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Sociologia

Ciências humanas
SL.01 2
Sociologia: uma ciência social  ...............................................................
SL.02 Émile Durkheim (1858-1917): o indivíduo na sociedade  ............ 14
SL.03 Karl Marx (1818-1883): a crítica à sociedade capitalista (I)  ........ 25
SL.04 Karl Marx (1818-1883): a crítica à sociedade capitalista (II)  ....... 36

ELABORAÇÃO DE ORIGINAIS
Amir Abdala
Caio Aguilar Fernandes

Material integrante do Ético Sistema de Ensino


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei
9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

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Super Teoria 1
CADERNO DO PROFESS O R
V E N D A P R O I B I D A
Sociologia: uma ciência social
SL.01

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O que é a sociologia?
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A sociologia, assim como a antropologia, a economia, a ciência política, o di-
reito, a história, a pedagogia, a psicologia e a geografia, é uma forma de conheci-
tt
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mento situada no contexto das ciências denominadas ciências sociais. Portanto, a


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sociologia consiste em uma ciência que estuda vários aspectos da realidade social,
utilizando, para esse objetivo, a observação, a descrição e a comparação de fatos
e peculiaridades dos fenômenos sociais. Os estudos sociológicos são, assim, uma
forma de observação sistemática dos fenômenos sociais, descobrindo conexões
e regularidades do comportamento humano, bem como, muitas vezes, fazendo
a crítica de elementos vinculados às diversas sociedades.
Dessa maneira, pode-se dizer que a sociologia é o estudo científico das so-
ciedades humanas. Nesse sentido, o que seria “sociedade” em uma perspectiva
sociológica? Peter Berger, em seu livro Perspectivas sociológicas: uma visão hu-
manística, escreve:

Para o sociólogo, “sociedade” designa um grande complexo de relações


humanas ou, para usar uma linguagem mais técnica, um sistema de intera-
ção. É difícil especificar quantitativamente, nesse contexto, a palavra “gran-
de”. O sociólogo pode referir-se a uma “sociedade” que compreenda milhões
de seres humanos (digamos, a “sociedade estadunidense”), mas também pode
utilizar o termo para referir-se a uma coletividade muito menor (“a sociedade
dos calouros de uma universidade”). Duas pessoas conversando numa esquina
dificilmente constituirão uma sociedade, mas três pessoas abandonadas numa
ilha, sim. Portanto, a aplicabilidade do conceito não pode ser decidida apenas
por critérios quantitativos.
Adaptado de BERGER, Peter. A sociologia como forma de consciência.
In:______. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. 9. ed.
Petrópolis: Vozes, 1986. p. 36.
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A sociologia ocupa-se, então, do estudo das relações sociais entre os seres hu-
manos. Entretanto, é essencial perceber que o atributo das sociedades humanas
diz respeito tanto ao fato de que são formadas por pessoas, como ao fato de que
essas mesmas pessoas estão vinculadas entre si por meio de um conjunto diverso
de regras, valores, costumes e funções.

O surgimento da sociologia
A tentativa de compreender as sociedades e as relações entre seus membros
sempre foi, ao longo da história, uma preocupação de autores, filósofos e pensa-
dores. Não é difícil encontrar obras, em diferentes momentos, que dediquem suas
páginas para tentar compreender de que forma os seres humanos, as organiza-
ções e os agrupamentos sociais se comportam ou comportaram. Assim, podemos
dizer que as questões sociais, bem como a forma de explicá-las e justificá-las, são
tão antigas quanto o surgimento das primeiras civilizações humanas. Por exem-
plo, na Grécia e na Roma Antigas, a escravidão era vista como algo legítimo; na
Idade Média feudal europeia, a divisão social em três estamentos era justificada
pela Igreja católica como sendo a vontade de Deus. Entretanto, com a chegada
da modernidade e a consequente ampliação do comércio europeu, as grandes
navegações europeias e o renascimento cultural e científico, ocorrem mudanças
na mentalidade da sociedade moderna, que vão implicar novas formas de expli-
cação para a realidade. Já no século XVIII, também conhecido como “o século das
luzes”, liberdade e igualdade passaram a ser conceitos fundamentais para as
mobilizações sociais. Nesse contexto, ocorreram as grandes revoluções burguesas,
cujas transformações criaram novas necessidades de compreensão do que se vivia
no mundo. Nesse sentido, as revoluções Industrial (Inglaterra, a partir de 1760)
e Francesa (1789) abalaram definitivamente as estruturas da Europa, mudando
práticas da vida social, econômica e política, e estabelecendo as bases históricas
de uma nova ciência: a sociologia.

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SL.01

Figura 1. A Revolução Industrial, além de promover mudanças nos campos da economia, da ciência e da tecnologia, promoveu intensas trans-
formações na estrutura social.

A influência das revoluções no surgimento da sociologia


Podemos afirmar que a sociologia surgiu em uma época de grandes revolu-
ções, como uma forma de reflexão sobre as consequências sociais dos fenômenos
históricos ocorridos na Inglaterra e na França. Da discussão sobre as mazelas e os
dramas originários da consolidação do capitalismo — um sistema social mar-
cado pelas significativas desigualdades entre grupos sociais diferentes do ponto
de vista econômico —, surgiram teorias e explicações que procuraram dar trata-
mento racional às causas desses fenômenos. O nascimento da sociologia ocorreu
numa época em que a industrialização e a urbanização estavam transformando
as bases da sociedade. Nos séculos XVII e XVIII, o aperfeiçoamento das técnicas
de produção, visando produzir maiores quantidades e com maior rapidez, pos-
sibilitou a invenção de máquinas que aumentavam significativamente os lucros,
substituindo gradativamente a produção manufatureira pela mecanização. Des-
se modo, apareceram as máquinas de tecer, a máquina de descaroçar algodão,
bem como se iniciou um processo de aplicação industrial da máquina a vapor e
de tantos outros inventos destinados a aumentar a produtividade do trabalho.
Muitas etapas, antes realizadas por indivíduos, passaram a ser feitas por meio
de máquinas, elevando consideravelmente a quantidade de mercadorias produ-
zidas. A Revolução Industrial pode ser vista sob dois prismas. De um lado, esse
processo histórico trouxe (e ainda traz) benefícios e conforto para milhões de pes-
soas, no mundo todo. Por outro, a Revolução Industrial significou mais do que a
introdução do trabalho realizado pelas máquinas. Ela acarretou o aprofundamento
da divisão social do trabalho e a concentração do controle dos meios de produ-
ção nas mãos de uma classe social, a burguesia, cuja origem remonta à passagem
da Baixa Idade Média para a Idade Moderna (séculos XIII a XV). Foi também o mo-
mento de supremacia do capital industrial, transformação que impôs uma nova
realidade social, econômica e política para os indivíduos da época, modificando
radicalmente as vidas de milhões de pessoas. A Revolução Francesa também pro-
vocou alterações significativas nos modos de organização social e nas formas de

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explicação da realidade. Os ideais iluministas — que defendiam o uso da razão
como caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação —

Socioloiga
surgidos ao longo do século XVIII ganhavam espaço, resultando em uma nova
concepção do desenvolvimento humano. Como consequência da forte partici-
pação popular no processo revolucionário de 1789, o indivíduo foi trazido para
o centro da discussão política e sua participação nas decisões da nação ganhou
outra dimensão. Como as lutas que precederam e desencadearam a Revolução
Francesa envolveram, numericamente, muitas pessoas, mais indivíduos foram
obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas
por uma elite. Assim, a ideia de existência de uma liberdade e de uma igualdade
permitiu aos indivíduos questionar os antigos valores e modelos da sociedade e
exigir o estabelecimento de uma nova concepção de vida social.
Nesse sentido, a sociologia clássica do século XIX e do início do século XX
foi uma tentativa de vários intelectuais para entender e esclarecer essa série de
mudanças e suas consequências sociais.

Principais linhas teóricas em sociologia


Em termos teóricos, podemos destacar três linhas sociológicas clássicas:
Conexões
• Positivista-funcionalista. Tem como fundador o francês Auguste Comte Os temas Revolução In-
(1798-1857). Émile Durkheim (1858-1917), também francês, estabeleceu as dustrial e Revolução Fran-
bases metodológicas e teóricas do funcionalismo. cesa são fundamentais
dentro da área de história
• Materialista histórico-dialética. Elaborada por Karl Marx (1818-1883), que, para o entendimento da
mesmo não sendo propriamente um sociólogo, iniciou uma fecunda linha de formação da sociedade
teoria e pesquisa social. moderna e contemporâ-
nea. Os desdobramentos
• Sociologia compreensiva. Identificada nas obras do sociólogo alemão Max da Revolução Industrial
Weber (1864-1920). também são centrais
para a geografia, desde
Atualmente, a influência dessas linhas e de seus respectivos autores ainda se o entendimento da or-
faz sentir em todo o mundo. Elas são modelos para os sociólogos e servem como ganização da produção
inspiração para estudos de problemas contemporâneos, e muitos de seus con- econômica no contexto
ceitos constituem pontos de partida de pesquisas sociológicas. Os trabalhos de do capitalismo até às
Marx, Weber e Durkheim, embora tenham passado por vasta revisão crítica de questões ambientais da
outros pensadores, ainda oferecem elementos para a compreensão da sociedade atualidade.
contemporânea. A sociologia, ao surgir como uma reflexão sobre as questões nas-
cidas com a sociedade capitalista e também em razão dos caminhos que a ciência
vinha abrindo, tem como marca de seu propósito buscar respostas a problemas
que se colocam com base nos processos de desenvolvimento social, assim como
questionar a validade de suas próprias conclusões.

O positivismo de Auguste Comte


Nascido em fins do século XVIII, na cidade francesa de Montpellier, Auguste
Comte (1798-1857) propôs um sistema de conhecimento que, articulando a ra-
zão às observações empíricas, fosse capaz de descrever o conjunto da realidade,
dos fenômenos da natureza à vida em sociedade. Estimulado pelos avanços das
ciências naturais, postulava a extensão de seus procedimentos para as pesquisas
sobre as relações dos homens em sociedade, caracterizando uma física social
que, reformando intelectualmente os seres humanos, ofereceria fundamentos
racionais para a organização política da sociedade.
A perspectiva comtiana reivindicava a completa renúncia à pesquisa filosófica
de temas meramente especulativos, que, superestimando a capacidade cognitiva
humana, se lançavam à busca de conhecimentos absolutos e que não possuem,

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segundo Comte, uma base legítima, porque excedem o que é demonstrável
pela experiência. Nesse sentido, defende sua substituição por uma investigação
SL.01
científica das leis naturais e sociais, ou seja, um conhecimento denominado de
positivo, pois, além de ser estabelecido racionalmente, sustenta-se em demons-
trações objetivamente verificadas na realidade. Nascia, assim, o positivismo. As
reflexões de Comte o conduziram à crescente convicção de que o progresso do
conhecimento científico seria fundamental não apenas para a consolidação
do domínio humano sobre a natureza, como também para a organização racional
da sociedade, solucionando a crise moral por ele observada no mundo moderno.
Segundo Comte, os progressos do conhecimento humano eram visíveis em dife-
rentes ramos do saber, e que na astronomia, na física, na química e na biologia
as respostas às suas questões adquiriram contornos definitivamente científicos.
Restava, então, estender a perspectiva objetiva da ciência para a esfera da so-
ciedade, uma vez que para esta eram comuns ainda as explicações vinculadas a
concepções teológicas ou metafísicas. Por seu empenho em fixar o entendimento
acerca dos fenômenos humanos em fundamentos científicos, Auguste Comte é
considerado o fundador das ciências sociais ou, em sentido mais específico, do
que depois seria denominado de sociologia.
Considerar Auguste Comte como o nome inaugural das ciências sociais signi-
fica dizer que ele foi o primeiro autor a procurar sistematicamente a compreen-
são científica da vida humana em sociedade. Essa postura seria muito comum
no século XIX, motivada tanto pelo êxito das ciências da natureza quanto pelas
questões e problemas relativos à sociedade industrial, diante dos quais se tor-
naram sem valor as explicações tradicionalmente aceitas sobre o ser humano e
a sociedade. Posteriormente, o método estabelecido por Comte para as ciências
da sociedade, assim como sua conceituação geral de ciência, foi contestado de
Figura 2. Templo positivista de Porto
Alegre, prédio histórico junto ao Parque maneira radical por estudiosos de diferentes áreas do saber. Em outras palavras,
Farroupilha – construção datada do início o positivismo sofreu pesadas críticas a partir do século XX, por causa da sua forte
do século XX. crença na ciência como solução para todos os problemas da humanidade.

Eugenio Hansen, OFS

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A lei dos três estados

Socioloiga
Em sua obra Curso de filosofia positiva, editada em seis volumes

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a partir de 1830, Comte apresenta a evolução do conhecimento
humano em direção à unidade do método científico, por meio do
qual seria possível descrever as leis gerais que regem os fenômenos
sociais da mesma forma que progrediam os saberes positivos em
torno dos fenômenos da natureza. Comte afirma constatar uma lei
fundamental do desenvolvimento da humanidade, que envolveria
articuladamente as formas progressivas de conhecimento e as mo-
dalidades de estruturação da sociedade. Trata-se da lei dos três
estados (ou estágios), segundo a qual a inteligência humana tem
como ponto de partida o estágio teológico ou fictício (etapa em
que os seres humanos explicam os fenômenos por meio da crença
no sobrenatural, como, por exemplo, pela mitologia e pelos deuses),
após o qual, como situação intermediária, tem-se a fase metafísica
ou abstrata (nessa etapa, os seres humanos substituem os deuses
pela filosofia como meio de se compreenderem e explicarem os fe-
nômenos); e, finalmente, o estágio positivo ou científico, como sua
etapa superior e permanente, na qual os seres humanos explicam os
fenômenos por meio da ciência. Essa última etapa corresponderia
ao momento das sociedades industriais. Figura 3. Comte (1798-1857) viveu em uma época
O estado positivo ou científico realiza a condição definitiva e su- marcada pelas grandes transformações sociais, políticas
perior da inteligência humana, na qual os seres humanos reconhecem e econômicas ocorridas na Europa, em decorrência das
revoluções Industrial e Francesa.
os limites de seu entendimento e abandonam a expectativa de um co-
nhecimento absoluto, mantendo a razão em permanente correspondência com os
dados da experiência, ou seja: as indagações metafísicas não são mais discutidas.
Em seu nível científico, o conhecimento postularia unicamente a identificação das
leis que regulam os fenômenos observados, assim como as relações entre estes,
sem empenhar-se na tarefa de vasculhar suas mais remotas causas. Assim, a razão
estaria sempre conjugada ao que é empiricamente demonstrável, expandindo o
conhecimento sobre as leis do funcionamento do Universo.

A física social
Após uma longa explanação sobre o desenvolvimento evolutivo das mais
variadas ciências, Comte chega à física social, ou seja, à sociologia (ou, ainda,
à filosofia social positiva), que se dirige à pesquisa das leis da sociedade. Con-
forme a convicção de Comte, o método empregado nas ciências naturais deve
ser aplicado ao estudo da sociedade, e a física social é possível porque dispõe
dos conhecimentos acumulados nas ciências que a precederam no tempo. O co-
nhecimento científico dos fenômenos da sociedade, sendo estes os mais comple-
xos e particulares por se referirem unicamente aos seres humanos, pressupõe a
constituição de todas as demais ciências. Quando registramos que, para Auguste
Comte, a ciência da sociedade conclui o repertório de conhecimentos científicos,
não se deve entender com isso que a humanidade atinge a sabedoria máxima
acerca de todos os fenômenos, mas que todos os fenômenos, dos astronômi-
cos aos sociais, são tratados cientificamente, isto é, pela condição superior da
inteligência positiva. Para Comte, quando desaparecessem os vestígios teológi-
cos e metafísicos que ainda pairam sobre as explicações relativas à sociedade,
o conhecimento científico seria a única forma de entendimento da realidade
e jamais deixaria de se enriquecer com aquisições em todos os seus domínios.
Dessa forma, a física social, assim como as demais ciências que oferecem aos
homens meios mais eficientes de ação sobre a natureza, possibilitando-lhes o
progresso tecnológico, propiciaria aos seres humanos os recursos indispensáveis
à ordenação política da sociedade.

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A “Ordem” e o “Progresso”
SL.01
Nas modernas sociedades industriais da época de Comte, dissolviam-se an-
tigos padrões de sociabilidade, instaurando-se, em seu lugar, uma dinâmica
social instável e permeada por numerosos conflitos, especialmente nos grandes
centros urbanos, nos quais as crises eram mais contundentes e visíveis. A filo-
sofia positiva, nessas sociedades, então, é também uma resposta científica que
se pretende dar aos problemas característicos do mundo moderno, que são
classificados por Comte nos termos de uma desordem política e de uma “anar-
quia moral”, ou seja, como decorrentes da ausência de princípios de morali-
dade socialmente aceitos e pela inexistência de mecanismos políticos capazes
de determinar a ordem social. Essa crise moral e política, por sua vez, foi com-
preendida como um desdobramento direto da confusão intelectual vigente na
época. Afinal, enquanto todos os fenômenos naturais eram pesquisados cien-
tificamente, na esfera da sociedade predominavam ainda as especulações teo-
lógicas e metafísicas, sendo que estas, se em tempos passados estabeleciam a
coesão das sociedades humanas, se tornaram ineficientes para garantir a ordem
social diante da complexidade dos problemas modernos. O estabelecimento
da ordem na sociedade, condição prévia do progresso, seria gerado, portanto,
a partir da física social. Comte concebeu dois princípios atuando combinada-
mente nas sociedades humanas, o estático (ordem) e o dinâmico (progres-
so). O elemento estático, que significa a ordem existente em uma sociedade,
assegura a conservação da vida social por intermédio de práticas e instituições
de socialização. O elemento dinâmico, por meio do qual se realiza o progresso das
sociedades humanas, segue a mesma linha evolutiva da lei dos três estados
da inteligência humana, sendo sua condição final a sociedade industrial gover-
nada em conformidade com o saber da física social. Portanto, a física social,
baseada na conjugação da observação empírica com a razão, possibilitaria a

No Brasil, o positivismo encontrou um solo fértil, assim como em outros países


latino-americanos que, na busca por uma identidade nacional, ofereceram um
espaço propício a ser preenchido por doutrinas sociais europeias que corres-
pondessem aos anseios do desenvolvimento nacional. Importantes inte-
lectuais exerceram papel relevante na divulgação do positivismo no
Brasil. O ápice das intervenções do positivismo na vida política brasi-
leira deu-se no movimento republicano. Os positivistas não foram o
único grupo que proclamou a República no Brasil, mas são inegá-
veis o tamanho e a extensão de sua influência no processo de
deposição da monarquia no país. O momento de maior interfe-
José Cruz/ABr

rência do pensamento positivista na vida republicana deu-se na


elaboração da Constituição de 1891. Nela, encontramos clara-
mente a orientação política positivista de “Ordem e Progresso”,
impressa também como lema da bandeira nacional. José Cruz/ABr

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identificação das leis inerentes à vida em sociedade, fornecendo aos seres humanos o conhecimento necessário ao
estabelecimento da ordem sociopolítica e à adoção de medidas que conduzissem ao progresso. O ponto de parti-

Socioloiga
da para a remoção da desordem moral e política seria, então, uma extensa reforma educacional que suscitasse a
reorganização da sociedade em bases racionais e científicas, isto é, a ciência da sociedade é concebida por Comte
como a fonte de uma sociedade racionalmente ordenada. Sobre a realidade social precária do proletariado indus-
trial-urbano de sua época, Comte entendia que essa situação seria naturalmente resolvida com o desenvolvimento
e a aplicação das ciências positivas, fazendo com que seus efeitos fossem sentidos sobre a classe mais numerosa e
mais pobre. Em nenhum momento, o pensador positivista acreditou na incompatibilidade entre progresso técnico
(capitaneado pelo capital industrial) e a força de trabalho assalariada. Ao contrário, Comte chegou a afirmar que o
protagonismo dos movimentos operários serviria para domesticar o egoísmo dos capitalistas e imprimir uma ordem
moral humanitária. Comte não acreditava que a eliminação da propriedade privada e da classe capitalista traria a
dissolução dos conflitos sociais, mas, sim, aprofundaria o atraso entre os detentores do capital e os que contavam
apenas com a força de trabalho. O desejo de estabelecer o caminho para uma profunda reforma intelectual e social,
contudo, não se limitou ao desenvolvimento de uma estratégia política.
Comte foi além e propôs a criação de uma religião da humanidade. Tal fato ocorreu durante os úl-
timos quinze anos de sua vida, quando estabeleceu os aspectos principais do que seria essa nova religião.
Levando até as últimas consequências a ideia de que a teoria positivista consistiria em uma nova reli-
gião para a humanidade, Comte se dedicou a elaborar um novo calendário, cujos meses receberam nomes
de grandes figuras da história do pensamento. Como a maioria das religiões, Comte escreveu um catecismo
(o Catecismo positivista), cujo ponto-chave seria a mudança da concepção de Deus como centro de tudo para a huma-
nidade como objetivo último da vida humana.

Em foco
C4 — Entender as transformações técnicas e tecno- d) A grandiosidade dos prédios onde se localizavam
lógicas e seu impacto nos processos de produção, no as fábricas revelava os avanços da engenharia
desenvolvimento do conhecimento e na vida social. e da arquitetura do período, transformando as

H18 —
cidades em locais de experimentação estética e
Analisar diferentes processos de produção ou
artística.
circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais.
e) O alto nível de exploração dos trabalhadores in-
(Enem-MEC) Leia o texto a seguir. dustriais ocasionava o surgimento de aglomerados
urbanos marcados por péssimas condições de
A Inglaterra pedia lucros e recebia lucros. Tudo se
moradia, saúde e higiene.
transformava em lucro. As cidades tinham sua sujeira
lucrativa, suas favelas lucrativas, sua fumaça lucrativa,
Alternativa e
sua desordem lucrativa, seu desespero lucrativo. As
O texto é explícito quanto à submissão, nas cidades
novas fábricas e os novos altos-fornos eram como as
industriais, de todas as formas de sociabilidade e de
Pirâmides, mostrando mais a escravização do homem
ocupação do espaço ao princípio do lucro, mencionando
que seu poder.
as precárias condições de habitação de boa parte da
Adaptado de DEANE, P. A Revolução Industrial.
população urbana e a deterioração dos elementos am-
Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
bientais como produtos dessa voracidade lucrativa. Nessa
Qual relação é estabelecida no texto entre os avanços perspectiva, situa-se a acentuada exploração exercida
tecnológicos ocorridos no contexto da Revolução Indus- sobre os trabalhadores industriais.
trial inglesa e as características das cidades industriais no a) (F) O texto não estabelece qualquer indicação de
início do século XIX? que as cidades tenham se convertido em espaços
a) A facilidade em se estabelecer relações lucrativas férteis à livre-iniciativa.
transformava as cidades em espaços privilegiados b) (F) O texto não sugere a existência de planeja-
para a livre-iniciativa, característica da nova socie- mento urbano nessas cidades industriais.
dade capitalista. c) (F) Não há, no texto, qualquer menção ou sugestão
b) O desenvolvimento de métodos de planejamento de uma organização de transportes públicos.
urbano aumentava a eficiência do trabalho industrial. d) (F) A afirmação de que as cidades comportavam
c) A construção de núcleos urbanos integrados por inovações arquitetônicas que as transformavam
meios de transporte facilitava o deslocamento dos em centros de experimentação estética não en-
trabalhadores das periferias até as fábricas. contra respaldo no texto.

9
SL.01
ATIVIDADES

1 (UPE) Leia o texto a seguir: 2 (U. F. Uberlândia-MG) A partir do século XIX, o ideal
[…] grandes mudanças que ocorreram na história da científico no campo da sociologia consistiu na formula-
humanidade, aquelas que aconteceram no século XVIII — e ção de teorias sobre o homem e a sociedade. Acerca do
que se estenderam no século XIX — só foram superadas pelas pensamento científico sociológico, assinale a alternativa
grandes transformações do final do século XX. As mudanças correta.
provocadas pela revolução científico-tecnológica, que deno- a) Os principais métodos nas ciências sociais em geral
minamos Revolução Industrial, marcaram profundamente a e na sociologia em particular excluem a observação
organização social, alterando-a por completo, criando novas sistemática de ambientes sociais, uma vez que os pro-
formas de organização e causando modificações culturais cessos de interação entre os homens e os homens e o
duradouras, que perduram até os dias atuais. meio sociocultural não são observáveis.
b) A pesquisa sociológica e a realizada nas demais áreas
DIAS, Reinaldo. Introdução à sociologia. São Paulo: das ciências sociais independem da formulação de ge-
Pearson Prentice Hall, 2004. p. 124. neralizações, uma vez que as relações entre os homens
Percebe-se que as transformações ocorridas nas socieda- e os homens e o meio sociocultural pautam-se pelas
des ocidentais permitiram a formação de relações sociais particularidades.
complexas. Nesse sentido, a sociologia surgiu com o obje- c) As ideias científicas diferem do senso comum e de ou-
tivo de compreender essas relações, explicando suas ori- tras formas de conhecimento, pois devem ser avaliadas
gens e consequências. Sobre o surgimento da sociologia à luz de evidências sistematicamente coletadas e do
e das mudanças históricas apontadas no texto, assinale a escrutínio público.
alternativa correta. d) O pensamento científico na sociologia deve estar com-
a) A grande mecanização das fábricas nas cidades possi- prometido com a ideia de que as teorias são tempora-
bilitou o desenvolvimento econômico da população riamente verdadeiras e que as questões nunca estão
rural por meio do aumento de empregos. resolvidas por completo; nesse sentido, o pensamento
b) A divisão social do trabalho foi minimizada com as no- científico sociológico se iguala ao senso comum.
A perspectiva científica implica um distanciamento do senso comum, na
vas tecnologias introduzidas pelas revoluções do século medida em que pedem a observação sistemática da realidade e a divulga-
XVIII. ção e discussão dos dados coletados e conclusões obtidas.
c) A sociologia foi uma resposta intelectual aos problemas a) (F) As ciências sociais, como quaisquer outras ciências, não excluem a
observação sistemática de seus respectivos objetos de análise. Esse é um
sociais, que surgiram com a Revolução Industrial. dos principais requisitos do pensamento científico. Para a sociologia, os
d) O controle teológico da sociedade foi possível com processos de interação dos homens entre si e entre os homens e o meio
o emprego sistemático da razão e do livre exame da sociocultural são, sim, observáveis.
b) (F) As pesquisas realizadas pelas ciências sociais, que incluem a sociolo-
realidade. gia, implicam a formulação de generalizações.
e) As atividades rurais do período histórico, tratado no d) (F) Embora a primeira parte do enunciado possa ser considerado válida,
texto, foram o objeto de estudo que deu origem à so- o fato de não existirem “verdades eternas”, isso não torna a sociologia
equivalente ao senso comum.
ciologia como ciência.
Alternativa c
A sociologia, como ciência, é uma tentativa de compreensão dos efeitos
das transformações ocorridas no mundo ocidental a partir das Revoluções
Francesa e Industrial.
a) (F) A industrialização fez com que a população rural migrasse para as
cidades.
b) (F) A divisão do trabalho aumenta com os processos de industrialização.
d) (F) O pensamento racional e científico implicou a perda de força das
instituições religiosas.
e) (F) Ao contrário, os objetos de estudo da sociologia, vistos em uma pers-
pectiva ampla, devem-se aos processos de urbanização e industrialização.
Alternativa c

10
c) do conhecimento produzido em sociedades denomi-
nadas complexas.

Sociologia
3 (C1/H1) Leia o texto a seguir e responda à questão proposta. d) do conhecimento orientado pelo método dedutivo.
e) do conhecimento produzido em sociedades vinculadas
As famílias estadunidenses gastam muito e poupam pou- ao estágio teológico.
co. O governo é ainda pior. O custo enorme e rapidamente O texto citado é um mito, ou seja, uma forma de conhecimento presente
crescente da saúde é uma das principais razões. […]. Mas nas sociedades tribais e tradicionais. Considerando a perspectiva de Au-
guste Comte, tal forma de conhecimento — que explica fenômenos com
a saúde dos EUA ainda exclui muitas pessoas e é ineficien- base mágico-religiosa, ou na intervenção de deuses — seria característica
te. A expectativa de vida, a mortalidade infantil e outros de uma sociedade que estaria no estágio teológico.
indicadores são substancialmente piores que os de outros países a) (F) Não há, na teoria comtiana dos três estados, um estágio anterior ao
ricos. O alto custo da saúde nos EUA pode ser atribuído prin- teológico nas sociedades históricas humanas.
b) (F) Considerando as ideias de Comte, o estágio teológico seria caracterís-
cipalmente aos preços altos, e não à utilização maior do tico das sociedades ditas simples ou mesmo tribais. As sociedades com-
sistema por uma sociedade em processo de envelhecimento. plexas (os países europeus do século XIX) estagiam no estado positivo,
em que a ciência é a forma de conhecimento estabelecida.
NAÍM, Moisés. EUA desperdiçam catástrofe. Folha de S. Paulo/Mundo. c) (F) No caso desta alternativa, a orientação é a mesma que a da alterna-
5 abr. 2013. Adaptado de www1.folha.uol.com.br tiva b.
(acesso em 22 abr. 2013). d) (F) O método dedutivo pressupõe uma percepção racional da realidade,
bem como o entendimento de leis gerais com base nas quais se pode
obter uma conclusão de caráter particular. O que vemos, no texto citado,
No texto citado, o termo “sociedade” refere-se a:
é um exemplo que não se enquadra nas características dessa forma de
a) uma associação sem fins lucrativos. raciocínio.
b) um Estado-nação. Alternativa e
c) um grupo definido apenas por vínculos religiosos.
d) uma associação de caráter comercial.
e) um grupo definido pelo gênero.
O termo “sociedade”, tal como aparece no texto, remete ao conceito de 5 (C1/H4) Leia o trecho da canção e responda à questão pro-
Estado-nação, ou seja, de país. Por sociedade, entende-se, no texto, socie-
dade estadunidense, definida em termos territoriais, políticos e culturais. posta.
a) (F) Não se trata de uma associação sem fins lucrativos, como em “So- O amor vem por princípio, a ordem por base
ciedade dos músicos da cidade”. O próprio conceito de sociedade, em
termos sociológicos, não se aplicaria nesse sentido. O progresso é que deve vir por fim
c) (F) Um país não é um grupo de indivíduos ligados unicamente por vín- Desprezastes esta lei de Augusto Comte
culos religiosos, embora essa seja uma dimensão importante. E fostes ser feliz longe de mim
d) (F) Nesta alternativa, temos a mesma orientação da alternativa (a). Em
termos sociológicos, e no caso específico do texto, a alternativa não se ROSA, Noel. Positivismo. Disponível em: http://letras.mus.br
aplica ao contexto. (acesso em 22 mar. 2013)
e) (F) O texto refere-se a um amplo grupo de pessoas (a sociedade ameri-
cana — que estaria em processo de envelhecimento) e não há, nesse
No trecho da canção composta por Noel Rosa são apresen-
caso, uma segmentação por gênero.
Alternativa b tadas as palavras ordem e progresso. Elas constituem, na
obra de Auguste Comte:
a) conceitos que representam uma filosofia da história e
do desenvolvimento humano.
b) elementos que aparecem como sinônimos do estágio
4 (C1/H5) Leia o texto a seguir e responda à questão proposta. positivo.
c) conceitos que explicam as questões da divisão do tra-
Mani era uma linda indiazinha, neta de um grande caci- balho nas sociedades modernas.
que de uma tribo antiga. Desde que nasceu andava e falava. d) conceitos explicativos do desenvolvimento das socie-
De repente morreu sem ficar doente e sem sofrer. A indiazi- dades pré-capitalistas.
nha foi enterrada dentro da própria oca onde sempre morou e) termos que se relacionam à crítica à divisão do traba-
e como era a tradição do seu povo. Todos os dias os índios da lho no mundo contemporâneo.
aldeia iam visitá-la e choravam sobre sua sepultura, até que Ordem e Progresso, na teoria sociológica de Auguste Comte, remetem à
nela surgiu uma planta desconhecida, então os índios resol- estática e à dinâmica, elementos que definem, de uma lado, a estabilida-
de das instituições e, de outro, o processo da evolução do conhecimento
veram cavar para ver que planta era aquela, tiraram-na da humano ao longo da história expresso na teoria dos três estados. Trata-se
terra e ao examinar sua raiz viram que era marrom, por fora, e assim, de uma filosofia da história, ou seja, uma forma geral e abstrata da
branquinha por dentro. Após cozinharem e provarem a raiz en- percepção de como se processa a história humana.
tenderam que se tratava de um presente do Deus Tupã. A raiz b) (F) Como conceitos que se referem a princípios atuantes na história hu-
mana, ordem e progresso referem-se a todos os estágios, e não apenas ao
de Mani veio para saciar a fome da tribo. Os índios deram o positivo.
nome da raiz de Mani e como nasceu dentro de uma oca ficou c) (F) Na alternativa b, os princípios dinâmico e estático dizem respeito
Manioca, que hoje conhecemos como mandioca. a um universo mais amplo que o da questão da divisão do trabalho, até
mesmo mais geral do que essa questão presente nas sociedades modernas
Mandioca. Disponível em: www.sohistoria.com.br ou capitalistas.
(acesso em 29 mar. 2013) d) (F) A justificativa é semelhante à das alternativas b e c, no sentido da
abrangência dos conceitos, na medida em que caracterizam uma filosofia
da história.
Considerando a teoria sociológica dos três estados de Auguste
e) (F) A justificativa é semelhante à das alternativas b, c e d, incluindo-se o
Comte, o texto citado seria um exemplo: fato de que esses conceitos não se relacionam com uma crítica da divisão
a) do conhecimento produzido em sociedades historica- do trabalho no mundo contemporâneo.
mente anteriores ao estágio teológico. Alternativa a
b) do conhecimento produzido em sociedades vinculadas
ao estágio positivo.

11
SL.01
COMPLEMENTARES

1 (U. E. Maringá-PR) Leia o texto a seguir e assinale o que for III. Na nascente sociologia do século XIX, a sociedade é
correto sobre a constituição da perspectiva sociológica. Dê comparável a um sistema físico ou biológico; ou seja,
a soma dos números dos itens corretos. ela possui uma estrutura, cuja produção e reprodu-
O fascínio da sociologia está no fato de que sua pers- ção dependem do funcionamento harmonioso das e
pectiva nos leva a ver sob a nova luz o próprio mundo em entre as partes que a constituem.
que vivemos. Isto também constitui uma transformação da IV. As primeiras teorias sociológicas basearam-se no
consciência. […] O sociólogo vive no mundo comum dos evolucionismo social, corrente que explica a origem
homens, perto daquilo que a maioria das pessoas chamaria e a história das sociedades, com base na passagem
de real. As categorias que ele utiliza em suas análises consti- do simples ao complexo, do subjetivo para o objeti-
tuem apenas refinamentos das categorias em que os outros vo, da solidariedade mecânica para a solidariedade
homens se baseiam — poder, classe, status, raça, etnia. Em orgânica.
consequência, algumas investigações sociológicas parecem —
ilusoriamente — simples e óbvias.
3 (U. F. Uberlândia-MG) De um ponto de vista histórico, a
BERGER, P. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. sociologia como disciplina científica surgiu ao longo do
Petrópolis: Vozes, 1973, p. 31. século XIX, como uma resposta acadêmica para os novos
(01) Só é possível conhecer sociologicamente uma socie- desafios da modernidade. Além das concepções advindas
dade distante, com a qual o pesquisador não tenha da Revolução Francesa e dos fortes impactos gerados pela
estabelecido relação prévia, até o momento de sua Revolução Industrial na estrutura da sociedade, muitos
pesquisa. outros processos também contribuíram para essa nova
(02) A sociologia opera com categorias analíticas que inte- configuração da sociedade.
gram um vocabulário próprio, criando um conjunto Em seu desenvolvimento ao longo do século XIX, a socio-
de classificações que não possuem correspondentes logia esperava entender:
no mundo histórico e social. a) os grupos sociais e as causas da desintegração social
(04) Os resultados das investigações sociológicas revelam vigente.
a produção de um mundo social com regras bastante b) como a Revolução Industrial encerrou a transição en-
simples e óbvias. tre feudalismo e capitalismo, sem prejuízo da classe
(08) A criação da perspectiva sociológica promove, naquele trabalhadora, pois foi beneficiada por esse processo.
que a detém, uma transformação de consciência, pois c) a subjetividade dos indivíduos nas pesquisas sociológi-
o sociólogo vive a mesma realidade social que inves- cas, como uma disciplina científica com metodologia
tiga. própria.
(16) Uma das tarefas do sociólogo é revelar os muitos níveis d) a Revolução Francesa como um marco revolucionário
de significados atribuídos pelos homens à realidade que modificou o pensamento, apesar de manter as
social que os cerca. tradições aristocratas.

4 (U. E. Maringá-PR) Leia o texto a seguir.


2 (U. F. Uberlândia-MG, adaptada) O surgimento da sociolo-
gia como ciência particular está intimamente relacionado A sociologia não se limita ao estudo das condições de
à expansão do capitalismo na Europa. As novas condições existência social dos seres humanos. Todavia, essa consti-
práticas impostas por esse sistema social elegiam a socie- tui a porção mais fascinante ou importante de seu objeto
dade como um problema a ser investigado e, já no século e aquela que alimentou a própria preocupação de aplicar
XVIII, pensadores sociais preconizavam o que no século XIX o ponto de vista científico à observação e à explicação dos
seria conhecido como sociologia. fenômenos sociais. Ora, ao se falar do homem, como objeto
Em face das condições empíricas da sociedade capitalista de indagações específicas do pensamento, é impossível fixar,
e das respostas teóricas dadas pela nascente sociologia, com exatidão, onde tais indagações se iniciam e quais são
julgue (V ou F). os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer que essas indaga-
I. As revoluções burguesas que romperam com o An- ções começam a adquirir consistência científica no mundo
tigo Regime foram de ordem política na medida em moderno, graças à extensão dos princípios e do método da
que instauraram, no caso da Inglaterra, a monarquia ciência à investigação das condições de existência social dos
parlamentar e, no caso da França, a república presi- seres humanos. Sob outros aspectos, já se disse que o ho-
dencialista; porém, não alteraram a estrutura meta- mem sempre foi o principal objeto da curiosidade humana.
física e teológica do antigo regime. Atrás do mito da religião ou da filosofia sempre se acha um
II. A Revolução Industrial inaugurou um novo modo agente humano, que se preocupa, fundamental e primaria-
de organização do trabalho e de relações sociais de mente, com questões relativas à origem, à vida e ao destino
produção, cujas consequências sociais e econômicas de seus semelhantes.
colocaram em foco a situação dramática na qual vivia FERNANDES, F. A herança intelectual da sociologia. In: FORACCHI, M. e
a classe trabalhadora, sendo este um problema prá- MARTINS, J. S. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros
tico que a nova ciência do social teria de responder. Técnicos e Científicos, 1977. p. 11.

12
Pode-se concluir do texto que a sociologia: que se imaginava poder atingir nas ciências naturais. Por
(01) nasce e se desenvolve procurando compreender a Ida- isso, essa nova ciência da sociedade recebeu inicialmente

Sociologia
de Média. Os sociólogos utilizaram os recursos expli- o nome de física social, e só posteriormente, passou a ser
cativos gerados, sobretudo, pelas doutrinas religiosas denominada de sociologia. Entre as alternativas a seguir, a
para analisar a organização do mundo. única que não expressa uma perspectiva desse momento
(02) empreende uma reflexão sistemática sobre as trans- inicial da sociologia é:
formações sociais em curso nas sociedades em que a a) os métodos das ciências naturais poderiam e deveriam
ciência se tornou uma poderosa ferramenta de com- ser aplicados aos estudos sobre a sociedade.
preensão do mundo. b) havia a necessidade de desenvolver técnicas racionais
(04) define, ao refletir sobre os conflitos estabelecidos para controlar os conflitos criados pelas sucessivas cri-
nas relações entre indivíduo e sociedade, que a fun- ses do século XIX.
ção dos sociólogos é encontrar soluções para esses c) a única fonte legítima da ciência seria a experiência
conflitos. externa. O testemunho da consciência e as experiên-
(08) objetiva construir formas de conhecimento científico cias subjetivas, como fonte de observação científica,
sobre a realidade, estabelecendo teorias e metodolo- não tinham valor.
gias que gerem compreensão dos fenômenos sociais. d) acreditava-se que seria necessário compreender e
(16) elabora um estudo organizado do comportamento controlar racionalmente a natureza com o objetivo de
humano. Logo, podem ser objetos de estudo dessa encontrar mecanismos capazes de promover a preser-
ciência, dentre outros: as formas de exclusão social, os vação do meio ambiente, pois já se previa que os danos
novos arranjos familiares, os processos de construção ambientais causados pela aplicação da tecnologia na
da cidadania e o fenômeno da violência urbana. esfera da produção poderiam causar sérias consequên-
Dê a soma dos números dos itens corretos. cias às gerações futuras.
e) o fundamento inicial da sociologia era o método po-
5 (UFPA) Acreditava-se, nos primórdios da sociologia, como sitivo, alicerçado em um conjunto hierarquizado de
aliás com relação às ciências sociais de uma maneira geral, ciências. Na larga base dessas ciências encontrava-se
ser possível atingir a mesma neutralidade e objetividade a matemática e, em seu vértice, a sociologia.

13
Émile Durkheim (1858-1917): o indivíduo na sociedade
SL.02

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A sociedade como consciência coletiva
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Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos mais
notáveis sociólogos franceses. Um de seus maiores méritos
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foi o de conferir à sociologia o status de ciência. Tendo


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k

isso como objetivo intelectual, organizou o méto-


do sociológico, indicando como deveria ser a
abordagem dos problemas sociais e quais re-
gras deveriam ser seguidas na análise de tais
problemas. A objetividade científica na análise
da vida social foi uma questão fundamental
na sua proposição do método sociológico,
pois não existe uma ciência de fato se não
[1] há para ela uma metodologia. O desenvol-
vimento de uma metodologia específica para
o entendimento da sociedade ainda não havia sido
devida- mente formulado, mesmo por Auguste Comte. Duas
grandes influências atuaram sobre o pensamento de Durkheim: o próprio posi-
tivismo comtiano e as ciências naturais que, no século XIX, ganhavam enorme
destaque. O rigor metodológico dessas ciências, somado ao destaque dado pelo
positivismo para o campo científico, levaram Durkheim a dedicar a sua vida em
prol da sociologia como um campo específico do saber científico.
Durkheim não escapa às características dos primeiros pensadores da sociolo-
gia, muito interessados na compreensão da sociedade criada pela Revolução In-
[1] e [2] monamis/Shutterstock,
[3] alphaspirit/Shutterstock

dustrial. Contudo, seu enfoque está em entender essa mesma sociedade à luz da
ciência, tendo-a como um elemento que apresenta também um caráter moral. Na
concepção de Durkheim, é a consciência coletiva que traduz uma organização
social, ou seja, a sociedade somente é possível graças à consciência coletiva. Em
As regras do método sociológico, de 1895, Durkheim escreveu:

[3]

[2]

14
reprodução
Parece-nos pura evidência que a matéria da vida social não se possa explicar
por fatos puramente psicológicos, quer dizer, por estados da consciência individual.
Com efeito, as representações coletivas traduzem a maneira como o grupo se pen-
sa nas suas relações com os objetos que o afetam. Ora, o grupo é constituído de
modo diferente do indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza. Logo,
representações que não exprimem nem os mesmos sujeitos nem os mesmos objetos
não poderiam depender das mesmas causas. Para compreender a maneira como
a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos consi-
derar a natureza da sociedade e não a dos particulares.
DURKHEIM, Émile. Os pensadores: Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 79.

As atitudes individuais isoladas em nada interessam quando se pretende es-


tudar uma sociedade, uma vez que o meio social só pode ser apreendido pelo
sociólogo por meio daquilo que move as pessoas em direção ao coletivo: trata-
-se dos fatos sociais, pois são eles que convertem a sociedade num sistema que Figura 1. Em razão da sua preocupa-
representa determinada realidade com características próprias e pertinentes de ção com a questão das funções que cada
organismo social tem de cumprir para o
serem estudadas pelos sociólogos. Ao tentar delimitar o campo de estudo da so- bom funcionamento do social, Durkheim
ciologia, Durkheim constata que o conceito de social é aplicado a quase todos os também é considerado o fundador da
fenômenos que se passam no interior da sociedade. Vendo nisso um problema, escola funcionalista em sociologia, uma
já que a metodologia requer a delimitação do objeto a ser estudado, ele procu- corrente de pensamento que defende a
ideia de que determinados elementos de
rou estabelecer qual tipo de fato mereceria a qualificação de social. À sociologia uma sociedade cumprem um papel vital
como ciência caberia, então, ocupar-se daqueles fatos que apresentassem as na manutenção do equilíbrio de conjun-
características específicas para serem considerados fatos sociais. Ao viverem em to, sendo, portanto, indispensáveis para
sociedade, os seres humanos deparam-se com regras de conduta que não foram o bom funcionamento de tal sociedade.
Como o bom funcionamento dos órgãos
criadas por eles, mas devem ser aceitas e seguidas por todos, pois sem essas regras humanos é vital para o próprio ser hu-
a sociedade não existiria como coletividade com diferentes graus de organização. mano, assim também seria na sociedade,
Entretanto, nem tudo o que acontece em uma sociedade pode ser apreendido como com as instituições sociais (família, escola,
um fato social. São três as características apresentadas por Durkheim para que um igreja, Estado) cumprindo seu papel como
os órgãos humanos.
determinado elemento presente em uma sociedade possa ser tomado como um fato
social: a coercitividade (coerção social), a exterioridade e a generalidade.

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A coerção social liga-se à força que os fatos sociais exercem sobre os indivídu-
os e que os levam a conformarem-se com as regras da sociedade em que vivem,
independentemente de sua escolha ou vontade. Tenha ou não consciência da
coerção que atua sobre si, o indivíduo é levado a comportar-se de determinada
forma; a coerção é uma realidade na vida do indivíduo. A exterioridade é a se-
gunda característica. Durkheim demonstra que os fatos sociais, além de existirem,
atuam sobre os indivíduos involuntariamente, sem qualquer relação com a sua
vontade ou sua adesão. Comprova que as regras sociais já existem, assim como
os costumes e as leis, sendo anteriores ao nascimento das pessoas e estabelecidos
por mecanismos de coerção. Desses mecanismos, a educação é provavelmente o
mais comum e consolidado em nossa sociedade. Por fim, com a generalidade,
Durkheim caracteriza como social todo fato que é geral, que se aplica a todos os
indivíduos ou à sua maior parte. É na generalidade que se encontra a natureza
coletiva dos fatos sociais, o seu estado comum ao grupo.
A educação é um dos exemplos utilizados por Durkheim para definir o que
é um fato social. Seja ela formal ou não, a educação tem a importante tarefa do
ajustamento dos indivíduos à sociedade na qual vivem. Estabelece regras que
devem ser aprendidas, internalizadas e transformadas em hábitos de conduta,
ou seja, a sociedade deve educar os indivíduos para que aprendam as normas
necessárias para a organização da vida social. A definição de fato social se con-
firma para Durkheim a partir de um exemplo corriqueiro em que ele mostra o
modo como as crianças são educadas. A educação se concentra em um esforço
sucessivo para impor às crianças padrões fixos de conduta no modo de ver, de
sentir ou de agir, padrões esses que não se adquirem espontaneamente. A pressão

15
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SL.02

Figura 2. Para Durkheim, a educação


tem um importante papel na socialização que a criança sofre é a própria pressão do meio social, tendendo a moldá-la à
das novas gerações pelas gerações mais sua imagem, pressão da qual os pais e os mestres seriam apenas representantes
velhas. A escola faz parte de uma educa- e intermediários.
ção institucionalizada, contudo é no seio
da família que o processo de aprendizado
tem início.
A sociedade e a solidariedade
Os laços que unem cada indivíduo ao grupo constituem a solidariedade,
que pode ser de dois tipos: mecânica ou orgânica. As sociedades tradicionais,
ou pré-capitalistas, seriam caracterizadas pela solidariedade mecânica. Quando
os vínculos que unem o indivíduo à sociedade se assemelham aos que ligam um
déspota aos seus súditos, sua natureza é análoga à daqueles que unem um pro-
prietário a seus bens: eles não são recíprocos, mas, sim, são de natureza mecâni-
ca. O indivíduo não se pertence, diz Durkheim: ele é, literalmente, uma coisa de
que a sociedade dispõe. Nas sociedades em que essas ligações predominam, as
ideias e as tendências comuns a todos os seus membros ultrapassam em número
e intensidade aquelas que pertencem a cada um deles pessoalmente. Isso signi-
fica que não encontramos ali aquelas características que diferenciam tão nitida-
mente os membros de uma mesma sociedade, a ponto de podermos chamá-los
de indivíduos. Suas consciências se assemelham, eles são pouco ou quase nada
desiguais entre si e, por isso, são solidários graças às suas similitudes. Mesmo a
propriedade não pode ser individual, o que só vem a acontecer quando o indiví-
duo se desliga e se distingue da maior parte da população.
A solidariedade pode ser denominada mecânica quando relaciona diretamente
o indivíduo à sociedade, sem nenhum intermediário; constitui-se em uma reu-
nião de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo, ou seja, é
o tipo coletivo. A quantidade de responsabilidade atribuída à solidariedade me-
cânica na integração social depende da extensão da vida social que ela envolve,
regulamentada pela consciência comum. A consolidação de um poder absoluto,
cuja extraordinária autoridade surge de uma consciência comum, é a primeira
divisão do trabalho entre os povos primitivos. Nessas sociedades, ditas “simples”,

16
os tipos individuais são rudimentares, enquanto o tipo coletivo é bastante de-
senvolvido. Assim, toda vida social é generalizada e, em vez de concentrar-se numa

Socioloiga
quantidade de pequenos lares distintos e semelhantes, reduzem-se os “vácuos
morais” que separam os indivíduos e, desse modo, as relações sociais tornam-
se mais numerosas e se estendem. Essa aproximação é tida por Durkheim como
o resultado de um aumento da densidade moral e dinâmica ou intensidade
dinâmica. Os indivíduos passam a estar em contato suficiente de modo a agir e
reagir uns sobre os outros desde o ponto de vista moral; eles não apenas trocam
serviços ou fazem concorrência uns com os outros, mas têm uma vida comum.
Daí a força da consciência coletiva no contexto da solidariedade mecânica.
Concomitantemente a isso, desenvolve-se a densidade material, que corresponde
à concentração da população, à formação de cidades, ao aumento da natalidade
e das vias de comunicação e transmissão rápidas e em quantidade que, suprimin-
do ou diminuindo os vazios que separavam os segmentos sociais, aumentam a
densidade da sociedade. À medida que se acentua a divisão do trabalho social,
a solidariedade mecânica se reduz, formando-se uma nova: a solidariedade
orgânica ou derivada da divisão do trabalho, gerando um processo de indivi-
dualização. Sendo assim, a função da divisão do trabalho é a de integrar o corpo
social, assegurando-lhe a unidade. É, portanto, uma condição de existência da
sociedade, sendo esta “um sistema de funções diferentes e especiais”, em que
cada órgão tem um papel diferenciado. A função que o indivíduo desempenha é
o que marca seu lugar na sociedade, e os grupos por afinidades especiais tornam-
se órgãos. Como exemplo, podemos citar a sociedade capitalista moderna.
Essas duas formas de solidariedade evoluem em caminhos inversos: enquan-
to uma progride, a outra se retrai, mas cada uma delas, a seu modo, cumpre a
função de assegurar a coesão social nas sociedades chamadas simples ou com-
plexas. Nesse sentido, quando a solidariedade social é forte, esta coloca os seres
humanos pertencentes a uma coletividade em frequente contato, multiplicando
as ocasiões em que têm de se relacionar. Quanto mais solidários são os membros
de uma sociedade, mais interações diversas são sustentadas entre eles.

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Moralidade e anomia
A preocupação com os problemas da então moderna sociedade capitalista
industrial levou Durkheim a ressaltar a importância dos fatos morais na integra-
ção dos indivíduos à vida social. Para ele, moral representa tudo o que é fonte
de solidariedade, o que força um ser humano a contar com seu próximo, regula
seus movimentos com base em outro evento que não os impulsos de seu ego-
ísmo, e a moralidade é mais sólida na medida em que esses laços são mais nu-
merosos. Durkheim acreditava que a França se encontrava imersa em uma crise
provocada pela ausência dos valores e das instituições protetoras e envolventes
do mundo feudal, dentre as quais as corporações de ofício. Conflitos e desordens
eram sintomas da anomia jurídica e moral presentes na vida econômica, cujo
progresso sem precedentes não foi acompanhado pelo desenvolvimento de ins-
tituições morais dotadas de uma autoridade capaz de regulamentar os interesses
e instituir limites. Etimologicamente, anomia vem do grego e significa “sem lei,
sem regra”. Na análise durkheimiana, a anomia corresponde a um estado pato-
lógico pelo qual determinada sociedade pode passar, por causa da ausência de
regras. Isto poderia ocorrer uma vez que essa sociedade vivesse em processo de
mudança e não obedecesse mais suas regras antigas, ao mesmo tempo em que
novas regras ainda não estivessem determinadas. Assim, quando a sociedade é
perturbada por uma crise desse tipo, ela se torna momentaneamente incapaci-
tada de desempenhar sobre os seus membros o papel de freio moral, de uma
consciência superior à dos indivíduos. Consequentemente, estes deixam de ser
solidários e a própria harmonia social se vê ameaçada, pois as tréguas impostas
pela violência são provisórias e não deixam que os indivíduos fiquem em paz.

17
Isso ocorre porque as paixões humanas encontram limites apenas diante de um
poder moral que impõe autoridade; caso contrário, a lei do mais forte governa
SL.02
e, assim, latente ou agudo, o estado de guerra se estabelece.
Na visão de Durkheim, além da anomia jurídica e moral, a França de seu
tempo via a própria moral profissional ainda em um nível rudimentar. O mundo
moderno seria marcado por uma redução na eficácia de determinadas instituições
integradoras, como a religião e a família, uma vez que os indivíduos passam a
se agrupar de acordo com suas atividades profissionais. O modelo familiar tradi-
É de Durkheim o estudo so- cional havia desaparecido, fato que acarretou a consequente perda de autorida-
ciológico clássico sobre a ques- de dessa instituição social sobre a vida privada, e o Estado mantinha-se distante
tão do desvio social de conduta. dos indivíduos, tendo com eles relações muito exteriores e intermitentes para
Do ponto de vista da teoria fun-
cionalista, o desvio é produto
permitir penetrar profundamente nas consciências individuais e socializá-las in-
cultural porque somente por teriormente. A diversidade de correntes de pensamento tornou as religiões, em
meio da criação de normas é contrapartida, pouco eficazes, uma vez que não mais subordinavam completa-
que existe a possibilidade de mente o indivíduo. Sob esse aspecto, a profissão adquire uma importância cada
elas serem violadas. De acordo
com o funcionalismo, normas e
vez maior na vida social.
desvios constituem dois lados Assim, o grupo profissional preenche as duas condições necessárias para a
de uma mesma moeda: consti- regulamentação da vida social então anômica: o grupo está interessado na vida
tuem a definição e a regulação econômica e tem uma perenidade ao menos equivalente à da família. De acordo
das fronteiras dos sistemas so-
ciais, pois somente a lealdade e
com Durkheim, o grupo profissional, ou corporação, por ser mais restrito que
a obediência a essas regras é o Estado ou a vida econômica e por estar mais próximo da profissão, é adequa-
que classificam os indivíduos do para conhecer bem seu funcionamento, para perceber todos os seus anseios
como pertencentes a uma deter- e seguir todas as suas sanções. O grupo seria capaz, portanto, de exercer sobre
minada sociedade, ao mesmo
tempo em que aqueles que vio-
os seus membros uma regulamentação moral capaz de frear-lhe certos impulsos
lam as regras servem ao reforço e de pôr fim aos estados anômicos, quando manifestados. No estado em que se
do senso de coesão e integração encontrava a sociedade, o grupo ocupacional ou profissional seria o único capaz
daqueles que se conformam às de suceder a família nas funções econômicas e morais que ela se tornava cada vez
regras sociais.
mais incapaz de preencher. Seria preciso, gradativamente, vincular os indivíduos
às suas vidas profissionais, organizar os grupos desse gênero, e que o dever profis-
sional assumisse o mesmo papel que o dever doméstico desempenhara até então.
Durkheim notava que o estado de anomia não poderia ser atribuído somente à
distribuição desigual da riqueza, mas, principalmente, à falta de regulamentação
das atividades econômicas, cujo desenvolvimento havia sido tão extraordinário
nos últimos dois séculos que elas deixaram de ocupar o lugar secundário de an-
tes. Do mesmo modo, ele atribuiu aos problemas provocados por uma divisão
anômica do trabalho uma parte da responsabilidade nas desigualdades e nas
insatisfações das sociedades modernas. Embora tendo absorvido uma considerável
quantidade de indivíduos no meio industrial, tais atividades não se apresentavam
como uma autoridade que lhes impusesse deveres, regras e limites, isto é, não
exerciam a coerção, sem a qual não havia moral. Existe uma moral profissional do
advogado, do magistrado, do militar, do docente, do médico, do sacerdote etc.;
entretanto, ao fixar uma linguagem definida para as ideias em curso, definindo
as relações do empregador com o empregado, dos industriais concorrentes entre
si ou com o público, quais fórmulas se obteriam? A fidelidade e a dedicação que
os assalariados de todos os tipos devem àqueles que os empregam, a moderação
com a qual os empregadores precisam utilizar a sua superioridade econômica,
e certa reprovação por toda concorrência evidentemente desleal ou, ainda, por
toda exploração por demais injusta do consumidor: eis, aproximadamente, o que
caracteriza a função moral dessas profissões.
alphaspirit/Shutterstock

Indivíduos que são parte de um grupo com ideias, sentimentos e ocupações


afins são atraídos entre si, associam-se e terminam por estabelecer um grupo
especial do qual vem a desprender-se uma vida moral, um sentimento de com-
pletude. Essa união com algo que supera o indivíduo, ou seja, a subordinação
dos interesses particulares ao interesse geral, acentua a própria fonte de toda a
atividade moral. Se esse sentimento pode ser definido e determinado, quando
aplicado às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, e se é tra-
duzido em fórmulas específicas, temos, assim, um corpo de regras morais prestes a

18
se constituir. O espaço que a reflexão sobre esse tema
ocupa na obra durkheimiana mostra a preocupação

Socioloiga
do autor com questões da ordem mundial, que,
para ele, se decompunha moralmente. Ainda
que tenha sido ativamente engajado nos de-
bates políticos da França, Durkheim rejeitava
as soluções para os problemas sociais propostas
pelos grupos que se consideravam socialistas. Ele
acreditava existirem nessas propostas somente indica-
dores de um mal-estar social, pois, para Durkheim, [1]
o socialismo já estaria inserido na própria nobreza
das sociedades superiores, na medida em que a
complexidade da divisão do trabalho seria uma
decorrência natural da evolução das funções eco-
nômicas cada vez mais otimizadas. Afinal, sendo a
divisão do trabalho um fato social, seu principal efei-
to não é aumentar o rendimento das funções divididas, mas
produzir mais solidariedade. Se isso não ocorre, é sinal de que os
órgãos que compõem uma sociedade dividida em funções não se autor-
regulam, deixam de realizar intercâmbios suficientes, não estão em bastante nem
prolongado contato, nem podem, assim, garantir o equilíbrio e a coesão social.
Nesses casos, o estado de anomia é eminente. Pois, sob certas circunstâncias, a [2]

divisão do trabalho age de maneira dissolvente, deixando de cumprir seu papel


moral que é o de tornar solidárias as funções divididas.
Seriam três os casos em que ocorre um estado de anomia: nas sociedades
industriais e comerciais, em que as funções sociais não estão bem adaptadas
entre si; nas lutas entre o trabalho e o capital, que indicam a falta de unidade e
a desarmonia entre os trabalhadores e os patrões; e na divisão extrema de espe-
cialidades no interior da ciência. Durkheim exemplifica tal estado com a situação
de mercado em que um intenso crescimento reduz os contatos entre as partes,
entre produtores e consumidores. A grande indústria separou inteiramente o pa-
trão e o empregado, modificou as relações de trabalho e distanciou os membros
das famílias. E os interesses em conflito ainda não foram capazes de atingir um
novo equilíbrio. Se a função da divisão do trabalho falha, a anomia e o perigo da

[1] victoriaKh/Shutterstock, [2]alphaspirit/Shutterstock


desintegração ameaçam todo o campo social. Percebe-se, então, que o centro
da harmonia é constituído por regras morais que devem ser capazes de garantir
a vida em sociedade. No momento em que o indivíduo, absorvido por sua tarefa,
isola-se em sua atividade especial, já não percebe os colaboradores que traba-
lham a seu lado, na mesma obra, e muito menos tem ideia dessa obra comum.
Durkheim considera injustas as acusações de que a divisão do trabalho reduziu o
trabalhador a uma máquina que repete rotineiramente os mesmos movimentos
e que não relaciona a um propósito as ações que lhe são exigidas. Se ele já não é
uma célula viva de um organismo vivo que vibra sem cessar ao contato das cé-
lulas vizinhas, é porque se torna uma engrenagem inerte que uma força externa
põe em funcionamento. Tal sistema não o deixa indiferente à moral. Perde-se o
indivíduo e limita-se a fonte da vida social, o que é uma ameaça não só às fun-
ções econômicas, mas, principalmente, a todas as funções sociais. A solução para
isso não está em ampliar a cultura dos trabalhadores, mas em demonstrar-lhes
que suas ações têm uma finalidade fora de si mesmas. Entretanto, a desarmonia
entre as aptidões individuais e o gênero das tarefas que são atribuídas ao tra-
balhador, por meio de alguma forma de coação, constitui outra inquietação da
solidariedade, mas não é uma consequência necessária da divisão do trabalho
em condições habituais. Durkheim argumenta que o trabalho só se divide espon-
taneamente se a sociedade está constituída de tal maneira que as desigualdades
sociais expressam exatamente as desigualdades naturais. Sempre que a riqueza
for transmitida por herança, existirão ricos e pobres de nascimento. As condições
morais de nossa vida social são tais que as sociedades não poderão se manter a

19
não ser que as desigualdades exteriores, dentro das quais uma para outra sociedade, constituem taxas constantes
os indivíduos estão situados, forem se nivelando cada vez durante longos períodos. Como Durkheim propunha em
SL.02
mais. É preciso entender, com isso, não que os homens de- seu método, deve-se começar por uma definição objetiva
vem tornar-se iguais entre si; ao contrário: a desigualdade de suicídio; delimitando o fato que pretende investigar,
interior estará sempre aumentando, aquela que deriva do deve-se passar a considerá-lo como um fenômeno coletivo,
valor pessoal de cada um, sem que esse valor seja exagera- tomando dados relativos a algumas sociedades, para en-
do ou diminuído por alguma causa exterior. Ora, a riqueza contrar regularidades e construir uma taxa específica para
hereditária é uma dessas causas. Segundo Durkheim, mes- cada uma delas. Do ponto de vista sociológico, Durkheim
mo que a extinção da instituição da herança possibilitasse elaborou uma tipologia dos suicídios. Com isso, procurou,
a cada indivíduo entrar na luta pela vida com os mesmos uma vez mais, distinguir a sociologia de outras ciências
recursos, não deixaria de subsistir certa hereditariedade. que tinham o ser humano como objeto. Para Durkheim,
Os dons naturais, a inteligência, o gosto, o valor científico, aqueles que buscaram explicar o suicídio considerando
artístico, literário, industrial, a coragem, a destreza natu- casos isolados não chegaram à sua causa geradora, que
ral são forças que cada um de nós recebe ao nascer, como é, segundo ele, exterior aos indivíduos.
o proprietário nato recebe o seu capital. Será, portanto, Assim, cada grupo social tem uma inclinação coletiva
necessária ainda certa disciplina moral para forçar os me- para o suicídio, e desta derivam as inclinações individuais.
nos favorecidos pela natureza a aceitar o que devem ao Trata-se das correntes de egoísmo, de altruísmo e de ano-
acaso de seu nascimento. Haverá quem reivindique uma mia, que afligem a sociedade. Em geral, essas três correntes
partilha igual para todos e quem não conceda vantagem compensam-se mutuamente e mantêm os indivíduos em
alguma aos mais úteis e merecedores — nesse caso, seria equilíbrio; a ultrapassagem, por parte de qualquer delas, de
preciso uma disciplina muito mais enérgica para obrigar seu grau normal de intensidade pode expor alguns mem-
estes últimos a aceitar um tratamento simplesmente igual bros a determinadas formas de suicídio. Desejos particula-
ao dispensado aos medíocres e impotentes. res, profissões ou confissões religiosas estimulam-nos ou
detêm-nos, mas a influência das conjunturas particulares
Conexões de cada um, que são, em geral, tomadas por causas ime-
diatas do suicídio, não passa de ressonâncias do estado
Os temas “industrialização” e “urbanização”
moral da sociedade. As causas são, portanto, objetivas,
são também fundamentais para a área da geo-
exteriores aos indivíduos, estimulando-os ou detendo-os:
grafia, pois determinam e englobam problemas
sociais que se relacionam com a economia, a são tendências coletivas e constituem, segundo Durkheim,
transformação das paisagens e o meio ambiente. forças tão reais quanto as forças cósmicas, embora de ou-
tra natureza. A maior coesão é a vitalidade das instituições
às quais o indivíduo está ligado, a intensidade com que se
manifesta a solidariedade em seu grupo religioso, a solidez
A sociedade e sua ação dos laços que o unem à sua família, a força dos sentimentos
que o vinculam à sociedade política e que contribuem para
sobre o indivíduo preservá-lo de cometer um ato dessa natureza. Portanto, a
religião e as dimensões doméstica e política podem exercer
Em sua obra O suicídio, de 1897, Durkheim analisa de sobre o suicídio uma influência moderadora; instituídas
maneira rigorosa e original um fenômeno cujas causas como grupos profundamente integrados, elas protegem
parecem sempre ser explicáveis do ponto de vista do in- seus membros. Diante de um processo de desintegração, o
divíduo. Considera-se geralmente que o suicídio se confi- indivíduo que a elas pertence pode sentir-se estimulado a
gura como uma ação da pessoa, dependendo unicamente se suicidar, pois, quanto mais fracos se tornam os grupos
de fatores individuais; sua compreensão, portanto, diria sociais nos quais está inserido, menos ele se subordinará
respeito apenas à psicologia. Diferentemente dessa hipó- a esses grupos. Consequentemente, dependerá apenas de
tese, Durkheim coloca que a decisão do suicida não se si mesmo para reconhecer as regras de conduta que con-
explica pela sua personalidade, por seu humor, por seus vêm aos seus interesses particulares. As causas do suicídio
antecedentes nem pelos fatos da sua história privada. egoísta estão relacionadas à desintegração social, consti-
Essa hipótese opõe-se ao comumente aceito. Durkheim tuída com base na decepção, na melancolia e na sensação
procurará demonstrar de que modo o conjunto desses de desamparo moral. Durkheim acreditava que a lacuna
fenômenos poderá ser tomado como um fato novo e sui gerada pela carência da vida social era muito maior entre
generis (peculiar), resultante de fatores de origem social povos modernos do que entre os primitivos e afligia muito
que chama de “correntes suicidogêneas”, algo como es- mais os homens do que as mulheres. Considerados seres
tímulos que atuariam sobre os indivíduos, exortando-os socialmente mais complexos, os homens, de acordo com
ou possibilitando que eles procurassem a própria morte. o pensador, suportam menos situações, como a solidão, se
Durkheim examina estatísticas nacionais europeias e, comparados a uma viúva ou a uma mulher solteira, que
com base nelas, argumenta que a evolução do suicídio possuem necessidades mais rudimentares nos aspectos so-
ocorre por ondas de movimento que, embora variem de ciais e são satisfeitas com menor renda.

20
Aqui convém lembrar que as pesquisas e conclusões de os órgãos não estão regulamentadas, ou os órgãos sociais
Durkheim estão circunscritas à época na qual ele desen- não estão em contato suficiente uns com os outros, uma

Sociologia
volveu suas pesquisas, o que não corresponde exatamen- autorregulação em situações de desequilíbrio torna-se
te à realidade atual. Dentro das consideradas sociedades difícil ou impossível. O sentimento de interdependência
tradicionais, os suicídios mais frequentes eram os que torna-se fragilizado, as relações tornam-se precárias, e as
Durkheim denominou altruístas, que abarcam aqueles regras que as equilibram são indefinidas e vagas. Essa é a
praticados por enfermos ou pessoas que chegam ao limi- consolidação do estado de anomia, impossível de exis-
te da velhice; viúvas, por causa da morte do marido; fiéis tir onde os órgãos solidários estão em contato suficiente
e servidores com o falecimento de seus chefes; ou os atos e prolongado.
heroicos, por ocasião de guerras ou convulsões sociais. A ocorrência de uma crise econômica ou de mudan-
Nesse contexto, o suicídio é visto como um dever que, se ças súbitas nas crenças vigentes em uma sociedade pode
não for cumprido, pode ser punido pela desonra, perda impedir que se cumpra a função reguladora e disciplinar,
da estima pública ou por castigos religiosos. Enquanto no desse modo, o estado de anomia tornar-se-ia habitual. Um
suicídio do tipo egoísta afrouxam-se os laços com a socie- desastre econômico, por exemplo, lança algumas pessoas
dade e com as instituições sociais fundamentais (como a a uma situação inferior aos padrões econômicos e de vida
família e a religião) a ponto de deixar o indivíduo escapar com os quais se encontravam acostumadas; tal fato poderia
das pressões sociais, no suicídio altruísta o indivíduo é levar os indivíduos a uma reformulação de conceitos e esca-
“diluído” em seu grupo ou coletividade, ou seja, a forte las de valores morais e de visão de mundo. Ou, ainda, um
ligação aos grupos dos quais ele faz parte, como a família, brusco aumento da riqueza ou do poder leva o indivíduo
o Estado ou a Igreja, exerce forte influência na decisão de ao mesmo desajuste, passando a não existir mais ambições
colocar um fim a sua própria vida. Durkheim identificou pessoais. De acordo com Durkheim, as ocupações industriais
nas sociedades modernas a ocorrência do suicídio altruísta e comerciais encontram-se entre as profissões que registram
entre mártires religiosos e, num estado crônico, entre os maior número de suicídios, dada a sua frágil e incipiente
militares. Ele denomina o terceiro tipo de suicídio como moralidade, e seus padrões, possivelmente, estão entre os
anômico, presente nas sociedades modernas e ligado a mais atingidos pelo tipo chamado de anômico.
um estado de desregramento social em que as normas Dessa forma, em O suicídio, Émile Durkheim conseguiu,
estão ausentes ou não são respeitadas. A sociedade deixa dentro de seus pressupostos teóricos, observar, em um ato
de estar suficientemente presente para regular as paixões fundamentalmente individual, a presença das regulações
individuais, deixando-as correr desenfreadas. Se, em uma sociais, ou seja, a demonstração da ação da sociedade so-
sociedade baseada na divisão do trabalho, as relações entre bre o indivíduo.

Em foco
C3 — Compreender a produção e o papel histórico das b) garantir a cientificidade e a objetividade do co-
instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as nhecimento sociológico.
aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais. c) assegurar à sociologia um grau de certeza superior

H11 —
ao obtido das ciências naturais.
Identificar registros de práticas de grupos
d) caracterizar o conhecimento sociológico como
sociais no tempo e no espaço.
ciência centrada nos conflitos sociais.
Leia o texto a seguir. e) transformar a ciência da sociedade em inspiração
teórica para a revolução social.
A proposição segundo a qual os fatos sociais devem
ser tratados como coisas — proposição que está na base
Alternativa b
de nosso método — é das que mais têm provocado con-
Durkheim afirma que define os fatos sociais como coisas
tradições. Consideraram paradoxal e escandaloso que assi-
porque os concebe como realidades passíveis de serem
milássemos às realidades do mundo exterior às do mundo
estudas e conhecidas cientificamente, com objetividade
social. Era equivocar-se singularmente sobre o sentido e
idêntica à empregada nas ciências da natureza.
o alcance dessa assimilação, cujo objeto não é rebaixar
a) (F) Durkheim não estabelece qualquer associação
as formas superiores do ser às formas inferiores, mas ao
entre conhecimento sociológico e conhecimento
contrário, reivindicar para as primeiras um grau de realidade
psicológico.
pelo menos igual ao que todos reconhecem nas segundas.
c) (F) Durkheim não afirma que a sociologia pode
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São
superar as ciências da natureza no que tange à
Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 17.
certeza do conhecimento.
De acordo com o texto, Durkheim, ao afirmar que os fatos d) (F) A perspectiva sociológica de Durkheim não
sociais são coisas, pretende: confere relevo aos conflitos sociais.
a) definir a sociologia como ciência complementar e) (F) A perspectiva sociológica de Durkheim não
ao conhecimento psicológico. tem orientação revolucionária.

21
SL.02
ATIVIDADES

1 (U. F. Uberlândia-MG, adaptada) Leia a tirinha a seguir. 2 (U. F. Uberlândia-MG) Segundo Durkheim, o crime é um fato
social presente em toda sociedade. Para esse autor, nem
todo o crime é anômico, mas apenas aquele que corres-
ponde a uma crise de coesão social. De acordo com essas
informações, marque a alternativa correta sobre anomia
em Durkheim.
a) Conceito que descreve a ocorrência, nas sociedades
modernas, industrializadas, de um estado de comple-
mentaridade e interdependência entre os indivíduos,
o que leva a uma menor divisão do trabalho social e
ao fortalecimento das instituições sociais.
b) Ocorre, quando há, nas sociedades modernas, com
seus intensos processos de mudança, uma situação
em que o conjunto de regras, valores e procedimen-
tos é reconhecido por todos os indivíduos, levando ao
desenvolvimento da sociedade.
c) Descreve os sentimentos de falta de objetivos e de
desespero, provocados pelo processo de mudanças do
mundo moderno, os quais resultam no enfraquecimen-
to da influência das normas sociais sobre o comporta-
mento individual.
d) Ocorre, quando os sentimentos de falta de objetivos e
de desespero, provocados pelo processo de mudanças
do mundo moderno, resultam no fortalecimento da
coesão social e no fortalecimento da influência das
(Quino, Mafalda) normas sociais sobre o comportamento individual.
Segundo Durkheim, a anomia é característica de sociedades que estão
A tirinha de Quino ilustra um aspecto do conceito de fato passando por processos de transição, nas quais as normas antigas já não
social, como elaborado por Émile Durkheim. Este aspec- dão conta da coesão social, enquanto as novas normas ainda não estão
to seria: claramente estabelecidas. Essa situação seria algo presente da moderna
sociedade capitalista, criando um mal-estar social.
a) ser geral e igual em todas as sociedades. a) (F) A anomia ocorre nas sociedades modernas industrializadas em razão
b) proporcionar a total liberdade ao indivíduo em uma da maior divisão do trabalho social e do enfraquecimento das instituições
dada sociedade. sociais.
b) (F) A anomia ocorre quando há intensos processos de mudança social
c) ser particular a cada indivíduo, sem interferência do que criam uma situação em que o conjunto de regras, valores e pro-
grupo social. cedimentos não é mais reconhecido por todos os indivíduos. Isso pode
d) exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior. levar à desagregação da sociedade.
A partir da tirinha de Quino, observamos a coerção que o grupo exerce d) (F) A anomia resulta no enfraquecimento da coesão social, uma vez que
sobre o indivíduo que, no caso, tem uma atitude entendida como muito se enfraquece a influência das normas sociais sobre o comportamento
diferente do grupo ao qual pertence. O fato social, além das características individual.
de generalidade e exterioridade, também tem a característica da coerção Alternativa c
sobre os indivíduos.
a) (F) Os fatos sociais são gerais, mas não necessariamente os mesmos em
todas as sociedades.
b) (F) Os fatos sociais exercem coerção sobre os indivíduos, e dentro de uma
perspectiva funcionalista, não há, nas sociedades, uma noção como “total
liberdade”.
c) (F) Os fatos sociais são um fenômeno geral, no sentido de comuns a uma
grande coletividade.
Alternativa d

22
4 (C3/H14) Ainda sobre os fenômenos descritos no texto sobre
a sociedade sul-coreana, o processo social descrito no texto,

Sociologia
O texto citado a seguir é base para as questões 3 e 4. Leia-o
atentamente e siga as instruções para respondê-las. caracterizaria, do ponto de vista das ideias de Durkheim:
a) efeitos da transição entre diferentes formas de solida-
[Na Coreia do Sul] o índice de suicídios no país — me- riedade.
dido para cada 100 mil pessoas — é o mais alto entre os b) a passagem entre diferentes formas de organização da
membros da Organização para a Cooperação e o Desenvol- instituição familiar.
vimento Econômico. Ele aumentou de 13,6, em 2001, para c) uma crise nos modelos educacionais no contexto do
31,2, em 2010, e mais perturbador é o índice de suicídios capitalismo.
entre os sul-coreanos maiores de 65 anos. No mesmo perío- d) efeitos de uma crise institucional gerada pelo envelhe-
do, ele inchou de 35,5 para 81,9. cimento da população.
A tendência é resultado da ruptura do tradicional con- e) a relação entre envelhecimento e divisão do trabalho.
trato social da época de Confúcio, no qual os mais velhos Para Émile Durkheim, a transição entre as sociedades tradicionais e as socie-
podem contar com o respeito e o apoio de seus filhos e netos. dades modernas também se caracterizaria pela passagem da solidariedade
mecânica para a solidariedade orgânica, em que a divisão do trabalho se
Como um investimento nos cuidados que receberiam na
torna mais complexa, a sociedade mais interdependente, e há o enfraque-
velhice, os coreanos hoje idosos se dedicaram obsessivamen- cimento da consciência coletiva.
te à educação e ao sucesso profissional dos filhos. ‘Os filhos b) O texto não nos permite verificar se há uma transição entre formas de
eram tudo o que eles tinham para o futuro — para trata- organização familiar com base na situação descrita.
c) Embora, para Durkheim, nas sociedades capitalistas a anomia seja um
mentos de saúde, apoio financeiro e uma vida confortável na risco sempre presente, o texto remete a uma crise no âmbito da econo-
velhice’, disse Park Jiyoung, professora de assistência social mia e não no âmbito das instituições escolares.
na Universidade Sangji, em Wonju. No entanto, a transição d) A crise que vemos descrita no texto não é da ordem do envelhecimento,
mas de ordem econômica e cultural.
da sociedade coreana de agrícola para industrial espalhou a e) Dentro da perspectiva de Durkheim, o envelhecimento da população
geração mais jovem para as cidades ou para o exterior, dissol- e a divisão do trabalho não são categorias imediatamente vinculadas.
vendo a base de apoio familiar de forma mais rápida do que No texto, as consequências do processo de modernização aparecem na
população mais velha, mas em termos teóricos não há um vínculo geral
a criação de uma rede de segurança financiada pelo Estado.
e determinante.
Adaptado de SANG-HUN, Choe. Cresce suicídio entre idosos na Alternativa a
Coreia do Sul. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/
(acesso em 6 abr. 2013)
5 (C1/H4) Considere o trecho da canção para responder à
3 (C3/H11) Considerando as teorias de Émile Durkheim, o questão.
fenômeno descrito no texto poderia ser visto como: Aos domingos missa na matriz
a) um exemplo típico de suicídio egoísta, quando os laços Da cidadezinha onde eu nasci
entre indivíduo e sociedade podem se enfraquecer. […]
b) um exemplo típico de suicídio altruísta, quando deter- Que saudade da professorinha
minados indivíduos podem cometer o suicídio como Que me ensinou o beabá
forma de sacrifício. […]
c) um exemplo da força da consciência coletiva em uma Eu igual a toda meninada
determinada sociedade. Quanta travessura que eu fazia
d) um exemplo de um processo anômico em uma dada […]
sociedade, o que explicaria o aumento nas taxas de
suicídio dos idosos. ALVES, Ataulfo. Meus tempos de criança. Disponível em:
e) um exemplo de consequências geradas pela crise de www.vagalume.com.br (acesso em 5 abr. 2013)
um modelo econômico. Considerando a abordagem funcionalista em sociologia, o
O texto remete a uma situação presente na sociedade sul-coreana em 2013,
relacionando casos de suicídio a mudanças sociais e econômicas. Dentro da trecho da canção de Ataulfo Alves mostra:
tipologia dos suicídios de Durkheim, esses casos se aproximam do suicídio a) a transição entre as diferentes instituições sociais ao
anômico, considerando que a forma de explicá-los presentes no texto reme- longo da infância.
tem a uma crise de valores na sociedade determinada por mudanças que
rompem com formas tradicionais, causando uma fragilização da sociedade b) as relações entre altruísmo e egoísmo na sociedade.
em termos de sua continuidade e de suas instituições. c) a relação entre instituições sociais e os processos de
a) Considerando a tipologia de Durkheim, os fatos descritos não se enqua- socialização.
drariam diretamente nessa categoria, que dizem respeito ao enfraquecimen-
to dos laços entre indivíduo e sociedade. Nesse caso, temos uma situação
d) um exemplo de estado anômico em uma dada sociedade.
de crise determinada por um processo econômico e cultural. e) a liberdade das crianças em relação às instituições sociais.
b) Considerando a tipologia de Durkheim, os fatos descritos não se enqua- Para Durkheim, os processos de socialização são fundamentais para a in-
drariam diretamente nessa categoria. Não se trata de sacrifícios, mas de serção dos seres humanos como seres sociais. Parte significativa desse pro-
uma crise de valores em uma parcela da sociedade sul-coreana. cesso ocorre na infância, e instituições como religião e escola são decisivas
c) Ao contrário, o que vemos no texto é um processo de fragilização da para isso. No caso da letra, vemos esses dois aspectos, além das próprias
consciência coletiva. brincadeiras da infância.
e) O texto não nos permite afirmar que a sociedade sul-coreana esteja pas- a) (F) O texto remete à dimensão da infância, e a percepção das instituições
sando por uma crise econômica e, em relação às teorias de Émile Durkheim, é simultânea.
crises econômicas não necessariamente implicam anomia. b) (F) Essas relações não aparecem imediatamente no texto.
Alternativa d d) (F) Ao contrário de um estado de anomia, o que é mostrado no texto é
exatamente a conformidade do indivíduo em relação às instituições sociais.
e) (F) Semelhante à alternativa d, o que é mostrado no texto é exatamente
a conformidade do indivíduo em relação às instituições sociais.
Alternativa c

23
COMPLEMENTARES
SL.02

d) individualidade, objetividade e homogeneidade.


1 (U. F. Uberlândia-MG, adaptada) De acordo com Durkheim,
é correto afirmar que a consciência coletiva: e) homogeneidade, individualidade e generalidade.
a) forma o tipo psíquico da sociedade, com suas proprie-
4 (U. E. Londrina-PR, adaptada) Leia o texto a seguir:
dades, suas condições de existência e seus modos de
desenvolvimento. A aluna Geisy Villa Nova Arruda, 20, não poderá mais
b) depende das condições particulares em que se encon- frequentar o prédio em que estudava antes do dia 22 de ou-
tram os indivíduos. tubro, quando foi perseguida, encurralada, xingada e amea-
c) desenlaça as gerações sucessivas, pois muda a cada çada por cerca de 700 alunos, no campus de São Bernardo
geração e assemelha-se à consciência individual. (de uma universidade particular), alegadamente por causa
d) é o conjunto de crenças e sentimentos específicos a do microvestido que trajava.
alguns membros de uma mesma sociedade, formando Adaptado de Folha de S. Paulo. [Universidade particular]
um sistema indeterminado e sem vida própria. decide “exilar” Geisy em outro prédio. Caderno Cotidiano,
C1, 11 nov. 2009.
2 (U. E. Maringá-PR, adaptada) A constituição da sociolo-
gia como ciência passou pelo desenvolvimento de uma A matéria refere-se a um episódio, de repercussão nacional
metodologia própria, algo que Émile Durkheim procu- nos meios de comunicação em 2009 e que teve como des-
rou realizar em sua obra As regras do método sociológico. fecho a readmissão da aluna à referida instituição, após o
Com base nesse autor, dê a soma dos números dos itens posicionamento da opinião pública. Com base no texto e
corretos. nos conhecimentos sobre o pensamento de Durkheim, é
(01) Partindo do pressuposto de que os fenômenos sociais correto afirmar que o acontecimento citado revelou:
são muito diferentes dos naturais, Durkheim defen- a) a consolidação de uma nova consciência coletiva, de
deu a incorporação da subjetividade do cientista nos bases amplas, representada pelos alunos da referida
estudos sociológicos. instituição.
(02) Durkheim defendia o abandono dos preconceitos e b) o desprezo da consciência coletiva dominante na so-
das prenoções, pois essas ideias preconcebidas po- ciedade em relação aos destinos individuais, no caso,
deriam nos conduzir a confusões na observação dos à aluna que foi alvo dos ataques dos estudantes.
fenômenos. c) a força da consciência coletiva da sociedade, que se
(04) Segundo Durkheim, as principais ferramentas meto- impôs aos comportamentos morais desviantes com a
dológicas da sociologia são a observação, a descrição, finalidade de resgatar a harmonia social, preservando
a comparação e a estatística. as instituições.
(08) Na concepção durkheimiana, a compreensão efetiva d) a presença de um quadro de profunda anomia social e
dos fenômenos sociais ocorre pela identificação dos o quanto os valores sociais de decência foram perdidos
interesses e das motivações subjetivas dos atores so- pela consciência coletiva, que se posicionou favoravel-
ciais envolvidos. mente à estudante.
(16) Ao afirmar que o sociólogo deve encarar o fato social e) o perigo representado pela presença de uma consciên-
como coisa, Durkheim procurou defender a definição cia coletiva forte e majoritária atuando como obstáculo
do objeto sociológico como algo externo ao pesquisador. para o desenvolvimento da vida social sadia ao impedir
que alguns indivíduos defendessem os melhores valo-
3 (UEMA, adaptada) Leia o fragmento a seguir.
res morais.
Quando exerço meus deveres de irmão, de marido
ou de cidadão e ponho em prática os compromissos aos 5 (U. F. Uberlândia-MG) Em seu estudo sobre o suicídio, Émi-
quais me empenhei, cumpro obrigações que estão defini- le Durkheim procurou chamar a atenção para a dimensão
das na lei e no costume e que são externas a mim mesmo sociológica desse fato. Assim, “considerando que o suicídio
e às minhas ações. […] os sistemas de sinais que emprego é um ato da pessoa e que só a ela atinge, tudo indica que
para expressar meus pensamentos, o sistema monetário deva depender exclusivamente de fatores individuais e
que uso para pagar minhas dívidas e os instrumentos de que sua explicação, por conseguinte, caiba tão somente à
crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as prá- psicologia. De fato, não é pelo temperamento do suicida,
ticas que sigo em minha profissão etc. — tudo funciona por seu caráter, por seus antecedentes, pelos fatores de sua
independentemente do modo como os aproveito. história privada que em geral se explica a sua decisão. […]”.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. E complementa: “o suicídio varia na razão inversa do grau
São Paulo: Abril Cultural, 1996. de integração dos grupos sociais de que faz parte o indiví-
duo”. (O suicídio. Estudo de sociologia. São Paulo: Martins
De acordo com o fragmento do texto de Durkheim, as ca- Fontes, 2000.)
racterísticas de fatos sociais são as seguintes: a) Explique os tipos de suicídio definidos por Durkheim.
a) subjetividade, coercitividade e objetividade. b) Discorra a respeito da relação estabelecida por
b) coercitividade, subjetividade e exterioridade. Durkheim entre os tipos de suicídio e os tipos de soli-
c) exterioridade, coercitividade e generalidade. dariedade por ele definidos.

24
Karl Marx (1818-1883): a crítica à sociedade capitalista (I)

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Marx e o socialismo científico
Zahar
Editora
Vimos que a sociologia surge em um momento de grandes transformações
nas relações humanas, seja nos planos social e econômico, seja na política
ou na cultura. A Revolução Industrial trouxe consigo novas formas de produzir,
nunca antes experimentadas pelos seres humanos, proporcionando variados
benefícios para alguns setores sociais, mas fazendo com que outros setores
da população se vissem completamente “esmagados” pela força das fábricas.
Isso tudo instigou, de formas diferentes, uma série de pensadores a olhar
mais de perto a sociedade industrial, surgida primeiramente na Inglaterra,
no último quartel do século XVIII, cujo modelo de produção foi incorporado
rapidamente por outros países europeus e, posteriormente, por nações de
quase todo o mundo.
Entre esses pensadores está Karl Heinrich Marx (1818-1883), filósofo,
economista e historiador de origem alemã. Em um primeiro momento não é
atribuída a Marx qualificação de sociólogo, e isso se justifica pelo fato de que
o conjunto do seu pensamento vincula-se a uma tentativa ampla de entendi-
mento científico da sociedade capitalista, por meio da filosofia, economia e
história, e Marx nunca se preocupou com os fundamentos de uma disciplina Figura 1. Capa do livro O Capital, de Karl
Marx.
específica chamada “sociologia”, ao contrário do que fizeram Émile Durkheim
e Max Weber. Marx não foi o primeiro a se preocupar com os problemas dos
alphaspirit/ Shutterstock

operários das fábricas: Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, resguar-


dadas as suas diferenças, preconizavam a conquista da igualdade social ou,
pelo menos, a redução da desigualdade por meio de iniciativas pedagógicas,
de medidas assistenciais e de exemplos de associações comunitárias que
realizassem valores morais capazes de inibir a dinâmica capitalista do lucro.
Contudo, esses autores foram classificados por Marx como socialistas utópi-
cos, uma vez que se baseavam apenas em ideais éticos e em críticas a aspec-
tos determinados do capitalismo, sem realizarem sistemática investigação de
suas estruturas econômicas e sociais, com base nas quais seria possível prever
caminhos efetivos para a transformação da sociedade.

25
Nesses termos, o pensador alemão apresentaria o socialismo científico,
Reprodução
que, ao contrário das versões utópicas da igualdade, procurava sustentar-se na
SL.03
verificação de fundamentos concretos para sua instauração. Nessa empreita-
da, Marx contou com a parceria de Friedrich Engels (1820-1895), intelectual
alemão e filho de um rico industrial. Além de colaborar com Marx em vários
de seus trabalhos, Engels também ajudou o amigo financeiramente, pois a
opção e a dedicação intelectual de Marx lhe criaram várias inimizades e o
impossibilitaram, na maioria das vezes, de ter uma renda suficiente para sus-
tentar a sua família. Juntos eles escreveram, entre outros trabalhos, A ideologia
alemã (1846) e o Manifesto do Partido Comunista (1848) — este considerado
um marco da proposição do socialismo científico.

O trabalho na formação do ser humano


Figura 2. Friedrich Engels. Entre as obras Na construção de sua obra, Marx critica, além do socialismo utópico, o idea-
que são de sua autoria, podemos desta- lismo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o materialismo de Ludwig
car A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra (1845), A origem da família, da
Andreas Feuerbach (1804-1872) e o liberalismo econômico de Adam Smith
propriedade privada e do Estado (1884) e (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823). A crítica a Hegel e a Feuerbach pode
Do socialismo utópico ao científico (1890). ser exemplificada na seguinte passagem da Contribuição à crítica da economia
política, que Marx escreveu em 1859:

Eis, em poucas palavras, o resultado geral a que cheguei e que, uma vez al-
cançado, serviu-me como fio condutor para meus estudos. Na produção social da
sua existência, os seres humanos estabelecem relações determinadas, necessárias,
independentemente da sua vontade. Essas relações de produção correspondem a
um certo grau de evolução das suas forças produtivas materiais. O conjunto de tais
relações forma a estrutura econômica da sociedade, o fundamento real sobre o
qual se levanta um edifício jurídico e político, e ao qual respondem formas deter-
minadas da consciência social. O modo de produção da vida material domina em
geral o desenvolvimento da vida social, política e intelectual. Não é a consciência
dos homens que determina sua existência, mas ao contrário, é sua existência social
que determina a sua consciência.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Apud ARON,
Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993. p.139-140.

Aqui se coloca uma questão central: não são as ideias e nenhum ser abstra-
to que determinam o que é ser humano; o que determina isso são as relações
materiais, objetivas, estabelecidas por esse ser humano com outro ser humano
e com a natureza. E como essas relações se processam? Pelo trabalho. Vejamos
como Marx trata essa questão. Em certo sentido, a situação humana não é di-
ferente daquela experimentada por todos os seres vivos, que dependem neces-
sariamente de objetos exteriores ao seu organismo para a sua sobrevivência.
Assim, por exemplo, tanto quanto uma planta necessita da luz solar, um animal
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não pode prescindir de sua presa para a continuidade de sua vida, e em ambos
os casos evidenciam-se carências vitais que só são supridas com os recursos
disponíveis no meio natural. Isso se aplica também aos seres humanos, que,
para conseguirem alimento, aquecimento ou proteção, recorrem a elementos
externos ao seu corpo. Há, porém, uma especificidade relativa ao ser humano,
dado que, em seu caso, a natureza não está imediatamente disponível, exigin-
do, por isso, intervenções que a tornem acessível a eles. Não é essa a situação
dos animais em geral, pois eles possuem em seu corpo as condições suficientes
para extrair diretamente da natureza os meios de sua sobrevivência, como al-
guns que são naturalmente dotados das garras com que enlaçam suas presas,
ou a aranha, de cujo organismo desprende as teias necessárias à sua vida, para

26
citarmos dois exemplos apenas. Quanto aos seres humanos, seu equipamento
corporal não lhes possibilita fácil obtenção de alimento ou segurança, sendo

Socioloiga
necessária sua ação transformadora para que possam se apropriar da natureza.
Essa ação transformadora que efetua a mediação na relação entre os homens
e a natureza é chamada de trabalho, e é precisamente essa atividade vital que
afirma o ser humano como ser genérico, ou seja, a universalidade da espécie
humana, distinta de todos os demais seres vivos, origina-se na produção das

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condições materiais de sua existência. O que Marx define como trabalho huma-
no é diferente de qualquer movimento executado por outros animais, pois os
animais nunca excedem a natureza, que coincide sempre com suas atividades
vitais. O trabalho humano, então, é algo singular, pois os humanos são os únicos
seres que trabalham com instrumentos fabricados por eles mesmos, assim como
têm plena noção daquilo que fazem e, por fim, criam um mundo inteiramente
original a partir de sua interferência na natureza. Com o trabalho, portanto, não
apenas humanizam a natureza, ao transformá-la em conformidade com suas ne-
cessidades, como também se humanizam, ou seja, desenvolvem a consciência de
si como espécie. É nítido, assim, que os vínculos entre história natural e história
dos seres humanos são tecidos pelo trabalho. Nesse sentido, também devemos
perceber que o trabalho se localiza no núcleo das relações sociais, pois os seres Figura 3. O trabalho é um elemento fun-
humanos não dominam individualmente a natureza, exercendo esse domínio, damental na constituição dos seres huma-
necessariamente, de modo coletivo. nos como seres sociais e culturais.

[1] [2] [3] [4]


[1] Radu Razvan/Shutterstock,
[2] Goodluz/Shutterstock,
[3] Celiafoto/Shutterstock,
[4] gnomeandi/Shutterstock

O materialismo histórico dialético


As análises de Marx são chamadas de materialismo histórico dialético.
Para entender melhor esse conceito precisamos recorrer à filosofia de Hegel,
para quem o entendimento da realidade ocorreria pela compreensão das ideias
produzidas pelos homens ao longo da história. Segundo Hegel, essas ideias são
sempre construídas em um movimento de afirmação-negação, do qual re-
sulta uma nova ideia que dá início a um novo ciclo, e assim sucessivamen-
te. A afirmação chamamos de “tese”, sua negação é a “antítese” (“anti-tese”) e
a conclusão gerada pela oposição e o conflito entre as duas, quando atingida,
seria a “síntese”. Conforme já afirmamos, Marx nega o idealismo hegeliano e
coloca a prática concreta humana como fonte de compreensão da realidade.
De Hegel, Marx herdou o uso da dialética para o entendimento dos proces-
sos históricos, substituindo as ideias (o idealismo) pelas relações materiais.

27
Por isso, suas análises recebem o nome de materialismo histórico dialético. Os
seres humanos não existem fora de suas relações sociais, e estas, por sua vez, se
SL.03
estruturam a partir do trabalho, atividade com a qual os homens se distinguem
dos animais e, consequentemente, afirmam a sua humanidade.
Em torno do materialismo histórico dialético de Marx, desenvolvem-se al-
guns conceitos socioeconômicos que se relacionam: força de trabalho, meios
de produção, relações sociais de produção, forças produtivas e modo de produ-
ção. A consecução do trabalho requer, evidentemente, o empenho do próprio
corpo humano por meio de sua energia física e mental, que recebe o nome de
força de trabalho. Além do corpo humano, contudo, há elementos exteriores sem
os quais o trabalho não se realizaria; por exemplo, a terra, as ferramentas, as
máquinas e os prédios em que se instalam as indústrias; são os denominados
meios de produção, alguns deles naturais — por exemplo, a terra —, e outros
que correspondem ao resultado de um trabalho humano anterior — como as
ferramentas manuais ou das máquinas modernas. As formas pelas quais os seres hu-
manos se apropriam desses meios de produção e organizam coletivamente suas
ações sobre a natureza intitulam-se relações sociais de produção ou relações de
trabalho. A quantidade de trabalho que ultrapassa as necessidades imediatas
dos trabalhadores, gerando excedentes econômicos, constitui o sobretrabalho.
As forças produtivas exprimem a tecnologia disponível em uma determinada
época e sociedade, assim como as técnicas empregadas pelos trabalhadores em
suas atividades produtivas. Por fim, temos o conceito de modo de produção,
que articula os anteriores e exprime uma totalidade socioeconômica; de forma
muito simplificada, podemos identificá-lo na articulação entre as forças produ-
tivas e as relações sociais de produção, o que significa que suas características
específicas são definidas pela modalidade de propriedade dos meios de produ-
ção (estatais, coletivas ou privadas, por exemplo), pelas relações de trabalho, pelo
destino dos excedentes econômicos gerados pelo sobretrabalho e pelo nível das
forças produtivas de uma sociedade, assim como pelo modo em que esses vários
aspectos se combinam.
Vejamos os modos de produção apontados por Marx. No modo primitivo
(ou comunismo primitivo), os seres humanos estão livremente associados em
uma comunidade por meio da qual se apropriam dos recursos naturais, prati-
cando a caça, a coleta e, em alguns casos, a agricultura rudimentar. A posse dos
meios de produção é, portanto, comunal, o trabalho é dividido apenas por sexo,
as relações sociais de produção são comunitárias, e os raros excedentes econô-
micos são usados para finalidades coletivas. Nesse modo de produção, no qual
o nível de desenvolvimento das forças produtivas é baixo, há ainda uma severa
dependência da natureza, o que inibe o desenvolvimento das capacidades hu-
manas e explicaria a divinização das forças naturais. Tomemos como exemplo as
sociedades tribais; a ideia de trabalho como algo separado das outras atividades
é algo que não existe nessas sociedades porque nelas as atividades vinculadas à
produção estão associadas aos ritos e mitos, ao sistema de parentesco, às festas,
às artes, enfim, a toda a vida social, econômica, política e religiosa. O trabalho
separado das outras coisas não tem sentido, não tem valor em si. Os seus equi-
pamentos e instrumentos ainda que eficazes, são muito simples e rudimentares,
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o que classifica essas sociedades como de economia de subsistência e de técnica


rudimentar. Essas sociedades possuíam condições de satisfazer suas necessidades
materiais e sociais, assim como também contavam com um tempo livre para a
dedicação a outros afazeres de cunho não econômico ou, mais propriamente,
tempo livre para o descanso e o lazer. Por essas características, muitas vezes elas
também são chamadas — por outros autores — de “sociedades de abundância”.
Mas o fato é que, nem por isso, podemos acreditar que a existência de tempo
livre nessas sociedades as tenha tornado mais, ou menos, eficientes do ponto de
vista da produção econômica, visto que os valores e as regras sociais impunham
a necessidade de dedicar um período do tempo para a realização de ações volta-
das às dimensões do sagrado e da confraternização social. Não podemos julgar

28
as sociedades tribais como mais ou menos, eficientes ou evoluídas, do ponto
de vista da quantidade da produção econômica, pois cada sociedade produz de

Socioloiga
acordo com suas necessidades sociais e com sua forma específica de se relacio-
nar com o meio natural. Outro fato importante é que, nessas sociedades, não há

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preocupação com a acumulação de riquezas, portanto fazem parte dos sistemas
de integração social procedimentos como os de “doar e receber” bens materiais,
como algo integrante da própria dinâmica social.

A humanidade alienada
Para Marx, o estranhamento ou alienação do trabalho tem início com o
desenvolvimento das forças produtivas, ao qual se conjugam a divisão social
do trabalho e o surgimento da propriedade privada dos meios de produção. Em
termos mais gerais, essas mudanças resultam na substituição do comunismo
primitivo por outros modos de produção, nos quais se verifica a apropriação pri-
vilegiada dos excedentes econômicos por um determinado grupo da sociedade,
que passa a controlar o acesso dos trabalhadores aos meios de produção. É nes- Figura 4. No trabalho alienado, os tra-
balhadores cumprem tarefas que não fo-
se processo que o trabalho se converte em realização estranha ao ser humano, ram por eles concebidas e realizam-nas
ou seja, transforma-se em trabalho alienado. Na alienação do trabalho, são de maneira cada vez mais segmentada,
perceptíveis duas características profundamente interligadas: a atividade não especializando-se em uma única função
é mais controlada por quem a exerce, e o resultado dela não pertence a quem no processo produtivo.

[1] [2] [3] [4]


[1] Monkey Business Images/ Shutterstock,
[2] l i g h t p o e t/Shutterstock,
[3] Goodluz/Shutterstock,
o produziu. A divisão do trabalho impõe a essa atividade ritmos e modalidades [4] Andreas G. Karelias/Shutterstock

de execução que são exteriormente definidos, isto é, não são decididos pelos
trabalhadores de acordo com suas necessidades, mas por instâncias superiores
que se encarregam de sua concepção, de seu planejamento e de sua supervi-
são. No fracionamento do trabalho, não é mais possível aos trabalhadores al-
cançar a noção de totalidade. Segundo Marx, o ápice da alienação do trabalho
humano ocorre sob o modo de produção capitalista, mas, numa perspectiva
evolutiva, antes de se chegar ao capitalismo, houve outros modos de produção.
No modo de produção asiático, o melhor exemplo que pode ser dado é o Egi-
to Antigo dos faraós, quando o trabalho era realizado pelos camponeses sob
o regime de servidão coletiva, e o produto desse trabalho era apropriado pelo
Estado para depois ser distribuído a toda a sociedade. É importante perceber
que isso ocorre nesse tipo de organização social, assim como nas outras que
virão depois dela, porque existe uma divisão das atividades entre os membros

29
da sociedade: há os sacerdotes, os militares, os funcionários do governo,
os camponeses. Percebemos, então, uma divisão social hierarquizada, na qual os
SL.03
camponeses estão na base e, embora façam o trabalho que garante a produção
material da sociedade, são os que estão mais afastados do faraó, cujo poder
supremo o coloca acima de tudo e de todos. Quanto mais próximo do faraó,
melhor a posição social do grupo.
Nesse modo de produção, o trabalho dos escravos já existia, mas ainda não
era predominante como será no modo de produção seguinte, que, não à toa,
recebe o nome de modo de produção escravista, cujos exemplos mais signifi-
cativos são a Grécia e a Roma Antigas. Entre os gregos e os romanos antigos era
natural a distinção entre o trabalho braçal, ou trabalho manual, e as atividades
do cidadão perante os problemas da sociedade. Ainda que a sociedade greco-
romana não fosse constituída somente de escravos e senhores, a escravidão foi
um importante pilar social dessas civilizações. Nessas sociedades, o escravo era
propriedade particular de seu senhor e, portanto, podia ser vendido, doado,
trocado, alugado, e não só ele, mas todos da família e todos os bens que por-
ventura tivesse. Assim, a escravidão foi fundamental nessas sociedades, para
que houvesse a manutenção de uma aristocracia cujo único compromisso era
a participação nos assuntos da cidade, sem qualquer vínculo com formas de
trabalho que não o intelectual. O trabalho escravo era, assim, a sustentação do
estilo de vida que os cidadãos levavam, desobrigados de produzir seu próprio
sustento. A escravidão, ao mesmo tempo, era vista pelos greco-romanos antigos
como algo natural. A Antiguidade é marcada pela classificação social entre in-
divíduos inferiores e superiores, ou seja, os que viviam as vicissitudes do corpo
e aqueles que gozavam da plena liberdade.
Na Grécia e na Roma Antigas havia também homens livres e despossuídos
de bens materiais, o que os colocava na obrigação de trabalhar para outro ho-
mem abastado. O exemplo usado por Marx para ilustrar essa questão foi
o conflito entre os romanos patrícios e plebeus. Cronologicamente, o modo de
produção seguinte é o modo de produção feudal. A classificação social vigente na
Antiguidade também se fez presente durante a Idade Média, principalmente
no período conhecido como Alta Idade Média, em que também a cisão entre
indivíduos superiores e inferiores era bastante naturalizada. Essa classificação
apresentava-se da seguinte forma, em ordem de importância: os clérigos ca-
tólicos, os nobres e os trabalhadores. Entre os trabalhadores, a maioria era de
servos da gleba, os grandes responsáveis pela manutenção vital dos membros
da nobreza e do clero, já que estava a seu cargo cultivar a terra e obter dela o
Conexões necessário para o seu sustento e dos demais grupos. O clero e a nobreza cons-
tituíam os grupos dominantes, controlando a terra e o poder que delas provi-
A transição da socie- nha. Do ponto de vista dessa estrutura, a Igreja prestava ajuda espiritual, en-
dade feudal para a so- quanto a nobreza oferecia proteção militar aos trabalhadores; em troca, clero
ciedade burguesa é um e nobreza exigiam pagamento sob a forma de cultivo das terras. O feudalismo
tema fundamental tanto foi um período em que a terra bastava para produção de praticamente todas
para a história como para as mercadorias de que necessitava o ser humano medieval. A quantidade de
a sociologia. Todos os terra era a medida da riqueza de um senhor. O poder, consequentemente, era
sociólogos clássicos (Marx, determinado também por esse fator. O trabalhador era despossuído de terras
Weber e Durkheim) inter- e, ainda que ele fosse o responsável pela reprodução da vida, era o que menor
pretaram essa passagem importância tinha. Vivia nas terras do senhor feudal em troca de uma série de
e as suas consequências obrigações, que era a forma de pagamento pela ocupação do espaço. Segundo
nas sociedades ocidentais. a concepção feudal, com base na Igreja cristã, o trabalho era uma verdadeira
maldição e deveria existir somente na quantidade necessária à sobrevivência,
não tendo nenhum valor em si mesmo. O feudo era o núcleo na dinâmica co-
tidiana da sociedade feudal. Nele se vivia de maneira praticamente autossufi-
ciente, sendo o acúmulo de capitais uma realidade quase inexistente. O servo
cultivava seu alimento, fabricava tudo o que era necessário para si, como tam-
bém para os nobres e para o clero; e, com tantas obrigações a pagar para os
dois últimos com o seu trabalho, pouco lhe restava.

30
As origens do modo de produção capitalista

Socioloiga
Nos séculos finais da Idade Média — período conhecido como Baixa Idade Mé-
dia, que tem início por volta do século XII —, o avanço das atividades comerciais
provocou o desenvolvimento das cidades, especialmente a partir das Cruzadas.
musée du louvre, Paris (frança)

Figura 5. Quadro O banqueiro e sua


esposa (1514), do pintor renascentista ho-
landês Quentin Massys. A atividade bancá-
ria, altamente lucrativa, também foi de-
senvolvida na passagem da Idade Média
para a Idade Moderna pelos burgueses
(mercadores).

Os habitantes da cidade constituíam a pré-condição para a valorização do


mercador. No início do século XII, a palavra mercator, que significava “mercador”,
e burgensis, que aludia “àquele que vive na cidade”, eram usadas como sinôni-
mas. A população da cidade passou a questionar os costumes e as regras sociais
do feudo. Com relação aos comerciantes, esses questionamentos eram incentivos
à dinâmica da atividade comercial, já que pressionavam alterações nas leis e na
justiça feudal. Tais reflexões desencadearam ações. Os comerciantes passa-
ram a se integrar e se apoiar: em viagens por terra, juntavam-se para se proteger
contra os salteadores; no mar, criavam associações contra os piratas; nos mer-
cados e nas feiras, produziam política de valorização de seus produtos. Em face
das restrições feudais que causavam fortes prejuízos, uniam-se em associações
que passaram a se chamar “corporações” ou “ligas”. Em vez de trabalhar apenas
para a satisfação de suas necessidades, com o progresso das cidades e o uso do
dinheiro, os artesãos abandonaram o modo de vida servil e passaram a trabalhar
para atender à demanda. A fabricação de produtos e os processos envolvidos na
sua criação davam ao trabalho artesanal dessa época um caráter que se poderia
dizer “lúdico”; na medida em que nele não se obedecia a nenhum critério pre-
concebido, o artesão era livre para organizar seu trabalho no que dizia respeito
a planejamento, tecnologia e prazos. O artesanato, tomando por base seu desen-
volvimento europeu durante os séculos XIII e XIV, constitui um dos momentos
marcantes da evolução do trabalho criador. A utilidade torna-se apenas um dos
motivos para a realização do trabalho artesanal; este trabalho passa a significar,
em si mesmo, realização pessoal e profunda satisfação, já que, em seu exercício,
os artífices aperfeiçoavam sua destreza. A pequena oficina era a unidade indus-
trial típica da época. Nela um mestre era o empregador em pequena escala, mas
esse mestre trabalhava em proximidade aos seus ajudantes. Para os aprendizes,

31
as únicas oportunidades de trabalho vinham ao ganhar a confiança de um artesão
principal; o aprendizado era fator preponderante no início da carreira, o que va-
SL.03
riava de acordo com o ramo, podendo levar de dois a sete anos para se completar.
Nesse processo, existia um vínculo muito forte entre o jovem, seus pais e o
mestre artesão, que garantia o acesso dos jovens às técnicas, em troca de um
pequeno pagamento, e a promessa de um compromisso atento e obediente. Os
mestres eram donos tanto da matéria-prima quanto das ferramentas utilizadas
para trabalhá-la, motivo pelo qual ficavam com os lucros do produto acabado,
entretanto também trabalhavam na produção e na comercialização dos artigos.
As mercadorias passaram a ser vendidas num mercado externo, ultrapassando o
caráter de atender meramente às necessidades de casa. A exemplo dos mercado-
res, os artesãos também criaram corporações próprias. Aqueles que se ocupavam
de um trabalho determinado pertenciam à mesma corporação; dessa forma, os
trabalhadores com o mesmo ofício numa localidade participavam de uma as-
sociação chamada corporação artesanal. A ajuda mútua em períodos difíceis
era possivelmente o primeiro objetivo dessas associações, ainda que não fosse
o único. Já naquela época despertava a consciência cooperativa, que coloca o
interesse coletivo sobre o individual. Diante desse quadro, percebem-se as difi-
culdades que a organização dos artesãos criava para os burgueses (mercadores)
da Idade Moderna. Tendo o controle sobre o seu próprio trabalho e cobrando
por ele o que achava justo, artesão, muitas vezes, diminuía o lucro do burguês.
Essa situação seria modificada a partir da Revolução Industrial, como veremos
no próximo módulo.

Em foco
C4 — Entender as transformações técnicas e tecno- c) os novos teares exigiam treinamento especializado
lógicas e seu impacto nos processos de produção, no para serem operados.
desenvolvimento do conhecimento e na vida social. d) os artesãos, no período anterior, combinavam a

H20 —
tecelagem com o cultivo de subsistência.
Selecionar argumentos favoráveis ou contrários
e) os trabalhadores não especializados se apropria-
às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida
ram dos lugares dos antigos artesãos nas fábricas.
social e ao mundo do trabalho.

(Enem-MEC) Leia o texto a seguir.


Alternativa d
A prosperidade induzida pela emergência das máqui- O texto refere-se às transformações pelas quais passaram
nas de tear escondia uma acentuada perda de prestígio. as relações de trabalho, que, no curso da Revolução
Foi nessa idade de ouro que os artesãos, ou os tecelões Industrial, resultariam na formação do proletariado. Des-
temporários, passaram a ser denominados, de modo tacamos que a resposta à questão, diferentemente do
genérico, tecelões de teares manuais. Exceto em alguns que pode indicar o enunciado, não consiste na menção
ramos especializados, os velhos artesãos foram colocados a um dos fatores que teriam provocado a mudança, mas,
lado a lado com novos imigrantes, enquanto pequenos sim, aponta para a situação anterior dos tecelões — que
fazendeiros-tecelões abandonaram suas pequenas proprie- combinavam a tecelagem com a atividade agrícola.
dades para se concentrar na atividade de tecer. Reduzidos a) (F) A introdução do tear mecânico nas relações
à completa dependência dos teares mecanizados ou de produção, de fato, promove novas relações
dos fornecedores de matéria-prima, os tecelões ficaram sociais, mas a alternativa refere-se à “invenção
expostos a sucessivas reduções dos rendimentos. do tear”, ou seja, não se refere especificamente
ao “tear mecânico”.
Adaptado de THOMPSON, E. P. The making of the English
b) (F) O texto não indica o predomínio dos tecelões
working class. Harmondsworth: Penguin Books, 1979.
mais hábeis sobre os inexperientes.
Com a mudança tecnológica ocorrida durante a Revo- c) (F) O texto não indica a necessidade de treina-
lução Industrial, a forma de trabalhar alterou-se porque: mento especializado para o trabalho com o tear
a) a invenção do tear propiciou o surgimento de mecânico.
novas relações sociais. e) (F) O texto não indica a substituição dos antigos
b) os tecelões mais hábeis prevaleceram sobre os artesãos por outros trabalhadores não especia-
inexperientes. lizados.

32
Sociologia
ATIVIDADES

1 (UEMA) Uma das condições imprescindíveis, em Karl Marx, a) F–F–F–V


para que a mercadoria como força de trabalho possa ser b) F–V–F–V
vendida e comprada no mercado é: c) F–F–V–V
a) a separação entre os meios de produção e o produtor d) V–V–F–V
direto. e) F–V–V–V
b) a unidade entre o meio de produção e o produtor direto. A primeira proposição é falsa, pois, no sistema primitivo, os meios de pro-
dução e os frutos do trabalho eram de uso comum.
c) a relação entre produção, consumo e distribuição. A segunda proposição é verdadeira, já que, no escravismo, o dono do escra-
d) o intercâmbio entre ser humano e natureza. vo tem a posse de todos os meios de produção, inclusive da mão de obra.
e) a separação entre campo e cidade. A terceira proposição é falsa, pois, no feudalismo, as relações de produção
De acordo com a teoria sociológica de Karl Marx, a completa separação entre baseiam-se na propriedade privada (particular) da terra, nas mãos dos
trabalhadores e meios de produção, na sociedade capitalista, dispõe a força nobres (senhores feudais); ainda que os servos da gleba possuíssem suas
de trabalho como mercadoria, uma vez que os produtores não possuem ferramentas, faltava-lhes a terra para cultivar.
mais acesso direto às ferramentas necessárias à produção. A quarta proposição é verdadeira, uma vez que, na concepção de Marx,
b) (F) No capitalismo, rompe-se a unidade entre produtor e meios de o comércio desenvolvido pela burguesia a partir da Baixa Idade Média
produção. consolidou-se na Idade Moderna, gerando uma acumulação primitiva de
c) (F) Não é a relação entre produção, consumo e distribuição que explica capitais capaz de fortalecer os burgueses e dar-lhes condições de promover,
a disponibilidade da força de trabalho como mercadoria. por exemplo, a Revolução Industrial. Portanto, o comércio foi o primeiro
d) (F) O intercâmbio entre ser humano e natureza é inerente à vida social da motor que impulsionou o capitalismo.
humanidade, sem que implique necessariamente o trabalho assalariado. Alternativa b
e) (F) A separação econômica entre campo e cidade não é fator explicativo
da transformação do trabalho em mercadoria.
Alternativa a

3 (C1/H1) Leia o texto e, a seguir, responda à questão proposta.


O modo de produção da vida material condiciona o
processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é
a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo
contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.
MARX, Karl. Prefácio a Critica à economia política. 1859.
Disponível em: www.facha.edu.br (acesso em 5 abr. 2013)

O trecho citado pode ser considerado:


a) um exemplo da visão marxista sobre o trabalho alienado.
b) uma explicação do conceito de modo de produção.
c) uma síntese da posição filosófica do materialismo his-
tórico.
d) uma explicação do conceito de luta de classes.
e) um exemplo dos princípios econômicos dos países so-
cialistas.
A questão traz um trecho do famoso “Prefácio a Crítica da Economia Po-
lítica”, de Karl Marx. Nesse trecho, vemos colocada a ideia de que as rela-
2 (UEMA, adaptada) Ao longo da história, a sociedade huma- ções vinculadas à produção material da vida — ao trabalho humano — é
na desenvolveu formas de transformação da natureza para que são determinantes das formas de pensamento, e não o pensamento
a satisfação de suas necessidades, modificando a natureza o ‘criador’ da realidade.
a) (F) A alienação do trabalho é algo vinculado à especificidade do modo
e a si própria por meio do trabalho, instituindo diferentes de produção capitalista, e o texto diz respeito à questão da relação entre
modos de produção. Sobre esses modos de produção, jul- o mundo material e a formação das ideias.
gue (V ou F) e, em seguida, assinale a alternativa com a b) (F) O conceito de modo de produção diz respeito à articulação entre as
sequência correta. relações sociais de produção e forças produtivas.
d) (F) Luta de classes é um conceito que diz respeito aos conflitos entre di-
I. No sistema primitivo, os meios de produção e os fru- ferentes grupos ou estratos sociais posicionados com base na sua relação
tos do trabalho são de propriedade privada. de propriedade dos meios de produção.
II. No escravismo, os meios de produção e os escravos e) (F) O socialismo, como teoria, prevê a propriedade coletiva dos meios de
produção, ou seja, a definição citada não se aplica a esta alternativa.
são de propriedade do senhor. Alternativa c
III. No feudalismo, as relações de produção baseiam-se
na propriedade coletiva dos meios de produção.
IV. Na fase da acumulação primitiva de capitais, o co-
mércio foi a principal atividade da burguesia, o que
corresponde às origens do capitalismo.

33
4 (C1/H4) Leia o trecho da canção e, a seguir, responda à 5 (C4/H16) Leia atentamente o texto e responda à questão
questão proposta. proposta.
SL.03
Debulhar o trigo O número e a disposição geral dos ossos e dos músculos são
Recolher cada bago do trigo os mesmos no macaco e no homem, mas a mão do selvagem
Forjar no trigo o milagre do pão mais primitivo é capaz de executar centenas de operações que
E se fartar de pão não podem ser realizadas pela mão de nenhum macaco. Ne-
HOLLANDA, C. B.; NASCIMENTO, M. O cio da terra. Disponível em: nhuma mão [de um símio] construiu jamais um machado de
www.vagalume.com.br (acesso em 13 dez. 2013) pedra, por mais tosco que fosse. […]. Vemos, pois, que a mão
não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele.
Do ponto de vista sociológico, podemos observar nesse
texto a ideia de: ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do
a) os seres humanos estarem totalmente vinculados ao macaco em homem. Disponível em: www.marxists.org
mundo natural. (acesso em 6 abr. 2013)
b) a natureza ser uma dimensão oposta aos seres humanos. De acordo com o texto:
c) o trabalho humano ser um elemento transformador a) do ponto de vista da constituição natural, em uma sé-
do mundo natural. rie de aspectos, seres humanos e primatas são muito
d) o trabalho ser um fator de desequilíbrio da natureza. semelhantes.
e) o mundo natural ser uma dimensão superior aos seres b) a construção de instrumentos e a própria tecnologia
humanos. são elementos comuns a todos os mamíferos.
O trecho da canção “O cio da terra” remete ao trabalho como elemento
transformador da natureza, como aspecto da criatividade dos seres huma- c) o trabalho é um elemento social determinado pela
nos (“forjar no trigo o milagre do pão”). constituição física dos seres vivos.
a) (F) O trecho não coloca os humanos como seres totalmente vinculados d) todos os seres vivos trabalham, de maneira que obtêm
à natureza, mas como seres que a transformam.
b) (F) Os versos não colocam a natureza como oposta, mas como uma di- resultados semelhantes.
mensão que humaniza o próprio ser humano por meio do trabalho. e) as sociedades primitivas mantêm completa identidade
d) (F) Os versos citados não colocam a questão do trabalho humano como com a natureza.
fator de desequilíbrio da natureza. No trecho citado, Friedrich Engels, ao afirmar que o trabalho é um elemento
e) (F) O mundo natural não aparece no trecho como um universo superior central no processo de transformação dos seres humanos em seres sociais,
aos seres humanos, mas, novamente, como uma dimensão que propor- parte do pressuposto de que, em termos de constituição física, seres huma-
ciona a humanização pelo trabalho. nos e primatas são muito semelhantes — é o trabalho que os faz diferentes.
Alternativa c b) (F) Esta ideia não está presente no texto, já que o desenvolvimento tec-
nológico é algo praticamente exclusivo dos seres humanos.
c) (F) Na medida em que seres humanos e primatas têm uma constituição
física semelhante, a afirmação da alternativa é incorreta.
d) (F) Em princípio, todos os seres vivos desenvolvem atividades, mas os
resultados dessas atividades — se chamarmos todas elas de trabalho —
são muito diversos, como é visto no próprio texto.
e) (F) Considerando as ideias presentes no texto, as sociedades primitivas já têm
no trabalho um elemento que as diferencia da natureza, portanto, o fato de
serem denominadas “primitivas” não nos permite — considerando o texto —
afirmar que tenham uma relação de identidade completa com o mundo
natural.
Alternativa a

COMPLEMENTARES

1 (U. F. Uberlândia-MG) Leia o texto a seguir. Ferreira Gullar é um poeta brasileiro que se destacou, en-
O preço do feijão / não cabe no poema. O preço / tre outras coisas, por ter dado engajamento à sua poesia.
do arroz / não cabe no poema. Não cabem no poema o Esses versos fazem uma dura crítica a um tipo de socie-
gás / a luz o telefone/ a sonegação / do leite / da carne / do dade. Essa crítica assemelha-se àquela que Marx fez ao
açúcar / do pão/ O funcionário público / não cabe no idealismo hegeliano, que sugere a superação do modo de
poema / com seu salário de fome / sua vida fechada / produção capitalista, por meio do método do materialismo
em arquivos. / Como não cabe no poema / o operário / histórico e dialético.
que esmerilha seu dia de aço / e carvão / nas oficinas Sintetize a crítica de Marx ao hegelianismo, utilizando, para
escuras / — porque o poema, senhores, / está fechado: / tanto, o método de Marx e o poema de Gullar. Discorra so-
“não há vagas” / Só cabe no poema/ o homem sem estô- bre, pelo menos, cinco aspectos.
mago / a mulher de nuvens / a fruta sem preço / O po-
2 (U. F. Uberlândia-MG) Em uma passagem de As aventuras
ema, senhores, /não fede / nem cheira do Barão de Munchausem, personagem do folclore alemão,
GULLAR, Ferreira. Não há vagas. In: Toda poesia. Rio de Janeiro: ele e seu cavalo encontram-se atolados em um pantanal
Civilização Brasileira, 1980. p. 224. e, para sair dessa situação, o Barão puxa a si mesmo pelo

34
cabelo, levantando-se, com sua montaria, do terreno mo- c) A ação política dos indivíduos nas sociedades hierar-
vediço. Em mais de uma ocasião, os sociólogos usaram essa quizadas.

Sociologia
metáfora para aludir ao modo pelo qual os positivistas d) A identidade social, cultural e coletiva.
procuravam um método objetivo, neutro, livre das ideolo- e) A posição que os indivíduos ocupam nas relações de
gias. Em oposição a essa suposta objetividade, Marx criticou produção.
veementemente os positivistas, uma vez que, para o autor:
a) o método possui uma objetividade parcial, pois na 4 (U. F. Uberlândia-MG) Segundo Marx, o que determina a
escolha do objeto entra em ação a ideologia do autor, história é:
que não interfere, entretanto, na análise dos aconte- a) a consciência humana.
cimentos. b) a produção da vida material pelos homens.
b) a análise social, da perspectiva do operariado, deve c) a determinação divina.
contribuir para a harmonia das relações sociais de d) os grandes vultos históricos.
produção.
5 (UFAL) Construir a história exige ousadia e criatividade,
c) a análise das condições de vida do proletariado europeu para superar dificuldades e inventar formas de melhorar
do século XIX deve incidir sobre a crítica social, com as relações sociais para o que é importante, a reflexão so-
vistas na reforma da sociedade burguesa. bre o agir humano e seus desdobramentos. Nesse sentido,
d) o método deve contribuir não só para a interpretação, as teorias defendidas por Karl Marx:
mas igualmente para a transformação social. a) salientavam o valor do trabalho para a produção da
riqueza social.
3 (UEMA) As sociedades modernas são complexas e multifa- b) exaltavam a capacidade da burguesia de zelar pela
cetadas. Mas é com o capitalismo que as divisões sociais igualdade social.
se tornam mais desiguais e excludentes. Marx já observara c) criticavam as teses iluministas, sendo favoráveis ao
que só o conflito entre as classes pode mover a história. Romantismo.
Assim sendo, para o referido autor, em qual das opções se d) tinham relações filosóficas com Kant, adotando o
evidencia uma característica de classe social? idealismo.
a) O status social e cultural dos indivíduos. e) foram aceitas pela sociedade europeia, em razão das
b) A função social exercida pelos indivíduos na sociedade. críticas ao capitalismo.

35
Karl Marx (1818-1883): a crítica à sociedade capitalista (II)
SL.04

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O modo de produção capitalista e
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a alienação do trabalhador
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É no apogeu do modo de produção capitalista, ou seja, a partir da Revolu-


oc
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ção Industrial, que a divisão do trabalho humano se constitui em uma atividade


absolutamente estranha ao trabalhador. A indústria mecanizada é, então, o mo-
delo explícito e consumado do estranhamento do trabalho, pois nela os operários
efetuam movimentos repetidos e específicos, concebidos por outros indivíduos
que não eles. Assim, cada grupo de operários se especializa em uma função na
produção das mercadorias, escapando-lhes a noção de totalidade da atividade
produtiva. Em idêntica medida não lhes compete o trabalho intelectual, pois aci-
ma deles há engenheiros, administradores e técnicos responsáveis pela concepção
e pela organização da produção econômica.
No sistema capitalista industrial, a riqueza só existe como artifício social, que se
manifesta no entrelaçamento da produção e da circulação da mercadoria. Segundo
Marx, o valor da mercadoria é equivalente à quantidade do tempo de trabalho
gasto na sua produção, que varia de uma sociedade para outra. Em síntese, a mer-
cadoria tem um valor de uso e um valor de troca, os quais são definidos em razão
dfkl;s,d Oleg Golovnev/Shutterstock

do caráter social das necessidades, da ciência e do nível de cooperação no processo


de trabalho. Para recorrermos a um exemplo, podemos pensar em um objeto como
o sapato. A fabricação de um calçado na moderna sociedade capitalista resulta na
confecção de um produto que incorpora, simultaneamente, um valor de uso e um
valor de troca. Seu valor de uso está na utilidade direta que possui para os indiví-
duos, e seu valor de troca realiza-se em sua comercialização.
É o valor de troca que confere ao calçado sua definição como mercadoria. As
relações de produção do sistema capitalista acarretam a existência do mercado,

36
em que as mercadorias, inclusive a força de trabalho, são comercializadas por um
determinado valor. O trabalhador livre, que vende a sua força de trabalho como
uma mercadoria, é um elemento característico do modo de produção capitalis-
ta. De um lado está o trabalhador, que oferece sua força de trabalho; de outro, o
empregador, que a adquire em troca de um salário. A ideia de “equivalência” na
troca é decisiva para o equilíbrio da sociabilidade capitalista, fazendo com que
os homens surjam como iguais diante da lei, do Estado e do mercado. Ainda que o
processo de venda da força de trabalho por um salário se manifeste como uma
troca entre iguais, o valor que o trabalhador pode produzir durante o período em
que é empregado é superior àquele pelo qual vende suas capacidades, ou seja,
o seu salário. A força de trabalho é uma mercadoria peculiar, pois ela é a única
capaz de produzir um valor chamado por Marx de mais-valia. Parte desse valor,
apropriada sob a forma de trabalho excedente, é um trabalho não pago e integra
o próprio capital em forma de lucro da burguesia. O escritor Leo Huberman co-
menta que, para Marx, o valor da força de trabalho — o salário — é uma “coisa”:

[…] Quando o trabalhador se aluga, vende sua força de trabalho não apenas
pelo tempo que leva para produzir o valor de seus salários, mas pela extensão de
todo um dia de trabalho. Se um dia de trabalho for de 10 horas, e o tempo neces-
sário para produzir o valor de seu salário for igual a 6 horas, então sobram 4 horas
durante as quais o trabalhador não está trabalhando para si, mas para seu patrão.
Às 6 horas Marx chama de tempo de trabalho necessário e às 4 horas, tempo de
trabalho excedente. Do valor do produto total de 10 horas de trabalho, seis décimos
correspondem ao salário, quatro décimos são iguais à mais-valia, que fica em poder
do patrão e constitui seu lucro.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed.
Rio de Janeiro: LTC, 1986. p. 212-232.

37
Luiz Paulo Sapienza
Devemos observar que
SL.04
Durkheim e Marx têm pontos de
vista distintos sobre a divisão do
trabalho, especialmente na so-
ciedade capitalista. Marx vê essa
divisão como o ápice do traba-
lho alienado, carregado de ideo-
logia, e que, portanto, leva a
classe trabalhadora a não ser ca-
paz de se reconhecer. Já para
Durkheim, a divisão do trabalho
no mundo moderno trouxe ga-
nhos de produtividade e eficiên-
cia quando separou os indivíduos
em funções distintas. Todavia,
houve remodelamento nos ní-
veis de solidariedade e coopera-
ção social entre os indivíduos, e
é a própria divisão do trabalho
que pode aumentar o grau de
solidariedade em uma socieda-
de tida como complexa, como a
capitalista, em que a anomia é
um risco constante. Em suma,
para Émile Durkheim, a divisão
do trabalho é algo favorável,
porque propicia o advento da
Figura 1. Operários em uma moderna linha de montagem de automóveis: o trabalho alienado.
solidariedade entre as pessoas.
Há outra reflexão relevante: a vi- Na sociedade capitalista, completa-se o estranhamento entre os trabalhadores
são epistemológica que se pode e os produtos de sua atividade, não apenas porque estes são, em sua maior par-
ter acerca do mundo do traba-
lho. Para Durkheim, a sociedade te, apropriados pelos donos dos meios de produção, sob a forma de lucro, como
e as suas relações sociais mol- também porque esses trabalhadores são incapazes de se reconhecer nos objetos
dam a personalidade e a forma que criaram. Trata-se do fetichismo das mercadorias, definido pela incapacidade
de agir dos indivíduos; já para de os homens perceberem como sociais os frutos de seu trabalho. Se o trabalho é,
Marx, a consciência individual é
formada dialeticamente, partin- em sua origem, a atividade humana que distingue os seres humanos dos demais
do da influência externa, mas seres vivos, qual é a consequência, para a condição humana, da alienação do tra-
realizando-se na transformação balho? No horizonte explicativo do materialismo histórico dialético, a resposta é
do mundo natural. inequívoca: a alienação do trabalho equivale à alienação da própria humanidade.

Classes sociais, ideologia e Estado


Neste momento, somos capazes de compreender a afirmação feita por Marx
quando escreve que não é a consciência que determina a vida, mas a vida material
que explica as ideias. As explicações que os seres humanos apresentam sobre o
mundo, seus valores morais e suas instituições políticas não estabelecem o modo
como vivem; ao contrário, na perspectiva de Marx, são decorrências do modo como
vivem. Em sentido geral, estamos nos referindo aos conceitos marxistas de superes-
trutura e infraestrutura. A primeira compreende as dimensões culturais, jurídi-
cas e políticas da sociedade, e a segunda consiste nas relações socioeconômicas
ou a chamada base material da sociedade. Ainda que se admita que as relações
culturais, jurídicas e políticas possam transformar as relações socioeconômicas,
do ponto de vista do materialismo histórico dialético, a infraestrutura determina,
em última instância, a superestrutura. A divisão em classes, por exemplo, tem
como premissa as diferentes posições que os seres humanos ocupam em relação
aos meios de produção, isto é, as classes sociais surgem quando as sociedades
se dividem em proprietários e não proprietários desses meios. Assim, serão os
proprietários dos meios de produção que constituirão as classes dominantes.
Encontramos, portanto, ao longo da história, diferentes divisões sociais em
classes, como senhores e escravos, nobres e plebeus, burgueses e proletários.
Deve-se igualmente notar que as classes sociais se diferenciam também por suas
preferências, seus gostos, seus hábitos, seus valores, enfim, sua visão de mundo

38
em geral. Esses elementos constituem o que Marx denominou de consciência de
classe. Pode-se dizer, então, que a consciência que os indivíduos desenvolvem

Socioloiga
acerca da realidade é determinada pela classe social à qual pertencem ou pela
posição em que se situam no interior das relações sociais de produção. Na maio-
ria das vezes, porém, não são nítidas as diferenças entre essas visões de mundo
das classes sociais, pois a classe dominante dispõe de recursos para universalizar
suas ideias, que são confundidas com valores inquestionáveis e eternos, e que,
portanto, tendem a ser aceitas por toda a sociedade. Marx utiliza o termo ideo-
logia para designar essa consciência distorcida ou deformada da realidade, pro-
duzida pela classe que detém a propriedade dos meios de produção e que possui
igualmente os meios necessários à circulação das ideias.
É importante assinalar que a ideologia não é um conjunto de princípios
morais e culturais deliberadamente produzidos pela classe dominante com
a intenção de preservar sob seu jugo as demais classes da sociedade. Trata-se
de ideias produzidas no interior de relações sociais concretas e que correspon-
dem efetivamente à forma como a classe dominante concebe tais relações, ou
seja, não é uma criação com o fim deliberado de iludir a todos na sociedade.
Como a classe dominante não é simplesmente proprietária dos meios com os
quais se produz a riqueza material da sociedade, possuindo também acesso
privilegiado aos canais pelos quais circulam as explicações da realidade, suas
ideias são difundidas ao ponto de serem incorporadas pelos componentes das
classes sociais subordinadas. Dentre os canais pelos quais transitam os valo-
res ideológicos, muito diversificados no tempo, podemos citar como exemplos
os rituais católicos e as escolas medievais, assim como a imprensa escrita e os
meios de comunicação de massa no mundo contemporâneo. Por meio desses
canais, a classe economicamente dominante torna-se em igual medida cultu-
ralmente dominante.
Outro aspecto central para o entendimento do significado da palavra ideo-
logia no vocabulário de Marx é o fato de que ela consiste em uma representa-
ção distorcida do real, ou melhor, em uma consciência idealizada das relações
socioeconômicas. Em certo sentido, é a visão que a classe dominante possui e
apresenta de si mesma, que não revela completamente as relações sociais exis-
tentes na sociedade. Um rápido exemplo sobre o modo de produção capitalista
da sociedade industrial, precisamente no tocante aos seus valores liberais, é útil
para completar nossa exposição sobre o conceito marxista de ideologia. Na con-
cepção marxista, o liberalismo político-econômico projeta o indivíduo no centro
de suas preocupações, como um dos elementos ideológicos do capitalismo. A te-
oria filosófica liberal empenha-se na tese de igualdade natural entre as pessoas,
fundamentando-se na convicção de que os seres humanos, sem exceção, possuem
idênticos direitos à vida, à liberdade e à propriedade, sendo a preservação desses
direitos a única finalidade legítima da sociedade política. Todavia, a igualdade
de direitos individuais, interpretada sob o ponto de vista do materialismo histó-
rico dialético, não existe além de sua superfície legal, pois a sociedade capitalista
concentra direitos tanto quanto concentra a propriedade de suas riquezas, ou
seja, na prática, o exercício de direitos é restrito àqueles que possuem condições
alphaspirit/Shutterstock

econômicas vantajosas. Dentro dessa visão, o liberalismo é uma ideologia que


encobre o poder sociopolítico exercido pela burguesia na sociedade capitalista.
Com esse exemplo, tocamos no conceito de Estado desenvolvido pela filosofia
marxista. O Estado ou poder político institucionalizado, ainda que se apresente
ideologicamente como executor dos interesses de toda a sociedade ou promotor
do bem-estar nacional, não é mais do que a forma concreta de realização política
das expectativas da classe dominante. Assim, na sociedade capitalista, quaisquer
que sejam suas modalidades — republicana, monárquica, presidencialista e par-
lamentarista — o poder político é sempre controlado pela burguesia. Conforme
essa perspectiva, a democracia representativa não impede a burguesia de utilizar
seus recursos econômicos e ideológicos para fazer do Estado o órgão de execução
de seus projetos sociopolíticos.

39
A luta de classes
SL.04
É dentro dessa perspectiva que devemos observar a afirmação de Marx e
x. 1848
Karl Mar
Friedric
h Engels, Engels, contida no Manifesto do Partido Comunista (1848), de que a história
da humanidade é a história da luta de classes, citando os confrontos entre
patrícios e plebeus, senhores e escravos, nobres e servos, burgueses e prole-
tários. Ao destacarem a luta de classes como motor ou princípio dinâmico da
história dos seres humanos, os autores do materialismo histórico dialético iden-
tificam-na como expressão das contradições presentes nos modos de produção
historicamente estabelecidos, que culminam sempre em uma transformação
revolucionária na qual são substituídos por novas relações sociais e econômi-
cas. Exemplos de conflitos dessa natureza foram os conflitos históricos entre
a burguesia e a classe dominante feudal, nas quais a primeira mobilizou em
seu favor o conjunto da plebe (trabalhadores urbanos, camponeses, miserá-
veis). Essas lutas de classes entre burgueses e nobres derivariam na consa-
gração do moderno modo de produção capitalista, cujos marcos históricos
mais significativos seriam a Revolução Industrial, na Inglaterra, durante a
segunda metade do século XVIII, e a Revolução Francesa, iniciada em 1789,
fatos que marcaram, como já foi visto, o próprio nascimento da sociologia
como ciência. No modo de produção capitalista, caracterizado pela total
separação entre os trabalhadores e os meios de produção, pelas relações
assalariadas de produção e pela supremacia do lucro no conjunto da socie-
dade, Marx constata a crescente valorização do mundo das coisas (merca-
dorias), que implica a desvalorização do mundo dos seres humanos, uma
vez que sua existência é exclusivamente condicionada pelas exigências
capitalistas do lucro.

A dialética capitalista e o horizonte do comunismo


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Para Marx, as contradições do capitalismo acentuam-se à medida que a


sociedade se polariza em burgueses (proprietários dos meios de produção) e
proletários (operários das indústrias e trabalhadores assalariados em geral). Ao
mesmo tempo, as constantes inovações introduzidas pela burguesia nas forças

40
Conexões

Socioloiga
A discussão sobre os modelos econômicos é um tema recorrente nas áreas de história e também geogra-
fia. Trata-se de entendermos, no âmbito das sociedades contemporâneas, como se estruturam a produção
industrial, as trocas comerciais e as interações entre economia e política.

produtivas tendem a tornar incompatíveis as relações sociais de produção e as


relações capitalistas de propriedade. A própria concorrência capitalista, segun-
do Marx, promove o paulatino desaparecimento dos pequenos e médios pro-
prietários de meios de produção, bem como das camadas sociais intermediá-
rias em geral, que são rebaixados hierarquicamente à condição de proletários.
Simultaneamente a essa polarização, as incessantes renovações tecnológicas
— suscitadas pela competição econômica entre os capitalistas — provocam
a ampliação da capacidade de produção, contraditoriamente acompanhada
do empobrecimento dos trabalhadores. A concentração dos trabalhadores
nas grandes unidades produtivas industriais, em flagrante contradição com
a propriedade privada dessas indústrias, e as frequentes crises socioeconômi-
cas capitalistas, como por exemplo, as de superprodução, oferecem condições
apropriadas à construção da consciência de classe entre os proletários. O desfe-
cho desse processo dialético apontaria, assim, para sua superação pelo comu-
nismo. A revolução proletária, diferentemente de todas as suas antecessoras,
não pretenderia — para Marx — entronizar definitivamente uma classe no
domínio da sociedade, sinalizando, sim, para a supressão da sociedade dividi-
da em classes. A classe operária, ao realizar a revolução, promoveria o acesso
igualitário aos meios de produção, na qual terras, indústrias e estabelecimen-
tos econômicos em seu conjunto deixariam de pertencer a alguns indivíduos
(os burgueses) e seriam transformadas em propriedade de toda a sociedade.
Com o propósito de organizar as bases da nova sociedade e, principalmente,
eliminar as resistências capitalistas que certamente persistirão algum tempo
após a revolução, os proletários assumiriam o poder político, criando uma di-
tadura do proletariado. Estaríamos, agora, em uma sociedade socialista, via

41
necessária ao comunismo, na qual os resíduos capitalistas tendem a desaparecer, suprimindo-se a oposição entre
classes sociais e a alienação da humanidade. Trata-se, portanto, de um novo modo de produção. Consolidando-se
SL.04
a igualdade social entre os seres humanos, uma vez que não mais haveria separação entre proprietários dos meios
de produção e trabalhadores, o poder político institucionalizado no Estado converte-se em poder verdadeiramente
público. Então, o Estado é suprimido, pois, se esse órgão não é outra coisa senão instrumento de domínio de uma
classe social sobre as demais, ele não tem lugar ou razão de ser em uma sociedade na qual as classes sociais não
existem. Assim, em uma etapa seguinte, estaríamos no comunismo: uma sociedade de plena igualdade e liberda-
de entre os seres humanos, abundante em recursos tecnológicos e na qual não mais existiria a divisão do trabalho,
estabelecendo-se total interação entre atividades manuais e atividades intelectuais. Esquematicamente, esse pro-
cesso poderia ser demonstrado assim:

Revolução Ditadura do
proletária proletariado
1. Capitalismo 2. Socialismo 3. Comunismo

Desigualdade O Estado burguês é substituído Organização social comum,


social e Estado por um governo dos operários, sem propriedade privada,
burguês que a cuja função é eliminar aos que não necessita de
legitima. poucos a propriedade um aparelho estatal
privada dominador

Sabemos, que, ao longo da história, a proposta política de Marx não se realizou dessa maneira, seja em termos da
previsão de uma revolução comunista mundial — que não ocorreu —, seja pelo fato de que os países de socialismo
real não se constituíram em sociedades completamente igualitárias e democráticas.
Entretanto, é importantíssimo notar a grande influência das ideias de Marx em movimentos de contestação do
capitalismo e de luta pela ampliação dos direitos dos trabalhadores. Também se deve lembrar a grande relevância
do marxismo para os desdobramentos da pesquisa sociológica ao longo do século XX, dentro das linhas sociológicas
conhecidas como críticas ou vinculadas à chamada perspectiva do conflito. A percepção da sociedade como uma
totalidade em que grupos distintos estabelecem uma série de relações conflituosas de poder é uma das grandes he-
ranças do pensamento de Karl Marx.

Em foco
C3 — Compreender a produção e o papel histórico b) limita os direitos associativos do segmento patronal.
das instituições sociais, políticas e econômicas, asso- c) orienta a busca do consenso entre trabalhadores
ciando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos e patrões.
sociais. d) proíbe o registro de estrangeiros nas entidades

H15 — Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, profissionais do país.


e) desobriga o Estado quanto aos direitos e deveres
políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
da classe trabalhadora.
(Enem-MEC) Leia o texto a seguir.
Alternativa c
Fugindo à luta de classes, a nossa organização sindical O texto revela que, durante o Estado Novo no Brasil
tem sido um instrumento de harmonia e de cooperação (1937-1945), a atuação do governo Vargas em relação
entre o capital e o trabalho. Não se limitou a um sindica- aos sindicatos visava à neutralização da luta de classes
lismo puramente “operário”, que conduziria certamente e ao estabelecimento do consenso entre capitalistas e
a luta contra o “patrão”, como aconteceu com outros trabalhadores.
povos. a) (F) O texto não se refere ao ambiente interno das
fábricas.
Adaptado de FALCÃO, W. Cartas sindicais. Boletim do
b) (F) O texto não faz qualquer menção a um suposto
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro:
limite à associação patronal.
10 (85), set. 1941.
d) (F) O texto não faz nenhuma indicação à situação
Nesse documento oficial, à época do Estado Novo (1937- sindical dos estrangeiros no país.
1945), é apresentada uma concepção de organização e) (F) O texto não afirma que tenha existido uma
sindical que: omissão estatal quanto aos direitos e deveres dos
a) elimina os conflitos no ambiente das fábricas. trabalhadores.

42
Sociologia
ATIVIDADES

1 (U. E. Maringá-PR) A sociologia marxista propõe uma inter- 2 (U. F. Uberlândia-MG) Um dos conceitos fundamentais da
pretação da sociedade que toma as condições materiais teoria marxista sobre a sociedade capitalista é o de alie-
de existência dos homens como fator determinante dos nação. Marx parte das contribuições filosóficas de Hegel,
fenômenos sociais. Sobre essa concepção, julgue (V ou F) e reformulando-as e desenvolve, com base nesse conceito,
dê a soma dos números dos itens corretos. uma interpretação aprofundada do sentido das relações dos
(01) Forças produtivas e relações sociais de produção são homens com o seu mundo, natural e social, no contexto
os dois componentes básicos da infraestrutura que das sociedades divididas em classes. Em relação ao conceito
determinam em última instância as demais dimen- marxista de alienação, marque a alternativa incorreta.
sões da vida social. a) A alienação implica, no plano político, a ausência do
(02) Instituições como a escola, o Estado e a Igreja fazem controle efetivo do Estado pelas classes trabalhadoras.
parte da superestrutura social, dotada de autonomia b) A alienação implica a cisão entre o trabalhador e
diante das determinações econômicas de cada mo- os meios e, também, os resultados objetivos do seu
mento histórico. trabalho.
(04) Mudanças na estrutura social são desencadeadas c) A alienação corresponde a uma situação de ausência
quando se desenvolvem incongruências entre a in- ou de pouca efetividade das normas, orais ou escritas,
fraestrutura produtiva e a superestrutura, com pre- que regulam o funcionamento da vida social.
domínio da primeira sobre a última. d) A alienação tem uma dimensão subjetiva, uma vez que
(08) As instituições que compõem a superestrutura de- o indivíduo se torna estranho a si mesmo, privado de
sempenham importantes funções de controle social suas qualidades essenciais.
e ideológico que contribuem para a manutenção das A alienação não corresponde à ausência ou à pouca efetividade das normas
orais ou escritas, que regulam o funcionamento da vida social; essas normas
relações produtivas vigentes. seriam, nesse sentido, a própria alienação.
(16) As classes sociais são definidas segundo a posição que a) (V) Segundo Marx, no plano político, a classe trabalhadora enxerga o Es-
ocupam nas instituições que compõem a dimensão tado como algo inalcançável, inatingível, que está infinitamente acima
dele. Isso ocorre num estado de alienação, pois, se a classe trabalhadora
superestrutural das sociedades. conseguir enxergar a realidade como ela é, perceberá a necessidade de
(01) (V) Segundo Marx, é a dimensão material da vida humana que deter-
apropriar-se do Estado a fim de construir uma sociedade mais justa.
mina as outras dimensões da vida social. Essa é a base do materialismo
b) (V) Marx afirma que a alienação do ser humano começa quando ele é
histórico.
separado dos meios de produção, parcial ou totalmente. Quando essa
(02) (F) As instituições sociais, que correspondem à ideia de superestrutura,
cisão ocorre totalmente, como acontece a partir da Revolução Indus-
não são autônomas em relação à dimensão econômica e material; ao
trial, o trabalhador já não reconhece não os resultados objetivos do
contrário, são por ela determinadas.
seu trabalho.
(04) (V) As mudanças históricas relacionam formas de pensar (ideias) e ques-
d) (V) Na visão de Marx sobre alienação, existe um caráter subjetivo, que se
tões materiais (econômicas). Do ponto de vista de Marx, a economia
refere ao fato de o indivíduo sequer conseguir ter a consciência acerca
prevalece sobre a dimensão das instituições e formas de representação
de si mesmo, tamanha é a privação que ele sofre de suas qualidades
simbólica.
essenciais.
(08) (V) As instituições sociais têm, do ponto de vista do marxismo, a fun-
Alternativa c
ção de controle social no sentido das formas de controle ideológico
de classe.
(16) (F) Do ponto de vista de Karl Marx, classe social é um grupo humano
definido por suas relações de propriedade dos meios de produção, e
não por sua relação com a dimensão superestrutural das sociedades.
Soma = 13 (01 + 04 + 08)

43
A respeito do trecho citado, e considerando a teoria socio-
lógica desenvolvida a partir de Karl Marx e Friedrich Engels,
SL.04
3 (C3/H11) Leia o texto a seguir. pode-se afirmar que, no trecho citado da letra da canção:
a) observa-se a ideia de complementaridade entre as di-
[…] na produção social da sua vida, os homens con- ferentes classes sociais.
traem determinadas relações necessárias e independentes b) há elementos que marcam a existência de classes so-
da sua vontade, relações de produção que correspondem ciais diferentes.
a uma determinada fase de desenvolvimento das suas for- c) percebe-se uma visão crítica sobre os efeitos do capi-
ças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de talismo industrial na dimensão natural.
produção forma a estrutura econômica da sociedade, a d) o trabalho humano é visto como uma dimensão plena
base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica realização humana.
e política e à qual correspondem determinadas formas de e) o produto do trabalho não é reconhecido pelo traba-
consciência social. lhador.
MARX, Karl. Prefácio a Crítica à economia política. 1859. No trecho específico da canção, observamos marcas da existência de dife-
renças sociais, na medida em que, embora o narrador da letra reconheça
Disponível em: www.facha.edu.br seu esforço e o resultado de seu trabalho, esse mesmo esforço não é reco-
(acesso em 5 abr. 2013) nhecido por todos.
a) (F) Não há complementaridade, mas oposição e conflito em termos de
A perspectiva teórica de Karl Marx é denominada: perspectivas.
a) socialismo. c) (F) O texto não faz menção a essa questão específica.
d) (F) No texto há uma série de expressões (“tempo de aflição”, por exemplo)
b) idealismo. que coloca o trabalho como uma dimensão importante, mas não como uma
c) positivismo. experiência completamente positiva.
d) funcionalismo. e) (F) No caso do trecho, o produto do trabalho é reconhecido pelo traba-
lhador, mas há um antagonismo social que o afasta dele. Nesse caso, esta
e) materialismo histórico. alternativa está incorreta.
A perspectiva de Karl Marx define-se como uma crítica do idealismo, enfa-
Alternativa b
tizando, nesse sentido, a importância e mesmo a determinação social com
base nas relações econômicas. Portanto, podemos ver, no trecho citado,
um exemplo do desenvolvimento da perspectiva histórico-materialista.
a) (F) Socialismo é um modelo econômico e político proposto por Marx (e
outros autores) e não necessariamente uma perspectiva teórica.
b) (F) Como colocado na resolução, a perspectiva marxista contrapõe-se ao
idealismo, para afirmar as relações materiais como fundamentais.
c) (F) O positivismo é a linha teórica desenvolvida por Auguste Comte.
d) (F) O funcionalismo é a linha teórica desenvolvida por Émile Durkheim.
Alternativa e

5 (C2/ H10) Leia o texto a seguir.


4 (C3/ H15) Leia o texto a seguir e responda à questão. Comemorado no dia 1º de maio, o Dia do Trabalho
ou Dia do Trabalhador é uma data comemorativa usada
Tá vendo aquele edifício moço? para celebrar as conquistas dos trabalhadores ao longo da
Ajudei a levantar história. Nessa mesma data, em 1886, ocorreu uma gran-
Foi um tempo de aflição de manifestação de trabalhadores na cidade americana de
Eram quatro condução Chicago. Milhares de trabalhadores protestavam contra as
Duas pra ir, duas pra voltar condições desumanas de trabalho e a enorme carga horária
Hoje depois dele pronto pela qual eram submetidos (13 horas diárias). A greve pa-
Olho pra cima e fico tonto ralisou os Estados Unidos. No dia 3 de maio, houve vários
Mas me chega um cidadão confrontos dos manifestantes com a polícia. No dia seguin-
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado te, esses confrontos se intensificaram, resultando na morte
Ou tá querendo roubar? de diversos manifestantes. As manifestações e os protestos
BARBOSA, Lúcio. Cidadão. 1979. Disponível em: realizados pelos trabalhadores ficaram conhecidos como a
www.vagalume.com.br (acesso em 6 abr. 2013) Revolta de Haymarket.

44
Em 20 de junho de 1889, em Paris, a central sindical d) todas as conquistas sociais implicaram conflitos de
chamada Segunda Internacional instituiu o mesmo dia das ordem bélica ou policial.

Sociologia
manifestações como data máxima dos trabalhadores orga- e) algumas datas comemorativas podem ser observadas
nizados, para, assim, lutar pelas 8 horas de trabalho diário. como a história dos conflitos sociais.
Em 23 de abril de 1919, o senado francês ratificou a jornada Quando Marx e Engels afirmam, no Manifesto Comunista, que a luta de clas-
ses é o motor da história, podemos ver, a com essa afirmação, que algumas
de trabalho de 8 horas e proclamou o dia 1º de maio como das marcas desse processo aparecem, por exemplo, nas datas comemorati-
feriado nacional. vas. O 1º de maio é, nesse sentido, uma dessas marcas.
a) (F) Ao contrário, dentro da perspectiva marxista a história humana é
Dia do Trabalho. Brasil Escola. Disponível em: sempre mediada por conflitos.
www.brasilescola.com (acesso em 5 abr. 2013) b) (F) O texto não permite essa generalização e nem esse dado está presente
na perspectiva marxista.
Tendo como ponto de vista as teorias de Karl Marx, pode- c) (F) Ao contrário, o tempo do trabalho é um elemento central para a de-
mos observar que: terminação do valor das mercadorias, bem como para se entender os
processos de exploração do trabalho operário.
a) a história é um processo social de caráter linear e isento d) (F) Embora Marx e Engels pensem dentro de uma perspectiva revolucio-
de conflitos, e este caso seria uma exceção. nária, o que implicaria conflitos abertos, o texto não nos permite fazer
b) as datas comemorativas, nas sociedades ocidentais, essa afirmação.
Alternativa e
sempre estão vinculadas a conflitos em torno de ques-
tões materiais.
c) pela teoria marxista, o número de horas trabalhadas
não é um dado fundamental para a produção de mer-
cadorias.

COMPLEMENTARES

1 (U. E. Maringá-PR, adaptada) Escrito há quase duzentos (16) O desenvolvimento da indústria está assentado no
anos, por Karl Marx e Friedrich Engels, o Manifesto Comu- emprego do trabalho do ser humano, o único deten-
nista denunciava as desigualdades sociais vividas pelos tor de conhecimento para alterar a matéria-prima, a
homens na sociedade capitalista. Leia trecho dessa obra, partir do uso de instrumentos que ele mesmo produz.
reproduzido a seguir, e assinale o que for correto sobre o
desenvolvimento econômico. 2 (U. F. Uberlândia-MG) As disposições gerais da Lei nº 8.080,
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas de 1990, responsável por regulamentar o Sistema Único de
da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das clas- Saúde (SUS), e as mobilizações populares nos anos 1980,
ses. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, refletem a necessidade de legalizar o direito universal à saú-
novas formas de luta no lugar das antigas […] A manufa- de, obrigando o Estado a se comprometer com a prestação
tura já não era suficiente. Em consequência disso, o vapor do serviço e deslocando o patamar em que se encontrava
e as máquinas revolucionaram a produção industrial. O lu- a cidadania. De acordo com a referida lei:
gar da manufatura foi tomado pela indústria gigantesca Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano,
moderna, o lugar da classe média industrial, pelos milio- devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
nários da indústria, líderes de todo o exército industrial, seu pleno exercício.
os burgueses modernos. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na for-
mulação e execução de políticas econômicas e sociais que
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos
10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p.09-11. Coleção Leitura. e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
(01) A passagem da manufatura para indústria gerou promoção, proteção e recuperação.
um processo de modificação do espaço natural que a) Diante do exposto, defina Estado para Marx.
foi bastante equilibrado, sem prejuízos ao meio b) As transformações na legislação guardam relação com a
ambiente. dinâmica da luta de classes? Justifique sua resposta.
(02) O trecho refere-se ao contexto de formação da socie-
dade capitalista e à composição dos antagonismos 3 (U. E. Maringá-PR) Trabalho é uma categoria fundamental
de classe, os quais opõem proprietários dos meios do pensamento sociológico. Considerando esse conceito,
de produção e proprietários da força de trabalho. julgue (V ou F) e dê a soma dos números dos itens corretos.
(04) As relações estabelecidas pelas classes sociais na so- (01) É pelo trabalho que o homem constrói o mundo e,
ciedade burguesa moderna são pautadas pela coope- nesse processo, constrói a si mesmo.
ração, a qual conduz ao desenvolvimento econômico (02) A intensificação do processo de divisão social do traba-
gerador de melhor condição de vida para todos. lho promove uma especialização crescente das tarefas.
(08) As relações de troca se revolucionaram em virtude de o (04) Na sociedade capitalista, o trabalho deixa de ser fonte
crescimento da burguesia moderna ter ocorrido na mes- de riquezas, portanto não é capaz de incorporar valor
ma proporção do crescimento da produção industrial. aos meios de produção.

45
(08) Por se referir à ação humana, a força de trabalho não IV. Em sentido amplo, todo Estado capitalista é uma di-
pode ser considerada uma mercadoria. tadura da burguesia sobre as demais classes e tem
SL.04
(16) O trabalho tem como meta produzir os bens e servi- como função manter os antagonismos nos limites da
ços necessários à manutenção da vida e atender às ordem vigente.
necessidades criadas pelos homens.

4 (U. F. Uberlândia-MG) Com relação à concepção de Karl 5 (UEMA, adaptada) Podemos considerar como características
Marx sobre o Estado moderno, julgue (V ou F). básicas da sociedade capitalista:
I. O Estado moderno não apresenta nenhuma corres- a) o trabalho servil, a manufatura e o direito consuetu-
pondência com as relações sociais de produção ca- dinário.
pitalista, sendo, antes, o ordenamento jurídico, que b) o trabalho escravo, a condição de cidadania e a demo-
independe delas. cracia.
II. Para as classes trabalhadoras e suas lutas não faz di- c) o trabalho assalariado, a propriedade privada dos
ferença se o Estado moderno se organiza em termos meios de produção e a mais-valia.
democráticos ou ditatoriais. d) o trabalho coletivo, a propriedade estatal dos meios de
III. O Estado moderno, que corresponde à organização produção e os cercamentos.
da dominação de classes, é a expressão da divisão da e) o trabalho livre, a justiça social, o Estado socialista e a
sociedade capitalista em classes sociais. democracia civil.

Gabarito
SL.01 realização do espírito absoluto, a razão que se desdobraria dialeti-
1. Soma = 24 (08 + 16) camente para sua plena explicitação. Marx, diferentemente, adota
2. F – V – V – V como ponto de partida de suas reflexões, os seres humanos em
3. a suas condições sociais concretas, relacionando-se entre si e com a
4. Soma = 26 (02 + 08 + 16) natureza para conquistar sua sobrevivência. Assim, desenvolve-se o
5. d materialismo dialético e histórico, que explica a consciência como
produto das condições materiais de existência da humanidade. Sob
SL.02 essa perspectiva, o poema remete à tese marxista de que a compreen-
1. a são da realidade deve partir de sua base material, às relações sociais
2. Soma = 22 (02 + 04 + 16) de produção, às condições de trabalho, à exploração do trabalho, às
3. c 4. c desigualdades capitalistas.
5. a) O suicídio egoísta é aquele que resulta de um processo de indi- 2. d
viduação excessiva (em que o “eu individual” se sobrepõe ao “eu 3. e
social”); o suicídio anômico é aquele decorrente de perturbações 4. b
sociais, crises ou transformações súbitas; e, por fim, o suicídio 5. a
altruísta é aquele que ocorre em razão de uma causa social con-
siderada maior que a vida do indivíduo. SL.04
b) A solidariedade orgânica é aquela que caracteriza as sociedades 1. Soma = 26 (02 + 08 + 16)
industriais, isto é, com maior grau de individuação e em que a in- 2. a) O/a estudante deve ressaltar que, de acordo com a concepção
tegração social ocorre por meio da divisão do trabalho social. Em marxista, o Estado, pertencendo à superestrutura da sociedade,
contrapartida, a solidariedade mecânica possuiu um grau de indivi- é um instrumento de dominação política da classe social deten-
duação rudimentar em que a integração social ocorre por meio de tora dos meios de produção. Nessa perspectiva, todas as formas
forte presença da consciência coletiva. Estabelecendo a relação entre de poder político estatal consistem em uma ditadura de classe.
os três tipos de suicídio e os tipos de solidariedade correspondentes, b) Sim, pois a dialética marxista concebe as relações sociais e os
deve-se vincular o suicídio altruísta à solidariedade mecânica, bem conflitos entre as classes como uma articulação dinâmica de for-
como o egoísta e o anômico à solidariedade orgânica. ças sociais conflitivas, e tais confrontos, muitas vezes, alcançam
novas expressões jurídicas e legislativas.
SL.03 3. Soma = 19 (01 + 02 + 16)
1. Marx, embora se aproprie da noção de dialética desenvolvida 4. F – F – V – V
por Hegel, critica seu pressuposto de que a história universal é a 5. c

46
Resolução
Sociologia

SL.01 (08) (V) A afirmativa explicita exatamente qual é o papel da socio-

Teoria 1
1. Soma = 24 (08 + 16) logia como ciência.
(01) (F) O conhecimento sociológico sistemático de uma sociedade (16) (V) A afirmativa aponta questões que são abordadas nos estu-
não exige do pesquisador a distância existencial de seu objeto dos sociológicos, ou seja, são objetos de estudo da sociologia.
de estudos.
(02) (F) A sociologia empenha-se em elaborar um universo concei- 5. d
tual relacionado aos universos históricos e sociais estudados. Os danos causados pela industrialização ao meio ambiente não
(04) (F) Os estudos sociológicos desvelam a complexidade do mundo configuraram uma preocupação imediata da sociologia, nem em
social. seu nascimento, nem por muitas décadas após o seu surgimento. As
(08) (V) A perspectiva sociológica proporciona uma forma mais ela- questões vinculadas ao meio ambiente são, nesse sentido, discussões
borada de apropriação consciente da realidade social em que relativamente recentes.
se vive. a) A alternativa explicita o ponto de vista de Auguste Comte sobre
(16) (V) Uma das tarefas da sociologia é, de fato, desvelar os signi- o estudo da sociedade. Mais tarde, esse ponto de vista será re-
ficados atribuídos pelos seres humanos à vida em sociedade. tomado por Émile Durkheim.
b) Para muitos pensadores do século XIX, fazia-se necessário o desen-
2. F – V – V – V volvimento de técnicas racionais para controlar os conflitos socio-
I. (F) A Revolução Francesa não resultou imediatamente em uma políticos criados pelas grandes revoluções do final do século XVIII
República presidencialista. Além disso, as revoluções burguesas (Industrial e Francesa).
provocaram uma profunda ruptura em relação às estruturas c) A sociologia, como ciência, não poderia se pautar pelo testemu-
do antigo regime. nho da consciência individual e pelas experiências subjetivas,
II. (V) A Revolução Industrial instaurou plenamente o capitalismo, mas, sim, pela análise da dimensão coletiva.
com todas as contradições inerentes a esse modo de produção. e) A sociologia viveu seus primórdios com o positivismo de Comte,
III. (V) A nascente sociologia concebia a sociedade à maneira de que considerava a sociologia a ciência mais importante e geral.
um organismo biológico.
IV. (V) A sociologia positivista incorpora a perspectiva do evolu- SL.02
cionismo social. 1. a
Durkheim define a consciência coletiva como o conjunto de tradi-
3. a ções, crenças e noções morais que conferem unidade a uma socie-
A sociologia surge com o desafio de responder às complexas questões dade, impondo-se aos indivíduos mediante a coerção social.
produzidas pela sociedade moderna e industrial, dentre as quais, as b) (F) A consciência coletiva condiciona profundamente o modo
novas relações entre os grupos sociais e a desintegração da ordem de vida dos indivíduos, não sendo determinada, portanto, por
social tradicional. supostas condições particulares da individualidade.
b) (F) Os trabalhadores, na sociedade industrial, foram submetidos c) (F) A consciência coletiva não é semelhante à consciência indi-
à brutal exploração e a precárias condições de vida. vidual e se mantém por gerações.
c) (F) A sociologia não centra seus estudos nas subjetividades indi- d) (F) A consciência coletiva possui vitalidade própria e concerne
viduais. ao conjunto da sociedade.
d) (F) A Revolução Francesa não manteve intactas as tradições aris-
tocráticas. 2. Soma = 22 (02 + 04 + 16)
(01) (F) Durkheim é contrário à incorporação da subjetividade dos
4. Soma = 26 (02 + 08 + 16) cientistas sociais nos estudos sociológicos.
(01) (F) A sociologia nasce para compreender a sociedade in- (02) (V) Durkheim entende que a sociologia deve renunciar às pre-
dustrial, e isso ocorre na passagem da Idade Moderna para noções do senso comum.
a Idade Contemporânea. Em geral, afirmamos que a socio- (04) (V) Observação, descrição, comparação e estatística compõem
logia nasce para compreender o mundo moderno, como é a metodologia sociológica de Durkheim.
citado no próprio texto de Florestan Fernandes. Além disso, (08) (F) Durkheim não concede relevância a supostas motivações
as análises dos sociólogos partem do saber científico, e não subjetivas dos indivíduos para a compreensão da sociedade.
do saber religioso. (16) (V) Com a identificação do fato social à coisa, Durkheim pre-
(02) (V) Florestan afirma que a sociologia começa “[…] a adquirir tende assegurar a objetividade do conhecimento sociológico.
consistência científica no mundo moderno, graças à extensão
dos princípios e do método da ciência à investigação das con- 3. c
dições de existência social dos seres humanos”. Durkheim caracteriza os fatos sociais como exteriores aos indivíduos,
(04) (F) Considerando-se o texto de Florestan, não há nele a descrição coercitivos (socialmente impostos aos indivíduos) e dotados de ge-
de que a função dos sociólogos seja a de encontrar soluções neralidade (extensão e recorrência significativas).
para os conflitos entre o indivíduo e a sociedade. No início do a) (F) Durkheim não concebe os fatos sociais como subjetivos.
texto, podemos ler: “A sociologia não se limita ao estudo das b) (F) Novamente, o erro está na afirmação de que os fatos sociais,
condições de existência social dos seres humanos”. Em seguida, para Durkheim, são subjetivos.
Florestan desenvolve toda a ideia de que essa acabou sendo d) (F) Os fatos sociais, para Durkheim, não são marcados pela in-
uma das maiores preocupações da sociologia, o que não quer dividualidade.
dizer que ele esteja afirmando que deva ser a função do soci- e) (F) Novamente aparece a menção equivocada de que os fatos
ólogo. sociais são caracterizados pela individualidade.

1
Resolução
Sociologia

4. c b) (F) A teoria de Marx visa à ruptura revolucionária das relações

Teoria 1
Do ponto de vista da teoria de Émile Durkheim, a reação dos alunos sociais capitalistas.
descrita no texto em relação à aluna Geisy representou a força da c) (F) Marx não pretende a reforma da sociedade burguesa, mas,
consciência coletiva da sociedade que se impôs aos comportamen- sim, a sua extinção pela revolução.
tos morais desviantes com a finalidade de resgatar a ordem social,
preservando as instituições. 3. e
a) (F) O acontecimento mostrou o conservadorismo moral da consciência Segundo Marx, a posição dos indivíduos e grupos nas relações sociais de
coletiva, representado pelos alunos da referida instituição. produção é o ponto de partida para a definição das classes sociais.
b) (F) O fato ocorrido mostrou o quanto a consciência coletiva do- a) (F) Marx não considera o status social e cultural como elemento
minante na sociedade exerce influência sobre os destinos indi- de base de uma classe social.
viduais. b) (F) A perspectiva sociológica de Marx não é funcionalista.
d) (F) A consciência coletiva se posicionou contrariamente à estu- c) (F) Segundo Marx, as ações políticas não são fatores definidores
dante. nem de origem das classes sociais.
e) (F) O fato ocorrido demonstrou que a consciência coletiva for- d) (F) O enfoque sociológico de Marx na luta de classes não está
te e majoritária atuou para o desenvolvimento da vida social centrado na perspectiva de identidade sociocultural coletiva.
sadia, ao impedir que a estudante defendesse valores morais
“questionáveis” (pelo menos do ponto de vista dessa consciên- 4. b
cia coletiva). O próprio nome dado ao processo de análise de Marx já responde a
essa questão: “materialismo histórico”. Não são as ideias (consciên-
5. a) O suicídio egoísta é aquele que resulta de um processo de indi- cia) que fazem os homens, mas, sim, os homens que constroem as
viduação excessiva (em que o “eu individual” se sobrepõe ao “eu ideias com base em suas relações materiais de produção. Tampou-
social”); o suicídio anômico é aquele decorrente de perturbações co a história é uma determinação divina, ou uma determinação de
sociais, crises ou transformações súbitas; e, por fim, o suicídio grandes vultos históricos.
altruísta é aquele que ocorre em razão de uma causa social con-
siderada maior que a vida do indivíduo. 5. a
b) A solidariedade orgânica é aquela que caracteriza as sociedades Para Marx, o trabalho humano é fonte da riqueza social, portanto,
industriais, isto é, com maior grau de individuação e em que a um elemento fundamental em sua teoria.
integração social ocorre por meio da divisão do trabalho social. b) (F) Marx era um crítico da burguesia, embora acentuasse seu
Em contrapartida, a solidariedade mecânica possuiu um grau de valor histórico; além disso, a burguesia não foi partidária da
individuação rudimentar em que a integração social ocorre por igualdade social.
meio de forte presença da consciência coletiva. Estabelecendo a c) (F) Marx teve influências de pensadores iluministas, mas suas
relação entre os três tipos de suicídio e os tipos de solidariedade teorias não eram favoráveis ao Romantismo, que, por sua vez,
correspondentes, deve-se vincular o suicídio altruísta à solidarie- estava mais ligado ao idealismo hegeliano.
dade mecânica, bem como o egoísta e o anômico à solidariedade d) (F) Marx construiu um pensamento no qual é visível a presen-
orgânica. ça de Hegel, e não de Kant, embora ele não tenha adotado o
idealismo hegeliano.
SL.03 e) (F) Marx não teve aceitação dos que defendiam o capitalismo.
1. Marx, embora se aproprie da noção de dialética desenvolvida por Suas teorias influenciaram mais diretamente os indivíduos que
Hegel, critica seu pressuposto de que a história universal é a realiza- desejavam uma revolução social contra o capitalismo.
ção do espírito absoluto, a razão que se desdobraria dialeticamente
para sua plena explicitação. Marx, diferentemente, adota como ponto SL.04
de partida de suas reflexões os seres humanos em suas condições 1. Soma = 26 (02 + 08 + 16)
sócias concretas, relacionando-se entre si e com a natureza para (01) (F) A passagem da manufatura para a produção industrial alte-
conquistar sua sobrevivência. Assim, desenvolve-se o materialismo rou profundamente as relações com o meio ambiente, gerando
dialético e histórico, que explica a consciência como produto das desequilíbrios ecológicos.
condições materiais de existência da humanidade. Sob essa pers- (02) (V) O texto trata, sob a perspectiva marxista, da formação do
pectiva, o poema remete à tese marxista de que a compreensão da capitalismo e de suas contradições.
realidade deve partir de sua base material, às relações sociais de (04) (F) Marx não antevê melhores condições de vida para todos no
produção, às condições de trabalho, à exploração do trabalho, às interior do capitalismo, assim como prognostica o acirramento
desigualdades capitalistas. da luta de classes.
(08) (V) A superestrutura atua para a preservação das relações de
2. d produção vigentes.
Segundo Karl Marx, a noção de totalidade social deve ser obtida (16) (V) As classes sociais são definidas pelas posições nas relações
mediante o desvelamento das contradições sociais do capitalismo, de produção, e não na superestrutura.
identificando-se as possibilidades de transformação revolucionária
da sociedade. 2. a) O aluno deve ressaltar que, de acordo com a concepção marxis-
a) (F) Devemos observar que, para Marx, uma das tarefas da socio- ta, o Estado, pertencendo à superestrutura da sociedade, é um
logia é justamente a de revelar a ideologia como compreensão instrumento de dominação política da classe social detentora
distorcida da realidade, estabelecida da visão de mundo da classe dos meios de produção. Nessa perspectiva, todas as formas de
dominante. poder político estatal consistem em uma ditadura de classe.

2
Resolução
Sociologia

b) Sim, pois a dialética marxista concebe as relações sociais e os portanto, um Estado capitalista — precisa ser suprimido em

Teoria 1
conflitos entre as classes como uma articulação dinâmica de for- prol da construção de uma sociedade sem classes. Esse tipo
ças sociais conflitivas, e tais confrontos, muitas vezes, alcançam de Estado moderno carrega em si uma carga elevada de ideo-
novas expressões jurídicas e legislativas. logia, por estar embasado nos pressupostos de liberdade e de
igualdade.
3. Soma = 19 (01 + 02 + 16) III. (V) Marx coloca o Estado moderno como representante direto
Embora não esteja colocado de maneira aberta, essa questão remete da burguesia, o que explicita claramente a divisão da sociedade
aos princípios do pensamento de Karl Marx sobre a dimensão do capitalista em classes distintas.
trabalho. IV. (V) A afirmativa apresenta corretamente a interpretação que
(01) (V) Em uma perspectiva materialista — ou mesmo antropoló- Marx faz do Estado capitalista, ao contrário do que nos expõe
gica — o trabalho é um elemento central na constituição dos a segunda alternativa.
seres humanos como seres sociais.
(02) (V) A complexidade da divisão do trabalho corresponde a um 5. c
aumento na especialização das tarefas. Podemos observar Embora não haja uma referência direta a Marx no enunciado, esse
esse fenômeno com certa facilidade na área das tecnologias exercício está fundamentado nos conceitos desse pensador, entre
de informação, por exemplo. eles o de modo de produção e suas respectivas características. Assim,
(04) (F) Ao contrário, o trabalho é fonte de riqueza, e, há uma in- os principais pressupostos do capitalismo são o trabalho assalariado,
corporação de valor aos meios de produção. a propriedade privada dos meios de produção e a mais-valia trans-
(08) (F) A força de trabalho é uma mercadoria, vendida, no capita- formada pelo burguês em lucro.
lismo, pelo trabalhador livre. a) (F) O trabalho servil e o direito consuetudinário (baseado nos
(16) (V) Do ponto de vista das funções do trabalho, o seu sentido costumes e na oralidade) são características da sociedade feu-
sociológico é produzir os bens e serviços necessários à manu- dal. A manufatura, apesar de existir no capitalismo, não é o tipo
tenção da vida e atender às necessidades criadas pelos seres de produção dominante, mas, sim, a maquinofatura.
humanos. b) (F) O trabalho escravo não é característico do capitalismo, uma
vez que esse sistema econômico implica a liberdade do traba-
4. F – F – V – V lhador para vender sua força de trabalho.
I. (F) Na visão de Marx, o Estado moderno, como ordenamento d) (F) O trabalho coletivo e a propriedade Estatal ou coletiva dos
jurídico, é parte da superestrutura, que, por sua vez, correspon- meios de produção seriam característicos de uma sociedade
de às relações sociais de produção capitalista, sendo, portanto, socialista ou comunista. Quanto aos cercamentos, eles fizeram
dependente delas. Entretanto, por conta da ideologia da classe parte da acumulação primitiva de capital na Inglaterra, mas não
dominante burguesa, o Estado moderno apresenta-se como poderíamos apontá-los como uma característica predominante
algo natural e preocupado com a igualdade e a liberdade de do capitalismo.
todos os seus integrantes. e) (F) A presença do item “Estado socialista” já seria suficiente para
II. (F) Para as classes trabalhadoras e suas lutas, o Estado moder- descartar a alternativa, ainda que, por exemplo, a expressão tra-
no de tipo democrático, fundado pela própria burguesia — e, balho livre esteja ligada à dimensão do capitalismo.

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