros
ficam ofuscados pela luminosidade do Sol, também o espírito sofre um ofuscamento no
primeiro contato com a luz da ideia do Bem, que ilumina o mundo das ideias.
b) Platão abandonou o antigo conceito de verdade, isto é, a evidência como adequação
entre a ideia e o intelecto, o inteligível e a inteligência, obtida apenas pelas operações da
própria alma e o substituiu por aquele em que o próprio ser se manifesta no mundo e ao
mundo.
c) A trajetória realizada pelo prisioneiro é a descrição da essência do homem (um ser dotado
de corpo e alma) e sua destinação verdadeira (o conhecimento intelectual das ideias). Essa
destinação é seu destino: o homem está destinado à razão e à verdade.
d) O Mito da Caverna preserva o antigo sentido da aletheia como não esquecimento e
não ocultamento da realidade, pois aletheia é o que é arrancado do esquecimento e do
ocultamento da realidade, fazendo-se visível para o espírito, embora invisível para o corpo.
e) É uma alegoria retirada de “A República” de Platão, que fala sobre o conhecimento
verdadeiro e o governo político.

4. (IF-RR – 2015) - Acaso não existem três formas de cama? Uma que é a forma natural, e
da qual diremos, segundo entendo, que Deus a confeccionou. Ou que outro Ser poderia
fazê-lo? - Nenhum outro, imagino. - Outra, a que executou o marceneiro. - Outra, feita pelo
pintor. Ou não? - Sim. - Logo, pintor, marceneiro, Deus, esses três seres presidem aos tipos
de cama.
PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000: 295. (adaptado)

No diálogo do Livro X de “A República”, o autor discorre sobre o processo mimético, ou seja,


a relação imitativa entre as formas naturais e poéticas. A partir da reflexão do fragmento
platônico, música e músico estariam

a) excluídos do processo mimético.


b) próximos à forma natural e semelhantes a Deus.
c) igualados à função de imitadores da imitação como o pintor
d) posicionados como imitadores de 1ª categoria como o marceneiro.
e) presentes nas três formas e, portanto, ocupando as três posições de criação.

5. (Colégio Pedro II – 2016 - adaptado) – Então, tomemos dessas pluralidades a que quiseres;
a seguinte, por exemplo, se estiveres de acordo: leitos há muitos, e também mesas. – Como
não? – Porém para todos esses móveis só há duas ideias: a ideia do leito e a ideia da mesa.
– Certo. – Costumamos, também, dizer que os obreiros desses móveis têm em mira a ideia
segundo a qual um deles apronta leitos e outros as mesas de que nos servimos, e assim
para tudo o mais. Porém a ideia em si mesma, o obreiro não fabrica. Como o poderia?
(PLATÃO. A República – livro X. In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos.
Curitiba: SEED, 2009. p. 553)

O trecho citado, retirado do Livro X da República de Platão, expressa

39
a) a crítica à imitação como afastamento da verdade em três graus.
b) um caso tipificado de contemplação das formas pela experiência.
c) o reconhecimento da forma de leito e de cadeira por reminiscência.
d) uma explicação do uno e do múltiplo pressupondo a teoria das ideias.
e) Um elogio à imitação como forma exemplar de contemplação do real.

6. (Colégio Pedro II – 2016 -adaptado) A arte de imitar está muito afastada da verdade,
sendo que por isso mesmo dá a impressão de poder fazer tudo, por só atingir parte mínima
de cada coisa, simples simulacro. O pintor, digamos, é capaz de pintar um sapateiro, um
carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem conhecer absolutamente nada das respectivas
profissões. No entanto, se for bom pintor, com o retrato de um carpinteiro, mostrado de
longe, conseguirá enganar pelo menos crianças ou pessoas simples e levá-las a imaginar
que se trata de um carpinteiro de verdade.
(PLATÃO. A República (Livro X). In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos.
Curitiba: SEED, 2009. p. 558.)

Sobre a relação entre arte e verdade, assinale a alternativa correta, segundo o pensamento
platônico.

a) As obras de arte estão distanciadas três graus da realidade, e, por isso, estão muito
distantes da representação da verdade.
b) Não poderíamos nos aproximar da verdade por meio das obras de arte, uma vez que elas
apresentam somente uma representação das ideias.
c) Existe um valor positivo da arte imitativa, mas no âmbito da cidade ela era corrosiva, pois,
em relação à verdade, desloca a atenção que a política necessitava.
d) As obras de arte são necessárias para uma aproximação da verdade, mas apenas no
âmbito privado, negando dessa forma, sua função na cidade e, portanto, deveriam ser
excluídas.
e) A arte imitativa é positiva porque permite ao fruidor através da mimese escapar do real
e vivenciar experiências que jamais vivenciaria se não fosse pela arte.

7. Por isto, Wolfgang Iser reconhece a necessidade da literatura neste efeito de perspectiva,
vale dizer, na sua propriedade de obrigar o leitor, ao identificar-se com um personagem,
ou com o narrador, a olhar-se, e ao mundo por um ângulo novo, por um ângulo inusitado
– por uma nova perspectiva. As consequências estéticas, psicológicas e éticas desta
perspectivação podem ser radicais, obrigando-nos não só a compreendermos que a
realidade, em última instância, nos é inacessível – só temos acesso, no máximo, à sua
sombra. A realidade nos é inacessível porque ela engloba tudo o que existe e todas as
perspectivas possíveis.
(BERNARDO, Gustavo. O conceito de Literatura. In: JOBIM, José Luís (Org.)
Introdução aos termos Literários. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999).

Ao dizer que a realidade nos é inacessível, que apenas acessamos a sua sombra, Gustavo
Bernardo refere-se

a) à teoria da ideia platônica.


b) à mimeses aristotélica.

40
c) à teoria da contingência platônica.
d) ao mito grego de Narciso.
e) à ideia de peripécia e catarse.

8. Leia a tirinha abaixo:

Disponível em: https://bit.ly/3y5GPK9 . Acesso em: 28 maio 2021.

Sobre mito da Caverna, de Platão é que:

I. Que aquele que conhece o mundo apenas através das sombras das formas, não chegou
a conhecer a verdade das coisas.
II. Que aquele que vê o mundo apenas através das sombras das formas, vê que as formas
correspondem aos objetos.
III. A literatura, como toda arte, é uma sombra distante três vezes da forma ideal.

a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

41
04
LITERATURA: A ARTE DAS UNIDADE
PAIXÕES?

42
4.1 INTRODUÇÃO

A Poética, de Aristóteles, além de ser a pioneira a dedicar-se ao tema é um dos mais


importantes títulos, senão o mais importante, para os Estudos Literários e, por conseguinte,
para a Teoria. Nesse texto, deferentemente do texto platônico, é dedicado exclusivamente
à arte literária, em especial, às do gênero épico e dramático, isto é, à épica e a tragédia. Ape-
sar de Aristóteles tecer algumas considerações sobre a comédia e a lírica, concede a essas
pouco espaço.
Dissemos que A poética é de extrema importância para os Estudos Literários, isso
porque nos legou conceitos importantíssimos que ainda hoje são basilares para a análise
do texto literário como o próprio conceito de mimeses (na visão aristotélica que veremos a
seguir e não a platônica), de verossimilhança e de catarse. Vejamos então o que é a mime-
sis para Aristóteles e para os que o sucederam.
Vamos lá!

4.2 DA POÉTICA ARISTOTÉLICA E OUTRAS POÉTICAS

Apesar de discípulo de Platão, Aristóteles divergirá de seu mestre, especialmente


no valor que confere à obra de arte, inclusive a literária. Se para o mestre ela era pernicio-
sa, para o discípulo ela é essencial para o desenvolvimento de senso de justiça e moral do
povo, porque possibilitaria ao expectador (ou leitor) aprender sem ser pela experiência.
Lembremos, pois, do que dissera Umberto Eco sobre a principal função da Literatura ser
educar-nos ao “Fado e à morte” (ECO, 2002, p. 21). A função apresentada em Eco já estava
em Aristóteles!

Figura 3: Aristóteles
Disponível em: https://bit.ly/3zRfz3d. Acesso em: 28 maio 2021.
Ao conceito de mimesis, conforme proposto pelo discípulo de Platão, se coaduna ao
conceito de verossimilhança. Para o filósofo a arte poética, ou seja, a Literatura, não preci-
saria copiar fidedignamente o real, conforme postulava Platão (daí, ele condená-la por não
se corresponder a verdade), mas deveria assemelhar-se com a realidade que se pretendia.
Mas o que seria algo verossímil? Antes de discutirmos o conceito, desmembremos a pala-
vra. Vero, do latim verus, significa verdadeiro (tanto que a palavra verdade em italiano é jus-
tamente vero!); Símil, do latim símile, significa semelhante. Então, grosso modo, podemos
afirmar que algo verossímil seria algo semelhante ao verdadeiro.
[...] é preciso, quanto ao caráter dos personagens, como
também no arranjo das ações, procurar o necessário ou
o provável, de forma a que alguém de certa qualidade
diga ou faça coisas de certa qualidade necessariamente
ou provavelmente. É evidente, então, que os desenlaces

43
dos enredos devem decorrer do próprio enredo, e não do
artifício da mêchanê [...]. Mas se deve fazer uso da mêcha-
nê no que diz respeito ao que se passa fora de cena, seja
o que ocorreu antes dos incidentes mostrados, que não
é possível ao homem saber, seja o que ocorreu antes dos
incidentes mostrados, que não é possível ao homem sa-
ber, seja o que é posterior e que necessita de uma predi-
ção e de um anúncio, pois aos deuses concedemos tudo
verem (ARISTÓTELES, 2006, p. 91-93).

Mesmo que o discurso da literatura não seja verdadeiro como desejava Platão, é ne-
cessário que seja provável, que tenha um pé calcado no real para que expectador ou leitor
possa identificar-se com aquilo que assiste ou lê. Se o receptor não se identifica, a poesis
não consegue cumprir com a sua função essencial (sobre a qual falaremos no próximo tó-
pico).
Sendo assim, a arte literária não é apenas uma reprodução do mundo em que vi-
vemos, mas uma representação desse. A Literatura, portanto, teria a capacidade de pela
mimesis recriar acontecimentos, situações, criando outras possibilidades de existência no
mundo (lembremos que Aristóteles atém-se sobremaneira à épica e a tragédia). Devido
a essa capacidade do literário, seu discurso estaria mais próximo do discurso filosófico do
que o discurso histórico que tem o dever de apresentar as coisas como ocorreram e não
como poderiam ter ocorrido.
Luiz Costa Lima, partindo das considerações de Friedrich Shelegel sobre a mímeses,
dirá que essa “tem uma relação paradoxal com a verdade” (LIMA, 2000, p. 63). No texto,
Lima fala sobre a obra Kaftiniana que, como é sabido, exploras temáticas irreais, fantásticas
, guardando, portanto, pouca semelhança com a verdade, isto é o real, mas ainda assim, ao
guardar alguma “semelhança com o que a sociedade” toma por verdadeiro, é verossímil e,
portanto, mimética. O que torna o efeito de verossimilhança “inseparável tanto da produ-
ção quanto da recepção” (LIMA, 2000, p. 64).
O poeta romano Horácio, em consonância com o princípio aristotélico, defenderá ser
a arte literária, assim como a pintura, como uma arte de imitação reprodutiva. Horácio, no
entanto, em sua arte poética atem-se à um gênero literário que teria sido pouco considera-
do por Aristóteles, a lírica, a qual também considera produto fruto desta mesma atividade
mimética.
Na verdade, não apenas Horácio, como outros latinos, traduziram mímeses como
imitatio (que literalmente significa imitação), mas com o tempo a ideia latina de criação
literária será entendida para além da mimetização (ou imitação) da natureza e dos costu-
mes humanos, como se verifica em outro autor latino, Quintiliano, para entende-la como
imitação de modelos autorais anteriores, isto é, como aemulatio (emulação).
Já em Aristóteles verificamos uma normatização do fazer literário; o como se deve
fazer ou o como deve ser a obra literária de qualidade para que suscite as emoções que
deve suscitar. Nos latinos isso refletirá a ideia de que se um poeta foi bem-sucedido usando
determinadas técnicas, o caminho para o sucesso dos que haverão de vir é, obviamente,
copiá-lo. Mas não era um puro e simples plágio como podemos equivocadamente sermos
levados a pensar, mas uma emulação daquele autor considerado como autorictas (auto-
ridade) no gênero. Mas qual a diferença entre imitar e emular algo ou alguém? Vejamos o
esclarecimento dado por João Cezar de Castro Rocha:

44
[...] a prática da emulação implica uma ideia particular
de sistema literário, privilegiando o ato de leitura como
gesto eminentemente inventivo. Afinal, partindo-se da
imitação de um modelo considerado autoridade num de-
terminado gênero, busca-se emular esse modelo, produ-
zindo uma diferença em relação a ele (ROCHA, 2013, p. 12).

Grosso modo, portanto, a emulação implicaria em não apenas representar aquilo


que a natureza nos oferece, conforme postulado por Aristóteles, mas em copiar um mode-
lo autoral com vistas a suplantá-lo. Ideia que teria sido fortemente combatida pelos român-
ticos que criam que a obra de arte devesse ser original e fruto da genialidade do artística e
não da reprodução de técnicas de autores anteriores ou mesmo contemporâneos.

BUSQUE POR MAIS

Para saber mais sobre a mímesis em Aristóteles e noutros autores consulte o


verbete mímeses ou mimese no dicionário “E-dicionário de termos literários de
Carlos Ceia”, disponível em: https://bit.ly/3gQ9pc3 . Acesso em: 28 maio 2021.

Para saber mais sobre a emulação no contexto romântico, sobretudo na obra


de Machado de Assis, consulte o livro Machado de Assis: por uma poética da
emulação, de João Cezar de Castro Rocha. Leia o resumo disponível em: https://
bit.ly/3xJBfMQ . Acesso em: 28 maio 2021.

4.3 DAS PAIXÕES HUMANAS À CATARSE


O termo catarse em sua origem grega, Kátharsis, significa purificação do espírito hu-
mano. O filósofo grego Aristóteles entendia que o objetivo da arte literária, especialmente
a tragédia, como um meio de purificação das emoções humanas, ou seja, que através do
terror ou da piedade proporcionados pelas ações sofridas pelas personagens, conduziriam
o receptor (expectador ou leitor) a se aproximar de alguns personagens (geralmente o
protagonista), levando-o a crer na possibilidade de ser moralmente superior ao outro, au-
xiliando-o na criação de um senso de justiça e de moral.
Para que tal objetivo pudesse ser atingido, era crucial que o poeta partisse de um en-
redo verossímil, em que o herói trágico sairia “da fortuna para o infortúnio, não por perver-
sidade, mas por um grande erro de alguém”, ocasionando a mudança dos acontecimen-
tos, isto é, a peripécia que conduziria o herói a sair do estado de desconhecimento para o
de reconhecimento e, levando-o, por fim, ao evento patético ou catastrófico, o que por seu
turno conduziria o expectador a expurgação de suas emoções, sofrendo o processo catár-
tico.
A catarse importa não apenas para textos literários escritos para serem encenados,
como no caso da tragédia e por extensão ao teatro e cinema moderno, mas aos mais di-
versos gêneros literários. Sobre o processo catártico na literatura de horror, por exemplo, o
ficcionista Stephen King afirma que :

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[...] inventamos horrores para nos ajudar a suportar horro-
res verdadeiros. Contando com a infinita criatividade do
ser humano, nos apoderamos dos elementos mais polê-
micos e destrutivos e tentamos transformá-los em ferra-
mentas – para desmantelar estes mesmos elementos. O
temo catarse é tão antigo quanto o drama na Grécia [...],
mas, mesmo assim, ele tem seu uso [...] (KING, 2007, p. 24).

O comentário de King nos ajuda a compreender que os horrores da ficção podem


amenizar nossos piores medos , uma vez que podemos experimentamos o apuro sem
correr risco real.

FIQUE ATENTO

PLATÃO ARISTÓTELES HORÁCIO


Íon A República A Poética Arte Poética
Platão tenta des- Platão tece uma crí- Na poética, assim como Em sua Arte Poéti-
crever a origem da tica epistemológica no livro X de A Repúbli- ca, Horácio se dedica
obra de arte literá- à literatura, vendo-a ca, Aristóteles norma- ao gênero que teria
ria. Ignora o fato de como nefasta para tiza a arte poética, isto, propositalmente sido
a poesis (poética) a sua república ide- estabelece normas que esquecido por Aristó-
ser fruto de um tra- al. Por isso, no livro devem ser seguidas teles, a lírica. O poeta
balho de criação. X procura normati- pelos “bons” poetas. latino, entenderá a
zá-la. No entanto, ao mesmo poesia lírica também
tempo que normatiza, como uma arte de
toma também uma po- imitação e represen-
sição crítica ao classifi- tação do real mesmo
car as obras em supe- que não haja nela fi-
riores e inferiores. guração de persona-
gens como na poesia
épica e nos dramas
trágicos e cómicos.
Fonte: Elaborado pelo Autor (2021)

VAMOS PENSAR?
Quando se diz que a ARTE é REPRESENTAÇÃO, qual o sentido está em jogo? Qual o sentido
está posto na poética aristotélica? Trata-se apenas da representação do ator em cena? A re-
presentação em Aristóteles é muito mais ampla do que aquela que se faz no palco. Seja o ator
do drama encenado, seja o expectador ou o leitor da obra, todos esses sujeitos colocam-se no
lugar de um outro, a personagem, vivenciando as dores e as paixões desses, efeito criado pela
obra literária.

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BUSQUE POR MAIS
Para saber mais sobre a Poética de Aristóteles, leia o capítulo quatro do livro
“Textos clássicos da filosofia antiga: uma introdução a Platão e Aristóteles” de
Tavares e Noyama (2017) que está disponível através do link: https://bit.ly/2TVj-
F9Z. Acesso em: 28 maio. 2021.

Para conhecer mais sobre a tragédia grega, assista à encenação de Édipo Rei,
de Sófocles, pela Oficina de Teatro Capitão Gancho, encenada no Museu de
Aveiro, em Portugal. Disponível em: https://bit.ly/3gOKwNS. Acesso em: 28 maio.
2021.

GLOSSÁRIO
Catarse: Processo de purificação do espírito humano e de expurgação de suas emoções, al-
cançado pela vivência de experiências de outrem através da representação artística.

Comédia: Gênero teatral grego que encenava menor que satiriza as fraquezas humanas.

Epopeia: Poema narrativo em versos que canta os feitos do herói histórico ou lendário.

Mimesis: Noção grega que entende a arte como uma forma de representação da realidade.

Peripécia: Evento que, ao alterar o curso dos acontecimentos, conduz o herói a sair do estado
de desconhecimento para o de reconhecimento e, levando-o, por fim, ao evento patético ou
catastrófico.

Poética: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo metodológico e norma-


tivo de obras literárias, especialmente das epopeias e tragédias. É também o estudo sistemá-
tico e normativo de literatura.

Tragédia: Gênero teatral grego que encenava as peripécias e catástrofes de homens de moral
superior.

Verossimilhança: Similar ao que é verdadeiro. Que se assemelha ao real. Que é provável ou


necessário, segundo a perspectiva aristotélica.

Verossimilhança interna: Trata-se da coerência interna da narrativa que pressupõe uma lógi-
ca na ocorrência e sucessão dos acontecimentos narrados.

Verossimilhança externa: Trata-se da aderência da narrativa ao espectro do real segundo o


provável ou necessário.

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FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Prefeitura de Cujubim - RO 2018) Em teoria literária, usa-se o termo CATARSIS. Este
termo, um tanto técnico, tem sua origem:

a) na mescla de mistério e magia desde sua criação. Penetrou na cultura dos povos
primitivos e descobriu-se como gênero de experiências extravagantes na contemplação
do belo.
b) na época de Aristóteles, termo empregado por um médico, significando purgação e, se
usado por um discurso religioso, representava expiação ou purificação.
c) em tratados papais, expressão usada para caracterizar homem confuso e apreensivo
com as transformações do mundo. Platão, na alegoria da Caverna, utilizou-a pela primeira
vez na história da literatura.
d) no Termo filosófico cunhado por Aristóteles em A República e agregado aos ofícios
literários para designar que a arte replica o mundo, no qual está tudo contido e faz sentido.
A expressão Catarsis se configurou como exercício de expurgação e purificação.
e) na expressão Hebraica adaptada por Aristóteles em Filosofia prática.

2. (FCC - 2014 – TRT)


O caldo cultural do Nordeste, particularmente do sertão, foi primordial na formação
do paraibano Ariano Suassuna. A infância passada no sertão familiarizou o futuro escritor e
dramaturgo com temas e formas de expressão artística que mais tarde viriam a influenciar
o seu universo ficcional, como a literatura de cordel e o maracatu rural. Não só histórias e
casos narrados foram aproveitados para o processo de criação de suas peças e romances,
mas também todas as formas da narrativa oral e da poesia sertaneja foram assimiladas e
reelaboradas por Suassuna. Suas obras se caracterizam justamente por isso, pelo domínio
dos ritmos da poética popular nordestina.
Com apenas 19 anos, Suassuna ligou-se a um grupo de jovens escritores e artistas.
As atividades que o grupo desenvolveu apontavam para três direções: levar o teatro ao
povo por meio de apresentações em praças públicas, instaurar entre os componentes do
conjunto uma problemática teatral e estimular a criação de uma literatura dramática de
raízes fincadas na realidade brasileira, particularmente na nordestina.
No final do século XIX, surgiu no Nordeste a chamada literatura de cordel. A primeira
publicação de folheto no Nordeste, historicamente comprovada, aconteceu em 1870.
O nome cordel originou-se do fato de os folhetos serem expostos em cordões,
quando vendidos nas feiras livres. O principal nome do cordel foi Leandro Gomes de Barros,
considerado por Ariano Suassuna “o mais genial de todos os poetas do romanceiro popular
do Nordeste”.
A peça Auto da Compadecida, de Suassuna, é uma releitura do folclore nordestino
em linguagem teatral moderna. O enredo da peça é um trabalho de montagem e
moldagem baseado em uma tradição muito antiga, que remonta aos autos medievais e
mais diretamente a inúmeros autores populares que se dedicaram ao gênero do cordel.
As apropriações de Suassuna tanto do folheto nordestino quanto de outras fontes
literárias são possíveis porque a palavra imitação, usada por Suassuna, remete-nos ao
conceito aristotélico de mimesis, cujo significado não representa apenas uma repetição à
semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade. Suassuna já fez

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diversos elogios da imitação como ato de criação e costuma dizer que boa parte da obra
de Shakespeare vem da recriação de histórias mais antigas.
Recontar uma história alheia, para o cordelista e para o dramaturgo popular, é torná-
la sua, porque existe na cultura popular a noção de que a história, uma vez contada, torna-
se patrimônio universal e transfere-se para o domínio público. Autoral é apenas a forma
textual dada à história por cada um que a reescreve.

Depreende-se do contexto que o autor lança mão do conceito de “mimesis” para

a) explicitar que, em sua obra, Suassuna se apropria da literatura sertaneja, reelaborando-a


com um estilo próprio.
b) enaltecer a erudição de autores como Suassuna, capazes de revelar a essência de uma
realidade por meio da literatura de cordel.
c) diferenciar o plágio do processo por meio do qual se parte de uma forma artística já
existente para parodiá-la, como fez Shakespeare.
d) sugerir que Suassuna valoriza autores do romanceiro nacional que, diferentemente de
Shakespeare, foram consagrados pelo gosto popular.
e) retratar a obra de Suassuna como pertencente a um modelo literário propenso a ser
reproduzido em simulacros do folclore nacional.

TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES


Considere o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir.

É célebre a escultura de Laocoonte, em que estão representados pai e filhos envolvidos por
serpentes. Nela está tematizada a dor de um pai que vê os filhos serem devorados. O crítico alemão
Lessing sentiu-se intrigado pela seguinte questão: como entender que a personagem principal
do grupo representado mal abra a boca, apesar de sofrer de modo tão intenso? Para explicar a
composição moderada da dor, assinala:
“É que as leis da escultura impõem a figuração da dor de modo totalmente diverso do da
poesia. A escultura e a pintura não podem representar senão um único momento de uma ação; é
preciso então escolher o momento mais fecundo; ora, só é fecundo aquilo que deixa campo livre à
imaginação; não é preciso, pois, escolher o momento do paroxismo [o momento mais intenso], mas
o que o precede ou segue.”

3. (Enade 2005) Quanto à arte literária, é correta a seguinte inferência:

a) a literatura distingue-se da escultura porque, nela, em todos os gêneros literários (lírico,


épico e dramático), predomina a expressão de tempos simultâneos.
b) uma obra de arte bem realizada (um romance ou um conto, por exemplo) renuncia ao
clímax da situação narrada, em busca do ideal de preservar o imaginário do leitor.
c) o processo de criação artística, em qualquer gênero literário que se considere, representa
as paixões segundo modelos historicamente prestigiados.
d) a brevidade do poema lírico o aproxima da pintura e da escultura, pois o eu poético só
tem tempo para o desenrolar de uma única ação.
e) os discursos literários, graças à natureza da linguagem verbal, podem retomar uma
mesma ação em distintos momentos, diferentemente do que ocorre na escultura ou na
pintura.

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4. (Enade 2005) O que se pode deduzir corretamente do texto acerca da representação
artística?

a) Na arte, o modo como se retratam certas emoções depende do conhecimento da sua


natureza pelo artista, pois o seu ideal é reproduzir o mundo natural.
b) Numa obra de arte, a expressão não é determinada pela natureza do objeto representado,
mas está relacionada aos princípios que regem a modalidade artística adotada.
c) Em algumas formas de expressão artística, a representação corresponde necessariamente
à diminuição da intensidade das emoções experimentadas.
d) Na composição artística, a escolha de traços de um objeto que podem ser mais produtivos
para a criação depende mais da perícia do artista em lidar com eles do que da linguagem
da arte em que ele se expressa.
e) Em qualquer expressão artística, é mais importante a capacidade que o artista tem de
apontar, no ser humano representado, a grandeza e a serenidade da alma, do que retratar
o vigor de um sofrimento .

5. Leia o texto abaixo:

A Barata
ABERTO O ENVELOPE, SUSTO: a barata dentro dele, imóvel, expectante, sobre o cartão!
Quem foi que teve ideia dessa brincadeira repulsiva! E como conseguiu que passasse pelo
Correio sem esmagar a barata? Por que ela está viva, vivinha da silva & santos. Não se mexe é
de sabida.
-Joga fora essa imundice! Ou antes, não jogue...
Esta é uma barata de lei, com cerca de 150 anos de existência. Criação verista de Debret,
sua reprodução na capa do convite para a exposição de inéditos do artista é de tal modo
convincente que engana qualquer um.
[..]
Barata ao vivo é nojenta, chinele-se a bicha. Barata pintada é arte. Maçã na casa de frutas, ferra-
se o dente ou açucara-se em torta, vita brevis, re não se fala mais nisso! A maça de Cézanne,
mas para que a maça? As cebolas de Cézanne, e mais a garrafa de rouge, o copo com vinho
pela metade, a rolha, a faca, a toalha embolada, em Nature morte aux Oignos, refutam o
princípio de destruição inevitável das formas, pelo menos enquanto o quadro existir.
Ideias velhas, barata nova. Debret foi mais documentarista do que criador, mas nem por isso
sua barata é menos criação. Porque Debret pegou do bicho imundo e disse:
-Agora vou te dar vida longa, maior que a minha, vou te representar. Representar é ser outra
vez, e mais. Tudo quanto posso fazer por mim, e por nós, é fazer-te e fazer-me. Representando-
me, e aos objetos e cenas a que assisto (coroação, fira, inseto), asseguro a tudo a mais valia de
uma vida suplementar, que se chama vida das figuras, das aparências, que são mais do que
as essências, pois estas se evolam, e a aquelas persistem. Entendeste?
[...] -Pensando melhor, a essência está na aparência, que nos propicia o conhecimento imediato
do cosmo. O resto é imaginação ou confirmação. Ês habitante vil de um planeta confuso, que
adotou padrões de classificação baseados em nada. Vil por quê? Por que assim te rotularam?
Que achas das criaturas que te rotulam, ó barata minha?
[...] Sei que a representação é completa e fiel, tão fiel, tão vera, que a representação de
representação, no convite, fez uma senhorita jogas fora o papel e envelope, e correr para lavar
as mãos:

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-Ui, que horror! Uma baratona.
-Calma, ela é pintada.
-E daí? Pareceu mais real que uma verdadeira!
O maior elogio a Debret, que já ouvi.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Barata. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro.
Ed. Nova Aguilar, 1983. P. 1438-1439).

Aristóteles defende a mímeses não como uma cópia imperfeita do real como fizera Paltão,
mas como uma representação de uma realidade. Como o conto de Drummond ratifica
esta ideia?

a) Ao criticar a pintura realista de Debret de uma barata.


b) Ao mostrar que representação da barata não se assemelha ao real.
c) Ao questionar o princípio da verossimilhança na representação artística.
d) Ao mostrar que a representação feita pela arte pode suplantar o modelo real.
e) Ao demonstrar que a essência estará sempre no real, nunca na representação.

6. (NC-UFPR - 2015 - COPEL) Comentários na Internet são “descarrego de ódio”, dizem


psicólogos:

Se você busca debates sadios, opiniões ponderadas e críticas construtivas, não entre nos comentários
de notícias e posts na Internet. Os itens acima são coisa rara no meio do mais puro “ódio.com”.
“É um canal de escape emocional 24 horas no ar. Se a emoção é forte, eu descarrego um caminhão
de sentimentos nos comentários”, afirma Andréa Jotta, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em
Psicologia em Informática da PUC-SP. “O problema é que a Internet deixa aquilo eterno. Você pode
mudar de opinião, mas aquilo fica registrado e pode te prejudicar no futuro”, completa.
Dez anos atrás se popularizou o conceito de “Web 2.0”, e os sites noticiosos abriram espaço para os
internautas opinarem sobre as reportagens. A ideia original era tornar os portais de notícia “uma
rua de mão dupla”. Na prática, o espaço virou um congestionamento de palavrões, ameaças e
preconceitos.
“A tecnologia da internet fez explodir a demanda social da catarse. As opiniões são sempre radicais,
explosivas”, opina o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg. “A lógica binária da internet estimula a
visão maniqueísta do mundo: ou você é contra ou a favor. A sutileza não é o traço essencial da
internet”, argumenta.
A interatividade acabou gerando duas crias indesejadas: os “trolls” e os “haters”. O primeiro é um
polemista que se diverte com a repercussão de suas “troladas”, gíria para opiniões descabidas e
zombeteiras só publicadas para gerar revolta nos outros internautas.
Já os “haters” são acusadores que distribuem sua fúria contra times, partidos, religiões, raças,
gêneros, opções sexuais, gostos musicais e o que tiver em pauta.

Rodrigo Bertolotto, disponível em https://bit.ly/3x8DyZ7 , 13/08/2015

De acordo com o texto, podemos entender “demanda social da catarse” como:

a) o extravasamento de sentimentos através de opiniões explosivas e radicais dos leitores.


b) a necessidade de um meio digital para as pessoas exercitarem a sensibilidade.

51
c) a importância se disponibilizar uma forma de as pessoas aprenderem a lidar com o
estresse.
d) polêmicas geradas pelas crias da internet, os “trolls” e os “haters”.
e) a oportunidade dada aos comentaristas de internet de expressarem suas opiniões.

7. ( FCC - 2018 - DPE-AM ) Considere as afirmações abaixo:

I. A mimese, prática observada apenas em seres humanos, consiste na recriação de


uma determinada situação a partir do arremedo ou da imitação, com a finalidade de
reinterpretá-la, conferindo-lhe novo significado.
II. Pode-se observar, a partir das brincadeiras infantis, que as crianças são atraídas tanto
pelo familiar e conhecido como pelo inovador e inusitado.
III. A imitação e o arremedo, práticas importantes para certas áreas, como o teatro, são
condenáveis quando se trata de uma composição literária, já que, conforme se infere da
opinião do autor, podem, nesse caso, constituir plágio.

Está correto o que se afirma APENAS em

a) I e II.
b) II e III.
c) II.
d) I e III.
e) I.

8. (Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ -adaptado)

“(…) a imitação da realidade, ou melhor, sua representação (...) supõe a existência de dois objetos
– o modelo e o objeto criado –, que mantém entre si uma relação complexa de similitude e de
dessemelhança.”

No trecho acima, de Marie-Claude Hubert, a autora refere-se ao conceito de

a) Poética.
b) Mímeses.
c) Metafísica.
d) Verossimilhança.
e) Catarse.

52
05
PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E UNIDADE
FORMAÇÃO DO CÂNONE

53
5.1 INTRODUÇÃO
Vimos na Unidade I que no século XVIII, com o Iluminismo, surgiram novas formas de
se ver e entender o mundo, o que propiciou uma mudança das relações sociais e com isso
a forma de produção e circulação da literatura. Consequentemente, mudou-se também a
maneira como o estudioso passa a se relacionar com o texto literário dando origem à críti-
ca impressionista e à historiografia. Será sobre esta última que falaremos nesta unidade.
Vamos lá!

5.2 POR UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA


A movimento literário que inicia na Europa ainda no século XVIII e aqui do outro lado
do Atlântico, no século seguinte, – Romantismo – foi um movimento de extremo naciona-
lismo. Na Europa resultado direto da Revolução francesa; aqui dos movimentos de inde-
pendência.
Superado o absolutismo na Europa ou o domínio colonial aqui, tornava-se essencial
uma afirmação dos Estados-nação por intermédio de seus produtos culturais, isto é, das
artes. Era também necessário contar a história desses estados, e não seria diferente da his-
tória cultural e, por metonímia, a literária.
A configuração do seu objeto, portanto, parte da premis-
sa central do romantismo: cada nação se distingue por
peculiaridades físico geográficas e culturais, sendo a li-
teratura especialmente sensível a tais peculiaridades, do
que deriva sua condição de privilegiada parcela da cultu-
ra, funcionando à maneira de um espelho em que o espi-
rito do nacional pode mirar-se e reconhecer-se (SOUZA,
2014, p. 60).

A partir desse momento, portanto, tornarem-se menos comuns as Poéticas, e surgi-


rem em peso as Histórias Literárias – florilégios, parnasos e compêndios que inventariavam
os textos literários produzidos sobre e naqueles estados por seus cidadãos, cujos textos
eram agrupados segundo as características e a época em que foram produzidos, os cha-
mados períodos literários ou estilos de época. Surge então uma nova disciplina, “a história
literária, que, desinteressada das noções clássicas de boas ou belas-letras ,isto é, das esta-
belecidas pela Poética] instala o conceito moderno de literatura nacional” (SOUZA, 2018, p.
33) mais preocupado no levantamento de textos representativos do nacional do que nas
qualidades estéticas das obras. Surge, portanto, neste momento as disciplinas de história
de literatura nacional que hoje conhecemos simplesmente por Literatura, Brasileira, Lite-
ratura Italiana, Literatura Russa, Literatura Francesa, Literatura Inglesa etc.
O próprio conceito de história, conforme salienta José Luiz Jobim, esteve por muito
tempo atrelado a textos escritos, em especial no século XIX. Afinal, “o passado não pode ser
conhecido, exceto através da mediação das fontes, e as únicas fontes são as escritas. Em
resumo: a história é feita de textos”. (POMIAN 1999, p. 34 Apud, JOBIM, 2003, p. 117). A obra
literária também é texto. Mas essa, apesar de ser um objeto do passado (capaz de ajudar na
sua reconstrução), diferente de outros eventos e documentos históricos também é um ob-
jeto do presente. Podemos ler hoje tanto o original de Dom Casmurro, na primeira edição,
disponível na +Biblioteca Nacional, ou em uma edição em e-book diretamente na internet.
O que faz com que o observemos tanto em perspectiva diacrônica como sincrônica.

54
No caso da cultura brasileira, quando se fala em história
literária nas escolas, parece que a referências básica são
os chamados “períodos literários” (ou melhor, “estilos de
época”, como se costuma designá-los). Estes são mostra-
dos com frequência como entidades auto-evidentes, evi-
tando-se na maior parte das vezes todos os problemas
teóricos que a sua construção conceitual abriga (JOBIM,
2003, p. 126).

No entanto, é preciso que o estudo da história da literatura seja mais do que apenas
uma catalogação de obras literárias do passado ou uma lista de características de época
que os alunos do ensino médio decoram a fim de passar nas provas. O que, apesar de um
problema atual, tem raiz no próprio surgimento dos estudos historiográficos.

Figura 4: Linhagem cronológica da Literatura


Disponível em: https://bit.ly/3zLLnGN. Acesso em: 29 jun. 2021

Vale lembrar ainda que este momento, no qual emerge a historiografia literária, é
também o momento da crítica impressionista de Anatole France e do biografismo de bio-
grafismo de Sainte-Beuve, o que condicionou parcialidade na formação do cânone na me-
dida em que crítico e historiador selecionavam as obras que comporiam seus florilégios e
parnasos, não apenas a partir de um horizonte de expectativas do presente, mas também
a partir de seus juízos de valor, mesmo que entendendo como ciência buscasse impar-
cialidade (SOUZA, 2014). Um bom exercício para verificar essas características é ler com-
parativamente o História da literatura brasileira, de 1888, de Silvio Romero, e o História da
literatura brasileira, de 2011, de Carlos Nejar.
Por isso, os estudos historiográficos e os historicismos precisam e têm se preocupa-
do cada vez mais com a “re-significação da herança anterior” (JOBIM, 2003, p. 121), ou seja,
com a compreensão de que sentido tinha aquela atividade, aquele texto para determinado
autor (ou autores), em determinado tempo e sociedade, cuidando assim para que se evite
o erro do anacronismo – atribuição de conceitos do presente a obras do passado. Mas, ain-
da assim, ciente de que é difícil olhar para o passado sem alguma medida de contamina-
ção do presente. No caso do exemplo citado acima de Dom Casmurro, devido ao romance
abordar temas universais, que ainda hoje refletem a nossa sociedade, é preciso pensar
concomitantemente tanto no ontem como no hoje.
Falaremos mais sobre as perspectivas dessa nova história na Unidade 6 quando abor-
daremos o new historicism.

55
FIQUE ATENTO
O estudioso de literatura, seja o historiador, seja o teórico precisa sempre estar atento para
não analisar uma obra literária a partir do horizonte de seu presente. O que o passado pro-
duziu de horizonte para si próprio, como também para o presente, precisa estar na reflexão
do historiador ou teórico da literatura.

5.3 COMO SE CONSTRÓI UM CÂNONE?


Quando vimos conceito de Literatura, vimos que a ideias do que vem a ser ou não
literário estariam relacionadas aos juízos de valor de uma determinada sociedade em de-
terminado momento histórico. Sendo assim, a cada época, alguns dos textos considera-
dos literários apresentarão características, ou traços comuns, a que chamamos períodos
literários, escolas literárias ou estilos de época. No entanto, esta visão pode nos conduzir a
um pensamento equivocado de que a história da literatura sempre existiu e os autores dos
quais sempre ouvimos falar e que permeiam os livros didáticos e as histórias da literatura
são e serão sempre os mesmos. O que comporá ou não o cânone de uma determinada
literatura nacional, ou mesmo da chamada literatura mundo, depende de escolhas, grosso
modo, subjetivas, pois implicam uma valoração da obra de arte segundo a visão parcial do
crítico. Vale ainda lembrar que a construção de um cânone é também uma construção
política.
Outro problema que não se pode desconsiderar é que a perspectiva do presente
sempre influi sobre a escrita que se faz sobre o passado. O risco do anacronismo é sempre
um risco real enfrentado pelo historiador da literatura, como consideramos no tópico an-
terior. Ainda, a perspectiva do presente do historiador ou teórico faz com que por ventura
venha a considerar um elemento ou autor mais importante que outros. Daí, autores negros
e autoras mulheres terem sido excluídos dos cânones apontados por nossas primeiras his-
toriografias, por exemplo.

VAMOS PENSAR?
Júlia Lopes de Almeida foi uma autora oitocentista brasileira bastante produtiva. Publicou en-
tre romances, novelas, contos, peças teatrais etc, mais de trinta título. Apesar de ter participa-
do da idealização da Academia Brasileira de Letras (ABL) e de seu ter estado na primeira lista
dos imortais que a fundariam, seu nome fora excluído. Da mesma maneira, durante muitos
anos seu nome também esteve apagado das historiografias literárias, bem como dos livros
didáticos. Vamos pensar, quais seriam os motivos que ocasionaram essa exclusão da autora
da Academia e do cânone?

5.4 TODO CÂNONE PRECISA DE REVISÃO?


Haroldo de Campos escreveu e publicou a tese cujo título chama-nos a atenção: O
sequestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira. O título remete ao fato de que
no livro de natureza historiográfica, de Antônio Candido, Formação da Literatura Brasilei-
ra, o professor emérito da USP, considera o Arcadismo e o Romantismo como os períodos

56
literários que dão início à disciplina Literatura Brasileira. Seu argumento seria que somen-
te durante o Arcadismo é que teríamos tido um sistema de circulação literária. O livro de
Campos, opõe-se à argumentação de Candido, defendendo que já no período anterior,
mesmo que timidamente, já havia um sistema literário posto no Brasil colônia.
Anos mais tarde, em 2017, Júlio França publica o artigo “O sequestro do gótico no
Brasil” , no qual argumenta que no Brasil, diferentemente do que tradicionalmente a his-
toriografia tem mostrado, tivemos um profícuo movimento romântico de estética gótica
e que esta estética permanece latente até a contemporaneidade. Semelhantemente, eu
escrivei um artigo intitulado “O sequestro do fantástico na literatura brasileira” , no qual
discuto a formação de nosso cânone literário, ainda no século XIX, que teria optou por não
incluir (ou desmerecer) um fazer literário que, assim como o gótico, acontecia marginal-
mente ao movimento romântico nacionalista marcado pela “cor local”, isto é, a literatura
fantástica.
O fato é que, como dissemos, a formação do cânone implica em escolhas subjetivas,
políticas e, às vezes, motivadas por uma visão anacrônica do crítico. Por isso, se em algum
momento um gênero ou autor foi considerado menor e excluído do cânone; noutro poderá
ser visto como autor universal e incluído. É o que vimos ocorrer, no caso brasileiro com as
autoras Emília Freitas e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo. Assim, como a própria forma
de ler o cânone é modificada com o passar dos anos. A construção de um cânone de uma
literatura nacional ou mundial é algo que está sempre me constante construção e revisão.

BUSQUE POR MAIS


Para saber mais sobre a crítica e a historiografias brasileiras, leia a tradução de
um artigo de Souza e Jobim (2020), publicado originalmente em Mandarim na
revista “Foreign Languanges e Cultures” em março de 2020 e republicado em
português na Revista Juçara em julho de 2020, disponível em: https://bit.ly/3zS-
d9Bq. Acesso em: 28 maio. 2021.
Para saber mais sobre como se constroi o cânone leia o tópico “O contexto de
produção do texto literário”, na Unidade 2 do livro Teoria da Literatura II de orga-
nização de Pedro Paulo da Silva, disponível em: https://bit.ly/2V9DoU0 . Acesso
em: 28 maio 2021.

Leia também o artigo “A formação dos cânones literários e visuais”, de Renan


Belmonte Mazzola, disponível em: https://bit.ly/3kX0GYf Acesso em 29 jun. 2021.

Para aprofundar a questão da exclusão das literatura produzida por mulheres


do cânone ou a sua pouco valoração, veja também o artigo “Cânone, valor e a
história da literatura: pensando a autoria feminina como sítio de resistência e
intervenção”, de Rita Terezinha Schmidt, disponível em: https://bit.ly/36Yymwp .
Acesso em 29 jun. 2021.

57
GLOSSÁRIO
Anacronismo: equívoco gerado ao se aplicar conceitos e perspectivas do presente para discu-
tir e problematizar eventos do passado.

Cânone literário: também conhecido como cânon trata-se de um conjunto sistemáticos de


autores e obras considerados universais e, por isso, dignos de permanecerem para a posteri-
dade. Estilo de época: são os movimentos ou escolas literárias que consideram as característi-
cas comuns ou semelhantes entre as mais diversas obras publicadas em determinado espaço
de tempo. Estilo comum aos autores de uma determinada época ou período.

Florilégio: coletânea de obras literárias; antologia.

Historiografia literária: ramo dos estudos literários que surge entre o século XVIII e século XIX,
como o objetivo de inventariar (e recontar) o passado literário e cultural de povos. Por isso,
mantêm estreita relação com os procedimentos adotados pela História.

Parnaso: assim como o florilégio é uma antologia. Ex. Parnaso Brasileiro, de Januário da
Cunha Barbosa.

Periodização literária : Trata-se do conjunto de períodos, eras ou escolas literárias sucedidas


na linha do tempo histórico.

Vanguarda: Literatura ou arte que se pretende inovadora , e por isso, rompe com as estéticas
vigentes. Ao início do Modernismo o mundo observou o surgimento de movimentos vanguar-
distas nas artes como o futurismo, o dadaísmo, o expressionismo, o surrealismo.

58
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Sobre a historiografia literária, é correto afirmar:

a) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura
em perspectiva histórica.
b) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a cronologia
das narrativas.
c) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa estudas apenas obras
contemporâneas
d) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura
textualmente.
e) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a obra
literária segundo seu engajamento social.

2. (Enade 2011)

Para estudar a história literária brasileira, em vez de um critério político, deve-se adotar uma filosofia
estética compreendendo-a como um valor literário. Para tal, a periodização correspondente é de
natureza estilística, isto é, em lugar da divisão em períodos cronológicos ou políticos, a ordenação
por estilos.

(COUTINHO, A. (Org.) Literatura brasileira: (introdução). In:.


A literatura no Brasil: introdução geral. 6. ed. São Paulo: Global, 2003, v.1, p. 132).

Nas sequências, está destacado um trecho da obra História Concisa da Literatura Brasileira,
de Alfredo Bosi. Avalie se tanto o autor quanto o estilo literário indicados correspondem ao
que Bosi trata no respectivo trecho.

I. “Não se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defeitos de fatura que mancham
a prosa do romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção de protagonistas,
uso convencional da linguagem...; trata-se de compreender o nexo de intenção e forma
que os seus romances lograram estabelecer quando atingiram o social médio pelo
psicológico médio (...)” Érico Veríssimo. Pré-Modernismo.
II. “Sempre se salva, no foro íntimo, a dignidade última dos protagonistas, e se redimem as
transações vis repondo de pé herói e heroína. Daí os enredos valerem como documento
apenas indireto de um estado de coisas, no caso, o tomar corpo de uma estética
burguesa e ‘realista’ das conveniências durante o Segundo Império” José de Alencar.
Romantismo.
III. “Teve mão de artista bastante leve para não se perder nos determinismos de raça ou
de sangue que presidiriam aos enredos e estofariam as digressões dos naturalistas de
estreita observância [...]” Adolfo Caminha. Naturalismo.
IV. “O seu equilíbrio não era o gotheano – dos fortes e dos felizes, destinados a compor hinos
de glória à natureza e ao tempo; mas o dos homens que, sensíveis à mesquinhez humana
e à sorte precária do indivíduo, aceitam por fim uma e outra como herança inalienável,
e fazem delas alimento de sua reflexão cotidiana” Machado de Assis. Realismo.

59
São corretas apenas as correspondências feitas em

a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.

3. (Enade 2011)

Texto I
[...] na leitura — e essa é a primeira reflexão que quero fazer — de qualquer obra literária, de qualquer
texto que tenha por base a intensificação de valores — daquilo que chamamos de uma ou outra
maneira aproximada de valores literários —, existe sempre, como dizia o grande crítico canadense
recentemente falecido, Northrop Frye, a necessidade de conhecimento de duas linguagens.
Segundo ele, na leitura de qualquer poema, “é preciso conhecer duas linguagens: a língua em que
o poeta está escrevendo e a linguagem da própria poesia”. [...] a literatura nunca é apenas literatura;
o que lemos como literatura é sempre mais — é História, Psicologia, Sociologia. Há sempre mais
que literatura na literatura. No entanto, esses elementos ou níveis de representação da realidade
são dados na literatura pela literatura, pela eficácia da linguagem literária.

(BARBOSA, J. A. Literatura nunca é apenas literatura. In: Seminário linguagem e linguagens: a fala,
a escrita, a imagem. Disponível em: Acesso em: 16 ago. 2011 (com adaptações).

Texto II
Fatores linguísticos, culturais, ideológicos, por exemplo, contribuem para modular a relação do leitor
com o texto, num arco extenso que pode ir desde a rejeição ou incompreensão mais absoluta até
a adesão incondicional. Também conta a familiaridade que o leitor tem com o gênero literário, que
igualmente pode regular o grau de exigência e de ingenuidade, de afastamento ou aproximação.

(BRASIL. MEC/SEB. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens,


códigos e suas tecnologias. Brasília, 2006, v.1, p. 68)

Considerando os textos acima, é correto afirmar que os professores

a) devem privilegiar, no Ensino Médio, o estudo de obras da literatura brasileira e portuguesa,


a fim de preparar os alunos para o ingresso profissional na universidade.
b) devem adotar, no Ensino Médio, metodologias que privilegiam a história da literatura,
porque elas incorporam contextos socioculturais que favorecem a compreensão da
linguagem literária.
c) devem privilegiar o estudo de obras que se ajustam às necessidades programáticas tanto
da Língua Portuguesa quanto das demais disciplinas da estrutura curricular, enfatizando a
função didático-pedagógica da literatura e de outros códigos e linguagens.
d) devem buscar a adequação de obras literárias a serem lidas, tomando como referência
a idade dos alunos, a motivação e, ainda, o conteúdo programático a ser ministrado,
favorecendo a interação entre língua e literatura.
e) devem adotar metodologias que privilegiam o contato direto com o texto literário e

60
reflexões acerca das relações que o texto estabelece com outras áreas do conhecimento e
com outros códigos e linguagens.

4. “O ‘conteúdo’ de um período literário é o sentido formado tanto por aquilo que o período
significa para acultura em que foi constituído [...] quanto por aquilo que ele significa para a
cultura que se apropria dele, gerando uma unidade de sentido para o que evoca, revisa e/
ou cria” (JOBIM, 2003, p. 127).

Assinale a alternativa consoante com a assertiva acima.

a) O que o passado produziu de horizonte para o futuro precisa estar presente na reflexão
do historiador e do teórico.
b) O que o presente produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão
do historiador e do teórico.
c) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar ausente na reflexão
do historiador e do teórico.
d) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão
do historiador e do teórico
e) O que o presente produziu de horizonte para o passado não precisa estar presente na
reflexão do historiador e do teórico.

5. “Até o século XVIII enquanto persistiu o prestígio da retórica e da poética, pode-se


dizer que a crítica consistia em apreciar a conformidade de um texto às regras do gênero
respectivo; no entanto, depois de abandonada a preceptística clássica constituída por
aquelas disciplinas antigas, pari passu com a revolução romântica nas letras, nas artes e
no pensamento, a crítica se torna pessoal e tendenciosamente arbitrária, quando muito
fixando como critério de valor noções vagas como autenticidade emocional ou verismo
figurativo, cuja presença nos textos literários lhes garantiria o mérito

(SOUZA, Roberto Acízelo de. História da literatura: Trajetória, fundamentos, problemas.


São Paulo: É Realizações, 2014, p. 57)

a) a crítica oitocentista ao ser pessoal e arbitrária fará uma seleção parcial do cânone em
que não leva necessariamente em conta o valor estético das obras, mas juízos de valores
pessoais, além de questões político-sociais daquele tempo.
b) a crítica impressionista, apesar de pessoal e arbitrária, conseguia manter a neutralidade
requerida a qualquer ciência, a fim de compor o cânone com imparcialidade.
c) os estudos historiográficos oitocentistas continuaram tomando por base os estudos de
retórica e poética, preocupando-se com como um texto seguia ou não as regras do gênero.
d) a historiografia oitocentista, apesar de influenciada pelo critica impressionista e pelo
biografismo, procurava seguir os preceitos das poéticas clássicas.
e) tanto a crítica impressionista quanto a biografista preocupavam-se com a personalidade
do autor, mas sem esquecer-se das questões formais do texto, seu principal interesse.

6. São corretas as assertivas:

I. a formação de um cânone depende de questões não apenas estéticas, mas subjetivas


e político sociais.

61
II. uma obra menor será sempre menor, nunca comporá o cânone.
III. O horizonte de expectativas do passado é importante para a compreensão da obra
literária.
IV. são excluídos do cânone apenas obras consideradas best sellers.

a) Apenas I.
b) I e IV.
c) II, III e IV.
d) II e IV.
e) I e III.

7. (UNICENTRO-2019 -adaptado)
O lançamento da obra Quarto de despejo, em 1960, fez de Carolina de Jesus o maior sucesso
editorial da história da literatura brasileira, com cerca de um milhão de cópias vendidas. A autora
deixou registrado o seguinte depoimento:
“Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do
sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu
contemplo as flores de todas as qualidades.”(1976).

Tendo em vista que a obra de Quarto de despejo não se encaixa exatamente no s


chamados períodos literários, como o depoimento da autora de Jesus atesta o que sobre a
obra:

a) seu estilo é romântico, com tendência a idealizar a realidade e a enxergar o mundo


numa ótica maniqueísta, tanto na literatura como na vida.
b) seu estilo é neossimbolista na literatura, mas tem uma tendência realista na relação com
a vida.
c) apesar de seu estilo ser realista e espelhar a realidade da vida na favela, a narradora desta
obra permite-se penetrar no mundo onírico com as digressões subjetivas.
d) a escritora vale-se do realismo, retratando a vida como ela é, inclusive com personagens
retirados do mundo real das favelas, permite-se sublimar tudo isso na vida real, vendo
assim o mundo idealizado em seu pensamento.
e) a narrativa segue os princípios do Realismo Fantástico, em que realidade e sonho se
sobrepõem confundindo o leitor.

8. Leia o trecho abaixo de Ferdinand Wolf, em O Brasil Literário, umas das primeiras
historiografias da Literatura Brasileira:

Macário e Noite na taverna, em prosa e que têm por heróis verdadeiras caricaturas meias Fausto,
meio Don Juan, delirando como loucos, e expondo aos olhos um cinismo aborrecido. Suas
expressões são a um tempo de uma sentimentalidade procurada e de uma rudeza de mau gosto,
a dicção é amaneirada. [...] são na verdade aberrações de espírito, sem maturidade, transviado por
leituras sem escolha e agitado por uma ambição enferma [...]

(WOLF, Ferdinand. O Brasil literário. São Paulo: Companhia Nacional, 1955, p. 317 [1863]).

Sobre o comentário de Wolf a respeito da prosa de Álvares de Azevedo é correto afirmar


que:

62
a) pautou-se nas pelas qualidades formais e estruturais das obras que demonstraram
serem “de uma rudeza e mau gosto”.
b) pautou-se não nas qualidades estéticas das obras, mas no juízo de gosto do historiador,
influenciado pela biografia do autor.
c) pautou-se no fato de sua obra em prosa demonstrar exacerbado nacionalismo, o que
não era bem visto à época.
d) pautou-se pelo fato de seus personagens serem caricaturas, o que esteticamente não
vai bem à uma obra literária digna do cânone.
e) pautou-se no fato de o drama Macário e os contos de Noite na taverna não seguirem os
preceitos da Poética de Aristóteles.

63
06
DE NOVO, A TEORIA: UNIDADE
CORRENTES

64
6.1 INTRODUÇÃO
No capítulo I falamos sobre estudos acerca do texto literário que antecederam o sur-
gimento da disciplina Teoria da Literatura, como as poéticas clássicas que estudamos nos
capítulos 3 e 4 ou como a historiografia que vimos no capítulo 5. Agora falaremos sobre
outros estudos, ou correntes teóricas, que interessam aos Estudos Literários, e por conse-
guinte, à Teoria da Literatura.

6.2 FORMALISMO RUSSO E ESTRUTURALISMO


Como vimos nas unidades 1 e 2 o Formalismo Russo surge ao início do século XIX, es-
pecificamente entre 1910 e 1930. Grosso modo, tratava-se de um grupo de estudiosos russos
– Viktor Chklosvski, Vladimir Propp, Romam Jakobson, Yuri Tynianov, Boris Eikhenbaum,
Roman Jakobson e Grigory Vinokur – que defendiam a materialidade do texto literário em
detrimento à mimeses. Por isso, abriam mão de abordagens de ordem sociológica, históri-
ca, política e filosófica como nos movimentos críticos do século anterior ou mesmo os do
século XX como a crítica marxista . Isso significa dizer que percebiam o texto literário como
uma obra de arte que singulariza a linguagem ao ultrapassar a mesmice do discurso co-
loquial. Sendo assim, apresentaria traços e formas que, como vimos, caracterizaria o texto
literário como literário, ao que chamaram de literariedade.
Os formalistas russos são responsáveis por uma renova-
ção da metalinguagem crítica, fornecendo novos termos
de análise do texto literário, discutíveis individualmente,
sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objecto de
reflexão e discussão, o que prova a sua importância. Mui-
tos dos temas teóricos escolhidos para investigação nun-
ca antes haviam sido discutidos [...] (CEIA, 2009).

O movimento nasce ligado a duas áreas de estudos que podemos dizer serem cir-
cunvizinhas, a linguística e a poética procurando estabelecer um ponto de equilíbrio en-
tre as duas áreas. Tendo como um de seus principais expoentes o morfologista russo V.
Chklosvski (porque seus estudos tornaram-se basilares para a Teoria, assim como os de
Jakobson para a Linguística ou de Propp para os estudos do maravilhoso e do fantástico),
nos interessa aqui comentar suas ideias sobre os procedimentos linguísticos formais que
levam a construção do texto literário tal qual objeto artístico. Em “A arte como procedi-
mento”, Chklosvski defende a tese de que a linguagem literária seria um desvio de nossa
linguagem cotidiana. Por não abordar o cotidiano, a arte literária não pode partir de sim-
ples imagens do real que mimetiza. Daí sua contundente crítica ao teórico Potebnia para
quem a arte, especialmente a poesia, seria uma maneira de permitir ao homem “pensar
por imagens” (CHKLOVSKI, 1978, p. 39).
É evidente que a arte literária, ao fazer uso da conotação, isto é, do sentido figurado
das palavras, produz uma série de imagens que permitem ao leitor, quando confrontado
com o texto literários, recompor o quadro ficcional construído pelo autor.
No entanto, Chklosvski defende que a imagens não deveriam ser construídas como
forma de facilitação do conhecimento e entendimento, como no caso das parábolas bíbli-
cas, não como uma forma de singularização da linguagem, que desautomatize o processo
de leitura e produza um efeito de estranhamento no leitor quando confrontado com a

65
singularidade. É o caso que observamos, por exemplo, no realismo mágico de Jorge Luís
Borges e Gabriel Garcia Marques ou nos romances de Saramago.

FIQUE ATENTO
Estranhamento é efeito estético que uma determinada obra literária causa ao leitor na me-
dida que o distancia da linguagem coloquial e corriqueira e permite-lhe ver o mundo por
um prisma singular que só lhe é possibilitado pela obra literária, na medida que o desafia ao
propor-lhe a revisão de seu conhecimento de mundo.

VAMOS PENSAR?
A partir da argumentação de V. Choklovist que vê a imagem poética como aquela que pre-
tende promover um desautomatização da percepção do leitor durante o processo de leitura,
provocando o que chama de estranhamento, pense nos textos literários que já leu em como, e
em que medida, estes procuram causar um estranhamento através, seja do uso de imagens
poéticas como metáforas, metonímias e outras figuras de linguagem, seja por quebrar a ex-
pectativa lógica da narrativa. Por exemplo, quando lemos em Camões que que o amor “é um
contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer”, o paradoxo instaurado nos causa
estranhamento, assim como ler as memórias de um defunto narradas por ele mesmo como
ocorre nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

O estruturalismo, por seu turno, é uma corrente de pensamento que ultrapassa os


estudos literários, estando presente na filosofia, na antropologia, a psicologia. A corrente,
principalmente, na literatura, parte da linguística saussuriana. Grosso modo, propõe aplicar
os princípios formulados por Saussure, em especial, os de langue e parole ao estudo do
texto literário:
[...] qualquer obra literária deve ser entendida como uma
parole, isto é, como o uso individual da langue, que é
aquele sistema impessoal constituído pelo conjunto de
todos os usos que antecederam a apropriação específica
desse sistema por um dado autor num determinado mo-
mento. Assim como o usuário da língua se apropria de
estruturas que antecedem a sua fala, o romancista lança
mão de unidades narrativas pré-existentes a seu roman-
ce. (TEXEIRA, 1998, p. 35).

Assim, enquanto os estudos anteriores se preocupavam com elementos extratextu-


ais, como a crítica impressionista, o biografismo e a historiografia, a crítica estrutural pre-
ocupar-se-á, como o nome já denuncia, com a estrutura dos textos literários. Isso porque,
para a crítica estrutural “a obra literária é vista, neste caso, antes como uma construção ver-
bal que a representação de uma realidade” (TODOROV, 1971, p. 12). Afinal, se a literatura é a
arte da palavra, nada mais lógico do que o estudo de como essas se combinam de forma
a formar uma estrutura que é o própria do texto literário, ou como ratifica Todorov “a letra
e o signo verbal serão consideradas por todos nós como a base de toda a literatura”, posto
que o “conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos” (TO-
DOROV, 1971, p. 22), o que implicaria, portanto, que somente seja possível falar-se em um

66
“discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente”
(TODOROV, 1971, p. 22).
Não interessava, no entanto, ao crítico estudar as singularidades de uma única e
específica obra literária, mas a criação de uma poética que explicitasse a estrutura e o fun-
cionamento do discurso literário, como uma espécie de gramática descritiva do literário.
Como postula Roland Barthes, em Introdução à Análise estrutural da narrativa, bastava o
conhecimento de algumas obras literárias para observar as regras gerais que regeriam as
demais, assim como faz o antropólogo ao observar alguns membros de uma comunidade
para descrevê-la.
A poética estrutural, ao não considerar valores extrínsecos à obra literária, como a
vida do autor ou o contexto histórico-social no qual a obra talvez se insira, e cuidar exclusi-
vamente da estrutura das obras, isto é, de sua construção verbal, não soluciona o problema
surgente lá em Kant ainda no século, isto é, o “valor artístico, pois a caracterização do dis-
curso literário ou a descrição estrutural de uma obra não explicam a razão de sua beleza”
(TEIXEIRA, 1998, p. 37). Cumpre ressaltar, no entanto, que a despeito das muitas críticas que
recebera o estruturalismo ao longo dos anos, é fato incontestável que tal corrente nos le-
gou preceitos, conceitos e postulados se “incorporaram definitivamente no próprio modo
de ser do pensamento contemporâneo” (TEXEIRA, 1998, p. 34), a exemplo dos pontos de
vista narrativos e da ordem temporal narrativa.

6.3 NEW CRISTICISM E NEW HISTORICISM


Como os próprios nomes já denunciam, as correntes teóricas do New Cristicism e do
New historicismo, indicam o surgimento de uma nova crítica e de uma nova história literá-
ria.
O primeiro, assim como o Formalismo Russo e o Estruturalismo, constitui-se em uma
corrente literária avessa ao historicismo e ao biografismo que marcaram os estudos lite-
rários no século anterior, bem como os diálogos com o universo extratextual que ocorreu
entre décadas de 1940 e 1950, mais propriamente entre o universo anglófono. Teve entre
seus Assim como postulava o estruturalismo, o New Cristicism defendia o close reading,
isto é, a abordagens na análise literária dos elementos estruturais do texto literário.
Contrariando noções consagradas do século XIX, Eliot re-
cusou a ideia de poesia como expressão da personalida-
de do poeta, concebendo-a como resultado consciente
do trabalho do espirito, que organiza a experiência da
personalidade. Em vez de entender o poema como con-
sequências como consequências de sentimentos pesso-
ais, Eliot passou a encará-los como forma de apropriação
pessoal da tradição literária, em que a visão individual das
coisas deve, essencialmente, se transformar em sabedo-
ria técnica (TEXEIRA, 1998, p. 34).

Com isso em mente, a nova crítica, a partir dos ensaios “Intentional fallacy” “Affecti-
ve fallacy”, de William K. Wimsatt e Monroe Beardsley, se orientará pelas noções por eles
cunhadas homônimas aos títulos do ensaio – em português falácia intencional e falácia
afetiva ou emotiva –, no sentido de rechaçar a ideia (falaciosa como denuncia o adjetivo
fallacy) de que, na análise do texto literário, seja necessário recuperar as intenções do autor
ou de que o estudioso deve-se preocupar-se com as emoções provocadas pelo texto literá-

67
rio, pois estes seriam aspectos que não caberiam à crítica literária, mas à historiografia no
primeiro caso e à psicologia no segundo.
O segundo, como o nome nos denuncia significa um retorno aos estudos historio-
gráficos, formulando uma nova história. Assim como o New cristisism surge nos Estados
Unidos da América, mas como uma oposição ao estruturalismo e ao próprio nem cristi-
cism, através dos estudos de Stephen Greenblat.
Greenblat, a partir dos estudos de Michel Foucaut e de Jacques Derrida, ambos tam-
bém críticos ao pensamento estruturalista, entenderá a literatura como uma estrutura que
nos permite “ler o espírito de uma época” (TEXEIRA, 1998, p. 32). Desse modo, seria impos-
sível o seu estudo sem diálogo “com a historicidade do texto e a textualidade da história”
(TEXEIRA, 1998, p. 32).
No entanto, sua proposta de retorno ao estudo do literário que considere os contex-
tos históricos de composição e circulação pretende se colocar como um meio termo entre
o que eram os estudos historiográficos oitocentista, a crítica marxista e os estudos estrutu-
ralistas. Assim, a obra literária não é nem reflexo do contexto histórico social como preco-
nizava o velho historicismo, nem pretexto para a leitura politizada da obra como postulava
a crítica marxista e muito menos um conjunto de estruturas linguísticas sem função social
como queriam os estruturalistas.
“A primeira grande diferença entre o historicismo tradicional consiste na incorpora-
ção da ideia de história com discurso: a história não é fato, mas registro dele. [...] Para que o
fato se converta em histórica é preciso primeiro assumir a condição de discurso” (TEXEIRA,
1998, p. 33) e esse discurso também é refletido no literário. Por isso, o estudo da obra lite-
rária, bem como de outras manifestações culturais ajudariam na recomposição da episte-
me de uma época, isto é, na maneira como os diversos discursos se articularam a fim de
promover “uma visão crítica da história” (TEXEIRA, 1998, p. 34). Mas isso só seria possível se
o historiador ou crítico mantiver algum distanciamento para evitar a emissão de juízos de
valor contaminados pelo seu tempo.

6.4 TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO E TEORIA DA INTERPRETAÇÃO


Como vimos os estudos literários do século XIX, em especial a historiografia, deram
demasiada ênfase aos elementos autor e contexto. Já no século XX, a estilística, o formalis-
mo, o estruturalismo e o new critcism tornaram a arte literária autônoma, quase a deixan-
do órfão ao decretar a chamada “morte do autor” e ao supervalorizar a materialidade do
texto.
No ensaio “O que é um autor”, Foucault (1992), comenta que a autoria, que para nó
hoje é algo tão óbvio, não era no passado. Na Antiguidade, o anonimato não constituía ne-
nhum problema e os textos circulavam sem precisão exata acerca de sua autoria. Segundo
ele, a autoria dos textos só passaram a ter importância quando os discursos, orais ou es-
critos, tornaram-se transgressões passíveis de punições. Eram preciso saber quem disse o
que, onde e quando.
Se a noção de autoria nasce em tempos relativamente recentes, essa pouco dura,
pois logo o autor perde o seu prestígio (ao menos no que tange à literatura). É o que procu-
ra defender Roland Barthes (1977) no ensaio “A morte do autor”. Para o ensaísta de orien-
tação estruturalista, o autor não deve ter a importância que os séculos XVIII e XIX lhe con-
cederam, haja vista ser somenos um sujeito social e historicamente constituído, que ao
escrever torna-se um produto deste.

68
Ainda, Barthes questiona a visão romântica do autor como um gênio criador. Para
ele o escritor será sempre o imitador de um gesto ou de uma palavra anteriores a ele, pois
o ato de produção de discursos é sempre um ato dialógico, isto é, um ato que pressupõe
um movimento de retomada a outros textos, a outros discursos. Sendo assim, as intenções
do autor, sua biografia ou mesmo o contexto em que viveu e produziu deixam de ter im-
portância para a interpretação da obra literária. Uma vez publicado, o livro passaria a ser
livre, aguardando que o leitor lhe imputasse os sentidos cabíveis. Noutras palavras, morre
o autor e nasce o leitor.
Inseridos, portanto, nesse contexto de valorização da leitura e da livre interpretação,
muitas teorias foram então articuladas visando às questões receptivas da obra literária, tais
como a estética da recepção de Hans Rober Jauss (1994) e a teoria do efeito estético de
Wolfgang Iser (1996). Estudos que ao se voltarem para o receptor da obra literária, colocam
a seu cargo o papel fundamental da (re)construção do sentido do texto, mas sem incorrer
nas tentativas de recuperar as “intenções do autor”. Entretanto, cumpre ressaltar que:
[...] as posições de Jauss e Iser não são, nem nunca foram,
totalmente homólogas, [apesar de dialógicas]. Ao passo
que Jauss está interessado na recepção da obra, na ma-
neira como ela é (ou deveria ser) recebida, Iser concen-
tra-se no efeito (Wirkung) que causa, o que vale dizer,
na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de
tais propriedades — o texto literário, com sua ênfase nos
vazios, dotado pois de um horizonte aberto — e o leitor”
(LIMA, 1979, p. 25).

Isso significa dizer que para Jauss importa como a obra é recebida pelo público leitor
e como o repertório de expectativas, ou seja, o conhecimento de mundo e leituras ante-
riores, desse público influi nesta recepção e na reconstrução dos sentidos do texto. Já para
Iser importa quais os efeitos (no sentido propriamente aristotélico) a obra literária inflige
no leitor quando desta reconstrução.
Outro autor cujo o pensamento se coaduna ao de Jauss e Iser, é do francês Jean-Paul
Sartre, para quem o leitor será sempre coautor do texto que lê. O texto, sem o movimento
de leitura de um leitor real, não passaria de rabiscos num papel, pois “ler implica prever,
esperar, prever o fim da frase, a frase seguinte, a outra página [...]” (SARTRE,1989, p. 35), num
processo contínuo de coprodução autor-leitor.
Uma das premissas teóricas de Iser reafirma esse aspecto fenomenológico da leitu-
ra, com o conceito de “leitor implícito”, leitor que só existe na medida em que o texto deter-
mina a sua existência através das estruturas imanentes. Apesar de não ter existência real,
pressupõe uma leitura real:
As perspectivas do texto visam certamente a um ponto
comum de referências e assumem assim o caráter de ins-
truções; o ponto comum de referências, no entanto, não
é dado enquanto tal e deve por isso ser imaginado. É nes-
se ponto que o papel do leitor, delineado na estrutura do
texto, ganha seu caráter efetivo [...]. O sentido do texto é
apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente [...]
(ISER, 1996, p. 75).

69
Assim como Sartre, Iser admite a participação do leitor na (re)construção do sentido
da obra através da leitura, mas como ato estruturado dentro do texto. Uma perspectiva pa-
recida a que surge posteriormente na obra do semiologista italiano Umberto Eco, a partir
de sua obra Obra Aberta (1961) e que se desenvolve em textos posteriores. A Obra citada
tratava-se de um estudo de estética que tocava nas questões receptivas e interpretativas
de uma obra literária e que entende que o texto literário também depende das interven-
ções do leitor. O ensaio aborda, portanto, a dialética entre a problemática da liberdade de
interpretação, a que Eco chamaria e superinterpretação, e a extrema fidelidade ao texto tal
qual queria formalismo russo, o estruturalismo e o New Cristicism desejavam. A propósito
disso, é válido citarmos o comentário de Sandra Cavicchioli que prefaciou a obra:

Esta dialética se manifestou na combinação da tradição


do estruturalismo e do pragmatismo de Peirce, com o
objetivo de não fechar demais o texto sobre si mesmo e
ao mesmo tempo não o abrir ilimitadamente a cada tipo
de instância interpretativa. (ECO, 1995, p. 184, traduzido
pela autora)

Para Eco, portanto, todo texto literário é uma “máquina pobre” (ECO, 1994, p. 3 – tra-
duzido pela Autora) que sobrevive da valorização do sentido que o leitor pode (e deve) ali
introduzir, contando sempre, portanto, com o conhecimento de mundo seus leitores para
atualizá-lo. Por ser “pobre”, toda narrativa é muito lacunar, como já defendia o alemão Iser,
e, quanto mais lacunas apresentar, maiores serão os riscos de interpretações absurdas,
como parece ocorrer em romances de cunho psicológico. Por exemplo, seria como ler Per-
to do coração selvagem, de Clarice Lispector adequando-o única e exclusivamente aos
seus ideais políticos, sociais ou psicológicos, como se o romance falasse não para o leitor ,
mas sobre o leitor. Ou, ainda, ler O processo, de Kafka, como um romance policial; o que
apesar de viável, textualmente não surtiria os mesmos efeitos do que lê-lo como uma nar-
rativa fantástica, do absurdo.
Outro exemplo desse movimento de participação do leitor na (re)construção do
texto, são as narrativas vanguardistas, que, ao diferentemente das reais-naturalistas, não
procuram identificar e instruir seu leitor, mas são construídas de modo a frustrá-lo e sur-
preendê-lo, causando um estranhamento ainda maior do que o de outros textos literários,
exigindo do leitor um trabalho maior no processo interpretativo. Preencher tais lacunas, ou
“vazios”, se usarmos o termo de Iser, portanto, não significa construir outro texto diverso do
inicial, mas aceitar o jogo de reconstrução de sentidos proposto. Entretanto, tal afirmação
reitera o pressuposto de que o texto precisa de um leitor para concretizá-lo.
Nesse sentido, o leitor é condição indispensável para a capacidade concreta da co-
municação do texto e da sua potencialidade criativa:
Em um texto narrativo, o leitor é forçado a cada momen-
to a fazer uma escolha. Além, esta obrigação de escolha
se manifesta através do nível de qualquer enunciado,
pelo menos a cada ocorrência de um verbo transitivo.
Enquanto o falante está prestes a terminar a frase, nós,
mesmo que inconscientemente, fazemos uma aposta,
antecipamos a sua escolha, ou nos sentimos angustiados
em querer saber qual escolha ele fará (ECO, 1994, p. 7, tra-
duzido pela Autora).

70
O leitor empírico por ser um leitor real, de carne e osso como todos nós, ao contrário
do leitor que Eco chama por modelo, não é compromissado com o texto, e por isso nele
imprime os mais diversos sentidos segundo o seu desejo, às vezes, sentidos não necessa-
riamente vinculados ao texto. O leitor modelo (ou ideal em termos formalistas), por seu
turno, não é um leitor real; é na verdade uma criação do próprio texto, um efeito de suas
estruturas narrativas.
Para Eco, trata-se, portanto, de “un lettore-tipo che il testo non solo prevede come
collaboradore, ma anche cerca di creare” (ECO, 1994, p. 11). Em outras palavras, o leitor mo-
delo seria aquele que se questiona sobre como o texto precisa ser lido e busca a resposta
ao seguir as pistas que o próprio texto, na figura do que Eco chama de autor modelo, isto
é, as estratégias narrativas e as marcas próprias do gênero. É possível que esse leitor faça
conexões extratextuais, mas jamais sem calçar-se no textual e cotextual, sob o risco de in-
correr em uma superinterpretação, isto é, em afirmar algo que o texto não diz.
Uma proposta de leitor que em muito se assemelha ao leitor implícito proposto por
Wolfgang Iser. Mas no caso do teórico alemão, mesmo que entenda tal leitura implícita
como parte da estrutura narrativa imanente ao texto, admite, assim como Sartre, a ocor-
rência de uma leitura real que se dá como ato estruturado fora do texto. Grosso modo,
para o alemão , o leitor é aquele que condiciona o texto imputando-lhe sentido; para ita-
liano, no entanto, o texto, melhor dizendo, suas estratégias narrativas, condicionam o leitor
na recuperação dos sentidos possíveis. Com isso, é possível entendermos que toda leitura
é empírica, no sentido proposto por Iser, e a leitura modelo, conforme proposta por Eco,
como uma idealização teórica que precisa ser buscada não pelo leitor comum, mas pelo
estudioso do texto literário.

6.5 “DE SE FAZER MUITOS LIVROS NÃO HÁ FIM” OU DAS MUITAS


TEORIAS
Há um trecho da Bíblia, em Eclesiastes 12:12 em que o Rei Salomão afirma: “[...]” de se
fazerem muitos livros não há fim [..]” (A BÍBLIA, 2013). Ora, você deve estar perguntando-se:
Por que trazer um versículo bíblico para cá? A afirmativa do autor do livro bíblico é verídica,
desde o advento da escrita, nas mais diversas culturas, a produção de livros tornou-se bas-
tante profícua, tendo intensificado com a imprensa e agora, com a internet e os e-books,
ainda mais.
Quanto mais se produz literatura, mais inovações percebe-se nos novos textos lite-
rários surgentes. Afinal, aqueles que permanecerão para a posteridade serão sobretudo
aqueles que ao invés de fazer mais do mesmo, produzem a diferença, ou nas palavras de
Chklovcki, a singularização que propicia o estranhamento tão necessário à arte.
Com tantos livros, dos mais diversos gêneros , surgem, a fim de dar conta destes as
mais diversas teorias e correntes teóricas para estudá-los. Tomemos por exemplo o gênero
fantástico. Desde o seu nascedouro no século XVIII e XIX, muitos foram os estudiosos que
se dedicaram a estudar o gênero e formularam as mais diversas teorias, algumas conver-
gentes, outras divergentes .
Impossível contemplar todas as correntes teóricas nesta disciplina, abordamos so-
mente as principais que configura a base para as demais. Cabe ao estudioso de literatura
estar em constante renovação do conhecimento, buscando (e formulando) novas teorias
que deem conta da produção literária da antiguidade a contemporaneidade.

71
BUSQUE POR MAIS
Para saber mais sobre as diversas correntes teóricas para a investigação do dis-
curso literário, consulte o livro da professora e pesquisadora Maria Antonieta
Jordão de Oliveira Borba, “Tópicos de teoria: para a investigação do discurso
literário”. No título, a autora fala sobre as principais correntes críticas e aborda
em detalhes as contribuições da linguística e da psicanálise para a teoria da
literatura e as teorias do efeito estético da interpretação.
Para saber mais sobre as correntes teóricas que aqui comentamos e outras mais, veja o arti-
go “As novas correntes da crítica Literária” de Luiz Carlos Moreira da Rocha e Carlos César de
Carvalho Marques disponível em: https://bit.ly/3i6A1Gq. Acesso em: 29 jun. 2021.

GLOSSÁRIO
Estranhamento: Conceito cunhado pelo formalista russo V. Chokovski que preconiza que o
texto literário deve produzir imagens poéticas que provoquem um efeito de desautomatiza-
ção ou desfamiliarização em relação à linguagem cotidiana.

Leitor implícito: Conceito de leitor/leitura cunhado pelos estruturalistas. Trata-se do leitor que
seria engendrado pelas estruturas narrativas do texto.

Leitor ideal: Trata-se de um leitor que, assim como o leitor implícito, leria a texto seguindo as
pistas que as estruturas narrativas lhe deixam, isto é, aquele cuja leitura cola à do leitor implí-
cito do texto.

Leitor empírico: Trata-se do leitor real, de carne e osso, aquele a que efetivamente lê ou lerá a
obra literária.

Episteme: Conceito grego reformulado mais tarde por Michel Foucault. Para o filósofo a epis-
teme é o conjunto de discursos promovidos pelo as diversas manifestações sociais e culturais
de uma determinada época que permitiriam recompor a história de um povo.

72
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF - Professor - Letras/Espanhol)

O séc. XX instaura um corte na episteme do século que o antecede ao modificar radicalmente


o rumo dos estudos literários. Em vez da concepção de literatura como epifenômeno social ou como
ramo de uma ciência hegemônica da qual todas as outras disciplinas derivassem, ou, ainda, como
projeção narcísica do sujeito fruidor, dá-se ênfase agora à produção do discurso e às diferenciações
discursivas e, em consequência, às indagações acerca da especificidade da literatura e da relação
que esta mantém com a “realidade”, em contraposição a outras modalidades de discurso. Nesse
contexto, surgem duas linhas de abordagem do literário, conforme a orientação teórica que as
caracteriza predominantemente: as abordagens de cunho prevalentemente linguístico e as de
cunho prevalentemente cultural, como as distingue Luiz Costa Lima, sem, contudo, deixar de
assinalar os traços comuns que as correlacionam.
(Sônia Lúcia Ramalho de Farias Graphos v 10, n º 2 João Pessoa, dez /2008 (com adaptações).

A abordagem literária de cunho prevalentemente cultural mencionada no texto inclui

a) a estilística.
b) o formalismo russo.
c) o new criticism.
d) o estruturalismo.
e) a crítica marxista.

2. (Enade 2014) Leia os textos abaixo


Texto 1
Ainda quando se defende a existência de “uma escrituralidade literária”, herdeira, em certo sentido,
do conceito de “literariedade”, utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do
discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar
caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade
de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores “desarmados” de
literatura; que possam deixar de lado a teoria e “entrar no texto”, confundir-se com personagens
que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que
ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que
mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um “estatuto
do literário” que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação
minuciosa de sua produção.

(Disponível em: http://www.pucminas.br . Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado)

Texto 2
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão...

73
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre.
(BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917).

A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entre a especificidade
da linguagem literária e a crítica literária.

a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois
a crítica literária não deixa nada descoberto.
b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem
ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira.
c) Para facilitar a leitura e permitir fruição estética mais intensa ao leitor, os críticos literários
mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura.
d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é
ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira.
e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário que o
leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura.

3. (Enade 2005) O texto abaixo, de Antonio Candido, exemplifica o trabalho do crítico.

Em Gonçalves Dias, sentimos que o espírito pesa as palavras, em Castro Alves, que as palavras
arrastam o espírito na sua força incontida. Situado não apenas cronologicamente entre ambos,
Álvares de Azevedo é um misto dos dois processos. Na melhor parte de sua obra, as palavras se
ordenam com medida, indicando que a emoção logrou realizar-se pelo encontro da expressão justa.
Infelizmente, porém, (...) se na sua obra propriamente lírica existe não raro uma serena contenção,
a que lhe deu fama e definiu a sua maneira própria se caracteriza pela tendência à digressão e à
prodigalidade verbal, que o tornaram, com o passar do tempo, o poeta desacreditado de nossos
dias.
(Formação da literatura brasileira: momentos decisivos)

Considere as afirmações que seguem:

I. a crítica implica uma valoração, resultante das relações que o crítico estabelece entre os
elementos constitutivos da obra analisada e a série literária.
II. em cada situação específica, a crítica incide na análise independente de um dos três
aspectos do fenômeno literário: ou o produtor, ou a obra, ou o público.
III. é tarefa do crítico prescrever leituras que, ao suprirem certas necessidades do ser
humano, atendam às expectativas do público.

Confirma-se no texto de Antonio Candido o que se declara corretamente sobre a crítica


APENAS em

a) I.
b) II.
c) III.

74
d) I e II.
e) II e III.

4. (Enade 2005)
O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e
talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por
balaustradas baixíssimas. (...) A Biblioteca existe ad eterno. Dessa verdade, cujo corolário imediato
é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. (...) Em alguma estante
de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio
perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus.
(Jorge Luís Borges, “A biblioteca de Babel”, Ficções)

Associe a gravura abaixo ao texto de Borges, transcrito acima.

O espaço descrito no texto e o espaço representado na gravura têm em comum

a) a rejeição do irreal e o engajamento político.


b) a emotividade e a negação da simetria.
c) o efeito de claro-escuro e o sentimento da natureza.
d) a vida idealizada e o sentimento do provisório.
e) a fantasia intelectual e a composição geométrica.

5. (Enade 2005) O crítico José Guilherme Merquior, ao analisar a questão da literatura na


Modernidade, afirma:

“... a partir de Flaubert e Baudelaire, instala-se nas letras o senso da “vacuidade do ideal”; emerge a
tradição moderna como literatura crítica.

O ideal esvaziado de conteúdo, assinalado pelo crítico, no texto de Eça de Queirós,

a) constitui a busca do “paladino da moral”.


b) é considerado causa da ação de “celebrar missa durante tantos anos”.
c) pode ser associado a “escangalhada catedral romântica”.
d) está tomado como sinônimo de “palpitação mesma da vida”.
e) é tido como consequência da “propaganda do amor ilegítimo”.

6. Para V. Choklovisk a literatura deve produzir imagens poéticas que se diferenciem

75
das imagens corriqueiras. A obra de arte literária deve libertar-se do automatismo do
reconhecimento para provocar um estranhamento através da singularização da imagem
poética. Ciente disso, assinale a alternativa em que verifica uma imagem poética:

a) “o amor é fogo que arde sem se ver” (Luís de Camões)


b) Rio de neve em fogo convertido! (Gregório de Matos)
c) “Pequenas canções me fazem feliz” (Aline Maciel)
d) “A febre deve estar assando Nicó” (Arthur Engrácio)
e) “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” (Gonçalves Dias)

7. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF)

O texto a seguir é um trecho de uma entrevista concedida por Janet M. Paterson à revista
Aletria.
Aletria — Vários críticos, tais como Lacan, Derrida, Levinas, Deleuze, Lévi-Strauss, Bhabha
e Spivak, têm discutido a questão da alteridade e as implicações das teorizações baseadas nas
percepções do outro. Quais são as bases teóricas de sua pesquisa sobre figurações da alteridade?
Janet M. Paterson — O trabalho do sociossemioticista francês Eric Landowski forneceu o
arcabouço conceitual de meu livro. Em Présences de l’Autre: essais de socio-sémiotique, Landowski
estuda casos reais de alteridade em Paris, tais como os moradores de rua ou os artistas da região do
Centre Pompidou. Isso lhe permitiu elaborar uma metodologia extremamente requintada e precisa
que me pareceu muito útil. Mencionarei alguns de seus principais conceitos: a distinção entre
diferença e alteridade (distinção que permite a Landowski conceituar alteridade); a necessidade
de um grupo de referência (um grupo social dominante) para a existência de qualquer forma de
alteridade; e a complexidade dos vários tipos de relações estabelecidas com o outro. Acima de
tudo, eu era continuamente lembrada de que na literatura, assim como na sociedade, a alteridade
é sempre uma construção.

Na teoria literária, a emergência da noção de alteridade vincula-se teoricamente de modo


mais expressivo aos textos produzidos no

a) contexto da pós-modernidade.
b) âmbito das vanguardas históricas.
c) período da belle époque.
d) contexto da crítica marxista.
e) contexto pré-romântico.

8. O estruturalismo foi um movimento crítico que teve nos nomes de Roland Barthes e
Tzvetan Todorov seus maiores expoentes. Para tal corrente crítica, o estudo do discurso
literário deveria centrar-se:

a) na biografia autor.
b) no contexto histórico.
c) nas estruturas narrativas.
d) nas idiossincrasias do leitor.
e) na estrutura da psique humana.

76
2

PRÁTICA PEDAGÓGICA
INTERDISCIPLINAR: TEORIA
LITERÁRIA - TOMO II
GÊNEROS LITERÁRIOS
10
1.1 INTRODUÇÃO

Como parte e continuação dos estudos de Teoria Literária, as páginas que se


seguem se ocupam da classificação dos gêneros literários, seus conceitos, critérios e
métodos de análise e interpretação.
Para se estudar literatura, é preciso aprender a identificar e manejar criteriosamente
conceitos e noções que permitem fazer do texto literário um objeto de estudo dotado de
especificidades que o texto não literário não possui.
A palavra “gênero” não apresenta correspondência de sentido apenas no âmbito
da literatura e da gramática, quando falamos em gêneros textuais e em gêneros
literários. A origem etimológica desse termo (do latim, genus / generis) remete à noção
de origem ou de raiz da qual deriva um conjunto que pode ser identificado mediante
características em comum. Por isso, podemos falar em gênero com o intuito de identificar
ou discernir certas categorias. Por exemplo, quando se emprega a designação “gênero
masculino” e “gênero feminino” pretende-se, em geral, fazer certas associações que
dizem respeito a uma forma de divisão da espécie humana, seja ela referencial ou
descritiva.
Essa distinção nos serve de exemplo porque cada um desses gêneros apresenta
um conjunto de características mais ou menos variáveis, mas que nos permitem
identificar ou discernir, ao menos pelo critério biológico, entre homens e mulheres. Assim,
partimos da generalidade conceitual de que a classificação da literatura em gêneros se
dá por via comparativa a partir da análise de objetos que apresentam características
em comum.
Desse modo, a teoria dos gêneros constitui uma tentativa de organizar, sob a
sombra de alguns critérios considerados essenciais, os modos de se fazer literatura.
Portanto, é ela que nos oferece subsídios fundamentais para lermos e interpretarmos o
texto literário de acordo com certas diretrizes formais e estéticas. Trata-se de uma das
vertentes mais antigas no âmbito dos estudos de teoria da literatura e se caracteriza
como um conjunto de convenções em relação ao qual os escritores se orientam quando
da composição de suas obras, seja para fidelizá-las a um de seus modelos, seja para
criar combinações novas entre eles.
Neste estudo, vamos nos enveredar pelos critérios de classificação dos gêneros
literários, da tradição clássica à modernidade, assim como pelas principais correntes
teóricas que orientam a investigação do texto de feição artística de acordo com o
gênero em que ele é escrito.

1.2 CLASSIFICAÇÃO PARA QUÊ?

Afinal, por que classificamos as obras literárias? Um ponto de vista que ilustra
a importância dos estudos discursivos e, no interior deles, a necessária distinção dos
gêneros é o expresso por Fernando Paixão:
A evolução histórica e política da sociedade [...] acabou
dando à linguagem as mesmas rígidas características
que se verificam nas relações de trabalho. Divisões.
Especializações, manipulações, etc. E a linguagem, do
mesmo modo que a vida, passou a ser governada por
11
regras e leis. Proibições e limites. (PAIXÃO, 1984, p. 16).

Desse ponto de vista, no processo de estratificação do conhecimento, os estudos


discursivos promoveram uma distinção entre gêneros textuais literários e não literários.
Essa conceituação visa, de um lado, reconhecer e reunir, mediante o estabelecimento de
critérios, textos que apresentam características em comum para discerni-los enquanto
formas específicas do uso da linguagem. Trata-se, assim, de uma forma de organização
do conhecimento ordenada por certas demarcações.
A classificação dos livros, de maneira geral, parece estar intrinsecamente
associada à experiência de leitura. Hoje em dia, quando vamos a uma biblioteca ou
a uma livraria em busca de um livro, somos orientados por tipologias que consideram
os gêneros nos quais eles foram escritos. Assim, no que concerne especificamente à
literatura, apesar de haver critérios distintos entre a esfera acadêmica e a editorial, e
que não cabe aqui elucidar, em geral, temos prateleiras identificadas como romance,
outras como conto, outras ainda como poesia.
Na materialidade do livro em si, quando pegamos um exemplar nas mãos,
antes mesmo de estabelecermos contato direto com o seu conteúdo, somos levados,
primeiramente, à sua identificação por meio de uma nota sobre o título impresso em sua
lombada (ou cinta), comentários inseridos em suas orelhas acerca do conteúdo e do
seu autor, uma minibiografia do autor e suas escolhas enquanto escritor, sua formação
ou referências ideológicas, além da ficha catalográfica fixada como obrigatória
na prática editorial mundial etc. Todos esses elementos compõem os chamados
paratextos editoriais que apresentam um conjunto de elementos responsáveis por
relacionar o livro ao público leitor, trazendo consigo certos termos que permitem uma
rápida identificação da obra antes mesmo de se iniciar a leitura propriamente dita do
livro. Os paratextos são divididos em pré e pós-textuais, a depender da posição em
que aparecem no livro: se antes ou depois do texto. Eles são, assim, uma espécie de
invólucro indispensável para o direcionamento do livro para o público leitor.

Figura 1: Paratextos editoriais e suas localizações no livro


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/TjAY. Acesso em: 20 jan. 2023.
12
Ademais, os paratextos são também importantes instrumentos de legitimação
do livro, uma vez que eles sinalizam sentidos para a recepção de uma obra em dado
contexto e, ainda, avaliam o valor que ela alcança no conjunto de obras escritas por um
autor, realizando, assim, um julgamento que consiste em um pacto de responsabilidade
de um lado para com o autor e, de outro, para com o público ao qual o livro se destina.
Nesse sentido, no tocante à literatura, a classificação em gêneros não serve
apenas ao critério de organização física dos livros nas prateleiras para identificação
do gosto ou do interesse do leitor, mas, também à análise de sua composição. Isto
é, à apreciação de sua forma especial de organização e do conjunto de elementos
que, de acordo com alguns critérios, fazem com que a obra seja considerada como
literária. Em outras palavras, a classificação das obras se configura como um processo
de compreensão e catalogação de sua identidade artística.

VAMOS PENSAR?
Embora seja própria dos estudos literários, a teoria dos gêneros não se limita às Letras. Sen-
do muito importante no processo de letramento e alfabetização de modo geral, ela tam-
bém é utilizada por outras áreas do conhecimento. Você consegue citar ao menos uma
delas? Uma dica: todas lidam de alguma forma com a produção escrita.

Como toda teoria, a conceituação dos gêneros literários segue alguns preceitos
orientadores e, através deles, ela visa promover a delimitação de um conjunto de textos
que compõe o que podemos imaginar como um acervo de textos artísticos, ou seja,
que possuem um caráter estético de seleção, organização e tratamento da matéria
que os compõem. Em teoria literária, portanto, tomamos como pressuposto que o que
diferencia o objeto de estudo da literatura é o tratamento estético dado à linguagem.
Dessa maneira, a classificação dos textos literários em gêneros específicos tem
como princípio básico promover a identificação de “mecanismos de estruturação
semelhantes” (SOARES, 2007, p. 7). Sendo assim, o que nos interessa observar é o modo
pelo qual o texto se organiza estruturalmente para construir significado.
Devemos ter em perspectiva, no entanto, que a classificação dos gêneros encerra
certos problemas que o estudante de literatura deve reconhecer: em primeiro lugar, nem
toda obra literária, sobretudo em se tratando das modernas, se encaixam em normas
e definições preconcebidas; em segundo, que após o romantismo não se pode falar
em gêneros puros; e, em terceiro, que a palavra gênero redunda em certa imprecisão
terminológica nos estudos literários, ao servir tanto para identificar uma divisão tripartida
(lírico, narrativo e dramático), como para designar, no interior dessa tripartição, as
formas literárias que dela resultam, falando-se em gênero romance, gênero comédia
ou gênero ode. Acerca desse aspecto, Yves Stalloni pondera que: “[...] parece ser muito
difícil, para a literatura, chegar a um consenso sobre uma teoria coerente dos gêneros
baseada em definições rigorosas e em delimitações precisas. [...].” (STALLONI, 2007, p.
16).
Tendo em vista essas três questões que levantam problemas de definição no
âmbito dos gêneros, devemos levar em consideração que os critérios de classificação,
embora sejam válidos, sobretudo do ponto de vista estrutural, não são incontestáveis
no processo de apreciação crítica de uma obra.
13
Portanto, a análise da sistematização formal do texto literário nos permite agrupá-
lo em uma categoria ou, de maneira oposta, situar a distância que ele estabelece em
relação a essa categoria, quando dela divergir. De qualquer forma, de uma maneira
geral, é preciso conhecer as diretrizes que orientam a classificação dos gêneros literários,
pois elas nos possibilitam estabelecer parâmetros de análise para o estudo do texto de
feições artísticas.

1.3 OS GÊNEROS LITERÁRIOS NA TRADIÇÃO CLÁSSICA

1.3.1 Grécia

Os primeiros estudos de que se tem conhecimento a respeito dos gêneros literários


remontam à Antiguidade clássica e podem ser situados a partir da obra de Platão (c.
428 a.C – c. 347 a.C). No terceiro livro de A República (394 a.C), o filósofo grego propõe
em seus diálogos a divisão tripartida dos gêneros literários, atribuindo-lhes, como
designativos os seus modos de apresentação. Assim, a comédia e a tragédia (que
correspondem ao drama) se fazem por mimesis (“imitação”), os ditirambos (poesia),
por exposição e a epopeia (narrativa) pela conciliação entre mimesis e exposição.

FIQUE ATENTO
Os ditirambos são composições poéticas que eram entoadas e apresentadas na tradição
grega ao som de instrumentos (como tambores, liras e flautas), um coro e um corifeu (can-
tor principal). Seus temas eram voltados para os afetos, a paixão, a admiração, a exaltação
do amor e outros motivos sentimentais que ensejavam o culto a Baco. Essa era uma forma
artística devotada à expressão sob um viés individual (na acepção da cosmovisão grega).
Ao ditirambo, no entanto, conforme Platão (no diálogo 398 b, p. 154), caberia apenas
“o estilo moderado” em sua exposição, não podendo ele sair dos modelos previamente
instituídos para tal, de modo a não correr-se o risco de desvirtuar, pelo divertimento
focado no indivíduo (na acepção antiga, por oposição ao coletivo), a edificação da
pólis.
A teoria platônica dos gêneros preestabeleceu, portanto, que para cada forma
havia um modo de se fazer a arte. Entretanto, Platão soergueu seus argumentos com
base na função moralizante que cada gênero desempenhava na vida da pólis e, sendo
assim, em sua hierarquização, acabou por reduzir a importância da poesia.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), que fora discípulo de Platão, por sua vez, discordando
da formulação proposta por seu mestre, constrói uma segunda conceituação para os
gêneros, deixando de lado o critério moralizante e orientando-se pelo viés estético, isto
é, pela organização formal da obra e seus elementos intrínsecos.
Em sua Poética, ele retoma o conceito de mimesis, dotando-o de um caráter
engenhoso pelo qual se processa o trabalho de transposição da realidade empírica
para a realidade artística. Nesse processo, a teoria aristotélica formula diferentes meios,
objetos e modos para identificar a constituição da obra artística.
Embora não nos tenha chegado a segunda parte da Poética, os critérios gerais
nela elaborados permitem conceber parâmetros de análise para a organização estética
de uma obra a partir de três elementos:
14
MEIOS referem-se ao ritmo, ao tipo de linguagem utilizada e à harmonia formal da
obra;
OBJETOS referem-se aos tipos retratados, isto é, seres superiores (ou de elevada psique,
em cujas virtudes e ações se concentram as transformações do mundo), seres
equivalentes ao homem comum e seres piores (portadores de vícios e más
condutas);
MODOS eferem-se ao processo como a mimesis é desenvolvida, isto é, pelo modo nar-
rativo e pelo dramático (ação / encenação).
Quadro 1 : organização estética de uma obra a partir de três elementos
Fonte: Elaborado pelo autor com base em ARISTÓTELES (2008).

Na teoria aristotélica, o meio equivale ao objeto e ao modo, havendo, portanto,


uma perfeita correspondência entre esses elementos para a configuração do trabalho
estético, o que configura a sua harmonia formal. Assim, uma linguagem grandiloquente
está associada aos seres superiores e encontram correlativos, por exemplo, na epopeia
e na tragédia. Por sua vez, a uma linguagem mediana, isto é, compreensível sem muitos
esforços (o que não significa que ela seja destituída de artifícios artísticos) associa-se o
homem comum; e uma linguagem baixa estará sempre associada aos seres inferiores,
como aqueles que povoam com seus caracteres as comédias.
Em suma, a conceituação poética aristotélica baseia-se na divisão dos gêneros
em três modalidades: lírico, épico e dramático. Essa formulação seguiu sem grandes
alterações por todo o período clássico e pode-se dizer que, compreendida a substituição,
na modernidade, da epopeia pelo romance (o que justifica a mudança que a Teoria da
literatura opera na designação de “épico” para “narrativo”), continua ela ainda válida,
sendo que ao longo da história foram surgindo novas formas que refletem a profunda
relação da literatura com as transformações e as configurações das sociedades.

BUSQUE POR MAIS


' A obra de Aristóteles, Arte Poética, constitui um dos ensaios mais importantes
dos estudos literários que herdamos da Antiguidade clássica, por isso é essen-
cial que você leia o texto na íntegra. Você pode acessá-lo na Biblioteca Pearson.
Disponível em: https://shre.ink/Tjyg. Acesso em: 05 jan. 2023.

1.3.2 Roma

Já em Roma, na Carta aos Pisões, ao tratar da poesia dramática, Horácio (65 a.C.
– 8 a.C.) preceitua a regra da perfeita conformidade entre tema, tom, ritmo e métrica.
Na conceituação horaciana, a rigidez formal é enfatizada como método de criação
para os poetas que tinham intenção de obter algum reconhecimento por suas obras,
não sendo admitido trabalho artístico que não obedecesse aos parâmetros formais
estabelecidos em torno dos princípios da ordem e do arranjo.
Embora tenham importantes diferenças de abordagens, essas linhas de
conceituação dos gêneros literários sintetizam, sobretudo, dois pontos fundamentais: 1)
os gêneros possuem configurações normativas que devem ser respeitadas; 2) possuem
também funções sociais que permitem à literatura funcionar como uma espécie de
15
“ferramenta” social, moral, política e ética.
Assim, o panorama dos gêneros literários e suas formas de classificação na
Antiguidade pode ser assim compreendido:
Na antiguidade, impõem se como principais formas lite-
rárias a epopeia, a tragédia e a comédia, além de moda-
lidades que se absorveriam no conceito de gênero lírico,
como ditirambo, a ode, o hino, o epigrama, a égloga. A
reflexão sobre os gêneros, por sua vez, tende a fixar três
princípios: normatividade (cada gênero tem suas regras
de composição); hierarquia (há gêneros tidos como su-
periores – por exemplo, a tragédia – e outros considera-
dos inferiores – por exemplo, a comédia); pureza (não se
admite em princípio a possibilidade de uma obra com-
binar elementos de gêneros diversos). (SOUZA, 1999, p.
12).

Quanto aos estilos, obras como Ilíada, Odisseia e Eneida constituem os mais
importantes paradigmas formais para os estudos filológicos. Assim, no século XII,
conforme GUIRRAUD (1970), o filósofo João de Garlândia faz uma importante contribuição
aos estudos estilísticos ao arquitetar a “Roda de Virgílio” (Rota Vergilii) para categorizar
os estilos da poesia de Virgílio a partir das suas três principais obras (Eneida, Geórgicas
e Bucólicas) em um raio de três aros concêntricos, havendo, para cada um deles,
um grupo de elementos unificados com estilo, ambiente, instrumentos, alimentos e
personagens característicos.

Figura 2 : Roda de Virgílio


Fonte: GUIRAUD (1970, p. 26).
16
A Roda de Virgílio se insere no âmbito dos chamados estudos de estilística,
e, segundo João Adolfo Hansen (2013, p. 26), pode ser associada à divisão feita por
Teofrasto, discípulo de Aristóteles, em três estilos: simples, temperado e nobre, o que
demarca os critérios conceituais da tradição estilística das formas clássicas.

1.3.3 Era medieval e Renascimento

Já na Idade Média, ao lado das formas tradicionais greco-latinas, se processa


o desenvolvimento de novas formas e técnicas literárias que dão origem a novas
modalidades líricas narrativas e dramáticas. As mudanças das formas literárias se
explicam em razão das:
alterações fonológicas e morfológicas do latim, cuja uni-
dade então se fragmenta em vários falares românicos
que darão origem às línguas neolatinas, possibilitam a
reforma do sistema do verso: desenvolve-se a métrica
apoiada nas sílabas e no acento de intensidade, bem
como a técnica das rimas, processos desconhecidos na
poesia antiga. também se firmam modalidades líricas,
narrativas e dramáticas propriamente medievais, sem
raízes clássicas. Entre as manifestações líricas, destaca
se a cansó provençal, base do lirismo trovadoresco que
se difundiu na Europa em torno do século XIII; entre as
narrativas, as épicas escandinava (sagas), francesa (can-
ções de gesta), espanhola e alemã, bem como formas
em prosa, a exemplo da novela de cavalaria e do chama-
do conto burguês; por fim, entre as manifestações dra-
máticas, o teatro cômico francês (sotias; farsas; pastorais
e monólogos dramáticos) e o teatro religioso (milagres,
mistérios, autos). (SOUZA, 1999, p. 12-13).

A grande mudança no cenário medieval em relação à teoria clássica dos gêneros


é o surgimento da poesia trovadoresca que reivindica, dada a sua importância na
vida medieval, novos critérios de concepção e análise poética. Na narrativa, surgem
as novelas de cavalaria que, gradativamente, marcam a substituição da epopeia
por outras formas narrativas. Ressalte-se, nesse contexto, o rompimento da estética
medieva para com o modelo clássico na tentativa de abafar a cosmovisão politeísta
nela contida.
Posteriormente, o movimento renascentista, ao buscar revitalizar os conceitos
clássicos, desencadeia um processo de recuperação dos preceitos aristotélicos. O
Classicismo, orientado pela primazia da mimesis, recobra a relação do texto artístico
com a imitação da natureza. Pressupõe-se nesse período que, pertencendo a poesia
(tomada como sinônimo do que hoje denominamos literatura) mais ao domínio da
imitação do que ao da criação, ela deveria seguir rigorosamente certas leis formais, à
deriva das quais, deixava de ser poesia (literatura).

Ao retomar a tradição clássica, o Renascimento torna obsoletas as formas


medievais. No entanto, nesse período também ocorre a canonização do soneto (forma
fixa originária do século XII). É importante ressaltar que, nessa retomada dos conceitos
17
da Antiguidade, os princípios vinculados à tradição clássica (normatividade, hierarquia
e pureza) são reafirmados e reapropriados como fundamentais na classificação dos
gêneros.
A caracterização dos gêneros em estilos diz respeito à distinção das variações
discursivas de caráter artístico, isto é, às diferentes formas de elocução e suas
características. O termo “estilo” provém do vocábulo latino stilus, instrumento (espécie
de estilete) utilizado para talhar a escrita em uma base de cera e carrega, portanto, essa
carga semântica de um modo característico de se trabalhar a escrita, lapidando-a.
A preocupação clássica para com o estilo não se refere apenas aos textos
literários. Advém dela também o interesse, nos estudos de retórica, pela construção de
um modo de dizer que vai caracterizar a enunciação de outros gêneros não literários.
De um modo geral, retórica e estilística aparecem na tradição clássica como
fundamentos importantes para os estudos do discurso e, consequentemente, para
a caracterização e classificação dos gêneros. A primeira se ocupa das formas de
adequações do discurso para um fim, isto é, a finalidade com a qual o discurso é
elaborado fica a depender da forma específica pela qual ele é organizado com vistas a
alcançar as suas intenções. Significa dizer que o conteúdo depende, em parte, da forma
para obter êxito ao transmitir a sua mensagem.
Por sua vez, a estilística se ocupa de um conjunto de preceitos seguidos por um
modus operandi, seja de um autor específico ou de vários autores (quando falamos
de movimentos estéticos, por exemplo) na composição de suas obras. Assim, pode-se
dizer que marcas estilísticas são, em geral, orientadas por princípios estéticos pessoais
ou de movimentos artísticos aos quais os autores se associam.

FIQUE ATENTO
Não devemos confundir gêneros literários com movimentos literários. Os gêneros são for-
mas que se constituem como diretrizes para a produção de obras literárias, e são identi-
ficados mediante caracteres estruturais que a compõem. Além disso, cada gênero possui
constantes ou marcas de conteúdo segundo as quais podemos identificar uma obra e as-
sociá-la à tradição literária, por exemplo, do romance, da poesia bucólica etc. Os movi-
mentos, por sua vez, são responsáveis por elencar um conjunto de características próprias
de um determinado período sócio-histórico que servem de orientação à composição das
obras. A relação entre gêneros e movimentos literários se configura na medida em que
cada época, isto é, cada movimento artístico, seleciona características específicas a serem
incorporadas pelos gêneros, moldando-os, assim, ao gosto artístico em voga.

Em suma, a estilística é o campo dos estudos da linguagem que se preocupa com


a identificação dos estilos em diferentes gêneros discursivos. É ela também que estuda
as figuras de linguagem enquanto recursos da comunicação e de efeitos de sentido. O
que interessa chamar atenção é que a preocupação com a forma (que culminou nos
estudos dos gêneros discursivos) é uma herança clássica que o mundo contemporâneo
buscou, ao seu modo, aprimorar. E é no âmbito literário que o estilo alcança seu maior
potencial expressivo. Por esse motivo, as noções de estilo e de configuração dos gêneros
literários constituem os grandes pontos de interesse do conhecimento humanístico
acerca das formas de maior depuração estética-expressiva.
Pode-se dizer que os preceitos estilísticos clássicos – pelos quais se orientam
18
as classificações dos gêneros – com certas oscilações, vigoram até o surgimento do
Romantismo, quando inauguram-se novos conceitos de composição que fundam e
estimulam experiências formais diversas daquelas preconizadas pela teoria clássica
dos gêneros. Isso porque a maior bandeira empunhada pelos românticos era a da
liberdade criativa, que de certo modo ainda reina como princípio de criação literária.
Nesse sentido, opera-se nesse momento um rompimento para com os princípios
clássicos de norma, pureza e hierarquia.
O marco fundamental dessa mudança de paradigma – que é conceituada como
transição da tradição clássica para a moderna – é o longo prefácio escrito pelo escritor
francês Victor Hugo, em 1827, em sua obra dramática intitulada Cromwell, o qual se
tornou uma espécie de manifesto da estética romântica ao afirmar: “Destruamos as
teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada
da arte.” (HUGO, 2007, p. 64).
A importância que esse texto crítico de Victor Hugo alcança é tamanha que
os historiadores da literatura consideram-no como limiar entre a conceituação da
literatura clássica – que separa e distingue os estilos grotesco e sublime, o belo do
feio, os homens dos deuses etc. –, e da moderna, em que esses estilos aparecem sem
rigor de distinção como partes estilísticas complementares concebidas a partir de um
princípio de representação da realidade em si mesma, o que, para Hugo, era o maior
compromisso do drama moderno.
O grande ponto de inversão da tradição clássica pelo princípio de liberdade
criativa propagado pela corrente romântica reside no pressuposto de que “[...] o real
resulta da combinação bem natural de dois tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam
no drama, como se cruzam na vida e na criação.” (HUGO, 2007, p. 46). É essa “harmonia
de contrários”, baseada no princípio da mistura de estilos que passa a conduzir os estilos
literários modernos, produzindo um contraste expressivo em relação àquela pureza
clássica de estilos, segundo os quais se edificou a teoria clássica dos gêneros.
Como consequência para a configuração das formas, há uma maior valorização
do romance (forma moderna por excelência) e do drama, que passa por uma nova
conceituação de acordo com os valores “emergentes das revoluções industrial, liberal
e burguesa” (SOUZA, 1999, p. 14); ao passo que:
[...] a lírica praticamente abandona os esquemas com-
plicados e preestabelecidos das formas fixas valorizadas
no período clássico – balada, vilancete, rondel, rondó,
triolé, terceto, décima, oitava, sextina, canto real, vilanela
–, optando por formatos contingentes, criados pelo ar-
bítrio subjetivo de cada poeta. [...]. (SOUZA, 1999, p. 14).

Embora o movimento romântico tenha incidido enfaticamente sobre as formas


fixas do gênero lírico, não se pode dizer, no entanto, que elas tenham deixado de existir.
O soneto, amplamente praticado em períodos posteriores, é prova cabal de que as
formas fixas não foram abolidas da literatura. Contudo, devemos compreender que
esse foi um momento de forte desapego da normatividade formal que vigorava até
então como critério de valorização do objeto artístico, redirecionando a ênfase do fazer
literário sobre a criatividade, em detrimento dos meios e do modo.
Destaca-se também que, a partir do século XIX, sob a influência do pensamento
evolucionista de Charles Darwin (1809-1882), surgem estudos que relacionam a
19
evolução dos gêneros literários às mudanças históricas. Essa é a perspectiva assumida
por Ferdinand Brunetière em sua tese sobre A evolução dos gêneros na história da
literatura, de 1889, a qual se baseia no silogismo de que:
[...] do mesmo modo que uma espécie animal surge, se
desenvolve e desaparece, vencida por outras espécies
melhor adaptadas ao meio ambiente, também os gê-
neros cumpririam o mesmo ciclo. Segundo esse pensa-
mento, a tragédia clássica, por exemplo, teria desapare-
cido na concorrência com o drama romântico, ‘espécie’
mais apta a sobreviver no ‘meio’ moderno, da mesma
maneira que o romance, para citar outro caso, seria o
sucessor da epopeia. (SOUZA, 1999, p. 14).

Dessa formulação resulta uma das principais linhas interpretativas dos gêneros,
dado que ela se baseia na acomodação das formas às funções que a sociedade a
elas atribui, de modo que em determinadas condições sociais e históricas predominam
gêneros que correspondem às necessidades manifestadas por dada sociedade. Assim,
a análise e a classificação dos gêneros hoje são mais marcadas pela averiguação de
suas marcas predominantes em dado período, com a observação de certas constantes
de forma e conteúdo, do que pelos critérios de normatividade, pureza e hierarquia.
Partindo da interpenetração entre sujeito, sociedade, tempo histórico e discurso e
corroborando para a instituição de conceitos de análise modernos para apreciação dos
gêneros, em Estética da criação verbal (2011), Mikhail Bakhtin estabelece como princípio
de distinção dos gêneros a partir de “atos de linguagem” que configuram os diferentes
tipos de discursos no âmbito da sociabilidade humana:
[...] As mudanças históricas dos estilos de linguagem
estão indissoluvelmente ligadas às mudanças dos gê-
neros do discurso. A linguagem literária é um sistema
dinâmico e complexo de estilos de linguagem; o peso
específico desses estilos e sua inter-relação no sistema
da linguagem literária estão em mudança permanente.
A linguagem da literatura, cuja composição é integrada
pelos estilos da linguagem não literária, é um sistema
ainda mais complexo e organizado em outras bases.
para entender a complexa dinâmica histórica desses sis-
temas, para passar da descrição simples (e superficial na
maioria dos casos) dos estilos que estão presentes e se
alternando para a explicação histórica dessas mudanças
faz-se necessário uma elaboração especial da história
dos gêneros discursivos (tanto primários quanto secun-
dários), que refletem de modo mais imediato, preciso e
flexível as mudanças que transcorrem na vida social. Os
enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos,
são correias de Transmissão entre a história da socieda-
de e a história da linguagem. nenhum fenômeno novo
(fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da
língua sem ter percorrido um complexo e longo cami-
nho de experimentação e elaboração dos gêneros e es-
tilos. (BAKHTIN, 2011, p. 267-268).
20
Na perspectiva bakhtiniana, a linguagem literária, que caracteriza os diferentes
estilos no âmbito dos gêneros literários, se baseia em uma formulação mais complexa
e, portanto, de segunda instância em relação a outros gêneros discursivos de uso
cotidiano, uma vez que trata-se de uma reelaboração de estilos de linguagem não
literários (BAKHTIN, 2011, p. 263-264). Dessa forma, há que se considerar, no processo de
apreensão das formas literárias, a profunda interpenetração entre sujeito, sociedade,
tempo histórico e discurso, sendo que no universo discursivo, os “gêneros primários”
(utilizados na comunicação da vida real) estarão reformulados nos “gêneros
secundários” (mais complexos), que derivam de uma organização mais criteriosa dos
usos e sentidos linguísticos.
O que permanece como primado da teoria clássica é que os gêneros literários são
conceitos que se referem às formas de arte que se manifestam pela expressão linguística,
e se configuram a partir de uma unidade formal que é responsável por tornar uma obra
um objeto estético.

1.4 CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO

1.4.1 O critério rítmico

A identificação e a caracterização dos gêneros literários podem ser feitas a partir


de dois critérios convencionais. O primeiro é baseado no aspecto rítmico e culmina em
uma divisão mais genérica entre dois gêneros: a prosa e a poesia, sendo o ritmo da
prosa identificado por contraposição ao da poesia, que, construída a partir de versos,
métrica e rimas, ganha uma feição melódica que a prosa, embora possa também
alcançar, não mantém com a mesma intensidade e concentração.
Mas o que é ritmo? De acordo com Roberto Acízelo de Souza: “Entende-se por
ritmo a repetição de certos elementos a intervalos mais ou menos regulares.” (SOUZA,
1999, p. 16).
Por sua vez, Octavio Paz (1984) faz uma distinção bastante didática que nos permite
perceber porque o critério rítmico é mais focado no verso do que na prosa. Em primeiro
lugar, segundo ele, o verso corresponde a um impulso primitivo da expressão humana,
uma vez que ele está associado a canções, mitos e outras expressões poéticas que se
relacionam ao imaginário humano; ao passo que a prosa se origina de um processo
reflexivo, correspondendo a uma espécie de evolução do pensamento e da vida em
sociedade. Em segundo, porque “o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal,
mas só no poema se manifesta plenamente” (PAZ, 1984, p. 82). Assim sintetiza ele a
distinção entre prosa e verso / poesia:
A linguagem, por inclinação natural, tende a ser ritmo.
Como se obedecessem a uma misteriosa lei de gravi-
dade, as palavras retornam espontaneamente à poesia.
No fundo de toda prosa circula, mais ou menos rarefeita
pelas exigências do discurso, a invisível corrente rítmica.
E o pensamento, na medida em que é linguagem, sofre
o mesmo fascínio. Deixar o pensamento em liberdade,
divagar, é regressar ao ritmo; as razões se transformam
em correspondências, os silogismos em analogias e
a marcha intelectual em fluir de imagens. O prosador,
21
porém, busca a coerência e a claridade conceptual. Por
isso, resiste à corrente rítmica que fatalmente tende a se
manifestar em imagens e não em conceitos. (PAZ, 1984,
p. 82-83).

Em vista disso, podemos afirmar que esse critério se pauta na identificação de


recursos sonoros que conferem à poesia um estatuto especial enquanto expressão
artística mediada pela palavra. É assim que ao lermos ou ouvirmos a recitação dos
“Versos íntimos” de Augusto dos Anjos (1884-1914), podemos identificá-lo como poesia,
ainda que o título do poema não fizesse qualquer referência a versos, pois o seu ritmo,
construído com recursos expressivos métricos e rimados, conferem uma organização
especial entre as palavras que culminam em um processo de construção de um efeito
sonoro mediante a concentração e a intensidade alcançada pelas combinações do
poeta.

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Quanto à forma, observa-se com clareza um ritmo marcado pela repetição


de sons que causam assonância (repetição de vogais) e aliteração (repetição de
consoantes). A forma fixa composta a partir de dois quartetos e dois tercetos evidenciam
a configuração de um soneto.
No plano do conteúdo, percebe-se a perspectiva de alguém (eu lírico / eu
poético / sujeito poético) que expressa uma visão negativa das relações sociais pela
contraposição que tece em relação à expressão da afetividade (elementos positivos)
e sua devolutiva (elementos negativos), ou ainda, da ambiguidade que caracteriza as
atitudes alheias (“A mão que afaga é a mesma que apedreja”). O conteúdo remete
a uma subjetividade que expressa seu sentimento por meio de linguagem figurada –
caracterizada pelo emprego da conotação. Ao construir associações inesperadas que
projetam figuras na mente do leitor ou ouvinte, esse efeito culmina em estranhamento
(Somente a Ingratidão – esta pantera –). Assim, a voz que emerge é responsável por
toda uma organização do conteúdo que constrói a forma da poesia e o modo como a
sentimos.
Conforme Soares, esse critério se explica porque:
22
na Antiguidade, enquanto a epopeia se destinava a can-
tar o coletivo, a unidade da polis, outro tipo de compo-
sição, naquela época acompanhada pela flauta ou pela
lira, surgia voltada para a expressão de sentimentos
mais individualizados, como as cantigas de ninar, os la-
mentos pela morte de alguém, os cantares de amor...
Eram os cantos líricos que (mesmo quando ligados a as-
pectos da vida comunitária: o "lirismo coral"), já em suas
origens, vinham marcados pela emoção, pela musica-
lidade e pela eliminação do distanciamento entre o eu
poético e o objeto cantado. Ao passar da forma somente
cantada para a escrita, nesta se conservariam recursos
que aproximariam música e palavra: as repetições de
estrofes, de ritmos, de versos (refrão), de palavras, de sí-
labas, de fonemas, responsáveis não só pela criação das
rimas, mas de todas as imagens que põem em tensão o
som e o sentido das palavras. (SOARES, 2007, p. 24).

Em contrapartida, a prosa se constrói por um processo linguístico menos marcado


pelo efeito sonoro, embora este também possa ocorrer nela, como é característico, por
exemplo, da prosa poética. Em geral, como critério de distinção do ritmo, a concentração
e o efeito sonoro se diluem na prosa em função da transposição dos limites expressivos
(concisão) que caracterizam a poesia. A organização da prosa obedece a uma outra
configuração estrutural e linguística, conforme podemos observar no trecho:
[...] sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D.
Severina. nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A
educação que tivera não lhe permitia encará-los logo
abertamente, parece até que a princípio afastava os
olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles
não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo,
mirando e amando. No fim de três semanas eram eles,
moralmente falando, a suas tendas de repouso. Aguen-
tava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da so-
lidão e do silêncio, toda grosseria do patrão, pela única
paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.
(ASSIS, 2019, p. 195).

O conto “Uns braços”, de Machado de Assis, foi escrito em 1895 e narra o despertar
da paixão de Inácio, um menino de 15 anos, por D. Severina, uma senhora mais velha
e casada. A paixão do menino por D. Severina desperta nela um outro olhar sobre si
mesma, mediante a comparação que surge entre o desinteresse manifestado pelo
marido e o sentimento demonstrado pelo jovem Inácio. A questão do adultério surge
como uma ideia oposta à idealização feminina, aos valores e à moralidade burguesa
da sociedade carioca do fim do século XIX.
Quanto ao ritmo, embora haja certas combinações que se harmonizam
sonoramente, não se pode identificar, como na poesia, os intervalos nos quais esses
sons se processam, de modo que, “o ritmo existente não é especialmente relevante,
limitando-se praticamente a conservar o ritmo espontâneo que a linguagem verbal
possui mesmo em seus empregos fora da literatura.”. (SOUZA, 1999, p. 41).
23
Observa-se a condução da narrativa por uma voz que não expressa, como ocorre
na poesia, seus sentimentos de maneira direta. O narrador, como é chamada a voz
que constrói a perspectiva pela qual se configura a narração na prosa, se posiciona de
maneira diversa do eu poético, uma vez que, sua intenção é contar fatos, acontecimentos
ou situações que permitam a construção de um enredo, por isso, ele tende a proceder
de maneira mais clara e objetiva do que o poeta na construção de figurações.

Figura 2 : Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério rítmico


Fonte: (SOUZA 1999, p. 58).

Portanto, em suma, a partir do critério rítmico, os principais elementos que devem


ser levados em consideração no discernimento entre prosa e poesia referem-se a um
conjunto de caracteres que imprimem suas marcas sobre a forma poética e a forma
prosaica e podem ser sintetizadas em termos de perspectiva e linguagem.
Assim, na poesia identificam-se: presença da expressão da subjetividade (eu lírico /
eu poético / sujeito poético), isto é, perspectiva construída internamente (intrassubjetiva),
e predominância da linguagem conotativa que culmina na construção de figurações
variadas; a prosa, por sua vez, configura-se pela presença de um narrador (que pode
ser personagem, observador ou onisciente, como veremos com maior detalhamento na
unidade 3), o que, em geral, constitui a construção de uma perspectiva que pressupõe
a relação entre sujeitos (intersubjetiva) e uma linguagem mais clara e objetivamente
organizada, alternando-se, o mais das vezes, linguagem denotativa e conotativa, sem
que se configure a predominância de uma ou de outra.
Há, entretanto, que se ter em mente que essas fronteiras nem sempre são
claramente distinguíveis, dado que “[...] certos textos em prosa possuem qualidades
rítmicas tão especiais que somos levados a concluir que a exploração do ritmo como
elemento da composição artística não é privilégio absoluto da poesia. [...].”, ao passo
que, por outro lado, “[...] certos textos de poesia apresentam qualidades prosaicas.”
(SOUZA, 1999, p. 44), o nos leva a considerar a relatividade dessas fronteiras entre os
conceitos de prosa e poesia estabelecidas pelo critério rítmico.

1.4.2 O critério histórico

O segundo critério é histórico ou relativo ao modo como se apresenta o gênero.


Esse critério pressupõe a configuração de diferentes formas de organização da
produção literária e, ainda, leva em consideração as suas funções sociais, oferecendo
uma classificação em três gêneros: o lírico, o narrativo e o dramático
24
Quando o texto literário não dispõe de história, temos o
gênero lírico; quando dispõe, o gênero poderá ser o nar-
rativo ou dramático. Se a história apresentada ao leitor
através da mediação de um narrador, temos o gênero
narrativo; se é apresentada sem esta mediação, ou seja,
diretamente nos diálogos desenvolvidos pelos persona-
gens temos o gênero dramático. (SOUZA, 1999, p. 49).

Essa classificação admite uma subclassificação que será mais detalhada nas
próximas unidades. Por hora, podemos apenas predefinir que ao domínio do lírico
pertencem a elegia, a écloga, a sátira, a ode; o epitalâmio, o soneto e o haicai, por
exemplo; a epopeia, o romance, a novela, o conto e a fábula pertencem ao domínio
narrativo; e a tragédia, a comédia, a tragicomédia, o auto e a farsa, ao domínio do
dramático.
Em linhas gerais, os aspectos mais relevantes a se considerar na conceituação
desses gêneros pelo critério histórico são: o gênero lírico caracteriza-se por um ponto
de vista subjetivo e uma linguagem marcada pela conotação e pela emotividade. O
gênero narrativo (ou épico) apresenta um narrador que conta uma história situada
em um tempo e um espaço. E o gênero dramático consiste em uma forma híbrida, pois
pode ser, além de escrito ou recitado, também encenado, sendo predominantemente
marcado pelo diálogo entre as personagens ou pelo monólogo (quando apresenta
apenas uma personagem).

Figura 3 : Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério histórico


Fonte: (SOUZA, 1999, p. 58)

Esse critério se fundamenta na recuperação do pensamento aristotélico e tem


como pressuposto que as formas literárias se consagram de acordo com a função
que desempenham em determinados contextos, compreendendo o surgimento de
subgêneros derivados das três principais formas literárias clássicas (lírico, narrativo (ou
épico) e dramático), conforme se pode observar no terceiro quadro sinótico:
25

Figura 4: Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério histórico


Fonte: (SOUZA, 1999, p. 59)

Desse ponto de vista, pressupõe-se uma variação valorativa dos subgêneros que
se classificam no interior dessa tríade de acordo com os valores e as necessidades
expressivas de cada sociedade. É assim que se interpreta, por exemplo, a epopeia como
forma mitológica expressiva do heroísmo de um povo, a novela de cavalaria como
expressiva da sociedade medieval e sua progressiva transformação em romance,
forma narrativa mais representativa das sociedades modernas e contemporâneas. Nas
próximas unidades, veremos como esses aspectos são apresentados na construção
das obras literárias e os conceitos que se consolidaram como marcas expressivas de
cada um desses gêneros.
26
GLOSSÁRIO
Épico – refere-se a uma técnica narrativa (epopeia) da Antiguidade que se exprimia me-
diante a narração de feitos grandiosos ligados ao passado pátrio.

Lírico – refere-se à poesia lírica, manifestação artística dotada de ritmo e voltada para a
expressão da subjetividade.

Dramático – refere-se ao drama, manifestação artística baseada na representação de diá-


logos e monólogos.

Grotesco – (do italiano grotta = caverna, gruta) palavra usada para se referir aos desenhos
que os antigos faziam nas paredes das grutas, passando a nomear a pintura que a imitava.
Na literatura, é o feio, o disforme, o extravagante, o desarmônico.
27

FIXANDO O CONTEÚDO

1. Ano: 2018 Banca: FUNDATEC Órgão: Prefeitura de Bom Jesus – RS Prova: FUNDATEC –
2018 – Prefeitura de Bom Jesus – RS – Professor – Língua Portuguesa

Assinale a alternativa que preenche, correta e respectivamente, as lacunas do seguinte


texto.

Para um maior entendimento da literatura, Aristóteles, na obra Arte Poética, definiu os


gêneros literários. Cada um deles reúne um conjunto de obras com características
análogas ou parecidas de forma e conteúdo. Tais gêneros se dividem, na classificação
aristotélica, em épico, lírico e dramático. Atualmente, entretanto, os textos literários são
classificados, quanto à forma, em prosa ou em poesia; quanto ao conteúdo, em narrativos,
líricos e dramáticos. No gênero ___________ há a presença de um _________,
responsável por contar uma história em que os personagens atuam em um determinado
espaço e tempo. Já os textos do gênero __________ têm predominância da função
poética da linguagem. Os textos classificados como ___________ são próprios para
a representação ou encenação teatral e têm __________ como base.

a) épico ou narrativo – eu lírico – lírico – dramáticos – os personagens


b) épico ou narrativo – narrador – lírico – dramáticos – o diálogo
c) narrativo – autor – lírico – dramáticos – o palco
d) épico – herói – poético – narrativos – o narrador
e) lírico – eu lírico – dramático – narrativos – as falas dos personagens

2. Ano: 2018 Banca: AOCP Órgão: Prefeitura de Feira de Santana – BA Prova: AOCP –
2018 – Prefeitura de Feira de Santana – BA – Professor – Língua Portuguesa

Os gêneros literários reúnem um conjunto de obras que apresentam características


análogas. No gênero narrativo, há a presença de um narrador, responsável por contar
uma história na qual as personagens atuam em um determinado espaço e tempo.
Pertencem a esse gênero as seguintes modalidades, EXCETO:

a) romance.
b) novela.
c) conto.
d) comédia.
e) crônica.

3. Ano: 2020 Banca: FUNDATEC Órgão: Prefeitura de Cristinápolis – SE Prova: FUNDATEC


– 2020 – Prefeitura de Cristinápolis – SE – Professor de Língua Portuguesa

Assinale a única alternativa que indica um gênero literário.


28
a) Barroco
b) Épico
c) Naturalismo.
d) Romantismo.
e) Arcadismo.

4. Ano: 2020 Banca: MS CONCURSOS Órgão: Prefeitura de Corumbiara – RO Provas: MS


CONCURSOS – 2020 – Prefeitura de Corumbiara – RO – Médico (adaptada)

Sobre gêneros literários, marque (V) verdadeiro ou (F) falso e assinale a alternativa
correta:

( ) Os gêneros literários reúnem um conjunto de obras que apresentam características


análogas de forma e conteúdo. Essa classificação pode ser feita de acordo com critérios
semânticos, sintáticos, fonológicos, formais, contextuais etc.
( ) Os gêneros literários dividem-se em três categorias básicas: épicos, líricos e
dramáticos.
( ) No gênero épico, há presença de um narrador, responsável por contar uma história,
na qual as personagens atuam em um determinado espaço e tempo. A narrativa
apresenta um episódio heroico, geralmente há presença de figuras fantasiosas.
( ) No gênero lírico, são expressos os sentimentos e as emoções do eu lírico, há
predominância de pronomes e verbos na 1ª pessoa, além da exploração da musicalidade
das palavras.
( ) O gênero dramático é próprio para a representação, ele aparece em versos ou prosa,
passíveis de encenação teatral. A voz narrativa está entregue às personagens, atores
que contam uma história por meio de diálogos ou monólogos.

A) V – V – V – V – V.
B) F – V – V – V – F.
C) V – V – V – V – F.
D) F – V – V – V – V.
E) V – F – F – F – V.

5. Ano: 2020 Banca: INSTITUTO AOCP Órgão: Prefeitura de Betim – MG Prova: INSTITUTO
AOCP – 2020 – Prefeitura de Betim – MG – Professor – Português

Considerando os diferentes tipos de gêneros que o Teatro abarca, assinale a alternativa


que NÃO corresponde a uma forma dramática.

A) Melodrama.
B) Auto.
C) Farsa.
D) Cantiga.
E) Tragicomédia.

6. (Adaptada) Ano: 2018 Banca: Instituto Excelência Órgão: Prefeitura de Taubaté – SP


Prova: Instituto Excelência – 2018 – Prefeitura de Taubaté – SP – Guarda Civil Municipal
29
Leia o texto e responda à questão.

A MÁQUINA DO MUNDO – CARLOS DRUMMOND DE


ANDRADE

E como eu palmilhasse vagamente


uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,


sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção


contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende


a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando


quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,


se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,


a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
30
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,


em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,


mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza


sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,


esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente


em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."

As mais soberbas pontes e edifícios,


o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,


os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre


ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,


dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,


suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene


sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
31
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder


a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo


de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas


presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,


e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade


que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;


como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,


desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara


sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,


enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

Referência Bibliográfica:
ANDRADE, Carlos Drummond. Claro Enigma. 13ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

A poesia de Carlos Drummond de Andrade enquadra-se no que podemos chamar


de gênero literário. Esse tipo de gênero subdivide-se em três categorias. Assinale a
alternativa CORRETA que corresponda às subdivisões do gênero literário.
32
a) Gênero Épico, Lírico e Dramático.
b) Gênero Injuntivo, Expositivo, Descritivo.
c) Gênero Épico, Injuntivo, Expositivo.
d) Gênero Lírico, Dramático e Injuntivo.
e) Gênero Dramático, Expositivo, Narrativo.

7. De acordo com SOARES (2007), o gênero lírico se configura por meio de uma
individualidade (eu lírico / eu poético / sujeito poético) que se exprime pela
combinação entre construção de sentido e efeitos sonoros. Isso porque, em sua
gênese:

“[...] na Antiguidade, enquanto a epopeia se destinava a cantar o coletivo, a unidade


da polis, outro tipo de composição, naquela época acompanhada pela ______ou
pela _______, surgia voltada para a expressão de _________ mais ________.”
(SOARES, 2007, p. 24).

Assinale a alternativa cujos elementos correspondem às lacunas do texto.

a) Cítara; trombetas, histórias; coletivas.


b) Gaita; flauta; histórias; individualizadas.
c) Flauta; lira; sentimentos; individualizados.
d) Cítara; flauta; sentimentos; coletivos.
e) Flauta; lira; sentimentos; coletivos.

8. Entre os textos críticos mais importantes para a história dos gêneros (e


consequentemente para a Teoria da literatura) está um prefácio escrito por Victor
Hugo no período do Romantismo. Assinale a alternativa correta acerca desse texto.

a) Trata-se do prefácio escrito ao livro Os miseráveis, em que Victor Hugo rompe com a
representação de temas mitológicos para tratar dos pobres.
b) Trata-se do prefácio escrito a Cromwell, que discute as misturas de estilos como
princípio da composição literária moderna.
c) Trata-se do prefácio escrito ao livro As contemplações, que trata da natureza do
objeto literário.
d) Trata-se do prefácio escrito ao livro A lenda dos séculos, em que Victor Hugo discorre
sobre a importância de adequar os gêneros literários, considerando a sua evolução
histórica.
e) Trata-se do prefácio ao livro Os orientais, em que Victor Hugo questiona o estilo
clássico herdado do Ocidente.
FORMAS LÍRICAS
34
2.1 INTRODUÇÃO

Esta unidade tem como principal objetivo traçar uma caracterização das formas
líricas de poesia a partir de sua estrutura e configurações temática e estilística, de modo
a possibilitar a identificação de um texto poético, bem como oferecer subsídios para
sua análise e interpretação.

2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1988: CARTA MAGNA BRASILEIRA

Na Antiguidade clássica, a lírica não recebe uma conceituação específica


enquanto gênero literário. Conforme Yves Stalloni (2007), em Aristóteles, embora a
poesia, como identificamos hoje as formas líricas (sobretudo a ditirâmbica), tenha sido
reconhecida por suas características, ela não passou pelo mesmo processo de reflexão
filosófica e estética, com o estabelecimento de critérios e fundamentos, como ocorreu
com os gêneros narrativo (identificado à épica) e o dramático:
De fato, os dois grandes modos literários (o dramático e
o narrativo) encontra uma expressão, indiferentemente,
na prosa e no verso. Ou, melhor, sendo a forma prosai-
ca relativamente rara na antiguidade, seria quase lícito
dizer que, para os antigos, toda forma literária é poéti-
ca, o que é ilustrado, no gênero dramático, pela poesia
trágica e, no gênero narrativo, pelo ditirambo ou pela
epopéia. A distinção genérica – se é que se pode atribuir
essa ambição à Poética – parece, portanto, transcender
o princípio de escrita para fundamentar-se em outros
princípios tipológicos, como modo de enunciação (pri-
meira ou terceira pessoa) o grau de nobreza do modelo.
(STALLONI, 2007, p. 130-131).

De acordo com Yves Stalloni, na conceituação clássica, portanto, não se considera


a poesia um gênero autônomo dotado de especificidades, uma vez que, dentro da
concepção aristotélica, a poesia é uma forma menor derivada das grandes formas
(épica e drama).
Tomamos como ponto de partida para a delimitação do estudo das formas líricas
o conceito de lirismo:
o lirismo será definido como a expressão pessoal de uma
emoção demonstrada por vias ritmadas e musicais. [...].
A relação com o canto (ou com o grito), bem como o
conteúdo confidencial, duas características dominantes
do texto lírico, acarretam o recurso a estruturas ritma-
das, encantatórias, a figuras da exaltação e da grandeza,
a um léxico rebuscado e simbólico – que constituem o
terceiro traço específico do gênero. O verso e o poema
de forma fixa (...) serão os meios favoritos do lirismo. Os
grandes sentimentos individuais (o amor infeliz, o sofri-
mento, a tristeza, a melancolia ou, com menor frequên-
cia, a alegria e o entusiasmo) serão seus temas privile-
giados. (STALLONI, 2007, p. 151).
35
Nesse sentido, o critério que erige a poesia como um gênero independente é
posterior aos preceitos aristotélicos e diz respeito à configuração de um universo de
representação pautado, fundamentalmente, na subjetividade. É este, ainda hoje, o
discernimento que impera no estudo do texto poético, mesmo após a consolidação
do modelo da lírica moderna, em que há uma tendência à dissolução do eu poético,
conforme trata a tese desenvolvida por Hugo Friedrich em Estrutura da lírica moderna
(1978).
O conceito de poesia lírica está ligado a uma forma de perceber e expressar
em que predomina uma visão particular, isto é, a subjetividade (eu lírico). Como
característica discursiva, essa forma literária se expressa por meio do discurso que
tem como temas sentimentos e ideias e se caracteriza pela musicalidade gerada pela
combinação sintática e semântica que o poeta constrói ao combinar palavras para
gerar significados.
O termo “lírico” deriva de lira, instrumento utilizado na Antiguidade clássica como
acompanhamento melódico de recitais. Por isso, a poesia guarda uma íntima relação
com a música, tendo em vista que elas se utilizam de ferramentas expressivas, melódicas
e rítmicas equivalentes e que visam ressaltar o aspecto emotivo da linguagem.
Como vimos no critério rítmico, o gênero poético (ou lírico) caracteriza-se pela
construção de um discurso com estrutura versificada, podendo ou não apresentar
métrica, rima e divisão em estrofes. Em geral, o que facilita a identificação de uma obra
lírica é a fragmentação das palavras, a predominância da conotação, a construção
de imagens e a presença de uma subjetividade que expressa a sua visão ou o seu
sentimento em relação a algo ou alguém.

FIQUE ATENTO
Dada a imprecisão terminológica que cerca o gênero lírico, cabe fazermos um adendo
quanto ao emprego de termos que muitas vezes aparecem como sinônimos ou correlatos
em textos de análise poética:

Poesia – é um gênero literário, que se distingue da prosa pela presença marcante do ele-
mento ritmo;
Poema – é toda composição literária pertencente ao gênero da poesia;
Verso – é o “...período rítmico que se agrupa em séries numa composição poética.” (Cunha,
1970, p. 156), ou, por outras palavras, é cada linha do poema. (SOUZA, 1999, p. 36).

Dentre os diferentes tipos classificáveis de poemas líricos está a elegia, que


consiste em um poema de tom melancólico, pois é tradicionalmente caracterizada por
expressar sentimentos ou estados de espírito que remetem à tristeza ou à nostalgia.
Nesse tipo de poema, o eu lírico professa os seus sentimentos mais íntimos em tom
confessional.
A écloga é um tipo de expressão lírica que canta aspectos e temas da vida
bucólica, isto é, relativos à vida no campo e ao contato com a natureza. Em geral, o
tema da écloga é de exaltação da natureza, seja do ponto de vista de sua beleza ou dos
benefícios (riquezas e alimentos) que ela rende aos homens; portanto, o seu discurso,
de maneira correspondente, é marcado por um tom de contemplação e exaltação.
A sátira guarda uma profunda relação com a crítica social a um determinado
36
sujeito, tipo ou comportamento, utilizando-se, para tanto, do recurso da ironia, que é
uma das figuras de linguagem mais complexas da literatura.
Por sua vez, a ode configura-se como um poema de exaltação que pode ter como
elemento central a pátria, os deuses, a pessoa amada ou admirada. Quando musicada,
a ode se transforma em hino.
Epitalâmio é um tipo de poema feito para situações nupciais e tem como temas
o amor, a união, a vida conjugal etc. Na Antiguidade clássica, essa forma se associava
ao culto de Himeneu, deus do matrimônio.
O soneto se configura a partir de uma forma fixa que visa mobilizar recursos
métricos para produzir sonoridade. É construído em quatorze versos (dois quartetos e
dois tercetos) e abrange temáticas das mais variadas.
Haicai é um gênero de poema curto originário do Japão, mas que ganhou grande
repercussão na configuração do gênero lírico no Ocidente por levar ao extremo a
concisão poética com apenas três versos de dezessete sílabas.
Existem ainda outros tipos de poemas que derivam das formas já apresentadas,
como os ditirambos (cantos/elegia a Baco), a barcarola (elegia/cantos entoados pelos
gondoleiros italianos que estabelecem a temática da navegação); a cantata (pequena
ópera), o canto real (elegia bastante empregada entre os parnasianos), a gloza e o
vilancete (cantigas satíricas de escárnio e maldizer), o madrigal (poesia idílica (écloga)
de amor), o noturno (poema melancólico (elegia) à noite), as parlendas (composições
destinadas ao universo infantil) e as trovas (ou quadrinhas, são poemas/cantigas
populares).
Essas são todas formas derivadas do gênero lírico que se diferenciam pelo tema
e pela combinação dos versos que as compõem, como veremos de maneira mais
aprofundada na próxima unidade. Por hora, devemos ter em mente a multiplicidade
de formas poéticas que se enquadram como líricas. Além disso, outro aspecto que é
imprescindível na conceituação do gênero lírico é que: “Não podemos mesmo esquecer
que traços líricos podem aparecer em textos épicos (como no célebre episódio da Ilha
dos Amores, de Os Lusíadas), na fala de personagens de um drama, ou mesmo em
passagens de diferentes espécies de narrativas, já se tornando comum a expressão
"romance lírico".” (SOARES, 2004, p. 29).

BUSQUE POR MAIS


' O livro A poesia é necessária (2011), organizado por André Seffrin, constitui uma
coleção de poemas da literatura brasileira selecionados por Rubem Braga
quando era colunista das revistas Manchete e Nacional e abrange desde poetas
jesuítas até modernistas. O livro está disponível na Biblioteca Pearson através do
link: https://shre.ink/TVGy. Acesso em 31 dez. 2022.

As características que, em geral, nos permitem identificar o texto lírico referem-


se ao seu modo particular de organização no que diz respeito à sua forma e ao seu
conteúdo. Como vimos na unidade introdutória à questão dos gêneros, a forma lírica é,
no mais das vezes, reconhecida pela sua disposição fragmentária, pelo ritmo criado por
uma combinação sonora de sílabas, pela brevidade (sobretudo em relação à prosa,
mas também existem poemas longos) e pela concisão de ideias representadas por
meio de figuras; quanto ao conteúdo, predomina a manifestação da subjetividade que
37
expressa pelo pensamento ou pela imaginação os sentimentos e as sensações que se
projetam em seu íntimo.
Esse último aspecto consiste em uma das razões pelas quais os teóricos da
antiguidade clássica não conceberam uma conceituação específica para a poesia,
tendo em vista que ela se desviava do princípio da mimesis (imitação da natureza),
que na concepção clássica, é um propósito fundamental da poética (entendida como
expressão artística da linguagem) para se atrelar à expressão da interioridade humana.
Em O que é poesia (1984), Fernando Paixão busca conceituar essa forma literária como
expressiva do aflorar da sensibilidade humana:
Todos nós já fomos tocados algum dia por essa emo-
ção esquisita. Na leitura de algum poeta, cantando ou
escutando as letras de música, vivemos momentos em
que as palavras adquirem uma força incomum, estra-
nha, como se das coisas banais elas revelassem o lado
escondido, poucas vezes visitado pelo nosso pensamen-
to. Quando isto acontece, sentimo-nos como se estivés-
semos em meio a uma aventura da imaginação, consu-
mindo seus prazeres e perigos.
[...] A sensação provocada pelo contato com a natureza,
uma situação cotidiana ou o convívio de alguém tem
um sabor diferente para cada um de nós e, se fôssemos
escrever sobre isso, nunca dois indivíduos usariam as
mesmas palavras. [...].
E é efetivamente essa marca pessoal e intransferível
que caracteriza a poesia. Sabendo que linguagem e re-
alidade são duas coisas bastante distintas, mas que se
interpenetram, o poeta tenta realizar na sua poesia uma
nova realidade construída de palavras, que estimulam o
vôo da imaginação e, ao mesmo tempo, permitem co-
nhecer de modo mais atento e cuidadoso a própria rea-
lidade vivida pelo homem. (PAIXÃO, 1984, p. 7-9).

Por isso, a poesia é uma expressão daquilo que sentimos em relação às coisas,
às pessoas ou aos acontecimentos. Assim, é com base no critério da subjetividade que
podemos conceituar a lírica, pois de acordo com Yves Stalloni:
[...] o poeta abandona o domínio da imitação da reali-
dade em troca daquele da introspecção individual. Essa
tendência literária que negligencia a atitude de tomar
o mundo como modelo, que ignora as expectativas do
auditório, que parece traduzir, de maneira incontrolada,
a interioridade do criador e reproduzir uma fala que ele
dirige a si mesmo, corresponde àquilo que será chama-
do de lirismo. (STALLONI, 2007, p. 135).

Portanto, temos que nas formas líricas, o poeta procede de modo a projetar
uma linguagem voltada para si mesmo, com o intuito de ressignificar o domínio da
sensibilidade humana, utilizando-se da máxima potencialidade expressiva das palavras.
É nesse sentido que Alfredo Bosi afirma que o poeta é um “doador” de sentidos.
38
De maneira ilustrativa, Fernando Paixão faz uma diferenciação acerca da forma
específica de como a poesia faz uso da linguagem:
Envolvido pela paixão, pela alegria ou pela tristeza, o po-
eta pode conceber as imagens mais alucinadas: que um
guarda-roupa voa pela janela ou que uma fogueira está
contida dentro da mão, etc. O que importa para ele não
é a veracidade ou a verdade dos fatos, importa sim que
esteja escrevendo aquilo que sente, em palavras que
transmitam a sua visão de mundo, seja ela qual for, e
mostrando seu combate com a vida.
E como a matéria-prima do poeta é em primeiro lugar
seu sentimento, ele procura arranjar as palavras no po-
ema do modo como seu sentimento exige, a fim de
transmitir toda a sua experiência. ao contrário na lin-
guagem de uso prático, onde as palavras são emprega-
das a partir do significado comum a todas as pessoas, a
característica marcante da poesia é a de recriar o signifi-
cado das palavras, colocando as num contexto diferente
do normal.
[...] Essa capacidade de revelar nova substância dentro
de palavras já gastas e surradas é que constitui a maior
riqueza da poesia [...]. (PAIXÃO, 1984, p.14-15).

Os aspectos rítmicos que geram musicalidade, por sua vez, contribuem para
condensar as sensações transmitidas pelo texto poético, atuando na construção de
uma comoção por parte do leitor:

Gastei uma hora pensando um verso


que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

1O poema “Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade (1983), constrói-se a partir


de um momento em que o poeta expressa, de maneira controversa, a sua incapacidade
expressiva. O verso “que a pena não quer escrever” figura como uma ideia acesa dentro
dele (“inquieto, vivo”) e, nesse movimento silencioso que ele capta a partir de uma
sondagem interior, a poesia figura como algo imanente e momentâneo, cuja força
vigorosa (expressa pelo verbo “inunda” no último verso) desencadeia uma sensação
transcendente.
Percebemos claramente se tratar de poesia pelos seguintes aspectos: a)
composição a partir de linhas descontínuas ou segmentárias que configuram versos;
b) presença de sílabas métricas que constroem um ritmo; c) rimas entre as linhas
(isto é, entre os versos); d) presença de aliteração (repetição de sons consonantais) e
assonância (repetição de sons vocálicos); e) repetição de versos (característica que
contribui para criar musicalidade ou efeitos sonoros, chamado no estudo do poema de
39
refrão ou estribilho).
Em suma, os elementos elencados anteriormente nos permitem identificar um
texto como lírico. Mas há também processos de versificação que promoveram, ao
longo do tempo, misturas em relação à configuração dos tipos de versos e métricas,
como o chamado verso branco e o verso livre. Ademais, surge na modernidade, como
resultado de experimentações artísticas que levaram à evolução do gênero, um tipo
limítrofe entre a poesia e a prosa: o poema em prosa.
De maneira a aprofundar nossos estudos no âmbito do gênero, vejamos, a seguir,
cada um dos elementos aqui elencados.

Conceitos e classificações para a análise poética

Partimos do pressuposto de que, sendo a poesia uma forma literária dotada de


características peculiares, é importante que conheçamos os principais conceitos e as
classificações deles derivadas para o trabalho com o texto poético. De acordo com
Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 20-40), esses conceitos são:

O verso – é um segmento ou uma frase que apresenta ritmo e/ou regularidade


quanto ao número de sílabas que o constitui. Podemos considerar dois tipos de versos,
o chamado “verso tradicional”, com estruturas regulares fixas, cuja origem, em língua
portuguesa, está associada ao Trovadorismo, tendo sido amplamente explorado, mais
tarde, pelos poetas parnasianos; e o chamado “verso livre” que, ao contrário, não segue
regularidade métrica, o que culmina em uma disposição silábica irregular sem regras
de tonicidade e rima.

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' Em 1905, Olavo Bilac e Guimaraes Passos escreveram um Tratado de versifica-
ção da literatura brasileira que até hoje é usado em estudos de poesia. O docu-
mento, de domínio público, faz parte do acervo digital da Biblioteca Brasiliana e
pode ser acessado através do link: https://shre.ink/TVjL. Acesso em: 24 jan. 2023.

A sílaba métrica – refere-se à menor unidade de pronúncia de uma palavra


(fonema): “a sílaba métrica será o fonema ou grupo de fonemas que pronunciamos
numa só expiração, quando dizemos um verso inteiro.” (SOUZA, 1999, p. 21). A contagem
de sílabas métricas nem sempre corresponde à separação silábica que aprendemos a
fazer no processo de alfabetização. Isso porque ela obedece a outros critérios, como o
da junção de sons (pronunciados de uma só vez) e o de se contar a sílaba métrica até
a última sílaba tônica (mais forte).
Esse processo é muito importante na análise de um poema, pois é por meio dele
que se pode estabelecer a classificação dos versos em monossilábicos, dissilábicos,
trissilábicos, tetrassilábicos, pentassilábicos (ou redondilha menor), hexassilábicos
(ou heroicos quebrados), heptassilábicos (ou redondilha maior), octassilábicos,
eneassilábicos, decassilábicos, hendecassilábicos, dodecassilábico-s (ou alexandrinos).

Exemplo:
40
Verso: Quando os teus olhos fecharem (do poema “Canção elegíaca”, do poeta
recifense Joaquim Cardozo)
Separação das sílabas métricas: Quan / do os / teus / o / lhos / fe / cha / rem
1 2 3 4 5 6 7

Para fazer a contagem das sílabas métricas de um verso, recorremos ao processo


de escansão. De acordo com Norma Goldstein, escandir significa dividir os versos em
sons. Os versos acima possuem sete sílabas métricas, isto é, sete sons (lembrando-se
que a última sílaba métrica só é contabilizada quando tiver acento tônico (mais forte)),
o que nos permite classificá-los como heptassilábicos ou redondilha maior.
Note-se a importância do som produzido pela união das sílabas para esse processo.
Assim, mesmo quando diante de palavras distintas, se há junção sonora entre elas,
contabilizamos apenas uma sílaba métrica, como ocorre na segunda sílaba do exemplo
citado. A única forma de descobrir o padrão métrico de um poema, portanto, é realizar
a escansão de todos os seus versos, observando-se, sempre, a última sílaba tônica
que o compõem, pois a quantificação será estabelecida até ela, desconsiderando-se
o restante do verso, como ocorre com fe/cha/rem, em que a sílaba -rem, por ser mais
fraca, não é considerada para efeito de contagem.
Fala-se em estrutura rítmica para descrever a cadência produzida pelos versos,
que pode ser constante e revelar monotonia, ou ser marcada por uma cesura, que
constitui a quebra do ritmo para dar destaque rítmico a determinadas sílabas.

A rima – aspecto que permite a identificação do ritmo dos versos: “Rima é a


coincidência de fonemas, geralmente a partir da vogal tônica e no final dos versos”
(SOUZA, 1999, p. 30). Portanto, a rima resulta da combinação de fonemas, e sua
caracterização requer uma identificação prévia das sílabas métricas, de modo a se
reconhecer na estrutura do verso os sons que se repetem.
As rimas se dividem em “consoantes” (formadas a partir das vogais tônicas:
regras/pedras; aflito/grito etc.) e em “assonantes” (ou “toantes”), em que apenas as
vogais tônicas se repetem (exemplo: reta/vela; vil/mil etc.). E podem ser consideradas
“pobres”, “ricas”, “raras”, “preciosas”, de acordo com o modo como se configuram no
poema, conforme a tabela abaixo.

RIMAS OCORRÊNCIA
Pobres entre palavras de mesma classe gramatical
(ex.: cantado/amado)
entre palavras de diferente classe gramatical
Ricas (ex.: figura/pura)

Raras entre palavras de difíceis combinações sonoras


(ex.: tisne/cisne)
Preciosas resultam de combinações artificiosas que revelam um trabalho mais depurado
(ex.: cinge-as/carolíngeas)
Quadro 1: Configuração das rimas
Fonte: Elaborado pela autora com base em SOUZA (1999, p. 31-33)
41
A classificação das rimas tem ainda um terceiro critério: a disposição em que
aparecem nos versos. Assim, ao estudar um poema, podemos atribuir uma letra a
um verso de modo a identificar a disposição das rimas. Nesse sentido, elas podem
ser: emparelhadas (AABB); alternadas (ABAB); interpoladas (ABBA); ou misturadas
(ABCBCDE).
Como exemplo, podemos observar o esquema de rimas dos primeiros versos da
famosa canção de Vinícius de Moraes, “Pela luz dos olhos teus”:

Quando a luz dos olhos meus (A)


E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar (B)
Ai, que bom que isso é, meu Deus (A)
Que frio que me dá o encontro desse olhar. (B)

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' Para ampliar seu vocabulário acerca dos termos relacionados à poesia, consul-
te o Pequeno Dicionário de Arte Poética, de Geir Campos que, além de elencar a
terminologia, exemplifica com poemas diversos conceitos relacionados ao gê-
nero. Disponível em: https://shre.ink/TVzN. Acesso em 31 dez. 2022

A aliteração e assonância – refere-se a formas específicas de repetição sonora


que configuram a aliteração e a assonância. O recurso da aliteração caracteriza-se
pela repetição marcada de consoantes; já o da assonância configura a repetição de
vogais.

Exemplo de aliteração:

Sou leso em tratagens com máquina.


Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.

Nos dois primeiros versos de “O fazedor de amanhecer”, de Manoel de Barros,


percebemos a repetição sonora da consoante t, gerando um ritmo de repetição de
batida que remete a uma máquina.

Exemplo de assonância:

Se desmorono ou se edifico,
permaneço ou me desfaço
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

A alternância de assonâncias pela repetição das vogais e e o nos versos do poema


“Motivo”, de Cecília Meireles, contribui para o ritmo de dúvida que paira na expressão do
eu lírico.

O refrão ou estribilho – “Chama-se refrão ou estribilho ao(s) verso(s) que se


42
repete(m) numa composição poética.” (SOUZA, 1999, p. 35). Considera-se aqui não a
repetição de fonemas, mas a repetição de versos inteiros que demarcam a retomada
ou reafirmação de um ritmo mais forte e que, por isso, se torna mais marcante na
construção do poema, guardando a sua relação umbilical com a música.
Exemplo:

E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
Você que faz versos
Que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher
Está sem discurso
Está sem carinho
Já não pode beber
Já não pode fumar
Cuspir já não pode
A noite esfriou
O dia não veio
O bonde não veio
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou
E agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra
Seu instante de febre
Sua gula e jejum
Sua biblioteca
Sua lavra de ouro
Seu terno de vidro
Sua incoerência
Seu ódio, e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta
Não existe porta
Quer morrer no mar
43
Mas o mar secou
Quer ir para Minas
Minas não há mais
José, e agora?
Se você gritasse
Se você gemesse
Se você tocasse
A valsa vienense
Se você dormisse
Se você cansasse
Se você morresse
Mas você não morre
Você é duro, José!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato
Sem teogonia
Sem parede nua
Para se encostar
Sem cavalo preto
Que fuja a galope
Você marcha, José!
José, para onde?

No poema de Carlos Drummond de Andrade, a retomada da interrogação dirigida


ao personagem José (marcada em negrito) é um recurso que contribui para dar ritmo
ao poema (no plano sonoro) e reiterar a sua posição inerte perante o mundo (no plano
semântico).

A estrofe – considerando uma identificação visual, isto é, a composição gráfica


do poema, estrofe é “agrupamento de versos dispostos no poema” (SOUZA, 1999, p.
36). As estrofes que compõem um poema também são elementos estruturais a serem
analisados, por isso, elas também recebem denominações, a depender do número de
versos que as compõem:
[...] Graficamente, as estrofes aparecem separadas en-
tre si por um espaço em branco, uma entrelinha maior
do que as entrelinhas que separam os versos uns dos
outros. Não há limite quanto ao número de versos que
uma estrofe pode ter, sendo no entanto mais comuns
estrofes que apresentam de dois a dez versos; por isso,
tais estrofes – e mais aquela constituída por um único
verso – recebem denominações especiais, conforme a
quantidade de versos de que se compõem. [...]”. (SOUZA,
1999, p. 37).

A análise das formas líricas implica, assim, quanto ao aspecto formal, na


identificação quantitativa das estrofes para que, a partir dela, se possa classificar o
poema.
44
Quantidade de versos Classificação
Um monóstico
Dois dístico, parelha ou pareado
Três terceto ou trístico
Quatro quadra ou quadrinha (4 versos com 7 sílabas)
quarteto ou tetrástico (4 versos com 8 a 12 sílabas)
Cinco quinteto ou pentástico
Seis sextilha, sexteto ou hexástico
Sete sétima, septilha, septena, hepteto ou heptástico
Oito oitava ou octástico
Nove oitava ou octástico
Dez décima, década ou decástico
Quadro 2: Classificação do poema conforme a quantidade de estrofes
Fonte: Elaborada pela autora com base em SOUZA (1999, p. 37-40)

O gênero lírico, no entanto, comporta também formas menos rigorosas de


versificação. Essa liberdade formal foi gradativamente sendo conquistada pelos
poetas no processo de experimentação e evolução do gênero, sendo que a marca
predominante dessa transformação é a flexibilidade formal que vai se consolidando
de maneira gradual do verso branco ao livre e, por fim, em um nível mais extremo, ao
poema em prosa.

Verso branco

O verso branco promove uma variação do comprimento dos versos ao longo de


todo o poema, de modo que a sua configuração não nos permite enquadrá-los nos
esquemas fixos representado pelos versos regulares anteriormente tratados.
A disposição do poema de versos brancos é marcada por uma maior assimetria
tipográfica, o que implica em um esquema métrico sem correspondência e, portanto,
com menor ênfase na rima, dada a variação entre os versos.

Exemplo:
[...]
Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos
Embora um dia a escura noite eterna.
Tu vive e goza a luz serena e pura.
Vai aos bosques de Arcádia: e não receies
Chegar desconhecido àquela areia.
Ali de fresco entre as sombrias murtas
Urna triste a Mireo não todo encerra.
Leva de estranho céu, sobre ela espalha
Co’a peregrina mão bárbaras flores.
E busca o sucessor, que te encaminhe
Ao teu lugar, que há muito que te espera.
45
(Trecho do canto quinto de O Uraguai, de Basílio da Gama)

Verso livre

O verso livre, por sua vez, se caracteriza pela liberdade métrica, isto é, “quando
os versos obedecem às regras métricas de verificação ou acentuação, mas não
apresentam rimas” (GOLDSTEIN, 2006, p. 49). Dessa forma, não segue, como o verso
branco, nenhum critério de combinação de rimas. A disposição do poema de versos
livres segue mais o ritmo e o fluxo de palavras propostos pelo poeta do que uma rigidez
formal, sendo essa uma forma considerada tipicamente modernista. Nesse tipo, “cada
verso pode ter tamanho diferente a sílaba acentuada não é fixa, variando conforme a
leitura que se fizer” (GOLDSTEIN, 2006, p. 49), o que gera imprevisibilidade, dando maior
liberdade ao poeta.
Exemplo:

Poema em prosa

Forma essencialmente ligada à modernidade, o poema em prosa se caracteriza


pela liberdade formal que faz com que a poesia ultrapasse os limites que a separam da
prosa, guardando, no entanto, um aspecto que ainda se conserva como essencialmente
distintivo: a brevidade.
O poema em prosa é, segundo Yves Stalloni, um “ponto crítico [de evolução] em
que a poesia vem abandonar seus traços formais distintivos para ultrapassar uma linha
de delimitação que a distingue de um gênero rival, é finalmente atingida com o poema
em prosa”. (STALLONI, 2007, p. 162).

VAMOS PENSAR?
Se a marca distintiva mais evidente da lírica é sua configuração em versos, qual outro cri-
tério de identificação podemos eleger diante de seu formato em prosa?
Exemplo:

Assim eu quereria meu último poema


Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

(“O último poema”, de Manuel Bandeira)

Em vista do exposto, conclui-se quanto à forma lírica que, existem poemas


compostos em formas regulares, e que podem ser estruturalmente analisados a partir
de critérios de simetria; e poemas compostos em formas irregulares, ou seja, que
46
utilizam parcialmente ou mesmo dispensam as convenções formais como parâmetro
de composição. Diante dessas duas grandes vertentes, enquanto estudiosos, devemos
ter em mente que:
a diferença entre os tipos de verso é somente de estrutu-
ra e não de qualidade. Há belos poemas em versos regu-
lares e belos poemas em versos livres. O modo de com-
por traduz a visão de mundo uma certa época. Muda o
modo de vida, mudam as formas artísticas. Cada poe-
ta escolhe, o ritmo que julgar adequado ao tema, que
vai tratar. O leitor deve buscar integrar o ritmo, seja ele
qual for, aos demais aspectos estruturadores do poema.
(GOLDSTEIN, 2006, p. 51).

Conforme sintetiza Antonio Candido:


poesia não se confunde necessariamente com o verso,
muito menos com o verso metrificado. Pode haver po-
esia em prosa e poesia em verso livre. Com o advento
das correntes pós-simbolistas, sabemos inclusive que a
poesia não se contém apenas nos chamados gêneros
poéticos, mas pode estar autenticamente presente na
prosa de ficção. (CANDIDO, 2006, p. 21).

Desse ponto de vista, devemos compreender que existem diretrizes para a análise
do texto lírico ou poético, mas que o gênero não se esgota em formatos estanques;
ao contrário, ele flerta com os outros gêneros como se buscasse conter algo que,
obedecendo a um impulso espontâneo e primitivo, como a lei da gravidade, promove
um retorno à poesia, já que, para retomar a conceituação de Octavio Paz: “Deixar o
pensamento em liberdade, divagar, é regressar ao ritmo”. (PAZ, 1984, p. 82-83). Portanto,
quando a prosa perde o seu caráter racional e analítico, ela se deixa retornar ao estado
poético da linguagem que reflete menos a razão do que os sentimentos e as emoções.
Daí as fronteiras da forma serem hoje mais pontes do que limites entre os gêneros.

Lírica e sociedade

Por conta dos elementos que, como vimos, fizeram da lírica uma expressão, a
priori, voltada aos sentimentalismos e à vida interior, os traços que tradicionalmente
a caracterizam como forma literária estão ligados à presença de um eu lírico (ou eu
poético) que condensa uma visão de mundo, sendo responsável por sintetizar, no tempo
poético, os seus impulsos interiores. A lírica moderna, no entanto, inclui uma visão social
mais reflexiva que abrange essencialmente a materialidade que rodeia o eu lírico e que
se processa em contraste com imaterialidade (intimismo, emoção) que vigorou como
uma de suas características primordiais. De acordo com Angélica Soares:

É comum, nessa lírica de temática não intimista, a subs-


tituição gramatical da primeira pela terceira pessoa. O
sujeito, então, mais que nunca, identifica-se na e pela
linguagem, através da dicção própria de cada poema,
de sua estruturação singular. Aí evidencia-se a tensão
47
entre o individual e o coletivo, brotando o geral da in-
dividualização, como nos lembrou Theodor Adorno, em
seu célebre “Discurso sobre lírica e sociedade”. (SOA-
RES, 2004, p. 26)

Nesse sentido, na lírica moderna, a linguagem poética busca redimensionar a


relação do eu lírico com a vida em sociedade, construindo imagens que promovem
uma ressignificação a partir da imbricação entre sujeito, sentimentalismo e processo
social, isto é, misturando o que era pura sensação, emoção ou sentimento à reflexão,
que, conforme vimos no texto de Octavio Paz (1984), constitui um atributo mais da prosa
do que da poesia.
Esse processo realizado pela lírica moderna de descentramento do intimismo
poético pode ser atribuído ao advento já mencionado de misturas dos gêneros literários,
em que prosa e poesia rompem as fronteiras estabelecidas pelos critérios clássicos e
se interpenetram como resultado de operações formais da rebeldia romântica.
Condensados os elementos que nos permitem identificar o texto de caráter poético
(clássico e moderno), passemos agora aos aspectos que constituem importantes
diretrizes quanto ao conteúdo da lírica.

Outros níveis estruturais do poema

Além dos aspectos formais já apontados, existem aspectos relacionados mais ao


conteúdo do poema que também devem ser associados à sua estrutura. Trata-se dos
níveis lexical, sintático, semântico e figurativo (ou imagético). Vejamos cada um deles.

Léxico

O estudo do nível lexical do poema se refere à análise do vocabulário. A escolha


lexical do poeta deve ser compreendida em toda sua complexidade, lembrando, ainda,
que ele possui a chamada licença poética que o possibilita empregar palavras para
criar novos sentidos para elas.
Quanto ao léxico, as formas tradicionais tendem a empregar um vocabulário
mais culto; ao passo que as formas modernas incorporaram a coloquialidade, assim
como um vocabulário próprio das sociedades técnico-científicas. Sendo assim, formas
poéticas mais identificadas às sociedades primitivas em geral, serão marcadas por
escolhas lexicais ligadas ao primitivo. Por outro lado, a poesia que reflete o meio urbano
e industrial será marcada por um vocabulário condizente com ele.
Outro aspecto a ser levado em consideração nesse nível de análise é o das
categorias gramaticais. Conforme Norma Goldstein (2006), a predominância de certas
categorias contribui para a construção de sentidos do poema (GOLDSTEIN, 2006, p.
88). Por exemplo, poemas em que há predominância de verbos de ação sugerem
dinamicidade/transformação; já os que têm predominância de verbos de estado
transmitem, em geral, uma ideia de condição; e a ausência de verbos, por outro lado,
pode indicar estaticidade, imobilidade, inércia.
Ainda no que diz respeito à escolha lexical dos verbos, o tempo e o modo verbal
também contribuem para a construção de sentido poético, uma vez que, expressam
a relação do eu lírico com os elementos apresentados no poema, como relações de
distância ou proximidade, assim como a noção de passado, presente e futuro; quanto
48
aos diferentes modos, eles indicam realidade (indicativo), possibilidade e desejo
(subjuntivo). Esses elementos do léxico quando redirecionados em função da estrutura
do poema nos permitem situar no tempo e no espaço os seres e objetos que o povoam.
Outra categoria à qual deve-se dar especial atenção é a dos substantivos. De
acordo com Goldstein (2006, p. 88), quando a escolha lexical relacionada a essa categoria
refletir elementos abstratos, pode-se dizer que há uma tendência à generalização, isto
é, a figura não remete a um ser ou objeto específico, mas ao conceito ao qual essa figura
se relaciona de um modo generalista. Quando, porém, os substantivos empregados
são concretos, ocorre o oposto e há uma tendência à particularização desse elemento.
Dessa forma, a análise do léxico na configuração da linguagem poética nos
oferece subsídios para compreender o universo ao qual ele se conecta.

Sintático

No nível sintático estuda se o modo pelo qual o poeta organiza sua seleção lexical
para construir relações de sentido. São elementos considerados na análise poética em
nível sintático: a pontuação, a caracterização de períodos (curto ou longos), os recursos
recorrentes (como combinações entre verbos do mesmo tipo do mesmo modo e tempo,
associações entre substantivos e adjetivos, presença de locuções, preposições etc.); as
construções paralelísticas, isto é, a repetição de estruturas para formar uma unidade
maior.
A repetição no encadeamento sintático do poema pode resultar em anáfora,
criando efeitos sonoros que costuram os elementos lexicais de modo a potencializar o
seu sentido.
Também no plano sintático analisa se o processo de encadeamento ou, em
francês, enjambement que consiste em uma “construção sintática especial que liga
um verso ao seguinte, para completar o seu sentido”. (GOLDSTEIN, 2006, p. 92).
É preciso dizer que o encadeamento/enjambement é um fenômeno
especificamente sintático da poesia, que cria um efeito de transbordamento de um
verso para outro. Nesse sentido:
O enjambement, ou encadeamento, é um recurso que
deve ser analisado cuidadosamente, já que surge [da]
tensão relativa a som, sintaxe e sentido. Geralmente,
seu efeito pode ser associado ao de outros recursos em-
pregados nos mesmos versos ou em versos próximos.
(GOLDSTEIN, 2006, p. 93).

Lembremos que a configuração sintática do poema não segue a configuração


sintática da prosa, pois os versos se constroem de maneira mais lacunar e fragmentária.
No entanto, quando o sentido do verso, ainda que se considere o seu caráter lacunar e
fragmentário, precisa ser preenchido para fazer sentido, essa relação de dependência
sintático-semântica é denominada enjambement ou encadeamento. Trata-se,
portanto, de um fenômeno que depende de uma análise atenta da estrutura do poema
para ser devidamente descrito e caracterizado.

Semântico
49
Toda a organização do poema visa o aspecto semântico, por isso, devemos seguir
os pressupostos de que tudo no poema se orienta para a produção de sentido, desde o
som, o ritmo, a organização das estrofes, a seleção lexical, a ordenação sintática até as
figuras que se consolidam nesse nível.
O estudo das figuras no poema se dá pela análise das combinações, de
aproximações e distanciamentos entre termos lexicais que passam pela ordenação
sintática segundo os critérios do poeta. Desse modo, podemos presumir que a linguagem
poética se configura a partir de “operações semânticas”, uma vez que, segundo Antonio
Candido:
[...] No trabalho criador, o poeta (1) usa palavras na acep-
ção corrente; (2) usa palavras dotadas de uma acepção
diversa da corrente, mas que aceita por um grupo; (3)
usa palavras dotadas de uma acepção que ele cria, e
que pode ou não tornar-se convencional. Em qualquer
dos casos, está efetuando uma operação semântica pe-
culiar – que é arranjar as palavras de maneira que o seu
significado apresente ao auditor, ou leitor, um supersig-
nificado, próprio ao conjunto do poema, e que consti-
tui o seu significado geral. as palavras ou combinações
de palavras usadas podem ser signos normais, figuras,
imagens, metáforas, alegorias, símbolos [...]. (CANDIDO,
2006, p. 103).
Chegamos ao ponto de dizer que, enquanto unidade, o poema é uma trama cujo
sentido resulta da união de sua estrutura rítmica à sua estrutura semântica. As figuras
ou imagens poéticas resultam, portanto, dessa coerência expressiva que é construída
pela poeta.

Figuratividades

O estudo das figuratividades diz respeito à análise das imagens expressas em um


poema. Conforme Octavio Paz:
A palavra imagem possui, como todos os vocábulos, di-
versas significações. Por exemplo: vulto, representação,
como quando falamos de uma imagem ou escultura de
Apolo ou da virgem. Ou figura real ou irreal que evoca-
mos ou produzimos com a imaginação. Nesse sentido,
o vocábulo possui um valor psicológico: as imagens são
produtos imaginários. Não são esses seus únicos signifi-
cados, nem os que aqui nos interessam. Convém adver-
tir, pois, que designamos com a palavra imagem toda
forma verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta
diz e que, unidas, compõem um poema. (PAZ, 1984, p.
119).

A imagem no poema é responsável por criar, no plano dos significados, a


correspondência entre os impulsos rítmicos, a condensação de ideias e o valor simbólico
do poema. Foi justamente a imagem como resultado de um processo fantasmagórico,
quimérico, que reflete uma liberdade imaginativa, que fez com que Platão, em sua
50
conceituação, limitasse a atuação do poeta, por ela não conter obrigatoriamente o
princípio da mimesis, conceito que na teoria clássica se referia à expressão do real por
meio da imitação da natureza. A poesia, ao contrário, por ser abstração preserva uma
relação com o enigma, o mistério, a sensação da descoberta ou a conexão psíquica do
homem com o mundo (BOSI, 2004, p. 29).
A figuratividade poética resulta, assim, de um jogo linguístico capaz de criar
relações de analogias e oposições simbólicas que traduzem sentidos a partir da
projeção de “imagens apropriadas” (CANDIDO, 2006, p. 108). Nesse sentido, a analogia
(associação entre palavras) “está na base da linguagem poética, pela sua função de
vincular os opostos, as coisas diferentes, e refazer o mundo pela imagem [...]”. (CANDIDO,
2006, p. 108).
De acordo com Norma Goldstein (2006), entre os tipos mais comuns de processos
figurativos temos:
Comparação – aproximação entre termos por meio do emprego de locução
conjuntiva (como, tal, qual etc.);
Metáfora – a construção da metáfora resulta de “uma comparação abreviada”
(GOLDSTEIN, 2006, p. 94) que culmina em uma síntese poética.
Alegoria – refere-se ao encadeamento de metáforas de maneira recursiva, que
contribuem para se criar uma simbologia maior.
Sinestesia – refere-se a um recurso linguístico que constrói impressões sensoriais,
isto é, ligadas aos cinco sentidos: visuais, táteis, auditivas, olfativas e/ou palatais.
Metonímia – substituição de um termo por outro que seja equivalente na relação
de contingência.
Sinédoque – figura que exprime a substituição de um termo que equivale à parte
pelo todo.
Antítese – figura que exprime a aproximação de contrários.

Das conceituações clássicas às modernas, a imagem poética perfaz uma íntima


relação, sobretudo, com a metáfora. De acordo com Viviana Bosi (2004):
Afirma Aristóteles quer metáfora confere nobreza a lin-
guagem porque cria enigmas (a essência do enigma é
de colocar juntos termos inconciliáveis). Só a metáfora
torna isso possível. a metáfora é palavra ornamental (a
expressão de Aristóteles é cosmos, cosmético): ordena-
da e bela – uma palavra cosmética – para nós, com a
acepção de maquiagem, para os gregos, também no
sentido de organizada artisticamente. Enfim, o filósofo
assevera que o predicado mais importante do poeta re-
side em sua capacidade de ser excelente na criação de
metáforas, e tal qualidade constitui a essência da poie-
sis. (BOSI, 2004, p. 29-30).

Na acepção moderna, por seu turno:


O processo de criação de imagens nunca engendra có-
pia passiva ou imitação da natureza em sua aparência.
trata-se, de um trabalho do espírito para construir laços,
não mais entre coisas, mas entre Campos semânticos
51
com virtuais relações. A imagem poética conserva o
frescor da revelação, imanente ao seu processo rei de
criação, no qual o poeta ativamente deu à luz um novo
sentido. O espírito inventa um sistema de afinidades,
que não constituem em absoluto um reflexo da realida-
de, mas um desenho por ele prefigurado: “quase ma-
téria por se deixar ainda ver e quase espírito por não se
deixar tocar” (Bergson), a imagem faz parte do aspecto
simbolizante da poesia, que, como já disseram a Hegel,
é o luzir ou transparecer sensível da ideia. Portanto, a
aisthesis é um dos aspectos fundamentais da lingua-
gem poética. (BOSI, 2004, p. 31).

Para exemplificar esse conceito, leiamos o poema abaixo, intitulado “Medinaceli”,


de João Cabral de Melo Neto:

Do alto de sua Montanha


numa lenta hemorragia
do esqueleto já folgado
a cidade se esvazia.

Puseram Medinaceli
bem na estrada de Castela
como no alto de um portão
se põe um leão de pedra.

qMedinaceli era o centro


(nesse elevado plantão)
do tabuleiro das guerras
entre Castela e o Islão,

entre Leão e Castela,


entre Castela e Aragão,
entre o Barão e seu rei,
entre o rei o infanção,

onde engenheiros, armados


com abençoados projetos,
lograram edificar
todo um deserto modelo.

Agora, Medinaceli
é cidade que se esvai:
mais desse por esta estrada
do que esta estrada lhe traz.

Pouca coisa ali sobrou


senão ocos monumentos,
52
senão a praça esvaída
que imita geral exemplo;

pouca coisa lhe sobrou


se não foi o poemão
que poeta daqui contou
(talvez cantou, cantochão),

que poeta daqui escreveu


com a dureza de mão
com que hoje a gente daqui
diz em silêncio seu não
No poema inserido na coletânea Morte e vida severina, o poeta constrói por meio
do encadeamento de imagens a visão do esvaziamento da antiga Medinaceli (espécie
de cidade-fortaleza espanhola que no século XII constituía fronteira com o império
árabe, servindo de portão de defesa ao reino de Castela.
A imagem que se perpetua no poema ecoa intensificando a relação entre presente
e passado e o sentido do mundo expresso pelo eu lírico cinge a cidade, resguardando-a
do completo esquecimento em uma profunda fusão expressiva em que o esvaimento
encontra a dureza da linguagem, seca e resistente como um monumento contra o
esquecimento. Dessa forma, a figuratividade poética resulta da construção da unidade
do poema.
Análise e interpretação poética
O processo analítico em literatura, seja voltado para a prosa ou para a poesia,
pressupõe parcialidade e incompletude, uma vez que, ainda que uma análise siga todos
os critérios propostos pela teoria da literatura, ela jamais será capaz de dar conta de todos
os elementos que são passíveis de análise profunda, dada a sua complexa elaboração.
Isso porque, tenhamos sempre em mente, a plurissignificação comportada pelas obras
literárias (elemento primordial da composição do texto literário), sucessivamente,
dará margem a novas perspectivas de análise e interpretação que podem tanto
complementar quanto contrapor as análises já existentes sobre um determinado texto
literário.
Dito isto, o exemplo aqui proposto de análise e interpretação do poema nada mais
é do que um exercício didático que não tem qualquer pretensão a fixar-se como um
esquema rígido, visto que em cada época, cada leitor lê e interpreta um texto poético de
acordo com as referências que configuram sua visão de mundo. Aqui, portanto, faremos
um exercício analítico utilizando os conceitos explanados anteriormente de maneira a
demonstrar orientações de análise e interpretação baseadas em referenciais teórico-
críticos.
De acordo com Antonio Candido, em O estudo analítico do poema (2006), o primeiro
passo para se iniciar a análise de um poema é a identificação daquilo que o poema
possui de concreto: “partimos do poema em sua realidade concreta porque desejamos
sobretudo adquirir uma Sé certa competência na análise, e não primariamente na
interpretação que decorre dela. [...].” (CANDIDO, 2006, p. 22). Dessa forma, a atuação da
análise se dá especificamente em torno do poema em sua integridade, isto é, a partir
dos elementos que ele apresenta, os quais são indispensáveis para a sua compreensão:
53
A análise comporta praticamente um aspecto de co-
mentário puro e simples, que é o levantamento de
dados exteriores à emoção poética, sobretudo dados
históricos e filológicos. e comporta um aspecto jamais
próximo à interpretação, que é a análise propriamente
dita, o levantamento analítico de elementos internos do
poema, sobretudo os ligados à sua construção fônica e
semântica, e que tem como resultado uma decomposi-
ção do poema em elementos, chegando ao pormenor
das últimas minúcias. (CANDIDO, 2006, p. 29).

Portanto, trata-se de vislumbrar, em uma primeira etapa, os seus elementos


estruturais para, só então, vicejarmos o plano da interpretação.
Por sua vez, interpretação não significa falar apenas sobre o que a materialidade
do poema mostra, já que o sentido advém de um processo de interiorização dessa
linguagem; também não se trata de falar de si mesmo, expressando seus sentimentos,
suas ideias ou suas sensações, uma vez que:
A interpretação parte desta etapa, começa nela, mas se
distingue por se eminentemente integradora, visando
mais a estrutura, no seu conjunto, e aos significados que
julgamos poder ligar a esta estrutura. [...].
Análise e interpretação representam os dois momentos
fundamentais do estudo do texto, isto é, os que se po-
deriam chamar respectivamente o “momento da parte”
e o “momento do todo”, completando o círculo herme-
nêutico, ou interpretativo, que consiste em entender o
todo pela parte e a parte pelo todo, a síntese pela análise
e a análise pela síntese. (CANDIDO, 2006, p. 29).

Tendo em vista a conceituação de Candido com relação à análise e interpretação


do poema, passemos ao exercício de análise poética. O poema que nos servirá de base
para tanto é “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, uma importante composição que é
representativa do romantismo brasileiro e data de 1843:

Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
54
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

O título do poema remete por si só ao estilo formal adotado: trata-se de uma


canção. Olhamos primeiramente para a sua composição concreta, isto é, a sua
disposição de versos, e percebemos que ele possui cinco estrofes, sendo as três
primeiras compostas por 4 versos, o que configura quartetos; e as duas últimas por 6
versos, configurando, portanto, sextetos.
Quanto à métrica, o procedimento adotado para classificá-la, como vimos,
é a escansão, que deve separar a sílaba métrica de acordo com a unidade sonora
produzida pelos versos e quantificá-la, contabilizando os sons até a última sílaba forte:

Min/ha/ ter/ra /tem/ pal/mei/ras, A


1 2 3 4 5 6 7
On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á; B
1 2 3 4 5 6 7
As/ a/ves/, que a/qui/ gor/jei/am, C
1 2 3 4 5 6 7
Não/ gor/jei/am/ co/mo/ lá. B
1 2 3 4 5 6 7

Nos/so/ céu/ tem /mais/ es/tre/las, D


1 2 3 4 5 6 7
Nos/sas/ vár/zeas/ têm/ mais/ flo/res, E
1 2 3 4 5 6 7
Nos/sos/ bos/ques/ têm/ mais/ vi/da, F
1 2 3 4 5 6 7
Nos/sa/ vi/da/ mais/ a/mo/res. E
1 2 3 4 5 6 7

Em/ cis/mar/, so/zi/nho, à/ noi/te, G


1 2 3 4 5 6 7
Mais/ pra/zer/ en/con/tro eu/ lá; B
1 2 3 4 5 6 7
Mi/nha/ ter/ra/ tem/ pal/mei/ras, A
1 2 3 4 5 6 7
On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B
55
1 2 3 4 5 6 7

Min/ha/ ter/ra/ tem/ pri/mo/res, E


1 2 3 4 5 6 7
Que/ tais/ não/ en/con/tro eu/ cá; B
1 2 3 4 5 6 7
Em/ cis/mar/ — so/zi/nho, à/ noi/te — G
1 2 3 4 5 6 7
Mais/ pra/zer/ en/con/tro eu/ lá; B
1 2 3 4 5 6 7
Mi/nha/ ter/ra/ tem/ pal/mei/ras, A
1 2 3 4 5 6 7
On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B
1 2 3 4 5 67
Não/ per/mi/ta/ Deus/ que eu/ mor/ra, H
1 2 3 4 5 6 7
Sem/ que eu/ vol/te/ pa/ra/ lá; B
1 2 3 4 5 6 7
Sem/ que/ des/fru/te os/ pri/mo/res E
1 2 3 4 5 6 7
Que/ não/ en/con/tro/ por/ cá; B
1 2 3 4 5 6 7
Sem/ qu'i/nda a/vis/te as/ pal/mei/ras, A
1 2 3 4 5 6 7
On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B
1 2 3 4 5 6 7

Feita a escansão, podemos concluir que se trata de um poema de versos


heptassílabos (sete sílabas), também denominados de redondilhas maiores, que cria
um ritmo regular, sendo, portanto, caracteristicamente configurado por uma forma fixa.
Quanto ao esquema de rimas, sinalizado na escansão pelas letras em caixa alta,
temos uma leve alternância, com predomínio da rima B (repetição sonora da vogal
aberta de “sabiá”, “lá”, “cá”). Há ainda presença de refrão configurada pela repetição de
“Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá” que reforça o caráter de musicalidade
do poema.
Há aliteração pela repetição de sons consonantais (m/n/t) e assonância pelo
emprego de um encadeamento sonoro de vogais abertas e fechadas “Minha terra tem
palmeiras / Onde canta o sabiá”. Do ponto de vista formal, ressalta-se a musicalidade
que os versos produzem remetendo ao título do poema (canção).
Quanto ao tema do poema, o termo que acompanha a identificação do estilo
adotado (“exílio”) se fixa como um importante referencial para a construção figurativa
dos versos. Revela-se um eu lírico distante de sua terra natal, que, de outro lugar, exalta
as cores e as formas do seu país. Trata-se de uma ode à pátria cujo sentido se reveste de
nostalgia e idealização, como podemos exemplificar pelos versos da segunda estrofe:

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
56
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

A partir dessa estrofe também se projeta a identificação do eu lírico a uma


dimensão coletiva, que é reiterada pelos pronomes possessivos que iniciam os versos
(“Nosso”, “Nossas”, “Nossos”, “Nossa”).
Um jogo comparativo se constrói pela versificação de modo a criar figuras de
analogia entre um “cá” (o exílio) e um “lá” (o Brasil). Poderíamos simplesmente ficar com
essa comparação que já é suficiente para situarmos o poema como uma exaltação da
pátria. Complementarmente, no entanto, podemos acrescentar a essa configuração
formal, se assim acharmos viável à análise, informações acerca da trajetória do autor.
Nesse sentido, poderíamos, como um adendo, adicionar a informação biográfica de
que Gonçalves Dias compôs a “Canção do exílio” quando estava cursando Direito em
Portugal. Assim, podemos fazer uma associação do sentimento expresso pelo eu lírico
com o momento vivido pelo poeta.
Do ponto de vista temático, é significativo que se faça essa oposição entre
Brasil e Portugal, sobretudo, porque apesar de termos passado por longos séculos de
colonização portuguesa, nossa pátria não é a portuguesa, e sim a brasileira que, com
sua flora, com sua fauna, com suas silhuetas próprias provoca grande nostalgia em
quem dela partiu.
O poema de Gonçalves Dias é uma das composições que mais passaram por
reapropriações na literatura brasileira, tendo sido dois dos versos acima explicitados
empregados por Joaquim Osório Duque-Estrada na composição do nosso hino nacional,
em 1914.
A “Canção do exílio” é representativa da fase inicial do romantismo brasileiro
(movimento artístico que vigorou entre as décadas de 30 e 80 do século XIX), momento
em que há uma preocupação para com a unificação de um sentimento nacional
que exprime a relação da sociedade brasileira com a paisagem, imperando um
sentimentalismo que compreende uma profunda identificação do homem com seu
meio, ainda que a grande marca dessa projeção seja a idealização desse pertencimento.
Fica perceptível na análise exposta que a interpretação de um poema, como de
qualquer obra literária, decorre da junção dos vários elementos que a caracterizam.
Nunca um elemento sozinho (apenas a forma ou apenas o conteúdo, tampouco apenas
informações sobre a conjuntura em que foi escrita) será suficiente para dar conta da
complexidade de uma obra literária, no caso, de um poema.
57
GLOSSÁRIO
Alegoria: figura construída a partir de um encadeamento de metáforas.

Aliteração: repetição da mesma consoante no interior de um ou mais versos.

Anáfora: figura de linguagem que consiste na repetição recursiva da mesma palavra, na


mesma posição, em vários versos (sempre no começo, sempre no meio ou sempre no final
do verso).

Antítese: figura de linguagem baseada na aproximação de opostos.

Assonância: repetição da mesma vogal dentro de um ou mais versos.

Cesura: pausa que decorre de uma transposição de um termo de um verso para outro.

Encadeamento: ou enjambement é um recurso que opera um “corte” no verso de modo a


se estabelecer ligação sintática e semântica com o verso seguinte.

Escansão: processo de decomposição dos versos em sílabas métricas para analisar sua
estrutura formal.

Esquema rítmico: nome dado à estrutura de rimas de um poema.

Estrofe: conjunto de versos de um poema. A identificação da quantidade de estrofes ajuda


na classificação da estrutura formal do poema.
Metáfora: figura de linguagem complexa que promove uma comparação abreviada e
simbólica.

Metonímia: figura que se baseia em um aspecto para promover uma representação global
(a parte pelo todo).

Métrica ou metrificação: sinônimo de versificação, diz respeito ao estudo da estrutura do


verso.

Rima: compreende a semelhança entre os sons e pode ser interna (quando ocorre no interior
do mesmo verso) ou externa (quando ocorre nos finais dos versos); pode ser consoante
(quando ocorre entre vogais e consoantes) ou toantes (quando ocorre apenas nas vogais
tônicas); pode ser classificada como “pobre”, “rica”, “rara” ou “preciosa”, conforme a extensão
dos sons que rimam ou a categoria gramatical das palavras combinadas; e, ainda, quanto à
disposição formal, podem ser alternadas, emparelhadas, interpoladas ou misturadas.

Sinédoque: figura de linguagem que emprega um termo pelo outro, em uma relação de
compreensão.

Sinestesia: recurso que promove associação entre diferentes impressões sensoriais, ou


seja, aos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato.

Verso: trata-se de uma linha de um poema, com ritmo específico, diferente do de uma
linha de prosa. Quando o verso segue as regras da métrica clássica, chama-se verso regular.
Quando não obedece a elas, chama-se livre.
58
FIXANDO O CONTEÚDO

1.(Adaptada) Ano: 2021 Banca: Prefeitura de Bombinhas – SC Prova: Prefeitura de


Bombinhas – SC – Prefeitura de Bombinhas – Engenheiro Agrimensor – 2021

Leia O “Soneto de Separação”, de Vinicius de Moraes, e responda as questões:


“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante


Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.”

(https://www.pensador.com/sonetosdeviniciusdemoraes/)

O “Soneto de Separação” é formado por:

a) quatro estrofes, quinze versos, três quartetos e dois tercetos.


b) quatro estrofes, quatorze versos, dois quartetos e dois tercetos.
c) três estrofes, quatorze versos, dois quartetos e sete tercetos.
d) quatro estrofes, dez versos, dois quartetos e dois tercetos.
e) três estrofes, quatorze versos, três quartetos e dois tercetos.

2. De acordo com a conceituação de Yves Stalloni:


O verso e o poema de forma fixa (...) serão os meios favoritos do lirismo. Os grandes
sentimentos individuais (o amor infeliz, o sofrimento, a tristeza, a melancolia ou, com
menor frequência, a alegria e o entusiasmo) serão seus temas privilegiados. (STALLONI,
2007, p. 151).
Nesse sentido, o gênero lírico se caracteriza, de maneira geral, pela representação
construída a partir da perspectiva:
a) da musicalidade.
b) da impessoalidade.
c) do sofrimento.
d) do pensamento.
59
e) da subjetividade.

3. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UEL –


FAUEL Prova: FAUEL – Prefeitura de Rio Azul – Psicólogo – 2021

Analise o poema a seguir, escrito por Luís de Camões, para responder às próximas
questões.

“Como podes, ó cego pecador,


estar em teus errores tão isento,
sabendo que esta vida é um momento,
se comparada com a eterna for?

Não cuides tu que o justo Julgador


deixará tuas culpas sem tormento,
nem que passando vai o tempo lento
do dia de horrendíssimo pavor.

Não gastes horas, dias, meses, anos,


em seguir de teus danos a amizade,
de que depois resultam mores danos.

E pois de teus enganos a verdade


conheces, deixa já tantos enganos,
pedindo a Deus perdão com humildade”.

Considere as opções a seguir e marque a que indica o gênero literário que melhor
corresponde ao texto selecionado.

a) Crônica urbana.
b) Poesia lírica.
c) Romance histórico.
d) Sátira política.
e) Drama moderno.

4. Ano: 2020 Banca: EDUCA Assessoria Educacional – EDUCA Prova: EDUCA –


Prefeitura de Cabedelo – Agente de Combate às Endemias – 2020

Leia o texto 1 para responder às questões de 1 a 5.


Texto 1
Se eu conversasse com Deus,
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa que o homem
Tem que morrer pra pagar?
60
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes


E outros que sofrem tanto?
Nascidos do mesmo jeito,
Criados no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

REZENDE, Marcos. Ariano Suassuna - Quem foi temperar o choro e acabou salgando o
pranto... 2016. (4 min:11s). Disponível em https://www.youtube.com (Texto transcrito a
partir de declamação feita por Ariano Suassuna).
A voz que fala no poema (eu lírico) questiona a existência de Deus. Entretanto, o leitor
desse poema – independente do credo que professe – deve lê-lo como:

a) Um documento cujo conteúdo traduz um dogma de fé.


b) Um texto literário cuja linguagem se insere no domínio artístico.
c) Um texto cujo gênero é a conversa informal.
d) Um texto jornalístico que se assemelha a uma entrevista.
e) Um texto narrativo semelhante a uma crônica.

5. De acordo com o conteúdo estudado na unidade, são todas formas derivadas do


gênero lírico que se diferenciam entre si pelos temas de que tratam, exceto:

a) Soneto.
b) Elegia.
c) Trovas.
d) Cantigas satíricas.
e) Romance lírico.

6.(Adaptada) Ano: 2021 Banca: Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural


e Assistencial Nacional - IDECAN Prova: IDECAN - IFCE - Professor de Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico - Área: Letras – Língua Portuguesa - 2021

Texto para as questões 37 a 46

Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
61
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te


Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;

Roga a Deus que teus anos encurtou,


Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Luís de Camões)
O poema de Camões se classifica como:

a) soneto, gênero lírico.


b) écloga, gênero lírico.
c) ode, gênero dramático.
d) barcarola, gênero épico.
e) elegia, gênero lírico.

7. Ano: 2022 Banca: FUNDATEC Processos Seletivos – FUNDATEC Prova: FUNDATEC –


Prefeitura – Professor de Português – 2022

Analise as assertivas abaixo e assinale V, se verdadeiras, ou F, se falsas.

( ) Uma característica comum às narrativas mais antigas é contar os feitos


extraordinários de um herói. Por meio de longos poemas narrativos, um acontecimento
histórico protagonizado por um herói ou por um povo é contado em estilo solene,
grandioso.
( ) A poesia lírica surge como uma forma de expressar sentimentos e emoções
pessoais pela voz do eu-lírico. Alguns exemplos dessa poesia são a elegia, a écloga, a
ode e o soneto.
( ) Na poesia, além do significado das palavras, a sua sonoridade é a base para a
construção de recursos poéticos, como o ritmo, a rima e o metro.
( ) A cena, num espetáculo teatral, é a unidade de ação das personagens. O mais
importante, no gênero dramático, é o texto da obra; logo, corpo do ator na cena, assim
como o cenário, o figurino e a iluminação têm pouca importância no desenrolar de
uma peça.

A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

a) V – V – V – V.
b) V – V – V – F.
c) V – F – F – F.
62
d) F – F – V – V.
e) F – V – F – V.

8. A classificação da estrutura estrófica de um poema desempenha importante


função em sua análise formal. Leia o poema abaixo e, de acordo com o conteúdo
estudado ao longo da unidade, assinale a alternativa correspondente.

[...]
Tanto os esforços em subir concentra,
Em tantas zonas de Prodígios entra.

Nas suas asas tal vigor supremo


Leva, através de todo o Azul extremo,

Que parece cem águias de atras garras


Com asas gigantescas e bizarras.

Cem águias soberanas, poderosas


Levantando as cabeças fabulosas.
[...]

(Cruz e Sousa, “Luar de lágrimas”, Faróis (1996).

O trecho do poema de Cruz e Sousa pode ser classificado quanto às suas estrofes:

a) como quartetos (quatro versos).


b) como dísticas (dois versos).
c) como oitavas (oito versos).
d) como sextetos (seis versos).
e) como quadra (quatro versos).
FORMAS NARRATIVAS LONGAS
64
3.1 INTRODUÇÃO

Esta unidade tem como principal intuito traçar uma caracterização geral das
formas narrativas a partir de suas estruturas de composição, suas temáticas e seus
estilos, de maneira a sintetizar conceitos que permitam a identificação de um texto
literário de caráter narrativo, bem como seus princípios de análise e interpretação. Em
seguida, de maneira sucinta, perpassa por conceituações acerca da epopeia e do
romance enquanto formas narrativas caracterizadas por serem longas.
De acordo com os estudos de narratologia desenvolvidos por Gérard Genette,
as narrativas possuem formas e princípios de composição comuns, que podemos
conceber como níveis globais de organização que funcionam como mecanismos
internos. A narrativa nasce da necessidade de contar. Assim, ela advém da memória e
sua transmissão se dá pela narração.

Narração

Fundamentalmente, o que caracteriza uma narrativa é a narração, isto é,


a configuração de uma história: tipo de discurso pelo qual se faz a exposição de
acontecimentos. Ou seja, a narração é o processo que torna a narrativa um objeto
apreensível pelo ouvinte ou leitor.
Para tal, faz-se necessária a presença de uma voz que é responsável por contar/
transmitir a história. Essa voz é denominada de narrador. O narrador constrói uma visão
sobre um determinado acontecimento ou uma determinada situação que culmina
na construção de um enredo (ou trama), que podemos compreender como sendo a
estrutura da narrativa desde a primeira sentença proferida pelo narrador até o seu
desfecho.
Dentro dessa estrutura geral de transmissão de uma história, temos aspectos
que caracterizam a configuração do texto narrativo. Isso porque, ao narrar, a figura do
narrador constrói uma relação entre elementos que são primordiais à existência de
uma história, tais como personagens, espaço, tempo e ação.
Observemos o texto abaixo para percebermos como esses mecanismos se
associam:
No barulho que enchia a praça ninguém notou a pro-
vocação. E Fabiano foi esconder-se por detrás das bar-
racas, para lá dos tabuleiros de doces. Estava disposto
a esbagaçar-se, mas havia nele um resto de prudência.
Ali podia irritar-se, dirigir ameaças e desaforos inimigos
invisíveis. Impelido por forças opostas, expunha-se e
acautelava-se. Sabia que aquela explosão era perigosa,
temia que o soldado amarelo surgisse de repente, viesse
plantar-lhe no pé a reiuna. O soldado amarelo, falto de
substância, ganhava fumaça na companhia dos parcei-
ros. Era bom evitá-lo. Mas a lembrança dele tornava-se
às vezes horrível. E Fabiano estava tirando uma desforra.
Estimulado pela cachaça fortalecia-se:
̶ Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que
eu sou feio? Apareça um homem.
65
Lançava o desafio numa fala atrapalhada, com o vago
receio de ser ouvido. Ninguém apareceu. [...]. (RAMOS,
2021, p. 76).

Visualmente, percebemos tratar-se de um texto narrativo na medida em que


se apresenta em linhas consecutivas, isto é, sem os espaçamentos fragmentários
característicos da poesia. No entanto, é preciso ter claro que o texto narrativo pode
apresentar-se tanto em prosa como em verso, sendo este o caso da epopeia e, aquele,
o caso do conto, da novela e do romance.
Diante do exemplo de que dispomos, podemos tomar como um ponto de partida
para uma prévia distinção entre a narrativa em prosa e em verso, esse discernimento de
que, na prosa, a narrativa se constrói a partir do encadeamento sintático consecutivo,
ao passo que, em verso, ela se aproxima sintaticamente da configuração fragmentária
da poesia.
Na sincronia dos elementos que aparecem no texto, percebemos a referência a
um espaço (a praça), um tempo (sinalizado pela conjugação verbal majoritariamente
construída no passado), ações que são atribuídas aos personagens (Fabiano, soldado
amarelo) e uma figura pela voz da qual a narrativa é organizada: o narrador, e que
constitui, assim, o ponto de vista da narração. Além disso, observa-se a transposição
da voz direta do personagem (Fabiano), sinalizada como diferente da narração pelo
emprego do travessão (̶).
Dessa forma, de acordo com Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 51-52), a narrativa
admite a narração (organização geral da história contada), a descrição (elenca
elementos que contribuem para a caracterização do espaço e dos personagens, tanto
física quanto psicológica) e a dissertação (argumentos que são reunidos pelo narrador
ou pela fala dos personagens para transmitir um ponto de vista).
Seguindo um critério diacrônico, comecemos por nos deter na conceituação da
epopeia.

A epopeia

A forma narrativa que predominou na Antiguidade Clássica e vigorou até a


constituição dos países modernos foi a epopeia: longo poema que narra, em tom solene,
os feitos heroicos de um povo a partir de figuras representativas da coletividade.
O surgimento da epopeia como forma literária se atrela às origens dos processos de
elaboração narrativa, por isso, essa forma é também denominada de gênero épico, ou
simplesmente épica, por se referir, na conceituação aristotélica, ao modo representativo
pautado na narração.
De acordo com Yves Stalloni:
a epopeia ancora-se na história de um país, do qual ela
fornece a crônica, amplamente alimentada por mitos e
lendas. Mas, no decorrer do tempo, essa representação
dos fundamentos do mundo desliza mais para o lado da
lenda, até vir a colocar-se deliberadamente no terreno
do imaginário maravilhoso. [...]. (STALLONI, 2007, p. 78).
66
A forma narrativa épica tem n’A epopeia de Gilgamesh (escrita pelos sumérios
no século XX a.C., considerada a obra literária mais antiga de que se tem ciência) e nas
obras atribuídas a Homero, Ilíada e Odisseia (escritas no século IX a.C.), um referencial
fundador que caracteriza a composição desse modelo de forma fixa. No âmbito da
língua portuguesa, as obras mais representativas de narrativa épica, considerando a
literatura portuguesa e brasileira, são: Os lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões e O
Uraguai (1769), de Basílio da Gama, respectivamente.
A narrativa épica tradicional deriva de uma forma fixa composta a partir de
versos que se distribuem em cantos que narram grandes acontecimentos históricos
em tom grandiloquente, construindo uma imagem mítica e coletiva para um povo que
se ampara em figuras heroicas e simbólicas.
As cinco características que sintetizam a estética da epopeia, de acordo com
Yves Stalloni (2007, p. 79-81), são:

– Narrador onisciente: distanciado dos fatos narrados.


– Forma poética: composição em versos (maior poder de fixação).
– Retórica codificada: utilização de figuras de estilos (por exemplo, para
engradecer certos personagens ou objetos), hipérbole, acumulação, descrição
detalhada, repetição, vocabulário elevado.
– O uno e o múltiplo: associação entre um ser de conduta elevada e uma
coletividade que deve se guiar pelas suas qualidades.
– O sentido da história: oferece uma visão da “fundação” de um povo ou uma
nação, mormente, está ligada ao surgimento de uma liderança representativa, em
sentido primitivo e belicoso, que guie seu povo e torne distinta a sua nação.

Quanto à estrutura, de acordo com SOARES (2007, p. 39-40), a epopeia se compõe


de cinco partes essenciais:

– Proposição: apresentação da temática tratada e do herói;


– Invocação: o poeta reivindica inspiração de uma divindade;
– Dedicatória: a obra é dedicada a uma personalidade importante;
– Narração: a história, o seu desenrolar, a trajetória e as aventuras vividas pelo
herói;
– Remate: desfecho da narrativa.

Em Ilíada, temos uma narrativa dividida em 24 cantos nos quais distribuem-se 15.693
versos que se concentram em eventos históricos e míticos da guerra de Troia:
Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Peli-
da,causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem
conta e de baixarem para o Hades as almas de heróis
numerosose esclarecidos, ficando eles próprios aos cães
atirados e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o
desígnio desde o princípio em que os dois, em discórdia,
ficaram cindidos, o de Atreu filho, senhor de guerreiros,
e Aquiles divino.Qual dentre os deuses eternos foi causa
de que eles brigassem?
[...]
(HOMERO, 2015A, p. 55).
67
A ação e os acontecimentos narrados incidem, sobretudo, em Aquiles, de modo
que esse personagem se converte, por esse motivo, em herói da obra. O desenrolar
dos eventos envolve a relação mítica dos homens com as divindades, dependendo
destas o destino do herói, assim como do povo, o que exprime a cosmovisão cultural da
antiguidade clássica.
A Odisseia, por sua vez, em perfeita simetria formal com a Ilíada, possui também
24 cantos, mas, um número menor de versos: 12.000, e narra os eventos da guerra de
Troia pela perspectiva de Odisseu (ou Ulisses, de acordo com algumas traduções) e,
consecutivamente, o seu retorno para casa. Finalizada a guerra narrada na Ilíada, outra
aventura épica se inicia: o retorno dos guerreiros para seus lares. Depois de dez anos
lutando em Troia, Odisseu passaria ainda mais dezessete em sua viagem de volta para
que, por fim, pudesse regressar a Ítaca:
“[...]
Sim, seu destino funesto o levou no navio escavado
para essa Troia infeliz, cujo nome dizer não consigo”
Disse-lhe, então, em resposta Odisseu, o guerreiro soler-
te: Ó venerável esposa do herói Odisseu Laercíada,
não mais se nuble teu belo semblante, nem tanto te
aflijas por teu marido, conquanto não possa censura fa-
zer-te. Toda mulher chora a perda, em verdade, do es-
poso legítimo de menor fama, de quem teve filhos em
laço afetivo. Mas Odisseu, dizem todos, um deus imortal
parecia. Cessa, porém, de chorar, e concede atenção ao
que digo. Hei de falar-te conforme a verdade, sem nada
esconder-te. Já tive, certo, notícia da volta do herói Odis-
seu, que se acha perto, na terra fecunda dos homens
Tesprotos, ainda com vida, e conduz para casa precio-
sos tesouros, que em toda parte angariou. Mas a nau
de costado escavado e os companheiros queridos, per-
deu-os no mar cor de vinho, ao se afastar da Trinácria.
Indignado contra eles se achava Zeus e Hiperiônio, por
terem deste último as vacas matado. Todos a Morte en-
contraram no meio das ondas furiosas. Ele, porém, pre-
so à quilha, jogado se viu contra a praia da região dos
Feácios, que são descendentes dos deuses. Estes o hon-
raram de jeito, qual fosse ele próprio um dos deuses, e
o cumularam com muitos presentes, dispostos, ainda,
a repatriá-lo sem dano. Há bem tempo pudera Odisseu
já ter voltado; mas no imo do peito julgou preferível por
muitas terras viajar, angariando riquezas sem conta, de
tal maneira ultrapassa Odisseu na inventiva de astúcias
os homens todos; nenhum dos mortais rivaliza com ele.
[...]
(HOMERO, 2015B, p. 318-319).

A ação e os acontecimentos narrados se concentram, sobretudo, nos atos de


Odisseu. Essa centralização, na épica, é um critério narrativo que culmina na eleição,
entre os personagens, de um herói. Assim como na Ilíada, em torno do herói se organizam
os elementos do espaço, do tempo, outros personagens etc. Todos aqueles elementos
68
que, como vimos anteriormente, constituem uma narrativa.

BUSQUE POR MAIS


A conceituação da epopeia tem sua principal fonte na obra de Aristóteles e é
essencial que você consulte-a na íntegra. A obra está disponível na Biblioteca
Pearson através do link: https://shre.ink/TxHt. Acesso em 30 dez. 2022.

O motivo épico se baseia no desenrolar dos eventos, que decorre da escolha


aventureira de Odisseu em empreender uma busca por riquezas na ocasião de seu
retorno, mas essas aventuras não são apenas conquistas materiais, de modo que
Odisseu alcança um status de personalidade heroica e desafiadora que se contrapõe à
do herói que termina a guerra se limitando ao sentimento de dever cumprido. Odisseu,
ao contrário, segue para outros desafios que também vão colocá-lo entre a vida e a
morte; e ele busca extrair dessas situações desafiadoras a sua glória e suas atitudes se
fixam como simbólicas da força, resiliência e sabedoria de seu povo em uma dimensão
narrativa que cruza, essencialmente, a experiência individual à coletiva.
Em Os lusíadas, a ação principal decorre da viagem empreendida por Vasco da
Gama às Índias. O herói Vasco da Gama é erigido pelo poeta como símbolo do indômito
espírito descobridor do povo lusitano:

CANTO I

1
As armas e o barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana.
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
69
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Dividida em 10 cantos, a narrativa de Os lusíadas possui 8.816 versos. O motivo


da navegação e a exaltação dos lusitanos são elementos claramente identificáveis no
primeiro canto da obra. Observa-se a presença mais marcante de rimas (cruzadas e
emparelhadas) e estrofes bem delimitadas em oito versos (oitavas).

FIQUE ATENTO
A narrativa épica se construía, de acordo com o modelo clássico, em versos, por isso, tam-
bém recebe a designação de “poema épico”. Na acepção antiga, a palavra “poesia” é em-
pregada na acepção hoje atribuída ao termo “literatura”. Portanto, o termo “poesia épica”
se refere a um gênero narrativo, e não lírico.

Entre as diferenças formais que marcam a épica homérica e a épica camoniana


está o tipo de verso utilizado. Isso porque na Antiguidade, a poesia épica era composta
por versos denominados hexâmetro heroico ou hexâmetro dactílico (versos de seis
sílabas métricas). Posteriormente, passou-se a utilizar como forma fixa da épica o verso
decassílabo (isto é, dez sílabas métricas). Assim, Ilíada e Odisseia são obras compostas
no metro hexâmetro heroico (ou dactílico), ao passo que Os lusíadas e O Uraguai são
compostos em decassílabos.
Por fim, para exemplificar a forma épica na literatura brasileira, um trecho de O
Uraguai, de Basílio da Gama:

O nosso último rei e o rei de Espanha


Determinaram, por cortar de um golpe,
Como sabeis, neste ângulo da terra,
As desordens de povos confinantes,
Que mais certos sinais nos dividissem
Tirando a linha de onde a estéril costa,
E o cerro de Castilhos o mar lava
Ao monte mais vizinho, e que as vertentes
Os termos do domínio assinalassem.
Vossa fica a Colônia, e ficam nossos
Sete povos, que os Bárbaros habitam
Naquela oriental vasta campina
Que o fértil Uraguai discorre e banha.
Quem podia esperar que uns índios rudes,
Sem disciplina, sem valor, sem armas,
Se atravessassem no caminho aos nossos,
70
E que lhes disputassem o terreno!
[...]
E os padres os incitam e acompanham.
Que, à sua discrição, só eles podem
Aqui mover ou sossegar a guerra.
Os índios que ficaram prisioneiros
Ainda os podeis ver neste meu campo.
Deixados os quartéis, enfim partimos
Por diversas estradas, procurando
Tomar no meio os rebelados povos.
Por muitas léguas de áspero caminho,
Por lagos, bosques, vales e montanhas,
Chegamos onde nos impede o passo
Arrebatado e caudaloso rio.
Por toda a oposta margem se descobre
De bárbaros o número infinito
Que ao longe nos insulta e nos espera.

Conforme dito anteriormente, composto em versos decassílabos (dez sílabas


métricas), a obra de Basílio da Gama não possui rimas, sendo, portanto, considerado
como de “versos brancos” e narra, em cinco cantos e 1.377 versos, a guerra promovida
por portugueses e espanhóis contra jesuítas e índios, a partir de eventos históricos e
míticos que datam do século XVIII (que ficaram conhecidos como “Missão dos Sete
Povos do Uraguai”), na conjuntura do Tratado de Madri, que dispunha sobre a divisão
territorial do chamado “Novo Mundo” (América Latina) por Portugal e Espanha. O poema
trata dos conflitos que envolveram o cumprimento desse acordo diante da resistência
dos habitantes da região dos Sete Povos (situada no atual estado do Rio Grande do
Sul) em passarem ao domínio português. Continuando uma longa tradição, Basílio da
Gama mantém um estilo grandiloquente característico da épica (SOARES, 2004, p. 40).
Assim, o poeta árcade transpõe o gênero clássico ao contexto cultural brasileiro (em
formação), antecipando certos critérios de composição que seriam reapropriados pela
estética romântica na construção de uma representação nacional.
De acordo com SOARES (2004), no entanto, o modelo épico de narração:
segundo Lukács, corresponde a um tempo anterior ao
da consciência individual e, portanto, voltado para o
destino de uma coletividade, não se manteve em nossa
época, que se caracteriza sobretudo pelo individualismo
e pelo investimento nos domínios do inconsciente hu-
mano. O sentido do épico, no entanto, se manifesta toda
vez que se tem a intenção de abarcar a multiplicidade
dinâmica da realidade em uma só obra, criando-se uma
unidade. (SOARES, 2004, p. 42)

Dessa forma, não existem mais obras puramente épicas, como os exemplos
citados, mas pode ocorrer a incorporação de elementos épicos por parte de obras
modernas e contemporâneas, seguindo a tendência vigorante desde o Romantismo de
mistura de estilos.
71
A seguir, veremos outra forma narrativa em prosa: o romance.

O romance

O romance é a forma narrativa que mais reflete o homem e a sociedade moderna


porque incorpora, em sua forma, elementos que na épica eram associados, mas que
se tornaram inconciliáveis na transição para os valores modernos, e que se manifestam
em duas dimensões distintas: a individual e a coletiva. Por isso, de certa forma, embora
também seja uma narrativa, o romance é uma forma que segue princípios muito
diversos da epopeia.
De acordo com Stalloni (2007), embora existam narrativas na Antiguidade que se
aproximam do nosso romance, a exemplo de Satíricon, de Petrônio, conceitualmente,
o romance surge como uma expressão de um “falar” vulgar e, portanto, assume um
sentido específico de registro de uma língua inferior:
[...] O “romance” é inicialmente um modo de expressão,
um “falar” (encontrado nas chamadas “línguas români-
cas”), antes de ser um tipo de obra. E esse modo de ex-
pressão é de um registro inferior, popular, como a obra
que ele designa. [...]. (STALLONI, 2007, p. 92).

Nesse sentido, se a epopeia é uma forma de narração baseada na grandiloquência


para narrar aqueles que são considerados como os grandes momentos da história de
um povo, o romance se converte em expressão do cotidiano, buscando construir-se
a partir da verossimilhança linguística e também das situações vividas pelos homens
comuns em um contexto que já é também muito diverso do clássico: o “mundo burguês”.
Por “mundo burguês” compreende-se o sistema de valores que surge a partir
do fim da Idade Média, com a formação de “burgos”, pequenas vilas e cidades
movimentadas pelo crescimento comercial e urbano do continente europeu em uma
conjuntura que é responsável por modificar as relações sociais pelo surgimento do
conceito de individualismo. Dessa forma, de acordo com Soares (2007):
O romance vem a ser a forma narrativa que, embora
sem nenhuma relação genética com a epopeia (como
nos demonstram as teses mais avançadas), a ela equi-
vale nos tempos modernos. E, ao contrário da epopeia,
como forma representativa do mundo burguês, volta-se
para o homem como indivíduo. (SOARES, 2007, p. 42).

Muitas são as teses que buscam conceituar o nascimento do romance tal como
o compreendemos hoje. Ian Watt (2010), por exemplo, vai dizer que o romance nasce na
Inglaterra no século XVIII com Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henry Fielding; por sua
vez, Mikhail Bakhtin (2010) afirma que o gênero passou por um longo amadurecimento
para se constituir como expressão linguística de uma realidade concreta, de modo que a
própria construção da linguagem do romance expressa uma cosmovisão. Esse modelo
de narrativa, assim concebido, nasce nos séculos XVI e XVII com François Rabelais,
escritor francês, e Miguel de Cervantes, escritor espanhol.
A divergência entre esses autores se explica, de uma maneira geral, pelos critérios
por eles adotados. Ian Watt vai considerar a representação do individualismo como
72
a pedra de toque do romance, ao passo que Mikhail Bakhtin erige sua tese levando
em consideração a representação do popular por meio de uma linguagem que
constrói a especificidade do discurso romanesco. Pela abrangência que representa, a
conceituação deste autor tem sido mais amplamente adotada nos estudos literários
do gênero, ainda que a leitura de Watt levante argumentos significativos quanto às
obras eleitas para conceituar o nascimento do gênero.
De acordo com Yves Stalloni (2007), cinco pontos são responsáveis pela
caracterização da estética do romance:
– Escrita em prosa: embora a literatura moderna tenha abolido as fronteiras entre
prosa e poesia, o discurso romanesco se constrói predominantemente por meio da
prosa.
– O lugar da ficção: o romance se associa ao princípio da ficção em que há uma
relativização da verdade a partir de uma mistura entre “real” e “inventado”.
– A ilusão da realidade: um dos princípios mais caros ao romance é a
verossimilhança, pela qual ele se propõe a “reproduzir o mundo real e acontecimentos
plausíveis.” (STALLONI, 2007, p. 98). Daí o realismo ser defendido por alguns teóricos,
como Georg Lukács, por exemplo, como mais que um princípio estético, um princípio
estrutural do gênero.
– A introdução de personagens: ainda que as tendências modernas e
contemporâneas promovam a dissolução de certas categorias estruturais do romance,
falando-se, por vezes, na “morte da personagem”, ainda assim, elas constituem uma
dimensão estrutural imprescindível para a configuração do romance, uma vez que,
sem personagem não há ações e acontecimentos, sem ações e acontecimentos não
enredo e sem enredo, por sua vez, não há história.
– A descrição: o discurso romanesco evoca o meio como parte importante da
caracterização e da representação moral, social e psicológica das personagens. Sendo
assim, opera-se, em decorrência dessa necessidade representativa, a recorrência a
técnicas descritivas que se projetam por meio da narração. De acordo com Yves Stalloni:
Originalmente, a descrição está ausente do gênero nar-
rativo, que consiste essencialmente em contar aconteci-
mentos. Hoje, ainda, muitos concordam em reconhecer
à descrição apenas um lugar secundário. Entretanto ela
impôs-se progressivamente como meio para autenti-
car a narrativa (pela introdução do “efeito de real”), para
embelezar (pela utilização expressiva dos elementos
exteriores). a tradição realista do século XIX vai impor o
procedimento descritivo como uma maneira de preen-
cher o melhor possível a missão mimética da arte [...].
(STALLONI, 2007, p. 99).

A partir dessa estruturação recorrente na estética romanesca, o autor busca


conceituar o romance como “um gênero incômodo” (STALLONI, 2007, p. 102), dado que se
apresenta a partir de uma plasticidade inconcebível nos chamados gêneros clássicos,
sendo considerado como a forma que rompeu definitivamente com a hierarquia
clássica.
A inexistência de uma fórmula invariável de composição que pudesse perfazer
uma caracterização do caráter dessa forma literária ou o seu modo sistemático de
73
criação dá lugar a tentativas de definições que mostram que o romance não é um gênero
isolado, mas um gênero que se faz em relação aventureira com outros gêneros.
Assim, não se pode dizer que a linguagem do romance é, como na epopeia, elaborada
pelo critério da grandiloquência, dado que muitas são as formas e os estilos que podem
aparecer misturados no discurso romanesco, cabendo uma análise que vise perscrutar
como cada romance se constrói formalmente e de maneira específica.
Assim, os critérios gerais que, segundo o autor, podem ser levados em consideração
na estrutura essencialmente variável do romance são:
– O contexto da intriga: recorte temporal (histórico) e espacial (geográfico);
– A ação: natureza e tom dos acontecimentos, assim como a condição social das
personagens, levando-se em conta que elas podem interferir no sentido como estas
agem (lembremo-nos, por exemplo, dos romances de Dostoiévski);
– A técnica narrativa: princípios utilizados na composição da obra, pontos de
vistas abordados, modo de estruturação da narrativa etc.

Na conceituação do romance, privilegia-se um princípio que não deve ser jamais


ignorado: há uma variabilidade considerável, e que a modernidade tende a acentuar
nos domínios da experimentação, que converge para a existência de subgêneros do
romance. Essa subclassificação pode ser feita de acordo com o tema que o romance
aborda: romance fantástico, romance policial, romance de aventuras, romance pastoral,
romance regionalista, romance histórico, romance urbano etc.
Yves Stalloni elenca os principais subgêneros do romance:

– Romance heroico: espécie de epopeia em prosa.


– Romance cômico: baseia-se na mistura de realismo e burla, romance e paródia.
– Romance picaresco: narra aventuras vividas por um jovem pobre que busca
escapar de sua condição por seus meios.
– Romance epistolográfico: baseia-se na sucessão de cartas que, reunidas,
constituem o enredo.
– Romance de formação: baseia-se na experiência de um personagem jovem
que passa por profundas transformações internas.
– Romance histórico: baseia-se no passado para reconstruir figuras históricas
visando projetar uma visão nova sobre determinado(s) acontecimento(s).
– Romance autobiográfico: caracteriza-se pela narração homodiegética que se
constrói pela rememoração de acontecimentos que marcaram a vida da personagem.
– Nouveau roman: modelo narrativo que surgiu por volta da segunda metade do
século XX, na França, e busca exprimir o universo ficcional sem recorrer aos processos
psicológicos das personagens, de modo a projetá-las em sua materialidade física e
humana.

De uma maneira geral, o autor fixa a forma romanesca no âmbito da instabilidade:


o romance – que além do mais é vítima de um sucesso
comercial e literário que o torna tão suspeito quanto fas-
cinante – apresenta assim esse paradoxo, que consiste
em ser unanimemente reconhecido como um gênero,
no sentido forte da palavra, e em resistir aos esforços te-
óricos que tendem a formalizar sua expressão e nela dis-
cernir constantes estáveis. (STALLONI, 2007, p. 109).
74
Feita essa observação quanto aos desafios da conceituação formal do romance,
passemos às características ou categorias que podem ser compreendidas como
comuns ao gênero romanesco a partir de um plano de elaboração.

FIQUE ATENTO
As origens do romance no Brasil, conforme a conceituação de Antonio Candido, em For-
mação da literatura brasileira, perfazem o movimento romântico (século XIX) e se desen-
volveram como um importante instrumento de expressão da identidade nacional. O Mo-
dernismo, porém, é visto como o ponto mais alto da produção romanesca brasileira, tanto
pela importância que essa forma literária assume, sobretudo na segunda fase, quanto pelo
tratamento dado a ela pelos romancistas da primeira metade do século XX.

Pode-se dizer que, em parte, a dificuldade conceitual relacionada à origem


do romance anteriormente mencionada se processa pela própria estruturação da
narrativa romanesca que, por contar uma história, não destoa, quanto a esse aspecto
estrutural, de outras formas narrativas antigas, possuindo um enredo, personagens,
espaço, tempo e ponto de vista. Como condição para adentrarmos o âmbito da análise
e interpretação de um romance, vejamos como se configura cada um desses elementos
de acordo com Angélica Soares (2007).

Análise e interpretação do romance

A análise e a interpretação do romance – assim como no caso do poema – se


fazem a partir de seus elementos concretos, considerando-se a forma como aparecem
sistematizados. Para tanto, consideram-se os elementos que , em geral, são mais
estáveis na configuração de uma narrativa, ou seja, o enredo, as personagens, o espaço,
o tempo e o ponto de vista que a caracterizam.

Enredo
Também denominado de trama ou intriga, o enredo resulta da ação dos
personagens, a partir de uma ordenação especial feita pelo discurso narrativo. Os
formalistas russos conceituaram o enredo a partir de dois critérios: os acontecimentos
(fábula) e o modo especial como são ordenados no texto narrativo (trama/enredo). Em
distinções equivalentes, o estruturalista Tzvetan Todorov denomina a fábula de história
e a trama/enredo de discurso; outro estruturalista, Maurice-Jean Lefebvre, por sua vez,
conceitua essa distinção através dos denominadores: narração e diegese.
Essas distinções servem, no plano analítico, para diferenciar certas estruturas
que compõem a narrativa, não devendo ser tomadas como categóricas. Tampouco
devemos concebê-las, em termos dualísticos, como relativas, respectivamente,
“realidade” e “ficção”, uma vez que, sendo o romance uma reelaboração da realidade
e, portanto, uma ficção, os acontecimentos podem logo de começo serem por si só
ficcionais.
De maneira sintética, essas duas dimensões se associam na medida em que
a trama liga os acontecimentos por um fio temático que une os “elementos mínimos
da obra” (denominados de “motivos” (SOARES, 2007, p. 43)) de maneira a construir um
sentido que se configura como uma unidade maior do texto.
75
Basicamente, existem dois esquemas diegéticos para o romance. Até o século
XIX predominou uma estrutura fechada, isto é, um esquema diegético fixo e claramente
delimitado por início, meio e fim, assim divididos, de acordo com SOARES, (2004, p. 45):

– apresentação (dos personagens, da ambiência etc.);


– complicação (circunstância desencadeada pelos acontecimentos conjugados
às ações dos personagens);
– clímax (ápice da situação);
– epílogo (desfecho dos acontecimentos/destino dos personagens).

A partir do século XIX foram se tornando cada vez mais comuns os chamados
romances abertos, em que o esquema diegético não segue um padrão formal, tampouco
há uma perfeita delimitação entre início, meio e fim, sendo, por vezes, mesmo suprimido
o desfecho da narrativa, de modo a parecer que a obra ficou inconclusa, um recurso
que sugere uma continuidade ao invés de um desenlace.
Exemplo do primeiro esquema diegético é Senhora, de José de Alencar; ao passo
que Dom Casmurro, de Machado de Assis pode ser situado no segundo esquema pelas
lacunas propositais que cria na narrativa. Vejamos mais de perto como se configuram
esses esquemas:
Foi depois de passados os seis meses de luto, que Au-
rélia apareceu na sociedade. Tinha-se ela ensaiado para
seu papel. Desde o primeiro momento em que apresen-
tou-se nos salões, firmou neles seu império, e tomou
posse dessa turba avassalada, cujo destino é bajular as
reputações que se impõem.
Encontramo-la deslumbrando a multidão com sua be-
leza, e açulando a fome do ouro nos cavalheiros do lans-
quenete matrimonial. Regozijava-se em arrastar após si,
rojando-os pelo pó, e fustigando-os com o sarcasmo, a
esses sócios e êmulos de Fernando Seixas, ansiosos de
venderem-se como ele, ainda que por maior preço.
Por isso os tinha reduzido à mercadoria ou traste, fazen-
do-lhes a cotação, como se usava outrora com os lotes
de escravos.
Aquele marido de maior preço a que ela se referia não
era outro senão seu antigo amante, que a desprezara
por ser pobre.
No meio desta acrimônia que lhe inspirava a sociedade,
não perdera porém Aurélia de todo a crença na nobreza
d’alma, sabia respeitá-la onde quer que a descobria.
Assim, quando algum homem honesto, sinceramente
seduzido pelos dotes de sua pessoa, e não pelo brilho
da riqueza, lhe fazia a corte, ela portava-se com ele de
modo inteiramente diverso. Acolhia-o com afabilidade
e distinção; mas aproveitava o primeiro momento para
desvanecer-lhe toda a esperança.
Só com os caçadores de dotes era loureira, se tal nome
pode-se aplicar ao constante ludíbrio e humilhação a
que submetia seus apaixonados.
76
O romance Senhora, de José de Alencar foi escrito no século XIX e está associado
ao movimento romântico. Do ponto de vista estrutural, segue uma divisão bem
delimitada em quatro partes que recebem denominações do romancista: “O preço”,
“Quitação”, “Posse” e “Resgate”. O tema do livro é o casamento por interesse, que leva
Fernando Seixas a se casar com Aurélia Camargo, uma moça que fora pobre (e que
Fernando conhecera ainda pobre) até ficar órfã e receber uma herança paterna.
Tendo-a renegado por não possuir dote, o rapaz descobre que Aurélia, já em outras
condições, havia-o “comprado” como marido.
Trata-se de um romance urbano, ambientado na cidade do Rio de Janeiro na
segunda metade do século XIX. Podemos pressupor pela divisão feita pelo romancista
quanto às partes que compõem a obra um esquema que segue o modelo de romance
fechado, com início (“O preço”), em que o romancista busca expor os valores da
sociedade burguesa fluminense; a complicação (“Quitação”) em que a personagem
principal (Aurélia) é enleada em acontecimentos que serão decisivos para o modo como
se configurará a sua relação com Fernando; o clímax (“Posse”), em que a “compra” do
marido ganha contornos problemáticos mediante os sentimentos que existem entre
eles; e, por fim, o epílogo (“Resgate”), em que se dá a reconciliação do casal pela via
amorosa.
Em Dom Casmurro, por sua vez, a diegese segue outra ordenação:
Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces verme-
lhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira:
- Ainda que você case com outra, cumprirei o meu jura-
mento, não casando nunca.
- Que eu case com outra?
- Tudo pode ser, Bentinho. você pode achar outra moça
que lhe queira, apaixonar-se por Ela e casar. quem sou
eu para você lembrar-se de mim nessa ocasião?
- Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus nosso
senhor que só me casarei com você. Basta isto?
- Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais.
Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; juremos
que nos havemos de casar um com o outro, haja o que
houver.
Compreendeis a diferença; era mais que a eleição do
cônjuge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça da
minha amiga sabia pensar claro e depressa. Realmente,
a fórmula anterior era limitada, apenas exclusiva. Podí-
amos acabar solteirões, como o sol e a lua, sem mentir
ao Juramento do poço. Esta fórmula era melhor, e tinha
a vantagem de me fortalecer o coração contra a inves-
tidura eclesiástica. Juramos pela segunda fórmula, e fi-
camos tão felizes que todo o receio de perigo desapare-
ceu. Éramos religiosos, tínhamos o céu por testemunha.
Eu nem já temia o seminário.
- Se teimar em muito, irei; mas faço de conta que é um
colégio qualquer; não tomo ordens.
Capitu temia a nossa separação, mas acabou aceitan-
do este alvitre, que era o melhor. Não afligíamos minha
77
mãe, e o tempo correria até o ponto em que o casamen-
to pudesse fazer-se. ao contrário, de qualquer resistên-
cia ao seminário confirmaria a denúncia de José Dias.
Esta reflexão não foi minha, mas dela.

Tendo por tema também a relação amorosa e conjugal, no caso, que se configura
entre Bentinho e Capitu, o romance se desenvolve como um grande fluxo de consciência
(narrador homodiegético) em que Bentinho, já velho, rememora sua paixão de infância
e os infortúnios que teve que suportar para casar-se com Capitu. Por conta desse
caráter rememorativo, o enredo do romance é repleto de digressões que se configuram
pelo distanciamento do narrador em relação aos fatos e pela construção em si de uma
direção única para a narrativa: convencer o leitor de que Capitu o traíra.
Publicado em 1899, o romance machadiano se filia ao movimento realista do
final do século XIX que, ao contrário do Romantismo, preocupava-se em representar
um anti-idealismo amoroso, focalizando questões como o adultério e a dúvida sobre
o amor. Enquanto narrador, Bentinho parece se preocupar menos com a história que
conta do que em procurar em Capitu, em suas ações e comportamentos, elementos
que corroborem a sua tese do adultério cometido por ela com seu amigo Escobar.
Os capítulos não seguem, assim, uma linearidade formal com início, meio e
fim, tal como a que se verifica em Senhora. Em Dom Casmurro predomina o fator da
imprevisibilidade narrativa e seu desfecho, ou antes, antidesfecho, não é uma resolução,
mas um convite à reflexão.
Enquanto elemento da composição da obra, o enredo está intrinsecamente ligado
às personagens e àquele que conta a história: o narrador.

Personagens e narrador

As personagens que compõem um romance são, a um só tempo, ficcionais e


verossímeis. São ficcionais na medida em que são inventados; e verossímeis na medida
em que apresentam dimensões psicológica, moral e social análogas às de sujeitos
reais, sendo que a instância responsável por dotá-las de realismo é a do narrador.
De acordo com Angélica Soares (2007): “personagens funcionam, segundo o
teórico francês Roland Barthes, como agentes da narrativa. Isto porque depende delas
o sentido das ações que compõem a trama.” (SOARES, 2007, p. 46). Nesse sentido, todos
os personagens desempenham um papel no enredo romanesco e suas atuações se
dão de acordo com o conjunto maior que integram.
Podemos dividir as personagens em duas espécies:

– personagens principais
– personagens secundárias

As personagens principais são identificadas como aquelas de cujas ações


dependem, em maior grau, o desenvolvimento do enredo, pois elas atuam de maneira
centralizada. Por sua vez, as personagens secundárias atuam de maneira periférica, e
suas ações têm menor grau de incidência sobre o enredo, configurando-se de maneira
mais pontual. A título de exemplificação, em Senhora, Aurélia é uma personagem
principal, ao passo que Fernando é uma personagem secundária. Em Dom Casmurro,
78
Bentinho é uma personagem principal, ao passo que José Dias é uma personagem
secundária.
Ainda, de acordo com a classificação feita por E. M. Forster, seguida por Soares
(2007, p. 49), podemos classificá-las também em dois tipos principais:

– personagens planas
– personagens redondas

A personagem plana é aquela que não se modifica de maneira significativa no


decorrer da narrativa, permanecendo, basicamente, com as mesmas características
iniciais. A personagem redonda, por outro lado, é aquela que sofre transformações
substanciais ao ser submetida aos acontecimentos. Nos romances aqui tomados como
exemplos, em Senhora, Aurélia é uma personagem redonda, assim como Fernando,
pois seus perfis se modificam ao longo da narrativa, ao passo que Dr. Torquato Ribeiro
(personagem secundária) é plana.

BUSQUE POR MAIS


Beth Brait dedica todo um estudo à personagem, aprofundando-se em sua
complexa especificidade. O livro A personagem (2017) está disponível na Biblio-
teca Pearson através do link: https://shre.ink/TZPL. Acesso em 31 dez. 2022.

Entre as personagens se situa o narrador, isto é, aquele que conta a história. O


narrador constitui o ponto de vista da narração e não se confunde com a figura do
autor, assim como o narratário (destinatário da narração) também não se confunde
com o leitor real. Os teóricos estruturalistas, de acordo com Soares (2007, p. 47), mais
especificamente Gérard Genette, estabelece uma tipologia do narrador e do narratário.
De acordo com ela, temos:

– Narrador autodiegético: participa da história como personagem;


– Narrador heterodiegético: não participa da história como personagem;
– Narratário intradiegético: participa da história como personagem;
– Narratário extradiegético: não participa da história como personagem.

Essa distinção faz-se necessária no estudo da narrativa, uma vez que, depende
dela a caracterização do ponto de vista adotado.

Tempo

O tempo é outra categoria estrutural do romance, na medida em que, ainda que


não fique expressamente claro quando os fatos ocorreram, a sucessão apresentada
pelo encadeamento narrativo pressupõe por si só uma noção de duração. Nesse
sentido, o tempo pode ser expresso na diegese a partir de referenciais que remetem
a “dias, meses, horas, anos, ao ritmo das estações ou a uma determinada época”
(SOARES, 2007, p. 50); mas também pode ocorrer de a diegese não se referir a nenhum
79
desses marcadores de tempo. Neste caso, resta uma análise do tempo do discurso,
uma categoria interna à elaboração da narrativa, em geral, mais difícil de se perceber.
O tempo do discurso pode ser estabelecido a partir de uma análise criteriosa da
sucessão dos fatos. Com base Gérard Genette, Soares (2007) afirma:

É impossível uma coincidência perfeita entre o desenro-


lar cronológico da diegese e a sucessão, no discurso, dos
acontecimentos. Ao desencontro entre esses dois tem-
pos, Genette chamou anacronias. Não é raro que o co-
meço do discurso equivalha a uma fase já avançada da
diegese (narrativa in médias res) e, por isso, se narre de-
pois, no discurso, o que já havia acontecido antes na die-
gese. Acontece até que o romancista prefira construir o
discurso a partir do desfecho da diegese (in ultimas res),
tendo, portanto, como no caso anterior, que recuar no
tempo, o que chamamos de flashback (na nomenclatu-
ra de Genette: analepse). (SOARES, 2007, p. 50).

Em síntese, há romances cujo tempo da narração é cronológico, ou seja, obedece


à sucessão (início, meio e fim) dos acontecimentos; há romances em que a narração
se faz do meio para o final (in medias res); e há romances em que a narração percorre
o movimento contrário ao cronológico, isto é, em flashback ou analepse.
De acordo com a conceituação estruturalista, a anacronia (desencontros entre
os tempos do romance) pode decorrer da apresentação, pelo narrador, de algo que
ainda não ocorreu, essa antecipação recebe a denominação de prolepse.
A simultaneidade entre esses tempos só é alcançada a partir dos diálogos,
que suspendem a narração para dar espaço a uma unificação do tempo diegético
que é representada pela fala da personagem. A narração, por sua vez, tende às
chamadas anisocronias, que estabelecem percepções diversas do tempo mediante
a manipulação do relato em termos de resumo e prolongamento de situações. Esses
recursos, denominados, respectivamente, de elipses e digressões são responsáveis por
suspender ou acelerar o tempo da diegese (SOUZA, 2007, p. 50).
O tempo psicológico é uma categoria bastante importante na narração porque
exprime, ainda, uma terceira noção de tempo: o tempo interior. Esse tempo é denominado
de “monólogo interior” ou “fluxo de consciência” e advém de um mergulho mais
profundo no íntimo (pensamentos ou sentimentos) de uma determinada personagem.
Nesse caso, pode ser ela mesma a descrever sua percepção (no caso de narração
autodiegética) ou o narrador, em geral, heterodiegético.

Espaço

Outro elemento estrutural do romance é o espaço. De acordo com Soares (2007):


Também denominado ambiente, cenário ou localiza-
ção, o espaço é o conjunto de elementos da paisagem
exterior (espaço físico) ou interior (espaço psicológico),
onde se situam as ações das personagens. É ele impres-
cindível, pois não funciona apenas como pano de fundo,
mas influencia diretamente no desenvolvimento do en-
redo, unindo-se ao tempo. (SOARES, 2007, p. 51-52).
80
Assim como o tempo, o espaço norteia a ação das personagens e permite situar
os acontecimentos, podendo exercer um papel determinante no enredo ou apenas
servindo como pano de fundo para os acontecimentos. A ideia de que um romance
pode nos transportar para qualquer lugar do mundo reside na expressiva importância
que, de maneira geral, essa categoria desempenha no gênero.

Ponto de vista

Na terminologia estruturalista, ponto de vista, foco narrativo ou focalização diz


respeito à perspectiva pela qual a narrativa se constrói, de modo a exprimir “a relação
entre o narrador e o universo diegético e ainda entre o narrador e o narratário”.
Ao estudar a estrutura do romance, Jean Pouillon estabeleceu um critério de
distinção para caracterizar o ponto de vista. De acordo com o resumo feito por Soares
(2007), ele pode ser configurar uma visão:
– “Por trás” da narração, em que o narrador é conhecedor de tudo o que se passa
com as personagens, tendo pleno domínio de sua perspectiva tanto externa (ações)
quanto internamente (sentimentos e consciência);
– “Com”, em que o narrador compartilha da mesma perspectiva das personagens,
não sabendo nada além do que elas sabem;
– “De fora”, em que o narrador estabelece uma relação entre os acontecimentos
apenas a partir daquilo que vê acontecer, não penetrando no interior das personagens
(essa seria uma abordagem típica do Noveau roman, caracterizado por uma perspectiva
anti-psicológica).
De maneira a complementar essa definição acerca do ponto vista, Soares vale-se
da distinção feita pelo crítico e teórico de literatura, Vítor Manuel de Aguiar e Silva que,
em sua Teoria da literatura, propõe uma classificação do foco narrativo mais detalhada
e mais funcional do ponto de vista da análise literária porque opõe, de maneira didática,
os tipos de focalização:
a) Focalização heterodiegética versus focalização homodiegética
Na focalização heterodiegética, o narrador não participa da diegese romanesca,
ao passo que na homodiegética ele é um dos personagens da história que narra. A partir
dessa distinção, na focalização homodiegética, o narrador pode ser o protagonista.
Nesse caso, a narrativa é contada em primeira pessoa, caso em que recebe uma
classificação mais específica, denominada de focalização autodiegética. É o caso, por
exemplo, de Bentinho em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Mas ele também pode
ser um narrador-personagem que participa sem ser propriamente o protagonista,
atuando mais como uma espécie de testemunha dos acontecimentos.
b) Focalização interna versus focalização externa
Na focalização interna, o narrador é capaz de transmitir aspectos da interioridade
das personagens); ao passo que na externa, ele se limita aos aspectos físicos, ficando
a representação das consciências das personagens por conta dos diálogos (discurso
direto livre).
c) Focalização onisciente versus focalização restritiva
A focalização onisciente ocorre quando o narrador apresenta um conhecimento
ilimitado em relação às personagens e aos eventos, sabendo tudo o que se passa
em seus pensamentos e, podendo, por vezes, antecipar acontecimentos de que as
personagens não têm ciência de que irão ocorrer; ao passo que na focalização restritiva,
81
o narrador apresenta um conhecimento mais limitado e de acordo com a aparência ou
as ações das personagens.
d) Focalização interventiva versus focalização neutra
A focalização interventiva se configura quando o narrador faz comentários
interventivos que agregam características à aparência ou ao caráter das personagens
e/ou acerca dos acontecimentos. Na focalização neutra, por sua vez, o narrador
não realiza nenhuma intervenção. No entanto, este tipo de narração (neutra) seria
implausível, na medida em que a narração se baseia em um processo de adjetivação
constante, o que pressupõe um ponto de vista interventivo; no entanto, a focalização
neutra pode servir como modelo para a análise de narrações que se caracterizam por
serem preponderantemente despersonalizadas ou mais objetivas, implicando em um
discurso que tende a empregar menos adjetivos, enfatizando mais as personagens e a
ação (isto é, predominância de substantivos e verbos).
Embora sejam focalizações diversas, é possível que uma mesma narrativa
apresente uma combinação delas. De modo particular, o romance epistolográfico,
por constituir-se a partir de cartas, constrói uma visão pluridimensional acerca dos
acontecimentos. A esse modelo de focalização, o teórico estruturalista Tzvetan Todorov
(1973) chamou “focalização estereoscópica”.
Como se vê, a questão do ponto de vista no romance vai depender, de maneira
direta, de como se situa o narrador da obra: se como participante ou observador; se
como conhecedor da totalidade das personagens e dos acontecimentos ou como uma
testemunha que sabe apenas sobre o que presenciou/observou etc., uma vez que, a
perspectiva do foco narrativo é que erige a forma como ocorrerá a caraterização das
personagens e dos acontecimentos de maneira específica e, dada a liberdade formal
de que goza a narrativa romanesca diante desses muitos modos de narrar, esse aspecto
deve ser analisado não como uma categoria geral ao gênero, mas como ocorre em
cada romance em específico.
Ademais, o que caracteriza o gênero romanesco é a forma pela qual ele organiza
uma multiplicidade de discursos por meio da narração. De acordo com Bakhtin (1993),
um dos conceitos mais importantes para se compreender a especificidade do discurso
romanesco é o dialogismo, um conceito que encerra a íntima relação entre enunciado
e contexto. Diferentemente da epopeia, o narrador no romance não é um ser totalmente
distanciado dos acontecimentos no sentido de que o seu discurso não se separa de
uma realidade sócio-histórica. É essa dimensão que caracteriza o seu ponto de vista e
a torna inseparável de um modo de conceber o mundo.
Franco Moretti (2009), por sua vez, compreende que a complexidade da forma
romanesca advém de três fatores principais: 1) a prosa, enquanto construção discursiva,
é uma multiplicadora de estilos; 2) a aventura, que se configura como a motivação
primeira da narração no romance é também uma multiplicadora de possibilidades de
histórias; e, por fim, o fato de o romance trafegar tanto pelo erudito quanto pelo popular
fez com que ele incorporasse outras formas arcaicas de narração ao mesmo tempo em
que se constitui como a forma moderna hegemônica (MORETTI, 2009, p. 205).
No mundo moderno, nenhum destino é previamente traçado, pois o herói moderno
constrói seu próprio destino à medida que se posiciona diante do mundo. Nesse sentido, o
romance lida com essa imprevisibilidade de maneira formal, oferecendo ao romancista
as mais diversas possibilidades de desfecho e, consequentemente, um leque infinito de
destinos aos seus heróis.
82
Na literatura brasileira, acompanhando a tendência moderna de valorização do
gênero, o romance desfruta de grande prestígio. Destacam-se entre os mestres do
romance brasileiro: Joaquim Manuel de Macêdo, Manuel Antônio de Almeida, Gonçalves
Dias, José de Alencar, Álvares de Azedo, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Casimiro
de Abreu, Euclides da Cunha, Bernardo Guimarães, Raul Pompeia, Lima Barreto, Cecília
Meireles, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz,
Jorge de Lima, José Lins do Rego, Jorge Amado, Clarice Lispector, Adélia Prado, Guimarães
Rosa, Érico Veríssimo, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, João Ubaldo Ribeiro, João
Antônio, Antônio Callado, Chico Buarque, Milton Hatoum, entre muitos outros.

GLOSSÁRIO
Dialogismo – conceito pelo qual se pressupõe a construção de um discurso em diálogo
com outros.

Estruturalismo – corrente teórico-metodológica que se baseia na análise da estrutura e


funcionamento da obra literária.

Polifonia – conceito que compreende a variabilidade de vozes presentes em diversas vozes.


83

FIXANDO O CONTEÚDO

1. De acordo com Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 51-52), o gênero narrativo se


caracteriza por contar uma história organizada a partir de elementos estruturantes.
Assinale a alternativa que apresenta corretamente esses elementos:

a) espaço, tempo, personagens, ação e narrador.


b) narrador, personagens, espaço e ambientação.
c) ação, personagens, tempo e espaço.
d) tempo, espaço, ambientação, acontecimentos e personagens.
e) personagens, narrador, espaço e ação.

2. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC Órgão: Prefeitura de Santa Helena - SC Prova:
AMEOSC - 2021 - Prefeitura de Santa Helena - SC - Professor com Licenciatura Plena
em Língua Port. e Estrangeira (Espanhol) - Edital nº 06

Analise as assertivas com (V) verdadeiro ou (F) falso:

(__) O gênero épico é um texto literário que apresenta aventuras heroicas e eloquentes
baseadas na história cultural dos povos, o narrador épico pode construir a narrativa
tanto em versos (chama-se versos épicos) quanto em prosa (denominada de narrativa
épica).
(__) A logicidade, a racionalidade e a objetividade são o tripé textual que o narrador
épico utiliza para dar o tom grandioso na narrativa épica, mas o tom grandioso se
descaracteriza justamente pela presença de elementos místicos e aventuras fantásticas,
baseados em mitos como a mitologia grega, em razão disso, existe a presença de
deuses, semideuses, heróis e figuras fantasiosas que interferem negativamente para
atrapalhar o desenrolar dos acontecimentos.
(__) O gênero lírico se refere ao tipo de texto literário onde predomina a expressão de
sentimentos e emoções subjetivas do sujeito lírico – o eu lírico. São maioritariamente
escritos em verso, sendo textos breves por não apresentarem enredo, mas sim a
exteriorização do mundo interior do eu lírico.
(__) Dentre os subgêneros líricos, temos: Ode: poema lírico de exaltação, entusiasmo
e alegria, Elegia: poema lírico melancólico sobre a morte e a tristeza, Idílio: poema lírico
sobre a vida pastoril e bucólica.

Após análise, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA dos itens
acima, de cima para baixo:

a) V, V, V, V.
b) F, V, V, F.
c) V, F, V, V.
d) F, F, V, F.
e) F, V, F, V.
84
3. (Adaptada) Ano: 2019 Banca: Instituto Consulplan Órgão: FASEH Prova: Instituto
Consulplan - 2019 - FASEH - Vestibular de Medicina

Em relação à estrutura de um poema épico, cujas partes são denominadas cantos,


relacione adequadamente as colunas a seguir.

1. Proposição. 2. Invocação. 3. Narração. 4. Conclusão.


( ) Definição do tema e do herói do poema.
( ) Ocorre após o relato dos feitos gloriosos que marcaram a trajetória do herói.
( ) Refere-se à apresentação da sequência cronológica dos fatos que envolvem as
aventuras do herói.
( ) Pedido do poeta à Musa para que lhe inspire, para que desenvolva perfeitamente o
tema de seu poema.

Está correta a sequência em:

a) 1, 2, 3, 4.
b) 2, 3, 4, 1.
c) 3, 4, 2, 1.
d) 1, 4, 3, 2.
e) 4, 3, 2, 1.

4. De acordo com a conceituação de Yves Stalloni (2007, p. 79-81), as características


que sintetizam o estilo épico são cinco. Assinale a alternativa que NÃO se refere a uma
delas:

a) Predomínio de estrutura versificada.


b) Onisciência do narrador (distanciamento narrativo).
c) Fluxo de consciência do herói (sentido da história).
d) Retórica codificada (utilização de figuras de linguagem combinada à eloquência).
e) Associação do herói a valores de uma coletividade.

5. (Adaptada) COPEVE (UFAL) – Vestibular (Uncisal) 2013/2014

O poema épico é um dos mais antigos dos gêneros literários. Foi largamente elaborado
na Antiguidade greco-latina tendo sido também produzido em momentos posteriores,
a partir do modelo dos poemas homéricos, a Ilíada e a Odisseia, e do poema épico
latino A Eneida, de Virgílio. Esse gênero tem como principal objetivo exaltar os feitos dos
heróis de um povo, preservando a sua memória e revela que:

a) foi elaborado, no Brasil, no período do Naturalismo, por Aluísio Azevedo.


b) o principal poeta, na poesia de língua portuguesa, épico é Luís Vaz de Camões, autor
de Os lusíadas.
c) atualmente há uma intensa produção de poemas épicos em nosso país.
d) o poema épico adota uma postura crítica, comum no Modernismo, nas obras de
Oswald de Andrade.
e) há muitos poemas épicos no Simbolismo brasileiro, exaltando os nossos heróis, de
85
autoria de Cruz e Sousa.

6. Ano: 2021; Banca: Fundação Getúlio Vargas - FGV;Prova: FGV - Prefeitura de Paulínia
- Cirurgião Dentista - 2021

“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central
um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me,
sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos.
A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu,
porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou
para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.”

Esse é o início do romance Dom Casmurro; é correto afirmar, sobre esse texto, que se
trata de texto:

a) narrativo com sequências descritivas e argumentativas.


b) narrativo com sequências descritivas.
c) descritivo, com sequências narrativas e argumentativas.
d) narrativo com sequências expositivas.
e) descritivo com sequências descritivas e expositivas.

7. Ano: 2022; Banca: IFPA; Prova: IFPA - IFPA - Professor de Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico - Área: Letras - Língua Portuguesa - 2022

A seguir, o trecho inicial do romance Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum,


publicado pela primeira vez em 1989:
"Quando abri os olhos, vi o vulto de uma mulher e o de uma criança. As duas figuras
estavam inertes diante de mim, e a claridade indecisa da manhã nublada devolvia os
dois corpos ao sono e ao cansaço de uma noite maldormida. Sem perceber, tinha me
afastado do lugar escolhido para dormir e ingressado numa espécie de gruta vegetal,
entre o globo de luz e o caramanchão que dá acesso aos fundos da casa. Deitada na
grama, com o corpo encolhido por causa do sereno, sentia na pele a roupa úmida e
tinha as mãos repousadas nas páginas também úmidas de um caderno aberto, onde
rabiscara, meio sonolenta, algumas impressões do voo noturno". (HATOUM, 2008, p. 7).
De acordo com a leitura do trecho em destaque e sobre a instância fictícia do narrador
no romance, é possível dizer que:

a) A narradora do romance apresenta os acontecimentos da narrativa, mesmo não se


fazendo presente na história que narra.
b) No discurso da narradora há predominância da narração em detrimento da descrição.
c) A narradora apresenta os acontecimentos experenciados pelas personagens
mencionadas nas primeiras linhas.
d) O narrador, claramente masculino, narra acontecimentos posteriores ao tempo da
narração.
e) A narradora, marcadamente feminina, participa da história que narra e seu discurso
é predominantemente descritivo.
86
8. Ano: 2022; Banca: Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo - IBADE
Prova: IBADE - TJ RS - Oficial de Justiça - 2022

“Uma noite, trabalhava eu no silêncio do meu gabinete, quando fui procurado por uma
velhinha, toda engelhada e trêmula, que me disse em voz misteriosa ter uma carta para
mim.
— De quem? perguntei.
— De um moço que está na casa de Detenção.
— De um preso?! Como se chama ele?
— V. S. vai ficar sabendo pelo que vem nesse papel. Tenha a bondade de ler.”

Esse é o início de um romance de Aluísio Azevedo; sobre o narrador desse pequeno texto
pode-se afirmar que:

a) se trata de um personagem participante da ação.


b) se mostra como observador dos fatos narrados.
c) se apresenta como um relator de fatos reais.
d) se identifica como interessado direto nos fatos.
E) se destaca como narrador-escritor.
FORMAS
NARRATIVAS BREVES
87

FORMAS NARRATIVAS BREVES


88
4.1 INTRODUÇÃO

Esta unidade retoma a terminologia utilizada na unidade 3 para a caracterização


geral das formas narrativas, direcionando a conceituação agora para as narrativas
intermediárias (novelas) e breves (contos e fábulas) a partir de suas estruturas de
composição, suas temáticas e seus estilos, de maneira a sintetizar conceitos que
permitam a identificação desses tipos de textos literários. O critério empregado nessa
divisão é o da extensão, que caracteriza, em geral, as diferentes formas narrativas.

A novela
Enquanto forma narrativa, a novela apresenta, basicamente, os mesmos
elementos estruturais do romance. Entretanto, essa forma literária se diferencia do
romance, essencialmente, em função de dois aspectos básicos: a sua economia
estrutural (reduzia em relação àquele) e, em consequência desta, a sua menor extensão.
O ponto chave da redução estrutural da novela em relação ao romance se dá no
recorte realizado pelo novelista. De acordo com Soares (2007):
Têm aparecido como mais apropriadas à novela as situ-
ações humanas excepcionais que, não sendo apresen-
tadas como um flash (o que constituiria um conto), se
desenvolvem como um corte na vida das personagens,
corte este explorado pelo narrador em intensidade, ao
contrário do romance, que se estende por um longo pe-
ríodo ou até por uma vida inteira. (SOARES, 2007, p. 55-
56).

Nesse sentido, a novela focaliza “momentos excepcionais”. Diferentemente do


romance que se caracteriza por uma construção mais lenta, gradual e minuciosa
dos episódios que narra, procedendo cumulativamente, a novela deve se ater a um
número menor de personagens, o que implica em um círculo mais restrito de ações e
acontecimentos.
De acordo com a conceituação de Yves Stalloni (2007):
O vocábulo francês “nouvelle” foi emprestado, por vol-
ta do século XVI, ao italiano novella, forma substantiva-
da de um verbo – novellar, que significou inicialmente
“mudar”, antes de assumir o sentido de “contar”. Em
francês, na linguagem moderna e corrente, uma “nou-
velle” (boa ou má) designa “o primeiro parecer que se
dá ou se recebe (de um acontecimento recente)” e, no
plural – nouvelles, “informações que dizem respeito ao
estado ou situação de uma pessoa” (Robert). O que se
deve reter desse sentido geral são os significados de re-
lato e de coisa imediata. (STALLONI, 2007, p. 113).

Poderíamos traduzir o sentido de novela expresso por Yves Stalloni, de acordo


com nosso contexto cultural e idiomático, pela expressão “as novas” ou “as boas novas”.
Portanto, uma particularidade do gênero seria o contar algo novo de maneira breve.
Mas essa caracterização parece constituir-se em algo sumamente vago para que
89
façamos dela um critério de identificação do gênero. Por isso, de acordo com a
proposição conceitual do autor supracitado, a novela se define, de uma maneira geral,
por três aspectos que lhe são característicos:
– Unidade de ação: aproximando-se do drama, a novela elege um acontecimento
único que culmina em um desfecho dramático, o qual o narrador busca exprimir com
economia e intensidade até desembocar em um desfecho marcante.
– Narração monódica: quem conta a história da novela é, em geral, um único
narrador. Existem obras que são compostas de várias novelas, como Decamerão.
A estrutura desse tipo de obra obedece ao princípio do “encaixe” (que é próprio das
narrativas), sendo que cada novela possui uma autonomia dentro do conjunto, podendo
ser lida separadamente, o que evidencia o caráter monódico da narração.
– Ambição da verdade: uma das aspirações da novela é o princípio da
verossimilhança que estabelece uma estética pautada na fidelidade ao real que, nas
palavras do autor: “pretende revelar uma verdade imanente” (STALLONI, 2007, p. 117).
Com esses princípios, a principal função da novela é o entretenimento. Por ser
uma obra canônica do gênero, Decamerão, de Giovanni Boccaccio, é frequentemente
tomada como paradigma da novela, pois ela foi escrita no período de isolamento
social da Peste Negra e sua própria estrutura (dez novelas contadas por dez narradores
diferentes) reflete a função de entreter por meio da narração, em um período que a
literatura era um dos únicos meios de entretenimento, já que não existiam recursos
audiovisuais. Adaptando-se ao mundo moderno, a novela mantém, entretanto, essa
sua função de entreter ao mesmo tempo que corresponde à necessidade humana de
narrar.
No entanto, embora haja critérios cientificamente estabelecidos para distinguirmos
a novela de outras formas narrativas, a sua conceituação segue problemática na medida
em que certas obras poderão ser consideradas ora como novelas, ora como romances.
Esse é o caso, na literatura brasileira, de A hora da estrela, de Clarice Lispector:
Ela sabia o que era o desejo — embora não soubesse
que sabia. Era assim: ficava faminta mas não de comida,
era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre
e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abra-
ço. Tornava-se toda dramática e viver doía. Ficava então
meio nervosa e Glória lhe dava água com açúcar.

A unidade de ação se configura na eleição de uma parte da vida de Macabéa:


a sua chegada ao Rio de Janeiro. Enquanto retirante que parte de sua terra natal em
busca de uma vida melhor, o que importa ao enredo da obra é a outra ponta à qual ela
se conecta: o destino da personagem nordestina, que encerra uma unidade dramática
pela cena que configura o seu desfecho.
A narração é monódica na medida em que é feita unicamente pela perspectiva
de Rodrigo S. M. em primeira pessoa, a partir de um foco narrativo que é homodiegético,
onisciente, interno e interventivo.
A narrativa se configura como ambição de verdade na medida em que busca
exprimir uma realidade: a da retirante que sai em busca de seus sonhos, mas se depara
com as dificuldades de uma vida real, em sua existência miserável, em que não apenas
lhe faltam recursos, como também afeto, algo de que ela se mostra ainda mais faminta.
Por essa leitura, de acordo com a conceituação ora explicitada, A hora da estrela
90
seria uma novela, e não um romance, embora haja leitores que defendam que a obra
apresenta demasiada complexidade e, por isso, se encaixaria melhor na denominação
de romance. Estruturalmente, porém, como se pode perceber, A hora da estrela possui
os princípios estruturais da novela.
Essa confusão pode ser ainda exacerbada pela transposição de romances para
novelas televisivas (que seria um outro gênero, considerado no âmbito audiovisual).
Por hora, os critérios expostos nos servem como fundamentos de diferenciação entre a
novela, o romance e o conto, entendendo-se que a novela ocupa posição intermediária
(pela sua configuração estrutural) entre esses dois últimos.
São exemplos de novelas na literatura brasileira: O alienista, de Machado de Assis;
A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado; Um copo de cólera, de
Raduan Nassar; O exército de um homem só e Max e os felinos, de Moacyr Scliar, além
da já citada obra de Clarice Lispector.

O conto
Se o romance pode abarcar toda uma vida e a novela elege desta apenas os
acontecimentos mais importantes, o conto se detém sobre um episódio emoldurável,
sendo, por esse critério, a forma narrativa mais breve.
De acordo com Soares (2007):
Quanto mais concentrado, mais se caracteriza como
arte de sugestão, resultante de rigoroso trabalho de se-
leção e de harmonização dos elementos selecionados e
de ênfase no essencial. Embora possuindo os mesmos
componentes do romance (...), o conto elimina as análi-
ses minuciosas, complicações no enredo e delimita for-
temente o tempo e o espaço. (SOARES, 2007, p. 54).

Em vista disso, o conto se caracteriza pela síntese e intensidade com que os


elementos narrativos são trabalhados, sendo, portanto, uma forma dotada de extrema
depuração.

BUSQUE POR MAIS


' Deleuze e Guattari compuseram um estudo que busca diferenciar a novela do
conto. Trata-se de Quatro novelas e um conto: as ficções do platô 8 de Mil platôs
(2014). O livro está disponível na Biblioteca Pearson através do link: https://shre.
ink/TZfB. Acesso em 31 dez. 2022.

De acordo com Nádia Batella Gotlib (1990), o conto nasce como um gênero
votado à necessidade do homem de contar (oralmente) e vai sendo incorporado
pelas sociedades que possuem cultura escrita de maneira gradativa, transpondo-se
as narrativas orais para a escrita e, por esse motivo, esse gênero pode ser concebido
a partir de uma importante relação com o desenvolvimento das sociedades, pois à
medida que as sociedades se organizam de maneira mais complexa, o conto também
ganha maior complexidade.
Conforme conceitua Yves Stalloni, desde o século XVIII, o conto:
91
[...] em sua acepção literária, especializou-se no senti-
do de “relato de fatos, de acontecimentos imaginários,
destinados a distrair” (Robert). Mesmo que, como vimos,
seu campo de aplicação tenha podido variar ao sabor
das épocas e que autores do século XIX tenham rejeita-
do o critério de inverossimilhança. (STALLONI, 2007, p.
120).

Angélica Soares aponta que a estrutura do conto se divide em: apresentação,


complicação, clímax e desfecho (SOARES, 2007, p. 55).
Stalloni (2007, p. 121), por sua vez, se ampara na distinção de alguns traços
característicos à constituição do conto:
– inclinação à fábula (pelo uso de elementos oníricos e maravilhosos);
– personagens mais simbólicas que reais;
– fundamento popular (tradições oral, coletiva e folclórica);
– brevidade;
– narração direta;
– intenção moral e didática, encerra algum tipo de ensinamento.

O autor expõe, ainda, uma tipologia do conto moderno:


– O conto gaulês: que deu origem ao modelo de narrativa breve burlesca/
engraçada, herdada da tradição francesa medieval e que inclui narrativas baseadas
em ensinamentos do mundo animal transfiguradas de humanidade, histórias libertinas,
aventuras e sátiras.
– O conto maravilhoso: famosos contos “Era uma vez...”, baseados em lendas, no
princípio da transfiguração que admite o irreal, o onírico, o sobrenatural, os poderes
mágicos e ocultos.
– O conto filosófico: característico do século XVIII, denominado “século das luzes”,
pelo nascimento do Iluminismo, movimento europeu baseado no racionalismo e no
empirismo. O conto filosófico se caracteriza por seu conteúdo edificante a partir de um
tema leve e reflexivo que capta um momento simbólico e emoldurável que culmina em
um ensinamento filosófico.
– O conto fantástico: diferente do conto maravilhoso, tem no medo um fator para
o impulso narrativo, baseia-se no confronto entre real e inverossímil em um clima que
suspende o leitor de sua posição confortável diante da narrativa e o arrebata a partir de
um final dramático.
O primeiro estudioso que toma o conto como objeto de análise visando construir
uma conceituação dessa forma narrativa a partir de sua especificidade, nos estudos
modernos, é Vladimir Propp 1895 – 1970). Em 1928, Propp publica a sua Morfologia do
conto maravilhoso, um trabalho minucioso que analisa mais de 300 contos folclóricos
da literatura russa. O estudioso, após fazer um levantamento detalhado da estrutura
desses contos, elege 150 elementos que lhes são comuns e que desempenham 31
funções. Esse critério, apesar de detalhado, culminou em uma teoria demasiado
extensa do gênero, considerando que Propp tratava apenas dos contos maravilhosos.
Dessa forma, a sua conceituação precisou passar por uma síntese para tornar-se mais
apreensível enquanto modelo de análise para outros estudiosos do conto.
Nesse sentido, um importante conceituador do conto maravilhoso foi o linguista
francês de formação estruturalista Claude Brémond (1929 – 2021). Segundo Gotlib
92
(1999), Brémond propõe uma síntese dos estudos realizados por Propp para classificar
a estrutura do conto. Basicamente, o que Brémond afirma é que as 31 funções de
Propp podem ser resumidas a três: (1) abertura de uma possibilidade, (2) realização da
possibilidade (com sucesso ou fracasso) e (3) desfecho. Em outras palavras, de acordo
com essa estrutura, o conto possui princípio, meio e fim, ficando o seu desfecho com a
parte mais importante de sua constituição.
Um pouco diferente do conto maravilhoso (ou mítico) são os contos modernos/
contemporâneos. Ainda que sejam também caracterizados pela brevidade, o conto
moderno/contemporâneo se baseia em uma estrutura mais complexa.
Esse modelo é associado à obra de Edgar Allan Poe (1809-1849), escritor norte-
americano que fez dos contos de terror o grande paradigma do conto moderno.
Além de inaugurar a forma moderna do conto, Poe foi também um de seus
conceituadores. Neste campo, sua maior contribuição foi o conceito de “unidade de
efeito”, que pode ser associado ao efeito catártico atribuído à tragédia grega. Para
Poe, esse efeito na construção da contística obedece a uma gradação que vai se
encaminhando para o desfecho na medida em que se intensifica, criando um impacto
sobre o leitor. Embora esse efeito possa ser verificado em qualquer conto, isto é, não
necessariamente apenas em contos de terror ou policiais, como nos de Poe, é nesse
subgênero que ele se configura de maneira mais clara para causar o efeito contundente,
o que explica o fato de ele ter se tornado uma espécie de paradigma dessa forma
narrativa.
Além de Poe, outros contistas elaboraram conceituações acerca do gênero,
unindo prática e teorização. Guy de Maupassant (1850 – 1893) compôs contos que se
pautavam no princípio da “fluência natural do acontecimento”, como podemos ver a
partir de um trecho de “O Horla”:
[...]
Minha casa é ampla, pintada de branco por fora, bonita,
antiga, meio de um grande jardim com árvores mag-
nífica e que sobe até a floresta, escalando os enormes
rochedos de que lhes falei há pouco.
Minha criadagem compõe-se, ou melhor, compunha-se
de um cocheiro, um jardineiro, um camareiro, uma co-
zinheira e uma roupeira que era ao mesmo tempo uma
espécie de governanta. toda essa gente morava comi-
go havia dez a dezesseis anos, todos me conheciam,
conheciam minha casa, a região, tudo o que cercava a
minha vida. Eram bons e tranquilos servidores. isso im-
porta para o que vou dizer.
[...]
O inverno tinha passado, a Primavera começava. Eis que
uma manhã, quando passeava junto ao canteiro das
roseiras, vi, vi distintamente, muito próximo de mim, o
caule de uma das rosas mais bonitas quebrar se como
se uma espécie de mão invisível a tivesse colhido; em
seguida a flor fez a curva que teria descrito um braço
para levá-la a uma boca, que permaneceu suspensa no
ar transparente sozinha, imóvel, assustadora, a três pas-
sos de meus olhos.
93
Tomado por um pânico louco, atirei-me sobre ela para
apanhá-la. Não achei nada. Tinha desaparecido. Então
fui tomado de uma cólera furiosa contra mim mesmo.
Não se permite que um homem racional e sério tenha
alucinações desse tipo!
Mas seria mesmo uma alucinação? Procurei o caule.
Encontrei-o imediatamente, recém-cortado, no arbus-
to entre duas outras rosas que continuavam presas ao
ramo; porque eram três as rosas que eu tinha visto per-
feitamente.
então voltei para casa, o espírito agitado. Senhores, es-
cutem me, estou calmo; eu não acreditava no Sobrena-
tural, e mesmo hoje não acredito; mas a partir daquele
momento fiquei certo, certo como do dia e da noite, que
existe a meu lado um ser invisível que me habitara, de-
pois me deixara, e que voltava.
[...]. (MAUPASSANT, 2009, p. 652-654).

Esse modo de percepção do contista guia o processo narrativo pelo qual o conto se
configura, de modo que o efeito de naturalidade resulta de um processo de elaboração
estética bastante depurada por parte do autor.
Em grande parte dos contos desse escritor francês, há um trabalho de narração que
parte de um acontecimento casual, comum e cotidiano que culmina em um desfecho
desorientador ou desconcertante para o leitor. O contista busca, assim, ressignificar a
percepção do leitor, anestesiada pela vida comum e pelo individualismo frenético.
Anton Tchecov (1860 – 1904), outro contista e conceituador do conto, ressalta
duas principais características importantes: a unidade de efeito e a contenção, já que
todo conto se submete ao princípio da brevidade. O grande mérito da conceituação de
Tchecov, de acordo com Gotlib (1990), é o fato de ele:
avançar no sentido de libertar o conto de um de seus
fundamentos mais sólidos: o do acontecimento. E, neste
aspecto, afasta-se do conto de acontecimento extraor-
dinário, tal como o conto de Poe. E afasta-se também do
conto de simples acontecimento, tal como o conjunto
de contos de Guy de Maupassant. (GOTLIB, 1990, p. 46).

Vamos exemplificar os princípios composicionais de Tchecov a partir do conto


“Coisa-ruim” que, por tratar da temática do sobrenatural, nos permite visualizar um
tratamento diverso do de Maupassant:
– Quem é?
Não há resposta. O guarda não vê nada, mas por entre
o barulho do vento e o ramalhar das árvores sente per-
feitamente que anda alguém a calcorrear a álea à fren-
te dele. A noite de Março, cerrada e nevoenta, envolve a
terra, e parece ao guarda que a terra, o céu e ele próprio
mais os seus pensamentos se fundiram numa coisa úni-
ca, enorme, impenetravelmente negra. Só às palpadelas
se pode andar.[
– Quem é? – repete o guarda, e parece-lhe ouvir um sus-
94
surro e um riso contido. – Quem está aí?
– Sou eu, paizinho... – responde uma voz de velho.
– Tu, quem?
– Eu... um caminheiro de Cristo.
– Caminheiro? – diz o guarda num grito zangado, mas
a sua voz gritada é mais para disfarçar o medo. – Andas
por onde não és chamado! Esta agora, diabo do homem
a passear-se à noite no cemitério!
[...]
Ajuda-me, por amor de Cristo. Não vejo nada e arreceio-
-me de andar sozinho num cemitério. Tenho medo, ami-
go, muito medo.
– Era só o que me faltava – suspira o guarda. – Está bem,
vamos lá!
O Guarda e o romeiro põem-se a caminho. Juntos, om-
bro com ombro, calados. O vento húmido, acutilante,
bate-lhes na cara, e as árvores invisíveis, ramalhando
crepitantes, despejam por cima deles salpicos grossos.
A álea é, quase toda, uma sucessão de charcos.
– Só uma coisa me faz espécie – diz o guarda depois de
um longo silêncio –, como é que entraste? É que o por-
tão está fechado a cadeado. Subiste à cerca, foi? Mas
olha que saltar por cima da cerca não é coisa para ve-
lhos!
[...].
(TCHÉKHOV, 2001, p. 148-150).

Percebe-se na construção da ambientação do conto de Tchékhov uma tensão


interna que resulta da proximidade do narrador em relação aos fatos. Disso resulta uma
espécie de dissolução entre o que é real e o que é resultado da imaginação. No conto
de Guy de Maupassant, essas fronteiras são claramente definidas.
Assim, o efeito da conceituação de Anton Tchékhov se baseia no princípio de que
livre da obrigação do discernimento entre o que é acontecimento e o que é imaginação,
o conto adquire maior liberdade enquanto obra de ficção, uma vez que:
não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso
com o evento real. Nele, realidade e ficção não têm limi-
tes precisos. Um relato, copia-se; um conto, inventa-se,
afirma Raúl Castagnino. (GOTLIB, 1990, p. 14).

A partir da obra de James Joyce, surge, por sua vez, o conceito de epifania:

Epifania, tal como a concebeu James Joyce, é identifica-


da como uma espécie ou grau de apreensão do objeto
que poderia ser identificado com o objetivo do conto,
enquanto uma forma de representação da realidade.
(GOTLIB, 1990

O livro Dublinenses é uma coletânea de contos em que Joyce narra diversos


episódios da vida dos moradores de Dublin. “Os mortos” é o conto que encerra o livro,
como uma espécie de ciclo da vida local.
95
Nesse conto, Joyce lança mão de uma narrativa detalhista sobre o tradicional
baile natalino das irmãs Morkan, alçado na cultura e no cotidiano dublinense que dão
um clima especial ao conto. Cada detalhe, no entanto, não é, como pode parecer à
primeira vista mera descrição. Em verdade, o encadeamento de detalhes – construindo
espécies de cenas da vida familiar – é responsável por condicionar a tensão do conto:
[...]
Era sempre um grande acontecimento, a festa anual
das irmãs Morkan. Todo mundo que as conhecia vinha
à festa, parentes, velhos amigos da família, integrantes
do coral em que Julia cantava, alunos de Kate com ida-
de suficiente, e até mesmo alguns dos alunos de Mary
Jane. A festa jamais fracassara. Ano após ano tudo sem-
pre transcorrera em grande estilo até onde as pessoas
podiam se lembrar; desde que Kate e Julia, depois da
morte do irmão, Pat, mudaram-se da casa em Stoney
Batter e levaram Mary Jane, única sobrinha, para morar
com elas em Usher's Island numa casa escura e lúgubre,
cuja parte superior fora alugada de um tal Mr. Fulham,
um negociante de cereais que morava no andar térreo.
Isso fora há exatamente trinta anos.
[...]
(JOYCE, 2012, p. 158).

O clima de festa construído culmina em uma música específica que liga os


acontecimentos ocorridos na casa das irmãs Morkan aos protagonistas Gabriel e Gretta.
Ao longo do conto, Gabriel mostra-se apaixonado pela esposa, ao passo que esta
demonstra certa timidez ou frieza. Essa dissonância cria uma falta de sintonia entre o
casal, até que, afastados da festa, ocorre uma situação que desencadeia um momento
de tensão insuperável entre os protagonistas:
[...]
Gabriel, trêmulo de prazer diante do beijo inesperado e
das palavras inusitadas, passou levemente as mãos nos
cabelos dela, quase sem tocálos. Os cabelos estavam la-
vados e viçosos. O coração dele transbordava de felici-
dade. Exatamente quando mais a desejava ela viera por
vontade própria. Talvez os pensamentos dela estives-
sem correndo paralelamente aos dele. Talvez ela tivesse
sentido o desejo impetuoso que o consumia, e então re-
solvera ceder. Agora que ela se rendera tão facilmente,
ele se perguntava por que tinha sido tão tímido.
Segurou o rosto dela entre as mãos. Então, envolvendo-
-a com um dos braços e trazendo-a para junto de si, dis-
se à meia-voz:
– Gretta, querida, em que você está pensando? Ela não
respondeu e tampouco cedeu inteiramente ao abraço.
Ele repetiu, à meia-voz:
– Conta pra mim, Gretta. Acho que já sei do que se trata.
Será que sei?
96
Ela não respondeu de imediato. Então disse em meio a
uma explosão de lágrimas:
– Ah, estou pensando naquela canção, The Lass of Au-
ghrim.
Desvencilhou-se dos braços dele e correu para a cama
e, agarrando-se à cabeceira, escondeu o rosto. Gabriel
ficou atônito durante alguns instantes e então foi ao
encontro dela. Quando passou na frente do espelho gi-
ratório viu sua própria figura, em corpo inteiro, o tórax
largo e robusto, o rosto cuja expressão sempre o intriga-
va quando diante de um espelho e os óculos dourados,
brilhantes. Deteve-se a alguns passos dela e disse:
– O que tem a ver a canção? Por que ela te faz chorar?
Ela ergueu a cabeça que estava apoiada nos braços e
enxugou os olhos com as costas da mão como uma
criança. A voz dele assumiu um tom mais benévolo do
que ele pretendia.
– Por que, Gretta? – ele perguntou.
– Estou pensando numa pessoa que muito tempo atrás
costumava cantar aquela canção.
[...]
– Ele está morto – ela disse finalmente. – Morreu aos de-
zessete anos de idade. Não é terrível morrer tão jovem
assim?
[...].
(JOYCE, 2012, p. 192-194).

Atravessados pelo morto que fizera parte do passado de Gretta, os protagonistas


vivem situações que mostram a intensidade rítmica da vida em direção à morte. Esse
processo, detalhadamente construído pelo autor, é responsável pelo efeito epifânico
que Joyce conceitua como um princípio essencial do conto.
O conceito de epifania seria o efeito alcançado pelo conto, a sua beleza estética,
porque congrega todos os outros elementos, desde os detalhes do ambiente até as
caracterizações das personagens, entretecidos de modo a alcançar esse efeito.
Joyce elege ainda outros dois elementos que constituem a espinha dorsal do conto:
a integridade (a obra integral, o seu universo particular) e a simetria (partes e suas
relações com o todo), sem os quais não é possível alcançar a epifania.

VAMOS PENSAR?
Analise os conceitos de unidade de efeito (de Edgar Allan Poe) e de epifania (de James Joy-
ce) e estabeleça as suas semelhanças e diferenças quanto ao que se propõem alcançar
na estrutura do conto.
97
Por fim, outros dois contistas que oferecem conceituações ao conto são Júlio
Cortázar (1914 – 1984) e Ricardo Piglia (1941 – 2017), ambos argentinos. Cortázar (2006), ao
conceituar a brevidade do conto, utiliza-se da comparação entre cinema e fotografia, de
modo que o cinema se associaria, em termos de extensão, ao romance e a fotografia, ao
conto. Nesse sentido, a fotografia e o conto se configuram por um paradoxo: constituem-
se em “unidades fechadas” e “fragmentárias” que, no entanto, apontam para fora, para
um todo (do qual fazem parte, do qual são fragmentos), de modo que os limites aos
quais estão submetidos devem constituir a direção da amplitude que podem alcançar.
Na conceituação de Cortázar (2006), o princípio da forma contística é o da
seleção, e não da acumulação (princípio do romance), e essa economia, quando bem
orientada, consegue produzir um efeito sobre o leitor. Buscando evidenciar esse efeito,
ainda considerando as nuances que caracterizam o conto em face do romance, ele
compara o método do contista ao do boxista: no combate entre um texto apaixonante
e o leitor, o romance ganha por pontos (ou seja, cumulativamente), enquanto o conto
deve ganhar por nocaute.
Para além de lançar luz sobre a sua própria forma de escrever contos, Cortázar
chama a atenção para a transformação sistemática pela qual o gênero passa no século
XX, de modo que a forma narrativa pela qual se estrutura, em uma acepção clássica
(início, meio e fim de um acontecimento) vai perdendo rigidez para ganhar nuances
mais elaboradas que levam em conta o dado implícito, isto é, uma “ordem mais secreta
e menos comunicável”, o não dito, o subentendido. E, nesse sentido, o conto acaba por
se aproximar da poesia, sobretudo, por conciliar síntese formal (baseada na economia
de palavras) a um sentido que lhe é subjacente, sugestivo e mais oculto. Nas palavras
de Cortázar, esse processo de aperfeiçoamento do conto moderno o torna: “tão secreto
e voltado para si mesmo, caracol de linguagem, irmão misterioso da poesia em outra
dimensão do tempo literário.” (CORTÁZAR, 2006, p. 149).
Portanto, para o crítico, o conto se caracteriza como “uma síntese viva ao mesmo
tempo que uma vida sintetizada.” (CORTÁZAR, 2006, p. 150). E o princípio da síntese
é o mais estrutural de todos, uma vez que, “o contista sabe que não pode proceder
acumulativamente, verticalmente, seja para cima ou para baixo do espaço literário”.
(CORTÁZAR, 2006, p. 152). Sendo assim, se o conto se aproxima da fotografia, espaço e
tempo (elementos primordiais de uma narrativa) devem passar por um processo de
condensação de “alta pressão” que elimina tudo o que não for essencial para que se
consiga o efeito de “abertura” para fora de sua limitação. Assim:
Um conto é significativo quando quebra seus próprios
limites com essa explosão de energia espiritual que ilu-
mina bruscamente algo que vai muito além da pequena
e às vezes miserável história que conta [...]. (CORTÁZAR,
2006, p. 153).

Acrescenta-se a esta uma última conceituação do conto: a de Ricardo Piglia.


Levando em consideração a complexidade alcançada pelo conto moderno/
contemporâneo, Piglia desenvolve sua conceituação a partir de duas teses: 1) um conto
sempre conta duas histórias; 2) a história secreta é a chave para a sua compreensão. A
partir dessa distinção, o autor contrasta o conto clássico ao moderno:
98
A versão moderna do conto [...] abandona o final surpre-
endente e a estrutura fechada, trabalha a tensão entre
as duas histórias sem nunca resolvê-la. A história secreta
é contada de um modo cada vez mais alusivo. O conto
clássico à Poe contava uma história anunciando que ha-
via outra; o conto moderno conta duas histórias como
se fossem uma só. (PIGLIA, 2004, p. 91).

Procedendo dessa forma, o conto moderno/contemporâneo se baseia na


construção de uma ausência que deve ser preenchida pelo leitor, privilegiando-se o
não dito, o alusivo e o sugestivo. Nessa conceituação também podemos dizer que o
conto é a forma em prosa que mais se aproxima da poesia em se tratando de princípios
de composição.

FIQUE ATENTO
Entre os contos maravilhosos mais famosos encontram-se os contos dos irmãos Grimm.
Jacob Ludwig Karl Grimm e Wilhelm Karl Grimm compuseram os famosos contos de fada
que foram adaptados pela Disney para a televisão, como “Branca de neve”, “Chapeuzinho
vermelho”, “A Bela Adormecida”, “Rapunzel”, “João e Maria”, entre outros. Esses contos ainda
exercem forte inspiração nas obras destinadas ao público infantil, tanto as literárias quanto
as cinematográficas e, mais recentemente, as feitas pelas plataformas de streaming.

Essas distintas conceituações servem para analisarmos contos que se valem de


diferentes princípios de composição e, embora haja uma tendência de o conto moderno/
contemporâneo se caracterizar por uma elaboração mais complexa, isso não significa
que os princípios do conto clássico (início, meio e fim de um acontecimento) tenham
sido completamente abandonados. Cada contista opta por estruturar a sua narrativa
de acordo com a estrutura que mais lhe convém e que corresponde às suas intenções
estéticas.
Na literatura brasileira, existe uma gama considerável de contistas. Entre os
mestres do gênero situam-se Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Júlia Lopes de
Almeida, Lima Barreto, João Alphonsus, João do Rio, Clarice Lispector, Lygia Fagundes
Teles, Murilo Rubião, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Fernando Sabino, Ana Cristina
César, entre muitos outros.

Outras formas narrativas breves

A fábula é outra forma literária que se configura a partir de uma narrativa breve.
Segundo Yves Stalloni, o termo:

[...] deriva do latim fabula, que significa relato, narrativa.


O primeiro sentido de fábula remete a essa origem e re-
cobre um simples conteúdo narrativo. Durante a Idade
Média, a palavra francesa fable (fábula) tende a confun-
dir-se com o vocábulo fabliau e aplica-se igualmente
aos relatos mitológicos. (STALLONI, 2007, p. 125).
99
Esse tipo de narrativa se identifica às formas clássicas na medida em se baseia
em um relato com narrador, personagens, tempo e espaço que recorre ao imaginário
simbólico para transmitir uma lição ou um ensinamento. Assim, a fábula possui uma
dimensão fortemente inclinada à educação moral.
Em sua origem, a fábula seguia certas “leis” gerais de composição: “ser curta, utilizar
personagens que podem ser animais de valor simbólico, basear-se numa narração (o
apólogo), que prepara uma lição (a moral), tudo escrito em versos.” (STALLONI, 2007, p.
125).
Ao longo do tempo foi-se abandonando a sua relação exclusiva com o verso, mas
não com a oralidade, de modo que ela se aproxima das formas populares de narração,
tanto que, por vezes, ela se desprende de um determinado autor para se fixar como
parte do repertório popular, sendo contada repetidas vezes em função da moral que
encerra. O processo de zoomorfização também ainda se mantém como fundamental
na constituição do gênero.
Na literatura brasileira, Monteiro Lobato é autor de diversas fábulas que seguem o
modelo grego clássico de Esopo e Fedro, assim como o do francês Jean de La Fontaine:
A assembleia dos ratos
Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço
na rataria de uma casa velha que os sobreviventes, sem
ânimo de sair das tocas, estavam a pronto de morrer de
fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se
em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram
para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios
pelo telhado, fazendo sonetos à Lua.
– Acho – disse um deles – que o meio de nos defender-
mos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço.
Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-
-nos ao fresco a tempo.
Palavras e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto
foi aprovado com delírio. Só votou contra um rato cas-
murro, que pediu a palavra e disse:
– Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo
no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó.
Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham
coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral
consternação.

Dizer é fácil, fazer é que são elas!


(“A assembleia dos ratos”, Fábulas. Monteiro Lobato).

A literatura de cordel também apresenta muitos exemplos desse gênero e o


fortalece, tanto em prosa quanto em verso, pois tende a se nutrir organicamente de
elementos populares.
De acordo com Yves Stalloni, além da fábula, podemos elencar como formas
narrativas breves: o relato de viagem, a crônica, a parábola, as lendas, as memórias e
100
até mesmo as piadas.
Em suma, as formas narrativas podem ser divididas conceitualmente, conforme
vimos no decorrer desta unidade, em formas longas (epopeia e romance), forma
intermediária (novela) e formas breves (conto, fábula etc.). Todas elas, porém,
apresentam em comum o ato narrativo que se configura pela intenção de contar
fatos ou acontecimentos que são, para tanto, organizados em forma de relato, o que
pressupõe uma estruturação e ordenação dos acontecimentos de maneira peculiar.
Outra característica em comum é a mistura, orientada para mais ou para menos,
entre elementos ficcionais e realidade. E, por fim, a prosa se configura como o modo
privilegiado das formas narrativas modernas, ficando o verso predominantemente ao
domínio da lírica, ainda que possa aparecer na configuração da fábula.
De todas as formas narrativas aventadas, o romance se converte em uma forma
mais expressiva da modernidade, assim como a epopeia gozou de maior distinção na
estética clássica. E é importante dizer que o romance é uma forma que incorpora um
princípio caro à concepção dos gêneros literários no período pós-romântico: a mistura
de gêneros e estilos. Nesse sentido, ele é considerado como um gênero “canibal”, que
devora as outras formas, acomodando-as dentro de sua plasticidade orgânica.
Em síntese, todas as formas narrativas visam, no fim das contas, contar uma história
e, por isso, se estruturam de maneira similar, mas mantendo certas especificidades de
acordo com a função que desempenham. Podemos compreender as formas narrativas
estudadas nas unidades 3 e 4 a partir das seguintes características:

– Epopeia: historicamente, é a primeira modalidade narrativa, isto é, aquela


que inaugura o gênero, e se configura como um longo poema que narra temas de
caráter histórico, baseando-se em grandes acontecimentos de dimensão coletiva e
nacional a partir de um estilo grandiloquente, isto é, solene elevado, tendo entre seus
personagens a figura de destaque do herói. Essa foi a forma predominante, e considerada
hierarquicamente superior, em todo o período clássico.
– Romance: narrativa longa composta por capítulos que estabelecem uma
sequência narrativa em prosa, com número ilimitado de personagens e acontecimentos
conjugados a um tempo e espaço e conduzidos por um narrador. diferentemente da
epopeia, o estilo romanesco associa se ao falar, isto é, tem uma concepção usual da
linguagem, incorporando discursivamente outros tipos de discursos que gravitam na
vida social, nutrindo-se organicamente de seu contexto histórico. Por sua complexidade,
o romance não é apenas uma narrativa de entretenimento, pois encerra questões que
levam a profundas reflexões.
– Novela: assim como o romance, a novela apresenta uma narrativa organizada
por uma sequência de episódios com personagens, acontecimentos, tempo e espaço
ordenados por um narrador. No entanto, esta forma se diferencia do romance na
medida em que apresenta a menor densidade narrativa e uma sequência de capítulos
que podemos ler autonomamente como episódios. Além disso, a novela se aproxima
do drama na medida em que todos os eventos/acontecimentos convergem para uma
cena final ou desfecho e, nesse sentido, ela possui uma unificação mais direcionada a
partir, como vimos, de um recorte especialmente delimitado para alcançar esse efeito.
– Conto: narrativa em prosa que se caracteriza pela brevidade e economia de
meios orientadas para um efeito surpreendente. Assim, o conto é a forma narrativa em
prosa que mais se aproxima dos princípios de composição da poesia, pois também lida
101
com a concisão enquanto princípio formal e de significação.
– Fábula: assim como o conto, a fábula se caracteriza pela brevidade, mas não se
orienta para um efeito surpreendente. Seu intuito e sua função é produzir uma lição ou
um ensinamento moral. Tem profunda relação com a oralidade e, em geral, se realiza
quanto às personagens, por um processo de zoomorfização.
102
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (Adaptada) Ano: 2021Banca: AMEOSC - Associação dos Municípios do Extremo
Oeste de Santa Catarina – AMEOSC Prova: AMEOSC – Prefeitura – Professor de Língua
Portuguesa – 2021

Analise as assertivas seguintes:

I. "Trata-se de uma narrativa curta que, em geral, apresenta apenas um conflito,


narrador, enredo, personagens, espaço, tempo, dentre outros componentes".
II. "Trata-se de um gênero textual discursivo que narra situações cotidianas da vida
urbana. A linguagem costuma ser leve e coloquial".
III. Trata-se de um texto narrativo longo, em prosa que tem na sua composição:
narrador, personagens, ação, espaço e tempo. Surgiu no século XVIII. (...) Além disso,
pode ser classificado como: monofônico, polifônico, fechado, aberto, linear, vertical
ou psicológico.
As assertivas contêm elementos que caracterizam, respectivamente:
a) Conto, crônica, romance.
b) Romance, novela, epopeia.
c) Crônica, romance, conto.
d) Novela, epopeia, conto.
e) Novela, romance, epopeia.

2. A origem da novela moderna, na definição de Yves Stalloni (2007), está associada:

a) à necessidade de narrar feitos cotidianos com leveza.


b) ao princípio da transmissão da experiência de personagens considerados exemplares.
c) aos valores da vida moderna e urbana.
d) à construção de um gênero narrativo intermediário.
e) à transmissão por meio da narração de um acontecimento recente (“contar as boas
novas”).

3. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC Órgão: Prefeitura de Guarujá do Sul - SC Prova:
AMEOSC - 2021 - Prefeitura de Guarujá do Sul - SC - Professor - Português - Edital 01

Gênero literário é expressão utilizada nas diferentes formas de arte, para denominar um
conjunto de obras que apresentam características semelhantes de forma e conteúdo.
Sobre os "Gêneros Literários " marque a afirmação INCORRETA.

a) Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, Ilíada e Odisseia, de Homero, exemplificam a


Epopeia ou o estilo Épico.
b) Crônica é uma narrativa informal, ligada à vida cotidiana, com linguagem coloquial,
breve, com um toque de humor e crítica.
c) No gênero narrativo, temos somente: romance, conto, fábula e epopeia.
d) A classificação das obras literárias pode ser feita de acordo com critérios semânticos,
sintáticos, fonológicos, formais, contextuais e outros.
103
e) No gênero romance, o narrador pode ser personagem, observador ou possuir total
conhecimento dos fatos sem participar da intriga.

4. De acordo com o conteúdo estudado ao longo da unidade, analise o excerto a seguir


e identifique o tipo de narrador configurado.
[...] Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se
acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe
o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos,
tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!
Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços
dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada
mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e
estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

(ASSIS, Machado de, “A cartomante”. Machado de Assis: contos e crônicas. Rio de Janeiro:
Malê, 2019).

a) narrador homodiegético (participa da narrativa).


b) narrador heterodiegético (observador).
c) narrador heterodiégético (participa da narrativa, mas não se confunde com as
personagens).
d) narrador onisciente (tem conhecimento de tudo).
e) narrador homodiegético (não participa da narrativa).

5. Ano: 2022; Banca: PS Concursos; Prova: PS Concursos - Prefeitura de Sombrio -


Operador de Equipamentos - 2022

Os gêneros textuais reúnem diversos tipos de textos, sendo classificados conforme suas
características em relação à linguagem e ao conteúdo. O Texto Narrativo é um tipo de
texto que apresenta um enredo com tempo, espaço, personagens e um narrador. Sua
estrutura é dividida em apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho.
São gêneros dessa tipologia, EXCETO:

a) Romance
b) Novela
c) Crônica
d) Reportagem
e) Lendas

6. De acordo com a conceituação de J. Cortázar (2006) acerca do conto, preencha as


lacunas do texto abaixo e assinale a alternativa correspondente:
[...] o princípio da forma contística é o da _______, e não da _______ (princípio do
romance), e essa economia, quando bem orientada, consegue produzir um _______
sobre o leitor. [...].

a) narração; descrição; impulso.


b) descrição; narração; efeito.
104
c) acumulação; seleção; impulso.
d) seleção; acumulação; efeito.
e) acumulação; narração; efeito.

7. Ano: 2021; Banca: MS Concursos; Prova: MS Concursos - Prefeitura de Campo Grande


- Professor - Área: Educação Infantil - 2021

“Uma raposa faminta, ao ver cachos de uvas suspensos em uma parreira, quis pegá-
los, mas não conseguiu. Então, afastou-se dela, dizendo: “Estão verdes””.
Este texto é um exemplo de um dos gêneros da Literatura Infantil, marque a alternativa
que o identifica:
a) Fábulas.
b) Crônicas.
c) Contos.
d) Lendas.
e) Novelas.

8. Ano: 2022; Banca: Centro de Treinamento e Desenvolvimento - CETREDE; Prova:


CETREDE - Prefeitura de Paraipaba - Agente Administrativo - 2022

Leia o texto a seguir para responder as questões de 1 a 3.

A RAPOSA E AS UVAS

Certa raposa esfaimada


encontrou uma parreira
carregadinha de lindos
cachos maduros, coisa
de fazer vir água à boca.
Mas tão altos que nem
pulando.
O matreiro bicho torceu
o focinho.
- Estão verdes – murmurou.
– Uvas verdes, só
para cachorro.
E foi-se.
Nisto deu o vento e
uma folha caiu.
A raposa ouvindo o
barulhinho voltou
depressa e pôs-se
a farejar.
Quem desdenha quer comprar.
(LOBATO, Monteiro. Fábulas, 31 ed. São Paulo, Brasiliense, 1982. P. 148).
Esse texto é do tipo narrativo e o gênero é um(a):
105
a) Poema.
b) Melodia.
c) Crônica.
d) Fábula.
e) Conto.
FORMAS DRAMÁTICAS
107
5.1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade vamos nos aprofundar na caracterização das formas dramáticas,


suas configurações estruturais, temáticas e a subdivisão estilística do gênero em
tragédia, comédia, auto e farsa. Além disso, a unidade também aborda a configuração
do drama contemporâneo e suas tendências.
A primeira distinção que se deve fazer a respeito do gênero dramático é a sua
natureza híbrida, pois ele se configura em duas dimensões complementares: o texto e a
encenação:
O texto dramático é aquele que se qualifica para a ence-
nação. isso se verifica quando, prescindindo do palco, o
texto o evoca como instância complementar para a to-
talização de seus efeitos estéticos. Tal designação apon-
ta especificamente para todas as informações que se
inscrevem no conjunto escritural, incluindo-se aí o título
e (quando há) a sugestão autoral de inserção da obra
numa das espécies do gênero; a distribuição dos discur-
sos pelos intérpretes e as de das calhas ou rubricas des-
tinadas à direção cênica. O adjetivo dramático explicita
a abordagem do texto como objeto literário, pelo critério
da análise das estratégias discursivo-poéticas que lhe
conferem qualidades artísticas. (SOUZA, 1999, p. 71).

O gênero dramático, embora também constitua, por fim, uma espécie de narrativa,
não se configura como as formas vistas anteriormente. Isso porque, ele se caracteriza
por ser um gênero híbrido, pois é composto, a partir de critérios formais, textualmente
falando. No plano da realização, no entanto, ele se destina, sobretudo, à representação
cênica, isto é, ao espetáculo.
Outra diferença substancial em relação às formas narrativas é que, no gênero
dramático, as personagens se apresentam sem a intermediação constante do narrador,
já que o enredo teatral é composto majoritariamente por diálogos e/ou monólogos.
De acordo com Stalloni (2007, p. 41-46), podemos discernir entre o texto narrativo e o
texto teatral a partir de alguns critérios:

1º – Enunciação: o processo pelo qual se constrói o enunciado no gênero dramático


se baseia em uma pretensa objetividade que se exprime por meio da fala e da ação
(ato) das personagens, em oposição ao ponto de vista ou foco narrativo que caracteriza
a narração.
2º – Tempo: o gênero dramático apresenta uma “temporalidade suspensa,
contemporânea da representação” (STALLONI, 2007, p. 41). Assim, o tempo dramático
é o aqui e agora, o “ao vivo” da ação teatral. Além disso, a sua estrutura temporal se
orienta por cortes e sequências que constituem encaixes entre as cenas e os atos.
3º – Linguagem: o texto dramático se caracteriza por uma linguagem própria que
constrói uma perspectiva por meio de diálogos ou monólogos. Em ambos os casos, a
sua construção se pauta na fala da(s) personagem(ns). Dentro de sua especificidade
linguística situam-se os comentários de “efeito de direção”, as chamadas didascálias,
pelas quais o escritor/compositor tece considerações relevantes acerca da
108
caracterização das personagens, do cenário ou do jogo cênico de modo a direcionar a
ação.
4º – Personagem: a persona (máscara) constitui o centro do gênero dramático.
É nela que se situa todo o interesse da representação, de modo que os conflitos de um
“eu” são o motivo pelo qual este é posto em cena. E outra característica distintiva do
gênero é que, no drama as personagens possuem uma “fala dupla” que se dirige, ao
mesmo tempo, para outra personagem (em caso de diálogo) ou para ela mesma (em
caso de monólogo) e para o público.

FIQUE ATENTO
“Originalmente, no teatro grego, as didascálias eram destinadas aos intérpretes. No teatro
moderno, em que falamos de indicações cênicas, trata-se dos textos que não se desti-
nam a ser pronunciados no palco, mas que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a
ação e as personagens. Esses textos são igualmente úteis ao diretor e aos atores durante
os ensaios, mesmo que eles não os respeitem. Distinguimos as indicações que concernem
apenas a condução da narrativa (...) daquelas que seriam estritamente cênicas.”. (RYN-
GAERT, 1996, p. 44).

Por assim ser, esse gênero se configura, essencialmente, pela relação entre
texto e “teatralidade”. De um lado, temos o texto teatral configurado a partir de meios
específicos: sequências compostas por diálogos.
Do ponto de vista de sua estrutura interna, o texto teatral apresenta-se por meio
de uma exposição que visa deflagrar um conflito, um enredo que conduz esse conflito
em certo sentido, as peripécias que o cercam e um desfecho ou desenlace.
A relação entre a configuração textual e a teatralidade, isto é, o caráter
eminentemente representativo do gênero, é resumida em duas dimensões que lhe são
inerentes, de acordo com o autor:
– um lugar particular sobre o qual se põe em ação uma
fala sustentada por efeitos e uma “representação” e que
se opõe a um outro lugar (o theatron, lugar em que fica
o público), do qual se vê a ação;
– um texto dramático especialmente carregado de situ-
ações conflitantes transponíveis por vias visuais e sono-
ras de forma a tornar-se “espetáculo” e a produzir efeitos
sobre o público.
(STALLONI, 2007, p. 48).

Composto, a princípio, para ser encenado, o texto dramático contém, portanto,


a dimensão dramatúrgica. Por dimensão dramatúrgica entende-se os elementos que
convergem para a realização cênica do texto. Conforme Souza (1999), estamos falando
de uma forma de “dupla valência [...] que adquire uma primeira existência sob o formato
textual e conquista seu estatuto fundamental no formato de espetáculo.” (SOUZA, 1999,
p. 72-73), daí o seu caráter plurimidiático e multidimensional.
A obra dramática incorpora, assim, no plano textual, diferentes procedimentos
discursivos que combinam a narratividade épica à subjetivação lírica (pela centralização
nas personagens); e no plano cênico recorre a sistemas não verbais de significação
109
(sobretudo visuais e sonoros) como forma de configurar ou transpor o texto para o plano
da ação. Esses sistemas (verbais e não verbais) se interligam de modo a confluírem para
a produção de efeitos. Podemos considerar como parte do sistema verbal tudo quanto
emerge do diálogo das personagens, e do não verbal todos os aspectos que envolvem
a constituição do cenário, da caracterização dos atores, desde suas vestimentas até os
gestos.
Em suma, as categorias estruturais de análise da obra dramática consistem na/
no:
- Ação dramática: dinâmica específica das cenas;
- Personagem dramática: agente da dramatização;
- Tempo e espaço: microcosmo cênico físico (visto) e metafísico (aludido);
- Enunciação dramática: modo de organização da peça.

Com base nesses elementos gerais distintivos do gênero, podemos adentrar a


seara das espécies ou dos estilos que compõem o gênero dramático. De acordo com
Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 57), as principais espécies dramáticas são: a tragédia,
a comédia, o auto e o drama. Vejamos de forma mais detalhada cada uma delas.

5.1.1 Tragédia

A tragédia exerceu forte influência sobre a sociedade grega do século V a.C. A


palavra tragédia deriva da junção das palavras gregas tragos (bode) e óide (canto)
que exprimiam, na origem dessa forma dramática, a relação com o culto a Dionísio, e
sua proximidade com o canto, pois era composta em versos para ser declamada por
personas (atores que usavam máscaras).
No entanto, a palavra que mais se aproximava de exprimir com certa fidelidade o
conteúdo da tragédia seria fatum (STALLONI, 2007, p. 52), termo que podemos traduzir
como “destino”, uma vez que, a tragédia se fundamenta na dinâmica de transformação
de um herói em direção a um destino cruel e inevitável, sendo que a acepção da tragédia
como portadora do trágico, isto é, de uma situação incontornável e dolorosa, é uma
apropriação moderna que ocorre a partir do século XIX.
Na definição clássica de Aristóteles:
A tragédia é, portanto, imitação de uma ação nobre le-
vada até o final e tendo uma certa extensão, numa lin-
guagem realçado por detalhes espirituosos dos quais
cada espécie é utilizada separadamente de acordo com
as partes da obra; é uma imitação feita por personagens
em ação e não por meio de uma narração e que, por
intermédio da Piedade e do temor, realiza purgação das
emoções desse gênero.

De maneira particular, a tragédia se aproxima da epopeia, na acepção clássica,


na medida em que ambas se ocupam de seres superiores em tom igualmente elevado
e superior.
Por ser representada através da ação direta das personagens, a tragédia privilegia
o desenrolar de situações que envolvem uma personagem nobre (herói trágico) até o
desenlace da crise que se configura por meio de sua exposição dialogal. Nesse sentido,
110
Aristóteles conceitua o processo da configuração da tragédia como uno e completo. De
acordo com Soares (2007):
Aristóteles distinguiu seis partes na tragédia: a fábula,
os caracteres, a evolução, o pensamento, o espetáculo
e o canto. Destaca a importância da fábula (ou mito)
que, como mímesis da ação (combinação de atos), se
estrutura pela subordinação entre as partes, pelo seu
inter-relacionamento, criando-se a unidade de ação. E
acrescenta que, antes de chegar ao desfecho, o autor de
tragédias deve construir o nó (que vai do início da tragé-
dia até o ponto onde se produz a mudança de sorte do
herói), o reconhecimento (faz passar da ignorância ao
conhecimento), a peripécia (mudança de ação, que não
ocorre em conformidade com o verossímil ou o neces-
sário) e o clímax (ápice do conflito, que se precipita no
acontecimento catastrófico). (SOARES, 2007, p. 61).

A unidade trágica advém de um tratamento rigoroso das ações das personagens


que culminam em um destino. O desfecho da tragédia tem particular relevância, pois
é ele que promove o ensinamento moral característico do gênero. E esse aspecto se
concretiza, na estética trágica, por meio do desencadeamento de sentimentos (piedade
e temor), daí a importância dos efeitos que a ação deve suscitar no público, pois
sem esse desencadeamento não se consegue chegar à catarse (ponto mais alto da
tragédia), que seria a purgação dos sentimentos negativos, como a vontade de matar,
roubar ou trair que, por vezes, paira sobre o homem, de modo que esses sentimentos
precisam ser purgados para que o público possa se livrar dele e viver em sociedade
segundo princípios morais e cívicos.
Tudo isso é comunicado ao público espectador por meio das ações do herói
trágico que, em conflito entre o que é e o que fez (ainda que sem consciência), submete-
se ao seu destino para transformá-lo em conhecimento, de modo que ao assistir ao
espetáculo, o espectador possa livrar-se, pelo sentimento de identificação com o herói,
de suas “paixões nefastas”, purificando-se através dele.
Quanto às suas características de composição, a tragédia se baseia na eleição de
um tema nobre (em perfeita associação ao herói de conduta elevada) que se desenvolve
por meio de uma unidade de ação, isto é, a construção de uma convergência entre atos
e fatos por meio de critérios lógicos e verossímeis.
Há também uma unidade entre tempo e espaço: a tragédia ocorre em um tempo
suspenso que, como vimos, é sempre um presente e em um espaço (visual) limitado à
ação das personagens.
É característica da tragédia a posição de um herói em conflito entre a sua
individualidade e o destino (SOARES, 2007, p. 61). Devemos compreender o universo
(grego) em que a tragédia surge como um gênero elevado e desempenha grande
importância social como um sistema fechado de valores míticos em que o herói atua
de acordo com as suas leis. Nesse sentido, o conflito trágico se configura a partir de um
desajustamento entre o herói e o mundo:
111
Para que o herói caia em desgraça, é necessário que vi-
vencie um desequilíbrio, uma desmedida, um valor ne-
gativo: a hybris, que o coloca em erro inconscientemen-
te (falha trágica) e que, se vinculando ao destino, conduz
à destruição de seu mundo. (SOARES, 2007, p. 61).

Podemos perceber, portanto, que a tragédia se operacionaliza, enquanto forma


artística, a partir de uma quebra esteticamente construída entre a harmonia ou o
equilíbrio do mundo grego e o rompimento ou a ameaça dessa harmonia. Esse sistema
de valores prova-se forte e fechado na medida em que todo herói é submetido às suas
leis.
Quanto à duração, a tragédia clássica durava de doze a vinte e quatro horas.
Nesse quesito, podemos associar o drama à intensidade do conto, a partir de formas
diferentes de lidar com a concentração.
O tom da tragédia obedece a dois princípios: o decoro e a verossimilhança. Pela
primeira, não são admitidos termos chulos ou rebaixados, tampouco excessivamente
brutais; pela segunda, deve-se preservar a relação com o real, recusando-se recursos
fantásticos ou sobrenaturais.
Assim, em síntese, a estrutura da tragédia se ampara nas seguintes diretrizes de
composição, de acordo com Stalloni (2007, p. 50):
– Verossimilhança: o inverossímil não é aceito como parte da tragédia, uma vez
que, ela visa promover uma perfeita concordância entre as ações, a cronologia dos
acontecimentos e o desfecho.
– Composição rigorosa: a estrutura da tragédia segue sempre os mesmos
padrões: proposição de um enredo, peripécias e desenlace.
– Valor exemplar: toda tragédia deve conter um ensinamento que perpassa a
ação individual de uma personagem, mas é sempre direcionado ao coletivo, isto é, à
harmonia social.

Observemos o exemplo mais paradigmático da tragédia clássica, Édipo Rei. É


característica do gênero (em sua versão clássica) uma prévia apresentação dos nomes
dos personagens que compõem a peça e em seguida a introdução dos diálogos e dos
atos:
PERSONAGENS
O REI ÉDIPO
O SACERDOTE
CREONTE
CORIFEU
TIRÉSIAS
JOCASTA
UM MENSAGEIRO
UM SERVO
UM EMISSÁRIO
CORO DOS ANCIÃOS DE TEBAS*

A ação passa-se em Tebas (Cadmeia), diante do palácio


do rei ÉDIPO. Junto a cada porta há um altar, a que se
sobe por três degraus. O povo está ajoelhado em torno
112
dos altares, trazendo ramos de louros ou de oliveira. En-
tre os anciãos está um sacerdote de Júpiter. Abre-se a
porta central; ÉDIPO aparece, contempla o povo, e fala
em tom paternal.
ÉDIPO
Ó meus filhos, gente nova desta velha cidade de Cad-
mo, por que vos prosternais assim, junto a estes altares,
tendo nas mãos os ramos dos suplicantes? (1) Sente-se,
por toda a cidade, o incenso dos sacrifícios; ouvem-se
gemidos, e cânticos fúnebres. Não quis que outros me
informassem da causa de vosso desgosto; eu próprio
aqui venho, eu, o rei Édipo, a quem todos vós conhe-
ceis. Eia! Responde tu, ó velho; por tua idade veneranda
convém que fales em nome do povo. Dize-me, pois, que
motivo aqui vos trouxe? Que terror, ou que desejo vos
reuniu? Careceis de amparo? Quero prestar-vos todo o
meu socorro, pois eu seria insensível à dor, se não me
condoesse de vossa angústia.
O SACERDOTE
Édipo, tu que reinas em minha pátria, bem vês esta
multidão prosternada diante dos altares de teu palácio;
aqui há gente de toda a condição: crianças que mal po-
dem caminhar, jovens na força da vida, e velhos curva-
dos pela idade, como eu, sacerdote de Júpiter. E todo
o restante do povo, conduzindo ramos de oliveira, se
espalha pelas praças públicas, diante dos templos de
Minerva, em torno das cinzas proféticas de Apolo Ismê-
nio! (2) Tu bem vês que Tebas se debate numa crise de
calamidades, e que nem sequer pode erguer a cabeça
do abismo de sangue em que se submergiu; ela perece
nos germens fecundos da terra, nos rebanhos que de-
finham nos pastos, nos insucessos das mulheres cujos
filhos não sobrevivem ao parto. Brandindo seu archo-
te, o deus maléfico da peste devasta a cidade e dizima
a raça de Cadmo; e o sombrio Hades se enche com os
nossos gemidos e gritos de dor. Certamente, nós não te
igualamos aos deuses imortais; mas, todos nós, eu e es-
tes jovens, que nos acercamos de teu lar, vemos em ti
o primeiro dos homens, quando a desgraça nos abala
a vida, ou quando se faz preciso obter o apoio da divin-
dade. Porque tu livraste a cidade de Cadmo do tributo
que nós pagávamos à cruel Esfinge; sem que tivesses
recebido de nós qualquer aviso, mas com o auxílio de al-
gum deus, salvaste nossas vidas. Hoje, de novo aqui es-
tamos, Édipo; a ti, cujas virtudes admiramos, nós vimos
suplicar que, valendo-te dos conselhos humanos, ou do
patrocínio dos deuses, dês remédios aos nossos males;
certamente os que possuem mais longa experiência é
que podem dar os conselhos mais eficazes! Eia, Édipo!
Tu, que és o mais sábio dos homens, reanima esta infe-
113
liz cidade, e confirma tua glória! Esta nação, grata pelo
serviço que já lhe prestaste, considera-te seu salvador;
que teu reinado não nos faça pensar que só fomos sal-
vos por ti, para recair no infortúnio, novamente! Salva de
novo a cidade; restitui-nos a tranqüilidade, ó Édipo! Se o
concurso dos deuses te valeu, outrora, para nos redimir
do perigo, mostra, pela segunda vez, que és o mesmo!
Visto que desejas continuar no trono, bem melhor será
que reines sobre homens, do que numa terra deserta.
De que vale uma cidade, de que serve um navio, se no
seu interior não existe uma só criatura humana? (SÓFO-
CLES, 2005, s/p).

Em suma, a construção da tragédia, como podemos ver pelo trecho exemplificado,


se faz por meio do diálogo (falas das personagens) em combinação com o canto e o
espetáculo, visto que eram obras compostas para serem representadas publicamente
(único meio de difusão cultural na Antiguidade).
O objeto, conforme delimitado pela conceituação aristotélica exposta na Unidade
1, é constituído de ações superiores, isto é, de seres pertencentes a uma esfera social
elevada, acima do homem comum (ou mediano). Embora a tragédia também apresente
um enredo, a representação se faz diretamente, sem a intermediação de um narrador.
Em sua organização interna, portanto, há um arranjo de ações atribuídas a um
herói de caráter superior e representada através de diálogos. Essa ação deve ser una
e completa (início, meio e fim), em que as partes são indissociáveis do conjunto. Por
isso, na concepção clássica, em prol da unidade de ação, o tempo de duração da
representação da tragédia é de “uma revolução do Sol” (um dia).
O arranjo pelo qual o autor da tragédia dispõe a ação se baseia na transformação
do destino do herói, que vai da peripécia ao reconhecimento. Nesse processo, a
transformação é desencadeada por uma reviravolta e o reconhecimento é o que resulta
das sucessivas peripécias vividas pelo herói. No caso de Édipo Rei, a transformação
culmina em um processo de inversão da condição do herói de rei a assassino condenado
à morte por um ato que cometera sem ter pleno conhecimento de sua dimensão. O
esclarecimento é alcançado na medida em que essa transformação se conclui.
Por ser um gênero de grande prestígio na Antiguidade clássica, muitos escritores
se dedicaram a escrever inúmeras tragédias. No entanto, o número de obras que
puderam ser salvas do esquecimento, das guerras avassaladoras e das intempéries é
significativamente reduzido em relação às que foram produzidas.
Entre os principais autores trágicos, podemos citar, entre os gregos, Ésquilo,
Sófocles e Eurípedes; entre os franceses (considerando as tragédias modernas), Jean
Racine e Pierre Corneille; entre os ingleses, Willian Shakespeare. Trata-se de autores que
mantêm uma relação de continuação e reelaboração da tradição trágica, havendo
muitos estudos que apontam com principais influenciadores da literatura ocidental.
114
FIQUE ATENTO
Como se sabe, a poética da Antiguidade clássica é fortemente motivada pelos mitos, sen-
do assim, a tragédia, considerada uma forma superior na hierarquia dos gêneros, preser-
va essa relação de maneira a valorizá-la pelo depuramento da forma.

A importância da tragédia para a poética clássica é inegável em vista da ênfase


dada a ela na conceituação feita por Aristóteles. No entanto, devemos considerar que, no
processo de reapropriação dessa forma dramática por outras sociedades, ocorreram
muitas transgressões que foram modificando esse subgênero (STALLONI, 2007, p. 53).
Gradativamente, a rigidez foi sendo corrompida pelas experimentações e chegou-
se ao ponto de se produzir uma obra, inconcebível na teoria clássica, que mistura
tragédia e comédia: a tragicomédia. Entre outras experimentações, Yves Stalloni refere-
se a obras trágicas que foram concebidas com: maior predomínio do individual sobre o
coletivo (rompendo-se a regra do valor exemplar direcionado à coletividade); quebra
da regra do decoro com um exacerbamento das situações de crueldade; inserção do
elemento maravilhoso; inserção de linguagem popular.
Dessa forma, a pureza de tom e estilo que caracteriza o gênero na acepção
clássica sofre uma refração mediante as novas formas de representação trágica que
vão se consolidando ao longo da história.
Quanto ao espaço em que eram realizadas as peças teatrais, a princípio, se
configuravam como arenas circulares, cujo centro era destinado à representação e o
entorno era rodeado de arquibancadas, onde se sentavam os espectadores, conforme
a imagem abaixo.

Figura 1: O teatro grego


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/Imtb. Acesso em: 23 jan. 2023

Com o Cristianismo ganhando força, as encenações foram para dentro das


igrejas ou, quando não comportavam a estrutura necessária, elas eram realizadas em
praças públicas, anexas às igrejas.
O surgimento do teatro itinerante, ao longo dos anos, vai também modificar
essa estrutura, adaptando o teatro aos diferentes espaços cênicos. Na Idade Média,
tornaram-se comuns as estruturas montadas em “palcos-carroças”
115

Figura 2: Palco-carroça
Fonte: Disponível em: https://shre.ink/Imtd. Acesso em: 23 jan. 2023

Os paços dos castelos medievais, que eram espaços de sociabilização e bailes da


nobreza, também se reservavam à realização de peças teatrais. Na Europa medieval,
a vida cultural dentro do castelo evidencia que as melhores peças teatrais eram
financiadas pelos nobres e destinadas a entreter e instruir a camada dominante da
sociedade e dividiam espaço com a música e a dança.
O formato do espaço cênico varia de uma sociedade para outra. Podemos tomar
com exemplos dessa diferenciação o palco elisabetano demonstrado na figura abaixo,
bastante diferente do modelo grego:

Figura 3: Teatro elisabetano


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/ImSw. Acesso em: 23 jan. 2023

5.1.2 Comédia

A comédia se define, na conceituação de Aristóteles, em oposição à tragédia,


que é, para ele, a forma dramática mais elevada. Os critérios erigidos por ele para
conceituar a comédia são: imitação de homens desprovidos de virtude (heróis opostos
aos trágicos); predomínio de assuntos inferiores e populares; força cômica que se
efetua por um processo de deformidade e final feliz.
Em geral, a configuração da comédia é mais flexível do que a da tragédia,
conforme explica Stalloni (2007):
116
Porque põe em cena homens comuns, porque escolhe
ações emprestadas à vida cotidiana, porque se exprime
numa linguagem que integra a fantasia, a comédia não
se apresenta tolhida por um conjunto de leis intangíveis.
Essa flexibilidade revela se até mesmo por seu nome,
posto que o latim comoedia significava simplesmente
“peça de teatro”, tendo a palavra mantido esse sentido
até o século XVI. (STALLONI, 2007, p. 56).

Nesses termos, “comediante” era um termo utilizado popularmente para se


referir, em geral, ao ator de teatro, porque a comédia foi responsável por popularizar
o gênero dramático. Isso se deve à relação que a comédia mantém com as camadas
populares, que não apenas dão sentido à sua existência, como constituem o seu público
espectador.

FIQUE ATENTO
Os ritos dionisíacos eram regados a vinho. Na mitologia, a embriaguez era considerada
uma forma de descontrole das emoções e liberação da hybris (personificação da impru-
dência, da violência, das paixões incontroláveis etc.), o que culminava em uma transfor-
mação comportamental caracterizada pelos excessos. Desse processo de transformação
pela embriaguez resultaria a conversão dos atores em outras pessoas. Daí haver uma
vertente dos estudos clássicos que associa o surgimento do teatro aos cultos dionisíacos.
A outra vertente aponta o surgimento do teatro grego como resultado de uma reelabora-
ção da poesia épica (recitação/declamação) para um processo mais complexo em que
o cantor torna-se um ator. As duas vertentes interpretativas, entretanto, não se anulam,
podendo ser vistas como complementares.

Se a tragédia gozava de maior prestígio na cultura grega, a comédia passará


por um profícuo desenvolvimento ao longo da história, o que evidencia, para nós, a
importância que ela vai desempenhar em outras culturas, como por exemplo, a italiana
e a francesa, nas quais surgem subgêneros cômicos dotados de características
específicas, como a Commedia dell’arte e o Vaudeville, respectivamente. O
aperfeiçoamento dessa forma dramática seguiu os seguintes critérios fundamentais,
de acordo com Yves Stalloni (2007):

- Personagens da vida cotidiana: os homens possuem defeitos;


- Fidelidade à natureza: a humanidade é imperfeita;
- Denunciar os vícios: expor ao riso para corrigir os costumes;
- Promover o divertimento por meio do humor e da crítica.

Como espécies que se desenvolveram como desdobramentos da comédia


clássica, podemos considerar: a farsa, a Commedia dell’arte e o Vaudeville. A farsa
caracteriza-se por uma “intriga simples” desencadeada pela “impostura” das
personagens (STALLONI, 2007, p. 60). A caracterização destas bem como as ações e os
efeitos provocados pelos diálogos baseiam-se na inversão dos valores que regem uma
determinada sociedade. São, assim, espécies de carnavalizações desses valores que
117
usam o cômico tanto para fins de divertimento como de crítica política, social, moral e/
ou religiosa.

Figura 4: A farsa do advogado Pathelin


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/Imox. Acesso em: 23 jan. 2023

A Commedia dell’arte é uma forma surgida na Itália no século XVI e se baseia na


arte do improviso (STALLONI, 2007, p. 61). Nela entram em cena personagens mascarados
que correspondem a tipos satíricos: amantes (como os clássicos personagens
Pierrô e Colombina), velhos bufões, espertalhões, fanfarrões etc. Uma das principais
características desse subgênero é a improvisação tanto das falas das personagens
quanto de suas expressões corporais. Na definição de Yves Stalloni: “o comediante é
ao mesmo tempo acrobata, músico, dançarino, mímico e palhaço”. (STALLONI, 2007, p.
62). O texto da Commedia dell’arte visa orientar os atores na processo de improvisação
das falas, mas não determina sua configuração definitiva e imutável como no teatro
clássico.

Figura 5: Companhia teatral – atores usando máscaras


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/ImoI. Acesso em: 23 jan. 2023

O Vaudeville, por sua vez, popularizou-se na França a partir do século XVIII como
um tipo de comédia leve que misturava canções, dança e balé e evoluiu para uma
espécie de ópera-cômica e foi sendo aprimorada até transformar-se em uma comédia
de intriga mais complexa formada por um encadeamento de “quiproquós” (STALLONI,
2007, p. 62) e cuja evolução culminou na “comédia de boulevard”.
Outro subgênero teatral é o Teatro de Revista, originário da França (século
118
XVIII) assim como o Vaudeville, que levava para o palco personagens inspiradas nas
personalidades que estavam em evidência nos noticiários. Era uma espécie de teatro
de retrospectiva que passava a limpo os acontecimentos que marcaram a vida social
francesa. Na segunda metade do século XIX, esse subgênero se popularizou também em
Portugal e no Brasil. Na década de 1920 teve especial importância nos salões cariocas.
Eram peças baseadas no humorismo, com diálogos, músicas e coreografias.

BUSQUE POR MAIS


' Se você se interessou pelos diferentes tipos de palco admitidos na prática tea-
tral, o vídeo do canal no YouTube TV Fábricas de Cultura, dedicado ao assunto,
apresenta uma definição de palco e ilustra suas diferenças. Disponível em: ht-
tps://shre.ink/ImqP. Acesso em 20 dez. 2022.

Figura 6: Atores do teatro de Vaudeville


Fonte: Disponível em: https://shre.ink/Imqi. Acesso em: 23 jan. 2023

Não obstante todas essas variações que a flexibilidade da comédia facilitou,


sobretudo, em contraste com a rigidez formal da tragédia, os traços dominantes que
as caracteriza são o riso, o tom popular e a leveza da intriga. É também por meio dessa
flexibilidade, que a comédia abraça características da tragédia e a evolução do gênero
dramático passa pela mistura dessas duas espécies, a priori, essencialmente diferentes.

5.1.3 Auto
119
A ação dramática do auto é composta de atos ligados a temas religiosos e era
destinada à representação das escrituras sagradas. Esse tipo de teatro foi amplamente
utilizado na difusão do Cristianismo e faz parte de um conjunto mais amplo denominado
de dramas litúrgicos. Na definição de Souza (2007), o auto:
equivaleria a um ato que viesse a integrar um espetácu-
lo maior e completo, daí o nome auto. Os mistérios são
peças teatrais, cujos temas são retirados das sagradas
escrituras para transmitir ao povo, de forma acessível e
concreta, a história da religião, os dogmas e os artigos
da fé. Nas moralidades, os temas histórico-concretos
dos mistérios são substituídos por argumentos abstra-
to-típicos, que mostram o conflito do homem, em face
do Bem e do Mal. (SOUZA, 2007, p. 58).

Assim, os autos representam personagens caracterizadas por suas condutas


que seguem ou se desviam da moralidade religiosa e , em geral, são marcados pela
dualidade: anjos x demônios, virtudes x vícios, pecado x redenção.

FIQUE ATENTO
Os dramas litúrgicos são modalidades teatrais destinadas aos temas religiosos e são
subdivididos em: milagres (encenação de intervenções divinas), mistérios (encenação
de episódios da vida dos santos), moralidades (encenação de episódios exemplares dos
conflitos humanos entre os vícios e as virtudes) e autos (episódios relacionados a celebra-
ções de datas festivas, vida e morte).

O Auto da Compadecida, do escritor brasileiro Ariano Suassuna, tem uma profunda


identificação com o teatro de Gil Vicente (1465-1536), autor que é historicamente
considerado o primeiro grande dramaturgo português e compôs o Auto da Barca do
Inferno.

Figura 7: Capa do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente (edição Lusa-Livros).


Fonte: Biblioteca Digital Flávio Resende – disponível em: https://shre.ink/Imqa. Acesso em 23 jan. 2023.
120
Escrita em 1517, a peça apresenta um cenário que remete ao dia do Juízo Final. O
autor constrói uma alegoria dos possíveis destinos dos mortos a partir do embarque em
duas barcas, uma que leva ao céu e outra que leva ao inferno. Cada personagem passa
por um julgamento para que se decida em qual barca deverá embarcar, levando-se,
para tanto, em consideração os seus atos na terra, a sua conduta moral e a gravidade
dos pecados que cometeu.
No Brasil, desde o século XVII, o teatro foi muito utilizado como instrumento de
conversão pelos jesuítas. O Teatro de catequese exerceu um importante papel no
processo de aclimatação da cultura e dos valores lusitanos transplantados para a Terra
de Santa Cruz. Mas é no século XX que o gênero encontra por aqui caminhos para um
desenvolvimento cultural mais refinado.
É a partir da década de 1940, com a peça “Vestido de noiva”, de Nelson Rodrigues,
que o teatro brasileiro passa por um intenso processo de desenvolvimento, modernização
e adequação à cultura brasileira (CACCIAGLIA, 1986).
De acordo com Mário Cacciaglia (1986), esse processo sofreria uma grande
refração com a ditadura militar mediante a censura e captura de autores e artistas.
zApós o fim desse período, o teatro seria retomado com entusiasmo na década de 1970,
com destaque para a Comédia teatral, na qual se destacam artistas consagrados como
Cacilda Becker, Sérgio Cardoso e Fernanda Montenegro; e também o Teatro de Arena,
o Teatro do Oprimido e o Teatro Oficina que promovem uma profunda politização do
gênero.

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' Em “Uma Breve História do Teatro Brasileiro Moderno” (2008), Carolin Overhoff
Ferreira oferece uma síntese da evolução do gênero no contexto brasileiro. O
artigo. Disponível em: https://shre.ink/Im5w. Acesso em 30 dez. 2022.

Um dos mestres da dramaturgia brasileira é o paraibano Ariano Suassuna (1927-


2014). Pode-se dizer que a tradição dos autos medievais é retomada por Suassuna na
composição de sua obra. No entanto, a versão de Suassuna apresenta uma provocante
irmanação entre auto e comédia que é, ainda, perpassada pelo tom da literatura de
cordel, ao mesmo tempo em que apresenta personagens inspirados na Commédia
dell’arte italiana, que misturam a oralidade aos estilos cômico, satírico e picaresco, pois
assim se anuncia:
O Auto da Compadecida foi escrito com base em ro-
mances e histórias populares do Nordeste. Sua encena-
ção deve, portanto, seguir a maior linha de simplicida-
de, dentro do espírito em que foi concebido e realizado.
O cenário (usado na encenação como um picadeiro de
circo, numa idéia excelente de Clênio Wanderley, que a
peça sugeria) pode apresentar uma entrada de igreja à
direita, com uma pequena balaustrada ao fundo, uma
vez que o centro do palco representa um desses pátios
comuns nas igrejas das vilas do interior. A saída para a
cidade é à esquerda e pode ser feita através de um arco.
121
Nesse caso, seria conveniente que a igreja, na cena do
julgamento, passasse a ser entrada do céu e do purga-
tório. O trono de Manuel, ou seja, Nosso Senhor, Jesus
Cristo, poderia ser colocado na balaustrada, erguida so-
bre um praticável servido por escadarias. Mas tudo isso
fica a critério do ensaiador e do cenógrafo, que podem
montar a peça com dois cenários, sendo um para o co-
meço e outro para a cena do julgamento, ou somente
com cortinas, caso em que se imaginará a igreja fora do
palco, à direita, e a saída para a cidade à esquerda, orga-
nizando-se a cena para o julgamento através de simples
cadeiras de espaldar alto, com saída para o inferno à es-
querda e saída para o purgatório e para o céu à direita.
21
Em todo caso, o autor gostaria de deixar claro que seu
teatro é mais aproximado dos espetáculos de circo e da
tradição popular do que do teatro moderno. [...]. (SUAS-
SUNA, 1955, s/p).

A peça conta com um total de quinze personagens, entre as quais, o protagonista


João Grilo e seu par picaresco Chicó, a Compadecida, Manuel (Jesus) e o Encouraçado
(Diabo), Manuel, o padre, o bispo e o cangaceira Severino que mata João Grilo, motivo
pelo qual ele sobe aos céus. O enredo se desenvolve no espaço nordestino de Taperoá,
interior da Paraíba, e no espaço celestial (psicológico) em que ocorre o julgamento de
João Grilo.

BUSQUE POR MAIS


' Para uma leitura mais completa acerca da história do teatro no Brasil consulte
Panorama do teatro brasileiro (2004), de Sábato Magaldi. Disponível em: https://
shre.ink/Im5I. Acesso em 31 dez. 2022.

5.1.4 Drama

O drama se caracteriza por ser uma modalidade moderna que abole as fronteiras
clássicas entre tragédia e comédia (construídas a partir de princípios opostos) para
criar-se por meio das nuances produzidas pela mistura entre o sublime o grotesco. No
drama estes elementos não se opõem. Ao contrário, eles são formas de representação
que produzem contrastes e chamam a atenção para determinados aspectos da vida
moderna.
A conceituação do drama considera as condições de seu desenvolvimento
histórico e o subdivide em três formas principais. De acordo com Yves Stalloni (2007, p.
64-72):

– Drama burguês (século XVIII): caracteriza-se por abordar situações cotidianas


em tom de seriedade, inspirado na tragédia; no entanto, volta-se para as personagens
122
inspiradas no homem comum.

– Drama romântico (século XIX): é considerado como um subgênero revolucionário


dos pontos de vista histórico, técnico e filosófico; pois no plano histórico, coloca no centro
das preocupações representativas as camadas sociais, retirando das figuras régias e
principescas a primazia dada pela tragédia; no plano técnico, abandona certas regras
do teatro clássico, permitindo o desenvolvimento do gênero mediante experimentações
formais antes proibidas; e, no plano filosófico, mostra uma preocupação maior com o
individualismo, contrariando, portanto, o princípio da coletividade e da submissão do
herói às leis que regiam a Antiguidade clássica. Por essas três novas diretrizes, o drama
romântico promove uma reorientação do teatro para atender às demandas sociais
que surgem com a Era Moderna.

– Drama simbolista (século XIX – XX): essa vertente tem por inspiração o
movimento poético do Simbolismo, orientado para um trabalho de depurada elaboração
linguística (à maneira dos poetas do movimento), para o caráter abstrato do diálogo,
para recursos ligados ao universo onírico, ao misterioso e ao maravilhoso; marcado por
uma ação limitada (dada a ênfase no aspecto reflexivo) e caracterizado por uma forte
relação com a música e a musicalidade.

Um quarto tipo resultaria da combinação entre os dois primeiros: o melodrama. A


peça melodramática se caracteriza, principalmente, por ser cantada e apresenta uma
estrutura fixa: até cinco personagens (herói, heroína, pai, traidor, tolo); por se passar em
um lugar arquitetônico (um castelo, um forte, uma ruína etc.) e por possuir três atos que
seguem a lógica: crise, sofrimento, libertação (STALLONI, 2007, p. 71).
Por fim, do ponto de vista conceitual, podemos compreender o estudo das formas
dramáticas a partir de um importante esclarecimento: o gênero dramático pertence
à literatura na medida em que a construção do seu texto segue diretrizes pelas quais
podemos apontar elementos de literariedade. Isto é, um modo específico de organização
que remete a uma elaboração artística própria de textos literários, que lidam com um
processo de significação pautado em codificações que admitem múltiplos significados
dada a sua natureza lacunar e alusiva. O teatro, porém, não se limita ao suporte textual
apenas, necessitando, para tornar-se completo, da representação. Assim, a dimensão
dramática – se considerarmos que a origem da palavra drama (do grego drâma)
remete à ação – só se concretiza mediante a transposição do texto para a cena.
Nas palavras de Carlinda Fragale Pate Nuñez e Victor Hugo Adler Pereira:
o texto teatral ou dramático é o lugar onde se entrecru-
zam múltiplos discursos. Ele se define, metonimicamen-
te, como o próprio teatro: arte do código, da convenção,
onde tudo depende da sugestão eficiente. Desta feita,
ao mencionarmos texto dramatúrgico ou dramaturgia,
estamos nos referindo ao conjunto de efeitos superpos-
tos, a toda a fenomenologia instaurada pela dinâmica
da encenação. (NUÑEZ; PEREIRA, 2007, p. 76).
Portanto, esse gênero pressupõe uma interação maior com uma coletividade
(público) para a qual se transmite por meio da encenação imediata dos atos que
constituem a transposição direta do diálogo ou monólogo escrito para uma plateia.
123

FIQUE ATENTO
O estudo das formas dramáticas no âmbito das Letras se refere à apreensão do texto
como objeto de estudo; ao passo que a encenação é estudada no âmbito do Teatro e das
Artes cênicas.

É importante frisar que esse processo operatório característico da forma dramática


foi se modificando ao longo da história, visto que as encenações correspondem a
enquadramentos históricos específicos que remetem ao funcionamento estrutural do
gênero nas diferentes sociedades que dele se apropriaram. Assim, cada estilo teatral
desenvolvido nas diversas sociedades (por exemplo, teatro elisabetano, teatro francês,
teatro italiano, teatro alemão) corresponde a um tipo de relação entre texto dramático
e encenação dramatúrgica e, por sua vez, entre encenação e público, de modo que
podemos pensar nesse gênero, sobretudo, a partir desses três aspectos primordiais se
quisermos estudar como ele se configura historicamente.
Além disso, uma outra peculiaridade do gênero dramático é que uma mesma
peça teatral pode ser encenada em temporalidades diversas. Por exemplo, uma
tragédia clássica pode ser encenada nos dias atuais com a mesma ambientação
ou com adaptações ao contexto moderno; assim como uma comédia renascentista
francesa pode ganhar vida em encenações realizadas nos mais diversos quadrantes
geográficos e culturais, pois o gênero dramático estabelece um tempo e espaço que
pode ser sempre atualizado por ser construído em um eterno presente.
Dessa forma, podemos compreender que o modo pelo qual o texto dramático
é escrito é o que permite as suas múltiplas possibilidades de encenações, conforme
sintetizam os autores anteriormente evocados:
[...] a encenação parte do texto, ela, individualmente, não
é capaz de recobrir todas as possibilidades de realização
cênica que o texto admite. O conjunto de montagens
de um determinado texto é ainda insuficiente para es-
gotar o potencial dramatúrgico de que é depositário.
Ademais, não há encenação que resolva os desvãos da
escrita dramática. Sintética por excelência, a obra dra-
mática lida preferencialmente com a sugestão e a in-
completude. Sua palavra-de-ordem é, por isso, a ten-
são, na perspectiva do atrito, confronto, crispação entre
fragmentos, com maior ou menor explicitude lançados
à interpretação (por atores e espectadores / leitores).
Daí se infere que o texto dramático está na raiz de uma
outra realidade artística, particularizando-se e tendo al-
guns de seus sentidos resgatados através do consórcio
com os outros elementos a que os dados textuais se as-
sociam. A complementaridade entre texto e represen-
tação, aliás, só existe porque trata-se de dois sistemas
narrativos diferentes: o primeiro represa sentidos que
ultrapassam a representação, em razão de sua natureza
lacunar (literária) e auto-referencializada (teatral); o se-
124
gundo, desobrigado de dar sentido ou de preencher o
que o texto anuncia de sua incompletude, preserva esse
modus faciendi acidentado, constituindo uma versão
provisória do mundo representado. Ao mesmo tempo,
o destino do texto no contexto da encenação, é perder
sua identidade matricial, à medida em que permeia e é
permeado pela operatória dos demais signos envolvidos
na semiologia teatral (NUÑEZ; PEREIRA, 2007, p. 80-81).

De maneira sintética, podemos deduzir que o fenômeno dramático se vale, no


plano textual, das lacunas de significado – que são uma propriedade literária –, e, no
plano cenográfico da encenação, de uma atribuição provisória de significado que
preenche essas lacunas à medida que se erige o mundo a ser representado por meio
de aparatos artísticos sonoros, visuais e de efeito que dão sentido à versão.
Nesse sentido, conforme Stalloni (2007, p. 44), uma diferença relevante entre o
teatro clássico e o moderno deve ser ressaltada como parte da evolução do gênero:
no modelo clássico, havia um jogo cênico mais econômico, aproximando-se, no mais
das vezes, de uma declamação; o teatro moderno reivindica uma configuração cênica
mais elaborada, valorizando aspectos visuais de transição, luz e sombra, entonação etc.,
como recursos que contribuem para criar uma unidade dramática, conceito aristotélico
que define a urdidura da forma dramática.

Análise do texto teatral

A obra de Jean-Pierre Ryngaert, Introdução à análise do teatro, escrita originalmente


em francês e publicada em 1991, ganhou uma tradução brasileira (por Paulo Neves) em
1996 pela editora Martins Fontes, que tem sido amplamente usada como uma espécie
de manual de análise do texto teatral. Isso porque Ryngaert estabelece um critério de
análise que leva em consideração a atual divisão dos saberes técnico-científicos que
legou o estudo do texto ao âmbito das Letras e o da encenação ao do Teatro e das Artes
Cênicas.
Com isso, o estudo do texto teatral deve levar em conta que o teatro é, talvez, o mais
limiar dos gêneros, sobretudo, levando-se em consideração o teatro contemporâneo,
que tende a abolir os rótulos e os limites que foram impostos pelas conceituações dos
gêneros. Ao exercer a liberdade, decretada no período romântico pelo texto crítico de
Victor Hugo, conforme mencionado na Unidade 1 deste livro, o texto teatral acaba, por
vezes, por descaracterizar o gênero ao qual pertence, o que gera “uma incerteza quanto à
sua natureza, como se o gênero teatral, cada vez menos específico, doravante abrigasse
todos os textos passados pelo palco, fossem ou não a ele destinados.” (RYNGAERT, 1996,
p. 9).
Na conceituação aristotélica, a função do teatro era “instruir e divertir”, agindo
sobre o espectador de modo a desencadear um efeito catártico (katharsis), por meio
do qual ele pudesse purgar seus sentimentos, reconciliando-se com os valores morais
da vida cívica. Na conceituação do teatro contemporâneo, cujo maior representante
é Bertold Brecht com seus Estudos sobre teatro (1978), a relação entre texto, palco e
expectador é, ainda, um objetivo essencial, assim como a sua extensiva semelhança
com a realidade; no entanto, a pretensão do efeito causado supera o equilíbrio do
páthos (paixões) para suscitar reações que, provindo de indivíduos diferentes, podem
125
ser igualmente distintas entre si.
Ainda de acordo com a conceituação de Ryngaert, a relação entre o texto teatral
e a representação ganha complexidade na medida em que os escritores modernos
e contemporâneos tendem a seguir mais critérios textuais do que de representação
cênica, experimentando aspectos na forma que podem ser difíceis de serem transpostos
para a cena, o que significa que nem sempre eles escrevem pensando na encenação.
Por isso, quando vamos analisar uma obra teatral, devemos ter em vista que:
[...] a análise do texto e a análise da representação são
procedimentos diferentes, ainda que complementa-
res. Nenhuma representação explica milagrosamente o
texto. A passagem do texto ao palco corresponde a um
salto radical. Claro que o expectador experimenta a ne-
cessidade e o prazer de voltar ao texto, assim como o
leitor de assistir a uma apresentação. Mas os numero-
sos laços existentes entre o texto e o palco não podem
satisfazer-se com a ilusão mecanista de uma simples
complementaridade. [...] suas relações, os atritos entre
a palavra e a representação, são complexos e por vezes
conflitantes. (RYNGAERT, 1996, p. 20).

Se por um lado, o teatro (ou drama) contemporâneo evoca a liberdade romântica


de composição para poder tratar livremente de temas vários, por outro, delega “ao
palco a responsabilidade de revelar sua teatralidade e, na maior parte do tempo,
ao espectador a tarefa de encontrar aí o seu alimento. A escrita teatral ganhou em
liberdade e flexibilidade o que ela perde, por vezes, em identidade.”. (RYNGAERT, 1996, 17).
A partir desse pressuposto básico, temos que nem sempre o texto teatral é feito
para ser encenado. Nessa separação, o trabalho dramatúrgico se desdobra como uma
interpretação e não como transposição fiel do texto. É essa relação de interdependência
(mais por parte da encenação do que do texto) nos faz perceber a polivalência do texto,
o que não permite que ele se esgote mediante uma única encenação, ainda que seja
uma encenação bem-sucedida, porque um diretor de teatro , inevitavelmente, terá de
proceder pela lógica do corte, ao passo que o texto manterá todas as possibilidades.
Assim, a leitura do texto teatral proporcionará ao leitor um espetáculo que só
poderá ser parcialmente representado pela encenação. Podemos compreender que
essa mudança de eixo na importância dos diferentes suportes do gênero se deve pela
popularização da leitura e da escrita.
Na cultura clássica, a encenação tinha uma importância muito maior, visto que era
ela que cumpria a função moralizante de educar pelo divertimento, em um contexto em
que a escrita era privilégio de poucos eruditos. Na cultura moderna e contemporânea,
o gênero passou por uma inversão normativa, pois o palco deixou de ser a única forma
de difusão do teatro.
Com o acesso ao universo letrado e o advento da prensa de Gutemberg, as
obras deixaram a exclusividade das bibliotecas institucionais para adentrarem a
particularidade da vida cotidiana do homem. Surgem as bibliotecas particulares que,
no processo de individualização da sociedade moderna, desempenha um importante
papel formativo e instrutivo. Nesse contexto, a leitura ganha mais relevo e pode ser feita
a qualquer momento. Desse modo, rompe-se a dependência do teatro em relação aos
festivais, pois as obras podiam ser lidas. Obviamente, estamos falando de contextos
126
culturais (sobretudo da tradição europeia, que herda o legado clássico e o transmite ao
“Novo Mundo”), cujo desenvolvimento se deu em processo interligado com a escrita, o
que culminou no surgimento de um cânone.
O processo analítico leva em conta, portanto, a materialidade do texto teatral. É
nele que reside a primeira proposta de compreensão da sistematização discursiva que
a engendra.
Em primeiro lugar, observa-se os elementos superficiais dessa materialidade:
O título e o gênero da obra, a maneira como suas gran-
des partes são nomeadas, como se articulam, os vazios
e os cheios da escrita, as marcações, a existência de in-
dicações cênicas, os nomes das personagens e o modo
como os discursos se distribuem sob esses nomes, eis as
primeiras revelações que a leitura em sobrevôo de uma
peça permite. (RYNGAERT, 1996, p. 35).

Esses elementos apontam para a construção de um projeto. Na tragédia, os


nomes em títulos são uma característica épica que aponta para a importância do herói
ou da heroína (Édipo Rei, Andrômaca, Júlio Cesar, Hamlet, Berenice etc.). Nas comédias,
os títulos se referem a tipos e condição social, remetendo a uma dinâmica que sinaliza
o sentido moral (O avarento, O burguês fidalgo, As falsas confidências etc.). Assim como
qualquer outra obra literária, o título tende a apresentar pistas essenciais do conteúdo
da peça.
Outro elemento essencial do estudo analítico do texto teatral é a sua organização,
isto é, a sua subdivisão em partes. A tragédia, por regra, apresenta cinco atos, assim
como a tragicomédia; ao passo que a comédia apresenta três atos. Tanto na tragédia
como na comédia, os atos são compostos por cenas. No drama moderno surge a
expressão “quadros”, que remete à “concepção pictórica da cena” (RYNGAERT, 1996, p.
38), isto é, à unidade que se cria por meio da construção de uma atmosfera.
No teatro moderno ocorre uma transposição de vocabulários da pintura, da
música e do cinema, assim como uma maior variabilidade de composição de atos e
cenas. Nesse sentido, o modo de organização da peça teatral moderna varia de acordo
com o projeto estético do autor. Uma vez que:
As escolhas dos autores indicam que eles se colocam
implicitamente numa tendência da escrita, que organi-
zam seu universo mental e o estruturam em função de
ritmos que lhe são próprios, que se referem a outras ar-
tes (como à pintura ou à música) no seu modo de pensar
o texto por quadros, fragmentos ou sequências, que sua
escrita já é determinada em função do palco ou que a
ignoram deliberadamente. (RYNGAERT, 1996, p. 39-40).

É por meio da observação da organização do texto que podemos estabelecer,


na análise, o que corresponde à linearidade da ação (que era uma das principais
preocupações clássicas) e o que se configura como uma ruptura a partir de uma
organização sistemática diversa.
Quanto à análise dos diálogos, principais elementos do texto dramático, eles
podem se configurar por meio de distribuições equilibradas, em que há predomínio de
127
alternância entre as falas; ou pela predominância de monólogos que assinalam um
desequilíbrio na distribuição dos diálogos pela disparidade de extensão entre as falas
de uma personagem em relação às outras. No plano do discurso, analisamos também
se ele é constituído predominantemente de prosa ou verso e se há algum personagem
que destoa da regra.
As didascálias também são objeto de análise na medida em que constituem
importantes referências para a constituição do projeto cênico. No plano textual, no
entanto, elas são esclarecimentos quanto à cena e servem como direcionamentos à
compreensão do espaço ideal para a ação, exercendo uma função complementar para
a apreensão do universo representado, o que significa que elas não são destinadas
unicamente ao diretor de teatro e aos atores, mas, de um modo geral, a todos aqueles
que leem a peça. Entretanto, elas não são obrigatórias no texto dramático, sendo mesmo
ignoradas por muitos dramaturgos que preferem trabalhar com a sugestividade e a
imaginação do leitor.
A análise do texto dramático deve-se voltar para a compreensão do enredo
como uma sequência de ações. Identificar o enredo exige discernimento entre a fala
das personagens e o que constitui, de fato, uma sequência de ações, uma vez que, o
“teatro conta imitando a ação, portanto mostrando ações destinadas a ser executadas
no palco por atores”, de modo que, a “dificuldade consiste em isolar apenas ações e
distingui-las dos sentimentos e dos discursos.” (RYNGAERT, 1996, p. 55-56). Tal dificuldade
se exacerba na medida em que há uma tendência moderna que culmina na dissolução
do enredo (decorrente de uma crise da narrativa):
A sensibilidade Moderna desconfia da história e suspei-
ta de seu desgaste. se tudo já foi contado, é preciso des-
construir, fragilizar a narrativa, renunciar aos efeitos nar-
rativos demasiado evidentes. isso se traduz na escrita
por textos, se não “sem enredo”, pelo menos em textos
nos quais os enredos são muito difíceis de estabelecer,
por serem escassas ou problemáticas as informações
narrativas. (RYNGAERT, 1996, p. 61).

No entanto, não se trata da morte da narrativa, mas de sua reinvenção, o que


implica em novas formas de organização do texto que contrastam com as convencionais.
Dessa forma, se na tragédia clássica, por exemplo, havia uma preocupação com
a linearidade (início, meio e fim) estética do enredo, nas obras teatrais modernas, a
análise da sequência de ações que compõe o enredo é feita por vezes à maneira de um
quebra-cabeças.
A intriga, por sua vez, resulta da identificação do conflito central que perpassa
a peça. Segundo os princípios da dramaturgia clássica, a intriga é composta de:
exposição (apresentação), nó (complicação) e peripécias (reviravolta), desfecho
(inversão das aparências), abrupto (ideia de que “o nascimento de uma peça é uma
explosão atômica” criando relação entre efeito e sentido) e, por fim, a fricção (choques,
confrontos entre valores, paixões e sentimentos) (RYNGAERT, 1996, p. 66).
Por fim, o espaço e o tempo, assim como a relação entre as falas e as ações
das personagens constituem aspectos de fundamental importância na análise do texto
teatral.
A importância do drama e dos estudos relacionados ao gênero dramático
128
se evidencia historicamente pelo aprofundamento de questões relacionadas à
interioridade da vida humana, como a compreensão das emoções e dos traumas
psicológicos, a dinâmica da vida psíquica etc. Ao longo dos anos, o estudo do drama
ofereceu uma visão sobre a humanidade e seus grandes conflitos, representando uma
grande contribuição para o desenvolvimento da noção de humanismo a partir de visões
sobre o comportamento humano.
Na literatura brasileira, entre os principais dramaturgos figuram: Dias Gomes,
Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Hilda Hilst, Maria Adelaide Amaral, Augusto Boal, José
Oiticica, Ariano Suassuna, Jorge Andrade, entre muitos outros.

GLOSSÁRIO
CATÁRSE – (kátharsis) efeito que a tragédia devia suscitar nos espectadores de modo a le-
vá-los a um estado de purificação.

DIDASCÁLIAS (ou rubricas) – Anotações feitas pelo autor do texto que determinam ações
e intenções, posicionamento e movimentação em cena, até mesmo detalhes do cenário.

FRICÇÃO – confrontos/conflitos de paixões e sentimentos.

PERIPÉCIAS – reviravoltas sofridas pelos personagens que culminam em um desfecho dra-


mático.

NÓ – refere-se ao ponto de complicação da ação dramática.


129

FIXANDO O CONTEÚDO
1. Acerca do gênero dramático assinale a alternativa INCORRETA:

a) O texto dramático apresenta-se sob o formato de diálogos.


b) O gênero dramático caracteriza-se por sua natureza híbrida (texto/encenação), o
que configura sua “dupla valência”.
c) O gênero dramático pressupõe uma relação com a teatralidade, ainda que ele nunca
chegue a ser encenado.
d) É característica do gênero dramático a combinação entre sistemas verbais e não
verbais de significação.
e) O texto dramatúrgico só tem sentido quando é encenado, por isso, é considerado
como de “dupla valência”.

2. De acordo com o conteúdo estudado na unidade, leia o trecho abaixo, preencha as


lacunas e assinale a alternativa correspondente:

Na conceituação aristotélica, a função do teatro na cultura grega era “________ e


_______”, agindo sobre o espectador de modo a desencadear um efeito _______
(katharsis), por meio do qual ele pudesse ______ seus sentimentos, reconciliando-se
com os valores morais da vida cívica.

a) politizar; catequizar; humanizador; reprimir.


b) instruir; divertir; catártico, purgar.
c) divertir; catequizar; instrutivo; converter.
d) instruir; politizar; purgatório; perdoar.
e) converter; humanizar; catártico, purgar.

3. Ano: 2021; Banca: Fundação Getúlio Vargas – FGV Prova: FGV – Prefeitura de Paulínia
– Professor de Educação Básica – Área Artes – 2021

O modelo do teatro como o conhecemos hoje, no Ocidente, vem da Grécia Antiga, onde
o teatro desempenhava um importante papel. Primeiramente religioso, nas celebrações
ao deus Dionísio, de onde ele nasceu, e, mais tarde, assumindo uma importante função
social e cívica.

As duas formas básicas do teatro grego são:


a) a comédia e o drama.
b) o auto e a farsa.
c) o drama e a tragédia.
d) a comédia e o melodrama.
e) a tragédia e a comédia.

4. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC - Associação dos Municípios do Extremo Oeste
de Santa Catarina – AMEOSC Prova: AMEOSC – Prefeitura de Palma Sola – Professor –
130
Área: Artes – 2021

Assinale a alternativa que apresenta alguns elementos formais do texto teatral.

a) Palco, camarim e figurino.


b) Tragédia, Comédia e Tragicomédia.
c) Tempo, espaço, personagens.
d) Público, Clímax e Desfecho.
e) Espaço, diálogos e figurino.

5.(Adaptada) Ano: 2022 Banca: Instituto Consulplan Prova: Instituto Consulplan –


SEED PR – Professor – Área: Artes – 2022

O roteiro de improviso a seguir contextualiza as questões 29 e 30. Leia-o atentamente.


Primeiro Ato
HORÁCIO: vem, rindo por ter esclarecido ao Capitão que lhes era tão inoportuno, e por
tê-lo jogado numa cloaca; nisto
ISABELLA: à janela, cumprimenta Horácio e este conta-lhe do que ocorreu ao Capitão:
todos desatam a rir; nisto
FLAMÍNIA: à janela, que ouviu tudo, insulta Horácio e Isabella. Flávio procura acalmá-la
com belas palavras e ela, enraivecida, diz-lhe impropérios. Ele torna a rir dela, ela torna
a injuriá-los e eles dizem que ela ficou louca; nisto
PEDROLINO: chega; Flamínia vai logo dizendo que gritava pelo bem dele e que aquelas
pessoas estavam dizendo que ele é um rufião, pois ele se recusou a falar em favor de
Horácio. Eles todos riem, olhando Pedrolino, que se encoleriza e diz impropérios a todos;
e eles dizem que Flamínia é louca; nisto [...]

(SCALA, Flaminio. A loucura de Isabella e outras comédias da Commedia dell’arte. São


Paulo: Iluminuras, 2003. P. 254.)
Na Commedia dell’arte, o roteiro de improviso serve para:

a) Auxiliar o dramaturgo na elaboração das ideias a serem escritas na peça final.


b) Que o diretor acompanhe o desenrolar do espetáculo e mostre aos atores em que
acertaram ou erraram conforme combinação prévia.
c) Orientar os atores sobre a trama do espetáculo e auxiliar na improvisação das falas,
já que não havia texto anterior à apresentação.
d) Que o grupo de atores improvisadores, ao entrarem em cena, possam contracenar com
os atores que decoravam os textos, a fim de que todos se saiam bem na apresentação.
e) Que os atores saibam como se posicionar em cena.

6. (Adaptada) Ano: 2022 Banca: Instituto Consulplan Prova: Instituto Consulplan –


Prefeitura de Jequié – Professor – Área: Teatro – 2022

O figurino é um dos principais elementos constitutivos da visualidade cênica. A linguagem


do vestuário revela significados, identifica posições ideológicas e hierárquicas. “O
vestuário é comunicação”, conforme postulou Umberto Eco no texto de 1989: “O hábito
fala pelo monge”. Para o ator Marco Nanini, é o figurino que dará subsídios: “o modo de
131
andar, de sentar, os movimentos”. Considerando as afirmações anteriores, a função do
figurino remete-se a:

a) Revestir o ator, tendo como principal interesse o ilusionismo decorativo.


b) Corresponder ao desejo do autor, cabendo ao ator a elaboração de signos expressivos.
c) Cooperar para a elaboração da personagem, além de comunicar e dar subsídios da
narrativa ao público.
d) Servir de adorno, um mero adendo ao espetáculo, objetivando, assim, sua função
para a visualidade cênica.
e) Contribuir para a configuração visual da cena.

7. Ano: 2021 Banca: Universidade de Blumenau – FURB Prova: FURB – Prefeitura –


Professor – Área: Teatro – 2021

O gênero dramático, também conhecido como gênero teatral, é criado para ser
representado nos palcos. Esse gênero apresenta diversas características padrões, entre
elas:

a) Presença de alegorias e texto escrito em verso.


b) Texto dividido em atos e cenas e presença do eu lírico.
c) Sequência de ação dramática e texto escrito em verso.
d) Sequência de ação dramática e texto dividido em atos e cenas.
e) Metrificação e texto rimado.

8. Ano: 2022 Banca: Fundação de Estudos e Pesquisas Socioeconômicos – FEPESE


Prova: FEPESE – CELESC – Analista de Nível Superior – Área: Pedagogia – 2022

Analise as afirmativas abaixo a respeito do Teatro brasileiro.

1. As primeiras manifestações ocorreram no século XIX, com peças de Nelson Rodrigues.


2. Foi utilizado por jesuítas para catequização dos índios.
3. Cacilda Becker é um destaque do Teatro brasileiro de Comédia.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.

a) É correta apenas a afirmativa 1.


b) É correta apenas a afirmativa 2.
c) É correta apenas a afirmativa 3.
d) São corretas apenas as afirmativas 2 e 3.
e) São corretas as afirmativas 1, 2 e 3.
FORMAS
HÍBRIDAS
133
6.1 INTRODUÇÃO

Nesta última unidade do livro, serão abordados os gêneros que constituem


formas especiais da modernidade (o ensaio e a crônica), que – sobretudo a partir da
modernização das sociedades e com a presença constante da imprensa na vida social
moderna – constituem importantes formas discursivas que também são objetos de
estudo da literatura.
Ademais, como forma de concluirmos nossos estudos acerca dos gêneros, há
que se falar nas formas híbridas, uma vez que, contemporaneamente, verifica-se uma
tendência em se misturar elementos característicos de um gênero com outros gêneros,
configurando-se, assim, o hibridismo formal como parte importante da criatividade
composicional das obras literárias, tendência que implica tanto na diluição das fronteiras
delineadas com base nos preceitos clássicos quanto no surgimento de outros novos
gêneros.

Crônica

A origem da crônica está associada a uma forma de escrita que é essencialmente


caracterizada por uma marcação temporal que visa estabelecer cronologia entre fatos.
A paisagem ou o ambiente em que se encontra o cronista constitui o impulso imediato
para a construção da crônica. Nesse sentido, por captar os elementos ao seu redor, o
narrador da crônica se identifica à figura do “narrador-repórter” (SÁ, 1985, p. 7), uma vez
que tem como intuito transmitir a outrem a sua impressão em relação ao ambiente em
que se situa, por isso, um princípio básico da crônica é o seu caráter circunstancial.
De acordo com Jorge de Sá (1985), a literatura brasileira nasce com a crônica
(SÁ, 1985, p. 7), na medida em que a Carta de Pero Vaz de Caminha constitui o primeiro
registro escrito sobre o que viria a ser o Brasil.
Podemos iniciar pela compreensão de que a crônica é um gênero que se situa
entre o relato jornalístico e a literatura. Por se ocupar de acontecimentos isolados, a
crônica também se caracteriza fundamentalmente por ser fragmentária. O espaço
destinado à crônica fora, inicialmente, o das correspondências e relatos de viagem
registrados por exploradores, aventureiros e expedicionários. Com o surgimento dos
jornais, a crônica ganhou um espaço específico: o rodapé dos folhetins.

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' Os livros de crônica são uma forma de sobrevivência do texto literário à data de
validade do jornal. Eles são espécies de compilados que seguem um critério de
organização proposto seja pelo seu próprio autor ou pelo editor ou crítico. A vida
e o tempo em tom de conversa: crônicas de um professor de linguagem (2013),
do professor universitário Carlos Eduardo Falcão Uchôa, é exemplo desse tipo de
compilação. Disponível em: https://shre.ink/ImZS. Acesso em 31 dez. 2022.

A crônica folhetinesca se caracterizou por servir, ao mesmo tempo, ao interesse


pela notícia e pela literatura; assim, sua função era informar e entreter simultaneamente.
O interesse literário decorre do modo como a sua escrita se organiza para narrar os
fatos que suscitam interesse imediato. Dessa forma:
134
Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na
construção do personagem, do tempo, do espaço e da
atmosfera que darão força ao fato exemplar, o cronista
age de maneira mais solta, dando a impressão de que
pretende apenas ficar na superfície de seus próprios co-
mentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se
na pele de um narrador, que é, principalmente, perso-
nagem ficcional (como acontece nos contos, novelas e
romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu au-
tor mesmo, e tudo o que ele diz parece ter acontecido
de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante de
uma reportagem. (SÁ, 1985, p. 9).

Por sua configuração, a crônica corresponde aos interesses e à dinâmica próprios


das sociedades modernas e urbanas. É, em geral, uma narrativa que se encaixa em um
pequeno espaço do jornal para que seja lida em um também pequeno interstício da
vida cotidiana de modo a, por meio da reelaboração dos fatos através da linguagem,
sensibilizá-la novamente. Na definição de Jorge de Sá (1985):
[...] Com seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta
esse instante brevíssimo que também faz parte da con-
dição humana e lhe confere (ou lhe devolve) a dignidade
de um núcleo estruturante de outros núcleos, transfor-
mando a simples situação no diálogo sobre a comple-
xidade das nossas dores e alegrias. somente nesse sen-
tido crítico é que nos interessa o lado circunstancial da
vida. E da literatura também. (Sá, 1985, p. 11).

Por assim ser, o cronista trabalha de maneira similar ao contista, com a concisão
aliada, por sua vez, à urgência do ritmo acelerado, que culmina em uma elaboração
circunstancial e limitada para proporcionar um enquadramento de leitura que tem
como alvo o leitor moderno.
A tradição da crônica na literatura brasileira é bastante forte. A crônica esteve
entre os gêneros mais praticados pelos viajantes portugueses e está entre os primeiros
registros escritos que se tem sobre o Brasil. Em fins do século XVIII, ela se torna um
campo de atividade para a sobrevivência do escritor brasileiro. Machado de Assis foi
um dos grandes cronistas de folhetim. Além dele, Cecília Meireles, Rubem Braga, Nelson
Rodrigues, Paulo Mendes de Campos, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Carlos Heitor
Cony, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Luís Fernando Veríssimo e
Antonio Prata.
O exemplo abaixo é uma crônica de L. Fernando Veríssimo publicada no jornal O Estadão:
A Menina

Primeiro dia de aula. A menina escreveu seu nome com-


pleto na primeira página do caderno escolar, depois seu
endereço, depois "Porto Alegre", depois "Rio Grande do
Sul", depois "Brasil", "América do Sul", "Terra", "Sistema
Solar", "Via Láctea" e "Universo". A menina sentada ao
seu lado olhou, viu o que ela tinha escrito, e disse: "Fal-
135
tou o CEP." Ficaram inimigas para o resto da vida. Ela
era apaixonada pelo Marcos, o Marcos não lhe dava bola.
Um dia, no recreio, uma bola chutada pelo Marcos ba-
teu na sua coxa. Ele abanou de longe, gritou "Desculpa",
depois foi difícil tomar banho de chuveiro sem molhar a
coxa e apagar a marca da bola. Ela teve que ficar com a
perna dobrada para fora do box, a mãe não entendeu o
chão todo molhado, mas o que é que mãe entende de
paixão?

Embora possa se aparentar ao conto, a crônica em geral se liga a aspectos da


realidade, do cotidiano, isto é, de aspectos da vida corriqueira e pode assumir um tom
reflexivo, humorístico, irônico, sarcástico e até filosófico; mas, em geral, apresentam uma
linguagem simples, poucos personagens e uma perspectiva cronológica do tempo e de
sua passagem.
Por ser fragmentária e ocupar parcialmente o espaço que lhe serve de suporte,
seja no jornal, seja no livro, a leitura da crônica resulta da identificação desse espaço.
No espaço do jornal, a análise da crônica deve levar em consideração os elementos
aos quais se relaciona, uma vez que, ela era composta para fazer parte complementar
desse espaço de notícias várias. O tema da crônica bem como o modo como se constrói
sua abordagem são, em geral, as preocupações da análise literária do gênero.
No livro, por sua vez, a análise deverá levar em conta o processo de seleção que
fez com que ela, e não outra, fosse escolhida para compor a coletânea. A publicação
da crônica em livro guarda uma particularidade: o seu parcial desprendimento da
circunstância datada, que culmina em um atestado de independência do contexto
jornalístico. Por sua vez, ao integrar o livro, ao invés do jornal, a crônica tende a padecer
mais lentamente, ou mesmo se fixar de maneira menos transitória, pois perde a função,
exigida no contexto jornalístico, de circulação imediata. Dessa feita, ela não tem data
nem hora para ser “consumida”.

Ensaio

O ensaio, assim como a crônica, se situa no limiar dos gêneros e é bastante


paradigmático para a escrita contemporânea. Pela sua forma de organização, o ensaio
não se encaixa, no entanto, em nenhuma das formas vistas aqui até então. Sua forma
não é lírica, pois não trata da subjetividade, nem narrativa, pois não tem, a priori, a
intenção de contar uma história, tampouco é dramática, já que, como vimos, o gênero
dramático tem peculiaridades distintivas bastante marcantes.
Sendo assim, como podemos, pois, situar esse gênero?
Comecemos pela origem etimológica do termo para buscar pistas sobre as raízes
desse conceito. De acordo com Soares (2007), a “etimologia da palavra ensaio aponta
para ‘tentativa’, ‘inacabamento’ e ‘experiência’” (SOARES, 2007, p. 65). Na cultura escrita,
o termo ensaio aparece pela primeira na obra Essais (Ensaios) de um escritor francês
chamado Michel de Montaigne, fato que o tornou conhecido como o “pai do ensaio”.
O tipo de texto cultivado por esse escritor renascentista se associa a uma espécie
de reflexão em prosa que se caracteriza por um recorte e pela concisão das ideias
apresentadas a partir de uma visão particular que visa transmitir um raciocínio.
Em geral, em seus ensaios, Montaigne desenvolvia reflexões profundas sobre
136
assuntos variados com um toque de interpretação pessoal a partir de temas de seu
interesse e de uma escrita formalmente despretensiosa, dando ênfase à compreensão
que o texto proporcionaria acerca do pensamento, da experiência ou observação
produzida.
A morte é a origem de outra vida: custou-nos entrar
nesta aqui, e choramos; da mesma forma, ao entrarmos
nos despojamos de nosso antigo véu. Nada pode ser im-
portante se o é só uma vez. É razoável temer por tanto
tempo coisa de tão curta duração? Viver uma vida longa
e viver uma vida curta tornam-se iguais pela morte, pois
não há curto e longo nas coisas que não existem mais.
Diz Aristóteles que no rio Hípanis há pequenos animais
que só vivem um dia. Aquele que morre às oito horas da
manhã morre na mocidade; o que morre às cinco horas
da tarde morre em sua decrepitude. Quem de nós não
riria ao ver considerar-se ventura ou desventura esse
momento de tão curta duração? O mais e o menos em
nossa vida, se compararmos com a eternidade, ou ain-
da com a duração das montanhas, dos rios, das estrelas,
das árvores, e até de certos animais, não são menos ri-
dículos. Mas a natureza nos força a isso. (MONTAIGNE,
2010, p. 59).

No entanto, embora se atribua o nascimento do gênero a esse escritor do século


XVI, podemos encontrar essa forma de escrita já em escritores da Antiguidade clássica.
De acordo com Soares, as obras de Aristóteles e Platão podem ser consideradas como
ensaísticas na medida em que tratam de temas específicos sobre os quais os autores
desenvolvem os seus pensamentos visando transmitir um raciocínio. Nessa acepção,
o ensaio consiste em uma longa tradição que segue um método próprio: separar e
distinguir para compreender.

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' Em Ensaios insólitos (2016), Darcy Ribeiro reúne textos reflexivos sobre o futuro
do Brasil (e do brasileiro) e a conjuntura da América Latina, expondo e refletindo
sobre aspectos que demonstram a especificidade do homem latino-america-
no. Disponível em: https://shre.ink/Imix. Acesso em 31 dez. 2022.

As marcas dessa forma literária de fronteira se resumem aos seguintes aspectos,


de acordo com Theodor Adorno (2003):

– Ênfase posta no particular (o ensaio é uma forma de expressão do individualismo


moderno);
– Reflexão aberta (a experiência é passageira);
– Pluridimensionalidade da reflexão (não há uma verdade absoluta, tampouco
uma conclusão definitiva).
– Ênfase na transitoriedade (assim como o homem, a visão que ele tem sobre
137
as coisas pode mudar. Se ele sabe algo sobre si mesmo e o que pensa, esse saber não
pode, assim como ele, sofrer mudanças).

O ensaio se situa entre o literário e o não literário. Caracteriza-se pelo literário na


medida em que mobiliza certos princípios formais e figuras de linguagem para produzir
sentido sobre algo e caracteriza-se pelo não literário porque sua intenção não é a ficção,
mas a verdade, isto é, produzir discernimento acerca do objeto do qual se ocupa. Por
isso, esse gênero se mantém fronteiriço.
Ao longo do tempo, o ensaio foi se solidificando como uma forma predominantemente
reflexiva e dotada de uma seriedade que evidencia um compromisso com a realidade
e com o pensamento crítico.
No período iluminista, o ensaio foi muito utilizado para fins filosóficos. Um exemplo
muito aludido é O Cândido, de Voltaire, sendo paradigmático do gênero, pois, não se
pode delimitar nela o que é criação e o que é reflexão. O intuito do autor, no entanto, era
demonstrar as falácias institucionais de uma Europa monárquica, suscitando profundas
reflexões sobre as estruturas de poder que então vigoravam.
No contexto brasileiro, sobretudo no século XX, destaca-se o ensaio sociológico,
amplamente praticado por sociólogos, historiadores, antropólogos e estudiosos da
literatura para interpretar a história, a cultura e a arte brasileiras. A obra de Gilberto
Freyre nos serve de exemplo para caracterizar o gênero:
Vindas de Portugal, desabrocharam aqui várias crenças
e magias sexuais: a de que a raiz de mandrágora atrai a
fecundidade e desfaz malefícios contra os lares e a pro-
pagação das famílias; o hábito das mulheres trazerem
ao pescoço durante a gravidez "pedras de ara" dentro
de um saquinho; o cuidado de não passarem, quando
prenhes, debaixo de escadas, sob o risco do filho não
crescer; o hábito de cingirem-se, quando aperreadas
pelas dores do parto, com o cordão de São Francisco;
o de fazerem promessas à Nossa Senhora do Parto, do
Bom Sucesso, do Ó, da Conceição, das Dores, no sen-
tido de um parto menos doloroso ou de um filho são
ou bonito. Atendido o pedido por Nossa Senhora, paga-
va-se a promessa, consistindo muitas vezes em tomar
a criança o nome de Maria; de onde as muitas Marias
no Brasil: Maria das Dores, dos Anjos, da Conceição, de
Lurdes, das Graças. 1 0 8 Outras vezes, em sair a criança
vestida de anjo ou de santo em alguma procissão; em
estudar para padre; em tornar-se freira; em deixar cres-
cer o cabelo até criar longos cachos que servissem para
ofertar à imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos; em
vestir-se até a idade de doze ou treze anos de branco e
azul, ou só de branco, em homenagem à Virgem Maria.
[...]. (FREYRE, 1977, p. 324-325).

Há ensaios que, pela sua forma refinada quanto à elaboração formal, são
considerados mais literários do que não literários. E, por outro lado, há ensaios que
assumem maior força crítica e racional, preocupando-se com uma organização
138
mais identificada à lógica científica do que à literária. Esses são os chamados ensaios
acadêmicos, que constituem estudos críticos sobre os objetos que elegem como alvo
de observação, exposição e argumentação. O ensaio é, portanto, considerado um
gênero mais dissertativo, expositivo e argumentativo do que narrativo, embora possa, a
critério do autor, lançar mão de recursos narrativos em função de sua intenção e força
expositiva. E é esse aspecto que, em geral, o aproxima da literatura.

Da pureza à experimentação

Ao longo das unidades que compõem este livro, você pode apreender os aspectos
que nos permitem distinguir os diferentes gêneros literários e os critérios usados para
tanto; também pode perceber que, embora os gêneros tenham suas características
distintivas, tornou-se comum que a prática da literatura por diferentes sociedades (no
caso aqui em questão, ocidentais) promovesse combinações que redundaram em
uma maior possibilidade de identidades para o texto literário, o que implica em uma
problemática para a classificação da literatura, sobretudo, contemporânea, exigindo
dos estudiosos mais atenção e perspicácia analíticas.

VAMOS PENSAR?
Com o surgimento de muitos subgêneros literários na contemporaneidade, sobretudo, de-
vido ao advento tecnológico, que modificou a nossa relação com o texto e a leitura de um
modo geral, como podemos pensar a função da teoria dos gêneros nesse contexto?

Chegamos ao ponto em que desaguamos em um manancial dessas possíveis


combinações. Os hibridismos formais são responsáveis por descaracterizar os gêneros.
E, diante disso, quando um escritor procede de modo astuto e alcança um resultado
bem-sucedido de mistura de gêneros, ele se torna objeto de estudo justamente porque
sua obra foge à classificação. Como vimos, na concepção clássica, esse tipo de obra
dissonante sequer era considerado como literatura e, sendo assim, não chegava a ser
lida ou estudada. Hodiernamente, porém, o papel do estudioso desse tipo de obra é
mostrar a originalidade e a capacidade do escritor em lidar com os limites estilísticos
para promover algo novo, entendendo-se que, por vezes, o estilo próprio de um autor
pode desencadear o surgimento de um novo subgênero.
Podemos considerar como exemplos de formas híbridas: o poema em prosa, o
romance lírico, a ciberpoesia e a fotopoesia. Percebe-se com isso uma tendência na
literatura não apenas de recriar-se por meio da mistura entre os gêneros, como ainda,
através dos novos suportes digitais disponíveis. Assim, é preciso reafirmar, a literatura
tem uma profunda relação com o homem e seu tempo e, por isso, ela se caracteriza,
sobretudo, pela relação dialética que os une (CANDIDO, 2000).
Conceitos que exploram procedimentos literários que se caracterizam pela
recriação de estilos, como a carnavalização, o dialogismo, a intertextualidade e a
paródia são, em geral, muito produtivos para a análise do texto literário híbrido. Mas
esse aspecto nos abre arestas para outras disciplinas da teoria da literatura. Por hora,
devemos ter em mente que a classificação dos gêneros oferece diretrizes conceituais
para identificarmos uma obra literária, mas, não se configura (mais) como um
fundamento para a sua elaboração.
139
GLOSSÁRIO
Pluridimensionalidade – característica do que tem várias dimensões; do que pode ser
apreciado de diversas perspectivas.
Transitoriedade – característica do que é transitório/mutável.
Irônico – dotado de ironia (recurso de linguagem que consiste em exprimir o contrário de
maneira sutil.
Ciberpoesia – subgênero poético que se utiliza de recursos tecnológicos.
Fotopoesia – o fotopoema resulta de uma combinação entre poesia e fotografia.
140
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Ano: 2022 Banca: Universidade Federal do Acre – UFAC Prova: UFAC – UFAC – Médico
– 2022

Leia a crônica abaixo e responda às questões de 06 a 08


O pavão
Rubem Braga
Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo
imperial. Mas andei lendo livros; e descobri que aquelas cores todas não existem na
pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a
luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei
que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de
elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.
Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e
esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de
teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.
Considerando que o texto acima é uma crônica e que cada gênero textual tem
características e funções sociais próprias, é CORRETO afirmar que:

a) umas das características do gênero crônica é a utilização da descrição minuciosa


de pessoas e coisas.
b) quanto à composição, o gênero crônica é mais comumente encontrado na forma de
versos e estrofes.
c) quanto ao tema, o gênero crônica fala sobre assuntos do cotidiano.
d) por ser um gênero que nasceu para ser publicado em jornais, o texto deve ser escrito,
por regra, de acordo com a modalidade escrita formal da língua portuguesa.
e) o gênero crônica, por ser da esfera jornalística, deve utilizar palavras no sentido
denotativo e linguagem objetiva.

2. Ano: 2021 Banca: Fundação Carlos Chagas – FCC Prova: FCC – TJ SC -Assistente
Social – 2021

Atenção: Para responder às questões de números 1 a 6, baseie-se no texto abaixo.

A crônica em sua função

A palavra crônica é conhecida e designa um gênero de texto. Vem por vezes acompanhada
de adjetivo: política, esportiva, social, policial etc. Se vier desacompanhada de qualquer
qualificativo, é porque ela serve a um cronista não especializado, um escritor de
linguagem cativante que pode falar de qualquer coisa que desperte o interesse do
leitor. Não há jornal ou revista que dispense esse tipo de cronista. Que função terá essa
modalidade de crônica, livre que está para abordar não importa o que seja?
Quando, ao ler um jornal, nos detemos nela, é porque sabemos que a mão do escritor,
com leveza de estilo, com algum humor, com um mínimo de sabedoria e perspicácia,
nos conduzirá por um texto que nos poupa da gravidade dos grandes assuntos da
141
política ou da economia e chamará nossa atenção para algum assunto que, não sendo
manchete, diz respeito à nossa vida pequenina, ao nosso cotidiano, aos nossos hábitos,
aos nossos valores mais íntimos. Uma crônica pode falar de uma dor de dente, de um
incidente na praia, de um caso de amor, de uma viagem, de um momento de tédio ou
até mesmo da falta de assunto. O importante é que o cronista faça de seu texto um
objeto hipnótico, do qual não se consegue tirar os olhos. Para isso, há que haver talento.
Entre nós, pontifica até hoje o nome do cronista Rubem Braga (1913-1990). É uma
unanimidade: todos o consideram o maior de todos, o mestre do gênero. De fato, Rubem
Braga cumpriu com excelência o alcance de um cronista: deu-nos poesia, reflexão,
análise, lucidez, ironia, humor − tudo numa linguagem de exemplar clareza e densidade
subjetiva. A crônica de Rubem Braga cumpriu à perfeição o papel fundamental desse
gênero literário pouco homenageado. Nas palavras do crítico Antonio Candido, uma
crônica “pega o miúdo da vida e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma
singularidade insuspeitadas. Isto acontece porque ela não tem a pretensão de durar,
uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa”. O
crítico não tem dúvida em considerar que as boas crônicas, “por serem leves e acessíveis
talvez comuniquem, mais do que poderia fazer um estudo intencional, a visão humana
do homem na sua vida de todo dia”. Não é pouca coisa. Vida longa aos bons cronistas.
(Jeremias Salustiano, inédito)
No primeiro parágrafo do texto, informa-se que a crônica

a) requer um escritor sem qualificação especial, de vez que deverá focalizar-se em


assuntos indeterminados.
b) deve atender a uma função específica e especializada para ser reconhecida como
um gênero literário.
c) caracteriza-se pela liberdade que tem de explorar todo e qualquer assunto, rejeitando
qualquer particularização.
d) passa a interessar o leitor na medida em que seu gênero se determine por um dos
qualificativos citados.
e) pode se constituir como um gênero textual com liberdade para falar sobre assunto
que cative a atenção do leitor.

3. (Adaptada) Ano: 2022 Banca: Instituto Consulplan Prova: Instituto Consulplan –


SEED PR – Professor – Área: Língua Portuguesa – 2022

Os textos a seguir contextualizam as questões de 26 a 29. Leia-os atentamente.


Texto I
Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que
desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro,
ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos
atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre
amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a
crônica.
Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam
de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes
mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era
mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas
142
razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia
sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe.
Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias
do primeiro homem.
(ASSIS, Machado. Obras Completas. Rio de Janeiro: W.C. Jackson, 1995.)

Texto II
A crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma literatura feita de grandes
cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos grandes romancistas, dramaturgos e
poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse.
Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero menor.
“Graças a Deus”, – seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica perto de nós. E para
muitos pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas
para a literatura... Por meio dos assuntos da composição aparentemente solta, do ar
de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo
dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo
de ser mais natural. Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe permite,
como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade
de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma
inesperada embora discreta candidata à perfeição.
(CANDIDO, Antonio. Para gostar de ler: crônicas. São Paulo: Ática, 1980.)
Da relação dos dois textos, é correto afirmar que:

a) Possuem o mesmo tema, mas são de gêneros textuais diferentes.


b) Tratam de temas semelhantes, mas possuem a mesma função social.
c) Abordam temas distintos, mas pertencem ao mesmo gênero textual.
d) Defendem pontos de vista diferentes, usando gêneros textuais distintos.
e) Nenhuma das alternativas.

4. Ano: 2020 Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista –


VUNESP Prova: VUNESP – Prefeitura de Ilha Bela – Analista em Comunicação – Área
Jornalismo – 2020

A crônica jornalística é um texto escrito com uma linguagem simples com a intenção de
aproximar o leitor do autor do texto. É correto afirmar que a crônica:

a) prefere argumentos assertivos a reflexivos.


b) é rica de personagens.
c) evita a linguagem coloquial.
d) se inspira em acontecimentos cotidianos.
e) pertence ao gênero literário dramático.

5. Ano: 2020 Banca: Comissão permanente de Seleção da Universidade Federal do Piauí


– COPESE UFPI Prova: COPESE/UFPI – ALE PI – Assessor Legislativo – Área: Taquigrafia
- 2020

Em relação à estrutura narrativa do gênero textual representado no texto II, é CORRETO


143

afirmar:
a) Trata-se de uma crônica por apresentar linguagem simples e relatar um fato do
cotidiano em tom de humor.
b) Trata-se de uma pequena novela, tendo em vista a existência de personagens e o
caráter humorístico.
c) Trata-se de um ensaio por evidenciar uma pesquisa científica que seria feita com
frases de caminhão.
d) Trata-se de um conto, uma vez que narra uma história fictícia com personagens
reais.
e) Trata-se de um relatório, pois lista uma sequência de frases de para-choques de
caminhão.
144
6. Ano: 2020 Banca: Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista –
VUNESP Prova: VUNESP – FITO – Auxiliar de Administração – Área: Apoio Administrativo
– 2020

Leia o texto para responder às questões de números 16 a 20.


Vocação: cronista
A crônica é um gênero muito colado ao autor. É diferente do romance, que pode ter
personagens como um assassino, uma nuvem, um pé-de-meia, que não têm nada
a ver com o escritor no sentido mais óbvio. Escrevo narrativas em primeira pessoa e
falo de coisas que se parecem com as que acontecem na minha vida. Então, quando
falo com o público, ele já tem conhecimento de quem eu sou. Claro que o narrador da
crônica não sou exatamente eu, e o que acontece na crônica na maioria das vezes não
aconteceu comigo. Considero crônica um gênero de ficção. Se digo “eu fui à padaria”
não significa que eu tenha ido à padaria. Não. Eu estava em casa escrevendo uma
crônica em que o narrador foi à padaria. Mas é próximo de mim.
(Trecho de entrevista com Antônio Prata. https://livrariadavila.com.br. Adaptado)
Segundo o texto, a diferença entre a crônica e o romance tem a ver com:

a) o sucesso que o escritor pode vir a ter junto ao público.


b) o detalhe com que o narrador descreve os ambientes.
c) a diferenciação entre personagens bons e maus.
d) a correção da linguagem usada na construção textual.
e) a proximidade que o autor estabelece com o que escreve.

7. A teoria dos gêneros constitui um importante campo de estudos literários responsável


por estabelecer critérios para a identificação e classificação dos gêneros literários. Há,
no entanto, um processo de descaracterização dos modelos literários clássicos. Esse
processo se deve, sobretudo:

a) à divisão moderna dos gêneros em lírico, narrativo e dramático.


b) a hibridismos formais.
c) ao novo paradigma teórico proposto por Victor Hugo.
d) às manifestações artísticas contemporâneas que ignoram por completo a teoria dos
gêneros.
e) à falta de conhecimento dos autores contemporâneos em relação aos parâmetros
clássicos de composição.

8. Ano: 2017 Banca: FCM Órgão: IF Baiano Prova: FCM – 2017 – IF Baiano – Engenharia
Química

INSTRUÇÃO: A questão refere-se ao texto a seguir. Leia-o, atentamente, antes de marcar


a resposta correta.

A nova maneira de organização social, praticada pela sociedade líquido-moderna de


consumidores, provoca quase nenhuma dissidência, resistência ou revolta, graças ao
expediente de apresentar o novo compromisso (o de escolher) como sendo a liberdade
de escolha. Seria possível dizer que o mais considerado, criticado e insultado oráculo
145
de Jean-Jacques Rousseau – o de que “as pessoas devem ser forçadas a ser livres” –
tornou-se realidade, depois de séculos, embora não na forma em que tanto os ardentes
seguidores como os críticos severos de Rousseau esperavam que fosse implementado.
Com muita frequência, a “localidade” a que os indivíduos permanecem leais e obedientes
não entra mais em suas vidas e se confronta com eles na forma de uma negação de
sua autonomia individual, ou de um sacrifício obrigatório. Em vez disso, apresenta-se na
forma de festivais de convívio e pertença comunais, divertidos, prazerosos, realizados
em ocasiões como a Copa do Mundo de futebol. Submeter-se à “totalidade” não é mais
um dever adotado com relutância, incomodidade e muitas vezes oneroso, mas um
“patriotenimento”, uma folia procurada com avidez e eminentemente festiva.
Carnavais tendem a ser interrupções na rotina diária, breves intervalos animados
entre sucessivos episódios de cotidianidade enfadonha, pausas em que a hierarquia
mundana de valores é temporariamente invertida, os aspectos mais angustiantes
da realidade são suspensos por um breve período e os tipos de conduta proibidos ou
considerados vergonhosos na vida “normal” são ostensivamente praticados e exibidos.
A função (e o poder sedutor) dos carnavais líquido-modernos está no ressuscitamento
momentâneo do convívio que entrou em colapso. Tais carnavais são sessões espíritas
para as pessoas se reunirem, darem as mãos e invocarem do outro mundo o fantasma
da falecida comunidade.

(BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadoria.


Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Adaptado.)
Há características do gênero “ensaio” nesse texto sobretudo porque ele:

a) estrutura-se em sequências textuais dos discursos expositivo e argumentativo.


b) tece conjecturas sobre um assunto sociológico sem a pretensão de esgotá-lo.
c) tematiza o problema da alienação coletiva frente aos autoritarismos da cultura.
d) constitui-se de uma fonte de alerta para comportamentos sociais condenáveis.
e) apresenta acepções de termos teóricos importantes para as ciências humanas.
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 E QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 B
QUESTÃO 6 B QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 D

UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 D
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 B

UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 E
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 E
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 E QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 B QUESTÃO 8 C

77
146
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 7 UNIDADE 8
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 B QUESTÃO 8 B

UNIDADE 9 UNIDADE 10
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 D QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 D
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 E QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 D

UNIDADE 11 UNIDADE 12
QUESTÃO 1 E QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 A
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