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ALFRED SCHÜTZ: SITUAÇÕES DE CRISE E


REALIDADES MÚLTIPLAS NO “MUNDO DA VIDA DE
TODOS OS DIAS”

Patricia Paperman e Joan Stavo-Debauge

A obra de Alfred Schütz constituiu, nos anos 1970-1980, um suporte


para os sociólogos que procuraram modelos alternativos às teorias que
ocupavam posições centrais nas Ciências Sociais, as funcionalistas nos
Estados Unidos e as estruturalistas na França. Ela contribuiu com o
desenvolvimento da problemática da “construção social da realidade” por
intermédio de Peter Berger e Thomas Luckmann (1966), ambos alunos
de A. Schütz. Suas ideias sobre a Sociologia foram retomadas como um
programa de pesquisa pela etnometodologia e, em particular, por Harold
Garfinkel. Elas inspiraram mais ou menos covardemente a análise dos
empregados de altos cargos de Erving Goffman e as correntes de pensa-
mento que se preocuparam em levar a Sociologia francesa à problemática
da ação e/ou do “sentido”.
Articulando M. Weber e E. Husserl, A. Schütz preconiza uma Sociolo-
gia em que o ator conhece e experimenta o mundo social, uma Sociologia do
“mundo da vida de todos os dias”. Essa reinterpretação da Sociologia com-
preensiva, que se torna uma Sociologia do conhecimento do senso comum
centrada no ator, parecia suscetível de permitir considerar perspectivas
ignoradas pelas Sociologias dominantes, permanecendo no contexto de
uma ciência positivista e, em particular, aquelas relacionadas à dimensão
do gênero na organização social da experiência e do conhecimento.
Ora, nossa leitura de Schütz nos leva a sugerir que nem o gênero ou
nenhum outro eixo de diferenciação social pode ser considerado nessa

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Sociologia do “mundo da vida de todos os dias”. O uso da noção de “cons-


trução social” pelas análises de gênero parece-nos muito distante das ideias
centrais do pensamento de A. Schütz, que não se interessou pela orga-
nização social do conhecimento sob o ângulo do gênero, nem sob outros
aspectos que marcariam a importância de hierarquizações sociais. A ideia
de uma “construção social”1 que serviu de suporte para numerosas análises
críticas em termos de gênero não é uma noção schütziana em si. Ela é o
resultado da interpretação feita por Berger e Luckmann da Sociologia do
conhecimento impulsionada por A. Schütz. Em nosso ponto de vista, a
Sociologia schütziana não pode transformar-se em uma fenomenologia do
gênero, como também não pode tornar-se uma fenomenologia de situações
de “crise”, por exemplo, quando a pertença a uma mesma comunidade não
aparece. Pois seria, então necessário encarregar-se dos elementos substan-
ciais que se encontram fora do alcance dessa Sociologia. Essa indiferença
aos conteúdos substanciais da atividade de pensamento ordinário é patente
no estudo que toma a situação “típica” do estrangeiro como objeto. Para
compreender as consequências de uma tal indiferença, é necessário voltar-
mos ao projeto dessa Sociologia do senso comum.

Uma Sociologia do senso comum

Alfred Schütz (1899-1959), que havia assistido às conferências de Max


Weber em Viena em 1918, dedicou-se a uma leitura de seus textos meto-
dológicos, tentando fornecer-lhes os fundamentos de uma “Antropologia
filosófica” (Céfaï, 1998). Ele retoma, sob uma perspectiva fenomeno-
lógica, a ideia do “sentido subjetivamente pretendido pelo ator” e seu
corolário “metodológico”, o ideal-tipo, ferramenta weberiana por exce-
lência. Ao retrabalhar essas noções-chave da Sociologia compreensiva, é o
próprio projeto da Sociologia que se encontra completamente reconfigu-
rado como Sociologia do conhecimento. O conhecimento do senso comum
do mundo da vida de todos os dias torna-se o objeto privilegiado da Socio-
logia, pois ela é constitutiva do mundo social:

1 Ela agora se impõe como um elemento do “senso comum”, fazendo com que não seja mais
suficiente para criticar (Stavo-Debauge, 2003; De Fornel; Lemieux, 2007).

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O objetivo das Ciências Sociais é a explicação da “realidade social” a partir


do momento em que é apreendida por uma pessoa cuja vida cotidiana desen-
rola-se no interior do próprio mundo social (...). As Ciências Sociais devem
tratar a conduta humana e sua interpretação pelo senso comum na realidade
social. (Schütz, 1987, p.42)

Alfred Schütz procura constituir uma “Sociologia distanciada”, que


consistiria em uma Sociologia da Sociologia das pessoas, pois, como ele o
afirmava, “nós” seríamos “todos sociólogos na prática”.
Essa reabilitação do conhecimento do senso comum abriu novas pers-
pectivas para uma Sociologia que (no contexto francês em particular) é
marcada pelo imperativo da ruptura epistemológica, oferecendo assim
uma alternativa ao trabalho dos sociólogos estruturalistas e críticos sobre o
conhecimento que os agentes possuem do mundo social e as consequências
de suas ações.2 Com a ajuda dessa fenomenologia do mundo social seria
outra vez possível afrontar a possibilidade de considerar o conhecimento
ordinário, de fazer justiça às capacidades dos atores, de voltar à ruptura,
radicalizada pelo positivismo, entre conhecimento científico e conheci-
mento ordinário (Paperman, 2001).
Alfred Schütz se propunha a fazer uma teoria do “mundo da vida
cotidiana”, de suas “situações”, de suas “províncias de sentido” e da
“multiplicidade” de suas “realidades”. Ele se preocupava com um tipo
de conhecimento do mundo social informado principalmente por uma
orientação prática que supunha conceder aos atores capacidades de agir
das quais eles pareciam ter sido privados pela Sociologia crítica. Não foi ele
quem reconheceu a distinção e a compreensão da ação segundo os “moti-
vos tendo em vista” [motifs en vue de] e os “motivos por que” [motifs parce
que]? Uma tal distinção oferece espaço para a consideração das razões que
presidiriam as condutas e não somente das causas que as determinariam.
Ela abre, assim, a análise da racionalidade dos agentes, destinados pelas
teorias funcionalistas e estruturalistas (sejam elas críticas ou não) a não
serem nada além de vetores (mais ou menos bem socializados) da ordem

2 Esse conhecimento é falso, parcial, deformado, ilusório, necessariamente deficiente e as


consequências de seu agir estão escondidas de seus atores percebidos como brinquedos de
forças e de causas que os ultrapassam ou como sujeitos de disposições incorporadas que são
inacessíveis à sua reflexividade.

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social e dos mecanismos de reprodução ou de integração. Esse programa de


uma Sociologia do mundo da vida cotidiana poderia fazer acreditar que as
experiências e os pontos de vista sobre o mundo social reduzidos ou ignora-
dos poderiam, enfim, conquistar seu espaço.
As duas principais teses de A. Schütz fornecem as bases de uma reabi-
litação das capacidades dos atores em avaliar a realidade social? A primeira
tese defende que o mundo social é percebido como uma evidência, taken
for granted: o conhecimento do senso comum do mundo da vida de todos
os dias (o Mundo-Vida ou a atitude natural) é um sistema de construções
de sua tipicidade. A segunda tese aborda o caráter comum e compartilhado
do mundo conhecido pelo autor. Esse Mundo-Vida é um mundo comparti-
lhado com uma multiplicidade de outros indivíduos, que vivem e que agem
em seu âmago em atividades comuns e mutualmente imbricadas. O sistema
das construções da tipicidade é amplamente aceito como óbvio, mesmo se
um ou outro segmento daqueles construídos pode ser periodicamente ques-
tionado. Para isso, as teses fundamentais constitutivas do próprio mundo
social – sua “taken for grantedness” e sua “commonness” – permanecem não
tematizadas nos contextos da vida cotidiana (Zaner, 1970).
Ao defender a ideia de que esse conhecimento do mundo da vida de
todos os dias é imediatamente um conhecimento de sua tipicidade, A.
Schütz afirma que antes de constituírem-se ferramentas do conhecimento
científico sob a forma de tipos (ideais ou não), as construções da tipicidade
são elaborações do senso comum, que se tornaram disponíveis em “reser-
vas de experiências”, “receitas” práticas e “repertórios” de “tipificações”.
A tipificação “consiste em uma igualização de traços pertinentes para o
objetivo particular em curso, para o qual o tipo foi formado, ignorando
as diferenças particulares dos objetos tipificados que não são pertinentes
para esse objetivo” (Schütz, 1964, p.234). Trata-se, então, de um processo
através do qual alguns traços das situações ou dos objetos, configurados
segundo objetivos práticos, são retidos e tomados como elementos deci-
sivos do tipo, pela diferença com outros que são rejeitados, considerados
insignificantes.
A análise desse processo avalia a eliminação de significados e de expe-
riências que não convergem necessariamente para uma mesma apreensão
das circunstâncias e que seriam associadas a posições assimétricas constitu-
tivas de uma relação de “dominação” não justificável?

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Gênero e dominação

A ausência de consideração das dimensões do “poder” na teoria de A.


Schütz poderia explicar o pouco interesse pela Sociologia de análise dos
gêneros. É o que Patricia Lengermann e Jill Niegrugge (1995) sustentam
em um artigo que explora, sob uma perspectiva feminista, as possibilida-
des de extensão das análises schützianas da intersubjetividade, de maneira
que seja possível levar em consideração a questão da “dominação”. Mas
essa possibilidade se revela limitada, pois para dar conta do modo como a
“dominação” pode ser construída na intersubjetividade, a análise é realizada
para mostrar como tal relação pode ter uma forma particular e distorcida,
de acordo com a expressão de Lengermann e Niebrugge (Ibid., p.28), da
relação intersubjetiva por excelência para A. Schütz – “we-relation”.
Nessa relação de reconhecimento mútuo, cada um se centra nas com-
preensões comuns que o religam ao outro e reconhece no outro uma
subjetividade independente. A relação de “dominação” é compreendida,
então, como uma relação na qual se exige do outro a partilha total da percep-
ção e o projeto de cada um. Nesse caso, a “reciprocidade das perspectivas”
não é mais pressuposta, como afirmam as autoras do artigo, já que existe
somente uma única perspectiva, a do “dominante”: o subordinado renuncia
ao direito a uma subjetividade independente, ele serve somente para ouvir o
projeto do dominante. Gostaríamos de concluir deste relato que as relações
de “poder” não são conflitantes com uma análise em termos de intersubje-
tividade conforme a proposta de A. Schütz, já que a tese da “reciprocidade
das perspectivas” não é, em si, sustentável. Mas Lengermann e Niebrugge,
por sua vez, não concluem de um modo tão radical os limites da análise de
A. Schütz. Elas deslocam a questão da “dominação” do nível intersubjetivo
para o nível das estruturas de maior escala, e apoiam-se, então, nas análises
de Dorothy Smith (1987; 1990) fundamentadas a partir de diferentes fontes
(marxismo, etnometodologia) e que as conduzem ao desenvolvimento de
uma “etnografia institucional” (2005).
Portanto, a hipótese da “reciprocidade das perspectivas” é central para
a análise da intersubjetividade do mundo vivido praticada por A. Schütz:
ela é uma “idealização” através da qual, apesar da diversidade das experiên-
cias da realidade social, apesar das diferenças “biográficas”, constitui-se e
percebe-se um “mundo comum”, “objetivo” e acessível a “qualquer um”:

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A tese geral das perspectivas recíprocas conduz à apreensão dos objetos as-
sim como de seus aspectos atualmente conhecidos por mim e potencialmente
por vocês ou por qualquer outra pessoa. Um tal conhecimento é suposta-
mente objetivo e anônimo, ou seja, separado e independente de mim e da
definição da situação por meu semelhante, nossas circunstâncias biográficas
particulares e os objetivos atuais e potenciais dos quais dispomos ao nos sentir-
mos incluídos. (Schütz, 1987, p.18)

É essa maneira de conceber o conhecimento do mundo comum que nos


parece dificilmente compatível com uma perspectiva feminista ou qualquer
outra perspectiva de análise do mundo social que sustentaria a possibilidade
(e a validade) de um conhecimento (situado, e não genérico ou universal)
que ancora-se em uma variedade de lugares e de modos de apreciação do
mundo. Nesse caso, ele justifica-se a partir de uma decisão, metodológica e
política, que consiste em fazer dessa constituição do “comum”, do “nós”
e do “mundo da vida de todos os dias”, um caso problemático, como o
sustenta Smith (1987; 1990). Mas uma tal decisão implica, segundo Smith,
uma ruptura radical com a perspectiva da intersubjetividade, pois ela
apoia-se em uma epistemologia e uma metodologia diferentes, uma teoria
do “standpoint” (1987, p.18). Ela implica o rompimento com o pressuposto
de um mundo comum previamente dado e conduz à realização da etno-
grafia de sua fabricação. Uma tal etnografia parte de um ancorar corporal
situada do sujeito do conhecimento. Ele atribui-se a tarefa de restituir a
articulação do ponto de vista ligado a esse ancorar com o mundo “comum”,
e seu desaparecimento através de formas objetivadas do conhecimento,
inclusive sociológico. Para Smith, restituir o mundo da vida cotidiana é
mostrar como constitui-se e mantém-se a distância entre os conhecimentos
situados e o conhecimento dito “comum” do mundo social.

Pertinências principais e menos importantes (ou


realidades múltiplas): o trabalho teórico e as tarefas
domésticas

Para A. Schütz, portanto, o mundo da vida de todos os dias também


não é um caso homogêneo: ele é “estratificado”, articulado em “realidades

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múltiplas” ou províncias concluídas no sentido de uma coexistência no fluxo


da consciência (Schütz, 1987). Poderíamos esperar, então, que essa análise
dos estratos diferenciados restitua essa capacidade em apropriar-se e a viver
o “mesmo” mundo de maneiras diferentes. Efetivamente, esse é também o
fato que encontra-se no ponto de partida do questionamento filosófico de A.
Schütz sobre um fenômeno que chamou a atenção de William James em ter-
mos psicológicos. Já que não estamos mais interessados, em cada instante,
por todos os estratos do mundo nem por todas as outras realidades simul-
taneamente, Schütz empenha-se em analisar a “função seletiva de nosso
interesse” que organiza e estrutura o mundo em esferas de pertinência (por
exemplo, a principal e a menos importante). Cada uma das realidades ou
províncias de significações nas quais o ator pode encontrar-se comprome-
tido simultânea ou alternadamente, caracteriza-se por um estilo cognitivo
diferente que possui uma coerência própria. Por exemplo, o estilo cogniti-
vo próprio ao mundo do trabalho teórico e o estilo cognitivo de atividades do
mundo do trabalho cotidiano mobilizam diferentes níveis da personalidade:

São unicamente níveis muito superficiais de nossa personalidade que em-


penham-se em realizações como nossas “tarefas domésticas” habituais, ou
mesmo quase automáticas, ou no fato de comer, de vestir-se e, também, (para
adultos normais) de ler e efetuar operações aritméticas simples. Evidente-
mente, quando voltamo-nos para esse trabalho rotineiro, as atividades que
lhe são associadas são constituídas em temas, exigindo e recebendo nossa total
atenção, mesmo se é somente por um curto instante. Mas efetuamos essas ati-
vidades ao mesmo tempo e apesar das grandes crises em nossas vidas. (Schütz,
1970, p.11)

Segundo Smith, “a atitude do óbvio apoia-se no trabalho das mulhe-


res (...), nas relações de trabalho daqueles que fornecem a logística da
existência corporal do filósofo (...), (aqueles) cujo trabalho permite a um
outro eliminar toda a atenção à localização corporal da consciência” (1987,
p.83). Prosseguindo nessa mesma linha, Lengermann e Niebrugge (1995)
estimam que o que, para alguns, vale como mundo evidente, é um mundo
de problemas para aqueles/aquelas cujo trabalho (visto mas não obser-
vado) consiste precisamente em produzir essas soluções que fazem surgir o
mundo como uma evidência.

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Mas para que a produção dessas soluções torne-se visível, “tematizável”


em linguagem schütziana, é necessário que ela surja como um problema no
terreno da consciência do adulto plenamente estimulado, conectado com o
mundo do trabalho. E isso – “evidentemente” – exige condições particu-
lares: por exemplo, que as experiências desses outros e o conhecimento do
mundo social que elas implicam, sejam reconhecidas como válidas e não
sejam tratadas como secundárias ou insignificantes. Ora, as atividades de
manutenção das “rotinas” da vida cotidiana, ao mesmo tempo que consti-
tuem o objetivo da análise fenomenológica que as valoriza como elementos
essenciais do “mundo da vida”, desaparecem do horizonte e da visão dos
sociólogos.3 Efetivamente, segundo Smith:

a etnografia da consciência de Schütz vê o processo somente por um lado. Ele


não vê o complemento essencial desse trabalho da consciência, a organização
social dessa área, nem seu caráter discursivo ou sua textualidade essencial.
Pois se o sujeito conhecedor de Schütz deve negligenciar sua vida profissional
e local, o que existe, então, no mundo no qual ele entra, que o torna capaz desse
esquecimento, que fornece-lhe um mundo de ser e de agir no qual sua existên-
cia particular e local não tem lugar, que o puxa para fora de si próprio? (Smith,
2005, p.53-54)

Posicionando-se em oposição a A. Schütz, que postula uma unidade da


consciência do ator, Smith fala de uma “bifurcação da consciência” – expe-
riência comum à posição das mulheres – segundo a qual o conhecimento
oriundo do enraizamento na vida local e corporal (que Smith chama de
“vida de todos os dias e de todas as noites”) é dissociado do conhecimento
do mundo social produzido e defendido pelas instituições do mundo
“comum” através das relações de dominação (ruling). A noção de “posi-
ção das mulheres” (women’s standpoint) é, assim, um lugar para começar a
investigação sobre o conhecimento do mundo social.

3 Os quais, como o mostra Marc Breviglieri, são mais inclinados a preocupar-se com os “fun-
dos tenebrosos” das “rotinas” (Breviglieri, 2006).

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As “idealizações” schützianas diante do estrangeiro

Sabemos que A. Schütz foi forçado a deixar a Áustria nazista para


instalar-se primeiramente em Paris, onde ele morou durante apenas um
ano, depois nos Estados Unidos, onde permaneceu até sua morte, em 1959.
Podemos, então, afirmar que a experiência pessoal do recém-chegado
conduz A. Schütz a considerar as situações de crise como se não permitis-
sem mais ter como adquirida a compreensão em comum, a objetividade
do mundo ou ainda a partilha de experiências vividas e que se referem
ao mundo como sendo inquestionáveis? Teria sido a análise da “situação
típica do estrangeiro” (Schütz, 2003) que incitou A. Schütz a considerar as
experiências do mundo social, permitindo observar atores envolvidos em
situações nas quais a realidade social não é dada previamente e na qual ela
possa constituir-se objeto de revisão ou de transformação? Ou teria esse
autor orientado seu olhar para situações que não são sempre já “tipificadas”
e cuja consideração revela a ideia schütziana de que nada será suscetível de
problematizar a objetividade do mundo vivido pelos atores?
A imagem do recém-chegado permite questionar as capacidades morais
e de avaliação que o autor confere aos atores, de maneira que seja possível
encarar situações problemáticas questionando o caráter comum do mundo
e sua dimensão de objetividade.4 O recém-chegado abre espaço para essa
questão quando a pertença lhe faz falta, e quando também é ele que não
dispõe necessariamente das capacidades exigidas para criar uma comuni-
dade com as pessoas que ele aborda, que se mantém em um mundo que não
é o seu e do qual se apropriaram para seus próprios fins. Do mesmo modo,
seu surgimento leva aqueles que o veem a se perguntarem se são capazes de
conviver com seu estrangeirismo. Sua chegada mede também a capacidade
dos atores em recebê-lo e acompanhá-lo na pertença, preparando-lhe um
lugar e ajustando seus modos de agir para que ele possa sentir-se integrado.
A consideração do estrangeiro por A. Schütz fornece um poderoso reve-
lador do alcance descritivo e do interesse das ferramentas teóricas que ele
forjou em seu trabalho.

4 Os elementos apresentados aqui de maneira sucinta são mais amplamente desenvolvidos no


primeiro capítulo da tese de Joan Stavo-Debauge (2009).

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Quando lemos o texto de A. Schütz sobre o estrangeiro, constatamos ra-


pidamente que o centro de sua Sociologia é pouco atingido pela imagem
do recém-chegado. Isso não se deve ao fato de a Sociologia resistir à pro-
va do estrangeiro, mas é a imagem do estrangeiro da qual o autor dispõe
em The Stranger (tradução francesa, 2003) que lhe permite esquivar a con-
sideração de situações que desestabilizem as próprias bases da Sociologia.
Seu texto fala de um estrangeiro que se revela in fine bem pouco estrangei-
ro, descrito como um “adulto de nossa época e de nossa civilização” (Ibid.,
p.6). A decisão de A. Schütz consiste em excluir “voluntariamente” de sua
investigação: (a) o visitante ou o convidado que procura estabelecer um sim-
ples contato provisório com o grupo; (b) a criança ou os povos primitivos; e
(c) as relações entre indivíduos e grupos de diferentes graus de civilização
(Ibid., p.8). Assim, seu foco na pálida imagem do estrangeiro que resiste a
essas três exclusões minimiza muito a possibilidade de ver emergir o caráter
real e perigosamente problemático da conduta a adotar em relação ao estran-
geiro (assim como a conduta do estrangeiro). O que é “típico” do estrangeiro
é definido por A. Schütz de um modo monológico e curiosamente seletivo.
Portanto, é esse próprio reconhecimento da problemática do comércio
com o recém-chegado que teria permitido ver em ação a eminente questão
prática e moral colocada pelo estrangeiro: a da hospitalidade – temática
ausente do texto de A. Schütz. Praticamente, essa questão interfere desde
a desordem provocada pela falibilidade e pela infelicidade das relações
entre o “estrangeiro” e aqueles que auxiliam sua vinda. Os quais devem,
então, fazer muito esforço para protelar seus incômodos ou dificuldades,
ou para esconder as suas próprias, e auxiliar a sua vinda. E isso, sem poder
necessariamente usar recursos com os quais eles normalmente contam
(as “soluções práticas” habituais, os modos ordinários que possuem um
sentido colocado nessas “reservas de experiências” e outros “esquemas de
tipicidades”), já que elas não são suficientes para fundarem um acordo, por
menor que seja, sobre as propriedades comuns da situação.
Ao sair do terreno de sua investigação, “situações” que oferecem às
pessoas implicadas, assim como ao sociólogo, o êxito de uma distância tão
consequente que deixa entrever profundas assimetrias suscetíveis de minar
a realização do pressuposto prático de “reciprocidade das perspectivas” e
de “intercambialidade dos pontos de vista”, tão central em sua Sociologia,
como se A. Schütz se privasse da possibilidade de deixar-se incomodar pela

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questão, indissociavelmente analítica, ética, política e prática, colocada


pelo estrangeiro. Os casos excluídos por sua decisão “metodológica” são
precisamente tributários dessas “situações” confundidas por uma assimetria
e o aprofundamento de uma distância entre pessoas consideradas, apesar
de tudo, pela necessidade prática de entreter e de manter uma orientação de
atenção comum, mesmo em aparência.
Ora, é precisamente quando as pessoas se confrontam com tais “situa-
ções” que elas devem considerar sua capacidade em suportar os incômodos
do estrangeirismo e mostrar-se, ou não, particularmente hospitaleiras ou
com profundas divergências. Devido ao fato de não querer considerar tais
situações, A. Schütz parece, assim, diminuir fortemente o estrangeirismo
do estrangeiro, o qual parece, então, mais ou menos sempre um semelhante
quando não for um igual. O que lembra o relato de uma consciência que um
sujeito carrega e que será despojado do conhecimento adquirido pelo seu
enraizamento corporal e local na situação.
Seria Alfred Schütz capaz de introduzir no palco de sua investigação
um personagem diferente desse estrangeiro que o é tão pouco? São os
postulados mais enraizados de suas análises, assim como as orientações
mais profundas de sua teoria, que impediram-no de atribuir-se uma
visão mais penetrante e, por isso, mais inquieta, sobre o tormento da
chegada do estrangeiro na comunidade, assim como sua capacidade de
questioná-la e transformá-la. Podemos quase afirmar que o estrangeiro –
como vetor de novidade e ativador de distâncias – seria uma das pessoas
que pode atrapalhar mais decisivamente as teorias de A. Schütz, pois elas
endossam a pertença a um “mundo comum” e estabelecem que uma “inter-
subjetividade” essencial é sempre previamente dada

desde o início é um mundo intersubjetivo (...). Ele é intersubjetivo porque vive-


mos nele como homens entre outros homens, sofrendo as mesmas influências e
trabalhando como eles, compreendendo os outros e sendo compreendidos por
eles. (Schütz, 1987, p.15-16)

Ao prestarmos bastante atenção, seus textos fazem sempre surgir “seme-


lhantes” e “contemporâneos”. Inclusive, cada um deles é considerado por
estar em “excelentes condições”, “condições” essencialmente comuns e
compartilhadas, que todos possuem e estão disponíveis para qualquer um.

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Tentemos caracterizar como o homem adulto, em excelentes condições físi-


cas e mentais, observa o mundo intersubjetivo da vida cotidiana dentro do qual
e sobre o qual ele age como um homem entre seus semelhantes (...). Qualquer
interpretação desse mundo funda-se em uma reserva de experiências prévias,
as nossas próprias ou aquelas que nos foram transmitidas por nossos pais ou
professores; essas experiências sob a forma de “conhecimentos disponíveis”
funcionam como esquemas de referência. (Ibid., p.12)

Um “nós” encontra-se, então, sempre disponível. De tal modo que o


essencial, o pano de fundo de um mundo comum acessível a todos, já cons-
titui um objeto de partilha. Certamente, essa partilha não é necessariamente
imediata, mas as “reservas de experiência” (os “esquemas de tipificações”
etc.), que mediatizam sua constituição intersubjetiva e asseguram o caráter
reiterável dessa constituição, são bem colocadas como sendo comuns e
compartilhadas.

Imediatamente, nós, os atores no palco social, experimentamos o mundo no


qual vivemos como um mundo ao mesmo tempo natural e cultural, não como
um mundo privado, mas como um mundo intersubjetivo, ou seja, como um
mundo comum a todos nós, seja ele dado, seja ele potencialmente acessível para
cada um. (Ibid., p.71)

Como assinala Jürgen Habermas, A. Schütz “tende a descartar a cons-


tituição do mundo da vida e partir imediatamente de um mundo da vida
intersubjetivamente constituído” (Habermas, 1987). Habermas percebeu
que essa abordagem não permite conciliar, com tal descrição, a maneira
pela qual o “mundo da vida” torna-se problemático, em particular pelo
exercício da crítica instaurado pelos atores (Boltanski; Thévenot, 1991).
Se as capacidades críticas dos atores são menosprezadas, as “idealiza-
ções” propostas por A. Schütz procuram resolver apenas um problema
de coordenação da atenção bastante limitado. Elas referem-se somente ao
ajuste da única questão da orientação mútua de “perspectivas” posicio-
nadas em um espaço geométrico plano e homogêneo. Pretendem apenas
assegurar a presunção de uma troca recíproca do “aqui” de um e o “lá” do
outro, para que um e outro possam reconhecer que cada um vê as mesmas
“coisas”. “Coisas” que são neutralizadas por seu caráter estritamente físico

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e pela especificação do lugar, uma simples questão de espaço, a partir do


qual elas são consideradas. Desse modo, ele pode escrever que “nós dois
vemos o mesmo pássaro voar, apesar da diferença de nossa posição espacial,
nosso sexo, nossa idade e o fato de você querer atirar nele e eu, apenas des-
frutar dessa visão” (Schütz, 1962, p.316).5
Mas o que acontece, então, quando a atenção dos atores ancora-se em
outros lugares que não sejam “lugares” vazios, situados em um sistema
de coordenadas espaciais homogêneas que, em si, os torna essencialmente
equivalentes e intrinsecamente intercambiáveis? A. Schütz não menciona
essa questão, pois as “situações” que ele considera não instauram proble-
mas providos de tanta profundidade, em particular política ou moral, que
tornaria a resolução de tais problemas delicada. Portanto, essa situação não
representaria colocar o estrangeiro verdadeiramente à prova?
A inflexão pragmática da sociologia de A. Schütz, em nossa opinião
mais lexical do que efetiva, assim como sua ampliação da etnometodologia,
tentava sugerir que os atores dispõem de um amplo espectro de compe-
tências para poder orientar-se no mundo, compreender-se, agir junto ou
coordenar-se. Contudo, nenhum desses desenvolvimentos permite resti-
tuir aos indivíduos ou aos seus membros as capacidades de avaliação que os
fariam ver e apreciar esse “mesmo” mundo de outro modo, ou sob aspec-
tos que não se encaixam com os pressupostos normativos inerentes a um
tal conhecimento do senso comum: “O conhecimento que todos aqueles
que compartilham nosso sistema de pertinência supostamente possuem em
comum é o modo de vida considerado como natural, justo e certo para os
membros do grupo” (Schütz, 1987, p.19).
O estrangeiro de A. Schütz surge como o revelador de uma perspec-
tiva de análise indiferente às particularidades concretas das situações, às
experiências diversas que elas suscitam e à diversidade das perspectivas
no mundo social cujo caráter comum não é imediatamente dado, mas
constituído. Aqui, sua constituição parece efetuar-se ao preço de um
desaparecimento da pluralidade das formas de conhecimento que são des-
providas da autoridade desse “nós” [nous], ao mesmo tempo igualitário,

5 É, inclusive, com esse mesmo exemplo que Lengermann e Niebrugge (1995, p.28) apresen-
tam a constituição do “nós” segundo Schütz.

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276 PATRICIA PAPERMAN E JOAN STAVO-DEBAUGE

anônimo e típico – um “nós” que possui, por consequência, todos as carac-


terísticas de um pronome indefinido [On].6
O On sobre o qual A. Schütz constrói a Sociologia é problemático por-
que ele é cego às diferenças e aos princípios de diferenciação hierarquizante.
Ele atenua o mútuo estrangeirismo (fonte de atração e de repulsão simulta-
neamente) que se impõe, não somente entre o estrangeiro e os nativos, mas
também entre os homens e as mulheres. Em outras palavras, sua incapaci-
dade em pensar o estrangeiro e em tematizar a distância característica de
suas relações, leva-nos a pensar que sua Sociologia não possui ferramentas
para considerar essa outra distância que caracteriza as relações sociais orga-
nizadas em função do gênero.

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6 Há aqui um paralelismo linguístico irreproduzível em português. A autora se refere ao nous,


pronome pessoal equivalente ao “nós”, e ao on, pronome pessoal que pode ser usado tanto
como substituto do “nós” quanto como pronome indefinido. (N. E.)

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