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ANPUH-PR
CADERNO DE RESUMOS
A ESCRITA DA HISTÓRIA
12 a 15 de Outubro de 2012
Londrina
PR
12 A 15 DE OUTUBRO DE 2012
A ESCRITA DA HISTÓRIA
CADERNO DE RESUMOS
Patrocínio
Comissão Organizadora
Sumário
apresentações teatrais. As novas medidas não foram bem recebidas por esses meios e logo o
debate chegou à imprensa.
Na seção “Das Casas de Espetáculos, das Diversões em Geral, dos Hotéis e Congêneres”, e,
mais especificamente, na Subseção I, chamada “Dos Espetáculos Teatrais, Cinematográficos,
Circenses, Radiofônicos e de Televisão”, o Código de Menores de 1979 previa um conjunto de
regras para que “menores” pudessem comparecer, a trabalho ou como espectadores, aos
locais que lidassem com espetáculos. Contudo, previa também que a maioria das prerrogativas
que ali constavam poderiam ser suplementadas por decisões de outras autoridades judiciais.
Era o que constava no artigo 52, o qual deixava explícito que mesmo o limite de idade fixado
pelo Serviço Federal de Censura poderia ser modificado.
Deste modo, a reportagem de Veja lida com o descontentamento dos produtores de tais
programas de entretenimento. Acreditava-se que cada um das então 1.792 comarcas
brasileiras lidariam com critérios de censura distintos. Com isso, temia-se que as redes de
televisão precisassem, por exemplo, tirar determinado programa do ar somente em uma ou
outra cidade, o que prejudicaria o trabalho da emissora.
Neste contexto, verifica-se a existência de múltiplos debates em torno da legislação que visava
dispor sobre assistência, proteção e vigilância a “menores”. O segundo Código de Menores
brasileiro, sancionado 52 anos após o primeiro, esteve em vigor apenas durante a década de
1980. Com a efervescência das questões da infância e da adolescência nos palcos da sociedade
brasileira, ocorrida durante aquela década, o Código de Menores logo cedeu lugar para o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
No intuito de colaborar com a produção historiográfica acerca das questões da infância, este
trabalho visa analisar a implementação do Código de Menores de 1979 a partir das matérias
produzidas e veiculadas na revista Veja. Apesar de estar disponível on-line para consultas, a
revista foi pesquisada no acervo físico disponível na Biblioteca Pública do Estado de Santa
Catarina, em Florianópolis. Esta opção metodológica se deu devido a minucia viabilizada pelo
suporte em papel. Ao lidar com um período cada vez mais estudado por historiadores e
historiadoras, busca-se verificar os processos que fizeram com que crianças e adolescentes
fossem tomados como sujeitos de direitos.
Governar, assistir e tolerar: um estudo sobre as políticas sociais para infância e juventude no
Brasil (1979 – 1990).
Resumo expandido: Uma das maiores contribuições de Michel Foucault para o campo da
História da Infância e Juventude seja, talvez, a noção de biopolítica. Este conceito permite
investigar os movimentos que tiveram esta população como alvo, durante todo o século XX,
como tentativas de governar, através de suas condutas, a população de maneira geral. Foi
através da criança e do jovem que uma série de saberes puderam entrar no campo das
práticas privadas das famílias, práticas políticas que tem na vida sua centralidade, daí um
biopoder. O estudo da legislação infanto-juvenil brasileira no século XX dá exemplos de como a
vida das crianças e dos jovens entra nas técnicas de poder e de governo social. Para citar
alguns, podemos imaginar a repercussão que causou o artigo que destituía, na legislação de
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1927, os pais do pátrio poder sobre os filhos e filhas devido às condições sócio-econômicas.
Igualmente importante foram os decretos sobre a regulamentação do labor infanto-juvenil,
que prescrevia tanto as condições em que os menores poderiam trabalhar, quanto as
situações e atividades que não poderiam ser exercidas pelos mesmos. São alterações no
âmbito jurídico, que por si sós não alteram as práticas sociais, mas que de maneira alguma
passaram despercebidas pelas famílias na esfera das práticas culturais, uma vez que muitas
delas, a custo de sua sobrevivência coletiva, tiveram que modificar seu cotidiano e suas
maneiras de viver. O paradigma aberto pela noção de biopoder instaura também outras
possibilidades para se pensar o poder como um exercício e como tal, não sendo um privilégio
do Estado, se irradia, criando relações de poder em todos os seguimentos e relações sociais.
Essa noção é muito importante quando o/a historiador/a analisa o Código de Menores de
1979. Em primeiro lugar, porque um olhar desavisado acredita que uma série de práticas estão
extintas da realidade brasileira neste período, dada sua invisibilidade. Questões como o
trabalho e a prostituição infanto-juvenis desaparecem. Outras, como no caso das infrações,
estão menosprezadas no que concerne às possibilidades. Esses dados se tornam ainda mais
importantes se levarmos em conta que estes temas foram trabalhados minuciosamente pelas
leis anteriores, o Código de Menores de 1927, ou, no caso da prostituição, o tema é, ao menos,
mencionado. Em um momento em que as fronteiras entre ser adulto ou ser criança estavam se
fortalecendo cada vez mais – devido à noção de menor infrator, que apartava os/as
pequenos/as do universo carcerário adulto brasileiro - causa estranhamento que a legislação
específica infanto-juvenil sugira ao leitor que se dirija à Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) para questões relativas ao trabalho. Um segundo ponto importante é que este conjunto
de leis não deve ser entendido como “tudo o que há por dizer”; se investigado juntamente
com outros documentos, como os processos do poder judiciário, ou as reportagens de jornais,
veremos que há uma série de práticas institucionais que não se pautam pelas normativas
jurídicas. O contexto de formulação destas leis nos sugere que esta realidade não é fruto de
erros operacionais ou falhas institucionais, mas uma decisão tomada propositalmente, dado
que o mesmo foi escrito por um corpo de juristas que visavam deixar a maior margem possível
para as decisões do Juiz de Menores. O passado recente que narramos, através da legislação
infanto-juvenil e de reportagens sobre o cotidiano noticiado de meninos e meninas por dois
jornais catarinenses, entre 1979 e 1990, sugere que há negligências, descompassos e
prioridades na assistência à infância e à juventude no estado, mas também que as leis
possibilitaram uma série de poderes sobre as suas vidas que não estão inscritas em suas linhas.
O que encontramos como realidade noticiada pelos jornais catarinenses são ‘soluções’
exercidas pelo corpo policial e pelos braços da filantropia, quando, a rigor, as vidas dos/as
pequenos/as estariam a cabo dos pareceres dos juízes. Problematizar estas questões e
investigar o cotidiano da infância e juventude no Estado de Santa Catarina em suas relações de
poder com a sociedade, as famílias e as instituições são parte do estudo que realizo para a
escrita da dissertação de Mestrado, junto à Universidade Federal de Santa Catarina, na Linha
de Pesquisa Relações de Poder e Subjetividades.
1
Mestranda em Educação pela UEPG, historiadora, advogada, professora de História da rede pública de ensino do
Estado do Paraná.
2
Doutora em Educação. Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Este trabalho tem por intuito discutir como jovens da “periferia” de Foz do Iguaçu/PR tecem
suas relações entre si e com o próprio bairro Porto Meira daquela cidade. As diversas formas
pelas quais estes sujeitos organizam e pensam suas vivencias nos levaram a pensá-las para
além de estereótipos e categorias que, ao que tudo indica, não dão conta da análise, e nem de
modelo de explicação para pensar a multiplicidade de experiências desses jovens. O Porto
Meira – hoje conhecido como a região da Grande Porto Meira, devido às suas dimensões se
constitui com aproximadamente trinta e dois bairros, com uma população aproximada de mais
de 40 mil habitantes, – localiza-se na região sul da cidade de Foz do Iguaçu/PR. A região está
separada pelos rios Paraná e Iguaçu do Paraguai e da Argentina, respectivamente. A
constituição do Porto Meira, como muitos outros bairros da cidade se deu de forma
heterogênea, formado por ocupação de áreas de fundo de vale, ocupação da barranca do rio.
Onde em muitos casos, e um em específico pode ser emblemático, foi o da “Favela do Queijo”
que foi transposta de uma área próxima ao “centro” da cidade para o Porto Meira, inclusive
conservando seu nome e os “barracos” que foram simplesmente desmontados e reconstruídos
nessa localidade. Durante a década de 1970 a região foi um importante local de comércio,
realizado via travessia do rio Iguaçu por balsa entre Brasil e Puerto Iguazu, Argentina. Depois
da desativação dessa balsa, após a construção da ponte Tancredo Neves, a região passou a ser
menos importante economicamente. Geograficamente, essa região pode ser pensada como
um grande “mosaico”, na medida em que suas feições atuais nos permitem perceber que
convivem dentro deste grande espaço localidades distintas umas das outras, ou seja, áreas
mais periféricas separadas de outras mais bem estruturadas. Em fase inicial, grande parte das
discussões que me levaram realizar tal pesquisa se deve ao fato de eu próprio ser morador
dessa localidade e não concordar inteiramente com algumas abordagens que procuram quase
sempre encontrar explicações globais para pensar, não só a questão da juventude, mas esta
ligada a áreas ditas periféricas. Explicações que buscam encontrar muitas vezes um “remédio”
para acabar com os males do ambiente negativo que é a periferia. Realidade esta que leva
quase que sem outra sorte a maioria dos jovens dessas localidades a se tornarem potenciais
criminosos ou serem mortos pela violência cotidiana. Procuro discutir com uma leitura
pessimista sobre jovens moradores de áreas periféricas que partem de uma perspectiva
sociológica afirmando que há uma crise de valores, tanto na sociedade e na juventude. Busco
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pensar outro “perfil” desses jovens com os quais procuro dialogar sobre suas experiências.
Todavia não pretendo criar simplesmente uma leitura alternativa às outras já existentes; o que
busco é perceber que esse jovem é múltiplo, suas práticas e experiências não são unas, as
formas com as quais tecem suas teias de sociabilidades não são únicas e dependem de meios
que não podem ser explicados apenas pelo viés da desilusão ou da classe social, ou
simplesmente pela ausência de um estado provedor de benefícios. Assim, ao lançar o olhar
sobre essa localidade e sobre as vivencias desses jovens optei por utilizar as fontes
provenientes dos depoimentos orais, pois é uma forma mais direta de lidar com as trajetórias
de vida desses sujeitos e como interpretam e vivem com essa realidade. Assim também, como
reelaboram e dão significado às suas vivências. Essa opção não se dá única e exclusivamente
pelo fato de querer “dar voz” a estes sujeitos. Mas, me debruçar nesta pesquisa e buscar
pensar historicamente as especificidades da localidade e dos sujeitos com os quais estou
dialogando. Tendo em vista que a grande maioria dos trabalhos acadêmicos e outras obras
lidam com periferias de grandes centros urbanos. O intuído é promover uma discussão relativa
à própria formação do bairro, todavia vivido e experimentado por jovens.
O presente texto pretende analisar o cotidiano de brincadeiras vivenciado pela infância pobre
e/ou abandonada de Feira de Santana no período que se estende de 1890 a 1945.
Paralelamente, buscamos traçar o cenário social, cultural e econômico no qual estavam
inseridas estas manifestações lúdicas e cotidianas praticadas pelos sujeitos deste trabalho.
Ver-se-á que um projeto de cidade civilizada arquitetado para a feira na transição do século
XIX para o XX esteve em diversos momentos ameaçado pelas experiências de brincadeiras,
jogos de azar e trabalhos vivenciados pelos meninos pobres e/ou abandonados e,
concomitantemente, pela inexistência de instituições assistencialistas direcionadas ao gênero
masculino, uma vez que em Feira de Santana havia apenas um estabelecimento voltado à
proteção das meninas órfãs e abandonado – o Asilo Nossa Senhora de Lourdes.
A questão da infância pobre e/ou abandonada emergiu enquanto um problema nas
documentações aqui analisadas na transição do século XIX para o XX, período que remonta
crises de ordem econômica (secas, câmbio, carestia de alimentos, etc.) se não determinantes,
ao menos influentes no que tange o empobrecimento das camadas mais economicamente
vulneráveis da sociedade. Problema porque, até onde a literatura e as fontes nos permitem
afirmar, inexistiram quaisquer iniciativas e/ou apelos em torno da imprensa no que tange o
recolhimento, assistencialismo e filantropia às crianças pobre e/ou abandonada da Feira de
Santana de meados do século XIX. Logo, o recorte temporal aqui proposto é particularmente
importante no aspecto do despertar da sociedade como um todo para o destino dos sujeitos
objetos deste estudo. Tal contexto se alia a outro, não menos importante, porém pouco
analisado pela produção historiográfica feirense: a abolição da escravidão e a incorporação da
mão de obra livre-assalariada nos centros urbanos em desenvolvimento.
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Também não podemos desmerecer o fato de Feira de Santana ter sido, durante boa parte de
sua história, uma cidade com índices habitacionais voltados majoritariamente para o campo
em detrimento do urbano. Das 69.911 pessoas que habitavam a Feira de Santana de 19073,
pouco mais de 22 mil localizavam-se no perímetro urbano. O baixo índice populacional a nível
urbano não contabiliza, no entanto, as migrações pendulares, caracterizadas pela presença
daquelas pessoas que se utilizam de um espaço da cidade diariamente a fins de trabalho ou
comercialização de produtos, muito comuns em Feira de Santana, tendo em vista tratar-se
esta cidade de ser uma região de comércio próspero e localização geográfica estratégica –
entre o sertão e o recôncavo.
Tal cenário, composto pelas supracitadas crises econômicas, pela abolição da escravidão e da
necessidade da força de trabalho livre e assalariada, bem como a predominância de uma
população urbana mesclada e heterogênea (composta de sujeitos das áreas rurais,
suburbanas, de outras regiões da Bahia ou Brasil, interessados no mais das vezes nas benesses
das práticas comerciais comuns nesta cidade, retirantes advindos das secas, etc.) é o pano de
fundo onde protagonizaram os personagens desta pesquisa. Em sua esmagadora maioria
meninos, possivelmente filhos da pobreza, sobreviventes das secas, libertos da lei do ventre
livre, órfãos, abandonados ou quem sabe até donos de seu destino, uma vez que poderiam ter
escolhido as aventuras das ruas à segurança de um lar, como possivelmente tenha sido o caso
do menor Ramiro “de cor preta, de 13 a 14 anos de edade, de pouco crescimento, que desde
segunda-feira 7 do corrente não voltou á casa” de seu padrinho (Gazeta do povo, 17/11/1892,
“Menor desaparecido”).
O cotidiano destes menores se deu nas ruas, nas vielas, nos becos, nas praças, na feira. Numa
Feira ansiosa por mudanças em suas estruturas físicas e hábitos de uma população mista, uma
elite econômica e letrada feirense buscava destruir certa ordem rural que remontava às
origens desta urbe, na intenção de prepara-la para receber as luzes do progresso que já
haviam iluminado outras cidades do Brasil. “A nova cidade, em considerável desenvolvimento
urbano, já não podia permitir que determinadas práticas continuassem em voga pelas suas
ruas” (OLIVEIRA, 2000: 14). Mas foi no cotidiano desta cidade que os meninos pobres e
abandonados sujeitos deste trabalho inventaram as artimanhas e táticas4 necessárias para
rumar na contramão do progresso ansiado pelas elites. Neste sentido, buscamos “analisar as
práticas microbianas, singulares e plurais, que um sistema urbanístico deveria administrar ou
suprimir e que sobrevivem a seu perecimento”. Além do mais, desejamosseguir o pulular
desses procedimentos que, muito longe de ser controlados ou eliminados pela administração
panóptica, se reforçam numa proliferação ilegitimada, desenvolvidos e insinuados nas redes
da vigilância, combinados segundo táticas ilegíveis, mas estáveis a tal ponto que constituem
regulações cotidianas e criatividades sub-reptícias [...] (CERTEAU, 2009: 162).Uma forma de
trilhar o cotidiano dos meninos pobres e/ou abandonados existentes nas ruas da cidade de
Feira de Santana entre 1890 e 1945 é através dos relatos da imprensa local. Defensores de um
projeto urbanístico e progressista, os jornais feirenses acabaram detalhando elementos
cotidianos destes personagens. Neste estudo daremos ênfase aos momentos lúdicos, de
divertimento e entretenimento vivenciados pelos menores, ocasiões estas bastante
3
Disponível no site do IBGE, sessão Documentos Históricos. Arquivo: “População do Brazil por Municípios e Estados
(1907 – 1972)”.
4
Lançamos mão dos conceitos de estratégia e tática encontrados em Certeau (2009), entendendo por estratégia o
conjunto de forças possíveis na medida em que um sujeito que detém o poder (econômico, científico, político) se
isola em um ambiente próprio que o possibilita gerenciar uma exterioridade distinta da sua através dos discursos,
das leis, das regras, de códigos, etc. Por outro lado, as táticas são cálculos que independem de um lugar próprio e
de um discurso formulado. Assentam-se nas decisões, no tempo, extraindo elementos estranhos do forte para alçar
possibilidades de ganho. No cotidiano dos meninos pobres e/ou abandonados objetos deste estudo há
costumeiramente a consagração dos tipos táticos, ou seja, vitória dos fracos sobre os fortes.
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enaltecidas pela imprensa, uma vez que a imagem a eles atrelada remontava quase sempre à
ociosidade em detrimento do trabalho.
Referências bibliográficas
Conjuntura política e estruturação acadêmica: a participação juvenil nos anos 1960 e 1970.
Dois movimentos distintos estruturam o artigo. O primeiro movimento, de ordem teórica, será
uma reflexão sobre as instituições educacionais e o intelectual (sobretudo, os estudantes) e
seu papel na sociedade. O segundo movimento, com vistas a repor a historicidade da pesquisa,
nos conduz à análise do processo de constituição e implantação da Universidade Estadual de
Londrina (UEL) em 1970/1971, bem como seus desdobramentos posteriores, sobretudo em
face da criação dos cursos de Estudos Sociais, em substituição aos de História, Geografia,
Filosofia e Ciências Sociais, à luz da Reforma Universitária de 1968 e as pressões do regime
militar.
As características sublinhadas anteriormente possibilitam visualizar como, pela natureza do
trabalho na universidade, a trajetória dos principais atores do debate constrói-se, o tempo
todo, a partir de antagonismos, dualidades e ambiguidades, que se constituem em significativa
medida, elementos fundamentais para responder às questões propostas. Cabe também
ressaltar as proposições colocadas pelas reflexões de Antônio Gramsci, que se ocupou com
zelo dos temas relacionados ao “papel dos intelectuais”, pela abrangência de suas
considerações a esse respeito e, ainda, por dois outros aspectos. O primeiro seria ele
identificar que a reprodução dos valores que interessam aos dominantes na sociedade
capitalista é projetada, construída e disseminada por intelectuais. O segundo seria ele eleger a
escola, chegando a mencionar aspectos específicos da universidade, como lugar privilegiado
dessa construção ideológica. Contudo, é na junção desses dois aspectos em seu pensamento
que reside a questão mais valorizada nesta pesquisa. Ela consubstancia-se na possibilidade de
resistência a esse papel de reprodutor da cultura que se confere aos intelectuais, se, ao tornar-
se conhecedor desse papel, o intelectual reflita sobre como ele pode encontrar, nessa
reflexão/ação, o espaço de resistência aos mecanismos de reprodução do sistema. É possível
não se concordar com a medida da possibilidade de transformação que Gramsci deposita no
intelectual e na instituição escola – nesse caso, a universidade –, mas é necessário e justo
reconhecer seu mérito ao perceber essa possibilidade.
À luz das considerações traçadas, a análise terá como marco inicial o projeto de universidade
proposto pela Reforma Universitária de 1968 no Brasil – início cronológico da investigação.
Esse projeto pode ser definido como tecnocrático e direcionado aos interesses do capital.
Podemos indicar, acompanhando a discussão de Bomeny (1994), alguns antecedentes da
reforma de 1968. A criação da Universidade de Brasília (UnB) em 1961, bem como a
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) são considerados marcos
importantes desse movimento. A UnB é retratada como “projeto seminal” da universidade.
O ano de 1968, tão carregado de simbologia no que concerne à participação política juvenil,
sobretudo em razão dos eventos conhecidos como Maio de 68, tem importância especial para
se pensar a criação das universidades paranaenses, pois, a realização da reforma universitária
produziria acentuadas transformações na formação profissional no Brasil, haja vista a
reestruturação dos três níveis de ensino (o fundamental, o médio e o superior), revelando um
processo de reordenação do sistema educacional do país.
A participação política da juventude se fez por meio de variados expedientes, sobretudo em
razão da ação do aparelho de repressão montado pelo regime Militar, cuja ação no Paraná se
deu de forma intensa e sistemática por conta da Delegacia de Ordem Política e Social do
Paraná (Dops). Os jovens universitários se mobilizaram de variadas formas. Um desses núcleos
de ação se deu em torno das eleições de 1972 para o Diretório Central dos Estudantes (DCE). O
grupo permaneceu na militância por um bom tempo, mesmo não tendo conseguido a
reeleição no ano seguinte. O grupo “Levanta sacode a poeira e dá a volta por cima” se
consolidou na oposição, sobretudo em razão de sua militância na imprensa alternativa. Essas e
outras iniciativas serão objeto central da reflexão.
Quando o governo francês decretou a mobilização, no início da Grande Guerra, mais tarde
denominada Primeira Guerra Mundial (1914-1918), por todo o país foi entoada a Marseillaise,
aos gritos de “Vive la France”, “Vive l’Alsace”. Completando aquele quase clima de festa, os
militares exibiam vistosos uniformes, com suas características calças vermelhas. Os integrantes
da cavalaria desfilavam portando espadas e capacetes guarnecidos de plumas, suntuosos
resquícios do século XIX, em sintonia com a tradicional visão romântica da guerra, ainda
vigente.
Enquanto a população depositava flores nos fuzis dos combatentes a caminho do front, a
crença geral era que tudo se resolveria muito rapidamente e que em curto espaço de tempo
seu retorno se daria na condição de heróis vitoriosos, para a maior glória francesa.
Difícil, hoje, tentar compreender tal estado de espírito e tais anseios. Contudo, na França do
início do século XX há muito se falava da iminência e/ou da necessidade da guerra. Afinal, o
país convivia com a ideia da revanche contra os alemães. Esse sentimento já durava algumas
décadas, tendo se iniciado em 1870. Naquele ano, a derrota sofrida pelos franceses na Guerra
Franco-Prussiana resultou não apenas na unificação da Alemanha, mas também na ultrajante
perda dos territórios da Alsácia e da Lorena. Seguiu-se o sentimento de humilhação
experimentado por toda a população francesa. O desejo de vingança passou a ser alimentado
desde então, tendendo a impregnar a política, a cultura, o imaginário coletivo, portanto, a vida
cotidiana do povo francês.
Para fomentar tais sentimentos, além do Exército, contribuíram ainda instituições como a
Igreja, o sistema de ensino, sob o patrocínio do Estado, e mesmo o ambiente familiar. E assim,
desde as últimas décadas do século XIX, as crianças francesas aprendiam a manejar armas na
escola primária. Sempre tendo em vista, entre outros objetivos, retomar a Alsácia e a Lorena e
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eliminar a ameaça representada pelo poderio militar do sempre próximo Estado Alemão, seu
inimigo histórico.
No mesmo contexto da Guerra Franco-Prussiana, ou seja, na década de 1870, foi divulgada
uma invenção que rapidamente se tornou muito popular: o cartão-postal. Segundo alguns,
uma invenção austríaca, segundo outros, fruto da criatividade alemã. O fato é que o número
de postais produzidos em países como a Alemanha, a França, a Inglaterra e a Bélgica já era
contado aos milhões na Europa das primeiras décadas do século XX.
Liderando tal indústria, a França teria produzido mais de 120 milhões deles apenas no ano de
1910. No país, entre os muitos temas abordados às vésperas e durante a Grande Guerra,
numerosos postais apresentavam caráter nitidamente beligerante, ou faziam apologia ao
militarismo, enaltecendo a imagem do militar francês e demonizando o inimigo. Em tais casos,
o soldado tendia a figurar como um gentil cavalheiro, dedicado não apenas ao seu país, mas à
esposa ou namorada. Ao mesmo tempo, o uso do uniforme militar e o porte de armas o
distinguiam também como um homem forte e corajoso, pronto para o auto-sacrifício em favor
de causas consideradas nobres e patrióticas. O militar constituiria, assim, importante esteio e
fonte de esperança da Pátria na resolução de seus problemas.
Constata-se ainda que o soldado muitas vezes comparecia nos cartões na figura de crianças
que trajavam uniformes militares, ostentavam armas de brinquedo, e/ou que se apresentavam
em cenários que remetiam a campos de batalha. Lá, combateriam o inimigo, em regra
personificado pelo soldado germânico, ou boche, como era habitualmente citado, de forma
pejorativa.
Geralmente, tais postais eram coloridos com as cores pátrias. Assim, a França estimulava suas
crianças para a luta contra o inimigo alemão, propondo a revanche como uma de suas mais
sagradas missões. Os postais contribuíram, portanto, no sentido de reafirmar, legitimar e
manter tal suposta missão sempre presente no imaginário francês das vésperas e durante a
Grande Guerra.
A partir da análise das mensagens transmitidas pelas imagens veiculadas pelos postais
franceses produzidos e/ou circulados antes e durante aquele conflito, pretende-se explorar as
mensagens que fizeram apologia à guerra e que, para tal, serviram-se desse importante meio
de comunicação, amplamente utilizado no período. Para isso, são analisadas as imagens da
infância, as quais eram apresentadas pelos cartões-postais em trajes similares aos militares e
em pose e circunstâncias que remetiam a situações bélicas. O objetivo é evidenciar as
representações que, divulgando tais imagens que remetem à infância e à guerra, o faziam de
forma a contribuir para instigar e fortalecer o desejo de vingança contra a Alemanha.
Simpósios temáticos:
Este trabalho centra sua análise no envolvimento de “filhos livres de mulher escrava” com as
práticas escolares no Paraná escravista. Estes menores foram comumente denominados de
“ingênuos” e constituem a parcela social livre por nascimento após o decreto da Lei de nº 2040
de 28 de Setembro de 1871, também chamada de “Lei do Ventre Livre”. A lei garantia parcos
direitos aos filhos de escravas, pois previa que os mesmos vivessem como posse do senhor de
suas mães até a idade de oito anos, dado este período, o senhor optava entre permanecer
com o menor até que este completasse a maioridade, desfrutando gratuitamente de seus
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serviços, ou entregá-lo ao Estado, o qual o indenizaria com uma irrisória quantia. O período
estudado (1871-1888) é marcado por intensas discussões no âmbito político acerca do término
da escravidão no contexto brasileiro, momento no qual, se opta pela Abolição gradual tendo
em vista solucionar o problema do suprimento da mão de obra e ainda formular medidas que
favorecessem a inserção de ex-escravos no mundo do trabalho livre. Entre tais medidas
encontram-se aquelas associadas à escolarização, pois, à instrução foi dada a missão de
promover a formação desse grupo para um devido preparo para a liberdade que,
supostamente, esses indivíduos deveriam vivenciar. Estas ações refletiam a intensidade de
valores comuns à época, como os ideais de civilização e progresso, itens consideravelmente
presentes nos discursos oficiais. Na Constituição Imperial, ingênuos possuíam direito à
instrução primária gratuita, e em 1883, o Regulamento da Instrução Pública da província
paranaense incluía os filhos livres de mulher escrava como crianças atingidas pela
obrigatoriedade escolar. Resta conhecer, entretanto, se estes menores frequentaram a escola
de maneira semelhante às demais crianças livres ou se ouve distinção na forma de acesso à
instrução pública. Pretende-se ainda compreender de que maneira foram formuladas as
propostas educacionais discutidas pela elite política imperial, pela intelectualidade
abolicionista ou mesmo por grandes proprietários, quando direcionadas aos ingênuos
brasileiros. Estes intentos podem ser atendidos através da consulta e análise da legislação,
periódicos, como o jornal Dezenove de Dezembro, Anais de Congressos Agrícolas de 1878 e
publicações de cunho político sobre escravidão e abolição, como a obra de Perdigão Malheiro
“A Escravidão no Brasil” e o clássico de Joaquim Nabuco “O Abolicionismo”, os quais trazem
postulações acerca do futuro projetado para os libertos e ingênuos da nação. Para tomar
dimensão das práticas escolares envolvendo ingênuos no Paraná é utilizada a documentação
oficial da província, a qual envolve Relatórios e Correspondências de Governo e,
principalmente, a documentação escolar, composta por mapas escolares, listas de matrícula e
frequência, termos de vista, Relatórios de professores e inspetores entre outros escritos. Este
corpo documental é significativo por mencionar, muitas vezes a condição dos alunos (se livres,
libertos, escravos ou ingênuos) ou mesmo destacarem situações interessantes e atípicas que
demonstram de alguma maneira a forma como o assunto foi debatido entre agentes sociais
diretamente envolvidos com o cotidiano escolar. A documentação utilizada na tarefa
investigativa encontra-se disponível no Departamento de Arquivo Público do Paraná,
Biblioteca Pública, ou em formato digital. O debate historiográfico sobre a instrução dos
ingênuos é consideravelmente recente, grande parte das pesquisas se associa à História da
Educação, ramo onde é possível verificar uma ampla gama de trabalhos referentes à maneira
como foi realizada a escolarização desse grupo em outras regiões do império, fator que
permite dialogar de maneira comparativa com tais experiências. O embasamento teórico de
análise também contempla a História Social da escravidão tendo em vista compreender o
processo abolicionista nacional e regional, além de refletir sobre a experiência de liberdade
vivida pelos ingênuos. A pesquisa encontra-se em andamento, entretanto, alguns indícios já
localizados permitem refletir alguns aspectos. As evidências documentais demonstraram que
os projetos educacionais direcionadas aos ingênuos brasileiros tenderam a considerá-los como
mão de obra útil ao senhor de suas mães, por isso, foram frequentes propostas de
escolarização, as quais vinculassem educação e trabalho, principalmente no formato de
aprendizado de ofícios. Além disso, muitos projetos discutidos pelo corpo político associaram
tais menores ao que se entendia por “vícios do cativeiro e da raça”, características
supostamente intrínsecas aos negros que precisavam ser corrigidas e civilizadas pela luz da
instrução. O acesso dos ingênuos à escolarização no Paraná evidenciou o envolvimento dos
mesmos com práticas escolares peculiares: no período noturno, juntamente com adultos. Esta
tarefa investigativa pode complementar estudos sobre a história da infância e da escravidão
1. INTRODUÇÃO
As investigações direcionadas à infância no Brasil têm apresentado um crescimento
que já se torna visível no campo das ciências humanas e sociais. No entanto, o tema do
recrutamento de crianças no país ainda apresenta um quadro limitado. No que se refere à
Pernambuco, espaço que comporta escolas militares desde a segunda metade do século XIX,
especificamente, as Companhias de Aprendizes da Marinha, existe um espaço amplo para
pesquisa e para por em evidência a história de pequenos aprendizes bem como a construção
da própria memória da Marinha no Estado.
O engajamento de menores em atividades ligadas ao mar é uma herança que vem
desde o período colonial. Todavia, foi durante o século XIX, especificamente, a partir do
segundo reinado, que essa prática aparece acompanhada do estabelecimento de instituições
de formação de marinheiros. O presente trabalho tem como objetivo central historicizar o
recrutamento de crianças para as Companhias de Aprendizes da Marinha de Pernambuco,
localizada no Recife, durante o período de 1857 a 1870. Compreender como e por que razões
o Estado imperial direcionou suas forças para arregimentar os enjeitados das casas de
caridades, os órfãos de pais e de mães e os garotos de famílias pobres, tornou-se, em nossas
análises, um problema e uma questão a ser investigada.
É importante perceber que esforços empreendidos para o recrutamento de
crianças durante o século XIX não se resume apenas a necessidade de alcançar um
determinado número de reserva militar para os quadros da Marinha e até mesmo do Exército
brasileiro. Manter esses garotos e jovens em instituições militares era também uma forma de
colocá-los sob a vigilância de um Estado que começava a se organizar com políticas de
prevenção, contenção e cuidados com a população. A esses estabelecimentos militares coube
a importante função de inserir socialmente, disciplinar e tirar das cidades aqueles que já não
eram vistos como o doce símbolo da inocência, mas como elementos potencialmente
perigosos e perturbadores da ordem pública.
2. OBJETIVO.
Pesquisar e historicizar o recrutamento de crianças em Pernambuco, especificamente, aquelas
alistadas à força ou voluntariamente para as Companhias de Aprendizes da Marinha, durante o
período de 1857 a 1870.
3. METODOLOGIA
As fontes documentais que viabilizam este trabalho e que formam o nosso acervo primário
estão todas digitalizadas e em forma de manuscrito. Por meio das séries de documentos,
Arsenal da Marinha e Ministério da Marinha (1857 -1870), disponíveis no Arquivo Público
Estadual Jordão Emerenciano, pretendemos detectar quais as formas utilizadas pelas Escolas
4. RESULTADO E DISCUSSÕES
5
Ministério da Marinha. 1856. pp 4. Disponível em < http://www.crl.edu/brazil/ministerial/marinha> acesso em
maio de 2012.
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vidas dos cidadãos. Esses tinham que ser afastados da mendicância ou vadiagem e serem
colocados como reserva útil ao Estado. A preocupação de não deixar esses meninos na
condição de vadio, dando-lhes uma ocupação, era visível mesmo quando esses eram retidos
nas companhias temporariamente com a finalidade apenas de correção.
Percebe-se que o recrutamento de menores se tornava uma prática significativa para
os governos provinciais e as suas autoridades locais. Era através dele, que os presidentes de
província, chefes de polícia e delegados conseguiriam tirar das cidades parte de uma infância
vista como problema. Uma estratégia que beneficiava de um lado administração pública e de
outro a Armada imperial que era suprida com braços para o serviço militar.
5. CONCLUSÃO
6. BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro de sombras: a
política imperial. 2ª ed. – Ed: UFRJ, Relume-Dumará, 1996.
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________. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 34 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais – morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras,
1989.
GRINBERG, Keila e SALES, Ricardo. (org.). O Brasil Imperial. Volume II: 1831-1870- Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. MARCÍLIO, Maria Luíza. História Social da Criança
Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os aprendizes de guerra. In: História das crianças no Brasil, Del
PRIORE, Mary. São Paulo: Contexto, 2000.
Proponente: Gerson Luiz Buczenko. Graduado em História pela FIES (2009) e Mestrando em
Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2011).
ora das elites dominantes, ora ao gosto de governantes, que tentaram direcionar a educação
de um modo geral, a atender seus objetivos particulares, assim afetando também o ensino da
história. Não faltaram intelectuais de renome em nossa História da educação, que marcaram a
ferro suas intencionalidades, iniciando-se com a forte influência do ensino Jesuítico através da
Ratio Studiorum; as Reformas Pombalinas; a legislação direcionada para a educação a partir de
1824; a criação do Colégio Imperial de Pedro II em 1837; e, em seguida as grandes propostas
para a educação como: Couto Ferraz (1854); Leôncio de Carvalho (1879); Benjamin Constant
(1890); Carlos Maximiliano (1915); Luiz Alves e Rocha Vaz (1925); Francisco Campos (1931);
Gustavo Capanema (1942), entre outros intelectuais que pensaram em aprimorar a educação
brasileira. Assim, a educação brasileira caminhou em direção ao aperfeiçoamento, atendendo
aos novos ditames da sociedade brasileira. No que se refere às propostas curriculares de
história, ainda estão presentes velhos debates segundo Bittencourt (2006), que se iniciaram
principalmente durante o regime militar, momento em que o Brasil viveu uma separação entre
a produção historiográfica produzida nas Universidades brasileiras e estrangeiras e a produção
escolar, quadro que somente passa a mudar ao final dos anos setenta, com novos debates
sobre o encaminhamento da educação e, ao conhecimento que passaria a ser abordado diante
daquilo que vinha sendo tradicionalmente ensinado em sala de aula. Durante o período
ditatorial, com um clima indefinido de ora medo, ora de euforia por um crescimento
econômico (GERMANO, 1993, p.160), o Brasil viu ser aprovada e colocada em execução em
tempo recorde, a Lei nº 5.692/71 que iria fixar as bases para o ensino de 1º e 2º Graus,
estabelecendo a integração das disciplinas de áreas afins, de forma que História, Geografia,
Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e a Educação Moral e Cívica, foram incorporadas
à área de Estudos Sociais, marcando várias gerações de estudantes em sua formação e,
atendendo os pressupostos do regime em vigor, principalmente pela demanda
profissionalizante, que acabou por estabelecer limites claros do acesso ao conhecimento. Na
década de 1990, uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de nº 9394 de 1996,
estabeleceu toda uma revisão na organização dos currículos, em seu conteúdo mínimo, além
de outras alterações fundamentais para a educação brasileira. Atrelando-se à LDB (1996), em
1997, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (MEC), propõe os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o primeiro e segundo ciclos da escola
fundamental e, em 1998 os Parâmetros Curriculares Nacionais para o terceiro e quarto ciclos,
com a principal finalidade de se caminhar para um currículo único para todo o país. Na área de
História os PCNs, propunham especialmente uma mudança do ensino que até então era
organizado de forma linear, para uma transformação em eixos temáticos, uma experiência já
colocada em prática na década de 1980 no Estado de São Paulo, segundo Schmidt e Cainelli
(2009). Assim, o professor, ao presenciar o retorno da disciplina de história como disciplina
autônoma e obrigatória, passou a questionar a submissão do ensino de História a pacotes
prontos, idealizados por técnicos ou intelectuais bem intencionados, sem o conhecimento da
realidade escolar. Dessa forma, passou-se a repensar as práticas pedagógicas em geral e
principalmente no ensino de História, face ao público estudantil que estava na escola, agora
com uma diversidade cultural maior, fruto dos processos migratórios do meio rural para o
urbano e do norte e nordeste para o sul. O ensino da história passou por um verdadeiro
repensar, movimento este que ainda não cessou, embora o conhecimento de conteúdos
reconhecidos como tradicionais seja obrigatório, oportuniza-se assim a reflexão sobre a
abordagem dos conteúdos de História, diante de uma nova geração de estudantes que é
resultado de uma sociedade que também está em transformação.
Palavras - Chave
Menor, criminalidade, controle social.
Este artigo objetiva opor-se ao imaginário que mistificou o ufanismo da Manaus da Bélle
Époque, período caracterizado pela riqueza da economia da borracha, entre os séculos XIX e
XX. Momento de relevância histórica, pois a cidade passa a ser vista como ausente de
populares, sem contrastes, sem tensões, sem pobreza.
Objetivando criticar tal panorama historiográfico local, iluminar-se-á o processo de construção
de experiências vividas pelos ‘menores’ no cotidiano tenso da coletividade da cidade, um
cotidiano cheio de segmentos sociais menos privilegiados, vistos como merecedores de
vigilância, estigmatização, repressão e tolerância, apesar da prosperidade do período áureo da
borracha. Com isso, a pesquisa propõe uma outra leitura do processo de formação da
sociedade manauara – pelo viés dos ‘menores’.
Através das “ocorrências policiais” do Jornal do Comércio do Amazonas, entre os anos de 1906
a 1917 houve o estudo sobre os ‘menores’ em Manaus. Buscou-se perceber a criminalidade
enquanto fenômeno social, uma vez que as “ocorrências” eram produtos dos registros
policiais. Nessas crônicas policiais, constavam os registros de segmentos sociais que foram
ordenados, classificados, hierarquizados, controlados. Um desses segmentos que fazia parte
das páginas das crônicas policiais do Jornal do Comércio foi a dos ‘menores de idade’,
justificando – assim – o modelo de fonte histórica utilizada.
Do ponto de vista metodológico, investigaram-se os menores presentes nas crônicas que
foram enquadrados pela polícia por crimes e/ou contravenções, como: vadiagem, pequenos
furtos, desordem, destruição do patrimônio público e em especial os casos que envolviam
menores que fugiam de seus tutores, produzindo inúmeras denúncias destes sobre seus
tutelados fujões, provocando assim perseguições policiais aos fugitivos.
Os ‘menores’, enquanto protagonistas dessa pesquisa, ora eram algozes, ora vítimas, como
nos casos noticiados de “defloramentos”. Nesse conjunto das ocorrências policiais, a pesquisa
propôs trazer a tona todo o contexto de tensão da ‘menor idade’ da Manaus da Borracha,
segmento pouco lembrado pela historiografia local.
Palavras-chave: Criança.abandono.assistência.
assistência aos recém-nascidos abandonados nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador nos
séculos XVIII e XIX. O mesmo descobre como as famílias pobres de ambos os espaços faziam
diferentes usos da Roda dos expostos, como a única maneira de o Estado contribuir na criação
de seus filhos. Também expõe que existia uma preocupação de pais e mães que deixavam seus
filhos na Roda em reencontrar seus rebentos.
Ainda nos anos de 1990, a historiadora Mary Del Priore organizou dois grandes trabalhos sobre
a história das crianças, em que reuniu pesquisadores das mais variadas tendências da
historiografia. O primeiro foi publicado em 1991 e o último em 1999. Outros estudos
contribuíram para ampliação da temática, como a dissertação de João Alfredo dos Anjos,
defendida na Universidade Federal de Pernambuco em 1997. Destacado por ser o primeiro
trabalho acadêmico sobre a Roda dos expostos da cidade do Recife. Afirma a relação entre
abandono e ilegitimidade, construída por Mesgravis nos anos de 1970.
Em uma perspectiva diferente da História Social, firmada na Demografia Histórica para o tema
em questão, temos alguns poucos trabalhos na linha da História Cultural baseados nas ideias
foucaultianas. Um destes estudos é de Henrique Luiz Pereira Oliveira, dissertação defendida na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1990, em que analisa o abandono de recém-
nascidos na cidade de Desterro, hoje Florianópolis, no século XIX. O mesmo observou que a
ação do Estado no ato de prestar assistência aos expostos seria uma forma de disciplinar os
indivíduos e a sociedade.
Ainda na linha foucaultiana, temos a tese de Nascimento, apresentada e defendida em 2005
na Universidade Federal de Pernambuco. A pesquisadora, em vários momentos de seu
trabalho, faz uso de elementos da Demografia Histórica, mas sua base teórica nitidamente está
em Michel Foucault. Ela investiga a institucionalização do acolhimento dos expostos em Recife
na transição do século XVIII para o século XIX, na mudança de uma ação caritativa cristã para
uma ação mais racional com um apoio do Estado, que buscava disciplinar a sociedade, tendo
em vista que a população de expostos, uma vez livre do infanticídio, seria um risco para
coletividade.
Por fim, Venâncio em 2010 organizou um livro que congrega historiadores brasileiros e
portugueses, desde os mais experientes até as mais novas gerações de pesquisadores. Neste
trabalho, sob o título Uma história social do abandono de crianças - De Portugal ao Brasil -
século XVIII-XX, encontramos as investigações mais recentes sobre os expostos e a exposição
de crianças. Tal trabalho é o primeiro da historiografia brasileira, que faz um balanço sobre as
pesquisas do abandono de crianças recém-nascidas, buscando refletir sobre está triste
realidade de nosso tempo presente.
Palavras Chaves:
História - Poder Judiciário - Relações de Gênero
A circulação de coisas, pessoas e idéias através dos diferentes territórios do globo não é um
fenômeno novo na História. Todavia a partir da instituição do Estado Moderno na Europa
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ocidental, que lentamente construiu a noção jurídica de nacionalidade baseada nos princípios
do jus solis e/ou jus sanguinis, este fenômeno adquiriu determinados contornos que
caracterizam os processos de imigração e emigração nos séculos XIX e XX. Nesta apresentação
iremos focar nosso olhar em um processo singular de circulação de pessoas entre os diferentes
estados nações na segunda metade do século XX: a chamada adoção internacional.
Objetivamos entender como as representações de gênero são de fundamental importância
nos procedimentos judiciários e extrajudiciários que envolveram a adoção internacional entre
1990 e 2006.
Esta análise foi realizada a partir de dados coletados em dois estudos. Em pesquisa realizada
em uma parceria entre o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e o Laboratório de
Relações de Gênero e Família (LABGEF) onde foram analisados 35 Autos de Habilitação para
Adoção Internacional de famílias francesas, responsáveis pela adoção de 68 crianças e
adolescentes, entre 1990 e 2006. E em uma pesquisa sobre a História da legislação
internacional e brasileira sobre a infância. As reflexões relativas a estes processos foram
efetuadas a partir dos referenciais teóricos da História Transnacional, da História Social da
Família e das Relações de Gênero.
Durante a primeira metade do século XX observamos a presença de dois discursos em relação
às crianças e adolescentes considerados abandonados nas legislações nacionais e
internacionais. Um dos discursos preconizava que os infantes deviam ser enviados para
grandes instituições, enquanto que outro afirma que o melhor lugar para estas crianças são as
denominadas famílias adotivas. Depois da Segunda Guerra Mundial cada vez mais o discurso
relativa à família tornou-se hegemônico. Todavia, esta circulação de crianças e adolescentes
entre instituições de acolhimento e famílias adotivas, de acordo com as instituições
internacionais, devia ser regulamentada, pois a pessoa devia ser integrada na nova ordem na
condição de filho.
Nesta perspectiva era necessário encontrar uma família que pudesse acolher este infante
considerado abandonado prioritariamente no seu próprio país. Caso isto não aconteça o
caminho proposto era a adoção internacional. Todavia esta imigração, à luz destes princípios
sócio-jurídicos transnacionais, deveria ocorrer de tal forma que todos os direitos da criança
fossem garantidos. São estes pressupostos que embasaram as políticas sociais para as crianças
brasileiras consideradas em situação de abandono após os anos de 1990.
A partir da instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o Estado brasileiro
passou a ter maior controle sobre esta diáspora infanto-juvenil. Paulatinamente foram sendo
criadas nos estados da federação as Comissões Estaduais Judiciária de Adoção (CEJA) que
passaram a controlar os trâmites da adoção internacional. Em comparação a outros estados
brasileiros a Comissão Estadual Judiciária de Adoção de Santa Catarina recebia um grande
número de candidatos a adoção internacional. Entre 1990 e 2006, 351 crianças e adolescentes
do estado de Santa Catarina forma enviadas para os seguintes países: Itália, França, Holanda,
Espanha, Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca.
Os processos judiciários relativos à adoção internacional são volumosos e contém uma grande
quantidade de informações. As representações de gênero sobre as mães e pais consangüíneos
estavam presentes, sobretudo, nos relatórios sociais produzidos pelas assistentes sociais. Após
1990, no Brasil, as mães e pais de crianças e adolescentes não podem mais perder o Pátrio
Poder em função de sua condição de pobreza. Neste caso as representações de gênero eram
fundamentais, pois contribuem sobremaneira para que pudesse ocorrer a destituição do Pátrio
Poder. As imagens evocadas eram as de mulheres que abandonam sua prole. De maneira geral
estas mulheres eram associadas a duas atividades consideradas ilegais no Brasil e que colocam
em perigo a vida dos infantes: o tráfico de drogas e a prostituição. Os estudos das Ciências
Humanas, desde os anos de 1980, no Brasil demonstram que uma parcela significativa dos
homens das camadas populares se desresponsabiliza pela criação de seus filhos e filhas. Sendo
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assim a ausência do considerado “provedor do lar” era sempre ressaltada nos relatórios
sociais.
As representações de gênero relativas aos candidatos a adoção internacional, por sua vez,
foram evocadas por psicólogos, médicos ou ainda outros profissionais das instituições que
prepararam os mesmos, tal como, a Médecins du Monde, em seus relatórios. Estes
documentos possuíam o objetivo de demonstrar para as autoridades brasileiras que aquelas
pessoas iriam desempenhar de forma satisfatória a função materna e paterna. A imagem da
mulher tranqüila e afetiva, ou seja, potencialmente “boa mãe” era recorrente. Já a dos
homens esta associada ao mundo do trabalho na perspectiva de que para ser um “bom pai”
deve ser um bom provedor. Como afirma o historiador Henri Rousso, entre a verdade jurídica
e a da História há um grande abismo.
que os pais, motivados pelas dificuldades sociais e materiais, não tinham as mínimas condições
de sustentar seus filhos. Além disso, a insalubridade de um meio vicioso, o comportamento
perverso, a negligência, a promiscuidade e aliado com o vício do alcoolismo consumido pelos
adultos potencializavam esse ambiente de desestruturação familiar, permitindo as crianças
abandonar suas famílias e seus lares, vivendo na indigência e na criminalidade. Um grande
número de crianças indigentes e abandonadas perambulava pelas ruas e cortiços da capital
paulista, praticando pequenos roubos no comércio do centro da cidade, a mendicância pelas
ruas, o vandalismo nas casas e nos edifícios públicos ou entregando-se a prostituição,
especialmente as pobres meninas que somente encontravam nessa odiosa ocupação uma
forma de sobrevivência, arriscando-se em contraírem doenças venéreas como a sífilis. A
presença dessas crianças indigentes era uma grande ameaça a ordem pública. Através das
notícias jornalísticas e nas matérias da imprensa paulistana é que a sociedade civil expressava
sua preocupação e exigiam das autoridades políticas medidas para conter o avanço da
indigência e da delinqüência infantil. Diante dessas circunstâncias sociais, o governo começava
a enfrentar o problema da delinqüência e marginalidade infantil a partir de um viés
fundamentado numa visão cientificista importada dos países europeus, principalmente com as
teorias racistas da criminologia italiana ou antropologia criminal influenciada pelos estudos de
Cesare Lombroso e da medicina social ou eugenia pelos estudos de Francis Galton. As
autoridades políticas, os médicos e os criminologistas encaravam esse problema social como
resultado da degenerescência ocasionada pelo cruzamento racial existente no processo
histórico do Brasil, que acabava reproduzindo uma população inferior, doente e degenerada,
ou seja, os descendentes que nasciam de famílias com o histórico de perversidades,
depravações e vícios, seriam igualmente viciosas, denominados delinqüentes natos segundo as
teorias criminológicas vigentes, sendo necessários sua vigilância e controle para não aumentar
os índices de criminalidade e quando se tornassem adultos, seriam cidadãos úteis para a
sociedade. Assim, nas primeiras décadas do século XX, a questão social da infância
marginalizada e criminosa foi enfrentada pela atuação da polícia de costumes e dos
organismos jurídicos: tribunais de menores, juizado de órfãos e os institutos correcionais
criados nesse período e tornou-se objeto de estudos médicos e psiquiátricos específicos sobre
a degenerescência racial e a perversidade social carregadas por essas crianças, transformando-
as em menores infratores, tanto na linguagem médica como na jurídica.
Referenciais:
FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005.
SERRANO, Carlos. Angola: nascimento de uma nação – um estudo sobre a construção da
identidade nacional. Luanda: Edições Kilombelembe, 2008.
Em 1858, era publicado nos Anais Brasilienses de Medicina, na cidade do Rio de Janeiro
(Brasil), um artigo do médico italiano Luís Vicente de Simoni. Nesse texto, seu autor
apresentava alguns aspectos dos métodos empregados por ele no cuidado de enfermos do
Hospital Militar e Civil de Moçambique, instituição na qual trabalhou durante o período de
1819 a 1821. Nesse estudo, sobre a “Mortalidade nos enfermos tratados no Hospital Militar e
Civil da cidade de Moçambique” Luís Vicente de Simoni destacou, especialmente, os recursos
utilizados na cura das febres que acometiam a população daquela colônia portuguesa. Para o
tratamento dessas moléstias, Simoni valia-se, geralmente, de uma “infusão diaphoretica”,
preparada com “flores de sabugueiro” e “acetato de ammonia, edulcorada e com addição ás
vezes da casca da raiz de fedegoso, ou de algumas flores de marcella galega” (SIMONI, 1858, p.
92). No mesmo artigo também era apresentado um outro tipo de tratamento para as febres,
este utilizado pelos próprios habitantes de Moçambique. Neste caso, fazia-se a aplicação,
sobre a pele do enfermo, de uma compressa com areia, cinza, ou sal, aquecida em uma fonte
de calor. Conforme ressaltado pelo médico, a aplicação dessa compressa devia seguir uma
ordem específica das partes do corpo, iniciando pela cabeça e terminando pelos pés. Ao final
da aplicação, a pessoa febril ainda poderia ser envolvida num cobertor e tomar uma infusão
caseira, na busca pela redução da temperatura corporal.
O conhecimento do médico italiano sobre as práticas de cura locais decorreu de sua
experiência como “físico-mor” naquele referido hospital. Durante o período em que exerceu
essa atividade, Luís Vicente de Simoni fez anotações e registros dos casos médicos que
atendeu e, posteriormente, logo após sua chegada ao Rio de Janeiro, escreveu um Tratado
Médico sobre Clima e Enfermidades de Moçambique.
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Nesse Tratado observamos interações de diferentes universos culturais no que diz respeito a
saberes e práticas de cura. Em primeiro plano, encontram-se as concepções européias de
saúde e de doença, particularmente ligadas às idéias neo-hipocráticas, as quais relacionavam
as condições ambientais (natural e social) com o estado de salubridade ou de insalubridade
dos lugares e com a saúde da população. Para os adeptos dessa matriz de pensamento era
fundamental conhecer as especificidades de cada localidade para uma correta investigação das
doenças ali existentes. Simoni, compartilhando dessa perspectiva médica, acreditava que era
necessário identificar o contexto social das doenças e da sua cura. Assim, descreveu alguns
aspectos da sociedade moçambicana, como os hábitos alimentares, o uso de vestimentas, a
realização de atividades de lazer, entre outras práticas cotidianas.
Ao se dedicar a esses temas no Tratado, o médico italiano acabou apresentando um outro
plano de leitura da sua obra, no qual também é possível encontrar os saberes locais,
identificados pelo seu autor como uma medicina doméstica moçambicana. Simoni utiliza a
expressão “medicina doméstica” em oposição a uma ciência médica acadêmica. Todavia, a
noção de uma medicina doméstica moçambicana, ou popular, pode ser vista de outra maneira;
ou seja, em grande medida, ela implica em concepções, saberes e práticas de cura que levam
em conta as especificidades e as particularidades do contexto africano. Ainda que essa
concepção local abrangesse indivíduos originários de diferentes culturas, é inegável a presença
de uma matriz africana. De acordo com essa perspectiva, a doença era encarada como um
desequilíbrio individual e social, e os processos de cura deveriam ser orientados na busca de
uma conexão entre os mundos visível e invisível. Em larga medida, tratava-se de um conjunto
de conhecimentos heterogêneos e que colocam outros pontos de vista sobre que significa
adoecer e o que é necessário fazer para se restabelecer o estado de saúde.
Em vista desse entendimento, interessa-nos, de maneira especial, enfocar e discutir as práticas
terapêuticas encontradas no território moçambicano para o tratamento de febres em geral e,
ainda, os usos que a população local fazia da aplicação de calor para a termorregulação da
temperatura corporal, como “tomar hum bafo” [banho de vapor] ou o uso de compressas de
“areia quente”.
Também queremos destacar que muitos dos recursos empregados nas práticas de cura
moçambicanas estavam ao alcance da população em geral. Entretanto, existiam indivíduos
identificados como detentores de habilidades específicas voltadas ao restabelecimento da
saúde. Eram pessoas que, dentro das sociedades africanas, desempenhavam um importante
papel como “intermediários entre o mundo real e o sobrenatural, entre o mundo dos vivos e o
mundo dos mortos”, agindo no sentido de “preservar o equilíbrio e garantir a protecção de
que todos precisam” (ROQUE, 2007, p. 266). Nesse sentido, é possível considerar que a
presença dos ngangas e de todo um conjunto de agentes sociais responsáveis pelos rituais de
possessão, adivinhação e cura, também constitui um dos elementos que singularizam as
práticas locais.
Por fim, acreditamos que nosso estudo, além de permitir descortinar comportamentos e
hábitos da população moçambicana do Oitocentos, irá contribuir para um conhecimento mais
amplo da diversidade histórica africana e para a reflexão a respeito das diferentes sociedades
que integram o continente africano. Como argumenta Anderson Ribeiro Oliva, “temos que
reconhecer a relevância de estudar a História da África, independente de qualquer outra
motivação”, pois este é um campo do pensamento humano, importante por si só (OLIVA,
2003, p 423).
Esta comunicação é resultado de pesquisa financiada por Fundos Nacionais Portugueses,
através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do projecto HC/0121/2009,
“Tratado Médico sobre o Clima e Enfermidades de Moçambique”, coordenado pela Dra.
Eugénia Rodrigues, do Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa.
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Federal do Paraná, Curitiba, 2009.
O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre a história da África e de seu ensino. Para
isso utilizo-me das experiências obtidas nos últimos anos através do desenvolvimento de
projetos de extensão universitária e de ensino, junto à rede pública de educação básica, no
Estado do Paraná.
O aumento recente das discussões relativas à história da África e a cultura afro-brasileira
deram relevância para os debates sobre as fontes, as metodologias e as diferentes formas de
abordagem e aos padrões de periodização africana.
Mitos e preconceitos esconderam a verdadeira história da África. As sociedades africanas eram
tidas como as que não podiam ter história. Muitos dos trabalhos científicos publicados nas
primeiras décadas do século XX, sobretudo de não africanos, procuravam anular os esforços
dos estudos acerca da historicidade do continente africano. Tais críticas apontavam,
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principalmente, como óbice para não se fazer uma história desde a perspectiva africana, a
ausência de fontes e documentos escritos.
Outrossim, a história da África que existia era recorrente de fontes externas ao continente. A
perspectiva de tal abordagem em relação a certas partes do continente projetava-se não sobre
o que foi a trajetória dos povos africanos, mas sobre como deveria ser ou ter sido.
Principalmente em relação às organizações político-administrativas da África, houve uma
grande incompreensão das instituições políticas especificamente africanas. Porque se tentou
fazer a história de várias regiões da África a partir dos conceitos eurocêntricos, como os de
“Idade Média”, “modos de produção” ou “relações sociais” típicas do passado do continente
europeu. Em tal contexto é inegável a afirmação de que houve uma recusa em considerar os
povos africanos como criadores de culturas originais de longas, médias e curtas durações.
Porque historiadores não renunciaram a certos preconceitos frente à construção de uma
história da África? Porque a historiografia européia nunca se dispôs a destinar para a África um
status de entidade histórica? Como a historiografia ocidental só atribuiu historicidade a certas
regiões da chamada “África branca” em detrimento e sem conexão com as regiões centrais e
subsaarianas chamadas de “África negra”? A quem interessava apresentar de forma
hierarquizada as civilizações africanas (com as variedades lingüísticas e culturais que compõe
as variadas vertentes históricas de um conjunto de povos e sociedades, que são moldadas
através de convivência secular ou até milenar), apontando diferenças entre mais e menos
civilizados ou selvagens?
Como estudar a história da África e não perceber as simplificações abusivas - tanto teóricas
quanto metodológicas - sobre tal continente, dentro das concepções linear e limitada, da
chamada “história universal”?
Assim nos colocamos a questão: como podemos mudar a representação do continente
africano, tido como marginal, servil e anacrônica, nos textos historiográficos ou didáticos, a
partir de uma versão original e crítica para atender as demandas das leis 10.639/03 e
11.645/08?
Para que possamos estabelecer argumentos frente a questões como: pelo que lutam os povos
da África? Ou as tribos indígenas na África? E podemos responder que é pela liberdade, da
mesma forma, que responderíamos sobre os outros povos não africanos. Para que a história
da África é preciso dar o mesmo enfoque dado à história universal, isto é, o da tomada de
consciência e das lutas por liberdade. Por isso, ela deve ser reescrita até retratar uma revanche
da história eurocêntrica e colonialista.
Resta uma grande questão: como a mudança do discurso sobre a história da África pode
mudar as abordagens metodológicas rumo a criticidade e reelaboração mais conexa com as
novidades da historiografia atualmente? Em toda a história da humanidade ou das civilizações
a produção acadêmica referente à história da África é ínfima e secundária. No entanto, as
novas publicações têm assumido óticas cada vez mais positivas, apontando que esse
continente tem tido impar relevância, como berço da humanidade. Como afirma o historiador
africano Ki-Zerbo: “é uma exigência imperativa que a história (e a cultura) da África, sejam
vistas de dentro, não sendo regidas por réguas de valores estranhos. (...) Mas, essas conexões
tem que ser analisadas nos termos de trocas mútuas, e influências multilaterais em que algo
seja ouvido da contribuição africana para o desenvolvimento da espécie humana” (KI-ZERBO,
2009, v.1, p. 1).
São essas algumas preocupações historiográficas e metodológicas acerca da História da África
que analisaremos com mais detalhes na exposição do Encontro Regional da Anpuh/PR.
Haile Selassie I, nascido em 1897 com o nome de Tafari Makonen, foi o imperador da Etiópia,
país que resistiu o colonialismo das potências europeias na África até a invasão da Itália de
Mussolini em 1936. Neste mesmo ano, o Imperador fez um discurso na Liga das Nações sobre
o uso das armas químicas que os fascistas italianos estavam utilizando contra o seu povo. Foi
um imperador que governou com “mão de ferro” e modernizou Addis Abeba, capital da terra
cristã negra. Também teve o respeito de países como Reino Unido e Estados Unidos da
América, que erroneamente insistiam chamar de primeiro mundo. Foi constante a sua
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aparição nas revistas de celebridades devido às suas excentricidades. A visita que fez ao Brasil,
país com a maior população negra fora da África, foi aproveitada pelos seus opositores para
realizar um golpe de Estado na Etiópia, que ao final não tive consequências. Haile Selassie I,
por outro lado, foi considerado pelo movimento rastafári a encarnação de Deus, “Sua
Majestade Imperial” (His Imperial Majesty), Jah Rastafarai, juntamente com o Pan-africanista
Marcus Garvey, considerado a reencarnação do São João Batista. O movimento rastafári surgiu
na década de 1930 nas favelas de Kingston (Jamaica) e atualmente possui mais de 600.000
seguidores A visita realizada pelo Imperador africano à Jamaica foi histórica para os rastafáris,
milhares de pessoas afro-americanas receberam seu “Deus negro” com cantos espirituais
religiosos. A partir da década de 1960, graças às músicas de Bob Marley, o movimento rastafári
se estendeu por todos os continentes. A adaptação que fez o cantor jamaicano do discurso de
Haile Selassie I, realizado em 1935 nas Nações Unidas, converteu a canção “War” em uma das
mais traduzidas na história da música, divulgando pelo mundo uma mensagem de anti-
imperialismo, antirracismo, de paz, amor e respeito entre os povos do planeta terra. Albarosie
(Italia), Seeed (Alemanha), Agua Bendita (Espanha), Dub Incorporation (França), Mercado
Negro (Portugal), Steel Pulse (Reino Unido), Intinn (Irlanda), Dub Basque Fundation (País
Vasco), Orxata Sound System (Catalunha), Strad-a-felt-a-sound (Noruega), Acustice Bulgarian
Reggae (Bulgária) Cala Góra Barwinków (Polonia), Jah Division (Rússia), Dubioza Kolective
(Bósnia e Herzegovina), Ayhan Sicimuglu Istambul Latin Orquestra (Turquia), Iyam (Israel),
Armenian Reggae Reincarnation (Armênia), Keýpimi bozup bilmersin (Turquemenistão) Jah-
One Love (Mongolia) The Pionners (Japão), Ranah Rasta (Indonésia) Kai-Jo Brothers (Tailândia),
Long Shen Dao (China), Karma (Vietnam), DJ Werner Rex (Papua-Nova Guiné), 1stribe (Fiji),
Coulored Stone (Australia), Katchafire (Nova Zelândia), Alpha Blondy (Costa do Marfim),
Mamee Ibra (Senegal) Shaka Zulu (África do Sul), Afrika Rainbow (Cabo Verde), Prince Wadada
(Angola), Manuel Wambo Wanji (Camarões), Ganga Vibes (Marrocos), Teddy Ab (Etiópia),
Daday (Madagascar), Burning Spear (Jamaica), Tribo de Jah (Brasil), Fidel Nadal (Argentina),
Godwana (Chile), Nou Vin Lakay (Venezuela), Alqa Roots (Peru), Atajo (Bolivia), Chala Madre
(Uruguay), Lion Reggae (Colombia), Cimarrón (El Salvador), DJ Kabeto (Honduras), Señor Juan
(Guatemala), Eddie Lover (Panamá) e um largo etecetera de cantores e bandas reggae, se pode
observar como o mensagem do “Rastafarianismo”, segue atualmente representado em todos
os continentes e línguas. A música reggae é fruto da espiritualidade e também um canto de
lamento pelos quatrocentos anos de escravidão, pela Apartheid, a discriminação racial, e
outros “inventos” das elites que intentam justificar o seu domínio sobre a maior parte da
população. A música serve como ferramenta de luta pacifica, mostra passagens intolerantes da
história humana e serve para conscientizar as pessoas. O Imperador absolutista ou “Deus
negro” que morreu em Adis Abeba em 27 de Agosto de 1975, não podia imaginar a
transcendência que teria no mundo enterro a sua figura. Em África, América e em tudo o
planeta ficam geminadas mensagens de respeito intercultural, luta pela igualdade de direitos,
paz, amor e unidade para todos os povos.
Das raízes africanas à cultura afro-brasileira: um caminho entre a lei 10.639/2003 e a produção
em dança afro-brasileira na escola.
Este artigo a apresenta, com base na inserção da lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
tornou obrigatório no currículo oficial da rede de ensino, a temática História e Cultura Afro-
Brasileira. Após os levantamentos dos documentos existentes na escola sobre a normatividade
desse tema nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Arte, de História, e nos Cadernos
Temáticos (Educando para as Relações Étnico-Raciais). As experiências de estudos e práticas
vivenciadas em um trabalho de produção de dança afro-brasileira na escola, que apontou um
caminho na direção de aproximação entre o direito do aluno de acesso ao conhecimento e as
possibilidades pedagógicas desenvolvidas nessa produção. Este Trabalho envolveu professores
de diferentes áreas do conhecimento, equipe pedagógica, direção escolar, equipe
administrativa e ultrapassou os limites muros da escola, culminando na participação de pais de
alunos inseridos no projeto, que eram de 5ª série do Ensino Fundamental ao 3º Ano no Ensino
Médio realizado no Colégio Estadual Comendador Geremias Lunardelli no Município de
Grandes Rios – PR.
Nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Arte na sua organização, encontramos em
seus conteúdos estruturantes6 especificamente nos movimentos e períodos, a presença da
Arte Africana inserida nas quatro linguagens da arte: Artes Visuais, Teatro, Musica e Dança. Em
sua proposta metodológica percebemos as possíveis relações entre essas linguagens com os
elementos formais7, composição8 e nos movimentos e períodos9.
Nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica História, são evidenciados em seus Conteúdos
Estruturantes três eixos: Relações de Trabalho, Relações de Poder e Relações Culturais. Por
meio da utilização desses, o professor poderá inserir o tema História e Cultura Afro- Brasileira
em suas aulas. (DCE História, 2008, p. 64).
Podemos perceber que tanto nas DCEs Arte como nas DCEs História o professor tem a
liberdade metodológica para lidar com a História e a Cultura Afro Brasileira, aprofundando
aspectos que sejam pertinentes ao conhecimento dos alunos e suas relações com outros
conteúdos específicos relacionados a cada disciplina, sendo possível a todas as séries e a
qualquer momento no contexto pedagógico.
Nos cadernos Temáticos Educando para as Relações Étnico-Raciais é apresentado uma série
de discussões, estudos, debates, elaboração, acompanhamento de propostas, realização de
seminários, simpósios, sugestões de filmes, vídeos, livros, revistas, sítios, artigos, etc.
Este material tem a intenção de focalizar as relações étnico-raciais de modo a colaborar para
uma compreensão crítica dos condicionantes que determinam a situação que observamos
atualmente no Brasil em relação aos afrodescendentes e africanos. Propõe-se, dessa forma, o
necessário enfrentamento ao pensamento eurocêntrico, enfrentamento este que, segundo
entendemos, precisa ser feito cotidianamente no interior de nossas escolas estaduais.
(CADERNOS TEMÁTICOS, 2008, p. 6)
6
Conteúdos estruturantes são conhecimentos de grande amplitude, conceitos que se constituem em fundamentos
para a compreensão de cada uma das áreas de Arte. Os conteúdos estruturantes são apresentados separadamente
para um melhor entendimento dos mesmos, no entanto, metodologicamente devem ser trabalhados de forma
articulada e indissociada um do outro. (DCE Arte p.63)
7
Relacionado a forma que se da a produção artística como por exemplos: o timbre em Música, a cor em Artes
Visuais, a personagem em Teatro ou o movimento corporal em Dança. (DCE Arte p.63)
8
É o processo de organização e desdobramento dos elementos formais que constituem uma produção artística.
Num processo de composição na área de artes visuais, os elementos formais – linha, superfície, volume, luz e cor.
(DCE Arte p.63)
9
Se caracteriza pelo contexto histórico relacionado ao conhecimento em Arte. Esse conteúdo revela aspectos
sociais, culturais e econômicos presentes numa composição artística e explicita as relações internas ou externas de
um movimento artístico em suas especificidades, gêneros, estilos e correntes artísticas. (DCE Arte p.63)
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Percebemos que este caderno fornece aos professores da rede pública de ensino do Paraná
uma série de produções que poderão contribuir como recursos didáticos a serem discutidos e
refletidos em sala de aula no dia-a-dia com os alunos.
Por meio de um projeto intitulado “DANÇA- Viagem ao Mundo Através do Corpo” vinculado ao
programa Viva Escola, que possibilitava ao professor, trabalhar com um grupo de alunos os
conteúdos de sua disciplina em horários de contra-turno com 4 horas/aula semanais,
ampliando as necessidades do professor e dos alunos em aprofundar e explorar determinados
conhecimentos sistematizados na disciplina em questão.
No contexto escolar, com o projeto havia a preocupação de apresentar aos alunos a linguagem
da dança desprendida de pré-conceitos, considerando a presença da dança inserida a culturas
em diferentes lugares do mundo. A expressão individual de cada aluno era valorizada em
propostas criativas nas construções coreográficas, existia uma transposição de informações
adquiridas por várias fontes de conhecimento, como livros, revistas, internet, vídeos, músicas,
entre outros, para as práticas artísticas. Nesse contexto, fomos idealizando um estudo sobre a
cultura africana e afro-brasileira tanto no campo teórico como nas práticas corporais,
resultando na produção em dança que nominamos de “Das Raízes Africanas à Cultura Afro-
Brasileira” organizada em uma sequência que representaria esse título.
Na Cultura africana encontramos a integração da música com a vida social e religiosa, tendo
uma funcionalidade, isto é, não existe por ela mesma. Canto, instrumentos, fala, ritos, festas,
danças, natureza e afazeres do cotidiano fazem parte de um mesmo contexto, interagem entre
si e formam um todo que dificilmente é desmembrado. (ALMEIDA: PUCCI, 2002, p.95)
No Brasil esse contexto vai se alterando, incorporando-se aos poucos estruturas da cultura
européia, partindo daí outras formas de expressão, caracterizando-se como brasileiras. “Os
sincretismos nascem assim do entrelaçamento e das influencias mútuas no processo de
aculturação” (ALMEIDA; PUCCI, 2002, p.97).
Inicialmente, a dança representa os movimentos típicos da cultura africana em sua origem, em
sequência interpreta a vinda dos africanos ao Brasil (luta e sofrimento), por meio da realidade
do trabalho escravo, a letra da música fala sobre o despertar dos escravos “Tava durumindo
cangoma me chamou. Disse “levanta povo! Cativeiro já acabou.”10 Em seguida abre-se uma
roda, aparecendo alguns dos orixás mais cultuados no Brasil que são incorporados (em forma
de representação) tais como: Iemanjá, Oxum, Oxossi, Xangô, Nanã e Oxalá, um personagem
com uma roupa estampada (imitando pele de animal) representa os homens e os animais da
áfrica; e outro com roupas brancas que representa o candomblé. Em sequência os sons do
berimbaus avisa o recuo dos orixás e anuncia a entrada dos capoeiristas que fazem suas
evoluções de dança e luta, finalizando a dança com um toque mais abrasileirado do samba, um
casal de dançarinos faz evoluções de cortejos e após, chama todos os participantes da dança
para caírem no samba, os orixás se aproximam novamente e é finalizada a dança como uma
grande festa de miscigenação numa união entre africanos, brasileiros e afro-brasileiros.
A dança não é um adorno na educação, mas um meio paralelo a outras disciplinas que formam
em conjunto a formação do homem, com menos medo e com a percepção de seu corpo como
meio expressivo em relação com a sua própria vida (FUX, 1993, p. 40)
Percebendo o envolvimento dos alunos nesse projeto de trabalho, concluímos que os
conhecimentos sobre a História e a Cultura Afro-Brasileira vieram de encontro às necessidades
educacionais, sociais e ao cumprimento da lei 10639/2003. O aprendizado vivenciado pelos
participantes, tanto no campo teórico como nas práticas artísticas, foram visíveis por meio de
acompanhamento de todo o processo.
10
Refrão da música: Tambores de Minas (Cangoma e Sansa kroma) faixa 20, do livro Outras Terras outros sons que
acompanha o um CD.
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Desta forma, podemos concluir que as metodologias, por meios de projetos, são mais
significativas para o professor e para os alunos, por apresentarem um maior
comprometimento de ambas as partes em toda a construção do saber.
Referências:
ALMEIDA, M. Berenice de; PUCCI, Magda Dourado. Ouras terras, outros sons. São Paulo: Callis,
2002.
Fux, Maria. Dança experiência de vida. (trad. Norberto Abreu e Silva Neto) São Paulo. Summus,
1983.
PARANÁ, Secretaria de estado da Educação. Educando para as Relações Étnicos -Racias II /
Superintendência da educação. Diretoria de Políticas e Programas Educacionais, Coordenação
de desafios Contemporâneos, - Curitiba: SEED – PR., 2008.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação do. Diretrizes Curriculares de Arte para a Educação
Básica. Departamento de Educação Básica. Curitiba, 2008.
__________________. Diretrizes Curriculares de História para a Educação Básica.
Departamento de Educação Básica. Curitiba, 2008
Lei 10.639/2003, uma Realidade ou mais uma Política Curricular Obrigatória? Professores de
História: suas Apropriações e Resistência a Lei.
Este trabalho tem por objetivo problematizar as apropriações efetuadas pelos professores
sobre a Lei 10.639/03, especialmente os professores que atuam junto aos alunos dos sexto aos
nonos anos do ensino fundamental. Trata-se de uma discussão que se pretende alicerçar sob a
ótica das abordagens curriculares. Compreendendo a Lei como resultante de um movimento
social complexo, iremos analisar como e se sua efetivação tem ocorrido na prática cotidiana
das escolas. Um vasto arcabouço teórico fundamenta esse trabalho que estará referenciado
tanto pela História quanto pelo Ensino. Buscaremos uma abordagem que traga à discussão
questões relacionadas ao multiculturalismo proposto pela legislação, sua imposição por meio
de uma política curricular oficial e, diante dessa política curricular, as apropriações e
adequações a que a legislação tem sido submetida adaptando-se, assim, às diferentes
realidades escolares e às mais variadas orientações a que estão ligados os professores, seja por
suas histórias de vida, seja por sua formação acadêmica.
Desde janeiro de 2003, o ensino das histórias e culturas africana e afrobrasileira tornou-se
obrigatório no sistema educacional brasileiro, a partir da sanção da Lei 10.639/03 pelo então
presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. Propostas de uma educação multicultural já
se faziam presentes na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), mas, com a nova legislação, essas propostas adquiriram um caráter de
obrigatoriedade. Todavia, após alguns anos, as discussões em torno da eficácia da lei ainda se
encontram distantes de um consenso. Os pesquisadores dessa temática trabalham na
tentativa de construir um arcabouço teórico que nos permita entender mais claramente as
redes e conexões de apropriações e significados que se estabeleceram nos espaços de atuação
e interferência dessa nova legislação, no caso, as escolas
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Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não
as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são para quem deles experimenta
contemporaneidades obscuras. Contemporâneo é, justamente, aquele que é capaz de escrever
mergulhado apenas nas trevas do presente. 11 O presente projeto busca estabelecer um
diálogo entre algumas reflexões de Michel Foucault (1926-1984), Norbert Elias (1897- 1990) e
11
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009 (p.62-63).
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12
Sobre a episteme moderna pode-se compreende-la como as condições de possibilidade de uma formação
discursiva, sua homogeneidade em uma determinada época e espaço. Ela é abordada pela arqueologia do saber,
compondo uma perspectiva de corte em camadas horizontais de análise. A episteme moderna emergiu e duplicou o
homem em uma posição tanto de objeto do saber, quanto como sujeito do conhecimento. Sobre isso ver:
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
13
Ver: OLINTO, Beatriz Anselmo. Sem ilustração: a Profilaxia Rural no Paraná e a heteronomia das populações. In:
XXIV Simpósio Nacional de História. www,shn2011.anpuh.org.
14
SOUZA ARAUJO. Heráclides de. A Prophilaxia rural no Estado Paraná: um esboço de geografia médica. Curitiba:
[s.n.], 1919 (p.130).
15
Idem (p. 112).
16
Idem (p. 158)
17
Idem (p. 211)
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seres abandonados em sua eterna minoridade. Uma nomos ordenadora só poderia vir como
uma salvação externa a essas criaturas apresentadas sem nenhum traço de civilização. Pois
que, se convencidos das benesses da ciência, é porque eram impressionáveis, e, se um dia
fossem educados, apenas cessariam de adoecer por sua própria culpa. A Profilaxia
apresentava-se como uma positividade biopolítica. A única forma de incluí-los nos projetos
nacionais do período, seria então, manipulá-los e salvá-los de si mesmo, pois que estava
diagnosticada a heteronomia18 dessas populações. Com isso suas vidas foram expostas
como vidas nuas19, sua hexis corporal foi minuciosamente examinada e seus costumes
passarão a ter valor moral ao tornarem-se maus hábitos, pois: “Não há nenhuma zona do
Estado que a gente visite, seja no litoral, seja nos campos, nos sertões ou no Baixo Paraná, em
que se não encontre o povo dominado pelo mal habito de não fazer usos de latrinas” 20,
afirmava Souza Araujo em 1919. O que enfim estava sendo gerido por essa profilaxia? Uma
vida nua olhada por um projeto político. Uma vida exposta a luz de saberes a fim de
transformá-la em operações reconhecíveis e previsíveis. A Profilaxia lidava com a vida
compondo duplos como: civilização e barbárie, progresso e atraso, higiene e perigo, sujeito da
ação e objeto de pesquisa. Duplicação integrante da ordenação das coisas e das gentes pela
episteme moderna. O ser - humano é duplicado e seu ser e estar no mundo analisado e
modificado. Para isso, a Comissão de Profilaxia, fez tabula rasa sobre as medidas
profiláticas desenvolvidas pelas culturas indígenas, do trabalho das populações rurais desde a
infância, da existência de uma medicina popular e do crescimento da produção agrícola no
estado naquele momento. A vida dos trabalhadores no campo foi vista como o negativo, o
avesso da civilização desejada, seus conhecimentos e seu trabalho foram desprezados. Eram
representados como ignorantes e embrutecidos, às vezes por ignorância e sempre pela
doença. Vistos como seres incapazes de autogestão, necessitando serem retirados de uma
situação de falta, de ausência, por uma nomos planificada por um sujeito do conhecimento
externo a eles. Com essas reflexões aponta-se que a modernidade é fiel a herança metafísica
ocidental e com isso ao politizar a vida nua e incluí-la na polis, o faz construindo a política
como biopolítica.21 A zoé, a vida, entra na polis e o viver é transformado em bem viver, o viver
político da bíos, entendido como o viver de um corpo disciplinado, mas ainda excluído. Pois
que a inclusão ocorre apenas diante do abandono de sua vontade autônoma em nome de uma
submissão aos objetivos pragmáticos de um outro. Concordando com Giorgio Agamben, a
novidade moderna não é tanto incluir a vida na polis, mas sim transformar todo o espaço
político em biopolítica, fazendo coincidir bíos e zoé. Disso decorre que o único valor político
seja a vida, transformada em vida nua, e a sua gestão, um fim em si. A figura do hommo sacer
para Agamben, seria a metáfora dessa situação. Ele seria o homem capturado pelo poder
soberano, matável por esse, mas insacrificável, tornando-se uma zona de indistinção entre a
biopolítica e a vida natural. 22 O homo sacer habitaria uma terra de ninguém, entre a cidade
política e a casa patriarcal. Hoje todos somos virtualmente homines sacri, pois na
modernidade: “O poder soberano entra em simbiose cada vez mais intima não só como jurista,
18
Em oposição ao uso autônomo da razão e ao seu imperativo categórico, é que se compõem o conceito de
heteronomia. Nele encontra-se uma forma de sujeição a uma lei exterior ou quaisquer outras determinações que
não pertençam ao âmbito da legislação estabelecida pela consciência moral de maneira livre e autônoma, nas quais
“não é a vontade que então da à lei a si mesma, mas é sim o objeto que dá a lei à vontade pela sua relação com
ela”. A heteronomia então seria uma menoridade diante da de vontade de outrem, de um interesse pessoal ou
passional. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2005 (p. 85-87, BA 87 BA 88-89)
19
Entende-se aqui vida nua como uma produção histórica específica dentro do biopoder. Ver: AGAMBEN, G. Homo
sacer: o poder soberano e a vida nua. 2ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
20
SOUZA ARAUJO. Heráclides de. A Prophilaxia ... (p. 211)
21
AGAMBEN, G. Homo sacer:...(p,15).
22
Idem. (p. 16).
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mas também com o médico, com o cientista, com o perito, como sacerdote.”23 Essas formas de
biopolítica exigem um corpo a ser exposto e reduzem o espaço político a formatação da vida
de um povo.24 O estado nação moderno é fundado sobre os procedimentos de localização,
ordenamento e nascimento, ou seja, um nexo entre território, governo e regras automáticas
de inscrição da vida. 25 O projeto biopolítico inscreve-se, então como o projeto de construção
de um povo, entendido em duplo sentido, tanto político quanto de pobres desamparados a
serem regidos. A pesquisadora Carmem Kummer também apontou, com muita propriedade,
ao final de sua dissertação dedicada a mesma Comissão de Profilaxia Rural no Paraná, uma
permanência do problema da saúde nas zonas rurais do estado, assim: Conforme o IPARDES,
apenas 35,8% de 199 municípios considerados rurais apresentavam (em 2001) algum tipo
efetivo de prestação de serviços na área da saúde. Não podemos negar que nenhuma ação foi
tomada desde a década de 1910, uma vez que o saneamento no meio rural nessa época deu
início a muitos projetos realizados décadas depois. Por outro lado, possivelmente podemos
afirmar que as justificativas apresentadas para definir este índice alarmante se inserem nas
mesmas queixas apresentadas por Souza Araújo, João de Barros Barreto e Eduardo Leal
Ferreira, quais sejam, o infindável descaso político das elites locais com aqueles que julgam ser
irrelevantes e desnecessários para o país. 26 Uma continuidade de problemas que poderiam
ser trazidos para a ordem do dia sob as mesmas justificativas utilizada pelos médicos do início
do século XX. Ou seja, uma permanência de uma visão de mundo em torno do rural e sobre as
pessoas que lá vivem. Essas permanências se caracterizam como um conjunto de estigmas,
metáforas, estratégias, imagens, políticas, etc; dispostas para o rural e que partem do
pressuposto de uma eterna minoridade daquela população. Consequentemente, o apelo
recorrente é por formas de tutela e conseguinte sujeição, como uma inferioridade diante do
urbano, do moderno, do científico e do erudito. Não seria a toa que os discursos sobre a
modernidade no campo hoje, início do século XXI, sejam ligados ao agronegócio, um
empreendimento extremamente mecanizado e de alta tecnologia, que necessita de poucos
viventes no campo. Sem os viventes, só restaria a terra moralizada como boa? Por outro lado,
a agricultura familiar é objeto de inúmeras tentativas de resgate, de conservação, ou ainda de
criação de opções econômicas sustentáveis, as quais permitam a sua sobrevivência. Propostas
cientificamente embasadas por bem intencionados e exteriores saberes acadêmicos. Aqui,
novamente a heteronomia, as soluções encontradas para os problemas criados, são
elaboradas por outrem com interesses e disposições de fora da vontade autônoma. As pessoas
envolvidas e as necessidades por elas mesmas percebidas, não participam do projeto,
esvaziando a ação como um processo autônomo de responsabilização. Em ambos os casos, a
verdade científica incorre, mais uma vez, no perigo de subsumir o outro. Lembrando mais uma
vez Foucault “vocês não tem direito de menosprezar o presente”.27 Pois cada um é responsável
pelo processo histórico do conjunto. A final a modernidade é uma atitude, uma maneira de
pensar e agir que se apresenta como tarefa contemporânea. Foi durante a pesquisa
empírica e a problematização da documentação levantada, que se constituiu um encontro
entre as reflexões dos autores Foucault e Agamben, as quais agora se objetiva ampliar. Porém,
somente olhando as obras em questão no presente projeto é que se poderá compreender de
que forma os conceitos de Norbert Elias poderão compor com esse horizonte de pesquisa.
Assim, a escolha do livro Em defesa da Sociedade, que contém o curso ministrado por
23
Idem (p. 119).
24
Idem (p. 145).
25
Idem (p. 172-174)
26
KUMMER, Carmem Sílvia da F. Não esmorecer para não desmerecer: As práticas médicas sobre saúde da
população rural paranaense na primeira república. Dissertação (Mestrado em História) Curitiba: UFPR, 2007 (p.136).
27
FOUCAULT, M. O que são as luzes? In: ___. Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. 2 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005 (p . 341-342)
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Foucault no Collége de France em 1975 e 1976, embasa-se através da opção pela análise
genealógica. Através dela, o autor buscou uma insurreição dos saberes contra os “efeitos
centralizadores de poder que são vinculados a instituição e ao funcionamento de um discurso
científico”. Uma pesquisa genealógica seria então a forma de “dessujeitar os saberes históricos
e torná-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico
unitário, formal e científico.28 Em Em defesa... a análise do poder centra-se nas estratégias do
seu exercício sobre o corpo e sobre a população. Aponta como modelo para essa análise a
inversão da máxima de Clausewitz (a saber, a guerra é a política por outros meios) percebendo
assim “a política como a continuação da guerra por outros meios”29 A genealogia do estado
moderno expõe uma batalha permanente para limpar e moldar o corpo social em um longo
movimento de estatização e centralização do poder de guerra por este.Por outro lado, segue-
se Norbert Elias, com a noção de processo civilizador, que pode ser definida como um longo
caminho percorrido pela civilização ocidental no desenvolvimento do seu horizonte de
sensibilidade, um processo de repressão a tudo que fosse ligado a natureza animal do ser
humano, através dos estabelecimento de pequenas nuances comportamentais, como “o
processo pelo qual se verificou a sistematização dos controles sociais”.30 Justifica-se então o
diálogo entre os autores, pois que, através dos três pontos centrais do processo civilizador, a
saber: controle dos acontecimentos naturais, controle das relações entre os humanos,
controle do aprendizado,31 Norbert Elias, conseguiu interligar o desenvolvimento da
tecnologia, do autocontrole, do lazer, da educação e do estado nacional na formação do
mundo contemporâneo. Nos dois volumes do livro O processo civilizador, o autor
demonstrou, através de pesquisa documental e em uma perspectiva de longa duração, como o
controle exercido através de outrem foi interiorizado, ou melhor, transformou-se em um
autocontrole. Através do desenvolvimento de sentimentos de vergonha, o processo civilizador
retirou a vida instintiva e afetiva da vida em comum. É nesse processo de controle das pulsões
que se desenvolveu o controle da violência e a sua monopolização pelo Estado. Assim, o
senhor feudal virou membro da corte do rei e trocou a espada pelo apanágio. Foi uma
pacificação da política através do estabelecimento de novas regras. A política tornou-se um
jogo, pois possuiria regras, exigiria mobilidade e autocontrole dos participantes. Porém,
não só a política se assemelharia a um jogo. Para Elias, a sociedade é formada por
configurações, ou seja, o indivíduo participa de diversos jogos ao mesmo tempo em sua vida
diária. Vivencia diferentes figurações, em cada um delas e assume multiplos papéis, cumpre
variados comportamentos e níveis de controle, conhecendo, cumprindo e manuseando as
regras e as relações de cada uma dessas figurações e criando uma configuração específica.
Também é importante destacar que Elias em nenhum momento de suas reflexões diminui a
importância dos conflitos no viver social, ao contrário, os processos podem não ser planejados,
porém se dão entre tensões e relações de poder.32Portanto, o processo civilizador é, nos
termos de Elias, tanto uma sociogênese, quanto uma psicogênese, ou seja, foi um processo
coletivo do Ocidente a partir do final da Idade Média, passando pela constituição do Estado
moderno, até a contemporaneidade, mas também é um processo interno de autocontrole pelo
qual cada pessoa passa desde o seu nascimento. “A história de uma sociedade se reflete em
uma história interna de cada indivíduo”.33 É nesse sentido que se dialoga com a visão de
28
___. Em defesa da sociedade. São Paulo Martins Fontes, 1999 (p. 14 - 15).
29
Idem (p.22 e 54).
30
GEBARA, Ademir. Educação e lazer na teoria do processo civilizador. Revista Semana de História. Guarapuava, ano
2, nº 2, p. 134-144, 2004.
31
Idem (p.134 -135).
32
PONTAROLO, Fábio; GOMES, Cerize; OLINTO Beatriz A. Sobre sociologia: fundamentos de tória social para futuros
historiadores. Guarapuava, UNICENTRO, 2010.
33
ELIAS apud HEINICH, Nathalie. A sociologia de Norbert Elias. Bauru: Edusc, 2001( p. 13).
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Foucault, porém de uma forma dúbia, pois se, por um lado as reflexões parecem passíveis de
aproximação, por outro há um distanciamento irredutível. Aproximam-se pelo tempo longo, a
psicogênese e sociogênese imbricadas, a estatização e centralização da guerra, a periodização;
entretanto, a guerra interna permanente, a ruptura trazida pela noção de episteme, de
regimes de verdade e de arqueologia, criam um afastamento das analises desenvolvidas por
Elias, tanto em O Processo Civilizador, quanto em A Sociedade de Corte. Pois que, para
Foucault, sob a regência da lei, continua a ser a guerra o motor da ordem. Disso decorre, não
uma configuração de jogo como o é para Elias, mas uma sociedade com divisões binárias, as
quais legitimam pertencimentos e identificam inimigos, em uma batalha na qual a verdade
torna-se uma arma na relação de força de um sujeito falante guerreiro,34 em discursos
verdadeiros apoiados na tradição e na mitologia. Nesse ponto novamente uma aproximação,
agora com a obra Os Alemães. Pois Foucault desenvolveu uma noção de pacificação autoritária
articulada no discurso do direito, da filosofia e em uma certa forma de discurso histórico-
político na Europa a partir da Revolução Inglesa. Também Norbert Elias fez uma digressão
sobre o nacionalismo e sobre a violência no século XX nessa sua última obra. Nela analisou
como a aplicação de modelos aristocráticos de comportamento em estados europeus teve em
seu cerne a noção de desigualdade entre os viventes, não só de forças, mas de qualidade e de
grupo. 35 Na continuidade do mesmo livro, o autor analisou o colapso da civilização discutindo
o nazismo, os campos de concentração e os julgamentos dos crimes de guerra. Nesse
momento da obra uma ponte temática com Giorgio Agamben pode ser construída, pois que
esse último tem dedicado grande parte da sua reflexão a estes fenômenos, como é o caso do
Hommo sacer e da obra O que resta de Auschwits.36 A partir desses primeiros diálogos é
que se buscará construir um embasamento teórico mais amplo que permita alargar o
horizonte de investigação sobre processos de identificação, de subjetivação e dessubjetivação,
bem como refletir sobre as noções de cidadania, de posicionamentos de grupo e dos usos e
características do conhecer histórico. Reflexões essas que também embasarão o
desenvolvimento das atividades de pesquisa e ensino empreendidas pela proponente no
período de abrangência desse projeto. Fiel a proposta desse projeto a metodologia discute a
polaridade tensionada existente entre uma função tradicional da escrita da história37, de
construir uma memória coletiva, e uma função geneológica da escrita da história, quase uma
anticiência.38 O presente projeto pretende filiar-se a segunda. Advém daí a responsabilidade
por todos os limites que acompanham escolher uma discussão teórica antes de buscar a
pesquisa empírica. Porém, refletir sobre os paradigmas que norteiam o conhecer na
contemporaneidade, em nenhum momento quer obliterar a história como densa pesquisa
empírica problematizada a partir de lugares no presente, apenas reforçar essa
problematização antes de imergir uma vez mais em monumentos.
Nesse diálogo entre temporalidades, inerente ao ofício de historiador, é que se busca adensar
a reflexão, não para a constituição de mais um modelo a-histórico que apague a complexidade
da diferença, mas, exatamente ao contrário, ao compor uma percepção crítica do mesmo,
tornar-se mais atenta as míninas nuances, vendo tanto subjetivações, quanto as
34
FOUCAULT. Em defesa ...p. 63
35
ELIAS , Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:
ZAHAR, 1997. Essa problematização também pode ser encontrada em WEBER, Max. O caráter nacional e os junkers.
In:___. Textos selecionados (coleção os pensadores). 2ed. São Paulo: Abril, 1980 (p.111-119).
36
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo, 2008.
37
A noção de historiografia tradicional é definida por Novais e Forastieri em relação a historiografia moderna, essa
última dialogaria com as ciências sociais, enquanto a primeira não. Porém, ambas corresponderiam “à necessidade
de criação da memória social”. Ver: NOVAIS, Fernando; SILVA, Rogério Forastieri Silva. Nova história em perspectiva.
São Paulo: Casacnaify, 2011 (p.15)
38
“As genealogias são, muito exatamente, anticiências. [...] É exatamente contra os efeitos de poder próprios de um
discurso considerado científico que a genealogia deve travar combate.”FOUCAULT, Michel. Em defesa...(p. 15).
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Bruna Silva
Mestranda do Programa de Pós Graduação em História da UNICENTRO
39
AGAMBEN. O que é o contemporâneo?... (p. 72)
40
BENJAMIM, Walter. Sobre o Conceito de História. In___. Magia e técnica, Arte e política. (obras escolhidas 1) 6
ed. São Paulo: Brasiliense, 1993 ( p. 222-232)
41
ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994(p.67).
42
Para trabalhar a noção de dispositivo, Giorgio Agamben apóia-se em Foucault e os interpreta como
procedimentos para a gestão prática dos viventes. Assim, um dispositivo organiza e situa normas de conduta do
viver. Ele é uma positividade histórica, isto é, uma coerção e comando de sentimentos e comportamentos. Ver.
AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? In:___. O que é o contemporâneo?... (p.30 e 31)
43
Idem (p. 40).
44
Idem (p. 42).
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45
As apresentações são escritas por diversos autores, não necessariamente pelo editor da revista.
46
Apud DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean-Yves (Org.). Política, nação e edição: o lugar dos impressos na vida
política, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo: Annablume, 2006.
47
Em 1980 18,6% da população estavam matriculados no ensino primário, 2,37 no ensino médio e haviam
1.377.286 de alunos no ensino superior. A taxa de analfabetismo foi calculada em 25,84% no Brasil naquele ano.
Fonte: IBGE, dados de 1980 In: PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. São Paulo: Ática, 1994. p. 125-7.
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48
TREVISAN, Maria José. A política educacional e o ensino de história. In: História: questões e debates: revista da
associação paranaense de história. v1 n1. Curitiba, 1980. p. 30.
49
CARDOSO, Jaime Antonio. O cinqüentenário da escola dos “ANNALES”. In: História: questões e debates: revista da
associação paranaense de história. v1 n1. Curitiba, 1980. p. 10.
50
O professor Odilon Nadalin, que permanece desde o primeiro volume até as edições de 1989, doutorou-se em
história e geografia das populações pela Ecole dês Hautes Etudes em Sciences Sociales em 1978. Atualmente faz
parte da Societe de Demographie Historique e da Unition Intenacionale pour IEtude Scientifique de La Population.
51
A Nova História francesa tem como marco inicial a publicação da Annales d’histoire économique et sociale, em
1929, dirigida pelos professores da Universidade de Estrasburgo Marc Bloch e Lucien Febvre. Nesta primeira
geração a historiografia foi influenciada pela sociologia, economia, e também pela geografia humana. Agora a
história é pensada como uma ciência social, sendo assim passa a não possuir mais uma metodologia tão
diferenciada das outras ciências sociais, como a historiografia metódica. Por isso, neste estilo de escrita, se pode
conversar com novas ciências humanas. Outro diferencial está no fato de que não se desvincula mais os eventos
políticos do sujeito e da sociedade. Ver: REIS, José Carlos. Escola dos Annales: A inovação em história. São Paulo: Paz
e Terra, 2000.
52
CARDOSO, Jaime Antonio. O cinqüentenário da escola dos “ANNALES”. In: História: questões e debates: revista da
associação paranaense de história. v1 n1. Curitiba, 1980. p. 10.
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partir da década de 90 quando o editor, Sergio Odilon Nadalin, deixa a revista parar ocupar o
cargo de presidente da Associação Paranaense de História – APAH.53 Se percebe que na edição
16 número 30 do ano de 1999, há mudanças importantes no projeto gráfico, pois a revista
passa a ter ficha catalográfica e um novo estilo de diagramação, tendo em vista que passou a
ser diagramada pela Editora da UFPR.54 Ser divulgado por uma editora universitária possibilita
uma maior visibilidade no campo acadêmico, uma vez que lá as revistas passam a ter padrões
e registros internacionais, além de poder contar com o respaldo de uma grande gama de
pares. Percebe-se, também que por cerca de cinco anos a revista não foi publicada, ao longo
das apresentações foi possível perceber que havia dificuldades financeiras para que a revista
fosse impressa, até que finalmente a Universidade Federal do Paraná – UFPR, passa a
colaborar com a revista História: questões e debates. Ainda não foi possível perceber se a
publicação de resultados de eventos, projetos de pesquisa etc., como já citado acima, são uma
preferência por parte do Conselho Editorial, ou se por ventura não havia demanda de
produção. Contudo, somente a pesquisa poderá responder a essa questão. As revistas
científicas tem sido o meio mais comum nas academias para divulgar o conhecimento que lá se
produz. Nas primeiras décadas do século XXI, com a ampliação das exigências da CAPES55
houve uma proliferação dos periódicos científicos, mais e mais artigos, pesquisas, resenhas,
revisões bibliográficas são publicadas, portanto, o pesquisador deve se adequar a essa
demanda que se mostra cada vez mais rigorosa. Por um lado, há exigências de produção
intelectual voltadas para pontuação, e por outro, os critérios de avaliação de aceite das
revistas com um qualis56 considerado adequado para a pontuação e o reconhecimento dos
pares. Muito se tem escrito a respeito de revistas,57 no entanto, na área que concerne à
revistas científicas pouco se discute. Stumpf lembra que desde o século XVII, momento em que
as revistas científicas começaram a ser publicadas elas “passaram a desempenhar importante
papel na comunicação da ciência. Surgiram como uma evolução do sistema particular e
privado de comunicação que era feito por meio de cartas entre os investigadores e das atas ou
memórias das reuniões científicas.”58 As revistas tem sua raízes na vontade ou na necessidade
do exercício da comunicação. Segundo esta mesma autora, no passado, não havia necessidade
de que o material publicado fosse inédito, mas sim que fosse publicado nos mais variados
53
As edições da revista contaram com o apoio de várias instituições como CNPq, FUNDEPAR, FINEP. Secretaria de
Estado da Cultura e do Esporte, CONCITEC, BANESTADO, Instituto Goethe de Curitiba e finalmente, com o apoio da
Pós-Graduação em História da UFPR.
54
Até o momento não foi possível angariar todos os números publicados do Dossiê, como as edições números 28 e
29 de 1998.
55
A CAPES tem como missão a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) desempenha
papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os
estados da Federação. Cf. < http://www.capes.gov.br/sobre-a-capes/historia-e-missao> Acesso em 18 de ago 2011.
56
Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção
intelectual dos programas de pós-graduação. [...] A estratificação da qualidade dessa produção é realizada de forma
indireta. Dessa forma, o Qualis afere a qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise da
qualidade dos veículos de divulgação, ou seja, periódicos científicos. A classificação de periódicos é realizada pelas
áreas de avaliação e passa por processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos
indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C - com peso zero. O dossiê História: questões
e debates, possui qualis B1 – História e B2 – interdisciplinar. Cf. http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis. Acesso
em 10 de ago de 2011.
57
Tânia Regina de Luca, Eliane Freitas Dutra, Ana Luiza Martins, Jean-Yves Mollier entre outros, têm publicado
diversos textos referentes à fontes impressas, especialmente revistas. Recentemente foram reunidos em um
compêndio Política, nação e edição: o lugar dos impressos na construção da vida política, estes artigos analisam as
fontes impressas em diferentes prismas, no entanto, não há nenhum artigo referindo-se à revistas científicas. Por
outro lado há outras publicações de autoria de Margarete Lopes e Adriana Piscitelli que refletem a respeito de
revistas científicas e gênero.
58
STUMPF, Ida Regina Chitto. Passado e futuro das revistas científicas. In: Revistas ciência e informação. vol 25 n 3.
Disponível em: << http: www.capim.ibict.br/index.php.cienfindex>>. Acesso em 26 de junho de 2011. p. 1.
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59
Idem.
60
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. Trad. Ivone C. Bendetti.
São Paulo: UNESP, 2000. p. 56.
61
Idem. p. 58.
62
Idem. p. 120.
63
Cf. CERTEAU, Michael de. A operação historiográfica. In: A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. 2ª
ed. Forense Universitária.
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Este trabalho tem como propósito principal refletir sobre a Associação Pró-Arte, uma entidade
conduzida por emigrados judeu-alemães, voltada para a preservação da cultura alemã na
cidade de Rolândia. Quando o processo imigratório, nos países europeus, tornou-se mais
intenso, assim, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha intensificou as
perseguições aos judeus. Nesse período, aqueles que tiveram oportunidades, saíram do seu
país em busca de uma nova vida em outros lugares. Esta emigração só foi possível devido a um
projeto de colonização de terras iniciado pelo governo brasileiro na década de 1920, e que
contou com uma parceria entre uma companhia de colonização inglesa e um grupo alemão
refugiados do nazismo, sendo majoritariamente, de origem judaica. No entanto, os refugiados
não constituem uma comunidade judaica organizada ao se estabelecerem na cidade
paranaense. Porém, uma prática comum onde existiam imigrantes alemães surgiu em
Rolândia, uma associação cultural, a Associação Pró-Arte. Fundada em 1953, a associação
organizava conferências, reuniões, palestras e demais atividades culturais como um meio de
união entre os emigrados. De acordo com Max Maier, emigrado que relatou sobre os
encontros em sua autobiografia, os conferencistas eram muitas vezes escolhidos entre os
próprios refugiados, mas também entre pessoas de fora, seja de São Paulo, Rio de Janeiro,
Curitiba e de outros países, tais como Alemanha e Estados Unidos. Grupos de teatro de São
Paulo e Curitiba apresentaram espetáculos e leituras de peças precedidas e seguidas de
comentários. Havia, ainda, a declamação de poesias alemãs. Os temas das conferências eram
os mais diversos: desde relatos de viagem até as mais modernas técnicas de ensino. Estas
realizações da Pró-Arte, segundo o mesmo autor, mantiveram os imigrantes em contato com o
resto do mundo. Todas as atividades da associação eram realizadas em língua alemã, da
mesma forma que o jornal mensal editado pela mesma. Este pequeno jornal chamado Roland
continha artigos, informações e programações de eventos artísticos e divulgação científica. A
ligação com a Alemanha era evidente não apenas na utilização da língua. O jornal, por
exemplo, tinha uma coluna na qual, jovens da cidade de Bremen procuravam se corresponder
com jovens de Rolândia. A tentativa de preservação da cultura alemã também se apresenta na
escolha de temas referentes a fatos e pessoas importantes da Alemanha, tanto nos artigos do
jornal, quanto nas conferências e palestras da Pró-Arte. Também a divulgação de datas e
eventos relativos a personagens expoentes da cultura alemã mostra essa preocupação. No
entanto, ocasionalmente havia artigos sobre problemas agrícolas relacionados ao café,
orientações sobre plantio e colheita. Dessa forma, o jornal da Pró-Arte, embora demonstrando
como orientação principal a conservação da cultura alemã, funcionava também, ainda que
sem a mesma intensidade, como um veículo de integração dos imigrados à nova terra. Além
disso, a Pró-Arte funcionava como ponto de encontro dos imigrantes, na sua tentativa de
como se referia Max Maier (1975) de “não deixarem morrer toda a cultura alemã”. As duas
funções principais da associação, clube (ponto de encontro) e cultural (realizações culturais)
mostram que ela era um importante foco de relacionamento para os habitantes de Rolândia
considerados como “refugiados” e, entre eles, os fazendeiros principalmente. O que não
podemos deixar de observar é que ao mesmo tempo em que favorecia a reunião de imigrantes
alemães, formava uma barreira aos brasileiros pela utilização do idioma alemão. Os
descendentes de alemães do sul do Brasil, embora falando alemão, não tinham condições de
participar das reuniões da Pró-Arte, pois, segundo os entrevistados pela autora Ethel
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Kosminsky, eles não se interessavam pela cultura alemã. O objetivo do ensaio é compreender
como foi possível promover a cultura alemã a partir da Associação, em quais condições isso se
deu e como se formulou uma ideia de cultura emigrante no contexto da colonização local.
Este texto diz respeito ao estudo sobre a alimentação, concebida enquanto constituinte do
sujeito, tendo como fundamentação, a genealogia de Michel Foucault. Tal fundamentação é
considerada como uma ferramenta de análise. Discute-se também, como os discursos
produzidos sobre a alimentação repercutem na constituição de modos de estar e agir dos
indivíduos. Indivíduos como produtos do poder e do saber. Para tanto é importante
apresentar, caracterizar e contextualizar as principais fontes analisadas. Deixar explícita a
perspectiva de história da alimentação aqui considerada. E também estabelecer um
entendimento sobre a genealogia de Foucault, bem como, de que modo esta genealogia
auxilia na compreensão do corpo e a alimentação, dentro de um recorte espacial e temporal
específico. No sentido de se identificar o processo de construção do corpo pela alimentação.
Visa-se discutir sobre as relações de saber-poder no âmbito da história da alimentação. Com
este objetivo é possível de se estabelecer uma reflexão sobre as relações dos indivíduos com
as “verdades” de seu tempo.
As fontes priorizadas são receitas e dicas culinárias que aparecem semanalmente no Jornal
Prácia (Trabalho), editado em língua ucraniana na cidade de Prudentópolis-PR a partir do ano
de 1963 até 1995. Porém, esse estudo contempla como uma proposta inicial de pesquisa, a
análise somente dos textos do ano de 1963. Considera-se a possibilidade de se sondar esses
textos a luz da genealogia de Focault. Pondera-se que os textos compreendidos nas fontes
compõem uma rede discursiva sobre vários assuntos, nos atemos aos alimentos. Entende-se
que essa rede cria e ensina saberes a respeito do paladar e da comensalidade e estão
relacionados com os jogos de verdade da respectiva época. Nessa perspectiva considera-se o
corpo como passível de historização, que traz em si as mais diversas acepções humanas, dores,
prazeres, paixões, enfim, forças e fraquezas em contextos específicos.
Em consulta a este jornal em especial, observou-se que há uma coluna específica dedicada
exclusivamente à dona de casa, sob o título “Дгя Пaнь Дoмy” - “Para a Dona de Casa”. Estas
páginas foram fotografadas individualmente, catalogadas e traduzidas do ucraniano para o
português. Somam-se em torno de duzentas laudas. O jornal Prácia, editado na cidade de
Prudentópolis-PR representa um aporte significativo à imprensa ucraniana no Brasil. Esta
imprensa teve seu início em 1904, no momento da fundação do “Comitê da Imprensa”, criado
com o intuito de difundir textos destinados aos imigrantes ucranianos, uma vez que é escrito
na língua ucraniana. Esse jornal tem uma significativa amplitude nacional e internacional, pois,
além de existirem assinantes que abrangem várias regiões do Paraná e de outros estados
como os de São Paulo e Rio de Janeiro, esse jornal também é difundido em países tais como:
Argentina, Uruguai, Paraguai, Canadá e até a Ucrânia. Essas informações pressupõem um
mapeamento que está sendo aprimorado. Surgiram em Prudentópolis no início do século XX,
três jornais: o “Zoriá” (Estrela), o “Prapor” (Estandarte) e o “Prácia” (O Trabalho). Dentre estes
três, apenas o último jornal circula até a atualidade. Em 1912 sai o primeiro número do jornal
quinzenal Prácia, a partir de 1915, torna-se semanal, editado em Prudentópolis na tipografia
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dos padres Basilianos. Esses padres são ligados a um grupo religioso designado como
pertencente à Ordem de São Basílio Magno. São eles os responsáveis pela edição do Jornal
Prácia.
Este jornal tinha por objetivo, incentivar os imigrantes ao trabalho, à leitura, enfim a mantê-los
informados. A partir de 1933 passa a ter apenas duas de suas páginas editadas em português.
Atualmente, esse jornal continua a circulando. Os textos e imagens inscritos nas fontes
convertem-se em saberes culturais divulgados no Prácia e passam a fazer parte dos esquemas
que os indivíduos encontram propostos por sua cultura e que de certa forma se tornam sua
orientação no processo ativo de constituição de suas subjetividades e identificações.
Nos estudos relacionados à História e Cultura da Alimentação, a comida e o comer aparecem
como um universo no qual se preserva tradições sociais sejam elas coletivas ou familiares. A
alimentação representa um elo entre o presente e o passado por meio da memória gustativa e
dessa forma contribui para a constituição de identificações pelo paladar. A importância da
alimentação é habitualmente associada à garantia de sobrevivência dos que dela dependem e
ao cotidiano, por fazer parte da rotina dos indivíduos. Mas conforme Carlos Roberto Antunes
dos Santos alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes,
ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações. Nessa perspectiva, o alimento
constitui uma categoria histórica, está ligado a diversos aspectos da sociedade principalmente
nos campos culturais e econômicos.
A discussão empreendida nesse texto indica uma intersecção dos estudos culturais de viés pós-
estruturalista e os enunciados de Michel Foucault. A alimentação também se vincula ao viés da
História Cultural. Esta perspectiva de análise histórica adquiriu vigor, sobretudo a partir da
década de 1970. Tal vigor corresponde ao modo de se compreender a história, caracterizado
pelo desprezo aos esquemas teóricos e generalizantes. Houve, por outro lado, um
direcionamento aos valores de grupos particulares, em períodos e locais específicos. Deste
modo, entram em cena as categorias explicativas de caráter regionalizado, em que as
diferenças culturais assumem uma importância maior do que os elementos políticos e
econômicos. As interpretações e a abrangência simbólica passam a fazer parte de um campo
comum sobre o qual os historiadores se debruçam, propiciando também uma multiplicação
dos possíveis objetos de estudo. Isso pressupõe um jeito diferente de pensar a cultura e
considerá-la como um conjunto de significados que os homens constroem e compartilham
para explicar o mundo. Desse modo, a História Cultural constituiu um campo pelos quais os
historiadores engajaram-se em suas pesquisas e elucidaram novas problemáticas,
metodologias e novos objetos, o alimento é um deles.
A partir dessa perspectiva considera-se que nos textos jornalísticos em questão, há sentidos
que podem ser tomados como verdades e em determinados contextos inscreveram nos corpos
comportamentos, valores e sentimentos. As questões daí recorrentes são: Quais
comportamentos, que tipo de valores e sentimentos decorre dos enunciados desses textos? Se
o comer é aqui considerado para além de um ato biológico, mas também e, sobretudo, um ato
cultural, o alimento pressupõe um elemento importante na configuração de identificações.
Então, um aspecto importante de se analisar é como essas receitas contribuem para o
processo de constituição de territórios pelo paladar e acabam instituindo fronteiras étnicas,
pelos alimentos que são constantemente identificados e reafirmados como ucranianos. As
receitas instigam a analisar como esses enunciados implicam em discursos a ponto de
constituírem “verdades” e como essas noções constituem o corpo, não um corpo dado, pré-
determinado pela genética ou tradição, mas inserido dentro de um espaço e tempo específico,
imbricado nas maneiras e condições de vivência de sua época. O que pressupõe uma noção de
história genealógica, isto é, que não pretende buscar as raízes de uma identidade, mas sim,
fazer surgir todas as descontinuidades que atravessam os sujeitos.
64
Vide Ferreira Júnior, Francisco. A prisão sem muros: Guarapuava e o degredo no Brasil do século XIX. Orientador:
Gizlene Neder. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense. E Ferreira Júnior, Francisco. Soldados,
Vadios e Degredados: experiência de povoamento nos Campos de Guarapuava. Texto Completo, Anais da XXVI
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, São Paulo, 2011.
65
Vide Carta Régia de 1 de Abril de 1809 in Coleção das Leis do Brasil.
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Guarapuava entre as décadas de 1820 e 1850.A partir de vencida a resistência inicial dos índios
no princípio do povoamento de Guarapuava, após 1810, e organizadas as necessidades básicas
para que o povoamento se efetivasse, correspondências administrativas começaram a ser
trocadas entre a expedição colonizadora e a presidência da Província de São Paulo. Tais
correspondências, das quais consegui junto ao Arquivo do Estado de São Paulo um número
significativo a partir de 1823, são assinadas geralmente pelo capitão militar da expedição,
Antonio da Rocha Loures, ou pelo vigário Francisco das Chagas Lima, e tratam de informar as
autoridades superiores sobre o andamento das tarefas colonizadoras, prestar contas e
também solicitar providências em relação as atividades de Guarapuava junto a essas
autoridades. Essa correspondência é dirigida quase exclusivamente à administração da
província de São Paulo até 1853, data da emancipação da Província do Paraná. Em alguns
momentos, a partir de 1823, são enviadas à presidência da província listas nominativas dos
habitantes de Guarapuava; prática comum nas freguesias e vilas da Província de São Paulo
desde a segunda metade do século XIX, as quais tinham a função principal de informar uma
estimativa dos possíveis soldados que poderiam ser recrutados pelas ordenanças em
momentos de necessidades. Tais listas se constituem em uma fonte privilegiada para se
analisar as vicissitudes populacionais de Guarapuava no século XIX, inclusive da população de
soldados e degredados. Tais correspondências enviadas, por se encontrarem centralizadas no
Arquivo Municipal do Estado de São Paulo, foram fáceis de acessar. Além dessa
correspondência administrativa, algumas fontes de origem eclesiástica cedo começaram a se
produzir em Guarapuava, como os livros de assentos de óbitos, batismos e casamentos, que
eram de responsabilidade paroquial até 1889. Eles aparecem a partir de 1810 e se encontram
arquivados na Casa Paroquial da cidade ainda hoje. Essa documentação nos permite rastrear
soldados e degredados nos momentos em que recorrem à autoridade religiosa ou para
casamentos, ou para estrema unção.As fontes descritas acima se tratam, na sua esmagadora
maioria, de fontes produzidas pelas autoridades locais da região. Seria ingenuidade acreditar
que tais fontes reproduzem relatos fiéis da realidade dos soldados e degredados de
Guarapuava no século XIX. De fato, em grande parte das vezes, elas sequer os mencionam.
Porém são recheadas de pistas que permitem vislumbrar aspectos da vivência cotidiana e das
relações sociais do povoado nesse período onde, via de regra, esses elementos estão
presentes. Cumpre então tentar ultrapassar os preconceitos e visões de mundo presentes nos
discursos dos documentos oficiais para chegar a uma visão mais próxima desses
marginalizados, que por sua própria voz não chegam às fontes. Mas como nos fala Michele
Perrot - ao tratar de um objeto muito semelhante aos soldados e degredados, porém distante
no espaço e no tempo - em seu livro que já é celebre por trazer a tona os “excluídos da
história”: “Esses prisioneiros, desaparecidos de sua história, tem que ser rastreado no que se
diz deles”. Então, à medida do possível, é nessas fontes que procurarei enxergar a vida dos
soldados ordenanças na Guarapuava do século XIX. Na interpretação da fala dos dominadores,
quero desvendar os conflitos e as dificuldades da vivência dessas pessoas que, entre
elementos tão heterogêneos vieram povoar essa região, bem como os efeitos que o
recrutamento ou a execução da pena teve sobre os condenados e sobre a sociedade que os
“acolheu”. Também, quando as fontes possibilitarem, farei cruzamentos entre elas, que
permitirão um alcance mais profundo e digno de confiança ao passado que elas revelam.
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa para mestrado na área de história, e no
momento encontra-se em andamento. Objetiva basicamente analisar o discurso do médico
João Candido Ferreira, contida no artigo ‘A Eugenia’, à qual vem a ser o adorno de uma série
de pesquisas que segundo o autor se ‘ocupam de melhorar os destinos da humanidade’.
Portanto, analisaremos alguns estudos do autor no que tange ciência e sociedade. A pesquisa
pretende discutir como João Candido Ferreira percebia a medicina na sociedade, qual era o
papel do médico na sociedade do fim do século XIX e inicio do XX, bem como quais foram suas
influências em relação à eugenia66, ao sanitarismo e ao higienismo. Pretende-se também
entender como se deu a utilização da eugenia e da medicina para uma construção identitária67
no Paraná, já que estes tinham certa autoridade científica. Estes artigos do autor foram
publicados entre 1888 e 1940, portanto elegeremos essa temporalidade como objeto de
pesquisa.
O fim do século XIX e início do XX são reveladores de um pensamento que baseado nos
princípios científicos, e que por meio da medicina e da eugenia tinham como finalidade certa
redenção social do país e por sua vez a do Paraná, ou seja, era necessário restabelecer a saúde
do país. Neste processo de formação de uma identidade brasileira, a ciência biológica/médica
seria essencial, colocaria o Brasil em um patamar próximo aos parâmetros ocidentais. Desta
forma, elegendo a doença como o símbolo de ‘transitoriedade’, é que a inteligência brasileira
irá lutar contra o racismo científico que estava impregnado no pensamento social, ou seja, o
atraso brasileiro era em seu fundamento uma questão de doença e descaso, portanto uma
questão provisória, médica e também política – e não de degeneração social e racial, como era
afirmado.
Neste contexto é que se coloca João Candido Ferreira intelectual natural da cidade da Lapa, no
Paraná, e que durante as primeiras décadas do século XIX esteve envolvido com a política e a
sociedade de Curitiba e do Estado, e em harmonia com a intelectualidade brasileira, se coloca
como um agente/intelectual preocupado com os assuntos nacionais, de modo a discutir os
melhores caminhos para a saúde da sociedade paranaense. João Candido formou-se em
medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo atuado como professor de
Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná. Tendo assumindo
também grandes posições políticas, dentre eles o cargo de Presidente do Estado no ano de
1907, ano em que Vicente Machado falece subitamente.
Para interpretar a visão eugênica de João Candido, partimos de uma séria de publicações do
autor, dentre elas seu estudo sobre a “profilaxia e tratamento da tuberculose e da peste
branca”; do “alcoolismo” e suas funestas conseqüências e os meios de evitá-lo; a “sífilis” e sua
difusão alarmante e os recursos seguros para extingui-la; e por fim, a eugenia, que para o
autor abrange um sentido muito amplo.
A partir de Bourdieu faremos a interpretação dos textos de João Cândido, onde entende-se
que o conhecimento histórico é tecido em um campo de saber cujas lutas simbólicas que visam
definir as verdades que são inerentes aquele espaço. Assim, não existe uma escrita controlada
por uma estrutura que dominaria o campo científico e sim disputas internas, no interior do
campo de saber. Compartilhamos que existem conflitos entre saberes performativos que
visam instaurar suas próprias verdades. Quanto a essa questão Bourdieu nos ajuda ainda a
entender que os sujeitos não são meros reprodutores de estruturas dotadas de poder.
66
Poder sobre a vida, ou seja, biopoder (FOUCAULT, 2005)
67
(...) toda identidade, enquanto código de pertencimento depende da relação entre experiência e conhecimento
dela derivado. Toda identidade é, por conseguinte, construída historicamente. A construção dos valores de
pertencimento depende de intensos trabalhos de mediação advindos de diferentes agentes sociais. (FREITAG, 2007)
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Bibliografia:
BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989.
CANDIDO, João. A Eugenia. Curitiba: Econômica, 1923.
FREITAG, Liliane da Costa. Fronteiras Perigosas: migrações e brasilidade no extremo oeste
paranaense. Cascavel: Edunioeste, 2001.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
LAROCCA, L. M. Higienizar, cuidar e civilizar: o discurso médico para a escola paranaense
(1886-1947). Curitiba, 2009. Tese (Doutorado) UFPR.
LIMA, Nísia Trindade & HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela Raça, Absolvido pela Medicina: o
Brasil Descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos C. ;
SANTOS, Ricardo V. Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro; Editora Fiocruz/CCBB, 1996.
OLINTO, Beatriz Anselmo. Pontes e Muralhas: Diferença, lepra e tragédia no Paraná do início
do século XX. Guarapuava: UNICENTRO, 2007.
Gladis Hoerlle
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná - UNIOESTE, Campus Marechal Candido Rondon
Orientadora: Profa. Dra. Méri Frotscher.
Este trabalho tem como propósito apresentar pesquisa de Mestrado em História, baseada em
narrativas de mulheres idosas, que quando jovens trabalharam na agricultura e, depois de
aposentadas, foram morar no espaço urbano de Marechal Cândido Rondon, Oeste do Paraná.
Todas as entrevistadas viveram no campo, são filhas e esposas de pequenos agricultores, que
casaram jovens e migraram dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para o
Paraná nos anos 50 e 60 em busca de melhores condições de vida para sua família através da
reprodução de seu modo de vida camponês. A forma de falar e dificuldade de se expressar
através de um português gramaticalmente correto denotam a origem social humilde e a baixa
escolaridade destas mulheres, pois em geral freqüentaram pouco a escola de modo que mal
sabem ler e escrever.Em diversos casos a forma de se expressar denota a ascendência alemã,
uma vez que ainda falam aquela língua, por serem descendentes de imigrantes alemães.A
mecanização da agricultura, introduzida na década de 1970, e outras transformações no
processo de produção no campo desde então, provocaram profundas mudanças nos modos de
viver e trabalhar. Muitos dos colonos, ao adentrar a velhice e conquistar a aposentadoria,
mudaram para o espaço urbano embora ainda mantenham uma relação dinâmica entre o
campo e a cidade. Apesar das dificuldades apontadas nos modos de vida no campo no
passado, muitas delas ainda mantém alguns elementos que as vinculam aos modos de vida
rurais vividos no passado. É perceptível na fala dessas mulheres o vínculo que ainda
permanece com a vida no campo, seja pela propriedade rural que ainda possuem e que é
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cuidada por um dos filhos ou familiares, ou, simplesmente pelos hábitos que ainda mantém.
Nesse sentido, através de entrevistas de histórias de vida, analisamos a experiência da
migração e as relações campo-cidade ainda existentes, os estranhamentos e a progressiva
adaptação à cidade, bem como a construção de novas relações de pertencimento. Além disso,
procuramos perceber as mudanças nos papéis sociais e nas sociabilidades destas mulheres, o
empoderamento adquirido pela conquista da aposentadoria e significados que atribuem a este
processo. A aposentadoria simboliza um período de maior independência financeira para estas
mulheres, as quais, através do benefício fornecido pela Previdência Social, conquistam uma
vida mais independente financeiramente do marido. Enquanto trabalhadoras rurais, as
mulheres por mim entrevistadas tiveram uma grande participação no processo produtivo de
sua propriedade, embora seu trabalho tenha tido pouca visibilidade além de não poderem
contar com uma renda própria. Todas as entrevistadas se consideram colonas ou agricultoras,
além de donas de casa, apesar de também se reconhecerem e incorporar o papel social de
aposentadas. Percebe-se assim, que as novas experiências adquiridas na cidade e após a
aposentadoria lhes permitem a construção de novas identidades sociais. Assim, ao relatar
aspectos importantes de sua vida passada, as mulheres entrevistadas descobrem, em si
mesmas, aspectos de força, coragem e superação que as fez sobreviver em situações de
dificuldades enfrentadas no espaço rural em que antes viviam. Ao reconstituir suas
lembranças, percebem-se capazes de, através de suas experiências individuais, reconhecer que
souberam aproveitar os recursos de que dispunham para viver. Portanto, a relevância desta
pesquisa é uma oportunidade de explorar os modos como essas mulheres vêm lidando com os
novos aspectos de sua vida e nesta experiência encontrar os contrastes entre o presente e o
passado nas suas vivências cotidianas e nas suas relações de trabalho e de lazer. E como
pesquisadores ao ouvir estas narrativas, podermos refletir sobre a vida na velhice, seus
significados e suas lembranças. Enfim, perceber o “espaço vivido” e os “espaços praticados”
por estas mulheres.
Embora seja vigente o discurso sobre crianças e adolescentes brasileiros com direitos
assegurados na legislação, o diálogo com a infância ainda é quase inexistente em vários
setores da sociedade, como é visível nos meios de comunicação de massa, dominados por uma
visão adultocêntrica. Isto talvez porque os direitos direcionados às crianças restrinjam-se aos
de proteção e de provisão, sendo deixados de lado os de participação, considerados também
legítimos atualmente. Além de ver negada, historicamente o seu direito de participação, por
séculos crianças e adolescentes foram submetidas a castigos físicos no processo educacional. A
prática de educar o corpo através do castigo e com a utilização de instrumentos de tortura,
como a Palmatória, faz parte da história da educação no Brasil, mas também pode ser
observada em outras espaços comunitários, como casas, fábricas e escolas. Se de um lado
existem os castigos, do outro, fomos capazes de perceber que diversos educadores lutavam
contra esta forma de violência praticada contra crianças em idade escolar. Os castigos
corporais contam muito da historia educacional e social. A simbologia do castigo corporal nos
remete a historia ocidental e a modelos e padrões de comportamentos a serem ensinados,
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seguidos. O presente trabalho pretende contribuir com este debate, focando a historia da
educação brasileira, no que se refere a relação entre corpo e educação das crianças, em
especial sobre o tema do castigo analisando as contribuições históricas de Abilio Cesar Borges -
medico e intelectual baiano dedicado a educação brasileira e a causa abolicionista.Utilizamos
como principal fonte de pesquisa as publicações do próprio autor na imprensa brasileira na
segunda metade de século XIX, compiladas e publicadas por uma editora sediada em Bruxelas,
no ano de 1880. Este documento contem diversos fragmentos de textos do autor, como
discursos proferidos, cartas, ofícios, documentos escolares e escritos direcionados a pais e
professores e, conforme registrado, publicados no O Globo durante o ano de 1876. Consultou-
se, igualmente, biografias, livros e artigos sobre o tema. Identificamos concepções
hegemônicas acerca da educação da criança, determinados rituais - os castigos corporais - e a
compreensão diferenciada deste autor a esse respeito. Foi possível confrontar concepções a
respeito do desenvolvimento da criança, da formação humana e do papel da escola. Abilio
levanta uma seria argumentação contraria ao castigo corporal, considerado na época como um
dos fundamentos da educação no espaço escolar e na família. Os artigos do Professor Abílio
Borges, publicados no Jornal O Globo, abriu um longo debate a respeito dos castigos corporais
na escola e na família, utilizando a imprensa brasileira como um veículo privilegiado desta
ação. Identificamos concepções hegemônicas acerca da educação da criança, determinados
rituais - os castigos corporais - e a compreensão diferenciada deste autor a esse respeito. A
utilização e aceitação de castigos físicos na educação brasileira, demonstra que o conceito de
infância, por ser histórico e socialmente construído, varia de acordo com o espaço no qual a
criança se localiza em distintos lugares e épocas. Ao considerar a infância uma construção
social, o reducionismo biológico precisa ser abandonado, em seu lugar surge o entendimento
sociológico. Todavia, uma peculiaridade desta categoria social está no fato de ter a sua
identidade divulgada não a partir de sua própria expressão e formas de se auto-representar,
mas através da ideia e fala dos outros: os adultos.
Esta pesquisa de Mestrado em História Social pretende analisar o espaço escolar no seu
interior matogrossense através das representações das diferentes etnias que compõem duas
escolas estaduais no município de Primavera do Leste, no estado de Mato Grosso, á 240 km da
capital cuiabana. Desse modo concepções, aqui evidenciadas, sobre identidade, memória e
etnicidade delineiam um patrimônio cultural no espaço escolar na caracterização de “novos
patrimônios”, uma outra percepção do patrimônio imaterial, que ganhou reconhecimento
oficial pelo IPHAN e na legislação da Constituinte a partir da década de 80.
A partir desse enfoque apresenta-se um patrimônio cultural a ser analisado por meio das
entrevistas, caderno de pesquisa de campo, vídeos da escola, questionários sócio-econômicos,
aplicados para educadores e alunos, além das fotografias recolhidas na Escola Estadual João
Ribeiro Vilela e na Escola Estadual Getúlio D. Vargas.
Entre alguns pressupostos encontramos reflexões de como a comunidade interna da escola se
percebe etnicamente e como percebe o outro no seu cotidiano, na intenção de desnaturalizar
um espaço multicultural. Nos seus registros festividades, desfiles cívicos, encontramos um
quadro cultural que acentua as representações que por vezes diferem do dia-a-dia escolar.
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Mestranda pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), orientada pelo Prof. Dr.
Robson Laverdi
identidade étnica. Embora esse processo identitário não seja simples, podemos observar que
ele está relacionado à consciência de ser negro como algo que, dentre outras características,
acarreta políticas públicas, através da diferenciação dos não-negros por conta de um passado
escravista que deve ser reparado.
As memórias, tal como as identidades, são objetos de disputa. Mutáveis, elas se transformam
na medida em que surge uma necessidade de diferenciação em relação a outros sujeitos. No
caso da comunidade quilombola em questão, há uma reformulação de identidades com o
reconhecimento como quilombola e o conhecimento dos direitos que são atribuídos a essa
condição e ainda com a questão de posse da terra. Mais do que isso, há a identificação como
negros, com um passado escravo que merece reparação e a positivação dessa característica
negra, algo que não estava presente antes, quando ser negro significa ser discriminado e não
“se misturar”, “ficar no seu canto”, como nos mostram alguns relatos orais já coletados.
O objetivo da pesquisa é perceber como se dá o processo de construção de identidade(s)
étnica(s) em uma comunidade negra, pensando no processo que ocorre desde seu
reconhecimento como grupo “diferenciado”, através do contato com o movimento negro e
outros elementos que colaborem nessa construção, da apropriação do que é considerado
cultura negra, em oposição a uma cultura não-negra (a partir do pressuposto de que somos o
que somos em relação ao outro). Buscamos perceber os conflitos que essa redefinição
identitária causa dentro do grupo, através da construção mesma da imagem pessoal deles, e
também o que mudou em relação à comunidade do Maracaju dos Gaúchos, a visão que o
Maracaju tinha e como isso foi modificado, principalmente pela questão da terra, que se
mostrou o agente gerador de um outro tipo de relação entre os não-negros e os negros, ou
brancos e não-brancos.
Ainda é objetivo da pesquisa, e dentro da questão maior da construção identitária, entender o
conflito de terra que se estabelece na região desde que o INCRA começou um trabalho de
pesquisa nas terras da região (a fim de emitir o título coletivo de posse da terra, conforme
prevê a legislação sobre o tema), acentuando as diferenças entre os quilombolas e o restante
do Maracaju dos Gaúchos. Refletir sobre essa problemática também nos faz entender a reação
violenta (relatada em vários relatos orais) que os demais produtores tiveram quando o INCRA
iniciou seu trabalho na comunidade quilombola de Guaíra. O medo do desconhecido, do outro,
da força do outro, parece ter imperado nessa situação, em que, mesmo sob a alegação de que,
caso houvesse a ampliação das terras quilombolas, a indenização seria justa, demonstra que as
diferenças não estão resolvidas, aflorando discursos antes velados.
Para compreender o processo de construção de identidades desse grupo, cujo objetivo é de se
legitimar enquanto sujeitos históricos com trajetória específica (e, portanto, merecedora de
tratamento específico), tomamos como base para essa pesquisa os relatos orais. Eles
possibilitam o contato direto com os sujeitos que constroem em seu cotidiano a história que
vivem, que constroem conceitos sobre si e sobre os outros através da linguagem, ainda mais
agora em que há dois processos muito fortes na região, o já corrente da legitimação dos
quilombolas e o mais recente da demarcação de terras.
Nesse sentido, encaro os relatos orais como elemento constitutivo das identidades sociais
sendo construídas pela comunidade quilombola. Parto da concepção deles enquanto fonte, e
como tal, é preciso compreendê-los em toda sua complexidade, como construção social,
obedecendo a objetivos bem específicos, nunca como algo neutro ou despolitizado, ainda mais
no contexto em questão, em que estamos tratando da adoção de novas identidades durante
um conflito social.
As entrevistas serão realizadas tanto com os membros da comunidade quilombola, quanto
com outros membros do Maracaju dos Gaúchos, partindo da idéia de que as identidades se
fazem na relação com o outro. Assim, o processo de construção identitária deve ser analisado
partindo dos dois ângulos, da visão que os quilombolas têm de si mesmos e dos não-
quilombolas e da visão que os demais moradores da região têm de si e dos quilombolas.
Mas a pesquisa também dialoga com a produção bibliográfica sobre o tema, no sentido de
orientar o trabalho para questões específicas, como a memória, o trato com relatos orais, as
identidades (étnicas, de forma mais específica), a história do movimento negro e suas
reivindicações, a discussão sobre quilombos. Também utilizo da legislação, para esclarecer o
contexto em que essas identidades têm sido (re)formuladas, e ainda os documentos oficiais do
movimento negro e das comunidades quilombolas, a fim de perceber as perspectivas que
pautam as lutas desses grupos em nível estadual e federal e analisar o impacto dessas
perspectivas sobre as identidades do grupo analisado.
68
Associação cultural e esportiva Assis Chateaubriand
69
RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: Enciclopédia Einaudi, vol. 8. Lisboa, Casa da Moeda, 1986. 396-487.
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Ocupação do território paranaense nos séculos XIX e XX: imigrantes, colônias agrícolas e
discursos de identificação
Prof. Dr. Marcos Nestor Stein (Prof. do Curso de Graduação e do PPG em História da
UNIOESTE)
Esta comunicação visa apresentar uma análise preliminar de discursos sobre grupos de
imigrantes que se estabeleceram no Paraná, especialmente na forma de colônias agrícolas,
durante a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. A análise está
vinculada ao projeto intitulado “Colônias Agrícolas no Paraná nos Séculos XIX e XX”, financiada
pela Fundação Araucária/SETI e CNPq. O objetivo da pesquisa é localizar, coletar, analisar e
constituir um fundo documental sobre a constituição de colônias agrícolas no Estado do
Paraná durante o referido período.
Durante o ano de 2011 e o início de 2012 foi realizado o levantamento e coleta de documentos
nos acervos do Arquivo Público do Estado do Paraná e da Biblioteca Pública do Estado do
Paraná, em Curitiba, no Museu dos Campos Gerais e na Casa da Memória, em Ponta Grossa,
no Museu de Palmeira e no Museu da Colônia Witmarsun, localizados no município de
Palmeira, no Museu Histórico de Entre Rios e no Arquivo Histórico da Universidade Estadual do
Centro-Oeste – UNICENTRO, em Guarapuava. Tais documentos constituem-se em Relatórios e
Mensagens de Presidentes da Província do Paraná, Relatórios de Núcleos Coloniais, Relatórios
70
Idem. PG. 432
71
Ibidem. PG. 433
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Fontes
ABRANCHES, Frederico José Cardoso de Araujo. Relatório. Curitiba: Tipografia Viúva Lopes.
1874.
MENEZES, Rodrigo Octavio de Oliveira Sá. Relatório. Curitiba: Tipografia Perseverança. 1879.
Bibliografia
SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Hathryn. Identidade e Diferença. Vozes,
Petrópolis, 2003.
WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. Curitiba: Vicentina, 1995.
MARIA, Maurício de Fraga A., Graduado em História pela Universidade Estadual do Centro-
Oeste, UNICENTRO/ Guarapuava, Mestre em História e Sociedade pela Universidade Estadual
Paulista, Campus de Assis (UNESP/Assis), SP.
Professor da Faculdade Unilagos, Mangueirinha, PR.
Até a década de 1930, quando os fazendeiros ainda desfrutavam das rendas acumuladas
durante períodos de maior lucratividade, a cidade havia, segundo Tembil (2007) compartilhado
da presença de alguns dos elementos que “encarnavam” o sentido de urbanidade e progresso.
Firmas como a Casa Comercial Missino, um dos primeiros estabelecimentos comerciais da
cidade, abasteciam a elite citadina com produtos vindos das capitais e que representavam uma
forma de ligação dos habitantes da distante cidade, isolada nos períodos chuvosos, com
elementos presentes para as elites dos grandes centros: as fazendas de tecidos finos, chapéus,
calçados, artigos de luxo, os automóveis, drogaria, gramofones, rádios, máquinas de sorvete,
difundidas em Guarapuava pelo proprietário Francisco Missino.
Além do comércio de produtos considerados modernos, do clube e do teatro, palcos de
acontecimentos sociais reservados a elite fazendeira, esta não abria mão da tradição religiosa.
As procissões, os festejos religiosos e as missas integravam o cenário social cotidiano
mesclando as novas formas de sociabilidade às formas de sociabilidade mais tradicionais,
agitando socialmente a cidade Porém, como apontado anteriormente, estas práticas ver-se-
iam enfraquecidas ao mesmo tempo em que a desarticulação das atividades econômicas então
dominantes na cidade. Segundo Tembil (2007: 87), a crise econômica que se faria presente na
cidade entre as décadas de 1930 e 1940, fariam com que lugares como o teatro e cinema
fechassem suas portas. Dessa forma, o cenário encontrado na década de 1940 apresentava,
juntamente a crise da sociedade campeira da região, a diminuição na ocorrência de atividades
de cunho social e cultural na cidade, alguns tornando-se esporádicos, enquanto outros
simplesmente desapareceriam. Além disso, os problemas de acesso a cidade acabavam por
relegar a cidade a certo “ostracismo”. Segundo Tembil, a ausência de capitais mobilizáveis
instituía a crise da economia guarapuavana (2007, 91).Este cenário, desolador, porém, trazia
ventos de mudança que podem ser percebidos na imprensa da cidade. Presentes na cidade
desde os “anos de ouro” da atividade tropeira, a imprensa ocupou um papel fundamental na
vida social citadina.
Juntamente com as transformações culturais do início do século XX, os jornais integraram a
vida da cidade naquele momento, sobrevivendo aos momentos de crise.
Instrumentos de difusão de valores políticos, culturais e sociais esses jornais representaram
não apenas um elemento moderno presente no cotidiano, mas também formas de contribuir
para o progresso e para o crescimento da cidade, mesmo que as dificuldades em se manter um
jornal em Guarapuava fossem extremamente grandes (PLANALTO, 1981: 51). Mesmo com as
dificuldades, vários foram os jornais que circularam na cidade, alguns de duração efêmera
outros, porém, com maior freqüência e maior duração. O primeiro a circular na cidade foi O
Guayra. Criado em 4 de abril de 1893 e redatoriado pelo Cel. Luiz Daniel Cleve, fazendeiro
abastado da região, o jornal era editado, segundo Planalto (1981: 234) em um antigo e pesado
prelo que chegou a cidade transportado de Curitiba até Guarapuava em lombo de muares pelo
proprietário Serafim de Oliveira Ribas.
Foram publicados ainda na cidade uma série de outros jornais, em sua grande maioria de curta
duração, como o Jornal das Crianças (1893), O Paraná (1894), A Lide (1894), O Guarapuavano
(1902), O Guayra (fase de 1917), O Pharol (1919), O Momento (1924), A Cidade (1932), O
Independente (1935), Brasilidade (da Propaganda Integralista Brasileira - 1935), Folha do Oeste
(1937), O Liberal (órgão da Revolução de 1930), A Época (1958), O Combate, O Carrapicho, O
Jacobino, O Paraná Matutino, Ideal, O Trevo, Alerta, O Arauto, O Marrete, O Independente,
Alfinete, Carga, Torpedo, O Planalto, O leão da Serra da Esperança, Oeste Paraná, Jornal de
Guarapuava, Sentinela do Oeste, Jornal de Notícias, Tribuna Paranaense, Folha de
Guarapuava, Comarca, A Columna, O Paraná, Correio do Oeste, em sua grande maioria com
data de fundação e de duração desconhecida. Além disso, também foram editados na cidade
uma série de jornais literários e críticos como A Alvorada (1896) O Lyrio, A Pena, O Serrote e O
Farolete (1928/1929), entre outros (CARDOSO, 1969: 207-237; MARCONDES, 1998: 129;
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PLANALTO, 1981). Em 1919, o fazendeiro Antonio Lustosa de Oliveira instalou uma oficina
tipográfica para confecção de impressos comerciais. Em 1937, após a publicação de jornais
como O Pharol, Brasilidade e Movimento, que tiveram curta duração, Lustosa lançou o que
seria seu maior feito editorial, e sem sombra de dúvidas o maior jornal produzido até a década
de 1970 na cidade, o Folha do Oeste.
A composição estética e técnica do Folha do Oeste superava em muito as publicações até
então existentes na cidade, inclusive sendo dificilmente acompanhada por outros jornais
contemporâneos aos seus vários anos de duração, talvez fruto de uma Lynotipe trazida por
Lustosa na década de 1920.Além de uma edição mais clara e mais organizada, Lustosa ainda
buscou trazer para o jornal outros aprimoramentos técnicos, como as clicherias. É óbvio que
não existiam na cidade condições de se construir uma clicheria, principalmente para a
publicação de fotos no jornal. Para realizar esse trabalho, Lustosa comprava os clichês de São
Paulo ou de Curitiba, onde esses eram produzidos. Desta forma, em algo inédito para a cidade,
o Folha do Oeste possuía em suas páginas a publicação de fotos. Durante toda a existência do
jornal ele foi publicado em preto e branco, porém a presença das fotografias tornou-se cada
vez mais freqüente no jornal.Geralmente a primeira página do jornal trazia uma matéria de
cunho político, discutindo os problemas do município, em seguida, matérias econômicas,
policiais, sociais, religiosas, integravam aleatoriamente as páginas seguintes.Os ideais de
Lustosa na fundação do jornal eram muito claros. Para ele o ideal jornalístico deveria ser
pautado na atitude “imparcial” e “noticiosa”, sem ligações partidárias, intransigente, na defesa
dos interesses do município e sua gente. Ao mesmo tempo, o jornal claramente assumia uma
postura: “dentro dos elevados postulados da doutrina cristã, batendo-se pela integridade e
amor à pátria, intangibilidade da família numa sociedade onde imperem os bons costumes,
sob a égide protetora do Supremo Arquiteto do Universo” (“Aniversário da Folha”, Folha do
Oeste, 3 de março de 1974, p.2). Além da clara opção religiosa, ao ideal de intangibilidade da
família bem como dos “bons costumes”, o jornal entra em grande contradição com a idéia de
ser “sem ligações partidárias”, tendo em vista que o espaço ocupado pela Aliança Integralista
Brasileira era no mínimo privilegiado. Mais tarde, os espaços dados a campanha dos
partidários do PSD, partido de Lustosa durante o período democrático, também atestariam
essa contradição.
Esta situação também é encontrada na primeira edição do jornal: “é no conflito das horas
inquietantes que vivemos, a imprensa não poderá ser jamais um campo radicalmente neutro,
fechado à ressonância dos clamores que agitam os ares” (Folha do Oeste, 28 de fevereiro de
1937, p.1). O primeiro editorial, do qual o trecho acima foi retirado, buscava delinear o ideário
jornalístico concebido por Lustosa: O jornal sempre foi, desde os mais recuados tempos, um
elemento constante de cooperação no meio guarapuavano. A história de Guarapuava é, por
assim dizer, a história de sua imprensa. Na verdade, as páginas envelhecidas das gazetas locais
ainda hoje retratam, ao vivo, o tumulto de todos os acontecimentos, de que foram
contemporâneos, na sucessão ininterrupta dos fatos e dos homens. Nada justificava, portanto,
o silêncio que, ao jornalismo guarapuavano, trouxera o desaparecimento do último semanário.
E muito menos a prolongação desse silêncio, por tempo que viesse significar a morte da
imprensa local. Daí a inevitabilidade do impulso que lança à publicidade esta folha. Pelo seu
destino ela vem reatar a série de publicações que intermitentes ou efêmeras, asseguravam a
perenidade do periodismo guarapuavano. Pelo seu programa, ela pretende ser o órgão
interessado das aspirações de Guarapuava e servir ao mesmo tempo à causa sagrada da
renovação nacional. Folha do Oeste surge numa época de profunda inquietação. O vulcão das
reformas sociais e políticas incendeia e avassala as consciências dividindo os homens. Todos os
valores morais e espirituais sofrem a mais angustiosa das revisões” (Folha do Oeste, 28 de
fevereiro de 1937, p,1).
“A história de Guarapuava é, por assim dizer, a história de sua imprensa”. Para Lustosa,
existência de um jornal era fundamental para a cidade e representava a continuidade dos
jornais antes editados, um instrumento do progresso e da história com o objetivo de também
assegurar a perenidade da obras realizadas no passado em tempos de mudança, como eram
aqueles dias da fundação do jornal.
Uma das exigências deste órgão para o cadastramento era a entrega de um currículo de vida,
em geral escrito em forma de texto e a próprio punho. Estas e outras fontes constantes das
pastas do RWA permitem analisar o fenômeno do retorno tanto numa macro-perspectiva,
quanto numa micro-perspectiva.
Baseada nestes currículos, pretendemos analisar as narrativas de si destes migrantes, levando
em conta os trabalhos da memória e esquecimento processados no ato da escrita. Na
composição da memória autobiográfica, nos interessam os recortes, seleções, acentos e
silenciamentos realizados. Observamos uma relação entre o conteúdo e a forma destes
relatos autobiográficos com os interesses e as expectativas dos remigrados, até porque o
Rückwandereramt tinha como uma de suas funções auxiliá-los a se reintegrar social e
economicamente na velha pátria. Em alguns deles, observa-se como a memória
autobiográfica se apropria de elementos de uma memória coletiva divulgada pelo nacional-
socialismo e ressalta elementos de identificação com o regime instalado no país.
Esta comunicação tem como objetivo apresentar alguns resultados obtidos na dissertação de
mestrado intitulada: “Bodegas e bodegueiros de Irati-PR na primeira metade do século XX”,
defendida em fevereiro de 2012 no Departamento de História da Universidade Federal do
Paraná-UFPR.
Na pesquisa foram abordadas as diversas funções e práticas culturais relacionadas às bodegas
– também conhecidas como vendas ou armazéns de secos e molhados – e a ação e
importância dos bodegueiros no cotidiano da sociedade iratiense. O período delimitado para a
análise foi de grandes transformações no município, no estado do Paraná e no sul do Brasil,
marcado pela chegada da ferrovia São Paulo - Rio Grande Railway, pela imigração européia e
ocupação de seu território através das atividades extrativistas de madeira e erva mate em
larga escala, além da expansão da agricultura e da urbanização. Nesse contexto de mudanças
as bodegas desempenharam papel imprescindível na vida material, econômica, social e
cultural da população. Além de comercializarem grande variedade de produtos os espaços das
bodegas funcionavam também como pontos de encontro, de sociabilidade e de
comensalidade.
Neste texto discutimos a relação dos imigrantes com o comércio bodegueiro que se
configurou na cidade desde o início do século XX a partir de dois aspectos: o envolvimento de
imigrantes enquanto frequentadores e fregueses dos espaços das bodegas, construindo
sociabilidades diversas com os comerciantes de secos e molhados e enquanto proprietários
daqueles estabelecimentos, atuando do lado de dentro do balcão e se apropriando dessa
prática comercial como tática de sobrevivência e de inserção no cotidiano iratiense.
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A análise de diversificadas fontes como atas, códigos de posturas, livros de licença para
negócios e cobrança de impostos da Câmara Municipal de Irati, contabilidade de comerciantes
e memórias de antigos bodegueiros e fregueses, tendo Michel de Certeau como principal
referencial teórico, identificamos importantes indícios das práticas cotidianas envolvendo
imigrantes e o comércio bodegueiro.
Um desses indícios foi a construção de estratégias mercantis por parte da empresa Manoel
Gracia & Cia em um núcleo colonial criado em 1908, o Núcleo Iraty, administrado pelo Serviço
de Povoamento do Solo Nacional, agência ligada ao Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio.
Concomitante à chegada dos primeiros imigrantes a esse núcleo, a firma Manoel Gracia &
Cia., através de uma casa comercial de secos e molhados montada na sede da colônia,
realizava o abastecimento de alimentos e demais mercadorias aos novos moradores e à
comissão de colonização.
Nas prateleiras, sacos e balaios o comerciante dispunha alimentos como café, manteiga,
biscoitos, açúcar, arroz, feijão, sal, vinagre, toucinho, charque, banha, lingüiça, pães, broas,
carne fresca, ovos, peixe salgado, latas de sardinha, cebolas, farinhas de mandioca, milho e
trigo, temperos, cachaça, fumo, utensílios de uso doméstico, ferramentas, entre outras
mercadorias fornecidas aos imigrantes desde sua chegada. O consumo dos imigrantes na
bodega era incorporado a divida colonial.
A presença dos armazéns, vendas ou bodegas nas colônias e os acordos entre comerciantes e
governo através das comissões de colonização foram comuns na formação dos núcleos
coloniais no sul do Brasil. A historiografia aponta exemplos semelhantes para diferentes áreas
de colonização europeia, verificados também em Irati, informando sobre a importância das
bodegas e dos bodegueiros para que as colônias pudessem se estruturar inicialmente. A
atuação dos comerciantes de secos e molhados garantia o abastecimento dos imigrantes até
que pudessem realizar suas primeiras colheitas. Uma vez estabelecida a colônia e viabilizado o
investimento do comerciante e seus arranjos políticos, derivava uma relação de dependência
mútua entre os diversos sujeitos envolvidos nesse processo.
Nas memórias sobre as colônias italianas do Rio Grade do Sul Ducatti Neto (1979, p. 57)
verificou a importância das bodegas apontando que a edificação das capelas e cemitérios
ocorria simultaneamente à instalação daqueles estabelecimentos comerciais que se
transformavam nos principais espaços de lazer da comunidade nos quais se teciam também
suas redes de solidariedade.
Era na “venda” que os colonos comercializavam suas colheitas e compravam os produtos que
necessitavam. Andreazza (1999, p. 172) explica que o problema da falta de circulação de
moeda entre os imigrantes nas colônias paranaenses exigia que os colonos utilizassem parte
de sua produção em troca de dinheiro com os comerciantes locais, que acabavam funcionando
como uma espécie de “banco”. Dessa forma, era junto às bodegas que muitos imigrantes
garantiam a venda de sua produção agrícola, obtinham dinheiro e também se divertiam.
Quando ocorria algum revés meteorológico e a safra quebrava ou se perdia totalmente os
imigrantes acabavam dependentes do “fiado” e da “cadernetinha” do comerciante para
sobreviver o restante do ano, conforme apontou Alvin (1998, p. 254; 245).
Essa relação entre bodegueiros e seus fregueses constituiu uma prática comercial que não se
limitou ao contexto da formação das colônias, mas se estendeu ao longo do século XX. Uma
prática cultural que ainda hoje pode ser observada nas localidades rurais e bairros de Irati
fazendo parte das tradições locais, da memória e identidade dos moradores.
Quanto à imigração verificamos que muitos imigrantes se inseriram nas atividades voltadas ao
abastecimento não apenas como agricultores, mas como comerciantes de secos e molhados
em suas próprias bodegas ou armazéns – ramo comercial com o maior número de
Referências Bibliográficas:
ALVIN, Zuleika. Imigrantes: a vida privada dos pobres do Campo. In: NOVAIS, Fernando A.;
SEVCENKO, Nicolau (orgs.) História da Vida Privada no Brasil, 3. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das delícias: um estudo da imigração ucraniana. Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 1999, p. 172.
BATISTA NETO, Herculano. Nossa Senhora da Luz de Irati, 1904-2004. Curitiba: Gráfica
Optograf, 2004.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
DUCATTI NETO, Antonio. A vida nas colônias italianas. Porto Alegre: EST, 1979.
TEDESCO, João Carlos. De olho na balança! Comerciantes coloniais do Rio Grande do Sul na
primeira metade do século XX. Passo Fundo: Méritos; Porto Alegre: EST, 2008.
TELEGINSKI, Neli Maria. Bodegas e bodegueiros de Irati-PR na primeira metade do século XX.
Dissertação (Mestrado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal do Paraná, 2012.
A presente pesquisa tem por objetivo analisar de que forma a noção de pertencimento tem
sido reivindicada por descendentes de poloneses e ucranianos na cidade de Prudentópolis,
Estado do Paraná e, em especial, o papel que os casamentos interétnicos têm desempenhado
na construção/transformação da identidade sociocultural desses grupos étnicos. Percebe-se o
município de Prudentópolis como local de sociabilidade, visto notar a presença massiva de
imigrantes ucranianos e seus descendentes, bem como suas influentes correlações de
interesses para com os descendentes de poloneses e descendentes da pequena população que
já habitava a região no período anterior à imigração. Optou-se como recorte temporal para a
presente pesquisa, pelos anos de 1895 a 1995, período em que a imigração foi intensa na
região e quando as relações sociais desses grupos étnicos eram determinadas ora pelo Estado,
ora pela Igreja. Para perceber a influência dessas instituições na construção identitária da
população prudentopolitana e, consequentemente, dos seus indivíduos, será feita a análise do
imaginário e das representações coletivas dos imigrantes na colonização do município
supracitado.
Falar sobre grupos imigrantes e suas relações interétnicas parece uma tarefa árdua, pois
desencadeia uma multiplicidade de fatores que mexem com ranços tradicionais ainda em
grande medida arraigados no imaginário popular cotidiano do local. Situações são criadas nos
lugares de recepção dos grupos étnicos que avivam antagonismos oriundos da região de
procedência, assim como a situação inversa causa um impacto irreversível na estrutura
cultural de grande permanência.
A área onde hoje se situa o município de Prudentópolis agrega em torno de si uma miscelânea
de tradições das mais variadas, pois seu aporte cultural formado por poloneses, ucranianos,
indígenas e caboclos de toda monta pode ser experienciado cotidianamente no modus vivendi
do indivíduo prudentopolitano. Mas tal identidade prudentopolitana existente hoje não foi
construída sem conflitos. Imaginar-se a alocação de grupos culturais tão díspares entre si em
um mesmo espaço sem que este convívio tenha gerado embates, seria ingenuidade de nossa
parte. Tal relação conflituosa não poderia deixar de ali aflorar, pois aparecem desde as
diferenças quantitativas de indivíduos em cada grupo, quanto na forma de ajuda oficial e
extraoficial que cada um obteve, bem como nas reservas monetárias e mesmo de material que
cada grupo trouxe de além-mar ou obteve em sua chegada.
Desta forma, para traçarmos o perfil cultural-identitário da atual população da cidade de
Prudentópolis, essa pesquisa está focada em dois pontos principais. Em um deles,
analisaremos qual o peso que teve na determinação da forma de organização cultural local, a
disparidade demográfica entre os grupos, ou seja, analisaremos o fato não pouco relevante de
que a hegemonia quantitativa da população ucraniana (e seus descendentes) do município,
tenha ao mesmo tempo imposto uma supremacia, em graus variáveis sobre as representações
coletivas constituintes do imaginário popular na cidade. No segundo ponto, procuraremos
mostrar que a ideia de uma identidade prudentopolitana, ou seja, a ideia de uma possível
conciliação cultural entre os grupos em torno de uma cultura supostamente comum, teria sido
formada a partir de um processo de integração que pôde ser visualizado com do aumento
significativo dos casamentos interétnicos. Assim, o estudo de populações de origem e de
cultura diferentes, bem como suas relações ao entrarem em contato no seio de uma mesma
sociedade, ajuda a caracterizar o objeto dessa pesquisa. A premissa parte da necessidade de
compreender a sociedade prudentopolitana por meio do amálgama cultural formulado pela
cumplicidade adquirida, mesmo que através do distanciamento para com o outro. Porém, o
que importa aqui é compreender as fronteiras identitárias não como uma forma de rejeitar a
identidade do outro, mas sim a de negociar os quadros representativos que irão definir a
construção de uma nova identidade pautada na integração étnica.Diante das questões
formuladas, a problemática da pesquisa consiste em analisar o processo de sociabilidade
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Silvia Gomes Bento de Mello – Doutora em História – UNICENTRO (campus Santa Cruz,
Guarapuava)
conhecer e explorar novas terras são marcas da modernidade, tão caracterizada pela ânsia de
experimentar o novo. Fazia-se urgente sair dos gabinetes e dos grandes centros para conhecer,
observar, experimentar os lugares distantes, desconhecidos e exóticos. As viagens de Taunay
pelo Paraná não estavam desvinculadas dessa lógica: ele era um observador em trânsito pela
Província, alguém que fazia da sua mobilidade a resposta à exigência moderna de conhecer o
mundo, bem como de governar. Ao retornar de suas viagens pela Província, Alfredo Taunay
atribuía sentido à sua experiência através de relatos de viagens. Tão importante quanto viajar,
era produzir significado a respeito do que vira. De certa maneira, rememorar significativa fazer
uma nova viagem. Assim, o sentido da viagem se dá no entrecruzamento entre o caminho
percorrido e sua rememoração. Trata-se de processos interdependentes, mas que marcavam
os contornos de uma experiência tipicamente moderna. Assim, a insurgente necessidade de
produzir conhecimentos a respeito do Paraná se materializava tanto na experiência in loco, de
ver e experimentar a Província, quanto em um processo reflexivo e de abstração. Há que se
considerar que, na medida em que Taunay registrava sobre o interior da Província, esta
ganhava materialidade. Além disso, os relatos facultavam que outras pessoas empreendessem
viagens semelhantes, tornando as localidades do interior mais acessíveis e próximas.
Considerando que a modernidade centraliza a produção de conhecimento – deslocando a
centralidade da experiência –, mapas e registros descritivos de viagens elaborariam
informações ‘objetivas’ a respeito dos espaços geográficos, facilitando que o mesmo percurso
fosse realizado por qualquer um, permitindo que qualquer pessoa fizesse a mesma viagem
futuramente. Acrescido a isso, governar tornava-se cada vez, um ato de planejamento e de
domínio territorial. Assim, aqui e ali podemos encontrar, nos escritos de Taunay a respeito de
suas viagens pelo Paraná, marcas das preocupações de um presidente de Província. As
responsabilidades administrativas guiavam seu olhar, afinal, cabia-lhe detectar os problemas,
reverter os atrasos, pensar o futuro, prosperar a vida na Província. Constituir, enfim, uma
identidade ao Paraná que passava pelas questões territoriais. Torná-la moderna requeria
reflexão e planejamento, além de prover-lhe de atributos que fossem signos da civilização e do
progresso. Sendo assim, projeta uma Província através de inúmeras ações que se referem às
estradas, ao abastecimento alimentar e de água, às condições de salubridade, de educação e
do incentivo à política imigratória, dando corpo a uma forma de governar em que a ação
transformadora era tributária do conhecer, do ver e do viajar.
Palavras-chave: Política Externa Brasileira; Imigração Alemã para o Brasil; Imperialismo Alemão
são contemplados apenas com pequenos parágrafos e/ou breves citações em obras de síntese
relativas ao assunto.O olhar que se desenvolve nesse estudo historiográfico é o da perspectiva
brasileira, por meio dos documentos diplomáticos brasileiros, artigos de periódicos da época,
dissertações, teses e outras fontes secundárias que abordam o assunto. Em especial,
gostaríamos de citar que um dos aspectos importantes que deverão ser abordados é a questão
de que visão de papel do Brasil no cenário internacional, tinham os formuladores de nossa
política externa, em especial figuras como o Barão do Rio Branco, que foi ministro das relações
exteriores do Brasil de 1902 a 1912, e Lauro Müller que foi seu sucessor, ocupando a mesma
pasta de 1912 até 1917. Mas ressaltamos que a consulta às fontes alemãs é essencial para o
desenvolvimento do projeto. Devemos citar que existe a disponibilidade de fontes alemãs
sobre o período, uma vez que os documentos diplomáticos alemães referentes à era imperial
já foram publicados pelo Ministério das Relações Exteriores alemão. Dessa forma, um dos
objetivos do presente estudo, é analisar como se desenvolveu a política externa brasileira em
relação ao Império Alemão e que papel teve o fluxo de imigrantes alemães para o Brasil, assim
como elucidar que posição nosso país ocupava em relação ao imperialismo alemão e às
relações políticas e econômicas nos quase quarenta anos de existência da Alemanha
Imperial.O presente projeto se filia aos estudos de História das Relações Internacionais,
iniciados a partir do fim da Primeira Guerra Mundial pelos historiadores franceses Pierre
Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle (Introdução à História das Relações Internacionais, 2000, p.
9) e redescobertos na década de 1990. Na perspectiva dos citados historiadores, a questão
central em estudos sobre política externa e relações internacionais é o fato de que a sociedade
internacional não é organizada por uma instância superior, que detenha o poder da soberania
e o monopólio da força, como os Estados modernos que conhecemos. Assim, não existe no
cenário internacional um Leviatã que proteja o mundo da anarquia e que defenda os Estados
pequenos e fracos dos Estados grandes e poderosos. Dessa forma, a condução das relações
internacionais é feita pela diplomacia e pela cooperação em tempos de paz e pela estratégia
em tempos de conflito e de guerra. Mas, diplomacia, cooperação e estratégia tornam-se
realidade e são concatenadas por indivíduos com características culturais e psicológicas
distintas, que lideram países com diferentes interesses e objetivos. Para dar conta da
complexidade que rege a condução dos negócios internacionais, a historiografia precisa
perceber e analisar criteriosamente as forças profundas que movem os interesses dos
diferentes Estados em sua inserção internacional.As “forças profundas” a que nos referimos
acima são, segundo Renouvin e Duroselle (2000, p.15), aqueles eventos, tendências e
características de longa duração que influenciam ou determinam as relações externas de uma
determinada unidade estatal. Essas forças profundas podem estar relacionadas com as
condições geográficas do território do Estado, com suas características demográficas, com seus
interesses econômicos, com o jogo de sua política interna, com a questão da psicologia
coletiva, com o nacionalismo, com a opinião pública, com a influência da mídia e seu controle,
com a influência das religiões e dos líderes religiosos, com o papel e a ação do estadista, entre
outras. Nessas condicionantes é que poderemos encontrar os fatores que determinam as
relações internacionais e que servem de interpretação e de análise para a historiografia das
relações internacionais.O cenário das relações internacionais conta com a participação de
diversos atores que assumem certamente um papel bastante ativo no seu desenrolar.
Atualmente, diversas categorias de participantes atuam no nível das relações internacionais:
empresas transnacionais, organizações internacionais, organizações não-governamentais, os
meios de comunicação, igrejas e comunidades religiosas e também o próprio indivíduo. Mas
sem dúvida é o Estado que concentra a maior parte do peso e influência nos temas
internacionais, pois é ele depositário do monopólio delas. É apenas o Estado que negocia e
celebra tratados, que permitem o comércio, a circulação de capitais e de pessoas, que pode
declarar a guerra ou oferecer a paz. Essa tamanha concentração de poder e responsabilidade é
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que permite que o Estado e sua ação sejam foco do estudo e do interesse do historiador das
relações internacionais.Em função dessas reflexões emergem as questões centrais da história
diplomática: como agem os atores responsáveis pela condução da diplomacia e das relações
internacionais? Que fatores foram determinantes para tal ação? Porque agora e não antes?
Com a atenção voltada aos formuladores de política externa ou policy makers, podemos
questionar que horizontes de observação lhes foram oferecidos? Que mentalidades tiveram
influência ou mesmo determinaram suas decisões? Os interesses nacionais surgem por meio
das influências que são geradas nos diferentes grupos de pressão no seio do Estado e são, por
sua própria natureza, bastante flexíveis e mutáveis. Quais são os fatores que determinam que
Estados busquem aproximação, estabeleçam relações políticas, econômicas e culturais,
entrem em confronto, rivalizem entre si, declarem e estabeleçam a paz? Como princípios
contraditórios de poder e moral, pragmatismo e idealismo, interferem nas negociações e na
elaboração da política externa e na condução das relações internacionais?Com base nessas
reflexões, pretendemos fundamentar teoricamente o estudo acerca das relações entre o Brasil
e a Alemanha Imperial, no período de 1871 e 1918. A razão da escolha desses dois importantes
atores internacionais reside no fato de que ambos eram, de certa forma, coadjuvantes
periféricos do jogo internacional no período estudado. O Brasil, apesar de grande e promissor,
era um ator bastante secundário no panorama mundial. Era apenas um fornecedor de
matérias-primas, de café, açúcar, tabaco, borracha e outros produtos básicos. Gravitava entre
a Grã-Bretanha, grande potência mundial, e os Estados Unidos, potência em ascensão. Ambas
disputavam a proeminência política e comercial no Brasil e na América Latina. A divisão do
mundo, a partir da segunda metade do século XIX entre as grandes potências industriais,
diminuiu consideravelmente o mercado para os produtos tropicais produzidos pelo Brasil, pois
nesse cenário, as colônias de europeus na África e na Ásia, forneciam os mesmos produtos aos
países centrais, sem os ônus de tarifas alfandegárias e onde a produção poderia ser controlada
pelas metrópoles. As três últimas décadas do século XIX se caracterizaram pelo surgimento de
uma nova grande potência no cenário das relações internacionais, a Alemanha unificada.
Apesar de que o processo de unificação dos Estados Alemães ter começado bem antes, em
1834, com a criação do Zollverein, mas essa entidade era de caráter econômico e não político.
Assim, economicamente o processo de unificação alemão já estava em pleno avanço nas
décadas de 1830 e 1840. No entanto, o processo de unificação política estava em pleno
avanço, com idas e voltas desde a Revolução de 1848 e o fracasso da tentativa liberal de
unificação por meio do Parlamento de Frankfurt, tendo em vista sua rejeição pelos governos
autocratas da Prússia e da Áustria. Mesmo não estando unificada, a Alemanha mantinha
estreitas relações com o Brasil, através dos diversos Estados que compunham a Confederação
Germânica, em especial com as pequenas, mas importantes cidades-estado hanseáticas de
Hamburgo, Bremen e Lübeck, em função dos interesses comerciais. A Áustria, em decorrência
dos interesses dinásticos e das ligações da família real brasileira com os Habsburgos, havia se
tornado uma parceira política importante, mas que não conseguiu traduzir esse significado em
parceria econômica. Na perspectiva da imigração para o Brasil, a presença alemã já se fez
sentir em 1824, quando sob os auspícios do governo imperial foi fundada a primeira colônia
alemã no Brasil, que seria São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. A ela seguiram-se várias outras,
como Rio Negro (PR), Santo Amaro (SP), São Pedro de Alcântara (SC) e Petrópolis (RJ).
Podemos também associar à imigração alemã, a contratação de mercenários alemães que
lutaram na Guerra de Independência do Brasil (1823) e também na contenção das revoltas
regionais do Período Regencial, em especial da Revolução Farroupilha. Assim, foram
consideravelmente fortes as relações, tanto políticas, quanto econômicas, entre Brasil e os
Estados Alemães, antes de 1871. Com a unificação de 1871, a Alemanha não adotou
imediatamente uma política de expansão e de busca de construção de um império colonial.
Tendo em vista o interesse de Otto von Bismarck, chanceler da Prússia e do jovem Império
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Alemão, de adotar uma nova política externa que pudesse isolar a França e permitir que a
unificação fosse consolidada. Em função disso, a conquista de um império colonial e de uma
política de expansão militar agressiva somente seria adotada quando Bismarck abandonou o
poder em 1890, logo após a ascensão do príncipe Guilherme, neto de Guilherme I, em 1888.
Com ele ascendeu também uma nova elite política, composta por políticos pertencentes à
nobreza territorial prussiana e por profissionais liberais oriundos da burguesia em ascensão. O
que os dois grupos tinham em comum era um profundo sentimento nacionalista, que
considerava que a Alemanha deveria ocupar no mundo, um lugar correspondente à sua
produção econômica, científica, filosófica e cultural. Assim, a Alemanha, conforme Amado Luiz
Cervo & Clodoaldo Bueno (História da Política Exterior do Brasil, 2008, p. 130), agenciava as
relações inter-européias e se preparava para desempenhar um papel mais ativo no cenário
mundial, que se encaminhava decididamente nas vias do imperialismo. Nessa perspectiva, o
Brasil interessava à Alemanha como um possível mercado consumidor de produtos surgidos
com sua rápida industrialização. Nesse ínterim, as grandes colônias de imigrantes alemães
serviam, na perspectiva alemã, como portas de entrada para a produção industrial da
Alemanha. Também de uma perspectiva geopolítica e estratégica, a localização geográfica do
Brasil em relação ao Atlântico Sul, podia servir como base para a grande marinha mercante
alemã, assim como para sua frota de guerra, construída a partir de 1890 e que rivalizava
fortemente com a similar britânica. Assim, o Brasil passaria a ocupar um importante papel
nesse projeto de grande potência imperialista germânica.
sua independência. Principalmente após o período de violência conhecido como “la violencia”,
aonde o estado perde poder, fragilizando sua soberania, tornando-se um ambiente favorável
ao desenvolvimento do tráfico de drogas, que teve uma evolução surpreendente
principalmente com a exportação de cocaína para todo o mundo, em especial os Estados
Unidos.
Desta forma este estudo tem como o objetivo demonstrar através de pesquisas em fontes
primárias e sites relacionados ao assunto o surgimento do narcotráfico como um problema
mundial, que afeta diretamente a soberania dos países da América Latina, em especial a
Colômbia. Onde o Narcotráfico criou territórios dominados exclusivamente por eles, locais
aonde valiam suas próprias leis, além de influenciar diretamente na economia e política do
país. Os EUA, um dos principais prejudicados pelas drogas, sendo o maior mercado consumidor
do mundo, adentra em uma luta contra o narcotráfico, principalmente a partir de 1986
quando considera o tráfico de drogas um problema de segurança nacional, a ser combatido
fora de seu território. Neste caso acaba se tornando mais um problema para a soberania
colombiana, pois os norte-americanos passam a interferir diretamente nas decisões internas
do país levando até mesmo a modificação de leis como a polêmica Lei de Extradição. Sendo
assim a Colômbia acaba se tornando um mero coadjuvante dentro de seu próprio território
que acaba sendo dominado por narcotraficantes e pelo Estados Unidos. As facilidades trazidas
pela globalização são fatores essenciais para o desenvolvimento ocorrido no comércio
internacional nas últimas décadas, tendo como importante característica o surgimento de
empresas transnacionais, as quais apoiadas em tecnologia de ponta, geram correntes de poder
e influência em todos os países onde se encontram. Observando o comércio e as relações
internacionais no mundo contemporâneo, percebe-se que o narcotráfico é um agente que se
aproveita deste avanço global e assume papel importante, assim como características de
verdadeiras empresas modernas, criando uma poderosa força internacional que chama
atenção pelo poder que adquire ao longo de sua trajetória principalmente em países de
terceiro mundo, onde “a presença de círculos clandestinos de lavagem de dinheiro e de tráfico
de armas e entorpecentes são combustíveis indispensáveis ao mundo subterrâneo das
relações internacionais.” (Seitenfus, 2004, p.159)O tráfico de drogas ganha destaque como um
problema mundial, afetando diretamente países de todos os níveis sociais. Visivelmente um
dos mais afetados é a Colômbia, onde o narcotráfico acaba assumindo o poder paralelo ao
Estado, impondo suas leis e vontades em boa parte do território, afetando a soberania do país
tanto internamente como externamente. Países desenvolvidos, no entanto, também acabam
alvos do narcotráfico, uma vez que são considerados potenciais compradores. Os Estados
Unidos se torna o maior consumidor mundial de drogas, o que os levam a tratar do problema
como ameaça nacional, considerando que isso afeta gravemente os indivíduos de seu Estado e
as relações entre os mesmos.
Levando-os a proclamar uma “guerra ao narcotráfico” através de intervenções em países
provedores de drogas como a Colômbia, foco deste estudo, que tem como objetivo principal
mostrar o tamanho do poder alcançado pela indústria das drogas e a interferência disso na
soberania estatal principalmente a partir dos anos 70 e intensificando ano longo dos anos 80.
Através da análise da história latino-americana, até meados dos anos 90, exemplificando o
início do narcotráfico na Colômbia e a sua crescente evolução como um importante ator
dentro e fora do estado.
Além de demonstrar a interferência norte americana no estado colombiano, que atraídos pelo
combate ao narcotráfico se tornam mais um fator prejudicial a soberania do Estado.
(THOMPSON (1987). Por meio das experiências nas relações produtivas, pessoais e culturais,
os docentes são reinseridos na história, abrindo um campo de potencialidades no âmbito do
seu trabalho. Tais experiências ainda propiciam formar um elo com a noção de “cultura”, que,
segundo Thompson (1981), não acontece apenas da posição do indivíduo frente ao modo de
produção, mas visíveis em seus sentimentos e nos seus valores morais. Para a coleta de dados
utilizaremos questionários com questões abertas e fechadas e também entrevistas com os
professores para buscar em suas memórias as experiências vividas em seu local de trabalho,
pois acreditamos na importância da ressignificação do trabalho docente para minimizar a
precarização da profissão e a proletarização (perda do controle do seu próprio processo de
trabalho). Memórias essas que fazem a ligação entre o presente e o passado, e que, para
Benjamim (1985), são como sítios arqueológicos que possibilitam a reconstrução do presente.
Compreendemos aqui a memória como um local de entrecruzamento de espaços e tempos, e
que, por meio dela nos tornamos sujeitos da experiência coletiva justamente pelo fato de ser
vivenciada sempre na relação com os outros, e também individualmente, visto que cada fato é
produtor de diferentes sentidos para os que os vivenciaram.
Daive Cristiano Lopes de Freitas, Mestre em Educação pela UNESP - Rio Claro/SP
Este texto apresenta algumas considerações iniciais sobre formação de professores de História
realizadas a partir de informações coletadas durante a realização do projeto “Formação de
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dissertação “A Estética do Desamparo: Imagens e narrativas a contrapelo da História” apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação defendida em
agosto de 2010.
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bastante presente em suas aulas. Uma primeira leitura nos leva a pensar sobre como esses
professores escolhem os principais fatos históricos que pretendem ensinar aos alunos. O
objetivo seguinte foi aquele que mais variação apresentou de respostas: “Que eles julguem
moralmente os conhecimentos históricos de acordo com seus valores pessoais”. Neste caso,
44, 4% dos professores afirmaram que tal objetivo é bastante utilizado em suas aulas, 44, 4%
indicaram que suas aulas apresentam pouco ou muito pouco desse objetivo e 11,2%
responderam que tal objetivo apresenta-se muito em suas aulas de História. Parece-nos que
esse objetivo causou alguma confusão no momento da leitura, o que é compreensível, dada a
ambiguidade da pergunta. Afinal, o professor de História precisa evitar o anacronismo e ao
mesmo tempo sabendo que toda história parte das preocupações presentes. O terceiro
objetivo apresentado aos professores foi: “Que eles imaginem o passado, tomando em
consideração vários pontos de vista”. Neste caso o resultado coletado indicou que este
objetivo aparece bastante nas aulas de 55,6% dos professores e muito, nas aulas de 44,4% dos
casos. As respostas podem ser animadoras, mas precisam ser melhor verificadas e
comprovadas. Por fim, temos o último objetivo: “Que eles compreendam o comportamento
no passado, reconstruindo os quadros da vida e pensamento do período em que essas pessoas
viveram”. Aqui, de maneira semelhante à informação anterior, 100% dos professores
afirmaram que esse é o objetivo presente muito ou bastante em suas aulas. Se levarmos em
consideração o terceiro e quarto objetivos e compará-los ao segundo, podemos, talvez,
perceber alguma contradição. Sem querer esgotar as análises possíveis, podemos concluir,
temporariamente, que as respostas coletadas revelam a tensão existente entre a teoria e a
prática do ensino de História. Conflito que as instituições de ensino superior têm o dever de
minimizar.
Luciano Kneip Zucchi ; graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
,Mestrando em História Social da Universidade Estadual de Londrina, Orientador Sylvia Ewel
Lenz, Doutora pela Universidade Federal Fluminense.
Nossa pesquisa trata de um tema que por toda metade do século XX tem sido manchete das
noticias do meio de comunicação de todo mundo (e é sabido entrou no século XXI sem
perspectiva clara de elucidação a curto prazo); “O Conflito Israelo-Arabé” surgido logo após a
proclamação do Estado de Israel em 1948, com ensaios preliminares anteriores mas com a real
deflagração quando nesse ano o mediador da ONU conde Bernadot é assassinado em
Jerusalém por sionistas e os Britânicos boicotam o plano de partilha das nações unidas
(rejeitado por todos os estados árabes) e se retiram deixando um vazio total.Enfatizamos que
muito embora para opinião pública em geral esse conflito seja secular e tão difundida a versão
do “ódio entre árabes e judeus” seja algo inerente a suas culturas (e opinião essa, que deveras
equivocada, não raro tenho encontrado amparo religioso), sabemos que isso é uma inverdade
e que tal ódio era inexistente e ambas culturas coexistiram na ampla maioria das vezes
pacificamente por séculos, e tantas vezes trabalharam juntas como no califado de Córdoba na
península Ibérica (dos Omíadas), onde muçulmanos, cristãos e judeus viveram juntos e
construíram uma das mais avançadas civilizações da Idade Média. Objetivaremos demonstrar
através de uma argumentação séria e comprometida e com dados, tanto quanto na análise da
política internacional (ditada pela guerra fria e confronto velado Leste comunista versus oeste
capitalista) que a gênese dos conflitos na palestina entre árabes e judeus está inserida dentro
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um contexto global e tem como seu cerne interesses Imperialistas e também no bipolarismo
surgido pós segunda guerra mundial, e não em rivalidade ou ódios seculares entre povos,
muito embora esse discurso (o étnico/religioso) tenha conseguido inúmeras vezes mascarar a
verdade. O ponto de partida de nossa análise partirá do inicio do movimento sionista na
Europa (dos Pogrons), e sua evolução com vistas a todos os fatores condicionantes, até o
ponto culminante deste com a formação do Estado de Israel (1948) pós segunda guerra
mundial, e por conseguinte pós o genocídio nazista, configurando-se a proclamação como algo
já previsto pela declaração Balfour de dois de novembro de 1917, que muito embora tenha se
configurado numa solução de compromisso para o problema “anti semita” no continente
europeu redundará entretanto e paradoxalmente num novo “estranhamento” e em novos
conflitos, agora entre os judeus e árabes da região palestina (e de todo o Oriente Médio); As
potências europèias nesse contexto deságuam uma contradição que é sua no mesmo
movimento em que reiteram seus preconceitos transportando-os para o Oriente Médio.E
também enfatizamos que basta um rápido mirar sobre a situação do Oriente Médio pós-
segunda guerra mundial, para ser perceber que um dos principais problemas originados com a
criação do estado de Israel e a imediata guerra travada com os países árabes, foi o da
população refugiada (750.000 na época). “Expulsos de suas terras, segundo os árabes, ou,
instigados a partir por seus lideres, segundo Israelenses, ou quem sabe uma mescla de ambas
as coisas, ou ainda outra. Seja como for seu ‘êxodo’ além de um fator de desestabilização para
região como um todo (apesar de Israel ter sido beneficiado no inicio, pois assegurou a maioria
judaica no novo estado), isso constitui uma questão de fundamental importância e
imprescindível resolução para o mundo contemporâneo e para todos aqueles que ainda creem
que o mundo sem barreiras advindas da causa absurda da “discriminação” étnica ou religiosa é
possível”. E sem dúvida (e isso é percebido pelas potências ocidentais), quando ocorrer um
grande e real acordo Israelo/Árabe de sinceras e inequívocas intenções será citando Isaac
Akcelrud: “O sinal desencadeante de um imenso e generalizado movimento de libertação de
todo o Oriente Médio”. Com as atuais rebeliões em países árabes no último ano redundando
pelo menos por enquanto em quatro quedas de regimes ditatoriais, Tunísia, Egito, Líbia,
Yemen (de vieses diversos claro!), podemos depreender que a frase de Akcelrud a mais de
vinte anos atrás, que na época parecia deveras otimista demais, hoje não parece tão absurda,
pois vemos que até em Israel a opinião pública em sua maioria não suporta mais o estado de
guerra perpétua e anseia por uma paz duradoura e talvez agora (em minha opinião) a
alternativa de estado único e democrático compartilhado por árabes e judeus e defendida pelo
já saudoso Edward Said que já notara que a “Palestina Histórica” é hoje uma causa perdida, e
também como Tony Judt diz: “isso vale também para a Israel histórica. De um jeito ou de
outro, uma entidade institucional única, capaz de respeitar as duas comunidades, terá de
emergir, embora o quando ou de que forma isso possa acontecer pareça obscuro”. Sou
compelido a achar isso também à melhor solução, porém também considero o como de tal
ocorrer uma incógnita.
Professores PDE de História retornando à sala de aula: o que mudou na prática escolar.
Nas últimas décadas, sobretudo a partir de conquistas dos movimentos sociais que
reivindicaram os direitos de negros e índios, iniciou-se uma discussão sobre a percepção da
diversidade cultural que constitui o Brasil atual. Com os movimentos indígenas e de
consciência negra, um forte olhar foi lançado para esses grupos por vezes esquecidos e não
respeitados em seus direitos na sociedade. A diversidade cultural passou a ser, então, uma
problemática que aos poucos vem sendo discutida com intensidade, seja nas academias, nas
políticas públicas para juventude e nas políticas públicas educacionais, dentre outras. Nesse
sentido, o presente trabalho visa apresentar as problemáticas e perspectivas no âmbito da
disciplina História e, por extensão, no ambiente escolar, como um dos principais responsáveis
por criar mecanismos que visem inserirem negros e índios no contexto social que lhes são de
direito. Tais mecanismos podem ser atribuídos à prática de ensino que vise uma História
fundamentada na Nova História Cultural, na Etno-História, entre outras, no objetivo de
trabalhar com formas interdisciplinares, possibilitando novas abordagens que evitem exageros
com a história dos heróis. Visando uma História que propicie ao aluno o reconhecimento de
sua cultura e identidade ao estudar aspectos históricos das relações entre os homens e suas
manifestações nas mais variadas expressões culturais.
O trabalho parte de dados coletados em pesquisa de Mestrado e tem como objetivo discutir
alternativas no ensino de História com base na estratégia de projetos em uma perspectiva de
transversalidade. A prática pedagógica em questão tem como foco o desenvolvimento de
projetos de trabalho a partir de temática voltada para a formação ética, relacionada ao
cotidiano, aos interesses e necessidades das crianças e da sociedade. Tal temática deve se
articular aos conteúdos escolares, os quais são trabalhados de forma interdisciplinar e servem
para auxiliar os estudantes na compreensão dos temas e das questões abordadas no projeto.
Na perspectiva de transversalidade, os conteúdos escolares são vistos como meios para se
discutir a temática transversal que compõe o foco do projeto e abrange questões relacionadas
à formação ética e à cidadania.Ao analisar as possibilidades desta prática pedagógica, essa
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comunicação visa discutir o ensino de História a partir de um projeto cuja temática abrangeu
as diferenças culturais, com enfoque para a cultura indígena – em atendimento à Lei n° 11.645,
que prevê a inserção da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo.Compreende-
se o estudo da História enquanto possibilidade de formação da consciência histórica e de
compreensão da vida dos seres humanos e das sociedades, ao recuperar e analisar os
significados das experiências humanas no tempo. Quanto ao ensino de História, busca-se
alternativas para o modelo tradicional e positivista que vem, há muito, caracterizando a
disciplina de História. A concepção que embasa o presente trabalho orienta a seleção dos
conteúdos da disciplina de História, os quais deixam de enfatizar apenas os eventos políticos e
os “heróis” de uma “história oficial” e passam a englobar o cotidiano dos indivíduos e grupos,
bem como as representações simbólicas construídas nos diferentes momentos históricos,
permeadas pela cultura. Essa concepção incide, ao mesmo tempo, na diversidade de recursos
metodológicos e de fontes históricas que passam a ser consideradas para a produção
historiográfica e para o ensino, atentando-se para a relevância de tais materiais como
elementos que influenciam os processos de subjetivação e a construção das identidades.
Nesse sentido, a utilização de diversas fontes e recursos metodológicos no ensino de História
visa favorecer o desenvolvimento da consciência histórica, a aproximação dos estudantes com
os métodos de trabalho do historiador e o desenvolvimento da autonomia para a leitura crítica
da sociedade.Ressalta-se, ainda, as relações entre a formação da consciência histórica e a
constituição da noção de identidade, buscando-se estabelecer relações entre as identidades
individuais, sociais e coletivas. Nesse movimento, a problematização acerca das diferenças
culturais – neste trabalho representada pelas relações entre as culturas indígenas e não-
indígenas – torna-se fundamental, na medida em que possibilita a reflexão acerca de
diferenças e semelhanças na relação com o outro, bem como das mudanças e permanências
que permeiam as lutas, as tensões sociais, as relações de tolerância/intolerância, os processos
de ocupação do espaço, as relações econômicas e de trabalho, dentre outros.No presente
trabalho, são analisadas atividades desenvolvidas em sala de aula, que partiram de
problemáticas trazidas pelos estudantes, visando a reflexão sobre as diferenças culturais e a
abordagem de eixos temáticos da disciplina de História. O projeto foi desenvolvido junto a
crianças do 4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola da rede particular localizada no
município de Campinas – SP. Destaca-se, dentre as atividades desenvolvidas: a realização de
pesquisas a respeito da chegada dos portugueses ao território que hoje constitui o Brasil; a
busca por documentos, livros, jornais e revistas com informações sobre a vida cotidiana dos
povos indígenas no Brasil; a produção de textos evidenciando as mudanças resultantes do
contato entre os povos; o debate a partir de materiais que expressam diferentes pontos de
vista envolvidos na situação conflituosa estudada; o contato pessoal com comunidades de
descendentes diretos de diferentes etnias indígenas, entre outras.
A partir da análise das atividades realizadas, os resultados apontam que a estratégia de
projetos pautada na transversalidade possibilita a problematização e compreensão de
questões voltadas para a cultura indígena articuladas ao ensino de História. A prática em
questão possibilitou a compreensão não apenas de mudanças e permanências nos costumes e
cultura indígena ao longo da história, mas também das semelhanças e diferenças entre a
cultura indígena e o cotidiano dos estudantes. Tendo em vista a temática transversal
(diferenças culturais), os conteúdos da disciplina de História possibilitaram a valorização da
cultura indígena – apresentada, inclusive, a partir dos próprios sujeitos indígenas –, a
compreensão dos processos de luta e resistência desses povos, o questionamento e a reflexão
de preconceitos, fomentando um olhar para os índios de “carne e osso”. Nesse sentido, o
trabalho contribuiu para a compreensão de que a história dos povos indígenas não se prende
apenas ao passado – em uma perspectiva romântica e idealizada associada ao período da
colonização brasileira –, mas está também no presente, nos índios e nos povos que, até a
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atualidade, mantêm traços culturais que permaneceram mesmo após o contato com as
culturas não-indígenas.
Este artigo aborda a história de vida de duas mulheres de baixo poder econômico e cultural,
moradoras de Mandaguari, pequena cidade do norte do Paraná. Os depoimentos colhidos
versaram especialmente sobre a conjugalidade, a infância, as estratégias de enfrentamento da
pobreza, o cuidado com os filhos, as redes de solidariedade com parentes e vizinhos.
Originalmente, parte de uma tese de doutorado em História e que contou com a participação
de vinte entrevistadas. A pesquisa etnográfica nos colocou diante de experiências de vida
muito intensas e que, no dizer delas próprias, “dariam uma novela”. O trabalho aqui
apresentado faz um recorte privilegiando os depoimentos de duas dessas mulheres,
ficticiamente chamadas de Teresa e Neuza. A ideia é, através da análise dessas memórias
individuais, perceber as práticas de resistências e adaptações aos valores e costumes com que
estas mulheres defrontam no grupo social a que pertencem, bem como as diferentes
estratégias de enfrentamento da pobreza.
Palavras-chave:
Secretário – Cartas – Império Luso-Brasileiro
No século XVI o escritor espanhol Antonio de Torquemada, que também exerceu o ofício de
secretário, escreveu uma importante obra intitulada Manual de Escribientes, destinada a
ensinar a prática de escrita de cartas. Ao apresentar as qualidades indispensáveis de um
secretário, sublinhou que este deveria ser “como una arca en que se encierran los secretos del
señor a quien sirve”, sendo que a condição de guardião dos segredos de seu senhor foi
enfatizada por basicamente todas as obras modernas que se dispuseram a tratar da relação
entre o ensino da prática de escrita de cartas e o ofício de secretário. Neste sentido, com as
grandes navegações e, consequentemente, com os governos ultramarinos, a prática de escrita
de cartas passou a ser responsável pela manutenção da administração entre as diferentes
partes dos impérios. Com isso, tivemos a emergência de construções discursivas que se
dedicaram a pensar a política envolvida pela escrita, oferecendo aos secretários normas e
formas para o domínio do discurso epistolar. Assim, estes manuais tinham um público-alvo,
conforme destacou o importante historiador da Cultura Escrita, Antonio Castillo Goméz, “os
membros de uma comunidade mais restrita composta fundamentalmente por secretários,
burocratas, profissionais da escritura e, em geral, os representantes da sociedade de corte,
onde mais efetiva podia ser sua funcionalidade retórica e social” (GOMÉZ, 1998, p. 32). De
acordo com Pedro Cardim, o domínio das práticas de escrita se converteu em uma
competência indispensável às ações de governo, especialmente, para as ações empreendidas
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no ultramar (2002, p. 291). A carta inserida no contexto luso-brasileiro do século XVIII, não
representava unicamente o meio técnico responsável pela troca de informações entre
metrópole e colônia – na escrita estava a representação e manifestação do poder.
Na idade moderna o ofício de secretário se vinculava intrinsecamente a arte de governar,
envolvendo preocupações com o registro da memória do governo e com o bem governar.
Neste trabalho, iremos considerar que os manuais de secretário foram importantes
instrumentos para o ensino da arte de compor cartas. Estes guias, entre suas distintas funções,
pretendiam regularizar o ensino e aprendizado da escrita, destacando os intentos de uma
civilidade controlada por normas e valores de corte que se preocupavam com as maneiras
pelas quais os governadores deveriam representar-se e conter-se diante do outro. Os
secretários encaixavam-se em um tipo de mentalidade burocratizada e intimamente ligada ao
poder da escrita, já que a prática epistolar era uma peça chave da administração ultramarina.
O secretário, ao possuir o domínio da palavra falada e dos segredos, era visto como um dos
principais serventes de um senhor. Assim, como estudo de caso, nos propomos a pensar a
relação do ofício de secretário com os administradores ultramarinos, estudando,
especificamente, a presença dos secretários no governo e na escrita de D. Luís de Almeida,
mais conhecido como 2º marquês do Lavradio. Em 1769, D. Luís de Almeida chegou ao Brasil
para ser governador da capitania da Bahia e passado um ano e alguns meses deixou esta para
se tornar vice-rei do Brasil, deslocando-se para o Rio de Janeiro. Ao chegar ao vice-reino,
escreveu muitas cartas públicas e particulares para noticiar suas impressões da nova função.
Uma das escritas foi enviada ao secretário João Pires de Carvalho e Albuquerque, nela
desabafou “naõ hé crivel a falta q me fa | zem os meus estimaveis Secretarios q deixei no
Gover | no da B.a todos os dias o publico asim, ainda que | a algumas pessoas custe o ouvirem
estas verdades |”. (BR_AN_C_1095_f 156v). Em outro momento, o vice-rei, diante de suas
inúmeras atribuições, ao escrever a um dos seus genros, destacou: "Meu filho e S.r muito da
minha veneraçaõ naõ me sendo || possivel o escrever a v. de maõ propria continuo
aproveitarme | da liberd.e q v. me deu de poder escreverlhe por Secretr.o o q. | faço
pedindolhe me dé a estimavel Serteza de boas novas suas | q me devem sempre o maior
interesse |" (BR_AN_C_1095_f 216 e 216v). Com estas duas passagens, podemos visualizar
diferentes sociabilidades que perpassavam as relações estabelecidas entre os governadores
ultramarinos e seus secretários. Portanto, como o ofício de secretário aparece na escrita de D.
Luís de Almeida? O marquês do Lavradio durante seu governo produziu um valioso acervo
epistolar e para conciliar o exercício de governar com a escrita, contou com alguns secretários
de governo e particulares. Contudo, este texto tem como objetivo refletir, através das missivas
de D. Luís de Almeida, em torno do ofício de secretário e o poder da escrita de cartas na
administração do império luso-brasileiro no século XVIII.
Simpósios temáticos:
Marquês de Pombal entendia a educação como “um meio de valorizar as estruturas sociais e
mentais do Reino” (p. 144). Para esta avaliação, são considerados, além da elaboração dos
novos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772) e da reforma geral nos “Estudos das Letras
Humanas, nestes Reinos e todos os seus domínios”, ocorrida a partir do Alvará de 28 de junho
de 1759, a criação do Real Colégio de Nobres e, ainda, o funcionamento da Aula de Comércio
(1759), esta com a finalidade de formar pessoal familiarizado com a escrita fiscal e outras
atividades concernentes à atividade mercantil, como conversões de pesos e medidas.
A preocupação com a formação de novas “estruturas mentais” também é percebida pela
atividade editorial, muitas vezes anunciada como sendo patrocinada pelo próprio soberano.
Nesse sentido, em julho de 1766, o então Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e
Mello, ocupando o cargo de secretário de estado dos negócios do reino, enviou ao governador
da capitania de São Paulo, D. Luís Antonio Botelho de Souza Mourão, “alguns exemplares da
Instrução dos Ofícios de Cícero”, com a finalidade de “V. Sa. aí formar alguns Homens que
sejam Capazes de discernimento e de percepção” (AHU. Códice 423. Carta de 22 de julho de
1766). Ainda conforme a carta que acompanhava os mencionados livros, eles haviam sido
impressos sob ordem de D. José I, que os “mandou estampar para a educação da Nobreza do
Seu Real Colégio desta Corte”. Como sabemos, o Real Colégio de Nobres, criado por carta régia
de 07 de março de 1761, tinha o objetivo de preparar os filhos da nobreza do reino para a
ocupação de cargos na administração do estado português.
Não obstante a menção aos “Ofícios de Cícero”, entende-se que Carvalho e Mello estava
fazendo referência ao livro “Ostres livros de Cicero sobre as obrigações civis, traduzidos em
lingua portugueza para uso do Real Collegio de Nobres”. Trata-se de uma tradução realizada
pelo italiano Miguel Antonio Ciera, que havia sido contratado como professor de matemática
do Colégio de Nobres. Ciera não verteu os “Ofícios” diretamente do latim, mas de uma versão
italiana produzida por Giácomo Facciolati, tomando-a como “a mais correta”. De certo, não se
trata de fazermos uma crítica à tradução produzida pelo matemático italiano, mas sim de
procurarmos afirmar a importância de se oferecer a jovens nobres portugueses uma obra
entendida como essencial à formação desses mesmos jovens. Aliás, em 1777, o intelectual
espanhol Manuel Blanco Valbuena publicou, em Madri, uma tradução dos Ofícios de Cícero.
Esse professor de poética e de retórica do Real Seminário de Nobres da corte espanhola,
afirmava que “entre todos los libros que nos quedan de los antiguos, apenas se poderá señalar
outro más útil para enseñanza de los jóvenes que se dedican al estúdio de la lengua latina, que
este de los Ofícios de Ciceron, asi por la propriedad y elegancia de su estilo, como por la
doctrina que enseña de las obligacionaes que contituyen á los hombres buenos ciudadanos”
(nosso destaque).Entendemos que essa preocupação em “ensinar as obrigações que
constituem um homem em um bom cidadão” foi a mesma que incitou a tradução dessa obra
latina na língua portuguesa, especialmente se considerarmos que Os Ofícios é obra
reconhecida como “o tratado moral mais importante de Cícero” (SKINNER, 2010, p. 14). Para a
moral ciceroneana a principal virtude constituía-se na honestidade, de maneira que os sujeitos
deviam sempre conduzirem-se “da maneira mais virtuosa possível” (idem, p. 53). Em especial,
as pessoas que ocupassem posições de autoridade deveriam evitar qualquer desvio de
conduta. Nesse sentido, Skinner registra que, desde a Renascença, verifica-se a busca por uma
educação “verdadeiramente humana”, a qual ofereceria “o melhor preparo para a vida
política” e despertaria, em cada um, os valores necessários “para bem servir o nosso país: a
disposição de subordinar os interesses privados ao bem publico; o desejo de combater a
corrupção e a tirania; a ambição de buscar os mais nobres fins entre todos: a honra e a glória
não só pessoais, mas de todo o país” (idem, p. 13).
Especificamente no que se refere ao caso português, a formação de “bons cidadãos”,
adotando o termo utilizado por Valbuena, foi um objetivo buscado por Carvalho e Mello, e
esta disposição pode ser percebida naquilo que designamos por “mecanismo político
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pombalino” (ver SANTOS, 2010 e 2011), o qual deriva, em grande medida, de proposições
originadas em textos de William Petty (1623-1687) e Charles Davenant (1656–1714). Nesse
sentido, é especialmente significativa a presença de uma tradução em português de um livro
de Charles Davenant dentre as diversas obras trazidas desde Londres para Lisboa, por Carvalho
e Mello, quando do término de sua estada na corte londrina a serviço da secretaria de estado
dos negócios estrangeiros (1738-1744), no reinado de D. João V. Em “Observação sobre os
methodos prováveis de fazer a huma nação lucroza no ballanço do Commercio” [An Essay
upon the probable means of making a People gainers in the Ballance of Trade (1699)], um dos
objetos de atenção de Davenant era justamente considerar “que um Pais não pode crecer em
riqueza e poder senão fazendo os homens particulares seus deveres ao publico e por hum
inteiro curso de honestidade e sciencia naquelles em cujos se repoz a administração dos
negócios” (BNP. Coleção Pombalina. Códice 168, p. 71).Assim, em linhas gerais, pretende-se
abordar alguns dos mecanismos utilizados, durante o reinado de D. José I, para a formação de
homens capazes de “discernimento e de percepção” e que pudessem, como “homens
particulares”, cuidar dos “negócios públicos”. Percebe-se, nesse sentido, que a formação de
“bons cidadãos” estava associada à utilidade pública e à conduta moral, aspectos que serão
abrangidos pelas reformas educacionais daquele período.
Referências bibliográficas
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SKINNER, Quentin. Visões da política : sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2005.
Cláudio DeNipoti
Doutor em História
Professor associado - UEPG
Dois livros sobre feitiçaria foram traduzidos e publicados em Portugal, na segunda metade do
século XVIII. O tradutor foi o vice reitor do Colégio dos Nobres, José Dias Pereira. Os livros
eram a Defeza de Cecilia Faragó, que foi publicado pela primeira vez em 1771, e a Arte Mágica
Aniquilada, publicado em 1783.73 Em si, esses fatos não deixam o historiador em alerta, uma
vez que a segunda metade do século XVIII é profícua em traduções e publicações sobre a mais
ampla gama de assuntos que se possa imaginar, desde os princípios daquilo que hoje
conhecemos como ciência, até sólidas correntes literárias da tradição ocidental. Porém, a
singularidade reside no fato de que esses livros foram os dois principais libelos italianos de
meados do século XVIII a combaterem a existência de feitiçaria.
Essas duas obras são peças em um amplo debate europeu sobre a existência da bruxaria e da
feitiçaria, que envolveu diversos nomes do pensamento ilustrado, mas também operou como
um elemento de definição identitária das camadas ilustradas da sociedade, como o judiciário e
o parlamento ingleses e o clero anglicano, que, a partir do fim do século XVII, adotaram uma
atitude cada vez mais cética com relação à existência da feitiçaria. De fato, a última execução
inglesa por feitiçaria foi em 1684 e o último indiciamento, em 1717. Verificou-se, portanto, um
"gradual processo de descolamento eclesiástico e judicial das preocupações populares com
problemas da feitiçaria. O medo da feitiçaria que outrora unira o povo e o estado,
crescentemente tornou-se uma preocupação exclusivamente popular".74
Neste conjunto de práticas (sobre livros e leitura), os livros sobre feitiçaria, traduzidos por José
Dias Pereira surgem como obras que buscar resumir o conhecimento científico sobre os
fenômenos “mágicos” com o intuito de combater a própria crença na magia. Inseridas em um
debate em torno do redimensionamento na crença nos fenômenos da magia e da feitiçaria,
essas obras alinham-se com outras, principalmente entre os pensadores do Iluminismo ibérico,
como aquelas do monge beneditino Benito Jerónimo Feijóo. Em seu esforço por "entronizar o
newtonianismo como o pensamento filosófico dominante"75 na Espanha, ele declarou guerra
às falsas possessões "apresentando-se como um denunciante das falsas crenças" numa guerra
entre duas forças conflitantes: "a luz da razão versus o crepúsculo da superstição ou ainda o
bem comum contra os interesses pessoais de certos indivíduos que capitalizavam na
ingenuidade excessiva da maioria das pessoas".76
À mesma época, na Itália, o debate sobre a existência ou não de magia, feitiçaria ou bruxaria,
envolveu os principais intelectuais italianos, inclusive Giuseppe Corini Corio com sue Politica,
73
PEREIRA, José Dias. Traducção da defeza de Cecilia Faragó, accusada do crime de feitiçaria : obra útil para
desabusar as pesoas preoccupadas da arte magica, e os seus pretendidos effeitos Off. Manuel Coelho Amado, 1775;
_____. A arte magica anniquilada do marques Francisco Scipaō Maffeo, traduzida da lingua Italiana na Portugueza.
Accresce huma nova prefaçaō, que escrivia o traductor. Publicado por Na officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1783.
74
DAVIES, Owen . Withccraft, magic and culture, 1736-1951. Manchester: Manchester University Press,
1999, p. 79.
75
ISRAEL, Jonathan I. Radical Enlightenment; Phylosophy and the making of modernity. Oxford: Oxford
University Press, 2001, P. 534.
76
TAUSIET, Maria. From Illusion to disenchantment: Feijoo versus the 'falsely possessed' in eighteenth-
century Spain In: DAVIES, Owen & DE BLÉCOURT, Willen, eds. Beyond the witch trials. Witchcraft and magic in
Enlightenment Europe. Manchester: Manchester University Press, 2004, p. 45-48.
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diritto e religione, publicado em 1742, Ludovico Antonio Muratori, com Della forza della
fantasia umana , de 1745, Girolano Tartarotti e seu Del congresso notturno delle Lammie de
1749, e finalmente, Scipione Maffei – muito mais conhecido hoje por ter sido o primeiro
descritor do piano moderno - com os dois títulos sobre o tema publicados entre 1749 e 1754:
L'arte magica dileguata, e L'arte magica annichilata.77 Inclue-se ai também a defesa que
Giuseppe Rafaelli fez de Cecilia Farago, meeira italiana acusada de feitiçaria em 1769. A
tradução desses livros por José Dias Pereira, ainda que inscrita no contexto de um iluminismo
católico português que visava "combater a ignorância e a superstição [...] com relação à
feitiçaria" a partir dos exemplos do iluminismo italiano,78 é também, como dito acima, parte do
esforço pombalino de inserir sua prática política no contexto da palavra impressa como parte
de empreendimentos de poder, visando marcar claramente o que deve ser lembrado e
esquecido com relação à religião e à ciência em geral.79O caso, através da obra de Rafaelli, teve
repercussão fora da Itália, como exemplifica a notícia dada, já em 1772 no Journal politique, ou
Gazette des gazettes, também conhecido por Journal de Bouillon, dirigido por Jacques
Renéaume de La Tache (que também foi autor de Observations physiques et morales sur
l'instinct des animaux, publicado em 1770 em Amsterdam).
L'année dernière, une femme appellée Cecilia Farago, fut accussée de magie par la veuve
Victoire Rosseti, qui imputoit à ses maléfices la mort de son fils unique Don Antonio Ferraiuolo.
L'Auditeur d'Elia reçut ses plaintes & ses depositions; il ne douta point de la possibilité du fait;
il le jugea même très grave, parceque le mort étioit Prètre. Son procès verbal & toutes les
procédures qui en furent la suite, n'offroient que des irrégularités. Un crime absurte, imaginé &
cru par l'ignorance, faillit à conduire au bûcher une femme innocente. Le Roi heureussement
ordonna la revision de ce procès ridicule, & il vient de justifier Cecilia Farago; il lui accorde les
réparations & les dédomagemens qui lui font dus aprés une affaire criminelle injustement
intentée, qui l'a exposée à des pertes considérables, & qui lui a fait subir une prison longue,
rigoureuse, & acccompagnée des inquiétudes les plus vives sur son sort; il lui permet de
prendre á partie ses accusateuers, de vérifier les motifs de leur conduite, & de les poursuivre a
son tour au criminel, s'il y a lieu."80 Em 1775, o processo foi mencionado também no volume 5
do Neueste Religionsgeschichte, do teólogo alemão Christian Wilhelm Franz Walch como
exemplo de uso indevido da crença no diabo. A repercussão foi duradoura, pois, em 1817, José
Hipólito da Costa enalteceu, nas páginas do Correio Brasiliense, o mero fato das traduções
portuguesas de Arte mágica Aniquilada e da Defesa de Cecilia Farago estarem disponíveis à
venda, anunciados nas gazetas do Rio de Janeiro. Para ele, "O simples offerecimento destas
obras á venda publica nos mostra, que no Brazil ha patriotas assas entendidos, para
conhecerem a importância de desabusar o povo; elliminando os erros comuns em mateiras
desta natureza; e que tendem a embrutecer o espirito humano." Outros autores acharam
necessário continuar o esforço de esclarecimento sobre o mundo sobrenatural, referenciando
o debate do século XVIII. Em 1820, Manoel Borges Carneiro em seu Portugal Regenerado
retomou o tema da feitiçaria na sua Parábola 4, "A magia e mais superstições desmascaradas".
Após considerar que os "delírios [de que] é capaz o juízo humano, quando jaz nas trevas da
ignorância" geram o medo que, por sua vez, produz a superstição "a qual, supplantando o bom
senso, a boa razão, e a Filosofia, se torna origem fecunda de erros, illusões, e fantasmas de
uma imaginação esquentada que converte tudo o que toca em lobishomens, bruxas, demonios
e almas de outro mundo", Borges Carneiro lembrou da obra de Maffei como um dos exemplos
77
CASABURI, Mario. La “fattuchiera” Cecilia Farago._L'ultimo processo di stregoneria e l'appassionata
memoria di Giuseppe Raffaeli. Messina: Rubbertino, 1996. p. 9-11.
78
SOUZA, Evergton Sales. The Catholic Enligtenment in Portugal. In: LEHNER, Ulrich & PRINTY, Michael, eds.
A companion to the Catholic Enlightenment in Europe. Leiden: Brill, 2010, p. 378.
79
TAVARES, Lembrar, esquecer, censurar...
80
Journal politique, ou Gazette des gazettes (1771). Lutton, 1772, p. 31.
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de autores que tentaram escrever sobre "as desgraças que a humanidade tem sofrido em
consequencia da credulidade sobre a magia" ainda que não mencionasse o processo de Cecília
Farago.81As traduções portuguesas tiveram um percurso relativamente curto, pois a Defesa...
foi publicada, em primeira edição, em 1775, na oficina tipográfica de Manoel Coelho Amado,
com 78 páginas e novamente em 1783, impressa pela Academia de Ciências, numa edição de
149 páginas, ao passo que a Arte Mágica só teve a edição de 1783, impressa na "officina de
Simão Thaddeo Ferreira".O tradutor, por sua vez, era um presbítero secular, poeta bissexto,
que participou da Arcádia82 e, pela posição que ocupava na estrutura de poder pombalina,
estas traduções podem ser entendidas como o desempenho de uma missão oficial. Isso nos
permite pensar neste empreendimento editorial como parte de um processo de domesticação
da Inquisição portuguesa, cujo objetivo era acabar com a crença na feitiçaria e dirigir a atuação
da Inquisição para crimes políticos e comportamentais dos sacerdotes. Esse tipo de uso que
Pombal faz do livro caracteriza um modus operandi que pode ser observado em várias das suas
ações político-administrativas, como exemplificou Rui Tavares em seu texto sobre as ações da
Real Mesa Censória.83
Leituras e Viagens nos Brasis: Apropriações das obras dos naturalistas luso-brasileiros
setecentistas pelos viajantes oitocentistas
O século XIX, no Brasil, pode ser compreendido como um terreno profícuo para contendas e
análises historiográficas. Tal período apresentou um espaço privilegiado de expressões,
divulgações e informações acerca da nação e nacionalidade brasileira, enfim, uma gama de
discussões que moldou um debate nacionalista objetivando delimitar, construir e caracterizar
a nação brasileira. A busca do caráter nacional tinha o objetivo precípuo de atribuir um sentido
histórico à sociedade brasileira.Tal tarefa acabou sendo realizada, principalmente, por
intelectuais da época que tiveram o papel de definir os traços de nossa nação e nacionalidade.
Esses intelectuais contaram com apoio do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro(geralmente eram membros ativos do IHGB) que ampliou esse projeto de escrita da
história nacional e, por meio de relatos de viajantes, crônicas, documentação inquisitorial,
adentrou em um trabalho de “descobertas nacionalistas”, fornecendo possibilidades de
estudos e análises nesse processo de caracterização histórico-nacional. Podemos afirmar que
os relatos de viagem influenciaram diretamente nessa construção da nação no XIX e,
especificamente, os realizados por viajantes estrangeiros. Um pequeno levantamento de
trabalhos historiográficos dedicados ao Brasil Império já aponta a valorização e – em muitas
análises - canonização dos relatos de conhecidos viajantes como Saint-Hilaire, Spix e Martius
e Wilhelm Ludwig von Eschwege . Acredita-se, até hoje, que eles aqui chegaram e encontraram
uma tábula rasa de conhecimento do território e por meio da observação da natureza e da
sociedade fundaram uma ideia de Brasil.
81
CARNEIRO, Manoel Borges. Portugal Regenerado. Parábola 4, "A magia e mais superstições
desmascaradas". Lisboa: Typografia Lacerdina, 1820, p. 12.
82
MORATO, Francisco Manuel Trigoso de Aragão, Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato,
começadas a escrever por ele mesmo em princípios de Janeiro de 1824 e terminadas em 15 de Julho de 1835,
revistas e coordenadas por Ernesto de Campos de Andrada, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933.
83
TAVARES, Rui. Lembrar, esquecer, censurar. Estud. av. vol.13 no.37 São Paulo Sept./Dec. 1999.
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De Manuel do Cenáculo, Bispo de Beja para o desembargador Antonio Ribeiro dos Santos: a
correspondência entre dois entusiastas do livro
com livros fossem reunidos na corte. Afonso V (1438-1481) foi quem se deu conta da
importância de dispor as obras aos estudiosos, originando a conhecia Livraria Real. Com a
dominação espanhola, que perdurou até 1640, muitas obras foram levadas e a biblioteca real
deixada sem importância. Foi em meados dos setecentos, época de riquezas da colônia e paz
por certa hegemonia portuguesa, que d. João V passa a investir verdadeira mente em uma
biblioteca real. D. João teve uma imagem dividida entre o rei de exacerbação religiosa, glutão,
colecionador de amantes e desinteressado da política, retratado em crônicas do tempo, e o rei
que adorava os livros na juventude e o rei “Magnânimo” da cultura, como ficou conhecido.Não
só a Livraria Real, como as bibliotecas de academias, conventos e ordens religiosas, tiverem
grande crescimento naquela época. Com a morte de d. João V, em 1750, d. José I veio a
substituí-lo, um novo rei não parecia ser um grande interessado político e cultural,
independente disso, a biblioteca já estava bem alocada e administrada, mesmo assim não
poderíamos saber seu futuro nas mãos do novo rei, em 1755 o grande terremoto que destruiu
quase toda a cidade, que seguido de um incêndio, consumiu rapidamente não só todos os
livros como o prédio.Após a destruição da capital do país era necessário se reconstruir o país,
em todos os sentidos. Neste momento um ministro do rei d. José I, Sebastião José de Carvalho
e Mello teria papel fundamental nas futuras políticas de Estado em Portugal, tamanha
importância que se tornaria em 1759, Conde de Oieras, e em 1769 Marquês de Pombal. O
ministro do rei tomou uma política de centralização de poder nas mãos do monarca, e realizou
diversas reformas administrativas, cercando-se daqueles em quem confiava. Dentre
importantes figuras intelectuais responsáveis pela organização de instituições educacionais e
culturais deste momento da história do Reino de Portugal, encontram-se Frei D. Manuel do
Cenáculo - Bispo de Beja e Arcebispo de Évora, que integrou a Real Mesa Censória do reino e
integrante da reforma educacional do Marquês - e Antonio Ribeiro dos Santos – que organizou
bibliotecas de várias instituições, incluindo a Real Biblioteca Pública da Corte. Esses dois
humanistas tiveram grande participação no cenário intelectual que aflorou na segunda metade
do século XVIII em Portugal, principalmente no que se diz a respeito da formação de
bibliotecas e seu funcionamento. A proposta de trabalho trata da relação de Beja e
Antonio Ribeiro com uma História do Livro e da Leitura em Portugal. Através do estudo de um
códice que arquiva a troca de correspondência entre os dois, pretende-se uma análise da
relação de ambos com o mercado livreiro e sua importância na constituição de espaços de
conhecimento, sua importância como públicos e como foram compostos em meio a um ideal
de progresso do Reino de Portugal, através das letras e das luzes.
No que concerne à escrita sobre as colônias, durante os séculos XVI e XVII desenvolveu-se no
Império Português do Oriente uma modalidade específica de descrição. O Império Oriental
caracterizou-se por uma proliferação de feitorias ancoradas em fracas bases territoriais,
compondo uma espécie de arquipélago composto pelas muitas “pérolas” da coroa. A tal
configuração corresponde uma forma quase colecionista de conceber e relatar o Império, que
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aparece tanto nos textos como nos muitos álbuns de representações iconográficas de cidades,
fortalezas e feitorias. Pode-se especular se essa configuração não seria mesmo determinada
pela conformação territorial do Império Oriental. Dependendo do autor e seu objetivo,
enfatiza-se um aspecto. Ora são as rendas da coroa, ora os cargos públicos disponíveis, ora as
riquezas, ora as igrejas, ora os direitos e privilégios. Assim, a descrição desse universo era um
desfiar das contas de um rosário, outra imagem possível para esta modalidade de descrição.No
século XVIII os relatos de viagem já constituíam um campo editorial próprio, com um público
leitor bastante interessado. A proliferação de inúmeras compilações de narrativas de viagens
comprova o prestígio dessa literatura, que cumpria um papel importante para as elites
intelectuais, ao ser utilizada como fonte de informações sobre o universo além-mar,
compensando de algum modo a falta de contato direto com esses espaços e povos.Num
contexto em que a coroa portuguesa tenta estruturar a sua administração para inverter o
acentuado ritmo de decacência econômica de Moçambique e procura expandir os limites de
sua soberania torna-se indispensável conhecer, com alguma propriedade, os espaços, tanto os
já dominados, como os vizinhos. É a hora e a vez dos chamados Diários de Viagens
Philosophicas, Descripções, Memmórias, Memoriais, Cartas, Notícias e Relações, os quais são
motivados principalmente por demandas do estado central. Quando não são escritos sob
encomenda esses textos são provocados por um desejo do autor em “mostrar serviço”, ou
ainda como forma de cair nas graças de algum patrono a quem são dedicados. Outras vezes,
eles estão voltados ao mundo acadêmico e produzidos especificamente com o objetivo de
serem veiculados nos “periódicos científicos” da época, publicados principalmente nas
Memmórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Para Fernando Cristóvão, a literatura de
viagens seria constituída pelo conjunto de textos que buscam na viagem uma identificação
especial. Tal concepção é bastante próxima da defendida por Joaquín Rubio Tovar, para quem
“es el viaje y lo que éste conlleva (el encuentro com un medio extraño, la información
histórica, política o geográfica de los territorios que se recorren, la aventura, etc.) lo que da su
último sentido al escrito”. Com o acréscimo da noção de “contraste (outra forma de
deslocação)”, Cristóvão concebe a viagem como “deslocação, percurso mais ou menos longo”.
Com isto amplia-se significativamente o terreno dos possíveis discursivos contemplados pela
designação de literatura de viagens. Desse modo, pertencem a esse território não só o
conjunto dos “textos documentais ou literários que à viagem (por mar, terra, ar ou percursos
imaginários) vai buscar uma identificação especial”, mas também o que “por ocasião da
viagem” venha a testemunhar aquilo que se considerou “digno de ser registado: a descrição da
terra, dos usos e costumes dos seus habitantes, das situações históricas e antropológicas, que,
por contraste (...) com as origens dos viajantes, forma um texto homogéneo e participa da
mesma intencionalidade”.Tzvetan Todorov integra a noção de literatura de viagens num
complexo ato de conhecimento, tendo como eixo de estruturação a viagem, do qual se
produziria “narrativas de viagens”, descrições da natureza ou dos homens, poesia ou relatos
de aventuras. As viagens de descoberta permitiriam explorar o desconhecido, enquanto nas de
regresso se operaria a reaproximação com o familiar. De qualquer modo, sem depender em
exclusivo, da existência anterior de uma viagem real a partir da qual o gênero se definiria, a
idéia de uma literatura de viagens adotada traduziria uma concepção eclética. A denominação
literatura de viagens integraria -, muito mais do que a compartimentação de designações
exclusivamente temáticas ou ideologicamente marcadas -, todas as manifestações discursivas
que a viagem, direta ou indiretamente, proporcionou ou possibilitou.Esse aspecto abrangente
não anula a coexistência com o espectro de certo desencanto e de alguma dúvida
relativamente ao seu caráter de verdade. Dúvida que assegura, afinal, a emergência de um
meio de apropriação do real cada vez mais específico: a literatura que se reclama produtora de
um real contíguo à realidade contatada. Ou seja, no caso da construção de Moçambique
enquanto território em termos tanto administrativos como discursivos.
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A viagem foi um tema constante no imaginário dos cientistas do século XVIII. Ela viabiliza um
dos pressupostos do conhecimento ilustrado: tendo por destino a natureza selvagem e
intocada, apresenta o mundo natural destituído de qualquer simbologia relacionada às antigas
formas de pensar, com as quais o movimento se debatia; proporciona o contato direto,
mediado pela experiência, entre o sujeito do conhecimento e o seu objeto, assim como adota
como referenciais a observação e a reflexão racional.Ao descreverem a natureza colonial em
suas viagens científicas, os europeus em geral e os portugueses em particular, sempre a
exaltaram e a viram como bela e rica em recursos naturais. Ela era uma natureza “paradisíaca”,
que estava criada, e agora caberia ao homem transformá-la em seu benefício próprio.A ciência
tinha como função social resolver problemas. A utilidade era a vértebra da própria concepção
de ciência. O conhecimento científico encontrava-se ao serviço do homem, da sociedade. Para
os cientistas e demais indivíduos influenciados pelo pensamento iluminista, a ciência era
prática, aplicada, deveria ajudar a resolver os males que imperavam na sociedade. A prolixa
difusão de conhecimentos científicos deve ser entendida como um verdadeiro receituário para
enfrentar os problemas cotidianos. A sua função era semear ideias úteis pela sua sociedade.Ao
propor que a ciência deveria gerar utilidades à sociedade, contribuindo para solucionar os
problemas que nela existiam, acreditava-se que os nossos personagens partilhavam da utopia
do pensamento ilustrado de que o conhecimento científico contribuía para o aperfeiçoamento
das sociedades, tornando-as melhores e perfeitas.A crença na razão, como a única forma de se
alcançar o verdadeiro conhecimento; a observação e a experimentação, como os elementos
chaves do “fazer ciência”; a busca do domínio e conhecimento da natureza; a preocupação
com a verdade científica e a afirmação da ciência útil são as características presentes no
pensamento de nossos personagens e que nos permite integrá-los ao clima de opinião pública
típico da Ilustração.
Heranças de histórias?
A posse de livros nos inventários post mortem de castro, entre 1800 e 1870.
Nossa fonte principal de estudo são as informações que trazem os inventários post mortem e
testamentos anexados em parte deles, redigidos na cidade de Castro (PR), entre 1800 e 1870.
A investigação dos documentos fornecerá o objeto mais específico dentro da nossa proposta,
que são os registros dos livros neles inventariados, possibilitando uma pesquisa na área da
História Cultural. A análise da documentação seguirá o seguinte procedimento:
a. Apreender as características da cidade de Castro no século XIX, para situar a sociedade em
estudo;
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Outro trabalho importante que abordou o tema da leitura é o artigo Diferentes formas de ler
de Márcia Abreu:No século XVIII e início do XIX, o conceito de leitura parece confundir-se com
a fala e a audição, podendo prescindir da habilidade de decifração dos sinais gráficos de que se
compõe a escrita. Se entre intelectuais o processo de ouvir ler fazia parte das formas de
sociabilidade, parecendo coisa comum, qual não seria o poder de divulgação dos escritos entre
os não letrados? Por meio da leitura oral, iletrados também poderiam entrar em contato com
conteúdos registrados por escrito (...) durante a primeira metade do século XIX a leitura oral
era uma das formas de mobilização cultural e política dos meios urbanos e dos operários.86A
84
GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo. Micro-
História e outros Ensaios. Lisboa: Difel, 1989.
85
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 17.
86
ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler. Disponível em:
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm. Acesso em: 11 jan. 2008. Nota n° 1 do texto:
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91
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Ponta Grossa: Kugler Artes Gráficas Ltda., 1983. p. 17.
92
Idem. p. 17.
93
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X I I I E n c o n t r o E s t a d u a l d e H i s t ó r i a A N P U P R 109
94
GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo. Micro-
História e outros Ensaios. Lisboa: Difel, 1989.
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BRASIL. Decisão de Governo de 18 de fevereiro de 1808: Manda criar uma Escola de Cirurgia no Hospital Real da
Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. P. 2. BRASIL. Decreto de 1 de abril de 1813: Aprova o
plano dos Estudos de Cirurgia no Hospital de Misericórdia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1890. P.8.BRASIL. Decreto de 23 de fevereiro de 1808: Cria na cidade do Rio de Janeiro uma cadeira de Ciência
Econômica. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891. P.2. BRASIL. Marinha. Decisão de Governo de 05 de maio de
1808: Manda estabelecer a Real Academia de Guardas Marinhas no Convento de São Bento. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1891. BRASIL. Carta lei de 4 de dezembro de 1810: Cria uma Academia Real Militar na Corte do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
96
A mudança da corte portuguesa para uma de suas mais “ricas possessões”, não foi uma solução pensada por
acaso. Nas situações em que a coroa portuguesa se vê pressionada pelos poderes externos e mais fortes é
recorrente a opinião do refúgio para uma de suas colônias. Destacam-se os fatos que acompanharam o momento
de fragilidade do reino português como em 1580, com a invasão da Espanha e a conseqüente união dos dois reinos;
Com a guerra de restauração no período de 1640-1668; No reinado de D. João V em 1707-1750; Enfim, constatamos
que em todas estas ocasiões em que a transferência foi cogitada a fim de salvaguardar os bens da coroa
portuguesa, esta atitude vem acompanhada da vontade de transformar o Reino Português no mais rico Império do
Ocidente. LYRA, Maria de Lourdes Viana. A Utopia do Poderoso Império: Portugal e Brasil: Bastidores da Política
1798-1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. p. 107 e 108.
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97
As características do reformismo ilustrado português são apontadas por Fernando Novais no artigo “O
Reformismo Ilustrado luso Brasileiro: Alguns Aspectos.” Revista Brasileira de História. Nº 7. V. 4. São Paulo.
Março/1984. P. 105.
98
Segundo Maria de Lourdes Viana Lyra, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, desde cedo foi preparado para atuar como
agente no governo português pelo seu professor e padrinho, o Marquês de Pombal. Iniciou seus estudos no colégio
Real dos Nobres e na Universidade de Coimbra. Lyra, Idem. P. 61.
99
Destaca-se o avanço da Ilustração portuguesa na virada do século XVIII para o XIX, principalmente pela postura
frente aos pontos básicos da reforma administrativa do então príncipe regente D. João VI. Nota-se uma mudança
nas definições das diretrizes para a configuração do Novo Império, tendo em vista a sistematização do
conhecimento e a firmeza na condução dos negócios do Estado. LYRA, Maria de Lourdes Viana. Op. Cit. P. 63.
100
Na tentativa de conter o atraso político, econômico e intelectual de Portugal frente aos demais países europeus,
Marques de pombal, em 1750, inicia as reformas ilustradas. As características acima apontadas indicam o “clima
geral do movimento ilustrado” , decisivas para entender todo o processo que se inicia no século XVIII e culmina com
a transferência da corte para a colônia americana. O estudo de todo este processo revela a continuidade do
reformismo iniciado no reinado de D. José I, passando pelo reinado de D. Maria I e conseqüente regência de D.
João. Novais. Op. Cit. P. 106.
101
NOVAIS, Idem P. 107.
102
Lyra, Op. Cit. P. 83 e 89.
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Tudo isso vem à tona, no momento em que se discute a possibilidade da retomada do Brasil
como colônia e com o retorno da corte para Portugal no início da década de 1820.
Desde 1808 verificamos o intenso trabalho das cortes portuguesas na viabilização do território
do reino do Brasil para se tornar à sede do Império Português. Neste sentido, empenham-se
em regulamentar as comunicações com todo o território brasileiro, delimitar as fronteiras, e
promover o relacionamento entre as províncias, visando à fundamentação da unidade através
103
BRASIL. Decreto de 11 de maço de 1808. Nomeia os Ministros e Secretários de Estado. In: Coleção das Leis do
Brasil de 1808.Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. P. 4
104
BRASIL. Decreto de 23 de fevereiro de 1808. Cria na cidade do Rio de Janeiro uma cadeira de Ciência Econômica.
In: Coleção das Leis do Brasil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1891. P. 11
105
BRASIL. Decreto de 7 de abril de 1808. Cria o Real Arquivo Militar e dá-lhe regimento. Op. Cit. P. 12.
106
BRASIL. Decisão de Governo. N.2. Brasil. Em 18 de fevereiro de 1808. Manda criar uma Escola de Cirurgia no
Hospital Real da Cidade da Bahia. In: Coleção das Decisões de Governo de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1891. P. 2. BRASIL. Decisão de Governo. N.9. Marinha. Em 5 de maio de 1808. Manda estabelecer a Real Academia
de Guardas Marinhas no Convento de S. Bento. Op. Cit.P.9.
107
LYRA, Op. Cit. P. 136.
108
DIAS, Maria Odila. “A interiorização da Metrópole 1808-1853”. In: MOTTA, Carlos Guilherme (org). 1822
Dimensões. São Paulo: Perspectiva. s/d.
109
BERBEL, Márcia Regina. A Nação como Artefato: Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas 1821-1822. São
Paulo: HUCITEC, 1999. P. 31 e 32.
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dos interesses recíprocos, sendo o Rio de Janeiro, o pólo dinamizador das políticas
administrativas para o Reino e para as demais partes de Portugal.110
Assim, as políticas para a instrução neste período demarcam a efevercência do programa das
reformas, que também visavam a sua propagação nacional. Para o estabelecimento e
financiamento das instituições educacionais no Brasil, o governo português aceita a oferta dos
comerciantes da corte do Rio de Janeiro, que se interessam por enviar fundos para o
estabelecimento da “instrução Nacional”. 111 Também se cria no Banco do Brasil, a relação de
nomes das pessoas que “igualmente animadas” podem também contribuir com o
estabelecimento de escolas de “tão manifesta e geral utilidade” 112. Estas iniciativas no campo
da instrução nacional demarcam o interesse do governo português, na promoção da unificação
de todo o território português, e a necessidade transformar os dois reinos em um Poderoso
Império.
ST 07 - HISTÓRIA E LINGUAGENS
110
LYRA, Op. Cit. P. 138.
111
BRASIL. Decisão de Governo. N.5. Reino. Em 5 de março de 1816. Agradece o oferecimento que fazem os
negociantes desta praça, de formarem um capital, cujo rendimento seja perpetuamente aplicado a
estabelecimentos que promovam a instrução nacional. In: Coleção das decisões de Governo de 1816. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1890. p. 3.
112
Brasil. Decisão de Governo. N.6. Reino. Em 5 de março de 1816. Manda fazer no Banco do Brasil um registro dos
subscritores para a fundação do estabelecimento que promova a instrução pública. In: Op. Cit. P. 5.
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que nos esforcemos para entender os temas oriundos do campo filosófico.Um primeiro
exemplo do que estou dizendo, seria um embate teórico que travei com um colega de
profissão. Estávamos como que colocados de lados diferentes de uma trincheira, guerreando
com palavras e posicionamentos teóricos. Eu assumia o papel (talvez fictício?!) de um
historiador pós-moderno e ele o de um pesquisador moderno. À medida que tentávamos
avançar na discussão, o debate se tornava complexo e desgastante. Até que paramos para nos
perguntar sobre o que pensávamos ser a modernidade e a pós-modernidade. Quando
começamos a definir ou expressar o que compreendíamos dos termos, ficamos surpresos ao
vermos que defendíamos os mesmos valores e conceitos. O que aconteceu foi que tínhamos
apenas conceitos distintos do que seria modernidade e pós-modernidade. Eu pensava a pós-
modernidade como um estágio crítico da modernidade, mas que não a renegava em absoluto.
Ele pensava que a pós-modernidade deveria ser algo como uma apologia dos anti-valores da
modernidade.Um segundo exemplo da confusão no campo historiográfico que tem como
origem mal-entendidos filosóficos, penso serem as ácidas críticas que alguns historiadores113
têm feito a pensadores como H. White. Ele tem sido acusado de afirmar que o trabalho
historiográfico só pode ser pensado na atualidade como uma simples e mera redução à sua
dimensão narrativa. O próprio autor já se defendeu desta posição114 em um artigo, mas parece
que seus “acusadores” não querem ouvi-lo. Creio que o conflito deve ser compreendido como
sendo de natureza eminentemente filosófica. H. White pensa e escreve como um autor que
leva em consideração o debate filosófico denominado de virada lingüístico-pragmática, mas
seus opositores o criticam a partir de um ponto de vista pré-virada lingüístico-pragmática. Um
verdadeiro diálogo de mudos e surdos... Um terceiro e último exemplo poderia ser tirado da
interpretação da obra de Michel Foucault. Em minha opinião, dois dos melhores comentadores
de sua obra são P. Rabinow e R. Dreyfus. O titulo do livro que escreveram sobre o filósofo
francês é revelador: Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e
da hermenêutica. A tese central do livro é a de que o pensamento de Foucault se caracteriza
como uma terceira via entre as duas escolas filosóficas mais em evidência nos anos 1960 e
1970, a estruturalista e a hermenêutica. F. Dosse115 é insistente em afirmar que, embora
Foucault tenha negado que em algum momento tenha sido um estruturalista, alguns de seus
trabalhos dos anos 1960 foram produzidos sob influência do estruturalismo. Creio que algo
parecido se poderia dizer sobre a filosofia hermenêutica. Foucault edificou seu discurso teórico
através de uma relação polêmica com a filosofia hermenêutica porque pensava que esta só
poderia ser uma forma de filosofia do sujeito (algo que ele combateu veementemente nos
seus livros e artigos). Apesar disso, quando lemos os seus cursos dados no Collège de France 116
entre os anos 1970 e 1980, podemos visualizar o seu brilhante trabalho de leitura e
interpretação de uma farta documentação. Foucault “anti-hermeneuta” fazendo
hermenêutica? Talvez! Para afirmar isso, eu precisaria explicar o que entendo por
hermenêutica e interpretação para, depois, procurar desfazer mais um mal-entendido.Como
se pode notar, os exemplos que explorei se referem a três conceitos ou conjuntos de conceitos
113
Um exemplo é o texto do historiador brasileiro: CARDOSO, C. F. No limiar do século XXI. Tempo, Rio de Janeiro,
vol.1, n. 2, 1996, p. 7-30.
114
Ver WHITE, H. Teoria literária e escrita da história. Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1991, p. 21-48.
115
Ver o ensaio do autor sobre Foucault em: DOSSE, F. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao
resgate do sentido. São Paulo: Unesp, 2001.
116
Alguns desses cursos já foram traduzidos para o português: FOUCAULT, M. O poder psiquiátrico: curso dado no
Collège de France (1973-1974). São Paulo: Martins Fontes, 2006. Id. Os anormais: curso no Collège de France (1974-
1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002. Id. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 2005. Id. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São
Paulo: Martins Fontes, 2008. Id. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São
Paulo: Martins Fontes, 2008. Id. A hermenêutica do sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
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Como fazer história quando não se tem mais confiança na linguagem? Os historiadores
sempre souberam que as palavras eram para eles fonte de problemas ou pelo menos sempre
houve entre eles quem advertisse que a continuidade das palavras devia ser rompida pela
identificação das palavras historicamente específicas que lhes definem o sentido. Mas a
reviravolta linguística na historiografia do pós-guerra foi muito mais que o risco mortal do
anacronismo (PESANTE, 1997, p.151). Muitas pessoas acreditam que a preocupação dos
historiadores com as palavras é algo recente. Grande engano. Já temos no manual de Langlois
e Segnobos ,escrito no final do século XIX ,uma crítica aqueles que liam os textos acreditando
encontrar neles informações diretas .No entanto ,embora esta preocupação seja antiga, os
historiadores continuaram a centrar sua atenção nos conteúdos dos textos aquilo sobre o que
falavam. A forma com que o texto se estruturava internamente, sua dimensão discursiva ,não
eram vistas como pertinentes a uma análise em história.Nos anos 60 vemos o postulado acima
ser abalado, devido principalmente ao encontro da história com a Linguística, um movimento
que se convencionou chamar Linguistic Turn. Com a reviravolta linguística na historiografia ou
o chamado Linguistic Turn as palavras passaram ser concebidas não como instrumentos
neutros, como meio transparente da nossa relação com o mundo, mas como múltiplo de
manipulação e de interpretação desse mundo, como universo de possibilidades linguísticas dos
quais é impossível fugir. Nesse contexto, a tensão que se instaura ao historiador não é mais
aquela entre significado e significante, mas sim uma outra bem mais difícil de apreender entre
sentido e experiência entre procedimentos linguísticos pelos quais os homens atribuem
sentido à experiência que vivem e os processos extralinguísticos nos quais agem e sofrem.É
certo que a reviravolta linguística não foi aceita entre os historiadores sem cisões. A grande
divisão entre os que se voltaram para a linguística se deu entre aqueles que tentaram definir a
tensão entre o sentido e experiência, e aqueles que, ao contrário, escolheram decompor o
mundo conhecível na linguagem. Haiden White, autor de Metahistory é talvez o grande
exemplo nessa segunda direção.Dessa forma a questão que atinge muitos historiadores é: se
um texto elabora uma nova visão da sociedade, e, portanto, não reproduz um alhures situado
fora dele mesmo, isso não equivale na realidade à impossibilidade de articulação do texto com
situações extralinguísticas? Para Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, considerar o
conteúdo histórico de um texto dependente de sua forma, não implica reduzir a história ao
texto, ou negar haver história fora do discurso. Pelo contrário, trata-se de buscar as relações
entre ideias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de
determinações intratextuais que presidem a produção e manutenção dos discursos.
(CARDOSO; VAINFAS, 1977).Por outro lado, negar a redutibilidade da história ao discurso, não
significa dizer que haja uma história independente do texto. A história é sempre texto, ou
melhor, discurso, e é somente através da análise dos discursos que exprimem ou contém a
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história poderá o historiador realizar o seu trabalho. (CARDOSO; VAINFAS, 1977).Em outras
palavras, existindo a convicção da não transparência da linguagem, de que o sentido de um
texto não é atingível pela sua simples leitura, a questão central em torno da qual se debruçam
muitos historiadores é o da relação entre linguagem, história, mundo.
Em meio a essas constatações indagações desenvolvi um projeto de pesquisa, que tem como
objetivo verificar como este debate acerca da difícil relação historiador, linguagem, mundo,
esteve presente na historiografia brasileira nos últimos 40 anos. Com isso pretendo analisar
como os historiadores brasileiros receberam o Linguist Turn, observar os desdobramentos e
reconhecer as repercussões da virada linguística na historiografia brasileira.
117
FERREIRA, Antonio Celso. A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla; LUCA, Tânia (orgs.). O historiador e suas fontes. São
Paulo: contexto, 2009. p. 63.
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Os escritos a seguir tem como proposito estabelecer uma relação entre Raul Seixas e a
CONTRACULTURA, porém, inicialmente procura-se estabelecer uma descrição a respeito da
118
Ibid, p. 63.
119
Ibid, p. 63.
120
CAMILOTTI, Virgínia; NAXARA, Márcia Regina C. História e Literatura: fontes literárias na produção historiográfica
recente no Brasil. In: História: Questões e Debates – Revista do programa de pós graduação em história UFPR, N. 50.
Curitiba, jan./jun. 2009. Disponível em: <www.poshistoria.ufpr.br/revista.htm> Acesso em: outubro, 2010. p. 20.
121
Ibid, p. 40.
122
Ibid, p. 44.
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pessoa Raul Seixas. Ele, conforme o livro RAUL SEIXAS: E O SONHO DA SOCIEDADE
ALTERNATIVA de Luciane Alves123, teve sua curiosidade despertada para o tema do ocultismo
levando-a a estudar a relação entre Crowley e Raulzito. Raul nasceu no ano de 1945, dia 28 de
junho, filho de dona Maria Eugenia e do engenheiro Raul Varela Seixas e cujo avô também se
chamava Raul124. Raulzito foi criado nos moldes de uma família de classe média baiana, e
desde pequeno já questiona sobre aspectos variados da vida, como por exemplo, a dificuldade
que Raul tinha em se encaixar na sociedade também com relação à instituição educadora, já
que este detestava escola preferia ficar trancado em seu quarto com suas poesias. Isto é
notório também pelo fato de que aprendeu inglês com o Rock’n Roll de Elvis que era o seu
ídolo maior, de quem Raulzito montou o primeiro Fã Club do Brasil, e o teve como seu mestre
não só musicalmente falando, mas no que ele chamava de Atitude do Rock, que por si só já era
transgressora, o que por si só é característica básica dessa grande recusa que pela qual se
caracterizou segundo teóricos, a contracultura, e isso terá como veremos a frente influências
inclusive, de diversos pensamentos de cunho místicos, espiritualistas que mostram diferentes
aos olhos de diferentes autores como Vitor Cei e Luiz de Lima Boscatto.Para tal parte-se de um
reflexão sobre o paralelo feito por Luiz de Lima Boscato cria entre Raul e os movimentos de
rebelião sociais juvenis, colocando-o como um arauto destes, traçando pontos convergentes
entre os ideais da Lei de Thelema e suas ações. Estabelecendo também um pensamento e um
paralelo da relação que Vitor Cei estabelece, entre as mudanças das eras Astrais e a sua
influencia no pensamentos daqueles que questionariam as ordens estaticas estabelecidas pelo
discurso tecnocrático da sociedade, este que abrange toda uma gama, sendo representado
principalmente pelos ditos tecnicos especialistas, que aprovam e comprovam tudo o que é
conveniente a esse discurso da Tecnocracia, para isso ele compara o novo e o velho Aeon.
Caracterizando o perfil da formação praticamente autoditada que vem desde sua infância
passando por uma adolescencia desajustada e os pensamentos de um adulto que através de
suas letras procurava transmitir a mensagem do faça o que tu queres a de ser tudo da lei,
principio da Lei de Thelema que o acompanhou até o fim da vida.Logo não se trabalha com a
pessoa Raul, nem o ente, ator, compositor ou produtor musical, mas sim se reflete a despeito
do que tanto Vitor Cei quanto Luiz de Lima Boscato, procuraram estabelecer dessa desconexa
relação entre Raul Seixas e Contracultura, demonstrando também, que há várias formas de
interpretações, e algumas delas serão apresentadas ao longo destes escritos.E como fazendo
tal paralelo entre os dois textos tanto o de Vitor Cei quanto o de Luiz de Lima Boscatto, o
presente trabalho não tem como presunção estabelecer nenhum tipo de verdade ou
inverdade, posto que o propósito deste fosse demonstrar duas das várias interpretações
possíveis da relação que pode ou não ter havido entre Raul Seixas e a contracultura, e isso
parte de um recorte que o próprio texto já se assume como arbitrário e até mesmo
anacrônico, pois as relações são feitas sem acesso a fonte primária, mas apenas por leituras,
depoimentos, entrevistas, e músicas.
Gabriel Giannattasio
Doutor – Universidade Estadual de Londrina
Para chegar a um ponto de vista acerca da alegria peculiar que emana de meu objeto de
pesquisa, trago um diálogo com um interlocutor, que se harmoniza em diversos aspectos com
o meu protagonista: “[...] ele é, em primeiro lugar e sobretudo, um músico filósofo, músico
levado à meditação filosófica por uma reflexão incessante sobre a natureza do júbilo musical.
[...]” (2000, pg. 46). A citação bem poderia estar presente em uma das biografias de Raul
Seixas, compositor da “obra de si” que é objeto desta pesquisa. Mas, no entanto, a referência
de Clement Rosset, presente no Livro “Alegria Força Maior”, diz respeito ao pensador alemão
Friedrich Nietzsche. O músico brasileiro Raul Seixas, muito ligado às grandes questões
filosóficas da humanidade, a exemplo de Nietzsche, encontra na música a principal chave para
a alegria. A alegria aqui é tratada como força fundamental no processo criativo, e na própria
valorização da vida como bem maior do ser humano. Se a grande força motriz da filosofia
musical de Nietzsche foi a afirmação da Alegria em meio às dores de uma existência trágica,
não seria exagerado dizer o mesmo da música filosófica de Raul Seixas. “Sempre avante no
nada infinito” segue nosso herói trágico, armado com sua guitarra em punho, de onde
propaga, junto com sua voz, o seu Rock n’ Roll trágico da alegria e do privilégio existencial,
mesmo quando sente-se em meio ao “nada”.Entendendo a construção da vida e obra do
músico como a construção de uma grande obra de arte produzida a partir de si próprio. Aqui
percebemos os movimentos do herói trágico alegre, que em meio às contradições e mesmo
em meio a dor, não perde a força transformadora da alegria. “[...] só há verdadeira alegria se
ela é ao mesmo tempo contrariada e se está em contradição com ela mesma: a alegria é
paradoxal ou não é alegria. [...]” (ROSSET, 2000, pg. 25). Desde o seu primeiro álbum solo,
encontramos a afirmação dos elementos de contradição que marcarão toda a sua obra: “eu
vou desdizer, aquilo tudo que eu lhe disse antes, eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante..” (Krig-ha-bandolo, 1973).Nessa construção de si, encontramos um Raul que se
apropria do ritmo alucinante do “iê-iê-iê”, tão bem sucedido na década de 60, para falar da
“realidade”, negando assim, o romantismo do sucesso rítmico que contagiava o Brasil no início
de sua carreira. Em 1977, quando o gênero já não fazia mais o mesmo sucesso de outrora, ele
diz: “eu quero mesmo é cantar iê-iê-iê, eu quero mesmo é gostar de você. Eu quero mesmo é
falar de amor, eu quero mesmo é rimar amor com dor...”. (O dia em que a terra parou). É
notável, que mesmo ao se render ao que antes ele chamava de “iê-iê-iê romântico”, esse
romantismo, não é ingênuo e idealista como aquele da jovem guarda. Aqui ele rima o amor
com a dor. O amor que é o sentimento que ao se exceder produz uma alegria vital no ser
humano, traz de carona em si os postulados da dor.O herói alegre que tal qual o Zaratustra de
Nietzsche conversa com o sol ao amanhecer, no disco “Raul Seixas”, se depara também com os
abismos dionisíacos do absurdo, responde ao pessimismo tentador do “espírito de gravidade”
com o riso eufórico: “E eu guardo cada pedacinho de mim Pra mim mesmo / Rindo louco,
louco de euforia... Eu e o coração, companheiros de absurdos no noturno no soturno. No
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entanto, entretanto e portanto... Bom dia Sol” (1983). Zaratustra, que começa sua jornada
trágica falando ao sol, afirma de forma semelhante sua alegria: “E, quando vi o meu Diabo,
achei-o sério, metódico, profundo, solene: era o espírito de gravidade - a causa pela qual todas
as coisas caem. Não é com a Ira que se mata, mas com o riso. Eia, pois, vamos matar o espírito
de gravidade!” (NIETZSCHE, 1998, pg. 67)No mesmo disco, que leva o nome do nosso
protagonista, ele diz: “E aquela coisa que eu sempre tanto procurei, é o verdadeiro sentido da
vida: Abandonar o que aprendi - parar de sofrer. Viver é ser feliz e nada mais...”. Aí está o
objetivo simples e direto do homem alegre. Utilizar o “egoísmo sadio” em direção a si mesmo,
afim de chegar na felicidade, e nada mais.
“Eu tenho uma viola, que canta assim... Minha dor ela consola [...].” A música sertaneja no
repertório do roqueiro, que busca o consolo da dor com a música, culmina na alegria que evita
o choro: “Canta a minha alegria, canta para eu não chorar. Entrarei no céu contigo, quando
minha hora chegar.” (Abre-te Sesamo, 1980). O herói trágico não nega a dor e o sofrimento,
antes usa todas estas forças (que causam aos niilistas a mais profunda tristeza) como objeto de
afirmação jubilosa de sua alegria.
Referências:
Discos de Raul Seixas citados:
Essa é a história de uma moça que aos doze anos conheceu a crueldade dos homens, a
hipocrisia humana e a realidade de um século corrompido, o século XVIII. Educada em um dos
melhores conventos de Paris, acostumada aos bons livros, bons conselhos e bons mestres, viu
seus dias de serenidade se desfazerem diante de seus grandes olhos azuis, pois “tudo lhe
faltou num único dia.” Seu autor, Donatien Alphonse François de Sade, conhecido como o
Marquês de Sade, escreve este misterioso romance em apenas quinze dias do ano de 1787,
sendo ele, “Os infortúnios da virtude” seu livro mais lido. Apesar de seus nobres e cândidos
traços, Justine é acusada e condenada por uma série de crimes que afirma não ter cometido,
mas, que seu excesso de virtude provocou. Passado quinze anos de desventuras e desgraças,
ela é levada à Paris para receber a confirmação de sua sentença de execução. É neste instante
que a delicadeza de seu feitio chamam atenção da Sra. de Lorsange125, que pede aos guardas
um dia com a moça para ouvir de seus próprios lábios os infortúnios que lhe trouxeram até ali.
125
Lorsange é o sobrenome que Juliette recebeu após seu casamento. Juliette é a irmã mais velha de Justine, sendo
que ambas se separam após terem sido expulsas do convento. Juliette ao contrário de Justine leva uma vida
desregrada, construindo carreira sob o vício, e ganhando com seus crimes apenas prosperidades. As duas irmãs
passam o desenrolar do romance sem saberem seu parentesco, e a descoberta da fraternidade só será revelada ao
fim do romance.
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E a partir desta conversa, a personagem Justine narra sua história, descrevendo ao longo do
romance todas as atrocidades e desgostos que lhe aconteceram, a história de uma
desventurada moça que apesar de ser continuamente violentada, humilhada e ultrajada,
continuou virtuosa, com uma fé inabalável e sempre surpreendida pela maldade humana.
Mas, como todos que contam uma história, Justine é também uma ficcionista, ela tinha
seu segredo, gozava ao ser ultrajada. E apesar dos demasiados detalhes das noites ditas
involuntárias de Justine, ao longo do romance, nunca podemos perceber o que ela está
experimentando, o que está sentindo. De Justine, só podemos construir nossas próprias
suspeitas.Tomando, contemporaneamente, a história como uma metaficção historiográfica,
caminhamos nos limites da história com a ficção, entendendo que em seu processo de
fabricação, a história deve respeitar as contradições humanas, bem como o papel ativo do
leitor na produção de sentidos, e ter a consciência de que ela mesma, só pode ser acessível por
meio da linguagem. E justamente por esta característica, que lhe é imanente, a de ser
meramente um discurso, é que devemos incluir a crítica literária no horizonte de teorias
fundamentais para a construção da história. A partir disso, pretendemos problematizar
Justine, seu contexto, seus ditos, seus interditos, a máscara a qual ela se transforma para seu
autor, procurando trazer as discussões da Crítica literária para nossa pesquisa. Buscaremos,
portanto, compreender um pouco do papel da literatura na vida de Sade, e no caso de “Os
infortúnios da virtude”, porque, entre tantos estilos literários, Sade nos leva a ler Justine como
um conto de fadas, onde o final é sempre previsível, onde o bem sempre vence, onde a
heroína sempre alcança o final feliz, mas, só que ao contrário. Quais são as ferramentas que
Sade usa para esconder, mas sem nos proibir de suspeitar do segredo de Justine? Afinal, como
bem observa Saussure, a “linguagem molda imagens da realidade, mas não se refere a essa”.
De forma que a confissão de Justine, bem como toda e qualquer narrativa, vem a ser uma
construção linguística, e se tudo na linguagem é tropo retórico, o que podemos tentar
construir, segundo lições nietzscheanas, é uma história esteticamente construída. Pois, afinal
de contas, como concluem Hayden White, Derrida, Foucault, entre outros grandes pensadores,
a linguagem não se refere a algo externo, mas somente a si mesma, tornando o historiador um
prisioneiro do mundo ao qual ele mesmo construiu, do qual ele se pensa, pensamentos estes
estabelecidos a partir de categorias de linguagem nas quais ele opera. Portanto, nada mais
proveitoso, e deleitável, que mergulhar na narratividade da própria Justine, ouvir sua fala
queixosa, tornar-se sua cúmplice.
Uma delação silenciada: memórias “esquecidas” acerca da atuação do “capitão Carlos” nos
conflitos pela terra nos arredores de Porecatu(1940-2011)
Este trabalho tem como objetivo analisar algumas entrevistas de pessoas que
participaram de corpo presente dos conflitos pela terra que ocorreram entre finais de 1940 e
início de 1950 no Norte do Paraná, de forma mais específica na região onde hoje se
concentram as cidades de Porecatu, Jaguapitã, Guaraci, Miraselva, Florestópolis, Alvorada do
Sul, Centenário do Sul, Lupionópolis e Cafeara, um território de aproximadamente 120 mil
hectares de terras. Em tais entrevistas, realizadas após trinta anos do final do conflito, é nítido
perceber o ódio, a amargura, a revolta contra, segundo tais entrevistados, a delação
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empreendida por Celso Cabral de Mello, mais conhecido na região como “capitão Carlos”, que
teria vindo a mando do PCB (Partido Comunista Brasileiro) com um único propósito: auxiliar os
posseiros na defesa de terras que consideravam suas e que, devido a constantes invasões por
parte de grileiros, jagunços e fazendeiros, optam por empunhar armas no intuito de assegurar
o direito a tais posses. O período em que ocorreram tais acontecimentos, entre as décadas de
1940 e 1950, o Norte do Estado do Paraná era uma localidade inóspita, praticamente
inexplorada econômica e demograficamente. Como incentivo à ocupação de territórios
semelhantes a este espalhados pelo Brasil afora, o governo de varguista lança uma proposta
política que ficou nacionalmente conhecida como Marcha para o Oeste que, resumidamente,
baseava-se na seguinte perspectiva: quem tivesse o interesse em ocupar tais espaços
territoriais teria como obrigação derrubar a mata, plantar e produzir por um período de seis
anos. Como garantia, receberiam um comprovante provisório garantindo que, após o término
deste período, seria repassado o título em definitivo de tais posses, desde que comprovassem
o pagamento dos respectivos tributos acerca destas. Muitas foram às famílias que, oriundas de
diversas localidades do Brasil, chegaram à região acreditando em tais promessas. Porém,
o que estas famílias não esperavam era que outras pessoas também acabaram se interessando
por tais terras, principalmente fazendeiros compadrios políticos de Moisés Lupion, governador
eleito do Paraná para assumir o posto deixado pelo interventor Manoel Ribas, deposto após o
fim da ditadura do Estado Novo. Tal situação acabou dando início a intensos confrontos entre
posseiros e jagunços contratados para expulsar estas famílias de suas posses. É neste
momento que o PCB aproxima-se destas famílias de posseantes com o intuito de auxiliá-los na
defesa de suas terras. E, para isso, o Partidão envia a região Celso Cabral de Mello, dirigente
comunista que chega com o intuito de treinar estas pessoas e arquitetar estratégias de
resistência. Passados alguns meses da chegada desta figura, o mesmo é preso pelas
autoridades competentes e, ao ser interrogado, acaba por delatar planos, estratégias de lutas,
a quantidade armamentista utilizada pelos posseiros e suas principais lideranças. Após
empreender tal depoimento, Celso conseguiu fugir e, até os dias de hoje, pouco se sabe acerca
de seu paradeiro.Após o final de tais embates, isso no início de 1950, podemos perceber um
silenciamento tanto por parte de órgãos governamentais quanto por parte do próprio PCB. E,
em relação as pessoas que lutaram por seus direitos, não lhes foram disponibilizados nenhum
canal de comunicação para que pudessem narrar sobre o que vivenciaram. Somente em finais
de 1970 e início de 1980 é que começam a ser publicados alguns trabalhos abordando tais
acontecimentos. Em meados dos anos de 1980, o jornal Folha de Londrina, através do repórter
Pedro Paulo Felismino, realiza uma série de entrevistas com pessoas que teriam participado
ativamente de tais embates. Ao serem questionados sobre a participação do PCB e a atuação
de Celso Cabral de Mello podemos constatar que, com o longo período de aproximadamente
trinta anos em que ficaram impossibilitados de falar acerca do que vivenciaram, suas
lembranças foram sendo alimentadas com pesadas cargas de rancor, mágoas profundas, um
ódio latente, uma completa aversão que não se restringe aquele que, para tais entrevistados,
traiu todo um movimento de resistência, mas também contra o próprio PCB que, revestidos de
uma pseudo aura de heroísmo, opta por fazer vistas grossas em relação a sua direta
participação nos confrontos pela terra que eclodiram no Norte do Paraná.
Marcus Telles
Mestrando em História Social – PPGHIS/IH/UFRJ, orientado por Felipe Charbel Teixeira
Bolsista da CAPES
envolvem a historiografia atual naquilo que o historiador e filósofo francês Michel de Certeau
chamou de “operação historiográfica”. Nascido no Egito e naturalizado canadense, Egoyan
filmou um aspecto capital de sua história pessoal em meio à história coletiva dos seus
ancestrais: imergindo na memória do evento conhecido como “genocídio armênio”, o cineasta
colocou em cena o massacre de milhares pessoas cometido pelo exército turco em 1915.
Apesar de ser um acontecimento quase centenário, este é o primeiro filme a retratar esta
tragédia ocorrida no então Império Otomano. E esta é uma das questões que fazem parte
daquilo que Egoyan chama “Armenian issue”, ou seja, a negação do massacre como sendo um
genocídio. Assim, não bastaria apenas contar o que aconteceu, mas enfrentar a “mecânica da
negação”, isto é, o arsenal de livros e artigos do ponto de vista turco e a surdez da opinião
pública geral. É nesse sentido que “Ararat”, segundo o cineasta, é uma história de
“transmissão do trauma”. Nesse sentido, o filme faz parte daquilo que os pesquisadores
identificaram como a “memória dolorosa”, um tipo ou qualidade de memória de diferentes
grupos sociais que reclamam a dor e o sofrimento das tragédias vividas no violento século XX.
Egoyan classifica o próprio filme como sendo um film-within-the-film, ou seja, um “filme-
dentro-do-filme”: “Ararat” conta a história do diretor Sorayan e seus conflitos na filmagem do
genocídio, embora o enredo obedeça a tradição épica do filme histórico. No discurso
metalingüístico proposto pela obra, diferentes narrativas relacionam-se, como a pesquisa de
uma professora universitária sobre o universo artístico de um pintor armênio, que por sua vez
tem a história contada no filme; as razões pessoais do diretor e os conflitos de um ator que
tem origem turca. É assim que o filme de Egoyan aponta para as questões historiográficas
atuais que, segundo Certeau, implicam na percepção sobre o lugar – social, econômico,
cultural - de onde o historiador produz o seu discurso, as técnicas e procedimentos de análise
dos acontecimentos e a formulação de um texto, de uma escrita que singulariza sua prática
enquanto cientista social. É a combinação dessas instâncias e a consciência dessa operação
que pode fazer a história voltar-se para uma reflexão metodológica e epistemológica,
ponderando o valor do seu saber e a forma com que ele constrói o mundo. Assim, na
contemporaneidade, a historiografia pode se ver de dentro, history-within-the-history,
compreender a partir de si as formas que organizam e legitimam seu saber, sem necessidade
de subterfúgios ideológicos ou científicos para pensar suas categorias de elaboração da
realidade. Ao leitor, assim como ao espectador, pode ficar explícito os mecanismos, as formas
e as limitações da escrita do historiador, deixando-a livre de mistérios metodológicos e
conceitos inexplicáveis na abordagem dos fatos. Como diz Egoyan, a verdade histórica de nada
adianta se não houver alguém para escutá-la. Além disso, na elaboração da memória
contemporânea, o historiador não é o ator principal que joga com o passado. Jornalistas,
legisladores, juristas, publicitários, políticos, cineastas, porta-vozes de grupos sociais variados,
testemunhas e vítimas protagonizam a formação das narrativas da memória, que por sua vez
não tem apenas nos livros e monumentos seu lugar privilegiado; hoje o palco das lembranças
pessoais e coletivas são também os periódicos, as tribunas, os parlamentos, a tela de cinema,
os sítios da internet. Pressionados por um “dever de memória”, historiadores reagiram de
modo extremo, ora reafirmando suas desconfianças em relação à capacidade da memória em
assegurar a verdade, relembrando sua dimensão subjetiva, ideológica e impressionista, ora
tomando-a como objeto mesmo de investigação histórica, resultando em conhecidas
expressões, como os “lugares de memória”, elaborado pelo francês Pierre Nora (1993) nos
anos 1970.
naquela sociedade francesa do século XVIII e início do XIX, sua representação, interpretação,
isto é, suas leituras e leitores.
Em 1911, chegam ao Brasil dois missionários suecos, Gunnar Vingren e Daniel Berg, que
viveram alguns anos nos Estados Unidos da América em busca de melhores condições de vida
frente a depressão econômica que havia atingido o país da Escandinávia. Durante os anos no
país situado ao norte do continente americano tiveram contato com os movimentos de
avivamento que atingiram várias regiões, de Los Angeles à Chicago. Impulsionados pelo
“chamado divino” e pela experiência com o batismo no Espírito Santo decidiram propagar tal
mensagem. Este “ chamado divino” orientou os missionários a partirem rumo á um lugar
chamado Pará, que posteriormente, através de um mapa, foi localizado no país tupiniquim,
sobre o qual tinham poucas informações. Chegaram ao Brasil, em Belém do Pará, com o intuito
de anunciar a mensagem pentecostal e o batismo no Espírito Santo. Após uma dissidência na
Igreja Batista de Belém, justamente por conta de sua nova mensagem de fé, que para outras
denominações era considerado uma heresia, Gunnar Vingren e Daniel Berg deram
continuidade ao projeto missionário e fundaram a Missão de Fé Apostólica no Brasil, que mais
tarde, especificamente em 1918, tornar-se-ia a Assembléia de Deus do Brasil. Este movimento
cresceu vertiginosamente em relação aos padrões de crescimento das igrejas protestantes ou
evangélicas no início do século XX. Católicos e Protestantes históricos acompanhavam
impressionados as perspectivas e avanços deste movimento. O número de fiéis aumentava
consideravelmente, principalmente entre as classes consideradas subalternas ou
marginalizadas. A região Norte e Nordeste do Brasil foram os campos iniciais para a
propagação aleatória e “militante” desta mensagem. Entretanto, em 1930, uma Convenção
determinou os novos rumos para este movimento, novas perspectivas que se tornaram
fundamentas para a continuidade do crescimento. Além disso, esta Convenção apresentou-se
relevante quanto aos aspectos políticos, sociais e culturais que estavam inseridos nesta
denominação que iniciava a caminhada no campo religioso brasileiro. Dessa forma, com os
campos do Norte e Nordeste estabilizados, os obreiros brasileiros decidiram que estavam
capacitados para dirigem os “trabalhos” sem a presença dos missionários suecos. Contudo,
esta era, para os missionários suecos, uma impossibilidade, pois o movimento perderia força e
controle. Dessa forma, a Convenção de 1930, realizada em Natal, no estado do Rio Grande do
Norte, tornou-se um momento determinante na história da denominação. Nesta reunião foi
convocado Lewi Pethrus, pastor pentecostal sueco da Igreja Batista Filadéfia de Estocolmo,
grande liderança sobre os missionários que estavam no Brasil, com o intuito de mediar os
discursos e as alas de defesa tanto dos missionários suecos, quanto dos obreiros nativos. As
decisões tomadas nesta Convenção foram determinantes para o crescimento da denominação,
que se tornou a maior igreja protestante do Brasil na década de 1950. Entretanto, tal
ocorrência na década de 1930 expõe um tema que atingiria esta denominação durante toda a
sua “construção histórica” e que gerou como conseqüências diretas a formação da maior
denominação protestante no Brasil em números de membros e templos, mas esfacelada, sem
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unidade doutrinal e com muitas lideranças aspirando pelo poder. Atualmente, tal
denominação tem sofrido de cismas, conflitos e crises devido ao embate entre as lideranças
nordestinas que se estabeleceram em 1930 e a nova ala de pastores que questionam a
hierarquia coronelista assembleiana. Desse modo, torna-se fundamental analisar tal período,
buscando analisar os embates nesta Convenção e sua importância para o crescimento da
denominação no eixo Sudeste-Sul-Centro Oeste, para a manutenção da igreja até a década de
1990 e suas crises e conflitos no século XXI.
A utilização da História Oral como fonte Histórica, após seu ressurgimento com maior
intensidade, sofre a influência direta dos grupos sociais em seus relatos. Questiona-se a
possibilidade de uma memória estritamente individual, sendo que as influências externas
afetam o relato de forma até mesmo imperceptível. Pode-se não convencer, mas as memórias
individuais acabam se fundindo com as do meio, não reconhecendo uma lembrança em
especial. Discuti-se a visão de autores como Maurice Halbwachs, Maria I. Pereira de Queiroz e
Daniéle Voldman, em suas obras referentes à memória e história oral, utilizando-se também
da visão de Jacques Lê Goff e Roger Chartier, que relatam mais sobre o documento escrito, e o
aspecto emocional do depoimento, e procura-se estabelecer relações entre os autores citados.
Voltando os olhos para a questão emocional do depoimento, esse registro da experiência
vivida está diretamente ligado as emoções; quando ocorre a transmissão do fato é impossível
fazer o relato sem deixar, mesmo que inconscientemente, suas emoções influenciarem no
depoimento. Quando há referências de emoções pessoais, Maurice Halbwachs remete a
principal questão de sua obra``Memória coletiva´´: Se há a possibilidade de uma memória
estritamente individual. A afirmação de Maurice Halbwachs é de que a memória individual
existe à partir da memória coletiva e os grupos sociais, a qual a sociedade está inserida,
influenciam diretamente. Maria P. de Queiroz, afirma sobre a impossível tarefa de escapar das
influências exteriores. De forma mais metodológica``Usos e abusos da história oral´´, obra de
Daniéle Voldman com coordenação de Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado , quando
faz referência aos grupos sociais, remete a seleção das testemunhas, interrogando se a história
é a mesma com cada tipo de testemunha. O ideal de``eco´´, de Maurice Halbwachs, que é o
que se pode chamar de poder de persuasão de um grupo, consiste em ouvir as palavras e
eventos do grupo social e acreditar que são pessoais. Não se percebe essa influência, porque
não é interesse do grupo que seja percebida. Essa transmissão de idéias do grupo, como sendo
individuais, está presente no exemplo dos militantes. A legitimidade procurada pelo grupo tem
sua forma mais expressiva nos depoimentos de seus membros.Admitindo-se a idéia que de há
sempre uma mediação exterior expressando o individual, estaremos sempre num meio
coletivo. Logo, é conveniente, além de perguntar-se sobre a origem e natureza do documento,
atentar para os diferentes modos de construção do testemunho, algo que no presente artigo
não é o foco de estudo, logo não será aprofundado.Partindo do princípio da influência do
grupo social e do pensamento de Roger Chartier na obra `` Á beira da Falésia´´, o grupo social
em si merece uma atenção especial. Um Grupo social nunca é original, ele é resultado de
muitas interações e conflitos, interações estas que também estão presentes na obra de
Maurice Halbwachs. As manifestações não podem ser tidas particularmente elitistas ou
populares. Sendo toda relação uma relação de poder, todas as relações conseqüentemente
são de confronto. Percebe-se facilmente essas interações na sociedade em manifestações
concebidas como populares e mais tarde elitizadas, como o carnaval. De todas essas
interações, conflitos e confrontos mentais, vêm a dificuldade de trabalhar com mentalidades.
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Mais exercida do que teorizada, esta história das mentalidades ``à francesa´´ repousa sobre um
certo número de concepções mais ou menos comuns a seus práticos (CHARTIER, 1982:p 34).As
lembranças são resultado de pensamentos variados e justapostos, mesmo parecendo
estranho que as lembranças mais pessoais são resultados de uma fusão. Sendo assim, não
atribuí-se a nenhuma lembrança em especial, espera-se pelo acaso, pela causalidade, para que
as memórias apareçam e se sucedam na consciência individual.A exposição dos autores
citados permite concluir que a memória individual existe à partir da memória coletiva, como
relata Maurice Halbwachs. As influências do grupo social insere-se no círculo de memórias
deste grupo, e essas memórias são tão fortes que a percepção delas é de como uma memória
particular. O termo``círculo de memórias´´ exprime bem esta relação, pois além desta
transmissão interna do grupo, há a possibilidade de interações com outros grupos.
126
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.5. Ed. 34, São Paulo, 1997.
Pp.157,158.
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O presente trabalho procura averiguar a validade de uma história cultural da leitura no âmbito
de um grupo ainda pouco estudado pela história e que conserva uma tradição oral muito forte:
os faxinalenses. O intuito principal é compreender historicamente as práticas de leitura dos
moradores do Faxinal Marmeleiro de Cima, localizado na cidade de Rebouças-Paraná, e seu
papel social nas décadas de 1930 e 1940. Os faxinais, por serem ainda pouco estudados,
oferecem uma gama variada de possibilidades de pesquisa, pois a relação que seus habitantes
estabelecem com a natureza, com o mundo e com o sobrenatural dota esses grupamentos de
características muito peculiares e ao mesmo tempo intrigantes.A leitura é hoje tida como um
ato normal, corriqueiro, mas nem sempre foi assim. Em diferentes momentos e grupos sociais
ela assumiu variadas formas, atribuindo-se a ela maior ou menor importância de acordo com o
contexto vivido.127 “Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um
meio e de uma época”, isso significa que a apropriação que se faz dela varia de um grupo
humano para outro.128 As finalidades a que se destina seu aprendizado e os modos como este
ocorre também são os mais variados e podem revelar aspectos da cultura de um povo.Sabe-se
que a leitura não é algo inato ao homem, ou seja, não nasce com ele, não faz parte dele
naturalmente. Longe disso, requer todo um processo de aprendizado, pautado em técnicas e
estratégicas institucionalizadas. Este, em geral, ocorre no reduto escolar sendo, pois, a escola o
lugar da leitura por excelência. Mas e o que dizer do faxinal, onde não havia escolas até o final
da década de 1940? Supomos que por não haver a necessidade de seguir regras e métodos
impostos pelo governo, na localidade em questão o aprendizado da leitura se dava de modo
diferente e visava outros propósitos, que não os da escola formal naquele período histórico. “A
leitura se inscreve numa dada época e circunstância”129, porém, sabemos que nem sempre é
possível acessar os seus significados por meio da escrita, principalmente quando se trata de
uma comunidade que dá grande valor a tradição oral, e não cultiva o hábito de preservar os
documentos escritos. A deficiência de fontes escritas, no entanto, não significa um empecilho,
pois as narrativas sobre a leitura nos fornecem elementos fundamentais para
127
DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter, org. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:
Unesp, 1989, p.199-236
128
JOUVE, Vincent. A Leitura. Trad. Brigitte Hervor. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 22.
129
PANDINI. Carmen Maria Cipriani. Ler é antes de tudo compreender... uma sintese de percepçào e criação.
Disponível em <http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1242/1054>
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter, org. A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Unesp, 1989, p.199-236
JOUVE, Vincent. A Leitura. Trad. Brigitte Hervor. São Paulo: Editora UNESP, 2002
PANDINI. Carmen Maria Cipriani. Ler é antes de tudo compreender... uma sintese de
percepçào e criação. Disponível em
<http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1242/1054>
Escrevendo a História dos e nos Entremeios: Lugar e Espaço em Michel de Certeau e o Papel
Social do Historiador
aproveitam das ranhuras para escapar, minar ou torcer tal ordem. Este trabalho expõe a
hipótese segundo a qual podemos compreender a prática da escrita da história a partir de uma
comparação metafórica que aproxime a prática historiográfica das práticas espaciais a fim de
discutir o papel social contemporâneo do historiador. Tal proposição toma como referência
central a ideia de Certeau de que a história é produto de uma série de operações técnicas que
visam domesticar e colonizar a alteridade do passado para representá-la no texto. Para
construir a seguinte reflexão, tomarei a noção de “entremeio” (entredeux), usada
recorrentemente por Certeau para designar justamente o espaço de “fronteira”, no qual se vê
muito claramente se amalgamarem traços do Mesmo e do Outro, e, portanto, inversamente,
no qual as referências se encontram menos claramente definidas. Mostrarei que “escrever a
história do entremeio” e “escrever a história no entremeio” são proposições que permitem
problematizar a operação historiográfica, retomando e atualizando a discussão empreendida
por Certeau nos anos 70 do século XX. Em seguida, construirei o paralelo entre as práticas
historiográficas e as práticas espaciais tendo por base o “entremeio” para, finalmente,
reconhecer o potencial transformador do ofício historiográfico pela ótica do poder inventivo
do caminhante do cotidiano. Esta discussão tem por pano de fundo a emergência
contemporânea do que se chamou “história pública” (public history). Embora ainda sem
contornos muito claros no Brasil, essa tendência já vem sendo discutida abertamente nos
Estados Unidos e na França, principalmente, a fim de pensar tanto o posicionamento do
historiador em relação ao público (tanto como esfera política quanto como esfera econômica)
quanto as condições da escrita de uma história pública, de interesse público. Esse setor
emergente também fomenta ainda mais a discussão em torno das relações entre memória,
história e esquecimento, buscando soluções para o tratamento da história de momentos
históricos traumáticos, bem como o uso de novas mídias na construção, difusão e debate do
conhecimento histórico. Pensar o discurso historiográfico como discurso transformador
significaria então pensar uma dimensão ampliada da didática, para além das salas de aula e do
conteúdo acadêmico, no sentido da construção de uma dimensão que Foucault chamaria de
“postura crítica” com relação à nossa sociedade. Nesse sentido, encarar o historiador como
alguém que é capaz de questionar os fundamentos do presente de maneira histórica traz uma
dimensão pública importante aos debates a respeito do papel social de nossa profissão e sobre
nossas contribuições para a sociedade contemporânea.
Maria das Graças Alves de Jesus
possibilidades das praticas humanas em sua relação com os objetos.A pesquisa arqueológica
marcou seus primeiros trabalhos, dessa forma o estudo se dará a partir da análise inicial dos
livros escritos nos anos de 1960, para esse trabalho em especial vamos estudar principalmente
o livro intitulado; A Arqueologia do saber130. Esse livro foi escolhido por representar o último
trabalho na fase arqueológica, e por ser extremamente técnico quanto ao método, trata-se de
uma explicação sobre a pesquisa que vinha sendo feita nos anos de 1960. Dessa forma, nosso
estudo possibilitará uma compreensão de como se deu a prática do método de Foucault com o
saber historiográfico, além de compreendermos a relação com desse método com a história.
Além das análises sobre a arqueologia, consideramos também compreender, como se
relacionam os conceitos de continuidade e descontinuidade na temporalidade histórica, a
noção de série como contextualização histórica, e a idéia de ruptura demonstrando sempre
haver mudanças, transformações e singularidades nos acontecimentos da História, para isso
também deixaremos claro a noção de individualidade e rarefação dos acontecimentos. No livro
A Arqueologia do Saber, Foucault procura por explicar toda a rede conceitual que faz parte da
aplicação do método arqueológico, e isso implica em uma definição conceitual que passa pela
história, pela análise do discurso e pela filosofia. Conceitos como os de formação discursiva,
enunciado, regras de formação, positividade, descontinuidade e sujeito fazem parte desse
esclarecimento que nos ajuda a compreender o que foram as histórias arqueológicas, e o
próprio método arqueológico. Método este que de tão singular, por muitas vezes nem é
interpretado como um método, mas como um procedimento de pesquisa.Acontece que as
historias arqueológicas não possuem algo como uma essência ou uma prática operacional
homogênea que possa se traduzir sob a condição de uma unidade metodológica de pesquisa
que faça a verdade aparecer limpa e tranqüila, afinal para a arqueologia a história (textos e
documentos) não existe como um “dado” onde o historiador busca encontrar uma essência
onde estará a verdade. Quando pensamos na arqueologia foucaultiana em sua relação com a
prática historiográfica devemos já ter em mente que esta operação não é fixa, e que também
não procura estabelecer ou iluminar os acontecimentos com verdades oferecendo ao passado
uma realidade objetiva, que possa ser traduzida como uma narrativa.
As histórias arqueológicas são moveis, pois deslocam-se através dos discursos e pelas suas
camadas (formações discursivas), contornando os saberes e procurando descrever e
individualizar os enunciados discursivos encontrados supondo uma regularidade que os faz
funcionar o seu sentido de verdade. A arqueologia também não assume o caráter de uma
ciência, seu horizonte não é o de uma racionalidade histórica buscando encontrar a
inteligibilidade entre os acontecimentos.
Enfim, a arqueologia não procura descrever os discursos das disciplinas científicas em sua
relação com as verdades que estes discursos podem revelar, mas procura descrever seus
limiares, suas rupturas, seus limites e pontos de cruzamento, o que Foucault chama de um
“emaranhado de interpositividades”.
130
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007a.
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O artigo que pretendemos desenvolver possui como objetivo principal identificar e analisar
historicamente os discursos presentes nos documentos institucionais e nas narrativas
faxinalenses sobre a infestação de gafanhotos e a peste suína, bem como acessar os sistemas
de práticas e significações produzidas pelos faxinalenses em relação a estes dois eventos
ocorridos no final da década de 1940. Para isso, analisaremos os documentos produzidos pela
prefeitura municipal de Irati e pelo governo do Estado do Paraná que fazem referência à
infestação de gafanhotos e a peste suína, como mensagens, telegramas, relatórios e ofícios.
Também nos utilizaremos de entrevistas que já foram realizadas e tiveram como depoentes
pessoas que viveram ou ainda vivem nos faxinais de Irati, mais especificamente no Faxinal do
Rio do Couro e Faxinal dos Mellos, e que presenciaram a infestação de gafanhotos e a peste
suína. A coleta das entrevistas seguiu a metodologia da História Oral, sendo utilizados os
procedimentos já consagrados, como o termo de ciência e esclarecimento, a transcrição com
assinatura do depoente e o termo de autorização do uso das informações para uso
acadêmico.O Sistema Faxinal possui como característica principal o uso coletivo da terra na
criação de animais em regime de compáscuo. O faxinal é, regra geral, dividido em terras de
plantar, destinadas ao cultivo agrícola, que são delimitadas por uma cerca construída
coletivamente, e também em terras de criar, destinadas à criação de animais de várias
espécies. A agricultura faxinalense tradicional baseia-se na produção de gêneros alimentícios
como arroz, feijão, milho, batata, mandioca entre outros, que são destinados ao consumo das
famílias e também para a venda do excedente. Há também a criação extensiva de animais,
especialmente porcos, que faz parte da prática cultural dos faxinalenses. Na década de 1940,
mais especificamente em 1946, Irati-Pr teve suas plantações destruídas por nuvens de
gafanhotos. Nos anos seguintes, a peste suína assolou a criação de porcos no município. Nesse
período, a maioria das comunidades da área rural de Irati estavam organizadas no sistema de
faxinal, que possuía como característica principal a criação de animais - especialmente porcos -
e a prática da agricultura de subsistência.A infestação dos gafanhotos e a peste nos porcos
afetaram a base do sistema de faxinal e colocaram a prova não só seu funcionamento, como
também a permanência das pessoas no campo e ainda sua própria sobrevivência. Sem a
possibilidade de criar os porcos para o consumo, por conta da peste suína, sem a lavoura de
subsistência, esta atacada pelos gafanhotos, era de se esperar a ruína do faxinal. Um êxodo
para as cidades, uma migração em massa. Contudo, percebemos que ao invés disso, os
faxinalenses permaneceram no campo e produziram significados, explicações para esses
eventos. E mais ainda, percebemos que os discursos presentes nas narrativas faxinalenses
divergem dos discursos produzidos pelo governo do Estado do Paraná e pela prefeitura de Irati
no que tange a estes fatos.Os significados/interpretações que aparecem nas narrativas
faxinalenses apontam, quase sempre, para a religiosidade. Em algumas narrativas a infestação
de gafanhotos e a peste suína são interpretadas como castigo divino, sendo que os faxinalenses
se utilizaram de rituais para tentar combater esses “males”. Em relação aos gafanhotos, os
faxinalenses começaram a realizar rezas nas casas dos moradores da comunidade. Além disso,
algumas benzedeiras também faziam alguns rituais, na tentativa de expulsar os insetos dos
campos. Ao contrário das narrativas faxinalenses, os documentos institucionais encerram
narrativas calcadas em discursos científicos e higienistas que valorizam o controle, o registro, a
disciplina e as normas de saneamento. Com relação à peste suína os faxinalenses deveriam
seguir algumas normas como vacinar os porcos e não consumi-los. Já os gafanhotos, deveriam
ser combatidos com pesticidas e lança-chamas.Como podemos perceber, os eventos do final da
década de 1940 produziram, e ainda produzem, inúmeras narrativas. Podemos afirmar que há,
por um lado, uma narração institucional, da governança, e por outro, as narrativas das pessoas
que mais vivenciaram os eventos e seus efeitos, os faxinalenses. Identificar e analisar
historicamente esses discursos, tanto institucionais como dos faxinalenses, figura dentre
nossos objetivos.A nosso ver, nossa pesquisa contribuirá na compreensão histórica da cultura
faxinalense e na ampliação dos conhecimentos acerca desse modo de vida tradicional. Além
disso, permitirá uma maior visibilidade desses sujeitos, que por muito tempo foram
negligenciados pela historiografia.
A seguinte comunicação tem como proposta expor de que forma podemos trabalhar com os
pensadores franceses Pierre Bourdieu (1930 – 2002) e Michel Foucault (1926 – 1984) junto a
História Cultural. A História Cultural que nas palavras de Peter Burke não seria uma subárea da
história na qual a cultura surgiu no âmbito da anunciada crise dos paradigmas e esses autores
possuem um caráter fundamental para essa construção. Pierre Bourdie, sociólogo de ofício
teve um papel fundamental na elaboração de conceitos que sustentam as ideias dos objetos
trabalhados pela Historia Cultural. A sua obra teve a capacidade de ultrapassar limites
acadêmicos , realizando uma interdisciplinaridade com enorme grau de leveza , fundamentos e
grandes resultados. A história foi uma das ciências a se beneficiar com esses diálogos ,
principalmente no campo da história cultural. Uma das suas grandes obras a ter destaque
nessa afirmação é a de 1992 , As Regras da arte onde a literatura , a história e a sociologia
interagem de uma qual maneira que todos os conceitos elaborados, desenvolvidos e
executados por ele ficam claro para o historiador. Nesse livro , parafraseando Chatier ,
Bourdieu considera as lutas de representação, que levam ao estabelecimento de quem é digno
da categoria de artista, ou de um título, como no caso do título acadêmico. Assim , Bourdieu
dialoga com as novas analises a frente da literatura e principalmente junto as manifestações
culturais – interagindo com a obra de Michel de Certeau e o discurso/autor de Michel Foucault
. Ele também foi fundamental para a criação de conceitos que auxiliam os historiadores ao
trabalharem com a cultura. O conceito de campo e habitus são um dos mais desenvolvidos e
utilizados pelos historiadores que dão fundamentos para a utilização de outros teóricos como
Foucault ou Koselleck junto a suas pesquisas. O campo ganha destaque na obra de Bourdieu ,
principalmente ao se relacionar junto a ideia de “campo cultural”. Esse conceito começou a ser
trabalhado na obra de 1964 em colaboração com Jean-Claude Passeron , Les heretiers , onde
marca um grande contato com etnografia para fundamentá-lo.A seguinte comunicação tem
como objetivo principal destacar a importância de Pierre Bourdieu junto a história cultural e de
que formos podemos utilizar cada vez mais as suas ideias a fim de articularmos nossas
pesquisas. De outro modo, Michel Foucault Se observarmos detidamente o comentário de
Peter Burke, as formulações críticas de Michel Foucault sobre a história iam de encontro aos
pressupostos fundamentais da História tradicional. Encontramos nele um demorar-se sobre o
documentado, o efetivamente dito e o efetivamente feito; um cuidado meticuloso com a
historicidade das palavras e das coisas, das práticas e dos discursos, dos objetos e dos sujeitos.
Ao mesmo tempo, trata-se de um pensamento extremamente comprometido com a
renovação da prática historiográfica a partir de uma crítica radical da própria razão histórica.
Uma análise da imagem de Rei e da Nobreza a partir dos escritos do Conde Pedro Afonso de
Barcelos
Este trabalho tem como objetivo apresentar resultados de uma problemática que pesquisa
elementos identificadores da construção de uma imagem ideal de rei e de nobreza, levantada
a partir de duas obras atribuídas ao Conde Pedro de Barcelos, filho bastardo do rei Dinis de
Portugal: o Livro de Linhagens de 1340, e seus modelos de atuação, e a Crônica Geral de
Espanha de 1344. As duas obras em questão, ligadas ao passado da Península Ibérica, trazem
elementos que visam apresentar uma determinada ordem do mundo: a ideia de
“hispanidade”, ou seja, de uma unidade histórica e cultural, dentro da Península Ibérica. Essa
problemática tem sido trabalhada desde a monografia de conclusão do curso de História, onde
foi analisado o Livro de Linhagens, escrito em 1340. A partir desse primeiro estudo foram
suscitados novos questionamentos que levaram à elaboração da dissertação de mestrado,
defendida em 2004, intitulada “Por meter amor e amizade entre os nobres fidalgos da
Espanha. O Livro de Linhagens do Conde Pedro Afonso no contexto tardo-medieval português.”
Na dissertação foi analisada a construção de uma imagem ideal de Rei e de Nobreza a partir
dos trechos de narrativas históricas presentes na obra. Embora curtas, aparecem em grande
quantidade ao longo do texto, tendo sido analisados cerca de quarenta e cinco trechos, ligados
a tradições familiares. Dentre eles encontram-se anedotas, trechos que põe em relevo valores
da vassalidade e outros que se aproximam bastante do gênero histórico presente nas Crônicas.
A partir desta análise veio o interesse em continuar a pesquisa, ingressando assim no
doutorado analisando outra obra do mesmo autor a Crônica Geral de Espanha de 1344. Trata-
se de uma obra com outras características, um novo universo a ser desvelado. A presente
proposta visa apresentar alguns elementos que foram levantados até o presente momento da
pesquisa destinada à elaboração da Tese de doutorado, cuja problemática está ligada à análise
da Crônica Geral de Espanha de 1344 levantando elementos que possam caracterizar uma
determinada representação de rei e de nobre ideal. São atribuídas ao Conde Pedro Afonso
diversas obras literárias, de variada natureza, no qual se inclui a Crônica Geral de Espanha de
1344 e o Livro de Linhagens, além de cantigas. Tais obras foram escritas na primeira metade do
século XIV, época essa marcada pela transição de valores tradicionais do reino. Percebe-se em
seus escritos forte influência da Corte castelhana, na leitura de textos históricos e no método
historiográfico, colocado em prática por seu bisavô Afonso X. É reconhecido ainda como um
dos primeiros escritores de língua portuguesa, estando seu nome ligado às raízes do
movimento historiográfico português. O século XIV, período em que o Conde escreveu suas
obras, foi marcado por uma colaboração cada vez maior de clérigos e leigos na constituição da
cultura profana em Portugal. Nessa conjuntura, o Conde aparece como um sintetizador de tais
influências. Para escrever suas obras recolheu tradições ligadas ao mundo profano e clerical,
histórias e narrativas das Cortes Régias e Casas Senhoriais. A história transparece nas obras do
Conde Pedro Afonso como vista através de um espelho, onde são refletidos os feitos dos
grandes homens, seus atos heróicos e conduta exemplar, fundada em ideais de honra e
valentia. Não deixando de condenar em suas obras determinadas atitudes, que não condizem
com essa imagem idealizada que busca consolidar. A obra do Conde Pedro Afonso tem como
característica desvendar o quadro senhorial português que antecede a grande crise da
primeira dinastia. Além de constituir, a esse título, um notável documento histórico para
compreender a fase inicial do Reino através da descrição das tradições e da mentalidade da
nobreza. No contexto, entre o final do reinado de Dinis e o início do reinado de Afonso IV,
período em que o Conde escreveu o Livro de Linhagens e a Crônica Geral de Espanha de 1344,
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é que se encontra o foco principal da presente proposta de comunicação, que tem por objetivo
apresentar o ideal de rei e de nobreza a partir das obras do Conde Pedro de Barcelos.
Anderson Prado
Docente do Departamento de História da Universidade Estadual do Paraná – Campus
Paranaguá - Mestre em História Social
Este estudo tem por finalidade fazer uma abordagem sobre alguns conceitos dos Movimentos
Sociais mais atuantes na sociedade contemporânea, sobre tudo, movimentos sociais ligados a
“luta pela terra”. Para tal, lançarei mão de alguns conceitos já formulados e outros ainda em
“formação”. Tendo como base teórica alguns autores que flutuam entre a sociologia, história e
filosofia, tentando assim, achar o ponto de orientação para a legitimação histórica/teórica para
os Movimentos Sociais, que ao que nos parece justifica-se em Marx e sua concepção de
separação entre “homem natureza”. Nos Grundrisse, que é o texto dos esboços de O capital,
Marx – tentando romper com toda esta justificação de um suposto “direito natural” à
propriedade privada da terra – explica que os homens, em suas origens, não são proprietários
individuais. Marx explica que os homens são, originariamente, seres gregários que vivem em
comunidade. A relação inicial de apropriação das coisas aparece como relação de apropriação
comunal das riquezas naturais, onde a terra aparece como “o fundamento mais elementar de
toda a existência humana, como o arsenal natural que possibilita extraírem-se as mais básicas
condições objetivas para o simples existir dos homens em comunidade”. Os homens se
relacionam entre si e com a natureza como co-proprietários dela (não no sentido jurídico do
termo). Nestas origens, a terra é o lócus objetivo possibilitador do surgimento de uma
subjetividade regedora do princípio comunal/natural da comunidade. Marx explica, portanto,
que a criação do indivíduo – da individualidade, no sentido moderno do termo – é histórica: o
homem é por natureza um ser comunal (um ser gregário, um ser de rebanho); o que o
individualiza é o processo histórico, que interpõe, em seu desenvolvimento, a figura do
proprietário entre os membros da comunidade e a natureza; interpõe-se, separando a figura
do indivíduo apropriador, do indivíduo que impõe seu Eu (sua vontade subjetiva)
objetivamente ao modo de apropriação da riqueza material (natural e ou já produzida pelos
homens) como também sobre as vontades dos demais membros da comunidade. Estes, agora,
nesta nova relação, nem são exatamente sujeitos (no sentido forte do termo) – pois sua
subjetividade/vontade está determinada pela vontade do proprietário – nem mais são
proprietários naturais de suas condições objetivas de existência, passando a ter, então, uma
relação de alienação – perda de controle, de compreensão, “não-consciência” de seu real
status, no sentido marxista/hegeliano do termo – tanto com a natureza quanto consigo
próprio e com seus semelhantes. Assim, para se justificar a justeza da luta pela terra na
atualidade, pensamos que não é no direito burguês que devemos buscar tal explicação – que
fala de direito universal à propriedade, mas que assegura ao mesmo o direito inalienável do
proprietário privado (e como já está pressuposto aqui que todas as riquezas do mundo são
hoje, de alguma forma, propriedade de alguém [privada ou estatal], acreditamos que seria
ingenuidade imaginarmos numa bondade quase divina dos mesmos em redistribuir seus bens
de livre e espontânea vontade).
Pensamos que o lugar onde devemos buscar tal justificativa para a justeza da luta pela terra
está na formação histórica da sociabilidade humana, tal qual fez Karl Marx, pois pensamos que
é somente na compreensão histórica do processo de separação entre homem e natureza
(como dissemos acima) é que podemos compreender e justificar a tentativa de retorno dos
homens à sua relação mais fundamental com a natureza: as lutas sócias podem oportunizar a
possibilidade do retorno ao campo, no caso dos movimentos de lutas pela terra, o retorno
àquela relação originária, simples, do homem com o solo, com seu arsenal de objetos e meios
para sua subsistência.
Esta pesquisa tem por objetivo analisar as representações discursivas encontradas nos
processos criminais instaurados para apurar a prática de crimes sexuais, delimitados ao
incesto, na comarca de Rebouças (que engloba os municípios de Rebouças e Rio Azul), no
estado do Paraná no período de 1935 – 1985.O incesto – união ou cópula ilícita entre parentes
próximos – é culturalmente considerado tabu, uma prática profana condenada pela maioria
das religiões e ilegal na maioria das sociedades em que se manifesta. A prática do incesto,
estudada pelos diversos campos das humanidades, é entendida pela antropologia
estruturalista de Levi Strauss como tabu universalmente presente em todas as sociedades,
sendo fundamental para se compreender as especificidades das culturas (LÉVI-STRAUSS, 2005,
p.15). A proibição do incesto não é nem puramente de origem cultural nem puramente de
origem natural, e também não é uma dosagem de elementos variados, tomados de
empréstimos parcialmente à natureza e à cultura. Constitui o passo fundamental graças ao
qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza à cultura. Em certo
sentido pertence à natureza, porque é condição geral da cultura, e por conseguinte não
devemos nos espantar em vê-la conservar da natureza seu caráter formal, isto é, a
universalidade. Mas em outro sentido também já é cultura, agindo e impondo sua regra no
interior de fenômenos que não dependem primeiramente dela (LÉVI–STRAUSS, 1982, p.62). Já
a psicologia clássica define esta prática como impulso animal, inerente a natureza humana e
ao mesmo tempo enquanto representação de uma região não civilizada: “O incesto é
antissocial e a civilização consiste numa progressiva renúncia a ele” (FREUD, 1980, p.21).O
tabu é uma proibição primeva forçosamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e
dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de
violá-lo persiste no inconsciente e aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude
ambivalente quanto ao que o tabu proíbe (FREUD, 1980, p.55).O uso de processos criminais
como fonte de pesquisa tem se tornado prática comum e entre historiadores e outros
profissionais. A historiografia demonstra que, cada dia mais, a utilização de processos judiciais
como fonte histórica vem tomando conta das Ciências Humanas. Historiadores, sociólogos e
antropólogos baseiam-se nos dados contidos nesses documentos para o encaminhamento de
suas pesquisas, realçando a existência de ricas informações sobre o cotidiano e as práticas dos
indivíduos envolvidos na ação criminal. (RIBEIRO, 2004, p. 12). Tal posição é corroborada por
Ginzburg em sua obra “O inquisidor como antropólogo” ao afirmar que documentos antes não
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utilizados (tais quais processos inquisitórios), são tidos como importantes, propiciando uma
tendência historiográfica que permite estudar aqueles que não tiveram chance na
historiografia, como os “grupos sexuais ou sociais como mulheres e camponeses,
normalmente mal representados no que podemos chamar de fontes „oficiais‟.” (GINZBURG,
1991, p. 31).
Ao pensar na pesquisa histórica tendo como fonte os processos judiciais Mariza Corrêa
observa a exigência de um conhecimento da singularidade desta fonte, para que os estudiosos
possam ter uma percepção do todo aparato jurídico, não desvinculado da sua importância ou
significado social (CORRÊA, 1983, P. 51). A investigação preliminar nos processos de crimes
praticados em Rebouças e Rio Azul, demonstrou a possibilidade da existência de um padrão
comportamental tendente a justificar tal prática de incesto como normal, tanto pelo autor do
crime como por seus familiares:
De parte do acusado: “ (...) que a menor nunca cuidou direito das suas obrigações, costumava
dar confiança para todos os rapazes que passavam, chegando a tomar cerveja no negocio com
os homens (...) que as vezes sumia para o mato (...)”. Nos mesmos autos: “Devem aguardar em
cartório a apresentação de atestado de miserabilidade e prova de idade da ofendida.
Rebouças, 2/10/1946”.“Defiro o requerimento acima. Intime-se a requerente. Em, 4-10-1946.
Juiz de Paz em Exercício”.
Os excertos citados aqui, apenas exemplificam o rico conteúdo do que é possível ser
encontrado no conjunto muito mais significativo disponível nos arquivos do judiciário da
comarca de Rebouças, que apresentam expressões indiciárias da validade dos
questionamentos preliminarmente levantados. Da mesma forma, em outro processo a vítima
de estupro, uma garota orfã de apenas 14 anos de idade que morava com o tio, aparece
qualificada como pessoa de comportamento social e sexual duvidoso pelo réu, diz o
depoimento:“(...) que a menor nunca cuidou direito das suas obrigações, costumava dar
confiança para todos os rapazes que passavam, chegando a tomar cerveja no negocio com os
homens (...) que as vezes sumia para o mato (...)”, afirmações que em tese desqualificariam
sua denúncia, artifício freqüentemente utilizado em crimes sexuais segundo Edméia Ribeiro
“algumas palavras retiradas de depoimentos e pareceres dos juristas refletem uma dupla
moralidade existente em relação às práticas sexuais (RIBEIRO, 2004, p. 88)Como se pode
perceber há uma série de construções que direta e indiretamente permitem perceber o
posicionamento dos diversos atores, e de certa maneira da própria sociedade por meio do
posicionamento dos representantes de suas instituições. Em termos quantitativos foram
encontrados até o momento, nos arquivos do fórum da comarca aproximadamente trinta
processos de crimes sexuais diversos em que houve prática efetiva de incesto entre os anos de
1935 a 1985. Aparentemente esta quantidade de processos, apurados em um levantamento
preliminar, poderia mostrar um índice pequeno da ocorrência de casos de incesto na região.
Porém esta quantidade de casos apurados não representa toda a realidade factual, pois a
violência sexual intrafamiliar é caracterizada pelo medo, pela vergonha, pelo silêncio das
relações consubstanciadas em uma sociedade basicamente patriarcal, fazendo parte da
chamada “cifra negra” das condutas criminais humanas que chegam a ser investigadas e
sentenciadas (concluídas).Consideramos desta forma que os processos são representações
sociais, e criam eles mesmos representações sobre papéis do que é o feminino e do masculino,
e dos lugares que cada um ocupavam, ou deviam ocupar na sociedade espelhando algumas
vezes as concepções já constituídas, reforçando-as em outras e mesmo criando-as muitas
vezes. A investigação preliminar realizada nos processos findos apresenta como diapasão os
pressupostos teórico-metodológicos da análise do discurso propostas por Michel Foucault. A
opção por este tipo de análise, parte do pressuposto que o discurso jurídico institucionalizado
é essencialmente um espaço de conflito, resultado da existência de uma tensão entre o poder
constituído, de que a produção jurídica é permeada por relações de poder presentes na
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sociedade, o que abre a possibilidade de que o incesto neste caso específico seja analisado
enquanto uma prática de fundo sociocultural.Cabe ressaltar que os processos que serão
usados, enquanto fontes neste trabalho, serão entendidos enquanto narrativas, construções
tipicamente discursivas, representações portanto dos acontecimentos. Nesse sentido é
importante observar que objetivo deste trabalho não é estudo do incesto e sim as
representações sociais criadas a seu respeito pelo judiciário da Comarca de Rebouças.
Este trabalho se baseia no conceito de poder político supremo, sustentado por Marc Bloch,
comparando com pinturas em locais sacros em que figuras sagradas são retratadas como reis.
As curas realizadas pelos reis no medievo, em especial na França e na Inglaterra, somada a
identificação criada por meio do imaginário religioso, torna este estudo uma reflexão sobre a
Cultura Política da sociedade do ocidente medieval.
Nesta pesquisa foi utilizado o livro Os Reis Taumaturgos, em especial o seu segundo capítulo,
As origens do poder curativo dos reis. Para o imagético foi escolhido as figuras dos Reis Magos,
em especial as confeccionadas pelo florentino Giotto. Esta escolha pelos Magos do livro
canônico de Mateus é fundamentada na afirmação de Argan. Seus estudos auxiliam a
compreender a escolha do texto canônico de Matheus. Ele afirma ainda que as temáticas em
obras de arte são escolhidos intencionalmente. No caso da Adoração dos Reis Magos, há a
representação dos poderosos homenageando o Deus nascido na pobreza. (2003, p. 143)Esta
afirmação cabe na produção de Giotto no afresco Adoração dos Reis Magos, da Capela Arena.
Esta capela foi encomendada por um rico mercador Enrico Scrovegni, que a fez para se redimir
da sua usura e de seu pai, escolhendo como tema a passagem do nascimento de Jesus. Como
no século XIV que, dentre diversas imagens religiosas, os burgueses utilizaram dos Magos para
uma identificação divina, a nobreza também o fez.Os Magos como Reis, indicados pelo uso de
coroas, são próprios do reinado de Otto II, imperador do Sacro Império Romano, próximo ao
século IX. A cena da adoração dos Reis Magos foi propícia para elevar o seu poder. Uma
pintura contemporânea a este reinado ilustra a cena com Magos-Reis, investidos de suas
coroas de aro de ferro, que se prostram diante da sagrada família, que estão de frente do seu
“estábulo”, que tem a arquitetura de uma pequena igreja, e humildemente entregam suas
oferendas (RUSSO, 1996).Quanto à questão proposta por Bloch do poder político supremo no
medievo encontra-se em tempos remotos. Através de estudos o autor afirma que pelos
germânicos, anterior à cristianização, o rei era escolhido em ramos de famílias nobres, sendo
algumas possuidoras de uma “virtude sagrada”. Entre os Godos os príncipes eram
denominados “semideuses”. Porém é importante ressaltar que neste período os reis não eram
necessariamente curandeiros, pois eram raros os reis-curandeiros. Esta “força miraculosa” foi
na maioria das vezes destinada a propósitos coletivos, para o bem estar de todos, e não
privilégios a alguns indivíduos, ou seja, o seu poder sobre a natureza tangia a um bem público,
como o ato de fazer chover. Com o advento do cristianismo, o poder político dos reis se
fortaleceu por se tornarem chefes de Estados, porém oficialmente interromperam sua
trajetória de personagens divinos. Neste período pós-cristianização nota-se que membros de
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linhagens reais anglo-saxão e merovíngia eram venerados como santos após sua morte. Já do
lado da tradição romana tem como personagem central Carlos Magno que foi coroado por um
papa romano. Em Bizâncio os imperadores se denominaram como divinos. Deste modo
sempre permaneceu esta áurea de divindade em torno da realiza europeia medieval, sendo
posteriormente justificada através da Bíblia.Dessa maneira este trabalho tem a necessidade de
uma metodologia baseada em Panofsky, para o campo das imagens, da qual baseia-se na
observação, detalhamento da obra e contextualização. Também utiliza da comparação entre
imagens e os dados da obra do Bloch.A Cultura Política, sendo definida para “designar o
conjunto de atitudes, normas, crenças, mais ou menos compartilhada pelos membros de uma
determinada unidade social e tendo como objetos fenômenos políticos.” (BOBBIO, 1998, p.
306), assim este trabalho se enquadra neste campo.A partir dessa comparação entre os
quadros medievais da adoração dos reis magos, com o conceito de poder politico supremo
elaborado por Bloch, tem uma construção de um poder político com bases religiosas.
131
Dados disponíveis em: IBGE. Séries estatísticas & séries históricas. Disponível em:
<http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD96&t=numero-de-municipios-existentes-nos-censos-
demograficos> Acesso em: 02 set. 2010.
132
Entende-se como mecanismos da Democracia participativa ou Democracia semidireta - presentes na
Constituição brasileira de 1988 - o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
como um avanço democrático que insere e aproxima as pessoas da política e do poder, sem
lembrar que sua outra faceta constrói pretensões políticas e ideológicas. É nessa
perspectiva que a presente comunicação oral se integra, analisando as relações políticas
estabelecidas entre os poderes locais dos municípios de Chopinzinho, São João e São Jorge
D´Oeste, localizados no sudoeste paranaense, no que tange ao processo de organização e
desenvolvimento de três plebiscitos durante a década de 1960.Sustentando um denso
envolvimento regional entre os municípios em pauta, intentar-se-á explorar os possíveis
interesses políticos, econômicos, sociais e culturais presentes nos contextos plebiscitários,
pensando quais estratégias foram elaboradas e utilizadas pelos homens públicos para legitimar
ações efetivas nesse panorama. Nessa perspectiva, torna-se relevante investigar a atuação
dessas elites políticas em três escalas: 1°- Em relação aos próprios eventos. Como esses atores
se posicionaram e se apropriaram das discussões em torno da realização dos plebiscitos. 2°-
Perante aos políticos das cidades em litígio. Explorar as relações e vínculos políticos entre os
membros dos corpos dirigentes de Chopinzinho, São João e São Jorge D´Oeste. 3°-Diante as
populações envolvidas nos três plebiscitos. Analisar como os atores políticos legitimaram os
plebiscitos frente aos seus munícipes.Para tal análise, a pesquisa se vale, conceitualmente e
metodologicamente, das contribuições do grupo de historiadores costumeiramente conhecido
por ter renovado os estudos em história política. Nesse meio, as reflexões propostas por Serge
Berstein acerca do conceito de cultura política são de grande valia, pois a categoria analítica
permite discutir a complexidade dos comportamentos humanos, pensando, por exemplo, a
presença do cultural no fenômeno político.Segundo Berstein:Para o historiador, o interesse da
identificação desta cultura política é duplo. Permite em primeiro lugar pelo discurso, o
argumentário, o gestual, descobrir as raízes e filiações dos indivíduos, restituí-las à coerência
dos seus comportamentos graças à descoberta das suas motivações, em resumo, estabelecer
uma lógica a partir de uma reunião de parâmetros solidários, que respeitam ao homem por
uma adesão profunda [...] Mas, em segundo lugar, passando da dimensão individual à
dimensão coletiva da cultura política, esta fornece uma chave que permite compreender a
coesão de grupos organizados à volta de uma cultura. Factor de comunhão dos seus membros,
ela fá-los tomar parte colectivamente numa visão comum de mundo, numa leitura partilhada
do passado, de uma perspectiva idêntica de futuro, em normas, crenças, valores que
constituem um patrimônio indiviso, fornecendo-lhes, para exprimir tudo isto, um vocabulário,
símbolos, gestos, até canções que constituem um verdadeiro ritual.133Desse modo, ao
averiguar as relações políticas estabelecidas entre os representantes públicos dos municípios
do sudoeste paranaense, é notável o aparecimento de problemáticas envolvendo as
motivações dos atores políticos em jogo. Os múltiplos interesses (políticos, econômicos,
sociais), normas e preceitos de tais grupos aparecem e são revelados através de suas ações,
reações e posicionamentos perante aos desdobramentos litigiosos. Com isso, tais fatores
estabelecem uma estreita ligação com as motivações dos homens públicos envolvidos.Devido
a isso, entende-se que é de fundamental importância identificar a atuação de uma ou mais
culturas políticas que eventualmente revestem o cenário político representado pelas classes
dirigentes dos municípios em destaque, porque desse modo, torna-se possível analisar
coerentemente as posturas e relações de tais grupos perante aos desdobramentos
plebiscitários.Para tais abordagens interpretativas, vale dizer que essa comunicação oral traz à
tona algumas abordagens discutidas em um mestrado que se iniciou nesse ano de 2012.
Propõe-se assim, instigar certas reflexões – principalmente àquela que se refere à atuação das
elites políticas de Chopinzinho, São João e São Jorge D´Oeste no que tange aos contextos
plebiscitários suscitados na década de 1960 – que estão em desenvolvimento.nfim, percebe-se
que para o atual momento dessa pesquisa, inserida nos domínios da história política renovada,
133
BERSTEIN, Serge, A cultura política. Para uma História cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. p. 362-363.
A Escrita da História, Universidade Estadual de Londrina
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a problemática em torno das relações políticas engendradas pelos poderes locais é pensada
através do conceito de cultura política estabelecido pelo historiador francês Serge Berstein.
Nessa dinâmica, os interesses políticos, econômicos e sociais elencados por tais
representantes públicos são decisivos para os desdobramentos plebiscitários. Propõe-se assim,
investigar as ações, os posicionamentos e os discursos que compõem o meandro plebiscitário,
analisando para além do estereótipo que entende o plebiscito enquanto unicamente um
mecanismo de Democracia Participativa que universaliza a participação popular e é isento de
interesses políticos, econômicos e sociais.
Referências bibliográficas
A imigração ucraniana para Prudentópolis-PR remonta ao final do século XIX e início do XX.
Desde então as relações de poder entre os descendentes de ucranianos e pessoas que não tem
essa ascendência é bastante perceptível no município. A partir do discurso, às vezes implícito
outras vezes explícito, percebe uma divisão dos lugares na sociedade. Como exemplo,
podemos citar a existência de duas paróquias católicas na cidade, uma de rito latino e outra de
rito oriental bizantino. A paróquia de rito oriental utiliza a língua ucraniana em suas
celebrações. Na zona rural do município existem diversas comunidades que possuem duas
igrejas católicas, uma brasileira e outra de descendentes de ucranianos. Há também um
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hospital conhecido como “o hospital ucraniano”. Outro exemplo diz respeito aos cemitérios,
pois além do cemitério municipal há aquele que é denominado de ucraniano. Além disso,
existe na cidade, circulando desde o final do século XIX, o jornal “O Pracia” editado pelos
padres ucranianos da Ordem de São Basílio Magno. O periódico era até início do século XXI
escrito exclusivamente com o alfabeto cirílico, o que limitava o público leitor. Em algumas
escolas estaduais da cidade é ofertada uma disciplina de língua ucraniana. Sendo que em uma
delas, o idioma faz parte da grade curricular na parte diversifica do currículo escolar reservada
a uma língua estrangeira moderna. Na cidade existe o Museu do Milênio dedicado à imigração
ucraniana. Fato instigante nesse caso é que diversos objetos “típicos” da cultura ucraniana
podem ser associados a outros imigrantes eslavos, sobretudo poloneses, mas são tidos como
exclusivamente ucraniano. A partir desses dados preliminares pode-se observar uma
diferenciação étnica no município. O intuito é empreender uma análise das relações de poder
submersas nessas divisões. A partir dos enunciados de Michel Foucault a respeito do poder,
pretende-se iniciar uma reflexão a respeito das possibilidades de se pensar as relações desse
grupo de imigrantes com os demais grupos existentes em Prudentópolis-Pr. O pesquisador da
imigração ucraniana, e de outros grupos imigratórios, acaba se deparando com um número de
questões teóricas e metodológicas que merecem atenção e cuidado: a busca da origem do
grupo pesquisado é uma questão recorrente. A pesquisa histórica, a partir de uma perspectiva
fundamentada nos textos de Foucault, não deve buscar a harmonia e sim a multiplicidade, pois
os atores sociais são diversos e possuem diferentes objetivos. O rótulo deve ser evitado.
Classificar o ucraniano como vítima secular da exploração russa, austríaca ou polonesa não
ajuda a entender o imigrante ucraniano. O poder não deve, segundo Foucault, ser pensado a
partir de uma oposição binária: dominante-dominado, forte-fraco, por exemplo. O poder não é
inteiramente negativo e nem completamente positivo. A oferta da disciplina de língua
ucraniana nas escolas estaduais de Prudentópolis é um exemplo de um micro-poder. A escola
pode ser entendida como local em que micro-poderes atuam. Essa oferta cria uma
“identidade” e a partir daí faz-se um discurso da importância da disciplina e da preservação da
cultura ucraniana. Essa questão, a primeira vista, passa despercebida como um exercício do
poder. Mas quando se faz um contraponto com os poloneses, outro grupo eslavo no
município, mas que não possui uma disciplina de língua polonesa percebe-se que essa
disciplina, mesmo que na maioria dos casos seja ofertada em caráter optativo ou em contra
turno, é um exercício efetivo do poder. A questão do poder na imigração ucraniana em
Prudentópolis nos leva a questionar as “verdades” como algo construído a partir de um
discurso que produz saber. Os discursos são sempre construídos a partir de um lugar social,
diria Certeau, e a partir de uma episteme, diria Foucault. Essa assertiva permite questionar as
verdades, não com o intuito de mostrar a inverdade num sentido pejorativo e sim com o
objetivo de mostrar a construção dessas verdades. A presente pesquisa encontra-se em fase
inicial, portanto o exercício aqui tem como preocupação central iniciar uma problematização
de algumas das divisões citadas, tentar compreende-las como resultante de relações de poder
e contra-poder. Nesse sentido, chamar para a construção histórica da diferença.
Este estudo faz parte de uma reflexão realizada em uma disciplina sobre biografia que foi
ofertada em 2011 no Programa de Pós-graduação em história da UFPR. O método biográfico é
uma das formas de se produzir história e desde o seu surgimento tem passado por diversas
modificações. Em alguns períodos aproximou-se da história e em outros de escritos literários.
Foi criticado por alguns e estimado por outros. Em meio a estas oscilações desenvolveram-se
múltiplas formas de se abordar a vida de um indivíduo. Este trabalho tem por objetivo
apresentar algumas destas possibilidades promovendo um debate historiográfico sobre as
relações entre: biografia, indivíduo, sociedade e micro-história. Para atingir esta finalidade
primeiramente a discussão se detém em um debate teórico sobre o surgimento da biografia e
as diferentes formas de abordagens. A discussão gira principalmente em torno de escritos
historiográficos de autores como: Pierre Bourdieu, Peter Burke, François Dosse, Sabina Loriga,
Carlo Ginzburg, Giovanni Levi, Jacques Revel e Regina Célia Lima Xavier. Ao mesmo tempo em
que se procura demonstrar as diversas possibilidades de se abordar a vida de um indivíduo,
busca-se estabelecer uma relação entre biografia e micro-história. Neste caso, os escritos de
Carlo Ginzburg são imprescindíveis, pois a história individual permite perceber aspectos sociais
mais amplos. Um exemplo disso é o moleiro Domenecio Scandela, que no século XVI permitiu
a Ginzburg pensar o mundo rural da Itália e formas como os camponeses poderiam refletir a
respeito de coisas que aparentemente estavam restritas à camada letrada daquele século.
Outro exemplo da micro-história partindo de um indivíduo para pensar uma sociedade mais
ampla é o texto de Giovani Levi sobre o padre Chiesa. A herança imaterial mostra como uma
pessoa pode revelar atos mentais e sociais de uma época. O estudo biográfico não se fecha no
particular, sua abrangência vai além da vida singular e aparentemente pouco relevante a um
olhar desatento. Uma conduta individual não reflete a sociedade como um espelho, a biografia
ajuda o pesquisador a pensar as tensões, os capitais simbólicos manipulados e utilizados, o
lugar social, as relações de poder que estão contidas numa trajetória individual. No que diz
respeito à situação do indivíduo chama-se pra discussão Pierre Bourdieu, pois o indivíduo é
investido de um capital simbólico que o autoriza a se posicionar diante de determinadas
situações. O pai do padre Chiesa, estudado por Levi, era investido por um capital simbólico. A
herança deixada por ele era imaterial em sentido literal, a condição para que o padre usufrua
desse capital está ligada a sua capacidade de “ler”, de saber interpretar esse capital. O lugar na
sociedade que o indivíduo ocupa pode ajudar a perceber as relações entre os diferentes
capitais simbólicos e suas implicações na vida social da pessoa. Em um segundo momento a
discussão transpassa as barreiras deste debate teórico, e volta-se para a exemplificação destas
relações na prática. Os cenários selecionados para demonstrar qual é a relação da biografia
com a micro-história, foram os armazéns de secos e molhados de João Koss localizado na
cidade de Ivaí Paraná de 1948 a 1971, e de Pedro Derkatcz localizado no interior desta cidade
em meados da década de trinta a década de cinqüenta. Os registros comerciais destes
estabelecimentos permitem encontrar elementos capazes de reconstruir o modo de vida dos
indivíduos. Por meio dos nomes de indivíduos citados nos livros caixa e dos produtos que eram
consumidos, é possível reconstruir as práticas que se desenrolavam neste cenário e o modo de
vida desta sociedade. Por meio destes documentos e de fontes orais, buscou-se visualizar
como a vida de um indivíduo esta atrelada ao restante da sociedade. Neste caso o contexto e
as relações sociais influenciavam nas escolhas dos consumidores. As relações entre biografia,
indivíduo, sociedade e micro-história fogem do campo teórico e refletem-se nas práticas
comercias destes cenários.
Durante praticamente três séculos, isso é, no período que abrange a Época Moderna, a honra
possivelmente pode ser apontada como o sentimento dominante no cenário político-social.
Falar em honra hoje, bem como em sentimentos de glória, parece algo fora de propósito e sem
relevância alguma. Porém, sabendo que “a honra matou mais homens do que a peste, suscitou
mais controvérsias do que a misericórdia, mais rixas do que o dinheiro”134, então ela não pode
simplesmente ser rebaixada a um segundo plano e banida do cenário intelectual
contemporâneo. A predominância da honra como motor das ações humanas teve seu auge, de
fato, no Antigo Regime, e isso é passado. Mas, é por isso mesmo que “hoje, estudar a honra é
estudar a sua história; e é perguntar por que foi esquecida, como paixão relevante, por que é
encoberta em sua importância.”135 Estudar as leis ou concepções de honra é algo relevante por
motivos históricos e até presentistas haja visto que, quando compreendemos as sociedades
do passado, adquirimos a possibilidade de entender melhor a sociedade em que se vive nos
dias atuais. Com o entendimento das questões da honra nas sociedades da Modernidade,
obtém-se também uma ampla compreensão da estrutura política da época, uma vez que a
honra sustentava as hierarquias sociais existentes naquele período, o status social era validado
mediante os ditames dos sentimentos de honra. Nas palavras do pensador político
francês Montesquieu, tal sentimento fez com que aos poucos, no interior de um regime
monárquico, todos se tornassem bons cidadãos. Esse sentimento o filósofo caracterizou como
“o prejulgamento de cada pessoa e de cada condição.”136 Ainda segundo ele, a essência da
honra estaria no fato de requerer preferências e distinções para determinados indivíduos
perante os demais. Desse modo, é possível dizer que o que importava era a opinião que os
outros estabeleciam sobre essa ou aquela pessoa, não o que ele efetivamente era, mas aquilo
que achavam que ela fosse no interior de um grupo ou de uma sociedade num determinado
contexto. Nas palavras do historiador Jean-Pierre Vernant, que aqui cabem plenamente para
caracterizar os sentimentos predominantes na Época Moderna, cada um “está sob o olhar do
outro, cada um existe a partir desse olhar. Se é o que os outros veem de si. A identidade de um
indivíduo coincide com sua avaliação social: da zombaria ao louvor, do desprezo à
admiração.”137E o que interessa aqui, em primeiro plano, é a sua relação com o âmbito
político, já que tal conceito insere-se num sistema de regras de conduta no interior das
sociedades do Antigo Regime, estabelecendo, assim, uma valorização dos indivíduos que acaba
por implicar na hierarquização dos mesmos. Entre as concepções dos filósofos políticos, parece
ser possível visualizar que, desde Aristóteles, a honra é um objeto presente nas suas obras. A
honra se adquire por nascimento ou por mérito. Porém, e isso é apontado como um fato
essencial, a sua perda por parte do indivíduo é algo que está a todo momento na iminência de
acontecer, ou seja, ele vive constantemente sob máxima pressão de tornar-se um ser
desonrado. “Essa mobilidade, isto é, o declínio e ascensão social de famílias no interior da
sociedade de ordens, é determinada inicialmente por fatores sociais; ou seja, não é criada por
nenhum indivíduo, por nenhum rei. [...] o declínio e a ascensão das famílias são a princípio
134
PITT-RIVERS, J. A doença da honra. In: GAUTHERON, M. (org.) A honra: imagem de si ou dom de si - um ideal
equívoco. Porto Alegre: L&PM, 1992. p.17.
135
RIBEIRO, R. J. A glória. In: NOVAES, A. (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
p.116.
136
MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. In: Œuvres complètes I. Paris: Éditions Gallimard, 2001. p.256.
137
VERNANT, J.-P. A "bela morte" de Aquiles. In: GAUTHERON, M. (org.). A honra: imagem de si ou dom de si - um
ideal equívoco. Porto Alegre: L&PM, 1992. p.34.
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Em uma publicação de 1930 que relatava uma viagem realizada dois anos antes, o pesquisador
naturalista Francisco Carlos Hoehne designou de “Araucarilândia” a região sul do Brasil
predominada pelas florestas com araucárias. Provavelmente não havia nome melhor para um
138
ELIAS, N. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p.89.
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Apresentamos este trabalho como parte de um projeto de mestrado em História Social que se
encontra em fase inicial de desenvolvimento. Dessa forma o que segue são algumas
possibilidades de entendimento acerca do contexto histórico no qual esteve imerso o processo
de criação da primeira associação ambientalista de Londrina, a APPEMMA em 1978. O
referencial teórico que respalda a pesquisa está no campo da História Ambiental, através do
qual buscamos um entendimento das relações entre homem e natureza, ou mais
especificamente sobre a emergência dos movimentos no mundo ocidental.Os movimentos
ambientalistas surgem a partir da década de 1970, período em que ser observada a expansão
da chamada “era da ecologia”. Nesse período, pelo menos nos países industrializado ou em
vias de industrialização as pessoas teriam despertado para os efeitos degradantes que as ações
humanas poderiam estar causando no meio ambiente. As questões envolvendo o meio
ambiente global teriam surgido após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente após o
inicio dos testes com a bomba atômica. O primeiro teste teria acontecido no Novo México,
sudoeste dos Estados Unidos. A partir daí grupos de cientistas passariam questionar e analisar
os efeitos que os testes nucleares poderiam causar na natureza. Essas discussões tornaram-se
mais popularizadas nas décadas 1960/1970, quando emerge o Novo Ambientalismo. O período
1970/1980 seria marcado pela proliferação dos movimentos e associações ambientalistas. Na
cidade de Londrina-PR, a primeira associação ambientalista surgiria em 1978. Quando o
engenheiro agrônomo Marco Antônio Silveira Castanheira fundou a APPEMMA – Associação
Paranaense de Proteção e Melhoria do Meio Ambiente. Foi a primeira associação
ambientalista a ser criada no município uma das primeiras associações ambientalistas do
estado do Paraná. De acordo com seu estatuto, o mote principal da associação seria
compatibilizar o desfrute dos recursos naturais a todos os cidadãos. Desde sua fundação em
1978 e durante a década de 1980 a associação esteve envolvida em várias ações relacionadas
ao contexto ambientais. Uma dessas questões foi a mobilização para tentar impedir o processo
licitação internacional para as obras que executariam a implantação do Sistema Tibagi em
1982. Esse projeto consistiria na captação das águas do rio Tibagi para o abastecimento da
cidade de Londrina. Nesse contexto integrou a Comissão Comunitária em 1983 e fez parte do
Movimento Pró Água em 1985-1986. Outra questão na qual a APPEMMA atuou foi no caso da
Mata dos Godoy. A citada mata seria uma das ultimas áreas remanescentes da Mata Atlântica,
a floresta que teria sido a cobertura vegetal “original” da região. Na década de 1980 a floresta
estaria em vias de ser desmatada e transformada em loteamento. Esta área de mata fazia
parte de uma extensa propriedade que em por décadas teria sido uma próspera fazenda
cafeeira. A cultura cafeeira foi introduzida em Londrina logo nos primeiros anos após a
fundação do município no inicio da década de 1930 e teria predominado como a principal
atividade econômica que proporcionaria o desenvolvimento da cidade. O cultivo do café
entraria em declínio a partir da década de 1960, sendo substituída então por outras culturas
poupadoras de mão de obra; e altamente mecanizadas como soja, trigo, milho e cana. Esta
transformação na agricultura pode ter provocado alterações consideradas altamente
impactantes sobre o solo e as fontes de água. Uma vez que demandava uso excessivo de
defensivos agrícolas. Um dos suportes documentais para o estudo será o Jornal Folha de
Londrina, mais especificamente as edições publicadas entre 1970/1992. Todas as suas edições
se encontram arquivadas no Centro de Documentação Histórica da Universidade Estadual de
Londrina – CDPH/UEL. Na sistematização dessas fontes selecionamos matérias, reportagens,
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“Aspecto da Fauna e Flora da Bacia do Rio Tibagi” em 1989, que comumente passou a ser
chamado de Projeto Tibagi. Este projeto foi esquematizado para ser realizado em três etapas,
com a duração de onze anos. A primeira etapa tinha como objetivo fazer um levantamento da
fauna e da flora da região; na segunda etapa, foram realizados estudos para entender a
relação da comunidade biológica com o ambiente e na última etapa, buscaram criar propostas
para a recuperação ambiental da bacia. Esse convênio envolveu dezenas de pesquisadores de
diversas áreas, inúmeros projetos e temas, resultando em dissertações, teses e centenas de
publicações. Como hipótese, a participação destes cientistas da universidade no Projeto Tibagi
pode ter sido resultado da emergência do ideário ecológico na cidade, pois foi a partir da
década de 1980 que as denunciais e ações de combate a poluição começaram a se tornas mais
efetivas e amplas. Objetivo Geral desta pesquisa consiste em investigar a contribuição de
cientistas no envolvimento da UEL no Projeto Tibagi. Os objetivos específicos versam em
investigar o significado simbólico da instituição, o impacto no projeto na carreira e no
departamento de biologia da UEL e investigar as contribuições de cientistas no
desenvolvimento da “era da ecologia” na cidade de Londrina. Para investigar os problemas
propostos, o recorte temporal desta pesquisa compreende ao período de 1980 até 2000, em
virtude das questões relacionadas à natureza terem tornado-se mais significativa na cidade de
Londrina a partir dos anos de 1980. Com a criação de associações ambientalistas, órgãos
governamentais especializados e legislação específica. Neste contexto, nasce o Projeto Tibagi
em 1989 que teve a duração de onze anos, chegando ao seu fim oficialmente em 2000. A
pesquisa está sendo desenvolvida à luz da historiografia ambiental, este é um campo de
pesquisa da história que nasce com o objetivo de compreender, como os seres humanos foram
no decorrer do tempo, influenciados pelo seu ambiente natural e como eles afetaram esse
ambiente. Donald Worster (2003) define a história ambiental, como um novo campo de
pesquisa da história, que investiga a interação entre a sociedade e a natureza. O suporte
documental que está sendo utilizado para realizar a pesquisa, está disponível na Universidade
Estadual de Londrina-PR, no acervo do Projeto História Ambiental do Rio Tibagi e no Centro de
Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da UEL. As fontes consistem em entrevistas
realizadas com os coordenadores e participantes do Projeto Tibagi; reportagens do Jornal
Notícia, publicado pela Universidade Estadual de Londrina do período de 1989 a 2000 que
fazem menção ao projeto, reportagens do Jornal Folha de Londrina da década de 1980 e 1990,
que trazem informações sobre a natureza da cidade e os relatórios produzidos pelos cientistas
da universidade, que contêm informações sobre todas as atividades e resultados obtidos
durante o desenvolvimento do projeto. Estes relatórios foram adquiridos, por meio do arquivo
do COPATI. Importante lembrar que a presente pesquisa esta em andamento.
ST HISTÓRIA AMBIENTAL
era alardeada como o estágio mais avançado de modernidade alcançado pela humanidade. As
duas grandes potências políticas mundiais orgulhavam-se de estar na ponta desse processo de
“pacificação”, utilizando a energia nuclear como o exemplo máximo de sua tecnologia e
contribuição civilizadora. Contudo, os riscos inerentes ao uso de diversos produtos oriundos da
tecnologia nuclear sempre estiveram intimamente conectados com seu próprio
desenvolvimento. Desastres como o meltdown da Usina de Three Miles Island (EUA, 1979), ou
os pequenos acidentes que envolveram a história da usina de Angra dos Reis (Brasil, década de
1970), já serviam de exemplos para um crescente movimento mundial anti-nuclear. O ponto
crítico de todo esse desenvolvimento e as consequências socioambientais negativas de um
acidente vieram com a explosão do reator 4 da usina de Chernobyl, na República Soviética da
Ucrânia, na madrugada de 26 de abril de 1986. Esse desastre trouxe à tona diversos elementos
novos para se entender a modernidade, o que acabou resultando numa maciça produção
intelectual que passaria a questionar conceitos como cidadania, responsabilidade ambiental,
além dos problemas eminentemente técnicos do uso de energia nuclear e da construção de
usinas. Pouco tempo depois, no Brasil, um outro acidente corroborava a presença do risco
como elemento fundamental da vida cotidiana daquela década. O rompimento de uma
cápsula de Césio-137, de uma máquina de radiologia abandonada e desmontada por dois
homens que pensavam obter lucros com a venda de suas partes para um ferro-velho,
contaminou mais de 100 pessoas em Goiânia, em 1987. O evento demorou mais de 15 dias
para ser identificado como um desastre, devido ao despreparo das autoridades civis, científicas
e militares brasileiras ante o acontecimento. Se Chernobyl foi motivo de discussão na imprensa
brasileira, Goiânia foi motivo de discussão na imprensa soviética, e ambos os eventos, dessa
forma, acabaram sendo incorporados na construção de novas relações entre sociedades e
risco em nível global.O objetivo deste trabalho é discutir alguns aspectos ligados ao significado
que a catástrofe da explosão do reator 4 da Usina Nuclear de Chernobyl exerceu no
desenvolvimento da sociedade civil e suas manifestações com relação à ideia de risco, por
meio da imprensa, na União Soviética e no Brasil, de maneira comparada. Em certa medida,
pretende-se amparar a leitura a partir da análise das lógicas das sociedades civis e seu
comprometimento com reações sobre esse tipo de desastre nos dois países na década de
1980, e perguntar como a discussão sobre riscos de energia nuclear levaram a uma contínua
desqualificação da fé no progresso, de um lado, e como essa desqualificação tornou-se uma
força diretiva para o envolvimento social com conceitos como o de "transformação".Na
perspectiva de visualizar esse fenômeno para além das metáforas a ele inerentes, e perguntar
diretamente em que sentido o argumento de que Chernobyl tornou-se o símbolo da
modernidade de risco, buscarei discutir notícias sobre eventos ligados à insegurança nuclear,
publicados no Brasil e na União Soviética. Algumas questões são diretamente ligadas ao que
Ulrich Beck chamou de "choque antropológico" a respeito de fenômenos catastróficos. Eles se
tornaram mais virulentos no Ocidente ou nos países diretamente afetados do Leste? A
experiência de Chernobyl teve mesmo um impacto democratizador sobre as sociedades, como
sugere Beck, ou criou mais desigualdades e potenciais para mobilizações sociais e políticas?
Muito já se falou sobre esse evento, e ocorrências similares, tais como o acidente radiológico
de Goiânia, no Brasil, em 1987. Contudo, a discussão aqui proposta está ligada ao campo da
História Ambiental, que apenas agora começa a destinar mais atenção a esse tipo de
problematização.
Maicon Mariano
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Ao pensar um recorte espacial, o Oeste do Paraná, encontra-se um espaço que sofreu e sofre
no século XX e neste início do XXI, um intenso e dramático processo de ocupação. Este
resultou em deslocamentos populacionais complexos, na derrubada quase integral da floresta
que lhe revestia, na implantação de um modelo monocultor voltado à exportação, na
urbanização de cidades, e dentre outros mais, na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu
(uma das maiores do mundo). Os impactos e as tensões gerados nesses processos, juntamente
com a ideia sentida e compartilhada em âmbito global de que ‘vivemos uma crise ambiental’
tem incentivado o desenvolvimento de práticas de educação ambiental. Dentre tais práticas
encontradas na região estão as da revista Amigos da Natureza.O presente trabalho tem como
proposta problematizar concepções e práticas de educação ambiental presentes e atuantes
nessa revista. A Amigos da Natureza faz parte de um material produzido pela editora de
mesmo nome que, desde 2001, atua na produção de materiais voltados à educação formal,
regular ou não para muitas cidades do país. A editora com sede em Marechal Cândido Rondon,
está situada no espaço denominado Oeste do Paraná. Pretende-se assim discutircomo a
revista tem significado os atuais problemas ambientais vividos na região e a partir delas tem
construído uma atuação na busca de soluções para tais problemas. As principais concepções
presentes no material tem sido as de sustentabilidade, desenvolvimento sustentável,
conservação e preservação. Noções e concepções estas, que também estão presentes em
documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a lei sobre Política Nacional
de Educação Ambiental (PNEA), ou ainda em programas governamentais como o Programa
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envolve outras áreas de conservação. Diversos foram os momentos de luta travada pela
população em relação ao Caminho que foi fechado pela primeira vez no ano de 1986, quando
o Departamento de Estradas e Rodagem do Paraná (DER) começava a asfaltar a estrada e uma
denúncia do militar aposentado Arnóbio da Silva, alegando prejuízo a natureza, foi
encaminhada ao Ministério Público Federal. Foi reaberto no dia 08 de maio de 1997, depois
fechado novamente no dia 13 de junho de 2001. Foi ocupado por moradores que circundam o
parque e de cidades da região como Medianeira, Capanema, Serranópolis do Iguaçu, São
Miguel do Iguaçu no dia 04 de outubro de 2003, voltando a ser fechado no dia 08 de outubro
de 2003 situação que permanece até os dias atuais. Tramita, atualmente, no Congresso
Nacional, o Projeto de Lei 7123/2010 de treze de abril de 2010. Esse projeto foi proposto pelo
Deputado Federal Assis do Couto do Partido dos Trabalhadores do Paraná e busca a criação da
Estrada - Parque Caminho do Colono no Parque Nacional do Iguaçu. Um dos primeiros
desdobramentos dessa ação foi à constituição de uma comissão para avaliar e discutir
novamente as questões relacionadas ao caminho, o que tem promovido audiências públicas na
região. Uma diversidade de memórias foi produzida acerca do Caminho do Colono, que não
obstante de temporalidades diversas, se entrecruzam, algumas foram ressaltadas outras
silenciadas. É importante compreender que por mais que a reabertura apareça como “vontade
geral” da população da região, não há unanimidade. Entender como e porque a reabertura do
Caminho do Colono aparece no discurso do poder público municipal como interesse de toda a
população implica analisar as múltiplas dimensões e interesses acerca da reabertura ou
fechamento da estrada.Da mesma forma torna-se necessário pensar o outro lado do conflito, o
Estado na ação e intervenção de suas instituições representativas como IBAMA, Ministério
Público Federal, Ministério do Meio Ambiente e as ONGs (organizações não governamentais)
que interferiram no processo, sem desatrelá-las das políticas de estado destinadas a proteção
do meio ambiente. Neste sentido, a abordagem centrar-se há nas memórias produzidas e ou
evocadas pelo poder público municipal e por ambientalistas no campo das disputas pela ou
contra a reabertura da Estrada/Caminho do Colono. A disputa de memórias revela-se como
enfrentamentos de diferentes sujeitos por espaços e interesses diversos, entre os quais a
defesa de interesses econômicos, ambientais, políticos e históricos, como a vinda dos
migrantes de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tais memórias permeiam o campo de disputa
dos sujeitos e são elaboradas a partir de um contexto, reproduzindo valores e representações
sociais. As mobilizações para a reabertura do Caminho do Colono, neste sentido, foram
representadas, entre outros pela imprensa, e a imagem que se disseminou pela teia social foi a
de um movimento de e feito por homens, no entanto, as narrativas das entrevistas apontam
para outro olhar acerca dessas mobilizações. Denotam um Movimento constituído por uma
diversidade de sujeitos que empreenderam uma multiplicidade de significados e interesses em
relação à reabertura ou fechamento do caminho a partir dos valores presentes em suas
memórias. Alguns desses valores se constituem como bandeiras para o movimento, outros são
silenciados ou lembrados apenas de maneira informal. As mulheres participaram em grande
número, inclusive em ações coletivas de ação direta, como de enfretamento ao aparato
policial. Conhecer as vivências das mulheres nas mobilizações para a reabertura do Caminho
do Colono, a partir de suas narrativas, permite, além de reconhecer a sua participação efetiva,
compreender como se fez o Movimento Pró-Reabertura, seus sentidos e significados sob uma
nova perspectiva, ampliando o campo de compreensão sobre o Movimento e sobre as próprias
mulheres. Esta perspectiva possibilita explicitar como as mulheres redimensionaram-se ao
questionarem as relações nas quais viviam, abrindo novas possibilidades de participação
política.
Vida e trabalho: memórias de pescadores sobre a pesca artesanal na Ilha do Amparo após o
acidente do navio Vicuña em 2004.
Thompson ajudou a compreender o modo como os pescadores concebem a pesca. Como uma
prática em que não há uma dissociação clara entre vida e trabalho, nessa formulação a pesca é
percebida enquanto uma pratica simbólica e material, ou seja, ligada a realidade em que
surge, e não de forma distinta. As percepções construídas através da memória, além de
“distorções” mostram indícios de contradições, de resistências e conflitos. Pensar sobre a
pesca artesanal implica refletir acerca das representações dadas pelos pescadores a essa
prática na qual vida e trabalho se entrelaçam.
Robson Laverdi
Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense-UFF
Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE
“Tapando o Sol com peneira”: a camada de ozônio no foco dos cientistas e políticos (1970-
1989)
As mudanças sociais, políticas e culturais que se iniciaram nos anos 60 do século XX levaram ao
desenvolvimento de preocupações sociais e intelectuais chamadas de “ecológicas” nos anos
70, e também ao início dos primeiros acordos ambientais entre países no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, com uma maior ou menor intensidade, as
chamadas “questões ambientais” foram incorporadas ao debate sócio-político e também às
pesquisas acadêmicas em todos os países do mundo durante o século XX. A sociedade passou
a se preocupar com os efeitos negativos e devastadores da ação humana sobre a natureza e
procurou-se, ao longo do tempo, produzir tecnologias, leis e uma nova consciência humana
que visassem uma diminuição desses impactos no meio ambiente. Motores a combustão
menores e mais eficientes, fontes de energia alternativas, limpas e renováveis, acordos
internacionais contra a pesca predatória e pela preservação de ecossistemas ameaçados,
tratados a respeito de mudanças climáticas, separação e reciclagem de materiais são alguns
exemplos dessas novas demandas sociais ocasionadas por essa forma de pensar a relação
Homem/Natureza. Nesse contexto, apesar das preocupações gerais, o aumento populacional
urbano e a crescente produção de bens e mercadorias no sistema capitalista levaram também
ao aumento da produção de lixo e resíduos que, depositados irregular ou inadequadamente na
natureza, acabaram produzindo efeitos danosos ao meio ambiente natural assim como a toda
a sociedade. Tais mudanças de pensamento em relação ao “lixo” também são percebidas no
âmbito econômico valorizando-se certos materiais (latas de alumínio, papel, plásticos, metais)
como importantes para a economia de matérias-primas e energia, além de notarmos nesse
período a organização de um “novo” ramo de negócio envolvido com a coleta e
beneficiamento desses materiais que une esforços que vão do catador à grande indústria da
reciclagem, passando pela educação da população para colaborar nessa empreitada. Nosso
objetivo geral é investigar as políticas públicas ambientais implementadas no município de
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Anderson Prado
Docente UNESPAR – Paranaguá-PR
Este estudo tem por finalidade fazer uma abordagem sobre alguns conceitos dos Movimentos
Sociais mais atuantes na sociedade contemporânea, sobre tudo, movimentos sociais ligados a
“luta pela terra”. Para tal, lançarei mão de alguns conceitos já formulados e outros ainda em
“formação”. Tendo como base teórica alguns autores que flutuam entre a sociologia, história e
filosofia, tentando assim, achar o ponto de orientação para a legitimação histórica/teórica para
os Movimentos Sociais, que ao que nos parece justifica-se em Marx e sua concepção de
separação entre “homem natureza”. Nos Grundrisse, que é o texto dos esboços de O capital,
Marx – tentando romper com toda esta justificação de um suposto “direito natural” à
propriedade privada da terra – explica que os homens, em suas origens, não são proprietários
individuais. Marx explica que os homens são, originariamente, seres gregários que vivem em
comunidade. A relação inicial de apropriação das coisas aparece como relação de apropriação
comunal das riquezas naturais, onde a terra aparece como “o fundamento mais elementar de
toda a existência humana, como o arsenal natural que possibilita extraírem-se as mais básicas
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Nos últimos anos, os estudos sobre a história política no Brasil encontram-se também em
mudanças, o maior acesso às fontes e o aumento, de pesquisadores que se debruçam nos
estudos desta área, ampliou interesses acerca deste tema, fazendo com que a historiografia
cresça em quantidade e qualidade. Consequentemente, esse debate vem ampliando sua
variação temática, mudando os aspectos teóricos e metodológicos, com proveitos recíprocos.
Ao invés de se ocuparem apenas com os grandes personagens da história brasileira, os
fenômenos de nosso passado passaram a ser analisados em um âmbito geral, sem prejuízo de
suas relações com a as diferentes classes existentes na sociedade e com os demais campos do
conhecimento histórico. Com o resgate da história política, estenderam-se os debates,
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construção narrativa, esse trabalho buscará mostrar um viés que foi sendo obscurecido com o
passar dos anos, com o intuito de ampliar o debate acerca da história republicana do país,
mostrando que as Forças Armadas não são caixas fechadas com ideias e práticas prontas. Essa
será a lógica pela qual se analisará o debate acerca dos veteranos de esquerda na FEB,
fortalecendo um enfoque que ainda se encontra longe de seu esgotamento.O recorte
temporal da pesquisa se colocará entre os anos de 1942, período em que o Brasil começa a se
aproximar de forma concreta dos Estados Unidos da América (EUA) e também dos Aliados,
ocorrendo progressivamente o rompimento diplomático e a consequente declaração de guerra
ao Eixo; passando pelos anos seguintes quando o país formou e enviou tropas que
participaram da Segunda Guerra Mundial; o retorno; a inserção e o problema que os veteranos
de guerra sofreram. Até 1952, período em que a chapa nacionalista, da qual alguns veteranos
de esquerda faziam parte, foi derrotada nas eleições do Clube Militar. Este recorte permite
problematizar como agiram esses sujeitos e as consequências dessas ações, em uma
conjuntura fortemente bipolar, não só na sociedade militar como também na civil, anos em
que esses veteranos atuaram com certa relevância na agenda política nacional.
Diná Schmidt; Mestranda do PPGH da UNIOESTE, sob orientação da Professora Drª. Geni Rosa
Duarte.
proposta de comunicação tem por objetivo colocar em discussão, com os pares da disciplina, o
projeto inicial de minha dissertação de mestrado, iniciado em março deste ano. O intento
desta proposta está mais ligado a busca de contribuições para o desenvolvimento e
amadurecimento da pesquisa, do que a apresentação de trajetória de pesquisa a conclusões a
respeito da problemática em questão. Neste resumo, apresentarei uma síntese da proposta de
pesquisa. A pesquisa aqui esboçada, tem por objetivo compreender e problematizar as
experiências, e os sentidos construídos em torno destas, de militantes do Partido dos
Trabalhadores (PT) do município de Santa Helena, localizado no extremo Oeste do Paraná, as
margens do Lago de Itaipu, entre 1980 e 2012. A partir de entrevistas orais, busco perceber na
narrativa desses sujeitos o impacto de suas experiências militantes em suas trajetórias de vida.
Observando, atentamente, como (re)significam em suas memórias, os caminhos percorridos
na militância e nos cruzamentos destes caminhos com outras dimensões de suas vidas, como a
pessoal e profissional.O interesse por esse objeto dialoga com o contexto histórico atual, no
qual o Partido dos Trabalhadores atingiu, em âmbito nacional, uma projeção significativa a
partir da conquista da presidência da república nas últimas três eleições (2002, 2006 e 2010).
Pode-se observar que essa projeção tem se dado em três direções: a institucional, projetando
o Partido; em torno de militantes com maior visibilidade pública a partir de postos assumidos
no governo petista; e em torno do ex-presidente Lula com a construção de um mito pessoal
em torno de sua trajetória. Sem negar a importância de discutir esses três eixos, a proposta
desta pesquisa é colocar em pauta as trajetórias de pessoas que contribuíram para a
construção e ascensão do partido e do projeto petista, mas não ganharam projeção política,
social ou em trabalhos acadêmicos. Assim, este trabalho se constrói na aspiração de
compreender e problematizar um objeto que ainda não possui grande inserção acadêmica.
Apesar de possuir grande relevância social, visto que compartilho da ideia de que o momento
histórico vivido hoje pelo Brasil, com seus avanços e problemas, só foi possível a partir da ação
desses sujeitos. A opção pela produção de narrativas a partir da história oral está diretamente
ligada às características do objeto de pesquisa que apresento. Ao buscar compreender e
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Memórias da Greve: Análise dos Relatos de Professoras da Rede Pública Estadual do Paraná
sobre a Greve de 1988.
A greve dos professores da rede pública do Paraná do ano de 1988 é o foco desta pesquisa
porque ainda é a mais lembrada da categoria no Estado, devido ao fato de terem sofrido
repressão do Governo. A greve ocorreu nos meses de agosto e setembro daquele ano, e
transcorridos quase um mês do movimento, especificamente no dia 30 de agosto, os
professores organizaram uma passeata que se encerraria no Palácio do Iguaçu (sede do
governo do Estado), mas ao chegarem em frente ao lugar planejado foram recebidos pela
cavalaria da Polícia Militar, e a partir daí teve início o confronto. Vários professores saíram
feridos pelos cassetetes dos policiais e por estilhaços de bombas de efeito moral. Após o
incidente a greve ainda permaneceu, e foi encerrada no dia 22 de setembro, mas, os
professores não alcançaram as reivindicações que motivaram o início do movimento, o
governador do Estado, Álvaro Dias, se negou ao diálogo ou qualquer tipo de negociação
durante a greve, além de cortar os salários e ameaçar os professores que trabalhavam pelo
regime CLT de serem demitidos. Devido a tudo isso, os professores resolvem retornar ao
trabalho. Mas, esta greve se tornou um ícone da luta da categoria, que relembra todos os
anos, com paralisação e passeatas, o dia 30 de agosto e toda a repressão sofrida pelos
professores. O sindicato dos professores, APP (no período da greve ainda era apenas
Associação dos Professores do Paraná, no ano seguinte, 1989, se torna APP sindicato), é a
promotora desta rememoração anual e produz material para que os professores discutam
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sobre o movimento atual da categoria. Desta forma, a partir dos depoimentos de professoras
que atuavam na rede estadual do Paraná na época da greve, vamos realizar uma análise desta
memória, tentando perceber os sentimentos e as representações construídas a partir daquele
fato histórico vivenciado, e constantemente reconstruído na dinâmica do movimento e das
relações entre os professores. Esta análise faz parte da pesquisa desenvolvida para o
programa de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina, em que
foram entrevistadas oito professoras da rede estadual de ensino do Paraná, tendo como
critério o fato de estarem vinculadas ao Estado como docentes no período da referida greve.
Destas oito professoras, quatro foram selecionadas na capital do Estado, Curitiba, e as outras
quatro em Londrina e região. Como os fatos aconteceram em Curitiba, a seleção foi realizada a
fim de conter relatos tanto da participação ativa nos conflitos, como também o
acompanhamento destes conflitos à distância, a fim de perceber, também, a construção de
uma memória coletiva, e as nuances das memórias individuais. É interessante ressaltar que
duas professoras, conforme citado anteriormente, já estavam aposentadas durante o
movimento de 1988, mas, se encaixaram na proposta desta pesquisa porque atuavam no
movimento, mesmo depois de aposentadas. E atuam até o presente momento, pois fazem
parte de um grupo denominado Coletivo de Aposentados, que está vinculado a APP sindicato.
Este coletivo, como pôde ser percebido, é formado por professores já aposentados, mas, que
permanecem atuantes, continuam discutindo, debatendo as questões referentes à categoria.
Esse grupo foi encontrado em Curitiba, e a seleção não foi proposital, mas, trouxe os membros
mais antigos, pois já transcorreu um período significativo do momento de referência aos dias
atuais, são 23 anos.A entrevista realizada com estas professoras foi direcionada por um tema,
no caso, a greve dos professores de 1988, e trouxe cinco eixos principais, como: O cotidiano da
greve; Sobre o governador Álvaro Dias; A volta ao trabalho; sobre a APP; e sobre a identidade.
Estes cinco eixos nortearam a elaboração das questões, a fim de contemplar todos os
aspectos referentes àquela greve. O procedimento metodológico para realização da pesquisa,
recolhimento e transcrição, bem como análise das entrevistas tem como base a História Oral, e
também as discussões próprias do conceito de memória. Assim, tendo como referencial
teórico as discussões de Paul Thompson, Michel Pollak, Pierre Nora, algumas contribuições de
Maurice Halbwachs, os trabalhos com memória desenvolvidos por Ecléa Bosi, Lucília Delgado,
Sônia de Freitas, dentre outros, o objetivo é compreender qual a memória que permaneceu
para estas professoras entrevistadas sobre a greve da categoria de 1988.
A figura do bandeirante paulista tem sido tema de livros e pesquisas desde o final do período
colonial. Hora representado como mestiço e algoz das tribos indígenas, hora visto como o
pioneiro na construção da nação e alargador do território nacional; a imagem do bandeirante
caminhou entre esta dualidade, indo de anti-heróis para heróis da história do Brasil.
Durante o período colonial, os bandeirantes eram estigmatizados pela “legenda-
negra”, que os desqualificavam como insubordinados, incivilizados, impuros. Diante do olhar
dos portugueses, esses homens eram inferiores, ainda que necessários para o projeto de
conquista do interior e para o descobrimento de minerais preciosos. Essas características
apareciam, principalmente, nos escritos dos jesuítas espanhóis, adversários dos paulistas, que
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George Araújo
Mestrando em História e Culturas Políticas pela UFMG – Orientadora: Kátia Gerab Baggio
Palavras-chave: Cultura política libertária, Anarquismo, História das ideias políticas e sociais
ao anarquismo fizessem uma espécie de hagiografia, fosse por ter sido basicamente ignorada
pelos historiadores tradicionais que, ao considerar história política apenas a história do Estado,
das instituições e partidos políticos, simplesmente desprezavam-na. Esse paradigma, contudo,
seria superado pela historiografia do século XX, particularmente com a renovação da história
política, a partir dos anos 1960. A partir daqueles anos houve um intercâmbio cada vez maior
da história com a ciência política. O resultado desse diálogo foi uma história política renovada
e ampliada, chamada por alguns historiadores de “nova história política”. A consequente
expansão do campo de abrangência da história política, anteriormente referida, trouxe novas
perspectivas e parâmetros para a abordagem dos fenômenos políticos, como o conceito de
cultura política, a nosso ver útil para a caracterização do anarquismo e sua práxis. Certamente,
nenhuma cultura política é estanque pois pode modificar-se a si mesma para responder ao
surgimento de novas questões e problemáticas sociais, bem como ser influenciada por outra
no decorrer do tempo. Não se trata, então, de empregar esse conceito para atribuir ao
anarquismo uma identidade fixa, imutável, mas antes de utilizá-lo como uma ferramenta que,
sem desconsiderar a importância da duração, auxilie a caracterizar o anarquismo em
determinados contextos históricos e, a partir disso, reconhecer sua linguagem, seus ícones e
símbolos, além de discutir quais eram suas ideias, leituras do passado, esperanças e visões de
mundo, bem como sua práxis no movimento operário-social. A formação de uma corrente
política libertária, apartada das outras vertentes do movimento socialista, resultou de um
processo de diferenciação no interior do movimento operário francês, que começou com a
insurreição de 1848 e culminou com a cisão entre “socialistas autoritários” e “socialistas
libertários” durante as sessões da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Ainda no
século XIX, algumas características já conferiam à cultura política anarquista uma originalidade
que permite diferenciá-la de outras culturas políticas próximas, como a socialista. A cultura
política anarquista está marcada pelo signo de uma radicalidade — buscada, reivindicada
valorizada —, que cumpre a função de prover os militantes libertários de uma identidade
distinta às outras correntes políticas que buscam uma transformação mais ou menos completa
do status quo. Contudo, em meia a essa radicalidade, é a revolta o valor aclamado pelos
anarquistas, e não a violência. Revolta contra o obscurantismo clerical, contra a manutenção
da ignorância popular, contra as eleições (“fraudulentas”) que visam legitimar um sistema
socioeconômico (“corrupto e opressor”). Identidade radicalizada que — a despeito de sua
similaridade com vários grupos filiados ao movimento socialista — busca símbolos próprios de
expressão (a bandeira negra, o A estilizado), reafirma-se em diferentes redes de sociabilidade
(festas, encontros familiares, relações de camaradagem) e procura referências históricas (a
Comuna de 1871, por exemplo) que vão compondo a mitologia política dessa corrente. Mas a
cultura política libertária, como qualquer outra cultura política, não pode ser concebida como
um dado imutável, alheio às influências do tempo, do espaço e da cultura local. Durante o
século XIX, ela esteve profundamente ligada ao movimento operário, disputando sua direção
com o movimento socialista. Entretanto, Outubro de 1917 e a expansão da influência do
bolchevismo e do comunismo soviético representaram um grande desafio para a cultura
política libertária, que buscou, ao longo do século XX, adaptar-se e reinventar-se, incorporando
novas demandas que foram sendo colocadas pelos mais variados movimentos de cunho social,
político, cultural e ambiental.
Helena Ragusa (mestre pelo curso de História Social da Universidade Estadual de Londrina)
O presente trabalho tem como objetivo analisar os estudos que vem sendo feitos em torno
dos cristãos-novos na América Portuguesa, buscando dialogar as diferentes nuances entre um
e outro, considerando a ampla e diversa inserção desses agentes na sociedade à qual passaram
a integrar. A partir da segunda metade do século XVI, um grande fluxo de judeus neoconversos
oriundos da Espanha e de Portugal chegava ao Brasil fugindo das perseguições ibéricas.
Desempenharam os mais diversos papéis nos diferentes setores da sociedade desde os
primórdios da colonização até os dias de hoje. Muitos dos que para cá vieram acabaram
prosperando e lucrando com as atividades que faziam parte do cenário da época, fosse à
atividade marcada pela exploração do pau-brasil, matéria-prima extremamente valorizada pela
Coroa; o estabelecimento da empresa açucareira, que pelo menos por um século foi a principal
fonte de lucro para os portugueses; ou ainda atraídos pelas oportunidades do ouro nas Minas
Gerais. O sentido de se narrar uma história sobre tais personagens no mundo luso-brasileiro
seria compreender sua atuação na sociedade e as dificuldades que enfrentaram diante das
perseguições sofridas por parte da mesma, e pela Inquisição, indicando resistências em relação
à cultura e à religião que lhes eram impostas.
Uma das características marcantes da colônia era a diversidade cultural e religiosa vivida e,
portanto, inserida no dia a dia das populações que aqui se encontravam, apresentando traços
católicos misturados a outras formas de crença, estando entre elas, o judaísmo.É certo que a
saída de judeus e cristãos-novos da Península Ibérica envolveu questões muito mais amplas,
que se reconstituídas tendem a contribuir para uma melhor compreensão sobre o
estabelecimento desses personagens em nosso território. Os estudos em torno do cristão-
novo no Brasil avançou não só na quantidade de pesquisas realizadas nessa área, mas também
na qualidade com que elas se apresentam. Os primeiros trabalhos partiram de um viés mais
econômico. A história sobre a vida dos cristãos-novos na colônia referia-se ao Brasil como um
lugar de excelentes oportunidades de enriquecimento, compreendendo que essa seria uma
razão bastante forte para que os judeus batizados tivessem interesse em se estabelecer no
país na esperança de encontrar um ambiente próspero e favorável.Com o passar do tempo,
outras temáticas relacionadas à presença cristã-nova no Brasil foram inseridas na
historiografia. O fator social, cultural e religioso passou a fazer parte dos estudos que
buscavam compreender a atuação desses indivíduos na sociedade que aqui se formava. Desse
modo, o interesse pelas relações cotidianas que ao longo do tempo foram se consolidando
entre esses sujeitos e os demais habitantes da colônia tornou-se objeto de uma grande
variedade de estudos. As manifestações culturais da religião foram transmitidas de uma
geração para outra, e, embora existam aqueles que apontem para certo afastamento do
judaísmo, é possível perceber que a prática da tradição judaica não foi abandonada, e aos
poucos, não todos, mas alguns neoconversos trataram de inseri-la na esfera pública à qual
pertenciam. Atentando para a importância desses agentes no período colonial, o interesse de
estudiosos que buscaram e buscam compreender as diversas maneiras do cristão-novo lidar
com essa ascendência, suscita cada vez mais pesquisas voltadas para as movimentações e
adaptações decorrentes da expulsão e conversão forçada ao cristianismo, assim como os
múltiplos comportamentos possíveis, enquanto mantenedores ou não da cultura judaica.Vale
lembrar que a proposta de se realizar um estudo sobre os cristãos-novos no Brasil não é tarefa
simples, posto que, dentre outros fatores, sua origem está dissolvida entre os povoadores e
imigrantes portugueses, confundindo-se entre eles.
Mas, o fato, porém, é que a existência de um número bastante significativo de documentos e
fontes propiciam ao historiador desvendar outras faces do neoconverso e de sua atuação no
Brasil Português, fazendo com que sua presença não seja compreendida apenas sob uma
perspectiva. Por trás das atividades exercidas pelos cristãos-novos no Brasil enquanto colônia,
muitos elementos culturais e religiosos – se codificados - podem revelar a existência de uma
Jean Rodrigues Sales. Doutor em história pela UNICAMP. Professor Adjunto da UFRRJ.
Desde os fins do século XIX, aos meados do XX, Alagoinhas chamava atenção daqueles que por
lá passassem, que para lá fossem ou que lá vivessem, sob quaisquer pretextos. Sua condição
de entroncamento ferroviário e de entreposto comercial da região, a colocava ao alcance de
olhares atentos e argutos, produzindo neles as mais diversas impressões, que acabaram por
alçá-la à condição de objeto de descrições e reflexões perpetuadas em obras memorialísticas,
que aqui se pretende analisar, como parte de um projeto maior e mais ambicioso, a saber, o
de (re) visitar a história de Alagoinhas.
Fazendo uso de diferentes fontes escritas e orais, pretende-se reconstruir memórias,
apreender e analisar os silêncios, de modo a permitir ao pesquisador, compreender os
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procurados nos últimos anos tem sido o dos estudos das memórias sociais, nos quais se
examina as razões pelas quais os eventos históricos podem ser lembrados ou esquecidos, quais
os critérios e valores que traduzem sua relevância, ou não, para a posteridade, e quais os
meios e estratégias de criação, recuperação, manutenção e transformação das memórias
inscritas em uma sociedade como a brasileira. A pesquisa aqui proposta visa oferecer uma
contribuição para estas questões, abordando como um fato histórico específico (a participação
de uma unidade expedicionária brasileira na Segunda Guerra Mundial) foi construído como
objeto de pesquisa histórica, seja através de memória social pelos seus próprios atores - os
combatentes, suas famílias e agremiações – bem como pelos diferentes agentes sociais que
elaboram narrativas e interpretações históricas relacionando-as com outras memórias sociais,
construídas a seu modo pela instituição militar, pelos historiadores e por outros agentes
culturais, como os meios de comunicação de massa e as instituições escolares.Devemos
entender que uma das principais bases desta “comunidade de memorias” são as associações
de ex-combatentes, que a priori foram criadas com o intuito de ser a voz de seus membros, ou
seja, os representando junto aos órgãos oficiais, ou como um ponto de encontro social. Porém,
como já dito anteriormente, também foram organizadoras e fomentadoras da memória social
deste grupo. Este fenômeno pode ser observado também em outros países:No mundo todo, as
associações de veteranos ou de ex-combatentes sempre possuíram mais ou menos essas
mesmas funções: a) constituir-se um ponto de encontro, sede de eventos sociais de seus
membros; b) organizar a luta pelos direitos de seus afiliados; c) representar coletivamente os
ex-combatentes e pronunciar-se em seu nome; d) organizar as comemorações e toda
expressão de memória de seus feitos, como a edição e/ou divulgação de memórias escritas, a
ereção de monumentos, a participação em desfiles e cerimônias comemorativas, a
administração de museus relacionados à guerra em que combateram. Por todas estas razões
as associações são “lugares de memória”, tanto no sentido físico quanto no sentido
representativo.139(FERRAZ, 2003, 241)Como pode ser observado ao erigir monumentos,
museus, publicar livros entres outras ações estas associações estão fomentando a criação de
um patrimônio dentro deste grupo social.Nesta pesquisa pretende-se trabalhar a criação de
um “patrimônio literário” com base nos testemunho dos ex-combatentes, e muitos dos livros
editados por “pracinhas” eram financiados pelas associações de ex-combatentes. Segundo
Hartog, o presentismo tem transformado o modo de como grupos sociais se relacionam com a
história, e com isso acelera o surgimento de novos “patrimônios” e de vários tipos, sendo
assim me permito uso o termo para a produção memorialística dos ex-combatentes da FEB.
139
FERRAZ, Francisco César Alves: A guerra que não acabou: A reintegração social dos veteranos da Força
expedicionária Brasileira, 1945-2000. São Paulo: Tese de Doutorado em História Social Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas/Universidade de São Paulo, 2003.
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Este trabalho é parte da minha pesquisa de mestrado que busca compreender como se dava a
participação de mulheres professoras nos movimentos docentes da década de 1960, como
essa atuação em movimentos reivindicativos contribuía para a o atendimento das suas
reivindicações nas políticas educacionais das quais as/os professoras/es eram alvo, e
principalmente compreender como associam-se as representações de feminino, às de
docência no período buscando avaliar como a prática da atuação política dessas mulheres
professoras se relacionava, acomodando-se ou conflitando, com essas representações. Para
empreender essa análise delimitamos um recorte bem específico, a primeira grande
paralisação de professores do Estado do Paraná, o chamado “Congresso do Magistério”,
realizado em 1968, com duração de cerca de quinze dias, com adesão de professores/as de
todas as regiões do Estado. O objetivo é tomar as memórias de professoras participantes desse
movimento como fonte, para compreendermos quais eram suas representações de gênero, da
profissão docente, das Associações de Professores, e sobre sua participação nos movimentos
realizados nesse contexto. Como ponto de partida e base de comparação utilizaremos também
fontes escritas como fragmentos da imprensa diária e de documentos da Associação de
Professoras/es do Paraná (APP) e da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná (DOPS). O
trabalho com as memórias de professoras se justifica no fato de que embora a categoria
profissional docente seja composta majoritariamente por mulheres, nem sempre encontramos
nos registros documentais escritos referências à atuação dessas mulheres na esfera
pública.Nesse sentido, os referenciais teóricos que vêm articulando as discussões de gênero,
de memória e de docência buscam compreender a profissão docente como uma profissão
marcada pelas relações de gênero que compõem a sociedade e também as instituições
escolares. Esse artigo buscará contribuir nesse sentido, trazendo ao diálogo autores da
historiografia que tratam da memória como Pierre Nora (1993), Michael Pollack(1989), Peter
Burke (1992) e autoras que tratam especificamente das interfaces da memória, gênero e
educação como Guacira Louro (1990), Denice Catani, Cinthia Souza, Belmira Bueno e Maria
Cecília Souza (1996, 2000a, 2000b). Os diferentes interesses nas memórias tanto na educação,
como pelas ciências sociais, pela história, e pela história da educação podem ser atribuídos ao
sentimento de aceleração das mudanças, vivido na contemporaneidade (NORA,1993; NUNES,
2002/2003), podem também ter relação com a retomada dos estudos que consideram o papel
do sujeito na vida social. Com a crítica das grandes explicações e das determinações estruturais
no campo das ciências sociais e da educação as pesquisas quantitativas, antes predominantes,
passaram a dividir espaços com os estudos de caso, as análises qualitativas, as pesquisas
participantes que trouxeram para os debates a experiência dos sujeitos envolvidos nos
processos educacionais. As leituras históricas da profissão e dos sujeitos professores e
professoras, em suas múltiplas relações, inserem-se nesse processo. As memórias passam a ser
privilegiadas por darem a conhecer as práticas e representações de sujeitos que de outra
forma não poderiam ser percebidas. Diversos autores afirmam que não há uma hierarquia ou
determinação unilateral das estruturas sociais sobre os sujeitos, mas sim, articulações entre
ambos. O sujeito é agente de mudanças sociais, contudo destaca-se que sua ação também se
dá em meio a constrangimentos sociais. (CHARTIER, 1994). Nesse sentido interrogar os sujeitos
pode contribuir para compreender as instituições a que pertencem e o meio em que se
inserem, assim como o caminho inverso também é verdadeiro. Daí o interesse na utilização e
cruzamento de fontes diversas articuladas aos relatos orais destacando-se que as memórias
são consideradas formas privilegiadas para conhecer a experiência dos sujeitos que eram
silenciados em fazeres históricos mais tradicionais. É relevante considerar as interseções entre
os estudos de memória, da educação e das reflexões sobre gênero, nesse caso tramados em
relação à participação das professoras em movimentos associativos de sua categoria
profissional. Com esse diálogo pretendemos perceber como se articulam os diferentes
discursos que versam sobre a identidade docente, as políticas de identidade estabelecidas no
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Esta comunicação tem como objetivo uma abordagem sobre a memória histórica construída
acerca das Sedições Militares, de influência liberal exaltada, ocorridas em julho e outubro de
1831 no Rio de Janeiro pós-Abdicação. Pretendemos analisar, com base nas considerações
expostas por Pierre Nora, François Dosse e Hannah Arendt em relação à problematização da
memória pela história, as interpretações relativas a esses eventos realizadas pela
historiografia. Tendo como base, por um lado, as análises realizadas no final do século XIX pelo
membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Manoel Duarte Moreira de Azevedo e
por João Manuel Pereira da Silva e, por outro, os estudos realizados me meados do século XX
por Octávio Tarquínio de Sousa e pelo professor da Universidade de São Paulo, Paulo Pereira
de Castro, objetiva-se primeiramente, identificar o porquê desses eventos situarem-se em uma
zona de sombra e esquecimento dentro da memória nacional e ainda, avaliar, nos momentos
em que foram eleitos para uma abordagem, quais traços de seu presente foram buscados
pelos autores nas suas construções sobre as Sedições Militares de 1831, visando justificá-los,
negá-los ou reconstruí-los de acordo com a temporalidade em questão.
Este trabalho tem como objetivo articular o conhecimento científico, tratando dos elementos
de formação cultural e identitária, tendo como foco investigativo compreender as narrativas
encontradas no discurso de mulheres profissionais do sexo na cidade de Curitiba. A análise das
entrevistas tem como base teórica a Sociologia e Historiografia Contemporânea e a
Psicanálise, em que a articulação destes pensamentos possibilita a investigação sobre as
dificuldades objetivas e subjetivas encontradas nas narrativas e na construção identitária
destas mulheres.A análise da narrativa construída pelas mulheres profissionais do sexo
possibilita diversas leituras, mas interessa-nos compreender como se dá a construção da
identidade social através da narrativa, a qual relata a história de vida de personagens
excêntricos, ou seja, àqueles que ficaram à margem da história entendida como oficial. Na
narrativa são incorporados os discursos dos “associais” que tiveram suas vozes
conscientemente excluídas da “memória enquadrada”. Esse relato é permeado por
lembranças que revelam o vínculo familiar, a sociedade, o trabalho, a sexualidade e os
aspectos culturais das mulheres entrevistadas. A este respeito considera-se que as memórias
individuais são pontos de vista sobre uma memória coletiva. Assim a narrativa individual pode
ser entendida como uma voz entre tantas vozes que compõem as “interdiscursividades” por
meio das quais se tem acesso ao passado. Foucault afirma que toda produção do discurso
envolve um processo de controle, seleção, organização e redistribuição e se constitui em
mecanismos de exclusão, que revelam vontade de saber e relações de poder. O discurso é um
veículo por meio do qual se estabelecem as relações de poder. Não são apenas representações
a partir de signos, são sistemas que determinam a forma com que o sujeito vê, fala e
compreende o mundo em que vive. Ele manifesta o desejo ao mesmo tempo em que revela o
objeto de desejo. O sujeito sempre está submetido a uma forma discursiva, é derivado de um
discurso. Não há autonomia por parte desse sujeito, tendo em vista que ele não poderá ser
imparcial a esse discurso. Ao analisar o discurso cabe saber, portanto, o que é dito, como é
dito e por que é dito desta forma e não de outra. A compreensão do sentido do discurso revela
as relações de poder que estão implícitas nas práticas discursivas. Tomando como base a idéia
de Certeau, que cada indivíduo pode ser entendido através de uma incoerente pluralidade de
relações e interações, podemos dizer que há uma necessidade de compreender a trama
narrativa e os contextos que se encontram este indivíduo para então fazer uma aproximação
no que se entende como uma construção identitária propriamente dita.A dimensão privada e
o cotidiano tomam uma nova e astuta roupagem na atualidade, pois a identidade,
principalmente a identidade social, é tomada a partir de construções subjetivas, encontradas
nas narrativas, e estabelecidas nas diferenças, nas ambiguidades e na pluralidade relacional do
sujeito.
A sexualidade está ligada os aspectos afetivos, à historia de vida, os valores culturais e
religiosos, os quais contribuem para a formação da identidade e para os componentes da
identidade sexual como o papel de gênero e a orientação sexual. E sendo algo inerente do ser
humano, está associada aos primeiros vínculos, ao equilíbrio emocional e as manifestações dos
sentimentos. Os comportamentos sexuais são influenciados inevitavelmente pelos cenários
culturais, as instituições e a mídia. A cultura tem uma relação muito próxima com a forma que
os indivíduos vivenciam, aprendem e desenvolvem o prazer. Um dos maiores paradoxos da
contemporaneidade é sem dúvida o ressurgimento das identidades como princípios essenciais
de vida pessoal e de atuação social. Este processo é acompanhado de uma exacerbação das
identidades particulares e da reinvenção da diferença.A identidade social é
contemporaneamente estruturada como um sistema interativo, construída no decorrer da
história através de transformações tanto na sociedade quanto no indivíduo. Podemos
entender a identidade como um personagem o qual representa o papel para determinada
situação social. Não se pode entender a identidade sem olharmos para o meio social e cultural
em que ela está inserida, a crença na identidade como representante do eu e como marco de
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uma essência que caracteriza o sujeito revela-se produto da ordem liberal e moderna,
definindo o sujeito contemporâneo.
Sandra Regina Barbosa da Silva Souza – Dra. UFBA; Professor Auxiliar na Universidade do
Estado da Bahia – Campus XVIII, Eunapolis
O período entre-guerras foi marcado pela ascensão de movimentos de extrema direita política,
na Europa e também na América do Sul. Estes grupos denominados fascistas se contrapunham
aos valores liberais imperantes até então nas sociedades em que disputavam o poder,
causando em alguns países o colapso destes valores. A forte influencia que as ideologias
europeias exerceram na América do Sul, bem como a imigração oriunda de diversos países
contribuíram para a disseminação dos ideais fascistas nos países desta região, sendo, portanto,
as colônias de imigrantes os primeiros agrupamentos a serem atingidos por estas concepções.
Essa influencia é nítida, e um exemplo disso é a formação no Uruguai em 1931, do Partido
Nazista, antes mesmo de Hitler assumir o poder na Alemanha. No Brasil também houve uma
sucursal do Partido Nacional-Socialista Alemão.No entanto, é imperativo salientar que os
movimentos fascistas não ficaram restritos apenas às colônias de imigrantes. Nos países do
Cone Sul algumas experiências nesse campo ideológico foram de extrema importância e não
podem ser classificadas apenas como miméticas. Entre esses grupos estão a Ação Integralista
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Brasileira – AIB, o maior partido fascista fora da Europa, a Liga Patriótica Argentina e a Acción
Revisionista del Uruguay. O surgimento desses movimentos nacionalistas de âmbito
fascista mereceu diversos estudos. Na Argentina o que prevaleceu foram grupos com caráter
marcadamente nacionalista-militar e influenciados pelo catolicismo. Ainda assim, o
nacionalismo argentino foi classificado como fascista, devido à sua relação com fontes
ideológicas fascistas e seus contatos com grupos e agentes do fascismo europeu. No caso
Uruguaio, os estudos apontam a influencia de grupos fascistas com base em colônias alemãs
sobre grupos de extrema-direita nacionais, mas o anti-semitismo nesse caso, foi a principal
bandeira de luta dessas agremiações. Nos dias atuais os estudos sobre estes movimentos
fascistas no Cone Sul chegou a um bom nível de conhecimento. As historiografias destes
países, em maior ou menor grau produziram uma quantidade salutar de informações a
respeito desses grupos. Porém, a questão é que o foco utilizado está basicamente no âmbito
nacional. Sabemos pouco sobre como estes grupos viam-se uns aos outros, quais as relações
que mantinham entre eles e qual o grau de aproximação ou distanciamento que nutriam.
Aspecto esse de nossa pesquisa que entendemos ser de grande relevância para a melhor
compreensão da história da extrema-direita regional. Nosso objetivo, portanto, é traçar as
linhas que unem e dividem esses movimentos fascistas de cada país. Podemos afirmar que o
anti-liberalismo, o anti-comunismo, o anti-semitismo e o nacionalismo são algumas das
principais características comuns a todos eles. Entretanto, justamente este último, o
nacionalismo exacerbado, também é a característica que pode subtrair desses grupos a
aparente fisionomia de união e homogeneidade que apresentam.Para realizar tal empreitada,
esse trabalho tem como pilar de sustentação os jornais da época publicados por estas
agremiações, tais como A Offensiva, Acção e a Revista Anauê, o jornal Corporaciones do
Uruguai e os informativos Crisol e Pampero da Argentina.Elegemos também a década de 1930
do século XX como recorte temporal, por ser neste período que se situa os movimentos
fascistas mais importantes e intensos nos países que são alvo do estudo, além de podermos
perceber também que é neste período que diversos líderes da região flertam com as políticas
das potencias fascistas, a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini.Sem dúvida, as relações de
que tratamos nesse trabalho, inseridas dentro de movimentos e partidos políticos, como a
Ação Integralista Brasileira, a Acción Revisionista del Uruguay ou a Liga Patriótica Argentina, se
dão no interior da sociedade dentro de um plano de disputas de poder. Isto posto, nos
propomos através desse trabalho à apresentar uma discussão e realizar uma exposição em
torno de tal tema, procurando dialogar com a bibliografia existente sobre o assunto e
enriquecendo o debate por meio de alguns dados já obtidos através da análise das fontes
citadas no Brasil.
Educação e patrimônio: o acervo Coriolano Benício do CDH-FURG como uma ferramenta para
a difusão da educação patrimonial no local
passeio, foram aplicados os questionários padronizados pelo SESC Araraquara e que visam
avaliar o passeio, estruturação, conteúdo entre outros itens.Inaugurado em 1895, o Cemitério
São Bento configura-se hoje como o campo santo mais antigo de Araraquara. Em suas 11 mil
sepulturas, que abrigam mais de 70000 inumações, é possível observar a história de pessoas e
fatos, recontados por meio da arte tumular. Seguindo um traçado planejado, com túmulos
horizontalizados, o cemitério, que sofreu ampliações ao longo dos anos, abriga em áreas
específicas produções escultóricas de artistas renomados.Resgate do passado, exemplos da
vivência de uma cultura. Entre lápides e sepulturas, os cemitérios oferecem uma história a ser
recontada. Citados como museus a céu aberto, esses campos santos trazem muito mais do que
o culto aos mortos. Classificados como espaços simbólicos e culturais que fazem parte das
diversas sociedades em que estão inseridos, os cemitérios passam a ser usados como lugares
de construção de memória, poder e status. É nestes espaços que artes e artistas imprimem
uma maneira de cultuar os mortos e de produzir uma mentalidade naquilo que diz respeito aos
fins últimos do homem.Para o historiador português Francisco Queiroz, no século XIX os
cemitérios foram concebidos quer para os mortos, quer para os vivos. Ou seja, os cemitérios
criados no período Romântico foram concebidos precisamente para serem visitados e
admirados pelas obras de arte neles contidas, obras essas que eram muitas vezes
representativas do que de melhor se fazia na época. Com o declínio do romantismo, os
cemitérios são deixados de lado e somente retornam à tona, nas décadas de 70 e 80, imbuídos
de noções como a herança cultural e de patrimônio.Por sua importância histórica, os
cemitérios integram parte do patrimônio cultural brasileiro e alguns já são reconhecidos como
parte dos bens valorados em diferentes localidades por meio de ações de preservação. Para
Poulot, “ao olhar instruído, o monumento ou as ruínas oferecem o livro aberto da história.
Uma espécie de imediatidade da leitura, resultados de longos esforços preliminares culminam
em uma história que se absorve pelos olhos”. Nas últimas décadas, as atenções começaram a
voltar para os cemitérios enquanto fonte para estudos, representação da cultura e do passado
e locais inspiração artística e visitação turística. As potencialidades de tais locais são múltiplas
e podem ser desenvolvidas nas áreas da cultura, patrimônio, história e turismo.A exemplo de
países como França (sendo o Cemitério de Père Lachaise o 4º ponto turístico mais visitado em
Paris), Itália, Espanha, Argentina, Chile e Estados Unidos, que já possuem programas de
turismo cemiterial, o Brasil vem implantando lentamente programas de visitação em seus
principais cemitérios, a citar Cemitério da Consolação (em São Paulo), Cemitério São João
Batista (no Rio de Janeiro) e Cemitério da Santa Casa (em Porto Alegre). Ainda que sejam ações
iniciais, prevendo a implantação de guias e folders com mapas de localização de túmulos
relevantes, é inédita no Brasil a proposta ora apresentada, pois dedicam-se apenas à
sinalização de alguns túmulos, ora contendo o estilo arquitetônico, ora abordando a biografia
da pessoa ali enterrada. Trata-se de uma leitura parcial da potencialidade de resgate
histórico/cultural que estes campos santos oferecemA presente comunicação visa discutir,
avaliar e analisar a potencialidade de ações similares como contribuição para a divulgação dos
cemitérios enquanto patrimônio e fonte histórica, fazendo um contraponto entre a ação
realizada na cidade de Araraquara, em parceria com o SESC e visitações realizadas na cidade de
Curitiba/PR, em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, durante o evento Corrente
Cultural, no mês de novembro de 2011. São abordagens distintas, uma vez que o passeio em
Araraquara se baseou na arte tumular como gancho de divulgação, enquanto no Cemitério
Municipal São Francisco de Paula, em Curitiba, a abordagem foi a de conhecer personagens da
história curitibana e paranaense tendo em comum o cemitério como local de sepultamento.
140
O projeto de pesquisa “Barroco no Sul do Brasil: arte, política, imagens e representações” está vinculado ao
Departamento de História, da Universidade Estadual de Londrina e conta com o apoio da Fundação Araucária.
Pesquisa e um diálogo mais direto com as propostas deste simpósio temático. A Igreja de São
Sebastião está localizada em frente à praça principal de Porto de Cima. Margeada pelo Rio
Nhundiaquara e a seis quilômetros da sede do município de Morretes. A ermida é contornada
também por montanhas cobertas por matas verdes de vários matizes. O viajante francês
Auguste de Saint-Hilaire quando por lá esteve na década de 1820, percorreu grande parte da
região destacando, em primeiro lugar, a exuberância da natureza, a abundância e a qualidade
da água de seus rios, a atividade econômica, os aspectos da população, suas casas e Igrejas. O
crescimento e desenvolvimento da povoação levaram, em 1779, a construção de uma capela
sob a invocação de N. Sra. Da Guia e de São Sebastião e contou com o comando do tenente-
coronel D. Afonso Botelho de Sampaio e Souza e o capitão Antônio Rodrigues de Carvalho.
Com o esgotamento do ouro de aluvião e aproveitando às facilidades de transporte e de força
motriz oferecida pelo rio o lugar passou a abrigar, na primeira metade do século XIX, engenhos
hidráulicos de beneficiamento de erva-mate. O produto assumira grande importância no
mercado internacional, por causa de problemas e conflitos políticos na região platina. Desse
segundo “surto” econômico e do conseqüente crescimento da população tornou-se, então,
necessário ampliar a antiga capela construída no século XVIII. Seus zeladores receberam na
década de 1840, autorização para as devidas obras. No entanto, com a transferência dos
engenhos ervateiros para o planalto e a construção da ferrovia ligando-o ao litoral, Porto de
Cima e Morretes sofreram um esvaziamento levando várias fazendas de erva-mate à falência.
Tal declínio econômico acabou por afetar não só a vida de seus moradores, como também,
atrasou a reforma e ampliação da capela.
Adolpho Lamenha Lins, Presidente da Província do Paraná, em 1876, informou em seu
relatório que:(...) ultimamente foram concluídas as obras da capella mor, sacristia e mais
dependências, fazendo-se uma despesa de mais de três contos de réis, que não foi paga, por
não constar a autorização dada por um dos meus antecessores para essa construção.
Entretanto a obra feita é bastante sólida e elegante, e deve ser paga, para o que é preciso que
(votem) voteis o necessário crédito. Apesar de estar vaga a parochia, a igreja de Porto de Cima
é uma das mais “aceladas” das províncias.
O curioso dessa história é que dois anos antes o Presidente da Província, Dr. Frederico José
Cardoso de Araújo Abranches, declarou em seu relatório que a Igreja de Porto de Cima:
“concluiu-se a capella-mor, faltando o corpo da Igreja que deve(ria) ser demolido por não
conservar proporção e symetria”.Não se sabe por que a parte original, a antiga fachada, não
chegou a ser demolida, como previa a reforma. Nesse sentido, a inconclusa reforma e
ampliação da Igreja de Porto de Cima revelam uma história no mínimo curiosa. Como a nova
fachada foi construída do lado oposto, a igreja ficou dotada de dois frontispícios – o antigo
(século XVIII) e o “novo” (século XIX). Por que inverter a fachada da igreja? Por que não
demolir a outra fachada? Por meio dessa história muitas questões referentes não só da
localidade de Morretes e seu distrito Porto de Cima podem ser descortinadas. Além dos
relatos/diários de viajantes estrangeiros que passaram pela região, dos Relatórios de
Presidentes de Província pretende-se, também, analisar os processos de Tombamento
realizados no século XX e a relação de identidade que a comunidade atual possui com as
referidas igrejas. A restauração realizada na Igreja de Porto de Cima, após o tombamento
estadual, em 1963, tentou atenuar a situação agravada pelos quase três séculos de alteração e
transferência de seu frontispício. No caso da Igreja de São Benedito uma restauração atual -
em sua fase de conclusão - permitirá verificar com mais detalhes a relação dos bens
patrimonializados com os moradores de Morretes141.Se as modificações artísticas e
arquitetônicas apagadas/destruídas pelo tempo e pelo homem não contribuíram para a
permanência das características originais – o que facilitaria muito o trabalho do historiador –
141
Além da parte arquitetônica as imagens sacras também estão sendo restauradas.
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outros tempos, outros homens e mulheres fornecem e adicionam elementos importantes para
a reflexão e análise da sociedade e, principalmente, sua relação com a arte e arquitetura
religiosa que ali existiu e permanece ainda nos dias atuais.
Dennison de Oliveira
Doutor, Ciências Sociais, UNICAMP (1995)
PGHIS/UFPR
Edson Armando Silva, titulação: doutor em história, UEPG e Gerson Kniphoff da Cruz, titulação:
doutor em física, UEPG.
não percebiam; os valores e significados históricos presentes nos monumentos, nos lugares de
memória, nos saberes e nas práticas culturais agora são reconhecidos, e, a partir de leituras
históricas ganham sentido, que os alunos passam a expressar por meio de narrativas, suas
interpretações históricas.
Neste sentido a educação histórica garante uma educação patrimonial dinâmica e produtiva,
que busca desenvolver a consciência histórica dos alunos, garantindo o reconhecimento e a
preservação do patrimônio imaterial na comunidade escolar.
desse período. A escola passou a ser entendida como capaz de eliminar todos os males do
país, devendo garantir a propagação do sentimento patriótico e do conhecimento necessário
ao progresso da nação (PROSSER, 2004). Os grupos escolares construídos no Paraná, nesse
período, seguiam os princípios do Art Déco. Esse estilo foi “[...] a linguagem de desenho mais
representativa da primeira modernidade arquitetônica brasileira [...]” (OLIVEIRA, 2008, p. 63).
Para Oliveira (2008), esse estilo estava estreitamente vinculado ao governo Vargas, portanto,
facilmente podemos compreender a sua adoção na construção dos edifícios escolares na
década de 30 e parte dos anos 40, no Paraná. Todas essas mudanças exigiam a construção de
novas escolas, cujos edifícios deveriam corresponder a esse desejo de tornar científica a
prática escolar. A edificação primaria pela racionalidade. No caso do Paraná, o estilo Art Déco
representa esse projeto de educação. Essa racionalidade era manifesta na simplificação dos
ornamentos, no uso de formas geométricas e de volumes. Essa solução apareceu, além das
escolas, em muitos edifícios públicos das décadas de 30 e 40 (OLIVEIRA, 2008).É significativo
que a primeira edificação pública em Londrina tenha sido uma escola. Um estabelecimento
que já “[...] trazia em seu cerne a modernidade, a disciplina e a racionalização do uso dos
espaços escolares” (FARIA, 2010, p. 61). Em uma época de hegemonia das construções de
madeira, o Grupo Escolar Hugo Simas foi construído em alvenaria. Contava com salas amplas
que se ligavam, por um corredor, à administração da escola, que se localizava na entrada do
edifício. Era a materialização dos desejos de modernidade da população da jovem Londrina e
ser moderno era equivalente a ser civilizado. Então, a civilização seria o resultado do
progresso. Essas três ideias: “modernidade”, “civilização” e “progresso”, dependiam
diretamente do controle sobre a natureza. Para melhorar o aspecto de “urbs moderna”,
porém, não bastava legislar sobre os materiais com os quais se podia ou não construir a
cidade. Havia algum tempo que a educação era vista como a solução para os males da
sociedade. O Grupo Escolar Hugo Simas teve, portanto a missão de formar a mentalidade
moderna, mais adequada ao novo modo de vida que se construía na cidade. Durante algum
tempo, o Grupo Escolar Hugo Simas pareceu responder aos anseios mais imediatos pela
escolarização. No entanto, sabemos que suas salas de aula já de início não comportavam o
número de alunos que buscavam matricular-se. Em 1939, por exemplo, o prefeito de Londrina
teve de alugar o prédio onde funcionara, algum tempo antes, a Escola Alemã, para abrigar o
número crescente de alunos. Três anos depois, o grupo escolar utilizava diversos espaços
alternativos, o que somava 27 salas em 1942, (FARIA, 2010). Todo esse “esforço”, porém,
ainda deixava grande parte da população em idade escolar, que era a maioria da população,
fora das salas de aula (BONI, 2009). O desejo da modernidade era contido pela realidade
política.
Referências
OLIVEIRA, Marcel Steiner Giglio de. Arquitetura em São Paulo na Era Vargas. O Art Déco e a
arquitetura fascista nos edifícios públicos (1930 – 1945). 2008. 139 f. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PARANÁ. Mensagem apresentada pelo Exmo. Snr. Governador Manuel Ribas à Assembléa
Legislativa do Estado. Curitiba, 1935. Disponível em: <
http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/Ano_1935_MFN_938.pdf>. Acesso
em: 01 de fev. de 2012.
PROSSER, Elizabeth Seraphin. Cem anos de sociedade, arte e educação em Curitiba: 1853 –
1953. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004.
Referências
FREITAS, Carla Regina e KNAUSS, Paulo. Usos eletrônicos do passado: digitalização de
documentos e política de arquivos. Revista Patrimônio e Memória. Assis, v. 4, n. 2, jun. 2009.
KHOURY, Yara Aun. No rastro de memórias silenciadas. Revista Projeto História, São Paulo,
(30), jun. 2005.
LE GOFF, Jacques. A História Nova. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Gilberto Hildebrando
Mestre em História e aluno do curso de Gastronomia (UNIFIL)
Leandro Henrique Magalhães
Doutor em História e docente do curso de Gastronomia (UNIFIL).
____________________________
Fontes consultadas:
Associação pró-memória de Londrina e região. Raízes e dados históricos - 1930-2004. Londrina,
2004;
Museu Histórico de Londrina. O povo que fez e faz Londrina: Exposição Comemorativa 70 anos.
Londrina, 2004;
_______________. Entrevistas realizadas com imigrantes e seus descendentes.
_______________. Jornal Paraná Norte. Edições microfilmadas – 1934/1950.
YAMAKI, Humberto. Labirinto da memória: paisagens de Londrina. Londrina: Humanidades.
2006.
A presente comunicação propõe levantar algumas questões sobre a atuação dos profissionais
que se dedicam à temática do patrimônio histórico e cultural no Brasil. A começar pela
dificuldade das duas denominações: do que se trata quando se fala em patrimônio histórico e
patrimônio cultural? Não seria o patrimônio histórico um patrimônio cultural? Ou então, um
patrimônio cultural é um patrimônio histórico, por que, como bem socialmente construído
pelo homem, possui trajetória no tempo e espaço passível de registro e compreensão? Entre
patrimônio cultural e patrimônio histórico existem diversos caminhos que por vezes se
entrecruzam, e outros em que há um distanciamento. O que diferenciará um do outro, na
maioria das vezes, é a formação preliminar do profissional que está tratando do objeto em
questão o que culminará no caminho que será escolhido. Os historiadores têm competência
historicamente construída ao longo de pelo menos dois séculos para cuidar da área da
memória, patrimônio histórico/cultural material e mais recentemente do patrimônio imaterial.
Dotado de um amplo leque de ferramentas teórico-metodológico que confere autoridade à
fala histórica. Contudo, podemos constatar que nos últimos anos ampliaram-se sobremaneira
as áreas reconhecidas como legitimas para gerir ou atuar no abrangente campo denominado
de patrimônio cultural. Boa parte dessa abertura se dá, sem dúvida, pela ampliação do próprio
conceito de cultura, a contribuição da antropologia foi valiosa e proporcionou a inclusão de
diversos aspectos da vida do homem nos estudos das demais ciências humanas e sociais.
Outro fator importante é a preocupação com a preservação da memória e cultura que levou à
consolidação da noção de patrimônio cultural no Brasil. O processo de inclusão dos diferentes
agentes sociais, ao longo do século XX, contribuiu para que o conceito fosse se alargando cada
vez mais. Neste processo, um passo foi fundamental para entendermos a política de
preservação do patrimônio, que ainda hoje está em vigor, é a constituição brasileira de 1988 –
chamada entre juristas de constituição cidadã – em seu artigo nº 216, prevê que “Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira...”142. Tal conceito é extremamente
abrangente para se tentar justamente conseguir, mesmo que por meio de lei, a incorporação
de diversos atores sociais que durante um longo período da história do Brasil ou foram
esquecidos em determinados momentos, ou renegados em outros, para enfim, serem
incorporados ao grande caldeirão genético e cultural que contribuiu para a constituição da
cara do Brasil.Se a legislação caminhou para a inclusão de objetos, pessoas e grupos antes
esquecidos, devido entre outros ao forte apelo da sociedade civil por incluir, a prática da
preservação não experimentou o mesmo caminho. É comum encontrarmos a debilidade do
poder público frente à forte demanda por proteção de bens materiais e imateriais, o poder
executivo encontra dificuldade para acompanhar o extraordinário aumento de bens a serem
protegidos, um exemplo relativamente recente é a inclusão da categoria de patrimônio
genético. Outro exemplo dessa debilidade diz respeito às ínfimas dotações orçamentárias para
restauração de bens imóveis espalhados pelos rincões desse país, ou ainda, a dificuldade em
conjugar crescimento econômico das grandes e médias cidades com a preservação de espaços
naturais ou edifícios. Quando se fala em formas de proteção o lugar comum nos leva até o
poder executivo, a ação governamental ganha espaço, porém ao cidadão comum a tarefa está
posta. Diante de todos os desafios colocados, um dos atores ainda não mereceu a devida
atenção. A atuação do profissional que está incumbido de proteger. Mesmo considerando que
o agente público é naquele momento a voz do Estado, não podemos olvidar que pessoas das
142
Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 216. Disponível em
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75638&norma=102408
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mais diversas áreas, formações e trajetórias é que interpretam e colocam em prática todo um
arcabouço teórico-metodológico para que se cumpra não apenas a determinação legal, mas,
também aquilo que se julga o mais apropriado para o bem em questão. O aumento dos cursos
de pós-graduação que oferecem especialização em patrimônio cultural ainda não foi o
suficiente para sanear as dificuldades enfrentadas cotidianamente pelo profissional em
patrimônio cultural, sobretudo no âmbito municipal. Diante destas questões é que
procuraremos delinear as principais frentes de trabalho, com suas potencialidades e
fragilidades, usos e lacunas do patrimônio histórico e cultural.
143
Localizada na região Norte Central do Estado do Paraná a 310 km da capital Curitiba.
A Virgem Maria e suas interfaces no catolicismo popular: A Festa de Nossa Senhora das Águas.
Nos últimos séculos, a figura da Virgem Maria, paulatinamente, vem angariando tributos a sua
imagem. De mãe, advogada e justiceira dos povos, Nossa Senhora vem ocupando posições
singelas como a protetora dos Bens Naturais e das causas impossíveis. A mudança de tal
quadro pode ser atestado num dos maiores artefatos utilizados na Igreja Católica no últimos
séculos: As Festas em louvor a santa. As festas do catolicismo popular são manifestações da
cultura religiosa que pressupõem relações de dádiva e contra dádiva. Para compreender como
esse fenômeno ocorre a fundamentação metodológica recorre-se ao grupo de autores que
debatem o universo do catolicismo popular e as dualidades entre o sagrado e o profano, na
qual podemos considerar as contribuições de Mircea Eliade (1992; 1996), Rita de Cássia
Amaral (1998), Ivan A. Manuel e Solange Ramos de Andrade (2010). Assim o objetivo principal
dessa comunicação é atentar como as festas em louvor a Virgem tem sido utilizada como
instrumentos para a popularização e a permeação da figura de Maria para os seus fiéis, como
estudo do caso foi selecionado o louvor a Nossa Senhora das Águas, a festa, na cidade de
Ivatuba145.O núcleo documental desse estudo se concentra em dois tipos de fontes: discursos
144
O Programa Universidade sem Fronteiras, da SETI – Paraná vem apoiando o desenvolvimento de projetos
concernentes aos subprogramas: Licenciatura; Incubadora dos Direitos Sociais; Apoio aos Núcleos da Infância e da
Juventude; Diálogos Culturais; Apoio à Agricultura Familiar; Apoio à Produção Agro-ecológica Familiar; Apoio à
Pecuária Leiteira; e Extensão Tecnológica Empresarial (EDITAL n.4-
2007- SETI-PR).
145
Ivatuba é uma cidade localizada no norte do estado do Paraná, a 468 km de Curitiba
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Os faxinalenses são considerados como povos tradicionais, e têm vivido um longo período de
conflitos no âmbito da conservação do território, da preservação ambiental e da manutenção
do patrimônio imaterial. Muitas dessas povoações sofrem com a violação dos direitos
humanos de que são vítimas, devido, inclusive à invisibilidade social a que foram relegadas no
conjunto da sociedade brasileira. No Estado do Paraná, os povos dos faxinais têm se
organizado na defesa de seus direitos e na luta por condições dignas de vida. Chama-se
146
Segundo Deste Fani (2005), a bacia hidrográfica do rio Ivaí é a segunda maior do estado do Paraná. Com uma
área de 36.587 km² e um percurso de 680 km, o rio é afluente da margem esquerda do curso superior do rio Paraná
e apresenta uma vazão média de 363 metros cúbicos. O Ivaí nasce em Prudentópolis, na região centro-sul do
Estado do Paraná, no encontro entre os rios dos Patos e São João.
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sistema de faxinais a certo modo de utilização das terras em comum, delimitada por cercado,
para a criação de animais, existente na região sul do Brasil e que se tem classificado como
manifestação cultural dos povos tradicionais. Assim, o faxinal é dividido em terras de criar, ou
área de compáscuo - um cercado composto por matas e pastagens em que localizam-se as
habitações dos faxinalenses; na parte interior a essas área comum, que pode pertencer a um
proprietário não morador do faxinal, ou a vários proprietários, são criados animais de várias
espécies, tais como bovinos, eqüinos, caprinos, ovinos e suínos, além de vários tipos de aves
domésticas. Soltos no grande cercado, esses animais alimentam-se da grama existente, de
pequenos arbustos e dos frutos nativos tais como a gabiroba, a cereja, a pitanga e,
principalmente, o pinhão. Os donos dos animais lhes oferecem suplementação alimentar nos
períodos de maior escassez. As casas são dispostas no interior da área cercada, sendo boa
parte delas protegida por um cercado menor, ao entorno dos quais as criações circulam
livremente. As entradas e saídas dessas áreas são protegidas por porteiras e cancelas ou por
uma espécie de pequenas pontes, construídas sobre valas escavadas especialmente para tal
fim. Esses artefatos, chamados de mata-burros, são feitos intercalando-se uma prancha e um
vão, de modo que as pessoas e os automóveis possam transitar sem a necessidade de abrir
porteiras, enquanto que os animais os evitam. As terras de plantar, a outra parte divisória do
faxinal, localizam-se fora do cercado e podem pertencer ao proprietário que as cultiva ou
serem arrendadas. São de propriedade particular e, exploradas individualmente, exceto nos
casos em que se recorre ao trabalho em mutirão. O faxinal pode ser facilmente vinculado à
frente oriental paranaense de extração da erva mate e à cultura da criação de suínos em
sistema extensivo praticado nesta região desde o século XVII. Os coletores de erva mate,
quando viam escasseando os recursos do lugar em que estavam instalados, adentravam à
mata, transportando consigo os apetrecho de que necessitavam, os recursos alimentícios e
alguns animais para transportar carga e para o consumo. Vincula-se o surgimento dos faxinais
à crise econômica do tropeirismo e do ciclo da erva-mate, ou seja, entre meados do século XIX
e a década de 30 do século XX. Desde pelo menos essa época, os faxinalenses cultivam formas
características de apropriação do território tradicional, baseando-se no uso comunal dos
criadouros de animais, dos recursos florestais e hídricos, praticando a agricultura de
subsistência. Sua relação com a natureza, o mudo ao seu entorno e o sobrenatural representa
um conjunto de saberes e tradições vinculados ao uso comum e privado dos recursos naturais,
sendo considerado como cultura diferenciada existente na Região Sul do país. A legislação
vigente no Estado do Paraná reconheceu os faxinais como Área Especial de Uso
Regulamentado – ARESUR, através do decreto estadual n°. 3.446, seguindo as mesmas
diretrizes de utilização das Áreas de Proteção Ambiental (APAS), no ano de 1997. O mesmo
decreto criou mecanismos de repasse de ICMs Ecológico às populações residentes nestas
áreas. Além disso, os representantes destes grupos foram incluídos na Comissão Nacional de
Povos e Populações Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente, no ano de 2005. Precisamos
considerar, entretanto, que conforme Relatório Técnico do Instituto Ambiental do Paraná
(IAPAR), apenas quarenta e quatro das mais de uma centena das áreas mapeadas são
consideradas como remanescentes, ou seja, mantém a organização social típica do faxinal e a
paisagem de matas de araucária; cinqüenta e seis, estão desativadas, isto é, preservam apenas
a paisagem de florestas nativas; e cinqüenta e duas estão extintas, uma vez que perderam suas
características originais. Estima-se que, há dez anos, existiam cerca de cento e cinqüenta deles.
Isso quer dizer que, arruinou-se uma dezena destes grupos a cada ano, na última década. A
pressão externa enfrentada pelos faxinalenses foi descrita num dossiê, elaborado pelo setor
organizado dos faxinais em conjunto com várias entidades de apoio, e entregue, no dia 3 de
julho de 2007, no Plenário da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. No documento, há
várias denúncias sobre o embate cultural e o impacto ambiental provocado pela intromissão
de agricultores vindos de outras regiões do país, que adquirem terras nas proximidades ou no
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147 Carla Fernanda da Silva, Grafias da luz: narrativa visual sobre a cidade na Revista Blumenau em Cadernos
(Blumenau: Edifurb, 2009), 71.
148 Silva, 48.
149 Ana Maria Mauad, Poses e flagrantes: ensaios sobre história e fotografias (Niterói: Editora da UFF, 2008), 34.
150 Boris Kossoy, Fotografia e História (São Paulo: Ateliê, 2ª. ed., 2001), 99.
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testemunho, pois este sempre será válido, independente do motivo do registro fotográfico,
mas não se pode esquecer que a fotografia além de informar, tem o papel de conformar uma
visão de mundo. Ela é criada por meio de múltiplos aspectos, que envolvem o autor
(fotógrafo), o assunto e a mensagem transmitida, que devem ser entendidos em conjunto151.
Deste modo, elas são portadoras de elementos presentes na história, pois dependem do
contexto histórico que as produziu e das diferentes visões de mundo que as influenciaram,
assim, elas guardam a marca do passado que as fez e faz existir. Assim, se o que está presente
nas fotografias desaparece, entretanto, a memória presente no documento sobrevive. Dessa
forma, como a história está presente no documento, o documento fotográfico também tem
sua história, que envolve o passado de uma imagem em particular. Ana Maria Mauad enfatiza
que ao longo da história da fotografia, surgem diversas polêmicas ligadas ao seu uso e funções.
Logo após seu surgimento, no século XIX, houve uma grande comoção no meio artístico
naturalista, pois via-se na fotografia um obstáculo que deixava em segundo plano qualquer
tipo de pintura, uma vez que a presença fotográfica era capaz de reproduzir o real com
qualidade técnica, tornando, segundo Zita Possamai152, o contrato de fotógrafos muito comum
pelas administrações municipais, para realizar o registro de bairros inteiros que sofreriam
reformas urbanas. A idéia de que o que está impresso na fotografia é a relidade pura, passou
por um “percurso histórico” dentre diversos críticos e teóricos da fotografia, como o filósofo
francês Philipe Dubois. Por isso ele faz um panorama das teorias sobre a fotografia, abordando
as questões do realismo e do valor documental da fotografia dividindo este percurso em três
posições epistemológicas: a fotografia como realidade pura (espelho); a fotografia como
transformação do real (o discurso do código e da desconstrução), e a fotografia como traço de
um real (o discurso do índice e da referência)153. Desde a sua apresentação até os dias atuais, a
fotografia registra em uma linguagem de imagens, mostrando uma história múltipla, que se
construiu por eventos, lugares e pessoas. Mas, como propõe Ana Maria Mauad, a fotografia
lança ao historiador o desafio de chegar ao que foi revelado pelo olhar fotográfico e
ultrapassar a superfície da imagem fotográfica, vendo através da imagem154. O desvendar do
momento que envolveu a criação da imagem e o assunto registrado, são definidos como a
“segunda realidade”, momento que envolve mais do que um simples olhar. No momento em
que se faz o estudo de fontes fotográficas, observando e analisando-as, o pesquisador põe-se
diante da realidade do documento, ou melhor dizendo, a segunda realidade. O sentido deste
tipo de documento não reside somente no fato de representar algo e ser um “objeto estético
de época”, mas sim em ser um artefato que além de estético, contém um registro visual e é
portador de informações multidisciplinares.155
156
MOREIRA, Gilberto Passos Gil. Relatório do 2º Fórum Nacional de Museus. Brasília: MinC/IPHAN/DEMU, 2008,
p.10.
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consideravelmente maior, pois algumas peças foram catalogadas como conjuntos por
possuírem características que as aproximavam. Além disso, há também as obras de arte a
serem catalogadas. Em andamento encontram-se o processo de higienização de livros e
documentos impressos, o processo de produção de fotografias digitais para o Banco de Dados
Donato (ofertado pelo Museu Nacional de Belas Artes), o preenchimento do mesmo, e
processos rotineiros de acondicionamento, preservação e conservação do acervo.Com a
observação da organização das peças da Casa da Memória, é possível analisar uma gama
considerável de aspectos além da forma como os imigrantes viviam nos primeiros anos da
formação de Carambeí. Podemos destacar, por exemplo, como a metodologia educacional se
alterou, excluindo a palmatória e o mimeógrafo. A partir dos documentos presentes no acervo
podemos também entender um pouco mais sobre o processo de imigração específico da
análise em questão e suas relações cotidianas, entre inúmeras outras análises. Para mudar a
visão resignada do “sempre foi assim”, é imprescindível mostrar aos sujeitos sociais em
formação que o cotidiano da sociedade da qual fazem parte já foi bem diferente. Com a
atuação da Educação Patrimonial, isto se torna concretizável se empregadas as possibilidades
que elencamos acima além de inúmeras outras disponíveis. Para tanto, a contextualização de
espaços museais e tudo o que abrigam é indispensável. O que queremos dizer é que os museus
têm potencial para servirem de base na construção de conhecimento histórico principalmente
para crianças do ensino fundamental, pois, com a observação das exposições, é comum que
estabeleçam relações entre seu cotidiano e as peças apresentadas.
Gilberto Hildebrando
Mestre em História e aluno do curso de Gastronomia (UNIFIL)
Leandro Henrique Magalhães
Doutor em História e docente do curso de Gastronomia (UNIFIL).
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Esta pesquisa foi realizada como parte das atividades do curso de Especialização em
Patrimônio Cultural e Identidades, promovido pela Unifil e orientado pela professora Patrícia
Martins Castelo Branco. As fotografias produzidas no mundo podem, um dia, vir a fazer parte
do acervo de instituições de guarda da memória, como bibliotecas, centros de documentação
e museus, que possuem o dever de conservar, preservar os documentos fotográficos. Pois,[...]
identidade cultural de um país, estado, cidade ou comunidade se faz com memória individual e
coletiva. Somente a partir do momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar os
seus bens culturais é que se inicia o processo de construção de ethos cultural e de sua
cidadania. (LE GOFF, 1997, p. 138)
No Museu Histórico de Londrina, por exemplo, ocorrem a guarda, a preservação e a
conservação do patrimônio imagético de Londrina e região. Assim, para serem integradas ao
acervo, as fotografias doadas por famílias ou instituições são diagnosticadas, tratadas e
acondicionadas adequadamente.O Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”,
inaugurado em 18 de setembro de 1970, pertence a Universidade Estadual de Londrina e
ocupa o prédio da antiga Estação Ferroviária de Londrina, desde 10 de dezembro de 1986,
está localizado na região central de Londrina; ele é considerado um patrimônio cultural da
cidadeNeste trabalho, analisamos, por amostragem, se as fotografias recebidas em doação
estão em bom estado físico e pontuaremos qual seriam as atividades necessárias para a sua
melhor preservação e conservação. Para realizar esta pesquisa foi elaborada uma Ficha Coleta
de Dados, a ser utilizada pelo Centro de Conservação e Preservação - baseada na adotada pela
FUNARTE. A análise documental foi realizada em das 10 (dez) imagens (pertencentes ao
período entre os anos 1900 e 1975), coletadas por amostragem nas coleções fotográficas do
Museu Histórico e recebidas em doação. Constatou-se que o estado de conservação é precário,
pois possuem marcas deixadas sobre o suporte decorrentes da má conservação e guarda
inadequada por parte dos seus antigos proprietários; como por exemplo, danos físicos,
químicos e biológicos. A deterioração da imagem fotográfica é a grande inimiga dos
conservadores, obrigados a driblar tanto aquela causada por fatores intrínsecos aos materiais
fotográficos, quanto a decorrente de fatores externos a que eles estão submetidos. Nessa
inter-relação entre a estabilidade física e química das fotografias e o meio ambiente em que
vivem, este último tem papel fundamental, podendo funcionar como agente acelerador ou
retardador do processo de deterioração fotográfica. Daí a necessidade e um micro clima
propício para a preservação dos materiais fotográficos, no qual será possível a prevenção e a
inibição de processos destrutivos, característicos da estrutura de todo material fotográfico,
independente do suporte e da camada formadora da imagem.(FILLIPI; CARVALHO, 2002,
p.17)Sugerimos, portanto, que as fotografias diagnosticadas devam ser estabilizadas e
higienizadas. Algumas deverão ser restauradas e todas deverão ser copiadas para que
pesquisadores futuros possam utilizar, enquanto as originais devem ser acondicionadas em
papel sem acidez e armazenadas em local climatizado. Depois de todos esses procedimentos,
estas dez fotografias estudadas estarão protegidas, conservadas e preservadas, dentro das
limitações desta instituição, por muitos anos; permitindo que a memória e o patrimônio
cultural regional possam ser consultado pelas próximas gerações sem dificuldade.Como a
maior parte do acervo fotográfico foi adquirida, pelo Museu, através de doações, constatou-se
que a maioria dos danos encontrados nas fotografias são provocados pela falta de
conhecimento de como conservar o material fotográfico. Assim, o trabalho da equipe do
Museu deve ser, exatamente, fazer com que as fotografias recebidas em doação possam ser
conservadas de maneira ideal ou, na impossibilidade disso, que os problemas possam estar
estabilizados evitando maiores danos físicos às imagens.
Referências
FILIPPI, Patricia de; LIMA, Solange Ferraz; CARVALHO, Vânia Carneiro de. Como tratar coleções
de fotografias. São Paulo: Arquivo do Estado: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
Murilo Rebecchi –
Mestrando em História pela Universidade Estadual de Maringá
Orientador: Lúcio Tadeu Mota
chegando ao território comunidades que poderiam atender aos interesses pelos quais o
governo brasileiro estava motivado em fazer tão grande e messiânica propaganda aos então
chegados imigrantes. O fato de que o Oeste brasileiro, e o oeste do Paraná era uma região de
terras abundantes e férteis, com potencial agrícola e acima de tudo econômico, firmou as
bases de política de interiorização das populações no território brasileiro e isso se explica já
que a política nacional adotada no início do século XX visava a independência brasileira frente
aos campos produtivos europeus. A Partir do ano de 1930 quando Getúlio Vargas assume o
governo brasileiro tem início um movimento que ficaria conhecido como Marcha para o Oeste;
movimento este de caráter nacionalista e que pretendia atender segundo as idéias do governo
brasileiro, de se tronar em primeiro lugar auto-suficiente em relação aos campos produtivos
da Europa e em segundo momento alavancar a economia brasileira, e que portanto, se fazia
necessário o mapeamento destas terras, pois eram vistas como terras produtivas e com
potencial capaz de satisfazer o anseio dais quais alimentava a ideologia do Estado Novo. Neste
sentido destacaremos as questões que estão ligadas aos conflitos que socorreram no oeste
brasileiro, e especificamente no oeste paranaense, já que estas terras já estavam ocupadas por
populações indígenas desde tempos mais remotos, assim como a situação de posseiros e
grupos que já estavam fixados nestas terras quando da política de “doação” destas mesmas
terras, seja a companhias colonizadoras, seja a famílias de imigrantes. E nesta abordagem
queremos dar espaço ao diálogo sobre a reocupação do território do noroeste do Paraná feita
pelas companhias colonizadoras a qual queremos discorrer. Empresas como a Companhia de
Terras Norte do Paraná, liderada pelo senhor Arthur Thomas organizaram na região um
modelo a qual eles chamaram de Colonização-Dirigida, onde o objetivo era fazer chegar até
estas terras colonos, que depois comprassem títulos para repovoar a região, bem como para o
desenvolvimento das terras e também da ocupação dos núcleos urbanos que estão se
formando (STECA; FLORES, 2002).Outro ponto que queremos discutir é a ocupação das terras
onde hoje se localiza o Município de Icaraíma por meio da colonização feita pela COBRIMCO
(Companhia Brasileira de Imigração e Colonização brasileira), que segundo os relatos e
documentos existentes, remontam a ocupação nestas terras a partir da década de 1950, no
entanto, entendemos que os dados existentes são insuficientes para contar com mais clareza a
ocupação de Icaraíma, e desta maneira teremos como objeto de investigação o rastreamento
e assim a unificação de materiais que expliquem por exemplo a distribuição das terras da
região ( escrituras, documentos oficiais da colonizadora, entre outras fontes), para que
possamos satisfazer os anseios que nos cercam para o entendimento da formação da
sociedade local, cumprindo assim parte do papel da investigação historiográfica que nos é
incumbida.
londrinense. Através de um trabalho que conta com a participação de profissionais das áreas
de história, pedagogia e arquitetura (outras áreas como turismo e geografia já participaram
pelo projeto em outras edições); almejamos despertar a população em geral para a riqueza do
próprio patrimônio que esta a sua volta, mas nem sempre é apreciado ou vivido.Quando
direcionamos nosso olhar para esta importante rua para os londrinenses encontramos alguns
aspectos que ansiamos estudar: primeiramente que foi uma rua que faz parte no nascimento e
crescimento da cidade; segundo a rua pode ser vista como uma representação de
desenvolvimento econômico; e por fim a arquitetura que permeia e integra a história e
memória. Desta forma, esta breve discussão pretende apresentar esta três perspectivas
através de metodologia de pesquisa que envolveu um levantamento da história da Rua
Sergipe, além de dados práticos tanto arquitetônicos alcançados no desenvolvimento de dois
anos de projeto. Neste sentido, partimos para compreensão de determinados conceitos como
a memória que confere identidade a uma pessoa ou localidade, é composta por seu presente e
passado e não fica concentrada em um objeto, fazendo uma conexão entre a objetividade e a
subjetividade do homem. Assim, o patrimônio constitui-se em fragmento de memória, e ao
observarmos o que uma dada sociedade elege como representação do seu passado, pode-se
tentar compreender a identidade social que esta localidade deseja que apareça, ou mesmo
que fique obscura. No caso, a Rua Sergipe faz parte da problemática urbana, que esta dentro
do movimento histórico, ciente disso, precisamos ter em mente à constante mudança social e
arquitetônica. Neste caso existe grande importância em estudar e registrar, sendo funções
necessárias para não se perder o passado, que pode fica obscurecido com a ideia de novo e
progresso; preservação é um conceito que sofrem com os prazos curtos e a falta de interesse
do público em geral. Já algum tempo que a cidades brasileiras pautadas nas ideias de
modernidade tem sistematicamente destruindo sua memória edificada esmaecendo o
passado, que muita vezes só ficar registrado em uma lembrança pessoal. Isto persiste devido à
fragilidade dos órgãos públicos de proteção ao patrimônio em relação aos interesses
particulares que visam o novo; ao desconsiderar a importância da identidade cultural que tem
uma relação intrínseca com o patrimônio histórico-cultural. Esta atitude acaba transformando
os grandes centros urbanos em ambientes hostis e estranhos a população, que acabam não
formando vínculos afetivos, o que intensifica o desinteresse e proporciona o vandalismo. Uma
das preocupações constantes no Projeto Educação Patrimonial se refere à questão da
historicização da memória, compreendemos que suprimir a população do seu patrimônio
levaria a teatralização da memória. Neste sentido, a confecção de dispositivos para relatar o
passado depende primeiramente do envolvimento dos agentes sociais que constituem a
identidade cultural. Portanto, não devemos solicitar à memória individual a que esta venha
salvaguardar o conhecimento produzido pelo homem, graças à relevância que a memória
coletiva adquire e aos novos “locais da memória”. Nesse âmbito, uma gama de pesquisadores
se vertem sobre o passado, tanto elegendo o que deve ser “guardado” na memória como
relativizando a noção da linearidade histórica pela pluralidade oferecida. Desta forma,
trabalhar com a noção de memória seja ela individual ou coletiva da comunidade de Londrina,
foi uma das preocupações e esperamos que seja uma contribuição para manutenção, e se for o
caso reconstrução, da história social da cidade.
O monumento nacional aos mortos da Segunda Guerra Mundial e a memória dos ex-
combatentes brasileiros
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Palavras-chave: Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial; Memória; Ex-
combatentes.
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_________________________ Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
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O patrimônio cultural “Casa Gasa”: análises através do imaginário social de Marechal Cândido
Rondon
Situada no perímetro urbano do município de Marechal Cândido Rondon – PR, a “Casa Gasa”
foi uma das propriedades do Sr. Heribert Hans Joachim Gasa. Está localizada na área central da
cidade, na esquina entre a Rua Santa Catarina e a Rua Independência. A partir do momento em
que ele começou a construção da casa, também se deu o início de imaginários a respeito da
sua vida e da casa que estava construindo.Esses imaginários permanecem, ainda nos dias
atuais. Sustentados pela história de vida de Gasa – um ex-combatente da Segunda Guerra
Mundial pelo Eixo – e por suas práticas cotidianas incomuns para a época (formação
intelectual, autodidatismo, gosto por cálculos complexos e um vida de pouca sociabilidade),
ainda pelas características arquitetônicas peculiares criadas por ele próprio. Esses aspectos
foram e são um campo úbere na formação do Imaginário Social.Já no final da década de 1960,
no período da Ditadura Civil-Militar brasileira, são produzidos documentos que buscavam
comprovar que haviam grupos de alemães nazistas em Marechal Cândido Rondon, e esses
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documentos foram divulgados na imprensa local e regional. Sem bases concretas para
fundamentar essas afirmações, esses documentos teriam apenas por base os imaginários
criados acerca da Casa e de seu proprietário. Atualmente a Casa Gasa é sede do “Instituto
Cultural Casa Gasa” com o apoio da UNIOESTE e da Prefeitura de Marechal Cândido Rondon,
sendo que o imóvel pertence a Dorothea Kocko Gasa, viúva de Joachim Gasa. O local está
aberto a visitações, e também ocorrem alguns projetos de pesquisa e extensão vinculados à
Universidade.Esse espaço ganhou uma maior notabilidade pelo Poder Público Local quando foi
divulgado no site da Secretaria Municipal de Turismo. A Casa Gasa transformou-se em ponto
turístico do município de Mal. Cdo. Rondon. No entanto, o projeto de bem público/patrimônio
não está tão simples de se tornar concreto. O imóvel continua pertencendo a um dono
particular, e a ajuda dos apoios – Universidade e Poder Público Local – é insuficiente para
mantê-lo ativo. Portanto, a manutenção do imóvel pode ser comprometida e a locação do
local para usos diversos poderia ocasionar na descaracterização do lugar, além de ocasionar
algumas dificuldades ou impossibilitar a visitação. No entanto, a Casa Gasa desde a sua
construção tornou-se um tanto curiosa para a população de Marechal Cândido Rondon e
região, despertando o imaginário social. Gasa afirmava que em sua casa havia uma confluência
de diversas culturas nos traços arquitetônicos e nas decorações internas. Como exemplo, um
mosaico de ladrilhos formando a figura de um pássaro, que, segundo o seu autor (Gasa), é a
representação do Condor Andino, símbolo do império Inca. Porém, por muitas vezes é
confundido com a ave representada na insígnia utilizada nos uniformes da SS (um dos
exércitos alemães nazistas). Essa comparação é dada a semelhança das duas figuras e, aliada
aos imaginários da população, essa imagem se remete à suposta identificação de Gasa com o
nazismo. Mesmo que oficialmente Gasa negasse qualquer relação entre as figuras e dele
mesmo com o III Reich. No entanto, em muitas culturas aves com asas abertas são utilizadas
como símbolos culturais.Através de todos esses imaginários advindos dos mistérios das
interlocuções de homens comuns nos discursos sobre a Casa Gasa e seu proprietário, pode-se
constatar até o momento, a formação de uma identidade dos cidadãos de Marechal Cândido
Rondon. Identificação essa, relacionada também com outra identidade, a da germanidade.
Incidida dos costumes, hábitos, linguagem comuns compartilhada pela maioria dos
colonizadores e parte da população de Marechal Candido Rondon e cidades vizinhas. Assim,
o que faz a casa de Heribert Hans Joachim Gasa tornar-se a “Casa Gasa” são os frutos das
relações que as pessoas tecem no seu cotidiano, motivadas sempre pela memória, pela
História Oficial, pelas histórias circunstanciais produzidas pelos atores sociais. E claro, por meio
dos imaginários: produzidos, difundidos e reproduzidos pelos indivíduos, oriundos dos
mistérios que rondam o lugar.
A discussão ora proposta envolve atenção que a preservação jongo como patrimônio imaterial
brasileiro, pois como sabemos o Brasil tem adotado políticas preservacionistas que o coloca
algumas vezes em posição de vanguarda em relação a outros países. Este foi o caso da
A Escrita da História, Universidade Estadual de Londrina
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Sandra C. A. Pelegrini
Doutora em História Social pela USP e pós-doutora em Patrimônio Cultural pela UNICAMP;
Docente da Universidade Estadual de Maringá
O muralismo é considerado pelos especialistas da História Cultural e da História das Artes como
uma fase de “renascimento” da arte mexicana, uma vez que constituiu um movimento artístico
singular, relevante para a arte mundial no século XX.Do ponto de vista da pluralidade cultural
das etnias americanas, da importância da preservação de suas manifestações patrimoniais
(tangíveis e intangíveis) e de suas produções artísticas, consideramos oportuna a abordagem do
muralismo de Diego Rivera (1886-1957), cujas obras estão correndo sério risco de deterioração.
As representações impressas nessas obras do artista e ativista Rivera integram o patrimônio
cultural mexicano, e sem dúvida, trazem uma significativa contribuição ao conhecimento da
história desse continente e de suas paisagens naturais e citadinas. Neste sentido, o objetivo da
presente comunicação de pesquisa está centrado na análise das políticas preservacionistas da
Unesco, em especial no campo da arte pública, bem como na apreensão das obras de Rivera
como fontes documentais para apreensão da história e dos bens culturais, principalmente
porque se tratam de produções que constituem representações de uma determinada memória
social e remetem aos embates relativos ao período da colonização do continente americano. A
análise das narrativas discursivas expressas nessas produções, cujas características temáticas,
estéticas e simbólicas referem-se às fronteiras entre o mundo civilizado e a barbárie, entre os
povos colonizados e os colonizadores tornam-se capitais para a desmistificação de alguns
conceitos equivocados de patrimônio cultural, de arte pública, e também, contribuem para a
interpretação das relações entre o homem e mundo natural, para a apreensão das articulações
entre as comunidades residentes e o sentido de pertença que se edifica por meio de redes de
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Este artigo tem como finalidade socializar as experiências e os resultados das ações
desenvolvidas no PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência do curso de
Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. Trata-se de um programa cujo objetivo é
fomentar a formação inicial de profissionais do magistério e conta com o financiamento da
CAPES com recursos para custeio e bolsas de iniciação à docência para alunos de cursos de
licenciatura e para coordenadores e supervisores responsáveis institucionalmente pelo
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Programa.O subprojeto de Pedagogia elegeu como um dos temas para trabalhar no período
2011/2012 o Patrimônio Histórico, com foco na arquitetura, porque se considerou que o
ensino e a aprendizagem da História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental estabelece
interface direta com a Educação Patrimonial. Os professores, em seu cotidiano, desenvolvem
diversos trabalhos a partir de diferentes concepções do que venha a ser Patrimônio Histórico,
com intuito de fomentar nos alunos a relação com o passado, com a memória, identidade e
com a ideia de preservação e transformação. Aliada a essa prerrogativa, influenciou
diretamente na escolha do tema os excelentes materiais do acervo da Secretaria de Cultura da
cidade de Londrina. Dentre tantos, destacam os produzidos desde 2005, por pesquisadores e
demais envolvidos no Projeto Educação Patrimonial, que conta com o apoio do Programa
Municipal de Incentivo à Cultura – PROMIC. Os materiais citados compõem-se de folhetos,
livros, CD-ROM, livros de literatura infantil, dentre outros, e que estão, em sua maioria,
disponibilizados nas escolas, mas não são utilizados com frequência por grande parte dos
professores para atividades em sala de aula ou para planejamento do trabalho com o
“conteúdo” História de Londrina. Paralelamente ou, contraditoriamente, é crescente a
observação entre os professores quanto à falta de material para se trabalhar com a história da
cidade. Foi a partir desse contexto que o subprojeto “As lentes captam o que o coração sente:
permanências e transformações no patrimônio arquitetônico da cidade de Londrina” foi
elaborado. Nessa temática, a partir do trabalho com o acervo de imagens do Museu Histórico
Padre Carlos Weiss e com o material produzido no Projeto Educação Patrimonial, iniciaram-se
estudos com os alunos e professores supervisores sobre as permanências e transformações na
cidade de Londrina, permeado por construções de textos que expressam a compreensão das
crianças sobre os lugares no presente e as imagens do passado. Simultaneamente, os mesmos
materiais foram trabalhados com os alunos do curso de Pedagogia, na disciplina de Didática da
História para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.A intenção última foi trabalhar com tais
materiais como potencializadores para o processo de ensinar e aprender História na escola.
Portanto, as ações foram desenvolvidas com alunos que apresentavam, segundo as avaliações
advindas das escolas nas quais estudam, “dificuldade para aprender”. Considerando as
peculiaridades do espaço escolar, assume-se a prerrogativa de que a relação professor-aluno é
marcada pelas características desse espaço. Compreende-se a escola enquanto espaço de luta
pelo poder concretizada na relação conflituosa entre o novo e o velho, entre a tradição e a
inovação. Portanto, infere-se que, quando o material do Projeto Educação Patrimonial chega à
escola sofre um processo de didatização, de (re) leitura por parte de professores e alunos. A
não utilização dos mesmos também pode ser compreendida a partir do que venha a ser
didatizar algo que não foi produzido com a finalidade única de ser utilizado em sala de aula (e
essa é a grande riqueza do material). Nessa linha, estão contemplados os referenciais teóricos
e metodológicos deste trabalho: as análises em torno da relação sempre posta entre o saber e
poder, entendendo a escola como uma “instituição de sequestro”, no sentido impetrado por
Foucault, na qual passamos por um processo de disciplinarização. Alia-se a tal prerrogativa o
anunciado por Sacristán (1995) de que a docência, aqui entendida como o ofício diário do
professor de trabalhar com determinados saberes frente a um grupo de alunos, é uma
profissão na qual cada passo deve ser fruto de um processo ou deliberação que resultará em
caminhos específicos. Portanto é impossível determinar todas as variáveis que estão
envolvidas no fazer docente. Consequentemente, soma-se também neste trabalho a
perspectiva de que o processo de formação de professores será sempre heterogêneo.
Compreende-se que a aprendizagem de professores e alunos gira em torno de um eixo: um
determinado saber. Charlot (2000) alerta para o fato de que o saber não é puro objeto
institucional, sendo sempre e, simultaneamente, o resultado de atividade que responde a
normas especificas do saber científico, às normas epistemológicas de um determinado campo
(2000, p. 18). Sendo uma forma de nos relacionarmos com o mundo, conosco e com os outros,
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a relação com o saber ocorre via sensibilidade e ao conter dimensão social é ato de
compartilhamento, que implica em relação com os lugares, com a escola, com os professores,
com os alunos, com os pais. Contendo relações com o passado, com o presente e o futuro tem
dinâmica temporal que torna fonte de embasamento o conhecimento que no contexto se
configura como fundamental. Não sendo um processo acumulativo, mas um conjunto de
relações valorativas entre pessoas, grupos sociais e com os processos e produtos do saber, o
desejo será ponto de partida fundamental para a criação de relações com o saber. Nesta
perspectiva, essa relação será determinada pelo próprio sujeito, na medida em que aprende a
apropriar-se do mundo e nele constituir-se como sujeito. Nesse texto, apresentam-se os
resultados de duas investigações partes do Projeto “As lentes captam o que o coração sente:
permanências e transformações no patrimônio arquitetônico da cidade de Londrina”. A
primeira trata de um estudo sobre o processo de aprendizagem dos alunos de duas escolas
municipal na cidade de Londrina a partir do estudo da Rua Sergipe, lugar importante na
constituição e na memória da cidade. Trata-se de uma rua de comércio popular com prédios
das décadas de 1950 – 1960, datação esta significativa para uma cidade com 78 anos e, ainda
mais significativa para crianças de 9 a 12 anos. A proposta de trabalho foi elaborada a partir de
um dos produtos do Projeto Educação Patrimonial e transitou por outras áreas de
conhecimento tornando-se interdisciplinar e contribuindo de forma significativa para o
processo de aprendizagem. A segunda pesquisa versa sobre um processo paralelo de
construção de saberes vivenciado pelas acadêmicas e professores supervisoras a partir do
estudo do Calçadão da cidade de Londrina. Para tessitura das análises sobre tal lugar utilizou-
se fontes orais, escritas e imagéticas além de pesquisas bibliográficas. Traçando uma linha do
tempo sobre os impactos sociais causados em cada transformação do Calçadão, o objetivo foi
realizar reflexões e elaborar um material para ser levado para a escola a partir do resgate
histórico sobre o lugar em questão, tendo por linha narrativa as reformas realizadas no
mesmo. No ano de 2011, durante a retirada do piso, uma parte do passado esquecida por
alguns e não vista por outros se tornou presente: os desenhos de ramos de café que
enfeitavam a Praça Gabriel Martins na década de 1970. As reflexões aqui apresentadas foram
elaboradas na interseção entre a Educação Patrimonial, a partir dos conceitos elencados no
Projeto Educação Patrimonial, e o processo de ensinar e aprender História na escola. Espera-se
colaborar com ideia de que o patrimônio histórico é um elemento deflagrador para
entendermos quem somos e participar ativamente do lugar a partir do qual somos.
envolvendo esta temática ainda são reduzidas, configurando-se como tema inovador.Os textos
a serem utilizados enquanto base teórica são os de Walter Benjamin, Maurice Halbwachs e
Dominique Poulot. Já para o aporte metodológico serão utilizados os textos de Juan Pérez
Garzón, Tomás Pérez Vejo, Iara Andrade, Giselle Martins Venâncio.Walter Benjamin157 auxilia a
pensar o fenômeno desta pesquisa ao delinear as mudanças pelas quais o estatuto da arte
passa, ao lidar com a era do capital. Fala da memória e da rememoração do passado como
característica da sociedade contemporânea.Por sua vez Maurice Halbwachs traz uma
importante contribuição para historiografia e sociologia ao estudar a conceituação de
memória coletiva. Por outro lado, Dominique Poulot158 discute as principais questões
concernentes ao meio patrimonial na atualidade.Juán Sisinio Pérez Garzón aborda a formação
da identidade nacional espanhola, bem como Tomás Pérez Vejo que trata da questão a partir
da chamada “pintura de história” na Espanha. Iara Andrade trata do conceito de identidade
nacional a partir de Benedict Anderson. E Giselle Martins Venâncio trabalha com pinturas do
Brasil e a construção de identidade nacional.É interessante lembrar que a acepção do termo
identidade a que se refere esta proposta de trabalho é a de que existam várias identidades e
determinado espaço sócio-histórico e não apenas uma única identidade. Esta “modalidade
identitária” a qual Iara Andrade denomina de identidade subjetiva é a que se refere este
trabalho.Pretende-se estudar a recepção das obras de Velázquez, desde o momento em que
começa a interessar colecionadores e as primeiras galerias de arte do mundo e na
contemporaneidade. O enfoque, no entanto, é a(s) possível (is) relação(es) entre as obras de
Velázquez e a construção de identidade (s) nacional(is) espanhola(s) nos dias atuais.Diego
Rodriguez de Silva y Velázquez (1599-1660) nasceu em Sevilha e posteriormente, em Madri, se
torna um dos pintores oficiais da corte de Felipe IV da Espanha. Designado para pintar o rei a
família real, Velázquez tem sua fama obtida principalmente por sua reconhecida habilidade de
retratista.Velázquez realizou várias pinturas no palácio, dentre as quais, vários retratos do rei.
O reinado de Felipe IV passou por tantas dificuldades econômicas e conflitos com
conterrâneos europeus, que os retratos feitos pelo pintor sevilhano parecem ter sido uma
tentativa de Felipe IV de glorificar seu poder e legitimar a sua autoridade real através da arte.
No entanto, a arte de Diego Velázquez arte se tornou emblemática e chamariz de turismo
cultural espanhol muitos anos após o reinado de Felipe IV. Desta forma, a questão que se
coloca aqui é a seguinte: O que faz com que pouco mais de três séculos após sua morte, a
imagem do pintor Velázquez seja uma das primeiras a lembrada quando se fala em arte
espanhola? Acredita-se que a arte de Velázquez através da memória coletiva, segundo a
concepção determine identidades. Neste sentido, pensa-se que a arte na atualidade deva ser
vista pelo viés do patrimônio. Desta forma, estudar os mecanismos pelos quais a arte
patrimonial através da memória constrói identidades é um dos objetivos deste trabalho.
157
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1986.pag.
158
POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no ocidente, séculos XVIII-XXI: do monumento aos valores.
Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
na práxis social. A Internet assim como a TV não são meios passivos eles exercem influência
no cotidiano e consequentemente no meio social. Utilizar uma Rede Social como fonte de
pesquisa é algo bastante instigante e arriscado, percebendo que meu foco é principalmente
um site de relacionamentos, adentrando nas comunidades que por lá se encontram e
finalmente analisando os fóruns e debates. Percebi que muitas vezes as conversas virtuais se
iniciavam com os comentários sobre os episódios e acabavam com relatos de vivência, ou seja,
passava de uma conversa “ficcional” para um debate “real” onde a prioridade era a narrativa
de vida, as experiências pessoais desses telespectadores e internautas. Esses relatos foram
bastante provocativos e não pude ignora-los, traziam falas riquíssimas que muito poderiam
contribuir para esta pesquisa.
Espaços luxuosos e espaços de dominação: a Revista Careta criando a falsa liberação feminina
na Belle Époque carioca
O final do século XIX e início do século XX viu florescer não apenas a constituição de uma
república no Brasil, mas também constantes transformações urbanísticas e principalmente
sociais. Em grande medida, essas transformações podem ser atribuídas a uma parcela da elite
brasileira que desejava a todo custo estabelecer nos trópicos uma sociedade aos moldes
europeus, tendo como referência primordial a França. Desta feita, nas grandes capitais esse
período é conhecido também como a fase da Belle Époque brasileira. Não é essa uma fase que
se inicia propriamente nesse período, mas é nas primeiras décadas do século XX que ela vai
chegar ao seu auge, em especial na cidade do Rio de Janeiro, a então capital brasileira. O
prefeito Francisco Pereira Passos, inspirado nas modificações francesas estabelecidas por
Hausmann, embelezou o Rio de Janeiro, criando diversos espaços públicos destinados para a
sociabilização das classes mais abastadas, além de inaugurar diversos Boulevards e tentar
mudar hábitos e costumes que eram vistos como inapropriados para uma sociedade que se
desejava civilizada. Mesmo com tais reformulações nos espaços públicos, as classes abastadas
que mantinham um contato com a Europa, percebiam que existia uma distância muito grande
entre a nossa sociedade com o que se considerava “civilização”. O que se estabelecia era uma
falsa modernização, já que modernizar-se ia muito além de embelezamentos arquitetônicos e
a adoção de costumes que eram em grande medida inapropriados para a nossa realidade.
Essa ideia de modernização era difundida pelas revistas ilustradas, as quais se constituíam em
um marco do progresso e da modernidade, já que junto dessa virada do século chega ao Brasil
novas tecnologias de reprodução e impressão, que possibilitam uma maior agilidade na
produção e um volume maior de impressão, além de melhorar a qualidade e a estética gráfica
com o uso de papel do tipo couché, o qual proporcionava mais brilho e luminosidade nas
impressões coloridas. Essas revistas ilustradas, ao contrário de suas antecessoras que tinham a
sua permanência no mercado por vontade de seus idealizadores, eram empresas voltadas para
uma maior lucratividade, e consequentemente tiveram uma maior circulação nacional. São
justamente essas melhorias tecnológicas que possibilitaram que essas revistas saíssem do
âmbito local e restrito a capital, e passassem a circular pelos demais centros urbanos, levando
essas ideias de modernização e civilização da Belle Époque. No âmbito desse desenvolvimento
destaca-se a Careta, uma revista ilustrada de generalidades que buscava abranger um público
seleto, tentando agradar esse público com o seu designe gráfico. Por ser uma revista ilustrada,
deu-se uma maior visibilidade para as suas charges, as quais vão ter um importante destaque
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Esta comunicação visa historicizar o Kama-sutras de Vatsyayana, que foram traduzidos pela
Sociedade Hindu Kama-Shastra, na figura de Richard Francis Burton. Nossa pesquisa tem por
foco o contexto da primeira publicação (Inglaterra em 1883), em que propomos discutir a
inserção dos kama-sutras, na sociedade inglesa do período, a partir das discussões de Michel
Foucault, e suas considerações sobre os "dois grandes procedimentos para se produzir uma
verdade sobre o sexo": Ars Erotica e Scientia Sexualis. Para ele, Ars Erotica - ou arte erótica -
caracteriza as práticas culturais das sociedades chinesas, indianas, japonesas, romanas, onde
"a verdade [sobre o sexo] é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido
como experiência. Enquanto que a Scientia Sexuais caracteriza o surgimento na Idade
Moderna da sexualidade, procedimento que se tornou hegemônico nos países ocidentais.
Nestes, a Scientia Sexualis (ciência sexual) criou um poder-saber científico capaz de produzir
uma "verdade sobre o sexo", que determina comportamentos “normais”, permissões,
restrições e interdições. Observamos no corpus dos kama-sutras a instituição de saberes à
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e organizações sociais. Nesse sentido, diversos autores trabalham com o papel da mulher nas
sociedades (BOFF, 2002; DEL PRIORI , 2000; STEARNS, 2007;), bem como a influência da mídia
na construção de identidades sexistas (SARUP, 1996; BUTTLER, 1990; CASTELLS, 2001). A partir
dessa trajetória e observando a própria história da pornografia (HUNT, 1988, LEITE JÚNIOR,
2006; MORAES e LAPEIZ, 1985;), foi possível perceber que a pornografia veio caminhando
para uma nova representação pós-moderna, ou seja, a opacidade das fronteiras entre o
erótico e o pornográfico, sobretudo em função do discurso consumista. Essa tendência já é
apontada na história da pornografia, todavia o presente estudo traz os resultados parciais da
pesquisa de doutorado sobre a comodificação feminina na rede de práticas discursivas
multimodais que promovem o Funk; trabalho que discute as diferentes redes textuais que
promovem o discurso Funk: as letras de músicas funk, as capas de CDs funk e os textos e
imagens vinculados no Jornal Folha de São Paulo sobre as “Mulheres Fruta”. Usando como
base a ACD (FAIRCLOUGH, 1992, 2003, 2006), a pesquisa, constatou que a representação
feminina foi e é a estrutura principal do discurso pornográfico, mas observa que a pornografia
ganhou força maior como instrumento para o consumo na pós-modernidade. Através dela,
vendem-se diferentes produtos, sempre partindo do uso da imagem feminina objetificada,
comodificada em um discurso sexista. A imagem feminina é ao mesmo tempo instrumento e
produto de venda. Sendo assim, a aceitação da pornografia e suas novas formas de
representação em discursos legalizados representa um novo momento social, que pela
influência do discurso do consumo naturaliza um discurso sexista contra a mulher.
A historiografia desde fins do século XX até inicio do século XXI tem passado por
transformações significativas no campo do estudo da história cultural, principalmente no que
diz respeito às relações de gênero. Nessa perspectiva, o corpo feminino vem sendo uma
temática cada vez mais visada e aprofundada. São mudanças ocorridas nas visões, nas
representações e nas categorias de análise históricas, nas práticas e experimentações das
relações humanas construídas através de discursos imbuídos de relações de poder sobre a
visão do corpo. O entendimento das relações de poder a organização social, material e
simbólica é determinado pela compreensão de que as imagens, visões de mundo, discursos,
enfim, todas as formas de representação social são percebidas como participantes do processo
de formação de condutas.A escrita do artigo fundamenta-se em preceitos da História Cultural.
A proposta de pesquisa procura estabelecer uma análise das experiências voltadas para a
observação de mudanças/permanências culturais entendidas sob os efeitos das relações de
poder e resistência a partir de aportes discursivos utilizados para investigar as diferentes
formas de realização do parto no período de 1980 a 2010. A pesquisa apresentada visa
trabalhar com os variados discursos da medicalização do corpo feminino e da humanização do
parto. Desta forma, trabalhar-se-á com os discursos médicos e com relatos de experiências de
parto. São discursos que vem passando por uma mudança gradual, quando observados
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alunos e alunas por estágio de desenvolvimento, de uma maior especialização dos professores
e professoras, em suma, das transformações que racionalizaram o ensino, tornando-o afeito
aos ideais burgueses e republicanos. A partir dessas mudanças, verificamos que algumas
gradações foram criadas para a atuação profissional do homem no espaço escolar, sendo mais
comum vê-los durante as primeiras décadas do século XX entre os segmentos posteriores ao
ensino primário ou nos cargos administrativos, de coordenação e direção, o pode revelar as
práticas e tramas discursivas da constituição das relações de poder baseadas nas diferenças de
gênero no espaço da cidade. Por isso, partimos da ideia de que a cidade enquanto vitrine do
processo de construção da modernidade, aparece como (re) definidora de novos modelos de
papéis sociais para homens e mulheres, e por conseguinte, de novas percepções em torno
dessas mudanças. A educação escolar de crianças passa a ser uma atividade feminina,
marcadamente construída pelo seu avesso (o masculino), logo, dos homens como sujeitos que
tornam-se poucos aptos a educar crianças. Investigaremos a trajetória masculina nesse
contexto avesso a fim de expressar as representações que contribuem para (re) constituir as
especificidades da docência exercida por eles, bem como das demais funções que estes
desempenhavam no espaço escolar. Para isso faremos uso principalmente das memórias
inscritas nas fontes impressas como livros, jornais e documentos escolares a partir dos
diálogos teóricos estabelecidos com Chartier (representação), Scott (Gênero como categoria
de análise histórica), Foucault (saber/poder e discursos), Judith Butler (limites discursivos do
sexo/materialização do gênero) e Certeau (relatos/práticas de espaço). Buscamos apresentar
as mudanças na forma de praticar o espaço escolar no Brasil republicano e suas reverberações
na cidade de Campina Grande. Em seguida tratamos das especificidades da interface entre o
espaço escolar e as representações da masculinidade no ensino de crianças. Nesta interface
percebemos que o espaço escolar fora constituído como um espaço de apresentação de um
paradigma moderno de se portar no espaço público, de destacar as diferenças de gênero
fazendo uso produtivo destas, ou seja, o trabalho docente passou a ser reelaborado para
atender a sociedade burguesa em transformação, primeiro com a presença significativa das
mulheres e depois com a extinção de práticas “artesanais” para dar espaço a uma tendência
técnica e racional ao ensino, através da qual os grupos escolares passam a ser representativos,
colocando homens e mulheres no mesmo território, mas em espaços de atuação diferentes.
Logo, investigamos o recorte espaço-temporal que compreende Campina Grande durante o
período de 1909 a 1941 questionando em que medida a espaço escolar como fenômeno
essencialmente moderno ligado a cidade invisibilizou e indizibilizou a atuação dos corpos
masculinos no magistério, sobretudo no ensino primário, criando outras espacialidades para
estes no ensino formal, a partir de um discurso racionalista e modernizante.
acordo com o contexto do qual fala o historiador.A análise foi baseada nas discussões trazidas
pelo estudo de gênero, e como este tem sido utilizado pelos historiadores. Assim será possível
refletir como a mulher está colocada na sociedade antiga a partir da construção das relações
de gênero e como o seu lugar ele é analisado e discutido pelos historiadores de nosso
tempo.Mesmos sendo recente, o estudo de gênero tem se modificado e atualizado
constantemente, e tem contribuído cada vez mais para a pesquisa histórica, inicialmente,
entre as décadas de 1960 e 19870, com a história das mulheres, que cada vez mais inseridas
no meio acadêmico, buscavam o seu lugar nos temas das pesquisas, depois, entre as décadas
de 1980 e 1990, quando passou a utilizar-se o termo gênero para designar construção cultural
das diferenças sexuais, e sofrendo ainda mais desdobramentos, o estudo de gênero tornou-se
ainda mais amplo, trazendo a tona além das mulheres, homens, crianças, jovens,
homossexuais, antes silenciados na historiografia, dando voz ás diferenças, e à forma como
nos construímos de acordo com nossa cultura e sociedade. Como a categoria gênero é ampla,
devo dizer que nesse trabalho o foco será sobre o lugar ocupado pelas mulheres chamadas de
“prostitutas sagradas” na Mesopotâmia e na terra de Canaã e como a forma de enxergar essas
mulheres tem se transformado ao longo das pesquisas históricas sobre o assunto.É possível
perceber, na própria produção historiográfica, como o papel dessas mulheres é desconstruído
e reconstruído ao longo do tempo, de acordo com os fatores que influenciam na escrita do
historiador e que “uma leitura do passado, é sempre dirigida por uma leitura do presente”
(Certeau, 1975: 34), ou seja, o pesquisador irá pensar e escrever sobre esse tema de acordo
com o período e sociedade na qual vive e pela qual é influenciado, mesmo que de forma
subjetiva. Segundo Joan Scott, “a História é tanto objeto da atenção analítica quanto um
método de análise.” Portanto, utilizarei a historiografia, também, como objeto de análise da
construção das diferenças de gênero de acordo com o contexto do qual fala o historiador, me
basearei sobre as obras já escritas para pensar como os vestígios do passado podem causar
diferentes reações nos pesquisadores, reações essas desencadeadas pela bagagem sócio-
cultural que estes já possuem.O debate a respeito da existência da prostituição sagrada na
Mesopotâmia tem sido tema de pesquisas sobre a antiguidade. Existem os autores que
afirmam a existência da prática, e aqueles que questionam o termo prostituição, visto que a
prática do sexo ritualístico não pode ser encarada com os valores morais da sociedade
ocidental contemporânea. Robert Dofour, autor do século XIX, baseado nos relatos de
Heródoto e da Bíblia hebraica, afirma a existência da prática da "prostituição sagrada” nos
templos mesopotâmicos e se utiliza de juízos de valor para colocar a prostituição como prática
imoral. Para Stephanie Lynn Budin a prostituição sagrada nunca existiu, pois as fontes não
tratam de nada parecido, e todas as definições são abstratas. A autora fala que oferece não é
apenas uma definição de um ritual ou prática, mas sim um esboço de uma aglomeração de
idéias artificiais que foram postas juntas na imagem de um ritual, instituição ou prática. Há
autores, como Gerda Lerner, que defendem a transformações dos valores ao longo do tempo.
De sacerdotisas importantes e mulheres independentes e sexualmente livres, as “prostitutas
sagradas” se tornam meretrizes comuns de acordo com a modificação da mentalidade que
passa a ser patriarcal. Para embasar esse pensamento, os autores se utilizam também da
categoria gênero para analisar a mentalidade da sociedade mesopotâmica, e como esta foi se
alterando.Podemos perceber que o momento do qual fala o historiador influencia em sua
análise do objeto. Dofour escrevem em Lisboa do século XIX, quando imperavam o
conservadorismo moral e os valores masculinos, enquanto Budin e Lerner, embora tenham
visões um pouco diferentes escrevem nos EUA, a primeira em 2008, a segunda em 2010,
influenciadas pelo estudo de gênero e as novas perspectivas históricas. Assim, podemos
pensar o gênero como uma categoria útil de análise histórica (SCOTT, 1990) para refletir sobre
as relações colocadas nos trabalhos desses autores, relações construídas em seu contexto e
Entre Dona Feia e os concursos de beleza: Relações de gênero nos discursos sobre o corpo
feminino na imprensa de Fortaleza nos anos 1920
beleza era observada, almejada, redefinida e ganhava enorme visibilidade na cidade que se
modernizava e refletia anseios cosmopolitas no começo do século. O corpo feminino – ou
melhor, determinadas regiões dele – e o gestual eram submetidos a um conjunto de normas e
ao julgamento dos editores e leitores nos diversos concursos promovidos pelas revistas
ilustradas que circulavam entre os bem nascidos de Fortaleza, como Ba-Ta-Clan, A Jandaia e
Ceará Illustrado. Os atributos de beleza e, por conseguinte, o novo perfil de mulher, eram
avaliados em competições como “Os mais lindos olhos”, “A mais bela cabeleira à la garçonne”,
“A mais bela pianista”, “A mais bela freqüentadora do Passeio Público”, “A mais bela
freqüentadora do cine Moderno”. Não por acaso, todos exemplos aqui mostrados referem-se
às mulheres. A leitura dos textos e imagens encontrados nas fontes pesquisadas, dos anos
1920, mostram o quanto o corpo feminino era colocado no centro das atenções, sendo
exaustivamente observado, julgado, redefinido em novos padrões e disciplinado de várias
formas – embora passasse a desfrutar também de liberdades inéditas até então. Virtudes e
desvirtudes femininas também passavam pelos corpos e pelas proximidades e distâncias que
eles guardavam das noções de beleza e fealdade. Reconhecemos o corpo como variável
historicamente – e também são variáveis os sentidos a ele conferidos em diferentes culturas,
espaços e temporalidades. Nesses termos, não abordamos a beleza e a feiúra de forma
dicotômica, mas compreendendo que essas noções são sempre provisórias, com fronteiras
fluidas, incessantemente remodeladas.
Este recorte faz parte de uma pesquisa mais ampla, realizada no doutorado, intitulada “Jogos
de aparências: beleza e fealdade em Fortaleza nas primeiras décadas do século XX”. O objetivo
desta comunicação é historicizar a construção social das distâncias entre os corpos segundo
padrões estéticos socialmente aceitos e/ou rejeitados, observando de que forma as relações
de gênero participam desta elaboração da beleza e da feiúra. Trata-se de um processo
complexo que também abrange outras dimensões, como o saber médico, interesses
econômicos do mercado emergente, princípios religiosos em contraste com o mundanismo
que ganhava terreno no espaço urbano, entre outras. Neste momento, focalizamos a cidade
de Fortaleza nos anos 1920, em uma reflexão que parte de dois eixos. Primeiramente, os
discursos encontrados nas imprensa foram, em sua maioria, produzidos por homens sobre a
beleza e/ou feiúra das mulheres – o que já fornece uma série de elementos para pensar em
jogos de poder. Em segundo lugar, deseja-se mostrar neste estudo algumas repercussões da
proliferação desses discursos sobre a mulher, tanto sobre os corpos femininos quanto os
masculinos
Materiais e métodos
A ciência, segundo Gornick (2009) nunca é resultado de um só sexo, e nas relações de poder
entre homens e mulheres dentro de laboratórios, não se pode deixar de vislumbrar a
perspectiva de multiplicidade da agência de pesquisa, muitas vezes partilhada entre os
gêneros. Portanto, acredita-se que é necessário acompanhar e refletir sobre as questões de
gênero envolvidas na produção e reprodução destes saberes científicos no Brasil,
proporcionando a estas agências financiadoras nacionais, dados científicos que lhes permitam
aproximarem-se daquelas de países como os Estados Unidos da América, o Canadá, a Grã-
Bretanha ou da União Europeia, no que diz respeito ao reconhecimento da importância de se
compreender e ampliar a participação das mulheres na produção do conhecimento cientifico e
tecnológico.
O Sul do Brasil concentra alguns dos melhores cursos de Engenharias do país, com grande
procura por candidatos a vestibulares oriundos não só do Sul e Sudeste, mas de outras regiões
brasileiras. Em sua maioria são cursos recentes e estruturados em universidades públicas
federais e estaduais, tais como os da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
Florianópolis, estado de Santa Catarina e os da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em
Maringá, Paraná.
Dessa forma, a ideia de estabelecer um estudo qualiquantitativo na perspectiva proposta por
Abramson et al. (2009), permite interpretar a presença de mulheres em cursos de Engenharia
no sul do Brasil a partir de um ponto de vista que pode pensá-las como agentes tecnológicos
em espaços importantes para sua atividade científica, que vão da casa à academia, da
interação entre novas tecnologias, crenças e práticas sociais, do impacto do desenvolvimento
tecnológico e científico na família e na sexualidade, e, principalmente, do impacto da cultura
sobre a percepção da mulher em espaços acadêmicos majoritariamente masculinos.
documentam como a relação entre o gênero e a ciência é recíproca e com mudanças históricas
em diferentes tempos e espaços (BAUR, 2009).
Segundo R. Heap (2006), esse processo representa um deslocamento da leitura da “mulher e a
ciência” que focalizava apenas o papel da mulher em setores dominados pelos homens, como
é o caso de algumas pesquisas já realizadas no sul do Brasil, que versam sobre casos de
“mulheres pioneiras” nesses campos de conhecimento como a Engenharia, para uma leitura
histórica na qual existe uma demonstração da participação ativa das mulheres no campo
científico e tecnológico. A tecnologia e a ciência constroem o gênero, bem como as definições
modernas sobre o que é ciência e o que não é. Contudo, é a partir de estudos históricos que
essas relações são colocadas em perspectiva de tensões e contingências, onde o papel de
homens e mulheres muda, já que gênero e ciência também são construções históricas (HEAP,
2006). Heap (2006), ao pensar essas relações entre ciência e história, historicizou o
deslocamento ocorrido na interpretação sobre a ligação entre mulheres cientistas e ciência,
desde as posições feministas até a perspectiva de gênero. Para ela, se as feministas tinham
contribuído para o discurso da “mulher como vítima” das tramas científicas masculinas, o que
resultava em poucas histórias de sucesso de mulheres no campo científico, a incorporação da
categoria de gênero fez deslocar a mulher do papel de vítima e reposicioná-la dentro da
complexidade social na qual as cientistas constroem sua trajetória acadêmica e profissional
(HEAP, 2006, p.8).
De todo, as mulheres ainda são invisíveis se comparadas às histórias de sucesso no campo da
ciência. Talvez essa constatação seja apenas superada a partir de pesquisas mais sensíveis,
como pensa Heap (2006, p.8), à diversidade de experiências de vida de mulheres, em
diferentes tempos e contextos, mas também de homens cientistas em leitura comparativa ou
contrastiva.
Discussão
A partir do delineamento das IES públicas que ofertam cursos de Engenharia no Sul do Brasil,
foi necessário estabelecer reduções, uma vez que o trabalho com 15 instituições não seria
viável, e nem todas elas teriam dados consolidados a oferecer no que diz respeito aos
elementos perscrutados na pesquisa. Optou-se, portanto, em desconsiderar universidades que
não tivessem dados consolidados a informar para todo o período de publicação dos Censos do
CNPq. Assim, levando em conta a estratificação dos grupos de pesquisa em Engenharia, foram
excluídas as instituições Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), Centro Federal de
Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFET/SC) e Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul (UERGS), o que trouxe para 12 o número de universidades possíveis de serem estudadas a
longo prazo. Por fim, restou identificar, no todo, as universidades que apresentassem maior
dinamismo em termos de constituição de grupos de pesquisa. Novamente, a estratificação dos
grupos de pesquisa levou à conclusão de que as universidades a serem elencadas para o
estudo, por apresentarem similaridade no dinamismo da constituição de grupos de pesquisa
em engenharias (seguindo alguns critérios como a velocidade de formação de novos grupos),
seriam a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Estadual de Maringá
(UEM).
Os casos da Engenharia Elétrica e da Engenharia Mecânica na UFSC demonstram a tendência
tradicional desse curso constatada também na UEM. No caso da UFSC, das 100 vagas anuais
ofertadas no vestibular, as mulheres não alcançam 10% das aprovações, num período que vai
de 1998 a 2009. O exemplo da Engenharia Elétrica é seguido de perto pelos dados coletados
sobre a entrada de mulheres no vestibular para o curso de Engenharia de Produção Mecânica
da UFSC, no mesmo período (COPERVE, 2010). Apesar da Engenharia Elétrica, Engenharia
Mecânica e da Engenharia de Produção Mecânica apresentarem esses dados, o caso mais
exacerbado de disparidade entre homens e mulheres no que diz respeito a vestibulares na
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UFSC é o da Engenharia de Controle e Automação Industrial, entre 1999 e 2009. Das 60 vagas
anuais do vestibular, não ocorreu a entrada de mulheres em diversos vestibulares, com poucas
exceções. Como já descrito em tabelas anteriores, se, em números absolutos da UFSC há maior
entrada de homens nos cursos de engenharia, há que se levar em conta a relação intracursos e
o caráter não monolítico ou homogêneo desses campos de conhecimento.
Conclusões
Apesar de um incremento significativo da entrada de mulheres em um curso específico de
Engenharia, que é o de Alimentos, na UFSC, os dados arrolados até aqui demonstram que
existe ainda uma majoritária entrada de homens nos demais cursos, pelo menos em dois pólos
de formação de engenheiros e engenheiras no sul do Brasil, Maringá e Florianópolis. Mas que
por outro lado, os dados observados mostram que há uma entrada constante, às vezes menor,
às vezes maior, mas constante. Tal deve ser pensada como a conquista de um espaço,
pequeno, por certo, mas é um espaço conquistado e constante.
O aumento das escolas e cursos de ensino superior assim como a maior segmentação das
Engenharias podem ser mecanismos de atração para tornar esta área, assim como outras, alvo
de interesse tanto para mulheres quanto para homens. A equidade de condições de estudo e
de carreira pode ser possível ultrapassar esferas construídas artificialmente, que são reiteradas
diariamente, e que, portanto não são naturais. Engenharias são diversas assim como são as
aspirações de inúmeras mulheres. Na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
segundo reportagem institucional publicada em 16 de março de 2011, Mulheres são destaque
nos cursos de engenharia da Udesc Joinville (UDESC, 2011). De acordo com a matéria, há cerca
de 1500 estudantes nos cursos de engenharia da UDESC campus de Joinville, e, desse total,
cerca de 20% são mulheres. Contudo, o número absolutamente superior de homens
matriculados nesses cursos não obscurece o fato de as mulheres terem as melhores notas dos
que se formam, fato que “vem se repetindo a cada formatura do Centro de Ciências
Tecnológicas da UDESC” (UDESC, 2011). Ainda assevera a reportagem da UDESC que, “A
exemplo da formatura do primeiro semestre de 2011, durante a cerimônia de outorga de grau
do dia 19 de fevereiro, dos 96 formandos (18 em elétrica, 28 em mecânica, 13 de civil e 37 de
engenharia e produção e sistemas), a formanda Mariana Peixoto, do curso de engenharia
mecânica, foi a primeira colocada no cômputo das turmas de engenharia, por ter cursado
todas as disciplinas na UDESC e não ter tido nenhuma reprovação ao longo do curso, com
média geral de 8,63. O resultado mostra dedicação e força de vontade” (UDESC, 2011). Na
formatura de Engenharia Elétrica da UDESC na mesma data, a melhor aluna foi Jucieli Frena;
no curso de engenharia civil, Helena Paula Nierwinski e no curso de engenharia de produção e
sistemas a aluna Michelle Neves (UDESC, 2011). Em certa medida, os dados comemorados pela
UDESC no que diz respeito às formaturas de engenharia de 2011, têm ligação com uma
tendência já relatada em 2004 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (INEP, 2011).
Na reportagem Aumenta participação feminina em cursos de engenharia, de 8 de março de
2004, o INEP, ao interpretar dados do Censo da Educação Superior, ponderava o seguinte:
“Espaço de predominância masculina, os cursos de engenharia contam cada vez mais com a
participação das mulheres nos seus quadros de matriculados. É o que pode ser constatado na
comparação dos dados de 1991 e 2002 do Censo da Educação Superior realizado pelo INEP
(INEP, 2011). E a reportagem continua dizendo que, Em 12 anos, o número de alunas nas
engenharias cresceu de 25,5 mil para 42,8 mil – um aumento de 67,8%. No mesmo período, a
quantidade de homens nesses cursos ampliou 38,7%. Com essa diferença, a
representatividade feminina em relação ao total de matrículas subiu de 17,4% para 20,3%
(INEP, 2011).
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em: 1 nov. 2009.
Esta comunicação anseia discorrer sobre parte de uma dissertação que, por sua vez, pretende
refletir sobre a relação do corpo, moda e os usos destes como fonte histórica, porém, não de
um ponto de vista de uma historiadora, mas sim do de uma designer que pretende realizar um
trabalho como historiadora, em que fará análise e pesquisa sobre as mutações do vestuário
feminino da década de 1920 na cidade de Paris e o uso da moda como instrumento de
comunicação. E que, por se tratar de um olhar de novo ângulo, a moda, neste texto, não se
coloca como causa, e tampouco como conseqüência das transformações do corpo, mas sim
ambas, e o mesmo se afirma do contrário (o corpo sendo causa ou conseqüência das
alterações da moda). Por conta disto, acredita-se que no século XX a ligação corpo/moda é
muito mais complexa do que fora até então, e o que este implexo foi aumentando conforme o
decorrer deste período. Afirma-se isso, primeiramente, porque devemos lembrar que a moda,
como nas circunstâncias atuais, não é existente a todos os povos, e nem a todas as épocas da
humanidade, conforme o pensamento do filosofo francês G. Lipotevetsky em seu livro O
império do Efêmero: A moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações [...]
Contra a idéia de que a moda é um fenômeno consubstancial à vida humano-social, afirmamo-
la como um processo excepcional, inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo
moderno ocidental. Durante dezenas de milênios, a vida coletiva se desenvolveu sem culto das
fantasias e das novidades, sem a instabilidade e a temporalidade efêmera da moda [...] Só a
partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como
sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias
[...]E, além das afirmações de Gilles, se calcula que passados o renascimento, a idade das luzes
e século XIX, foi somente nos anos loucos, com as privações de materiais, decorridas da
primeira guerra mundial, é que se fez uso, mais do que nunca, de processos projetuais
extremamente estudados e discutidos, instituindo, então, pela primeira vez a configuração
contemporânea da moda. Em segundo lugar pelo motivo de que, a sociedade ocidental, sua
cultura e valores morais sofreram, por questões econômicas e políticas (também oriundas da
primeira guerra), abalos inéditos até então ocorridos na sua história, e conseqüentemente
atribui-se uma nova acepção do corpo, segundo filósofo fenomenólogo francês, Maurice
Merleau-Ponty em seu livro Signes, publicado em 1960:Nosso século apagou a linha divisória
do ‘corpo’ e do ‘espírito’ e encara a vida humana como espiritual e corpórea de ponta a ponta,
sempre apoiada sobre o corpo [...]. Para muitos pensadores, no final do século XIX, o corpo era
um pedaço de matéria, um feixe de mecanismos. O século XX restaurou e aprofundou a
questão da carne, isto é, do corpo animado.Sendo assim, foram os deslaços destas novas
situações, portanto, o que causou modificações à estética dos corpos, vestuário e às
representações destes. Outro ponto a ser colocado é que, por não mais se dissociar a carne de
l'esprit, por conseguinte o corpo adquire dupla função, em que ele pode ser ator e cenário
histórico. Ele é suporte para ostentar e manipular a cultura material (onde a moda está
inserida e estes objetos, inclusive do vestuário, lhes servem de signo, porque a moda é,
também, discurso) e ao mesmo tempo ele é a própria fonte por esta característica proteiforme
que possui, ou seja, ele expõe objetos que sofrem alterações e também diretamente se altera
nesta intrincada conjuntura moda/corpo. Como já foi mencionado anteriormente, no período
entre as duas grandes guerras, sufragistas parisienses na ânsia por igualdade de direitos entre
os gêneros, se utilizaram da moda como ferramenta de comunicação, estas mulheres
utilizaram objetos do vestuário masculino na tentativa de sensibilizar os senadores franceses
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de uma igualdade de pensamento entre homens e mulheres, dando desta maneira, origem a
moda garçonne entre as francesas tendenciosas à vida moderna.
Portanto, este recorte histórico e geográfico proporcionará, a esta comunicação interrogar
historicamente as relações de causa e conseqüência entre corpo e moda, e situar o corpo
como agente e cenário histórico, e, deste modo, igualmente proporcionar que se rume a
futuros trabalhos e em que se questionarão os usos destas relações no século XIX, que por
lógica tendem a ser m
Maristela Carneiro
Doutoranda em História / PPGH - Universidade Federal de Goiás
Orientadora: Profa. Dra. Maria Elizia Borges
Esse trabalho faz parte da minha dissertação de mestrado que está em fase de conclusão pelo
programa de Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru). A
dissertação terá como tema central as representações pelas imagens do corpo masculino em
veículos homoeróticos. O recorte para esse artigo é para apresentar as análises de fotografias
dos corpos masculinos no primeiro veículo de comunicação de cunho homoerótico de
circulação nacional: o jornal Lampião da Esquina, que circulou em os anos de 1978 e 1982. A
proposta de análise das fotografias da capa desse jornal é de pensar como foram articulados
os signos de representação de identidade e cultura no universo homoerótico naquela época e
perceber as intenções da articulação para a construção desse discurso fotográfico.
O jornal Lampião da Esquina foi o primeiro veículo alternativo direcionado à comunidade gay
que circulou com maior abrangência em território nacional. A intenção dessa publicação era de
promover o reconhecimento dos homossexuais como cidadãos, na tentativa de amenizar
estigmas e preconceitos quanto a esses indivíduos frente aos seus desejos, práticas e
identidade. O jornal deixou marcas na história da imprensa alternativa (também conhecida
como nanica) por realizar o enfrentamento das estruturas de poder e ir de encontro com a
promoção de indivíduos considerados “marginalizados” pela sociedade.
As imagens são construídas de forma discursiva, ou seja, são compostas por signos que quando
são articuladas com outros signos pertencentes à composição da fotografia oferecem
significação. Além dessa articulação, a imagem que a fotografia oferece não se restringe
apenas aos elementos fotográficos para a promoção de sentido, mas também aos contextos
culturais, sociais e econômicos. Por isso, que a imagem que a fotografia carrega é considerada
como uma representação de um determinado momento histórico daquilo que está sendo
retratado (Kossoy, 1989)159. Certamente, esse recorte não se articula de maneira isenta de
intenções, há alguma necessidade, mesmo que inconsciente, para haja a significação do
processo de produção fotográfico.
Por isso, que as imagem também são dotadas de significações que não se limitam aos
processos de registros, mas podem ser interpretadas como símbolos de representações sociais
e marcos de uma narrativa discursiva. Como é o caso das representações midiáticas das
imagens do corpo. As imagens midiáticas são na mesma proporção um reflexo do tempo e do
espaço em que foram retratadas um caminho a ser seguido pelo público receptor, ou seja,
uma retroalimentação dos discursos midiáticos. Com a aplicação da metodologia para análise
de fotografia (Felici, 2011)160, esse trabalho pretende verificar como são articulados os signos
imagéticos nesse jornal e interpretá-los, levando em consideração não apenas a composição
dos signos fotográficos, mas também as marcações sociais e históricas que levaram à formação
desse discurso fotográfico.
Com a análise de imagens dessas fotografias, pode-se perceber que houve uma polifonia
discursiva quanto às representações imagéticas do corpo, em que essas não se limitam em
apenas apresentar o corpo como uma forma de prazer e desejo, rente aos ideais capitalistas
de consumo. Ao contrário das publicações atuais direcionadas a essa parcela da sociedade em
que há extrema valorização do corpo, ainda mais quando se encontra fora do alcance das
marcas do tempo, preserva a juventude e posterga a morte.
159
Kossoy, Boris. Fotografia e História. Editora Ática:- São Paulo, 1989
160
Felici. Javier Marzal. Cómo se lee una fotografía: interpretaciones de la mirada. 4ª ed. Cátedra: Madri, 2011
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Levando em consideração a perspectiva teórica de que o corpo (os corpos) é percebido através
de conjuntos de representações mentais, com a mediação dos discursos sociais e dos sistemas
simbólicos, este GT objetiva propiciar a discussão sobre as leituras sobre os corpos e as
construções de masculinidades e feminilidades que sobre eles incidem. A inteligibilidade do
corpo no mundo moderno se encontra permeada pela construção de hierarquias sociais
pautadas nessa pretensa materialidade. Partindo da categoria gênero este debate visa
aprofundar como os produtos midiáticos, as culturas institucionais, a cultura política, os
discursos da Medicina, do Direito, da Moda, etc., se estruturam a partir da lógica binária
masculino/feminino.
MOREIRA, Rosemeri
Dra. História
Faculdades Guarapuava/LAHG-UNICENTRO
minoria dos melhores, marcada pelo distanciamento com os “paisanos”, é perceptível nessa
representação de nobreza e altivez moral que se funda no corpo. A crença de “viver de
maneira correta” e possuir as qualidades descritas diferenciam e hierarquizam militares e civis,
e principalmente os homens e as mulheres. A busca pela coesão interna se dá através da
ênfase da percepção de si como diferentes e melhores. Traduzido como espaço
eminentemente masculino, o militarismo e a virilidade encontram-se entrelaçados como a
capacidade para a guerra, para a ação, para a violência. Stéphane Audoin-Rouzeau assinala
que o afastamento simbólico do corpo das mulheres dos combates é uma “inva-
riante universal que em todas as sociedades humanas afasta o corpo das mulheres do porte
das armas [...] de toda possibilidade de agressão à barreira anatômica que provoque
derramamento de sangue” (2008, p. 414). Pela leitura sexual dimórfica e biologicista, a
capacidade de suportar e infligir violência, necessária ao combate, encontra-se encarcerada no
corpo de homens. Corpo esse biologicamente pensado como
detentor de força física e também força moral de proteger os demais corpos carentes de
virilidade: os corpos infantis, os corpos das mulheres e os corpos envelhecidos. Helena
Carreiras (2009) discute o processo em que os termos masculinidade e militar foram
plasmados numa “grelha simbólica”, que dicotomiza a relação mulheres-paz e homens-guerra.
Processo em que a imagem do “outro-mulher”, mesmo que não unívoca, desempenha um
papel crucial na definição de militar como alteridade referencial. A ideia de mulher, segundo a
autora, cristalizada pela sua ausência, constitui um elemento estruturante do universo
simbólico da cultura militar.
da História. Hoje ela se incorpora, gradualmente, nos estudos sobre diferentes assuntos
vivenciados no período de sua vigência, mas principalmente por tratar de temáticas
intrinsecamente ligadas a Segunda Guerra Mundial, podemos, a partir dela, compreender
fatos relacionados à Política da Boa Vizinhança, Armamentos de Guerra, Relações diplomáticas
dos Estados Unidos com a América Latina, entre outros relacionados ao contexto
beligerante.Partindo da temática referente às colaborações que se deram entre o Brasil e os
Estados Unidos no contexto do maior conflito do século XX, buscaremos compreender os
projetos políticos que foram fomentados pela mídia de guerra estadunidense na tentativa de
estreitar as relações entre os dois países e criar nos brasileiros um sentimento positivo no que
dizia respeito à luta de seu governo para com a causa bélica Aliada. Não buscamos mostrar
que a Revista ‘Em Guarda’ possa sozinha, ser suficiente para o entendimento deste complexo
período, mas acreditamos que ela concentra algumas características bastante significativas,
elevando a sua analise como norteadora do presente trabalho. Por si só o seu surgimento
possui uma especificidade para a historiografia, uma vez que ela foi um dos inúmeros objetos
criados dentro da ‘Política da Boa Vizinhança’ e serviu como ferramenta da mídia para mostrar
o estilo de vida e sociedade trazido por seus idealizadores. A revista “Em Guarda”, da primeira
a ultima página foi recheada por reportagens de diferentes assuntos (relacionados à Guerra) e
não trazia propagandas de marcas famosas. Mesmo que este produto midiático não tenha sido
vendido, mas sim distribuído ao grande público americano, o analisamos com os instrumentais
semelhantes àqueles usados para abordagem de uma revista comercial, uma vez que difunde
um modelo de sociedade, com valores morais, políticos e econômicos apresentados como sem
precedentes na História.Procuraremos identificar as projeções de Brasil que se faziam para um
pós-guerra, caso se estreitasse os acordos entre Roosevelt e Getúlio Vargas, verificando essas
aspirações de futuro do ‘gigante’ promissor da América do Sul, incentivados, principalmente,
pelas políticas de desenvolvimento do governo de Vargas e dos investimentos para tais
programas concedidos pelo governo dos Estados Unidos. A posição de inferioridade do Brasil
não sai de cena, uma vez que ainda é medido pela carga ideológica de menosprezo de seus
vizinhos, ao mesmo tempo, parece existir uma chance real de mudança, que está atrelada à
sua equiparação à sociedade estadunidense, resultante da interação entre os dois povos
durante a Segunda Guerra Mundial.
A Conjuração Mineira foi um tema bastante recorrente no século XIX. Em sua primeira metade
o movimento mineiro foi abordado principalmente pela tradição oral, sendo mais detalhado,
difundido e imaginado em sua segunda metade por meio de literatos ligados ao Romantismo,
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pelos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro assim como pela imprensa. No
Brasil a Conjuração foi primeiramente descrita pelos românticos – em Portugal a insurreição
mineira também foi lida e comentada –, cujo primeiro escrito surgiu pela pena de Antônio
Gonçalves Teixeira e Sousa com a obra Gonzaga ou a revolução do Tiradentes, publicada em
duas edições (1848-51). Ao poeta fluminense se seguiram outros escritores de destaque e
projeção nacional, como Antônio Frederico Castro Alves, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães
e Joaquim Maria Machado de Assis. No âmbito propriamente historiográfico a primeira obra
que tratou da Inconfidência Mineira se deveu ao achado de Joaquim Norberto de Sousa e
Silva, funcionário da Secretaria de Estado do Império e sócio do IHGB. Sousa e Silva encontrou
documentos há muito esquecidos sobre a sublevação mineira, os autos de devassa realizados
pelas autoridades portuguesas no Rio de Janeiro. Utilizando-se deste documento e de mais
duas fontes contemporâneas à Inconfidência Sousa e Silva escreveu o livro História da
Conjuração Mineira, são elas: Memória do êxito que teve a conjuração de Minas e dos fatos
relativos a ela acontecidos nesta cidade do Rio de Janeiro – desde o dia 17 até 26 de abril de
1792, obra anônima; e a obra que se acredita ser do frei Raimundo de Penaforte: Últimos
momentos dos inconfidentes de 1789 pelo frade que os assistiu de confissão. Muito comentado
no período de seu lançamento, 1873, este livro pôs definitivamente os inconfidentes na
história do Brasil. O autor de História da Conjuração Mineira foi muito criticado por se portar
de maneira inventiva em sua escrita, beirando o ficcional por ser demasiado rebuscado com as
palavras e também por ser autor de alguns poemas, o que punha em dúvida sua credibilidade
como historiador. Outro agravante se deu pelo fato de Sousa e Silva ter denotado um aspecto
secundário a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, na conspirata. Na sociedade brasileira,
mas, sobretudo na mineira percebemos que a imprensa, mormente a partir dos anos 1870 se
pôs a escrever sobre os conjurados mineiros. Certamente os redatores dos jornais não
começaram a se dedicar ao tema da Inconfidência de uma forma abrupta, repentina, esse fato
se deu num contexto político pelo qual o país passava, qual seja uma visível fragilidade da
Monarquia Brasileira frente a problemas de difícil resolução, como a questão da mão de obra
escrava e muitas dificuldades políticas; aliado à ascensão de um movimento republicano que
ganhava força com o correr dos anos 1880. Porém notamos nesses jornais uma maior
incidência de artigos e manifestos relativos à Inconfidência nas duas últimas décadas do
regime monárquico. Alguns jornais eram diretamente atrelados aos partidos políticos do
oitocentos, assim vemos legendas em alguns deles, como: “Órgão do partido Conservador” e
“Órgão da ideia republicana”. Em nosso trabalho destacamos três jornais da cidade mineira de
São João del-Rei: O Arauto de Minas, ligado ao partido Conservador e que teve sua fundação
em 17 de março de 1877 e sua última edição se deu em 24 de dezembro de 1889; S. João d’El-
Rei, do partido Liberal e que funcionou de dezembro de 1885 a novembro de 1886; e A Pátria
Mineira, unida ao partido Republicano e cujo período vai de abril de 1889 a maio de 1894.
Propomos com este trabalho investigar como e por que se deu a utilização simbólica dos
conjurados mineiros pelos jornalistas do último quartel do século XIX. De modo que esses
jornais tinham laços estreitos com os partidos políticos pretendemos compreender até que
ponto os políticos se beneficiaram ou tentaram obter privilégios ao utilizar o lado mítico e os
bens simbólicos atrelados às figuras dos inconfidentes. Que apesar de terem sua causa
oficialmente já reconhecida durante o Império foi somente com a implantação da República
que eles alcançaram definitivamente o panteão cívico nacional, em especial Tiradentes, que foi
decretado herói da pátria logo no início do regime republicano.
como em muitos outros países houve produções desse modelo de transmissão de mensagens
do governo para a população.
neutralidade como meta alcançada na década de 1960, a realidade é que a maioria dos jornais
pertencem à famílias e continuam a defender seus interesses por sobrevivência, ou seja de
apoio por parte dos anunciantes e do poder do Estado. Com a intensificação da arbitrariedade
do Estado, os grandes periódicos com o suporte da objetividade e da informação passam a
praticar a autocensura, para angariar a segurança de sua existência.Busca-se contextualizar
temporal, espacial e historicamente a fonte, para localizar e interpretar a sua linguagem que
resulta na sua produção periódica e as intencionalidades desta.
Nas duas últimas décadas observa-se certo entusiasmo quanto aos filmes como objeto de
reflexão e crítica por parte de historiadores profissionais. Na esteira desse processo, as
pesquisas e ensaios quanto às possibilidades metodológicas e os fundamentos teóricos do
trabalho educativo com filmes no ensino de História se tornaram recorrentes.A história está
presente no cinema de diversas maneiras e pode ser abordada por vários ângulos. E há
produções cinematográficas especificamente preocupadas em retratar, ou tematizar, fatos
históricos. Há também a possibilidade compreendê-los no jogo de forças políticas e sociais de
produção de sentidos e discursos sobre a história. O presente trabalho apresenta reflexões
teóricas a partir de diálogos com a teoria da história de Jörn Rüsen, no sentido de
compreender as dimensões do cinema como produtor de sentidos históricos difusos, e
abordar a formação histórica como elemento central nas discussões sobre a presença do
cinema como artefato no ensino de História.Os filmes históricos são pensados como
transmissores de um determinado saber histórico, que atinge as pessoas e as informa sobre o
passado. Produções que não se ancoram na preocupação científica com a racionalidade
histórica, uma vez que geralmente se configuram como mercadorias da cultura de massa. O
que se destaca em seu relevo, na maior parte dos casos, é o potencial de difusão e
rentabilidade da obra, não seus critérios de cientificidade.Os filmes geralmente são tratados
como documentos históricos, aos quais se recorre para aprofundar a reflexão sobre o período
em que as películas foram produzidas. Os filmes também são pensados como discursos sobre a
história, sobre os quais se constroem críticas historiográficas a partir das análises de suas
abordagens históricas. Há ainda um terceiro enfoque que deve ser também levado em
consideração, que se trata de entender os filmes como agentes da história (ROSENSTONE,
1997). Ao exercer influência sobre os olhares do público a respeito da história o cinema tem
se tornado, nesse sentido, um agente que produz uma forma particular de conhecimento
histórico. O filme também pode ser considerado como produtor de novas abordagens, indutor
de outros olhares não pensados ou testados pela própria historiografia (SALIBA, 1993). A
cultura histórica, segundo Rüsen (1994) é o “campo em que os potenciais de racionalidade do
pensamento histórico atuam na vida prática”. Rüsen observa como as obras de arte atuam nas
dimensões da cultura histórica, construindo sentidos estéticos, políticos e cognitivos. Os
sentidos históricos diseminados pelas produções cinematográficas podem ser compreendidos
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como elementos da cultura histórica, que é operada nas consciências históricas dos indivíduos.
Tal hipótese pode ser formulada a partir da observação da grande difusão de determinados
filmes históricos, e do interesse que atraem no grande público. A produção de sentidos
operada pela produção cinematográfica trás uma aparente transparência, o “efeito janela”,
contudo sua real dimensão pode ser revelada a partir da compreensão de sua opacidade, uma
vez que os processos produtivos geralmente não estão explícitos na tela (XAVIER, 1977).
A percepção estética estimula o entendimento histórico, possibilita um desempenho
cognitivo e reforça o enquadramento jurídico da vontade de poder e a vontade de poder serve
à descoberta da verdade. Tal articulação, entre difusão do conhecimento voltada a convencer
pela estética, termina por reforçar significados que muitas vezes se voltam para
convencimentos, que geralmente não se fundamentam numa racionalidade da ciência
histórica (RÜSEN, 1994). A indústria cinematográfica tem produzido, de maneira intensa
e bem sucedida, narrativas contundentes, com força estética e retórica, que podem conformar
olhares históricos pelo viés das emoções e do fascínio estético. Problema de grande relevância
quando se toma por referência a necessidade de se pensar as formas e as funções do
pensamento histórico na orientação da vida prática. Com a perda da plausibilidade racional do
discurso histórico, desloca-se o sentido e a posição desta história na orientação da vida
prática.Rüsen (2007) pensa num caminho para superar tal risco: a formação histórica. Dotando
os sujeitos de competências cognitivas e narrativas que possibilitem a prevalência da
racionalidade científica na formação da consciência histórica. Professores e alunos estão
inseridos num contexto de apreensão de significados históricos, a partir da produção
cinematográfica. A presença do conhecimento histórico sob uma forma não científica que se
dissemina rapidamente na cultura histórica e chega à sala de aula, onde se relaciona com a
didática da história, possivelmente criando formas particulares de apropriação. Investigações
fundamentadas nos estudos da consciência histórica e da cultura escolar podem nortear novas
reflexões sobre o pensamento acerca dos filmes históricos e sua presença na cultura histórica
(SCHMIDT, 2009). É possível, portanto, inferir que o filme histórico, que é um produto da
dimensão estética da cultura histórica, se torna um artefato na cultura escolar e passa a
produzir sentidos sobre a dimensão cognitiva da história. A constituição de sentido histórico
por filmes históricos é complexa e se relaciona de forma intensa com a cultura histórica.
Portanto, é na consciência histórica operada pelos sujeitos da cultura escolar que se pode
encontrar um caminho para compreender o movimento de atribuição de sentidos em relação
aos filmes históricos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
RÜSEN, Jörn . “Que es la cultura historica?: reflexiones sobre uma nueva manera de abordar la
historia”. Trad. F. Sánchez Costa e Ib Schumacher. Original in: Füssmann, K., Grütter, H.T.,
Rüsen, J. (eds.): Historische Faszination. Geschichtskultur heute, 1994, pp.3-26.
SALIBA, Elias T. “A produção do conhecimento histórico e suas relações com a narrativa fílmica”
IN: Falcão, A.R. & Bruzzo, C. (Orgs). Lições com cinema. São Paulo: FDE, 1993. p. 87-108.
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Este trabalho procura estabelecer algumas relações entre a narrativa histórica e a narrativa
cinematográfica de modo a nos instrumentalizarmos e assim conseguirmos perceber o
discurso histórico dentro da linguagem artística. A partir disto passamos a refletir sobre os
usos dos filmes históricos como possibilidade de expressão sobre a história, incluindo-se aí o
exercício reflexivo e interpretativo que contribuiriam para o entendimento tanto do passado
como do presente. Preocupamo-nos com as narrativas dos chamados filmes históricos, ou
seja, aqueles em que há uma intenção ou até um comprometimento por parte de seus
realizadores em abordar o passado e reproduzi-lo, de acordo com seu posicionamento, para o
público espectador. Entendemos que tanto a História como o Cinema possuem uma narrativa
organizada com o objetivo de transmitir um discurso que tende a envolver o leitor/espectador
e convencê-lo dos seus argumentos. O que nos impulsiona neste trabalho é entender de que
modo esta narrativa presente nos filmes pode ser comparada à narrativa dos trabalhos
historiográficos, pois, por serem suportes midiáticos distintos, acabam por terem
características e limites díspares.Ao longo da nossa investigação, percorremos as definições de
narrativa de alguns autores como Jörn Rüsen, Lawrence Stone, Hayden White e Robert
Rosenstone e tentamos estabelecer pontos de convergência e divergência entre estas duas
formas de expressão humana. Através da discussão bibliográfica entre autores de diversas
linhas de pesquisa pudemos traçar um panorama conceitual sobre a questão das narrativas e
do uso do cinema enquanto meio também capaz de comportar expressões acerca da história.
A nossa preocupação aqui não é esgotar o assunto proposto ou buscar a definição de
conceitos através de um único autor ou grupo de autores. Cada autor produziu ao seu tempo e
com as suas preocupações um saber que é utilizado por nós como vozes que são inter-
relacionadas e contribuem para a formação do entendimento aqui buscado. Procuramos fazer
uso destes autores da mesma forma que um pesquisador se vale em seu trabalho do confronto
de agentes e da comparação de múltiplas fontes como subsídio para criar um entendimento
amplo e complexo a respeito das temáticas destacadas.Ao analisarmos seus trabalhos
podemos pensar em modos pelos quais a informações contidas em filmes históricos podem se
relacionar com os conhecimentos históricos textuais e as fontes utilizadas pela historiografia,
dialogando, concordando ou divergindo destes. Segundo as observações de Lawrence Stone
(1979) entendemos que as narrativas nos possibilitam ver a cultura e a vontade individual das
pessoas também como agentes causais importantes de mudanças ocorridas (STONE, 1979, p.
9). A narrativa histórica torna-se uma forma de expressar esse modo de visão, pois esta
permitiria darmos atenção à vida e ao comportamento dos sujeitos e investigarmos o
subconsciente dos atores sociais como forma de lançar luz na compreensão dos movimentos
mais amplos de culturas e sociedades (STONE, 1979, p. 19). A narrativa torna-se, portanto,
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uma organização lógica e inteligível de fatos com a intenção de discorrer sobre um assunto
histórico de modo que se pretenda trazer ao leitor uma compreensão sobre o tema. A
narrativa dos eventos ou da vida de uma única pessoa tem o potencial de ser reveladora do
lugar em que ocorreram. Jörn Rüsen entende a narrativa como o ato de situar conteúdos
empíricos no contexto próprio de sua ocorrência dando uma inteligibilidade e seqüência
temporal aos fatos. Deste modo as particularidades destacadas podem tornar-se indicativas de
mudanças temporais mais amplas (RÜSEN, 2001, p. 155). Para Rüsen, a forma narrativa é
constituída por: um conteúdo cognitivo (informação), explícito ou implícito, a ser transmitido
ao receptor; uma racionalidade política expressa na seleção e organização do discurso; e uma
estética que tem por objetivo sensibilizar o receptor para seus argumentos.Entretanto, como
nos mostra Roger Chartier (1991), o receptor não é passivo diante do texto lido. Para Chartier,
existe um “mundo do leitor” rico e complexo em que leitores com diferentes habilidades de
leitura utilizam-se dos textos de diversas formas e realizam diferentes entendimentos dos
mesmos por meio dos seus “utensílios intelectuais”. (CHARTIER, 1991, p. 179) Portanto,
entendemos que a narrativa permite visualizarmos, interpretarmos e questionarmos ela
própria a partir do nosso referencial de entendimento do mundo, dos referenciais trazidos
pelo autor ou implicados no seu posicionamento e na comparação de uma narrativa com
outras. Robert Rosenstone entende que os filmes não seguem a mesma linguagem que os
textos acadêmicos. Em maior ou menor grau, tanto o cinema quanto a história escrita não
visam ser literais na sua expressão do passado, mas podem ser entendidos como sugestivos,
ou no caso dos filmes, simbólicos e metafóricos, acrescentando um conhecimento a mais a um
processo de entendimento histórico mais amplo advindo da humanidade (ROSENSTONE, 2010,
p. 54).Para José Carlos Reis, removendo algumas barreiras entre ficção e história podemos
pensar as abordagens históricas dos filmes como uma “comunicação viva” em que há uma
interpretação e apropriação do texto – ou do filme – criando a possibilidade de interpretarmos
a nós mesmos – e nossas experiências no tempo. (REIS, 2010, p. 68). Além disso, o caráter
estético da narrativa tem a possibilidade, então, de estimular a sensibilização do espectador.
Suas experiências vividas, seus conflitos éticos e morais tornam-se fundamentais na sua
interpretação do que significam as imagens assistidas e até na possibilidade de criar uma
relação de empatia com os personagens retratados.Reis entende que ao apreciarmos visões
múltiplas sobre o passado obtemos várias referências para o nosso mundo atual, deixando de
experimentá-lo em silêncio e isolamento. Ao usarmos tanto a narrativa histórica como
cinematográfica para criarmos várias referências sobre o nosso passado, damos à história uma
utilidade pragmática para entendimento da mesma e do nosso presente. Para o autor, este
diálogo entre presente e passado aumenta, no presente, o número de participantes no debate
e das capacidades inventivas, pela introdução dos homens e das criações passadas. (REIS,
1996, p. 89).Nessa busca por um entendimento da história através dos filmes, acreditamos que
estes podem e devem ser desconstruídos em suas composições textuais, imagéticas e sonoras
a fim de que consigamos aplicar uma metodologia analítica com profundidade suficiente para
que compreendamos o que está implícito na obra. Ao mesmo tempo, o filme também precisa
ser compreendido como um todo, onde os elementos que o compõem interagem entre si e se
relacionam. Enquanto obra artística, o filme não é apenas um texto lido, mas uma narrativa
interpretada, ambientada sonora e visualmente e que se relaciona tanto internamente quanto
com o contexto sócio-cultural em que é produzido e exibido.A execução da análise da narrativa
fílmica exige que cruzemos informações com outras fontes de modo que possamos perceber
onde a “realidade” abordada pelo cineasta está inclusa. Assim, podemos buscar na narrativa
cinematográfica uma experiência concreta dos homens na medida em que o ficcional
relaciona-se com o conhecimento empírico trazido pelas fontes e constitui-se enquanto um
conhecimento histórico. Para Rüsen, a história como ciência pode ser verificada através da
operação de pesquisa histórica. “A narrativa de histórias é vinculada, pois, ao recurso às
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fontes” (RÜSEN, 2001, p. 102). Deste modo, Rosenstone percebe que a investigação da
narrativa cinematográfica pode frustrar historiadores mais ortodoxos com expectativas de um
conhecimento histórico “limpo e higienizado”; e como solução a este impasse podemos alinhar
seu pensamento ao de Rüsen já citado, o qual nos sugere uma forma de garimpar em meio às
informações e tentar confirmar se o que nos é apresentado é realmente o que procuramos.
Como nos coloca Rosenstone, “o passado contado por imagens em movimento não elimina as
antigas formas de história – vem se juntar à linguagem que o passado pode usar para falar”
(ROSENSTONE, 2010, p. 20). Hayden White entende que as metáforas, a simbologia e os
elementos tropológicos podem nos auxiliar, acrescendo algo mais à análise lógica, através da
representação de uma temática, do enredamento em uma narração lógica e estabelecendo
um sentido cognitivo, ético ou estético (WHITE, 1994, p. 29).Se Rüsen considera, apesar de
problemática, a separação entre narrativa ficcional e histórica pelo comprometimento desta
última com o desenvolvimento da identidade humana, Rosenstone (1995) considera que
certos filmes também comungam de algumas características desta narrativa histórica ao se
comprometerem com tentativas de interferência nesta identidade. Para este autor, a
aproximação entre as produções históricas escritas e cinematográficas ocorre quando
percebemos que o trabalho escrito também possui seu quinhão de criação sobre as fontes e o
filme histórico também pode possuir um comprometimento com as fontes e com a sociedade
no qual está inserido.O filme histórico apresenta-se então como uma construção sobre a
história. História que é feita de modo diferente da que é posta com tinta no papel. Mas que
nem por isso deixa de contribuir para a função e o estímulo ao pensamento histórico. É
necessário que analisemos a produção cinematográfica de acordo com suas características
próprias da linguagem, sem, contudo, abandonarmos certas exigências do fazer histórico que
determinam o conhecimento como científico.
O passado criado nos filmes será diferente daquele do trabalho escrito; será permeado pelas
características desta linguagem. Enredos dramáticos, personagens, tensões emocionais se
inter-relacionarão com eventos históricos e épocas passadas. Invenção, condensação,
simplificações e metáforas são exigidas pelas características próprias da linguagem
cinematográfica. O que em um primeiro olhar pode ser entendido como uma falha da
narrativa em relação ao que já se conhece sobre o passado, em outras análises pode aparecer
como uma saída dada pelos produtores para que simbolicamente ou em sentido mais amplo a
sua intenção seja dada ao espectador.
Precisamos, no entanto, compreender as regras de expressão deste meio para que não
classifiquemos tudo como mera invenção ou como não fidedigno ao “real” e descartemos
produções que poderiam servir ao propósito de compreensão do passado e do presente. Isto
não que dizer que não possamos – assim como já fazemos com as produções históricas de
nossos pares – a checagem das fontes e a comparação com outras produções sobre o assunto.
Deste modo, temos a capacidade de analisar se o filme é capaz de realizar uma incursão sobre
a história, sem, contudo, sermos prepotentes ou inflexíveis a ponto de acharmos que apenas a
história escrita é a forma “correta” de expressá-la. Ou mais, que apenas os historiadores
devem produzir histórias. Concluímos este trabalho por entender que as narrativas históricas
possibilitam o entendimento tanto do passado como do presente ao permitirem análises
pontuais de sujeitos ou comportamentos como significantes de um processo mais amplo de
sociedades e culturas. Da mesma forma, a narrativa cinematográfica também tem a
capacidade de dialogar com as fontes históricas e as produções historiográficas para, assim,
realizar incursões sobre a história, exibindo narrativas sobre algum tema do passado.
Através do uso de técnicas e metodologias próprias do fazer historiográfico podemos analisar
os filmes e, cientes das características próprias da sua linguagem cinematográfica, entender
como estas narrativas podem contribuir para o entendimento do passado e do nosso presente
ao adicionarem ou questionarem os mesmos.
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Referências
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estud. av., São Paulo, v. 5, n. 11, 173-191,
Apr. 1991. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0103-
40141991000100010&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 09 Maio 2012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141991000100010.
REIS, José Carlos. A História: entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo: Ática, 1996
__________. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010.
ROSENSTONE, Robert A. Visions of the past: the challenge of film to our idea of history.
Cambridge; Londres: Harvard Press, 1995.
__________. A história nos filmes. Os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad:
Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UNB, 2001.
STONE, Lawrence. The Revival of Narrative: Reflections on a New Old History. Past and
Present. Oxford, n. 85. 3-24, nov. 1979. Disponível em <http://links.jstor.org/sici?sici=0031-
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2011.
WHITE, Hayden. Teoria Literária e Escrita da História. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 7,
n. 13, 21-48, 1994.
Flávia Mantovani
Mestranda PPGHS - UEL
Orientadora: Prof. Dra. Márcia Elisa Teté Ramos
A Revista Capricho, já muito conhecida entre jovens meninas em razão de sua considerável
circulação, é uma revista de consumo voltada ao público feminino adolescente entre 10 e 19
anos161. Atualmente tem edição quinzenal e tiragem aproximada de 300.000 mil exemplares162,
mas surgiu ainda na década de 1950, como uma revista de fotonovelas. Passou por inúmeras
transformações de projetos gráficos e editoriais até chegar ao formato atual, que privilegia o
público denominado teen, e assumir este aspecto: revista jovial e descontraída, que partilha da
cultura juvenil, midiática e de consumo. Portanto, enquanto ponto inicial para nossa pesquisa,
podemos considerá-la um item da cultura midiática que, produto de seu tempo, expressa
valores, visões de mundo, veicula modelos de pensamento e comportamento, padrões de
gosto e de consumo e, ainda, enquanto produto midiático atua também na produção de
identidades específicas – neste caso, destaca-se a produção de identidade de gênero – como
acontece com qualquer produto da mídia que privilegie o consumo. Neste contexto, buscamos
neste trabalho discutir a função pedagógica que assume a Capricho – considerando os
exemplares que correspondem aos anos de 2004 a 2006 – na medida em que pretende
orientar modos de ser e de pensar as suas leitoras. Na revista, podemos observar esta
intenção “educativa” – direcionada, sobretudo ao corpo – em um simples folhear: o corpo
161
Ver http://www.publiabril.com.br/marcas/capricho/revista/informacoes-gerais
162
Idem.
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exposto em suas páginas ganha destaque a cada matéria. Quase como um manual, a revista
vai ensinando normas, condutas, regras de cuidados através de suas dicas de conquista, beleza
e moda. Assim, a Capricho apresenta aspectos que configuram como um espaço informal de
aprendizagem, que participa na busca da adolescente pelo aperfeiçoamento de “si mesma”
através de cuidados voltados ao seu corpo. Podemos ainda considerá-la “educativa” na
medida em que busca interferir na subjetividade de suas leitoras. Uma vez que a Capricho é
uma revista de consumo, um de seus fins principais é o lucro, portanto um de seus aspectos,
além da educação do corpo, é a orientação para o consumo: no que diz respeito a estas
orientações, a Capricho aborda assuntos relacionados ao universo feminino e adolescente,
como se a leitora precisasse de suas dicas e, através de certas estratégias discursivas –
imperativos, linguagem informal e pretensamente próxima à leitora, como se esta fosse sua
“melhor amiga” – constrói esta necessidade de consumo nas leitoras. Neste sentido, o corpo
assume um aspecto fundamental de expressão de identidade, lugar privilegiado onde a garota
afirma seu “eu”, sua personalidade – tanto na revista como, provavelmente, para as suas
leitoras. É importante ressaltar que, em nosso entendimento, ainda que a revista intencione
impor sua visão de mundo ao seu público leitor, não há garantia de que isto ocorra devido às
múltiplas e imprevisíveis apropriações que estas podem fazer da revista. Aqui, há preocupação
com a questão da recepção da revista – embora ignorada neste artigo, dada sua dimensão e
questões de recorte temático – entendida como importante ao passo que as práticas de leitura
são sempre inventivas, pois implicam em ressignificação do texto e dos discursos que, muito
provavelmente, são interpretados pela leitora conforme os seus próprios códigos culturais.
Assim, buscamos refletir sobre como a Revista Capricho busca ensinar cuidados com o corpo
as suas leitoras, ou seja, de que maneiras ela desempenha estas pedagogias e através de quais
práticas discursivas? Neste sentido podemos considerar que o cuidado com o corpo prescrito
pela revista subentende uma política cultural específica, que envolve diretamente: a questão
do consumo que se coloca diante do sujeito contemporâneo; a questão de gênero, pois a
revista ensina veicula uma noção específica de feminilidade que, segundo o discurso da
revista, se exerce através do corpo; buscamos ainda explorar este material e sua relação com a
adolescência, entendida enquanto um grupo de particular de consumidores na mira da mídia.
163
Agradeço àquela Instituição por ter me acolhido para o desenvolvimento desse projeto, especialmente ao meu
supervisor, o Prof. Dr. Eurico de Lima Figueiredo. Agradeço também à Fundação Araucária - PR pela Bolsa de Pós-
Doutorado sem a qual não seria possível a realização dessa pesquisa.
164
De ora em diante RMB.
165
PESSOA, Sabino Eloy. Revista Marítima Brazileira. Revista Marítima Brazileira. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. V,
1881.
166
VINHAES, Augusto. “A genisis desta revista. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, nº 9, p.1285, 1928.
167
COSTA, Dídio. Conselheiro Sabino Eloi Pessoa ( 1821-1897). Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, nºs 9-10,
1939, p. 939-973. Reproduzido em Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, nºs 4-6, 2001, p. 21-41.
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mesma. Invenção de tradições? Por certo que sim. Mas se esta resposta é, aparentemente
satisfatória, ela se acomoda mal à investigação histórica, pois dispensa a investigação de
algumas questões como: a) por que foi “inventada esta tradição e como; b) se houve esta
invenção de fato, o que era a publicação de 1851 e o que foi a publicação a partir de 1881? C)
Foram duas publicações distintas? Guardavam alguma relação? d) Possuíam a mesma
natureza? Procurar-se-a investigar algumas destas questões neste trabalho.
em sua própria estrutura, sendo o Estado também um produtor de hegemonia, dando forma
para a exploração em um novo setor do capital, potencializando a expansão da fração de
classe em sua gerência como parte de um processo mais amplo, nacional e naturalizado como
consequência lógica, racional, de novas tecnologias, as atrelando com as mudanças no mundo
do trabalho e dando ao processo uma aparência de igualdade, de democratização, na busca
pela universalização do conhecimento. Neste sentido a noção de uma ruptura histórica é
crucial para a fundamentação ideológica desta argumentação, que considera o Brasil um país
atrasado diante do novo momento histórico vivido pelos países capitalistas centrais, sendo
todas as reformas pregadas como necessárias através desta noção de evolução social
tecnocrática. Este tipo de argumentação, tratada em termos de definição de um novo
paradigma, esvaziado de argumentação social, já que determinado pelas novas tecnologias, e
assim tratado como inevitável, cabendo à determinada sociedade adaptar-se ou sucumbir.
Assinalemos que a continuidade na defesa deste projeto histórico e social ultrapassa as
mudanças nos governos federais desde a década de noventa, seja em seu formato integral, nas
gestões do Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB), ou no formato dito “moderado” das
gestões do Partido dos Trabalhadores (PT).
Através de um levantamento por questionários, bem como entrevistas com Grupos Focais,
investigou-se como 138 alunos do Ensino Médio do período noturno (na faixa etária dos 14 aos
19 anos) do Colégio de Aplicação de Londrina se apropriaram do best-seller “Guia
Politicamente Incorreto da História do Brasil”, edição ampliada de 2011 escrito pelo jornalista
Leandro Narloch. Indicamos a leitura do que o próprio autor escreve sobre seu trabalho em
matéria para a revista de consumo “Superinteressante”, intitulada “19 mitos que você
aprendeu sobre o Brasil”, edição 279 de junho de 2010 – que também tem seu conteúdo
disponível pela internet – quando o aluno não havia lido o livro. Esta matéria traz poucas
diferenças em relação ao livro. O autor propõe na matéria desmitificar a História com o
argumento de que a escola deve assimilar o que historiadores inovadores vêm produzindo,
rompendo assim com a repetição de uma História ultrapassada, ensinada por professores “de
esquerda” e/ou marxistas. Desta forma aponta os “erros” mais comuns da história ensinada: 1)
os escravos não eram tão pobres e nem tão maltratados, e, existia uma espécie de
“igualdade”, sendo que senhores e escravos trabalhavam juntos e tinham a mesma qualidade
de vida; 2) na mesma época o Brasil – e não Portugal – enriqueceu com a exploração de outro,
sendo que tínhamos uma economia maior que de a metrópole; 3) os latifundiários escravistas
não eram tão ricos assim, sendo que banqueiros, traficantes de escravos constituíam a elite; 4)
a Inglaterra tentou evitar a Guerra do Paraguai, e não fomentar; 5) Aleijadinho pode ser uma
criação literária e as famosas esculturas a ele imputadas são provavelmente fruto de vários
talentosos artistas; 6) Lampião prestou favores aos coronéis do sertão e ameaçava famílias
pobres e não o contrário; 7) o Paraguai não era o país mais rico do Cone Sul na época da
Guerra do Paraguai e o Brasil não dizimou a população deste país; 8) Canudos era uma
sociedade de classes e não igualitária; 9) Santos Dumont não inventou o avião, mas os irmãos
Wright em 1906; 10) os Bandeirantes não eram desbravadores europeus, mas filhos de índios
com brancos; 11) algumas frutas não são tipicamente brasileiras como o coco e a banana; 12) a
feijoada tem origem europeia e não era comida exclusiva de escravos; 13) os indígenas não
foram dizimados já que hoje 8% do genoma dos brasileiros tem origem indígena; 14) os
indígenas foram também escravizados nos séculos XVI e XVII; 15) os Quilombos não lutavam
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contra a escravidão e seus líderes tinham escravos; 16) não havia interesse da Inglaterra em
acabar com a escravidão nas colônias na América para criar um mercado consumidor; 17) não
havia tanto escravo assim no Brasil no século XVIII, em média havia de 4 a 5 pessoas nos
plantéis, já que as grandes propriedades também eram poucas; 18) os africanos não
provinham de tribos selvagens, pois muitos reinos enriqueciam com o comércio de escravos e
19) o samba não é um ritmo brasileiro, nem tem inspiração africana, mas sim de origem
europeia.Por ora, ressalta-se que o autor lida com temas que de fato passaram por “revisões”
historiográficas, assim como podemos considerar que é provável que nas escolas predomine
uma abordagem “tradicional” aquém destas “revisões”. No entanto, ao dispor seu texto de
forma que seja inteligível para o grande público da cultura midiática, prezando muito mais
uma abordagem jornalística do que histórica, o autor firma sua argumentação na perspectiva
de que o branco europeu trouxe a civilização, enquanto que indígenas e negros representam a
ignorância e/ou o atraso. Logo, se os brancos não civilizassem indígenas e negros, não haveria
progresso, e, se atualmente os professores de história que na maioria são “de esquerda” ainda
“encobrem” esta “verdade” histórica, estão na contramão do desenvolvimento, da
racionalidade, do bom senso. Percebeu-se que a maioria destes jovens alunos tende a ter mais
confiança neste tipo de narrativa, pois: 1) o próprio suporte de comunicação/narrativa é mais
compatível com o que alunos nesta faixa etária anos estão habituados na cultura midiática; 2)
provavelmente a tipologia referente à consciência histórica de tais alunos – se tivermos como
referência Jörn Rüsen – é de predominância “crítica”, ou seja, não apenas na escola, mas em
outros espaços de relações múltiplas e interacionais, este sujeito vem aprendendo a negar
e/ou romper com narrativas históricas que circulam na sociedade e entendem a argumentação
deste livro como também “crítica” e 3) interessa a tais alunos descobrir “lapsos”, rupturas,
“erros”, “furos” da História que aprenderam no decorrer de sua escolarização, entendida
como sendo sem utilidade, tradicional e maçante. Outros tipos de leitura/apropriação se
apresentam em menor número e não são mutuamente excludentes: 1) existe a recusa de
alguns de desconstruírem herois como Aleijadinho e Santos Dumont, ou seja, a narrativa
histórica que edifica certos personagens por sua virtude, abnegação, coragem e astúcia ainda é
importante para que os jovens pensem sobre identidade nacional e 2) também se questiona
esta narrativa, que seria um conjunto de “curiosidades” ou “sensacionalista” e não uma
História “séria”.
Buscou-se explicar as apropriações dos alunos tomando como referencial alguns
autores vinculados à Educação Histórica e à História da Leitura, destacando a articulação entre
suporte narrativo da História na “cultura midiática”.
obter a repercussão retumbante com o auxílio de uma inusitada fonte de autoridade: as lutas
políticas dos reformistas contra os conservadores, nas quais se pretendia conceber uma crítica
voraz ao que se chamou de “distorções” dentro do socialismo ou ao próprio socialismo real
(GORBACHEV, 1988, 147-148) e que acabou por confirmar e assim oferecer um expressivo
ganho de capital de credibilidade à imprensa conservadora e fornecia novos argumentos para
o anticomunismo, já que os antigos eram sistematicamente demonstrados como anacrônicos
pelas reformas de Gorbachev.
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grande imprensa, que durante grande parte do período apoiou e sustentou o regime militar,
aparecer como um das vozes privilegiadas da democratização e construtora de uma memória
histórica que consagrou a vitória de determinados agentes e setores políticos sociais? Quais
condições históricas possibilitaram a incorporação, por parte das camadas médias urbanas
que, em certa medida haviam sustentado o regime autoritário, do repertório discursivo e dos
valores envolvidos no processo de democratização, divulgados através da imprensa? As
vitórias eleitorais sucessivas do partido da oposição consentida, o MDB, sobre a ARENA,
acompanharam a crise que se sucedeu ao esgotamento do “milagre econômico”. As grandes
cidades, com uma população de trabalhadores engajada ao processo de modernização,
passaram a ser um foco de dissabores constantes para os apoiadores do regime ditatorial, ao
passo em que as demandas sociais não foram atendidas e as condições de sobrevivência dos
mais pobres pioraram gradativamente. Jornais e revistas registraram parte dos processos
políticos e sociais que envolveram a constituição de um país urbano e permitem o acesso à
construção de uma memória histórica, no momento de sua produção, algo que foi parte
importante da sustentação do regime ditatorial, mas também da construção de trajetórias
ligadas à democratização naquelas décadas decisivas. A imprensa é fonte indispensável para
compreender um passado presente, não como algo estável e congelado, mas como suportes
de uma memória intencionalmente produzida, ao instaurar sentidos e legitimar determinados
processos políticos. A memória histórica, segundo Carlos Alberto Vesentini, é “constantemente
apropriada e reelaborada pelo poder”, através de operações que tendem a proceder através
de exclusões e de afirmações narrativas, ou uma “lógica de explicação herdada” com
capacidade de sobrevivência desde sua projeção inicial. Nesse caso, a problemática aqui
desenvolvida questiona o desempenho de setores da imprensa no processo de
democratização, como parte indispensável das negociações políticas levada a cabo pelos
agentes sociais envolvidos. Os protagonistas do teatro político formado ao final da ditadura
militar foram nomeados por órgãos de imprensa, em desfavor de outras narrativas possíveis.
A proposta situa-se no domínio da História do tempo presente. Entende-se aqui que este
tempo histórico a que chamamos de presente compreende relações de simultaneidade, com
justaposição de ritmos, por populações que compõem e participam dos fenômenos da cultura
de massas e de suas implicações sociais mais abrangentes. Portanto, mover-se entre as
diversas manifestações de importantes órgãos da imprensa escrita acerca do processo de
democratização brasileiro, com a instauração de um novo sistema político ao final da última
ditadura civil-militar (1964-1985), abre a perspectiva para a compreensão dos “horizontes de
expectativas” dos grupos políticos em atuação no período e da construção de uma memória
histórica amplamente aceita.
O humor gráfico na historia política brasileira: uma análise do governo FHC por meio da charge
na imprensa sindical
A vitória de Fernando Henrique Cardoso (FHC) nas eleições presidenciais de 1994 representou
a intensificação do projeto neoliberal no Brasil. A complementação das medidas econômicas
previstas no Plano Real, iniciado ainda durante o mandato de FHC como ministro da Economia
do governo Itamar Franco, baseado na estabilização monetária e desestatização da Economia,
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As visões da impensa escrita brasileira: o Estado de São Paulo e a FOLHA de SÃO PAULO na
cobertura da guerra do golfo (1991)
A queda do Muro de Berlim, em 1989, seguida por revoluções no Leste Europeu, a unificação
alemã e a implosão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, marcaram
o final da Guerra Fria. Nessa época, a euforia da economia de mercado, do neoliberalismo e da
democracia representativa marcou as relações internacionais da década de 1990. Apesar do
anunciado “fim da História”, o mundo, ao mesmo tempo, em janeiro de 1991, presenciou os
EUA colocaram em movimento a sua máquina militar através da Operação "Tempestade no
Deserto" contra o Iraque. Era a Doutrina Powell sendo aplicada no campo militar e estratégico.
Contudo, tal conflito não terminou em 1991.
Desse modo, a presente proposta de trabalho pretende refletir sobre a pesquisa que está
sendo realizada sobre os editoriais e notícias veiculadas nos jornais “O Estado de São Paulo e a
Folha de São Paulo”, relativos ao debate sobre a Guerra do Golfo”, de 1991. Almeja
demonstrar e analisar como a Guerra do Golfo foi coberta por parte importante da imprensa
escrita brasileira. Os editoriais e notícias dos citados jornais, muitas vezes, reproduziram
discursos pacifistas, no sentido da defesa de que a guerra era desnecessária naquele momento
histórico. Contudo, tais instrumentos de imprensa devem ser analisados como agentes
políticos num momento em que os jornais, na verdade funcionaram como agentes do campo
político brasileiro e internacional (mormente estadunidense). O debate sobre a Guerra do
Golfo é bastante sugestivo dessa atuação política da imprensa escrita brasileira, mesmo que o
Brasil não tenha enviado soldados brasileiros para lutarem no front de batalha, isto é, no
Iraque e no Kuwait. Portanto, é objetivo da presente comunicação refletir sobre os jornais
como agentes políticos e, para tanto, tratar pontualmente da atuação dos jornais “O Estado de
São Paulo” e “Folha de São Paulo” na discussão sobre a necessidade ou não do conflito, a visão
sobre a participação dos Estados Unidos na guerra, os efeitos sobre o Brasil e a atuação da
Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto órgão internacional, na Primeira Guerra do
Golfo, de 1991.
Para isso, será feita uma abordagem das discussões bibliográficas acerca do tema em questão.
Depois será feita uma análise de como parte da imprensa brasileira escrita, no caso os jornais
"O Estado de São Paulo" e "Folha de São Paulo" fizeram a cobertura do período sobre o
período que engloba as causas da guerra, o conflito e as conseqüências dela. A idéia é
apresentar as possíveis imagens construídas pela imprensa brasileira durante a cobertura
sobre tal conflito e se tais veículos reproduziram ou não discursos e imagens construídas
acerca da Guerra do Golfo, na imprensa internacional.Vale ressaltar que tal temática é
resultado da dissertação de mestrado “Tempestade no Iraque: a Guerra do Golfo, a Política
Externa dos Estados Unidos, a Historiografia Militar e a Imprensa Escrita Brasileira (1990-
1991)”, defendida em 2008, na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e que está
começando a ser trabalhada no Curso de Doutorado em História Social, da Universidade de
São Paulo (USP).
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Sol Glik
Universidad Autónoma de Madrid
Mestre em História Contemporánea pela Universidad Autónoma de Madrid
estudante do programa de Doctorado en Historia Contemporánea
Este trabajo se presenta como un avance de la tesis doctoral en elaboración, que investiga los
modos de circulación de la revista estadunidense Selecciones del Reader’s Digest en el
continente americano, a partir del lanzamiento de las ediciones en lengua castellana y
portuguesa. Partiendo de cierta noción donada por la historiadora Johan Wallace Scott sobre
la imbricación de los procesos históricos, la tesis en curso analiza las circunstancias de
producción de la revista en tres campos de interés, que aquí se consideran interdependientes:
la ofensiva cultural de los Estados Unidos para América Latina a las vísperas de su entrada en el
la Segunda Guerra, los modos de circulación, apropiación y consolidación de las imágenes por
parte de las diferentes comunidades de lectores y el consecuente impacto en el cotidiano de
latinoamericanos y latinoamericanas. A pesar del innegable protagonismo del gobierno
estadunidense en el problema que aquí se presenta, las consecuencias de la circulación de la
revista desbordan el marco de la acción político-institucional, como se desprende del examen
cruzado de las fuentes diplomáticas estadounidenses, argentinas y brasileñas. Las
características y los gigantescos números de su circulación, animan a una investigación en
perspectiva transnacional, en la que la revista Selecciones opera como un eje discursivo
transversal que permite conocer mejor las corrientes culturales que atravesaban las Américas
en los difíciles años del conflicto mundial. En los últimos años, una variada producción
historiográfica ha puesto de manifiesto el interés por los problemas relacionados con la
diplomacia cultural norteamericana, entendida como la articulación de propaganda ideológica
a través de diferentes medios de comunicación y entretenimiento de alcance mundial Ha
llamado particularmente la atención de historiadores e historiadoras el período de pos-guerra,
en un contexto que, a partir de la contribución de Frances Stonor Saunders (2001), conocemos
como Guerra Fría Cultural168. El interés por este período, fuertemente marcado por la
expansión de la televisión, ha propiciado el desarrollo de brillantes trabajos en los últimos
años169.
Pero mucho antes de la llegada de la televisión, existían ya formas consolidadas de mass
media, como las agencias internacionales de noticias, la radio, el cine y las revistas de lectura
doméstica. Durante décadas, nos hemos acostumbrado a las imágenes victoriosas de los
Estados Unidos, que han circulado por el mundo informando avances tecnológicos y
científicos; hábitos y ventajas de un estilo de vida que ha ocasionado reacciones
contradictorias y cruzadas de temor y admiración, rechazo y aceptación, encantamiento e
indignación. Estas imágenes se plasmaban, antes de la masificación de la televisión, en revistas
que circulaban con gran aceptación en los hogares de las clases medias latinoamericanas. Los
Estados Unidos han sido, alternativa y simultáneamente, “enemigo” y modelo. Las habituales
críticas a su vocación imperialista por el repetido ejercicio del intervencionismo político y
militar en naciones extranjeras, han convivido con los postulados que lo colocaban, con
frecuencia, como ejemplo de modelo económico, de libertad y de progreso. Las auto-
representaciones de la superioridad norteamericana crecieron durante los primeros años del
conflicto mundial iniciado en 1939, y ganaron sofisticación a medida que el país se involucraba
política, económica y militarmente en la segunda guerra. Muchas veces, fueron
instrumentalizadas por el propio gobierno de Washington. Otras muchas, fueron el producto
comercial de iniciativas privadas. Aún en estos casos, contaron con el potente apoyo del
gobierno de los Estados Unidos, articulado a través de la Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs (OCIAA), el organismo coordenado por Nelson Rockefeller. Creada en 1940,
en el marco del acercamiento del gobierno de Franklin D. Roosevelt a los gobiernos
latinoamericanos, la OCIAA llevaba a cabo diversas acciones culturales, así como programas de
168
SAUNDERS, Frances S. La CIA y la guerra fría cultural. Barcelona: Debate, 2001.
169
El Entre la producción historiográfica española, tiene especial destaque el grupo de investigación vinculado a la
Universidad Complutense. Ver: NIÑO, Antonio (org): “La Ofensiva Cultural Norteamericana durante la Guerra Fría
“(Dossier), en: Ayer , nº75/2009 (3), pp.13-23.
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Camila Zanella
Licenciada em História pelo Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná - UNICS,
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, Doutoranda
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR.
Em suas pesquisas, algumas foram financiadas, como a que resultou no livro Obrageros,
Mensus e Colonos, que fala sobre a história do oeste paranaense, encomendada pela Itaipu
Binacional, este mais tarde também se tornou um capitulo do livro História do Paraná
Wachowicz descreve que, A sexta edição da História do Paraná (1988) já aparece como
ampliada, incluindo as pesquisas sobre regiões do Estado nos capítulos novos: “Ocupação dos
Campos Gerais”, “Ocupação dos campos de Palmas e o sudoeste”, “Contestado Brasil X
Argentina”, “O levante dos posseiros em 1957”, “O oeste paranaense”, “Norte Velho, Norte
Pioneiro”, “Norte Novo e Novíssimo”e “Os três Paranás”. (2010, p.6) Wachowicz fez um estudo
aprofundados de documentos históricos tanto nacionais como também poloneses, e que
mostra os benefícios da educação polonesa e a importância das colônias, como também as
dificuldades e possíveis erros, que mais tarde se tornaria em grande parte o livro As Escolas da
Colonização Polonesa no Brasil. Como bom historiador, como destaca Loureiro na introdução
do livro, incorpora questões políticas nacionais e internacionais referentes à imigração.
Wachowicz trabalha ideia de que o nacionalismo não era uma característica somente
brasileira, que a política mundial, durante a primeira metade do século XX, era de
desenvolvimento do nacionalismo. Portanto o Brasil, assim como outros países, desenvolve a
ideologia nacionalista impregnada nos governos no inicio da república e mais assiduamente no
governo de Vargas. Wachowicz descreve a necessidade da analise do contexto histórico da
imigração polonesa para o entendimento do porque os poloneses vieram para o Brasil. Assim
começa destacando os problemas encontrados no território polonês que fizeram algumas
pessoas optarem em deixar sua nação e buscar um novo território para seu progresso. Assim
Wachowicz faz uma analise superficial e sucinta das condições do território polonês que
levaram a ocorrer a imigração ao Brasil. Mesmo porque a dificuldade de se encontrar
documentos se torna um empecilho, já que muitos documentos foram queimados pelos
governos nacionalistas e os que sobraram estão com particulares, que por serem indivíduos
mais esclarecidos, os guardaram.
Ruy destaca que o conhecimento cientifico desenvolve a “consciência histórica” da população
que “liberta a mente e amplia os horizontes do pensamento para o mundo quase
ilimitado”(2010, p.7).Ao fazer uma analise através das pesquisas documentais, orais da
ocupação, colonização, imigração e desenvolvimento das regiões do Paraná, possibilita aos
pesquisadores que pesquisam o Paraná e os professores uma fonte segura de pesquisa, pois
somente após a década de 60 do século XX é que se começa a dar importância aos estudos da
micro-história, que abre espaço para pesquisas mais localizadas, mas Ruy Wachowicz destaca-
se pela abrangência de suas pesquisas, não focalizando apenas detalhes, mas detalhes
localizados no tempo e no espaço paranaense.
A História como campo de batalha: ideia de tempo nas biografias escritas por Paulo Leminski
Everton de Oliveira Moraes - Doutorando em História na UFPR, orientado pela profª Rosane
Kaminski.
Certas existências não cessam de buscar as batalhas, os conflitos, as lutas, sejam elas surdas e
cotidianas ou grandiosas e excepcionais; marcadas na própria pele ou sonhadas e imaginadas;
travadas contra todo um “sistema” ou contra uma parte de si mesmo da qual é preciso se
livrar urgentemente; motivadas pela angústia de uma vida sufocante, pela busca da potência
ou ainda pelo desejo de destruir tudo e começar novamente, transformar, revolucionar.A
biografia de Cruz e Sousa começa com uma denúncia, feita pelo Setor pessoal da Estrada de
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Ferro Central do Brasil à Diretoria da empresa, relatando um poema por ele escrito,
provavelmente no horário de trabalho de arquivista e pedindo providencias diante de tal
atitude. A narrativa de Leminski começa por este acontecimento, por este encontro entre o
gesto artístico e o burocrático, entre a poesia e o relatório, entre o funcionário-artista e o
funcionário ubuesco anônimo. E não se trata apenas de uma tentativa do poeta e romancista
curitibano de criar uma imagem guerreira de Cruz e Sousa, mas também de construir uma
imagem da história como conflito, isto é, como produto do enfrentamento de forças.
Construção coerente, aliás, com um “cenário onde já não se debatem (apenas) formas, mas
forças”170, e não somente na teoria literária, à qual Leminski estava muito atento, mas também
na historiografia, na filosofia, entre outros saberes. Mais do que o personagem biografado,
mais do que as formas literário-históricas em jogo em sua poesia, são as lutas nas quais ele foi
jogado pela vida que aparecem na biografia. O documento oficial apropriado por Leminski
deixa de fazer parte da longa série de relatórios produzidos por empresas, instituições e
governos para se tornar imagem de uma vida marcada pelo conflito. A partir dessa imagem
Leminski começa então uma série de narrativas de combate, seja contra o racismo, contra as
condições sociais, contra a “Razão” e contra as limitações da linguagem.Nas palavras de Durval
Muniz, "uma história começa por um acontecimento raro, que não está instalado na plenitude
da razão, que é cercado de vazios e silêncios, que clama por explicação171". É a partir de
pequenos acontecimentos poéticos, pequenos gestos de rebeldia, de combate, de lances de
dados que alteram o destino, que Leminski conta a história de seus quatro biografados. No
caso citado, um poema que dá origem a uma desordem localizada, que se espalha, se
multiplica vai gerar uma série de outras pequenas mas intensas desordens: no gosto
"refinado" das elites culturais do Brasil, na estética da "prosa medida e rimada" do
Parnasianismo, nas mentalidades racistas, no excesso de pudor das práticas artísticas da
época, nas confinantes separações entre classes sociais. Não se deve pensar que a constante
preocupação leminskiana com os "contextos", com a descrição dos lugares sociais, dos tempos
em que seus biografados viveram seja um indício de um confinamento do acontecimento
desviante dentro de estruturas estáticas e condições pré-determinantes. Mais que contextos,
são antes campos de batalha que são descritos e analisados, lugares em que acontecem
conflitos e nos quais são desferidos golpes, traçadas estratégicas, articuladas táticas,
deslocamentos e que por vezes são danificados ou até completamente destruídos pelos
próprios conflitos. Esses lugares não apenas interferem no conflito (favorecem mais um ou
outro dos oponentes) mas estão, portanto, à mercê daquilo que acontece nele. Os gestos não
apenas são constituídos por um determinado tempo e espaço, mas o constituem. As biografias
de Leminski falam de práticas, é a partir delas que a organização do texto é construída. É só
através do gesto rebelde de escrita da poesia que se pode ver a disciplina de trabalho
funcionando para coibir este gesto; é através do gesto desafiador das divisões raciais que estas
passam a ser vistas no texto; o gesto que passeia entre diversos gêneros deixa ver a coerção
que a poética tradicional exercia sobre Cruz e Sousa e outros poetas da época.Ao conseguir
dar às práticas um lugar que não é nem o do confinamento dentro de padrões de
comportamento pré-definidos, nem o da soberania do gesto racional que não respeita
qualquer regra, Leminski se sintoniza com toda uma historiografia contemporânea, que
também retoma aquelas noções até então rejeitadas de "prática" e "acontecimento", não para
restituí-las à posição que ocuparam durante o século XIX, mas para lançar luz sobre demandas
contemporâneas.
170
ANTELO. Raúl. As imagens como força. Revista Crítica Cultural, volume 3, número 2, jul./dez. 2008.
171
ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz de. No castelo da história só há processos e metamorfoses, sem veredicto final.
Passetti. Edson (org.). Kafka-Foucault, sem medos. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004. p.14.
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Geraldo Pieroni
Doutor em História – Universidade Paris-Sorbonne
A portuguesa Maria Ferreira, mulher comum que viveu no século XVII, foi condenada à pena
de banimento para o Brasil. Sua existência passaria despercebida se o seu “desvio” não fosse
registrado nos processos inquisitoriais de Lisboa. Uma personagem do povo que de certa
forma questionou os dogmas religiosos e civis a respeito do acordo monogâmico do
matrimônio cristão. Ela foi condenada por bigamia e esta sua heterodoxia chamou a atenção
dos juízes da fé e do estado. Qual jurisdição deveria se ocupar dos acusamos de biagamia? O
Trono ou o Altar? Ambas, a justiça secular e a justiça eclesiástica estavam vigilantes para
manter o casamento em conformidade com a tradição da ortodoxia católica. A monogamia é o
sinal da união indissolúvel de Cristo e da Igreja. O casamento sacramental é fundamentado
num único Senhor, numa única Igreja, um só homem, uma só mulher. Para evitar a confusão
do direito, um decreto real do dia 26 de maio de 1689 declara a bigamia como um delito de
Mixti Fori. Para as leis do Antigo Regime português romper o matrimônio cristão significa
quebrar a aliança entre Deus e o seu povo; portanto, implicava uma desacralização, um
pecado, um crime, uma inversão da ordem divina concebida pela Igreja. As ordenações
Filipinas de 1603 estabelecidas por Felipe II, rei da Espanha e de Portugal, determinava, no seu
Livro V, no título XIX, que “todo homem, que sendo casado e recebido com huma mulher, e
não sendo o matrimônio julgado por inválido por juízo da Igreja, se com outra casar, e se
receber, morra por isso (...) e esta mesma pena haja toda mulher que dous maridos
receber...”172. Eis a rigorosa punição que a justiça secular portuguesa, na época da união
Ibérica, impunha aos bígamos. Mais de cem anos antes, o Dicionário dos Inquisidores de 1494
registrava que os bígamos podiam ser perseguidos pela Inquisição173 e, de fato, o título XV do
terceiro Livro do Regimento do Santo Ofício de Portugal, de 1640, foi suficientemente claro
quando reivindica o crime de bigamia como um direito pertencente à instituição: “o crime de
Bigamia se conhece no Santo Offício, conforme a declaração, que há do Sumo Pontífice, pela
presunpção, que rezulta contra os Bígamos, de não se sentirem bem do Sacramento do
Matrimônio, com que ficão suspeitos na Fé”. O delito é muito bem definido neste mesmo
título:
“todo homem, ou molher de qualquer qualidade, ou condição que seja, que tendo contraído
primeiro matrimônio por palavras de prezente na forma do Sagrado Concílio Tridentino se
cazar segunda vez, sendo a primeira molher, ou marido, ou sem ter provavel certeza da sua
morte, como de direito se requer para contrahir segundo matrimônio, será no Santo Officio
perguntada pela tenção e ânimo com que cometteo este crime e será condenada...”174. O
casamento cristão segue a lógica da aliança de Deus com a humanidade e se apóia sobre a
encarnação de Cristo na história dos homens, de onde emerge toda a moral conjugal. A razão
172
Ordenações Filipinas de 1603, nota de apresentação de Mário de Almeida Costa, edição fac simile da edição feita
por Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Livro V, título XIX: Do
homem que casa com duas mulheres, e da mulher que casa com dois maridos.
173
Dictionnaire des Inquisiteurs (Valence 1494), direction de louis Sala-Molins, Paris, Galilée, 1981, p. 295.
174
Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reynos de Poertugal ordenado por mandado do Ilmo e Rmo Senhor
Bispo D. Francisco de Casrro, Inquisidor Geral do Conselho d’Estado de S. Majestade, em Lisboa, nos Estaos, por
Manoel da Sylva, MDCXL (1640), Livro III, Título XV: Dos Bígamos.
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Marco Polo descreve minuciosamente para o grande Kublai Khan as cidades por onde passou
em suas missões diplomáticas; objetiva com isso mantê-lo informado sobre seus domínios,não
para que ele tomasse conhecimento das riquezas e do comércio mas para contar
especialmente sobre a alma das cidades, aquilo que as distingue entre si, tornando-as únicas
apesar de iguais. Se o grande Kublai Kahn acredita na narrativa não se sabe – e não importa. As
cidades invisíveis, de Italo Calvino, de onde foi extraído o acima escrito, conduzem a reflexão
do presente trabalho, no sentido de que a descrição de uma cidade tem sua veracidade
175
Mt. 19,6, in A Bíblia, op. cit.
176
O direito canônico admite em alguns casos, a anulação do casamento que é reconhecido como nulo pelas
autoridades eclesiásticas competentes se, depois de um procedimento apropriado, fica evidente que o casamento
tinha sido celebrado apesar de um grave impedimento ou que não tinha sido celebrado segundo as formas
canônicas, por exemplo um padre não habilitado de autorização para celebrar. Neste caso, não existe dissolução
dos laços conjugais, mas a constatação de sua inexistência. No entanto, regra geral, uma vez unido pelo sacramento
matrimonial, não se pode separar para se casar “sacramentalmente” com uma outra pessoa.
177
ANTT, Inquisição de Lisboa, processo 73: Maria Ferreira, Auto da fé do dia 10 de dezembro de 1673.
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confirmada pela narrativa daquele que a está olhando e a percebe como uma cidade sonhada,
embebido que está em suas recordações. Ou então aquele que a deseja como uma cidade que
traz dentro dela a rebeldia, os personagens que consomem a visão paradisíaca e a colocam
frente a frente consigo mesma, como diante de um espelho deformador. Por outro lado, esses
personagens ganham vida na medida em que são descritos como partícipes da construção da
história dessa cidade. Assim, de início nosso diálogo se dá com Tasso da Silveira, escritor
paranaense que por muitos anos do início do século XX morou no Rio de Janeiro e formou,
com Andrade Muricy, Nestor Vitor e outros, aqueles que Angela de Castro Gomes chamou de
Essa gente do Rio... . Na década de 1950, Tasso de Silveira publicou Canções a Curitiba, um
conjunto de poemas nos quais não só descreve a Curitiba de seus sonhos, mas aquela de suas
memórias que não se resumem à cidade em si, mas à sua vivência nela e dela. Uma década
antes Dalton Trevisan, escritor paranaense descrevera a “sua” Curitiba – o título do texto
publicado na revista O Joaquim editada por Trevisan, em 1945, foi Minha cidade - se colocando
frontalmente contra aqueles a quem denominou de “a elite intelectual” curitibana, figuras
pertencentes a uma cidade bem comportada. A cidade que Trevisan chama para si é
transgressora, humana, povoada de personagens que permitem a leitura da cidade pelo seu
avesso, rufiões, prostitutas, loucos, normalistas de gravatinha, neopitagóricos... E nela não
vivem apenas personagens imaginários; eles são reais, categorizados pela imprensa como
marginais, loucos, excêntricos. Personagens reais como Simão Bialê, típico boêmio da virada
do século XIX para o XX, de beber umas e outras; Maria Ballão que viveu em Curitiba entre os
anos 1920 e 1930 e ficou registrada como excêntrica, exótica, bêbada, mendiga, pitoresca,
diferente. Afrontava a moralidade pública circulando pelo centro da cidade no footing
domingueiro, fazendo comentários picarescos de “typos normaes”, banhando-se no repuxo da
recém remodelada Praça Osório, ou mesmo fugindo do calor, “ficando em trajes de Eva” em
plena via pública; Maria do Cavaquinho, circulou pela cidade entre os anos 1950 a 1980 como
presença marcante. Era baixinha, temida, irreverente e ousada. Vestia-se de roupas coloridas,
carregava sempre um cavaquinho, daí o apelido, vivia de gorjetas, insolente, defendendo-se
com seu instrumento musical à guisa de porrete. Escandalizou muitas vezes a população que
circulava pelo centro da cidade ao agarrar os órgãos sexuais de políticos, figurões, namorados
ou simples transeuntes. Também compondo a galeria de “estrangeiros” excêntricos,
folclóricos, loucos encontra-se Rubens Aparecido Rinque, ou Gilda, execrado por muitos, mas
para outros era a “alegria da XV. Vestia-se de mulher e sua sobrevivência nas ruas dava-se à
custas de pequenas chantagens, as quais praticava com muita irreverência. “Uma moeda ou
um beijo” era seu mote de aproximação, constrangendo o cidadão abordado, diante dos
transeuntes que paravam para aguardar o desfecho da situação. Estas personagens tem em
comum o não pertencimento à sociedade tradicional; faziam parte daquela malta não afeita ao
trabalho, não morigerada, aventureira, desordeira, doente, preguiçosa; representavam o
outro, o não esperado, que não se conformava às regras da sociedade na qual viviam O diálogo
entre s duas cidades, a imaginária e a vivida, será discutido buscando em Foucault, Bakhtin,
Larrosa, entre outros, o arcabouço para a sua construção.
Murilo Prado Cleto: professor das Faculdades Integradas de Itararé/SP, graduado em História,
especialista em História Cultural e mestrando em Cultura e Sociedade: diálogos
interdisciplinares pela Universidade Tuiuti do Paraná – sob orientação do professor doutor
Rafael Tassi Teixeira.
Hoje o mundo comemora o início do processo que parece ter revolucionado as conjunturas
políticas do mundo árabe. E de todos os prognósticos elaborados para a compreensão e
perspectiva das revoltas que sacodem a região desde a morte do jovem Muhammad Buazizi na
Tunísia, sobram poucas certezas além de uma hipótese nada difícil de supor já no último
dezembro: a “Primavera Árabe” é mesmo uma invenção do Ocidente. Uma a uma, as ditaduras
que caíram inauguraram um movimento transnacional de combate ao despotismo não muito
estranho à história do Ocidente. Como alusão às revoluções europeias de 1848-49, logo os
movimentos tornaram-se a “versão árabe” da Primavera dos Povos que fechou o caixão do
Absolutismo no velho continente. E não por questões climáticas, sua primavera inflou um
clima de otimismo tão eufórico quanto prepotente sobre um Oriente preso a um processo
histórico bem distante das manifestações na praça Tahir ou nas ruas de Trípoli.O historiador
Perry Anderson não demorou em afirmar publicamente uma relação entre três precedentes da
primavera dos árabes: as guerras de libertação das colônias hispano-americanas (1810-25), a
Primavera dos Povos (1848-49) e o esfacelamento do regime soviético (1989-91).178 Robert
Darnton foi manchete na imprensa ao cravar que as revoltas árabes “ecoam 1789”.179 Não que
não estivessem presentes nas palavras de ordem das revoltas conceitos como “liberdade” ou
“igualdade”, tal como no momento em que Luís XVI tornava-se o último Bourbon do século
XVIII na França tomada pelo 3º estado oprimido. Estes eram, de fato, os gritos de guerra da
multidão. Mas a herança deixada pelo etnocentrismo europeu sobreviveu à quebra de tantos
paradigmas que transformou a “história do mundo” num movimento coeso e implacável,
dotado de sentido lógico que, liderado pela Europa, percorre o mundo como uma avalanche
sem resistências duradouras. Mais do que enxergou o Oriente, o Orientalismo o recriou
conforme uma tendência não inaugurada, mas radicalmente reforçada pelo iluminismo no
século XVIII. A obsessão de Kant pelo mapeamento civilizatório da humanidade criou uma
verdadeira rede de generalizações relacionadas para a classificação fisiológico-moral das etnias
– selvagens, europeus, asiáticos, etc. -, evidenciando o oriental como estado humano primitivo
nesta escala evolutiva.180 Edward Said classificou Orientalismo como “um estilo de
pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e o
‘Ocidente.’” E orientalista é, portanto, todo aquele que ensina, pesquisa, escreve sobre o
Oriente e aceita a clivagem entre Leste e Oeste como ponto de partida para o mapeamento de
suas caracterizações políticas, culturais e sociais. Como discurso acadêmico, na passagem
entre os séculos XVIII e XIX, o Orientalismo transformou-se numa disciplina com autoridade
tanto física quanto intelectual sobre o Oriente.181Meu argumento aqui não é o de que as
convulsões no mundo árabe nada têm a ver com as revoluções burguesas ou proletárias do
Ocidente contemporâneo. Há semelhanças que são evidentes entre os movimentos em jogo
no cenário histórico, tanto na Primavera Árabe quanto na ocidental. Mas o que o Ocidente fez
com a “Primavera Árabe” foi inscrever o seu legado nos anais de uma história já escrita e
protagonizada pelo velho continente e que, só agora, chega aos árabes. Como se a “Revolução
Francesa Oriental” estivesse mais de dois séculos atrasada em relação ao acontecimento
“original” celebrado pelo Ocidente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
178
ANDERSON, Perry. Explosões em Sequência. In: Revista Piauí, São Paulo, n 57, p. 36-39, jun 2011.
179
ANTUNES, Claudia. Revoltas árabes ecoam Revolução Francesa, diz historiador. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6
mar. 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/884850-revoltas-arabes-ecoam-revolucao-
francesa-diz-historiador.shtml. Acesso em 02 dez. 2011.
180
SAID, Edward W. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
181
id, ibid.
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ANDERSON, Perry. Explosões em Sequência. In: Revista Piauí, São Paulo, n 57, p. 36-39, jun
2011.
ANTUNES, Claudia. Revoltas árabes ecoam Revolução Francesa, diz historiador. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 6 mar. 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/884850-
revoltas-arabes-ecoam-revolucao-francesa-diz-historiador.shtml. Acesso em 02 dez. 2011.
onde o silêncio resulta na própria confissão, podemos dizer que como entendida na
atualidade, a confissão foi introduzida como técnica de busca da verdade com o Concílio de
Latrão, datado de 1215, estando de certa forma ligada ao gênero inquisitorial, o qual tomou
lugar dos “duelos” como meio de busca da verdade. Além, da espécie confissão, na narrativa
também se encontra o uso da figura do testemunho, que Foucault trabalha de forma
subsumida à primeira, porém tão importante quanto aquela, esta é capaz de demonstrar a
verdade que se esconde por trás dos diversos personagens. Apesar da cena do Tribunal ser o
local por excelência da confissão, encontram-se diversos testemunhos, e ambos revelam uma
relação de complementaridade, em que a verdade se mostra através da ótica do que confessa,
mas também pela ótica de um terceiro, aquele que viu os acontecimentos narrados,
impregnando a narrativa do aspecto subjetivo dos personagens. Afastados de seu aspecto
objetivo, em que se busca a alcançar a verdade resistida, testemunho e confissão, carregam o
sentimento de ideia de justiça, mas uma justiça subjetiva que atenda aos anseios pessoais. A
contraposição e o jogo estabelecido entre confissão e testemunho revelam a verdade dos
indivíduos e das relações de poder estabelecidas numa cena caricata da ausência de ordem
pré-estabelecida e tentativa de se estabelecer um ritual de justiça democrática. Testemunho e
confissão sobressaem na obra de Guimarães Rosa, demonstrando e evidenciando a verdade
estabelecida em intrincadas relações de poder do sertão, em que pares julgam, confessam e
testemunham dramas e feitos pessoais, em que a forma judicante força os personagens a
refletir e justificar seus atos, e a compreender que as disputas pelo poder tonam-se um fim em
si mesma, através da naturalização das condições sócio-espaciais.
Diáspora, interculturalidade e processos migratórios: sobre como ser autóctono sendo músico
e capoeirista em quatro narrativas de artistas brasileiros em uma cidade estrangeira
Paulo. João Batista Vilanova Artigas nasceu em junho de 1915, na cidade de Curitiba, no estado
do Paraná, onde vivei até completar vinte anos. Sua formação superior se deu na Escola
Politécnica da USP, quando a engenharia e a arquitetura formavam o engenheiro-arquiteto.
Embora sua relação com a cidade de Curitiba nunca tenha deixado de existir, estabeleceu-se
na cidade de São Paulo. Artigas amava São Paulo e a cidade, por sua vez, oferecia-lhe tudo
aquilo de que precisava para expor seu pensamento modernista em suas obras. Era filiado ao
partido comunista, foi exilado do Brasil na época da ditadura militar, mas é um dos fundadores
da arquitetura modernista no país. Foi um defensor, no Brasil, das ideias e projetos de Frank
Lloyd Wright, de tal modo que Yves Bruand (1981) denominou a primeira fase da obra de
Artigas (a compreendida entre 1938 e 1944) de fase wrightiana. Mais tarde, deu-se seu diálogo
estreito com as obras de Le Corbusier, embora Artigas dissesse que por trás da boa vontade de
construir para a coletividade, estaria a tentativa de legitimar o status quo, do arquiteto
francês.De forma concomitante à atividade de arquiteto, opção feita em detrimento da
engenharia, Artigas foi professor na Escola Politécnica da USP e, posteriormente, no curso de
Arquitetura da mesma universidade. Curso que fundou junto com outros colegas de sua época,
contudo, o projeto educacional e arquitetônico, dirigido na íntegra para arquitetos, foi de sua
autoria. Muitos foram seus discípulos, durante sua atuação como professor, entre eles
destacamos Flavio Império, Rodrigo Lefèvre e Sergio Ferro. Vários foram seus projetos, entre
projetos e desenhos quase 700, os quais marcaram profundamente sua carreira e sua
existência. Tornou-se, em sua época, um dos mais reconhecidos arquitetos do País e instituiu,
junto a outros estudiosos de soluções para a arquitetura brasileira e própria a um país tropical,
um estilo arquitetônico conhecido como “paulista/brutalista”. Embora recusasse a
denominação “brutalista” (por entender que esse rótulo o inseria na concepção brutalista
empregada em qualquer país, inclusive no Brasil), possuía características em comum com a
estética que negava. A arquitetura brutalista é uma expressão arquitetônica que marcou
muitos países. Para a arquiteta Ruth Verde Zein (2005), foi o esgotamento das pautas da escola
carioca que ofereceu elementos concretos para o nascimento da arquitetura brutalista em fins
dos anos 1950, no Brasil. Também nessa década, concluiu-se a construção da cidade de
Brasília, idealizada por essa arquitetura, o que fez a influência da tendência brutalista
repercutir, em São Paulo, com uma intensidade maior do que aquela que se manifestara até
então. Vale dizer que Artigas participou ao lado de Lucio Costa da Construção do viria a ser a
capital brasileira. A denominação de “brutalismo paulista” origina-se no fato de que, embora o
brutalismo marcasse a arquitetura mundial, os paulistas tentaram realizá-lo a seu modo,
destacando características próprias, ancoradas no panorama cultural nacional (sem, contudo,
libertar-se totalmente da ressonância do modelo internacional daquele período, por mais que
tentassem). Era preciso, porém, manter-se em interação com as inovações e criações que
eram produzidas fora do Brasil, e o vínculo entre o diálogo e a absorção dessas tendências foi
difícil de estabelecer. Artigas (1989), por sua vez, sempre negou essa influência; alegava que
sua arquitetura partia da realidade vivida por ele, pautada muito mais por sua percepção do
momento histórico brasileiro ─ que urgenciava por uma arquitetura limpa, acessível aos
edifícios públicos e que orientasse um estilo que estivesse disponível aos que dependessem de
seu uso, como a classe operária, mas sem abrir mão dos elementos estéticos e plásticos que
identificavam essa tendência de arquitetura. Um desses exemplos é o prédio da FAU/USP
(Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), pensado para trazer à
citada universidade não apenas as manifestações políticas e agrupamentos de manifestantes,
mas também para atrair os usuários da própria Pauliceia, num período em que o país
enfrentava a ditadura militar e o espaço das universidades brasileiras proporcionava trazer
para seu interior as manifestações e seus militantes, mas a ideia era que esse frequentador de
movimentos se torna seu usuário permanente. Enfim, ele tinha direito ao espaço, deveria fazer
uso do lugar que tinha uma função social de uso para além das manifestações. Não era apenas
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A pesquisa que aqui se apresenta pretende analisar as Sátiras de Juvenal, autor que viveu
entre os séculos I e II d.C. na cidade de Roma. Pretende-se buscar elementos que contribuam
na análise das religiões presentes em Roma neste período, ou seja, pensar a diversidade
religiosa a partir do olhar de um poeta. Havia em Roma no período citado uma grande
variedade de práticas religiosas advindas de várias províncias e ressignificadas. Entende-se que
na cultura da região mediterrânea ocorreram processos de interculturalidade, ou seja,
processos nomeados por “sincretismo aberto” nos quais as interações entre as culturas são
multidirecionais e polinucleares (CHEVITARESE e CORNELLI, 2003, p.17).As novas práticas
religiosas, no entanto, eram vistas muitas vezes com muita cautela pelos que comandavam o
Estado romano, pois havia os cultos considerados oficiais pelo governo de Roma e eram os
homens com algum poder político os responsáveis pelas práticas oficiais. Essa religião oficial
baseava-se, assim como outros aspectos da vida romana, no constante apelo ao mos maiorum,
ao costume dos antepassados e à preservação destes costumes. As práticas religiosas oficiais
estavam muito ligadas às estruturas do Estado, o poder religioso e político estavam imbricados
na sociedade romana (SCHEID, 1990, p.112). Até mesmo a escolha do governante, ou seja, do
imperador, era, ela mesma, segundo os romanos, uma indicação da divindade, ou seja, do
deus Júpiter e o escolhido já carregava em si uma “essência” divina. Quando morto esse
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imperador, que tinha em si uma essência divina, recebia as honras da apoteose, era incluído
como deus na religião oficial e recebia um culto específico (GRIMAL, 1993, p.12). Por
outro lado, durante esse período de intensa interação entre culturas percebe-se que o retorno
das antigas práticas e da preservação de uma ideia de “identidade romana” torna-se
recorrente na literatura.Durante o governo dos Flávios e os primeiros Antoninos - Nerva,
Trajano e Adriano- percebe-se na literatura, principalmente nas Sátiras de Juvenal, uma
intensa desaprovação em relação às novas práticas descritas como “estrangeiras” e “estranhas
à cultura romana”. Dessa forma, a análise das Sátiras contribui para o entendimento das
representações que as ordens sociais mais abastadas faziam de si e a criação de modelos de
comportamento que elas sugerem, já que intelectuais, tais como Juvenal, são produtores e
vetores de discursos e, segundo Baczko, “através dos seus imaginários sociais, uma
coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a
distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma
espécie de código de bom comportamento, designadamente através da instalação de modelos
formadores (...)” (BACZKO, 1985, p.309).Juvenal contribui para perceber os discursos que se
formam em torno da tentativa de conservação de antigas práticas no momento em que Roma
vivia um momento de intensas mudanças. Mesmo o autor não sendo das ordens mais ricas em
Roma é essencial perceber que era um cliens, ou seja, dependia de poderosos da cidade para
sua sobrevivência. Sobre o autor não há muita informação. Juvenal- Decimus Iunius
Iuuenalis- viveu entre os séculos I e II d.C. e não tinha começado a escrever, ou pelo menos a
publicar, até a morte de Domiciano, 96 d.C. No ano 100 o autor provavelmente estivesse no
meio de sua existência. Na juventude, o poeta provavelmente freqüentou escolas de mestres
de retórica. Sua obra demonstra tal influência. Percebe-se ainda a influência da pregação
cínico-estóica na obra do poeta, assim como outros autores satíricos. O ano da morte de
Juvenal também é incerto, sabe-se apenas que em 128 o poeta ainda escrevia suas sátiras.O
autor mostra-se por meio de suas sátiras como um tradicionalista, conservador e pessimista.
Exalta em vários momentos o mos maiorum, pois o passado é o principal ponto de referência
do autor, e mostra um certo descaso em relação aos gregos e “orientais”.
Juvenal escreve em uma forma literária específica, as sátiras. D’Onofrio define o gênero
satírico e aponta suas principais características. O autor atenta para o caráter oral e para a
variedade de assuntos das sátiras. O texto satírico não é, por sua vez, nem somente filosofia,
nem somente moral (1968, p.14).Gilvan V. da Silva (1995, p.73-74) aponta que a sátira faz uma
apologia aos costumes ancestrais e ridiculariza comportamentos opostos ao tradicional, ou
seja, há uma função moralizante.No que diz respeito aos temas tratados na fonte há uma
grande diversidade: filosóficos, morais e religiosos. Esses últimos são aqueles que interessam a
este estudo. Em várias sátiras surgem discussões a respeito de descrença religiosa (sátiras 2 e
13), sobre superstições (sátiras 2, 13 e 15), discute as práticas votivas (sátira10), degradação
dos templos (sátiras 9 e13), cultos, segundo ele, estranhos à cultura romana, tais como o de
Ísis e Osíris, Cibele e Átis, Bellona (sátiras 4, 5,6,8, 15).Dessa forma, utilizando alguns trechos
das Sátiras pretende-se discutir os aspectos que Juvenal traz das religiões em Roma e ainda
apresentar o contexto religioso vivido pela sociedade romana no fim do primeiro e início do
segundo século d.C.
O Principado Romano é marcado por imagens por vezes contraditórias que envolvem a maioria
dos imperadores romanos, desde Augusto até Trajano, e segmentos da sociedade patrimonial
romana. Um rápido olhar sobre a literatura romana, produzida desde a época de Augusto até
Trajano, permite observar um elenco de autores em sua maioria envolvidos nos meios
políticos e sociais romanos e que são, simultaneamente, produtores e vetores deste imaginário
social romano imperial. É de fundamental importância analisar as obras literárias enquanto
veículos portadores de discursos que possam representar elementos da identidade e da
alteridade sócio-cultural romanas. Estas identidades e alteridades assumem um caráter
público evocando um conjunto de representações políticas e administrativas ligadas à imagem
do Senado e do Princeps de Roma. Alguns autores romanos escrevem sobre o seu próprio
tempo, como Petrônio, que faz importante crítica à principal personagem do Satiricon, como
Sêneca, filósofo cínico-estóico que divide sua produção intelectual em duas fases: a fase da
apologia do quinquenium neroniano e a fase da crítica aos métodos e às práticas adotados pelo
imperador Nero, principalmente em seu tratado sobre o tempo De brevitate vitae. Assim como
Plínio, o Jovem, que retrata o cotidiano da sociedade patrimonial em Roma em seus 9 livros de
cartas, além do livro X que é resultante da coletânea de cartas trocadas com o Imperador
Trajano e o seu Panegírico de Trajano. Mas é certo, no entanto, que todos eles escrevem num
determinado contexto histórico que está presente no espírito e no sentido de suas obras. O
emprego da expressão latina memoria principis tem também sua razão de ser fortemente
relacionada com essa mesma literatura produzida durante o I século e início do II d.C durante o
Principado romano. É necessário analisar as relações sociais, políticas e culturais no processo
de produção literária e simbólica deste período para se entender as imagens e os discursos
presentes em seu bojo. As fontes literárias que nos remetem à “primeira fase” do Principado
romano foram produzidas durante os governos de Trajano e de Adriano, tendo como principais
escritores Tácito, Suetônio e Plínio, o Jovem. O objeto de Tácito e de Suetônio, amparados nas
condições sócio-culturais durante o governo de Trajano, é o período júlio-claudiano (César,
Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero) e o período flaviano (Oto, Galba, Vitélio,
Vespasiano, Tito e Domiciano). Plínio, o Jovem, em suas Cartas, retrata a própria época de
Trajano; ele produz ainda o Panegírico de Trajano, discurso apologético e prospectivo
pronunciado em setembro do ano 100, perante o Senado em Roma, quando seu autor assumiu
por três meses o consulado (OLIVEIRA, 1996). Os textos de Tácito e de Suetônio servem
preliminarmente como referenciais de análise deste período do Principado romano. Mesmo
que ambos não tivessem produzido obras de natureza comum - o primeiro produz dois textos
analíticos, e o segundo traça biografias dos imperadores júlio-claudianos e flávios, carregadas
de conteúdo permeado pelas práticas sociais clientelistas -, ambos produzem imagens dos
imperadores que remetem para uma visão dicotômica do poder imperial, personalizado nas
figuras dos principis romanos e pautados pelos ideais de virtude e de vícios presentes nos
discursos filosóficos estoicos e epicuristas. A produção de imagens retiradas da memória
coletiva, construídas literariamente, são nosso principal objeto de pesquisa neste projeto. O
desafio de analisá-las torna-se mais provocativo na medida em que o emprego de uma
determinada linguagem (seja ela verbal ou não-verbal) remete também para a inquietação
intelectual inerente às suas características. É possível perceber nessa linguagem valores da
tradição romana, principalmente no mos maiorum e no culto do vir bonus, que se alternam
com os valores imperiais regidos de iure pelo populus romanus. Há nos textos literários, uma
das manifestações culturais deste período romano, uma articulação entre as imagens e os
discursos políticos e sociais. Estas imagens e estes discursos representam situações vividas
pela sociedade romana durante o Principado. O vocabulário presente nos discursos, seja sobre
o imperador seja sobre as relações sociais romanas, é composto de imagens que refletem
alguns dos mecanismos que visam preservar a memória coletiva da identidade romana. Um
dos exemplos destes mecanismos é a relação estabelecida entre o deus-vivo (princeps) como
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depositário da memória do deus-morto (divus) presentes nas práticas difundidaas pelo culto
imperial. Fazem parte destas imagens, presentes nos discursos identificados na literatura
supra citada, alguns dos valores morais inestimáveis para os romanos como a virtus, o
principal desses valores, cujo significado dignifica o homem; a voluntas, norma suprema das
atividades práticas e dos deveres humanos; a pietas, como disposição interior do vir bonus; a
fides, exercício de destreza e paciência. Completam a imagem do homem-deus combinada
com a imagem do homem-mortal situações dialéticas às quais todos aspiram, o
reconhecimento do honestum pela sociedade dos desiguais; honor, atributo do
reconhecimento público ao homem virtuoso; e a phylantropia, que se confunde na sua ação
com a munificentia, enquanto atividade voltada para o bem comum de natureza pública e
evergética. Nos últimos anos, a historiografia tem se preocupado em estudar os grupos sociais
produtores de ideias. Este grupo produtor de ideias tem sido chamado de intelectuais.
Guardadas as devidas proporções temporais, diante dos questionamentos derivados das
discussões sobre estudos ao papel dos intelectuais na produção de uma memória coletiva
através de um discurso determinado. A partir das definições de Sirinelli (SIRINELLI, P. 99,
1986), adotar-se-á que o grupo de autores elencados pode ser definido como um grupo de
intelectuais romanos já que são agentes produtores de um discurso vinculado, de forma direta
ou indireta, a elementos criadores e mediadores culturais. Além disto, todos, também de
forma direta ou indireta, participaram da vida da cidade de Roma e seus mecanismos políticos
e administrativos.
Camilla Miranda Martins - mestranda – UFPR – Orientadora Dra. Renata Senna Garraffoni
182
KNAUSS, P. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura,Uberlândia, v. 8, n. 12, jan-
jun. 2006, p.102 -110.
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único, mas buscar entender as relações humanas que os envolvem. Além disso, também
notaremos com Martin Robertson e Mary Beard ser necessário considerar na leitura de
imagens que as múltiplas interpretações a seu respeito mudam conforme o contexto, o
observador e suas expectativas.183 E, dessa maneira, a análise do artefato requer o que esses
autores explicam como uma tentativa de reconstruir em nossos próprios termos (por que não
podemos fazer de outra forma) o que era para ser um observador da época. Segundo
Robertson e Beard, usamos o conhecimento adquirido com nossos próprios modos de ver a
fim de compreender as complexidades - algumas semelhantes, outras diferentes - no material
antigo.184 Depois, explanaremos sobre os estudos específicos da iconografia dos festivais,
contextualizaremos as fontes e discutiremos como na cerâmica panatenaica os aspectos
egípcios são pouco analisados. Patrícia Marx,185 por exemplo, nos chama a atenção para
pensar a respeito de uma relação cultural entre gregos e egípcios, uma relação que já causou
várias discussões na historiografia, principalmente no século XIX e depois no final do XX.Em
linhas gerais, de acordo com Martin Bernal, entre os séculos XIX e XX houve toda uma
discussão em torno da presença ou não de cultura oriental na sociedade ocidental. Esse
debate, segundo o autor, encontrava-se no centro de interpretações acerca da Grécia, em
especial o Modelo Antigo e o Modelo Ariano. O Modelo Antigo explica a Grécia como habitada
por tribos primitivas e depois colonizada por egípcios e fenícios. Já no Modelo Ariano a cultura
grega teria sido resultado de invasões dos povos do norte - fornecendo argumentos para uma
superioridade europeia sob os demais continentes, por localizar os gregos (pensados como
criadores da civilização) como um povo setentrional. Esse deslocamento, segundo o estudioso,
seria proposital, pois os europeus “não poderiam ter recebido a herança de sua civilização das
luxuriantes e decadentes regiões meridionais e orientais”,186 como propõem o Modelo Antigo.
Assim, o autor defende que os Estudos Clássicos possuem um papel de atuação na construção
ideológica de discursos políticos por intermédio de modelos interpretativos sobre as origens
da Grécia.187Para Bernal, autor que escreve já no final do século XX, há sim a presença oriental
na cultura grega, principalmente por causa de vestígios materiais da Idade do Bronze os quais
apontam para a existência de estabelecimentos egípcios e fenícios de grande influência na
Grécia. Ao pensarmos sobre o fluxo da arte egípcia na pintura grega acaba contribuindo com
estudos como os de Bernal e nos permite refletir como é importante contextualizar o
olhar.Dessa forma, nossa comunicação terá a seguinte estrutura: primeiramente um apanhado
geral acerca da discussão teórica e metodológica em torno da arte como fonte histórica,
porém uma arte específica, a iconografia. Depois uma apresentação de nossas fontes,
explanando sobre as pesquisas acerca das ânforas panatenaicas e percebendo como esse tipo
de cultura material pode nos proporcionar a reflexão sobre os modos de se interpretar a
antiguidade, principalmente no que se refere às relações entre a Grécia e o Egito.Por fim, com
essa exposição pretendemos aproximar história antiga e arqueologia do mundo clássico dos
estudos visuais e da história da arte. Também, objetivamos observar que por meio da cultura
material, dos vasos panatenaicos, há diversas possibilidades de olhar o mundo grego antigo.
183
ROBERTSON, M. & BEARD, M.. Adopting an Approach. In: RASMUSSEN, Tom & SPIVEY, Nigel (org.). Looking at
Greek Vases. Cambridge University Press, 1997, p.13.
184
Idem, p.18.
185
MARX, P. A Athena on early panathenaic amphoras. In: Antique Kunst. Vol. 46. Basel (Suíça): Association of
Friends of Classical Art, 2003, p.14-29.
186
BERNAL, M. A Imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia
européia. (Tradução: Fábio Adriano Hering). In: Bernal e Olivier, L. Repensando o Mundo Antigo - II. Organização:
Pedro Paulo Abreu Funari. Textos Didáticos: n. 49, IFCH/Unicamp, 2003, p.18
187
Idem, p.9.
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discussões atuais. Desse modo, procuraremos ver como o autor explicita esses valores morais
em sua obra.
Monica Selvatici
Professora Adjunta de História Antiga – UEL
Doutora em História – UNICAMP
Uma das premissas partilhadas pelos estudos sociais recentes relacionados à questão da
identidade étnica é o fato de que a identidade manifestada pelos diversos grupos étnicos é
agora entendida como um elemento mutável e, sobretudo, relacional, e não mais apreendido
como algo essencial. Trata-se de um elemento relacional porque depende das relações entre o
grupo em questão e os grupos ao seu redor; e é mutável porque estas relações são, por sua
vez, também mutáveis e dependentes da ação e da interação entre diferentes aspectos sócio-
históricos e culturais. Esta nova abordagem das identidades de grupo que incorpora o aspecto
mutável e relacional das identidades sociais teve no antropólogo norueguês Fredrik Barth um
pioneiro na medida em que ele foi o primeiro autor, em 1969,188 a incorporar uma abordagem
subjetivista da etnicidade em um modelo teórico programático. O seu conceito de etnicidade
se definia por “um modelo de interação social da identidade étnica que não supõe um ‘caráter’
ou uma ‘essência’ fixa para o grupo, mas, ao contrário, examina as percepções dos seus
membros pelas quais eles se distinguem de outros grupos” (apud P. Bilde et alii, 1992: 9). A
arqueóloga Siân Jones, inspirada no trabalho de Barth (e incorporando o conceito de habitus
formulado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu), define da seguinte forma o conceito de
etnicidade: todos os fenômenos sociais e psicológicos associados a uma identidade de grupo
culturalmente construída. O conceito de etnicidade se centra sobre os modos pelos quais
processos sociais e culturais interagem na identificação de, e na interação entre, grupos
étnicos. (1997: xiii. Grifo adicionado) O conceito de ‘etnicidade’ permite a análise do
desenvolvimento das identidades na história, a sua contínua construção e transformação nos
diferentes contextos históricos. Esta noção possibilita, assim, o estudo das estratégias
adotadas pelos judeus no que diz respeito à manutenção ou não, na criação ou no
abrandamento de suas fronteiras étnicas com os gregos e depois com os romanos. No
presente estudo, a análise terá como foco os judeus residentes nas regiões da Cirenaica e da
Ásia Menor no final do período helenístico e, mais tarde, sob o domínio do Império Romano.
No que diz respeito à análise da documentação, o conceito de etnicidade questiona a suposta
relação direta entre as evidências textuais e arqueológicas e a identidade étnica ou, mais
genericamente, cultural do grupo que as produziu. De modo a explicitar a abordagem de uma
arqueologia da etnicidade sobre a cultura material, S. Jones utiliza o contexto do Império
Romano. É sabido que com a expansão do Império, houve criação de novas formas de
interação social e relações sociais, através das quais a base de poder, de status e de identidade
foi reproduzida e transformada. Neste sentido, afirma a autora (1997: 133-34) “novas
188
Quando da publicação da obra, por ele dirigida, intitulada Ethnic groups and boundaries. The social organization
of culture difference (Bergen, Oslo: Universitetsforlaget).
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Bibliografia citada:
BILDE, P., ENGBERG-PEDERSEN, T., HANNESTAD, L. & ZAHLE, J. Ethnicity in Hellenistic Egypt.
Aarhus: Aarhus University Press, 1992.
JONES, Siân. The Archaeology of Ethnicity: constructing identities in the past and present.
London & New York: Routledge, 1997.
POUTIGNAT, Philippe & STREIF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. Seguido de Grupos
Étnicos e suas Fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
O salto conceitual e histórico da identidade romana, de cidade à Império, apesar de ser uma
questão amplamente discutida dentro dos estudos sobre Roma, mostra-se em suas análises
constantemente enviesado ou ao menos demasiadamente centrado em um único aspecto: o
ânimo bélico-expansionista que Roma apresentara, especialmente, nos últimos três séculos da
República. Embora concordemos que este seja um período crucial na reconfiguração da
identidade romana – considerando as Guerras Púnicas, Revolta Latina, Guerras Sociais, Guerra
Civil e todos seus desdobramentos – tendo em vista o que diversos autores entendem como o
inicio e eventual consolidação da expansão da romanidade enquanto “franquia”, assim como
das outras categorias de cidadania – por exemplo, o status Latino – entendemos também que
há mais do que uma relação causal entre poderio militar e configuração identitária. De fato,
tradicionalmente observamos nas análises sobre o tema como que a conquista ou vitória
militar sobre determinado povo automaticamente resultou na adoção de costumes e
instituições romanas, sem maior ponderação sobre o assunto. A partir desta posição,
mostramo-nos céticos ao avaliar que a simples conquista de um povo possa ser suficiente para
fazer com que este almeje a identidade de seus conquistadores. A perspectiva pela qual
abordaremos essa questão, portanto, acompanhando uma nova historiografia que vem
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surgindo nos últimos anos, refere-se à frente sociocultural da expansão romana, com ênfase
no papel desempenhado por esta religião da cidade que se tornou a religião do “mundo”,
analisando as inteirações entre diferentes povos/comunidades, as trocas culturais, as inclusões
e exclusões efetuadas que em suma, referem-se aos processos pelos quais se construiu e se
reforçou a identidade romana.Não buscaremos aqui, contudo, traçar um histórico da religião
romana e sua transformação no tempo, ou mesmo procurar por uma religião “originária” ou
“autêntica”, traçar suas transformações ou hibridações “impuras”. Tampouco avaliaremos esta
religião em termos de uma “fraca espiritualidade”, ou como mero instrumento do jogo político
entre os homens de poder, todos estes conceitos também já foram abandonados pela nova
historiografia. Nossa análise colocará em destaque o período conhecido como Principado,
tendo como ponto central a perseguição realizada por parte do Princeps ao druidismo gaulês.
Justificamos este recorte por dois motivos: Em primeiro lugar, percebemos que que o período
iniciado por Augusto fora um momento em que se sentiu necessidade de marcar as distinções
entre o romano e não-romano frente a crise de identidade gerada pela reorganização
administrativa das províncias e de Roma. Como sabemos, as linhas fronteiriças entre o romano
e não-romano, foram consideravelmente borradas durante o final do período Republicano,
especialmente devido a turbulência social gerada pela Guerra Civil e seus desdobramentos na
luta pela hegemonia em Roma, cabendo por fim à Augusto retraça-las. Em segundo lugar
notamos em nossas fontes – Plínio, o Velho e Suetônio – que Augusto, além de Tibério e
Claudio tentaram, através de éditos, proibir e banir o druidismo de Roma e das Províncias. É,
portanto, nesta intersecção entre crises de identidade e marcação de fronteiras e a
perseguição religiosa observada neste mesmo momento, em que buscaremos analisar as
relações entre religião/identidade, ou em termos mais amplos, religião e o poder. Cabe
ressaltarmos, por fim, que este trabalho não tentará divorciar o religioso do político, nem
mesmo hierarquiza-los subvertendo a concepção exposta pela historiografia tradicional
imaginando agora o segundo subalterno ao primeiro. Ao contrário, partimos de uma
concepção mais ampla do funcionamento do poder na Antiguidade onde tal separação ou
hierarquização não é apenas infrutífera, mas na realidade inexistente: Considerar que estes
campos funcionam de maneira autônoma ou em relação hierárquica é, por um lado um
pensamento anacrônico em que se joga para o passado a percepção contemporânea em que
Estado e Igreja são postos em diferentes esferas de ação e, por outro lado, acaba por diminuir
à inexistência o significado da vida religiosa destes povos.
O século XIX foi caracterizado pela historiografia ocidental como um momento de elaboração e
definição de importantes conceitos científicos, pela busca por avanço tecnológico, assim como
pelo crescimento literário e cultural. A retomada e a utilização de elementos da cultura greco-
romana têm sido presença constante na formação e utilização desses conceitos. Nesse
sentido, a historiografia grega foi portadora da reflexão sobre a História e a matriz retórica da
escrita histórica moderna, assim como a tradição clássica latina contribuiu fortemente para a
formação da historiografia moderna na época humanístico-renascentista, sobretudo por meio
da reflexão retórica e filosófica de Cícero. No mundo antigo, ao contrário do mundo
contemporâneo, podemos acompanhar, na longa duração, a transformação de uma ação
imperialista em um grande império. O modo e as razões pelas quais esse império se formou e
aquilo no que veio a se constituir podem ser úteis para se pensar certas realidades do mundo
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contemporâneo. O Império Romano formou, durante vários séculos, uma unidade política de
grande complexidade, cujo estudo pode contribuir para a compreensão das transformações
políticas do mundo contemporâneo. Apesar das profundas alterações que conheceu ao longo
de sua existência, o Império Romano nunca chegou a se constituir no que hoje entendemos
por Estado nacional, no entanto, a escrita da história latina envolve alguns aspectos
importantes da cultura latina, entre eles, como ela criou o protótipo da moderna história
nacional. A conquista e a ocupação romana do sudeste da Britânia iniciaram-se em 43 d.C. e
duraram até o princípio do quinto século. A efígie de Roma formou um conjunto útil de
referências históricas tanto para os ingleses como para outras nações, em parte, devido ao seu
impacto direto na história doméstica dessa região. Os antigos relatos históricos que
confirmaram o caráter devastador da invasão anglo-saxônica na Britânia pós-romana, no
entanto, criaram um forte mito da origem racial teutônica para os ingleses durante o século
XIX. A missão do Império Romano em alguns trabalhos de literatura passaram a retratar a
transmissão da civilização clássica e cristandade para antigos bretões, que, então, formavam
uma parte importante da origem racial mista da população inglesa moderna. Nesse sentido, a
herança romana também serviu para retratar as classes inglesas educadas como sucessoras da
elite imperial romana. Durante o final do século XIX e início do XX, foram produzidos vários
trabalhos populares relacionados à origem do inglês. Cientistas naturais, geógrafos e
antropólogos procuravam usar as necessidades do império para justificar a expansão do ensino
e pesquisa em seus campos de investigação nesse período. Assim como objetos que eram
dominados por amadores passaram a ter um caráter acadêmico crescente dado por
estudiosos, estruturas para carreiras começaram a existir. Nesse sentido, a arqueologia
romana, sob influência de Francis Haverfield, foi um dos objetos de estudos que conseguiram
credibilidade acadêmica. De acordo com alguns autores a relevância imperial da arqueologia
romana foi resultado, em parte, da visão de Haverfield sobre o valor da romanização para a
definição do caráter inglês. Ela foi utilizada para ajudar a corrigir uma primeira imagem que
sugeria que um pouco da civilização romana fora transmitida para os antigos bretões. Essa
ideia foi alcançada a partir do desenvolvimento de um significado de civilização no qual ela era
tida como algo que poderia ser transferido. Nesse sentido, os clássicos, no contexto dessa
sociedade, foram fundamentais. A cidade de Roma, com sua capacidade de prover imagens
múltiplas, mutáveis e conflituosas, tornou-se uma fonte rica para dar sentido à História, à
política, à identidade, à memória e ao desejo.Alguns trabalhos populares vitorianos sugeriam
que os romanos clássicos deixaram para os ingleses uma civilização que se dirigiu quase que
diretamente para o estado moderno inglês. Neste sentido, esta apresentação tem o objetivo
de expor algumas evidências utilizadas pelos britânicos em que reafirmam o caráter de
herança cultural e imperialista.
A presente comunicação visa uma discussão teórica sobre as múltiplas formas de apropriação
do passado romano e exclusões que atravessaram a narrativa histórica ao longo do século XX.
Considerando a abordagem pós-colonial e os estudos sobre a ideia de Romanização, a ideia é
propor uma breve reflexão sobre o conceito, seus usos e silêncios, buscando propor caminhos
teórico-metodológicos renovados para pensar a questão das relações de poder e gênero no
inicio do principado romano. Partindo do pressuposto que o passado é reescrito a partir das
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Desde suas origens, no século XIX, os estudos sobre os grupos sociais menos favoráveis foram
marcados pela depreciação gradativa de seus agentes produtores. O desenvolvimento, no
século XX, de novas perspectivas de análise como a Micro-História, a História Vista de Baixo,
bem como a História de Excluídos, trouxeram à tona discussões sobre os grupos populares e
suas diferentes atuações no meio social, criando novas possibilidades de incursões nos mais
diferentes objetos, bem como a transformação das pessoas “comuns”, suas crenças e visões
de mundo, como um campo especial de estudo.
Desta maneira, a interdisciplinaridade, percorre nosso trabalho. A fonte de nossa pesquisa, o
Satyricon, faz parte de um conjunto de obras literárias latinas. Utilizar o Satyricon como fonte
histórica implica, necessariamente, compreender o contexto em que viveu o autor e estar
ciente de que a obra faz parte do produto imaginário social de Petrônio, o qual deve ser
interpretado e codificado através de seu discurso.
Modos de vida e de lutas dos trabalhadores na unidade fabril de queijos em Marechal Cândido
Rondon-Pr (1989-2011)
Esta pesquisa, vinculada a linha de pesquisa “Trabalho e Movimentos Sociais”, tem como
objetivo tratar aspectos relativos aos modos de vida e experiências de lutas dos trabalhadores
da Frimesa – Unidade Fabril de Queijos – na cidade de Marechal Cândido Rondon-PR.
Compreender e investigar as experiências sociais e as relações de trabalho dos trabalhadores
da agroindústria Frimesa/Marechal Cândido Rondon, bem como suas lutas, seus modos de
morar, se organizar, de viver, problematizando o processo de instalação da agroindústria
Frimesa, seu projeto político, sua visão de industrialização, trabalho e sociedade, sua relação
com a região e com os trabalhadores, as disputas e conflitos existentes nessa emaranhado de
relações sociais, são os objetivos principais.É, contudo, uma tentativa de entender a
multiplicidade de significados das relações sociais produzido no interior do ambiente de
trabalho e como esses sugestionam a vida além da fábrica. E também de compreender como
os trabalhadores disputam seus espaços e constroem a cidade, nesse sentido, procurando
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apreender as tensões e os conflitos que se apresentam nas relações sociais vividas no dia a dia
dentro do ambiente de trabalho e seus sentidos em outros instantes da vida desses
trabalhadores.A Unidade Fabril de Queijos – Frimesa foi inaugurada em 1989, em Marechal
Cândido Rondon, no Oeste do Paraná. Esta agroindústria destaca-se na produção de queijos,
leites longa vida, bebidas lácteas, achocolatados longa vida, manteigas, doces de leite, leite
condensado e requeijão, empregando aproximadamente 450 trabalhadores em três turnos de
funcionamento, somando 24 horas diárias de produção. O recorte temporal da pesquisa
compreenderá o período de instalação da agroindústria em 1989 até 2011. Para seguir adiante
com este estudo, deve-se aprofundar a discussão da literatura sobre as relações de trabalho
em cooperativas agroindustriais, experiências de trabalhadores em regiões interioranas,
“mundos do trabalho” e “mundos dos trabalhadores”. Deste modo, busco interpretar relações
que envolvem experiências, vida cotidiana e projetos de sujeitos reais, compreender o mundo
dos trabalhadores como relações imbricadas com o mundo do trabalho. Para esta investigação
as principais fontes são os processos trabalhistas disponíveis na Justiça do Trabalho de
Marechal Cândido Rondon e no CEPEDAL-Unioeste, entrevistas com trabalhadores, a Revista
Frimesa e a imprensa local e da região.Esta documentação permite visualizar diferentes
significados constituídos em relação à empresa e ao trabalho. Assim, por meio da revista
Frimesa189, que se diz porta-voz de todos, percebo uma busca por legitimar sentidos,
formular imagens do trabalho e da empresa, construindo silêncios ou interpretações que
divergem de certas relações de conflito e embate vivenciadas pelos trabalhadores. A revista
Frimesa defende o projeto empresarial, forjando valores e visões de mundo a respeito do
trabalho, da industrialização, da sociedade. A possibilidade estabelecida com este material é
pensar de maneira dinâmica, o processo de constituição das relações que são produzidas com
outros grupos parceiros, concorrentes ou na confrontação de classes. Pesquisar a revista pode
nos permitir compreender o processo histórico de forma relacional – os significados
construídos em relação aos trabalhadores pela fábricaPor sua vez, as entrevistas com os
trabalhadores, permite entender quais os sentidos e significados que estes sujeitos atribuem à
fábrica, a industrialização, o trabalho, os modos de pensar o trabalho na Frimesa, que podem
ser semelhantes ao restante dos trabalhadores da cidade, ou pode apresentar sentidos que
subvertem a ordem.A procura pela Justiça do Trabalho por parte dos trabalhadores parece ser
uma prática experimentada por parte deles que se sentem lesados pela empresa no momento
do acerto de contas. É importante a investigação com os processos trabalhistas para
compreender os significados construídos pelos trabalhadores no que se refere à Justiça do
Trabalho, o que eles pensavam, pretendiam, desejavam em relação a esse espaço. Esses
documentos podem oferecer oportunidades de estabelecer diálogos com algumas
experiências. A investigação desta fonte pode evidenciar diferentes formas de relações no
ambiente de trabalho, bem como conflitos, perspectivas, mudanças, reivindicações, processos
mais amplos vividos pela classe trabalhadora de Marechal Cândido Rondon. Dessa forma,
procuro analisar as diversas formas de resistência e luta desses trabalhadores que trabalharam
e trabalha na Frimesa, colocar em perspectiva histórica a “cultura dos trabalhadores”, as
formas de organização e de lutas desses trabalhadores, como se articulam em torno de
interesses comuns e como reagem nas lutas trabalhistas.
Revista Frimesa é uma publicação bimestral da Frimesa Cooperativa Central de circulação interna e
distribuição gratuita, disponível em www.frimesa.com.br.
Considerando esta situação como um processo histórico, nosso objetivo é, neste evento,
discutir as relações de trabalho presentes nos frigoríficos de aves instalados na região Oeste do
Paraná no período de 1980 a 2010, buscando sondar e analisar as formas de subordinação do
trabalho e dos trabalhadores ao capital que organiza esta indústria.
Notas de pesquisa sobre a relação entre esporte e trabalho indústria na cidade de Marechal
Cândido Rondon.
Apesar de ser uma cidade conhecida por sua vocação agrícola, a atividade industrial,
principalmente aquela vinculada ao setor agro-alimentício, tem ganhado destaque na história
de Marechal Cândido Rondon-PR. Esta história começou a mudar por volta de meados da
década de 1970, quando a atividade agroindustrial viveu um momento de crescimento e
diversificação no extremo Oeste do Paraná. Mas foi somente a partir dos anos de 1990 que a
indústria agro-alimentícia alcançou um papel destacado na economia local. Estudos recentes
têm indicado um sensível e significativo crescimento e ampliação do setor industrial na cidade
a partir das mudanças ocorridas no mercado de trabalho local. Este crescimento pode ser
constatado pela participação deste setor da econômica local no mercado de trabalho.
Atualmente, cerca de 40% da população economicamente ativa da cidade encontra-se
concentrada no setor industrial. Uma característica comum entre as indústrias agro-alimetícias
instaladas em Marechal Cândido Rondon é seu envolvimento com esporte, particularmente o
futebol de salão. Os dois principais times de futebol de salão da cidade levam o nome e
contam com o patrocínio de duas indústrias da cidade: Frimesa (indústria de beneficiamento
de leite e seus derivados) e Copagril (Frigorífico de Aves). Na cidade, o investimento das
indústrias no futebol de salão é destacado, não tanto como um negócio, mas principalmente
como um investimento na atividade esportiva. Trata-se de um esforço destas indústrias para
associar seu nome a uma atividade e a uma forma de vida saudável. É uma boa propaganda da
indústria, pois o futebol de salão é um esporte bastante popular na cidade e atrai centenas de
pessoas para o Ginásio Municipal para acompanhar os campeonatos, sejam estes locais ou
regionais. Neste público que aprecia e acompanha o futebol de salão é possível encontrar
operários que torcem para os times das indústrias onde trabalham, indicando uma forte
relação entre trabalho, lazer e entretenimento. Trata-se aqui de uma dupla relação. Os
trabalhadores não são apenas torcedores, mas também operam as indústrias que são as
financiadoras e patrocinadoras dos times. Além disso, o futebol é o esporte que apreciam e
gostam de acompanhar. De fato, o que se observa é que estas indústrias começam a explorar
um elemento importante da sociabilidade dos trabalhadores num momento de transição e de
mudanças em suas vidas. Já no início da década de 1980, os dados do IBGE apontam que a
população urbana se tornara maior que a população rural. A mudança do campo para a cidade
representou para muitos trabalhadores a mudança da roça para a fábrica. A vida no campo
tinha formas próprias de sociabilidade e uma das principais era o futebol de campo,
organizado no âmbito das linhas (distritos que reúnem as propriedades de pequenos
agricultores). Feriados e finais de semana eram ocupados com partidas de futebol que
mobilizavam não somente os jogadores, mas toda a família. Este evento transbordava o
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espaço do trabalho e do viver, apresentando-se como mais do que um evento social. Naquele
espaço eram partilhados valores que caracterizavam a sociabilidade no campo, demarcando
espaços criados e organizados pelas famílias de colonos onde se fixavam identidades que
reforçavam os sentimentos de pertencimento àquelas comunidades rurais. O esvaziamento
desta prática deu-se à medida que o trabalho no campo foi intensificado e muitas famílias
viram-se obrigadas, total ou parcialmente, a buscar nova sorte na cidade. As relações de
trabalho e de produção capitalistas estabeleceram lógicas de competição e de acumulação de
capital que não estavam ao alcance de todas as famílias, e isto foi decisivo para o
desmantelamento das comunidades e do futebol como prática social. Nossa hipótese de
pesquisa considera que as indústrias alimentícias têm tentado manejar tais valores de modo a
incorporar os sentimentos de pertencimento desses trabalhadores, conectando-os às essas
empresas. Assim, proponho discutir resultados parciais de investigação que tem tomado as
experiências de trabalhadores ocupados nas indústrias em Marechal Cândido Rondon a fim de
discutir sua relação com o trabalho fabril e seu tempo de lazer.
Cíntia Fiorotti
(História. Professora SEED/PR e Doutoranda UFU).
devem ser analisadas e problematizadas como todas as outras fontes históricas. Já entre as
fontes escritas, foram levantados dados estatísticos produzidos por ambos os países, textos
com leis e jornais que contribuam para as questões levantadas nesta pesquisa. Fontes como
jornais são importantes para compreender e problematizar a visão que as classes dominantes
locais buscam construir sobre os trabalhadores e a cidade, bem como podem trazer indícios
das próprias ações e práticas dos trabalhadores. Os dados estatísticos, por mais que tenham
sido construídos pelo Estado e com alguns limites, podem trazer informações que contribuam
para refletir sobre as mudanças sociais ocorridas ao longo do recorte de tempo deste projeto.
No caso das fontes escritas, elas também são percebidas como materiais produzidos pelo
homem, carregadas de intenções e que expressam suas expectativas e interpretações sobre o
vivido. Portanto, tais fontes precisam ser analisadas e problematizadas, tendo em vista que são
construídas num processo de disputa e tensão entre as classes sociais. Tendo em vista os
objetivos, metodologia, fontes e pressupostos teóricos levantados nesse resumo, pretendo
com a apresentação deste trabalho, trazer os dados e reflexões desenvolvidas até o momento
nesta pesquisa para dialogar sobre seus horizontes e possibilidades futuras de análise do tema
proposto.
O estudo aborda a educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a
partir de narrativas orais e escritas dos trabalhadores(as) e dos documentos do Movimento. A
análise centra-se sobre as representações sociais de educação e de trabalho, articuladas as
categorias terra e cooperação, como dimensões centrais da luta do MST pela reforma agrária.
A educação, como processo de formação humana, engendra-se em espaços educativos para
além da escola. E a terra é um direito que pressupõe, igualmente, a realização de outros
direitos, como o acesso à educação formal, aos créditos agrícolas e à saúde. Esta perspectiva,
além de explicitar a importância do MST como agente de transformação social, procura
desmistificar a visão política romântica ou idealizada em relação ao MST, ao trazer à análise os
conflitos e as contradições vividas nos processos de luta, bem como na organização das
relações cotidianas nos acampamentos e assentamentos rurais. É nas vivências em tais
espaços, em situações liminares que pessoas tecem valores humanistas em oposição à
barbárie. Do ponto de vista antropológico, trata-se de temporalidades ou situações marginais,
paradoxais e ambíguas, que permeiam as experiências, ao mesmo tempo individual(ais) e
coletiva(s), a uma nova categoria ou posição social de mulheres e homens. Diante da pobreza
extrema, da violência, da falta de trabalho, das condições materiais de existência, a
organização e a luta coletiva tornam-se imprescindíveis para produzir um novo tempo. São
experiências educativas questionadoras do status quo vigente, ao mesmo tempo, voltadas às
alternativas sustentáveis de produção das condições matérias da e para a qualidade de vida,
com um projeto sendo gestado no presente. Trata-se de uma educação não-formal (fora dos
canais institucionais escolares), engendrada no cotidiano em diversas dimensões que se
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Terra e trabalho: a constituição do campo e dos trabalhadores rurais em Toledo, Paraná (1955-
1970)
Nesta pesquisa propomos apresentar recortes da instalação das escolas do SENAI no Brasil
focando o Estado Paraná frente à concepção de ensino orientada por Roberto Mange. O texto
discute parte da trajetória de ensino concebida por Roberto Mange, para as escolas do SENAI.
O que estará em evidencia neste trabalho será o discurso da concepção de ensino para a
formação de mão de obra. Roberto Mange idealiza os processos de ensino da instituição,
colocaremos a escola de Curitiba em destaque, visto a localização do periódico que constitui a
fonte principal. Consta do acervo no Centro de Memória do SENAI-PR, um boletim, de
publicação semestral, produzido pelos alunos do SENAI-PR, órgão informativo dos alunos. As
escolas do SENAI foram criadas pelo Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942. Desde
então, o SENAI alinhou-se às políticas de desenvolvimento industrial, passando a desenvolver
projetos de vertente tecnológica, gestão de recursos humanos, reconfiguração dos espaços
físicos, gestão de qualidade e redefinição da filosofia da educação profissional. Em 1942 era
criado o SENAI, sendo esta instituição organizada e mantida pela Confederação Nacional das
Indústrias, ofertando diversos cursos de aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização,
além de possibilitar a reciclagem do profissional. Depois de verem concretizadas as primeiras
medidas governamentais para a regulamentação do SENAI, cabia aos industriais montar o
sistema que sustentaria a aprendizagem industrial em todo país, a fim de instalar os diversos
Departamentos Regionais — células responsáveis pela implantação do sistema. Também
foram criadas regiões administrativas, de acordo com as respectivas atividades industriais.
Deste modo, em 1942, o SENAI estava organizado, nacionalmente, em dez regiões. O ensino
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REFERÊNCIAS
FONTES HISTÓRICAS
O ESCUDO - Órgão oficial dos alunos do SENAI. Curitiba: Oficina de Artes Gráficas da Escola do
SENAI, 1949-1962.
190
Consideramos a ferrovia enquanto um dispositivo de poder, engendrado e em constante relação com o meio
social, conforme analisa Francisco Antonio Zorzo. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: doze cidades conectadas pela
ferrovia no sul do recôncavo e sudoeste baiano (1870-1930). Feira de Santana: UEFS, 2001. p. 2.
191
As funções urbanas referem-se à forma de organização social e infra-estrutura da cidade, ligadas diretamente ao
modo de vida e à cultura urbana. Marcel Roncayollo. “Cidade”. In: Enciclopédia Einaudi: Região. v. 8. Lisboa,
Portugal: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. p. 422, estuda as transformações nas funções urbanas
associadas a cultura urbana.
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A comunicação está delimitada aos modos de vida e trabalho no campo da região Oeste do
Paraná, como o desdobramento da pesquisa de mestrado em História, em que abarca a
temporalidade entre as décadas de 1960 e o presente. Durante este período o campo, assim
como a cidade, passou por um forte processo de agroindustrialização. No campo isto é
evidenciado pela introdução e intensificação de tecnologias na produção (uso de tratores,
colhedoras, pulverizadores, plantadeiras; também a intensificação do uso de inseticidas,
pesticidas, adubos para a fertilização da terra; transformação da genética de sementes e
animais; entre tantos outros). Por meio das narrativas dos trabalhadores é possível identificar,
problematizar e explicar os sentidos e significados que os sujeitos que vivenciaram o processo
denominado hegemonicamente de “mecanização do campo” constroem para essa experiência
vivida no meio rural. Ao analisar este campo compreendo a sua relação com os trabalhadores
como algo em constante transformação. Um processo sempre inacabado, que se constrói e
reconstrói em todos os períodos históricos. Sobre este processo construiu-se uma ideia
“positiva” sobre a “modernidade” e o “desenvolvimento” para o campo na região Oeste do
Paraná. E que viria também para salvar o homem do campo da miséria econômica e do
“atraso” intelectual. Na tentativa de silenciar e ocultar as memórias em torno das disputas
entre projetos divergentes para o campo neste período. Porém, nas narrativas dos sujeitos que
vivenciaram o processo as disputa e os conflitos são recorrentes. Diante disso, outra questão
que surge é a exploração da força de trabalho no campo. O trabalho de assalariados, meeiros,
parceiros, diaristas, agregados, bóias-fria foram utilizados desde o processo de formação das
lavouras na região até os dias atuais, levando em consideração as diferenças que os termos
possuem de acordo com as diversas regiões do país e períodos históricos. Enfim, diferente do
que é propagado pela classe patronal da região, o campo não é, e nunca foi, constituído
apenas pela “agricultura familiar”.
Nessa região pesquisada encontramos poucos latifúndios e os pequenos proprietários de terra
são maioria. Porém, isso não elimina as relações de trabalho e exploração capitalistas no
campo e os conflitos sociais e lutas pela terra. A pequena propriedade está organizada em
moldes capitalistas de produção e exploração do trabalho. É por meio das “cooperativas”
agroindustriais que a lógica capitalista se nas pequenas propriedades. Não possuindo um
número significativo de terra para cultivar e conseguir manterem-se no campo, os pequenos
proprietários em forma de “parceria” ou integrados às cooperativas agroindustriais possuem
gado leiteiro, aviários, criação de porcos, entre outros. Para isso, essas pequenas propriedades
são moldadas e organizadas em moldes empresarias. Com isso, perde-se parte significativa de
autonomia sobre a organização do trabalho nas propriedades. Muitos destes pequenos
proprietários não dando conta das tarefas da propriedade buscam força de trabalho para além
dos integrantes da família. E nesta relação inúmeros conflitos trabalhador/proprietário são
identificados, principalmente pelo não cumprimento das leis trabalhistas. Contudo, o uso de
força de trabalho para além da família não é algo recente na região. Desde o processo de
formação das lavouras, por volta das décadas de 1960-1970, foi utilizado o trabalho de
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meeiros, diaristas, bóias-fria, entre outros. Nas narrativas destes trabalhadores é identificada
uma série de conflitos, a exploração do trabalho, luta e resistência. Concluindo, o objetivo é de
analisar as relações de trabalho no campo do Oeste paranaense. Identificar e problematizar as
disputas de projetos, a organização e exploração do trabalho, as formas de luta e resistência
dos trabalhadores. Entendendo que a “mecanização” do campo e sua organização da forma
com está constituída atualmente não foi um projeto defendido por todos e que trouxe
benefício a todos, muito pelo contrário. O campo do Oeste do Paraná está permeado por
conflitos e disputas.
força e espaço nas publicações dedicadas ao Primeiro de Maio, que, na maioria dos periódicos
operários, tinham um número de páginas maior do que o habitual.Segundo Maria Helena R.
Capelato “conhecer a história através da impressa pressupõe um trabalho com método
rigoroso, tratamento adequado de fonte e reflexão teórica. Sem esses ingredientes corre-se o
risco de repetir para o leitor, aliás sem o charme do jornal, a história que ele conta.”
(CAPELATO,1988: 23) A partir desta reflexão, partimos do pressuposto de que embora a
imprensa operária não deva ser considerada como detentora da explicação definitiva para
classe operária, constitui uma fonte primária indispensável para o estudo da história do
movimento operário, pois o jornal, como porta voz e veículo de comunicação, foi amplamente
utilizado para organização e propaganda da classe trabalhadora em vários países.Nas duas
fases em que foi editado, A Voz do Trabalhador foi, no campo da imprensa operária, um jornal
extremamente informativo, dava conta das greves, da vida dos sindicatos, das lutas contra a
carestia de vida e contra a exploração do trabalhador, da repressão policial, promovia a
emancipação proletária, tentando ser um legítimo porta-voz da classe operária, permitindo
uma avaliação mais concreta do movimento brasileiro, não somente o carioca mais em nível
nacional, pois o jornal, mesmo com as inúmeras críticas que recebeu em seus anos de
atividade, não deixou de publicar informação sobre o operariado nacional.A utilização do
jornal como veículo de comunicação foi de grande importância para a organização da classe
trabalhadora brasileira, por meio de suas páginas, as lideranças operárias procuravam orientar
seus leitores. O jornal era utilizado pelos líderes operários, sobretudo pelos sindicalistas
revolucionários, como instrumento para defender e organizar a classe trabalhadora, educando
o proletariado para o que seria sua conscientização.No prefácio de edição fac-símile de A Voz
do Trabalhador, Paulo Sergio Pinheiro resume a importância do periódico tanto para o
movimento operário da época em que foi editado como para o pesquisador. Nas palavras do
autor A Voz do Trabalhador pode ser considerada, no campo da imprensa proletária, um dos
jornais mais influentes e importantes da primeira década do século XX, demonstrando que
“um jornal operário pode ser um documento de informação muito mais abrangente do que
simplesmente um porta-voz de uma associação operária” sendo em seus anos de existência
“um jornal ágil e atualizado com as lutas de seu tempo” hoje como fonte sobre o movimento
operário “é um manancial de informações sobre a classe operária no seu conjunto”, ou seja, o
jornal, como órgão da COB, não defendeu apenas os interesses dos contingentes militantes,
mas de toda a “falange de escravos do trabalho”. (PINHEIRO, 1985: VI)
Referências
Referência Documental:
Referência Bibliográfica:
AZEVEDO, Raquel de. A Resistência Anarquista: uma questão de identidade (1927-1937). São
Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2002. (Coleções Teses e Monografias, vol. 3).
BATALHA, Cláudio H. M., SILVA, Fernando T., FORTES, Alexandre (orgs). Culturas de classe:
identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Edunicamp, 2004.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP,
1988.
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro – São Paulo: Difel, 1977.
FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil 1880-1920. Petrópolis: Editora
Vozes, 1978.
HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão!: Memória operária, cultura e literatura no
Brasil. 3ª Ed.rev. e ampl. - São Paulo: Editora UNESP, 2002.
PINHEIRO, Paulo S; HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São
Paulo, Alfa-Ômega, v. 1,1979.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890 - 1930. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
Opção única: ST 17 - MUNDOS DO TRABALHO: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
A comunicação a visa tratar dos embates travados por ex-senhores de escravos, autoridades
republicanas e organizações de trabalhadores em torno da memória da escravidão, nos anos
subsequentes à Abolição e à instauração da República. De um lado, o governo republicano
investia na idéia de que o passado escravista devesse ser esquecido, pois relacionado com o
regime monárquico, também ele situado em um tempo que era oportuno apagar. Havia, nesta
postura das autoridades republicanas, além dos motivos de natureza simbólica, razões de
ordem prática, relacionadas às reivindicações dos ex-senhores de escravos em torno da
indenização pelos escravos libertados pela lei. Em todo o processo de abolição gradual da
escravidão no Brasil, a indenização foi uma demanda sempre central. Desde 1871, quando se
declarou a liberdade para os filhos de mães escravas; também em 1885, quando foram libertos
pela lei os escravos com mais de 60 anos; até 1888, quando a escravidão foi legalmente
suprimida; em todo este processo, os proprietários de escravos reivindicaram que tivessem
seu direito de propriedade reconhecido, pela indenização promovida pelo Estado sobre os
escravos “desapropriados”.Após a chamada Lei Áurea, as demandas não arrefeceram e grande
parte da adesão de ex-senhores às fileiras dos partidos republicanos foi uma expressão desta
expectativa. Muitos desses, que Patrocínio chamou de “republicanos do 14 de maio”,
esperavam que a República pagasse uma “dívida” que o governo monárquico não havia
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importante no auxílio à realização do seu projeto de reforma agrária. Assim, aplicam princípios
organizativos do Movimento como a direção coletiva (gestão democrática); partir da prática e
não da teoria e a mística na organização da escola e acreditam que estes princípios podem
formar, capacitar, educar. Ademais, a questão da Educação para o Movimento está
diretamente vinculada ao seu projeto de reforma agrária. A base de uma concepção e de uma
formulação pedagógica próprias, ligada às necessidades do MST está diretamente relacionada
com as estratégias e, principalmente, com o seu entendimento sobre a realidade brasileira, da
questão agrária e a solução desta apontada pelos seus integrantes. O MST quer se afirmar
como projeto social superador do capitalismo. No entanto, esbarra nos limites de seu próprio
ser social. Limites que, hoje, alcançam o próprio proletariado, que se vê atingido pelo
desenvolvimento das forças produtivas materiais. De acordo com a concepção marxiana, as relações
materiais que os homens estabelecem e o modo como produzem seus meios de vida formam a base de
todas as suas relações. O modo de produção de tais indivíduos revela uma forma determinada de
manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. A forma como os indivíduos manifestam
sua vida coincide com o que são. O que os homens são coincide, portanto, coma sua produção,
isto é, tanto com aquilo que produzem, como com a forma como produzem. Embora a
sociedade seja “o produto da ação recíproca dos homens”, ela não é o resultado apenas das
suas vontades particulares. A estrutura de uma sociedade depende do estado de desenvolvimento de
suas forças produtivas e das relações sociais de produção que lhes são correspondentes.
Bibliografia:
O novo perfil metalúrgico feminino jovem adulto/flexível do abc: um cotidiano nada cor de
rosa
No Brasil, a partir da década de 1990, uma ampla produção intelectual vinculada à engenharia
industrial, à economia e à Sociologia do Trabalho tem procurado analisar a disseminação das
estratégias do trabalho flexível. Em especial, ganharam destaque os estudos sobre o processo
de reestruturação produtiva nas empresas montadoras localizadas na região do ABC paulista,
sobretudo, numa importante fábrica automobilística estudada por nós entre os anos de 2000 e
2010. Entre as análises desenvolvidas sobre o processo de reestruturação dessa empresa mais
especificamente, encontramos autores que enfatizam a emergência de um perfil operário
jovem que goza de maior escolaridade, maior qualificação profissional e melhores salários
quando comparados com a média brasileira. Trata-se de um novo segmento operário cuja
convivência com a velha geração é marcada por conflitos, por disputas abertas e veladas pela
definição de quem “comandará” o “território” operário no interior do espaço fabril. Todavia, o
processo do qual emergiu o jovem-adulto flexível encontra-se eivado de inúmeras
contradições. É parte das transformações inerentes ao complexo da reestruturação produtiva
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que, no seu bojo, carrega um conjunto de novas repercussões sociais que extrapolam o
universo fabril, daí a razão pela qual se faz necessário compreendê-lo, articulando sua gênese,
aos novos nexos sociais, ao novo metabolismo social da reestruturação produtiva do capital,
um processo que iniciado na fábrica, amplia-se para a esfera da vida pessoal/social.
Apreender, portanto, a juventude metalúrgica (o jovem-adulto flexível) exige romper algumas
amarras analíticas típicas das teses que restringem os múltiplos dilemas e desafios do
proletariado à idéia de conflito entre a antiga e a nova composição operária, um curto-circuito
geracional. Parece-nos que essa problemática dever ser analisada com base no entendimento
da natureza das mudanças flexíveis do trabalho, do processo de metamorfoses sofridas pelo
conjunto do proletariado.Nesse sentido, contrapondo-se a esse enfoque linear e fragmentado
é que devemos, partindo da perspectiva analítica de Gramsci em “Americanismo Fordismo”,
salientar que o trabalho flexível, com seus impactos na forma de ser, agir e pensar do “novo”
segmento operário, se reveste de um conteúdo social indicativo de uma nova forma de ser,
hegemônica do capital. Desse modo, parece-nos necessário reconhecer que se a classe
operária tem se metamorfoseado com a disseminação do trabalho flexível, perdendo sua
“unidade” anteriormente identificada na forma de ser (objetiva e subjetiva) do operário de
perfil fordista, o mesmo aconteceu com o operário de ofício quando da sua superação pelo
operário executor de tarefas parcelizadas que, como resultado da nova divisão do trabalho,
tornou-se símbolo do perfil operário encontrado na indústria monopolista. Com isso queremos
ressaltar que, mesmo reconhecendo as mudanças na maneira como se realizam as tarefas no
espaço produtivo, o artesão encontrado na manufatura, como o operário de oficio que
remonta à transição dessa modalidade de realização do trabalho para a grande indústria, ou o
operário parcelizado dos grupos monopolistas, ambos, nas suas respectivas épocas, só existem
na sociedade do capital enquanto produtores de mais-valia, base indispensável à realização da
acumulação. Nesse caso, uma particularidade dessa forma recente em relação ao
americanismo fordismo está no fato de que, se após o período de adaptação aos mecanismos
de controle da produção fordista o operário podia contar com seu cérebro livre (por meio da
fuga imaginética durante o próprio trabalho) para refletir, inclusive sobre sua condição
operária, as estratégias de gestão de pessoal e de recursos humanos nesta época do trabalho
flexível procuram ocupar em tempo continuum a “mente” e o “coração” do operário,
induzindo-o ao trabalho participativo, o que implica, entre outras coisas, a entrega “total” do
operário à nova lógica produtiva e racional do trabalho. A peculiaridade do trabalho flexível na
empresa em tela, por exemplo, é marcado pela exigência de uma disposição/entrega contínua,
quase absoluta do operário ao capital. Essa sua absorção integral compõe uma nova tessitura
social que passa a englobar o conjunto da vida social. Sob a égide do trabalho flexível não há
mais a antiga distinção, existente na época fordista, que procurava separar o universo do “lar”
e o da “produção”. Hoje, temos que tudo deve estar integrado à lógica flexível, pois as metas
produtivas das empresas são também metas sociais. Todos, indistintamente, sem exceções,
devem estar comprometidos com o desenvolvimento da empresa e da sociedade. Essas novas
características do trabalho flexível contemporâneo não desautorizam Gramsci, ao contrário, é
preciso reconhecer sua importância histórica por ter antecipado a lacuna fundamental
existente nas formas de controle fordista, abrindo possibilidade à luta contra-hegemônica.
Posto assim, nos parece que são exatamente essas “brechas” que o trabalho flexível tem
procurado preencher, quando adota práticas de terror já que, a difundida tese da
empregabilidade tem este componente social coercitivo, geradora de novas formas de
emulação, de novos conflitos e disputas. Em nossa contemporaneidade, “tudo e todos”
devem comprometer-se, irmanar-se com a produção. É como se a fábrica, rompendo com os
próprios muros, se instalasse permanentemente no meio de nossa sala de visitas, e, de forma
vigilante, insistentemente lutasse por fazer valer a máxima toyotista de que “ao proteger a
empresa estamos protegendo nossa família”. Portanto, metodologicamente, o segmento
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operário jovem-adulto flexível deve ser apreendido enquanto extrato da classe operária cujo
significado histórico-social, a sua emergência propriamente dita, relaciona-se às metamorfoses
sofridas - de forma ampla - pelo conjunto do proletariado. É por isso que não podemos
restringir a análise ao enfoque geracional que, em geral, impõe-se cunhado a partir das linhas
de tempo estanques, separando mecanicamente o antes e o depois. A História, em sua
contraditória processualidade, faz do passado mais que uma herança, um passivo que
colocado sobre os ombros das novas gerações, devem ser aceitos ou refutados. O tempo
presente não constitui uma realidade indiferente em relação ao passado; pelo contrário, o
presente é histórico, mas, dialeticamente se alimenta das formas pretéritas, sempre em
processo de constante superação. A constituição do novo pressupõe de alguma forma, mesmo
negando, a incorporação do antigo, à luz, sempre, das novas contingências históricas e sociais.
Se para alguns autores a juventude metalúrgica empregada nas montadoras do ABC paulista
constitui uma nova geração, o que não negamos, do ponto de vista da História trata-se de um
segmento operário que transformado, tem sua emergência relacionada - conforme
salientamos anteriormente - às novas tendências sociais na qual o conjunto da classe operária
tem convivido com um processo de intensa transformação. É por isso que não podemos se
tornar reféns dos limites rígidos determinados pela faixa etária, ainda que o IBGE considere
jovens os segmentos entre 18 e 24 anos de idade. Ora, considerando que o processo de
reestruturação da empresa em tela teve seu inicio em 1990, e a partir de 1992 assumiu formas
mais contundentes, para tornar-se pleno entre os anos de 2000 e 2010, nossa análise
incorreria, dado às problemáticas que envolvem o objeto aqui analisado, em grave erro
histórico-metodológico, pois parte dessa juventude, situada hoje entre os 18 e 24 anos de
idade, nem sequer havia nascido. Daí nossa denominação um pouco mais ampliada de jovem-
adulto flexível. Trata-se de um segmento que estando entre 15 e 35 anos de idade, agrega uma
parte considerável daqueles que presenciaram as mudanças propriamente ditas, ou então
foram “forjados” nesse processo. Para nós, são os filhos “genuínos” da reestruturação. Com
base em nossos estudos sobre os metalúrgicos do ABC (2000-2010), pretendemos, em nossa
comunicação, discorrer sobre os significados históricos e sociais que recentes, exprimem o
novo modo de vida “just-in-time” do segmento feminino de uma importante indústria
automobilística da região. Numa perspectiva histórico/antropológica, analisaremos o novo
corolário do trabalho flexível e as estratégias de recursos humanos e gestão de pessoal com
vistas a criar uma atmosfera de consentimento e adesão aos seus projetos, processo que
apoiado na introdução seletiva da mulher no chão de fábrica. Todavia, de forma contraditória,
verificamos que a pretensa condição de “igualdade” de direitos em relação aos homens
pretende subsumir o surgimento de novas formas de opressão que, direcionadas ao gênero,
tem como signo, a recriação de mecanismos coercitivos psicológicos e emocionais
inteiramente novos.
A Região Oeste do Paraná abrange uma área de 22.908 km² e uma população de 1.138.582 –
81,6% urbana -, sendo composta por 50 municípios. Seus principais centros urbanos são
Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo. A proposta de trabalho aqui apresentada é parte do projeto
de doutorado, que tem como objetivo central entender as relações que se articulam em torno
do processo de industrialização e das relações de trabalho vivenciadas pelos trabalhadores do
município de Santa Helena, o qual localiza-se na microrregião do extremo Oeste do Paraná às
margens do Lago de Itaipu, ficando a uma distância de 619 km de Curitiba – capital do Estado.
Com uma população estimada de 23.872 habitantes o município de Santa Helena limita-se ao
norte com Entre Rios do Oeste, ao sul com Missal e Itaipulândia, ao leste com São José das
Palmeiras e Diamante do Oeste, ao oeste com a República do Paraguai (Lago de Itaipu). A
formação do Lago de Itaipu se constituiu como um aspecto de particular importância para se
compreender boa parte das relações e das dinâmicas estabelecidas nas cidades do Oeste do
Paraná, principalmente aquelas localizadas próximo às margens do Lago de Itaipu, como é o
caso de Santa Helena -, considerado um dos municípios que mais recebe royalties pagos pela
Itaipu Binacional. Embora na década de 1980 já houvesse a intenção por parte dos setores
dominantes, em promover o desenvolvimento da industrialização, foi somente a partir da
década de 1990 e início de 2000 que este projeto se difundiu, ganhando maiores proporções.
Neste período os representantes do governo se esforçaram no sentido de incentivar a
implantação de indústrias no município. Entre estas indústrias o setor de confecções têxteis
apresenta um lugar de destaque. Nesta comunicação me proponho a discutir sobre alguns
elementos e dimensões relativos ao processo de “progresso e desenvolvimento” pensado
pelas classes dominantes de Santa Helena e da região Oeste do Paraná, o qual parece querer
legitimar uma memória pautada num projeto de industrialização, sem levar em consideração
os sentidos e os significados desse processo na vida dos trabalhadores da cidade. Para isso,
utilizo-me de algumas matérias divulgadas pela imprensa local e as entrevistas realizadas com
os trabalhadores. As reportagens divulgadas pela imprensa local permitem explorar como os
representantes do governo municipal se relacionam com estes processos, principalmente
quanto ao problema do desemprego e do processo de industrialização do município.
Entendendo como parte do processo de constituição e articulação da luta de classes. Ostentar
e reafirmar a positividade do trabalho é algo desenvolvido pelas classes dominantes. Porém, os
sentidos atribuídos pelos trabalhadores podem ser diferentes daquele propagado pelos
representantes do governo municipal e o empresariado. As reportagens da imprensa escrita
trabalham com a ideia fomentada pela administração municipal de incentivar a instalação de
indústrias e de empresas do setor do comércio e serviços, o que na perspectiva da ação
governamental, era o meio de gerar emprego, renda e transformar o município de
essencialmente agrícola, em cidade industrial e turística também. Nesta dinâmica, os
trabalhadores deveriam se adaptar à nova fase de desenvolvimento, isto é, eles precisavam se
preparar para as mudanças no mundo do trabalho, pois o mercado de trabalho exigia cada vez
mais pessoas com qualificação profissional. Dessa forma, o processo de industrialização era
caracterizado de forma positiva, apresentando a solução para os problemas de desemprego e
fornecendo melhores condições de trabalho aos trabalhadores. Na perspectiva dos setores
dominantes, o problema do desemprego existe e persiste, porque o trabalhador “não tem um
preparo profissional”, por isso a administração municipal se empenhava para firmar convênios
com escolas de cursos profissionalizantes. Com esta finalidade as lideranças políticas
estabeleciam parcerias que visava beneficiar os empresários que instalar suas indústrias no
município. Dentre estas industrias o setor de confecções têxteis ocupa um lugar de destaque.
A intenção é pensar como se articulam as relações entre os setores das classes dominantes e
os trabalhadores residentes na cidade, uma vez que é importante compreender como o
contexto de mudanças nos mundos do trabalho e dos trabalhadores tem sido vivenciado pelos
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A ferrovia chegou a Ponta Grossa, no final do século XIX: em 1893, a Estrada de Ferro do
Paraná conectando a cidade com a Capital do estado e ao litoral paranaense e em 1896 a
Estrada de Ferro São Paulo Rio-Grande. A presença ferroviária reconfigurou a cidade em ponto
obrigatório de passagem de pessoas e mercadorias que se deslocavam pelo Paraná e da região
sul para o sudeste do Brasil. Atraiu trabalhadores imigrantes e de diversas regiões do país,
propiciou a intensificação das atividades econômicas e a adoção de alguns hábitos presentes
em outros centros urbanos daquele período e em conseqüência, fortaleceu importância da
cidade no cenário regional. Além disso, a cidade agregou expressiva estrutura da ferrovia
em seu espaço urbano, como pátios para manobras e armazenamentos de comboios, oficinas
de locomotivas e vagões, estações de cargas e passageiros, usinas de tratamento de
dormentes e trilhos, além de escolas profissionais, hospitais, armazéns e vilas. Na década de
1940 tendo em vista que quase todas as ferrovias do Paraná estavam funcionando aquém da
sua capacidade, o Governo da União, através de Decreto, encampou-as transformando-as
numa única Rede, na condição de autarquias, era a RVPSC (Rede Viação Paraná - Santa
Catarina), que em 1962 passou a compor a Rede Ferroviária Federal criada em 1957. Por conta
de todos esses fatores a ferrovia sempre foi tratada como um fator decisivo na conformação
urbana, econômica e política da cidade de Ponta Grossa. Tal assertiva consolidou-se numa
memória que articulou e articula ao auge das atividades ferroviárias ao apogeu da própria
cidade que teria ocorrido principalmente até final da década de 1940. Além disso, o
desenvolvimento da cidade proveniente de uma situação geográfica privilegiada era uma
convicção presente em boa parte do discurso histórico elaborado e a instalação da ferrovia era
inserida neste contexto. Por outro lado, embora a chegada da estrada de ferro tenha
repercutido de forma significativa nesse cotidiano urbano, por possibilitar a sua inserção na
chamada modernidade capitalista de fins do século XIX e início do século XX, tal processo,
mesmo no auge das representações positivas sobre a importância da presença ferroviária para
o desenvolvimento da cidade, não foi vivido de forma harmônica. A rede ferroviária também
trouxe conflitos e disputas dos mais diversos matizes, chocando-se de forma contundente, em
alguns episódios, com os projetos políticos e econômicos articulados por setores sociais,
principalmente aqueles ligados à indústria, ao comércio e à agricultura na região. Somado a
essas questões evidencia-se o fato de que ao longo das décadas ocorreram muitas mudanças
na cidade e na própria Rede Ferroviária que viveu um processo amplo e complexo: estagnação,
decadência, desmantelamento e finalmente a privatização em 1996. Assim nos interessava
saber de que maneira esse intrincado percurso havia sido trilhado pelos trabalhadores
ferroviários e pelos moradores da cidade, pois eles também guardam suas próprias visões
sobre o viver na cidade e o trabalhar na ferrovia, durante o período estudado. Dialogar com a
experiência desses trabalhadores e de suas famílias ajuda a problematizar a maneira pela qual
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o ser ferroviário constituiu-se em um modo de vida, uma prática social onde visões, projetos e
significados do viver, do morar e do trabalhar na cidade e na ferrovia se articularam. Essas
experiências podem ser percebidas como outra possibilidade de diálogo com o tempo vivido e
alternativa para construção de outras histórias sobre esse processo. Assim gostaria de
apresentar nesse simpósio as problemáticas e reflexões advindas dessas memórias
entendendo que independentemente da cronologia ou da periodização elas nos remetem aos
sentidos construídos para as vidas desses trabalhadores, nas quais assumem centralidade o
trabalho e a família. Nelas acompanhamos as avaliações que fazem de suas trajetórias como
cidadãos e trabalhadores ferroviários atribuindo sentidos diversificados para “o ter sido
ferroviário da Rede” na cidade de Ponta Grossa.
Entre sapatos & livros: a formação da militância comunista em Paranaguá – Pr, 1930 a 1956.
Palavras – chave: Militância Comunista, Nova Histórica Política, História Social da Cultura.
194
Fundo Biblioteca Particular de Antonio Araújo Rocha. Revista Outras Palavras, ano I, nº 0, outubro de 1978. “Um
sapateiro e o mundo da literatura”, entrevista concedida a Fernando Nogueira e Reinoldo Atem.
195
Ibidem.
196
Fundo da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS – Acervo do Arquivo Público do Estado do Paraná. Pastas
Temáticas: Nº2214b, Topografia: 242. p. 285.
197
Fundo da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS – Acervo do Arquivo Público do Estado do Paraná. Pastas
Temáticas: Nº 584A, Topografia: 65. p. 02.
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A comunicação tem como objetivo dar visibilidade aos resultados parciais da pesquisa sobre os
mundos dos trabalhadores vinculados a cadeia produtiva do frango do Oeste do Paraná, no
período de 1970 a 2011. Esse processo compreende a produção de aves por pequenos, médios
e grandes proprietários de terra, os avicultores, que fornecem a produção para frigoríficos da
região para o processo de industrialização. A pesquisa objetiva articular a investigação
historiográfica e empírica desse processo histórico, a partir da tradição historiografia marxista
da história do trabalho. Assim, a pesquisa perscruta a literatura produzida pela historiografia e
pelas ciências sociais e humanas, coteja a imprensa regional e privilegia a produção de
entrevistas com os sujeitos, como o fim de colocar em perspectiva histórica a experiência
vivida por estes trabalhadores, privilegiando as trajetórias ocupacionais de pequenos
agricultores-avicultores, trabalhadores dos aviários e dos trabalhadores “pegadores de frango”
e “batedores de caixa”, pejorativamente chamados de “graxains”, problematizando a inserção
desses trabalhadores no processo de produção e agroindustrialização de aves, a organização
do trabalho, relações de trabalho, com dinâmicas, rotinas, ritmos visando sempre à
intensificação do trabalho. A produção de aves pelos avicultores constitui em uma etapa da
cadeia produtiva do complexo agroindustrial de aves, seja essa produção organizada por
cooperativas agroindustriais (Copagril, Cooperativa Agroindustrial Lar, C. Vale, Coopavel, entre
outras), ou de empresas, tais como, a BRF Brasil Foods, com aviários integrados a um
determinado frigorífico de aves, na região Oeste do Paraná, data do início da década de 1970.
A problematização do processo de integração de avicultores às diversas agroindustriais tem se
mostrado um processo perverso, uma vez que os leva ao endividamento dos pequenos
proprietários para a instalação dos aviários, a sua manutenção e a pressão para atualização
tecnológica. A lógica do processo de integração adotado pelas agroindústrias de aves parece
constituir-se em um sistema global, pois as mesmas dinâmicas adotadas na organização da
cadeia produtiva de aves, bem como a sujeição dos avicultores integrados a empresa
integradora, como ocorre na região Oeste do Paraná, foram verificadas por Robert Kenner no
documentário “Food, Inc”. No documentário investigativo Kenner desvelou o sistema de
produção industrial de alimentos estadunidense marcado pela adulteração, manipulação e
monopólio das cadeias produtivas de alimentos, vinculados a grupos políticos com forte
presença nos negócios de Estado. Sobre a avicultura de aves Kenner entrevistou avicultores do
estado de Kentuchy, Estados Unidos, integrados a Tyson, Perdue, entre outras empresas.
Todavia, muitos avicultores não aceitaram que suas imagens ou de seus aviários fossem
divulgados por força de contratos e temerosos quanto à retaliação das empresas. Carone
Morison, uma das criadoras de aves entrevistadas que permitiu a publicidade de sua
entrevista, denunciou as condições contratuais impostas pelas indústrias para a integração,
como as exigências para a manutenção, atualização da estrutura e organização dos aviários.
Nesse início desse século parece avançar a passos largos o projeto de concentração do capital
a partir de “empreendimentos” capitalistas sob a alcunha de “cooperativas” na região Oeste
do Paraná, ideologicamente fomentado pelo agronegócio. Desnudar esse processo histórico
pode possibilitar compreender os diferentes modos de exploração capitalista do trabalho e da
concentração do capital. Assim, problematizo as cooperativas agroindustriais como mais uma
prática do capitalismo nas suas relações contraditórias entre o campo e a cidade e suas
diversas formas de exploração dos trabalhadores na produção de mais-valia, procurando
entender sua a instalação aqui na Região Oeste do Paraná. No processo de investigação e
sistematização dos resultados, quando possível, procuro realizar comparações com processos
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Em 1966 foi publicado pela primeira vez o indigesto - por ser crítico e difícil - livro de Michel
Foucault, As palavras e as coisas. Neste enorme sucesso de vendas foram descritas as regras
que alguns conhecimentos empíricos e especulativos compartilharam em determinados
períodos da história, cada um desses conjuntos de regras históricas Foucault denominou de
epistémê. A partir do final do século XVIII, surge a epistémê moderna e com esta a noção de
Homem, o livro se encerra com uma predição: as regras compartilhadas por certos saberes
modernos estão prestes a ruir e, consequentemente, o Homem irá morrer.Em linhas gerias,
Foucault almejou com isso afirmar, em primeiro lugar, que o nosso conhecimento é
determinado historicamente e que não evolui em direção a verdade absoluta; o que ele já
havia demonstrado em relação ao conhecimento sobre a loucura e a doença em livros
anteriores. Em segundo lugar, que a modernidade construiu de forma muito duvidosa uma
noção de Homem com seus limites e potencialidades, com uma Verdade, e se colocou a
perseguir essa figura perfeita e livre, se tornando prisioneiro dela. Não foi assim que o livro foi
entendido, foi "uma surra por todos os lados" como disse Foucault, a profusão das críticas tem
como ápice ou forma sintética o debate ácido entre o autor e Jean-Paul Sartre, ocorrido entre
1966 e 1967, por meio de entrevistas em que os debatedores nunca ficaram frente a frente.
Contra o livro foram levantados, em síntese, quatro pontos: rejeição da práxis ou, dito de
outras formas, inversão da dialética, predomínio e independência da superestrutura ou do
discurso sobre as relações materiais, etc.; acepção "monolítica" de epistémê, que seria uma
unidade soberana que faria todos pensarem igual; primazia do sistema sobre os sujeitos, os
homens como sonâmbulos das estruturas; e ênfase na descontinuidade, predomínio da
sincronia em detrimento à diacronia, o que produziria um método a-histórico (SARTRE, 1966;
ERIBON, 1990: 164-170 & 1996: 100-110). Neste momento emerge uma crítica que foi
"atualizada" por diferentes intelectuais e acompanhou todo a trajetória de Foucault, a saber;
que ele nega ao homem a liberdade e a possibilidade de resistir a dominação. Alguns exemplos
dessa atualização seguem agora: Lucien Goldman afirmou, em 1969, que Foucault opera um
"estruturalismo não genético", "nega o sujeito que ela substitui pelas estruturas (linguísticas,
mentais, sociais, etc.) e apenas atribui aos homens e ao seu comportamento o lugar de um
papel, de uma função no interior dessas estruturas que constituem o objetivo final da pesquisa
ou da explicação" (GOLDMAN apud FOUCAULT, 2001, 290-291). Mais ou menos uma década
depois, Edward P. Thompson estendeu para o pensamento de Foucault, com pouca reflexão e
por meio de uma nota de rodapé, todas as suas críticas ao estruturalismo de Louis Althusser
(THOMPSON, 1978: 220). Outra década e alguns anos, lá estava ela novamente, agora na obra
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É importante notar que Foucault deu outra direção a esse empreendimento.
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Tudo isso é muito diferente de negar a iniciativa, a resistência dos homens; é demonstrar a
dominação e intensificar a luta contra ela. Perspectiva que foi apropriada, por exemplo, pelas
historiadoras brasileiras Silvia Hunold Lara e Luzia Margareth Rago. A primeira procurou
resgatar os "saberes escravos" e demonstrar contra outra tradição historiográfica que os
escravos não eram "coisas" passivas, sua ação foi fundamental no processo de abolição (LARA,
1988). A segunda demonstrou os "danos" causados pelas formas de resistência locais dos
operários brasileiros durante a Primeira República, contra uma historiografia que só percebia o
"erro" dos operários ao recusarem a organização e a direção de um Partido (RAGO,
1985).Finalmente, a "crítica" de Michel de Certeau a Foucault que destacamos, diz respeito
exclusivamente as noções de estratégia e tática. Não queremos entrar na controvérsia entre
Luci Geard - aluna de Certeau - e Michelle Perrot sobre quem forjou essas noções primeiro,
porém é preciso arriscar contradizer a conclusão da discípula, de que as obras de Foucault
foram lidas por Certeau, "com admiração e respeito, cuidadosamente discutidas e, enfim,
postas de lado" (GEARD apud CERTEAU, 1994: 17).Certeau faz um deslocamento e não uma
exclusão das noções de Foucault, é uma inversão de perspectiva. Se em Vigiar e Punir,
Foucault destaca o conjunto de táticas organizadas por um feixe estratégico, que forma o
dispositivo disciplinar no final do século XVIII. Certeau assinala que é preciso estudar todas as
outras táticas que não foram organizadas neste ou outros dispositivos de sujeição, que são as
formas utilizadas pelas pessoas para resistir à dominação, que podem corroer os dispositivos
existentes ou ser captadas por novas formas de dominação maciça (CERTEAU, 1994: 111-117).
Bibliografia:
ERIBON, Didier. Michel Foucault. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
____________. Michel Foucault e seus contemporâneos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edição Graal,
1998.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In Ditos e escritos: Estética: Literatura e pintura, música
e cinema. v. 3, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
LARA, Silvia Hunold. Campos de violência: estudo sobre a relação senhor-escravo na Capitania
do Rio de Janeiro 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SARTRE, Jean Paul. Jean-Paul Sartre répond, L'Arc, Paris, n. 30, 1966. Disponível em
http://www.pileface.com/sollers/IMG/pdf/Sartre_repond_in_Arc.pdf Na data de 29 outubro
de 2011.
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recuperação de criminosos ou aqueles que estariam em iminente perigo social. Neste embate,
procuramos entender as especificidades do ambiente intelectual e situar o campo jurídico em
Minas Gerais buscando identificar a apropriação que então faz em relação ao sistema
ideológico vigente, tendo por base esses dois momentos históricos. Para a concretização desse
estudo tomamos como fontes, além do periodismo comum, o periodismo jurídico,
quantificando-o e qualificando-o. Assim, partimos de um conjunto de publicações editadas em
Minas Gerais cujo objetivo, além de identificar a circulação de ideias, visava perceber como o
próprio campo jurídico havia se consolidado e como o próprio direito estaria sendo consumido
como um bem simbólico. Trabalhamos com as revistas Resenha Jurídica, Revista da Faculdade
Livre de Direito de Minas Gerais, Forum, Revista Forense, Minas Jurídica, Assistência, Surto,
entre outras, e muitas das quais inéditas.
Compreendendo o Poder Judiciário como um espaço marcado por lutas, conflitos e embates, e
também de acertos, conluios, etc., enfim, como uma relação social, a presente pesquisa tem
como ponto de partida os resultados obtidos com o trabalho de Conclusão de Curso – TCC
(LANCE, 2010, p.40), no qual apontou um índice considerável de conciliações durante o
período proposto para análise (1993-1994). Neste sentido, deparamo-nos com os seguintes
problemas: segundo o resultado obtido no TCC, houve uma grande incidência de conciliações,
ou seja, a conciliação já era uma prática aparentemente estabelecida no âmbito da Justiça do
Trabalho. Neste sentido, qual foi o motivo que levou à implementação do Projeto “Movimento
pela Conciliação” de autoria do Conselho Nacional de Justiça, realizado no ano de 2006, tendo
em conta que se passaram 12 anos da pesquisa feita até a formulação do projeto? Será que
realmente é só por menos encargos financeiros para os órgãos públicos, como anunciava a
propaganda oficial? Mais agilidade no andamento do processo? Será que efetivamente, ambas
as partes saem ganhando, segundo o discurso proferido pelo Conselho Nacional de Justiça?
Será que a implementação de tal projeto é resultado de um processo que já estava em
andamento e se oficializou? Ou ainda o que houve foi um decréscimo nas conciliações durante
este intervalo de tempo e esperava-se resgatar a prática perdida ou diminuída? Neste sentido,
o objetivo desta comunicação é apresentar e problematizar tais questionamentos. Para tanto,
nos utilizaremos de algumas considerações tecidas por autores que tratam da implementação
da Legislação Trabalhista no Brasil, bem como, estabeleceremos ao mesmo tempo, um diálogo
com autores que vêm a contribuir sob o aspecto teórico-metodológico acerca do objeto de
pesquisa proposto.Segundo Samuel Fernando Souza o termo “Conciliação” desde o processo
de implementação da Constituição Trabalhista no Brasil, esteve muito presente. E que esta
prática foi aplicada de maneira a impedir a aplicação correta da lei, favorecendo assim, a
persuasão dos patrões em conflitos com trabalhadores. (SOUZA, 2007, p.61) O discurso
pregava ainda que, a legislação social asseguraria a “paz social”, e que, a conciliação seria a
formalização da ideia de paz social.Assim, os presidentes da JCJ(s) e das CMC(s) eram obrigados
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BIBLIOGRAFIA:
BOITO, Armando. O golpe de 1954: A burguesia contra o populismo. 2a edição. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Maquiavel. Notas Sobre Estado a Política. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Vol. I, II e III.
LANCE, Kleyne P. C. Processos Judiciais e Luta de classes: uma análise dos casos rondonenses
de 1993 a 1994. TCC em História. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 2010.
SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicatos, Estado e leis
do trabalho nos anos 1930 / Samuel Fernando de Souza. - Campinas, SP : [s. n.], 2007.
A presente comunicação tem o objetivo de trazer o debate acerca das limitações e das
possibilidades da quantificação das informações coletadas junto ao acervo de processos
criminais do Centro de Documentação e Memória da cidade de Guarapuava/PR, referente ao
período de 1835 a 1890, com um total de 303 documentos. As estatísticas, na história, têm
função complementar à compreensão de determinados fatos e processos; no caso da
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criminalidade, este recurso se mostra assaz importante para traçarmos o mapa da conduta
social do universo considerado (ou pretendido como) marginal, isto é, com as estatísticas,
podemos compreender melhor a dimensão daquilo que escapava das normas de
comportamento social e, com isso, revelar os padrões e valores morais de um período. A
utilização deste recurso está cercada de controvérsias, sendo assim, pretendemos expor
algumas delas apontando possíveis soluções e caminhos para a validação dos dados em uma
perspectiva histórica. O procedimento adotado para a obtenção dos dados estatísticos sobre a
criminalidade em Guarapuava começou com a análise dos instrumentos de pesquisa
elaborados pelos funcionários do Arquivo. Primeiramente, elaboramos uma divisão em
períodos decenais e, em cada um desses momentos, estabelecemos uma subclassificação dos
crimes a que se referiam os processos. O próximo passo será a consulta a cada um dos 303
processos, procurando informações sobre o crime, o criminoso e a vítima, por meio da leitura
da denúncia do promotor e dos autos de qualificação do réu. Apesar de os processos não
terem sido analisados na íntegra até o momento, os dados considerados como passíveis de
uma quantificação foram todos coligidos por meio destas peças judiciais, pois foram estas
consideradas as mais adequadas à este tipo de trabalho, devido à disposição das informações
ali presentes. Para uma melhor coleta dos dados, foi elaborada uma ficha de codificação, isto
é, um local onde se pudesse, resumidamente, anotar todas as informações necessárias à
pesquisa de uma maneira mais rápida. A seleção das variáveis da ficha teve como critério
abarcar todas as possibilidades, internas e externas, de análise do processo criminal, mesmo
que não diretamente vinculadas ao tema, mas que estivessem de alguma forma ligadas, como,
por exemplo, dados sobre a vítima, armas utilizadas, testemunhas arroladas, as datas da
prática do crime e início do processo, a data final do processo e o destino do réu. A intenção é
utilizar os processos para encontrar as marcas da sociedade guarapuavana nas reticências
criminais, isto é, naquilo que se repete e deixa uma mensagem sobre suas causas e
consequências. A criminalidade real de um período não pode ser medida com fidelidade em
tempo algum, por nenhuma técnica; todas as formas que encontramos de medição estarão
sujeitas ao fenômeno do sub-registro porque há um contingente grande de atividades
criminosas que não chegam ao conhecimento dos aparelhos repressivos. Dessa forma, o
processo, em sendo utilizado para a quantificação de crimes e criminosos, não deve ser visto
com critérios de busca pela “verdade” dos fatos. As peças judiciais utilizadas para a
quantificação – denúncia do promotor e auto de qualificação do réu – estão carregadas de
impressões individuais – tanto do escrivão como do promotor – e estratégias conscientes de
distorção dos fatos para a condenação ou absolvição do acusado. Além disso, também
encontramos todo um conjunto de argumentos baseados na técnica processual, os quais
limitam as possibilidades de descrição do fato delituoso ao padronizar a forma como este
devia ser apresentado. É com isso em mente que partimos para a elaboração das estatísticas
criminais na comarca Guarapuava, com o intuito final de conhecer uma das faces da aplicação
da Justiça Criminal durante o período monárquico brasileiro. Em meio a tantas críticas ao
sistema de aplicação da Justiça no Brasil, ao olhamos para a história, vem de imediato a
sensação de que esta situação certamente era muito pior em outros momentos. Seguindo a
ideia arraigada na maioria das pessoas de que o passar do tempo significa o progresso das
instituições, acreditamos que o seu grau de complexidade, atualmente, seja um desafio inédito
e que os problemas vividos hoje na aplicação da justiça são inteiramente novos. Uma
sociedade tem, em sua dinâmica cotidiana, todo um conjunto de fatores que a leva a seguir
caminhos muitas vezes imprevisíveis, mesmo que se procure fazer cumprir todas as
determinações e estratégias complexas elaboradas pelo poder público. Porém, sabemos que o
poder público tem a capacidade e legitimidade para fazer valer suas determinações e
autoridade; do contrário, não estaríamos vivendo em sociedades organizadas. Seguindo a
perspectiva de E. P. Thompson sobre a dinâmica entre leis e costumes, acreditamos que,
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quando nos voltamos para a história da ação pública estatal, mais especificamente no caso do
Judiciário, percebemos que existiam agentes interessados em que a instituição se mostrasse
imparcial para que sua legitimidade não fosse abalada. Certamente o judiciário enfrenta
muitas situações que são frutos das nossas questões sociais contemporâneas, contudo, é
somente pela análise de seus momentos iniciais, no qual o Estado brasileiro também se
afirmava, que podemos dimensionar o que representam tais situações contemporâneas. Essa
é a função da história. Em suma, queremos dizer que este estudo, centrando-se nos momentos
de constituição do Estado e das atribuições políticas, visa a trazer contribuições para
entendermos um pouco mais das relações entre o Estado e nós, seus cidadãos.
As leis de reintegração social dos veteranos da 2ª guerra mundial: comparação entre o caso
brasileiro e estadunidense
As guerras mundiais do século XX mobilizaram milhões de jovens civis enviados para combater
como soldados, deixando empregos, estudos e famílias, para combater outros milhões de
cidadãos, em situação parecida. Quando a Segunda Guerra Mundial findou os sobreviventes
dos aliados vencedores retornaram do meio belicoso para a vida civil. Na economia houve
necessidade de transformar a produção dos tempos de guerra para os de paz e reintegrar
socialmente de milhares de homens. A lei estadunidense de reintegração social intitulada
como “G.I Bill of Rights”, visava a possibilitar o retorno do veterano à sociedade mediante
várias medidas. Por meio de programa de bolsa de estudos, ingressar na universidade;
empréstimos para compra de propriedades e aberturas de empresas; e, auxílio desemprego de
vinte dólares semanais durante um ano, mas na condição de aceitar trabalho que lhe fosse
designado. Já no caso brasileiro a mobilização foi menor, com aproximadamente vinte e cinco
mil veteranos, com a legislação em prol desses homens que lutaram na guerra foi promulgada
posteriormente e bem mais limitada que a dos Estados Unidos. O período abarca os anos de
1945 a 1960 por terem sido críticos quanto à reintegração social de veteranos de guerra,
afinal, é no pós-guerra que ocorrem conflitos dos veteranos. O método foi comparativo ao os
governos brasileiro e estadunidense no processo de reintegração social destes veteranos.
Nesse sentido, essa pesquisa parte da perspectiva proposta por Hobsbawm (1998), em “Sobre
a história”, em que afirma análise da sociedade deve partir de aspectos sociopolíticos e
econômicos. Também parte-se da Nova História Política que se baseia em análises
interdisciplinares, conferindo outra dimensão às pesquisas realizadas. Desta forma empregam-
se novas fontes como entrevistas orais, imagens, e de documentos e memórias e do homem
comum, em seu cotidiano. Assim, enfatizo a visão da guerra a partir do soldado raso no front,
visando entender o alcance das mesmas na vida desses cidadãos convertidos em soldados no
período pós-guerra. Para realizar a análise comparativa utilizei pressupostos metodológicos
expressos por José D’ Assunção Barros (2007) no artigo “História Comparada – um novo modo
de ver e faze a História”. Ele apresenta a perspectiva da história comparada a partir das
reflexões de Marc Bloch para quem é preciso considerar dois aspectos imprescindíveis: as
similaridades dos fatos e as dessemelhanças do ambiente selecionado. Dessa forma, a
comparação somente ocorre entre sociedades próximas no tempo e no espaço onde exercem
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influências entre si. Brasil e Estados Unidos participaram conjuntamente no conflito, tendo o
uso do território brasileiro por parte dos Estados Unidos. Para realizar o estudo comparativo
deve-se ter como escala de observação as questões sociopolíticas dos governos de Vargas e
Roosevelt no processo de reintegração social desses homens que combateram no exterior.
Para tanto a pesquisa analisa as legislações e as políticas públicas dos Estados Unidos e do
Brasil para compreender o impacto do processo de reintegração social desses ex-combatentes.
Assim, a partir da história política e do método comparativo comparo os governos brasileiro e
estadunidense no processo de reintegração social. O G.I. Bill of Rights teve efeito de “divisor
de águas” na sociedade no período, tal o impacto de sua abrangência. A criação dessa lei
obteve, na época, grande aprovação da sociedade civil. No entanto, nem sempre foi assim,
pois em épocas anteriores surgiram questionamentos se os veteranos deveriam receber os
benefícios ou não. Afinal, havia o princípio de que não poderiam ser criados grupos de
cidadãos acima dos outros, e que os ex-combatentes “nada mais fizeram do que cumprir com
seu dever de cidadão”. As legislações promulgadas em favor aos veteranos brasileiros são de
1946, e os primeiros decretos-leis buscavam conceder benefícios aos parentes de soldados que
morreram no front e as que ficaram deficientes resultados da guerra. As leis referentes aos
benefícios contemplavam desde aqueles que ficaram no front interno como em portos
nacionais, em Fernando de Noronha, e aos homens que participaram do Teatro de Operações
na Itália. Portanto, ao analisar as legislações de ambos os países voltadas para os veteranos da
percebe-se como cada sociedade percebia princípio de cidadania e o direito civil.
teoria social (1999), entendemos a interação ocorrida também com as formas culturais. Não
pudemos ignorar o fato de que a realidade também passa por uma construção social. Assim, a
obra de Peter Berger e Thomas Luckmann, A construção social da realidade: tratado de
sociologia do conhecimento (1985) nos auxiliou a entender que o conhecimento da realidade
passa pela análise de contextos sociais específicos nos quais ocorre o processo de elaboração
do conhecimento da própria realidade. Desse modo, temos que em determinados contextos
históricos, algumas situações sociais são vistas como problemas ou de forma negativa. Neste
caso, apreendê-las como criminalidade é um dos modos de percepção destas situações
negativas. As fontes documentais selecionadas para essa pesquisa constituíram-se de artigos e
textos publicados na Revista Forense e na Revista dos Tribunais, ou seja, periódicos
especializados. Devemos ressaltar que os periódicos constituem um rico material de análise
histórica, uma vez que os mesmos permitem que os debates acerca dos padrões socioculturais
circulem mais rapidamente em função de sua periodicidade. Ao analisarmos o pensamento
jurídico-penal no Brasil, por meio do discurso constante nessas revistas especializadas,
procuramos utilizar o método crítico das fontes, o que permitiu criar uma lógica de crítica do
testemunho, já que só assim pudemos realizar a análise histórica da pretensa subjetividade,
compreendendo e não julgando, decifrando e decreptando. Tal como indicou Georges Duby
em História social e ideologias das sociedades (1979), na análise dos documentos, procuramos
descobrir os termos reveladores e, mais que as palavras, as apresentações, as metáforas e a
maneira pela qual os vocabulários se achavam associados, que refletiam inconscientemente a
imagem que tal grupo ou segmento social, num dado momento, possuía de si próprio e dos
outros, no nosso caso, os profissionais ligados ao campo jurídico. Como resultado dessa
abordagem que buscou entender as interações ocorridas entre os agentes jurídicos e as
mudanças sociais, identificamos os esquemas de percepção, apreciação e ação que foram
interiorizadas. Apreendemos as percepções sobre o novo cenário social e sobre o
comportamento dos segmentos sociais populares, resgatando as influências históricas e
apontando a constituição de uma nova maneira de compreensão do fenômeno do crime e do
criminoso.
Uma guerra pela sobrevivência: As políticas adotadas pelo Estado Nacional para o processo de
reintegração social dos veteranos de guerra da Força Expedicionária Brasileira (1945-1988)
199
BRASIL. Decreto-lei N° 4.902 de 31 de out de 1942. Garantia de emprego de volta. In: MELLO, José Luiz Ribeiro
(org.). A legislação do ex-combatente. Rio de Janeiro: Ed. Expedicionário, 1978, p. 152.
200
BRASIL. Decreto lei n. 8.794 de 23 de janeiro de 1946. Concede vantagens aos herdeiros dos militares. In:
MELLO, Legislação..., p. 198 a 200.
201
BRASIL. Decreto-lei n. 7.270, de 25 de Janeiro de 1945. Regula os casos de invalidez e incapacidade física. In
MELLO, Legislação..., p.169 a 174.
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situação dos inválidos das Forças Armadas, com intenção de adequar os procedimentos para a
integração ao convívio social através de um de um serviço de readaptação e educação, ou seja
após o tratamento, readequá-lo a uma profissão (FERRAZ, 2003 p.187). Este órgão foi
considerado por muitos ex-combatentes como um fracasso. A educação gratuita aos filhos
menores dos militares mortos em campanha202, assegurou ao aluno de grau médio, gratuidade
dos estudos. Outro direito adquirido por lei foi a isenção de pagamento de imposto de
transmissão de propriedades na aquisição de imóveis rurais ou urbanos para ex-combatentes e
os seus herdeiros203.Era direito dos ex-combatentes civis o financiamento de 80% na aquisição
ou construção de imóveis e a doação de lotes para lavoura ou criação204. Muitas vezes o
veterano teve estes direitos negligenciados.O direito a tratamento médico205 especializado, foi
garantido em 1949 para “portadores de moléstia passível de suspeita de haver sido adquirida
ou agravada em consequência da guerra”, Essas leis, não foram colocadas em prática, pois os
ex-combatentes não tinham o direito de utilizar-se do sistema Fundo de Saúde do Exército
FUSEX, tendo que recorrer ao SUS. Em um primeiro momento, atendia apenas os que voltaram
com mazelas visíveis, como perda de audição, perda de visão.Somente em 1959 as pensões as
viúvas e filhos de praças da FEB foram estendidas aos ex-combatentes falecidos no Brasil206.
Este processo começou com a lei conhecida por muitos ex-combatentes com a “Lei do Pé na
Cova”, que previa atendimento médico-hospitalar, e da concessão de pensão de
aposentadoria, apenas aos veteranos que sofressem de enfermidades graves. Desta maneira
apenas o pracinha que estivesse com “o pé na cova” seria atendido (FERRAZ, 2003 p. 229).Foi
somente em 1988 que as pensões207, chegariam a todos os considerados ex-combatentes.
Quando a pensão especial ao ex-combatente foi sancionada pela Constituição de 1988, o
número de veteranos da FEB vivos não chegava a dez mil, em todo o país (FERRAZ, 2003 p.
232. Muitas foram as leis criadas em beneficio aos ex-combatentes de guerra, mas houve um
esquecimento gradual e progressivo desvalorização dos expedicionários na Segunda Guerra
Mundial. Os mais prejudicados com a desmobilização foram os que optaram em retornar à
vida civil, com o dinheiro no bolso e pouca informação, pois logo gastaram o dinheiro.
Considerações finaisDevido a vários problemas ocorridos durante o período de reintegração
social, podemos considerá-la como relativamente mal sucedida. Em primeiro lugar, a falta de
políticas definidas pelo governo federal para uma mobilização e desmobilização adequada
deixou os veteranos brasileiros à sua própria sorte. Mesmo as leis e benefícios criados durante
o pós-guerra não garantiram a correta reintegração social dos ex-combatentes. Podemos
afirmar que não houve uma preocupação no momento da guerra em criar um plano de
readaptação a vida civil, nem mesmo aos que voltariam mutilados e incapacitados por
problemas oriundos da guerra. Como observamos, a demora em criar e promulgar algumas
leis, foi um grande obstáculo, já que muitas foram criadas meses ou até mesmo anos depois do
término da guerra e neste tempo, os veteranos tiveram que contar com a sua sorte e com a
202
BRASIL. Lei n° 3.663, de 16 de novembro de 1959. BRASIL. O Decreto n° 50.368, de 21 de março de 1961.
Regulamenta a educação gratuita ao filho menor do ex-combatente. In. MELLO, Legislação..., p. 275-276.
203
BRASIL. Decreto-Lei n° 7.974, de 20 de setembro de 1945. Dispõe sobre isenção de impostos. In. MELLO,
Legislação..., p.185.
204
BRASIL. Lei n° 1.147, de 25 de junho de 1950. Estabelece medidas de amparo e assistência. In. MELLO,
Legislação..., 23-24.
205
BRASIL. Lei n° 646, de 4 de março de 1949. Amparo a participantes da FEB. In. MELLO, Legislação..., 16-17.
206
BRASIL. Lei n° 3.633, de 17 de setembro de 1959. Concede pensões especiais as viúvas e aos incapacitados. In.
MELLO, Legislação..., p. 66-67.
207
BRASIL. Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1968. Estabelece: aproveitamento no serviço público; pensão especial
correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas; pensão à viúva; assistência médica, hospitalar
e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos
de serviço; prioridade na aquisição da casa própria. Disponível em: http://www.soleis.adv.br/excombatentes.html.
Acessado 12/09/ 11
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ajuda da família para poderem sobreviver, outro problema encontrado foi a emperrada
burocracia que se tornou um inimigo dos veteranos em fazer valer a legislação. Os veteranos
também sofreram com a falta de cumprimento das leis, a falta de informação principalmente
dos que moravam na zona rural e pouco sabiam do que acontecia no país. A lei que teve maior
alcance foi a Constituição 1988, que contou com os meios de comunicação como divulgadores
do direito. Assim os vizinhos e amigos se tornaram muitas vezes porta-vozes de muitos ex-
combatentes que ainda não tinham conhecimento de tal benefício. Mas, já tinha se passado
mais de 43 anos que a guerra havia acabado e muitos pracinhas já haviam falecido e nada
receberam em vida, nem mesmo assistência médico-hospitalar, e de heróis de guerra, se
tornaram desajustados socialmente.
Bibliografia
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da Força Expedicionária Brasileira. Tese de Doutorado – História. Faculdade de Filosofia, Letras
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BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ:
vozes, 2010
A abolição nos caminhos da lei: o campo jurídico e as lutas socias pelo fim da escravidão no
Brasil.
Este trabalho busca discutir a importância do campo jurídico como espaço privilegiado para as
ações do movimento abolicionista no Brasil, em especial na Bahia, entre os anos 1885-1888.
Nesse sentido, destaca-se o apoio dos membros do Poder Judiciário, especialmente dos juízes,
os quais passaram a atuar em consonância com advogados e curadores na promoção de ações
cíveis de liberdade que tinham por base argumentos jurídicos que desrespeitavam a ideia de
uma abolição lenta, gradual e indenizatória, tal como desejada pela classe senhorial e pelo
Governo imperial.Assim, postulamos que, na província baiana, a fase radical do movimento
abolicionista teve nas barras da justiça o caminho privilegiado para a contestação aberta ao
direito de propriedade e, por conseguinte, à própria escravidão. Nesse sentido, defendo a tese
de que a atuação abolicionista foi caracterizada predominantemente pela forte ligação dos
militantes do movimento com as autoridades judiciais, as quais passam a acenar
favoravelmente aos cativos. Esta articulação, que denominei de “rede da liberdade”, era assim
a expressão de uma ação organizada entre abolicionistas com diferentes formações e
condições socioeconômicas, mas como uma visão política alinhada em tono do fim do cativeiro
e de outros interesses políticos. A “rede da liberdade” operava da seguinte maneira.
Certificando-se de que os escravos estavam devidamente protegidos e a par do maior número
de provas possível, o abolicionista Eduardo Carigé redigia a petição inicial, na qual era exposto
o motivo da ação, e a entregava na segunda Vara Cível, onde tacitamente o juiz Anfilófio
Botelho Freire de Carvalho acatava a solicitação, nomeando imediatamente um depositário e
um curador aos escravos, garantindo-lhes assim a proteção e a assistência jurídica necessária
para o prosseguimento da causa. Em muitos casos, os depositários eram os próprios
advogados dos cativos. Entre os que aceitaram estas nomeações na Capital – que, portanto,
faziam parte da “rede” - estavam "os Srs. Drs. Afonso de Castro Rebello, Elpídio de Mesquita,
Artur de Mello e Mattos, Maurício Francisco Ferreira da Silva, José Heráclides Ferreira,
Francisco Moncorvo de Lima, Adolpho Carlos Sanches e Alexandre Galrão." Depois, era só
esperar o magistrado julgar a causa, dando ganho aos escravos. Esta ação articulada entre
estes abolicionistas foi favorecida a partir da aceitação de antigos e novos argumentos
jurídicos nos mais diversos tribunais do império, a exemplo da falta de matrícula, da
importação ilegal e da matrícula com filiação desconhecida. Aqui vale lembrar que o apoio de
magistrados e advogados simpáticos à ideia da abolição vinha crescendo de forma cada vez
mais expressiva no decorrer da década de 1870, contando sobretudo com o apoio de uma
nova leva de bacharéis e magistrados descompromissados com a antiga política escravista,
pois havia se formado num contexto em que a escravidão já estava com os seus dias contados
por conta do fim do tráfico africano em 1850 e pelo crescimento do sentimento abolicionista
mundo a fora. A importância destas tomada de posição dos magistrados na potencialização
das ações de rebeldia dos escravos está justamente na credibilidade da justiça diante destes,
pois a mediação do Estado nas relações escravistas contribuiu muito para a quebra da imagem
de onipotência dos senhores. Nos momentos finais da década de oitenta, os senhores se viam
quase sem saída diante da crescente contestação ao secular direito de propriedade sobre seus
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escravos, tendo por base os próprios mecanismos contidos na legislação escravista. E mesmo
diante dos esforços empreendidos pelo Governo Imperial na tentativa de anular estes
dispositivos, cada dia mais cativos conquistavam suas liberdades no momento em que
entravam com uma ação e pediam para ser depositados fora do poder de seus senhores. A
esta altura escravos e abolicionistas sabiam que, caso perdessem essas batalhas, vários
recursos jurídicos - como a apelação, por exemplo - garantiriam a prorrogação da questão, o
que para os senhores implicaria na perda dos serviços e também na quebra da submissão de
seus escravos. Somada a outras estratégias de libertação e às próprias ações autônomas dos
escravos, a atuação das redes da liberdade ajudou a deslegitimar a escravidão.
Referências:
No Brasil e internacionalmente, o Rio de Janeiro já não é mais tão conhecido pelas suas belas
paisagens naturais, nem pelas suas maravilhosas praias. Ao contrário, nas últimas décadas a
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cidade carioca vem deixando de ser um dos cartões postais do país, para se tornar uma das
metrópoles que apresenta uma das maiores taxas de homicídios e de criminalidade mundiais.
É o que destaca a grande mídia brasileira.Com o retorno da liberdade de expressão no país,
fruto do lento e gradual processo de redemocratização nos anos 1980, a grande mídia
brasileira pôde escolher o que considerava os fatos mais importantes para a nação,
aprimorando a prática de um jornalismo investigativo, característico de sociedades
democráticas. Dessa forma, a mídia brasileira escolheu a violência urbana como um dos
principais temas a serem debatidos nesse contexto histórico.Os meios de comunicação em
geral destacaram o aumento da violência urbana nas grandes cidades. A quantidade de
reportagens, notícias, e o espaço dedicado para a discussão do tema em programas de
televisão, seminários, congressos acadêmicos, demonstram a tentativa da mídia, em
transformar a violência urbana em um problema nacional, evidenciando especialmente o caso
do Rio de Janeiro. Pesquisadores atentos à importância deste assunto no espaço público,
procuraram investigar a forma como a população em geral concebia a questão da violência
urbana; as principais ideias sobre o tema, os meios que o governo deveria utilizar para
enfrentar o problema e as mudanças estruturais no cenário urbano. A professora Maria
Victoria Benevides, por exemplo, no final da década 1970 e nos primeiros anos 1980, analisou
nos grandes jornais do país, as principais ideias que permearam os debates sobre as causas da
violência e da criminalidade nas grandes cidades. A pesquisa constatou a consolidação de
opiniões que aprovavam maior repressão aos infratores, baseada em assuntos que abrangiam
desde a relação pobre-bandido, até discussões sobre pena de morte, sinalizando assim
mudanças nas políticas públicas de segurança no Brasil. O jurista Nilo Batista em confluência
com as ideias da professora, ressaltava que a mídia vinha excedendo suas principais funções e
atuava em parceria com o poder judiciário, criminalizando indivíduos e legitimando um
sistema penal repressor. Para o autor, a mídia transformou-se em uma instituição de
“executivização”, onde suas informações passaram da teoria para a prática, pelo especial
vínculo com o sistema penal.A antropóloga Alba Zaluar, trabalhando na mesma temática das
pesquisas citadas anteriormente, mas em outra perspectiva, investigou algumas favelas do Rio
de Janeiro, objetivando entender a dinâmica deste ambiente marcado pela criminalidade.
Além disso, houve também pesquisas que priorizaram compreender as mudanças na
arquitetura de grandes cidades, geradas pelo medo da criminalidade, como a empreendida por
Teresa Pires do Rio Caldeira, dentre outros.Diante desses apontamentos, nosso principal
objetivo nesta comunicação é realizar um mapeamento da forma como se deu a associação da
violência urbana à imagem da cidade do Rio de Janeiro, pela grande mídia, privilegiando a
nomeação, como uma forma de construção desse tipo de associação. Para isto, faremos uma
análise crítica de quatro reportagens que tratam deste tema especificamente, extraídas de
duas revistas de maior circulação nacional nos anos 1980, Veja e ISTOÉ. Tendo em vista as
análises das reportagens, partimos das ideias de Pierre Bourdieu, sobre a função que as
palavras têm no discurso das instituições. De acordo com este autor, a linguagem é uma
representação social, e, como tal, estrutura a percepção dos indivíduos sobre o mundo. Desta
forma, as palavras devem ser analisadas e compreendidas dentro do seu contexto histórico-
social. Outro item levado em consideração é a posição social do grupo ou meio que emite esse
discurso, pois este transmissor deve ter legitimidade perante a sociedade para tal função. As
palavras só têm êxito se proferidas por uma instituição com autoridade para emiti-las em
condições adequadas. No caso da mídia, esta quando emite seu capital simbólico, tem
legitimidade para isso, pois “representa” as ideias de um determinado grupo social que
compõe uma sociedade, principalmente em regimes democráticos, quando está autorizada
legalmente, ainda que sob um regulamento, o seu funcionamento. Além disso, esta
transmissão simbólica só se efetiva por meio do reconhecimento do “porta-voz
autorizado”.Indo de encontro com esta perspectiva, tivemos também o trabalho de Peter L.
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Berger e Thomas Luckmann como referências teóricas, já que destacam que a representação
que perpetramos da realidade são construções históricas, empreendidas por meio de conflitos
e debates. Sendo assim, temos no discurso da imprensa um veículo importante de análise e
compreensão dessas relações de poder.
Este artigo traz os resultados de uma pesquisa de mestrado realizada de 2010 a 2012. O
objetivo foi analisar a instituição policial na cidade de Maringá entre os anos de 1948 e 1964,
identificar interferências sociais no trabalho policial e demonstrar que o trabalho técnico e as
investigações são influenciados em função das interações sociais que a instituição estabelece
com os diversos segmentos sociais da cidade. Para o desenvolvimento das reflexões
apresentadas nesse trabalho, partimos do pressuposto de que as instituições são produtos do
complexo processo social que, por meio de hábitos e aprendizados coletivos, determinam que
diferentes indivíduos dividam os mesmos conhecimentos. Dentro da instituição, essa
integração e esse conhecimento recebem uma importância tão grande de seus membros a
ponto de só ser compreendida por eles. Destarte, suas experiências pessoais continuam
presentes, influenciando suas relações (BERGER; LUCKMAN, 2003). Para uma maior
compreensão sobre o conhecimento interno da instituição as reflexões de David Garland
(1999) também foram consideradas, pois tratam das formas culturais e sua importância para
as políticas penais. De acordo com o autor, a cultura não deve ser encarada como um aspecto
distinto da vida social, independente de qualquer outra atividade. Diante desses referenciais
teóricos ressaltamos que toda instituição, por mais inflexível que pareça, é produzida pelo
homem. Assim, apesar de todas as complexidades que a envolvem, suas percepções se
encontra intrinsecamente ligadas às experiências culturais dos homens que a construíram;
logo, só podem ser entendidas nas sociedades em que se encontram inseridas. Assim, os
inquéritos foram escolhidos por apresentarem informações sobre a ação policial na sociedade
e interferências que as mesmas exercem sobre a instituição. E como são documentos
produzidos pelo aparato policial expressam posicionamentos pessoais dos membros da
instituição com relação às situações vividas pelos mesmos. Nessa perspectiva, a pesquisa de
Mariza Corrêa (1983) foi fundamental, pois possibilitou-nos as condições para ampliarmos
nossas concepções referentes à liberdade desses policiais em serviço. Segundo a autora apesar
do trabalho dos membros da instituição policial e judiciária estar ligadas por uma série de
requisitos legais, existe uma margem de liberdade deixada a eles (CORRÊA, 1983). Nossa
pesquisa, além de tratar especificamente da instituição policial, não se manteve nos atores
institucionais de forma individualizada, mas na interação da instituição com a sociedade e a
forma como se manifestavam nos inquéritos. Informações possíveis pelos detalhes que com
atenção podem ser identificados nos documentos. A pesquisa foi concluída através do
contato com os processos criminais presentes no Centro Paranaense de Documentação e
Pesquisa (CPDP) da Universidade Estadual de Maringá. Este acervo contempla o período de
1948 a 1970 e apresentam um montante de cerca de 2000 documentos. Concluímos nossos
levantamentos criminais em 67 caixas referentes aos anos de 1948 e 1964. Com isso, entramos
em contato com 1.158 documentos, dentre os quais cerca de 880 estavam diretamente ligados
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levando em conta seus vínculos e a que grupos pertencem, não só os cartunistas, mas também
os meios de comunicação em que publicam. Assim, através de uma análise comparativa, a
perspectiva norteia-se em entender como os artistas estavam interpretando, formando
discursos e práticas nesse processo histórico. No desenho de humor, a caracterização de
certos aspectos da vida cotidiana é abordado de maneira satírica, sempre com a tentativa de
arrancar o riso do espectador. Tal arte, aqui é vista como um instrumento que pela
característica satírica que carrega, tem muito além de um caráter cômico, tendo também um
caráter político, estando envolvida de aspectos críticos sobre a sociedade na qual o artista está
inserido. Entretanto, não leva em conta apenas a caracterização da crítica pura e simples que
está presente na charge, mas também a subjetividade que esse artista carrega ao tratar
temáticas dessa ou daquela forma, revelando aspectos que estão ligados ao sujeito em ação
na história. A imagem enquanto signo que ela gera de seu objeto representado permite que
exprima outros significados para aquele objeto/situação. Assim fazendo com que o desenho de
humor possa passar ao leitor situações simbólicas do cotidiano que vão gerar a cadeia
interpretativa daquela imagem, que está representando algo concreto que liga o desenho à
situação real. Portanto, por conceber a imagem enquanto linguagem específica, considero que
por ser linguagem, tal instrumento de comunicação tem suas particularidades e abre a
possibilidade de análise enquanto um objeto embebido de códigos sociais compartilhados.
Sendo assim, a imagem será concebida enquanto um elemento da retórica, que tem por
objetivo passar algo para o leitor, uma mensagem que está empregada não necessariamente
em letras e frases, mas está “desenhada”, no caso da charge. Portanto, procuro empreender a
pesquisa histórica perfazendo a análise a partir dessas fontes, produtos de uma determinada
concepção de humor, de desenho, de crítica que estão presentes até hoje no cotidiano
brasileiro.
Proposta de trabalho para Simpósio Temático – ANPUH-PR – 2012
A função social do artista em Violeta Parra: "el canto de todos es mi propio canto"
Um olhar feminino sobre o Brasil de 1964 a partir da obra teatral Vejo um vulto na janela, me
acudam que eu sou donzela de Leilah Assumpção
questionamentos sobre gênero que serão amadurecidos nas décadas posteriores. O texto
teatral Vejo um vulto na janela, me acudam que eu sou donzela foi o primeiro da carreira de
Assumpção e este foi definido pela mesma como autobiográfica, fantástica e imatura. Embora,
tenha sido finalizada em 1964 a peça foi censurada pelo regime militar e somente liberada em
1979 e dez anos após sua montagem se tornou filme com o título Brasil, Primeiro de Abril
dirigido por Maria Letícia. A obra aborda os acontecimentos que antecedem o golpe militar e é
finalizada com a instituição do regime; na trama as oito personagens são todas mulheres de
posicionamentos divergentes em relação à conjuntura política do país e também aos valores
referentes à sua situação na sociedade. Por meio desta peça e das referências bibliográficas é
possível observar, à luz do olhar feminino, os elementos políticos, sociais e culturais
constituídos num determinado período histórico, corroborando para que a escrita da história
seja mais global no que diz respeito aos seus protagonistas.
Daniel Dória Possollo Carrijo – Mestrando – UFPR (orientador: Profº Drº Dennison de Oliveira)
sentido trazendo o pensamento de uma gama de autores, citando Levi-Strauss – para quem a
história seria dotada de uma natureza “mitológica”, na medida em que “inventa” tanto quanto
“descobre” –, Northrop Frye – que destaca a existência de estruturas de enredo pré-genéricas,
necessárias para a inteligibilidade do discurso narrativo –, R. G. Collingwood – que aponta para
o ato da imaginação construtiva, que agiria preenchendo as lacunas existentes entre as fontes
– e Roman Jakobson – que afirma o poder que o historiador detém de dotar de sentido sua
narrativa, na medida em que ao ordenar e hierarquizar os elementos de seu discurso posiciona
a mensagem no texto. Nesse sentido podemos lembrar também do pensamento de Michel
Foucault que em A ordem do discurso defende o autor enquanto princípio de agrupamento do
discurso. Dessa forma é de fundamental importância tomar nota a respeito dos trópicos
literários propostos por White – metáfora, metonímia, sinédoque e ironia – e adaptados por
Rosenstone para a linguagem fílmica – compressão, condensação, deslocamento e alteração –
para se compreender a construção do discurso em fontes audiovisuais. Além da questão na
narrativa, é importante atentar para os debates relativos à memória e história, uma vez que
filmes históricos tendem a trabalhar com a mesma. William Guynn propõe que entendamos
essas obras enquanto lugares de memória – definidos por Pierre Nora enquanto lugares de
excesso que remetem o indivíduo a um passado presentificado por meio de sua materialidade
–, na medida em que estabelecem uma conexão entre um passado representado e grupos
sociais do presente. Nesse sentido tomo minha monografia de conclusão de curso intitulada
Sobre blues e cadillacs (2011) onde analisei através do filme Cadillac Records (2008) o que se
lembra a respeito da história do blues e o como as memórias relativas a esse gênero musical
são recuperadas e trabalhadas no século XXI – ou seja, destacando sua origem marcada por
questões étnicas tanto de exploração quanto de colaboração e sua importância enquanto
“raiz” da música ocidental – como exemplo do como essa articulação entre memória e história
se dá na linguagem fílmica. Por fim, é importante destacar que o estudo de fontes
audiovisuais é relevante na medida em que observa não só o como uma comunidade se
enxerga como também o como o presente vê determinado extrato do passado. Como afirma
Ricoeur, o passado reconhecido tende a valer como o passado percebido, e partindo do ponto
de vista de Rosenstone de que os filmes efetivamente afetam a nossa visão da história
podemos afirmar que o estudo de fontes audiovisuais contribui dessa forma tanto para o
entendimento a respeito da compreensão da história em diferentes recortes temporais quanto
para a renovação do ofício historiográfico mencionado aqui num primeiro momento.
Almeida, o teatro mambembe inicia em 1929, no interior de São Paulo, deslocando-se, depois,
para a região sul do país. A figura do palhaço presente na teatralidade circense em geral,
como um animador ou o responsável pelo entretenimento entre um e outro número circense,
ganha referência central na atividade do Teatro do Bebé, assim como em alguns outros grupos
de teatro itinerante do sul do Brasil. Emprestando seu nome à companhia teatral, o palhaço
Bebé (José Renato de Almeida), do mesmo modo como ocorreu com seu pai e é com seu
irmão, o palhaço Serelepe, desenvolve papel de protagonista não só no espetáculo, como
também na estrutura familiar que mantêm viva a atividade circense.O fazer teatral deste
grupo familiar acontece sob uma lona como no circo, mas não possui a estrutura de picadeiro
do circo convencional, e sim um palco italiano onde acontecem encenações principalmente de
espetáculos cômicos. Os espetáculos não são construídos da mesma forma que na academia
ou nos grandes teatros, onde estão embasados nos trabalhos de dramaturgos e diretores. As
peças teatrais são escritas por pessoas da família. Dentro do núcleo familiar também há a
figura do encenador, ou seja, do diretor responsável pela montagem e é na prática cotidiana
que esses conhecimentos são repassados, aprendidos e modificados conforme a época e o
contexto sociocultural. Partindo desse entendimento inicial, mostra-se como problemática a
ser discutida as possíveis relações dos conceitos de memória familiar, tradição e
representações que permeiam esse grupo familiar, que se constitui e é constituído
historicamente a partir dessa prática cultural cênica, que também é a atividade profissional da
família. Essa é a reflexão inicial que se pretende empreender com essa pesquisa, em
andamento. Para desenvolver essa discussão se busca analisar dois aspectos a que se propõe a
pesquisa. Primeiramente, se disserta sobre aspectos que ligam essa forma de estrutura do
trabalho dos grupos de teatro mambembe com a teatralidade popular de outras épocas,
quando menestréis, comediantes, palhaços, bufões, companhias farsescas etc. se
apresentavam em espaços abertos como nas feiras livres e as ruas dos povoados medievais
(BERTHOLD, 2008, p. 242). No Brasil, os estudos de Silva (2007) sobre os circos-teatro,
permitem analisar a trajetória de algumas dessas companhias e artistas mambembes e a
teatralidade circense brasileira, o que possibilita desenhar temporalmente aspectos do
caminho percorrido por esses grupos de artistas populares com as atividades do chamado
teatro de lona atual. Relacionando a revisão bibliográfica da história do teatro mambembe,
também se busca discutir a ideia de cultura popular a partir dos escritos de Burke (1989).
Na sequência, através da pesquisa de Bolognesi (2003 e 2009) sobre os palhaços brasileiros
contemporâneos, que traz um capítulo especifico sobre o Teatro do Bebé, se procura analisar
as permanências e transformações ocorridas na prática cultural. Essa análise, juntamente com
a o trabalho preliminar de história oral com o artista e pesquisa de campo, é fundamental para
a reflexão sobre as influências da atividade cultural na formação da memória e da identidade
do mesmo como artista e como parte da trajetória dessa família. Para tanto, será necessário
partir dos conceitos de Halbwachs (1968) e Candau (2011), no que se refere à memória
familiar e onde também se encontrará campo para discussão de tradição e de representações,
partindo dos escritos de Hobsbawn (1997) e Chartier (1990). Quanto à metodologia a ser
adotada, dá-se primazia à análise bibliográfica tanto na área da história do teatro, do circo-
teatro e da teatralidade circense como na representação, memória e tradição. Da mesma
forma, buscar-se subsídios bibliográficos específicos sobre a teatralidade circense no Brasil e
sobre a história do teatro. Também são utilizados registros iniciais da pesquisa de campo e
entrevista realizada com o palhaço José Renato de Almeida, o palhaço Bebé. Enquanto
pesquisa em processo, com resultados ainda preliminares, o que se procura nesse momento é
lançar um olhar sobre a prática cultural do Teatro do Bebé a fim discutir as memórias e a
identidade do artista em relação à prática cultural. Com isso, é possível inferir que tanto no
palco, ou seja, no fazer da prática cultural, quanto no cotidiano familiar que mantém os
membros da família (esposa, filhos, sobrinhos) inseridos no entorno do trabalho do teatro, a
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figura do palhaço e do pai são posições que andam juntas e se mesclam nesses dois espaços:
na lona do circo e na família. O que impulsiona essa possibilidade de discussão a que se
propõe essa pesquisa está no que afirma Pierre Nora quando diz que a história hoje está nos
objetos antes inimagináveis, onde há “suspeita de história”, aos quais “contaminamos a
inocência das coisas” (NORA,1981, p.20). Assim, através da “contaminação” lançada sobre o
objeto dessa pesquisa, ou seja, o Teatro do Bebé, o que se pretende ao abordar a prática
cultural desempenhada enquanto uma estrutura hereditária, delineadora do cotidiano, das
relações humanas e das memórias dessa família, é que esse processo ajude a refletir no
avançar da pesquisa sobre o papel social e cultural que essa prática desempenha junto ao
grande público que assiste aos espetáculos, principalmente no contexto das áreas periféricas
da cidade de Pelotas.
Referências bibliográficas
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras, 1989.
CANDAU, Joël. Memória e Identidade. Tradução Maria Letícia Ferreira. São Paulo: Contexto,
2012.
HOBSBAWM E RANGER ( Orgs.). A invenção das tradições. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História.
São Paulo: Departamento de História de Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / PUC-
SP, no.10, 1993, pp. 07-28.
Embora a ênfase deste simpósio temático seja para os “olhares, temas, objetos e problemas
de investigação situados na região fronteiriça entre história, música, cinema, literatura e
teatro”, venho propor um outro objeto, qual seja, uma coleção, composta por litografias e
artigos monográficos, produzida no decorrer da década de 1870 na Espanha. Justifico tal
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sua característica imagética e pedagógica, por exprimir o engenho e a produção humana num
determinado momento histórico mas também pela particularidade política que apresenta. Os
textos e imagens que compõem essa obra tocam o olhar e mexem com o gosto e expectativas
do observador/destinatário ao mesmo tempo em que apresenta, mostra e ensina sobre
espaços e populações, além de também constituir-se em expressão política de uma época.
tecnológicas não só tiveram o poder de retirar o monopólio músical das salas de concerto e
dos botequins, mas configurou a ela – a música – uma nova relação, seja como pano de fundo
das atividades cotidianas das pessoas, como a relação carnal de um walkman. A reflexão
acerca das inovações tecnológicas sonoras de criação, reprodução e divulgação e a sua
posterior obsolescência são fatores fundamentais para a verificação de permanências e
rupturas históricas e as características sociais manifestadas na música. Com os avanços
tecnológicos no setor da indústria de produtos áudio eletrônicos, surgiram novas ferramentas
sonoras, destinadas não só a escuta, mas a manipulação e produção de música composta
eletronicamente. Tais adventos tecnológicos, alargaram o horizonte da produção musical, e
deram início a mudanças significativas em seu meio e diversos segmentos da sociedade. Esses
novos recursos trouxeram a capacidade de reproduzir, manipular e gravar infinitas cópias,
fomentando assim cópias de baixo preço e gerando respectivamente o consumo massificado
de gravações domésticas singulares. Tal capacidade de produzir cópias, e comercializá-las em
qualquer esquina de um subúrbio americano qualquer, tornara-se algo que não agradou as
grandes gravadoras que até então tinha esse monopólio firmado não só pelas leis, mas por
deterem de aparelhos de reprodução que devido a vários fatores, lhes eram exclusivos. Com a
Disco, acontece uma deselitização e dessacralização da música, seus produtores se
apropriavam de diversas músicas na composição de novas, usando uma técnica de bricolagem,
que posteriormente ficou conhecida como remix. Assim a Disco é um estilo que tem como
base de produção a apropriação de elementos pertencentes de outras músicas, e que são
misturados por meio das tais novas ferramentas de áudio, como os seqüenciadores, samplers,
e mais vários recursos de manipulação de áudio. Este gênero musical, inserido na cultura de
massa, com suas estratégias de divulgação exerceu atrito com as leis de direito autoral,
colocando as recriações musicais do homem comum sob a condição de ilegalidade, causou
polêmica entre os conservadores, saturou o rádio, guiou a moda por um período, e criou uma
estética musical particular, uma nova maneira de escuta e dança. Estas manifestações e
tensões de identidades culturais são objetos deste artigo, que tem intuito refletir acerca do
cotidiano e entretenimento urbano popular sob o viés da História Social da Música.
Hugo Felipe Frison. Mestrando em História, linha de Pesquisa Práticas Culturais e Identidades –
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. (orientação: Méri Frotscher Kramer)
são narradas, no primeiro caso, as experiências do pai do autor durante o holocausto judeu,
bem como os reflexos deste trauma na vida de Spiegelman, e, no segundo caso, as impressões
da autora e de sua família sobre a Revolução Iraniana (1979). Além destes, os quadrinhos
underground de Robert Crumb descrevem a geração sexo, drogas e rock’n’roll dos Estados
Unidos durante os anos 1960. Dessa maneira, estas obras podem ser vistas como um suporte e
meio de (re)produção e circulação de determinados discursos, ideologias e memórias. Os
quadrinhos produzidos pelo jornalista maltes Joe Sacco, quando de suas passagens pelo
Oriente Médio – especificamente, na Faixa de Gaza e nos territórios palestinos ocupados pelo
Estado de Israel –, organizam-se em narrativas textuais e visuais tanto da sua própria
experiência como também dos cotidianos daqueles que habitam aquele território em disputa.
Por meio destas, Sacco procura narrar situações e histórias de palestinos com os quais
conviveu, seu cotidiano, seu sofrimento e seus posicionamentos, bem como uma postura uma
postura de solidariedade para com a causa palestina. Nesse sentido, o autor acaba por
construir, através de uma experiência de cunho etnográfico e valendo-se da linguagem das
histórias em quadrinhos, uma narrativa história muito singular, onde se destacam a trajetória e
o papel do próprio autor na trama – sua experiência anterior nos Bálcãs, enquanto cobria a
guerra da Bósnia (1992-1995) e as memórias de sua mãe, que vivenciou o bombardeio a ilha
de Malta durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – bem como sua posição de viajante
e estrangeiro interessado em conhecer o cotidiano e os sujeitos em conflito. Esta comunicação
tem por objetivo analisar como os quadrinhos de Joe Sacco contribuem também para a
construção de uma memória histórica sobre o conflito entre Palestina e Israel, história essa
embasada tanto pela sua própria experiência enquanto viajante quanto pela memória que
colheu naqueles territórios, memórias recolhidas a partir de um olhar antropológico, como nós
vemos os “outros” – evocando Edward Said, como o Ocidente vê o Oriente. As HQ de Sacco
abordam não apenas opiniões e histórias conflituosas, mas também expressam emoções,
sentimentos e traumas vividos. Dessa forma, há que se questionar também a própria
imparcialidade pretendida por Sacco, posição esta comumente requerida pelo discurso
jornalístico bem como similar a neutralidade requisitada pelo Leopold von Ranke no escrever
da História. Sabendo que história e memória são campos complementares, bem como em
constante disputa, já que a História se pretende única e universal, enquanto a memória se faz
múltipla e coletiva, havendo várias interpretações para um mesmo acontecimento passado.
Nesse sentido, analisaremos como as obras de Joe Sacco inserem-se na disputa entre as
memórias palestinas e a historiografia oficial israelense. Silenciados pelo Estados de Israel e
tendo sua luta política deturpada e/ou marginalizada pela grande mídia, a obra de Sacco dá
voz aqueles sujeitos históricos, assim construindo uma narrativa histórica por meio das
memórias dos palestinos.
Cubana, quando Guillén assume cargo e se torna um dos nomes mais significativos do novo
regime. Apesar do poeta ter desenvolvido atividades jornalísticas durante parte da sua vida, o
projeto toma a poesia como canal privilegiado para analisar seu percurso de vida e sua
militância, possibilitando, a partir desse lugar, a leitura das suas outras produções em prosa
(crônicas, artigos, reportagens, autobiografia), bem como o diálogo estabelecido por e com
outros intelectuais e músicos. Pensando a poesia enquanto construção onde se expressa a
subjetividade, onde o homem se expõe por inteiro, com suas dúvidas, seus conflitos, suas
perplexidades, interessa-me acompanhar as transformações percebidas na sua escrita, tanto
do ponto de vista das temáticas como da própria linguagem, expressando a sua vinculação e o
seu posicionamento frente às questões do seu tempo. É pela linguagem poética que Guillén
expressa seu posicionamento frente a questões como a situação do negro na cidade de
Havana e a reflexão sobre a história dessa diáspora por terras americanas; a cultura popular
como componente da nacionalidade cubana; o fascismo e suas consequências, como as
ditaduras em várias partes do mundo e a guerra civil espanhola; os movimentos
revolucionários na América Latina e a gestação e realização da revolução cubana, só para citar
algumas. É pela linguagem poética que ele sinaliza as transformações no seu percurso de
militante, no seio dos movimentos que agitaram Cuba durante as ditaduras, nos encontros
com outros intelectuais latino-americanos e europeus, no exílio na fase pré-revolucionária da
ilha e, finalmente, no processo de construção dos organismos de cultura junto ao grupo de
Fidel Castro. E pela poesia que ele se situa no mundo, portanto. Um elemento sempre
presente na poesia de Guillén é a música. Dos sones cubanos provém a musicalidade do falar
do negro de Havana, e o próprio poeta admite influência por parte de conjuntos populares
como o Sexteto Habanero e o trio Matamoros. Ao mesmo tempo, músicos populares e
eruditos, cubanos ou não, musicalizaram seus poemas de estética negra, seja para inseri-la na
música moderna, seja para compor uma nacionalidade musical que expressasse uma
identidade cubana.
Nicolau Sevcenko assegura que há necessidade de se tomar alguns cuidados ao se trabalhar
com a literatura no interior de uma pesquisa historiográfica. Afastando-se de uma perspectiva
determinista, evitando que a “produção discursiva não perca o conjunto de significados
condensados na sua dimensão social”, Sevcenko acentua que ela “deve traduzir no seu âmago
mais um anseio de mudança do que os mecanismos de permanência” (SEVCENKO, 1989, p.
20). O que significa dizer que a análise deve contemplar não só a pessoa que fala, mas também
quando, como e para quem fala, e os sentidos que ela atribui à sua palavra. No caso de Guillén,
a questão étnica tem um papel predominante, mas não é o único passível de ser entrevisto.
Sevcenko acrescenta na fala do literato o vir-a-ser, a possibilidade, que o arroja “nos meandros
de possíveis inviáveis” (p. 21), mais do que na afirmação daquilo que efetivamente aconteceu.
Pela poesia, Guillén situa-se frente aos embates políticos tanto no interior de Cuba quanto fora
da ilha, o que torna sua produção múltipla, nos seus objetivos e efeitos.Nesta comunicação, a
proposta é analisar algumas questões a partir dos poemas escritos até 1937, até certo ponto
anteriores à adesão de Guillén ao Partido Socialista Popular. Neles, o poeta se vale de uma
linguagem identificada com as vanguardas literárias, mas procura se situar frente às classes
populares. Vale-se tanto de uma visão histórica restrospectiva, presente, por exemplo, em
West Índias Ltd. (1934), como de aspectos do cotidiano, nos Sones para turistas (de Cantos
para soldados y sones para turistas, de 1937, onde a música se expressa com muita força para
dimensionar a relação com o popular.
Em uma não tão recente polêmica envolvendo quadrinhos, um volume dos personagens
Asterix e Obelix foi acusado de personificar uma espécie de revolta frente as mudanças que o
mercado editorial na área vinha sofrendo. Trata-se da história “O dia em que o céu caiu”,
quando Tuncar, um representante dos Walneydistianos, chega ao nosso planeta com o
objetivo de apontar os perigos dos Nagmas. Protagonistas de uma guerra espacial de muitos
anos, Walneydistianos e Nagmas querem se apossar da arma secreta dos gauleses: a poção
mágica feita por Panoramix. A revolta estaria implícita no uso de anagramas Walneydist (Walt
Disney), Nagmas (mangás), e na personificação, dada aos Nagmas, tratados como vilões da
história e meras "cópias" de Walneydist. A história foi considerada uma critica de seu criador a
uma nova tendência no mercado de quadrinhos: os mangás.Termo usado para definir as
histórias em quadrinhos vindas do oriente, especialmente do Japão, a palavra Mangá em
japonês é sinônimo ao mesmo tempo de histórias em quadrinhos, revista em quadrinhos,
caricatura, cartum e desenho animado (LUYTEN, 2000). Apontados como uma espécie de
fenômeno editorial de produção do gênero, os quadrinhos japoneses vem ganhando cada vez
mais espaço no mercado internacional – notadamente no Brasil, que, recentemente, acabou
por aglutinar o sucesso editorial representado pelas histórias nipônicas em um novo formato:
os quadrinhos em “estilo mangá”, que tentam dar uma nova roupagem a personagens
conhecidos, como a Mônica e sua turma, de criação de Mauricio de Souza. O presente texto
constrói suas indagações na constituição deste processo, de inserção da cultura japonesa no
mercado editorial de quadrinhos nacionais e suas transformações subseqüentes.Acreditamos
que, no que refere as discusses da cultura de massas na atualidade e no papel do Mercado de
quadrinhos neste processo ,uma demanda real em torno da arte sequencial em quadrinhos.se
apresenta: Atualmente, o mercado brasileiro figura como o quinto maior do mundo . e
atravessa uma série de disputas editoriais/comerciais em torno do formato dominante: entre a
arte sequencial de origem estadunidense, o comics, já em sua quarta “geração” (a chamada
Era Obscura destes), o gibi, formato nacional apropriado do estadunidense já consolidado em
suas características específicas (nesta década ocorreram três Bienais de quadrinhos, nos anos
1991, 1993 e 1997), em sua terceira “geração” e o mangá, cuja inserção no mercado nacional
foca os chamados “clássicos” e os grandes fenômenos editoriais japoneses. Estas disputas
ocorrem em vários níveis, desde a produção (estúdios, autoria, formato gerencial, publicidade,
etc.) todo o “chão” de produção e distribuição deste ramo da indústria cultural, o “suporte” do
quadrinho (capa, páginas tamanho e qualidade do papel, impressão, etc.), em termos de
roteiros e temas (arcos, personagens protagonistas e antagonistas, recorte temporal e
geográfico, discussão social, autoria, sequências, etc.) e tratamento gráfico (desenho, arte
final, cor, balões, etc.). Este momento marca também, uma consolidação do formato “mangá”
como forma dominante no mercado editorial nacional. Neste processo, há uma “hibridização”
entre comics e gibis, sendo que para os primeiros, como forma de garantir sua inserção em um
mercado mais amplo, acabam por se aproximar especialmente de roteiros e temas dos comics,
assim como estes também sofrerão uma série de influências do primeiro. Este movimento será
condicionado tanto pelo mercado editorial quanto pela demanda que cria-se no país,
fortalecido através do consumo “totalizante” que a indústria cultural de gestão japonesa
inaugura nos anos 1980: o mangá associado ao anime (sua versão animada), videogames,
bonecos colecionáveis, brinquedos, fantasias (cosplay), memorabília, trilha sonora (as bandas
de j-rock e j-pop), etc. que inauguram e afirmam uma “sub-cultura” urbana, um grupo social
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Este trabalho é fruto de inquietações e reflexões acerca das possíveis relações que a História
pode ter com a Literatura, na medida em que há décadas os debates têm se desenvolvido em
prol da delimitação de fronteiras entre o discurso historiográfico e os textos literários e,
também, do estabelecimento da literatura como fonte para o desenvolvimento de pesquisas
históricas. Pretendemos, aqui, avaliar a Literatura de Testemunho, através da obra literária Em
Busca do Tesouro (1982), de Alex Polari, que consideramos essenciais para dar ênfase aos
novos temas e abordagens que vêm ganhando espaço com o crescente número de trabalhos
dedicados a estudar este período da ditadura civil-militar brasileira. Sendo assim, o objetivo
deste estudo concentra-se em analisar as representações sociais, políticas e culturais
construídas pelos autores testemunha, sobre as “esquerdas” brasileiras e o panorama
guerrilheiro que se formou no pós 1968. Este artigo pretende debater e apresentar as
características do que chamamos Literatura de Testemunho. Gênero institucionalizado na
América Latina a partir de 1959 com a revolução cubana, e que traz em seu bojo um forte
apelo político e revolucionário, não obstante contenha elementos narrativos, estilísticos e
estéticos qualitativamente identificados. Esta literatura, além de se configurar como
importante fonte histórica para historiadores oferece-nos elementos para entender as
representações individuais e coletivas, que surgem da relação dos narradores com o trauma e
a experiência catastrófica. Sobreviver a esta experiência significa poder depor a respeito dela,
produzindo uma política da memória que não tenha no esquecimento seu principal sintoma
social. Não podemos nos equivocar e pensar o testemunho como gênero auto-biográfico ou
como historiografia, mas sim, refletir sobre seu peso simbólico, de caráter coletivo e
identitário, que nos impulsionam a pensar até que ponto o “real”, a imaginação e os conceitos
se distinguem. O testemunho, a memória e a autocrítica dessa jovem dissidência cheia de
fôlego, mas mal preparada para enfrentar todo o aparato político-militar que a esperava, dão-
nos um panorama privilegiado de toda organização guerrilheira entre o final de 1960 e o
começo de 1970. A função monumental dos testemunhos que nos falam, faz com que a
realidade e a criação artística se misturem para nos dar a versão de quem viveu os regimes
autoritários da América Latina. Dão-nos a chance de assimilar seus discursos e suas narrativas
com os modos de vida de uma geração, seus costumes e seus problemas sociais, que agem de
forma inerente a um contexto e a um processo histórico. O primeiro contato de Alex Polari
com as ideias de esquerda no colégio Dom Pedro II, localizado na nobre zona sul carioca, as
pichações, as passeatas, as manifestações, as paixões da juventude e a indignação política
típica da juventude mais engajada dos setores médios da sociedade brasileira nos anos 60. O
ingresso na clandestinidade após colaborar com ações de grupos guerrilheiros, a vida de
procurado pela ditadura, dos “aparelhos”, do convívio com a morte que em muitas vezes o
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visitou com a perda de companheiros na luta armada. A tortura física e psicológica de quem
passou quase dez anos preso. E o momento da rememoração, o momento da criação, o
momento de testemunhar um processo político e social ao qual, com seus trinta anos de
idade, o autor lembra, e escreve em detalhes sobre sua participação como sujeito histórico dos
eventos narrados. Geralmente as memórias dos militantes de esquerda que lutaram durante a
guerrilha urbana têm uma carga emocional, pessoal e crítica muito pesada. Fazer a autocrítica,
justificar e explicar ações, avaliar os procedimentos individuais e coletivos adotados pelas
organizações são parte constituinte do discurso da testemunha, mas devemos entender que o
processo político que se desenvolveu no Brasil é único e particular de uma determinada
conjuntura. As organizações guerrilheiras tem que ser entendidas dentro do quadro social a
que elas pertenciam e pretendiam modificar. E para entendê-las é fundamental conhecer as
pessoas que as constituíam, ou seja, as testemunhas.
Cornélio Pires dedicou grande parte da sua vida à pesquisa e divulgação da cultura caipira
paulista. Caracterizado por sua preocupação “romântica” em torno da figura do caipira, o
escritor e folclorista Cornélio Pires foi o grande responsável pela difusão da riqueza dessa
cultura, valorizando sua diversidade e seus sotaques tão característicos.
Suas realizações se expressaram nas mais diversas produções artísticas, mas foi no universo
musical que Cornélio Pires se destacou, tornando-se o primeiro a se “arriscar” na veiculação do
gênero musical caipira na ainda incipiente indústria do rádio e do disco. Por esse feito,
Cornélio Pires ganhou, ao longo do tempo, vários títulos honrosos, esses que atribuem à sua
figura o caráter de “pioneiro”, “bandeirante da música caipira”.Em 1929, por iniciativa do
próprio Cornélio Pires, nasceu a Turma Caipira de Cornélio Pires, composta por artistas
anônimos do interior paulista, reunidos seletivamente pelo folclorista. Nessa primeira fase, a
formação compreendia: Ferrinho, Sebastião Ortiz, Rubens da Silva (o Caçula), Arlindo Santana,
Mariano da Silva, Cornélio Pires e Zico Dias. Mais tarde, muitos destes artistas formariam
duplas de sucesso com gravações em rádios e discos, como é o caso de Zico Dias e Ferrinho e
Mariano e Caçula. Nesse caso, a Turma Caipira de Cornélio Pires foram os protagonistas desse
enredo, já que foram eles que gravaram, junto com seu idealizador, as primeiras músicas
caipiras em disco. O ineditismo desse fato é curioso, muito citado e vangloriado, mas pouco
pesquisado. Enquanto que na literatura regionalista muito já se tem discutido e publicado
sobre os vários e diversos “tipos” de caipiras propostos pelo escritor209 e seu distanciamento
estilístico e - por que não dizer - ideológico do autor de Jeca Tatu, Monteiro Lobato, suas
primeiras produções musicais com a Turma caipira do Cornélio Pires parecem escapar da
209
Essa iniciativa pautou-se na necessidade que o escritor via em orientar seus leitores sobre a diversidade de
caipiras que eram tratados por ele em suas poesias, “causos” e anedotas. Em sua obra Conversas de pé em fogo,
Cornélio Pires apontou a existência de quatro “tipos” de caipira, sendo esses marcados por suas características
psicológicas, seus perfis raciais e suas experiências culturais: o branco, caboclo, preto e mulato. Outro elemento,
não citado entre os demais, mais trabalhado em algumas passagens pelo escritor nessa mesma obra se expressava
enquanto o caipira da cidade, sujeitos que se mostravam mais envolvidos e atraídos aos valores e hábitos da vida
moderna, ou seja, mais propensos a experimentar a cidade.
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análise acadêmica e artística. Tendo em vista esses aspectos, esse trabalho busca analisar as
principais características das primeiras gravações efetuadas por Cornélio Pires, atentando-se
para os traços estilísticos do personagem retratado – o caipira, sua relação com o contexto
sociocultural da época e a posterior e consequente abertura do rádio para as gravações
regionais. A iniciativa de Cornélio em subsidiar custos para gravações desse tipo específico de
produção artística pode ser pensada de acordo com aquilo que o rádio e o disco não ofereciam
ao público do interior que tinha migrado para as cidades, encontrando nesse grupo social a
audiência certa para o sucesso que obteve e, ao mesmo tempo, contrariando as previsões
“mercadológicas” dos próprios membros das gravadoras daquele momento210.No processo de
audição desse material, é possível perceber o “tipo” caipira eleito para o universo fonográfico.
A tipificação mais trabalhada nessas primeiras gravações inclina-se para a estilização de um
caipira da cidade, sujeito proveniente do interior paulista que chega a capital e é atormentado
pelo burburinho da grande São Paulo. Embora esses traços ainda estivessem imbuídos de certo
sentimento bucólico e saudosista em relação ao campo e dos tempos idos, o contato do
caipira com a metrópole é realizado por meio do traquejo do personagem, sendo esse
perpassado por traços de curiosidade, ingenuidade, sagacidade e criticidade.Rebatidas de um
caipira, gravada 1929, evidencia esses aspectos. Ainda na introdução da anedota, Cornélio
Pires adverte ao seu ouvinte: “Quem se mete a debochar de um caipira, quase sempre sai
perdendo. Pois ele, com aquele seu jeitão de bobo, é fino como ele só e traz sempre a resposta
pronta na ponta da língua”211. E a gravação segue. Seu conteúdo expressa uma seleção de
causos que relatam divertidas experiências mal sucedidas de sujeitos que ousaram testar a
esperteza do caipira.
Em meio a uma discografia relativamente vasta, esse trabalho priorizou àquelas
referentes à primeira prensagem, datadas de maio de 1929, momento inaugural da música
caipira na cena fonográfica. Tal critério pode ser justificado pela necessidade de estabelecer os
principais elementos articulados por Cornélio Pires para a promoção e veiculação do gênero
caipira. Como podemos perceber adiante, inicialmente, a série caipira Cornélio Pires,
personalizada sobre o característico selo vermelho, voltava-se, em sua maioria, mais para o
humorismo anedotário do que propriamente para a música caipira.
Título da gravação Tipo de produção Autor/artistas
Anedotas norte-americanas / Anedotas Cornélio Pires
Entre italiano e alemão
Rebatidas de caipira / Astúcia Anedotas Cornélio Pires
de negro velho
Simplicidade / Numa escola Anedotas Cornélio Pires
sertaneja
Coisas de caipira / Batizado Anedotas Cornélio Pires
do sapinho
Desafio entre caipiras / Número musical Turma Caipira de Cornélio
Verdadeiro samba paulista Pires
Anedotas cariocas Anedotas Cornélio Pires
Danças regionais paulistas Número musical Turma caipira de Cornélio
[cana-verde e cururu] Pires
210
DUARTE, Geni Rosa. Múltiplas vozes no ar: o rádio em São Pulo nos anos 30 e 40. (Doutorado em História). São
Paulo, PUC, 2000.
211
In: Série Caipira Cornélio Pires. Gravadora Columbia, maio de 1929. 78 rotações. Digitalizado.
A Escrita da História, Universidade Estadual de Londrina
12 a 15 de Outubro de 2012
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REFERÊNCIAS
DUARTE, Geni Rosa. Múltiplas vozes no ar: o rádio em São Pulo nos anos 30 e 40. (Doutorado
em História). São Paulo, PUC, 2000.
LOPES, Israel. Turma Caipira Cornélio Pires: os pioneiros da “Moda de Viola” em 1929. 1999
MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico.
Revista Brasileira de História. v. 20, n.39. São Paulo, 2000.
Série Caipira Cornélio Pires. Gravadora Columbia, maio de 1929. 78 rotações. Digitalizado.
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
212
Idem.
213
MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira
de História. v. 20, n.39. São Paulo, 2000, p. 214.
214
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 29.
215
Idem.
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Este trabalho tem por objetivo relatar uma das experiências curriculares vivenciadas pelos
acadêmicos do quarto ano do curso de Licenciatura em História, da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG). O referido curso possui uma disciplina denominada Oficina de História V,
que estabelece como atividade principal a elaboração e aplicação de material didático à
comunidade escolar, mais especificamente, ao Ensino Médio. No ano de 2011, os ministrantes
da disciplina lançaram o desafio aos acadêmicos de confeccionarem um material didático que
utilizasse a música como fonte histórica. Esta determinada fonte não poderia ser utilizada
aleatoriamente, ou seja, precisaria estar vinculada a algum tema presente no conteúdo
programático deste nível de ensino. Nesse texto consta a experiência de desenvolvimento do
trabalho proposto, que englobou um tema relacionado a história recente do Brasil, abordando
a década de 1980 e o processo de redemocratização vivenciado pela sociedade. Para tanto,
foram utilizadas as canções do BROCK, isto é, do rock nacional brasileiro, que surgiu no
período anteriormente citado como um novo movimento musical, e que “denunciava” em suas
letras a situação política, econômica e social do país.O uso de fontes e/ou documentos
históricos nas salas de aula de História tem provocado muitas mudanças na relação ensino-
aprendizagem. Tais documentos podem constituir materiais mais atrativos e estimulantes e a
opção de utilizá-los se dá, justamente, para favorecer a aprendizagem de maneira mais
inteligível. Para que isso ocorra é necessário extremo cuidado do professor na seleção das
fontes para que não provoquem mais dificuldade de interpretação do que curiosidade.A Nova
História Cultural considera grande variedade de elementos como “marcas do passado”. De tal
modo, é muito importante despertar a sensibilidade nos alunos em relação ao que deve ser
considerado um registro das gerações anteriores. Nesse sentido, é necessário que eles
percebam que tais vestígios encontram-se por toda parte e nas mais variadas formas: em
livros, revistas, quadros, músicas, filmes e fotografias (BITTENCOURT, 2011, p. 331).
Assim, esse trabalho utilizou como base o documento musical, que se constitui um objeto de
pesquisa de fácil acesso e pode tornar-se um instrumento didático precioso na constituição do
conhecimento histórico escolar. Porém, seu desenvolvimento não é tão simples, pois existem
procedimentos metodológicos que orientam sua abordagem tornando-a mais produtiva e
instigante. É fundamental que a letra da canção, ou seja, o texto esteja articulado ao contexto
social em que foi produzida. Outro elemento que deve ser analisado conjuntamente é o ritmo
e a sonoridade da melodia. Também existe a possibilidade de se pesquisar sobre a associação
que a música promove entre diversos componentes e diferentes sujeitos, a saber: autor,
intérprete, músicos, gravadores, produtores e técnicos, além de consumidores (BITTENCOURT,
2011, p. 381), afinal, ela é produzida a partir de algum interesse e para algum público
específico. Dessa forma, a escolha do tema, ou conteúdo didático, a ser desenvolvido na aula
de História no qual se relata esta experiência, refere-se aos anos da década de 1980. Nesse
período, o Brasil se viu envolvido em uma de suas maiores crises políticas, culminando com a
queda do Regime Militar. Durante a redemocratização a nação também se envolveu em um
grande endividamento com altas taxas de inflação e estagnação econômica. No entanto, se o
quadro era de incertezas e crises nos campos social, político e econômico, o mesmo não se
pode dizer da área cultural, pelo menos na música. O crescimento e a concretização de um
mercado para a juventude fez do rock um dos principais meios de expressão e análise em
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relação a situação pela qual passava o país.Sob a influência do punk e new wave norte-
americano diversas bandas formaram uma nova geração de cantores e compositores que
criaram um movimento musical diferente, denominado BROCK, isto é, rock nacional brasileiro.
Diante de todos os acontecimentos as representações formuladas pela população não
inspiravam otimismo, assim a maioria dos grupos mantinha a mesma tendência crítica e
inovadora, onde palavras raivosas eram ditas numa voracidade crua sem filosofias ou
compromissos, sendo tais canções chamadas de músicas desabafo. A partir da seleção de
algumas canções foi produzido um encarte pedagógico que se assemelha a um capítulo de
livro didático. Este material foi aplicado sob a modalidade de mini-curso em uma sala de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em uma escola da rede pública do município de Ponta
Grossa/PR. Além do texto impresso foi de fundamental importância a utilização de recursos
audiovisuais como a projeção de videoclipes que demonstravam perfeitamente o estereótipo
do “jovem roqueiro” com suas roupas, cortes de cabelo e postura.Com o encerramento do
trabalho de aplicação e análise dos dados os resultados obtidos foram bastante positivos,
perceptíveis na avaliação escrita, na contribuição dos alunos ao debate e com a empolgação
dos mesmos em aprender história de maneira diferenciada.O Brasil é um dos poucos países
em que a sociedade pode conhecer muito da sua história através da canção popular, sendo
plenamente justificável a utilização do documento musical nas salas de aula de História,
revelando um grande potencial para aprendizado.
REFERÊNCIAS
NAPOLITANO, Marcos. História & música: história cultural da música popular. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
1ª opção: ST 19 – A escrita da história na diversidade de linguagens e fontes: música,
literatura, cinema, teatro.
Mariana Franco Lopes – Mestranda – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
– Orientador: Flavio Limoncic
(não só pelo cinema hollywoodiano, mas também por filmes independentes), buscando
apreender as diferentes representações em torno dos mesmos, a fim de compreender
aspectos do imaginário norte-americano e, claro, de uma determinada memória coletiva, já
que o cinema também atua “formando” ou “reorganizando” memórias.
Mais de sessenta anos após o início do reaquecimento das perseguições aos membros do
Partido Comunista dos Estados Unidos e mais de duas décadas depois da derrocada da União
Soviética, a real influência dos comunistas e seus simpatizantes dentro de algumas esferas da
sociedade norte-americana continua a ser debatida vigorosamente. Nos últimos vinte anos,
biografias dos “Dez de Hollywood”, estudos revisionistas, roteiros publicados com seus
créditos reeditados, o Oscar honorário entregue a Elia Kazan em 1999 e uma série de novos
documentários foram responsáveis por renovar e remodelar velhos argumentos e
considerações sobre o assunto. Enquanto julgamentos ideológicos continuarão sempre
subjetivos, o valor quantitativo de novos documentos trazidos à tona para o debate
historiográfico sugere que não se pode reduzir a questão do macarthismo a partir da hipótese
um tanto simplista que argumenta se os comunistas norte-americanos espiavam ou não em
favor da União Soviética. Embora algumas pesquisas dêem conta, ao analisar os arquivos da
KGB, de afirmar que houve de fato uma colaboração entre alguns membros do Partido
Comunista dos Estados Unidos (CPUSA) e a URSS216, estes mesmos estudos provam que o
medo a um complô comunista engendrado de dentro dos Estados Unidos – e que funcionou
como matéria base para as acusações do senador Joseph McCarthy – foi na grande maioria dos
infundado. Em nossa comunicação abordaremos alguns documentários que tentam olhar
para o macarthismo a partir dos depoimentos de ex-membros do partido vítimas da “caça às
bruxas”, produções que representaram, por seu turno, uma tentativa de membros sociedade
norte-americana de debater as influências e reverberações do macarthismo na vida destes
cidadãos “comuns”. Realizados a partir dos anos 1980, os documentários Seeing Red de Jim
Klein e Julia Reicherd, de 1983; Red Hollywood, de Thom Andersen, 1996; Tender Comrades, de
Paul Buhle e Patrick McGilligan, de 1997 e Scandalize My Name: stories from the blacklist, de
Alexandra Isles, 1998, vieram contribuir para as pesquisas, monografias e livros desta parte da
história dos Estados Unidos descrita por alguns como “a mais perpetuada e longa onda de
repressão política na história americana”217. A utilização pelas mãos dos historiadores dos
documentários a respeito do tema parecem exercer, à primeira vista, uma via de mão dupla:
tomando empréstimo dos conceitos propostos pelo historiador francês Marc Ferro, as obras
fílmicas podem nos permitir realizar tanto a leitura histórica do filme, tentando tecer chaves
de interpretação para o financiamento, realização e divulgação desses documentários no final
do século XX e para o que motivou estes homens e mulheres a falar – muitos deles pela
primeira vez – sobre um tema tão delicado; quanto tentar perceber a leitura cinematográfica
da história218 que estas mesmas obras por sua vez realizaram, na medida em que produziram
216
WEINSTEIN, Allen; VASSILIEV, Alexander. The Haunted Wood: Soviet Espionage in America – the Stalin Era. New
York: Random House, 1999.
217
SCHRECKER, Ellen. Many are the crimes. Princeton: Princeton University Press, 1998. p.7.
218
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.86.
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um discurso determinado do passado ao fazer com que seus entrevistados recordassem sua
participação dentro do Partido ou sua investigação de pertencimento pelas agências
responsáveis. O valor de testemunho das obras referidas deixa de ser, dessa forma, apenas
aquele que pode se encerrar dentro das entrevistas contidas em cada produção. Seu valor
testemunhal acaba assim também residindo na tentativa de revisitar esta história a partir de
agentes que por muitos anos viram suas vozes caladas por não terem a notoriedade
“necessária” para divulgarem suas mensagens através de memórias e biografias, como ocorreu
com parte dos chamados “Dez de Hollywood”219. Em última instância, as produções
cinematográficas – sejam elas documentários, cinejornais ou longa-metragens – parecem
instigar o próprio historiador, como salientou Michele Lagny, a pensar sobre a historicidade da
própria disciplina, “através da reflexão que eles impõe sobre as modalidades de narrativas,
assim como o propósito da questão do tempo, tanto quanto o propósito da relação entre
realidade e representação, verdade e ficção na história”220. Assim, ao realizar durante nossa
apresentação uma breve crítica interna e externa dos documentários selecionados, queremos
contribuir para a discussão de como este exemplo, dos documentários sobre os ex-comunistas
norte-americanos pode, ao mesmo tempo, cooperar para as discussões de um arcabouço
metodológico das relações entre Cinema-História, discutir o lugar que assumem hoje os, por
vezes auto-intitulados, filmes históricos e o que sua utilização pelas mais diversas audiências
nos ensina sobre o fazer historiográfico.
Priscila Miraz de Freitas Grecco – Doutoranda pela UNESP – Assis; bolsista CAPES. E-mail para
contato: priscilamiraz@yahoo.com.br
222 ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p 293.
223 VALIM, A. B. Imagens Vigiadas: Cinema e Guerra Fria no Brasil, 1945 – 1954. Maringá: Eduem, 2010, p.
56.
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Procuro nesta pesquisa, utilizar a obra Ensaio sobre a cegueira do autor ganhador do prêmio
Nobel de literatura José Saramago, como objeto e fonte de estudo, para analisar a sociedade
contemporânea da última década do século XX. A história e a literatura têm muitas
intersecções e em alguns momentos existe até mesmo a discussão entre quais seriam as
fronteiras desses dois. Na historiografia temos vários autores estrangeiros e nacionais que
utilizaram obras literárias como fontes e objetos de estudos para analisar diversas
temporalidades e suas respectivas sociedades. Os estudos do tempo presente representam um
dos campos de disputa na historiografia moderna, pois existem várias restrições e questões
sobre a parcialidade destes e também a interferência que estes estudos fazem em outras áreas
do conhecimento. Defendendo a utilização da história do tempo presente, da literatura,
geografia e a antropologia, buscando sempre a finalidade de uma maior compreensão dos
acontecimentos das reflexões sobre o tempo. Afinal este diálogo maior com outras áreas, pode
nos fornecer outros instrumentos para a análise dos estudos de história.
Scheyla Tizatto dos Santos, mestranda no programa de Pós Graduação em História – UDESC,
sob a orientação da professora Dra Márcia Ramos de Oliveira.
Ramalhetes, coleções e albuns das mais modernas quadrilhas, polcas, lundus, modinhas,
etc: algumas reflexões sobre história, música e cultura política no Rio de Janeiro na segunda
metade do século XIX
224
Ver, MORAES, José. Música e História: Canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História.
São Paulo, vol 10, nº 29, p.203-221. 2000.
225
Paisagem sonora designa todo e qualquer ambiente acústico, qualquer que seja a sua natureza. A paisagem
sonora está sujeita às inúmeras transformações que atingem o meio ambiente, tendendo a ser cada vez mais
barulhenta (SCHAFER,1991. p. 90)
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pouco privilegiado pelos historiadores e utilizando um corpus documental pouco usual. Ele é
também a tentativa de indicar uma das maneiras possíveis de conceber as relações que os
materiais impressos têm com a história. Para tanto, nossa análise se desenvolverá em torno de
algumas das estratégias utilizadas pelos editores de partituras musicais do Rio de Janeiro da
segunda metade do século XIX visando atingir seu público consumidor. Simultaneamente
procuraremos mostrar como algumas destas estratégias não apenas levavam em conta os
lucros que poderiam ser auferidos do negócio da impressão musical, mas também a
possibilidade que elas descortinavam de travar diálogos políticos com questões prementes do
seu tempo, por meios não literários.
Graffic novel, uma forma de expressão moderna – a relação com a literatura, o inconformismo
e a inquietação no Romance Gráfico Gemma Bovery de Posy Simmonds
Um extenso caminho nos separa da época em que as imagens eram vistas como meras
ilustrações. Os materiais que se utilizam do elemento visual vem ganhando dentro da
historiografia cada vez mais espaço e suscitando importantes debates metodológicos. Os
documentos visuais utilizados por muito tempo de maneira secundária ganharam
gradualmente espaço e hoje já não há mais dúvidas de suas contribuições para o
enriquecimento do conhecimento histórico. Mas não são apenas as praticas historiográficas
que se alteram. Em meados do século XX, novas práticas e produtos culturais também
modificam as formas de expressão, as relações com as novas tecnologias e as maneiras de se
representar das sociedades ocidentais. Com o surgimento no século XX das chamadas
“culturas de massa”, novas formas de expressão como o cinema, a fotografia e as histórias em
quadrinhos provocaram uma renovação no que se entendia até então como arte. Acalorados
debates envolvendo o que se inseria no conceito de arte e a classificação dessas novas
maneiras de se expressar fizeram com que os valores estéticos válidos até então fossem
repensados e ampliados. A “cultura de massa” decorre das facilidades de reprodução
consequentes do desenvolvimento das técnicas do inicio do século XX, desenvolvimento que
resultou no fabrico de produtos em série, que derivou numa crescente comercialização dos
produtos destinados ao lazer e ao entretenimento. Os quadrinhos assim como o cinema
encontram-se profundamente ligados a esse contexto, estando inclusive para alguns autores
sua origem ligada a maior reprodução e disseminação como produto da comunicação de
massa, “ao aperfeiçoamento das técnicas de impressão e ao estabelecimento da sociedade
burguesa.” (SRBEK, 2005, p.12) Manifestações narrativas visuais anteriores ao
desenvolvimento da imprensa não estariam diretamente ligadas ao surgimento das HQ que
pertenceriam as formas de arte classificadas por Walter Benjamin (1995) como da “era da
reprodutividade técnica”. Teriam se desenvolvido para alcançar seu público, afirmando-se
como um produto da modernidade, assim como, o cinema e a fotografia. A despeito da origem
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das histórias em quadrinhos estar ou não ligada a este contexto, o maior desenvolvimento das
técnicas de reprodução permitiu que estas se tornassem uma manifestação cultural capaz de
atingir uma grande quantidade de receptores, porém, também lhe rendeu muitos
preconceitos. Segundo Dominic Strinati (1999) alguns autores defendem que produtos
culturais como os confeccionados de forma serial como estes não poderiam ser taxados de
“arte”, já que não possuem uma “aura” de autenticidade, influenciados por fatores
econômicos seriam apenas produtos a ser consumidos. Durante um longo tempo os
quadrinhos foram vistos por muitos como uma arte de massas, considerada vulgar, fruto de
interesses comerciais ou parte do universo de consumo infanto juvenil. O reconhecimento das
histórias em quadrinhos como um produto artístico só ocorreu muitos anos após seu
surgimento, essa “demora” se deve, dentre outros fatores, a sua trajetória e desenvolvimento.
Após décadas vistos negativamente, relegados a marginalidade do produto massivo para
criança ou considerados como subliteratura de consumo, os quadrinhos atingem uma
maturidade e tem salto qualitativo que derruba antigos preconceitos e permitem com que
alcancem um reconhecimento como uma forma de arte. É um fenômeno que se dá a partir da
década de 1970, quando através da incorporação de novas temáticas, objetos e técnicas aos
quadrinhos surge um novo gênero destinado ao público adulto. Um quadrinho adulto
contemporâneo que é em grande medida uma consequência dos materiais produzidos até
então, porém, apresenta características próprias tão distintas que se torna necessário um novo
termo para designá-los, cunha-se então o termo Graphic Novel (Romance Gráfico). Trata-se de
um material singular e diferenciado, que traz uma linguagem mais sofisticada, amplia os temas
abordados tratando de assuntos polêmicos e atuais, modifica as formatações e utiliza novos
recursos como à computação gráfica em sua produção e conteúdo. Mais que um novo
formato, um movimento estético no qual os desenhos alcançam um maior requinte técnico e
assumem cada vez mais um caráter pessoal, na busca de seus autores pela experimentação e
originalidade. Na descrição do acervo da Biblioteca Municipal do Seixal, encontramos a
seguinte definição de Romance Gráfico: é um livro que conta uma história, relativamente
extensa, com suporte em arte visual sequencial [...] O termo Romance Gráfico (Graphic Novel)
reporta-se a uma obra totalmente ilustrada, em que a imagem e texto estão presentes na
narrativa com idêntico peso e um relativo equilíbrio. Will Eisner (apud PATATI, 2006, p.89) um
dos precursores do gênero e especificou que se tratava de algo mais que um gibi bem
impresso, tratava-se de trabalhar textos e desenhos na direção de uma expressividade mais
assumidamente pessoal. A busca por uma expressividade pessoal e pela a liberdade do autor
são algumas das principais intenções do movimento, que surge a partir de uma busca por se
desvencilhar-se da autorregulamentação dos quadrinhos tradicionais, das imposições
comerciais e pela busca de uma expressividade extremamente pessoal. Para os autores do
gênero o romance gráfico representaria antes de tudo, uma consciência da liberdade do autor,
um movimento que funda uma nova tradição, nem melhor, nem pior que as outras: diferente.
Dessa forma, o romancista gráfico poderia recorrer a referências anteriores, conscientemente
ou não, assim como poderia renunciar totalmente a estilos anteriores e criar coisas totalmente
novas, e essa liberdade perpassaria por outros elementos da obra, como forma, tamanho,
temática e estilo, dentre outros. Com os romances gráficos surge uma forma artística nova,
baseada em valores literários e artísticos próprios. Rompe-se com a ideia de que o quadrinho é
uma arte de massa considerada vulgar que estava essencialmente a serviço de interesses
comerciais e parte de um universo de consumo infantil e juvenil.
As obras da autora inglesa Rosemary Elizabeth Simmonds (Posy Simmonds) são
representativas de algumas das principais características dos romances gráficos como a
experimentação de literatura com arte sequencial, a alta qualidade artística e a preocupação
com temas e questões atuais. Para essa comunicação focaremos na graphic novel da autora
Gemma Bovery, livro no qual está presente uma característica comum a algumas obras de
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Simmonds: a proximidade com a literatura. Nesse caso não apenas no formato, mas também
ao conteúdo. Para compor Gemma Bovery a autora inspira-se no clássico Madame Bovary de
Gustave Flaubert publicado em 1857. A obra de Flaubert foi inovadora, marco do realismo
francês. Sua recepção foi polêmica, pois através de sua Madame Bovary o autor levou aos
puritanos e arcaicos meios nobres da sociedade francesa a discussão sobre o adultério
feminino e uma crítica ácida aos costumes do clero e da burguesia da época e instigou
acaloradas discussões sobre o comportamento feminino. Posy apropria-se dos mesmos tópicos
levantados por Flaubert para gerar a discussão sobre o adultério, a tentação e o tédio da
burguesia moderna, constrói uma versão moderna e em grande parte visual do clássico
francês, produzindo uma divertida e satírica crítica à juventude urbana de classe média
londrina. Mais se os fatos gerais remetem a Flaubert, os detalhes são autônomos. Gemma
Bovery, a protagonista de Simmonds é uma mulher com costumes e aspirações
contemporâneas. Em sua obra as relações sociais e morais apresentadas são outras, não é o
aspecto moral que está em questão aqui, nem o confronto com as regras da sociedade, a
autora parte do romance de Flaubert para construir uma história atual, utilizando-a para falar
de inquietações que perduram até os dias atuais. Assim, o tédio, o inconformismo, a frustração
e a insatisfação transcendem os séculos e a mesma postura reaparece: uma luta contra a
mesmice. Gemma Bovery é uma urbana mulher inglesa de classe média. Sua trajetória corre
paralela a de Emma Bovary: entediada com a mediocridade de sua vida e do mundo que a
cerca numa pequena cidade francesa, envolve-se num relacionamento adúltero que culmina
com a sua morte. Através desses elementos apropriados do clássico francês, Posy faz uma
representação da sociedade inglesa contemporânea e suas indagações. Simmonds utiliza-se
amplamente do elemento visual e do humor para contar sua versão da história de Flaubert, os
personagens, a ambientação e todos os elementos da trama são desenhados com riqueza de
detalhes. A versão de Simmonds se converte num interessante material de análise se levarmos
em consideração o fato de que “Albert Manguel, ao citar Flaubert, assinala que esse escritor
recusava-se a introduzir imagens no texto, pois acreditava que elas iriam limitar a leitura de
sua obra e impedir a livre imaginação suscitada pela trama, bem como a livre idealização dos
personagens.” (PESAVENTO, 2008, p.120) Para Flaubert a imagem seria, portanto, de certa
forma redutora, limitadora da imaginação do leitor. O trabalho de Simmonds é ousado e em
conformidade com as representações de uma sociedade saturada de imagens. Posy faz
escolhas do que se apropriar na obra de Flaubert, deixa isso explicito e torna parte do jogo
intertextual. A autora produz um material interessante, parte de uma obra clássica, a reduz a
seus contornos gerais e preenche com novos elementos, mais próximos da experiência
contemporânea. Fortalece a ideia de que um clássico é sempre legível de novo de um novo
modo, e de que existem estruturas ou ideias que podem ser repetidas e contadas através um
produto cultural que faça uso de outros elementos e de outra linguagem. Consideraremos a
relação com a literatura, o inconformismo e a inquietação na principal obra de Posy Simmonds
além dos elementos estéticos e narrativos que compõem a graphic novel. Olhar não apenas
para o conteúdo, mas também para os elementos que integram a obra é importante, pois, a
composição de um quadrinho é comparável ao planejamento de um mural, de um quadro ou
de uma cena teatral. As HQ possuem uma linguagem especifica e cada elemento aplicado tem
sua função dentro da estética do meio e da narrativa. Posy Simmonds explora essa linguagem
com qualidade técnica, experimenta com o formato de publicação em uma página diária de
uma história longa e completa, discute valores contemporâneos tratando as problemáticas das
jovens mulheres inglesas através de uma sátira maliciosa e sutil e com uma notável qualidade
em seus desenhos.
O Romance Gráfico é um quadrinho adulto contemporâneo, cujas suas primeiras obras
importantes surgem no fim da década de 70, é em parte uma continuação e uma
consequência dessas outras tradições anteriores, mas também é fruto de um fenômeno que se
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deu nos últimos trinta anos de conscientização do quadrinho como forma artística adulta.
Ainda que os primeiros passos nesse sentido tenham sido dados nas décadas de 1960 e 70,
durante o período atual tem ocorrido uma série de circunstâncias (como a crise do quadrinho
comercial e juvenil tradicional) que colaboraram para uma nova visão desse material, além da
maturidade de autores que permitiram que os quadrinhos alcançassem um significativo salto
qualitativo. As discussões sobre em que meio se inseriam as histórias e quadrinhos foram
extensas, e até hoje não se encerraram, sendo bastante comum encontrarmos trabalhos que
enquadram os quadrinhos como literatura. “São a literatura do século XX ou um novo tipo de
literatura (popular) – a literatura gráfico-visual, que substituiu a outra, já gasta e corrompida
pelo uso.” (CIRNE, 1974, p.16) Entretanto, enquadrar as histórias em quadrinhos em alguma
categoria já existente (seja arte ou literatura), se torna bastante complicado para os
quadrinhos, pois acarretaria num julgamento nos termos e critérios próprios de cada
instituição em lugar de critérios específicos para o gênero. Para Ramírez (2010) a natureza do
meio também foi responsável por algumas dessas dificuldades, pois desde o inicio, os
quadrinhos não se inserem facilmente na “instituição arte” nem na literatura. Ressalta que o
meio necessita uma um tipo de fruição diferente da arte – não basta apenas contemplar, é
necessário assimilar o que está nos quadrinhos, dedicar um tempo de leitura. Também não se
insere facilmente como literatura, uma vez que, “o comic se lê, sim, porém, é uma experiência
de leitura completamente distinta da experiência de leitura da literatura.” (GARCIA, 2010,
p.26) Torna-se necessário, e isso já vem acontecendo em grande medida, a consciência das
histórias em quadrinho como um gênero distinto dotados de uma expressividade e linguagem
próprias. A busca de um novo modelo de analise próprio para o quadrinho seria no momento
um dos projetos mais importantes para os estudiosos da área, um modelo capaz de explicar a
relação do quadrinho com a arte e a literatura “não em termos comparativos, mas em termos
alternativos” (GARCIA, 2010, p.28) Um modelo de analise que não analise os signos narrativos
próprios das HQ separadamente se faz necessário, já que, os meios “mesclados” como os
quadrinhos, exigem uma atenção a aspectos da relação entre imagens e palavras, e não
simplesmente o valor de um ou de outro separadamente. (MITCHELL, 2009, apud GARCIA,
2010, p.28) Entender os quadrinhos como um material autônomo não é uma tarefa simples, já
que desde o inicio do gênero podemos notar um grande intercâmbio entre meios, o uso da
linguagem cinematográfica é corrente, presente nos mais diversos aspectos da narrativa das
HQ, desde os roteiros a maneira como as cenas são desenhadas remetendo a enquadramentos
cinematográficos; é infinda a quantidades de obras que surgem inicialmente num meio e são
adaptadas a outro: quadrinhos que surgiram inicialmente como animações, animações
baseadas em personagens de quadrinhos, adaptações para o cinema e vice versa. A influência
se tornou cada vez mais recíproca na mistura entre HQ e outros meios, não são apenas os
quadrinhos que buscam inspiração em outras áreas, as outras manifestações artísticas usam as
HQ frequentemente como fonte de referência, isso já vem de longa data, já acontecia, por
exemplo, com o cinema de Fellini ou com a Pop Arte e que agora está cada vez mais intenso.
Mas mesmo considerando todas essas influencias e proximidades com outras áreas artísticas
ou literárias é necessário discutir os quadrinhos como um material diferenciado: - um gênero
com suas próprias convenções.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. In: Obras escolhidas:
Magia e técnica, arte e política. V.1. São Paulo: Brasiliense, 1995.
CIRNE, Moacy. A explosão criativa dos quadrinhos. Petrópolis: Editora Vozes, 4ª Ed., 1974.
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril, 1970.
PATATI, Carlos; BRAGA, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídia popular.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
Nos anos de 1940, nas casas dos habitantes do interior e meio urbano, da região central do
Paraná, eram comuns os quadros emoldurados de fotografias nas paredes, onde geralmente,
retratavam temas religiosos. Algumas fotos apresentavam imagens dos casais e seus
familiares, configurando um processo de sociabilidade local. Este trabalho busca analisar os
discursos visuais dos retratos em sua dimensão de perspectiva de pesquisa histórica. Detendo-
me a este estudo na recomposição social das famílias, focando as relações familiares no
contexto dos retratos das moradias, que reproduzem um lugar de memória, na construção de
uma identidade regional e refletindo sobre a circulação de ideias, conceitos, opiniões e
cenários que contribuíram para a formatação da sociedade local, a serem observadas nas
fotografias. A problemática central corresponde ao entendimento a partir da linguagem visual,
de como foram pensadas o cotidiano das famílias Alemãs e Ucranianas, entre 1940 a 1960,
através do foco de análise, o estudo dos retratos dos casais, sua produção, usos e sua
historicidade. Este cenário que se faz presente, para o referido tema, tem por base de reflexão
o universo do objeto social, utilizando a fotografia como fonte, servindo como meio de
representação familiar, onde o desenvolvimento deste trabalho tem sentido, na investigação
das fotos, sugerindo um período de intensificação deste trabalho de arte, caracterizando os
aspectos da memória visual na sociedade pesquisada. Nesta perspectiva de estudo, aborda-se
algumas perguntas referentes ao problema de pesquisa, que função social apresenta esta
fotografia. Qual a finalidade de sua utilização e de sua moldura? Estas fotos foram pintadas ou
retocadas, como eram produzidas? Em que medida esta cultura pode transformar ou explicitar
novos segmentos culturais? Para tal, temos como ênfase, a possibilidade do trabalho no
contexto da memória do cenário visual, buscando compreensão das transformações da
sociedade contemporânea regional, focando as relações sociais das famílias com o produto da
imagem, “retrato”, bem como refletir sobre o espaço visual enquanto forma de representação
familiar, a produção do artefato visual, as características de fabricação da mesma, sua
circulação enquanto objeto de comércio e suas propriedades mercadológicas, além de seu
poder ideológico, sua condição na sociedade, meios de compra, local e o cenário das
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O presente trabalho constitui parte integrante de uma pesquisa docente em andamento cuja
pretensão é de selecionar, catalogar e analisar a documentação referente a criação do
Conservatório Estadual de Canto Orfeônico do Paraná (1956-1966). Buscando compreender o
momento histórico de valorização da música no ambiente educacional, evidenciando os
períodos de divulgação do Projeto Nacional do Canto Orfeônico, defendido pelo Maestro
Heitor Villa-Lobos e sua efetivação oficial por legislação em 1931. Para Unglaub (2006) O canto
orfeônico foi uma atividade valorizada por ideologias ufanistas e nacionalistas que
mascaravam o caráter repressivo e autoritário dos regimes de governo. A partir daí, estudar a
implantação do canto orfeônico nas escolas brasileiras no Estado Novo, torna-se fundamental
para entender o porquê da instalação posterior, em 1956 de um conservatório de canto
orfeônico no Paraná.A origem do canto orfeônico remonta o século XIX na frança napoleônica
onde grupos vocais sem acompanhamento de instrumentos cantavam em igrejas. Sem
preocupação com estética musical ou técnicas apuradas. Batizado com este nome em
homenagem ao ser mitológico Orfeu que a todos encantava com sua lira, o canto orfeônico foi
trazido ao Brasil por Carlos Gomes que instituiu a modalidade a partir de 1910 e seu ensino
passou a ser obrigatório nas escolas brasileiras. Somente a partir de 1930, pelas mãos de Villa-
Lobos , com o apoio do governo de Getúlio Vargas, o Canto orfeônico ganhou método de
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ensino e passou a fazer parte dos programas de formação de professores. (Lemos Júnior,
2005).A pesquisa a respeito do Conservatório estadual de canto orfeônico do Paraná contribui
para o desenvolvimento do projeto Institucional do inventário do acervo histórico da FAP.
Entretanto, ele visa não apenas a identificação dos documentos de interesse, mas a busca de
sentidos latentes, uma ordenação histórica destes e um entendimento maior do papel que
aquela instituição teve no contexto do ensino de música no estado do Paraná no século XX.A
pesquisa sobre a história das Artes no Paraná é insipiente226. A maioria entre os poucos
trabalhos desenvolvidos neste campo são de tendências enciclopédicas, cronológicas ou
biográficas. Ainda são raros por aqui os estudos que abordam as instituições de ensino
voltadas para a preparação de artistas ou professores de Arte, principalmente na área da
Música. O conservatório estadual de canto orfeônico do Paraná cuja característica era formar
professores de música para atuar no ensino fundamental e médio do sistema educacional do
estado.No ano de 1956, numa parceria com alguns docentes da Academia de Música do
Paraná, o maestro Antonio Melilo227 e Clotilde Espínola Leinig, que tinha sido aluna de Villa-
Lobos, fundou-se o referido Conservatório, seguindo as diretrizes nacionais que então se
apresentavam para o ensino da Música. Instituição de ensino voltada para a formação de
professores de Música, que em 1967 transformou-se na Faculdade de Educação Musical do
Paraná (FEMP). Posteriormente foi criada a Faculdade de Artes do Paraná reconhecida pelo
Decreto Governamental n.º 70.906 de 01/08/72 e pela Portaria n.º 1.062 de 13/11/90, do
Ministério da Educação.Um considerável núcleo de documentos tais como: livros atas,
Relatórios, livros de registro de presença e de notas, fotografias, legislação referente ao ensino
do canto orfeônico, relacionados ao conservatório estadual de canto orfeônico do Paraná
encontra-se guardado na FAP. Dispersos, algumas vezes danificados, e sem estudo, esses
objetos, nas condições em que se encontram pouco têm contribuído para um claro
entendimento dos papéis que tal instituição desempenhou, bem como estudar a trajetória de
personalidades que atuaram no conservatório.Análise do papel que esta instituição teve no
contexto do ensino de música no estado, confrontando os documentos encontrados com
outras fontes que a abordam ou que tratam do mesmo contexto histórico regional e/ou
nacional em que ela existiu é um dos objetivos da pesquisa que estamos desenvolvendo. Até o
momento, o total de documentos (cartas, fotos, partituras, atas e outros) identificados foi em
torno de duzentas unidades, sendo que a maioria deles corresponde ao período entre as
décadas de 1930 e 1980. De um lote do acervo - encontrado no arquivo-morto da Secretaria
226
A produção intelectual dos historiadores nas últimas décadas mudou em profundidade e em amplitude, assim
também as modalidades de escrever a História, influenciada pelo surgimento de novos territórios a serem
explorados pela pesquisa histórica, pelos novos objetos visando temáticas originais e pela abundância das novas
abordagens. O historiador nessa perspectiva reconstrói os acontecimentos das histórias vividas, informando aos
seus leitores o esquema interpretativo, demonstrando conjuntamente o procedimento narrativo, a forma de
construir e organizar o discurso histórico, evidenciado o seu “estilo” na afirmativa de Peter Gay, a “trama” na
concepção de Paul Veyne e nos “indícios, pistas, rastos” de Carlo Ginzburg, ou na proposição de Hayden White a
“urdidura do seu enredo”, e a transparência dos recursos metodológicos e teóricos empregados. Dando
possibilidade de reconhecer que a documentação (fontes manuscritas, escritas, digitalizadas, fontes
orais/narrativas, fontes materiais, fontes iconográficas e imagéticas), revelando a diversidade de leituras possíveis
e, portanto, diversas formas de escrita, complementares entre si.
227
Antonio Melillo nasceu em 25/05/1899, em São Paulo demostrando aptidão para a Música foi incentivado a
estudar. Iniciou seus estudos de piano no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Concluindo sua
formação aos 21 anos em instrumento e regência no Real Conservatório de Nápoles - Itália. No Brasil, o maestro
passou a atuar como regente de orquestra de uma companhia de óperas que excursionava pelo país. Em uma
apresentação em Curitiba foi convidado pelo maestro Leonard Kessler para lecionar piano, no Conservatório de
Música do Paraná. Em 1924, devido ao falecimento de Kessler, passou a atuar também como diretor da escola.
Melillo desempenhou as funções de docente e administrador no Conservatório até o início d 1930. Com o
encerramento das atividades do Conservatório de Música do Paraná fundou a sua Academia de Música do Paraná,
onde eram ministradas aulas de piano, violino e matérias teóricas para crianças e jovens, a qual esteve em
funcionamento até a morte do maestro, em 1966.
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REFERÊNCIAS
Adriane Piovezan (doutoranda História/UFPR, orientador Prof. Dr. Renato Lopes Leite)
Palavras-chave: morte, Igreja. Exército.
Num campo de batalha os indivíduos pensam mais nas suas relações com o além já que a
iminência ou medo da morte se torna mais presente. Como intermediárias destas relações, as
religiões detém o monopólio dos rituais e cerimônias do bem morrer. Este poder exercido pela
Igreja com suas crenças e práticas adequadas para esta passagem, faz com que ela se torne
novamente integrante do Estado, no caso do Exército Brasileiro, instituição da qual havia se
afastado com a Proclamação da República em 1889. A capelania militar foi extinta neste
período e esta situação se manteve até que a FEB (Força Expedicionária Brasileira) fosse
estruturada e enviada até a Itália como auxilio brasileiro as forças aliadas durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). É neste contexto que a Capelania Militar volta a integrar a FEB e
as instituições religiosas voltam a ter acesso ao Exército Brasileiro. No período em que a FEB
(Força Expedicionária Brasileira) esteve na guerra na Itália entre 1944 e 1945 os discursos
religiosos tanto da Igreja Católica como da Igreja Protestante foram redirecionados para
atender as necessidades dos soldados que tinham que lidar com a morte diariamente. Em um
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diz respeito a intensidade da atuação desses religiosos junto a tropa, bem como suas
implicações. Teria havido demanda pelos serviços religiosos, ou ainda, apoio à sua prestação,
por parte de membros de uma força armada notoriamente desligada das questões religiosas
desde a promulgação da primeira constituição republicana? E, nesse caso, teria a atuação dos
capelães contribuído para fomentar as devoções cristãs entre os combatentes da FEB?Para
analisar estas questões pesquisamos os relatórios do Pelotão de Sepultamento, onde as
devoções individuais de cada soldado morto em combate permitem identificar elementos da
sua religiosidade e de sua relação com a instituição religiosa. A presença do terço religioso, por
exemplo, é elemento frequente na mostra analisada.
dentro dela. Esses costumes e crenças vieram junto ao seu nascimento e se modificaram na
medida em que a sociedade se modificava. Para Fustel de Coulanges (2000), no qual
demonstrou em sua obra a importância de estudar as crenças e os costumes dos povos
antigos. Por mais que uma instituição não possua uma oficialização ela pode ser considerada
como tal, através de suas crenças e costumes. Notamos que através de suas crenças e
costumes podemos construir uma história de uma Instituição. Portanto, Coulanges (2000)
compreende as crenças e os costumes dos povos antigos seriam como um nascer de uma
instituição, não importando qual seja. Para ele devemos compreender de forma apaixonada os
costumes dos povos antigos. Assim como na paróquia Santa Rita de Cássia em Maringá, que
possuí costumes e crenças à santa dos desesperados. Esses costumes fazem parte de uma
Instituição, a Igreja Católica. “ É preciso portanto, estudar, antes de tudo, as crenças destes
povos. As mais antigas crenças são justamente aquelas que mais nos importa
conhecer”(COULANGES, 2000, p. 04). Pretendemos iniciar o projeto a partir de uma pesquisa
bibliográfica, buscando nas leituras temas referentes a ex-votos, culto aos santos, novenas,
orações a santos católicos, religiosidade católica, o valor da graça concedida, patrimônio
imaterial, simbologia, tradições religiosas, sagrado e profano. Serão realizadas também
pesquisas de campo, no que se refere as atividades relacionadas no culto a santa dos
desesperados, ou seja, as novenas realizadas todo dia 22 de cada mês. Com o objetivo de
vivenciar a relação do homem com o sagrado, como o devoto lida com a situação de ir em
busca da cura. Investigando também suas possíveis relações com o sagrado, diferenciando o
sagrado do profano e trazendo à tona a questão da religiosidade católica, como ela se insere
em seu cotidiano para seus devotos. Sendo assim podemos entender que tanto a observação
participante, a utilização de entrevistas e a utilização dos ex-votos poderão ser trabalhadas de
forma clara nesse projeto.
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a presença e o papel da mulher nas primeiras
comunidade cristãs, no século I e II d.C. Analisaremos como se deu a experiência feminina no
movimento cristão inicial, sua participação nas Igrejas e as delimitações que elas sofriam
dentro e fora da comunidade, em um contexto histórico cultural de uma sociedade de caráter
paternalista. No ambiente religioso encontramos uma busca maior para a definição de papéis
de gênero, especialmente no cristianismo do período que aqui pesquisamos, seus momentos
iniciais. Entendemos que a religião não deve ser vista apenas pelo víeis teológico, no qual se
atenta a fé e sua experiência religiosa com o sagrado, mas além disso, como um campo
específico em um dado momento no mundo social228.Partindo do pressuposto de que os
textos bíblicos e textos cristãos antigos são um tipo de documento histórico, estes são
228
Meeks apresenta esse “mundo social” como tendo dois sentidos: “um ambiente dos grupos cristãos primitivos,
mas também ao mundo que eles conseguiam captar e ao qual deram forma e significado por meio de sua linguagem
especial e outras ações significativas.” (MEEKS, 1992, p. 19)
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passíveis de uma análise científica. Dessa forma, esse estudo também se insere no campo da
História das Religiões, ao trabalhar com fenômeno religioso através de uma reflexão científica,
abordando o fenômeno religioso a partir de uma postura não-denominacional, em uma
perspectiva histórica, antropológica, mas também, no tempo e no espaço. Assim, esses
trabalhos tem resultado em pesquisas de grande importância para as Ciências Humanas. Por
meio de uma análise acadêmica e crítica o campo religioso nos mostra como se estrutura uma
determinada denominação religiosa, como seus fiéis se veem inseridos nessas comunidades e
como eles captam e interpretam a mensagem religiosa através de seu discurso e em suas
ações. No estudo do cristianismo primitivo, a figura da mulher é considerada em geral como
um anexo, isto é, no exame da construção das primeiras comunidades é apenas mais um dos
objetos passível de análise. Não que tais pesquisa devam ser rechaçadas, porém o que aqui
buscamos expor é que encontramos poucos trabalhos historiográficos específicos acerca das
relações sociais femininas dentro das Igrejas cristãs229, normalmente encontramos trabalhos
realizados por teólogos, em sua grande parte relacionados a Teologia Feminista230.Buscamos
nessa pesquisa uma crítica analítica da participação da mulher no cristianismo antigo,
problematizar a sua experiência e as implicações que a presença feminina inseriu dentro da
constituição da igreja cristã primitiva. O objetivo geral desta proposta é analisar as
experiências femininas dentro do próprio seio cristão, analisar quais eram os lugares ocupados
pelas mulheres na comunidade cristã, quais os cargos e funções que elas poderiam e/ou
exerceriam na Igreja cristã primitiva dos séculos I e II d.C. Para realização deste trabalho
utilizaremos como fonte The Apostolic Fathers, uma versão bilíngue (inglês-grego). Assim,
confrontaremos a versão inglesa com o texto original, buscando uma análise do vocabulário
utilizado pelos autores, principalmente quando estes se referirem as mulheres. Essa obra
reúne uma série de documentos que foram escritos nos primeiros séculos do cristianismo por
diversos padres da Igreja, entre eles Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de
Esmirna, Pápias de Hierápolis, Barnabé e Hermas. Apesar de não serem parte do cânon do
Novo Testamento, esses textos foram copiados e enviados a várias comunidades cristãs. Ele é
um material rico, que discute vários assuntos no decorrer da formação da Igreja cristã, a
constituição das comunidades, a sucessão dos apóstolos, os martírios, etc.Realizaremos a
leitura e o fichamento da fonte como também da bibliografia secundária, analisando os vários
pontos de vista da historiografia atual, tanto sobre o cristianismo antigo como sobre a história
da mulher.
Fontes
The Apostolic Fathers I. Edited and Translated: Bart D. Ehrman. The Loeb Classical Library.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2005.
Bibliografia
CROSSAN, J. D.; REED, J. L. Em busca de Paulo: Como o Apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus
ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007.
FEITOSA, Lourdes Conde. Gênero e Sexualidade no Mundo Romano: A
229
No Brasil encontrei duas historiadoras que trabalham com essa temática:
230
Segundo Cristiane de C. Ramos Abud a Teologia Feminista é “nova narrativa cristã, com início na chamada
“segunda onda” dentro do contexto feminista, questiona a autoridade do discurso masculino contido nos textos
bíblicos, trazendo a oralidade das mulheres à tona, revelando sua importância, valor simbólico e histórico para a
disseminação do próprio significado do Cristianismo, dentro de relações de poder, saber e de gênero” (ABUD,
2010).
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06/12/2011, às 10h38min.
O Império Romano é, no século I d.C., detentor do poder político sobre grande parte do
mundo antigo: impõe determinações, governos, regras sociais e hierárquicas rígidas. No
aspecto religioso, o mundo romano se divide entre adeptos do politeísmo, que participam das
festas, cultos e sacrifícios ao panteão de deuses romanos e os judeus que possuíam o direito
ao culto monoteísta.Personagem deste período, a figura que elegemos para este estudo é
Paulo de Tarso, um judeu que se converte ao cristianismo, de perseguidor se torna o maior
divulgador da mensagem cristã a várias cidades da Ásia Menor e do litoral do mar Egeu.Seu
escrito à comunidade cristã de Corinto é a fonte que analisamos para compreender os
conceitos de liberdade e escravidão, presentes no discurso por ele elaborado na divulgação da
fé cristã. Ao estudarmos o discurso paulino, encontramos na documentação escrita
material para análise de questões sociais vivenciadas por pessoas que com Paulo conviviam,
quer fosse de forma pacífica ou entre debates acalorados.
A pesquisa, que conta com apoio do CNPq e está vinculada ao Grupo de Pesquisa Cultura e
Relações de Poder, enfoca as interrelações das temáticas da juventude, da religião e da
política, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, articulando-se, sobretudo, os campos da
História, Educação, Psicologia e Sociologia. Tem como objetivo a compreensão da forma como
os elementos religiosos são utilizados como estratégia de campanha política nas eleições
proporcionais do município de Campo Mourão/PR em 2012, e como são (re)significados pelos
sujeitos jovens vinculados às instituições religiosas. Entende-se que a construção das
identidades e valores dos jovens pode ser influenciada pelos elementos que permeiam os
campos da política e da religião. Ao abordar questões relacionadas à religião e à política nos
estudos sobre juventude, a pesquisa ensaia iniciativas no sentido de chamar a atenção para o
aspecto de que a compreensão da sociedade, das lógicas de poder, das estruturas sociais, das
definições das identidades passa pelas interferências e imbricações próprias do campo
religioso sobre/com o campo político.Diante da escassa produção que problematiza a temática
em questão, espera-se, com a investigação, uma maior compreensão da permeabilização entre
os campos político e religioso, e da forma como a juventude (re)significa as representações
construídas nesses campos, especificamente por ocasião da campanha eleitoral. Em última
instância, considerando a relevância de se compreender as vivências da juventude na
contemporaneidade, rompendo com uma visão homogeneizante e negativa desta etapa da
vida, os resultados da pesquisa poderão servir de base para a criação de políticas públicas
específicas – vinculadas à participação e ao exercício da cidadania, à educação, à cultura, ao
lazer –, que venham atender às demandas desse público. A pesquisa está sendo desenvolvida
observando-se duas frentes, a serem executadas concomitantemente. Em uma primeira frente
de trabalho, busca-se investigar o processo de construção das representações político-
religiosas ao longo da campanha eleitoral, a partir da coleta de materiais de campanha e de
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entrevistas a serem realizadas com cada um dos candidatos que demonstrarem fazer uso dos
elementos religiosos. Pretende-se realizar as entrevistas no período que antecede a eleição,
buscando conhecer as expectativas do candidato: sua trajetória individual, os apoios
recebidos, a concepção de política, as possibilidades de interlocução com o público jovem e as
estratégias de campanha utilizadas. Importante destacar que se procurará abordar as
particularidades que cada candidato imprime à sua narrativa em torno das imbricações entre
religião e política, de forma a compreender o entrelaçamento da trajetória pessoal com as
dimensões religiosa e política que cada candidato articula. A segunda frente de trabalho
enfoca o modo como os jovens vinculados a instituições religiosas compreendem e
(re)significam as representações construídas. Após a identificação dos candidatos que fazem
uso dos elementos religiosos como estratégia de campanha, serão selecionadas as instituições
religiosas que tenham declarado apoio explícito aos candidatos, a fim de que sejam realizadas
entrevistas semiestruturadas com jovens de 18 a 24 anos. Com tal entrevista, busca-se
identificar os significados que o jovem atribui à religião e à política em sua vida, bem como a
compreensão acerca da articulação entre essas duas esferas. Ao mesmo tempo, pretende-se
explorar de que forma os jovens tomam conhecimento das representações político-religiosas
construídas pelos candidatos e as (re)significam, a partir de suas vivências, preocupações e
relações interpessoais. A pesquisa encontra-se em fase de levantamento dos possíveis
candidatos ao legislativo municipal quem mantêm vínculos com as instituições religiosas e/ou
que fazem uso de representações construídas com base em elementos religiosos como
estratégia de campanha. Para tanto, estão sendo identificadas e tabuladas as matérias
veiculadas na imprensa impressa e digital da região. Concomitantemente, tem-se trabalhado
na identificação das instituições religiosas que historicamente possuem participação ativa nos
pleitos eleitorais, tais como Assembleia de Deus, Igreja Presbiteriana do Brasil e Renovada,
Igreja Quadrangular, entre outras. Por fim, estão sendo elaborados os roteiros para a
realização de entrevistas semiestruturadas junto aos candidatos identificados, bem como aos
jovens vinculados às respectivas instituições religiosas.
No início do século XIX era comum verificarmos trabalhos sobre mitologias antigas que faziam
referência apenas a uma descrição mimética do objeto de estudo. O trabalho do pesquisador
era narrar as mitologias e descrevê-las, não havia uma precoupação de entender o espaço e as
ideias que estavam presentes em determinada narrativa ou oralidade. No inicío do século XX
os estudos de muitos historiadores como Eliade e Dettiene nos mostraram uma nova
significação do termo mitologia.As histórias mitológicas passaram a ser estudadas de uma
maneira totalmente diferente daquela do século XIX. O mito passou a significar uma “história
verdadeira”, na qual o homem explicava a sua realidade por meio de uma ideia cosmogônica.
O entendimento do homem perante a natureza e o seu funcionamento estava presente em
seu modo de enxergar o mundo. (DETTIENE, 1998) Mas mesmo com o desenvolvimento de
diversas pesquisas, o termo mito ainda é usado de forma confusa, muitas vezes anexado a
ideia de história ficticía, e isto acaba desvalorizando as diversas pesquisas que buscam
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entender as civilizações que construiram suas realidades, seu comportamento, ou seja, a sua
conduta perante as ideias presentes em seus mitos. Nesta perspectiva compartilhamos com
Mircea Eliade o conceito de mito. De acordo com Eliade: “o mito narra como, graças às
façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o
Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento
humano, uma instituição.”(ELIADE, 1972, p. 9)Percebemos aqui a presença de diversas
questões referentes a busca pelo entendimento da origem do Cosmo e também de seu
funcionamento. O mito é sempre “verdade” não porque explica a realidade, mas porque se
refere a realidade. Devemos entender que para diversas civilizações as narrativas mitológicas
eram tidas como verdadeiras e não da maneira como enxergamos um “conto de fadas”. Neste
trabalho nosso objetivo é analisar o termo mitologia medieval, para com isso
compreendermos o Inferno dantesco como uma mitologia. O conceito de mitologia
medieval foi estudado pela academia no século XX. Ainda hoje ele é problematizado por
diversos historiadores. O historiador Hilário Franco Junior nos apresentou uma forma de
compreendermos a mitologia medieval e suas diversas faces no medievo. De acordo com
Franco Junior: “Ao estabelecer assim palavras, gestos, atos e eventos, pensamentos e
sentimentos arquetípicos, porque colocados na origem dos tempos, o mito funciona como
modelo de comportamento.” (FRANCO JR, 2010, p. 38) Uma das obras que nos apresentou e
descreveu a cosmologia medieval foi a “Divina Comédia”, esta obra foi escrita no século XIV
por Dante Alighieri, considerada uma obra magna da literatura medieval, e ainda, a precursora
da língua italiana. Quando utilizamos um documento literário devemos analisar a obra de
acordo com o contexto na qual foi escrita. Além disso, devemos conhecer o cenário histórico
no qual Dante viveu e quais os problemas que enfrentou, assim conseguiremos analisar por
onde ele andou, quem conheceu e quais ideias estavam percorrendo a mente do homem
medieval. De acordo com Todorov: “A literatura não nasce no vazio, mas no centro de um
conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas caracteristicas; não é por
acaso que, ao longo da história, suas fronteiras foram inconstantes.” (TODOROV, 2009, p.22)
O Inferno medieval foi influênciado pela mitologia greco-romana, pelos personagens das
narrativas célticas e pelas ideias orientais. Do ano mil ao século XIII encontramos algumas
narrativas e pinturas que descreviam o Inferno como ambiente dividido por regiões
diferenciadas pelos tipos de pecado e de punição. Animais mitológicos como centauros, o
minitoauro, Plutão, o Juiz Minós, demônios com asas de morcegos dentre tantos outros
estavam presentes no Inferno. O ambiente era carregado por um aspecto tenebroso que
despertava a sensação de medo e horror. No século XIII o discurso cristão já havia se
apropriado desta ideia de Inferno. Ele era descrito como um ambiente predominado pelo fogo
e pelo sofrimento, um lar de bestas e monstros que torturavam as almas pelos pecados que
cometeram. O Inferno amedrontava e influênciava a conduta dos fiéis. Ele era apresentado aos
fiéis tanto para alertá-los quanto para amedrontá-los, definitivamente não era um ambiente
desejado, o que permitia aos fiéis buscarem a salvação.A obra magna que Dante nos apresenta
e descreve este Inferno medieval recheado de ideias construídas no decorrer dos séculos. Ela
apresenta tanto uma ideia cosmogônica que abrange a realidade na qual estavam inseridos
como o funcionamento deste local sobrenatural. O Inferno de Dante é dividido em nove
círculos concêntricos, baseado nas ideias de Ptolomeu. Cada um dos círculos apresenta um
aspecto ambiental diferenciado dos demais, monstros e demônios que habitam cada um dos
círculos de acordo com suas funções. As almas são distribuídas para os círculos de acordo com
o pecado que cometeram por meio de um rigoroso julgamento realizado pelo Juiz do Inferno.
(ALIGHIERI, 2008)A “Divina Comédia” foi escrita no final do século XIII. Dante Alighieri dividiu a
obra em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. O autor descreve os ambientes do
pós-morte cristão por meio de uma narrativa que nos permite pensar por meio de imagens, o
que dá um caráter simbólico ao poema. Nosso objetivo é analisar o documento “Divina
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Comédia” como uma narrativa mitológica inserida no contexto medieval e que buscava
explicar a origem do Cosmo e o funcionamento dos ambientes do pós-morte cristão de acordo
com a realidade na qual estavam inseridos.
concerne à necessidade de tratar os mitos como um relato que “só fala das realidades, do que
aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente”. (1992: p.50). Mais precisamente,
entendemos que “o mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial
que teve lugar no começo do Tempo”. (ELIADE, 1992, p.50). Encontrados na esfera do sagrado,
agindo como modelo exemplar e ditando o modo de se viver na sociedade. Atentando ainda
para o uso que temos feito do conceito de representação, entendemos que este se relaciona
com o mundo social de três maneiras: “Primeiro, o trabalho de classificação e de recorte que
produz as configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente
construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que
visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no
mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas
institucionalizadas e objetivadas graças ás quais “representantes” (instâncias coletivas ou
indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da
comunidade ou da classe.” (CHARTIER, 2002: p.73). Desse modo, atentando às especificidades
de nossas fontes, faz-se relevante destacar que ”Poesia eddica é o nome que usamos para um
grupo de 35 poemas, todos registrados na Islândia, durante a Idade Média, quase todos no
século XIII” (LIDOW, 2002: p.12). Entretanto, a ambientação desses poemas remonta aos
séculos IX e X, período em que a Islândia enfrentava um protoletramento, um período de
tradição oral, em que os poemas e, por conseguinte, as tradições míticas, não eram escritas,
ocasionando certas alterações. É importante frisar que essas alterações eram decorrentes da
própria transmissão dos mitos, por meio das apresentações de um escaldo (poeta) para outro,
até sua conservação em manuscritos. Sobre este aspecto entendemos que, primeiramente, o
poeta recita suas poesias a um grupo de pessoas, as quais devem ter um conhecimento prévio
do conteúdo recitado para que haja a aceitação da poesia: “Para poder penetrar e tomar seu
lugar na tradição oral, uma narrativa, uma história ou qualquer obra falada deve ser
entendida, isto é, deve ser aceita pela comunidade ou pelo auditório a que se destina”
(DETIENNE, 1992: p.82). Sendo assim, a produção oral que não foi bem recebida está
destinada ao “desaparecimento imediato, como se nunca tivesse sido pronunciada”
(DETIENNE, 1992: p.82). Podemos concluir que as versões dos poemas que chegaram àqueles
que detinham o conhecimento da escrita e, portanto, os registraram, não podem ser outros
senão aqueles aceitos por uma sociedade que encontrava reproduzidas suas crenças e modos
de vida nesses poemas. Partindo de tais pressupostos teórico-metodológicos, objetivamos
analisar a noção de vingança, representada pelo deus Odin, no poema Baldrs Draumar. Na
história, o deus Odin, montado em seu cavalo de oito patas Sleipnir, faz uma jornada até os
domínios da deusa Hel - local aonde vão aqueles que morreram fora de batalha ou fizeram o
mal em vida. Lá Odin invoca dos mortos uma profetisa para lhe explicar o sonho de seu filho
Baldr, o mais nobre e belo dos deuses. Esta lhe conta como Baldr irá morrer e os eventos que
sua morte desencadeará. Apesar de curto (composto por 14 estrofes), o poema apresenta
diversos kennings (metáforas) e referências de outras passagens mitológicas e poemas
eddicos. Odin é apresentado como deus guerreiro, aquele que faz a jornada até o inferno e,
principalmente, ávido por saber quem será responsável pela morte de seu filho, para que
possa obter sua vingança. Veremos que a morte de Baldr gera uma serie de vinganças que
culminam no fim dos deuses, o Ragnarok. Consideramos que tal fato representa a noção de
que “a vingança constitui, portanto um processo infinito, interminável. Quando a violência
surge em um ponto qualquer da comunidade, tende a se alastrar e ganhar a totalidade do
corpo social, ameaçando desencadear uma verdadeira reação e cadeia, com consequências
rapidamente fatais em uma sociedade de dimensões reduzidas”. (GIRARD, 1998: p.27 apud
LANGER, 2004: p.83)
CHARTIER, Roger. Á Beira da Falésia: A História entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Ed.
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LIDOW, John. Norse Mythology: A Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs. New York:
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Rito de passagem: as noivas franciscanas em procissão ao altar/ uma nova restauração de vida
(1951-1967)
O presente trabalho tem com proposta central investigar o processo ritual de passagem da
condição de leiga a religiosa entre a Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e
Caridade Cristã, no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, no período 1951-1967.
Destaca-se que a Cerimônia de Vestição e Profissão Religiosa consistia claramente um rito na
ordem em questão, em que a postulante passava a assumir a categoria de irmã noviça,
marcando oficialmente a entrada para a vida ativa na instituição conventual. Em se tratando
dos processos de passagem, a solenidade era um momento bastante aguardado dentro do
processo formativo, pois a candidata tinha a pretensão de seguir o caminho religioso. Por
parte das ingressantes a Vestidura tornava uma data simbólica e decisiva na caminhada
religiosa, pois indicava a primeira atitude decisiva na escolha acerca dessa opção vocacional.
Cabe ressaltar, que o Cerimonial de Vestição tem uma similitude com o sacramento do
matrimônio, pois ambos são ritos de passagem, da condição de civil-solteira para casada.
Neste caso, os elementos que alimentam tal constatação é a existência de uma simbologia
comum presentes nos dois rituais, o vestido de noiva branco, a grinalda, a procissão de
entrada, porém existe uma particularidade o noivo, que para as religiosas é Cristo, o divino
esposo.Para realizar esta investigação histórica é fundamental considerar o conceito de
memória, já que se faz uso de fontes orais. Os relatos das Religiosas Franciscanas foram
obtidos, através de um momento de recordação desse passado vivido denominado de “Tardes
de Memórias e Lembranças uma Construção Histórica”, onde reuniu-se um grupo de vinte
irmãs aposentadas, que relataram suas memórias atuais, em relação ao cerimonial e partes do
processo ritual como um todo. Cabe destacar, que este conceito de memória será muito útil
para perceber nos relatos orais obtidos na comunidade religiosa como as versões são seletivas,
e às vezes conflitivas, e ao mesmo tempo todas “verdadeiras”- enquanto versões do ocorrido-
de um acontecimento do passado. No caso aqui específico, as Irmãs ao despertarem suas
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Vozes, 2011.
PEIRANO, Mariza. Rituais Ontem e Hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
documentação produzida é lida e analisada com base nas discussões conceituais que
problematizam questões relativas a secularização e laicização do Estado, assim como nas
relações de poder estabelecidas entre os sujeitos sociais.A presença do fenômeno religioso na
esfera pública continua a ser historicamente construída por atores governamentais e não-
governamentais. Algumas compreensões teóricas apontam para uma fase de retorno da
religião à política e outras vertentes acenam que não há retorno porque a religião jamais
esteve afastada do cenário político. Nessa segunda compreensão, há o entendimento de uma
continuidade e não uma suposta ruptura entre religião e política que caracteriza os
fundamentos do Estado Moderno (FIGUEREDO FILHO, 2002).Vale destacar que apesar de os
centros decisórios não estarem sujeitos às hierarquias religiosas, o Estado laico ao mesmo
tempo foi legitimando a presença do religioso no espaço público. No entendimento de alguns
pesquisadores entre a adesão religiosa e a ação política se estabelece uma série de mediações
de ordem racional e ética que acaba destituindo o religioso de um sentido prático no campo
da política. Rituais políticos devem ser executados e vividos como atos de cidadania e rituais
religiosos como atos de fé e de culto. Essa divisão, no entanto, tem se apresentado
empiricamente muito mais como uma ideologia, do que como uma prática efetiva (STEIL,
2001, p. 80). Isto é, a despeito das especificidades destes campos, político e religioso, há uma
via de imbricação mútua, em que, apesar da perspectiva secularizante, o campo religioso e
político mantêm-se em constante aproximação ativando sistemas de crenças e de valores
políticos. Nesse aspecto é possível compreender que há uma dilatação das fronteiras entre os
campos político e religioso, tornando-se interessante averiguar as particularidades existentes
quanto à composição municipal e a relação religião e poder local. Essa compreensão teórica
norteia a realização da pesquisa.Pode-se afirmar que a pesquisa empírica evidencia o intenso
diálogo entre a Câmara Municipal e as religiões dado que diversas instituições religiosas foram
subsidiadas financeiramente pela casa legislativa, ainda que determinadas proposições em
favor das entidades acarretassem discordâncias ou debates entre os vereadores. As
instituições foram beneficiadas com auxílios do poder executivo e legislativo, mediante a
transferência de recursos financeiros, doação de terrenos para construção de igrejas e
templos, concessão de crédito a entidades educacionais e assistenciais, isenção de impostos e
declaração de Utilidade Pública, entre outros. É possível afirmar acerca da representatividade
e trocas de benesses com várias instituições eclesiásticas e o poder legislativo mourãoense.
Ademais, vale destacar as trocas simbólicas representadas por meio de frequentes visitações,
trocas de benesses, homenagens, títulos de cidadão honorário, entre outros. Por fim, a
pesquisa demonstra as implicações políticas e religiosas presentes no transcorrer das
legislaturas, sendo possível conjecturar acerca das afinidades religiosas por parte de
vereadores, inseridos nas condutas políticas partidárias e também nos preceitos religiosos,
como membros e representantes das instituições.Sob tais perspectivas, verifica-se que as
manifestações religiosas não estão restritas a espaços determinados, mas tornam-se aspectos
influentes nos mais alternados agentes sociais, pois as organizações religiosas se veem e são
vistas como parte da sociedade civil. Adentrando nos meandros do poder legislativo, as
entidades são subsidiadas por meio dos componentes da casa laica que atuam em favor de
instituições simbólicas religiosas. Os apontamentos apresentados corroboram com a conclusão
de Joanildo Burity (2008) quando afirma que não se pode mais ignorar a visibilidade pública
das religiões.
REFERÊNCIAS
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tratamento documental. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.
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FIGUEREDO FILHO, Valdemar. Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e política. Rio de
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STEIL, Carlos Alberto. Eleições, voto e instituição religiosa. Revista Debates do NER, Porto
Alegre, ano 2, n. 3, setembro de 2001.
A religião como fator de identidade: a composição das famílias luteranas de Imbituva, Paraná
(1940-1959)
Evangélica Luterana do Brasil (IELB). A Igreja Luterana de Imbituva foi fundada no ano de 1892
por imigrantes alemães oriundos da região do Volga, e inicialmente era atendida, portanto,
por pastores alemães filiados a Associação Evangélica de Comunidades de Santa Catarina e
Paraná, que em conjunto com outros três Sínodos, a saber: Sínodo Evangélico-Luterano de
Santa Catarina, Paraná e outros Estados do Brasil (1905), Associação Evangélica de
Comunidades de Santa Catarina e Paraná (1911) e Sínodo das Comunidades Evangélicas do
Brasil Central (1912), formaram em 1962 o Sínodo Evangélico Luterano Unido, atual Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). No entanto, com o advento da Segunda
Guerra Mundial e tendo em vista que com o Estado Novo, foram instaurados “novos
dispositivos legais que pretendiam regular o funcionamento das associações de imigrantes e
descendentes” (NADALIN, 2006, p.6) a comunidade viu-se obrigada a filiar-se a um sínodo
brasileiro, e do mesmo modo, chamar um pastor brasileiro para dar continuidade aos
trabalhos filiando-se então ao Sínodo Evangélico Luterano do Brasil - atual IELB – no ano de
1943. As balizas temporais escolhidas para delimitar o presente projeto de pesquisa são
compostas pelos anos de 1940 e 1959. A década de quarenta marca o início dos registros
paroquiais da comunidade pesquisada, (uma vez que toda a documentação em língua alemã
da comunidade acabou se desfazendo) e o ano de 1959 nos proporcionaria uma análise do
grupo que podemos considerar como pertencentes à primeira geração de casais da
comunidade após a mudança de sínodo. Desta maneira, a proposta de pesquisa visa
compreender o fenômeno social e cultural da reprodução da comunidade como um grupo
etno-religioso considerando que a célula fundamental do grupo constituir-se-ia na família
conjugal. Assim, pretendemos verificar na formação da família conjugal (pais e filhos), como se
caracterizaria o “mercado matrimonial” que determinaria, em grande parte, as escolhas dos
cônjuges na comunidade. Além disso, será possível verificar também a existência de um
“mercado” de testemunhas (padrinhos) de casamento, de onde os noivos ou pais dos noivos
escolheriam suas testemunhas, possibilitando-nos assim, a percepção dos espaços de
sociabilidade desses casais. Sendo assim, o corpus documental que integra o presente projeto
de pesquisa foi construído a partir dos registros paroquiais contidos nos Livros de Rol de
Membros da já mencionada paróquia. A primeira parte dos livros assim intitulados contém os
registros das famílias pertencentes à comunidade. Constam nos assentamentos o nome e a
data de nascimento de todos os membros da família. Além desses dados, os livros contêm os
assentos de batismos, confirmações, casamentos e óbitos da referida comunidade. Utilizar-se-
á a metodologia analítica da Reconstituição de Famílias proposta por Louis Henry e Michel
Fleury. Dessa forma, o trabalho ora proposto, além de pretender a execução de um estudo
pormenorizado das famílias pertencentes à Igreja Evangélica Luterana no Brasil numa região
ainda não privilegiada por estudos que utilizam os métodos da Demografia Histórica, justifica-
se também pela necessidade de ampliação de estudos historiográficos que contemplem a
análise da “vertente IELB” do luteranismo, vertente esta menos privilegiada nos estudos até
aqui realizados pela historiografia especializada.
se em uma das mais importantes matrizes da organização política e social em todas as regiões
do continente colonizadas pelos países ibéricos.
REFERÊNCIAS
O norte da África sofreu diversas transformações de cunho religioso desde a conquista romana
no século II a.C. Essas transformações deram-se tanto a nível de adequação ao império, quanto
a um nível estritamente local. A África Romana foi palco de um pluralismo religioso, o que não
significou a inexistência de conflitos. Pelo contrário, as tensões religiosas estiveram presentes
e foram, sobretudo, a partir da expansão do cristianismo, marcadas por ações violentas.
Este trabalho tem por objetivo estudar o significado e as práticas derivadas das
concepções cristãs sobre o “combate ao demônio”, do século IV ao século V, no caso
específico da África do Norte, então pertencente ao Império romano. Esta pesquisa pretende
compreender como os cristãos, que vivenciaram as perseguições empreendidas pelo governo
romano, conceberam o martírio como um combate contra as forças demoníacas. Mas,
também, como essas concepções foram reelaboradas após a paz de Constantino, sobretudo no
contexto dos conflitos religiosos, e disputas pelo poder. E as influências que essas concepções
exerceram nas ações e práticas sociais, que trouxeram implicações mesmo depois do fim do
Império Tardio. Através da análise das cartas de Cipriano, e das Atas dos Mártires produzidas
no período da perseguição do século III, foi possível identificar que o martírio era entendido
tantos pelos mártires, como pelas autoridades eclesiásticas como um combate ao demônio.
Segundo Cipriano, a perseguição era obra do diabo e representava uma grande guerra entre os
“soldados de cristo” e os “servos do diabo”. Essas concepções permitiram aos cristãos que
sofreram as primeiras perseguições resignificar tanto o martírio, quanto a própria perseguição.
Entretanto, quando nos direcionamos para os séculos seguintes o combate ao demônio
adquire um novo status. As perseguições sistematizadas promovidas por Décio, Valeriano e
Diocleciano criaram grupos distintos dentro da igreja católica e discórdias que culminaram na
ruptura da igreja africana. Se por um lado as perseguições trouxeram a figura dos mártires,
que morreram pela fé cristã, por outro trouxe o problema dos lapsi, os que fraquejaram e
sacrificaram aos deuses, e os traditores, aqueles que durante as perseguições entregaram
objetos sagrados. A ruptura da Igreja africana entre católicos e donatista criou
duas hierarquias paralelas que não comungavam uma com a outra. Para os donatistas os
traditores não poderiam ministrar sacramentos, enquanto para os católicos os sacramentos
eram válidos independentes da qualidade de quem os ministrava. Essa oposição entre
donatistas e católicos foi estudada por várias correntes historiografias. Peter Brown aponta
que o motivo dessa divisão não era nem étnico, nem social, mais sim uma visão expansionista,
amplamente defendida pelo bispo Agostinho contra uma ideia da arca de Noé, defendida
pelos donatistas. Enquanto uma defendia que a Igreja era universal, devendo englobar
pecadores e não pecadores, a ideia donatista era da pureza da Igreja. Após a crise do século
III, o imperador Constantino empreendeu uma campanha de reestruturação do império. Essa
reestruturação se estendeu a Igreja, que deveria ser regulamentada e uniformizada. Essa
manifestação imperial fez com que as cidades africanas, sobretudo Cartago, se
transformassem em um palco de lutas pelo poder e disputas locais. Além da ruptura da Igreja
africana, o cristianismo ainda disputava terreno com o paganismo, que embora não fosse mais
a religião oficial do império, ainda permanecia arraigado nas práticas e no espaço urbano.
Embora a religião católica tenha sido oficializada pelo império, a controvérsia donatista e o
paganismo não se renderam a ela. Os sermões de Agostinho descobertos por Dolbeau
demonstram que mesmo os católicos participavam de festas e banquetes considerados
pagãos, ou em outros casos da violência dos cristãos para com os pagãos, como o ataque a
pessoas e estátuas pagãs praticadas pelos cristãos. Nesse o contexto o combate ao
demônio adquiriu uma nova perspectiva. No século IV e V, o combate ao demônio esta
associado às lutas pelo poder em meio ao espaço urbano. E como nos lembra o historiador
Alfredo Oliva “Seja pela demonização de adversários políticos ou pela demonização das
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próprias lutas pessoais, a luta contra o diabo viria a se tornar uma prática bastante presente
no cristianismo” (2007, p.44). O objetivo geral desta pesquisa é estudar as
concepções cristãs sobre o combate ao demônio e as práticas sociais a elas associadas, tal
como se desenvolvem do século IV ao século V no caso específico da África romana.
De modo específico, pretende-se, em um primeiro momento, a partir
do estudo das Atas dos mártires, compreender como o martírio foi concebido como um
combate ao demônio e como essa concepção permitiu aos cristãos, antes e depois da paz de
Constantino, reinterpretarem tanto a perseguição, como as disputas entre grupos religiosos.
Pretende-se, em seguida, a partir dos sermões de Agostinho de Hipona, compreender
a diversidade de sentidos atribuídos ao combate contra o demônio pelos cristãos no final do
século IV e início do século V, das tentações interiores às lutas exteriores contra os símbolos da
ação demoníaca no mundo. Por fim, a partir de estudos de caso específicos de ações
coletivas justificadas como um combate ao demônio pretende-se compreender sob que
condições certas concepções são ativadas e transmutadas em ação. Os estudos
sobre a religiosidade e a cultura, e os movimentos sociais na Antiguidade Tardia conheceram
nas últimas décadas um amplo desenvolvimento ligado à revalorização geral do período.
Desde os anos 1970, com efeito, os trabalhos de Peter Brown (1972) e outros têm enfatizado
que as transformações religiosas do período deveriam ser vistas de um modo mais positivo e
compreensivo do que supunham as antigas concepções sobre a decadência, a irracionalidade e
a superstição no Império Romano Tardio. Peter Brown em seu livro O Fim do Mundo Clássico
afirma que a religião na Antiguidade Tardia, ao contrário do que se pensa sobre o período, não
apresenta decadência, pelo contrario vive um momento de revolução. Segundo Brown, a
Antiguidade Tardia seria marcada por uma dupla revolução: social e religiosa. É um momento
de passagem de uma religiosidade coletiva para uma religiosidade individual, íntima, o que não
significa a inexistência de ações coletivas de cunho religioso. Influenciados pelas contribuições
da sociologia e da antropologia, muitos historiadores têm assim criticado a visão anterior,
propugnada por E. R. Dodds e outros, segundo a qual a Antiguidade Tardia teria sido marcada
por uma crescente ansiedade, credulidade e superstição das pessoas, o que explicaria de
modo muito natural à crença na intervenção na vida humana de criaturas maléficas. No
entanto, essas críticas não têm suscitado alternativas satisfatórias quando se trata de explicar
os comportamentos e, sobretudo, a violência coletiva. Recentemente, estudos como o de
Michael Gaddis, têm atentado para o modo como o discurso de demonização e de combate ao
demônio foi utilizado pelos cristãos do Império Tardio para justificar a resistência ao
perseguidor e os ataques a pessoas, imagens e templos. No entanto, falta ainda uma
consideração adequada da relação entre concepções, discursos e práticas. Pois como David
Frankfurter (2006, p. 208) tem ressaltado compreender como as pessoas são mobilizadas para
lutar contra o mal em seu meio implica mais do que atentar para as imagens presentes em sua
cultura: implica também compreender como essas imagens são ativadas em contextos sociais
e históricos específicos. Em estudo recente sobre os conflitos urbanos nas cidades
Mediterrâneas durante a Antiguidade Tardia, Julio Cesar Magalhães de Oliveira ressalta que
“Longe de representar um sintoma da desorganização da cidade antiga, os conflitos e
violências urbanas do período nos revelam, paradoxalmente, a vitalidade da cidade como
arena na qual ainda se defrontavam interesses conflitantes”. Essa visão não só se distancia
daquela proposta por historiadores que tendem a ver o período com “decadente”, e que
justificam o aumento da violência coletiva como uma consequência da desestruturação
política do império. Como também não partilha da ideia dos que acreditando numa “Longa
Antiguidade Tardia”, e tendem a esvaziar os impactos das violências coletivas para o período.
Muitas dessas ações violentas que se estabeleceram após a paz de Constantino, com a quebra
de estátuas pagãs, por exemplo, fugiam ao controle das autoridades eclesiásticas. Eram por
vezes movimentos populares independentes das autoridades eclesiásticas e, por vezes
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complementares as ações eclesiásticas. É a partir das disputas pelo poder num contexto local
e urbano que podemos compreender as dimensões que o combate ao demônio adquire nos
século IV e V. Para o estudo dos conflitos religiosos durante a Antiguidade Tardia é
imprescindível o estudo da política para o período, uma vez que política e religião estão
imbricadas. Não havendo como dissociar a religião da política no caso romano. Nesse trabalho
política este diretamente relacionado ás disputas pelo poder em contexto específico, que tem
como pano de fundo o discurso de combate ao demônio. Este trabalho inscreve-se assim tanto
no contexto dos estudos recentes sobre religião e política na Antiguidade Tardia, como nos
estudos mais amplos sobre os processos e mecanismos da ação coletiva. Sua relevância
consiste, portanto na inter-relação entre concepções e práticas em uma perspectiva histórica e
sociológica. Para a pesquisa são utilizados como fontes os textos bilíngues dos Sermões de
Agostinho e das Atas dos mártires editados em Madri pela Editorial Católica, na Biblioteca de
Autores Cristianos. As fontes são lidas e fichadas inicialmente na tradução espanhola e
posteriormente confrontadas com o original latino. Esse confronto será particularmente
importante no estudo do vocabulário utilizado nesses textos, o que nos permitirá
compreender os significados específicos atribuídos pelos autores às concepções sobre o
combate ao demônio.Os textos serão compreendidos como discursos estruturados com autor
e públicos específicos, que devem ser identificados, para melhor compreender o sentido de
sua mensagem. O confronto entre esses documentos parece ser o caminho mais viável para a
análise. Lembrando que esses documentos inscrevem-se em um momento histórico específico,
com objetivos e público alvo específicos. Por ser distintas entre si, cada uma das fontes requer
uma abordagem específica. As Atas dos Mártires são textos hagiográficos escritos a partir
de processos judiciais ou de relato de testemunhas. Entretanto muito desses textos contêm
em sua estrutura muitos elementos fantasiosos. O que os aproxima muitas vezes dos textos
literários. O trabalho com a literatura é possível e pertinente ao oficio do historiador, como
tem demonstrado diversos trabalhos após a Virada linguística. Em artigo publicado em 2008,
os historiadores da antiguidade, Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni fazem uma
breve reflexão sobre a relação entre Literatura e História. Segundo os autores “Os textos
literários [...] apresentam novas possibilidades para abordar os aspectos culturais, sociais,
políticos e econômicos vigentes no mundo romano” (2008, p.105). No que se refere a esta
pesquisa o diálogo com a literatura nos possibilita acessar o passado e perceber a forma como
o discurso do combate ao demônio foi se estruturando a partir desses textos. A análise das
Atas dos Mártires nos permite identificar como os redatores desses textos e por vezes o
próprio mártir concebeu seu martírio como um combate ao demônio, ou pelos menos as
concepções que estes pretendiam deixar para a posteridade. Uma grande questão
que se coloca é a escassez de fontes no que se referem aqueles que participaram das disputas
pelos poder nas cidades, a partir da ideia de combate ao demônio. Faltam documentos diretos
que nos permitam acessar quais sentidos os cristãos da igreja africana atribuíram ao combate
ao demônio. O que possuímos na verdade são fontes indiretas. Entendo como fonte indireta, a
definição proposta por Carlo Ginzburg no prefácio de O Queijo e os Vermes, no qual entende as
fontes indiretas como aquelas que nos possibilitam conhecer determinados grupos apenas
indiretamente, através de filtros e intermediários que os deformam. Apreender as ações de
disputa no espaço urbano, das comunidades cristãs, a partir do discurso de Agostinho, seja
pelo simples relato de um acontecimento, ou pela repreensão de tal requer uma leitura “á
contra pelo”. Os sermões de Agostinho eram práticos, na medida em que o bispo repreende
uma ação podemos inferir que esta ação era praticada por membros da comunidade. Este
trabalho como bem definiu E. P. Thompson (1997, p.60), consiste em expor o documento a
uma luz satânica, no qual a fonte deve ser lida ás avessas. Para esse caso, significa a partir dos
sermões de Agostinho identificar com a comunidade cristã se posicionava em relação ao
discurso de combate ao demônio e como ela justificava suas ações coletivas a partir desse
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discurso. endo isso em mente, os Sermões servem a dois objetivos. O primeiro entender
como o bispo se posicionava em relação aos conflitos urbanos e o combate ao demônio. E
segundo, serve também como uma fonte indireta das práticas e concepções da comunidade
cristã africana.
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(Biblioteca de Autores Cristianos, 461).
RUIZ BUENO, D. (ed.). Actas de los mártires. Madri: Editorial Católica, 1962.
manipulados a não perceber que o sistema econômico/social em que vivem pode ser
criticamente pensado. Essa manipulação do pensamento social torna o indivíduo um ser
passivo, assim como Jó é percebido por certas interpretações teológicas, com expressões do
tipo: “paciência de Jó”. Para Rossi (2011), Jó era de fato um perseverante e buscava
compreender os motivos de estar sendo injustiçado. As Teologias da Prosperidade justificam
seu discurso através do pensamento de que, Deus deseja que todos os seus filhos tenham
abundância financeira, de modo que sejam também merecedores das riquezas recebidas.
Nota-se ai a influência de um pensamento Weberiano quando aborda a relação
trabalho/espiritualidade/prosperidade: “querer ser pobre [...] era o mesmo que querer ser um
doente, seria condenável [...] nocivo à glória de Deus”. (WEBER, 2004, p. 148).
Conforme analisa Harvey (2011, p. 207), “a hegemonia ideológica e política em toda sociedade
depende da capacidade de controlar o contexto material da experiência pessoal e social”.
Nesse sentido, as Religiões têm poder sobre a vida dos fiéis, e são utilizadas como ferramenta
de orientação social. A sociedade consumista precisa de algo que justifique os atos de
consumo que ocorrem num contexto de alienação, e as Teologias da Prosperidade contribuem
para a materialização destes atos. Sendo assim, é perfeitamente aceitável que existam pessoas
que faturam milhões, e em quantidade muito maior, indivíduos que vivem às margens da
sociedade em condições precárias. As desigualdades sociais podem, portanto, ser justificadas
através da Teologia da Retribuição, os prósperos fazendo por merecer as coisas que possuem,
e os pobres procurando se redimir e se corrigir diante de Deus. A situação social recai
fundamentalmente sobre as ações humanas perante a divindade.No tempo presente, entre os
que se dizem cristãos existem muitos adeptos da Teologia da Prosperidade. Buscam conquistar
em vida aquilo que a Bíblia lhes prometeu no pós-vida. A sociedade de consumo não permite a
espera, as coisas devem ser conquistadas imediatamente. Conforme Bauman (2008, p. 60) “A
sociedade de consumidores talvez seja a única na história humana a prometer felicidade na
vida terrena, aqui e agora e a cada ‘agora’ sucessivo”. Na sociedade dos prósperos os pobres
são tidos como merecedores do seu sofrimento, pecadores, portanto, “desnecessários,
indesejados, desamparados – onde é o lugar deles? A resposta mais curta é: fora de nossas
vistas [...] deportados para além das fronteiras [...] excluídos [...] encarcerados” (BAUMAN,
2008, p. 161). Criam-se métodos para justificar as ações de consumo e a sociedade perversa
onde o dinheiro prevalece sobre as relações humanas. A Teologia sofre transformações no
âmbito da sociedade de consumo. Aos “fiéis” cabe o dever de buscar a “santidade”, orar
incessantemente e aproveitar as oportunidades num ambiente competitivo. Visivelmente são
sintomas de uma sociedade que tem coisificado os seres humanos, uma “sociedade treinada
para medir os valores em dinheiro e para identificá-los com as etiquetas de preço colocadas
em objetos e serviços vendáveis e compráveis”. (BAUMAN, 2004, p. 95).
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Letras, 2004.
propriamente latino-ocidental dessa categoria de análise. Por fim, Mircea Eliade, graças à
ênfase e à supervalorização dada à noção de sagrado – entendida como realidade ontológica,
em oposição e detrimento da ideia de profano –, não confere à história nenhuma autonomia
operativa e explicativa em suas análises, formando-se, assim, uma fenomenologia anti-
histórica, e não uma perspectiva histórico-religiosa. Em vista disso, a noção teórica fundante
da metodologia histórico-religiosa, em clara oposição à fenomenologia religiosa, pode ser
resumida na fórmula de Pettazzoni de que “cada phainómenon é um genómenon, ou seja, que
“para compreender um fato cultural qualquer, dever-se-ia procurar, antes de qualquer coisa, a
reconstrução da sua gênese, da sua formação”. Assim, enquanto a fenomenologia busca
compreender a essência (atemporal) dos fenômenos “religiosos”, a metodologia histórico-
religiosa procura examinar as especificidades das “religiões”, em seu desenvolvimento
histórico particular. Em consequência desse princípio norteador, evidencia-se inicialmente que
o próprio conceito de “religião”, construído epistemologicamente no interior de uma razão
histórica específica, não pode ser tomado acriticamente enquanto realidade universal ou
ontológica, amputando-a assim de sua particular trajetória e formação latino-ocidental. Dessa
forma, não existiria “religião”, no sentido ontológico do termo, mas apenas um produto
conceitual “religião”, nascido no interior de um percurso histórico particular, de modo que não
convém que seja estendido indistintamente a manifestações culturais outras, que nada tem a
ver com o seu percurso específico dentro da cultura cristã ocidental. Assim, uma das tarefas
principais da metodologia histórico-religiosa tem consistido exatamente em apreender a
historicidade dos fatos religiosos, ao buscar, conforme frisado pelo professor Adone Agnolin,
“esclarecer esses termos/conceitos, muitas vezes assumidos de forma acrítica [...], oferecendo
uma significativa contribuição/problematização aos estudos históricos e antropológicos
contemporâneos”. Dessa maneira, com base nesses pressupostos teórico-metodológicos,
intentaremos apreender, ao longo de desenvolvimento de nossa pesquisa, a historicidade dos
conflitos católico-calvinistas transcorridos na segunda metade do século XVII nos domínios
luso-holandeses orientais, subjacentes ao trabalho de elaboração da primeira tradução da
Bíblia em língua portuguesa, realizada pelo ministro pregador da Igreja Reformada Holandesa
em Batávia, João Ferreira de Almeida (1628-1691). Somente assim poderemos “desnaturalizar”
os meandros desse choque doutrinal – isto é, visualizar a posição ontológica no interior da qual
os autores se colocam para construir e justificar suas obras –, visando melhor entender,
historicamente, este posicionamento, e demonstrando sua necessária redução a uma razão
histórica própria. Em suma, intentaremos apreender o significado histórico da produção desse
objeto religioso específico, com base na perspectiva analítica da História das Religiões.
Análise das representações visuais referentes à veneração das relíquias de Santo Inocêncio na
Paróquia Nossa Senhora Da Conceição Aparecida De Tomazina 1975 – 2011
A Igreja Católica em Tomazina vivenciou no ano de 1975 um episódio bastante incomum para
o período em questão. A presença de relíquias de santos e mártires na história do Brasil
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remonta o período da colonização. Por se tratarem de restos materiais dos corpos dos santos,
principalmente seus ossos, a mobilidade das relíquias possibilitou uma utilização bastante
diversificada pelo clero católico, servindo como instrumento para integrar as novas terras
conquistadas pelos europeus à narrativa simbólica cristã (CYMBALISTA, 2006, p.19). A partir
do processo de expansão territorial do culto dos mártires do cristianismo, as relíquias
tornaram-se um objeto de catequização e de estruturação de um espaço territorial cristão.
Nesse período, era impensável a existência de uma cidade, igreja ou até mesmo altar sem uma
relíquia (CYMBALISTA, 2006, p.133). A sacralidade do santo estava em suas partes, até nas
menores, possibilitando desta forma a fragmentação e a distribuição de relíquias por todas as
partes do mundo cristão.É neste contexto que as relíquias de Santo Inocêncio Mártir,
guardado o devido distanciamento temporal analisado anteriormente, apresentam um
elemento especial. Trata-se das relíquias de um mártir que não foram fragmentadas, mas sim
transladadas integralmente, contando com todas as partes ósseas que continham quando
foram retiradas das catacumbas de São Calixto no século XIX. Passados trinta e seis anos,
algumas hipóteses podem ser levantadas no que concerne às motivações que levaram o frei
capuchinho Carlos Maria a realizar a transferência de uma relíquia de mártir para a Paróquia
de Tomazina. A primeira delas parte dos próprios registros deixados pelo religioso no livro
Tombo da paróquia. Através destes registros, o frei destaca que desde que esteve estudando
em Roma, sempre alimentou o desejo de trazer uma relíquia para o Brasil.Outra ideia está
ligada a movimentação de um culto religioso que pudesse “concorrer” com as festividades
religiosas que ocorrem no município de Siqueira Campos, distante vinte quilômetros de
Tomazina, onde existe uma grande prática de devoção a uma imagem do Bom Jesus, lá
intitulado de Cana Verde.O que foi observado a partir das analises preliminares são as relíquias
de um Mártir Romano do século III trazido para uma cidade do interior do Paraná, onde a
realidade do cristianismo católico não estava preparada para absorver tal devoção. Nota-se
que foram realizadas tentativas por parte dos capuchinhos que atuavam em Tomazina,
visando à aproximação da população nas práticas de devoção às relíquias do mártir, porém
elas não apresentaram o resultado esperado. Isso se deve ao fato da devoção ter sido
introduzida “de cima para baixo”, fato que poderia ter sido bem diferente caso a pratica
religiosa tivesse surgida no meio popular. A imagem de Santo Inocêncio não era condizente
aos conhecimentos que a população tinha a respeito dos santos. Vale destacar que durante
muito tempo a população estava acostumada a devoção aos santos confessores, sendo que os
santos por martírio, pelo menos no que se refere a esta região do norte do Paraná, era algo
pouco conhecido. Um dos grandes elementos que podem elucidar a dificuldade de assimilação
popular no que concerne a devoção às relíquias do mártir Santo Inocêncio é o seu caráter
dogmático, uma vez que imagens com essa característica são de difíceis assimilações junto aos
fiéis, não se materializando nos círculos de fé. (LOPES, 2003, p. 18-19).Para abordar este tema
a utilização de registros orais se torna imprescindível, uma vez que houve a participação de
movimentos e instituições que se envolveram no projeto de transferência das relíquias de
Santo Inocêncio para a cidade de Tomazina, conforme observado nos registros paroquiais e em
outros documentos os quais pudemos entrar em contato, como lista para ajuda financeira com
objetivo de compra da urna na qual as relíquias atualmente estão depositadas, arquivos
fotográficos, citações registradas em cadernos escritas pelo próprio frei Carlos, entre outros.
A pesquisa em questão tem como foco o levantamento de dados com a intenção de traçarmos
um panorama que permita, juntamente com outras fontes bibliográficas, analisar este
movimento católico em Tomazina no período em questão, buscando inseri-lo no contexto
cultural da atual abordagem histórica das religiões e religiosidades, abordando a sacralidade
como elemento cultural, impregnada de historicidade, isto é, inserida e passível de
transformações em determinados tempos, espaços e relações sociais.
MISTICA E ALIMENTO: O CONTROLE DO CORPO COMO FORMA DE TOCAR DEUS – SÉCULO XIV
Segundo Claude Fischler (1995) a alimentação comporta uma dimensão imaginária, simbólica e
social. Há o homem biológico e o homem social, que desempenha funções biológicas e funções
sociais. Ou seja, o ato alimentar envolve o biológico, o cultural, o individual, o coletivo, o
psicológico e o social que são seus aspectos indissociáveis. O autor, logo de início, levanta as
seguintes indagações: Por que comemos? Por que comemos o que comemos? Primeiro, de
acordo com ele, porque gostamos do sabor. Também porque temos a nossa própria disposição
para gostar desse ou daquele alimento e desgostar de outros. E também porque nosso corpo
exige ser alimentado e muitas vezes por substâncias que são vantajosas para ele. Juntam-se a
esses fatores a disponibilidade e o custo. Todos esses elementos encontram comprovação
científica, tais como o fato de poder-se afirmar que certas preferências são inatas, como o fato
do sabor doce ser muito apreciado. Outros em compensação apresentam uma aversão inata,
como o amargo. Quanto ao hábito é certo que a “familiaridade aumenta a aceitabilidade”.
Assim como já se comprovou que existem alimentos que fazem bem ou mal ao nosso
organismo, e que sua rejeição ou aceitação, com o tempo, podem influenciar os nossos
hábitos. Porém, todas estas explicações científicas mostraram-se insuficientes para explicar
satisfatoriamente uma questão tão complexa que é o da alimentação e do gosto.Igor Garine
(2000) prevê que no campo fisiológico, as pessoas são levadas por um impulso instintivo a se
alimentar. Como animais, os seres humanos sentem fome. Mas, os ingredientes que ingerem
devem, além de satisfazer-lhes as necessidades biológicas, cumprir determinadas
características ligadas às escolhas, principalmente determinadas pelo gosto e pelo cheiro.
Estas escolhas trazem consigo a marca cultural do meio na qual se desenvolveram. Alimentar-
se, portanto, transcende o ato de “matar” a fome, pois há necessidade da satisfação dos
apetites, ou seja, o desejo de voltar a experimentar a sensação de bem-estar consecutiva ao
consumo alimentar.Quem come não consome somente o que o alimento representa no nível
do seu biológico, mas também o que representa em relação ao imaginário, e não somente seu
metabolismo. O homem é aquilo que come, ou aquilo que não come, a partir de suas escolhas
alimentares revela seu caráter, sua religião e sua relação com Deus. O domínio da vontade
relaciona-se diretamente à experiência de si, ao conhecimento dos limites do próprio corpo e
ao conhecimento do outro, sendo esse Outro Deus. Para Fischler (1995, p.66) uma das funções
culinárias é o “princípio da incorporação”. De acordo com ele: “Incorporar um alimento é,
tanto no plano real como no plano imaginário, incorporar tudo ou parte de suas propriedades:
chegamos a ser o que comemos. A incorporação funda a identidade”. E, incorporar-se a Cristo
foi um desejo para alguns místicos entre os séculos XIV e XVI na Europa cristã. A refeição e a
partilha do alimento tornou-se uma metáfora da imagem de Cristo, ela é veículo para
reafirmar o pertencimento ao seu corpo – tanto no sentido corpo de Deus como no sentido de
comunidade cristã. Nesse sentido, para Jacques Gèlis (2008, p.53): “O místico vive de
maneira permanente uma dupla relação com o corpo divino. Pela comunhão, ele o assimila;
por seu desejo de partilhar os sofrimentos do Redentor, ele aspira fundir-se ou incorporar-se
no corpo divino. Se o corpo é o principal obstáculo para chegar a Deus, ele pode também ser o
meio de operar sua salvação”. Assim, ao infligir-se castigos doma sua própria carne pela
disciplina. Pela ascese recebe graças, é ela que permite a fusão entre o corpo humano e o de
Cristo. O motor propulsor disso é o desejo de incorporar-se Deus. Uma das formas para isso é
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No ano de 1945, dois camponeses egípcios encontraram por acaso, quando entraram numa
caverna, próxima a moderna cidade de Nag Hammadi, para procurar fertilizantes, um jarro de
barro de argila, e dentro desse vaso foram encontrados diversos códices de papiros cobertos
com couro. Esses camponeses provavelmente não faziam ideia da importância da descoberta
que fizeram, pois nesses papiros continham traduções em copta datadas do século IV de textos
gregos ainda mais antigos, do século II. Mais tarde após a tradução e edição desses textos,
esses códices passaram a ser chamados pelos especialistas de Biblioteca Copta de Nag
Hammadi, uma coleção de aproximadamente 53 textos de cunho religioso e filosófico. Essa
descoberta fez com que os estudos sobre o gnosticismo entrassem numa nova fase, pois a
partir daquele momento os especialistas poderiam estudar os gnósticos a partir do material
produzido por eles, e não mais apenas das acusações e refutações dos heresiólogos. Abria-se
então, a possibilidade do contraponto entre as fontes gnósticas e eclesiásticas. Com a
descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi, várias frentes de pesquisa se abriram, como, por
exemplo, a relação do gnosticismo com a filosofia helênica, e a relação do gnosticismo com o
cenário religioso da época. Outras questões antigas voltaram a tona, como no caso da
discussão sobre as origens do gnosticismo, em que vários especialistas acreditaram que, a
partir das fontes gnósticas poderia-se buscar essas origens, mas, a diversidade do material
encontrado em Nag Hammadi era tão grande que até hoje não se chegou a um consenso sobre
essa questão que atualmente foi abandonada pelos especialistas.Este trabalho tem por
objetivo, refletir justamente sobre os estudos do gnosticismo antes das descobertas de Nag
Hammadi, pois julgamos importante, mesmo que de forma breve, fazer esse resgate
historiográfico dos estudos sobre os movimentos gnósticos, analisando a visão de alguns
especialistas, suas considerações e o material que estes tinham disponível para suas
investigações. Num primeiro momento vamos analisar o uso do termo gnosis na antiguidade,
seu significado e suas implicações sociais na relação entre os “ortodoxos” e “hereges”. O
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termo gnose quando utilizado para refletir sobre os vários grupos religiosos que atuavam nos
séculos II e III, perde o seu caráter genérico de um conhecimento racional e passa a se referir à
um conhecimento interior, à um conhecimento das coisas divinas. Em suma, nessa perspectiva
religiosa, gnosis passa a ser considerado um conhecimento da condição humana, e quem
possuia esse conhecimento teria sua salvação garantida pelo fato de ter conciência de sua
condição e assim transcendê-la. Do termo gnosis surgiu o termo gnóstico, que pode ser
traduzido como “conhecedor”, esse termo é muito importante pois nos levanta uma questão
muito importante, a noção de identidade entre os membros desses movimentos, será que
estes reconheciam como gnósticos, ou esse termo era usado pelos “ortodoxos” para depreciá-
los? Em seguida, vamos refletir sobre os estudos sobre o gnosticismo, desde o século XVII,
passando pelo período do iluminismo com a visão de filósofos, como Voltaire sobre esses
movimentos. Nesse contexto, os termos mais utilizados para descrever esses grupos eram
dualista e maniqueísta, em alusão à doutrina iraniana dos dois espíritos, um bom e outro mal.
A partir da segunda metade do século XIX surgem as descobertas mais importantes de
manuscritos antigos referentes a práticas religiosas cristãs marginalizadas pelos caçadores de
heresia. Ainda em meados do século XX, se tinha uma visão bipolar da relação entre ortodoxia
e heresia. Apesar da descobertas de alguns escritos gnósticos, se ignorava a diversidade
religiosa dos primeiros séculos do cristianismo, como se a proto-ortodoxia e o gnosticismo
fossem movimentos totalmente distintos. Adolf von Harnack, historiador alemão, baseando
sua pesquisa primordialmente nos Padres da Igreja, considerou o gnosticismo uma heresia
cristã. Harnack argumentou que, os gnósticos distorceram a mensagem cristã e propagaram
formas híbridas falsas de ensinamento cristão, o que ele chamou de “helenização aguda do
cristianismo”. Apenas com as descobertas de Nag Hammadi esse quadro mudou, quando se
percebeu que não haviam barreiras muito sólidas que delimitasse o que era ortodoxia e o que
era heresia. Mas ainda antes das descobertas de Nag Hammadi, Walter Bauer apresentou uma
visão bastante diferente do gnosticismo em 1934. Bauer verificou que o movimento cristão
primitivo, era em si muito mais diversificado do que as fontes ortodoxas tenderam a indicar.
O grande mérito de Bauer foi perceber essa diversidade no cristianismo primitivo, apesar da
falta de fontes gnósticas no período em que ele escreveu, período em que ainda não tinham
sido descobertos os Manuscritos do Mar Morto e nem a Biblioteca de Nag Hammadi, e mesmo
as fontes gnósticas descobertas no século XIX, algumas ainda não tinham sido publicadas.
A realização de festas religiosas em honra a um Ser identificado como superior, é uma prática
organizada desde os tempos mais remotos por distintos agrupamentos humanos tanto
politeístas quanto monoteístas, as quais se relacionam a construção de mundos sociais
específicos. A participação nessa modalidade de prática de religiosidade uma das
formas de ação em comunidade na relação que os indivíduos possuem com um grupo
particular em relação ao elemento visto como sagrado. O mundo do sagrado é o mundo do
sobrenatural, entretanto apesar da abstração que essa referência traz em seu bojo, o homem
pode se colocar sob sua influência chegando mais próximo dele quando participa de sua
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manifestação através de momentos de culto e dos rituais que fazem parte das festas religiosas.
Por meio dessa experiência se estabelece uma ligação com um mundo que não se conhece, a
não ser através da imaginação que se materializa na terra por meio dessas expressões de
crença. Para o estudioso Mircea Eliade, o homem toma conhecimento do sagrado porque ele
se manifesta no mundo profano através da hierofania, isto é, a revelação de algo sagrado na
realidade vivida pelo homem (1999, p.33). Nesse caso, o indivíduo pode vivenciar a sua
manifestação quando participa dessas cerimônias, as quais canalizam a experiência do sagrado
e lhe fornecem a moldura, como é o caso das festas religiosas. Durante o período
decorrido na celebração festiva, Mircea Eliade nos informa que o homem presencia e vive o
um tempo sagrado, o qual “se apresenta sob o aspecto paradoxal de um tempo circular:
reversível e recuperável, espécie de um eterno presente mítico que o homem reintegra
periodicamente pela linguagem dos ritos”(1999, p.64). Os rituais são responsáveis por
perpetuar a simbologia religiosa e estão presentes nas etapas que compõem as festas, sendo
utilizados como instrumento de fazer-se lembrar, de ‘tornar-se presente’. Sua execução se
fundamenta na necessidade de se reiterar a continuidade entre o momento presente e a
tradição criada na sociedade, para situar os indivíduos num contexto que transcende a todos,
inserindo os moradores de uma localidade numa rede de sinais que coloca frente a frente os
homens que compartilham o mesmo credo. Vários são os autores que estudaram essas
modalidades de celebração religiosa: João José Reis (1991) Martha Abreu (1994, 1999),
Raquel Soihet (2002), Edilece Couto (2004, 2008), Carlos Rodrigues Brandão (1989, 1994,
1997, 1999), José Ramos Tinhorão (2000), Mary Del Priore (1994) entre outros, que ora
foi definida como transgressão ou manutenção da ordem, quebra da rotina do trabalho ou,
ainda efervescência, interpretações essas que não se encaminham para as cerimônias
festivas das Sagradas Escrituras. Embora a palavra festa possa ser utilizada em
diferentes contextos sociais abarcando acepções diversas, para o presente trabalho sua
significação compreende um fenômeno especificamente religioso realizado num contexto
sócio-cultural específico, que como Carlos Rodrigues Brandão enfatiza, ela se encaminha para
“um lugar e um tempo simbólico”. Todavia, para essa apresentação, privilegiou-se
estudar as festas religiosas que estão presentes no âmbito bíblico, mais especificamente nos
livros que compõem o Antigo Testamento. Assim, na tentativa de compreender esse
fenômeno religioso, o que se propõe neste trabalho é estudar as modalidades festivas contidas
nesse livro sagrado, mais especificamente quais os critérios que justificaram a sua implantação
nesse contexto temporal além de reconhecer como eram realizados tais encontros de
expressões de religiosidade. Como Michel de Certeau nos informa que o espaço é o lugar
praticado (1996, p.202), busca-se conhecer quais foram os espaços utilizados para a realização
das festas religiosas dos homens que viveram no período do Antigo Testamento, bem como os
objetos que faziam parte desses momentos, haja vista que durante esse período temporal
estabelecido pelo presente projeto uma doutrina religiosa estava sendo construída.
As fontes que compõe o corpus documental desse projeto em sua maioria são
oficiais, pois busca-se conhecer a implantação dessa modalidade de expressão religiosa
por parte de uma instituição que nesse caso é a Igreja. Com esse estudo das festas
religiosas contidas no âmbito bíblico nos livros do Antigo Testamento, busca-se somar para a
divulgação de informações a respeito da história das festas religiosas apresentando um olhar
de um profissional da história, que não está envolvido diretamente com o seu tema, pois a
grande parte das produções nessa temática foram elaboradas por pessoas que, de uma forma
ou de outra, se encontravam envolvidos com o seu objeto de pesquisa, ou seja, são pastores,
diáconos, representantes leigos que fazem parte de movimentos da Igreja, ou seja, constroem
o seu trabalho com fins religiosos propriamente dito.
235
LEÃO XIII. Carta Encíclica Magnae Dei Matris. (08/09/1892) Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091892_magnae-dei-
matris_po.html Acesso em 10/05/2012.
236
LEÃO XIII. Carta Encíclica Adiutricem populi. (05/09/1895). Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_05091895_adiutricem_po.html
Acesso em 10/05/2012.
237
LEÃO XIII. Carta Encíclica Augustissimae Virginis Mariae. (12/12/1897). Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_12091897_augustissimae-virginis-
mariae_po.html Acesso em 10/05/2012.
238
PIO X. Carta Encíclica Ad diem illum laetissimum. (02/02/1904). Disponível em:
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XII, além da Bula Dogmática redigiu as Cartas Encíclicas Fulgens corona, em 1953240 e Ad Caeli
Reginam, em 1954241.O Papa Paulo VI redigiu a Carta Encíclica Mense Maio, em 1965242 e duas
Exortações Apostólicas: Signum magnum243, em 1967 e Marialis Cultus, em 1974244. O Papa
João Paulo II redigiu a Encíclica Redemptoris Mater, em 1987245 e as Cartas Apostólicas
Mulieris Dignitatem, em 1988246 e, Rosarium Virginis Mariae, em 2002247.De acordo com
Eliade (1999)248, a teologia mariana representaria a transfiguração do antigo mistério religioso
da feminilidade, presente nas sociedades arcaicas. [...] a partir de sua conversão, ainda que
superficial, as numerosas tradições étnicas, assim como as mitologias locais, foram
homologadas (isto é, integradas) na mesma “história sagrada” e expressas na mesma
linguagem, a da fé e da mitologia cristãs. Deste modo, por exemplo, a memória dos deuses da
tempestade sobreviveu nas lendas de São Elias; muitos heróis exterminadores de dragões
foram assimilados a São Jorge; certos mitos e cultos referentes às deusas se integraram no
folclore religioso da Virgem Maria (ELIADE, 1999, p. 283)249.A representação do feminino
esteve, no decorrer da história, quase sempre associada a imagens dicotômicas. Frágil ou
forte, vítima ou culpada, santa ou pecadora, a mulher aparece na história prioritariamente por
intermédio do olhar masculino, sendo as figuras de Eva e Maria os principais referenciais
simbólicos dessa oposição, na sociedade ocidental. Maria representa a mulher pura,
assexuada, aquela que foi capaz de conceber sem pecar. Enquanto Eva carrega o castigo na
sua sexualidade, Maria a redime, mostrando que é possível à mulher cumprir o seu papel de
procriadora, sem exercer o desejo carnal. A Virgem Maria uma figura humano-divina que
concebeu sem nunca ter tido uma relação sexual, mantendo se pura sujeita aos desígnios de
Deus e reconhecida como sua colaboradora, diferentemente de Eva, mulher que não soube
conservar sua posição na ordem estabelecida pelo Criador se rebelando, desejando ser o que
não podia, um entrave a ordem estabelecida até então. No fim do século XVIII, o amor
materno parece um conceito novo. Não se ignora que esse sentimento existiu em todos os
tempos, se não todo o tempo e em toda parte (...) Mas o que é novo, em relação aos dois
séculos precedentes, é a exaltação do amor materno como um valor ao mesmo tempo natural
e social, favorável à espécie e a sociedade (BADINTER, 1995, p. 145-146)250. A naturalização do
amor materno impõe às mulheres um modelo de abnegação e resignação característico da
“santa”. A ideia da mulher como “mártir da modernidade”, ou seja, aquela que nasceu para o
sofrimento, que deve sacrificar-se constantemente traz Maria como modelo. A Virgem Santa
suportou todas as dores de mãe, portanto é o exemplo a ser seguido. Afinal “ser mãe é
padecer no paraíso”. De acordo com Silvia Nunes (2000)251 esta ideia vai servir de base para se
pensar a mulher como essencialmente masoquista, desenvolvida no século XIX. E o sofrimento
seria o oposto do prazer. Até o Renascimento o prazer de homens e mulheres era considerado
fundamental para a reprodução. As mulheres que transgridem o modelo “esposa-mãe-dona-
de-casa-assexuada” são consideradas uma alteração do quadro normal da mulher e devem ser
culpadas pela sociedade. No século XIX, a preocupação com as transgressoras é cada vez
maior. É necessário buscar formas de adestrá-las. No século XX quais os modelos que as
mulheres deveriam seguir? Novamente, encontramos a figura de Maria direcionando o modo
de ser da mulher católica. Estes são alguns apontamentos presentes nesta comunicação.
Alguns aspectos relevantes sobre comidas de orixás e a importância do cotidiano para manter
esses rituais do candomblé
O objeto de estudo proposto para esta pesquisa, qual seja, as comidas de orixás, serão
analisadas à partir de dados extraídos do Terreiro de Candomblé denominado “Ilê Ast’oyá
Onyrá”252 na cidade de Sarandi, Estado do Paraná. Sua existência data de 1989 e atualmente
funciona no bairro Bom Pastor, onde reside a Yalorixá Fabiane de Oyá. É um um terreiro
simples, freqüentado por pessoas de vários estratos sociais. Um dos pontos fortes do terreiro
é o jogo de búzios; sua importância está no conhecimento e prática, por parte da Yalorixá no
tocante ao conhecimento das comidas dos orixás para os pedidos e assentamentos, esse
último é o ponto alto desse projeto, tendo em vista que o candomblé possui vários rituais e
cada ritual tem um objetivo específico. A Yalorixá deste terreiro já preparou outros adeptos no
250
BADINTER, Elizabeth. Um Amor Conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
251
NUNES, Silvia Alexim, O corpo do diabo entre a cruz e a caldeirinha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
252
Ilê Ast’oyá Onirá significa Casa de Axé de Yançã Onirá.
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candomblé, pessoas vindas de outras cidades do Paraná. As pessoas que ali vem para os
trabalhos tomam conhecimento deste espaço intermédio de outras que o conhecem e
indicam. Uma construção anexa à residência de Fabiane de Oyá, serve como espaço para os
rituais e atendimentos e, atualmente passa por obras de construção no terreno para ampliá-lo.
A importância de se estudar e analisar a culinária de terreiro de candomblé, em específico o
supracitado, está pautada na historicidade brasileira, pois com a escravidão no Brasil desde a
época colonial, os rituais de assentamento para os orixás existem, trazidos com os negros
africanos. Os assentamentos representam um dos rituais mais importantes do candomblé. As
comidas feitas para cada orixá são preparadas segundo a preferência de cada uma dessas
divindades. Os alimentos e especiarias utilizados seguem a tradição do candomblé Yorubá, as
quais serão estudadas e analisadas nesta pesquisa. Cada prato preparado segue um ritual
próprio, a pessoa que irá prepará-lo deve ser alguém do sexo feminino, da hierarquia do
candomblé, deve ser alguém que recebeu preparação espiritual e conhecimentos para realizar
esta tarefa. Quem leva e assenta as comidas são os yalorixás e babalorixás. Porém, antes de
fazer as comidas com o cardápio de cada orixá, respeitam-se a tradição religiosa consolidada
em valores e concepções sagradas, repletas de sentido de pureza e impureza, as quais serão
estudadas e analisadas durante a execução deste projeto com base nos autores infracitados.
A representação e os valores atribuídos aos orixás recebem um condicionamento inconsciente
e interiorizado pelos adeptos do candomblé. Ou seja, quando se assenta um alimento
preparado para um orixá, não se questiona sobre este alimento, ou sobre o valor dele. Na
verdade é uma forma de fé e de respeito, advinda do grupo social adepto desta manifestação
religiosa. [...]. A relação entre a consciência e o pensamento é, portanto, estabelecida de uma
nova maneira, próxima daquela dos sociólogos da tradição durkheimiana, enfatizando os
esquemas ou os conteúdos de pensamento que, mesmo que sejam enunciados sobre o modo
individual, dependem na verdade, dos condicionamentos inconscientes e interiorizados que
fazem com que um grupo ou sociedade compartilhe, sem que seja preciso explicitá-los, um
sistema de representações e um sistema de valores. (CHARTIER, 2002, p.35). Todavia, para
que as representações e formas de pensamento coletivo se solidifiquem no interior de um
determinado grupo, dando a ele identidade, se faz necessário que cada pessoa do grupo,
manifeste em suas práticas cotidianas estas representações e formas de pensamento que
traduzem a identidade do grupo. Dentre as práticas e ritos desta manifestação, temos a
comida dos santos.Para os orixás, se reza cantando. As danças recontam mitologias, as cores
utilizadas nos ritos reverenciam ao mesmo tempo em que integram as forças dos orixás. Do
mesmo modo, cada orixá tem uma comida que o representa. Diz-se que é sua preferida, por
isso lhe é oferecida cerimonialmente. O alimento contém a natureza da divindade, assim como
o banho que reúne o conhecimento das folhas. Os ritos são modos através dos quais se saúda
e se recebe a força do orixá (SOUZA et all, 2005, P. 61). As práticas alimentares do candomblé
para os assentamentos seguem um ritual cotidiano, de cada pessoa do grupo (terreiro), à
medida que reproduzem uma tradição imbuída de características próprias, as quais, mesmo
que adaptadas ao cotidiano, muitas vezes por falta de dinheiro ou de tempo, apressam-se um
ritual e não o fazem com o melhor e mais caro azeite de dendê, ou camarão, o mais caro e
bem tratado bode (mas este deve ser perfeito, sem doença, sem membros defeituosos,
sempre); o babalorixá ou a yalorixá não podem contudo, deixar de respeitar a tradição e
assentar um prato com alimentos que o orixá não aprova, inclusive isto seria motivo de
quizila253. No candomblé as oferendas alimentares para os orixás são para saudá-los, agradecer
pela prosperidade, enfim, não são para fazer trocas, como ocorre quando se faz um ebó254. O
253
Neste caso o orixá traria coisas contrárias às almejadas pela pessoa.
254
Prepara-se alimentos, os quais são aceitos por determinado orixá para livrar uma pessoa de uma doença, ou
conseguir trabalho, ou trazer o marido de volta, etc., mas, neste caso passa-se os alimentos preparados na pessoa,
juntamente com reza e dança.
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CHARTIER, Roger. A Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre:
Editora da Universidade, 2002.
SOUZA, Ana Lúcia Silva [et al...].De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2005.
Valdir Pimenta dos Santos Junior (Mestre em História Social- UEL, Especialista em História
Social-UEL, Licenciatura e Bacharelado em História-UEL)
O presente trabalho teve como objetivo investigar a construção social do imaginário coletivo
que envolve a comunidade de imigrantes alemães-judeus na cidade de Rolândia-PR a partir da
década de 1930, quando diversas famílias abandonaram a Europa com a intensificação das
restrições impostas pelo III Reich. Foram utilizadas fontes literárias, produzidas pelos próprios
imigrantes, além de material pertinente ao estudo da intolerância religiosa e do
antissemitismo enquanto prática social instituída. Desta forma, dois trabalhos foram
significativos: “Um advogado de Frankfurt se torna cafeicultor na selva brasileira”, de Max
Hermann Maier e “Os jardins de minha vida”, de Mathilde Maier. A partir destas obras, o
conceito do ressentimento foi investigado, atrelado as suas relações com o judaísmo,
literatura, imigração e religiosidade. A família Maier chegou ao Brasil através de negociações
estabelecidas com a companhia inglesa Paraná Plantation, que já naquela época desenvolveu
diversas atividades na região. Muitos alemães encontraram assim uma forma de escapar dos
dias que se anunciavam na Europa ao final dos anos trinta através de uma espécie de vale-
terras que era negociado diretamente com a companhia inglesa, visto que as Leis de
Nuremberg restringiram severamente a possibilidade de negociatas matérias entre os
alemães-judeus, sobretudo retirar dinheiro em espécie do país era terminantemente proibido.
Uma vez no Brasil, estes novos “colonos” da região norte do Estado do Paraná, dedicaram-se a
atividades diversas, distintas das praticadas na Europa, adaptadas a nova realidade imposta. A
agricultura pode ser colocada como principal meio de sobrevivência daqueles que obtiveram
terras na região da chamada “Gleba Roland”, nos arredores da cidade de Rolândia, ainda em
formação naquele momento. Porém, através de pesquisa realizada, foi possível observar a
preservação de manifestações próprias. A literatura, o teatro, os hábitos, diversas formas
foram encontradas pelos “fugitivos” para o espírito da cultura humanista alemã entre eles. A
investigação pretende mostrar no Simpósio Temático alguns pontos deste trabalho,
destacando a produção literária, imagens, diálogos, textos acerca da temática e discussões já
realizadas sobre o assunto.
Palavras-chave: Imigração – Judaísmo - Literatura
As celebrações em honra ao Divino Espírito Santo, que ocorre em diversas cidades do Brasil,
assim como em outros países do mundo, como em Portugal se caracteriza em uma das
inúmeras devoções do catolicismo popular. No Brasil, essa devoção acontece desde o período
da colonização. Em Ponta Grossa, cidade do interior do Paraná a devoção ao Divino Espírito
Santo iniciou em 1882 após Dona Maria Júlia Cesarino Xavier ter encontrado em um olho
d’água a imagem do Divino Espírito Santo (representada por uma pomba) gravada em um
pedaço de madeira. A partir desse momento iniciou-se na cidade celebrações em honra ao
Terceiro Elemento da Santíssima Trindade. Nesse sentido, esse trabalho busca entender a
formação do catolicismo no Brasil, bem como a romanização do mesmo destacando e
analisando discursos dessas relações. O ponto principal de abordagem desse trabalho foi às
celebrações em honra ao Divino Espírito Santo, ou seja, as rezas, as novenas, as procissões e
principalmente a festa, essa foi analisada enquanto um momento de afirmação da
comunidade religiosa e como um espaço de sociabilidade. Outro ponto abordado foi às
relações existentes entre os devotos e o clérigo local, o primeiro representante de um
catolicismo devocional e popular, o segundo constituído do catolicismo institucional. Para
tanto, utilizou-se como fontes periódicos locais, programas das festas do Divino, orações,
folhetos, o processo de tombamento do imóvel que abriga a imagem do Divino na cidade e
fotografias (ex-votos). Essa última fonte os Ex-votos merecem destaque especial, pois, se
consubstanciaram na principal fonte utilizada para entendermos o processo devocional. Nesse
sentido entendemos que a cultura ex-votiva tem sua origem na antiguidade, quando os
guerreiros penduravam as armas após os combates e os doentes curados depositavam
esculturas representando “pedaços do corpo” nos templos de Delfos, na Grécia e Diana em
Roma, esses, eram feitos de barros. No Egito os ex-votos eram oferecidos pelos egípcios aos
deuses da sua cultura, inscrições foram encontradas nos templos onde mencionavam que o
Touro Ápis em Menfins recebia inúmeros ex-votos pelos seus adoradores em formas de
múmias de animais, como o escaravelho o mais importante símbolo religioso egípcio. Nesta
perspectiva, ex-votos são inúmeros objetos depositados em capelas, santuários, igrejas, enfim
em lugares sagrados, após a graça ou pedido alcançado. No entanto, Dantas (2007, p. 147) nos
alerta que é possível encontrar, nos mais variados “templos” objetos que antecedem os
pagamentos de promessa. Os objetos dedicados aos santos se tornam ex-votos a parir do
oferecimento ao santo, assim qualquer objeto pode se tornar um ex-voto, pois para que isso
ocorra ó depende da necessidade só devoto. Diante dessa variedade tipológica, Gonçalves e
Santos (2010, p.11) apontam para a multiciplinariedade de estudos a respeito da prática
votiva. Para as autoras, jornalistas, antropólogos, sociólogos, historiadores são os estudiosos
que se aventuram nesse campo, proporcionando diferentes perspectivas sobre o assunto,
assim entendemos que essas fontes consistem em registros da crença do povo, elementos da
cultura popular. Nesta perspectiva, da variedade de objetos que se tornam ex-votos e das
inúmeras possibilidades de análise, se debruçamos sob os ex-votos da “Casa do Divino”, que
correspondem a mãos, cabeças, pés e pernas de plástico ou gesso, várias cartas, inúmeras
orações e fotos de pessoas, pessoas essas que depositam sua fé e entregam seus ex-votos ao
Espírito Santo. No entanto, para esta pesquisa optamos por analisar apenas as fotos deixadas
por devotos na Casa do Divino, devido ao grande número das mesmas e principalmente
porque em muitas dessas contém no lado inverso da imagem relato dos devotos, ou seja,
pedidos, testemunhos ou agradecimentos ao Divino Espírito Santo, característica que aqui
chamamos de “imagem + testemunho”, ou seja, o que a historiografia especializada denomina
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de “materialização da fé”. Assim, verificou-se que o acervo corresponde a fotos desde 1882 a
2002 e totalizam 12.192 fotografias, sendo que 5.434 são em formato 3X4 em preto e branco,
220 em 12X18 coloridas e 6.145 em 12X18 em preto e branco. Nesse caminho, o acervo foi
organizado em sete categorias, desse modo ficou classificado em: Casal, Casamento, Crianças,
Família, Homens, Mulheres, e Outros. Diante desse cenário optamos por trabalhar com as
fotografias identificas que correspondem a 122 “imagens + testemunho”, no entanto, ainda
consideramos um número expressivo e percebemos que a maioria das “imagens +
testemunhos” tinha praticamente o mesmo conteúdo. Desse modo a partir de uma analise
prévia escolhemos algumas para uma análise mais expressiva. Assim, os critérios utilizados
foram: identificar as fotos que se direcionavam diretamente ao Divino Espírito Santo, pois,
muitas se referiam a outros santos, como Nossa Senhora Aparecida, Senhora Sant’Ana, Jesus,
entre outros. Testemunhos objetivos, ou seja, que no testemunho ficasse claro o pedido,
agradecimento ou graça alcançada e ainda testemunhos diferenciados, pois muitos se referiam
apenas a “entrego essa fotografia ao Divino Espírito Santo
Filha, esposa, mãe, louca, interna de hospital psiquiátrico, indigente, freira, interna de um
convento, participante de uma irmandade. Enlouquecida, traída, examinada, internada,
abandonada, tratada, processada, interditada, desquitada. Incapaz. Estes adjetivos são
atribuídos a Nanci, personagem que passa por um processo civil de interdição em 1956. O
processo, que visava avaliar a capacidade civil de Nanci, ou seja, determinar se ela teria
condições de reger sua pessoa e administrar seus bens, foi favorável à sua interdição; ela foi
declarada louca, e sujeitada aos cuidados e à representação pública de um curador. Antes
mesmo do início do processo que a interditou ela já estava internada em um hospital
psiquiátrico. No decorrer do processo, ela é chamada a ser interrogada pelo juiz sobre sua
vida: quem era essa mulher, o que pensava de sua vida e o que tinha a dizer sobre si mesma
tornaram-se questões determinantes sobre seu destino. Meu argumento central neste
trabalho é o de que Nanci, em seu interrogatório, construiu uma narrativa sobre si, e o
processo civil de interdição, ao julgá-la louca, construiu uma narrativa sobre sua loucura. O
processo civil de interdição constituiria, assim, um momento único de escrita de si e da história
da loucura.Nanci passa por processos de negação e criação de si, significando a experiência
que vivencia. Dentre essas significações, é possível perceber certas aproximações, pontos de
similitude entre a interpretação de si construída por ela própria e as interpretações externas
manifestadas por outros, envolvidos no processo – seu esposo, seu pai, os médicos peritos que
a examinam, o juiz que dirige a causa. Mas, em sua construção sobre si mesma, Nanci também
constrói uma interpretação totalmente nova, que apesar de apresentar pontos em comum,
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também apresenta pontos que escapam à interpretação daqueles que a cercam. Este trabalho
é elaborado a partir do processo de interdição de Nanci, dando ênfase nas avaliações às quais
ela foi submetida: a avaliação de cunho jurídico, dirigida pelo juiz em forma de interrogatório;
e a avaliação médica, expressa pelo exame de sanidade a que foi submetida. Questiono se o
processo civil pode ser percebido como uma escrita de si, e em caso positivo, qual sua forma,
seus limites e possibilidades. Desejo problematizar os pontos de encontro entre as estratégias
de poderes e saberes médicos e jurídicos e os movimentos dos sujeitos, que ao tecer e serem
tecidos por essas e outras tramas, são chamados a expressar uma interpretação de si. Percebo
os processos civis de interdição como momentos específicos, em que os personagens
envolvidos devem defender posições e objetivos. Eles mobilizam jogos de verdades, que
produzem uma verdade da loucura e da incapacidade, bem como produzem outras verdades,
todas imbricadas. O processo de interdição de Nanci é desencadeado na Comarca de
Guarapuava, na década de 1950. A elucidação sobre esse recorte colabora para nuançar e dar
densidade à discussão, problematizando sobre que experiências se constituíram na interseção
entre saberes, normatividades e subjetividades, provocadas pela interdição civil. Esse processo
é parte de uma seleção de processos mais ampla, que abrange as décadas de 1940 e 1950, que
é objeto de minha pesquisa de mestrado. Tais processos encontram-se no Centro de
Documentação e Memória, localizado na Universidade Estadual do Centro-Oeste. Os processos
civis de interdição seguem um padrão de execução, que compreende quatro etapas: petição
inicial, interrogatório, exame pericial e sentença. Ao longo do processo são construídas,
evocadas e, por vezes, rejeitadas várias concepções de sujeito, de mundo e das relações entre
ambos. O processo de Nanci é regulamentado com base no Código Civil de 1916, que
estabelecia que pais, tutores, cônjuges, parentes ou o Ministério Público seriam os únicos que
poderiam mover uma ação de interdição. Trata-se de relações de conflito, pois requerer a
interdição de alguém tão próximo de sua vida pessoal significa mais do que cuidar desse
alguém. Significa controlar, agir no sentido da normalização de comportamentos e ações
considerados inadequados.
Este trabalho tem como objetivo expor uma comparação analítica entre as trajetórias e
algumas concepções de Heitor Carrilho (1890-1954) e Leonídio Ribeiro (1893-1976), no cenário
intelectual e científico da psiquiaria e da criminologia da cidade do Rio de Janeiro, com nas
décadas de 1920, 30 e 40. Heitor Pereira Carrilho, médico potiguá, formou-se em medicina
pela Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro no início a década de 1910, foi médico do
Hospício Nacional de Alienados e chefe da “Seção Lombroso” desta instituição, destinada aos
“delinqüentes loucos” ou “loucos delinquentes”. Depois, dirigiu o Manicômio Judiciário do Rio
de Janeiro desde sua fundação, em 1921, até sua morte em 1954. Além disso, lecionou em
faculdades de medicina em cadeiras de psiquiatria, em cursos de especialização em medicina
legal para juristas, passando ainda pela Academia Nacional de Medicina, pela Sociedade
Brasileira de Criminologia, pelo Conselho Penitenciário, entre outras instituições. Atuou ainda
em sub-comissão legislativa do governo provisório, em 1931, e em vários congressos nacionais
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Andréa Maria Carneiro Lobo, Mestre, UFPR. Doutoranda em História pela UFPR. Orientador:
José Roberto Braga Portella.
Elaborada durante as discussões da Lei Seca e o Sufrágio Universal nos EUA no início do século
XX, duas emendas que seriam aprovadas no sistema constitucional americano, Memórias
Alcoólicas (John Barleycorn – Alcoholic Memoirs), do escritor norte-americano Jack London
(1876-1916), é considerada uma obra referencial sobre o tema do alcoolismo. A obra destaca-
se no conjunto de seletas obras literárias norte americanas que abordam os efeitos do álcool e
por ser notadamente o retrato mais fiel da trajetória aventureira de London até a sua
consagração como um dos ficcionistas de aventuras mais populares e bem sucedidos dos EUA.
O substrato social motivador que levou London a escrevê-la tem como ponto de partida a
aprovação da Lei Seca nos EUA e a conquista do voto pelas mulheres norte-americanas, este
último inicialmente apresentado na forma de uma extensão do voto feminino a todo o
território americano em 1919, excetuando-se no Novo México, mas ratificado por uma
emenda constitucional em 1920. Díspares em um primeiro momento, os dois acontecimentos
históricos encontram sentido na ficção de London no argumento pessoal de que “as mulheres
são as verdadeiras conservadoras da raça”, às que “zelarão em favor dos meninos ainda por
nascer”; e as que pagam com o cansaço de um corpo de suor e lágrimas as conseqüências das
bebedeiras masculinas nos saloons. Essa era a perspectiva de London, que inicialmente
posicionou-se contra o sufrágio feminino e num momento posterior defendeu o voto feminino
e a proibição da comercialização de bebidas alcoólicas para que a mesma não lançasse “suas
garras contra à juventude.” No entanto, cada parágrafo de Memórias Alcoólicas são os cacos e
os escombros de uma alma conturbada, restos de um ainda sóbrio London que afirmava nunca
ter sido alcoólatra e por toda sua vida ter odiado o gosto amargo do álcool. Para London a
literatura sempre foi o contraponto do alcoolismo, como se estivesse confrontando as mil
palavras escritas por dia com os goles desbragados de cerveja e uísque consumidos nas
tavernas de São Francisco. Memórias Alcoolicas de London nos remetem a História da
Sexualidade, de Michel Foucault, especificamente aos volumes II - O Uso dos Prazeres e ao
volume III - O Cuidado de Si, ambos publicados em 1984, oito anos após a publicação do
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primeiro volume. As duas obras marcam uma mudança significativa nas reflexões de Foucault
sobre estéticas das existências, que salta da moral contemporânea para analisar as artes de
viver sob o signo do cuidado de si no universo sócio-político e cultural greco-romano e
helenístico. Memórias Alcoolicas não é um diário intímo de London, mas as glórias dos seus
excessos, uma latente escrita de si apaixonada e contraditória que vai de encontro a
constituição de si mesmo. Beber para London, mesmo sobre pressão dos amigos, é mudar um
pouco o mundo ao redor, é socializar-se um pouco mais. London não se arrepende e nem se
desintoxica. Em cada encontro com o alcool, um novo mundo lhe vislumbra. Memórias
Alcoolicas é uma obra de ambivalências, um livro de aceitação e negação ao alcool.Tendo
como fio condutor o tema do alcoolismo, o trabalho analisa como a sua prosa se constitui em
prática de si enquanto construção de subjetividade e organização da existência. É investigado
como essa obra estabelece relações com a temática do cuidado de si e das relações entre os
indivíduos, problematizadas por Michel Foucault nos volumes II e III da História da
Sexualidade, publicadas em 1984, acerca da estética da existência e das artes de viver
presentes no universo social greco-romano e helenístico.
Porém, como nos mostra Ana Venancio (2003), a reputação internacional do Instituto
de Munique (fundado por Kraepelin, em 1917) viveu um período áureo entre as décadas de
1920 e 1930. E foi por esse motivo que Roxo teria declarado com orgulho que “até 1936,
visitara três vezes” o Instituto de Munique. Em 1938, Roxo articulou a fundação do Instituto de
Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB), aos moldes do Instituto de Munique, no lugar
outrora ocupado pelo antigo Instituto de Psicopatologia do Hospício Nacional de Alienados, o
que demonstra uma maior aproximação entre Henrique Roxo e o modelo kraepeliano. Este
proposta de trabalho busca, então, contribuir com as pesquisas acerca do processo de
internacionalização da psiquiatria/neurologia brasileira e alemã, sem residir numa abordagem
tradicional difusionista, sob nexo centro versos periferia. E para realizar este trabalho nos
pautaremos algumas questões: quais foram as finalidades dos processos de transferência de
saberes? Em quais temporalidades de enquadramentos eles ocorreram? Quem eram os
iniciadores? Quem eram os principais atores históricos envolvidos? Quais eram as extensões
das interações transnacionais, da transferência de conceitos e práticas, ou da migração de
profissionais, tendo em vista possíveis reações em nível local, regional ou nacional, bem como
as circunstâncias e influências? Que especificidades intelectuais, institucionais e políticas
configuravam as operações.Em suma, podemos dizer que nossa questão é pensar como se
articulou e se desenvolveu o processo de intercâmbio científico, intelectual e acadêmico, entre
médicos brasileiros e alemães, seja no âmbito das instituições asilares (HNA), seja no âmbito
acadêmico (PO/FMRJ). Para tanto, analisaremos um conjunto documental composto por
notícias de jornal da época; Relatórios Ministeriais (Ministério da Justiça e Negócios Interiores
e Ministério das Relações Exteriores); documentos diplomáticos do Arquivo do Itamaraty;
congressos de medicina; livros e compêndios médicos; periódicos médicos especializados,
especialmente, os Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria e a Revista Médica de
Hamburgo.
Santa Maria, entre vinte de abril e vinte de maio de 1949. Posteriormente mudou-se para o
Rio de Janeiro onde passou a publicar contos no Jornal do Brasil, porém suas sucessivas crises
nervosas levaram-na a procurar novamente ajuda psiquiátrica. Numa das várias internações
matou uma paciente. Considerada inimputável deveria ser internada em um hospital de
custódia, mas como não havia nenhum disponível na época, viveu alguns anos entre uma
prisão e outra. Em 1980 lhe foi concedida liberdade vigiada, que viveu entre uma internação e
outra. Um misto de autobiografia e diário de internação, ela escreveu a obra já citada
anteriormente, e em 1968 uma coleção de contos que culminaram na obra o Sofredor do Ver.
A História e a Literatura têm métodos e exigências diferenciados, mas se o historiador na sua
busca de construção de um conhecimento sobre o mundo quer resgatar as sensibilidades de
outra época, as maneiras como as pessoas representavam a si próprios e à realidade, “como
não recorrer ao texto literário, que lhe poderá dar indícios dos sentimentos, das emoções, das
maneiras de falar, dos códigos de conduta partilhados, da gestualidade e das ações sociais de
outro tempo?” (PESAVENTO, 2008, p.8). É neste sentido, que a obra Hospício é Deus,
representa uma possibilidade de compreender, a partir da voz de pessoas que comumente não
eram ouvidas por serem consideradas “loucas”, de uma narrativa testemunhal, as maneiras de
ser e de estar no hospício e no mundo.
tema – que surge como problema de pesquisa, pelo menos no terreno das ciências humanas
brasileiras, no final da década de 1970, após a disseminação dos estudos de Michel Foucault
por aqui –, talvez tenha dificultado a divulgação dos estudos que se inserem no campo da
história da loucura e da psiquiatria, oriundos majoritariamente de programas de pós-
graduação, no formato de artigos e livros e sua circulação mais ampla. Por outro lado, há
ausência de uma sistematização mais abrangente desta produção, difusa e dispersa pelo país.
A pouca circulação das pesquisas levadas a cabo país afora faz com que pesquisadores da
região Sul do país não conheçam (ou conheçam pouco) o que é produzido na região Norte do
país, por exemplo, e vice-versa. A exceção talvez ocorra em relação às obras de autores fixados
no Sudeste brasileiro, seja porque lá se encontram também alguns centros de excelência,
formadores e disseminadores do conhecimento na área, ou a sede de algumas editoras de
circulação nacional. Assim, não soa surpreendente que obras que abarcam e discutem
aspectos circunscritos de uma experiência, específicos de certas circunstâncias históricas, local
e temporalmente delimitadas – como a da criação de uma instituição ou do envolvimento de
grupos sociais com esta –, sejam alçadas a obras representativas de uma totalidade histórica.
Minha hipótese é que a história da loucura e da psiquiatria no Brasil foi instituída como objeto
de pesquisa e, ainda segue sendo constituída, em grande parte, a partir de poucas
experiências concentradas nos centros de investigação mais tradicionais, por sua antiguidade e
méritos científicos, tais como os que têm sede em São Paulo e no Rio de Janeiro. Outro
patamar analítico poderia ser alcançado se houvesse um maior conhecimento das pesquisas
regionais (suas problemáticas, fontes, resultados), possibilitando um maior aprofundamento
das especificidades e, também, das similitudes dos processos, abrindo a oportunidade de
estudos comparativos, quiçá.Da mesma forma, uma parte da produção na área tem pouca
visibilidade, pois quando chega a ser publicada em periódicos científicos, o é em periódicos de
circulação restrita. Muitos deles são distribuídos apenas local ou regionalmente, e não estão
disponíveis em sítios eletrônicos, não constam em bibliotecas, bases de dados bibliográficos ou
portais virtuais. Por outro lado, são poucos os periódicos de circulação nacional, cujo recorte
explícito diz respeito a problemáticas correlatas a história das ciências, a história das ciências
da saúde, ou a história da saúde e da doença, podendo-se elencar aqui a já mencionada revista
História, Ciências, Saúde - Manguinhos e a Revista da Sociedade Brasileira de História da
Ciência. Em periódicos de referência nacional, como a Revista Brasileira de História, publicação
da ANPUH, eventualmente encontra-se textos que podem ser identificados como desta área,
podendo-se citar um número dedicado a “Ciência e Sociedade” (Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 1, n.41, 2001). Uma exceção importante, especialmente em relação à divulgação
de artigos e documentos na área mais específica da história da loucura e da psiquiatria, é a
Revista Lationamericana de Psicopatologia Fundamental, que mantém a seção “História da
Psiquiatria”. Carece-se, também, de uma reflexão mais organizada e mais aprofundada sobre
“o estado da arte” deste campo, sobre os caminhos já trilhados, visualizando-se aqueles que
podem ser percorridos, bem como sobre o lugar ocupado pelos historiadores dentro dele.
Considerando tais premissas e destacando a produção oriunda dos programas de pós-
graduação em História – especialmente dissertações e teses –, apresenta-se neste trabalho
uma reflexão sobre as principais características teórico-metodológicas, temáticas, de
periodização, de fontes e de localização que marcam o que se denomina história da loucura e
da psiquiatria no Brasil, entre as décadas de 1980 e 2010.
Esta comunicação discorre sobre a obra do português Antonio Vieira dos Santos (1784-1854),
autor, entre outros títulos, de uma Memória histórica, cronológica, topográfica e descritiva da
cidade de Paranaguá e seu município e de uma história da Vila de Morretes e Porto Real ou de
Cima, ambas compostas nos meados do século XIX. Quando Vieira dos Santos escreveu suas
“memórias históricas”, o Paraná e os paranaenses não existiam, pois a emancipação da
província só aconteceria em 1853. Trata-se, em todo caso, de um texto fundador, e por isso
Vieira dos Santos goza de reconhecimento a posteriori como o fundador da historiografia
paranaense. Assim como Cícero fez de Heródoto o “pai da história”, os paranistas, mutatis
mutandis, fizeram de Vieira dos Santos o “pai da historiografia paranaense”; nesse processo,
foi também eleito patrono da cadeira número 1 da Academia Paranaense de Letras, fundada
em 1936. A concepção de história de Vieira dos Santos é claramente expressa na dedicatória
de sua obra à Câmara de Morretes: têm-se aqui os elementos-chave de seu discurso: história-
pátria, historia magistra vitae, uso do passado para a pedagogia do cidadão: “A primeira
instrução da juventude deveria ser a história da pátria porque sua leitura estando gravada em
seus corações, com mais facilidade pode reproduzir o entusiasmo, o valor e o patriotismo, a
imitação do que fizeram seus antepassados; em seus heroicos feitos ela pode produzir o que
sejam leais e bons cidadãos, bons pais de famílias e obedientes às leis, pode finalmente até
produzir os mais famigerados heróis.” Um texto histórico é, por certo, uma suma de leituras de
documentos e de outros textos, mas também da vida, do tempo, da sociedade. Na
historiografia, o texto escrito, a narrativa, engloba e sintetiza os momentos subjetivos e
objetivos da pesquisa. E se é verdade que, como diz André Burguière, “O que o historiador
retém do passado corresponde intimamente ao que ele quer compreender ou justificar na
sociedade que o cerca”, o que dizer de um autor situado entre dois “regimes de historicidade”
(Hartog), como é o caso de Viera dos Santos? Por um lado, ele comunga da muito longa
tradição de magistra vitae, mas, por outro, não deixa de expressar uma prática proto-
historicista que aponta para uma ideia de história como ciência empírica, capaz de representar
o progresso na história e a história como progresso da nação. Ademais, trata-se de uma
narrativa que se coloca muito próxima da cronística das elites dirigentes, principalmente em
suas duas obras principais, o que não o impede, ocasionalmente – e em especial em trabalhos
menores – de deitar um olhar quase etnográfico sobre os costumes, os hábitos, a linguagem
cotidiana do povo comum. Mais que o lugar social, importa perguntar pelo lugar institucional
onde os historiadores exercem suas atividades. Conforme De Certeau, “Antes de saber o que a
história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela. Essa instituição
se inscreve num complexo que lhe permite apenas um tipo de produção e lhe proíbe outros.”
Surge, assim, uma série de questões: qual a concepção de história que orienta a pesquisa e a
prática escriturística de Vieira dos Santos? Que usos faz do discurso histórico? Qual a
representação de tempo que atrela seu pensamento a esse ou aquele regime de historicidade?
De que fontes faz uso? Como documenta, na prática, a sua pesquisa? Como se dá a relação de
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seu discurso com outras práticas e discursos que permeiam a sociedade oitocentista? Com
base nas abordagens da história da historiografia, pretende-se situar a obra de Vieira dos
Santos em seu espaço-tempo e avaliar suas sucessivas recepções, dos paranistas do começo
do século XX aos dias de hoje.
A expressão “as mulheres ou os silêncios da História” foi utilizada pela historiadora francesa
Michelle Perrot e refere-se ao silêncio que muitas vezes a História impôs às mulheres, mesmo
em trabalhos dotados de leitura crítica sobre a sociedade. Essa comunicação propor-se-á a
perceber as representações de mulheres em trabalhos historiográficos, no entanto,
concentraremos nossa análise em obras que se dedicaram ao entendimento da cidade de
Londrina e sua historicidade. A cidade mesmo sendo de formação recente (foi elevada a
município em 1934) já possui significativa bibliografia que aborda sua colonização e
desenvolvimento. Como se trata da análise de obras historiográficas precisamos manter em
mente as concepções de Michel De Certeau sobre a operação historiográfica, presentes em
sua obra A Escrita da História. Para este historiador francês a escrita da História só pode ser
compreendida na relação entre um lugar, procedimentos de análise – a prática – e a
construção de um texto – a narrativa. Ou seja, para De Certeau a operação histórica se
referiria a esse tripé essencial. Entretanto, há uma parte da percepção de De Certeau que nos
é bastante cara, trata-se do seu entendimento de que a história também é constituída pelos
não-ditos. O que reforça a interligação entre lugar-prática-narrativa, todavia, o lugar social tem
relevada importância, pois o lugar, constituído historicamente, é uma possibilidade e um
limite. Ele funciona como uma maquinaria que permite ou impossibilita que narrativas sejam
pensadas, tecidas, dadas a ler.No que diz respeito à prática historiográfica, segundo De
Certeau, a ação do historiador começa no momento em que ele escolhe suas fontes. Na
verdade, para o autor, o historiador produz as fontes ao retirá-las de seu uso ordinário e eleva-
as ao status de fontes. Esse processo de escolha já é delimitador do trabalho final. Desse
modo, nosso objetivo com esta comunicação é pensar a historiografia produzida sobre a
cidade de Londrina, procurando sempre nela observar as representações empreendidas sobre
as mulheres e seus papéis sociais. Alinhamos-nos a Michel De Certeau para pensarmos o não-
dito como elemento também importante e constituintes da escrita histórica. Na esteira do
pensamento deste historiador francês tomaremos em conta também as opções teórico-
metodológicas desses trabalhos e, sobretudo, as opções de fontes neles utilizados. É preciso
que se diga que há uma geração de dissertações e teses que foram produzidas nos anos 1990,
sobretudo, nas universidades paulistas e que procuraram analisar historicamente o processo
de formação e desenvolvimento da cidade de Londrina. São as dissertações de Sonia Maria
Sperandio Lopes Adum (Imagens do Progresso: Civilização e Barbárie em Londrina 1930/1960.
Defendida na UNESP de Assis em 1997), de José Miguel Arias Neto (O Eldorado: Londrina e o
Norte do Paraná 1930-1975. Defendida na Universidade de São Paulo em 1993), Rogério Ivano
(Crônicas de fronteira: imagem e imaginário de uma terra conquistada. Dissertação defendida
na UNESP de Assis em 2000), Rosimeire Aparecidade Angelini Castro (O cotidiano e a cidade:
práticas, papéis e representações femininas em Londrina (1930 – 1960) Dissertação defendida
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na Universidade Federal do Paraná em Curitiba em 1994), Edson Holtz Leme (Faces ilícitas de
uma cidade: representações da prostituição em Londrina - 1940-1966. Dissertação defendida
na UNESP de Assis em 2000) e Antonio Paulo Benatte (O Centro e as Margens: boemia e
prostituição na capital mundial do café (Londrina: 1930-1970), Dissertação, defendida na
Universidade Federal do Paraná em Curitiba em 1996). Muito presentes nesses trabalhos
acima citados são a concepção e o conceito de representação. Desse modo na comunicação
nos orientaremos, de acordo com Roger Chartier, no sentido de compreender representação
como instrumento que permite entender uma coisa ausente, de acordo com uma convenção
partilhada. Assim, percebemos que as representações coletivas compreendem os modos como
uma sociedade concebe a si mesmo e o outro. Concentraremos-nos em perceber as
representações de mulheres realizadas na historiografia sobre a cidade de Londrina e o norte
do Paraná. Percebe-se que há trabalhos que perpassam a questão da história das
mulheres abordando, mormente, a prostituição e a, subsequente, marginalização das ditas
“mulheres de vida fácil”. Lembrando que desde a década de 1930 até meados de 1960 a
discussão na cidade sobre a zona do meretrício e suas “funcionárias” sempre esteve bastante
presente. Nesses trabalhos acadêmicos o olhar volta-se para uma parcela da sociedade.
Outra abordagem presente é a das “mulheres da sociedade”, aquelas que vieram com seus
maridos na busca pelo sonho de construir a felicidade em uma cidade que estava por ser feita,
assim como as suas vidas. Mulheres que em sua maioria pertenceram à elite londrinense e,
por vezes, também estavam ligadas à política e à filantropia. No entanto, é preciso que seja
destacada a carência de estudos históricos sobre as mulheres e sua participação no processo
formador da cidade, o que é relevante tendo em vista que a historiografia sobre Londrina não
é escassa. Lembremos mais uma vez do silêncio historiográfico.
Como parte das recentes pesquisas da historiografia paranaense que se dedicam a fugir de
generalizações apressadas e concentradas nos grandes centros urbanos, o presente trabalho
busca acrescentar ao debate as análises recentes sobre as pequenas cidades do interior do
estado com foco na região noroeste em especial a cidade de Nova Londrina. Nosso recorte
aqui se inicia no processo de (re)ocupação do noroeste paranaense, onde debatemos a origem
dos migrantes, seus imaginários, o discurso do pioneirismo, a formação de círculos sociais
classistas, em especial dos migrantes vindos do sul do país e as primeiras disputas pela posse
da terra. Posteriormente, discutimos a importante atuação das Companhias Imobiliárias neste
processo que no caso de Nova Londrina fez durante vários anos às vezes de ente público uma
vez que abriu as ruas, bombeou água potável, forneceu energia elétrica e até contratou a
primeira professora. Em seguida, procuramos apresentar as primeiras administrações
municipais e suas relações classistas que visavam garantir que o poder local ficasse nas mãos
de pessoas pertencentes ao seu grupo político, econômico e social, consolidando assim a
hegemonia local, como aconteceu em Nova Londrina. Estas três etapas de construção lógica
do texto visam sustentar a discussão final de que na região noroeste do Paraná o público e o
privado se confundem desde o início do processo de (re)ocupação, o que possibilitou o
surgimento de um forte sentimento de tipo patrimonialista em parte da população local. Os
argumentos aqui apresentados são uma revisão e ampliação do primeiro capítulo da
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255
MACHADO, Daiane. O percurso intelectual de uma personalidade curitibana: David Carneiro. 2012. Dissertação
(Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2012
256
RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de
Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2001, p. 160.
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escolhas temáticas.Em algumas obras e entrevistas, David Carneiro identificou o que chamou
de “historiadores tradicionais”. Estes se dedicaram à escrita da história do Paraná. Carneiro se
declarou discípulo e continuador de Romário Martins, assim como de Francisco Negrão e
Ermelino de Leão: “confesso de público, que foi com eles que aprendi, para depois poder dar
alguns passos novos, com emancipação e ponto de vista próprio.”257 Esses nomeados
“historiadores tradicionais” se inserem no contexto de enaltecimento do Paraná que se iniciou
em fins do século XIX e tomou mais materialidade no início do século XX. Foram os
articuladores, integrantes e divulgadores do Movimento Paranista, que declarava-se um
movimento em prol da reflexão sobre o Estado, a história, a memória e as particularidades
regionais, articulando o discurso regional ao nacional na intenção de inserir o Paraná na rota
do progresso. Eles também estiveram presentes no Instituto Histórico e Geográphico do
Paraná - local destinado a produzir discursos históricos e geográficos sobre o Paraná,
focalizando, naquele período, as raízes históricas, riquezas regionais, fronteiras territoriais e
também culturais por meio da criação de símbolos (pinheiro, pinha, pinhão, erva-mate, o
indígena). O “trio”, composto por Romário Martins, Ermelino de Leão e Francisco Negrão, é
referência desse período pelo esforço em tentar corporificar, por meio da escrita da história, a
História do Paraná, tornando-se referência para a produção historiográfica de David Carneiro.
Segundo Ricardo Oliveira, Todos possuíam vínculos com a erva-mate. A sua temática foi a
construção da história regional, os temas paranaenses, a defesa dos limites do Paraná e a
genealogia e memória das suas elites. Todos procuraram mostrar a continuidade histórica da
região.258 David Carneiro se filiou aos principais representantes do dito Movimento Paranista,
que são “historiadores tradicionais”, pelos temas e abordagens, pelo “espírito paranista”. Este
texto, então, explorará a importância para a produção historiográfica de David Carneiro dos
diálogos realizados com seus aclamados “mestres”, inserindo-o entre os “historiadores
tradicionais”.
Essa pesquisa tem como finalidade apresentar o estudo acerca da construção do espaço
enquanto campo de representação e identidades, a partir da análise do complexo de bairros
situado na região norte de Londrina – PR denominado como Cinco Conjuntos. Este apresenta
um papel expressivo na cidade, já que conta como a maior concentração demográfica na
região de Londrina. Atualmente os Cinco Conjuntos abriga não só uma densa população, como
também, uma gama de comércio e prestações de serviços, além de possuir uma rica estrutura
urbana contando com postos de saúde, hospital, mercados, lojas de varejos e shoppings. Os
bairros são blocos que se usam para se dividir uma cidade, ou seja, limitações geográficas, até
para uma maior facilidade de localização. Entretanto, no caso dos Cinco Conjuntos, nos chama
a atenção que em sua origem estrutural houve – assim como os demais bairros – o recorte
espacial, mas que ao longo de seu crescimento, essa limitação nos parece muito nebulosa. Em
uma rápida passagem pela região, já não conseguimos mais determinar seus limites e
identificar suas fronteiras. Um importante aspecto a ser ressaltado é a forma com que a
região é conhecida popularmente Cincão, nesse contexto muitos bairros se consideram
257
CARNEIRO, David. Romário Martins (como eu o compreendi). Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense, Curitiba, v. IV, fasc. 1, p. 47, 1950.
258
OLIVEIRA, Ricardo C. de. O silêncio dos vencedores: genealogia, classe dominante e estado no Paraná. Curitiba:
Moinho do Verbo, 2001, p. 58.
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pertencentes a esse aglomerado de bairros, mesmo não estando localizados no plano urbano
oficial. Portanto, o intuito da pesquisa a ser realizada será compreender a formação do bairro
Cinco Conjuntos dentro da estrutura urbana de Londrina, bem como identificar os primeiros
bairros inseridos no projeto inicial, seu crescimento e desenvolvimento, além de pensar o
bairro a partir das relações entre os grupos estabelecidos para chegar ao cerne da questão:
como se relacionam as identidades e pertencimentos com o espaço de representação a partir
da delimitação do meio enquanto espaço institucionalizado. Acerca do tema, existem
pesquisas no campo da geografia que analisam o complexo de bairros com um olhar analítico
das transformações do espaço urbano de Londrina, a visão de fora para dentro do bairro e as
estruturas espaciais da região da cidade como um todo – onde o complexo de bairros Cinco
Conjuntos aparece como uma das questões trabalhadas. Sandra Jatahy Pesavento fez
uma leitura dos espaços públicos a partir dessas concepções acerca das imagens contidas na
cidade, compreendendo que, “assumir esta postura metodológica – a de atingir o ‘real’ através
de suas representações - implica partir de determinado corpus teórico”. (PESAVENTO, 1995, p.
80). Neste sentido, a autora discute a representação, e a entende como um fator importante
para a compreensão dos elementos, ditos monumentais, presentes na urbe. Pesavento buscou
em Chartier o conceito de representação, concordando em se tratar essencial para a
concepção da história social. Em relação ao ponto central da discussão na área da geografia
encontramos estudos realizados sobre a disposição do “centro da cidade” ou “centros” de
William Ribeiro da Silva. Tal prerrogativa de análise nos permite compreender a cidade de
Londrina, segundo o autor, como um espaço urbano poli(multi)cêntrico, no qual toma como
base conceitual os estudos sobre o “direito à cidade” de Henri Lefebvre. O autor seguiu sua
pesquisa a partir do estudo de caso entre duas cidades, Londrina e Maringá. Enquanto a
primeira apresenta – segundo seu olhar – como uma cidade com centros polarizados, Maringá,
por sua vez, apresenta uma concentração espacial que depende de sua área central. Desse
modo, Silva elencou a partir de seus estudos três grandes centros em Londrina, sendo eles: as
delimitações do quadrilátero central; os Cinco Conjuntos e por fim, a região próxima ao
Shopping Catuaí. Todas essas áreas são consideradas, segundo o autor, não réplicas do centro
principal, mas, ao contrário, são espaços, denominados de subcentros, que abrigam uma
grande densidade demográfica e atividades independentes do centro institucionalizado.Silva
compreende os Cinco Conjuntos como um subcentro, onde se permite enxergar características
de desenvolvimento urbano no aspecto de centro. É digno de nota entender o espaço da
cidade como um espaço de (re) significações pelas diferentes leituras elaboradas pelos
diferentes grupos, estabelecendo, assim, identidades com a cidade conforme os cidadãos a
usufruem. Conforme Adum ressalta: (...) a partir dessa intervenção, os cidadãos (re) significam
os diversos territórios do seu cotidiano e constroem suas identidades com a cidade (...). (ADUM,
2009, p.9).Na mesma esteira, a cidade se torna um objeto não só material, mas também,
social, ou seja, suas relações e dinâmicas no cotidiano fazem com que a cidade de torne um
espaço vivo de memórias, identidades e representações. É, portanto, nesse âmbito de pensar a
cidade que aprofundamos a questão da memória e seu caráter de poder. Para Le Goff, a
memória coletiva é posta em jogo, de forma importante, nas lutas sociais por disputas do
passado e sua apropriação pelo mais forte. Assenhorear-se da memória e do esquecimento é
uma das grandes preocupações dos indivíduos ou grupos que dominaram e dominam as
sociedades. Os esquecimentos e silêncios da história dizem com profundidade de que forma a
memória coletiva foi ou tem sido manipulada para atingir certos objetivos. Compreende-se
que a memória seria um elemento essencial da identidade, individual ou coletiva, cuja busca é
uma das atividades necessárias dos indivíduos e das sociedades atuais, já que estes se perdem
na profusão de imagens e memórias da contemporaneidade. Segundo Michael Pollak, a
memória como um elemento unificador de grupos, também, como um condutor de poderes.
As memórias coletivas impostas e defendidas pelo trabalho de enquadramento são fatores
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O presente trabalho apresenta questões voltadas para os relatos de viagem sobre o Paraná na
segunda metade do século XIX. As narrativas de viagem constituem fontes importantes para o
historiador. Nesse sentido tem crescido o número de trabalhos que procuram dialogar com
essa perspectiva, por meio da discussão dos relatos escritos. A análise parte da relação entre o
viajante e o desconhecido, natureza e população, destacando o espaço paranaense como
possibilidade de trabalho que atendesse as expectativas de “civilização e progresso” do
governo. O viajante estabelece uma relação de pertencimento ao território paranaense, a
própria descrição da natureza é uma forma de representação do espaço desconhecido. Busca-
se com este trabalho a discussão dos relatos de viagem enquanto objetos de pesquisa.
Frank Keiro Muraoka (Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina)
Orientador: Prof. Dr. Jozimar Paes de Almeida
desenvolvidos, para que novas abordagens, interpretações, resultados, políticas, possam ser
criados e trabalhados, sendo assim, esse texto é um esforço abstrato para compreender o
passado em um novo contexto da historiografia.
O presente trabalho discute a colonização do norte do Paraná e o discurso que legitimou este
empreendimento capitalista, com ênfase na ação da Companhia de Terras Norte do
Paraná/Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Ao levantar a bibliografia sobre a
questão, verificamos que, a historiografia regional ora exalta a ação da iniciativa privada na
colonização; ora enfatiza a importância do estado, os conflitos pela posse da terra e promove
um resgate da história dos habitantes que lá viveram anteriormente; ora enaltece o tino
empresarial dos grandes pioneiros; ora lembra dos verdadeiros desbravadores, que
derrubaram as matas e adquiriram pequenos lotes parcelados. Trata-se de um confronto
ideológico entre a historiografia tradicional e os estudos mais recentes da história regional,
que apresentam uma visão crítica acerca deste processo. Embasamo-nos em alguns autores
que reproduzem o discurso oficial, como Cecília Westphalen, Ruy Wachowicz, Pedro Callil
Padis, Jorge Cernev e France Luz e em pesquisadores que buscam desconstruí-lo, como Nelson
Dacio Tomazi, Ana Maria Chiarotti de Almeida, Nadir Apparecida Cancian e José Joffily.O
discurso oficial, construído entre os anos de 1930 e 1950, criou uma versão, do ponto de vista
de quem domina, para o processo de (re)ocupação desta região. É um conjunto de idéias e
imagens identificadas com progresso, civilização, modernidade, colonização racional, ocupação
planejada e pacífica, riqueza, cafeicultura, terra roxa, pequena propriedade, terra onde se
trabalha, pioneirismo, etc., que aparece na maior parte dos textos acadêmicos ou não, como
se fosse um dado inquestionável. A violência e a exclusão são silenciadas, na medida em que
expressam os objetivos da ação do capital na busca de novas terras. O norte do Paraná é área
que abrange as microrregiões 278 e 286. A delimitação dessa mesorregião ao norte, leste e
oeste é estabelecida, respectivamente, pelos rios Paranapanema, Itararé e Paraná. O limite sul
coincide com o dos municípios produtores de café. Conforme a época e a origem da
colonização, o norte é subdivido em três áreas: o Norte Velho, que se estende da divisa
nordeste com São Paulo até Cornélio Procópio, colonizado entre 1860 e 1925; o Norte Novo,
delimitado pelos rios Tibagi, Ivaí e Paranapanema, colonizado entre 1920 e 1950; o Norte
Novíssimo, que se estende do rio Ivaí ao Paraná e Piquiri, colonizado de 1940 a 1960. Esta
consagrada divisão pressupõe a idéia de que a ocupação foi realizada em etapas bem
definidas, onde a Companhia de Terras Norte do Paraná aparece como o novo, sendo o que
existia antes dela é o velho, e depois dela o novíssimo. Quando na realidade foram várias as
formas e as origens deste processo. A classificação atual do IBGE subdivide o norte do Paraná
em Meso-regiões: Noroeste, Centro-Ocidental, Norte Central e Norte Pioneiro. A historiografia
tradicional define a colonização do Norte Velho como um prolongamento da cafeicultura
paulista, implementada através da grande propriedade. Baseia-se no fato de que, no final do
século XIX, em decorrência do esgotamento do solo e de medidas restritivas ao plantio do
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Paraná, agentes que procuravam atrair compradores para as terras. Para acelerar as vendas,
desenvolveu uma intensa propaganda com base no slogan: “Certeza de lucro e garantia do
direito de propriedade”. Atraídos pela a fama do “Norte do Paraná, terra onde se anda sobre
dinheiro”, milhares de migrantes vieram para a região em busca de trabalho e do tão sonhado
pedaço de chão. A historiografia tradicional explica o intenso fluxo migratório pela forma
adotada na transmissão da propriedade: parcelamento das terras em pequenos lotes, vendas a
prazo, baixas taxas de juros, preço relativamente baixo da terra, transporte e assistência
técnica para a instalação inicial dos colonos. No entanto, dados estatísticos referentes à
aquisição de propriedades junto a CTNP demonstram que, a empresa recebeu, na sua quase
totalidade, à vista, os lotes rurais que vendia. Portanto, seus compradores eram indivíduos
com algum pecúlio acumulado. A assertiva de que ocupação resultou da repartição da terra
em pequenas propriedades, por meio da ação de particulares e do poder público, é mais um
dos elementos do discurso dominante, que diferencia o Norte Novo, ocupado por pequenas
propriedades, do Norte Pioneiro, colonizado pela grande propriedade. A CMNP informa que,
os lotes rurais vendidos tinham uma área média de 12 alqueires. Todavia, a área não foi
dividida igualmente em lotes de 12 alqueires, pois quase 3/4 dos compradores possuíam
pouco menos de 1/3 do total da área e uma minoria expressiva dos proprietários tinha um
volume muito grande de terras. Existiam muitos fazendeiros na região da empresa, incluindo
os próprios dirigentes dela. Assim, outra idéia muito difundida pela CMNP, segundo a qual, sua
ação seria um exemplo de “Reforma Agrária”, também não se sustenta. A CMNP silencia a
presença do poder público na região, ao afirmar que esta prosperou contando somente com a
organização da empresa privada que a desbravou. Os apologistas da CMNP se esqueceram de
dizer que o governo também foi um colonizador direto, além de não escreverem sobre todos
os acertos que a CTNP fez com o governo na compra de terras e na concessão da ferrovia.
Vários pesquisadores afirmam que o estado imitou o modelo bem sucedido de colonização
empreendido pela CTNP, passando a lotear suas terras devolutas em pequenas propriedades,
nos anos 40. Entretanto, desde 1916, várias leis que tratavam de terras dadas em concessão
pelo governo, já determinavam que estas deveriam ser repartidas em pequenas propriedades.
Outras empresas, antes da CTNP, já haviam feito este tipo de loteamento. Ademais, a idéia
inicial era vender terras para fazendeiros. Os ingleses só se decidiram pela pequena
propriedade ao perceberem que auxiliariam na formação de pequenos povoados com
mercados e, portanto, carga para a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná.Ao designar como
“pioneiros” todos que vieram no início da ocupação, o discurso dominante oculta a diversidade
da situação de classe e transmite a idéia de que todos tinham os mesmos interesses e chances
de progredir. A causa da pujança regional é a atribuída aos grandes pioneiros. Enaltecem-se os
capitalistas ingleses, fazendeiros, diretores e funcionários da Companhia. No livro
comemorativo do cinqüentenário da CMNP foram publicadas as fotografias dos mais
“importantes”, como se fossem bustos. Em contrapartida, os verdadeiros desbravadores,
pequenos proprietários e trabalhadores sem terra não tem nome, nem memória. São raros os
estudos dedicados aos pioneiros autênticos, pequenos agricultores que chegaram à região
atraídos pela imagem da “Terra da Promissão”, pela promessa de lucro fácil e rápido, mas que
tiveram suas trajetórias marcadas por grandes dificuldades sócio-econômicas. A maioria destes
migrantes anônimos foi expulsa da região nos anos 70. As terras devolutas haviam se
esgotado, o café entrava em decadência e o governo incentivava os programas de erradicação,
que liberavam enormes contingentes de mão-de-obra. Estes trabalhadores rurais foram
atraídos por outro discurso que a afirmava que a “Terra da Promissão” encontrava-se um
pouco mais além, no Paraguai, em Rondônia ou no Mato Grosso, construído pela propaganda
de outras companhias colonizadoras que vendiam a mesma mercadoria: a felicidade e a
riqueza. Ainda assim, a historiografia dominante procurou silenciar as transformações na
agricultura regional, procurando restabelecer uma realidade anterior pela simples narrativa,
afirmando que a região continuava a ser um “Eldorado”.
Esta pesquisa tem por base a análise de alguns textos historiográficos que abordam o período
da Revolução de 1930 e do Estado Novo, dando especial atenção ao estado do Paraná. A
Revolução de 1930 se deu a partir das eleições no ano de 1929 que elegeram mais um
candidato paulista à presidência do país, Julio Prestes; descontentes com o resultado de uma
eleição visivelmente fraudada, a oposição começou a articular uma revolta que envolveu
principalmente, no primeiro momento, gaúchos, mineiros e paraibanos. No mesmo ano, o
então candidato à vice-presidência ao lado de Getúlio Vargas, o paraibano João Pessoa, foi
assassinado por motivos alheios à política. Independente do motivo pelo qual o político
acabou morto, sua morte foi o estopim que os revolucionários buscavam para que se iniciasse
a revolução. A primeira região a se levantar foi a da Paraíba, se estendendo a Minas Gerais até
chegar ao Rio Grande do Sul, donde então começou a viagem de Getúlio Vargas até o Rio de
Janeiro, a fim de tomar posse do governo mesmo que pelas armas. Neste momento o Paraná
se mostra de grande importância para a Revolução que se estendia pelo sul do país. O estado
tinha uma organização política pautada nas oligarquias dominantes, formada por diversas
reeleições, as quais não permitiam a ascensão de opositores ao governo; porém, Getúlio
Vargas consegue o apoio de diversas lideranças no estado, inclusive a militar com a adesão do
15°BC, do 9° RAM e do 6° Grupo de Artilharia Montada, a Força Militar do Estado, o Corpo de
Bombeiros e a Guarda Cívica. Os militares não ofereceram resistência, tendo papel importante
na vitória revolucionária dentro do Estado. Logo após a Revolução venceu no estado do
Paraná, dissolvendo a Assembleia Legislativa, as Câmaras Municipais etc. Na fronteira com o
estado de São Paulo, a tão esperada “Batalha do Itararé” não ocorreu, pois uma junta militar
no Rio de Janeiro já havia deposto o então presidente Washington Luiz. A Revolução de 1930
teve um importante papel na história política do Brasil, pois precedeu uma ditadura aos
moldes de governos totalitários que começavam a se estabelecer na Europa. Após a vitória na
Revolução, Vargas começa uma “limpeza” nos cargos políticos do Brasil, colocando nos postos-
chave homens de sua confiança; no lugar dos governadores ele nomeia o que vai chamar de
interventores. No Paraná, como a revolução se deu pelas mãos do então Major Plínio
Tourinho, ele assume a Região Militar deixando o cargo de interventor ao seu irmão Mario
Tourinho, o qual permanece no cargo menos de um ano. Segundo consta, o então interventor
não conseguiu levar adiante a política de “cortar cabeças” do início do governo provisório. É
então substituído por Manoel Ribas, apelidado de “Maneco Facão”, interventor nomeado pelo
próprio presidente e que vai comandar o estado paranaense durante 13 anos. O político
austero era desconhecido da maior parte da população, visto que havia residido no Rio Grande
do Sul boa parte da sua vida. A população em geral não gostava de sua pessoa; considerado
muito antipático, não tinha nada do carisma do então líder do país Getúlio Vargas. O governo
provisório de Vargas perdurou por quase dois anos, quando estourou uma nova Revolução
chamada de Revolução Constitucionalista, quando a maior parte dos paulistas, juntamente
com gaúchos e mineiros, iniciou a luta por uma nova Constituição para o país. O conflito durou
cerca de dois meses, principalmente na cidade de São Paulo, que sofreu até mesmo
bombardeios aéreos. Com a formação da Assembleia Constituinte em 1933, que logo após se
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tornou a primeira Câmara dos Deputados do país, elegeu-se Vargas para a presidência, com
mandato até 1938. Em 1937, Vargas começa a articular um plano para permanecer no
governo, visto que a reeleição era proibida. Desde falsas denúncias anônimas sobre “ameaças
comunistas” até o instauro do estado de sítio no país, que foi se estendendo e fortalecendo o
Exército. Com um golpe de Estado, se instaurou no país o chamado Estado Novo, ditadura que
garantiu a permanência de Getúlio Vargas até 1945, nos moldes totalitários advindos da
Europa, marcando um período de repressão e ao mesmo tempo de desenvolvimento para o
país. O objetivo desta comunicação é analisar como a historiografia paranaense problematiza
esse período no Estado do Paraná.
Os faxinalenses são considerados como povos tradicionais, e têm vivido um longo período de
conflitos no âmbito da conservação do território, da preservação ambiental e da manutenção
do patrimônio imaterial. Muitas dessas povoações sofrem com a violação dos direitos
humanos de que são vítimas, devido, inclusive à invisibilidade social a que foram relegadas no
conjunto da sociedade brasileira. No Estado do Paraná, os povos dos faxinais têm se
organizado na defesa de seus direitos e na luta por condições dignas de vida. Chama-se
sistema de faxinais a certo modo de utilização das terras em comum, delimitada por cercado,
para a criação de animais, existente na região sul do Brasil e que se tem classificado como
manifestação cultural dos povos tradicionais. Assim, o faxinal é dividido em terras de criar, ou
área de compáscuo - um cercado composto por matas e pastagens em que localizam-se as
habitações dos faxinalenses; na parte interior a essas área comum, que pode pertencer a um
proprietário não morador do faxinal, ou a vários proprietários, são criados animais de várias
espécies, tais como bovinos, eqüinos, caprinos, ovinos e suínos, além de vários tipos de aves
domésticas. Soltos no grande cercado, esses animais alimentam-se da grama existente, de
pequenos arbustos e dos frutos nativos tais como a gabiroba, a cereja, a pitanga e,
principalmente, o pinhão. Os donos dos animais lhes oferecem suplementação alimentar nos
períodos de maior escassez. As casas são dispostas no interior da área cercada, sendo boa
parte delas protegida por um cercado menor, ao entorno dos quais as criações circulam
livremente. As entradas e saídas dessas áreas são protegidas por porteiras e cancelas ou por
uma espécie de pequenas pontes, construídas sobre valas escavadas especialmente para tal
fim. Esses artefatos, chamados de mata-burros, são feitos intercalando-se uma prancha e um
vão, de modo que as pessoas e os automóveis possam transitar sem a necessidade de abrir
porteiras, enquanto que os animais os evitam. As terras de plantar, a outra parte divisória do
faxinal, localizam-se fora do cercado e podem pertencer ao proprietário que as cultiva ou
serem arrendadas. São de propriedade particular e, exploradas individualmente, exceto nos
casos em que se recorre ao trabalho em mutirão. O faxinal pode ser facilmente vinculado à
frente oriental paranaense de extração da erva mate e à cultura da criação de suínos em
sistema extensivo praticado nesta região desde o século XVII. Os coletores de erva mate,
quando viam escasseando os recursos do lugar em que estavam instalados, adentravam à
mata, transportando consigo os apetrecho de que necessitavam, os recursos alimentícios e
alguns animais para transportar carga e para o consumo. Vincula-se o surgimento dos faxinais
à crise econômica do tropeirismo e do ciclo da erva-mate, ou seja, entre meados do século XIX
e a década de 30 do século XX. Desde pelo menos essa época, os faxinalenses cultivam formas
características de apropriação do território tradicional, baseando-se no uso comunal dos
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259 Carla Fernanda da Silva, Grafias da luz: narrativa visual sobre a cidade na Revista Blumenau em Cadernos
(Blumenau: Edifurb, 2009), 71.
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autores que abordam o uso de fotografia como documento histórico, traz à cena
interpretações capazes de revelarem aspectos importantes para o estudo dos faxinais.
Conforme Carla Fernanda da Silva, a fotografia como fonte histórica tem usos distintos: o
historiador poderá utilizá-la como ilustração da sua pesquisa, de modo a comprovar a
ocorrência de determinado fato; ou poderá escrever a história a partir da análise de
fotografias, opção que oferece inúmeras maneiras de construir o relato histórico, podendo-se
lançar muitas interpretações sobre uma fotografia. 260 Para Ana Maria Mauad, a fotografia
lança ao historiador um desafio: como chegar ao que não foi imediatamente revelado pelo
olhar fotográfico? Como ultrapassar a superfície da mensagem e ver através da imagem?261
Assim, a fotografia é capaz de revelar aspectos fundamentais no fenômeno de modificação dos
faxinais, mas para tanto é necessário uma abordagem de leitura sobre a fotografia com maior
amplitude, vendo o que para ser lido nessas imagens. Não se trata somente de uma visão
sobre fotografias, mas de suas histórias. As características do que se expõe na fotografia se
fazem realmente interessantes após sua leitura detalhada, “o primeiro e o segundo olhar”
(Boris Kossoy262). Deste modo, temos um olhar que é agente do recorte de um aspecto do
mundo visível, que seleciona o conteúdo da imagem e a forma de apresentá-lo o que, por si só
já é a matéria de estudo, tanto quanto a cena representada na imagem. De outro lado, temos
o leitor que vai decodificar a imagem à sua maneira e com os condicionamentos de seu tempo
e sua inserção social. A fotografia, de acordo com Ana Maria Mauad, é uma fonte histórica que
demanda do historiador um novo tipo de crítica, mas também não deixa de lado o
testemunho, pois este sempre será válido, independente do motivo do registro fotográfico,
mas não se pode esquecer que a fotografia além de informar, tem o papel de conformar uma
visão de mundo. Ela é criada por meio de múltiplos aspectos, que envolvem o autor
(fotógrafo), o assunto e a mensagem transmitida, que devem ser entendidos em conjunto263.
Deste modo, elas são portadoras de elementos presentes na história, pois dependem do
contexto histórico que as produziu e das diferentes visões de mundo que as influenciaram,
assim, elas guardam a marca do passado que as fez e faz existir. Assim, se o que está presente
nas fotografias desaparece, entretanto, a memória presente no documento sobrevive. Dessa
forma, como a história está presente no documento, o documento fotográfico também tem
sua história, que envolve o passado de uma imagem em particular. Ana Maria Mauad enfatiza
que ao longo da história da fotografia, surgem diversas polêmicas ligadas ao seu uso e funções.
Logo após seu surgimento, no século XIX, houve uma grande comoção no meio artístico
naturalista, pois via-se na fotografia um obstáculo que deixava em segundo plano qualquer
tipo de pintura, uma vez que a presença fotográfica era capaz de reproduzir o real com
qualidade técnica, tornando, segundo Zita Possamai264, o contrato de fotógrafos muito comum
pelas administrações municipais, para realizar o registro de bairros inteiros que sofreriam
reformas urbanas. A idéia de que o que está impresso na fotografia é a relidade pura, passou
por um “percurso histórico” dentre diversos críticos e teóricos da fotografia, como o filósofo
francês Philipe Dubois. Por isso ele faz um panorama das teorias sobre a fotografia, abordando
as questões do realismo e do valor documental da fotografia dividindo este percurso em três
posições epistemológicas: a fotografia como realidade pura (espelho); a fotografia como
transformação do real (o discurso do código e da desconstrução), e a fotografia como traço de
um real (o discurso do índice e da referência)265. Desde a sua apresentação até os dias atuais, a
fotografia registra em uma linguagem de imagens, mostrando uma história múltipla, que se
construiu por eventos, lugares e pessoas. Mas, como propõe Ana Maria Mauad, a fotografia
lança ao historiador o desafio de chegar ao que foi revelado pelo olhar fotográfico e
ultrapassar a superfície da imagem fotográfica, vendo através da imagem266. O desvendar do
momento que envolveu a criação da imagem e o assunto registrado, são definidos como a
“segunda realidade”, momento que envolve mais do que um simples olhar. No momento em
que se faz o estudo de fontes fotográficas, observando e analisando-as, o pesquisador põe-se
diante da realidade do documento, ou melhor dizendo, a segunda realidade. O sentido deste
tipo de documento não reside somente no fato de representar algo e ser um “objeto estético
de época”, mas sim em ser um artefato que além de estético, contém um registro visual e é
portador de informações multidisciplinares.267
265 DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 13ª. ed. Campinas: Papirus, 1993.
266 Mauad, Poses, 37.
267 Kossoy, 152.
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não se trata de uma narrativa que perpassa o plano psicológico do artista e sim que retoma
aspectos históricos e individuais que assistem ao entendimento da obra de Sigaud, que
induzem a sua "trajetória do pensamento" e culminam na pintura em si, para, desse modo,
poder vislumbrar uma compreensão histórica da pintura tanto individualmente como no
contexto em que se inserem.O painel escolhido para nossa discussão, o mural “Tributo do
Povo do Norte do Paraná a São Sebastião” é uma produção de 1955 que representa o
cotidiano de um ambiente rural. O quadro apresenta um ciclo: A História do Paraná, entenda-
se de Jacarezinho, visto pelo prisma religioso. Um grupo familiar despojado - visivelmente
imigrante - chegando à região do norte paranaense. A referência do pintor ao Paraná vem
representada pelo Pinheiro do Paraná. Sob a benção do Altíssimo, mediando toda a ação, o
que transforma o imigrante – todos crescem e enriquecem – na terra da abundância... Outras
características estão expressas na alusão a economia própria da localidade e da época,
representados pelo pé de café, a mandioca, o milho, a cana-de-açúcar, abóbora, entre outros
produtos da natureza rica da região. Ademais, podemos constatar nesta obra que o pintor, que
se dizia ateu convicto e era adepto do comunismo, produz um olhar sobre o trabalhador
regional, a temática que o acompanhou por toda sua vida profissional, no caso da obra em
Jacarezinho, contudo não são precisamente o operário em andaimes, guindastes, baldes de
cimentos ou tijolos que aparecem e sim há o convite a observar o “suor do simples”, a
expressão sisuda e rude no trabalhador rural das fazendas de café e sua família. Enfim, é o
mundo do trabalho no cotidiano de uma pequena cidade interiorana. Ou seja, o artista incluiu
nessa obra as relações sociais percebidas e as representa nas paredes do templo a partir dos
próprios sujeitos sociais de Jacarezinho.O referido município recebeu Eugênio de Proença
Sigaud em 1954. Esse pintor veio para decorar a catedral, que teve sua construção iniciada
pelo bispo Dom Ernesto de Paula, em 1943, e foi entregue à comunidade em 1949, pelo irmão
de Eugênio, o bispo Geraldo de Proença Sigaud.Em se tratando da cidade de Jacarezinho, a
implantação da cafeicultura impulsionou o fluxo migratório para a cidade. Aqueles que para
região migraram foram favorecidos, de acordo com Cancian, pelos programas de defesa do
café, a proibição de plantação de pés de cafés novos no estado de São Paulo. A combinação do
clima e do solo e a característica itinerante do cultivo de café permitiram. Dessa forma, o
momento em que Sigaud chega a Jacarezinho, o município é majoritariamente rural, que vive
o momento áureo da cafeicultura, o qual nas próximas décadas perde fôlego para as novas
frentes pioneiras – o pólos que se formam em Londrina e Maringá supera Jacarezinho que
entra em declínio até o café ser dizimados, sobretudo com as geadas da década de 70, ao
passo que a cana-de-açúcar, paulatinamente, ganha o predomínio no cultivo e na paisagem do
município.Para finalizar, podemos dizer que a pintura de Eugênio de Proença Sigaud é uma
valiosa fonte de pesquisa para estudo da história regional, ou do nordeste do Paraná nos anos
1950, pois o pintor traz para o interior do templo aquilo que era predominante na região onde
este estava localizado. Ou seja, a natureza, os costumes e práticas do cotidiano. Mas,
sobretudo, incluiu os seres humanos com os quais conviveu durante o tempo em que
permaneceu na cidade de Jacarezinho. Portanto, manifestava a intenção de expressar nos
murais da catedral um conjunto de vontades, dele, do irmão, e de suas expectativas de ter o
maior número de observadores possíveis.
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BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996a.
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BOURDIEU. P. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996b.
Esta comunicação visa relatar resultados parciais de uma pesquisa em andamento cujo
objetivo é recuperar o processo técnico de transformação da argila em tijolos, telhas e blocos
cerâmicos, no Paraná, e entender historicamente o impacto ambiental que a apropriação
desse recurso mineral provocou – e tem provocado – nesse Estado, tendo como base território
chamado de “Norte Pioneiro”. A cerâmica vermelha é uma atividade existente no Brasil há
mais de um século. No Paraná, ela está presente em cinco regiões: Médio-Baixo Rio Ivaí, Costa
Oeste, Eixo Prudentópolis-Imbituva, “Norte Pioneiro” e Região Metropolitana de Curitiba, a
mais antiga.A documentação escrita tem nos relatórios técnicos, análises e papers produzidos
pelas agências estatais, sua principal fonte de informação, sobretudo com relação a dados
quantitativos sociais, ambientais e econômicos. A investigação tem procurado entender as
técnicas empreendidas na produção – da extração do barro à queima do material cerâmico – e
qual o impacto que a atividade provocou/provoca ao ambiente, particularmente às cidades
onde estão localizadas e à vida de seus habitantes. A ênfase tem sido o uso da fonte oral e,
metodologicamente, portanto, fundamentada na História Oral. Os depoimentos permitem
recuperar experiências do trabalho e histórias de vidas e de grupos sociais que nem sempre
aparecem de modo explícito na documentação escrita ou mesmo iconográfica. As conclusões
ainda são parciais e precárias.As fontes orais têm permitido reconstituir o processo de
extração de argila, na região, e que tipo de prejuízo essa ação provocou – e provoca, como se
verá – às margens dos rios que compõem a Bacia do Paranapanema. A sociedade
contemporânea possui um modo de viver em que o uso de recursos naturais tem sido feito em
escala cada vez maior. Recuperar as técnicas e tecnologias usadas nesse processo, o sentido do
aumento da circulação de bens, serviços e objetos certamente ajuda a entender uma cultura
que aparentemente considera que os recursos advindos do mundo natural são inesgotáveis.
As experiências e práticas dos trabalhadores em cerâmica, naquela região, permitem
recuperar todo o trabalho manual e mecanizado (extração e transformação da argila) e todo o
seu modo de viver. Além disso, gestos, atitudes, procedimentos e a forma de uso de
determinados utensílios e instrumentos constituem elementos importantes para o
entendimento e o estudo da cultura material.Portanto, os depoimentos são essenciais para
entender a cultura material dos trabalhadores em olarias e cerâmicas das cidades
mencionadas. A fonte oral serve, ainda, como suporte para a constituição de um corpo
documental a partir do qual se reconstitui todo o universo fabril – entendido em sentido
amplo como o mundo do trabalho – e possibilita uma visão mais ampla desse tipo de
atividade, mas sobretudo dos que a praticam no seu dia a dia.Dois aspectos vêm chamando a
atenção: o processo de produção se organiza em núcleos familiares. A confecção de telhas,
tijolos e manilhas encontra-se mecanizada. Porém, usa-se bastante o trabalho manual. Há
momentos da produção que esta mão-de-obra é fundamental, especialmente na queima da
argila preparada e moldada. Há também um impacto que pode ser observado na extração de
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lenha e no seu uso como combustível. Além de outros elementos poluidores, isso repercute na
saúde da população, já que doenças respiratórias são a principal causa de internação
hospitalar no “Norte Pioneiro”, foco principal desta pesquisa. Estes são elementos importantes
na análise inicial do impacto ambiental que a extração, sua transformação e a confecção final
desse recurso mineral tem provocado aos ecossistemas dos rios da bacia do Paranapanema –
Cinzas e Tibagi –, do solo e na saúde da população como um todo.O Estado do Paraná possui
índices e problemas que decorrem da falta ou de ausência do poder público. É inegável que os
problemas ambientais são bastante expressivos. Em várias cidades, especialmente as da região
ora em estudo, não há coleta seletiva de lixo bem como tratamento de esgoto. Em algumas
delas, o esgoto é recolhido por meio de fossas sépticas, o que leva ao aumento de problemas
de saúde. Afinal, esgoto a céu aberto e existência de fossas podem contaminar os rios e o
lençol freático e tornar a água imprópria para consumo animal e humano. Algumas delas
sequer têm um hospital que possa promover uma primeira assistência a doenças comuns e
não letais, se tratadas de modo profilático ou diagnosticadas a tempo.A degradação ambiental
provocada pela mineração, por sua vez, é o resultado de uma ação que na maioria das vezes
não é fiscalizada pelo Estado, o que gera um passivo ambiental que dificilmente será
equacionado ao longo do tempo. O Estado não fiscaliza e não cobra a ação reparadora ou um
plano de recuperação da área degradada e, por isso, as áreas atingidas serão cada vez mais
degradadas; o processo “natural” – chuva, erosão etc. – tende a ampliar a impacto ambiental
iniciado com a atividade industrial. Tal atitude atende aos interesses do capital. Muitas das
mineradoras pertencem a grupos empresariais cujo objetivo é se apropriar cada vez mais dos
recursos naturais, transformá-los ou não, e comercializá-los. Enfim, o intuito é de gerar
commodities que se tornam altamente lucrativas e entrem no mercado e produzam mais e
mais capital especulativo.O trabalho encontra-se em desenvolvimento e, por conseguinte, será
necessário aprofundar a reflexão sobre muitas de suas passagens. É possível chegar a algumas
conclusões parciais acerca da atividade, de sua dimensão econômica e dos impactos
ambientais provocados na região. Tais impactos se estendem à saúde da população. O Norte
do Paraná é uma área na qual há um número bastante expressivo de usinas que produzem
açúcar e álcool. Queimam-se lenha nos fornos cerâmicos e cana. A queima de cana produz
fuligem, o que aumenta os casos de doenças respiratórias.O Norte Pioneiro é uma das regiões
produtoras da cerâmica vermelha e em quase todas as cidades que a compõem têm uma
fábrica ao menos. A produção se organiza a partir de núcleos familiares. Os primeiros oleiros
foram herdando a fábrica para seus filhos, estes para os seus, e assim por diante. O trabalho
manual, nesse sentido, é bastante usado, embora as olarias tenham se mecanizado. A
mecanização, porém, não é total. Os gargalos, como a queima, continuam valendo-se dele.
Notam-se, entre as cerâmicas dos vários municípios, e a partir da documentação mencionada,
características que são semelhantes. Será que as pessoas que migraram de uma cidade para
outra levaram práticas e procedimentos – e mesmo técnicas – que alteraram ou reforçaram
modos de fazer e de viver vinculados ao trabalho de transformação da argila?Com relação aos
impactos ambientais, eles podem ser observados nas várzeas dos rios que compõem a Bacia
do Paranapanema, nos barrancos e nas matas, cujas árvores serviram – e servem, de algum
modo – para alimentar os fornos das cerâmicas. Há um outro impacto, advindo da emissão de
particulados na atmosfera. Há uma incidência importante de doenças respiratórias naquela
região. Resta saber se há uma relação direta entre a emissão desses particulados decorrentes
da queima de lenha e dos vapores do barro moldado e as doenças respiratórias. É uma
questão a ser explorada nas próximas etapas da pesquisa.A utilização consciente do
patrimônio ambiental e a sustentabilidade passam obrigatoriamente pelo conhecimento e
respeito da vontade da matéria e da natureza. É conveniente adotar práticas que permitam a
exploração do solo, a extração de argila e respeitem os conhecimentos passados de geração a
geração. Elas podem promover, talvez, uma ação humana menos agressiva e predatória ao
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Eichenberg. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
TOMAZI, Nelson Dácio. “Norte do Paraná”: Histórias e Fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 2000.
WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Tradução Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1979.
O presente trabalho pretende analisar os discursos oficiais constantes nas Atas de Registros de
Leis e Patentes da Câmara Municipal de Castro, principalmente no que se refere às demandas
e necessidades da cidade junto ao governo provincial. A partir dessa análise pretendemos
construir uma reflexão sobre os discursos e as ações legitimadas por estes. Se essa mudança
de posição em nível estadual muda durante os anos e se Castro constrói um processo de
autodefesa para manter sua influência política. É necessário realizar uma revisão
bibliográfica sobre a província do Paraná no século XIX, mesmo assim devemos ressaltar que a
revisão deve estar ligada a fatores precedentes ao período a ser estudado, bem como deve
estar interligado a uma análise do comportamento externo, tanto econômico como político
que caracterizaram o período. Nesse aspecto, alguns historiadores enfatizam que a política
paranaense continuou a mando da elite rural, pois “(...) o estado, que regionalmente estava
nas mãos de um grupo de senhores rurais, (...)” (PEREIRA, 2006. p. 25), era utilizado como
fator de auxilio na manutenção do seu status, principalmente no que diz respeito aos setores
econômicos dentro da Província e assim buscavam reforçar o setor que lhes mantinha no
poder em detrimento dos outros setores que por ventura viessem a ameaçá-los. Castro
se apresentava como uma das cidades que tinham sua economia voltada ao tropeirismo
através da compra e venda de tropas, prestação de serviços como ferrarias, selarias e
invernadas para aluguel, como também comercializava com os tropeiros fornecendo gêneros
alimentícios, tralharias entre outros produtos consumidos pelos tropeiros (MOTIM, 1987). Esse
setor econômico pode ter utilizado os discursos da Câmara Municipal e a fim de reafirmar o
status dos senhores ligados a essa atividade econômica. Notamos que a Câmara
Municipal de Castro envia ao governo provincial as suas reclamações através dos relatórios a
Assembléia Provincial. Esse relatório este que serviria para a construção do relatório provincial
a ser remetido ao Governo Imperial. Dentro destes relatórios encontramos inúmeras
reclamações ao Governo da Província mostrando o descontentamento pelas dívidas deste com
o município de Castro. Em uma das atas datas de janeiro de 1863 as reclamações caem
principalmente sobre dividas estaduais concernentes a exercícios anteriores. Vejamos: Os
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documentos juntos mostrão a importância que como imprestimo aos cofres Provinciaes,
despindo esta Camara com o sustento a presos pobres no anno passado, e se a Ella de
adicionar a de 3421920 já despendida no exercícios anteriores e ainda não recebida por esta
Camara como foi conhecer a V. Exa um officio de 3 de julho do anno passado, verificará V.
Exma. Ser Ella credora da quantia de 435$320 reis, Cujo pagamento espera que V. Exma.
Ordenará, bem com o de herva matte, o de sua quota parte do subsidio de herva matte, não
recebido desde o anno de 1860.268 Essa cobrança já demonstrava uma preocupação com a
perda financeira por parte de Castro em gastos que deveriam ser despendidos pelo Governo
da Província. Em outros documentos constantes nas Atas de Registros e Patentes, podemos
notar a insatisfação por parte dos representantes políticos de Castro frente as suas
necessidades, por muitas vezes negligenciadas pelo Governo Provincial. Reclamações quanto
ao estado de pontes e estradas, dos templos, enfim, de tudo que parecia ameaçado. Com
esses dados e com outros que deveremos selecionar durante o trabalho, pretendemos
construir uma análise dos discursos que partem da elite política e econômica ligada aos
senhores que dispunham de grande quantidade de terras e escravos como nos apresenta
Lopes (2004). As atas de Registros de Leis e Patentes da Câmara Municipal de Castro, hoje na
Casa da Cultura Emilia Erichsen, nos servem como fonte primária para entender como estes
homens reagiam dentro deste contexto. Cruzando estes dados, os quais eram enviados ao
presidente de província a fim deste constituir o relatório provincial a ser enviado ao governo
imperial, podemos entender como, frente às mudanças econômicas ligadas ao setor
extrativista de erva-mate, apareciam nestes discursos.Oliveira (1996) atribui à exploração do
mate, a interligação do Paraná ao cenário mercantil internacional. No entanto Fonseca (2004)
apresenta outra visão, colocando o tropeirismo como parte determinante na colocação do
território paranaense nas vias comerciais internacionais. Cabe a nós historiadores discutir
essas diferenças, construir novas abordagens e assim permitir novas análises do período
histórico. No dia 28 de dezembro de 1867 a Câmara Municipal de Castro elaborou o seu
‘relatório anual das necessidades do município’ e as observações contidas nele davam conta
de que os vereadores percebiam uma mudança emblemática na relação econômica da
província do Paraná e, desta, uma nova direção política. Diziam os vereadores queEncarregada
de apresentar a Assembleia Provincial, por intermédio de V. Ex. o relatório annual de suas
necessidades, poderia nesta ocasião simplesmente reportar-se aos relatórios anteriores, cuja
exposição não tem sido attendida certamente porque as rendas da Provincia não permitem as
largas providencias e dispendiosos melhoramentos que os diversos municípios reclamão para
o engrandecimento desta porção de território brasileiro, destinado sem dúvida a ser um dia
um dos mais importantes do Império. Este município, o mais vasto da Provincia, é igualmente
o mais digno da atenção do Governo e da Assembleia Provincial por ser o que mais se presta a
creação de gados das diversas raças, a agricultura em seus diversos ramos, ao grande comercio
da venda de animais muares para as Provincias de São Paulo, Minas e Bahia, mas, entretanto
carece elle de todas as providencias que partindo dos poderes públicos animam o esforço
individual, facilitam e augmentao seus resultados.269 A continuação da leitura do documento
indicaria que no município de Castro havia, pelo menos já há alguns anos, a percepção de que
o novo cenário econômico representado pelo fortalecimento da economia do mate,
principalmente em Curitiba (mas também nos Campos Gerais), havia redefinido os interesses
dos poucos, mas existentes, investimentos do governo provincial. Para os vereadores, muito
embora sendo Castro uma região muito importante economicamente e com lideranças
políticas importantes, o interesse da administração provincial passava a residir cada vez mais
268
Casa da Cultura Emília Erichsen (CCEE). Livro de Registro de Leis e Patentes 1862-1888. Relatório Anual das
Necessidades do Município. p. 07
269
Casa da Cultura Emilia Erichsen. Livro de Registro de Leis e Patentes 1862-1888. Relatório Anual das
Necessidades do Município. p. 43
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Referências Bibliográficas:
PEREIRA, Magnus R. de M. Semeando iras rumo ao progresso. Curitiba: Editora UFPR, 1996.
FONSECA, Pedro A. V. da. Tropeiros de mula: a ocupação do espaço, a dilatação das fronteiras.
Passo Fundo: Gráfica e Editora Berthier Ltda, 2004.
LOPES, José Carlos V. Fazendas e sítios de Castro e Carambeí. Curitiba: Torre de Babel, 2004.
No entanto, essa correspondência entre os agentes políticos revela também gostos pessoais,
afeições, laços de amizade e de apadrinhamento, rancores, desavenças, oposições,
confidências, interesses particulares, e as táticas marcantes do discurso político, como a
adulação, a louvação, a persuasão, a exposição de idéias e das opiniões, e a indicação e o
pedido de apoio a candidatos a cargos políticos, jurídicos, militares, etc.Esses agentes políticos,
identificados nas correspondências oficiais, fazem parte das elites, são oriundos das classes
abastadas e membros das emergentes famílias tradicionais. São eles, os agentes políticos,
participantes da dinâmica social e gestores do governo, da administração e do
desenvolvimento provincial. A grande maioria dos agentes políticos tem formação em Direito,
com experiência na magistratura. Os agentes políticos da província do Paraná deixaram
interessantes testemunhos, na correspondência política oficial, sobre momentos importantes
da história do Brasil-Império. Durante a Guerra do Paraguai, por exemplo, relata-se a
mobilização dos agentes políticos e dos militares para recrutar pessoas para compor tropas de
voluntários: não eram poucos os cidadãos que, com medo de morrer na guerra, se escondiam
ou se esquivavam diante das autoridades. Mesmo entre os militares, o medo de morrer na
guerra motivou vários casos de deserção. Pesquisar o desenvolvimento político e
administrativo da província do Paraná implica compreender e inter-relacionar os processos de
configuração do espaço, das relações sociais, econômicas, políticas e culturais.O foco da
pesquisa é a detecção das elites políticas e de sua sociabilidade, o estudo sobre a educação e
formação profissional dos agentes políticos, a ascensão de seus membros na esfera político-
administrativa da província do Paraná, nas demais províncias do Império, na Câmara e Senado
imperial, e a inter-relação das ações políticas com o desenvolvimento sócio-econômico e
administrativo da província do Paraná. Quanto ao recorte teórico-metodológico, privilegia-se
o estudo da história político-econômica e administrativa do Brasil-Império e da província do
Paraná, recorrendo-se ao marxismo e ao estruturalismo no âmbito da análise metafísica e da
dialética sobre a configuração dos espaços e das relações econômico-produtivas e de poder,
sobre o conhecimento e a práxis, a ação do indivíduo e sua relação com a natureza, e à Escola
dos Annales acerca do estudo dos contextos de relação entre os indivíduos e quanto à
combinação micro e macro-analítica como recurso de diversificação e flexibilização do método
de análise.A natureza dos diálogos entre os agentes políticos, presente nos documentos
manuscritos que constituem a correspondência oficial, é ambivalente: ora formal e objetiva
(dedicada a informar o teor e as particularidades das medidas administrativas), ora subjetiva e
pessoal (orientada a compartilhar experiências, opiniões, afinidades e divergências no âmbito
das relações pessoais).Propomos, portanto, utilizar o método de combinação micro e macro
analítica, para dar ênfase sobre o estudo das ações e relações individuais dos agentes políticos,
e sobre suas experiências de ofício na administração provincial: entende-se esta análise como
um estudo sobre a sociabilidade política que se verifica em contextos parcelares de ação e de
relação entre os indivíduos, localizados (no tempo e no espaço) no âmbito da microestrutura,
e que reflete em configurações sobre o espaço físico ou sobre o corpo das leis ou dos atos do
legislativo provincial, tendo essas configurações como manifestações que são mais claramente
perceptíveis na curta duração, ao passo que, o estudo dos contextos parcelares no âmbito da
microestrutura nos permitirá perceber e entender o processo de formação e de estruturação
da macroestrutura (tanto física como político-jurídica) da província do Paraná.
Arte da guerra do mar (1555) de Fernando Oliveira e o debate intelectual sobre a guerra justa
na península ibérica do século XVI
Propõe-se nesta comunicação apresentar algumas das considerações sobre a ideia de guerra
justa defendidas pelo humanista dominicano português Fernando Oliveira (1507-?) em seu
tratado marítimo Arte da guerra do Mar, publicado em Lisboa, em 1555. O objetivo será
perceber como este se posicionou no interior do debate intelectual que caracterizou tal
temática. A interpretação dos escritos de Oliveira será pautada pela abordagem denominada
skinerianna, que privilegia a análise dos usos feitos pelos autores, de determinados conceitos e
sistemas de ideias, com o intuito de desvelar as intenções da escrita do texto e o significado
que se desejou imprimir a ele.270. Buscando as ideias e os debates constituídos pelos teólogos
e juristas ibéricos que se preocuparam em versar sobre esta mesma temática durante o espaço
temporal em que viveu e produziu Oliveira, o século XVI, percebe-se que as noções que
orientaram a discussão em torno da guerra justa, sua legitimação ou refutação, foi a da
servidão natural, cujo defensor mais conhecido foi o Juan Ginés de Sepúlveda, a de
evangelização e conversão pacífica, que teve como principal nome o frade dominicano
Bartolomé de Las Casas, e ainda as discussões pautadas no direito das gentes, que teve como
personagem mais expressivo o teojurista espanhol Francisco de Vitoria. Percebe-se que ao
longo do tratado do autor em questão aparecem e se cruzam a ideia de cruzada e eliminação
dos infiéis e também a de reconhecimento da igualdade jurídica dos homens, baseada no
direito das gentes, como refutações ou legitimações para o ideal de guerra que se pretendia
justa. No desenvolvimento do texto, levando em consideração o contexto em que estava
inserido, as informações de sua biografia e as estratégias por ele adotadas ao longo se sua
trajetória, a proposta é demonstrar que usos intelectuais Oliveira desejou imprimir a estas
noções, de que forma e porque participou desta debate e que intenções desejou imprimir às
suas considerações acerca da guerra justa.
270
São sugestivos e servirão como referência para este trabalho os estudos realizados por Quentin Skinner sobre
Thomas Hobbes e sua teoria acerca da liberdade republicana. Nestas análises Skinner objetivou refletir sobre
questões como: “porque é que um texto está organizado de certa maneira; porque que é que se utiliza
determinado vocabulário e não outro; porque que é que certos argumentos, em particular, são escolhidos e
sublinhados; porque é que, em geral, o texto possui uma identidade e uma configuração específicas.” Como
resultado, o historiador procurou obter a compreensão das intenções do autor quando da escrita de suas obras.
SKINNER, Quentin. Visões da política: sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2005, p.119.
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Desde, pelo menos, o fim da Primeira República, o Brasil foi várias vezes interpretado como
um país atrasado, ainda que, em contraste, fosse também caracterizado por possuir grandes
potencialidades de crescimento. Inúmeros diagnósticos foram ensaiados para explicar os
porquês desse atraso e, em quantidade no mínimo equivalente, uma série de propostas de
ação foram sugeridas para promover aquele crescimento. Uma das questões centrais deste
debate era o planejamento estratégico, especialmente da economia, necessário para
desenvolver o país. Dos vários momentos interessantes dessa discussão, um dos de maior
destaque ocorreu na década de 1950, quando o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)
e a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina) analisavam o processo de
industrialização e desenvolvimento do Brasil e acabaram forjando uma estratégia de ação
política conhecida como desenvolvimentismo. Diferentemente de outros modelos explicativos
e de planos de intervenção estatal, o desenvolvimentismo foi adaptado por diversos
governantes do país e efetivamente posto em prática. O governo de Juscelino Kubistchek é um
dos exemplos mais bem acabados da adoção pelo Estado de um planejamento a longo prazo
do futuro da nação. Os militares, especialmente no governo Médici, também deram sua
contribuição nesse sentido, num período em que o Brasil vivia um “milagre” econômico. Mais
próximos da atualidade estão os governos FHC e Lula, onde concepções de desenvolvimento
semelhantes foram implementadas mas com políticas econômicas e sociais bastante
diferentes.
O que eu gostaria de destacar deste breve esquema é a preocupação desses agentes históricos
com o desenvolvimento futuro do país. Ainda que cada um tivesse sua própria concepção de
qual seria a melhor estratégia para promover esse desenvolvimento, todos tinham como certo
que o desenvolvimento era desejável e necessário. Uma postura que se coaduna, como quer o
historiador François Hartog, com uma perspectiva otimista no regime moderno de
historicidade, onde a relação dos homens e mulheres com o tempo histórico os faz enxergar o
futuro como o tempo de referência, diferente e em função do qual tanto o passado quanto o
presente se organizam. O otimismo, no caso, faz ainda do futuro um tempo melhor do que o
presente ou o passado e, portanto, sugere, mais ou menos implicitamente, uma crença nas
características positivas do progresso. Ainda que, de qualquer forma, esse progresso não
viesse por si mesmo, mas apenas enquanto resultado da ação presente daqueles agentes.
Ainda de maneira esquemática, e usando as categorias de Reinhart Koselleck, pode-se dizer
que, ao longo do século XX, os intelectuais brasileiros que se propuseram a pensar o futuro do
país construíram sua reflexão dentro de um espaço de experiências que lhes convencia ser o
Brasil uma nação atrasada. Como horizonte de expectativas, portanto, desenhava-se a
necessidade de mudar tal situação, fazendo o país alcançar os mesmos níveis de
desenvolvimento das nações mais avançadas do mundo, fosse através dos benefícios da
produção capitalista ou fosse pela revolução do proletariado.
Nesta comunicação, quero arriscar uma primeira aproximação com o tema esboçado. Meu
interesse recai sobretudo no horizonte de expectativas desses intelectuais. Mas eu gostaria de
pensar essas expectativas especialmente enquanto constitutivas do seu espaço de
experiências. Ou seja, pretendo investigar em que medida as perspectivas de futuro desses
intelectuais influenciavam suas estratégias de ação no presente. Como observa Pierre
Bourdieu a respeito do ser social, o sentido de sua existência se constrói em função de sua
relação com o tempo e, nas sociedades modernas, especialmente com o futuro. Quanto mais
capitais os agentes têm à disposição, mais investimentos eles são capazes de realizar, e esses
investimentos são, na maior parte das vezes, apostas no e para o futuro. Dessa forma, suas
esperanças subjetivas se fixam em oportunidades inscritas num tempo que ainda não veio e o
sentido de sua existência passa a se constituir também em função desse tempo. Sendo assim,
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funções serviram como meio possível de identificá-los. Apesar da sua formação em Direito,
atuou por muitos anos no campo educacional como inspetor e como professor de Pedagogia
do curso normal do Atheneu Sergipense. Essa escolha proporcionou-lhe certa distinção, tanto
por causa de sua formação quanto pela oportunidade que teve para construir um capital social
e cultural satisfatório (BOURDIEU,1998). Através do reconhecimento de suas capacidades e
conhecimentos adquiridos, consolidou sua posição no campo educacional sergipano. Foi
através de um concurso público em vinte e dois de julho de 1914 que Adolpho Ávila Lima
assumiu a cadeira de Pedagogia e Metodologia do curso normal do Atheneu Sergipense. Pouco
depois foi convidado para lecionar Português, História Universal e do Brasil no Colégio Tobias
Barreto, instituição particular de prestígio entre a sociedade sergipana. Provavelmente o
convite a Ávila Lima para ministrar essas disciplinas não surgiu de sua experiência no
magistério. Os professores concursados para o Atheneu como para a Escola Normal galgavam
de certa posição na estrutura do campo. E, possivelmente, esse e outros convites que surgiram
ao longo de sua carreira foi fruto não só das suas competências, mas também do que passou a
representar para o campo. Como inspetor de ensino, Ávila Lima, foi um veículo pelo qual as
idéias de modernização pedagógica foram difundidas, na realidade essa era uma das funções
que regulamentava suas atividades. Pelo que os relatos de visita permitiram entrever, cabia-
lhe inspecionar, mas também divulgar e tirar as dúvidas sobre as novas metodologias de
ensino, sobre a necessidade de inclusão de novas práticas escolares como a ginástica, o canto
dos hinos escolares, sobre as formas avaliativas, sobre importância das noções de higiene. Mas
os resultados apontados demonstravam que a sociedade não estava pronta para aceitar as
mudanças que as reformas propunham.
REFERENCIAS
BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: Usos de Abusos da História Oral. Janaína Amado e
Marieta de Moraes Ferreira(coords). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.
BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani (orgs.)
Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. (Ciências Sociais da Educação).
Em 1496 nasceu João de Barros. Filho ilegítimo de Lopo de Barros, gozou de benefícios e de
regalias que poucos em sua situação tiveram possibilidade de vivenciar. Estudou com os filhos
dos mais importantes fidalgos portugueses, inclusive com o futuro rei D. João III, com o qual
estabeleceu uma relação de amizade que lhe proporcionou vantagens e apoio incondicional
por toda vida, fato observado por meio das nomeações para cargos de alto escalão na
administração ultramarina. Assim, exerceu a função de feitor da Casa da Índia e Guiné, sendo,
também, agraciado, pelo monarca português, com uma parte da Capitania do Maranhão, no
Brasil.Além das atividades administrativas, João de Barros atuou no ofício das letras. Erudito
reconhecido, Barros escrevera um grande número de obras, as quais, embora distintas entre
si, apresentavam uma unidade na intenção: a proposta de um projeto cristão para Portugal.
Para levar tal projeto adiante, direcionava suas obras para cinco grandes temas coevos do seu
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Apreciando-se algumas obras de Edward Said sobre a Questão Palestina, bem como suas
reflexões autobiográficas e acerca do papel dos intelectuais, busca-se delinear a natureza de
seu envolvimento com a luta palestina pela autodeterminação. Acaso se trata de uma mera
identificação étnico-nacional, dado que o autor mesmo integrava o povo em questão e seu
Conselho Nacional? Ou, ao contrário, seu engajamento se embasou em uma postura
humanitária mais ampla, consequência da atuação que espera dos intelectuais diante de
situações de opressão e que ele próprio teria ao se reconhecer como um? Acaso não
conseguira Said conciliar sua visão de intelectual como ativista livre com sua própria atuação
política em prol da causa palestina? O cerne do presente artigo é justamente compreender
como Said compatibiliza sua militância política com sua autodefinição como um intelectual,
que deve, necessariamente, permanecer livre de identificações que limitem sua visão e
capacidade crítica. De antemão, é possível dizer que, se a trajetória pessoal de Said apresenta
evidências de um engajamento étnico-nacional, sua interpretação do conflito na
Palestina/Israel e sua atuação são compatíveis com sua definição de intelectual e do papel que
este deve exercer. Para a compreensão de nosso problema central, inicialmente é discutida a
natureza do conflito no Oriente Médio e na sequência o conceito de intelectual em Said e sua
compreensão da Questão Palestina. O embate na Palestina/Israel já dura mais de um século,
caracterizando-se por uma longa e intensa trajetória de sofrimento humano. Dos primeiros
atritos envolvendo árabes autóctones (palestinos) e imigrantes judeus até hoje a situação
passou por intensas mudanças. Embora seu caráter central tenha se mantido - um choque de
nacionalismos e de visões opostas sobre a natureza do mesmo território -, evoluções
significativas tiveram lugar, destacando-se os anos de 1948 e 1967. Primeiro, o Estado de Israel
foi fundado em uma parte do mandato britânico da Palestina e, dezenove anos depois, com a
Guerra dos Seis Dias, ele conquistou e passou a ocupar a totalidade do território. Assim, o
conflito evoluiu de um embate étnico envolvendo duas populações submetidas a um mesmo
governo imperial para a constituição e monopolização de aparatos estatais por um dos grupos
– judaico –, que passou a os utilizar para consolidar seus interesses comunitários em
detrimento do outro. Essa situação, acompanhada de perto por diferentes entidades
humanitárias e pela própria ONU, é marcada pela repetida transgressão por Israel dos direitos
básicos dos palestinos, deslocados em massa do território em 1948 e desde então submetidos
a uma política que se assemelha em demasia à realidade de outras populações submetidas, ao
longo do século XX, à ocupação e colonização estrangeira. À dominação e opressão
corresponde uma persistente resistência palestina que, assim como Israel, também empregou
a violência contra civis em diversos momentos (PAPPÉ, 2006; GORDON, 2008). Portanto, a
partir de 1967, a questão inicialmente com contornos étnico-nacionais também se tornou
humanitária, visto que todo um grupo – com exceção dos refugiados - foi submetido ao poder
esmagador de um aparato estatal etnocrático (YIFTACHEL, 20006) constituído para avançar os
interesses coletivos de um em detrimento do outro em um território comum
disputado.Compactuando dessa visão do conflito, Edward Said vê a ocupação israelense como
algo cruel e uma grande injustiça cometida “contra um povo privado de todos seus direitos”. Já
a alternativa palestina representa “uma ideologia não exclusivista, secular, democrática,
tolerante e geralmente progressista, pautada não por colonizar e desapropriar povos, mas por
libertá-los” (SAID, 1995, p. XIV-XX). Portanto, em consonância com os documentos publicados
por entidades de direitos humanos, civis e humanitários – inclusive citados nas obras e artigos
de Said -, o intelectual palestino vislumbra a questão de seu povo como uma situação de
opressão de toda uma população, que é violentada diariamente e tem seus direitos básicos
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Referências
GORDON, Neve. Israel’s occupation. Los Angeles: University of California Press, 2008.
PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. Oxford: Oneworld Publications Limited, 2006.
SAID, Edward W. The politics of dispossession: the struggle for Palestinian self-determination,
1969-1994. New York: Vintage Books, 1995.
A proposta deste trabalho é analisar o debate suscitado pela publicação da História Universal
(1920) de H. G. Wells, que envolveu o próprio autor e defensores dos preceitos evolucionistas
propagados nas décadas anteriores, especialmente a partir da publicação de A origem das
espécies (1859) de Charles Darwin e, por outro lado, intelectuais ligados à Igreja Católica que
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Fabio Sapragonas Andrioni – Doutorando – História Social, FFLCH, USP (Orientador: Prof.
Fredric Michael Litto)
Em 1967 foi lançado, nos Estados Unidos da América do Norte, o livro The year 2000: a
framework for speculation on the next thirty-three years, do físico, estrategista militar e
futurologista Herman Kahn. O livro ganhou destaque por dois motivos: primeiramente – e
principalmente – pelas suas previsões do futuro, como as científicas, que consideravam a
possibilidade de bases lunares, de órgãos artificiais funcionando como substitutos dos
orgânicos, uso de hologramas e etc. Há também previsões econômicas, culturais e sociais,
contudo, é a integração dessas diferentes previsões que apresenta o resultado mais
interessante: a sociedade pós-industrial. Ela consistiria em uma automação e mecanização do
trabalho no setor primário e secundário, o que manteria ou até mesmo aumentaria o Produto
Nacional Bruto (PNB). Em paralelo, ocorreria uma queda da carga horária de trabalho, sem
haver, todavia, uma diminuição da renda per capita. Pelo contrário, a renda per capita
aumentaria, porque ocorreria uma diminuição populacional. Com os ganhos individuais
aumentados com uma carga menor de trabalho, a valorização do trabalho como alicerce da
civilização seria solapada e substituída por uma valorização do aperfeiçoamento intelectual e
artístico individual. Por fim, Kahn apenas indica no The year 2000 o que ele desenvolveu em
obras posteriores, a saber, que essa mudança marcaria uma nova fase da humanidade e ela
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aconteceria tanto nos países capitalistas, quanto nos socialistas, mas com mais rapidez nos
primeiros. O segundo motivo de destaque para o livro The year 2000 foi o
desenvolvimento das bases do que ficou conhecido como a ciência do futuro. No livro, Kahn
definiu conceitos como: projeções livres de surpresa, que seriam as projeções lineares a partir
de tendências delineadas desde o século XI e XII, como um crescente aperfeiçoamento
tecnológico e a secularização da relação da humanidade com o mundo, por exemplo, que
resultariam no mundo padrão; cenários, que seriam construções de acontecimentos
hipotéticos para pensar possíveis pontos cruciais de decisão sobre o futuro; metáfora-
heurística, que consistiria em utilizar a história como exemplos para o futuro, servindo para
pensar as possibilidades de desenvolvimento das tendências além das projeções livres de
surpresa, constituindo, com isso, os futuros alternativos e os cenários. A elaboração da ciência
do futuro tal como é apresentada no The year 2000 remonta a períodos anteriores à escrita do
livro. Ela resultou do planejamento militar que teve início durante a Segunda Guerra, nos EUA,
com a Operations Research, feita por civis oriundos de faculdades de engenharia e física, que
pensavam a estratégia militar de uma forma racional. Após a Segunda Guerra, a Força Aérea,
interessada em continuar com esses estudos, fundou, em 47, a RAND Corporation, um think
tank que foi batizado conforme suas atividades, ou seja, research and development. Portanto,
a corporação se dedicava à pesquisa e ao desenvolvimento militar, a partir de um
planejamento racional, que se preocupava, por exemplo, como distribuir um número x de
bombas em um dado número de aviões, visando otimizar a destruição de alvos de um inimigo
imaginário. Além disso, também desenvolvia aperfeiçoamentos tecnológicos para a Forca
Aérea. Dessa forma, físicos, engenheiros e matemáticos foram contratados. Outro trabalho
característico e que permeava todos os outros, era refletir acerca do futuro da Força Aérea.
Preocupados, então, com outros aspectos do desenvolvimento militar, trouxeram sociólogos e
economistas. Kahn foi contratado, em 47, como físico e dedicou-se a estudos sobre raios gama
e o método estocástico Monte Carlo. Entre 47 e 67, passaram-se 20 anos, ou seja, o espaço
para duas gerações. Porém, mais do que distantes no tempo, é preciso entender a distância
que existiu entre aplicações do planejamento, o que refletiu em mudanças conceituais e na
forma de tratar seus respectivos objetos. Enquanto nos anos pós-guerra, a preocupação era
exclusivamente com o futuro militar dos EUA, em 67, devido ao fracasso no Vietnã, o que
resultou na diminuição do investimento na pesquisa militar, os institutos de consultoria, como
a RAND, tiveram que procurar outras áreas de atuação, ou em outros órgãos governamentais,
ou em empresas privadas, que poderiam ser tanto americanos quanto estrangeiros. Portanto,
tornou-se um planejamento do futuro muito mais amplo, indo além da pesquisa militar
referente aos EUA e tornando-se um estudo e uma proposta de futuro para o mundo.
Kahn esteve presente nos dois momentos, ou seja, foi partícipe de duas gerações distintas. Em
47, era um físico da RAND, recém-formado, onde teve contato com os grandes técnicos que
estiveram envolvidos com o planejamento durante a Segunda Guerra. Em 67, Kahn já era
presidente de seu próprio think tank e tornava-se referência naquilo que ficou conhecido
como ciência do futuro. Portanto, o estudo sobre o trabalho e as relações desse autor permite-
nos mapear os percursos da idéia de futuro formulada naquela que se tornou a maior potência
do pós-guerra, idéia, esta, que se tornou e teve influência nas políticas de desenvolvimento de
alguns países, inclusive o Brasil.
Os destinos de um povo não podem estar à mercê das simpatias ou dos ódios de uma
geração: o racialismo à brasileira de Raymundo Nina Rodrigues.
Hilton Costa
Doutorando em História, UFPR, Bolsista do CNPq
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A década de 1880 foi das mais significativas, no que diz respeito, a trajetória do Brasil
enquanto país. Neste período findou-se a Monarquia, extinguiu-se a escravidão, iniciou-se a
República. Estas transformações, passíveis de serem pensadas, como puramente políticas são
intimamente relacionadas ao mundo intelectual, pois a denominada geração de 1870 tem
papel importante neste contexto. Tal geração traz ao cenário intelectual do Brasil novas
posturas teórico-metodológicas tanto para explicação quanto para a interpretação e projeção
do país dentre elas as vinculadas ao racismo científico, ao racialismo. Em fins do século XIX e
principio do século XX o pensamento social brasileiro estava marcado pelas teorias raciais, o
racismo científico. A adesão dos intelectuais brasileiros as teorias raciais é reveladora, por um
lado, da integração do mundo letrado local ao debate internacional, bem como da tentativa de
interpretar o Brasil segundo os parâmetros científicos mais avançados da época. De outro
lado, essa iniciativa também pode ser apreendida na condição de uma postura que visaria
manter na pós-abolição as premissas de uma organização social escravista, especialmente, no
que diz respeito às hierarquias sociais. No seguinte sentido: com a crise do escravismo e seu
conseqüente fim o marco organizacional fundamental da sociedade brasileira – a divisão entre
livres e cativos – se esvai, o Direito não pode mais sustentar as hierarquias sociais. De modo, a
se recorrer à outra ciência a Biologia para sustentar as diferenças sociais locais. Daí a surgir à
adesão com maior força as teorias raciais. Entretanto, a adesão as teorias raciais por parte dos
intelectuais brasileiros de fins do século XIX e início do século XX não foi, como era de esperar,
uma simples importação de idéias. De fato essas teorias foram reelaboradas no Brasil,
assumindo formas, por vezes, bastante diversas das formulações europeias. Dentre as
inúmeras recriações das teorias raciais realizada pela intelectualidade brasileira uma das mais
interessantes foi a realizada pelo médico maranhense radicado em Salvador, Raymundo Nina
Rodrigues. (1866-1906).
Assim, a presente comunicação visa discutir a posição do médico maranhense com relação a
adoção das teorias raciais, do racismo científico para a interpretação do Brasil. Parte
considerável das análises existentes acerca da obra de Nina Rodrigues o colocam, de um modo
geral, como o mais ortodoxo dos racialistas brasileiros. Com efeito, mesmo sendo, em
comparação aos seus contemporâneos, quem mais se aproximou de um uso ortodoxo do
racialismo como referencial teórico para a explicação do Brasil, novos olhares sobre sua obra
são reveladores de posições senão heterodoxas ao menos ambíguas com relação a adesão a
um racialismo puro. E é nesta vertente que esse trabalho se insere, ou seja, busca-se indicar
que mesmo Nina Rodrigues se constitui em um racialista à brasileira, pois ele impõe o contexto
lingüístico e conceitual a que ele está submetido ao contexto social para assim construir sua
argumentação. A observação mais contemporânea de sua obra revela que mesmo ele realiza
uma reinterpretação das teorias raciais. A leitura particular de Nina Rodrigues do racismo
científico fica bastante evidente na obra Os Africanos no Brasil, especialmente, no momento
onde os malês são estudados. Com efeito, este artigo procura, justamente, discutir esse
racialismo à brasileira de Nina Rodrigues. Para tal se pretende utilizar o instrumental teórico-
metodológico sugerido por J. G. A. Pocock no sentido de perceber o contexto social, lingüístico
e conceitual vigente à época de Nina Rodrigues observando como ele se relaciona estes
contextos. A hipótese esposada vai em direção de indicar que o médico maranhense submete
o contexto lingüístico e conceitual ao social, pois o inverso poderia significar a negação do
Brasil, enquanto nação, coisa que Nina Rodrigues não desejava, mesmo sendo um critico
ferrenho do país.
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Victor Dumoncel Filho é o personagem deste texto. Sua trajetória de vida está vinculada à
história política do Rio Grande do Sul, especialmente quanto aos anos que compreendem a
Primeira República. Sua atuação se deu com maior proeminência entre os anos de 1910 e
1930, porém sua influência política local e estadual extrapola esta data e se estende até o
período de 1960 nos anos da ditadura militar. Entre suas funções podemos identificar a de
promotor público, correligionário do partido, capitão assistente da 16ª Brigada de Cavalaria da
Guarda Nacional, membro do Conselho Municipal de Cruz Alta, entre outras. Acompanhando
as tendências de investigação da historiografia, discute-se no texto elementos da história
política sulina numa perspectiva da história cultural transitando na história intelectual, em
virtude da aproximação, mesmo que informal, do personagem com as letras, com leituras
cotidianas e com a busca por informações fundamentais para compor sua atuação política
local. Desta forma, este texto traz referência à história intelectual numa perspectiva de ligação
com a história política das elites interioranas. O final do século XIX é dotado de
acontecimentos na estrutura política brasileira capaz de caracterizar o período com
peculiaridades bastante férteis para pesquisas históricas. De um modo geral, nas sombras do
nascente período republicano se projetavam os conceitos e as práticas políticas herdados do
sistema colonial e também do período monárquico, adquirindo, em alguns cenários,
reproduções vigorosas somadas às estratégias de construção do “novo” poder institucional.
Ou seja, discute-se o novo, o novo regime de governo, nas estruturas do antigo. No campo das
práticas políticas consolidaram-se estruturas de mando, articuladas a redes de poder e de
mandonismo local em diferentes espaços do nascente país republicano. Práticas intituladas e
em sua maioria vinculadas ao conceito de coronelismo atuaram nas instâncias políticas
institucionais ou em consonância destas, em diferentes níveis. Ou seja, a história política tem
se dedicado ao estudo da especificidade do poder local no Brasil, quer seja definido por
coronelismo, patronagem, clientelismo, respeitando as características de ocorrência em níveis
locais (municipais) e estaduais, seus entrelaçamentos e cooptações nas múltiplas realidades
econômicas, sociais e culturais do país. No campo das discussões teóricas, o terreno ora
descrito se mostra ainda mais fértil, pois é possível ensaiarmos novos olhares, outros focos e
visualizar determinantes ocultas pelos olhares investigadores e seus trabalhos já concluídos.
Trocando as falas, os estudos sobre a história política brasileira, toma elementos da história
cultural, tais como trajetória de vida e de intelectualidade, no sentido de significar o olhar da
história política pela abordagem da cultura. Sandra Jatahy Pesavento ressalta o político entre
correntes do domínio da História Cultural quando anuncia a releitura do político sob este viés.
Segundo a autora, “às vezes chamada de Nova História Política, essa postura resulta do
endosso, pelos historiadores do político, dos pressupostos epistemológicos que presidem a
análise na História Cultural”. (Pesavento, 2008, p. 75) Desta forma, a ação de líderes e
personalidades locais atuantes nesta estrutura de mando republicana, e até antes dela, será
somada às características intelectuais manifestadas, numa composição inovadora do cenário.
Embebida no mundo das representações de poder, podemos amparar o estudo naquilo que os
grupos ou os indivíduos utilizaram para acreditar em alguém ou em algo, constituindo
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elementos de poder simbólico e de coesão social. (PESAVENTO, 2008) Neste sentido, o viés da
intelectualidade é um elemento de análise pertinente para compor este quadro articulado de
legitimidade de poder, muito mais de fato do que de direito.Ressalta-se, neste sentido, o
objetivo central deste texto que é de (re)significar a atuação do coronel republicano Victor
Dumoncel Filho no estado do Rio Grande do Sul, sob a ótica da intelectualidade, trabalhando a
história política embebida nos pressupostos da história cultural. Ou seja, demonstrar os traços
do “caudilho” gaúcho, “peleador” da Revolução de 1923, armado para a prática da degola,
relacionado às características de homem das letras, aos hábitos de leitura e escrita que possuía
o coronel.
Esta comunicação tem como objetivo analisar a trajetória intelectual de um militante marxista
argentino e a concepção de peronismo por ele desenvolvida. Enquanto teórico da esquerda
argentina, Sílvio Frondizi produziu inúmeras obras, abordando questões políticas e sociais da
Argentina do século XX. Nascido em 1907, Frondizi foi filho de imigrantes italianos e logo cedo
foi instruído pelos pais e pelas leituras dos irmãos mais velhos a ter contato com alguns
teóricos do liberalismo, entre eles John Locke. Juntamente com o irmão Arturo Frondizi,
ingressou na Universidad de Buenos Aires, em 1926, para cursar Direito. Paralelamente cursou
também História no Instituto Nacional del Profesorado, sendo professor dessa disciplina
futuramente. Devido as suas leituras, Frondizi foi influenciado inicialmente por uma corrente
teórica denominada visão trágica de mundo. Segundo essa concepção a humanidade estava
em um caos social, econômico, cultural e político, ou seja, numa situação irreversível. Fruto
dessa influência foi um livro publicado no ano de 1943 intitulado Introducción al pensamiento
político de John Locke que posteriormente foi ampliado na obra El Estado Moderno. Ensayo de
crítica constructiva. Nessa mesma época tornou-se professor na Universidad de Tucumán,
onde organizou seminários convidando professores marxistas da Europa, entre os quais
Rodolfo Mondolfo, da Universidade de Bolonha. Foi através da influencia recebida pelas
palestras de Mondolfo e dos contatos com obras de Marx e Lênin durante seus escritos que
Frondizi lentamente foi assumindo uma postura socialista. A mudança tornou-se nítida quando
da publicação do folheto La crisis política argentina. Ensayo de interpretación ideológica
publicado no ano de 1946. Seguido desse, Frondizi publicou inúmeros outros folhetos e livros
que o destacaram na militância política. Sua obra principal esta dividida em dois tomos: La
realidad argentina. Ensayo de interpretación sociológica; volume I: El sistema capitalista;
volume II: La revolución socialista, publicada nos anos de 1954-1955. O apogeu de sua
participação política foi na década de 1950-1960. Nesses anos, Sílvio Frondizi reuniu em torno
de si inúmeros colaboradores e discípulos e fundou o Movimiento de Izquierda Revolucionário-
Práxis (MIR-Práxis), um órgão político que pretendia ser um representante dos trabalhadores
argentinos. O auge do movimento ocorreu em 1955 quando o grupo conseguiu instalar uma
editora própria, que publicava os folhetins, os livros e um “órgão de esclarecimento”, um
pequeno jornal intitulado Rebelión. Pensando num contexto em que a esquerda argentina era
representada principalmente pelo tradicional Partido Comunista Argentino o MIR-Práxis surge
como uma contestação ao conservadorismo comunista e como alternativa de luta. Entre as
críticas à geração comunista da década de 1950-1960, veiculam a subordinação do PC
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argentino à política da URSS, bem como o ideário de revolução por etapas que, segundo
Frondizi, desvirtuava o verdadeiro sentido da revolução proposto por Marx. Assim, é possível
pensar Sílvio Frondizi enquanto um intelectual orgânico, conceito desenvolvido pelo teórico
Antonio Gramsci. Segundo Gramsci, todo homem é um intelectual, na medida em que possui
concepção própria de mundo, linha consciente de conduta e capacidade de proporcionar
novas formas de pensar, mas nem todos desempenham essa intelectualidade. O intelectual
deve ser representante de uma dada classe social, cujas funções, em linhas gerais, se
caracterizam por: homogeneizar a classe e eleva-la a consciência de sua função histórica, ou
seja, contribuir teoricamente (através de escritos principalmente) e politicamente para o
sucesso da classe por ele representada. Cada intelectual procura dessa forma representar sua
classe, numa luta que é travada nos aspectos teóricos e práticos. Portanto, podemos pensar
que o intelectual orgânico é criado pela classe no seu processo de firmação e
desenvolvimento. Durante o auge de sua carreira Sílvio se encontrou em Cuba com Che
Guevara. Fruto desse encontro foi o livro publicado no ano de 1960 La Revolución Cubana: su
significación histórica. Além dos livros já citados, Frondizi também escreveu: Doce años de
política argentina (1958); Teorías políticas contemporâneas (1965) e Argentina: la
autodeterminación de su pueblo(1973). Independente de suas fortes críticas ao peronismo,
Sílvio Frondizi, conseguiu visualizar em Perón aspectos que expôs como “positivos” e
“negativos”. Em seu balance do governo de Perón, Frondizi destacou que o coronel realizou o
que muitos partidos e representantes da esquerda do país não conseguiram realizar:
incorporar às massas a vida política, ainda que com interesses diferentes dos da revolução.
“Esta incorporación, si bien realizada con fines políticos personales e inmediatos, se tradujo en
acentuada politización de las masas, incluso sus capas más bajas” (FRONDIZI, 1955. p.297)271.
Outro aspecto positivo do peronismo, na visão do militante argentino, foi sua capacidade de
debilitar a estabilidade capitalista tanto política como econômica. Por fim o peronismo foi
capaz de destruir a juridicidade burguesa: “la sacrosanta Constituición Nacional há perdido su
virgindad” (FRONDIZI, p.300). O mérito de Perón na perspectiva revolucionaria de Frondizi foi
o de “haber destapado la olla podrida de la sociedad burguesa y haberla mostrado tal qual es”
(FRONDIZI, p.301). Do outro lado, que o peronismo tinha aspectos negativos, na concepção de
Frondizi, não há dúvidas. O primeiro desses aspectos está concentrado exatamente no
“aventureirismo” e na corrupção administrativa e pessoal do governo Perón. Toda essa
“sujeira política” é chamada de “pornocracia” (FRONDIZI, p.301). O segundo aspecto negativo
estava relacionado com a utilização da classe trabalhadora na formação do Estado totalitário.
Assim, os trabalhadores eram manipulados pelo coronel Perón de acordo com seus interesses,
estando em “carriles perfectamente establecidos de antemano, haciendole servir a las
conveniencias de la clase dominante e impediendo que tome um carácter autónomo y de
defesa de los intereses proletarios” (FRONDIZI, p.302).A interpretação do peronismo proposta
por Frondizi se caracterizou como uma manifestação bonapartista, em oposição à
interpretação do PC, que considerava o peronismo como um tipo de fascismo. Opondo-se aos
principais representantes da esquerda tradicional, Frondizi contribui para o surgimento de
uma nova geração de intelectuais argentinos, cuja heterogeneidade de estudos e ideias
permitiu novas interpretações dos fenômenos políticos argentinos, bem como um novo tipo
de militância. Por conta de seu pensamento e militância política, Sílvio Frondizi foi assassinado
pela Triple A (Alianza Anticomunista Argentina) no ano de 1974. Sua biblioteca foi confiscada e
muitos de seus livros e escritos se perderam no tempo.
271
Todas as referências citadas fazem parte de sua obra La realidad argentina. Ensayo de interpretación sociológica;
volume I: El sistema capitalista.
A presente comunicação, parte de uma pesquisa que venho desenvolvendo, trata, por um
lado, de um estudo sobre o intelectual Oswald de Andrade, seu itinerário que inclui fontes em
formas de traços biográficos, romances históricos e dramaturgia, e por outro, as relações que
o mesmo estabeleceu, no período da vanguarda modernista, mas, principalmente, no tempo
de militância comunista (década de 1930), culminando com a formatação de sua visão de
mundo, no momento posterior à Antropofagia, pedra de toque do escritor, privilegiando a
outra fase, a de “casaca de ferro na revolução proletária”. Essa “construção intelectual” do
escritor é fundamental para compreendermos a dimensão de sua literatura social,
estabelecendo compreensão, a partir dos pressupostos do materialismo cultural (na sua
questão central de interligação cultura/vida social), de suas relações e militância, num
importante momento da história do Brasil, a “modernidade” do século XX. Marco
historiográfico e período de afirmações sobre as idéias de identidade brasileira, a década de
1930 no Brasil é marcada por uma revolução política que apeou do poder parte da decadente
oligarquia, marca também uma modernização, ainda que tardia e também uma relativa
oxigenação da política, com a entrada em cena do Partido Comunista. No plano cultural, a
publicação de romances sociais, com Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e Jorge Amado,
consolidou-se a perspectiva modernista e torna-se urgente estabelecer um debate sobre a
identidade brasileira, por um lado, e, por outro, o estabelecimento de novas relações com o
mundo. Sobre a consolidação modernista, dois ícones da década anterior, Mario e Oswald de
Andrade, continuam produzindo reflexões sobre o seu tempo. O primeiro trabalha na
implantação de uma política de patrimônio e memória institucionalizados em São Paulo272 e o
segundo inicia uma incursão no Partido Comunista, muito por conta do contato com dois
expoentes, Luis Carlos Prestes273 e Patrícia Galvão, a Pagu274. O estudo dessa última
experimentação política é a proposta da tese275 que esse resumo trata de uma parte, isto é, a
relação de Oswald de Andrade com seu grupo, nesta época, e suas experiências teóricas e
práticas. Em fase inicial, vinculado ao Programa de História Social da PUC-SP, sob orientação
da Profa. Dra. Estefania Knotz Canguçu Fraga, com o título provisório “Oswald de Andrade e o
PCB: estudos sobre o intelectual, instituição e práticas de sociabilidade”, a pesquisa encontra-
se no tempo da organização do corpus documental, múltiplo e variado, sobre o escritor no
período de sua incursão no Partido Comunista, logo após a fase vanguardista, especificamente
nos anos de 1931 a 1945. Tendo como o pontapé inicial com o romance autobiográfico
“Serafim Ponte Grande”, passando pelo jornal O Homem do Povo276, romance mural Marco
272
Em 1936, designado pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, Mário de Andrade redigiu um
anteprojeto para criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional.
273
Oswald conheceu Prestes numa viagem para o Uruguai, juntamente com Pagu, ambos motivaram a inflexão do
escritor, vertendo-se para o PC.
274
Pagu e Oswald viveram juntos entre 1930 e 1934, militaram no Partido e tiveram atuação destacada na cultura
paulistana da época. Depois do rompimento, ambos continuaram no Partido, Pagu até 1940 e Oswald até 1945.
276
O Homem do Povo é o jornal publicado em 1931 por Oswald de Andrade, Patrícia Galvão (a Pagu) e Queiroz
Lima, com colaboração de Astrojildo Pereira. Periódico com caráter de manifesto, retrata o ativismo político de
Oswald a partir de sua filiação ao Partido Comunista. Satiriza a sociedade capitalista e as elites dirigentes do Brasil
de sua época, com oito edições somente, entre março e abril de 1931. O corpus, apesar de reduzido, é
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Zero, peças como O Rei da Vela, além de revistas, manifestos, correspondências com
intelectuais, além de resoluções do Partido. Utilizando de referenciais advindos dos Estudos
Culturais, principalmente em um de seus expoentes, o teórico inglês Raymond Williams277,
além de Michel de Certeau e outros, a análise recai, neste primeiro momento, a partir da
análise da fonte em questão, o periódico O Homem do Povo. O grupo em torno de Oswald
está ancorado num corpo de práticas e de representações e, simultaneamente, na "estrutura
de sentimentos" e no "ethos" do grupo (Williams,1982). Pelo primeiro entende-se como uma
descrição, um entendimento sobre a relação dinâmica entre experiência, consciência e
linguagem. Na experiência vivida no tempo, segundo Williams, cada elemento estava em
solução, era uma parte inseparável de um todo complexo.
Isso nos ensina que estudar Oswald de Andrade é relacioná-lo ao Grupo, primeiramente nas
representações do Modernismo, mas, principalmente, a partir de um novo substrato, que se
formou a partir daquele, mas com novos problemas e contexto. O dado concreto dessas
relações, o forte componente social, cultural e político do grupo que se formou em torno de
Oswald, é, a partir das fontes, algo material e tangível, portanto, histórica.
“Um grupo de amigos", ele é também e a um só tempo um grupo cultural e social. Torná-lo
intelegível exige que relacionemos uma dupla perspectiva, mas que não se afastam. Num
lado, a apresentação dos termos com que seus integrantes se viam e queriam ser
apresentados e, do outro lado, a análise desses termos a partir de seus significados sociais e
culturais, representando formas de ver uma época vivida.Trata-se aqui do estudo sobre a
experiência vivida, da dimensão subjetiva da prática social, uma tomada de posição, uma
declaração de sentido do autor e de seus congêneres. O escopo do texto é modesto, entender
o Homem do Povo, jornal de publicidade de um ideário socialista, a partir dos instrumentos
ditados pela teoria. A teoria de cultura de Williams, a dimensão de cultura que descreve os
trabalhos e práticas de atividade intelectual, o “modo de luta” de Oswald de Andrade, a sua
experiência de luta política, a sua forma de crítica social. O povo, categoria de análise, é
situado no repensar da teoria da cultura, de “redefinir o status de arte e encontrar seu elo com
a vida social ordinária”. Para tanto, utilizaremos preferencialmente a obra “Marxismo e
Literatura”, que imprime o método do Materialismo Cultural, contribuição para a teoria
marxista da cultura e definido como uma teoria das especificidades da produção material e
literária (CEVASCO, 2001, p.55). A cultura emergente que Oswald propôs ao traduzir para o
grande público as formalidades da grande política, tradução pro social de uma arte para
poucos, a transformação da cultura de uma elite na produção da consciência política. O
Modernismo de Oswald e de seus epígonos era uma modernidade nas concepções de Brasil,
das formas da política, na superação do coronelismo, na cultura popular através da valorização
do primitivo (termo comum da época), do povo brasileiro. O Homem do Povo visto como
prática social não simplesmente como objetos de cultura, por isso o contexto, no afã de
abandonar o procedimento de se isolar o objeto e descobrir seus componentes, mas alojá-lo
na dimensão do social pelo cultural. A proposta é uma forma de crítica e também de
resistência, crítica da análise puramente estética, nas formas de ler a linguagem como
autônoma, o individualismo, o algo abstrato e geral e ao mesmo tempo inacessível aos
indivíduos, mas entendendo a obra como linguagem de uma atividade humana, uma prática
representativo de seu tempo, por conta da inclusão de intelectuais e militantes e pelo fato de ser sido fechado,
após pressão dos estudantes de Direito da USP, mas principalmente por fundir, na publicação, o embate político a
partir de intelectual consagrado e engajado, uma nova estética, moderna, porém política.
277
Além de Bakhtin e Brecht, a influência do teórico da cultura William, vai além, segundo suas palavras: “Fue em
esa situacion que senti gran excitacion al entrar em contato com nuevas obras marxistas: lãs Del último Luckács, del
último Sartre, El dessarollo de los trabajos de Goldmann y de Althusser (...) centralmente de La Escuela de Frankfurt
(...) especialmente a La obra de Walter Benjamin; a La extraordinariamente original obra de Antonio Gramsci; y
como em elemento decisivo para um novo sentiod de tradicion, a las nuevas traducciones de Marx, em especial de
los Grundrisse”. (2009:23).
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material no interior de um processo social onde os sujeitos formam a sua própria consciência.
O nosso autor definiu-se pelo PCB e influenciou a sua forma de ler o socialismo, de produzir
essa forma no interior do partido e em outras instancias, formou um grupo que
compreendesse essa mensagem, como pensou Lacan, um sujeito como a fissura entre o
sujeito do enunciado e o da enunciação, aquele que anunciou o fim de uma era (a vanguarda
modernista) e se pós a serviço da revolução (casaca de ferro da revolução proletária dos
tempos de PCB). O romance social, mural ou socialista de Oswald será lido muito além do
cânone, estudamos sim um autor canônico, mas direcionamos a investigação para responder
às outras perguntas, como: como Oswald lidou com a tradição, como lia a tradição e lida com
esta (aqui é possível cincunscrever a relação dele com Getúlio Vargas, além da cúpula do
Partido ou dos romancistas da época).Raymond Williams encarou dilemas importantes na
pesquisa sobre Charles Dickens, por este ser um autor complicado para a crítica na medida em
que concentra pressupostos contraditórios: é um grande autor e um autor popular, porta-voz
dos valores burgueses cuja obra critica a ordem que o inscreve, um praticante da “grande
arte” que produzia com os dois olhos voltados para o mercado. A complexidade também se dá
em relação à produção de Oswald de Andrade, tido como um autor burguês e boêmio, além de
representar a nascente burguesia com o discurso de Modernidade, mas imprima uma marca
social e popular na sua linguagem jornalística e de prosa, uma vez que havia abandonado a
poesia (comum na época burguesa do autor), o que torna a nossa tarefa difícil na medida de
compreender os fluxos e refluxos das relações entre o residual e o hegemônico nos textos
objetos de nosso olhar.
REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano - Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes Editora,
1994.
CEVASCO, Maria Elisa. Para Ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
LOPES, Marcos A. (org.). Grandes Nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003.
MARTINS, Rubens de Oliveira. Um Ciclone na Paulicéia: Oswald de Andrade e os Limites da
Vida Intelectual em São Paulo (1900-1950). São Paulo: UNIBERO, 2001.
PEREIRA, Maria A. & REIS, Eliana L. L. Literatura e Estudos Culturais. BH: UFMG, 2000.
RUFFINELLI, Jorge & ROCHA, João C. C. Antropofagia Hoje? Oswald de Andrade em Cena. São
Paulo: Realizações, 2011.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo Y Literatura. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2009.
___. Política do Modernismo. São Paulo: UNESP, 2011.
A tendência de estudos voltados para a história dos intelectuais nos permite (re) fazer várias
trajetórias do pensamento brasileiro, pois entre tantas coisas ditas, ainda nos surgem novas
questões acerca da história intelectual de nosso país. Neste trabalho nos voltaremos para
Manuel Bandeira, renomado poeta brasileiro, sempre presente nas histórias da literatura. Mas
aqui não nos voltaremos para o Bandeira poeta, e sim, para o Bandeira cronista.
Intelectual respeitado entre seus pares, Bandeira participou de diversas gerações
literárias, fato que dá uma amplitude muito grande a seu trabalho. A proximidade de Bandeira
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com nomes importantes da cultura brasileira, como Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco
de Andrade e Gilberto Freyre, mostra também o seu envolvimento com a construção
institucional da cultura brasileira. Bandeira era ligado ao modernismo, às novas formas
estéticas literárias, inovações no pensamento sobre o Brasil. Porém, também tinha uma
grande ligação com as formas literárias anteriores, pela arquitetura antiga, pela simplicidade
dos tempos passados. Estes são traços marcantes na produção de Bandeira: o envolvimento
com o novo e o gosto pelo passado. É nesse período que Bandeira escreve suas crônicas para
diversos jornais, e é através delas que tentaremos perceber mais sobre o Brasil, sob a
perspectiva deste intelectual.. As crônicas de Bandeira foram relançadas recentemente:
primeiramente foram as Crônicas da província do Brasil, que foram publicadas pela primeira
vez em 1937. Depois vieram As crônicas inéditas, compilação feita em dois volumes de
crônicas publicadas em jornais. Em posfácio à reedição das Crônicas da província do Brasil,
Julio Castañon Guimarães, nos traz um bom panorama do trabalho de Bandeira. Segundo ele,
o livro surgiu não de um estudo sistemático, sociologizado, mas estava sim, inserido no âmbito
de uma preocupação comum, o empenho de conhecimento do Brasil. A primeira edição do
livro é publicada no contexto desses interesses, e duas amizades de Bandeira irão marcar
profundamente esse período, são eles Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Foi através dos
dois que Bandeira pode atuar de forma mais presente no crescente setor cultural brasileiro.
Próximo ao modernismo, Bandeira também tinha uma ânsia de conhecer o Brasil, assim como
Mário de Andrade. Apesar de se autoconsiderar despreparado para escrever artigos, tinha
uma percepção de Brasil muito aguçada; interessado que era, gostava de ler as obras dos
viajantes que passaram por aqui no século XIX, dedicando até uma crônica ao “‘nosso’ Saint-
Hilaire”. Os estudos na Escola Politécnica lhe renderam o gosto pela arquitetura,
principalmente a colonial, com estilo barroco, das cidades históricas brasileiras. Daí surge
também uma boa visão sobre o patrimônio histórico brasileiro, que juntamente com a
amizade de Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade, vai lhe possibilitar o
trabalho no que viria a ser o IPHAN de hoje. As crônicas abrangem todo tipo de assunto, o
que pode mostrar o interesse de Bandeira por vários aspectos da cultura nacional, mas a
diversidade da prosa também está ligada à solicitação dos editores. A história editorial de
Bandeira, aliás, não é das melhores; ele mesmo financiava seus livros até 1940, ano em que
entrou para a Academia Brasileira de Letras; segundo Castañon (1984), esses dados
antagônicos não podem ser desprezados, pois revelam o tortuoso e difícil perfil de
consagração de uma das obras fundamentais da literatura brasileira. Interessa-nos nesse
trabalho o Bandeira antes e durante o modernismo. Uma das questões que acreditamos ser
essencial figurar nesse trabalho é o fato de Bandeira ser ou não precursor do Modernismo. E
para conseguirmos seguir adiante nesta questão devemos primeiramente nos perguntar: o
que vem a ser uma literatura pré-modernista? De acordo com Alcmeno Bastos podemos
estabelecer dois sentidos para o termo:Em princípio, são duas as acepções possíveis para o
termo Pré-Modernismo. Se o prefixo indicar apenas uma antecipação cronológica, sob esse
rótulo se abrigará a produção literária imediatamente posterior aos períodos literários que
marcaram o final do século XIX: Parnasianismo e Simbolismo, na poesia, Realismo-
Naturalismo, na prosa de ficção. Contudo, se o prefixo indicar uma antecipação estética, essa
mesma produção, via de regra situada nas duas primeiras décadas do século XX, dará ao termo
o valor semântico de quase-Modernismo. Significaria dizer que a revolução modernista, nítida
a partir da década de 20, fora anunciada no período entre 1900 e 1920, aproximadamente.
(BASTOS, 2011)Em muitas histórias da literatura Manuel Bandeira é colocado como não só
como pré-modernista no primeiro sentido apresentado por Bastos, mas também como
precursor do movimento. Buscamos neste trabalho, a partir da perspectiva da história dos
intelectuais, rever a posição de Bandeira dentro da história brasileira – e não só da história da
literatura - e analisar a sua atuação em diferentes gerações.
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Esta comunicação tem como origem um dos capítulos da tese de Doutorado em Educação
defendida na Universidade Federal do Paraná (2011), a qual busca apresentar a trajetória de
uma geração de intelectuais que atuou na cidade de Ponta Grossa/PR em meados dos
novecentos e que tinha na figura de Lauro Justus – um médico que se notabilizou pelo seu
relacionamento com questões educacionais e culturais – um dos seus principais
representantes.Naquele período é possível identificar um conjunto de discursos e ações
promovidos por um grupo de médicos radicados em Ponta Grossa na década de 1950 que
extrapolavam os limites dos consultórios e hospitais, envolvendo-se com instituições de
ensino, agremiações culturais, núcleos de divulgação de conhecimentos científicos e
educativos.Individualmente ou reunidos em instâncias de diversas naturezas – entidades de
classe, associações culturais, esportivas e sociais – esses médicos cumpriram um importante
papel pedagógico no sentido de, entre outras coisas, tornar mais acessível uma série de
noções sanitárias para a população ponta-grossense no período já referido, reforçando assim
as práticas higiênico-sanitárias na cidade e associando-as a um conteúdo ético, moral e
religioso.Apesar de compreendermos que o diálogo entre a educação e a saúde nos meados
dos Novecentos não era uma peculiaridade experimentada por Ponta Grossa, procuramos
desvelar as particularidades locais.Nesse cenário projeta-se a figura do Dr. Lauro Justus, um
representante do intelectual público – tal qual o conceito é apresentado por Russel Jacoby –,
exercendo uma intensa atividade médico-educativa em Ponta Grossa, sobretudo por meio de
sua inserção no jornal Diário dos Campos, principal órgão de comunicação existente na cidade
durante o período estudado.Nascido em Ponta Grossa no ano de 1917, Dr. Lauro Justus, que
faleceu em 1992, era de origem russo-alemã e graduou-se pela Faculdade de Medicina de São
Paulo, em 1942, especializando-se em cirurgia geral e ginecologia e obstetrícia pela mesma
instituição. Ao longo de sua vida, engajou-se em muitas causas, tendo ação decisiva para a
criação da Associação de Proteção à Maternidade e a Infância de Ponta Grossa – entidade que
presidiu de 1951 até 1992 – e para a implantação da Maternidade Sant´Ana. Diante da
Associação, desenvolveu programas, projetos e ações voltados para a proteção da vida de
gestantes, parturientes e recém-natos ponta-grossenses. Já a Maternidade criada por ele,
inaugurada em 1953, funcionou até 1999. Mas além de sua importante trajetória no campo da
medicina, Dr. Lauro Justus também desenvolveu, desde muito jovem, intensa atividade
literária, cultural e educativa. Amante das questões antropológicas, históricas e etnográficas,
estudou e escreveu diversos textos que se tornaram referência para pesquisadores que
transitam por tais campos do conhecimento. Em destaque, os estudos desenvolvidos por ele
sobre os russos-alemães nos Campos Gerais, um tema praticamente inédito até a década de
1970, quando então ele passou a escrever a respeito da presença desses imigrantes na região.
Além disso, era um refinado tradutor de textos do alemão para o português e, na década de
1950, lecionou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa.Lauro Justus era
visto por seus contemporâneos como um pesquisador social, como um homem preocupado
com o “alcance educativo” dos conhecimentos que adquiria e transmitia, enfim, alguém com
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A presente comunicação tem como objetivo principal apresentar uma parte importante de
uma pesquisa mais ampla que estamos realizando acerca da trajetória de vida e intelectual do
revolucionário Octávio Brandão (1896-1980). Nesta exposição, em particular, destacamos
algumas das mais significativas atividades intelectuais empreendidas por Brandão no cenário
político-social alagoano durante as duas primeiras décadas do século XX. Conforme
procuramos demonstrar, desde muito cedo Brandão mostrou-se um estudante apaixonado
pelas ciências naturais, estudou com fervor, farmacologia, botânica e mineralogia, porém,
jamais desprezou as ciências humanas, a literatura, a poesia, a geografia e a história, sempre
ocuparam um espaço fundamental em sua vida. Em meados de 1916, ganhou uma razoável
notoriedade devido à defesa pioneira da existência de petróleo em solo brasileiro, foi taxado
de louco por alguns setores conservadores da sociedade alagoana daquela época. A partir de
1917, ampliou sua participação no cenário político e social, aderiu de corpo e alma ao
movimento anarquista. A agitação durante aqueles anos foi algo realmente considerável,
participou de diversas manifestações populares na capital, Maceió. Ao lodo do companheiro
de luta, o tipógrafo Antônio Bernardo Canellas (1898-1936), criticou severamente o apoio do
Brasil aos países beligerantes da Primeira Grande Guerra Mundial; por meio do jornal A
Semana Social, publicou uma série de artigos repudiando a guerra imperialista. Nesse
episódio, sofreu uma primeira perseguição política, teve que deixar a capital alagoana por um
tempo. No mesmo ano, de volta a Maceió, fundou um movimento de contestação em defesa
da reforma agrária e, igualmente, do fim da exploração no campo promovida pelos grandes
latifundiários, conhecido como Congregação Libertadora da Terra e do Homem. No dia 01 de
junho de 1918, publicou no Jornal do Comércio, de Maceió, um artigo intitulado Um evadido
da realidade, trata-se, na verdade, de um manifesto pioneiro dirigido as principais figuras
pensantes do cenário político-intelectual alagoano, em defesa de uma literatura e arte
genuinamente nacionais. Este manifesto, proporcionou ao intelectual uma expressiva
notoriedade social; várias personalidades da vida pública daquela época reconheceram a
originalidade e o apelo presente no manifesto do jovem intelectual alagoano. Provocou,
inclusive, vários debates, todos bastante acalorados entre alguns dos mais importantes jornais
do período. Em linhas gerais, defendemos a idéia de que, com este artigo, Brandão
desenvolveu, ainda que de maneira embrionária, sua primeira definição acerca da função
social do intelectual perante a sociedade, ou seja, uma espécie de porta voz dos valores
universais. A atuação de destaque no campo político-intelectual proporcionou ainda um
encontro fundamental, dessa vez, com o incipiente movimento operário alagoano. Devido à
intensa agitação política, o intelectual passou a despertar o ódio das camadas conservadoras.
No final de 1918, foi perseguido e preso pelas autoridades policiais, ganhou a liberdade após o
pagamento de uma fiança, porém, a partir de então, sua integridade física, aliás, sua própria
vida, encontrava-se seriamente ameaçada. Para não ser assassinado, tomou um navio e partiu
no início de 1919 para o Rio de Janeiro, dando início a um exílio político que durou 41 anos
longe de sua terra natal. Em relação às fontes que utilizamos para a realização desta nossa
comunicação, foram três autobiografias escritas em períodos diferentes da vida de Brandão, O
Caminho (1950), A Luta Libertadora (1970) e Combates e Batalhas (1978), além de vários
comentários de personalidades da vida pública sobre o intelectual, publicados em alguns
jornais da época. No que tange ao suporte teórico, nos valemos, em grande medida, das
preciosas indicações sugeridas pelo historiador Edward Said, principalmente aquelas que nos
orientam acerca da função social dos intelectuais na sociedade. Sem embargo, acreditamos
que resgatar esta passagem da vida de Octávio Brandão pode ser fundamental para
compreendermos um período pouco contemplado pela historiografia brasileira.
O tema das gerações, de acordo como se mire, pode ser – como observava Julían Marías, em
1949 – muito antigo ou muito novo. Isto, posto às questões historiográficas, ainda parece
guardar inaudita atualidade e pertinência. Questão de natureza basilar à sociologia (hoje
diríamos sociologias), principalmente fundamentada a partir de reflexão de Karl Mannheim
intitulada – não fortuitamente – “o problema sociológico das gerações” (1928), o debate em
torno deste problema parece passar ao largo das demandas historiográficas – ainda mesmo
que, o já referido, Marías tenha proposto um “método histórico das gerações”. Contudo,
parece-nos que o termo (e aquilo que dele se expressa e se problematiza) traz possibilidades à
reflexão em torno, principalmente, da seara da história intelectual ou de intelectuais.
Voltando-se ao estudo da produção intelectual a partir das trajetórias e das filiações
intelectuais, expressadas, por exemplo, na constituição de associações, círculos e/ou
agremiações, vemos a problematização da noção de geração – e seus desdobramentos
experiência geracional e conflito geracional, entre outros – parece possibilitar uma mais
adequada exploração do tema. Neste sentido a partir, justamente, dessa possibilidade: a
relação entre produção intelectual X associações intelectuais X experiência geracional. Em
relação a isso, cabe aqui lembrar, com Mannheim, que a faixa etária não caracteriza,
propriamente, a geração mas, sim, que o comprometimento ou adesão a determinadas causas
sociais pode ser visto a partir de uma identidade situacional, onde os vínculos a determinados
processos históricos geram as experiências de uma geração. Experiência esta que se revela nos
comportamentos e nos pensamentos e se diferencia na transição entre as gerações. Contudo
vale observar que podemos nos referir a uma geração ainda mesmo que seja constituída por
grupos e/ou indivíduos que se posicionam diferentemente frente às experiências
compartilhadas. Mesmo, ainda, que localizemos a unidade de uma geração a partir da
semelhança das experiências e as possíveis interpretações que os membros dão ao mundo.
Mannheim nos alerta que os “dados mentais” podem unir e diferenciar socialmente, da
mesma maneira que os conceitos assumem significados diferenciados a partir das experiências
das unidades da geração, que se manifestam a partir das narrativas acerca do mundo vivido.
Acreditamos que tal conceito, que aparentemente tem ocupado pouca atenção dos
historiadores – como já observado – pode apresentar possibilidades profícuas quando
pensado no estudo acerca de intelectuais e/ou em relação aos temas prepostos à circulação e
recepção de ideias, uma vez O problema das gerações, como proposto por Karl Mannheim,
acena para o papel fundamental da historicidade como elemento fundante da experiência
geracional – determinante das conexões e das posições geracionais – ao mesmo tempo que
lembra do papel relevante dos chamados acontecimentos biográficos em relação às tomadas
de posição e perspectivas em relação ao próprio tempo histórico. Em resumo, cabe lembrar
que do ponto de vista do emprego do conceito, a geração não é definida apenas pela
proximidade cronológica do ano de nascimento, mas muito mais em decorrência de conexões
geracionais, reveladas a partir do compartilhamento das mesmas práticas e/ou
reflexões.Voltamos, assim, ao método histórico, pensado a partir das conferências de Marías,
para, refazendo o percurso em torno do tema, sugerirmos as suas possibilidades e interesse
para o objeto anteriormente apontado. Por fim, saliente-se: pensar as possibilidades da
problematização em torno do conceito de geração supõe, antes de mais nada, a abertura ao
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debate multidisciplinar. Tal como demanda, da mesma forma, cremos, qualquer mirada sobre
as questões vinculadas ao universo da(s) história(s) intelectual/intelectuais. Assim, como
queria Mannheim e parafraseando-o, se “o problema das gerações é importante o suficiente
para ser seriamente considerado”, não menos o é o da relação da experiência geracional e sua
ação sobre as trajetórias e, portanto, sobre as vinculações e os embates entre grupos
(intelectuais) e (suas) ideias.
interior das ciências biológicas ainda nos anos 1940 e 1950, boa parte dos geneticistas
brasileiros se especializaram em genética humana em centros norte-americanos, como na
Universidade de Michigan e do Havai, onde atuavam geneticistas como James Neel e Newton
Morton, destacadas autoridades internacionais no campo da genética antropológica e médica.
No início dos anos 1960, o próprio James Neel, em colaboração com Francisco Salzano, viria a
desenvolver estudos sobre a genética de populações indígenas da Amazônia, tanto no Brasil
quanto na Venezuela, com destaque para as investigações conduzidas sobre os Kayapó,
Xavante e Yanomami. Além das pesquisas com povos indígenas, os geneticistas também
desenvolveram investigações sobre populações urbanas e rurais de diversas regiões do país
com vistas a compreender os processos de formação e diversificação da população brasileira.
Além da atenção atribuída ao significado da miscigenação racial na formação antropológica do
país, estes estudos, conhecidos como análises acerca dos padrões de “mistura racial” a partir
da genética, pretendiam investigar aspectos demográficos, epidemiológicos e a ocorrência de
doenças genéticas em determinados “grupos raciais”. Neste sentido, este trabalho pretende
discutir como esses estudos projetaram a formação genética e racial da população brasileira, e
que tipo de interpretações produziram acerca da identidade racial do país. Vale lembrar que
desde o final do século XIX, o Brasil era considerado um verdadeiro “laboratório racial”, tendo
em vista a presença de diferentes grupos indígenas, africanos, europeus e asiáticos em sua
formação. Tal expressão inclusive foi usada como título de um livro publicado nos anos 1960
por Newton Freire-Maia, geneticista que ainda nos anos 1950 fundou o Departamento de
Genética na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e foi reconhecido como um dos principais
geneticistas brasileiros da segunda metade do século XX. Esse geneticista atuaria na UFPR por
mais três décadas, formando uma geração de pesquisadores voltados para a genética de
populações humanas ou mesmo para a genética médica. O próprio Freire-Maia publicaria em
1967, em co-autoria com Francisco Salzano, o livro Populações brasileiras: aspectos
demográficos, genéticos e antropológicos, onde apresentavam uma série de dados e
interpretações biológicas e sociológicas sobre a história e a formação racial do país.
Um dos argumentos defendidos nesse trabalho consiste em destacar que os estudos de
genética de populações humanas, desenvolvidos no Brasil no pós-segunda guerra, estavam em
diálogo tanto com a tradição da genética humana e da antropologia norte-americana quanto
com as interpretações sobre o Brasil elaboradas desde a passagem do século XIX para o XX.
Seguindo a tradição aberta desde Silvio Romero até Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, é possível
dizer que geneticistas e bioantropólogos brasileiros envolvidos com os estudos de populações
procuravam construir, a partir da genética humana, interpretações sobre a história da
formação racial do país, sobre suas características biológicas e o significado da miscigenação
racial.
Nas últimas décadas, diversas investigações têm focalizado os temas currículo, material
didático e prática de ensino em relação à disciplina escolar História. A consolidação da área de
pesquisa “ensino de História” e os crescentes debates com a participação de educadores,
historiadores, gestores públicos, dentre outros sujeitos, potencializaram as reflexões acerca
dos objetivos, métodos, conteúdos, recursos didáticos, formas de avaliação etc. que envolvem
a referida disciplina escolar. Na esfera dos currículos escolares, desde os anos 1980 podemos
identificar transformações através da análise de propostas elaboradas em determinados
estados e municípios brasileiros. Passando pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) dos
anos 1990 ou abordando as mais recentes propostas curriculares, observamos a existência de
distintos referenciais teórico-metodológicos balizando as políticas públicas da educação
nacional.Este trabalho apresenta uma análise da historicidade da disciplina escolar História,
focalizando principalmente as propostas de leitura de documentos em materiais didáticos
produzidos após a formulação dos PCNs e o estabelecimento de novos critérios de avaliação
no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Problematizando as concepções de história e
memória difundidas através das fontes elencadas, procuramos identificar nas narrativas
histórico-escolares perspectivas de uma educação das sensibilidades construída no âmbito da
cultura escolar. A reflexão sobre o avanço das concepções da modernidade capitalista no país
através desses documentos evidencia os limites e potencialidades dos usos da memória em
sala de aula. Para o desenvolvimento do trabalho, dialogamos com os referenciais da História
Cultural, da História da Educação relacionada às disciplinas escolares, à cultura escolar e ao
currículo, pretendendo abordar os múltiplos embates socioculturais que envolveram a
produção, circulação e apropriação dos documentos educacionais analisados. Ao buscar os
sentidos historicamente construídos dos objetivos da educação formal e suas relações
estabelecidas com a disciplina escolar, identificamos a ressignificação das narrativas históricas
e memórias trabalhadas como versões fidedignas para reconstituições do passado,
desconstruindo as visões históricas divulgadas como objetivas, neutras, verdadeiras, símbolos
do avanço técnico-científico das sociedades civilizadas.Objetos culturais datados, os currículos
e os materiais didáticos do período recortado ora apresentam pontos de aproximação, ora
pontos de distanciamento. Nesta pesquisa, os objetos culturais destacados são abordados
como documentos históricos capazes de ampliar a compreensão das relações existentes entre
os projetos defendidos por determinados grupos e os conjuntos de normatizações
estabelecidas para as práticas de ensino.Produzidos como diretrizes para a atuação de
professores e alunos nas escolas brasileiras, os currículos e os materiais didáticos continuam
exercendo papel considerável na constituição das disciplinas escolares. Ao abordarmos a
história do ensino de História no Brasil, acreditamos que os autores da História Cultural, como
Walter Benjamin, Michel de Certeau, Peter Gay e Edward Palmer Thompson, trazem
contribuições significativas para o desenvolvimento das análises. Partimos do pressuposto que
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Querendo preencher uma ausência: estratégias pedagógicas e escrita da história com jovens
do Ensino Médio.
A intenção desta proposta é lidar com o tema do Ensino de História em um duplo viés:
primeiro, através da apresentação de uma estratégia pedagógica para jovens do Ensino Médio;
segundo, utilizando a análise de determinado livros de História disponíveis para o Ensino
Médio. Entende-se que o desenvolvimento deste tipo de atividade com os alunos deve possuir
uma dupla dimensão: o aperfeiçoamento teórico do educando, com a ênfase temática
conceitual definida em conjunto entre aluno – professor, e a construção de estratégias que
permitam ampliar o diálogo com entre instituições de ensino. Esta perspectiva concentra em si
a tônica fundamental do processo educativo de que Ensino e aprendizagem são duas ações
gêmeas, facetas de um mesmo processo, que tem no professor o personagem que irá
conseguir a unidade didática deste processo. Ele é parte fundamental de uma educação
cidadã, cristalizada após a segunda Guerra Mundial em que a “função de educação para a
cidadania democrática substituir sua função anterior de instrução nacional”278. Desse modo, a
intenção é articular o trabalho de semeadura da dimensão da pesquisa nos estudantes de
ensino médio e, ao mesmo tempo, vinculá-lo à produção de um material didático capaz de ser
utilizado em outras escolas de redes privada ou pública. Nesse sentido, a efetivação desta
proposta demanda a sua sustentação teórica, assim como a necessidade da construção de
linhas argumentativas que possibilite ao aluno encontrar fundamentos conceituais comuns em
meio à diversidade de objetos e de possibilidades de pesquisa. O desenvolvimento destes
estudos estará centrado em duas perspectivas teóricas:1°) Há filiação à “História Social”
entendida como eixo capaz de conferir identidade às variadas preocupações de compreensão
dos fenômenos históricos selecionados pelos alunos. Entender-se-á a atenção prioritária aos
aspectos culturais, políticos e institucionais do processo histórico como perspectivas diferentes
278
LAVILLE, Christian “A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História” In: Revista
Brasileira de História v. 19 n° 38 p. 127 http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbh/v19n38/0999.pdf
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de um mesmo eixo comum capaz de ser alinhavado pelo conceito de social, como a entende,
por exemplo, a história social inglesa. Além disso, entende-se que nos livros didáticos esta
proposição teórico-discursiva seja privilegiada em seu conjunto.2°) Há filiação aos estudos em
educação tendo como referência principal o conceito da abordagem social para a especificação
enquanto linha de pesquisa em didática, teorias do ensino e práticas escolares. Abrange
investigações sobre as práticas institucionais na interação ensino-aprendizagem e sobre os
saberes produzidos para orientá-las, tendo como objeto privilegiado o livro didático e os
diferentes modos como o processo histórico foi concebido. Não obstante, pretende-se
produzir materiais de apoio às diversas temáticas que serão parte da análise dos alunos. A
partir da intercessão entre estas duas perspectivas teóricas, os diferentes temas e objetos são
analisados em momentos de oficinas com os alunos. No caso da estratégia em específica
utilizada para o trabalho com os alunos utiliza-se a análise e interpretação de livros didáticos;
construção de estratégias de aprendizagem de alunos para alunos, como, por exemplo, de
exercícios e, por fim, escrever textos que se refiram a temáticas contemporâneas que
permitam cruzar a preocupação da história com objetos históricos. Os objetos históricos
privilegiados serão aqueles que a Nova História crítica considerada enquanto passível de ser
analisado, a partir do interesse de alunos do ensino médio, como: filmes, música, períodos
políticos, planos econômicos, análise historiográfica de conceitos políticos e sociais, charges,
dentre outras. Acredita-se que do cruzamento destas perspectivas a dimensão da pesquisa
possa ser refinada e desenvolvida com os alunos enquanto princípio pedagógico.
BIBLIOGRAFIA:
ABREU, Rudimar Serpa de “O Ensino de História e sua Historiografia” Ciência e Conhecimento –
Revista Eletrônica da ULBRA São Jerônimo vol 1, 2007
LAVILLE, Christian “A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História”
In: Revista Brasileira de História v. 19 n° 38 p. 127
http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbh/v19n38/0999.pdf
Neste texto realizamos uma reflexão sobre o uso da pintura histórica, como fonte e
documento, para estudo do tema “descobrimento do Brasil” no Ensino Médio. A escolha pela
discussão sobre o uso da pintura é resultante dos estudos realizados no projeto de pesquisa do
Mestrado em História Social, concluído no ano de 2009, sob a orientação da professora Ana
Heloísa Molina. Ao analisarmos o uso da pintura em sala de aula partimos do pressuposto que
os pintores apresentam seu olhar sobre a sociedade; por isso, para compreender o conteúdo
de uma obra, como uma pintura histórica, é necessário analisá-la dentro do contexto cultural,
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De acordo com Choppin (2000), os livros didáticos eram, até pouco tempo atrás, considerados
objetos de pouco interesse pelos historiadores. Lendo algumas publicações brasileiras como o
catálogo de pesquisas sobre livros didáticos da biblioteca da Unicamp (1989) ou os livros de
Freitag, Costa e Motta (1993) e Moreira e Silva (2011), percebemos um crescimento
significativo de pesquisas sobre o assunto, ao longo das últimas décadas, que passaram a
abordar este material de maneira complexa. Neste sentido, a História cultural e,
especificamente, a História do livro e da leitura, tiveram um papel fundamental nas
abordagens realizadas a partir da década de 1990. Pensar os contextos de criação, divulgação,
comercialização e as relações entre este objeto e as políticas públicas são algumas das formas
de tratar o livro didático como um objeto cultural complexo cuja análise possibilita ampliar as
discussões para além dos limites restritos de suas páginas.Dialogando com essa perspectiva
apresentamos um recorte da nossa dissertação intitulada Artes de fazer o ensino de História:
professor, aluno e livro didático entre os saberes admitido e inventivo – defendida no programa
de pós-graduação em História Social da UEL, no que se refere à análise da coleção didática
Projeto Araribá: História. Por se tratar da coleção mais escolhida no PNLD de 2008 e 2011, ela
transformou-se em objeto cultural importante para a compreensão da História recente do
ensino de História no Brasil, pois, insere-se em um processo que se iniciou em 2002, com a sua
criação, e se estende até os dias atuais. A historicidade que perpassa os momentos de criação,
divulgação e seleção da coleção Projeto Araribá: História permitem levantarmos questões que
extrapolam seus conteúdos. Por que ela se tornou a coleção mais escolhida pelas escolas
públicas do Brasil?Para desenvolvermos esta problemática apontamos, inicialmente, quatro
características básicas da coleção: a abrangência para diversas disciplinas, o desenvolvimento
da competência leitora como objetivo principal, a origem do nome Projeto Araribá e o fato de
ser uma coleção de autoria coletiva. Considerando o contexto de sua criação, a coleção
analisada é uma das primeiras lançadas pela editora Moderna após sua compra pelo grupo
espanhol Santillana. Neste sentido, entendemos que o objetivo de desenvolver a competência
leitora e sua abrangência para diversas disciplinas dialogam com outras coleções lançadas por
esse grupo, na Espanha e em outros países. O mesmo ocorre com a autoria coletiva que
possibilitou à editora não pagar direitos autorais para os seus autores, especialmente
contratados para construir a obra. Embora outras coleções do grupo também tragam no título
a palavra “projeto”, o nome Projeto Araribá relaciona-se, segundo a editora responsável pela
coleção de História, às raízes indígenas do país. Entendemos, portanto, que a constituição
dessa coleção é, de certa forma, a adaptação de um formato de livro didático espanhol para o
contexto brasileiro.A conjuntura política do Brasil ao final do século XX e início do XXI contribui
para a compreensão dos aspectos anteriormente abordados. A entrada do grupo Santillana foi
decorrente da abertura ao capital estrangeiro ocorrida no governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), algo que coincide com a participação do Brasil no PISA (Programme for
International Student Assessment) de 2000. O péssimo resultado de estudantes brasileiros
nesta pesquisa contribuiu para que o desenvolvimento da competência leitora se tornasse
legítima, uma vez que a deficiência das habilidades de leitura de estudantes brasileiros era
evidenciada neste e em outras pesquisas do período. Neste sentido, a coleção Projeto Araribá:
História surgiu em um contexto de políticas educacionais em que se falava muito sobre o
desenvolvimento da leitura, o que justificava a busca pelo desenvolvimento da leitura
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O objetivo deste artigo é trabalhar diferentes questões que envolvem a pesquisa com livros
didáticos de história, procurando compreende-los como documentos históricos que
apresentam potencialidades de entendimento de práticas editoriais e de práticas escolares de
leitura de imagens visuais. Os livros didáticos têm um papel no quadro da cultura das
sociedades atuais. Eles fazem parte da “tradição escolar”, instituindo métodos de ensino,
formas de apresentação e disposição dos conteúdos que são ensinados nas escolas. O manual
didático é também uma mercadoria que está ligada ao mundo editorial, participando da lógica
capitalista e do campo da produção da educação formal e não formal. É um produto cultural,
e, por isso, é reconhecido como instrumento de comunicação, caracterizando-se por ser o
suporte dos conteúdos disciplinares e por transmitir conhecimentos instituídos pela tradição
escolar.Pretendo problematizar o livro didático enquanto documento histórico reconhecendo-
o como um produto cultural que se insere na cultura escolar – que tanto expressa as relações
sociais de existência, como também as institui; ou seja, acredito que o livro didático é um
objeto historicamente situado, que pode ser focalizado como um dos instrumentos
mediadores do ensino, que inibe, que direciona, ou que estimula a criação de práticas
escolares dependendo das concepções teórico-metodológicas que balizaram a sua produção.
Através do estudo das práticas de produção dos livros o historiador pode reconhecer
diferentes códigos que caracterizaram desde os currículos das instituições escolares, como
formas de organização dos tempos de aula e dos tipos de atividades que foram valorizadas em
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Assumindo como pressuposto que os alunos, para aprender história de forma significativa, têm
que ligar os novos conceitos àqueles previamente formados na sua estrutura de conhecimento
e que esse processo pode ser facilitado por uma abordagem dos temas nas aulas que valorize a
compreensão de conceitos e não a simples memorização dos fatos, tomou-se como objeto
deste estudo o RPG (Role Playing Game) como ferramenta pedagógica nas aulas de história. O
RPG pode ser traduzido como jogo de personificação de papéis e definido por várias formas:
um videogame, cujos cenários e controles do jogo não existem numa tela e sim na imaginação
dos jogadores; um jogo de faz-de-conta com regras mais objetivas; uma peça de teatro, onde
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de seus diferentes elementos sociais e culturais. Para a realização deste estudo, foram
utilizadas fontes da imprensa escrita da década de 1970, entrevistas com ex-dirigentes,
treinadores, jogadores, torcedores e acompanhamento aos jogos da equipe num período de
um ano, além da utilização da bibliografia do início do futebol chapecoense e fenômeno
esportivo para a contextualização e análise da pesquisa. A partir desta pesquisa foi possível
perceber que mesmo havendo o fortalecimento do time chapecoense como equipe que
represente a região em competições esportivas, ainda há diversos times amadores que
representam as comunidades locais, instituições, entre outros, reforçando as relações sociais e
proporcionando momentos de lazer entre os moradores locais. Mesmo o Brasil sendo
reconhecido como “o celeiro do futebol”, no qual este esporte parece “correr em suas veias”,
esta temática ainda é pouco discutida pela academia em função da modalidade ser um esporte
de massa e por ter sido, em algumas circunstâncias, utilizado para manipulação populacional.
Independente de preferências individuais, o fato é que o futebol faz parte da cultura nacional e
investigando-o é possível estabelecer alguns panoramas acerca da sociedade brasileira.
Pierre Bourdieu escreve em Regras da Arte que embora a genialidade do artista, a consagração
desse poderia ser vista á partir de códigos próprios de estruturas sociais. Partimos da
conovação do selecionado sexta, 11 de maio de 2012, quando Mano Menezes convocou o
selecionado brasileiro(que geralmente é referenciado como futebol arte) de futebol visando
aos jogos olímpicos (em Londres 2012). Dos 23 convocados 13 são “estrangeiros”(jogam em
clubes fora do Brasil), 8 do eixo Rio-SP, e dois gaúchos(do Internacional). As convocações de
seleções brasileiras geralmente são acompanhadas por uma euforia na mídia, porém
historicamente veremos que pelo menos paras copas do mundo, estas convocações poderiam
ser descritas com base em determinadas regras. O Brasil jogou até hoje dezenove copas
desde 1930. Como se sabe, venceu cinco delas, sendo vice campeão(ainda) em duas
oportunidades. Símbolo de brasilidade pra muitas pessoas – ainda nos dias atuais – a verdade
é que se pegarmos as formações desses 80 anos da seleções nacionais, veremos ser meio
insustentável a idéia de que se configura um espaço de de consagração máxima e
meritocrática do povo brasileiro(considerando-se a as contradições inerentes a esta idéia),, se
partirmos de uma abordagem em que se leva em consideração uma categoria de análise que
poderia ser descrita de forma geral como regionalismo. Nosso método considera o estado do
clube em que o jogador atuava quando na seleção. Há de se mencionar, antes de tudo, que a
história do selecionado nacional nas copas do mundo atravessa praticamente todo um século,
construindo-se e influenciando-se por inúmeros acontecimentos. No plano internacional, por
exemplo, acompanhamos o entre-guerras, o nazi-facismo, a segunda guerra, a guerra fria e o
triunfo do capitalismo. No plano interno, a industrialização e urbanização do país, além de
regimes políticos que caminharam entre democracia e o autoritarismo. Já no campo esportivo
a profissionalização do desporto (e neste momento com a incorporação dos
afrodescendentes), a consagração(e também o drama e a crise) do futebol-arte, a criação do
campeonato brasileiro, do fim da lei do passe, a introdução do conceito de gestão empresarial
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profundo quando colocada lado a lado com a atuação dos indivíduos extra campo. Em outras
palavras, é na interação do futebol com a sociedade como um todo, incluindo aí suas práticas
políticas, que pretendemos encaixar esta comunicação de pesquisa. Propomos uma análise
fluída, onde futebol e política não são campos distintos nos quais circulam alguns elementos
de um ou de outro mas, partes de uma mesma estrutura social cujas fronteiras são, de
maneira geral, difíceis de estabelecer. E por estrutura, não nos referimos a construções
imóveis no tempo ou, universalmente válidas mas sim, a teoria configuracional aplicada aos
esportes de Norbert Elias e Eric Dunning, por si mesma avessa a simplismos totalizantes, e
também, as percepções do funcionamento interno das rivalidades desportivas e seus
desdobramentos na conformação de identidades móveis de Richard Giulianotti e Gary
Armstrong. Nos limitaremos aqui, pelos marcos temporais da intervenção federal nos
esportes em abril de 1941, e setembro de 1942 quando, pouco após a declaração formal de
guerra pelo Brasil, Atlético Paranaense e Coritiba fizeram um jogo válido pelo campeonato
paranaense em que ambos entraram em campo com as camisas pintadas com um “V”,
simbolizando a vitória dos aliados contra as nações do Eixo. Através desse recorte, passaremos
do nacional para o regional efetuando de início uma contextualização do período
considerando as relações gerais entre Estado Novo, Futebol e a Segunda Guerra para então,
situarmos o Paraná em seu interior. Depois, seguiremos algumas “janelas de observação”
através da imprensa paranaense: o sulamericano disputado no Uruguai em janeiro de 1942 e a
recepção oferecida ao goleiro do Atlético Paranaense, titular daquele selecionado; a
inauguração dos refletores do Belfort Duarte (estádio do Coritiba), coincidente com o
aniversário de Getúlio Vargas; as comemorações da Semana da Pátria no mesmo estádio e
finalmente, o jogo acima referido. Para analisá-los, utilizaremos as páginas esportivas da
Gazeta do Povo, um dos quatro diários curitibanos do período, certamente o que mais
destaque conferia ao futebol. A partir daí poderemos delinear, de acordo com o que nossa
pesquisa nos revelou até o presente momento, a trajetória de alguns indivíduos da imprensa e
dos clubes acima referidos, cuja atuação não apenas extrapola o futebol mas também, se
confunde com a própria política nacional e paranaense. Dessa forma, pretendemos observar
com mais clareza, a natureza dessas relações e até que ponto elas são relevantes do ponto de
vista político e desportivo.
Nos últimos anos temos atentado para o crescimento do interesse acadêmico sobre o futebol.
Diversos pesquisadores das mais diferentes áreas têm se voltado para investigação deste
esporte em vista de suas múltiplas acepções socioculturais. Contudo, tal percepção não
configura propriamente uma novidade. Do mesmo modo, reconhecer o aumento da produção
sobre o futebol não significa dizer que esta temática tenha se estabelecido completamente no
interior dos variados campos de pesquisa ou, tampouco, que tenha superado dificuldades
teóricas e metodológicas que viabilizem sua análise como fenômeno social significativo. Entre
as vertentes de pesquisa que possibilitaram o ingresso da investigação do futebol no meio
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O termo “#vamosjogarbola” é oriundo da própria peça publicitária que se intitulou dessa forma, também para
poder ser veiculada na rede social Twitter, que se utiliza dessa forma de linguagem. Foi repetida dessa maneira aqui
no título para elucidação da mesma.
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Fernanda Ribeiro Haag (mestranda em História – PPGH/UFF – orientador Marcos Alvito Pereira
de Souza)
Este trabalho tem por temática a publicidade televisiva brasileira que trata do futebol e da
identidade nacional a partir dos anos 2000. Dessa forma, o objetivo é problematizar de que
maneira os anúncios publicitários retratam e operam com a questão do futebol brasileiro e
também da identidade nacional construída a partir do futebol, partindo do pressuposto que
esses também influenciam o próprio campo futebolístico. Com base no recorte temporal e no
que é proposto para essa apresentação, a análise se pauta de forma qualitativa levando em
consideração a conjuntura atual do campo esportivo. Sabemos que nos próximos anos o Brasil
irá receber e promover os maiores eventos esportivos do mundo, incluindo obviamente a Copa
do Mundo de Futebol em 2014 e a Copa das Confederações em 2013. Com base nisso aponta-
se para a importância do esporte e no nosso caso do futebol no mundo contemporâneo. Para
pensar essa questão os escritos de Fredric Jameson nos auxiliam. O nosso contexto mundial
atual pode ser denominado de capitalismo tardio, multinacional ou de consumo e detém uma
lógica própria. Segundo Jameson essa lógica seria cultural, a cultura se expandiria por todo o
domínio social, tornando-se imprescindível para o funcionamento do sistema279. A partir disso,
o futebol hoje ganha uma dimensão ampla de importância, pois nessa sociedade capitalista
plena, a necessidade de consumir é fundamental e o futebol se constitui como o carro chefe
da indústria do entretenimento e cada vez mais se tornando mercadoria estimularia esse
processo.A publicidade também ocupa lugar de destaque na sociedade contemporânea, por
isso a importância de analisá-la. O filósofo Dominique Quessada, especialista no assunto, se
aproxima do pensamento de Jameson e afirma que o capitalismo em seu estágio atual trabalha
pela “colocação em consumo de qualquer coisa”280 e que o faz se apoiando em grandes redes
de comunicação, como as agências de publicidade. Assim, o papel dos anúncios publicitários é
tornar qualquer objeto ou fenômeno em um produto ou mercadoria altamente desejável,
inclusive o futebol. 281Os referenciais teóricos e metodológicos do trabalho são: Pierre
Bourdieu, Fredric Jameson e Douglas Kellner. Ao encarar o campo esportivo brasileiro como
um espaço sociocultural específico é preciso compreender o significado e a configuração desse
espaço, para isso se utilizará o conceito de campo e de campo esportivo de Bourdieu.
282
Jameson auxilia a pensar o papel da cultura e aqui do futebol no contexto contemporâneo.
O que mais nos interessa aqui de sua teoria consiste na alegação de que para ele não é mais
possível ver a cultura como expressão relativamente autônoma da organização social, nessa
nova conjuntura do capital ela passa a ser a própria lógica do sistema, ou seja, a lógica do
capitalismo tardio é cultural. É assim que na cultura pós-moderna a própria cultura se tornou
um produto283, fenômeno que ocorre com o futebol. No concernente à análise dos anúncios
publicitários televisivos as contribuições metodológicas do pesquisador Douglas Kellner serão
acionadas. Para Kellner há uma cultura veiculada pela mídia, qual domina o tempo de lazer,
modela opiniões políticas e comportamentos sociais e acaba fornecendo subsídios para que as
pessoas forjem identidades. Com base nisso, o pesquisador aponta uma abordagem
interdisciplinar para a análise dos textos midiáticos, a qual vai se utilizar de teorias de cunho
279
JAMESON, Fredric. A lógica cultural do capitalismo tardio. (2ª ed.). São Paulo: Editora Ática, 2006.
280
QUESSADA, Dominique. O poder da publicidade na sociedade consumida pelas marcas. Como a globalização
impõe produtos, sonhos e ilusões. São Paulo: Editora Futura, 2003, p. 12.
281
Ibidem, pp. 31-41.
282
BOURDIEU, Pierre. “Como é possível ser esportivo?”. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco
Zero Limitada, 1983, p. 142.
283
JAMESON, Fredric. Op. Cit. p. 12.
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social, econômico, político, histórico, etc.284No que se refere às fontes, tanto na pesquisa da
minha dissertação como neste trabalho, as fontes primárias são os próprios anúncios
publicitários televisivos transmitidos durante o período trabalhado e que tratem ou se
relacionem com o futebol, em qualquer de seus aspectos, seja torcida, jogadores, a seleção
brasileira, etc.; ou com o futebol e identidade nacional. Para esta comunicação se escolheu
trabalhar com a peça publicitária “#vamosjogarbola”, veiculada na televisão recentemente, no
início do ano de 2012. A propaganda é do banco Itaú, atrelando-se à seleção brasileira e à
própria Copa do Mundo que será realizada no Brasil, pois a empresa é patrocinadora oficial
dos dois. A propaganda ultrapassou as fronteiras televisivas e chegou às redes sociais, como o
Twitter, por isso o título do comercial é daquela forma, pois faz parte das linguagens da página
de relacionamento. Ademais, cabe aqui alguns apontamentos iniciais acerca do anúncio. A
ideia do “#vamosjogarbola” é funcionar como uma convocação – como é dito já no inicio do
comercial – para todos que “amam esse país” comecem a jogar bola e se relacionem com o
futebol e com a Copa do Mundo. Assim, percebe-se uma associação direta entre a nação e o
esporte, você só ama o país se jogar bola. Como se futebol e povo fossem um só. Outro ponto
é o que tange o protagonista da propaganda: um menino mulato jogando bola e passando por
diversos lugares da cidade. Reencarna-se aqui a ideia do nosso futebol mulato, já construída
no início do século com Gilberto Freyre e Mario Filho.
Amizade, trago e alento – a torcida geral do grêmio (2001 – 2011) o surgimento de uma nova
tradição nas arquibancadas do estádio olímpico.
Francisco Rodrigues
Mestrando em História Contemporânea pelo PPGH-UFF – Universidade Federal Fluminense,
orientado pelo Prof. Dr. Marcos Alvito Pereira de Souza
Este trabalho faz parte do meu projeto de pesquisa para o mestrado e pretende estudar as
transformações ocorridas nas relações entre os torcedores do Grêmio Foot-Ball
Portoalegrense, a partir de 2001, ano em que surgiu um movimento completamente novo para
os padrões referentes aos espectadores em estádios de futebol no Brasil, que posteriormente
veio a se intitular Torcida Geral do Grêmio. Apesar de se tratar de um movimento recente, o
processo de surgimento e consolidação desta que hoje é a maior torcida do Grêmio suscita de
maneira exemplar todas as contradições que envolvem a introdução de relações capitalistas
no campo esportivo. Em especial nesta fase em que a busca incessante por lucros alcança
setores da subjetividade, em que o indivíduo não adquire apenas um produto, mas uma
posição social privilegiada a medida que satisfaz com este, anseios engendrados por valores de
competitividade. O esporte se torna então um campo especial para ações de marketing
comercial associada a jogadores, clubes e aos torcedores, estes últimos em primeiro lugar
como consumidores, mas também como figurantes do espetáculo a ser vendido. Ou mais
precisamente, do produto que é oferecido e tem a sua imagem vinculada ao futebol.A
introdução de tais valores inerentes a lógica de mercado teve como consequencia a ruptura de
antigos padrões do funcionamento da estrutura futebolística. E a relação entre torcedores e
clube, fundamentada na paixão e em emoções, construída ao longo de anos de fidelidade,
284
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno.
Bauru: EDUSC, 200.
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tradição e na confiança da relação campo X arquibancada, agora se vê mediada por uma lógica
diferente que procura regular o jogo como espetáculo e negócio. Acaba por utilizar a paixão e
o pertencimento clubístico como um impulso para o consumo, e o torcedor passa a ser
reduzido a um índice de audiência, um nicho de mercado. Surgiu daí o interesse em estudar o
processo de formação de uma nova torcida que tem em sua origem a marca da contestação às
transformações que afetaram de maneira determinante as relações entre clubes e torcedores.
Uma nova cultura que manifesta em um amplo sistema de representações simbólicas as
transformações do sistema econômico na qual estão inseridas. A cultura que hoje em dia é
dita no meio futebolístico como inerente ao torcedor gremista, e também intrínsecas aos
valores idealizados pela tradição gaúcha, teve uma origem e este estudo se propõe a analisar
em que condições este processo se desenvolveu. Este trabalho busca compreender como essa
mudança na estrutura futebolística transforma a cultura do torcedor, não somente como
consumidor de um espetáculo esportivo transformado em negócio, mas como a sua lógica nos
moldes do capitalismo se apropria desta linguagem emocional para transformar em
mercadoria até mesmo símbolos de contestação e o comportamento rebelde, características
marcantes dos grupos de torcedores organizados.Analisar um movimento que manifestou nas
arquibancadas do Estádio Olímpico, em menos de dez anos de existência, as contradições de
um segmento importante dentro do campo esportivo, os torcedores, em particular a Torcida
Geral do Grêmio. Um movimento que surge às margens deste campo e se tornou hoje
elemento ativo na política do clube, no futebol gaúcho e em todo cenário nacional, dada sua
influência como inspiração para o surgimento de novas torcidas em outras praças esportivas,
respeitando suas particularidades.Uma torcida que surgiu no momento em que se tornou mais
evidente a mercantilização do futebol. A apropriação do futebol como espetáculo e um
produto a ser vendido, descaracteriza a paixão e o “amadorismo” que movem as massas de
torcedores. Se dentro de campo, isso ocasionou uma mudança na relação entre os jogadores e
a camisa que eles vestem, ao torcedor sobra paixão pelo clube, independente deles e dos
resultados.É através do discurso e de uma espécie de memória herdada que a torcida vai
reinventar uma tradição, agregando a elas valores da cultura gaúcha, reforçando os vínculos
regionais e a proximidade do cotidiano dos torcedores. Não foi de surpreender que frente a
uma realidade onde todo tipo de cultura se tornou mercadoria, mesmo as mais contestadoras,
a Geral tenha rapidamente aglutinado um enorme número de torcedores no seu setor
correspondente no Estádio Olímpico. Composta em sua maioria por jovens, a torcida também
não seria bem sucedida se os valores por ela defendidos fossem distantes da realidade deles.
Por se tratar de um movimento até então não institucional e de surgimento recente, aliadas a
falta de uma estrutura hierárquica formal e uma sede, existem poucas fontes escritas sobre o
tema, a não ser jornais, revistas e sites na internet. Pude contar então somente com a
memória de seus freqüentadores e fundadores em registros orais através de entrevistas. Após
levantamento etnográfico, que incluiu o convívio com torcedores em cinco estádios diferentes,
duas viagens, arquibancadas e arredores do Estádio Olímpico, bares e bairros onde moram,
pude fazer o registro, e contar, através de seus relatos, uma versão para o surgimento da
torcida.
REFERÊNCIAS:
DAMO, Arlei Sander (2002). Futebol e identidade social – Uma leitura antropológica das
rivalidades entre torcedores e clubes, Porto Alegre: Editora Universidade / UFRGS
HOBSBAWN, E. & RANGER, T. (1984). A invenção das tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra
JAMESON, Frederic (2007) Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo:
Ática
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POLLAK, Michael(1992). “Memória e identidade social” in Estudos Históricos, Rio de Janeiro vol
5 n. 10, p.200-212
TOLEDO, Luiz Henrique (1996), Torcidas organizadas de futebol, São Paulo: Editora Autores
Associados / Anpocs
Em uma edição comemorativa da revista Semana Esportiva, encontramos um longo artigo que
versava sobre os jogos interestaduais disputados pelos baianos até 1923. Segundo a revista,
ocorreram 42 partidas entre abril de 1917 e abril de 1923. Foram contabilizados tantos os
jogos realizados entre clubes quanto os envolvendo as seleções estaduais e combinados.
Nestes, os times baianos venceram e perderam 17 vezes, empatando em oito ocasiões. Não
foram muitos os estados de onde advinham os times que enfrentaram as equipes da Bahia. Os
desafiantes se concentravam no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Sergipe, Pernambuco
e Espírito Santo. Vale ressaltar que todas estas partidas ocorreram na Bahia e nos referidos
estados. Os jogos interestaduais realizavam-se geralmente através de convites feito entre as
agremiações. Em 1921, por exemplo, o América e o Villa Izabel do Rio de Janeiro foram
convidados por clubes soteropolitanos para uma série de amistosos contra alguns times e
combinados de Salvador. Em 1922, por sua vez o Sport Club do Recife convidou a Associação
Atlética da Bahia para disputar amistosos com clubes da capital pernambucana. De modo mais
sistemático, os jogos interestaduais na Bahia surgiram após a construção do Campo da Graça
em 1920. Antes disso, os clubes de outros estados que jogaram em Salvador, não raramente
estavam de passagem na cidade. Temos a impressão que os que comandavam o futebol
baiano tinham certo receio em convidar agremiações de outros locais, especialmente Rio de
Janeiro e São Paulo, estados temidos pelos baianos. Esta situação parece mudar
consideravelmente quando o estádio foi construído e a Liga Bahiana de Desportos Terrestres
foi reorganizada. Em alguma medida, aqueles homens que jogavam e dirigiam o futebol da
cidade, além da imprensa, acreditavam que o jogo de bola em Salvador, apesar das tensões e
conflitos, alcançara um apogeu nunca visto antes. Este momento era evidenciado pela própria
existência de uma praça esportiva moderna, e de uma Liga de futebol com muitos clubes
distribuídos em duas divisões. Provavelmente esta sensação entusiasmou os sportmen a
interagir com mais regularidade com outras agremiações de fora. Sem dúvida, estas atitudes
eram entendidas como um demonstrativo de força do esporte baiano. No momento em que a
prática adquiria uma centralidade por contribuir para o chamado fortalecimento da raça,
enfrentar times de outros estados seria uma boa oportunidade para mostrar como os baianos
se encontravam em desenvolvimento físico, contribuído decisivamente para a regeneração do
país. Geralmente os jogos interestaduais eram realizados no intervalo das temporadas, quando
um clube convidava outro para a disputa de alguns jogos com times e combinados da cidade.
Enfim, tendo como pano de fundo a gradativa inserção do futebol baiano no cenário nacional
através dos jogos interestaduais, o nosso objetivo nesta comunicação é perceber como alguns
jogos envolvendo baianos e equipes de outros estados suscitavam a formação de uma de
identidade mais ampla que, muito longe de ser harmônica ou monolítica, apresentava diversas
tensões sociorraciais, próprias da sociedade soteropolitana daquele contexto. Outrossim, ao
disputarem com cariocas, paulistas ou pernambucanos, os jogadores, dirigentes, torcedores a
imprensas buscavam no futebol elaborar uma identidade assentada na ideia de que o estado
progredia acompanhando o desenvolvimento do país. A construção de uma identidade
assentada nestes critérios é uma hipótese que ganha força na medida em que nas primeiras
décadas do século XX é possível perceber, sobretudo, entre as elites baianas a tentativa de se
criar um discurso de valorização da Bahia, principalmente pelo fato desta se encontrar política
e economicamente em uma posição desprestigiada em relação a outros estados da federação.
Deste modo, o futebol em alguma medida foi incorporado ao discurso identitário das elites por
proporcionar um tipo de protagonismo desejado por aquele, grupo considerado fundamental
para a retomada da centralidade da Bahia no cenário nacional. Por outro lado, esta mesma
identidade que se desejava criar era cheia de ambivalências, fruto de uma multifacetada
sociedade. O futebol em Salvador, deste a sua introdução estava permeado por conflitos de
ordem social e racial que não desapareciam diante da possibilidade do jogo fomentar uma
identidade mais ampla. Por fim, há de se considerar que do mesmo modo que as elites se
apropriavam do jogo para fortalecer seus projetos, as camadas populares e negros tinham no
esporte uma possibilidade legitima de reivindicar uma participação na formação de uma
identidade.Ademais nestas partidas foi possível enxergar não só a tentativa de apresentar uma
união do país pelo congraçamento esportivo dos estados, mas também as tensões decorrentes
da existência de uma disputa em torno da superioridade no futebol. Obviamente é
desnecessário relatar ou descrever minuciosamente todos estes jogos e seus desdobramentos.
Os primeiros embates, realizados ainda no final da década de 1910, não tiveram tanta
repercussão. Algumas vezes não eram programados, um time estava de passagem pelo porto
da cidade e a convite de um sportman local disputava duas ou três partidas. Portanto nesta
comunicação nos restringiremos à visita a Salvador dos clubes cariocas América e Villa Izabel,
em 1921, do Fluminense Foot-ball Club do Rio de Janeiro e Santa Cruz de Recife, em 1923, e da
ida da Associação Atlética a Recife em 1922.Para a viabilização desta comunicação foram
utilizadas enquanto fontes os principais jornais soteropolitanos como o Diário de Notícias, A
Tarde e principalmente a revista Semana Esportiva, periódico que mais veiculou notícias e
opiniões sobre a participação dos baianos os jogos interestaduais.
A fundação do Palestra Itália curitibano provavelmente se deu entre fins de 1920 e inicio de
1921. O clube teve grande expressão na década de 1920, sendo várias vezes vice-campeão do
campeonato paranaense, e conquistando o titulo em 1924, 1926 e 1932. Além do mais, o
clube contou em seu quadro de 1932 com Gabardino, que com 34 gols, é um dos maiores
artilheiros da história do campeonato paranaense. O time mantinha grande relação com a
colônia italiana da cidade de Curitiba, assim como seu homônimo de São Paulo. Além de levar
a Itália no nome, o escudo do clube ostentava as cores da bandeira italiana, no entanto, seu
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uniforme era azul celeste, símbolo da casa real de Savóia – daí seus jogadores também serem
chamados de “azuis” ou “celestes” – pois, outro clube relacionado com os imigrantes italianos
de Curitiba, o Savóia, já jogava com as cores da Itália na camisa. Por conta da entrada do Brasil
na segunda guerra mundial, do lado oposto ao “eixo”, o clube viu-se obrigado a alterar seu
nome em 1942, passando a se chamar Paranaense F. C. Mais tarde, já passado os tempos de
exceção, a entidade voltaria a se denominar Palestra Itália, existindo assim até 1971 quando
funde-se com outros dois clubes, Britânia e Ferroviário, dando origem ao Colorado que, por
sua vez, funde-se com o Pinheiros em 1989, originando o Paraná Clube. A fundação do Palestra
Itália de Curitiba se dá em uma conjuntura de popularização da prática futebolística na cidade,
de disseminação de associações italianas por todo o Brasil e de transição, entre esses
imigrantes, de uma identidade pautada nas divisões regionais da península itálica para uma
identidade nacional italiana. Nesse processo, e longe da terra natal, as associações, dentre elas
as esportivas, cumpriram um relevante papel na conformação de uma identidade em termos
nacionais entre os imigrantes residentes no Brasil. Nosso objetivo central nesse trabalho é
compreender a forma como o jornal Gazeta do Povo, cobriu a participação do Palestra Itália
curitibano no campeonato de 1921, organizado pela Associação Sportiva Paranaense
Atentando para os preconceitos, clichês, estereótipos presentes nas páginas de sua
publicação. Comparando a forma como o Palestra Itália era tratado, com a forma como os
clubes tradicionais da elite curitibana eram tratados, conseguimos perceber o papel ocupado
pelo Palestra Itália no ambiente esportivo da cidade. Entrelaçados com o objetivo central,
outros objetivos permearam o desenvolvimento desse trabalho, são eles, compreender até
que ponto o periódico em questão fazia a associação entre o clube e a comunidade italiana em
Curitiba, sua relação com o Savóia, outro clube ligado aos italianos, e a posição social que a
entidade ocupava em 1921. A escassez das fontes é um obstáculo prévio ao historiador que
decidir estudar a trajetória do Palestra Itália de Curitiba, o descuido, o acaso e o tempo, deram
conta de reduzir significativamente as informações que temos dessa entidade. No entanto,
essa escassez não deve ser um impedimento e sim, um obstáculo, que dado o esforço do
pesquisador, pode ser superado. Desse modo as fontes selecionadas, foram as publicações do
periódico Gazeta do Povo nos anos de 1921, 1922 e 1924. Todas microfilmadas e disponíveis
na Biblioteca Pública do Paraná. Por meio dessas fontes pretendemos atingir os objetivos
supracitados, para tanto utilizamos do modelo teórico metodológico da micro história,
principalmente a proposta indiciária de Carlo Ginzburg, que aconselha ao historiador a atentar
para o detalhe, o imperceptível ao primeiro olhar, o singular. Do ponto de vista da
metodologia utilizada na análise dos periódicos, o texto de Tânia Regina Luca no livro "Fontes
Históricas" (2005), intitulado "História dos, nos e por meio dos periódicos", nos subsidiará.
Para Luca, ao analisar os periódicos, assim como qualquer outra fonte, é preciso problematizar
a equivalência entre narração do fato e o fato em si, em outras palavras, é preciso atentar que,
o que foi publicado não corresponde à totalidade do acontecido. A autora enfatiza a
necessidade de pensar as motivações que levaram à decisão de publicar alguma coisa,
atentando para o destaque conferido à essa publicação, o local onde ela se encontra no
periódico, a linguagem utilizada por este, o público ao qual se direciona, a linha editorial
adotada, a forma como a mensagem é passada, os interesses políticos e financeiras do
periódico, a organização no interior das redações, enfim, não trata-se de selecionar textos
isolados e analisa-los por si só, antes, deve-se optar por uma abordagem que compreenda o
periódico como fonte e objeto ao mesmo tempo.
nessas relações sociais. Fazemos, então, um exercício de relação do poder simbólico com a
realidade do futebol. Mais especificamente, relacionamos o jogador de futebol de sucesso –
detentor de poder simbólico – com os torcedores e admiradores do referido esporte, esses
últimos legitimadores do valor cultural do atleta. Como ocorre essa relação? Ou melhor, como
é mediado esse processo de imposição de valores positivos, que eleva o jogador à condição de
“craque”, ou de ídolo?Nossos estudos nos remetem ao momento em que o futebol passa a ser
um produto lucrativo da indústria que comercializa os bens da cultura de massa, qual seja,
quando sofre a ação intensificada da mídia. Logicamente, a mídia necessita de uma criação
constante de imagens espetaculares, para manter-se dominando simbolicamente seu público.
Para isso, precisa de protagonistas, de seres capazes de realizarem movimentos e
performances dignos de serem espetacularizados. No futebol, como não poderia ser diferente,
o principal protagonista é o jogador, especificamente o “grande” jogador.Não obstante, é
importante lembrarmos que esta realidade não se aplica a todos os jogadores, mesmo
tomando como referência somente aqueles que se transferem ao exterior. A ascensão social e
econômica é algo restrito a uma minoria de atletas, que obtém algum sucesso. Mais rara ainda
é a condição de atleta famoso, aquele que alcança sucesso e reconhecimento global, que se
torna o que conhecemos por ídolo, ou celebridade. Esse tipo de atleta é o alvo maior da
imprensa, dos grandes clubes, dos patrocinadores e, também, dos torcedores e admiradores
do futebol, que dedicam atenção especial às suas ações, dentro e fora do campo.
Observamos que o atleta considerado ídolo é aquele em que os torcedores, dirigentes,
patrocinadores e outros agentes do campo esportivo depositam a esperança de encontrar um
possível mito, ou seja, um atleta que ficará na memória de todos como alguém que conseguiu
feitos até então não alcançados por nenhum outro que já tenha defendido o clube. O atleta
que consegue alcançar essa posição, torna-se uma celebridade.Giglio (2008) diz que para se ter
esclarecida mais uma dimensão desse fenômeno, o mito do esporte "... é preciso entender o
espetáculo". É, principalmente, pelo espetáculo que o esportista – ou o futebolista – constrói e
confirma sua imagem de mito. Suas ações dentro e fora do jogo são extremamente
importantes para definir sua imagem como referência para imensurável quantidade de
pessoas. E quando essas ações não correspondem ao “socialmente correto” a condição de
tornar-se um mito fica comprometida, pois tudo o que o atleta faz, de positivo ou negativo, é
espetacularizado.Os atletas que se transformam em “craques” diante da opinião pública,
passam a ser considerados celebridades, que movimentam diversas áreas de diferentes
mercados, pois suas imagens passam servir como modelo de sucesso, humildade, conquista
com sacrifício, enfim, ascensão social. Dessa forma, são muitos aqueles que buscam consumir
produtos que tenham suas marcas atreladas a algum jogador famoso.Essa realidade, de um
profissional que precisa estar de acordo com as necessidades do mercado, é que se apresenta
para os jogadores de destaque no futebol. A sua imagem pode lhe render mais e maiores
rendimentos que os salários recebidos dos clubes que os contratam. Para isso, eles precisam
ser considerados bons garotos-propaganda. O desafio é compreender como se desenvolve
essa capacidade, de se tornar modelo de atleta, referência de resultados positivos, exemplo de
desempenho em alto nível. Observamos que o futebol espetáculo é um produto da cultura de
massa, pretendido por uma enorme quantidade de apreciadores, que por sua vez,
movimentam um mercado lucrativo e cada vez mais exigente. Dentro dessa lógica, as
representações em torno dos atletas vão tomando nossas feições e recebendo, aos poucos,
novas características. Mas como seria então, a maneira correta de um jogador profissional, de
sucesso, apresentar-se à sociedade? Ou então, quais seriam os tipos ideais de atleta de
futebol?Observamos que não há uma investigação que se destine a compreender a profissão
de jogador de futebol, no sentido de apresentar dados que possam explicar o sucesso
alcançado por alguns atletas, esses considerados como referências de carreiras bem sucedidas.
Encontrar respostas sobre a trajetória de jogador de futebol profissional na atualidade, ou
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seja, no espaço do futebol espetáculo torna-se algo importante no sentido de que esta ainda é
uma profissão que carece de estudos mais aprofundados e que possam servir de referência
para a compreensão desse campo esportivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A presente comunicação pretende uma discussão teórica sobre a relação entre sentimentos e
política, tendo como foco os estudos sobre o futebol. Os estudos sobre os sentimentos na
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história (paixão, ódio, amor, medo etc.) são ainda recentes nos estudos históricos, em especial
quando pensados como parte intrínseca das relações de poder. Se a reflexão sobre a relação
entre política e sentimento ainda guarda resistência – pois este muitas vezes é visto de forma
binária como restrito à esfera individual e privada, enquanto a política seria própria da esfera
pública –, a reflexão sobre a relevância cultural e política do futebol nas sociedades
contemporâneas permite explorar a redução simplista entre sentimentos e política. Assim
como também permite revisitar a política na relação público e privado. A força cultural do
futebol no mundo contemporâneo não pode ser ignorada como um fenômeno político. E sua
compreensão não pode ficar restrita à visão dualista de razão e sentimento. O futebol é, por
excelência, um dos lugares em que a afetividade da política se manifesta para além da
racionalidade pragmática, de forma simplista atribuída à política.Apesar de presente há mais
tempo na Psicologia e na Antropologia, a proposta de estudar os sentimentos na política é
recente na História e ainda guarda resistências. (Ansart, 1983 e 2007; Prochasson, 2005)O
futebol tem hoje o reconhecimento acadêmico graças aos trabalhos desenvolvidos na
Antropologia e na Sociologia e, em menor volume, na História. Porém, com algumas exceções,
o que tem predominado é uma análise sociológica ou política que toma como hipótese um
sujeito histórico deliberante enquanto racional e consciente. Ou seja, os estudos sobre futebol
têm seguido certa tradição de refletir sobre a política a partir de lugares tradicionais, como por
exemplo o Estado. Ocorre, assim um duplo problema que pretendemos explorar. De um lado a
política quase sempre é pensada a partir de uma razão institucional (a do Estado, da Igreja
etc.) ou das classes sociais. Os sentimentos, desse modo, estariam fora da política, sendo
possível compreendê-los apenas no plano das vontades individuais.De outro, e no mesmo
sentido desses modelos explicadores, o futebol é visto como um lugar de diversão, desprovido
de razão (sentido), mas de apenas passionalidade e alienação, logo um lugar da não-política.
A evidência disso é que a relação “futebol e política” é estudada de forma recorrente apenas
nos regimes de exceção (nazi-fascismo europeu, as ditaduras na América Latina, como no
Brasil e na Argentina), quando é verificada um “uso político” do futebol por esses regimes. Ou
seja, contido apenas de envolvimento sentimental, o futebol entra para a política apenas como
manipulado, como um não sujeito histórico. No mínimo esta é uma visão pobre e maniqueísta,
que parte de uma visão pré-estabelecida de consciência social.Apesar dos caminhos
diferenciados, o interesse das ciências sociais em estudar o futebol e os sentimentos, a partir
dos anos 1970/80, coincide tanto com a crise dos modelos explicativos como com o
esgotamento do modelo político do Welfare State. Da mesma forma é coincidente com a
perda da hegemonia da cultura política ocidental face às normas políticas engendradas a partir
sociedades emergentes como China, Índia ou Brasil. A “crise do ocidente”, como é analisado o
esgotamento de alguns valores da tradição iluminista, criou espaço parauma reflexão sobre a
razão ocidental, permitindo assim novos temas e novas epistemes.O abalo dos paradigmas
explicativos levou a História Política a se abrir para o voo cego das indeterminações,
obrigando-a a problematizar os sentimentos e a compreender o seu papel nas múltiplas
configurações sociais. Termos relacionados aos sentimentos são recorrentes na linguagem do
futebol, tanto no senso comum dos torcedores quanto no estudo científico. Assim, é comum
encontrarmos expressões como amor, ódio, paixão, raiva, ou mesmo fanatismo, identidades
(envolvendo clubes ou seleções nacionais de futebol). Apesar de recorrente o uso dessa
terminologia e da importância do envolvimento dos indivíduos na sociedade contemporâmea,
é praticamente inexistente uma reflexão epistemológica do sentimento como categoria de
análise do futebol.
Bibliografia citada:
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PROCHASSON, Christophe. Emoções e política: primeiras aproximações. Varia hist. [online].
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O tropeirão do Mineirão: narrativas sobre uma tradição dos torceres em belo horizonte
Feijão, farinha de mandioca, pedaços de carne de sol e toucinho de porco. Essa era a base
alimentar das tropas: grupos de homens que atravessavam Minas Gerais transportando
mercadorias por todo o Brasil no período colonial. A mistura desses ingredientes caracteriza o
tradicional feijão tropeiro, assim intitulado por conta de suas origens. Nos dias atuais, o prato
já não é necessariamente preparado com os mesmos ingredientes. De versões mais simples às
mais requintadas, variações da receita e dos modos de preparo podem ser encontradas Brasil
afora. O futebol mineiro também tem a sua versão – o Tropeirão do Mineirão, protagonista do
presente ensaio. Presente no Mineirão desde a sua inauguração, em 1965, mais do que uma
receita, o feijão tropeiro é um símbolo constante no cotidiano do torcedor mineiro e
publicamente reconhecido como patrimônio cultural para os frequentadores do estádio. Em
dias de jogos; antes, durante ou depois das partidas; nas lanchonetes internas ou com os
vendedores ambulantes nos arredores do estádio; por todos os lados e dentre outros
alimentos, o feijão tropeiro esteve presente desde a inauguração do “gigante da Pampulha”,
em setembro de 1965, até o seu fechamento em junho de 2010 para as reformas que visam os
jogos da Copa do Mundo de 2014.A partir de Michel de Certeau (2012) e seus estudos sobre
práticas do cotidiano, em quatro entrevistas de História Oral temática, elaboradas e
conduzidas inspiradas nas colaborações de Alessandro Portelli (1996 e 1997) sobre esse
dispositivo teórico-metodológico, buscou-se conhecer através das narrativas de quatro
torcedores frequentadores do Mineirão suas relações com esse prato típico, as expectativas e
incertezas de seu retorno com a inauguração da Arena Mineirão – prevista para dezembro de
2012 – e significados atribuídos ao consumo do prato em dias de partida. Tais histórias
compõem uma versão sobre a relação entre o torcedor e o futebol em Minas Gerais.Montado
em um prato branco de plástico de aproximadamente vinte centímetros de diâmetro, o
Tropeirão vem acompanhado por uma camada de arroz, couve, torresmo, um bife de lombo
de porco, um ovo frito e molho caseiro com pequenos pedaços de tomate. Acrescenta-se um
importante detalhe: não somente o fino prato era de plástico, mas também o eram os talheres
– no caso, a colher -, o que poderia tornar-se um elemento desafiador para os torcedores
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menos treinados, sendo obrigados a improvisar, naqueles momentos, estratégias para levar o
generoso bife à boca. Não por acaso, muitos escolhiam o horário do intervalo ou os momentos
antecedentes à partida para saborear o Tropeirão sem perder um lance do jogo.Diversas
lanchonetes de todos os setores do Mineirão comercializavam o prato, sendo o mais famoso o
do Bar 13, de concessão pertencente à mesma família desde a inauguração do estádio. No
Mineirão, Elvina de Oliveira cozinhava havia 33 anos a convite de Dona Lola, sua hoje falecida
irmã e primeira proprietária do bar. Dona Vina foi a primeira a adicionar ao prato o molho de
tomate e o ovo frito por cima do bife – características marcantes do Tropeirão. Após o
fechamento do estádio, Atlético e Cruzeiro passaram a realizar seus jogos na Arena do Jacaré.
E o Tropeirão continuava sendo servido na “casa” provisória, localizada no município de Sete
Lagoas, distante 65km da capital. Já o célebre Tropeirão do 13 fixou moradia em Belo
Horizonte, no bairro Itapoã, na região da Pampulha, a aproximadamente 6km do Mineirão,
onde continua recebendo visitantes. Sua ausência fora notada na partida de inauguração do
Estádio Independência que após três anos fechado para reformas, retorna a receber jogos não
somente do América, seu tradicional proprietário, mas também de Atlético e Cruzeiro.Desde
quando os jogos foram transferidos para Sete Lagoas, comentários e debates na imprensa da
capital, e entre os torcedores, demonstram o temor de nunca mais se poder saborear o
Tropeirão do Mineirão. Durante ao menos os próximos vinte e cinco anos, o estádio será
administrado pela empresa Minas Arena que garante manter as tradições do estádio junto a
novas opções de alimentação. Sabe-se que o número de bares diminuirá de trinta e oito para
vinte e oito, e há rumores de que grandes redes do setor alimentício assumirão uma parcela
considerável desses pontos, o que aumenta as incertezas com relação do retorno do prato à
sua casa junto aos torcedores. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, vereadores
discutem a possibilidade de um projeto de lei que estimule a venda do feijão tropeiro durante
a Copa. Tanto do tropeiro como do sanduíche de lombo, menos famoso, porém igualmente
tradicional nas arquibancadas. Juntamente à discussão do retorno ou não do prato ao estádio,
há a curiosidade, caso a volta se concretize, sobre o resultado dessa combinação entre o
tradicional Tropeirão e os padrões modernizantes de preparo dos alimentos e de atendimento
ao cliente; e também sobre quais implicações o novo Mineirão trará ao torcedor mineiro.
Referências Bibliográficas:
_______. ―O que faz a história oral diferente. In: Projeto História, n. 14. São Paulo, PUC, 1997,
p. 25-39.
Fontes:
O futebol no Brasil é algo que foi socialmente construído, sendo incorporado e repetido fora
das consciências individuais. Inúmeras vezes este objeto foi apresentado e em certa medida
imposto como uma força capaz de penetrar nas nossas vidas sem pedir licença, e quando nos
damos conta ele está influenciando os nossos hábitos, modificando nossos costumes, mexendo
com os nossos sentimentos, influenciando o nosso cotidiano, tornando-se elemento central na
nossa identidade. Mas como salientou Stuart Hall (1987) “... as identidades nacionais não são
coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação”. É por esta força presente nas representações, que os indivíduos acabam se
identificando com um clube e muitas vezes definindo a equipe pela qual irá torcer pelo resto da
sua vida, pois no nosso país não é considerada traição quando um político troca de partido, ou
o marido de mulher. O mesmo não acontece com o torcedor que muda de time de futebol
(OLIVEN, 2002). Nos últimos anos, alguns estudos buscaram analisar a paixão clubística e as
relações existentes entre torcedores e clubes de futebol, entre eles destacam-se Damo (2002),
Kowalski (2002) e Toledo (2002). Estes estudos mostraram que fatores como classe social,
étnica, do local de moradia, dos meios de comunicação, dos resultados obtidos são
importantes mas não nos mostram se eles são centrais na formação da identidade clubística. A
presente pesquisa de cunho qualitativo, utilizou-se da aplicação de um questionário semi-
estruturado que visava identificar o time de preferência, a influência de um possível ídolo, o
motivo que levou a escolha do time, a influência dos pais na escolha do time, a influência dos
amigos na escolha do time, a influência da classe econômica na escolha do time e a influência
da escolaridade da família na escolha do time. Para desenvolver o presente estudo optou-se
analisar escolares com idade entre 7 e 12 anos de idade (as quais de acordo com a lei 8.069 de
1990, são definidas como crianças). Em outro estudo parte deste estudo, após analisarmos 800
adolescentes verificamos que todos já haviam definido qual era o seu time de preferência, por
isso optou-se trabalhar com crianças. O questionário foi aplicado em dois locais distintos
escolhidos aleatoriamente a partir de uma amostragem heterogênea, composta por meninos e
meninas de diferentes classes sociais. Na Escola A, localizada em um dos principais bairros da
cidade de Ponta Grossa, a população era de 770 alunos e a amostragem foi de 568 estudantes,
com idade entre 6 e 10 anos, foram excluídos aqueles que não devolveram o questionário até a
data estabelecida, ou que os pais não assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Na escola B, localizada na cidade de Telemaco Borba, o universo era de 642 alunos e
participaram do estudo, 323 alunos, com idade entre 11 e 16 anos de idade, foram utilizados os
mesmos critérios de exclusão da pesquisa, somado a questão do recorte cronológico. Os
resultados obtidos demonstram que a equipe de maior torcida é o Corinthians (46%), seguido
do Flamengo (22%), São Paulo (11%), Santos (8%), outros (16%). Percebeu-se que jogadores
como Neymar são considerados ídolos nacionais, independente da paixão clubística, neste
aspecto cabe ainda salientar que não foi identificada uma identidade local, ou regional
decorrente da paixão pelo futebol, pois nestas duas localidades as equipes não apresentam
representatividade no cenário nacional. Na escola B, percebeu-se que 68% dos participantes
apresentam uma preferência clubística internacional. O que podemos concluir é que mesmo
com a grande quantidade de informação disponível na mídia, os pais, fundamentalmente o pai
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é o fator determinante na definição da equipe do seu filho, pois os dados obtidos sobre a
equipe do pai, pouco se altera em relação a escolha dos filhos.
Natasha Santos
Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná
Pesquisadora do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade - UFPR
Sob o título de “Eu Sou Pelé”, o então repórter e cronista esportivo Benedito Ruy Barbosa
descreveu, em 1961, a trajetória de Pelé, segundo as narrativas do próprio jogador. O escritor
viajou cerca de dois meses com a delegação santista pelas Américas, e foi ali que o livro se
iniciara. As entrevistas se prolongaram atendendo a um novo objetivo: tratar de aspectos da
vida do jogador, que na sequência seriam retratados em um filme. O filme é “Rei Pelé”, de
1962, com roteiro de Ruy Barbosa e diálogos do teatrólogo Nelson Rodrigues, pautados na
biografia que traz Pelé como autor. Isso mesmo, de acordo com a modesta apresentação do
livro, feita por Benedito Ruy Barbosa, este teria apenas ajudado o atleta na escrita, “sem
desfigurar seus pensamentos, suas afirmativas, coordenando a história, dando-lhe uma
sequência lógica que nem sempre Pelé obedeceu” (BARBOSA In Nascimento,
1961).Posteriormente, em “Viagem em Torno de Pelé”, de 1963, Mario Filho apresenta a que
seria a “biografia do primeiro cidadão do mundo que o Brasil já produziu”, desenrolando a
trajetória do jogador em paralelo à da seleção brasileira nas Copas de 1958 e 62. Na tentativa
de uma proximidade à estética literária, Mario Filho desenrola a vida do jogador como a um
romance, bastante próximo ao enredo hollywoodiano, em que o protagonista é um menino
pobre e negro, que passa por uma série de dificuldades, mas, no final, conquista o seu reinado.
Da infância ao “reino”, o cronista descreve uma história de amor duradoura: entre Pelé e a
bola – a “menina”.A partir de tais versões sobre a vida (especialmente a futebolística) de Pelé,
o objetivo do estudo proposto é analisar as primeiras biografias de Edson Arantes do
Nascimento, no sentido de estabelecer aproximações ou distanciamentos com a crônica
esportiva, que se alinhava à teorização de Gilberto Freyre, no que se refere à mestiçagem.
Optou-se pela escolha das biografias escritas por Benedito Ruy Barbosa, em 1961, e por Mario
Filho, em 1963, pelo fato de se localizarem entre a euforia da primeira vitória brasileira, no
Campeonato Mundial de 58, e a expectativa/conquista do bicampeonato em 1962. Nesse
sentido, seria o Pelé dos livros em questão a perfeita personificação do herói mulato retratado
nas crônicas e em “O Negro no Futebol Brasileiro”, de 1947, com autoria de Mario Filho?A fim
de tecer o estudo de tais fontes, recorre-se ao uso da análise literária, com base na noção de
fusão entre texto (estética literária e autonomia do autor) e contexto (elementos históricos e
sociais), de Antonio Candido (2000). Embora Mario Filho cite em sua produção o uso de
algumas fontes – como, por exemplo, jornais – e apesar de Benedito Ruy Barbosa defender
que “não houve a mínima preocupação de se criar uma obra literária. É só a narrativa de uma
vida, por aquele que a viveu” (BARBOSA In Nascimento, 1961), considera-se aqui a biografia
como um gênero fronteiriço, isto é, situado na intersecção entre ficção e realidade
(GINZBURG, 2004). Haja vista o uso das fontes – embora estas não sejam citadas, nem tratadas
segundo a lógica científica –, há um esforço em se manter próximo à realidade, buscando o
relato da “verdade” sobre a vida de Pelé. Todavia, de maneira concomitante, esse
estreitamento aos fatos vem amalgamado a uma escrita que tende para a de estética literária,
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bem como para um envolvimento dos autores, interferindo no sentido do enredo da história.
O mesmo acontece quando se baseia no relato do biografado, pois este se trata de um olhar
sobre o próprio passado do indivíduo, o qual acaba assumindo, por vezes, tom de justificativa
e mesmo certo embelezamento de determinadas situações vivenciadas. Somados todos esses
elementos, conta-se, ainda, com o procedimento metodológico de que fala Carlo Ginzburg
(1996) – o paradigma indiciário, a fim de buscar pistas e indícios que possam contribuir para a
compreensão de possíveis ideários manifestos nas obras em foco.
Referências Bibliográficas
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Fontes
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RODRIGUES FILHO, M. Viagem em Torno de Pelé. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1963.
“Na Copa da Espanha, em 1982, com o Brasil vivendo intensamente a abertura política e a
anistia, tínhamos uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos, que parecia ainda
mais rápida, mais elegante e mais harmoniosa até que a do Tri. E uma torcida espetacular.
Com elas vivemos um sonho e uma grande aventura, tão alegre quanto dramática, que começa
numa tarde carioca, com a ditadura agonizando e o país falido – mas mais animado do que
nunca”. (MOTTA, 1998). Início do mês de junho desembarcava em Sevilha a equipe do
Jornal O Globo responsável pela cobertura da Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Dentre os
jornalistas designados para esta tarefa estavam: Sérgio Cabral, Carlos Leonam, Renato
Maurício Prado, Nelson Motta, dentre outros. Durante o período de 13 de junho a 11 de julho
do referido ano, tais jornalistas, além de cumprirem suas atribuições profissionais de cobrir a
Copa do Mundo, viveram in loco as emoções, as alegrias, as histórias e os dramas propiciados
pelo maior espetáculo de futebol do mundo, a Copa.O princípio da década de 1980 ficou
marcado como um dos períodos mais turbulentos da história político social do Brasil. O então
presidente General João Batista Figueredo declarava aos meios de comunicação que a
sucessão à presidência da república se daria de forma democrática, encerrando um período de
21 anos de ditadura militar, a qual iniciou em 1964 e findou em 1985. Dando mostras de que
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tal transição realmente aconteceria, o governo brasileiro, ao final do ano de 1979, institui a
anistia àqueles que cometeram crimes políticos ou eleitorais, ainda neste mesmo ano foi
promulgado o pluripartidarismo, e a legalização dos movimentos sindicais. Dada esta
possibilidade, de transição democrática, houve no Brasil uma série de movimentos de cunho
político e social que objetivavam que a prometida abertura política realmente se cumprisse.
Em 1981 realizou-se no Brasil eleições diretas para governadores, senadores e deputados
federais. Pouco mais tarde, em 1983, tem-se início a campanha pelas “Diretas Já”, que
culminou, segundo alguns especialistas, com a maior manifestação popular da história do
Brasil. Para se ter ideia da dimensão deste movimento, em apenas um comício ocorrido da
cidade de São Paulo, mais precisamente na Praça da Sé foram contabilizados
aproximadamente 1,5 milhões de manifestantes. Em outro no Rio de Janeiro, na Igreja da
Candelária cerca de 1 milhão de populares se manifestavam a favor da campanha que
reivindicava eleições diretas para presidente da república.Economicamente o Brasil passava
por uma de suas mais sérias crises, assolado por um grave endividamento externo, o qual
desencadeou uma série de problemas inflacionários, intensa redução dos salários reais, forte
recessão nas indústrias e no comércio, que culminou com um aumento substancial nos índices
de desemprego. O país vivia momentos de incertezas. Contudo, mesmo sujeito aos problemas
acima descritos, boa parte da nação voltava sua atenção para a cobertura do evento de
futebol mais importante do mundo, a Copa do Mundo na Espanha. Comandada pelo
técnico Telê Santana a equipe brasileira contava com o entusiasmo incondicional de grande
parte da população do país e imprensa especializada, pois, compunha-se de atletas com ótimo
nível técnico tais como, Júnior, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, este, considerado por alguns
jornalistas como o melhor atleta depois da “Era Pelé”. Ainda a favor desta seleção, somava-se
o fato de praticar um futebol, cuja ofensividade era a característica principal. No que
se refere ao apoio da imprensa especializada, conta-se com a figura de Nelson Motta -
colunista do Jornal O Globo enviado para a cobertura do Mundial da Espanha, jornalista,
compositor e produtor musical, roteirista e escritor – que descreve, sob a forma de um diário,
o dia a dia no país espanhol durante o período corrente da Copa do Mundo. Motta discorre
sobre a convivência com os colegas de redação, as festas, as ansiedades e expectativas antes
dos jogos da seleção brasileira, as comemorações pelas vitórias, e por fim, a decepção pela
derrota da equipe nacional frente ao time italiano na partida que ficou conhecida como o
“Desastre de Sarriá”. Ora, dado o sentido de tais escritos e sabendo das condições
econômicas, sociais e políticas enfrentadas no Brasil, qual era a concepção de Nelson Motta
acerca do selecionado brasileiro? Nesse sentido o objetivo da presente pesquisa é a partir dos
preceitos da crítica literária proposta por Antonio Candido, analisar as crônicas de Motta
referentes à Copa de 82, a fim de perceber quais eram as impressões/ concepções de Motta
acerca da equipe brasileira. Referindo-se às crônicas de Motta, as quais foram reunidas e
transformadas em livro no ano de 1998 sob o título de “Confissões de um Torcedor: Quatro
Copas e uma Paixão” – tal como aponta o título – a obra trata-se de uma compilação de
crônicas sobre as Copas de 1982 na Espanha, 1986 ocorrida no México, no ano de 1990 na
Itália e por fim a Copa de 1994 sediada pelos Estados Unidos. Porém, este estudo,
especificamente está centrado apenas nos escritos referentes à Copa de 82, capítulo este
chamado de “Turbilhão de Emoções”. Sendo assim, tais memórias, relatadas sob a forma de
crônicas, serviram de fontes para esta pesquisa. A partir da leitura e análise dos escritos
de Nelson Motta acerca do selecionado brasileiro que disputou a Copa do Mundo da Espanha
em 1982 pode-se inferir que o citado jornalista se mostrou encantado e creditou à equipe
nacional o melhor futebol apresentado dentre todas as outras seleções “Dos brasileiros foi
tirado o título, mas nada lhes tira o orgulho e a certeza do futebol mais bonito e emocionante
deste mundial.” (MOTTA, 1998). Torna-se necessário aqui ressaltar que essa concepção de
Nelson Motta sobre a atuação do time brasileiro não era consensual na crônica esportiva
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especializada, a modo de exemplo pode-se considerar que João Saldanha – colunista do Jornal
do Brasil – no mesmo período formulou críticas veementes ao modo como o Brasil se
apresentou neste mundial. Outro aspecto importante a se destacar nesta pesquisa consta
no o fato de Nelson Motta não ser um jornalista especializado em futebol, seus escritos soam
vagos quando se tratam de questões técnicas e táticas, porém são de uma riqueza singular
quando versam sobre questões que circundam o jogo, relatando de forma muito original
aspectos relacionados com a simpatia e malandragem brasileira, o status de ser torcedor da
seleção canarinho mesmo não sendo natural do país, a integração das torcidas e
principalmente sobre a admiração da cultura brasileira (música, culinária, festividade) por
outros povos.
Este trabalho é parte da pesquisa de mestrado que visa a analisar as matérias publicadas na
revista Veja sobre a participação da seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1970 e 1994,
em que conquistou o título de tri e tetra campeões, respectivamente. Pretendemos tanto
perceber semelhanças e diferenças como tais vitórias foram apropriadas pela imprensa, como
analisar de que modo o contexto político influiu na relação dos brasileiros com estas Copas.
Apresento o início do futebol no Brasil, como ele foi consolidado e se associado à identidade
do povo a ponto de atualmente ser o esporte predominante no país. Consideramos que, ao
acompanharmos o desenvolvimento desse esporte no Brasil, podemos também acompanhar a
história. O futebol é uma construção histórica, gerada como parte indissociável dos
desdobramentos da vida política e econômica de uma nação, inclusive Brasil. Devemos
entender, primeiramente, o que a historiografia brasileira sobre o papel do futebol e o seu
papel na sociedade. Para isso recorremos a autores como José Carlos Sebe Bom Meihy, José
Sebastião Witter, Marcos Guterman, Heloisa Helena Baldy dos Reis, Thiago de Aragão Escher,
Ricardo Pinto dos Santos, Gilberto Freyre. Afinal, o futebol como um veículo da permanência
de valores sociais, sendo uma das mais importante e contínua manifestação de massas no
Brasil. No campo, todos os jogadores seriam iguais, por isso, uma seleção nacional anularia
com as diferenças sociais, regionais e étnicas, colocando pessoas diferentes para jogar em
nível igualitário. O brasileiro, tido como país “pacífico” e “livre de preconceitos”, mas que tem
uma das maiores desigualdades socais sociais do mundo identificou-se com esse tipo de
esporte. Por ter sofrido com os governos ditatoriais, teve o futebol utilizado para fins políticos,
que julgavam essa prática esportiva como o “ópio” do povo, da massa que os governantes
desejavam calar. A nossa identidade nacional é como a do futebol brasileiro, pois é uma
narrativa que louva o encontro e a mistura e povos e “raças”. Nesse diálogo de identificações,
o povo é representado e se representa como miscigenado, criativo, imprevisível e possuidor de
uma genuína ginga de corpo, presente em manifestações populares como o samba, a capoeira
e o futebol. A miscigenação racial e cultural teria possibilitado uma rica diversidade de
experiências que se refletem em manifestações culturais populares no Brasil, em que
habilidades corporais são fundamentais. Para demonstrar que o futebol não foi sempre
“democrático” como se pensa, lembramos de seu nascimento na Inglaterra entre as camadas
mais ricas e a chegada ao Brasil, onde, por muito tempo, era esporte das elites. Fatos quase
esquecidos, pois aconteceram há muito tempo e não serviam para a memória que se queria
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construir da nação brasileira. O interesse dos brasileiros pelo futebol foi crescente desde a
década de 1910 e incentivado com o advento do rádio a partir de 1930. Foi nessa década
também que o futebol chamou a atenção dos governantes brasileiros como de Getúlio Vargas.
Seu governo não mediu esforços para transformar o esporte em instrumento para a
consolidação das ideias de um Brasil democrático, unido por todas as “raças”, para cumprir o
papel de diminuir as tensões e os conflitos sociais e étnicos em nosso país. Desde a sua adoção
pelas elites brasileiras no início do século, o futebol era amador, mas assim como a sociedade
se modernizava, os clubes passaram a tentar encontrar meios de burlar as barreiras
limitadoras do amadorismo. Getúlio Vargas teve um papel muito importante nesse processo,
influindo também na participação dos esportes brasileiros em Copas do Mundo de 1934 e
Olimpíadas de 1936. O fato da delegação brasileira do Mundial de 1934 ter sido chefiada por
Lourival Fontes, que ocupava a direção do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DIP) comprova a ingerência estatal nos esportes. Os interesses de Vargas sob o esporte
cresciam à medida que seu projeto de nação se estruturava e se percebia o poder que o
esporte tinha junto às massas e à juventude. A popularidade do futebol seria um novo meio de
levar a ideologia oficial às massas. Pessoas que não tinham acesso aos escritos de Gilberto
Freyre e Sérgio Buarque de Holanda encontrariam suas ideias nas crônicas de José Lins Rego e
Mario Filho, além das páginas esportivas dos jornais.