querendo ser roteiristas, atualmente, é o de pessoas que dizem que não têm tempo para escrever. Este texto, que perigosamente tangenciará a auto-ajuda, se propõe a resolver esse problema. Quer dizer, resolver na sua cabeça, porque quanto à prática não posso garantir grande coisa.
A primeira coisa a dizer, e a mais importante, é que
você tem razão. Você não tem mesmo tempo para escrever. Mas, por por quê? porque você tem outro emprego e escrever é uma atividade das horas vagas. Porque você faz mil coisas e nunca tem uma bom naco de tempo para dedicar à escrita. Porque você gasta um tempo enorme no trânsito e nas redes sociais. Por esses e muitos outros motivos, você não tem tempo para escrever.
Só que eu vou te dizer outra coisa. Não é só você que,
qualquer que seja o motivo, não tem tempo para escrever. Ninguém nesse mundo tem tempo para escrever. O tempo para escrever não existe, não faz parte, assim como uma coisa dada, da vida de ninguém. Nem mesmo dos roteiristas e dos escritores profissionais? Não, nem mesmo na vida dessas pessoas, que vivem da escrita, existe o tempo para escrever. No entanto, essas pessoas escrevem, esses profissionais. E muitos amadores também. Eu mesmo, neste exato momento, estou escrevendo, e no entanto não tenho, ou não tinha, o tempo para escrever, ou pelo menos não para escrever este texto aqui.
Tomar consciência de que o tempo para escrever não
existe é importante para você porque implica que, para enfim escrever e parar de se lamentar, você vai ter que inventar esse tempo. Porque é isso que a gente faz quando algo não existe, não é? Se você não inventar o tempo para escrever, ele não vai cair do céu. Então, aqui vão algumas dicas para tentar fazer esse tempo aparecer.
Existem dicas clássicas. Separar um tempo por dia, não
sei quantas horas, num lugar quieto, não se deixar interromper e tal. Claro que é isso que você deve tentar fazer. Mas o que tenho visto muitas vezes (e não só com os outros, que fique bem claro) é que a meta ideal muitas vezes é o que te impede de chegar a fazer alguma coisa. Então, se você é disciplinado o suficiente para seguir o conselho clássico, ótimo. Se não, preste atenção no seguinte:
Qualquer tempo é tempo. Apareceu uma brecha de
meia hora? de vinte minutos? escreva. Já, e não daqui a pouco. Pense que aqueles vinte minutos que apareceram vão sumir se você não fizer nada. Em vez de entrar no Youtube atrás de algum viral, escreva. Vinte minutos é muito mais tempo do que parece, se você bota neles um pouco de esforço. Qualquer lugar é lugar. Ah, você só escreve no campo, mirando o horizonte? Você só escreve em silêncio total, sem ninguém por perto? Você só escreve na Starbucks, mas ainda assim apenas se não estiver nem muito cheia nem muito vazia e se o Latte estiver em promoção? Desculpe, amigo, mas esses rituais são sensacionais para você contar ao entrevistador da Paris Review, quando, daqui a algumas décadas, ele vier te entrevistar sobre a gênese de sua obra. Na vida real, ainda mais na nossa vida real brasileira contemporânea, quanto menos rituais melhor. Desenvolva a capacidade de escrever em qualquer lugar. E use essa capacidade junto com a de usar qualquer tempo e você vai ver só.
Qualquer suporte é suporte. Olha, a menos que alguma
questão anatômica ou fisiológica te obrigue a usar algum equipamento específico (pense no Steven Hawking), é melhor não ficar muito apegado a apetrechos, programas, aplicativos, cadernos e outros. É evidente que você vai escrever mais e melhor naquela circunstância mais favorável, seja ela qual for para você, mas não se deixe escravizar por essa circunstância. Notebook, tablet, smartphone, moleskine, caderno Tilibra, guardanapo de papel, você tem que ser capaz de usar qualquer coisa. Naturalmente, para não se ver obrigado a efetivamente usar qualquer coisa…
… esteja preparado. Ao máximo possível, ande sempre
com alguma coisa com a qual você se sinta confortável suficiente para escrever, se os tais vinte minutos aparecerem. Se o seu mínimo é o smartphone, tá lindo. Ou um bloquinho de bolso. Em tempos pré-gadgets, eu vivia entrando em papelaria para comprar qualquer bloquinho vagabundo, porque tinha cometido a imprudência de sair sem nada onde pudesse escrever. Hoje, é muito raro eu sair sem pelo menos o tablet. Porque, no meu caso, eu não acho o smartphone confortável suficiente. O tablet, para mim, é um meio termo legal entre o notebook e o celular. Mas isso sou eu, cada um tem o seu mínimo. Encontre o seu, mas não faça disso um novo ritual, ok?
Acho que não é demais lembrar que essas são
estratégias alternativas, praticamente guerrilheiras. Bom mesmo é ter disciplina e separar o tal tempo e lugar, e escrever todo santo dia. É assim que você vai realmente produzir alguma coisa. Mas a guerrilha tem o seu valor. Para quem ainda não começou e fica se dando a desculpa da falta de tempo, a técnica do qualquer hora/qualquer lugar vai servir para você sair do zero. E mesmo para quem já tem uma rotina, e escreve profissionalmente há muitos anos, se livrar de certas manias e ganhar esses pedaços de tempo ao longo do dia pode ajudar muito a complementar o trabalho regular. Esse tempo pode ser o de desenvolver novas ideias, por exemplo.
Eu disse que chegaria perigosamente perto da
auto-ajuda. Desavergonhadamente, portanto, termino como se deve terminar um texto desse tipo: afirmando para vocês, “eu faço assim! esses conselhos me salvaram a vida!”. Porque salvaram mesmo, e salvam todo dia.
Hoje, por exemplo, foi o que me permitiu escrever isso