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E. P.

Thompson e a
tradição de crítica ativa
do materialismo histórico
arcelo Badaró Mattos
"Espero ter aqui deixado evidente que as obras de Thompson
revelam muito da enorme capacidade de entendimento do social
de que tal tradição [de crítica ativa do materialismo histórico]
é portadora, mas também seu caráter aberto, sujeito a impasses f*S
e necessárias atualizações. Entendendo-o como um intelectual
militante, procurei localizar a origem de muitos de seus insights
mais brilhantes justamente no debate político de seu tempo. Lá
também podemos encontrar algumas das raízes dos impasses
de sua perspectiva - e, em alguma medida, da tradição da qual
partiu -, enfrentando uma época de refluxo não apenas de uma
reflexão marxista crítica, mas também dos movimentos, das
organizações e das instituições da classe trabalhadora, a partir
da qual tal tradição se constituiu."
Marcelo Badaró Mattos

ISBN 978-85-7108-370-7

9 788571 083707

c
'etória do marxismo ao longo do século
tarnente marcada por diferentes, e muitas
outras passagens de sua obra, 4. E. P. THOMPSON NO BRASIL
'ncornpatíveis, leituras da obra de Marx e
como objeto de suas reflexões
VCZ l s O historiador inglês Edward Palmer - portanto, não românticos -
?f mpson refletiu sobre essa trajetória e fato frequentemente escapa a
.pectiva romântica, ainda que
entou-a como um caminho bifurcado entre
y (2005).
i s vias inconciliáveis. De um lado, o que ele )9, p. 10). Então, olhemos a história como história - homens situados
finiu como uma tradição idealista e teológica, lostoiévski, mais tarde republi- em contextos reais (que eles não escolheram) e confrontados
esterilizava o potencial interpretativo e 0 português. perante forças incontornáveis com uma urgência esmagadora
ansformador dos conceitos formulados por Marx rotesco pelo existencialismo da- de relações e deveres, dispondo, apenas, de uma oportunidade
is Mann, BertoSt Brecht e Pablo
Engels, negando-lhes a necessária relação dialética restrita para inserir sua própria ação - e não como um texto
nais positivamente.
com a realidade histórica. Contra tal tradição se para fanfarronices do tipo assim deveria ter sido.
•atro começou a narrar".
bateu em fins dos anos 1950, quando rompeu •ender, descobrir e reproduzir, E. P. Thompson
com o Partido Comunista britânico, criticou o realidade em sua explicitada
70, p. 149). Ou ainda, "a arte,
stalinismo e ajudou a fundar a New Left. Em
s sim - e sempre - totalidades" Em um artigo cujo objetivo era examinar "a influência do
oposição ao que considerava seus ecos académicos
trabalho de Thompson nos estudos sobre a classe trabalhadora
mais nefastos, voltou sua crítica a Althusser e seus reflexo, esta remeteria sempre
na história indiana", Rajnarayan Chandavarkar (1997) apresentou
seguidores na segunda metade dos anos 1970. De ;la infraestrutura (realidade),
lê" - o que seria insustentável um interessante caminho de análise para estudar a recepção do
outro lado, Thompson enxergou uma "tradição
mentos insolúveis do próprio historiador inglês na índia, procurando responder, basicamente,
marxista aberta, exploratória e autocrítica", que ele •mo quando a realidade fosse a três diferentes questões: como os historiadores indianos "leram"
preferia chamar de materialismo histórico. sse pensado com suas diversas
Thompson; o que eles "tiraram" dessas leituras; e como exploraram
no ele acreditava ser o caso
Este é um livro sobre Thompson, sua trajetória, lê Lukács, de quem inclusive as possibilidades e expectativas abertas por sua teoria social "quando
sua obra e a repercussão de suas propostas no tis, 1979, p. 98-105). Quanto à confrontadas com as evidências da história da classe trabalhadora
1 ao realismo de Williams, ver indiana" (ibid., p. 177-178).' Parece ser um bom ponto de partida
Brasil, especialmente entre os historiadores. Porém,
para uma análise da recepção do historiador inglês.2
é sobretudo um estudo sobre o materialismo 3ar com a hipótese apresentada
Chandavarkar também chama a atenção para alguns parado-
histórico, tal como definido pelo historiador inglês
xos levantados pela grande influência de Thompson entre os histo-
quando buscava explicitar sua filiação a uma icia social é abordada também
riadores indianos. Um dos mais interessantes é justamente o que se
tadição de "crítica aberta" e "razão ativa". Os explicita quando percebemos que os escritos de Thompson eram
tanciamento crítico em relação
ates dessa tradição sobre classes e luta de classes caracterizados por seu foco exclusivo na Inglaterra, porém, "para
V°bre cultura, centrais na obra de Thompson, ipesar do tom duro, teve por alguém que estava tão atento às especificidades de um contexto social
0 aqui recuperados. Tendo em vista essa filiação lores, como o demonstra não e cultural peculiar, é notável que a influência de seu trabalho seja
'festo, como também o fato de
aterialismo histórico - sempre tensa em um global" (Chandavarkar, 1997, p. 177).
i, efetivamente indicarem uma
c r tão marcado pelas polémicas em que e da melhor tradição marxista No caso específico do Brasil, Sílvia Lara já levantou questão
^cientemente se envolveu -, Marcelo Badaró lente lembrou em Marxismo e similar ao inquirir, a partir de sua especialidade de estudos (a história
°s anallsa a grande influência exercida pelos da escravidão no Brasil), a respeito de que "relação poderia haver
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entre estudos sobre a formação da classe operária inglesa, as relações
Assim é que os estudos de Thompson sobre os motins de
gentry-plebe ou as leis e o direito na sociedade inglesa setecentista, e
alimentos no século XVIII inglês serviram de inspiração para a
a escravidão africana, o processo de abolição e a história dos negros
análise dos quebra-quebras de trens no Brasil dos anos 1970. José
depois da emancipação no Brasil" (Lara, L., 1995, p. 43).
Álvaro Moisés e Verena Martinez-Alier (1978) tentaram explicar uma
Claro está que não é apenas pelos temas específicos de análise
sequência significativa de episódios semelhantes de quebra-quebras,
e, certamente, não é pelo recorte espacial de seus estudos que
buscando fugir à ideia de que representariam episódios com-
Thompson alcançou essa influência "global". São sua concepção
pletamente espontâneos de violência incontida de uma massa eco-
de história, de um ponto de vista teórico e metodológico e, princi-
nomicamente submetida a grande arrocho. Na literatura da história
palmente, sua prática de historiador - a forma como exerceu esse
social que procura explicar os movimentos de revoltas da multidão
ofício - que podem explicar o forte impacto de sua obra entre
no período pré-industrial - Rude, Hobsbawm e Thompson -, Moisés
historiadores de outros países e, cada vez mais, de outras gerações. No
e Alier buscaram uma explicação que destacasse as motivações e o
entanto, é certo que, no que tange à história social do trabalho, por
sentido político de mobilizações que possuem uma racionalidade
razões óbvias, sua influência internacional é mais decisiva. Também
no caso brasileiro isso é perceptível e, por isso mesmo, ainda que própria. Após mencionarem as referências à historiografia inglesa -
não exclusivamente, é nesse campo de discussão que este capítulo marcando sua distância da noção de Hobsbawm dos movimentos da
concentra sua análise. "turba" como fenómenos pré-políticos, tendentes a desaparecerem
Porém, não seria possível restringir uma análise da recepção com o avanço do capitalismo industrial -, os autores enunciam sua
da obra de E. P. Thompson no Brasil ao debate dos historiadores. hipótese de trabalho:
Thompson foi e é referência importante para discussões entre [...] a nossa hipótese toma os acontecimentos que aparente-
filósofos, assistentes sociais, economistas e especialistas na ciência mente surgem como uma consequência "irracional" ou "anár-
da educação, só para ficar em alguns exemplos. Só neste último, sua quica", embora inevitável em face das duras condições de
vida a que estão submetidas as massas no contexto do regime
influência é tão disseminada que aqui não seria possível fazer mais
autoritário vigente, para, a um nível mais analítico, tentar
que essa simples menção.3 Já entre os cientistas sociais, a presença demonstrar que sua eficácia política tem uma lógica, que
das referências a Thompson é praticamente contemporânea das opera ao nível dos efeitos que provoca diante do Estado e
primeiras menções à sua obra pelos historiadores brasileiros. Nesse delas próprias. (Moisés e Martinez-Alier, 1978, p. 22)
caso, me arrisco a alguns comentários, pois a história social do
Já a definição de classe social como processo e relação, carac-
trabalho no Brasil nasceu depois e sempre necessitou dialogar com
terística da obra de Thompson a partir de A formação, seria citada
os estudos dos cientistas sociais sobre trabalho.
por estudos sociológicos a respeito do novo sindicalismo - fenómeno
que irrompe na cena política brasileira a partir das greves dos me-
E. R Thompson entre os cientistas sociais brasileiros talúrgicos do ABC em 1978. Um dos mais significativos é o de Éder
Sader, que toma o conceito de experiência de Thompson como cen-
Talvez pela natureza de seus estudos, em si já bastante marcada tral para sua reflexão sobre a emergência dos novos movimentos
pelo recorte interdisciplinar, se explique o fato sintomático de que sociais em fins dos anos 1970.4
Thompson tenha sido inicialmente tomado como referência no Brasil Ê interessante observar uma citação feita por Sader de um tex-
não apenas por historiadores, mas também por estudiosos da área das to de Francisco Weffort (1972, p. 92) sobre as greves de Contagem
ciências sociais. e Osasco, de 1968, publicado alguns anos após as greves e trans-
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formado em referência por propor que, naqueles movimentos, a -se então coletividades políticas, sujeitos coletivos, movimentos
"organização autónoma e pela base da classe operária" colocava sociais. (Sader, 1988, p. 45)
em questão a permanência da estrutura sindical oficial. A citação Já os demais autores seriam invocados em socorro a uma
resgatada por Sader referia-se, no texto de Weffbrt, ao movimento tentativa de definir as subjetividades coletivas em termos distintos
operário e trazia em seu bojo uma expressão que a historiografia daqueles normalmente associados ao conceito de consciência de
brasileira enfaticamente associou a Thompson. No texto de Weffort classe ou do sujeito histórico potencialmente revolucionário - o
lia-se: "o movimento operário não pode ser visto apenas como proletariado - nas análises de Marx e de boa parte do marxismo. As
dependente da história da sociedade, mas também como sujeito de mudanças perceptíveis na ação coletiva dos trabalhadores seriam
sua própria história e, como tal, capaz de influir sobre a sociedade" assim pensadas por Sader como "reelaboração do imaginário cons-
(Weffort, 1972, p. IO). 5 tituído, por intermédio de novas experiências, em que se produzem
Na discussão de Sader, encontramos também uma das marcas alterações de falas e deslocamentos de significados" (Sader, 1988,
características dos estudos sobre movimento operário no Brasil p. 46). Embora utilizando a concepção de sujeito coletivo, o autor
produzidos na época: a combinação de referências a Thompson com procurava com ela dar conta não exatamente de uma classe com sua
recursos a autores que trataram de representações e imaginário em respectiva consciência de classe, mas de
termos não marxistas, como Castoriadis, e que tomaram as relações
uma pluralidade de sujeitos, cujas identidades são resultado de
de poder como transcendendo a dominação de classes, descrevendo suas interações em processos de reconhecimento recíproco, e
conflitos e resistências como reações ao "controle social" nos termos cujas composições são mutáveis e intercambiáveis. As posições
de Michel Foucault. Também se encontram em seu texto referências dos diferentes sujeitos são desiguais e hierarquizáveis; porém
a autores associados ao movimento "autonomista" italiano, da virada essa ordenação não é anterior aos acontecimentos, mas resul-
da década de 1960 para 1970, como Toni Negri. Nessa combinação tado deles. E, sobretudo, a racionalidade da situação não
se encontra na consciência de um ator privilegiado, mas é
eclética de autores, invocada para rejeitar o determinismo que
também resultado do encontro de várias estratégias. (Sader,
derivaria a ação dos movimentos sociais diretamente das condições 1988, p. 55)
estruturais da sociedade capitalista, Sader condensa bem os questio-
namentos de uma geração de autores que buscava entender a Cabe assinalar que referências cruzadas desse tipo poderiam
reemergència dos trabalhadores na cena política brasileira dos anos ou não encontrar respaldo nos textos de Thompson da época.
1980 por meio de movimentos em que se destacava a busca por Castoriadis e a revista Socialismo ou Barbárie, por exemplo, são
"autonomia".6 De um lado, não se pretendia romper com a ideia da citados como aliados políticos na luta contra o stalinismo e todo tipo
"existência objetivamente dada das classes sociais" (Sader, 1988, p. 47). de marxismo petrificado em A miséria da teoria, embora não o sejam
Por isso, as definições de Thompson ajudavam a pensar a situação como referência teórica, pois Thompson afirma que percorreu seu
objetiva das classes, ainda que rejeitando determinismos, tal como se próprio caminho para desenvolver tais críticas (Thompson, E., 1981,
vê na seguinte passagem de Sader: p. 186). Por outro lado, Thompson mantinha uma postura crítica em
relação à noção de controle social e sublinhava os limites dos estudos
Embora as pessoas se encontrem, de saída, numa sociedade e das políticas que se centravam nos aspectos identitários e nas
estruturada já de determinada maneira, a constituição
histórica das classes depende da experiência das condições representações, bem como na fragmentação dos sujeitos, defendendo
dadas, o que implica tratar tais condições no quadro das a necessidade de uma intervenção pautada pela perspectiva política
significações culturais que as impregnam. E é na elaboração classista e por uma referência na grande política (cf. Thompson, E.,
dessas experiências que se identificam interesses, constituindo- 1980; 1991).
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210 «• MARCELO BADARÓ MATTOS
cão" - e das resistências a essas formas pelos trabalhadores, José
No caso da antropologia, também nos anos 1980, a presença
Sérgio recorre às análises de Thompson sobre a "teatralização da
de Thompson se faria sentir em algumas obras fundamentais como
dominação" e o "contra teatro do terror popular" (ibid., p. 215, 586).
referência para estudos posteriores sobre a classe trabalhadora, numa
Destaque-se ainda o recurso pioneiro às referências de
perspectiva que abriu caminho para um frutífero diálogo com a
Thompson à lei e ao direito, em Senhores e caçadores, para rediscutir
história social do trabalho. José Sérgio Leite Lopes destacou como
a relação da classe trabalhadora brasileira com o direito trabalhista
a combinação de referências dos "estudos de historiadores sociais,
instituído na Era Vargas - uma discussão que, como observo adiante,
preocupados com as mentalidades coletivas da classe trabalhadora,
foi retomada e ampliada pela historiografia a partir da década se-
[,,.] cujo ponto culminante é o livro de Thompson, The making
guinte (ibid., 1988, p. 359).
of the English working class" (Lopes, 1987, p. 12), com os estudos
Essa presença de Thompson como referência nas obras dos
antropológicos de comunidades foi importante para a geração de
cientistas sociais manteve-se ao longo dos anos 1980 e 1990. Uma
uma problemática antropológica na literatura especializada sobre a
boa amostra pode ser buscada nas referências ao historiador inglês
classe operária:
presentes em artigos da principal revista brasileira da área, a Revista
Isto é, uma problemática não exclusivamente voltada para Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), publicada pela Associação
os aspectos políticos, ou para as condições materiais de vida Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).
dessa classe, mas enfatizando a sua prática cotidiana, as suas
Acompanhando os cinquenta primeiros números da RBCS, pude
tradições, a sua diferenciação interna, o seu pensamento, a
sua internalização subjetiva de suas condições materiais de constatar a presença de referências a E. P. Thompson no total de doze
existência. (Lopes, 1987, p. 12) artigos em onze edições do periódico académico entre os anos de
1986 e 1998. Numa apreciação geral, pode-se dizer que, se esse autor
Um excelente exemplo de como tal problemática se traduziu
não é um dos "campeões de citações" entre os artigos da RBCS, a
em estudos específicos é dado pela própria obra de José Sérgio Leite
constância com que aparece não é desprezível.
Lopes. Em A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chaminés,
Os textos de Thompson citados foram: A formação da classe
analisando a trajetória das formas de dominação e as manifestações
operária inglesa; A economia moral da multidão; Exterminismo e
do conflito de classes numa das maiores (a maior durante alguns
Guerra Fria; A miséria da teoria; Modos de dominação e revoluções
anos) indústrias do ramo têxtil no Brasil, localizada em Paulista,
na Inglaterra; Tempo, disciplina do trabalho e capitalismo industrial;
cidade vizinha a Recife, José Sérgio recorre a Thompson em diversos
Costumes em comum e senhores e caçadores.7 Os dois primeiros foram
momentos.
citados mais de uma vez (cinco vezes no caso de A formação). Ou seja,
As formas e modos de dominação política e de classe são
parte significativa da obra do historiador inglês circulou nos debates
compreendidos a partir das discussões de Thompson - assim como
dos cientistas sociais brasileiros.
dos aportes de Pierre Bourdieu -, "enfatizando tanto essa interioriza-
Tais textos foram citados para tratar de temas como os aspectos
ção da dominação, e também da resistência à dominação, quanto os
simbólicos e religiosos da luta de classes, o conceito de classe social, o
aspectos propriamente simbólicos por ela assumidos" (Lopes, 1988,
marxismo, as revoltas da multidão e a ecologia. Como o primeiro te-
P-21).
ma é mais frequente, pode-se dizer que foram aqueles pontos em que
O autor também se apoia em Thompson para definir classe
Thompson afirmou ter tido mais "inspirações" antropológicas os que
e consciência de classe, enfatizando o caráter de (auto)construção
mais repercutiram no debate dos cientistas sociais brasileiros. Note-
histórica e cultural da classe (ibid., p. 22). Na análise das formas de
-se, porém, que não há referências a uma contribuição propriamente
dominação encetadas pela empresa - o "modo paulista de domina-
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teórica do autor para os debates entre história e antropologia ou foram seus alunos nos anos 1970 e começaram a publicar seus
demais ciências sociais. trabalhos na década de 1980.
No depoimento de Emília Viotti da Costa, por exemplo, o
Entre os historiadores historiador inglês aparece listado entre os historiadores que mais
a influenciaram e é retomado, juntamente com Eric Hobsbawm e
Entre os historiadores brasileiros, a presença de Thompson co- Raymond Williams, para caracterizar o marxismo como um "pen-
mo referência é absolutamente generalizada. Ê fato que, do grupo de samento vivo" e tais pensadores como os "que produziram maior
historiadores ingleses cujas obras ganharam o mundo no pós-guerra, impacto em minha geração" (Moraes e Rego, 2002, p. 70, 81).
Hobsbawm é o que possuí mais obras traduzidas para o português. Tal referência a Thompson como representante do marxismo
Há que se ter em conta, entretanto, que ainda que, com muitos dos como "pensamento vivo" não é, entretanto, a única nos depoimentos.
seus livros mais importantes sem tradução, Thompson conseguiu se Há várias menções ao impacto das leituras de Thompson para o
tornar uma fonte de inspiração para um conjunto muito mais amplo estudo de temas e questões específicas. João José Reis (2003), por
de trabalhos de pesquisa em história, sobre os mais diversificados exemplo, ao tratar de sua obra A morte é uma festa,, sobre o episódio
objetos, sendo citado mesmo antes das traduções de suas principais de um levante urbano em Salvador na primeira metade do século XIX
obras. É o que se pode perceber, por exemplo, na coletânea Domínios conhecido como a "Cemiterrada", afirma que, "com o risco de abusar
da história, publicada em 1997, em que Thompson aparece como de um conceito usado por Thompson para um fenómeno específi-
referência importante para todos os capítulos mais gerais da obra, co, talvez eu possa dizer que tratei a Cemiterrada como expressão de
dedicados às discussões sobre história económica, história social, uma economia moral do sentimento religioso" (Moraes e Rego, 2002,
história do poder, história das ideias e história das mentalidades p. 330).
e cultura. Além disso, surge em notas e comentários também em Na entrevista de Laura de Mello e Souza, Thompson, aparece
alguns dos artigos que tratam de campos mais específicos de estudo como, "de certa forma", um representante de uma historiografia "mais
(Cardoso e Vainfas, 1997). voltada para temas da marginalidade" (Moraes e Rego, 2002, p. 374),
Após a sua morte, algumas publicações especialmente dedi- explicando assim sua influência na construção do livro Os desclas-
cadas a sua obra ou à reflexão sobre seus aportes demonstraram essa sificados do ouro.
importância.8 Em se tratando de E. P. Thompson não poderia deixar de ha-
Outro bom indicador da importância da referênciaaThompson ver polémica, ainda que centrada nos usos de sua obra entre nós. Ê o
no Brasil pode ser encontrado na coletânea de entrevistas Conversas que podemos constatar no trecho da entrevista de Ciro Cardoso, em
com historiadores brasileiros (Moraes e Rego, 2002), que reúne que este afirma: "o Thompson é muito bom; o que eu andei criticando
depoimentos de quinze entre os mais destacados representantes muito, na época, foi a tentativa de casar Thompson e Castoriadis
da área. Desses, sete mencionam explicitamente a importância do feita na Unicamp. Tentaram juntar um filósofo de direita e que não
referencial thompsoniano em seus trabalhos. Há, entre os demais, trabalha com o conceito de classe social, como é o Castoriadis, com
pelo menos uma outra depoente que, embora não mencione essa um pensador de esquerda" (Moraes e Rego, 2002, p. 228).10
referência, faz dela uso direto em seus trabalhos.9 Portanto, nota-se a O ponto é explorado na entrevista com Edgard de Decca,
importância da obra de Thompson no Brasil entre todas as gerações representante da Unicamp na coletânea, por meio de uma pergunta
de historiadores ainda ativos, dos formados nos anos 1950 aos que em que os entrevistadores afirmam que "na Unicamp se estabeleceu
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a convergência entre a historiografia marxista inglesa com tradições
no primeiro capítulo, também aqui é forçoso reconhecer que seus
filosóficas francesas representadas, por exemplo, por Foucault e
objetos foram a classe trabalhadora em formação, a "plebe" inglesa
Castoriadis" (Moraes e Rego, 2002, p. 279). Na resposta, Decca afirma
do século XVIII, os modos de dominação, ou seja, temas e questões
que considera a renovação historiográfica contemporânea menos
que envolvem sim os "grandes sujeitos" (não os "pequenos") da
como obra da "história nova" (a terceira geração dos Annales), e
história: as classes sociais e suas lutas. Em Thompson também não
mais nessa tendência que surgiu da confluência entre a história parece existir respaldo para ideias expressas na entrevista de Decca,
marxista da Nova Esquerda com as correntes da filosofia da
como a de que "a revolução perdeu o horizonte coletivo" ou a de que
diferença, de Michel Foucault. O que ocorre é que elas abrem
duas perspectivas complementares: o pensamento da margem "ato revolucionário" passou a ser o questionamento de normas e
e o pensamento da individualidade. A história que se fazia instituições. Vimos que o historiador inglês debateu a fundo a questão
então era a história dos coletivos, dos grandes silêncios, dos da revolução e, ainda que pudesse ter uma leitura própria sobre ela,
grandes sujeitos. Aí se começou a interpelar as margens, a não a retirou do horizonte.
revolução perdia o horizonte coletivo. Ato revolucionário Parece-me, nesse caso, que se trata de buscar sim "o respaldo
então passa a ser a atitude que se tem perante normas, regras,
intelectual enorme" da historiografia marxista britânica, mas para
instituições etc. (Moraes e Rego, 2002, p. 280)
fazer cumprir o programa da historiografia francesa da terceira gera-
Decca destaca a responsabilidade da Unicamp por ter intro- ção dos Annales, que a princípio foi negada ou se procurou contornar
duzido uma vertente historiográfica que chamava a atenção para a por meio da referência a filósofos como Foucault e Castoriadis, que
luta de classes (e menciona sua iniciativa de traduzir The making) ao fim e ao cabo também influenciaram os historiadores franceses
para dizer que, com Thompson, "começamos a aprofundar a questão da "nova história".
do fazer-se dos sujeitos históricos, como os sujeitos históricos se Ressalte-se que essa leitura de Thompson não é exclusiva
constituíam" (Moraes e Rego, 2002, p. 272). Precisa, porém, de que de Decca ou da "historiografia da Unicamp", que ele fortemente
sujeitos trata ao afirmar: "Nós não vamos estudar os grandes sujeitos contrapõe à tradição da Universidade de São Paulo (USP). Na mesma
históricos, mas os sujeitos anónimos, os 'pequenos sujeitos'. Então o coletânea de entrevistas, encontramos afirmações bem semelhantes
nosso projeto tinha um horizonte bastante nítido nesse aspecto. E nós nos comentários justamente de Fernando Novais, representante
tínhamos um respaldo intelectual enorme. Com o Thompson, com maior da historiografia da USP em sua geração. Para Novais, "da
o Hobsbawm, você nunca está mal-acompanhado" (ibid., p. 272).u terceira geração [dosAnnales] participa o Vovelle, que continua sendo
Nesse caso, há que se concordar com Ciro Cardoso em sua marxista; e, ao mesmo tempo, o trabalho de Thompson poderia estar
crítica ao uso eclético e ao "casamento" de difícil conciliação entre na Nova História" (Moraes e Rego, 2002, p. 130).
Thompson e Castoriadis ou Foucault. Pelos termos do comentário de Um apanhado menos superficial das referências à obra de
Decca, parece produzir-se uma suposta "confluência" entre autores de E. P. Thompson na historiografia brasileira deve estar atento a
matriz muito distinta, afirmando "complementaridade" onde muitas diversas áreas. Seus estudos sobre movimentos de protesto coletivo e
vezes se explicita não apenas diferença, mas oposição de ideias.12 Se motins da multidão tiveram forte influência sobre os estudos de his-
em Thompson há vários estudos sobre questões desconsideradas pela toriadores brasileiros a respeito de motins urbanos, a exemplo da re-
historiografia tradicional - como cerimónias de trocas de esposas, volta da vacina no Rio de Janeiro da primeira década do século XX.13
músicas jocosas ou mesmo os motins do pão -, seu objeto jamais As análises de Thompson sobre a lei e o crime influenciaram muitas
pode ser definido como "os pequenos sujeitos". De forma homóloga pesquisas sobre a legislação brasileira e as formas de criminalização
a seu repúdio aberto à "pequena política" como procurei demonstrar
dos modos de viver das populações pobres e trabalhadoras tanto no
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período mais recente quanto sob a vigência da escravidão. Também que a obra de E. P. Thompson exerceu sobre a historiografia do
no campo das análises sobre a "cultura popular" e nos debates teóricos trabalho no Brasil, será preciso proceder por etapas, analisando
sobre a "história cultural", E. P. Thompson é presença marcante entre primeiro a historiografia da escravidão para, em seguida, tematizar
os historiadores brasileiros.14 Eu não teria aqui nem espaço nem os estudos sobre trabalhadores "livres". Conforme avançarmos na
erudição suficiente para dar conta de tantos campos. discussão, entretanto, essas barreiras serão quebradas em minha aná-
lise, como o foram pela historiografia, especialmente sob a influên-
Thompson e a história social do trabalho no Brasil cia thompsoniana.

Diante da amplitude temática da repercussão de Thompson E. P. Thompson e a história da escravidão no Brasil


na historiografia brasileira, darei maior atenção à recepção de seus
escritos sobre a história social do trabalho, entendida no seu sentido Os primeiros estudos sistemáticos sobre a escravidão no Brasil
mais amplo, incluindo tanto as pesquisas sobre a escravidão quanto foram, é claro, escritos fora do circuito universitário, até porque
as referentes aos trabalhadores assalariados. Temáticas como a da este só se constituiu entre nós a partir da década de 1930. Entre fins
cultura popular e a do direito, no entanto, serão enfocadas, mesmo do século XIX e os anos 1930, tais estudos podiam refletir sobre a
não sendo privilegiadas, dado o vínculo que possuem com os estudos escravidão como uma "necessidade" nas condições específicas da
sobre os trabalhadores escravizados ou "livres". colonização portuguesa na América ou, especialmente na versão dos
É relativamente recente, entre nós e mesmo internacionalmen- que se engajaram nas campanhas abolicionistas do fim do século XIX,
te, a aceitação generalizada de que a história social do trabalho pode como um mal que tardou a ser extirpado, liberando enfim o Brasil
e deve reunir os estudos sobre formas de trabalho não assalariadas para trilhar o caminho de desenvolvimento cívilizatório. No mais das
- mesmo as "não livres" - e as pesquisas sobre trabalhadores vezes, entretanto, possuíam em comum uma visão que negava aos
"livres"/assalariados. No Brasil, até bem pouco tempo, a história do negros africanos e aos nascidos no Brasil, submetidos à escravidão,
trabalho foi entendida como sinónimo de história do movimento qualquer papel significativo nos processos sociais nos quais se viram
operário e estudos sobre o trabalho no período anterior a 1888 envolvidos.16
eram exclusivamente definidos como parte do campo de pesquisas Quase sempre, essa perspectiva era acompanhada por uma
sobre escravidão. De forma análoga, numa visão dominada por concepção racialista, que imputava à "raça" negra uma inferioridade
essa dicotomia, estudar o trabalho "livre" no período de domínio biológica que lhe impediria efetivamente de desempenhar qualquer
escravista (ou "os homens livres na ordem escravocrata") era estudar papel protagonista no jogo da história (Schwarcz, 1993). O silêncio
as "margens" da sociedade. Estudar o negro após 1888 ("o lugar do sobre o papel do negro no período escravista, e em especial sobre sua
negro na sociedade de classes") também significava buscar entender trajetória no pós-1888, correspondia a um desejo - explicitado em
os setores "marginalizados" do desenvolvimento capitalista. Não alguns casos, latente em outros - de extinção. Pelo "branqueamento"
há espaço aqui para aprofundar a análise sobre a importância das ou pela progressiva desaparição, o que se esperava era apagar no Brasil
pesquisas que ultrapassaram tais barreiras e complexificaram as do futuro essa herança indesejada do passado escravista.
análises de uma história social do trabalho que envolve trabalhadores Foi na década de 1930, em meio à renovação dos estudos sobre
escravizados e livres em suas diversificadas relações ao longo da a história do Brasil que marcou aquela conjuntura, que surgiram as
história da sociedade brasileira.15 No entanto, esse comentário é primeiras interpretações a fugirem, ao menos em parte, desse padrão.
necessário para se explicar por que, para entendermos as influências De um lado, a perspectiva marxista sistematizada por Caio Prado
218 *• MARCELO BADARÕ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA.,. *• 219
Júnior apresentava a possibilidade de se perceber o negro/escravo na ausência de qualquer projeto político de "integração" - pela edu-
como participante ativo - embora não necessariamente protagonista cação ou mesmo pelo mercado de trabalho - dos ex-escravos na nova
- das lutas sociais do seu tempo, as revoltas contra o Estado colonial/ sociedade capitalista em construção, restava aos seus descendentes a
imperial e as formas de resistência à própria escravidão (Prado Júnior, marginalidade num estado que, via Durkheín, seria entendido como
1933). De outro lado, o viés "culturalista" de Gilberto Freyre, que pro- de "anomia social".
curava superar o racialismo até então dominante, afirmando a Uma síntese como a que esboço aqui pode passar por cima
troca cultural entre brancos, índios e negros e positivando a misci- de nuanças significativas. Assim, a afirmação da coisificação dos
genação como exercício de adaptação da civilização europeia - ao escravos é mais direta, por exemplo, na análise de Fernando Henrique
fim e ao cabo sempre dominante - aos trópicos (Freyre, 1933). A pro- Cardoso sobre a passagem da escravidão ao capitalismo, em que aos
posta, com maiores ou menores mediações, de maior repercussão escravos - como aos homens pobres livres - é reservado o papel de
social a partir de suas análises foi aquela que procurou relativizar "testemunhos mudos de uma história para a qual não existem senão
a noção do Brasil como um país racista para apresentá-lo como como uma espécie de instrumento passivo sobre o qual operam as
uma sociedade tendente à integração (via miscigenação) e aberta à forças transformadoras da história" (Cardoso, F. apud Gomes, F.,
possibilidade de uma "democracia racial". 2006, p. 310). Mesmo as lutas reconhecidas desses segmentos - como
Quando a universidade começou a se debruçar sobre o tema os quilombos - são classificadas como "desvãos da história que, se têm
da escravidão, cientistas sociais e historiadores tiveram o mérito ine- força para comover os pósteros e construir símbolos, em si mesmos
gável de pôr em questão tanto o racialismo sobrevivente quanto o não apontam as saídas estruturalmente válidas" (ibid., p. 310).
mito da democracia racial. Afinal, como a reapresentação do dado Com muito mais contradições reconhecidas, essa ideia de
"cor" nos censos a partir de 1940 mostrava, os descendentes de escra- uma falta de efetividade das lutas sociais dos negros - agora focando
vos estavam longe de ter encontrado uma sociedade aberta no Brasil nos descendentes de escravos no século XX - aparece também na
do século XX. Continuavam a ter as piores remunerações, as mais obra de Florestan Fernandes, para quem a tendência à integração
baixas escolaridades e as piores condições de vida entre o enorme social de uma sociedade de classes era contra-arrestada no Brasil
contingente de trabalhadores pobres da sociedade brasileira.37 por uma permanência do preconceito racial. Ante esse quadro, os
A partir principalmente do esforço de Florestan Fernandes e movimentos coletivos dos negros pelo reconhecimento de seus
de alguns de seus estudantes e futuros colegas da chamada "escola direitos à integração plena e democratização das relações raciais/
sociológica paulista", a escravidão e a presença do negro na sociedade sociais encontravam pouco eco em uma maioria de descendentes
pós-1888 passaram a ser objeto de estudos mais sistemáticos.18 Apesar de escravos mais propensa a trilhar caminhos individuais e buscar
de seus inegáveis méritos, tais estudos continuaram reservando pouco formas mais sutis de adaptação às regras excludentes daquele quadro
espaço para o papel dos negros em sua própria história no Brasil. social. Com isso, por um lado, Florestan procurava sepultar qualquer
No período escravista, abordado sob uma lógica teórica weberiana interpretação centrada no marco da democracia racial, afirmando
como uma sociedade de castas ou de ordens, a coisificação económica que,
imposta ao escravo (convertido em mercadoria) extrapolaria para onde os interesses e os liames das classes sociais poderiam
uma subjetividade coisificada, redundando em uma capacidade de unir as pessoas ou os grupos de pessoas, fora e acima
ação coletiva profundamente limitada cuja única válvula de escape das diferenças de "raça", ela divide e opõe, condenando o
era a violência, quer individual ou coletiva (do suicídio à revolta). "negro" a um ostracismo invisível e destruindo, pela base, a
consolidação da ordem social competitiva como democracia
A herança da coisificação escravista não seria leve, pois após 1888, racial. (Fernandes, 1978, p. 459)
220 4 MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... 221

Por outro lado, embora reconhecesse que "a única força lógica política dos levantes contra os senhores. Um estudo pioneiro
de sentido inovador, e inconformista, que opera em consonância nessa direção foi o de João José Reis (2003) sobre a Revolta dos Males
com os requisitos de integração e de desenvolvimento da ordem em Salvador, cujo vínculo com o referencial thompsoniano já foi
social competitiva procede da ação coletiva dos 'homens de cor"' aqui mencionado a partir de suas declarações em uma entrevista. Na
{Fernandes, 1978, p. 462), Fernandes avalia negativamente o potencial mesma linha, anos mais tarde, estudos sobre os quilombos no Brasil
dessas lutas pelo seu sentido imediatista e pela reação negativa dos escravista tiveram inspiração thompsoniana explícita, como no caso
"brancos". Disso resulta que a única solução por ele apresentada como das obras de Flávio Cornes, que encarou os grupos e comunidades
eficiente é externa aos atores sociais: "qualquer inovação construtiva, de fugitivos da escravidão como esforços para "manter a todo custo
de sentido mais amplo, teria que resultar de técnicas racionais de sua autonomia" que revelavam o "agenciamento de estratégias de
controle" (ibid., p. 462).!9 resistência" (Gomes, R, 2005, p. 25).21
Os anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980 foram mar- Assim, é fato que referências às obras do historiador inglês
cados por uma renovação profunda nos estudos sobre escravidão, já estavam presentes em pesquisas sobre a escravidão produzidas
especialmente em função das discussões sobre o modo de produção na primeira metade dos anos 1980, mas foi em 1988, em meio aos
escravista colonial. Críticas tanto das definições patriarcalistas da debates sobre os 100 anos da abolição da escravatura, que a recepção
escravidão quanto da matriz weberiana de análise do escravismo típica específica das ideias de Thompson nesse campo de estudos se
da Escola Sociológica Paulista, por um lado tais discussões romperam tornou mais evidente e passou a desempenhar um papel central nas
com a noção de que a colónia portuguesa nos trópicos (e o Império discussões posteriores.
que a sucedeu, em grande medida) poderia ser completamente A melhor representação dessa presença de Thompson como
entendida em função das determinações externas do "antigo sistema referência nos debates sobre escravidão daquele momento foi dada
colonial", afirmando a existência de uma dinâmica social própria pela crítica dirigida por Sidney Chalhoub ao que ele denominava de
no território brasileiro, apesar do peso da dependência colonial. "teoria do escravo coisa".22 O alvo da crítica de Chalhoub era todo tipo
Por outro lado, foram capazes também de superar a ortodoxia do de análise do Brasil escravista que derivasse da condição escrava uma
marxismo da III Internacional sob a influência de Stalin, defendendo percepção do trabalhador escravizado como instrumento passivo do
a possibilidade da existência de formas societárias diferenciadas poder senhorial, incapaz de agir política e coletivamente, ou, quando
das que teriam caracterizado a evolução europeia, o que levaria à muito, apto apenas a reagir violentamente em alguns episódios,
ruptura com o modelo estático da sequência dos modos de produção, contra a violência de que era vítima.
que, aplicado ao caso brasileiro, orientara - tanto teórica quan- Em seu trabalho, Thompson é referência tanto para sustentar
to politicamente - uma análise dual sobre o passado recente, que a crítica às interpretações marxistas centradas nos conceitos de
teria sido fortemente marcado por "sobrevivências feudais".20 Muito "transição" do escravismo ao capitalismo, ou na metáfora "base-
embora tais estudos reservassem espaço para as formas de resistência -superestrutura", quanto para apoiar uma defesa da aproximação
dos escravos e outros que partilharam seus pressupostos tenham fei- entre história e antropologia (Chalhoub, 1990, p. 20, 25).23
to destas seu foco principal de análise, seu privilégio à dimensão ma- No mesmo momento, Sílvia Lara, outra historiadora da
croestrutural da discussão sobre a escravidão era evidente. escravidão proveniente da mesma instituição universitária que
Novos estudos sobre as revoltas de escravos, produzidos nos Chalhoub - a Unicamp -, levantava questões bastante semelhantes,
anos 1980, tomaram de empréstimo a Thompson suas discussões buscando também apoiar-se em Thompson. Enquanto Chalhoub
sobre a "economia moral da multidão" para tentar compreender a estudou a escravidão no Rio de Janeiro, a maior cidade negra das
E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... * 223
222 » MARCELO BADARO MATTOS
o que acabou por gerar réplicas (e tréplicas) acaloradas. A mais
Américas na segunda metade do século XIX, Lara estudou o mesmo elaborada delas partiu de Jacob Gorender (1990), em um livro que
objeto na região rural de produção açucareira do Norte Fluminense sintetizava de forma bastante abrangente todo o debate do centenário
na segunda metade do século XVIII. Em seu estudo, resgata as aná- da abolição, mas se concentrava na resposta aos dois autores da
lises de Thompson sobre os conflitos entre a %entry e a plebe no sé-
Unicamp. Gorender, já o mencionei, foi um dos formuladores da
culo XVIII inglês para sugerir a necessidade de se pensar a história
teoria do modo de produção escravista colonial e sua obra principal
da escravidão a partir de conceitos menos generalizantes que os
é apresentada como um tratado de "economia política marxista" da
empregados pela historiografia anterior focada no debate sobre o
escravidão. Em seu Escravismo colonial, o processo de coisificacão
modo de produção, de forma a perceber o papel dos escravos como
do escravo - entendida como sua conversão em mercadoria - é
"sujeitos históricos, agenciadores de suas próprias vidas" (Lara, S.,
afirmado na sua dimensão económica, embora disso não se extrapole
1988, p. 355). O debate empreendido por Thompson a respeito do
propriamente uma conclusão de necessária "coisificacão" subjetiva,24
paternalismo é central para sua análise (ibid., p. 112).
Numa síntese, escrita alguns anos depois, Lara assim se referiu como é o caso de alguns estudos da "escola sociológica paulista", em
à importância de Thompson como referência para esses trabalhos - particular o de Fernando Henrique Cardoso sobre a escravidão no
dela e de Chalhoub - que procuraram valorizar o papel dos escravos Brasil Meridional.25 Acontece, porém, que, em sua crítica, Chaíhoub
como "sujeitos de sua própria história": listou Gorender ao lado dos demais autores que definiu como
representativos da teoria do "escravo coisa" criando uma situação de
Ao tratarmos da escravidão e das relações entre senhores
e escravos, tanto quanto ao tratarmos de qualquer outro
polémica aberta que chegou a ganhar as páginas dos jornais diários
tema histórico, lembramos, com Thompson, que as relações de grande circulação.
históricas são construídas por homens e mulheres num De meu ponto de vista, a contribuição de Gorender e a de Ciro
movimento constante, tecidas através de lutas, conflitos, Cardoso - rompendo com o quadripartismo eurocêntrico da evolução
resistências e acomodações cheias de ambiguidades. Assim, linear dos modos de produção e criticando as interpretações do Brasil
as relações entre senhores e escravos são fruto das ações de
senhores e de escravos, enquanto sujeitos históricos, tecidas centradas na ideia de que o capitalismo comercial europeu explicava
nas experiências desses homens e mulheres diversos, imersos diretamente a dinâmica da colonização - não é necessariamente
em uma vasta rede de relações pessoais de dominação e excludente em relação à intenção proclamada por Chalhoub e Lara
exploração. (Lara, L., 1995, p. 46) de fazer emergir uma história "a partir de baixo" da escravidão, que
Essa perspectiva analítica fortemente inspirada em Thompson nos permita perceber o papel ativo dos trabalhadores escravizados.
foi responsável pela produção, nos vinte anos seguintes, de uma Pelo contrário, a teoria do modo de produção escravista colonial é
enorme variedade de novos estudos sobre as lutas dos escravos clara ao definir a luta entre senhores e escravos como o polo central da
pela liberdade, as relações entre o referencial cultural africano e dinâmica conflitiva do social sob a vigência da escravidão. Por certo,
suas interações e releituras no território brasileiro, as trajetórias de no entanto, que seu enfoque se concentra na análise macroestrutural
vida de cativos e libertos, as práticas cotidianas dos escravos para se do modo de produção e não no nível específico de análise das
adaptarem e/ou superarem o cativeiro, entre muitos outros temas, de manifestações historicamente localizadas da luta de classes entre
tal forma que aqui seria impossível tentar uma apreciação mesmo que senhores e escravos.
genérica sobre toda essa rica tradição historiográfica. Voltarei adiante De qualquer forma, reconhecendo em seus "adversários" - que
a alguns aspectos dessas discussões. ele definia como a "escola da [Universidade Estadual de Campinas]
Em 1988, a ideia do escravo "sujeito de sua própria história" Unicamp" - a forte influência thompsoniana, Gorender se viu
foi apresentada em franca polémica com a "teoria do escravo coisa"
224 *• MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... 225

instigado a criticar Thompson e dedicou um capítulo específico de que poderia ser dissipado pela simples leitura do prefácio de A for-
sua síntese/polémica dos novos estudos sobre escravidão ao debate mação da classe trabalhadora. Em outros momentos desse livro, já
teórico contra o que considerou serem as influências perniciosas esclareci como Thompson valoriza - com ênfase própria, é verdade,
sobre a historiografia que criticava, incluindo aí o historiador inglês. mas de forma alguma descarta - o conceito de modo de produção.
Nas poucas páginas em que se dedicou a debater com Thompson, Já quanto à afirmação de que a ideia de que só há classe
muito influenciado pela leitura de Anderson em Arguments whithin (Thompson esclarece, como vimos, no seu sentido "maduro") com
the English marxism,26 e citando apenas alguns trechos de A miséria da consciência de classe é uma "inversão" inaceitável do ponto de
teoria e Senhores e caçadores., Gorender atribui a Thompson uma série vista marxista, vale lembrar que Thompson não foi o primeiro a
de conclusões que não estão presentes em sua obra. Uma passagem explicitá-la. Marx o percebeu ao ver como são tratados os camponeses
do comentário de Gouender sobre a concepção de classes sociais detentores de parcela em sua análise da França no 18 Brumário.
e consciência de classe expressa por Thompson pode servir para As confusões de Gorender seguem na continuação do mesmo
ilustrar as suas incompreensões: trecho:
A ação do sujeito foi sobreposta à estrutura objetiva de tal Contudo, de onde a classe social - no caso, a classe operária -
maneira que as classes sociais se fazem sem que se saiba extrai sua consciência de classe? Thompson coloca em primei-
por que vieram a ter existência. Thompson enfatiza que a ro plano a experiência vivenciada, as ações autoimpulsionadas.
classe operária se faz. Mas, antes de se fazer, ela é feita. Uma O que, segundo ele, Marx teria desprezado. A experiência
vez marginalizado o conceito de modo de produção, não se vivenciada se compõe do amálgama de tradições culturais,
pode explicar por que, em determinada época, operários e costumes, fé religiosa, laços de parentesco, instituições, afeições
capitalistas surgiram e passaram a se enfrentar como classes e sentimentos, regras morais, normas jurídicas etc. Tudo
sociais. Com toda evidência, isso não decorreu de escolhas resultando na experiência como intuição e aprendizagem e
individuais ou coletivas, mas das transformações objetivas nas na consciência de classe como consciência afetiva e moral.
relações de produção, cujo processo independe da vontade e (Gorender, 1985, p. 101)
da consciência dos homens. Assim não entende Thompson.
A consciência de classe é vista por ele como pedra angular
Nesse ponto, me parece, a leitura de A miséria da teoria, que
da noção de classe social. Em termos mais claros: existe uma Gorender parece ter feito, seria suficiente para evitar outros mal-
classe social porque tal conjunto de seres humanos elabora a -entendidos. Thompson não afirma que Marx desprezou a dimensão
consciência de que são tal classe social. Aí está uma inversão da experiência de classe, embora afirme sim (com exagero criticável)
inaceitável a partir de posições marxistas. (Gorender, 1985, que deu pouca atenção aos valores e elementos morais em sua crítica
p. 101) da sociedade capitalista. Da mesma forma, Thompson não define a
O trecho é um emaranhado de confusões entre o que Thompson consciência de classe como uma consciência "afetiva e moral", pois,
propõe e o que Gorender acredita que ele tenha proposto. Sabendo por mais que valorize o papel da moral, lhe atribui um significado
o quão Gorender é cuidadoso com as leituras que expõe, não há eminentemente político.
outra justificativa se não a da falta de contato maior com a obra Poderia ser feita aqui uma analogia: da mesma forma que
de Thompson para explicar, por exemplo, como pode afirmar que, Thompson, na polémica com Althusser, parece ter comprado a ideia
segundo o historiador inglês, "a classe se faz" sem lembrar que para althusseriana da ruptura epistemológica entre jovem Marx e Marx
Thompson a classe se faz tanto quanto é feita, pois em nenhum da maturidade, criticando o "lado Grundrisse de Marx", conforme
momento o historiador inglês nega o papel determinante das relações discuti no primeiro capítulo, Gorender, em sua polémica com
de produção sobre a experiência de classe. É o tipo de mal-entendido Chalhoub e Lara, também assumiu a perspectiva de que a discussão
226 •* MARCELO BADARO MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRITICA ATIVA... • 227

sobre o modo de produção escravista colonial e o referencial de no início dos anos 1960. O importante, porém, é atentar para o tipo
análise thompsoniano eram incompatíveis, gastando páginas para de análise da sociedade escravista no Brasil em que a referência a
criticar Thompson. Contudo, será que a analogia pode ser levada Thompson é invocada. Citando a passagem do mesmo artigo, em
às suas últimas consequências? Guardadas as devidas proporções, que Thompson faz referência à "ambivalência dialética" de noções
se Thompson ao criticar Althusser acaba compartilhando alguns de como doação/conquista, consenso e hegemonia etc., Chalhoub chega
seus pressupostos de leitura de Marx, Gorender ao criticar Chalhoub a deduções sobre o Brasil escravista do tipo:
e Lara assume na verdade alguns dos pressupostos desses autores Não é difícil perceber o alcance dessas observações [...]: numa
sobre Thompson? sociedade escravista, a carta de alforria que um senhor concede
A resposta não pode ser simples, mas também em Chalhoub a seu cativo deve ser também analisada como o resultado dos
e Lara, que dominam muito melhor que Gorender o referencial esforços bem-sucedidos de um negro no sentido de arrancar
a liberdade a seu senhor; no Brasil do século XIX, o fato de
thompsoniano, encontro algumas interpretações que parecem levar que senhores e escravos pautavam sua conduta a partir da
ao limite a leitura que fazem da obra do historiador inglês para noção de que cabia unicamente a cada senhor particular a
entender a escravidão. decisão sobre a alforria ou não de qualquer um dos seus
É o caso, por exemplo, da forma como Chalhoub recorre aos escravos precisa ser entendida em termos de uma "hegemonia
argumentos de Thompson - em Folclore, antropologia e história social de classe"; e os castigos físicos na escravidão precisam se
afigurar como moderados e aplicados por motivo justo, do
~ para defender uma aproximação entre história e antropologia e
contrário, os senhores estariam colocando em risco a sua
para apresentar uma leitura nova sobre a busca da alforria como própria segurança. (Chalhoub, 1990, p. 23)
uma forma de luta pela liberdade difundida entre os escravos.
Embora resgate o texto de Thompson lembrando as considerações do A complicação desse argumento começa com o próprio
historiador inglês sobre as especificidades do conhecimento histórico Thompson. Inspirado em Gramsci^ Thompson procura explicar o
- construído a partir de noções dinâmicas de contexto e processo - século XVIII inglês como marcado por uma forma de dominação
diante da antropologia, é ao antropólogo Richard Price que Chalhoub hegemónica da gentry sobre a plebe. Em parte via paternalismo, mas,
recorre para apresentar suas definições de cultura e sociedade, como principalmente, pelo consenso construído em torno do "domínio da
as que se seguem; lei" à qual todos os ingleses "livres de nascimento" poderiam recorrer,
Thompson quer demonstrar como se pode falar nessa complexa
[...] por "cultura" entende-se um corpo de crenças e valores,
relação de dominação de classes em que o consenso se sobrepõe à -
socialmente adquiridos e modelados, que servem a um grupo
organizado como guias de comportamento: por "sociedade" ou reveste a - força. O complicado é que Gramsci contextualizou as
entende-se a arena de luta ou as circunstâncias sociais que formas de dominação hegemónicas a partir do fim do século XIX,
dariam ensejo à utilização das formas ou alternativas culturais no quadro das "democracias de massa" do ocidente europeu, com
disponíveis. (Chalhoub, 1990, p. 25) partidos operários, voto universal etc., ou seja, com as classes sociais
É fato que a dimensão do conflito é bastante valorizada nessa fundamentais do capitalismo em seu momento de maior organização
construção, mas ainda assim se trata de uma definição deveras am- coletiva. E o terreno da luta de classes do século XVIII na Inglaterra,
pliada de cultura e bastante subsumida de sociedade, que não parece segundo o próprio Thompson, era o terreno da "luta de classes sem
das mais compatíveis com as críticas que Thompson dirige ao uso classes", ou seja, em que a plebe - ele se recusa a usar outro termo
corrente do conceito de cultura em Costumes em comum e menos mais preciso - não era ainda a classe trabalhadora que se formaria nas
ainda com o tom duro que adotou na crítica a Raymond Williams primeiras décadas do século XIX.
228 * MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... 229

Trata-se, portanto, em Thompson, de uma expansão bastante [...] não seria melhor recuperar os escravos como sujeitos
livre do conceito de forma de dominação hegemónica de Gramsci. O históricos, agenciadores de suas vidas mesmo em condições
que dizer então do Brasil escravista? Se as díades de Gramsci são pares adversas, não apenas como vítimas? Sobre vítimas é possível
somente um discurso de pena, proteção, discurso que tira
conceituais não excludentes, em que somente em análises históricas desses homens e mulheres sua capacidade de criar, de
de situações concretas se pode "dosar" o peso de cada componente, agenciar e ter consciências políticas diferenciadas. (Lara, S.,
isso não nos autoriza a inverter a lógica de sua construção conceituai. í, p. 355)
Ou seja, como falar em hegemonia - quer dizer, em consenso se
Concordo integralmente com a perspectiva que indica a
sobrepondo ou revestindo a coerção - numa sociedade escravista, em
necessidade de algo mais que violência para manter a estabilidade
que a relação social fundamental é construída primeiramente com
do sistema e com a ideia de que o discurso da vitimizacão acaba por
base na força e na coerção? Não quero com isso negar que as lutas de
diminuir a ação dos(as) trabalhadores(as) escravizados(as) como
classe do período escravista se travassem também por meio das dis-
sujeitos, mas questiono se não há um certo exagero na proposta inter-
putas de interpretação sobre os significados da liberdade envolvidas
pretativa que os vê como "seres que agenciavam suas vidas enquanto
na questão da alforria, como Chalhoub demonstra brilhantemente, escravos" (Lara, S., 1988, p. 353). O termo "agência"- no sentido de
mas a ênfase no aspecto da "hegemonia" me parece aí sobre-estimada.27 ação humana, característica do sujeito social -, como tradução literal
Em outro trabalho, já levantei a questão de que nem sempre do inglês, não é dos mais fáceis e se presta a confusões, mas os limites
a dimensão da "ambivalência" desenvolvida com extremo cuidado da "agência" - nesse sentido thompsoniano - dos cativos são bastante
por Chalhoub, é tomada como central por outros estudos que dele evidentes quando lembramos que aquelas pessoas, mesmo que
partiram fé também buscaram referência em Thompson), como, por pudessem interferir em algum nível nesse processo, eram vendidas,
exemplo, quando se trata dos efeitos da lei de 1871 no que tange ao compradas e alugadas nas "agências" e por "agentes" no sentido mais
"direito" dos escravos ao pecúlio e à requisição de mediação judi- comercial do termo, que é corrente entre nós.
cial para compra da alforria (Mattos, 2008, p. 152-154). Aqui quero O problema maior reside na forma como a perspectiva de
apenas sublinhar que tal ênfase nos consensos - ainda que ambiva- Thompson aplicada à análise da classe trabalhadora inglesa - en-
lentes - em torno da relação senhor/escravo acaba por conduzir volvendo a questão da consciência - parece estar sendo transplantada,
o autor a uma valorização quase exclusiva das estratégias de luta sem muitas mediações, em algumas dessas passagens, para o Brasil
pela liberdade que se dão "no interior" da ordem senhorial e a uma escravista. A plebe inglesa do século XVIII, com seus valores com ba-
consequente desvalorização das estratégias contrassistèmicas. É o que se concreta de "liberdade" e sua "igualdade perante a lei", não desen-
se percebe na famosa passagem da conclusão de seu livro em que ataca volveu, segundo Thompson, uma consciência de classe.28 De que
a teoria do "escravo coisa" e afirma que o binómio escravo vítima/ "consciência política diferenciada" estaríamos falando quando nos
escravo rebelde é parte dessa teoria. A alternativa estaria em buscar referimos aos escravos? Não há resposta simples para essa questão,
os que "pressionaram pela mudança, em seu benefício, de aspectos mas por certo que a ideia da luta de classes sem classes de Thompson
institucionais daquela sociedade" (Chalhoub, 1990, p. 252-253). Trata- chama mais a atenção para a necessidade de se encararem os limites
-se de "combater no campo de possibilidades largamente mapeado da consciência dos grupos sociais subalternos - classes, mas em seu
pelos adversários" (ibid., p. 253). sentido "heurístico" - em sociedades pré-capitalistas.
O mesmo objetivo de superar o discurso do escravo como É possível sugerir como hipótese que, no momento final da
simples "vítima" da violência do escravismo é apresentado por Sílvia escravidão, quando as lutas pela liberdade tendem a criar uma rede
Lara, levando-a a propor: de solidariedade entre cativos, libertos e setores sociais "livres" -
230 *• MARCELO BADARO MATTOS E. P, THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... 231
particularmente trabalhadores —, uma determinada consciência escravidão no Brasil? Julgo difícil sustentar tal hipótese, ou seja, na
de classe se manifesta entre os trabalhadores escravizados. Reforça maior parte da vigência da escravidão estaríamos nos movendo no
essa hipótese o compartilhamento interno ao território nacional terreno da "luta de classes sem classes", para empregar a expressão de
- principalmente em suas maiores cidades - de experiências entre Thompson. Isso, porém, não nos dispensa em absoluto de investigar
escravizados em luta pelo fim da escravidão e trabalhadores "livres" e valorizar a racionalidade própria às ações coletivas dos que foram
construindo suas novas organizações e formas de luta. Podemos submetidos à escravidão.
ainda mencionar o fato, no plano das relações internacionais, de que No entanto, o que dizer sobre a historiografia do trabalho
o capitalismo, ao espalhar-se pelo globo, socializando os processos quando tratando dos trabalhadores "livres"?
de expropriação e as relações de produção que lhe são próprias,
propiciou também a difusão de formas organizativas, modelos de luta
Thompson e a história do movimento operário no Brasil
coletiva e propostas ideológicas às quais certamente os escravizados
não ficaram imunes. No que tange aos estudos sobre a classe trabalhadora "livre"
Todavia, tais hipóteses podem ser testadas para o século Cláudio Batalha já apontou a importância tanto da emergência das
XIX, que constitui o período da chamada "segunda escravidão", greves do ABC quanto "a contribuição e influência da produção
na interessante definição de Dale Tomich. Tomich visa dar conta historiográfica vinda do exterior" (Batalha, 2001, p. 152) para a
do momento em que a escravidão se integra à dinâmica de um renovação dos estudos produzidos nos anos 1980. Segundo ele,
capitalismo industrial já em franco desenvolvimento na Europa, o "um papel primordial coube à historiografia marxista inglesa,
que distingue aquele momento da etapa anterior, em que as relações particularmente A formação da classe operária inglesa, de Edward
escravistas se inseriam no processo de acumulação primitiva de Thompson" (ibid.).
capital (ou do "capitalismo comercial" conforme outros preferem No Brasil, como em outros países, a classe trabalhadora
caracterizar o período dos séculos XIV a XVIII).29 Nas palavras de demorou a penetrar as universidades não apenas como um corpo
Tomich, no século XIX, quando as relações tipicamente capitalistas discente, mas também como objeto. As primeiras histórias do movi-
de produção já dominam na Inglaterra, "a escravidão não é mais um mento operário no Brasil foram escritas por militantes em livros
pressuposto histórico da produção capitalista, isto é, condição para a que tangenciavam quase sempre a literatura memorialística. A
emergência desta" (Tomich, 1992, p. 116). Agora, com a reprodução posição política dos militantes e as disputas internas do movimento
ampliada da relação capital-trabalho, seriam redefinidas as relações plasmavam-se muito diretamente na história que escreviam.30
entre o trabalho assalariado e outras formas de trabalho e, assim, a Os estudos académicos sobre a classe trabalhadora e o sindica-
escravidão passa a reproduzir-se como "produto do capital e é recons- lismo no Brasil viveram certos ciclos quanto às Unhas interpretativas
tituída dentro do desenvolvimento dos processos históricos da acumu- mais gerais. De início, predominaram as abordagens centradas na
lação capitalista e reprodução ampliada do capital" (ibid., p. 116-117). caracterização da origem (rural, recente etc.) da classe operária como
Seria possível estender tal caracterização para o momento an- fator determinante dos padrões de sua ação coletiva.31 As críticas mais
terior e tratar de todo o período escravista nos marcos de unia dinâ- contundentes a esse primeiro ciclo de análises deram destaque ao
mica da luta de classes em que os trabalhadores escravizados possam aspecto essencialmente político da ação coletiva da classe, valorizando
ser compreendidos como sujeitos coíetivos portadores de uma as concepções e práticas da vanguarda política (o Partido Comunista
consciência de classe no sentido que Thompson atribui ao termo, do Brasil (PCB) e suas lideranças) na explicação dos caminhos da
como parece estar implícito em algumas das novas análises sobre a ação sindical.32
232 *• MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... 233
Embora excludentes nos princípios, esses dois referenciais A entrada na cena universitária dos estudos históricos sobre os
de análise tenderam a caracterizar a classe trabalhadora no Brasil,
trabalhadores contribuiria para alterar tal visão, mas não de imediato.
em especial no período anterior a 1964, no negativo. Comparando Thompson, ou melhor, a leitura de suas obras pelos historiadores
a classe e o sindicato a modelos internacionais ou comparando o brasileiros, teve algo a ver com isso.
momento anterior ao golpe militar ao período posterior à erupção As referências iniciais a Thompson nos estudos sobre o mo-
do novo sindicalismo, no pós-1978, tendeu-se a definir o movimento vimento operário brasileiro desenvolvidos por historiadores univer-
operário daquele período como pouco combativo, cupulista e atrela- sitários já se encontram nos primeiros trabalhos desses historiadores.
do ao Estado. A definição paradigmática do "sindicalismo populista" O exemplo mais evidente é o de Bóris Fausto que, com seu Trabalho
foi elaborada por Francisco Weffort (1973, p. 67): urbano e conflito social (1976), publicou o primeiro estudo histórico
[...] no plano da orientação, subordina-se à ideologia produzido no âmbito universitário sobre o tema.
nacionalista e se volta para uma política de reformas e de Os estudos publicados na virada dos anos 1970 para os 1980,
colaboração de classes; no plano da organização, caracteriza-se centrados principalmente na análise da formação da classe operária
por uma estrutura dual em que as chamadas "organizações
no Brasil, introduziram maior quantidade e mais efetivamente
paralelas", formadas por iniciativa da esquerda, passam a
servir de complemento à estrutura sindical oficial, inspirada incorporaram referências ao historiador inglês. É o caso do texto
no corporativismo fascista como um apêndice da estrutura escrito entre 1979 e 1981 e publicado no ano seguinte por Hardman
do Estado; no plano político, subordina-se às vicissitudes da e Leonardí (Hardman e Leonardi, 1982). No livro há referências
aliança formada pela esquerda com Goulart e outros políticos a Thompson já no prefácio de Paulo Sérgio Pinheiro, que tentava
fiéis à tradição de Vargas. mostrar como a definição de classe a partir de Thompson permitia
Essa caracterização no negativo da classe e de sua ação sindical romper com visões sobre a anomia ou fragilidade da classe operária
seria compartilhada por Leôncio Rodrigues, para quem, em contraste no Brasil. Dizia ele:
com modelos europeus, a situação da classe operária brasileira se A classe operária deve ser definida, como já lembrou E.
caracterizaria por uma P. Thompson, pelos trabalhadores como eles vivem a sua
própria história; a classe é a consciência que emerge da luta
diminuição da influência do proletariado na vida social do
de classes. Consequentemente, nenhuma experiência de uma
país e na configuração de comportamentos "classistas" menos
classe operária pode ser considerada mais "verdadeira" do que
marcados. Esses traços são imediatamente visíveis quando se
outra. Não há nenhum sentido em submeter o proletariado
atenta: a) para a fraqueza do sindicalismo brasileiro; b) para
brasileiro a uma competição com o proletariado de outros
a inexistência de "partidos operários de massa"; e c) para
países, atribuindo ao nosso uma classificação patológica:
a influência do populismo sobre as massas trabalhadoras.
fraco, apático, sofrendo de uma falsa consciência aguda, e
(Rodrigues, L., 1968, p. 341)
às vezes até como incapaz de sua missão histórica, e assim
As concepções de classe presentes naqueles estudos não com- por diante. (Hardman e Leonardi, 1982, p. 14)
partilhavam homogeneamente a leitura estrutural-determinista do O mesmo tipo de preocupação parecia estar embalando as
marxismo que Thompson procurava superar desde os anos 1950, revisões dos estudos a respeito da classe trabalhadora produzidos sob
mas estavam muito próximas de "deduzir a consciência de classe a égide da sociologia industrial ou do trabalho. Diante do retomar
que 'ela' [nesse caso, a classe operária brasileira] deveria ter {mas ra- das lutas operárias a partir de 1978, indagavam-se as interpretações
ramente tem) se estivesse adequadamente consciente de sua própria do passado operário brasileiro, revendo imagens de determinação
posição e interesses históricos reais" (Thompson, E., 1987-1988, p. 10). estrutural de uma subordinação da classe, desprovida de iniciativa
234 * MARCELO BADARO MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... » 235

histórica. É o tipo de análise que compõe a resenha de Paoíi, Sader ressalva à ideia, que acreditam estar em Thompson, de uma "cultura
e Telles, publicada pela Revista Brasileira de História em 1983. operária". Definindo cultura à maneira de Williams em Cultura e
Embora Thompson não seja ali explicitamente citado - ao contrário sociedade, como "todo um modo de vida" entendem, a partir de
de Castoríadis, que aparece no título e em referência no primeiro Trotskí, que não há possibilidade de uma "cultura operária", pois cada
parágrafo do texto -, percebe-se a presença de uma dada leitura de classe dominante forma a cultura dominante de sua época. A ideia
seu conceito de experiência e de agência dos sujeitos, que, como de uma cultura proletária seria relativa mesmo na fase de transição
vimos, estava presente de forma mais explícita em outros trabalhos para a sociedade socialista, pois, embora os proletários imprimam aí
dos autores da resenha: sua marca à produção cultural, a tendência deveria ser à supressão
Impressionados pelas demonstrações desses sinais de vida das classes, perdendo sentido o problema de uma cultura de classes
própria dos dominados, muitos de nós nos voltamos para a (Hardman e Leonardi, 1982, p. 318-319). Tal viés de diálogo entre
interrogação do seu significado e de sua gestação. Vivemos Thompson e Trotski não se reproduziria com frequência no debate
todo um movimento intelectual de revisão histórica, da historiografia posterior.
buscando as raízes do presente, invisíveis nas formas passadas O impulso maior de difusão da referência a E. P. Thompson
de representação do social. Foi então questionada uma ima-
viria, porém, após a publicação em português de seu Formação da
gem construída intelectualmente, no interior da qual os tra-
balhadores eram vistos como subordinados ao Estado graças classe operária inglesa, em 1987, e os anos 1980-1990 são profunda-
a determinações estruturais da industrialização brasileira. mente marcados por essa presença. Além dessa referência mais
Apoiados nos novos movimentos sociais, toda uma produção frequente a Thompson, outra característica dos estudos mais recentes
teórica recente procura captar nas experiências dos dominados na história social do trabalho brasileira é o avanço recorrente de seus
a inteligibilidade de suas práticas. O que para nós definiu uma recortes cronológicos de pesquisa para o período pós-1930.
ruptura com a produção anterior sobre a classe operária foi Um bom exemplo é a obra A invenção do trabalhismo, de
a noção de sujeito que emerge dessa nova produção, isto é, o
Angela Gomes, que, publicada em 1988, logo se transformou em re-
estatuto conferido às práticas dos trabalhadores, como dotadas
de sentido, peso político e significado histórico na dinâmica ferência fundamental dos estudos posteriores sobre as relações entre
da sociedade. E foi precisamente isso que estruturou nossa trabalhadores e Estado na Era Vargas, embora também apresente uma
questão e nos levou a pensar as obras do período anterior contribuição muito significativa para o debate sobre o movimento
como compondo um paradigma no qual a classe aparece como operário na Primeira República. Nela, a autora recorre a Thompson
sujeito subordinado, sem uma dinâmica própria que emerja em diversas passagens e, particularmente na "Introdução", destaca a
de suas práticas, determinado por condições exteriores à sua referência à concepção do historiador inglês de formação da classe,
existência concreta. (Paoli, Sader e Telles, 1983, p. 131-132}
pensada como sendo "tanto um fato de história económica quanto
Retomando a discussão de Hardman e Leonardi, Thompson um fato de história política e cultural" (Gomes, A., 1988, p. 16). Tal
aparece em seu estudo, também a partir da discussão sobre "um aporte foi decisivo para uma análise que destacou a "palavra operária"
determinado conceito de classe, que, fugindo às classificações aca- no processo de formação da classe nos anos anteriores à chegada de
démicas e sociologizantes, as quais esvaziam historicamente seu sen- Vargas ao poder, bem como para uma percepção dos trabalhadores
tido, ao defini-lo como 'estrutura' ou 'categoria', tenta apreendê-lo como sujeitos conscientes no processo de implantação da proposta
concretamente" (Hardman e Leonardi, 1982, p. 317-318). E passam trabalhista.
então a citar Thompson, em algumas das famosas passagens do Toda uma sequência posterior de estudos buscou, abordando
prefácio de A formação. Interessante notar que os autores fazem uma o período compreendido entre os anos 1930 e o início da ditadura
236 MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... • 237

militar, rever os usos tradicionais da caracterização do período como vos o que se inscrevera na lei. É o que faz Alexandre Fortes quando
marcado pelo populismo - e em especial a ideia de um sindicalismo reivindica Thompson para afirmar que a intenção de seu trabalho
populista - para destacar o papel ativo dos trabalhadores e suas é "realizar uma história social da política considerando, como
organizações no período. Sob a influência de Thompson, tais estudos Thompson, que a construção de direitos perpassa a própria formação
também procuraram pautar-se pela valorização da "agência" da classe da classe trabalhadora, e deita raízes nas características culturais pe-
trabalhadora. culiares assumidas pelas suas configurações em diferentes contextos
Hoje já é possível listar muitos exemplos de trabalhos que históricos" (Fortes, 2004, p. 21).35
questionam os limites das análises centradas em tal caracterização Cabe aqui um pequeno desvio na sequência da argumentação
do "sindicalismo populista".33 Porém, o debate sobre o populismo foi para chamar a atenção para a forma como a influência de Thompson
além, incluindo uma revisão do conceito mesmo, que para alguns foi incorporada por estudos da história social do trabalho preocupa-
deveria ser restringido a sua dimensão mais estritamente política, dos com essa questão do direito.
tendendo a circunscrever-se a uma caracterização da forma de exer-
cício da dominação no plano do Estado, naquele período, e, para Thompson e a luta por direitos
outros, deveria ser completamente abandonado. Tal debate interessa
mais diretamente a essa discussão não tanto pelo seu conteúdo espe- Na tese que deu origem ao livro Nós do quarto distrito,
cífico o qual, é claro, não se pode deixar de mencionar, mas especial- Alexandre Fortes esclarece melhor o contexto do que considera ser
mente pelo recurso a E. P. Thompson como uma referência central a uma mudança de foco na historiografia do trabalho (e no campo mais
todos os trabalhos de historiadores que investiram no debate recente amplo de estudos sobre a sociedade brasileira) de fins dos anos 1980
sobre o populismo. em diante. Em sua análise, as pesquisas do início da década, também
A primeira linha de análise, que restringe a abrangência do influenciadas pela busca da agência dos trabalhadores em perspectiva
conceito, é adotada por Hélio da Costa e Fernando T. da Silva, em thompsoniana, estiveram mais centradas em destacar rupturas do
artigo no qual caracterizam o populismo como "um espaço de lutas movimento operário - especialmente a partir de 1978 - com as
políticas e económicas dos trabalhadores, tornando-se um campo, amarras da legislação sindical impostas pelo Estado, trabalhando
portanto, mais complexo e dinâmico do que pressupunham as teses com uma dicotomia, herdada dos anos 1960, entre autonomia e
que reforçavam a imagem de uma classe operária passiva e manipulada heteronomia. Quando olhavam para o período anterior a 1930, o
pelo Estado" (Costa e Silva, 2001, p. 271}. Para sustentarem sua análise, faziam na perspectiva da busca da autonomia perdida.
os autores recorrem aos estudos de Thompson sobre paternalismo, Já os estudos mais recentes foram construídos sob o impacto
cultura plebeia e justiça na Inglaterra do século XVIII, buscando de outro conjunto de acontecimentos e processos: a campanha das
ali "alguns princípios gerais da noção de hegemonia utilizada Diretas Já de 1984, os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte
por Thompson [que] permitem perceber como os trabalhadores em 1987-1988, a mobilização pelo impeachment de Collor em
retiravam da ideologia formal do 'modelo paternalista' os recursos 1992. Já tinham cerca de uma década de vida legal e ativa os par-
necessários às suas demandas e lutas, utilizando-o como algo que tidos de esquerda e a existência real, ainda que não legalizada, de
pertencia ao seu património adquirido" (Costa e Silva, 2001, p. 224) .34 centrais sindicais nacionais. Por isso, refletiriam uma superação
Um dos caminhos mais profícuos de análise com tal referência daquela dicotomia, inaugurando um momento da cidadania cuja
foi o estudo das formas pelas quais os trabalhadores perceberam a consequência sobre o trabalho dos historiadores seria uma abor-
legislação trabalhista, lutando para materializar em direitos efeti- dagem do problema da 'agência' histórica dos trabalhadores, como
238 *• MARCELO BADARO MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... * 239

parte da sociedade brasileira, [que] passaria então por uma mutação, é abordado e valoriza especialmente o famoso capítulo final de
assumindo a forma do debate sobre o que se convencionou chamar Senhores e caçadores. A dimensão política da reflexão de Duarte sobre
de 'cidadania ativa1" (Fortes, 2001, p. XXI).36 a obra de Thompson é explicitada numa defesa da democracia:
Sua proposta interpretativa concede bastante espaço para o A defesa de Thompson do domínio da lei como um benefício
papel das lutas dos trabalhadores na conquista dos direitos, afinal, humano inquestionável sugere, também, que se repense a ma-
o desenvolvimento da cidadania aparece corno expressão de lutas neira como normalmente se faz a crítica aos regimes liberal-
-democráticos. Muitas vezes, a crítica ao capitalismo implica,
sociais, assim como os direitos emergem da resistência (Fortes, 2001,
equivocadamente, uma crítica à democracia, como se ambos
p. XXVI). E os estudos históricos sobre a trajetória da classe traba- compusessem uma unidade inseparável. Não se pode perder
lhadora brasileira no pós-1930 (ou mesmo antes) estariam demons- de vista que o capitalismo só se tornou democrático com a
trando como essa lógica de luta por direitos como busca da cidadania difícil e longa luta pelos direitos: direitos civis, no século XVIII;
ativa não era uma novidade da redemocratização iniciada no final da direitos políticos no século XIX; direitos sociais no século XX.
década de 1970.37 E essas conquistas devem ser tomadas também como "bens
humanos incondicionais". Portanto, foi a ação e a palavra "dos
Tal perspectiva assume uma conotação política clara, chaman- de baixo" que, progressivamente, não só tornaram o libera-
do a atenção para o fato de que, apesar das tendências antidemocrá- lismo democrático como, em muitas ocasiões, erigiram ante-
ticas das classes dominantes, os trabalhadores teriam procurado ga- paros ao furor destrutivo do capitalismo. A democracia deve
rantir o domínio da lei, integrando-se ao corpo da nação. Em suas ser um fim em si mesma e não apenas um meio e, muito
palavras: menos ainda, um simples instrumento. Defender o domínio
da lei contra o poder arbitrário pode significar, também,
É bem verdade que o domínio da lei não tem sido prezado num certo sentido, uma "defesa das regras do jogo". O poder
pelas classes dominantes brasileiras. Entre os excluídos dos arbitrário, o qual Thompson recusa, necessariamente implica
benefícios do desenvolvimento económico, porém, ele tem violência, e onde ela emerge desaparece a política como ação,
sido buscado como meio de reconstrução de uma noção palavra e contingência. E o poder arbitrário, e a violência que
de merecimento e pertencimento à comunidade nacional. ele engendra, representa riscos imensuráveis, principalmente
Esse é o processo que leva a crença simbólica nos direitos para "os de baixo". (Duarte, 2012}38
a se constituir na própria expressão do espaço conquistado
pelos setores populares em sua luta pela transformação da A ênfase política de Duarte na defesa do "domínio da lei" como
sociedade brasileira. (Fortes, 2001, p. XXX) "um bem humano universal" se apoia efetivamente em Thompson,
Embora definindo a luta dos setores populares como voltada mas o autor não deixa de destacar que esse não é o único sentido da
para a transformação social, tal modelo de análise da luta por cida- análise da lei em Thompson. Afinal, em diversos outros momentos
dania parece entender essa transformação nos termos de uma luta de sua obra, o historiador inglês mostrou como a lei e o "teatro dos
por inclusão na comunidade nacional, em prejuízo evidente da com- tribunais" haviam servido como instrumentos de construção da
preensão da dinâmica contrassistêmica - isto é, anticapitalista - que hegemonia dagentry sobre a plebe na Inglaterra no século XVIII, ou
os movimentos da classe eventualmente possam ter apresentado. seja, eram parte central em um processo de dominação social.39 Por
Esse horizonte político é o rnesmo que orienta a recuperação isso, Duarte acredita que, ao longo de sua obra, Thompson esteja
das reflexões de Thompson sobre a lei e o direito em artigo especi- operando com dois modos distintos, e muitas vezes antagónicos, de
ficamente direcionado a esse tema, de Adriano Duarte. Duarte analisa apreensão do universo da lei. Ora a lei aparece como mediação dos
vários textos do historiador inglês em que o tema da lei e do direito conflitos de classe, ora aparece como expressão da dominação de
240 MARCELO BADARO MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... » 241

uma classe sobre a outra. Essa variação depende do contexto (Duarte, mais coletivo da justiça como arena da luta de classes, destacado pelas
2012). Em outra passagem, Duarte esclarece que "Thompson de autoras, para uma dimensão mais individual. Sem negar o conflito,
maneira alguma nega que haja uma função classista e mistificadora tal deslocamento canaliza suas manifestações para os mecanismos
na lei. Porém, ela não pode ser reduzida a apenas isso, ou a uma mera institucionais no interior da ordem, o que pode dar a impressão de
tipologia de estruturas e superestruturas"(ibid.). Enfim, a dialética que a arena do judiciário é certamente palco de conflitos, mas de certa
da lei poderia ser percebida pelo argumento central de Thompson forma também é neutra, pois a ação por meio dos mecanismos da lei
de que, não só seria acionada, rnas também formulada pelos indivíduos que
obviamente, não se pode acreditar na imparcialidade abstra- a ela recorrem. Nas palavras das autoras:
ta da lei. Onde há desigualdade de classe, a lei sempre será [...] não se trata de obscurecer as relações de dominação e
uma impostura. Não obstante, nos contextos mais varia- desigualdade das partes envolvidas nesses conflitos, mas de
dos, a lei não serve apenas para reforçar o poder dos domi- mostrar como, em cada conjuntura específica, essas lógicas
nantes, muitas vezes ela limita esse poder de um modo es- políticas e jurídicas foram formuladas e acionadas por
pecífico e eficaz e, ao fazê-lo, dá aos "de baixo" certas armas indivíduos situados em campos sociais radicalmente opostos.
que legitimam suas ações e restringem sua submissão. (Lara, S. e Mendonça, 2006, p. 13)
(Duarte, 2012)
De certa forma, há uma convergência teórica, mas com certeza
No contexto recente de aproximação entre estudos sobre a também política, entre a forma como Sidney Chalhoub valoriza a
escravidão e pesquisas sobre o movimento operário, a referência ação dos escravos "no campo de possibilidades largamente mapeado
comum a Thompson nas discussões sobre a lei e o direito - tipica- pelos adversários" {Chalhoub, 1990, p. 253), a atenção de Alexandre
mente orientadas pelo "momento da cidadania" de que fala Fortes Fortes à luta dos "setores populares" como orientada pelo desejo
- levou à discussão dos paralelos entre as lutas dos escravos pela de "inclusão na comunidade nacional", a defesa de Adriano Duarte
liberdade (recorrendo aos caminhos da lei) e as lutas por direito dos "das regras do jogo" e o apreço de Lara e Mendonça pela ação dos
trabalhadores "livres" no pós-1930. Um bom exemplo desse mo- indivíduos situados em campos sociais distintos, "formulando e
vimento historiográfico é a coletânea organizada por Silvia Lara e acionando" as lógicas políticas e jurídicas da lei. Tal confluência
Joseli Mendonça, Direitos e justiça no Brasil. Na apresentação da obra, política se dá no contexto do processo de redemocratização brasileira
as organizadoras enfatizam que a "lei e a justiça [...] deixaram de e dos caminhos trilhados, especialmente a partir da década de 1990,
ser vistas como simples instrumentos de dominação de classe para pelas principais formas organizativas construídas pelos trabalhadores
se configurarem como recursos que poderiam ser acionados por brasileiros nos anos 1980.
diferentes sujeitos históricos que lhes atribuíam significados sociais Pelo que discuti no primeiro capítulo, considero que tal com-
distintos" (Lara, S. e Mendonça, 2006, p. 12)."° binação entre leitura histórica e posição política é plenamente
Essa leitura, embora também nitidamente inspirada em compatível com a referência a Thompson. Afinal, ele sempre cons-
Thompson, parece ser menos nuançada que aquela de Duarte, que truiu argumentos hístoriográficos cuja inspiração no debate político
ressalta com mais clareza o sentido da lei como instrumento de de seu tempo é indiscutível. Fez isso sem qualquer concessão à
dominação não necessariamente simples, paralelo ao sentido do flexibilização do método científico de pesquisa histórica ou, como
domínio da lei como bem humano incondicional em Thompson. Na ele preferia, da lógica da história. Ou seja, estou distante aqui do
apresentação de Lara e Mendonça, a positivação do caminho legal de relativismo pós-moderno que apresenta as posições políticas dos
acesso aos direitos passa inclusive por um deslocamento do sentido historiadores como determinantes últimos de suas conclusões anã-
242 * MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... » 243

líticas. O que destaquei no primeiro capítulo é que Thompson A grande referência para os que propõem essa discussão é
formulou conceitos e teve ínsights interpretativos a partir de suas a obra de Angela Gomes, A invenção do trabalhismo, já comentada
intervenções políticas no presente, mas desenvolveu suas análises da por sua importância como marco da renovação de estudos no
história por meio da pesquisa empírica em que teoria e evidência campo. Como a própria autora explicou em um artigo publicado
interagem segundo a lógica metodológica própria da história.41 Nesse originalmente em 1996 e republicado cinco anos depois com o
sentido, é possível dizer que suas considerações sobre o "domínio da
acréscimo de um pós-escrito, a crítica ao conceito de populismo
lei" são de fato uma referência bastante consistente para a discussão
em seu livro de 1987 era ainda implícita. Na forma explicitada no
da "luta por direitos" feita pelos historiadores brasileiros. Ainda que,
artigo, a alternativa se construiu em torno da "designação de pacto
do meu ponto de vista, se a defesa do "domínio da lei" (combinada
trabalhista para pensar as relações construídas entre Estado e classe
com a discussão sobre o "teatro dos tribunais" e as formas de domi-
trabalhadora" (Gomes, A., 2001, p. 47). Segundo a autora, a ideia de
nação ancoradas no sistema legal) em Thompson pode ser associada
pacto "procurava enfatizar a relação entre atores desiguais, mas onde
ao seu "reformismo-revolucionário", ou à "reforma como tática,
revolução como estratégia", conforme procurei caracterizar sua vi- não há um Estado todo-poderoso nem uma classe passiva porque
são da política socialista no primeiro capítulo, os debates dos his- fraca numérica e politicamente" (ibid). No pós-escrito incluído na
toriadores brasileiros parecem valorizar mais a perna "reformista" republicaçào de seu artigo em 2001, há um avanço que substitui
na sua leitura de Thompson, ou seja, tendem a tomar a tática por o "pacto trabalhista" pela expressão mais simples "trabalhismo",
estratégia. opondo-a de forma ainda mais explícita ao populismo. Repetindo de
Porém, se o recurso a Thompson como referência aproxima forma sintética sua rejeição às ideias subjacentes ao uso da palavra
muitos estudos recentes de história social do trabalho, há diferenças "populismo" - "classe trabalhadora 'passiva' e sem consciência,
significativas nas leituras que cada um deles faz desse referencial sendo 'manipulada' por políticos inescrupulosos que a 'enganavam',
thompsoniano. Exemplos de outra natureza dessa diversidade de e que não tinham, na verdade, representatividade política e social"
leituras podem ser buscados numa outra vertente analítica que (Gomes, A., 2001, p. 55) -, a autora afirma que optou por utilizar a
também participa do debate sobre o populísmo e as relações entre palavra "trabalhismo", cuja "invenção" acompanhara. Em sua análise,
Estado e trabalhadores no período 1945-1964. "trabalhismo seria usado [...] como uma categoria, passando a se
referir a um certo conjunto de ideias e práticas políticas, partidárias e
Sai populismo, entra trabalhismo; sindicais, o que poderia ser identificado para além de seu contexto de
sai marxismo, entra Thompson? origem histórica: o Estado Novo" (ibid.).
A interpretação da relação entre Estado e trabalhadores no
A crítica às teses que caracterizaram a classe como passiva pós-1930, centrada na valorização do trabalhismo, busca sustentar-se
e manipulada, assim como as referências a Thompson, são com- na referência a Edward Thompson, embora de uma forma distinta
partilhadas por outro conjunto de autores e trabalhos preocupados da adotada pelos historiadores que defini como associados à tese da
em rever as interpretações da relação entre Estado e trabalhadores "luta por direitos". Já mencionei como, em A invenção do trabalhismo,
no pós-1930. Suas conclusões, porém, são distintas das teses esposa- Angela Gomes cita o historiador inglês como referência.
das pelos trabalhos afinados com o "paradigma da cidadania" em Porém, quem levou mais longe a proposta de substituição
suas análises sobre a "luta por direitos", visto que esse outro grupo de do conceito de populismo pelo de trabalhismo não foi Angela
autores propõe a rejeição do termo "populismo" e sua substituição Gomes, rnas Jorge Ferreira, organizador da coletânea em que Gomes
por "trabalhismo".42 republicou seu artigo e autor de outro artigo na mesma obra. A tese
244 MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRITICA ATIVA... » 245

de Ferreira é mais radical, pois se, para Angela Gomes, a ideia de o que o leva a concluir que "houve uma regressão na maneira de se
"pacto trabalhista" envolvia Estado e trabalhadores numa "relação pensarem as relações entre Estado e classe trabalhadora na época de
entre atores desiguais", no texto de Jorge Ferreira, a assimetria dos Vargas" (Ferreira, 2001, p. 85). O autor afirma não pretender negar
atores é esquecida. Em seu lugar, surge "uma relação em que as par- a existência do aparato repressivo e de propaganda do governo, mas
tes, Estado e classe trabalhadora, identificaram interesses comuns" questiona a abordagem das "relações entre Estado e classe trabalha-
(Ferreira, 2001, p. 103). dora a partir de paradigmas explicativos, ao mesmo tempo opostos
Analogamente, o discurso trabalhista - que para Angela e complementares, centrados na repressão e na manipulação, am-
Gomes "apropria e ressignifica o discurso operário" construído na bos surgindo como formas de violência estatal sobre os assalariados,
Primeira República -, no artigo de Jorge Ferreira, aparece com outra física uma dimensão, ideológica a outra" (Ferreira, 2001, p. 88).
significação, como uma continuidade, não uma apropriação, da Não cabem aqui, simplesmente por uma questão de foco da análise,
"palavra operária": "no trabalhismo estavam presentes ideias, crenças, comentários sobre a forma como os conceitos de Gramsci são trata-
valores e códigos comportamentais que circulavam entre os próprios dos por Ferreira, embora, pela maneira como apresentei alguns
trabalhadores muito antes de 1930" (Ferreira, 2001, p. 103). aspectos da obra do revolucionário sardo nos capítulos anteriores, já
No que interessa mais para minha discussão, Thompson é deva estar claro que discordo desse tratamento.
também invocado por Ferreira como referência fundamental, sendo Por outro lado, na crítica ao conceito de populismo desen-
citado em várias passagens. E Ferreira o faz opondo não apenas sua volvida por Ferreira, encontramos Thompson associado aos mais
concepção de trabalhismo às concepções dos teóricos do populismo, diversos autores que estudaram a "cultura popular", como Cario
mas opondo Thompson ao que ele considera ser a principal referência Ginzburg, Roger Chartier, Peter Burke, Robert Darnton, Natalie
teórica daqueles teóricos: a obra de António Gramsci. Já no artigo Davis, Giovani Levi, apresentados corno historiadores que "passa-
de Angela Gomes comentado, as análises tradicionais do populismo ram a utilizar o conceito de cultura - categoria até então restrita às
são associadas a uma matriz conceituai baseada na obra do italiano análises antropológicas" (Ferreira, 2001, p. 98-99). O historiador
António Gramsci. Já os estudos que renovaram o campo partiam inglês também é associado a uma "narrativa densa" - talvez numa
muitas vezes da referência a Edward Palmer Thompson. Nas palavras referência não explicitada à descrição densa de Gertz. Tudo isso
da autora, "Gramsci, muito utilizado nas análises sobre o fenómeno é compatibilizado com o subtítulo "De Gramsci a Ginzburg, de
populista no Brasil, começava a ganhar competidores dentro do Foucault a Thompson" (ibid., p. 97).
próprio campo marxista, que se renovava, merecendo destaque a O resultado de tal mescla teórica é uma análise que trata o
contribuição de E. P. Thompson" (Gomes, A., 2001, p. 44). ideário getulísta/trabalhista como correspondendo literalmente
No texto de Jorge Ferreira, porém, a associação entre a refe- à consciência de classe dos trabalhadores brasileiros da época:
rência em Gramsci e os erros da teoria do populismo é ainda mais "Compreendido como um conjunto de experiências políticas,
ressaltada. Embora afirme o refinamento do marxismo de Gramsci e económicas, sociais, ideológicas e culturais, o trabalhismo expressou
as várias possibilidades de leitura de seus conceitos, o autor acredita uma consciência de classe, legítima porque histórica" (Ferreira, 2001,
que, ao utilizarem-se do conceito de hegemonia de Gramsci, os p. 103). Ou seja, da crítica ao conceito de populismo chega-se à
historiadores brasileiros estariam simplificando a primeira definição valoração positiva de uma proposta característica, na época, de uma
de populismo, que incluía uma "tríade repressão, manipulação e perspectiva de intervenção política própria às classes dominantes
satisfação". Segundo Ferreira, por intermédio de Gramsci, a teoria que por certo encontrou eco entre uma parte da classe trabalhadora,
do populismo teria se reduzido à "dicotomia repressão e persuasão", pautada pela conciliação de classes - o trabalhismo. Este aparece en-
246 * MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... * 247

tão não apenas como conceito substitutivo, mas como corresponden- história cultural", por ele identificada como uma evolução da "histó-
te à própria consciência da classe naquele momento. E Thompson é ria das mentalidades" de matriz francesa (Cardoso, C. e Vainfas, 1997,
apresentado como referência para tais conclusões. p. 155). Tal perspectiva permite toda sorte de confusões sobre a obra
Nesse caso, acredito que há uma leitura da obra de Thompson de Thompson, como as afirmações de que ela "parte de um marxismo
que despreza vários dos argumentos postos pelo historiador inglês mais convencional (estudo de ideologias, consciências de classe etc.)
contra proposições semelhantes às apresentadas por Ferreira. Em para um conceito mais elástico e histórico-antropológico de cultura
primeiro lugar, pela suposição de uma oposição entre o historiador popular", ou que "o conceito de cultura popular de Thompson expri-
inglês e o revolucionário sardo, em cujos conceitos e análises me, sem deixar de ser marxista, um relativo afastamento do autor em
Thompson explicitamente se baseou, combinada com a aproximação relação à tradição marxista britânica" (ibid., p. 157).
de Thompson a autores que ele explicitamente criticou, justamente Não preciso retomar todos os argumentos do capítulo 3, nem
no debate sobre o conceito de "cultura popular" (como no caso de tampouco as passagens de Thompson em Costumes em comum,
Peter Burke, conforme discuti no capítulo 3). Além disso, pelo tra- criticando os usos correntes do termo "cultura popular" ou sua crítica
tamento bastante distinto do de Thompson quanto ao conceito de a Williams nos anos 1960, resgatada mais de quinze anos depois no
consciência de classe, segundo o qual a consciência se desenvolve debate que se seguiu à publicação de A miséria da teoria, para afirmar
por meio da percepção de que os interesses comuns à classe tra- que essas caracterizações não correspondem de forma alguma às
balhadora se opõem aos das classes dominantes. Sem mediações de concepções explicitadas nos textos de Thompson.
qualquer nível - paternalismo, ideologia, hegemonia -, apresentar o Por que então o recurso a Thompson para operar-se a domes-
trabalhismo como a consciência da classe trabalhadora brasileira é ticação aqui discutida? Uma possível resposta talvez esteja no fato
caminhar em sentido oposto ao da valorização da luta de classes em de que, no interior do debate que travou contra o que considerava
Thompson ao retirar de cena o conflito social fundamental. uma perspectiva determinista do marxismo, Thompson tenha sido
Trata-se aí de uma clara tentativa de "domesticação" das pro- acusado de culturalista por outros marxistas. Recorrer a Thompson
postas interpretativas do historiador inglês; uma domesticação que seria, nesse sentido, uma busca de legitimação no interior do próprio
é perpassada por um viés "culturalista", de difícil associação com os debate marxista para o culturalismo praticado pelos seus "usuários".
textos de Thompson. Tomo domesticação no sentido conferido por Do ponto de vista aqui assumido, a dificuldade não está,
Aijaz Ahmad, que usa o termo para se referir a uma apropriação dos portanto, no uso de referências a Thompson, mas justamente na
conceitos e dos propósitos de Gramsci, inscritos no território do tentativa de apresentar como distante do marxismo um autor que
marxismo, por uma proposta política e por uma leitura académica assume sempre compartilhar um referencial oriundo do materialis-
que apresentam como centrais no pensamento do autor italiano mo histórico - o que o leva a formular propostas interpretativas
apenas a discussão da democracia e as temáticas relacionadas à cul- voltadas para a explicação de modos de dominação social em meio à
tura (Ahmad, 2002, p. 259). dinâmica do conflito, da luta de classes. Pensar a classe por intermédio
No Brasil, porém, mais que de Gramsci, é de Thompson que de Thompson, desprezando a luta de classes para chegar a uma
encontramos com maior frequência as leituras domesticadas pelo ideia de consciência da classe trabalhadora como legitimamente
culturalismo. Nesse aspecto, a discussão sobre "cultura popular" feita representada na proposta política dos dominadores é, para dizer
por alguns historiadores brasileiros, quando incorpora Thompson, pouco, uma contradição política tanto quanto historiográfica, é claro.
parece muito claramente associá-lo a autores e debates dos quais ele Assim, retomando a discussão sobre esses dois caminhos
muitas vezes se diferenciou. Ronaldo Vaínfas, por exemplo, chega a de interpretação da trajetória da classe trabalhadora brasileira no
definir o historiador inglês como "uma espécie de Versão marxista da século XX, que buscaram inspiração em Thompson, posso concluir
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248 * MARCELO BADARÓ MATTOS

este capítulo. Primeiro, afirmando que, na leitura das teses que se entender como o historiador inglês foi incorporado ao arsenal teórico
centram na ideia da "luta por direitos", Thompson é invocado para dos historiadores brasileiros numa época em que a ascensão das lutas
lastrear uma perspectiva que apresenta os trabalhadores - como da classe trabalhadora na cena política, no período do fim da ditadura
também os escravos para as discussões sobre o período escravista militar e início do restabelecimento das instituições democráticas,
- como "sujeitos de sua própria história", ressaltando sua formação impôs as discussões sobre a classe aos estudos históricos. Na década
como classe sem esquecer os contextos específicos de luta de classes de 1990 e na década de 2000, entretanto, não apenas as lutas de
em que tal processo se dá. Tal caminho interpretativo valoriza classe refluíram, como também o referencial marxista foi posto
fundamentalmente os espaços legais/institucionais como os locais em xeque nas ciências humanas em geral. Thompson permaneceu
como referência nestas últimas duas décadas, mas seus usos foram
privilegiados para a busca da resolução dos conflitos. Os modos
de dominação e as construções hegemónicas são lembrados, mas o visivelmente diversificados, revelando não tanto uma reavaliação de
suas obras e contribuições, mas muito mais um leitura seletiva, ou em
caminho da "cidadania" como conquista e reconhecimento de direitos
alguns casos a tentativa - pouco importa se consciente ou não - de
comuns a todos(as) é o mais valorizado para o entendimento das
retirá-lo da tradição em que se apoiou.
estratégias políticas dos trabalhadores.
Já no caso das perspectivas mais claramente "domesticado r as"
da referência a Thompson para entender os trabalhadores no Brasil Notas
pós-1930, o conceito de classes sociais não pode desaparecer, mas o
1 A despeito de discordar de boa parte das interpretações de Chandavarkar
de luta de classes chega a ser esquecido completamente. Associando sobre a obra de Thompson, a leitura de seu artigo foi muito inspiradora para
o historiador inglês à tradição historiográfica francesa dos Analles a discussão que pretendi fazer neste capítulo. Agradeço a Dilip Subramanian
- tão forte como referência sobre os historiadores brasileiros - na e a Cláudio Batalha a indicação desse texto.
2 Desenvolvi inicialmente uma parte dos a'rgumentos presentes neste capítulo
discussão sobre "cultura popular" todas as restrições levantadas por
em um pequeno artigo (Mattos, 2010).
Thompson aos usos "ultraconsensuais" desse termo ficam de fora, 1 A influência de Thompson na área da educação já gerou, inclusive, uma
equiparando-se a discussão desse autor às leituras culturalistas que ele recente introdução à sua obra para educadores escrita por Bertucci et ai.
tão veementemente rechaçou. A dimensão da lei também é destaca- (2010). Também representativos são os capítulos escritos por Vendramini e
da, mas os modos de dominação desaparecem. Conceitos centrais por Marcondes e Miiller na obra coletiva organizada por Miiller e Duarte
(2012), ainda no prelo.
como o de exploração, ou mesmo a dimensão de determinação das 4 Ver, por exemplo, Sader (1988, p. 44).
relações de produção sobre a experiência, são menosprezados. Igual- 5 Em Thompson, a afirmação aparece associada à ideia da "agência", de forma

mente é desconhecida a insistência de Thompson em afirmar a fun- mais enfática em A miséria da teoria, por exemplo, na página 179. Contudo,
damentação básica do materialismo histórico contida na assertiva como procurei demonstrar, sua lógica está presente desde pelo menos os
artigos do New Reasoner em fins dos anos 1950.
de Marx de que o "ser social determina a consciência social". Isso se 6 A ênfase na discussão sobre a autonomia aparece em muitos estudos sobre os
faz no mesmo compasso em que a crítica de Thompson à tradição trabalhadores brasileiros publicados no início dos anos 1980. Uma publicação
idealista que buscou ancoragem em Marx é estendida como se fosse reuniu em seus primeiros números muito dessa discussão. Trata-se da revista
uma crítica a toda(s) a(s) tradição(ões) marxista(s), subvalorizando, Desvios, cujo primeiro número circulou em 1982 e que reunia em seu coletívo
pesquisadores e militantes como o próprio Sader, Marco Aurélio Garcia,
entretanto, a crítica tão dura quanto a primeira que Thompson de- Marilena Chaui, Maria Célia Paoli e Vera Silva Telles.
senvolve ao pensamento conservador em história. 7 Respeitei aqui a forma como os textos foram citados pelos artigos, traduzindo

Longe de querer aqui apresentar uma única leitura possível apenas os títulos, pois alguns foram citados no original. "Modos de domina-
ção" foi publicado no Brasil em As peculiaridades dos ingleses e outros artigos.
ou a leitura correta da obra de Thompson, meu esforço foi tentar
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18 Os primeiros ensaios de interpretação nessa direçao aparecem em Bastide e
"A economia moral" e "Tempo, disciplina" foram publicados em Costumes
em comum. Não fiz distinção entre artigos de pesquisadores brasileiros e Fernandes (1959). O estímulo inicia! para esse e outros estudos desenvolvidos
traduções, pois a escolha dos autores traduzidos revela opções teoricamente no Brasil veio de um projeto internacional da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Os frutos universitários
orientadas dos editores brasileiros da revista.
8 É o caso da coietânea As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, compos-
dessa linha de pesquisa é que foram mais desenvolvidos na Universidade de
São Paulo (USP), em obras como Fernandes (1978), Cardoso, F. (1962) e
ta de textos de Thompson precedidos por artigos de historiadores brasileiros
lanni (1962).
avaliando sua trajetória. Ou do dossiê especial publicado pela revista Projeto
19 Supondo que a ideia de "técnicas racionais de controle" remeta à planificação
História (1995) e da coietânea de Miiller e Duarte (2012), no prelo, derivada
de um seminário que já dera origem a um número especial da revista Esboços socialista, pouco espaço parece haver na análise do autor para a ação coletiva
dos negros em direçao a esse caminho.
(2004).
20 Os primeiros estudos a afirmarem a existência de um modo de produção
9 Os entrevistados que mencionam E. P. Thompson são EmíHa Viottí da Costa,
escravista colonial no Brasil foram publicados em Cardoso, C. (1973a; 1973b;
Fernando Novais, Maria Odila da Silva Dias, Ciro Flamarion Cardoso, Edgard
1973c). A sistematização da proposta de maior fôlego veio com Gorender
de Decca, João José Reis e Laura de Mello e Souza. Também é entrevistada
(1985).
Angela de Castro Gomes, que, embora não mencione Thompson na entre-
21 Ver também Gomes, F. (2006).
vista, recorre à sua obra em A invenção do trabalhismo (1988).
22 A proposta apresentada nos congressos sobre o tema foi publicada em um
10 Referência semelhante aparece adiante, na entrevista à p. 234.
pequeno artigo (Chalhoub, 1989), que seria retomado no ano seguinte na
11 É interessante notar que, no livro mais conhecido de Decca (1991), não há
conclusão de Chalhoub (1990).
qualquer referência a Thompson, e o debate teórico foi feito a partir do
23 Recorre nessas passagens a Thompson, E. (1981; 2001).
marxismo "clássico", com Marx e Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo e Louis
24 Gorender (1985, p. 49ss), embora destaque, conforme bem assinala Chalhoub,
Althusser sendo os autores mais citados.
os atos criminosos como a primeira manifestação de sua subjetivídade, o
12 Já toquei no ponto da relação entre Thompson e alguns dos autores citados
faz justamente para marcar a contradição entre a "coisificação" social a que
por Decca. Chama a atenção como a leitura de Decca (coordenador da
coleção que publicou A formação e Senhores e caçadores) sobre Thompson a redução à mercadoria levava o estatuto dos seres escravizados e a sua
existência efetiva como pessoas humanas, da qual não abriam mão.
é totalmente pessoal. Em outro artigo de sua autoria, para além de vários
25 Entre as várias passagens do texto de Fernando Henrique Cardoso (1962)
equívocos quanto a títulos, datas e outros detalhes (explicados pelo fato
comentadas por Chalhoub (1990, p. 38ss) que afirmam essa passagem
de que afirmou ter escrito o artigo "de memória"), o historiador brasileiro
direta da coisificação objetiva à subjetíva, podemos resgatar uma, citada por
considera que, para Thompson, "desde a década de 1960 era muito claro o
Chalhoub, em que afirma: "A reificacão do escravo produzia-se objetivamente
papel da narrativa. A narrativa é tudo, a narrativa é que constrói o objeto his-
e subjetivamente. Por um lado, tornava-se uma peça cuja necessidade social
tórico" (Decca, 1995, p. 117).
era criada e regulada pelo mecanismo económico de produção. Por outro
13 A referência a Thompson, especialmente ao artigo "Economia moral da
lado, o escravo autorrepresentava-se e era representado pelos homens livres
multidão", aparece, por exemplo, em Carvalho (1987, p. 182).
como um ser incapaz de ação autónoma. [...] Nesse sentido, a consciência
14 Ronaldo Vainfas (in Cardoso eVainfas, 1997), em capítulo dedicado a analisar
do escravo apenas registrava e espelhava, passivamente, os significados sociais
as grandes referências da história cultural, toma Thompson como um dos
que lhe eram impostos".
três "modelos" mais expressivos da história cultural (Cario Ginzburg e Roger
26 Ressalte-se que Gorender faz questão de criticar Anderson pelos pontos
Chartier seriam os outros dois) e uma "referência muito adotada" pelos
em que defende Althusser. Porém, trata como fato o que Anderson apenas
historiadores brasileiros.
insinua como uma suposta transição política de Thompson do marxismo
15 Faço um balanço mais apurado dessa discussão na "Introdução" de Mattos
ao reformismo trabalhista e enfatiza a classificação de Thompson como um
(2008). No plano internacional, ver Van der Linden (2008).
"culturalista".
15 Cabe conferir o caso emblemático de Joaquim Nabuco (1981, p. 137). Uma
27 Apesar de ser muito explícita em Thompson a referência a Gramsci para
exceção, por valorizar a luta dos próprios escravos entre os que participaram
utilizar o conceito de hegemonia, entre os historiadores brasileiros que
da campanha abolicionista, foi Moraes (1986).
reivindicam Thompson como referência há muito pouca atenção para
17 Os trabalhos de Carlos Hasenbalg (1979) são um bom exemplo de análise
essa conexão teórica. Isso talvez explique a superficialidade ou mesmo os
académica dos dados estatísticos que comprovam a persistência da desigual-
equívocos com que o conceito de hegemonia é tratado, como no caso em que
dade racial.
252 * MARCELO BADARÓ MATTOS E. P. THOMPSON E A TRADIÇÃO DE CRÍTICA ATIVA... * 253

Silvia Lara associa paternalismo a hegemonia (via Thompson) pra afirmar 1 Outro exemplo recente desse encontro entre o tema da escravidão e o do tra-
que o "conceito de hegemonia [...] nada tem em comum com a noção de balho urbano livre pós-1888, por meio do debate sobre lei e direito, aparece em
consenso" (Lara, L., 1995, p. 49). Chalhoub e Silva (2009).
2S Já comentei esse ponto no capítulo II, citando, por exemplo, E. P. Thompson "Embora qualquer teoria do processo histórico possa ser proposta, são falsas
(1998, p. 69). todas as teorias que não estejam em conformidade com as determinações da
29 Ver por exemplo, entre os vários textos em que o autor explora a questão, evidência" (Thompson, E., 1981, p. 50).
Tomich (1992). Desenvolvi pela primeira vez os argumentos aqui retomados em forma ligei-
30 Ver por exemplo o debate entre Astrogildo Pereira (1980) e José Oiticica ramente modificada no primeiro capítulo de Mattos (2003). Outro balanço
(1947) sobre a criação do PCB e os anarquistas. crítico da tentativa de substituição de populismo por trabalhismo pode ser en-
31 Essa marca se encontra de forma mais ou menos enfática nos trabalhos pionei- contrado na conclusão de Fortes (2001).
ros de Aziz Simão (1966), José Albertino Rodrigues (1968) e Leôncio Martins
Rodrigues (1966). De forma paradigmática, ela é sintetizada em Leôncio Mar-
tins Rodrigues (1970).
32 É o caso dos trabalhos de Francisco Weffort (1973; 1978; 1979).
33 Entre os historiadores, essa crítica está presente, por exemplo, nos textos réu-
nidos na coletânea Alexandre Fortes et ai. (1999). Fortes, Fernando Teixeira da
Silva, Hélio da Costa, Paulo Fontes e António Negro, seus autores, publicaram
nos últimos anos uma série de outros estudos na mesma linha crítica em rela-
ção à noção de sindicalismo populista. Todos esses autores foram orientados por
Michael Hall, outra referência fundamental para os debates sobre Thompson
no Brasil. Ver também John D. Frendi (1995) ou ainda M. B. Mattos (1998a).
34 Vale ressaltar que os autores reconhecem a origem granisciana do uso que

Thompson faz do conceito de hegemonia. No entanto, fazem referência ao


debate de Thompson sobre hegemonia no século XVIII inglês, mas passam ao
largo do fato de que todo o debate a partir de Gramsci sobre o período do pós-
1930 no Brasil localiza uma crise de hegemonia ou situa a realidade brasileira
como característica de uma "revolução passiva", conceito relativo a casos his-
tóricos em que uma dominação hegemónica não se apresenta de forma plena,
35 Uma abordagem semelhante perpassa o conjunto dos artigos reunidos na obra
coletiva Na luta por direitos. Cabe destacar que esse grupo de autores demons-
trou uma grande preocupação com o estudo sistemático da obra de Thompson,
publicando a coletânea de E. P. Thompson, As peculiaridades dos ingleses e ou-
tros artigos, que incluiu estudos sobre a trajetória do historiador inglês, além de
diversos artigos em periódicos académicos.
36 Essa discussão presente na alentada tese de Fortes não foi mantida na versão
menor da obra em livro.
37 Fortes ilustra sua avaliação com os trabalhos dos demais autores de Na luta por

direitos.
33 É interessante notar que o argumento de Duarte, além de se inspirar na perio-
dização de Marshal (1967) para a extensão dos direitos, é muito semelhante
à clássica tese de Carlos Nelson Coutinho (1984) da "democracia como valor
universal", apresentada inicialmente em 1979.
39 Ver por exemplo,"Modos de dominação e revoluções na Inglaterra" (Thompson,
E., 2001).

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