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Você não tem tempo para escrever

Por David França Mendes

A único número que empata com o de pessoas


querendo ser roteiristas, atualmente, é o de pessoas
que dizem que não têm tempo para escrever. Este
texto, que perigosamente tangenciará a auto-ajuda, se
propõe a resolver esse problema. Quer dizer, resolver
na sua cabeça, porque quanto à prática não posso
garantir grande coisa.

A primeira coisa a dizer, e a mais importante, é que


você tem razão. Você não tem mesmo tempo para
escrever. Mas, por por quê? porque você tem outro
emprego e escrever é uma atividade das horas vagas.
Porque você faz mil coisas e nunca tem uma bom naco
de tempo para dedicar à escrita. Porque você gasta um
tempo enorme no trânsito e nas redes sociais. Por
esses e muitos outros motivos, você não tem tempo
para escrever.

Só que eu vou te dizer outra coisa. Não é só você que,


qualquer que seja o motivo, não tem tempo para
escrever. Ninguém nesse mundo tem tempo para
escrever. O tempo para escrever não existe, não faz
parte, assim como uma coisa dada, da vida de
ninguém. Nem mesmo dos roteiristas e dos escritores
profissionais? Não, nem mesmo na vida dessas
pessoas, que vivem da escrita, existe o tempo para
escrever.
No entanto, essas pessoas escrevem, esses
profissionais. E muitos amadores também. Eu mesmo,
neste exato momento, estou escrevendo, e no entanto
não tenho, ou não tinha, o tempo para escrever, ou
pelo menos não para escrever este texto aqui.

Tomar consciência de que o tempo para escrever não


existe é importante para você porque implica que, para
enfim escrever e parar de se lamentar, você vai ter que
inventar esse tempo. Porque é isso que a gente faz
quando algo não existe, não é? Se você não inventar o
tempo para escrever, ele não vai cair do céu. Então,
aqui vão algumas dicas para tentar fazer esse tempo
aparecer.

Existem dicas clássicas. Separar um tempo por dia, não


sei quantas horas, num lugar quieto, não se deixar
interromper e tal. Claro que é isso que você deve
tentar fazer. Mas o que tenho visto muitas vezes (e
não só com os outros, que fique bem claro) é que a
meta ideal muitas vezes é o que te impede de chegar a
fazer alguma coisa. Então, se você é disciplinado o
suficiente para seguir o conselho clássico, ótimo. Se
não, preste atenção no seguinte:

Qualquer tempo é tempo. Apareceu uma brecha de


meia hora? de vinte minutos? escreva. Já, e não daqui
a pouco. Pense que aqueles vinte minutos que
apareceram vão sumir se você não fizer nada. Em vez
de entrar no Youtube atrás de algum viral, escreva.
Vinte minutos é muito mais tempo do que parece, se
você bota neles um pouco de esforço.
Qualquer lugar é lugar. Ah, você só escreve no campo,
mirando o horizonte? Você só escreve em silêncio total,
sem ninguém por perto? Você só escreve na Starbucks,
mas ainda assim apenas se não estiver nem muito
cheia nem muito vazia e se o Latte estiver em
promoção? Desculpe, amigo, mas esses rituais são
sensacionais para você contar ao entrevistador da Paris
Review, quando, daqui a algumas décadas, ele vier te
entrevistar sobre a gênese de sua obra. Na vida real,
ainda mais na nossa vida real brasileira
contemporânea, quanto menos rituais melhor.
Desenvolva a capacidade de escrever em qualquer
lugar. E use essa capacidade junto com a de usar
qualquer tempo e você vai ver só.

Qualquer suporte é suporte. Olha, a menos que alguma


questão anatômica ou fisiológica te obrigue a usar
algum equipamento específico (pense no Steven
Hawking), é melhor não ficar muito apegado a
apetrechos, programas, aplicativos, cadernos e outros.
É evidente que você vai escrever mais e melhor
naquela circunstância mais favorável, seja ela qual for
para você, mas não se deixe escravizar por essa
circunstância. Notebook, tablet, smartphone,
moleskine, caderno Tilibra, guardanapo de papel, você
tem que ser capaz de usar qualquer coisa.
Naturalmente, para não se ver obrigado a efetivamente
usar qualquer coisa…

… esteja preparado. Ao máximo possível, ande sempre


com alguma coisa com a qual você se sinta confortável
suficiente para escrever, se os tais vinte minutos
aparecerem. Se o seu mínimo é o smartphone, tá lindo.
Ou um bloquinho de bolso. Em tempos pré-gadgets, eu
vivia entrando em papelaria para comprar qualquer
bloquinho vagabundo, porque tinha cometido a
imprudência de sair sem nada onde pudesse escrever.
Hoje, é muito raro eu sair sem pelo menos o tablet.
Porque, no meu caso, eu não acho o smartphone
confortável suficiente. O tablet, para mim, é um meio
termo legal entre o notebook e o celular. Mas isso sou
eu, cada um tem o seu mínimo. Encontre o seu, mas
não faça disso um novo ritual, ok?

Acho que não é demais lembrar que essas são


estratégias alternativas, praticamente guerrilheiras.
Bom mesmo é ter disciplina e separar o tal tempo e
lugar, e escrever todo santo dia. É assim que você vai
realmente produzir alguma coisa. Mas a guerrilha tem
o seu valor. Para quem ainda não começou e fica se
dando a desculpa da falta de tempo, a técnica do
qualquer hora/qualquer lugar vai servir para você sair
do zero. E mesmo para quem já tem uma rotina, e
escreve profissionalmente há muitos anos, se livrar de
certas manias e ganhar esses pedaços de tempo ao
longo do dia pode ajudar muito a complementar o
trabalho regular. Esse tempo pode ser o de
desenvolver novas ideias, por exemplo.

Eu disse que chegaria perigosamente perto da


auto-ajuda. Desavergonhadamente, portanto, termino
como se deve terminar um texto desse tipo: afirmando
para vocês, “eu faço assim! esses conselhos me
salvaram a vida!”. Porque salvaram mesmo, e salvam
todo dia.

Hoje, por exemplo, foi o que me permitiu escrever isso


aqui.

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