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João Feijó

Assimetrias Sociais
Pistas para Entender o Alastramento do
Jihadismo Islâmico em Cabo Delgado
João Feijó

Assimetrias Sociais
Pistas para Entender o Alastramento do
Jihadismo Islâmico em Cabo Delgado
Sobre o Autor

João Feijó é sociólogo e doutor em Estudos Africanos, tendo pesquisado sobre identidades,
representações sociais, relações laborais e migrações em Moçambique. É coordenador do conselho
técnico do Observatório do Meio Rural, onde coordena a linha de pesquisa sobre “Pobreza,
desigualdades e conflitos”.

Arte da Capa

Obra de Abdula Naguib, intitulada “Monumento à Liberdade”. Publicado com a autorização do


Centro de Documentação e Formação Fotográfica (FCF).

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Arte da Capa: Abdula Naguib

ISBN: 978-2-490093-17-5

“O uso comercial de todos os meios de comunicação social publicadas pela Friedrich Ebert Stiftung (FES)
não é permitido sem o consentimento por escrito da FES. As opiniões expressas nesta publicação não são
necessariamente as da Friedrich Ebert Stiftung.”.
Sumário

INTRODUÇÃO 04
DIVERSIDADE ETNOLINGUISTICA E PODER 06
Principais grupos etnolinguísticos em Cabo Delgado 06
Reconfiguração das relações de poder em Cabo Delgado 07

DESIGUALDADES SOCIO-ESPACIAIS E ETNOLINGUISTICAS 12


Disparidades no acesso à educação 12
Disparidades nas condições habitacionais 12
Posse de bens duráveis 14
Acesso a pensões de antigo combatente 14

REPRESENTACÕES SOCIAIS NO NORDESTE DE CABO DELGADO 15


Acesso a negócios 15
Acesso a formação e emprego 16
Acesso a apoios de estado 19

UMA BASE SOCIAL DE APOIO? 22


CONCLUSÕES 24
BIBLIOGRAFIA 27
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INTRODUÇÃO

Desde finais de 2017, a província de Cabo Nordeste de Cabo Delgado, relacionados com
Delgado, no extremo Norte de Moçambique fenómenos de pobreza e de assimetria socioe-
transformou-se num palco de violentos con- conómica, mas também com a reconfiguração
flitos armados. Se nos primeiros meses o de relações de poder entre grupos etnolinguís-
conflito esteve confinado às zonas da costa – ticos. Argumenta que
maioritariamente islâmicas e caracterizadas
por um longo historial de exclusão – nos anos No estudo demonstra-se a existência de uma
seguintes assistiu-se a uma maior capacidade pobreza generalizada na província de Cabo
de penetração para o interior e para Sul. A Delgado, transversal a todos os grupos etno-
partir de 2020, com o ataque e ocupação de linguísticos, não obstante nos centros urbanos
quatro sedes distritais e perante a ameaça à e no planalto maconde se registarem, ligeira-
capital provincial Pemba, o conflito passou a mente, melhores condições habitacionais e
merecer maior atenção por parte da media acesso a determinados bens de consumo.
internacional.
A chegada ao poder de um presidente maconde
Na tentativa de explicação do conflito emer- coincidiu com uma maior afirmação do Estado
giram diversas hipóteses. Focando os aspectos no controlo de recursos naturais (nomeada-
internos do conflito, foram considerados fenó- mente pedras preciosas, mas também madeira
menos de pobreza e de frustração de expecta- e marfim) interrompendo circuitos económicos
tivas sociais relacionadas com a exploração de locais. A situação reforçou discursos de vitimi-
recursos naturais, sobretudo entre a juventude zação e de denúncia do processo de captura
local, consolidando-se uma economia extrac- do Estado por parte de grupos étnicos específi-
tivista, sem relação com o tecido económico cos. Esta situação fez reemergir ressentimentos
local e pouco geradora de emprego. Por outro históricos das populações da costa, habilmente
lado destacaram-se os históricos conflitos et- capitalizadas por grupos radicais islâmicos, que
nolinguísticos na região, sobretudo entre os encontraram ali uma importante base social de
povos da costa e do interior. Outras aborda- apoio. Contudo, a elevada diferenciação social
gens enfatizaram as dimensões internacionais existente entre a própria sociedade maconde, a
do conflito, nomeadamente o relacionamento presença de jovens macondes entre os grupos
com células terroristas da África Oriental; ou de insurgentes e o alargamento da respectiva
com a confluência de diversos interesses eco- acção para zonas do planalto obriga-nos a tecer
nómicos no Canal de Moçambique, relacio- as devidas reservas em relação à importância
nados não só com o controlo de um corredor da etnicidade na explicação dos conflitos.
energético, mas também de rotas ilegais de
droga, madeiras e marfim. Amplamente desintegrado do resto do terri-
tório nacional, durante décadas, o extremo
Nesta contribuição para a Security Series Norte de Moçambique registou baixos níveis
João Feijó reflete sobre os aspectos internos de investimento público, elevados índices de
que estão na origem das tensões militares no pobreza e de analfabetismo. Contudo, a partir

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do novo milénio,Cabo Delgado mereceu uma Se a tese de agressão externa por parte de
maior atenção em virtude do crescente inte- grupos radicais islâmicos ganhou força no
resse por recursos naturais, nomeadamente seio do poder governamental, assim como
madeira e marfim, pedras preciosas e, mais de grupos económicos associados à indústria
recentemente, gás natural. O investimento em securitária, outras abordagens enfatizaram as
capital intensivo não é gerador de emprego contradições socio-económicas existentes na
e apresenta poucas relações com o tecido província, marcada pela pobreza, por desigual-
económico local. As poucas oportunidades dades e por contradições entre grupos étnicos
de emprego qualificado são maioritariamente rivais. As reconfigurações das relações de poder
absorvidas a partir do exterior, pelo que os in- na província terão conduzido a sentimentos de
vestimentos têm pouco impacto na redução da (auto)-exclusão, habilmente capitalizados por
pobreza local, gerando desigualdades e confli- líderes locais e nacionais.
tos de terras.
Este artigo pretende reflectir em torno do
A partir de finais de 2017, o Nordeste da pro- nível de pobreza e de desigualdade existente
víncia transformou-se num palco de violentos entre os diversos grupos etno-linguísticos da
conflitos. Um grupo de insurgentes armados, província, procurando aferir até que ponto
composto maioritariamente por jovens locais, podem estar na base do conflito actual. Neste
com ligações à Tanzânia e Quénia, desenca- sentido entrevistaram-se 94 indivíduos nos dis-
dearam um conjunto de ataques em zonas da tritos de Palma, Mocímboa da Praia, Macomia,
costa, de maior concentração islâmica. Nos Muidumbe e Montepuez (macuas, macondes,
anos seguintes o conflito foi-se tornando mais muânis e mácues) procurando-se compreen-
violento, alastrando-se para o Sul e interior der que representações constroem sobre os
da província. Na cúpula da Southern African diferentes grupos etnolinguísticos na província,
Development Community (SADC) de Maio em termos de acesso a negócios, emprego e
de 2020 o presidente Moçambicano admitiu rendimentos, assim como apoios do Estado.
a gravidade do problema recorrendo, pela Ao longo do texto procura-se compreender os
primeira vez, ao conceito de “terrorismo” para factores socioeconómicos que podem conduzir
os ataques em Cabo Delgado. à aderência (directa ou indirecta) de popula-
ções locais a grupos violentos.

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DIVERSIDADE ETNOLINGUÍSTICA maioritários, nomeadamente macuas, macondes


E PODER e muanis.

Constituindo o Emakhuwa a língua materna


O conceito de etnicidade é, geralmente, utilizado de 67,1% da população da província (no censo
para definir grupos com características linguísti- de 2007), este grupo etnolinguístico constitui o
cas comuns, que partilham as mesmas crenças mais numeroso em Cabo Delgado1. Englobando
religiosas, com uma história partilhada e costu- inúmeros subgrupos, o grande grupo Macua-
mes comuns. Contudo, o conceito de etnicidade Lomué predomina no Norte da Zambézia, na
é bastante mais complexo por vários motivos. província de Nampula, Centro e Sul de Cabo
Em primeiro lugar, em virtude de experiências Delgado e zona Leste de Niassa. Trata-se de um
migratórias, contactos interculturais e casamen- grupo heterogéneo, maioritariamente associado
tos, estas características culturais estiveram, à religião islâmica nas zonas costeiras, mas com
historicamente, em transformação, aumentan- forte penetração cristã no hinterland. O grupo
do a diversidade dentro dos próprios grupos. macua é, tradicionalmente, associado à linhagem
Longe de assumir uma dimensão essencialista, matrilinear, ainda que tenha sofrido profundas
as identidades são, frequentemente, complexas transformações nos períodos recentes (Osório,
e contraditórias, incluindo elementos de dife- 2006; Casimiro, 2008).
rentes culturas. Por outro lado, as identidades
étnicas constituem conceitos estratégicos, auto- Em segundo lugar, o Shimakonde aparecia, no
-apresentadas pelos indivíduos em função das censo de 2007, como a língua materna de 20%
vantagens que daí esperam obter, mas também da população de Cabo Delgado, concentrada no
politicamente manipuladas em função das dis- planalto de Mueda (prolongando-se pelo Sudes-
putas de interesses das diferentes elites dirigen- te da Tanzânia), e com presença notória no litoral
tes. É por este motivo que as identidades étnicas Norte de Cabo Delgado, e em centros de presen-
são, sobretudo, construídas por oposição a um ça militar, como Montepuez, Pemba, Nampula ou
outro, geralmente entendido como ameaça, so- Maputo. Trata-se de um grupo maioritariamente
bretudo em períodos de maior competição pelo cristão (ainda que, por via de casamentos mistos,
acesso a recursos de poder. A consciência de existam mulheres macondes convertidas ao islão,
pertença a um mesmo grupo não constitui um particularmente na costa), cuja actividade econó-
aspecto natural, mas socialmente construído, mica principal é a agricultura, complementada
(re)transformado, ao longo do tempo, em fun- com a pecuária.
ção de dinâmicas político-económicas específi-
cas, frequentemente manipulado por elites em Em terceiro lugar, e representando 5,9% da
competição. população da província, o grupo Mwani (falante
de kimuani) predomina ao longo da costa de
Cabo Delgado a norte de Pemba, do Ibo até
Principais grupos etnolinguísticos ao rio Rovuma, assim como nas diversas ilhas
de Cabo Delgado do arquipélago das Quirimbas. Maioritariamente

Apesar da existência de inúmeros grupos


etnolinguísticos, a província de Cabo Delgado é, 1 Referimo-nos à população que, no inquérito censitário,
geralmente, associada à presença de três grupos apresentou o Emakhuwa como língua materna

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islâmico, trata-se de um grupo que se dedica obstante continuarem a ser exacerbadas em


fortemente à pesca (que conjuga com a pequena contextos de maior competição pelo acesso
agricultura de subsistência alimentar), assim a recursos de poder escassos;
como actividades comerciais. 4. a existência de especificidades etnolinguísti-
cas não invalida a existência de uma grande
O censo de 2007 refere o português como língua diversidade económica e cultural dentro de
materna de 3,4% da população. O Kiswahili surge cada um desses grupos. A título de exemplo,
como a língua materna de 1,1% dos inquiridos, se é verdade que o islão representa um aspec-
tratando-se de um grupo fortemente composto to importante na formação das identidades
por cidadãos tanzanianos, concentrado no das populações da costa, a emergência de
planalto Maconde e no litoral Norte de Cabo diferentes correntes do islão, decorrentes de
Delgado. Apesar de não aparecer referido no disputas internas pelo poder (Bonate, 2007)
censo, em Palma, Quionga e ao longo do rio não deixa de ser geradora de discursos de al-
Rovuma sobressai, ainda, o grupo etnolinguístico teridade no seio dos respectivos grupos. Da
Makwe que, em 1993, aparecia estimado em mesma forma, a população makonde cons-
20.000 a 30.000 indivíduos. Maioritariamente tituiu um grupo fragmentado, em termos
islâmicos, todos os homens aparentam falar políticos ou socio-económicos, realizando-se
kiswahili, sendo que a maioria das mulheres o distinções entre os makondes do planalto ou
entendem. A maioria fala também shimakonde da planície ou entre clãs.
(Garcia (2005: 68).
Por estes motivos, os grupos etnolinguísticos
De forma a evitar conclusões essencialistas, em questão não devem ser entendidos de
importa destacar quatro aspectos: forma estanque, mas dinâmica, em constante
transformação, repleta de mestiçagens, com
1. estes grupos linguísticos apresentam varian- traços frequentemente contraditórios, como
tes locais, mais ou menos entendidas entre é característico de qualquer identidade.
si, mas são, geralmente, agrupados na mes-
ma família linguística;
2. a utilização de uma língua materna e a Reconfiguração das relações de
identificação com o respectivo grupo etno- poder em Cabo Delgado
linguístico, não invalidam que grande parte
da população seja falante de outros idiomas, Ao longo dos últimos dois séculos, a província
sendo essas competências linguísticas um de Cabo Delgado tem assistido a um conjunto
factor de integração socioeconómica em ce- de transformações político-económicas, que se
nários interculturais; traduziram em reconfigurações das relações de
3. os múltiplos movimentos migratórios – es- poder na região.
pontâneos ou forçados (durante a escrava-
tura e regime de trabalho obrigatório, de a. O tempo colonial
constituição de aldeamentos coloniais e al-
deias comunais, de experiências em campos Durante otempo colonial, o aumento das neces-
de reeducação ou na Operação Produção) – sidades de mão-de-obra para as plantações nas
e os casamentos intergrupais tenderam a ilhas do Índico exerceu profundas transformações
complexificar as pertenças identitárias, não no Norte de Moçambique. A procura de traba-

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lhadores despoletou um aumento do tráfico de tagnação ou decadência de grupos socioeconó-


escravos, formando-se caravanas para captura de micos do Centro e Norte da colónia. A implanta-
homens e mulheres adultas, particularmente nas ção da administração colonial foi diminuindo o
zonas do interior. As populações suaílis da costa poder político das chefias afro-islâmicas, tendo
encontraram no comércio de escravos (particu- alguns sido transformados em agentes de coloni-
larmente com o exterior, nomeadamente com zação (Rocha, 1999: 30).
árabes e portugueses) uma lucrativa oportunida-
de de negócio, conjugada com a navegação, a A partir da década de 1940, a implementação
pesca e alguma agricultura e artesanato (Capela de projectos económicos coloniais exerceu
e Medeiros, 1987: 112). O domínio do suaíli, uti- um profundo impacto sobre as populações do
lizado na costa como língua franca (Rocha, 1999: Norte de Moçambique. A construção de sedes
32; Liesegang, 1999 37-38), constituía uma im- administrativas, estradas, caminhos-de-ferro
portante vantagem económica para os povos do e cidades ferro-portuárias só foram possíveis
litoral, nas suas relações comerciais com o Índico. à custa de práticas de trabalho obrigatório
(chibalo), que envolveram dezenas de milhares
A intensificação da captura de escravos foi gera- de africanos. Paralelamente, assistiu-se à
dora de amplos movimentos migratórios, duran- imposição de culturas obrigatórias de algodão,
te os quais diversas populações da bacia do Ro- com profundas implicações socioeconómicas
vuma se refugiaram no planalto Maconde, onde sobre as populações locais (Isaacman, 1992 e
fixaram assentamentos independentes e forti- Hedges, 1999). Estes fenómenos despoletaram
ficados, com reduzida concentração populacio- movimentos migratórios para o Tanganica,
nal (Dias, 1964: 59-61). No planalto, os grupos facilitados pela proximidade etnolinguística e pelas
dispersos realizavam ataques para captura de es- melhores condições de trabalho nas machambas
cravos e posterior comercialização, e para obter inglesas, assim como acesso a bens de consumo
armas e pólvora, para protecção e aumento do (Dias, 1964). No país vizinho as populações tiveram
poder (Dias, 1964: 79; West, 2004: 26-27). Em contacto com o movimento independentista
finais da década de 1950, Jorge Dias (1964: 79) de Julius Nyerere e, na diáspora, um grupo de
constatava que os Macondes olhavam os Macuas macondes formou o MANU, com o objectivo de
com sobranceria, “como povo que nunca teme- melhoria das condições dos residentes de Cabo
ram e que serviu de pasto para as suas razias e Delgado (Hedges, 1999: 249).
incursões para apanhar escravos”, mulheres e
prestígio. Neste processo, o grupo foi-se tornan- A realização da concordata entre Estado português
do conhecido pela sua agressividade, passando a e a Igreja Católica, a imposição do catolicismo no
ser depreciativamente designado de Mavia, sig- ensino oficial e a proliferação de missões católicas
nificando pessoa nervosa ou violenta, particular- pelo meio rural e a desconfiança em relação ao
mente quando provocada (Dias, 1964: 65; West, Islão despoletaram sentimentos de discriminação
2004: 25; Israel, 2006: 116). entre as populações muçulmanas. As relações
históricas pré-coloniais das populações islâmicas
No início do séc. XX, com a descoberta de ouro com outras regiões do Índico tornavam-nas
no Transval e a passagem da capital administra- informadas acerca das mudanças políticas na
tiva para Lourenço Marques, grande parte do região. Por esse motivo, os líderes islâmicos do
investimento público passou a concentrar-se no Norte de Moçambique (essencialmente macuas
extremo Sul de Moçambique, conduzindo à es- e muanis) foram considerados com nítida

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desconfiança pelas autoridades coloniais. O cristãos e com uma atitude anti-islâmica (Cahen,
processo de independência da Tanzânia redobrou 2000). A grande preocupação de muitos macuas
a atenção dos serviços secretos portugueses refugiados em Zanzibar era que a independência
relativamente aos líderes religiosos islâmicos, com significasse o exercício da sua muçulmanidade
estreito contacto com o país vizinho, assim como (Macagno, 2006: 192).
à proliferação de mesquitas e madraças, que
tornavam a população potencialmente exposta A fundação da FRELIMO e o início da luta de
a ideais independentistas (Alpers, 1999: 171). libertação desencadearam estratégias coloniais
Administradores coloniais impuseram limitações de aproximação e coaptação das lideranças
à criação de madraças ou do ensino islâmico, islâmicas, procurando integrá-lasnuma ideia de
ordenaram o encerramento de mesquitas ou nação portuguesa plurirracial e plurirreligiosa,
a queima de símbolos islâmicos, entre outras numa tentativa de evitar o seu apoio ao
arbitrariedades (Macagno, 2006: 186). Diversos movimento de libertação.
líderes islâmicos acabaram detidos pela polícia
política portuguesa PIDE e encarcerados em prisões Com vista a impedir o contacto da população
em Pemba ou no Ibo, onde alguns acabaram por macua com a Frelimo, a Sul do rio Messalo fo-
morrer (Alpers, 1999: 175; Macagno, 2006: 184). ram constituídos diversos aldeamentos coloniais,
A discriminação institucional dos muçulmanos onde concentrou uma importante fatia da popu-
tornou-se evidente ao nível do ensino oficial, lação macua, expondo-a à propaganda colonial.
onde o islão era depreciativamente considerado. Neste contexto, grande parte das acções da Fre-
A par do protestantismo, do comunismo e do limo estiveram concentradas no planalto makon-
nacionalismo africano, o islamismo era visto de, retirando proveito da proximidade com a Tan-
como uma das ameaças à presença portuguesa zânia, da tradição guerreira dos povos makondes
em África (Alpers, 1999: 163). e da sua familiarização com ideais de indepen-
dência e liberdade, oriundos do país vizinho.
A imposição de guias de marcha ou de trabalho
obrigatório às sextas-feiras, impedindo a ida às b. Do pós-independência à actualidade
mesquitas e interrompendo tradições seculares,
geravam descontentamento entre as populações O envolvimento massivo da população maconde
islâmicas, levando muitos indivíduos a aderir aos com a FRELIMO fez deste grupo etnolinguístico
movimentos independentistas que emergiam no um dos grandes beneficiados da luta de liberta-
exílio (Macagno, 2006: 183-187; Bonate, 2013: ção nacional. Essa experiência colectiva transfor-
59). Contudo, ainda que contasse com uma mou, profundamente, a sociedade maconde, ao
importante base de apoio de muçulmanos macuas nível da unificação dos diferentes subgrupos e de
residentes em Zanzibar, muitos demonstravam formação de uma consciência nacional (sob lide-
resistências de adesão ao MANU, considerado rança da FRELIMO); ao nível dos seus padrões de
como um grupo sobretudo de macondes e residência (de assentamentos separados e disper-
católicos (Macagno, 2006: 191; Bonate, 2013: 61). sos, para projectos modernistas em aldeias co-
No seio dos grupos independentistas (MANU munais); e ao nível do aumento de oportunidades
e, mais tarde, a FRELIMO), o Islão representava de educação, formação militar e internacionaliza-
um elemento polarizador de divergências, não ção, abrindo os horizontes dos indivíduos (Israel,
faltando críticas relativamente aos líderes da 2006: 117). De um grupo circunscrito ao planalto
FRELIMO, considerados assimilados, do Sul, ou refugiado na Tanzânia, com a independência

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nacional, os macondes emergem na hierarquia ou na construção de mesquitas) reforçando,ao


de poder, do prestígio e reconhecimento polí- mesmo tempo,o poder do Conselho Islâmico de
tico e social, quer em termos sociogeográficos Moçambique num contexto de divisões religiosas
(ocupando bairros nobres e militares nas cidades (Macagno, 2006: 218).
importantes do país) e económicos (acedendo a
cargos importantes nos sectores da defesa e se- Neste cenário, assiste-se a um processo de re-
gurança). Em termos culturais, assistiu-se à valori- composição política no seio das comunidades
zação das suas esculturas e máscaras, destacadas islâmicas de Moçambique, onde as confrarias do
como símbolos de luta anticolonial, assim como à Norte e os seus chefes tradicionais, perderam le-
manutenção dos seus ritos de iniciação, não obs- gitimidade em relação às novas lideranças urba-
tante o discurso oficial de condenação do que se nas, que se passam a apresentar como que na
designava de tribalismo ou obscurantismo. vanguarda da comunidade islâmica em Moçam-
bique (Macagno, 2006: 221; Bonate, 2007: 143),
Durante o entusiasmo revolucionário prolifera- formando-se uma aliança entre o Estado e os lí-
ram discursos e práticas anti-religiosas que dina- deres muçulmanos dos grupos urbanos do país.
mizaram narrativas acerca da relação negativa da
Frelimo com a Igreja católica (que exerceu um im- A realidade é que o Islão constituiu um espaço
portante papel de apoio ao regime colonial), mas disputado pelos agentes políticos em confronto.
também com os muçulmanos. O ressentimento Durante a guerra dos 16 anos, os ataques
das populações em relação a políticas anti-reli- protagonizados nas zonas baixas do sudeste do
giosas não deixou de ser habilmente capitalizada planalto foram, sobretudo, protagonizados por
pela Renamo, que procurou construir a partir daí indivíduos macuas da Renamo, oriundos do Sul
uma base social de apoio, inclusive entre grupos da província, gerando-se violentas retaliações
islâmicos. Na sequência da intensificação do con- de milícias macondes (Adam,1993: 69; Israel,
flito militar com a Renamo, e enquadrada numa 2006: 108-109). Da mesma forma, os resultados
nova política diplomática de boa convivência, em das eleições gerais de 1994 a 2009 mostram
inícios da década de 1980, assistiu-se à aproxi- um persistente, embora decrescente, apoio das
mação do Governo às várias organizações reli- populações do litoral Norte de Moçambique
giosas. Neste processo, Abubacar Ismail Mashirá, (maioritariamente mwani e precisamente onde
presidente do recém-formado Conselho Islâmico se situam as principais confrarias) à Renamo. Não
de Moçambique, com uma preocupação unifica- obstante a Frelimo vir aumentando a percentagem
dora e politicamente controladora das popula- de votos nas zonas da costa, a realidade é que os
ções muçulmanas, apresentou a Samora as suas bons resultados eleitorais da oposição em postos
dificuldades de relacionamento com as confrarias administrativos, como Olumbi, e Palma Sede e
do Norte de Moçambique, em resultado da tole- Quionga (distrito de Palma);de Mbau (distrito
rância que as mesmas gozaram durante o gover- de Mocímboa da Praia), de Mucojo (distrito de
no colonial. Adaptando habilmente o seu discur- Macomia) de Bilibiza, Mahate e Quissanga Sede
so às estratégias unificadoras e nacionalistas da
Frelimo2, Abubacar assegurava condições mais fa-
voráveis para o ensino do Islão em Moçambique 2 No seu encontro com o Presidente de Moçambique e
(garantindo melhores condições para que jovens adoptando uma linguagem samoriana, Abubacar Ismail
Mashirá citou o profeta Maomé, segundo o qual “amar a
moçambicanos estudassem em países árabes, na pátria faz parte da crença”, conquistando, desta forma, a
obtenção de vistos de professores estrangeiros confiança de Samora Machel.

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(distrito de Quissanga) contrastam com as vitórias minutos, enquanto percorriam as artérias da vila
retumbantes da Frelimo no planalto maconde, [de Mocímboa da Praia] e com Ossufo Momade
maioritariamente católico, nomeadamente nos a acenar”, era o seguinte: “Não fique enganado,
distritos de Mueda, Muidumbe e Nangade. a Frelimo é que está a cortar garganta e testículos
para vender para o estrangeiro” (Canal de
Na realidade, os períodos eleitorais constituem Moçambique, 09.10.2019: 2). Este episódio
momentos de tensão entre macondes e muanis, despoletou o regresso do candidato Filipe Nyusi a
sendo o distrito de Muidumbe, maioritariamente Mocímboa da Praia, onde organizou um comício
maconde, famoso por actos de violência come- em reacção ao anterior. Estes dois episódios
tida contra apoiantes da Renamo (Israel, 2006: são reveladores das sobreposições de assuntos
108-110), com relatos de expulsão de popu- políticos sobre as tensões etnolinguísticas locais.
lações mwanis de zonas baixas do distrito. Em
Setembro de 2005, a vila de Mocímboa da Praia Se é verdade que o amplo envolvimento dos ma-
constituiu palco de violentas manifestações, das condes com a Frelimo e os benefícios sociopolíti-
quais resultaram, pelo menos, 12 mortos e 30 cos daí resultantes tiveram, como consequência,
detenções, na sua totalidade apoiantes da Re- a incorporação da lealdade para com o partido
namo (Mbanze, 20.11.2006). Entrevistas, reali- na própria identidade de uma geração de ma-
zadas por Habibe et al. (2019) a jovens muanis, condes (Israel, 2006: 123), verificam-se novos
revelam sentimentos de exclusão de recursos de posicionamentos entre os mais novos em relação
poder (empregos, rendimento e subsídios) que ao partido no poder. Confrontados com o con-
limitam as suas possibilidades de consumo e de traste entre uma Frelimo mitificada e as inúme-
reprodução social, em benefício de populações ras dificuldades diárias, muitos jovens expressam,
macondes. hoje, de forma aberta, o seu descontentamento
em relação à falta de oportunidades de emprego
Em Outubro de 2019, durante a campanha para ou de acesso ao ensino, assim como deficiências
as VI eleições presidenciais, vestido de turbante e do sistema de saúde. Em Muidumbe, durante as
cofió, numa viatura 4x4, o candidato da Renamo eleições de 2019, foram observadas caravanas
Ossufo Momade foi seguido por um “exército de jovens, vestindo camisetes da Renamo ou do
de jovens, adultos e crianças” que cantavam, na MDM (cenário impensável em eleições anterio-
língua local, “Frelimo é que trouxe o Al-Shabab”. res), não obstante ameaças às respectivas famílias
Um outro refrão, “que durou cerca de trinta de suspensão de pensão de antigo combatente.

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DESIGUALDADES SOCIO- o ensino secundário por grupo etnolinguístico,


ESPACAIS E ETNOLINGUÍSTICAS não se registando variações relevantes entre ma-
cuas (21%), macondes (18%) e muanis (17%).

Uma representação largamente partilhada no Disparidades nas condições


Norte de Moçambique, sobretudo entre a popu- habitacionais
lação mwani (Bonatte, 2002, Santos, 2010), rela-
ciona-se com a existência de diferentes oportuni- Ao nível das condições habitacionais não fo-
dades etnolinguísticas de acesso à riqueza, que se ram constatadas assimetrias socio-geográficas
consubstanciam em desigualdades étnicas e que significativas, nomeadamente em termos de sa-
desafiam a integração socio-política do território neamento, materiais de construção utilizados
ou a construção de uma identidade nacional. Os ou acesso a energia. Na verdade, os resultados
dados dos Censos de 2017 fornecem-nos infor- revelam problemas significativos de acesso a sa-
mações acerca de um conjunto de indicadores neamento em toda a província, sendo que, em
de desenvolvimento e bem-estar – como aces- grande parte do território (sobretudo nas zonas
so a educação, condições habitacionais, ener- afastadas dos centros urbanos), mais de 70% da
gia, inclusão financeira ou bens de consumo –, população não tem latrina ou tem latrina não
quer em termos geográficos, quer em termos et- melhorada. Trata-se de uma realidade que afecta
nolinguísticos. todos os grupos etnolinguísticos, com maior des-
taque para a população que tem o suaíli como
Disparidades no acesso à educação língua materna (73%), seguindo-se a maconde
(63%), muani (62%) e macua (53%).
Como toda a região Norte de Moçambique, a
província de Cabo Delgado contrasta com o Sul Em termos de materiais utilizados para a cober-
do país pela maior incidência da taxa de analfa- tura do telhado (um importante indicador utiliza-
betismo. No seio da província constata-se uma do), constata-se um contraste entre determina-
maior homogeneidade, ainda que as áreas mais das áreas do planalto maconde, assim como das
integradas nas zonas urbanas (em torno dos mu- áreas urbanas (Mocímboa da Praia, Ibo, Pemba e
nicípios de Montepuez, Mueda e Mocímboa da Montepuez), com o Sul da província e algumas
Praia), onde os índices de analfabetismo são infe- zonas do litoral. Contudo, uma análise em fun-
riores a 40% contrastem com a região Sudoeste ção da língua materna dos inquiridos relativiza
da província ou do distrito de Palma, onde as ta- qualquer relação directa entre grupo etnolin-
xas de analfabetismo ultrapassam os 70%. guístico e características habitacionais: 70% dos
macuas detêm cobertura da casa com material
Analisando o acesso à escolaridade por grupo et- convencional, contra apenas 62% dos macondes
nolinguístico não se constatam diferenças signi- e 55% dos mwanis. Os resultados revelam a exis-
ficativas. A percentagem de população alfabeti- tência de fortes desigualdades entre os próprios
zada é superior entre macuas (71%) e macondes grupos etnolinguísticos, em função de linhagens,
(65%) e ligeiramente menor entre suaílis (63%) de facilidade de acesso a recursos naturais (ter-
e muanis (62%), mas não apresenta grandes di- ras, níveis de escolaridade, entre outros factores).
ferenças. A homogeneidade é também notória
quando comparamos a população que concluiu

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Gráfico 1: Taxa de analfabetismo por grupo etnolinguístico (2017)

Gráfico 2: Percentagem de população que conclui o ensino secundário por grupo etnolinguístico (2017)

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Posse de bens duráveis Acesso a pensões de antigo


combatente
Relativamente à posse de bens duráveis e consi-
derando a posse de telemóvel, constata-se que o A maior disparidade identificada na província
litoral e Norte da província (com taxas de pene- relaciona-se com o nível de acesso a pensões de
tração do telemóvel acima de 30%), se destacam antigo combatente. Analisando a distribuição
ligeiramente da zona central e Sul de Cabo Del- por distrito do número de pensionistas de antigo
gado, onde a posse de celular diminui abaixo de combatente, juntando os da luta de libertação
20%. Da mesma forma, em áreas urbanas (mu- nacional, de soberania e pensão de sobrevivên-
nicípios de Pemba, Mueda e Montepuez), assim cia, permite constatar que os beneficiários estão
como Quionga (no Norte do distrito de Palma), a particularmente concentrados no Norte de Cabo
taxa de detenção de telemóvel ultrapassa 40%. Delgado, com especial incidência no planalto
Analisando esta dimensão de bem-estar por gru- dos macondes - nomeadamente no distrito de
po etnolinguístico, constata-se uma forte homo- Mueda (com 4.112 beneficiários), em Muidum-
geneidade, com todos os grupos a apresentarem be (com 3.264 beneficiados) e Nangade – ou em
valores entre 30% e 34%. distritos de forte presença maconde (Macomia,
Mocímboa da Praia e Pemba) Esta realidade con-
Analisando a percentagem da população com trasta com o extremo Sul da província, onde o ní-
acesso a conta bancária, constatam-se níveis ge- vel de beneficiários é comparativamente residual.
neralizados de exclusão financeira, em todas os Estes resultados revelam uma forte concentração
postos administrativos da província e em todos de determinados subsídios do Estado em trono
os grupos etnolinguísticos. O nível de bancari- de grupos etnolinguísticos específicos (nomea-
zação é ligeiramente mais elevado apenas nas damente macondes), potenciando a emergência
zonas urbanas, mais integradas nos mercados, de discursos de auto-exclusão por parte das po-
nomeadamente nos municípios de Pemba e de pulações da costa e do Sul da província (maiorita-
Montepuez riamente islâmicas, muânis e macuas).

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO ros em Cabo Delgado enfatiza, precisamente, o


NORDESTE DE CABO DELGADO respectivo sucesso. Os discursos não deixam de
referir a existência de oportunidades secundárias
aproveitadas por cidadãos nacionais, frequen-
temente por imitação de cidadãos estrangeiros.
Os discursos das populações sobre os outros tra- Segundo os entrevistados, ao longo da última
duzem as suas representações sociais da realidade, década, registaram-se importantes mudanças
que exprimem não só os seus sistemas de valores, em Cabo Delgado, das quais todos os grupos
mas também os seus receios, expectativas e expe- sociolinguísticos foram retirando oportunidades,
riências de relacionamento com os outros. Mui- ainda que com diferentes níveis de sucesso.
tas destas representações sociais são transmitidas
de geração em geração, assumindo um carácter Os discursos sobre estrangeiros fazem referência
mais duradouro e enraizado nas suas crenças. Na a cidadãos do continente africano (tanzanianos,
linha de Bourdieu (1979), a forma como os indi- nigerianos e somalis), ao nível de constituição de
víduos classificam os outros constitui um óptimo pequenas lojas de produtos alimentares, utensílios,
mecanismo de compreensão dos próprios indiví- produtos electrónicos ou de peças de viaturas,
duos, nomeadamente dos seus percursos de vida, negócios de transporte ou compra e venda de
acesso a recursos de poder, expectativas e formas pedras preciosas), e asiáticos (nomeadamente
de relacionamento. Neste sentido, a análise dos chineses envolvidos nos negócios madeireiros,
discursos dos diversos grupos etnolinguísticos em ou tailandeses envolvidos no comércio de pedras
Cabo Delgado contém inúmera informação sobre preciosas), e ainda a cidadãos de origem europeia
a forma como são entendidas as desigualdades (no âmbito dos projectos de gás ou turismo).
socias na província. Neste sentido é importante Dos estrangeiros, considera-se que detêm
analisar a forma como os diferentes indivíduos re- vantagens decisivas, relacionadas com contactos
presentam a distribuição de recursos de poder na internacionais, acesso a capital, a conhecimento,
província, nomeadamente em termos de acesso a experiência e iniciativa, o que lhes confere uma
negócios e rendimentos, a formação e empregos, vantagem decisiva, pelo menos por comparação
assim como a apoios do Estado. com cidadãos nacionais.

O grupo muani foi associado, por todos os


Acesso a negócios grupos, a actividades pesqueiras, a negócios de
compra e venda ou transporte de mercadorias.
Quando se fala em oportunidades de acesso a Ainda que se constate a existência de mudanças,
negócios, todos os grupos etnolinguísticos são o grupo é considerado herdeiro da tradição
representados, no geral, de forma positiva, ainda comercial árabe na costa, com estreitos contactos
que nem todos por igual. De facto, a maioria dos com a Tanzânia, com abandono precoce da
discursos tende a enfatizar, espontaneamente, escola e dedicação a actividades geradoras de
o carácter privilegiado de cidadãos estrangeiros, rendimento, conduzindo ao desenvolvimento de
das mais diversas nacionalidades: das 242 refe- competências comerciais desde tenra idade.
rências a facilidades de acesso a negócio, cerca
de metade (122)referia-se a cidadãos estrangei- • “No meu ver, os Mwanis sabem fazer negó-
ros. A esmagadora maioria (99%) das referências cio; eles, desde muito tempo, vendem peixe,
relativamente ao acesso a negócios de estrangei- baldes e mais coisas; eles sabem fazer bons

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negócios. (...) Pelo meu ver, eles entendem discursos maioritariamente macondes, começa-
negócio mais porque convivem com estran- -se a referir uma mudança de mentalidades e um
geiros, como Tanzanianos ou mesmo India- maior investimento das populações em negócios
nos; é daí, onde aprendem e tiram proveito lucrativos, frequentemente por imitação de co-
disto; eis a razão de intenderem negócio. (...) merciantes tanzanianos. Por outro lado, os ma-
Isto é de longa data, mesmo, o Mwani en- condes destacam o seu sucesso na produção de
tende bem negócio” (Macua de Montepuez, culturas de rendimento, nomeadamente o ger-
27 anos). gelim, e da capacidade de pensionistas da luta de
libertação contratar trabalhadores assalariados:
• “mas os que começaram a ser ricos, conhecer
dinheiro, são os muanis porque, quando os • “O maconde, quando tem dinheiro, quer
brancos vieram, estavam juntos; foi daí, onde comer bem, vestir melhor, e o negócio que
começaram a conhecer negócio; então, nós ele faz não cresce” (Mocímboa da Praia,
viemos aproveitar nestes últimos tempos” muani, masculino)
(Macua de Macomia).
• “não sei, porque os nossos amigos estiveram
• “os muanis têm melhores negócios porque muito próximos dos brancos no passado? Aí,
eles conseguem fazer viagens à procura não sabemos, mas vejo que nós, macondes,
de mercadorias. Por exemplo, um muani estamos muito atrás em negócios; os nossos
que vive em Mocímboa, ele consegue vir amigos estão em frente, em termos de
a Montepuez para fazer compras das suas negócios” (Muidumbe, maconde, masculino,
mercadorias (caldo, massas, arroz) e, quando 67 anos)
vem, também traz consigo peixe seco, polvo,
capulanas vindos de Tanzânia para vender • “Eles [macondes], desde há muito tempo,
aqui” (Macua de Montepuez). habituaram fazer negócios, cultivavam ger-
gelim, esculpiam e iam vender na vizinha
A população maconde constituiu o grupo menos Tanzânia. Por exemplo, nós, até agora, culti-
associado a actividades comerciais, particular- vamos o gergelim, e os jovens estão a fazer
mente nos distritos da costa, onde a sua partici- negócios, e os mais velhos também, e conse-
pação no comércio é, comparativamente, pouco guimos construir casas cobertas com chapas
significativa. Este fenómeno aparece justificado de zinco”. (Maconde, Muidumbe, Feminino)
por dois factores. Por um lado, alega-se que ti-
veram um contacto mais tardio com o sistema
capitalista colonial, em virtude do seu isolamento Acesso a formação e emprego
no planalto, o que terá condicionado o desenvol-
vimento de competências financeiras. Por outro Ao longo do novo milénio, e com maior incidên-
lado, sobretudo nas zonas da costa, os discursos cia a partir de 2010, a província de Cabo Del-
salientam que os macondes se apresentam aco- gado passou a constituir um importante palco
modados aos subsídios do Estado, desperdiçan- de investimento, inicialmente, nos sectores do
do pensões de antigo combatente no consumo turismo e florestal, e, posteriormente, na indús-
hedonista, especialmente em bebidas alcoólicas, tria extractiva, assistindo-se a inúmeros projectos
retirando-lhes iniciativa de investimento em acti- de prospecção, nas áreas de petróleo e gás, e de
vidades comerciais. Já, na zona do planalto, em pedras preciosas, entre outros minerais. As opor-

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tunidades de negócio e de emprego atraíram cuas e macondes são vistos como os mais bem-
milhares de migrantes oriundos de vários países -sucedidos no acesso a formação e emprego,
africanos e de Maputo. Nos últimos anos, a im- contrastando com muanis e mácués, maioritaria-
prensa (VoA Português, 16.01.2018) e relatórios mente considerados como excluídos do mercado
de organizações não-governamentais (Sekeleka- de trabalho.
ni, 26.10.2018) constatam uma percepção de
ameaça externa entre a juventude local, alegan- Nos seus discursos acerca dos estrangeiros, os
do que as oportunidades beneficiam, sobretudo, entrevistados foram unânimes em salientar o
os do “Sul”, ou de “Maputo”, e “estrangeiros”. seu carácter privilegiado no acesso a empregos
Apesar do aumento do investimento na região, e formação. Dos estrangeiros diz-se que ocupam
nas zonas da costa destaca-se a convicção de que os melhores empregos, mas também beneficiam
pouco tem sido feito em prol da população lo- dos melhores salários altamente desproporcio-
cal, maioritariamente muçulmana. Em Maio de nais em relação aos dos locais, que são, além dis-
2018, mais de uma centena de jovens aglome- so, remetidos para posições subordinadas. A pro-
raram-se na vila sede do distrito de Palma, pro- liferação de trabalhadores estrangeiros é notada
testando contra o alegado bloqueio a oportuni- em várias áreas de actividade, desde os grandes
dades de trabalho nas obras de construção civil projectos, relacionados com petróleo e gás, aos
em execução, alegando que tais oportunidades pequenos negócios, relacionados com moagens
eram aproveitadas por indivíduos do Sul, ainda e contentores de venda de produtos:
que cerca de 53% da mão-de-obra contratada
pela empresa construtora fosse constituída por • “se formos a comparar, quem tem bom salá-
nativos da região (Sekelekani, 26.10.2018: 9). rio? o estrangeiro tem o melhor comparan-
Grupos de jovens envolveram-se em tentativas do os outros; o salário que ele recebe serve
de paralisação da construção de infraestruturas para mais de dois, três, quatro funcionários
sociais, com destaque para a construção da fu- sendo macuas macondes, etc. Os estrangei-
tura vila de reassentamento, em protesto contra ros recebem bem, mesmo a fazer o mesmo
alegados despedimentos e cortes ilegais nos sa- trabalho que os outros” (Macua de Monte-
lários, assim como discriminação salarial por não puez, taxista, 22 anos).
terem formação, dada a ausência de escolas e de
universidades. No calor das animosidades, foram • “podes ir à empresa perguntar, quantos tra-
registados ataques a supervisores brancos das balhadores existem?, são 20 trabalhadores,
obras. Alguns grevistas referiam que já não que- dos 20 trabalhadores, se fores a procurar sa-
riam trabalho, nem reassentamento, mas apenas ber quantos são de fora, dirão que são 15 e
as suas terras de volta e as suas praias (Sekeleka- 5 locais. Muitos são de fora e poucos locais;
ni, 26.10.2018: 8). a maioria são os que só recebem ordens, são
indivíduos que são mandados por aqueles
Da análise dos discursos dos entrevistados, de fora.” (Maconde de Mocímboa da Praia,
constata-se uma forte associação das melhores desempregado, 30 anos).
oportunidades de emprego a estrangeiros ou in-
divíduos do Sul, vulgo maputecos, expressão lo- Das poucas vezes que são referidos, os mapu-
calmente utilizada para designar, grosso modo, tenses (na verdade, todos os indivíduos oriundos
toda a população moçambicana oriunda do Sul do Sul do Save) são também considerados como
do Save. Entre os grupos de Cabo Delgado, ma- privilegiados no acesso ao emprego. A concen-

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tração da máquina administrativa do Estado, das mercado de emprego é explicada por quatro
sedes das multinacionais e das agências não-go- fenómenos: Em primeiro lugar, pela longa
vernamentais na capital do país é vista como uma tradição de investimento no ensino religioso
vantagem decisiva para a população de Maputo em prejuízo do ensino oficial, traduzindo-se
no processo de recrutamento e selecção, tornan- num défice de qualificações que compromete
do-a sobre-representada nos cargos de liderança a empregabilidade. Entre os mácues, destaca-
das organizações em Cabo Delgado: se a frequência dos casamentos prematuros,
responsáveis pelo abandono precoce da escola.
• “Se uma vaga é oferecida cá, em Muidum- Em segundo lugar, e relacionado com o anterior,
be, vais encontrar pessoas que vêm do Sul a tradição pesqueira muani, assim como a sua
ou centro do país concorrer vagas cá; aqui- orientação para o pequeno comércio, actividades
lo acontece porque os chefes são indiví- associadas ao rápido retorno económico,
duos que vêm do Sul. Eu posso te dar um desincentivam o investimento no ensino ou no
exemplo: anteontem fizemos um trabalho trabalho por conta de outrem. Este sentimento de
e pensámos que tínhamos um emprego, e, independência profissional fundamenta aquilo que
quando reparámos, vimos que a maioria dos se designou de irreverência muani, que os leva a
documentos ali submetidos eram de pessoas recusar um emprego que implique subordinação a
que vinham do Sul; aquilo levou-nos a pen- um empregador. Sobretudo da parte de macondes,
sar que, aqueles dirigentes ou nós, donos os muanis são, frequentemente, representados
da terra, não nos consideram” (Maconde de como conflituosos e pouco confiáveis. Finalmente,
Muidumbe, 46 anos). são apresentadas justificações políticas, alegando-
se que os empregos no sector do Estado estão
Inversamente, os discursos sobre muanis e condicionados a lealdades partidárias. Fortemente
mácues realçam a sua condição de exclusão conotados com a oposição, muitos muanis
dos empregos. Trata-se de uma representação sentem-se excluídos do acesso ao emprego:
largamente partilhada por todos os grupos, mas
que foi mais incisiva nas auto-representações • “Isto, desde o período colonial, existia, os
destes grupos etnolinguísticos. Particularmente mwanis e os mácués; para eles, trabalhar, não
no distrito de Mocímboa da Praia, o acesso ao era a melhor escolha; acordavam de manhã
emprego é estruturador de uma notória tensão iam para o mar pescar, para que, quando
entre muanis e macondes: regressar com 4 peixes, lhe concheguem; é
o tipo de trabalho que tinham visto como
• “se fores no município, encontras macuas melhor; agora, de estar a trabalhar durante
em maior número; se formos as Águas ou 30 dias, sentiam muita demora, é isso.
Electricidade de Moçambique, se existe um E, outra coisa que fez com que os muanis
muani deve ser um servente” (Muani de Mo- e mácués estivessem atrás, é porque eles
címboa da Praia, masculino). colocavam nas cabeças deles a escola como
haramo; se fores à escola, irás comer carne
• “O mwani sempre tem de ser um emprega- de porco” (Maconde de Mocímboa da Praia,
do e o maconde chefe” (Muani de Mocím- masculino).
boa da Praia).
• “em nós há um problema, não aceitamos
A exclusão profissional de muanis e mácues do ser mandados; sairmos aqui para uma loja,

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pedir emprego, não queremos” (Muani de cios ou na exploração dos recursos naturais em
Mocímboa da Praia, feminino). Moçambique.

• “Os mais pobres… costumamos a ver este A população maconde é fortemente associa-
grupo que tem ódio de nós macondes; são da à obtenção de benefícios do Estado. O forte
vistos como os mais pobres porque perdem envolvimento deste grupo na luta de libertação
conhecimentos; então, eles seguem coisas nacional, como militares e como civis no apoio
de malandrice” (Maconde de Muidumbe, aos guerrilheiros, traduziu-se na clara sobre-re-
masculino, 75 anos) presentação de populações macondes entre os
beneficiários de subsídio de antigo combatente.
• “Existem muanis que trabalham no gover- Entre os macondes, tende-se a destacar, com na-
no, mas só consegues emprego quando te turalidade, o mérito desse apoio, justificando-o
associas ao partido. Por exemplo, existe um pela participação alargada deste grupo na luta
professor, chamado Chembone, ele entrou de libertação nacional, sofrendo ferimentos de
na Frelimo; existe também Sama, entrou na guerra, em sacrifício da juventude e do percurso
Frelimo, mas são muanis” (Muani de Mocím- escolar. Ainda que com menos frequência, justi-
boa da Praia, masculino, 65 anos). fica-se essa atribuição de subsídios a indivíduos
macondes pela respectiva capacidade de gestão
financeira:

Acesso a apoios do Estado • “O governo sentou e pensou e disse:


essa gente fizeram bom trabalho, se
Por acesso a apoios do Estado entende-se o deixássemos os colonos, até agora não
benefício de fundos públicos relacionados com haveria desenvolvimento. Já que lutámos
pensões (como, por exemplo, de antigo comba- com eles, então, o governo disse: vamos
tente), subsídios, informação extensionista, em- ajudar essa agente, porque fizemo-los ficar
préstimos a fundo perdido ou habitação. atrasados, não conseguiram estudar (…) daí
que pensaram ajudar-nos com as pensões”
De acordo com os discursos dos entrevistados, (Maconde de Muidumbe, feminino).
a desigualdade de acesso a estes recursos públi-
cos constitui um assunto extremamente sensível. • “Os que recebem mais apoio do governo]
Para as vozes em análise, a distribuição destes são os macondes: porque eles trabalharam
recursos não beneficia os diferentes grupos por muito no tempo de guerra colonial. Os
igual, destacando-se, neste aspecto, dois grupos deficientes são dados ajuda pelo defeito
populacionais: os estrangeiros e a população que possuem” (Maconde de Muidumbe,
maconde. Trata-se de uma posição praticamente feminino, camponês, 40 anos).
consensual entre todos os entrevistados, inde-
pendentemente do grupo de origem, inclusive Já entre muanis e macuas, os discursos enfatizam a
entre os próprios macondes. desproporcionalidade e exagerada concentração
dos apoios públicos (atribuição de pensões,
A situação de privilégio dos cidadãos estrangei- subsídios, tractores, terrenos, bolsas de estudo
ros é justificada pelo alegado apoio público que ou vagas em estabelecimentos de ensino) a
obtêm na implementação dos respectivos negó- macondes em prejuízo das restantes populações.

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As vozes mais críticas salientam o alegado carácter Nos distritos do Norte de Cabo Delgado, o
prepotente e abusivo de apoderamento de processo de atribuição de pensão de antigo
recursos em Cabo Delgado, fomentador de uma combatente (da libertação nacional ou da defesa
cultura dependentista entre macondes, que não da soberania e democracia) é submetido e
os orienta para o trabalho, mas para a exibição tramitado através a Associação dos Combatentes
consumista. Frequentemente, os discursos da Luta de Libertação Nacional (ACLIN). Nascida
referem a politização deste processo, resultante no seio da Frelimo, a ACLIN mantém com o
da estreita relação deste grupo etnolinguístico partido uma relação umbilical, com capacidade de
com a Frelimo, com a qual se confunde e, por influência nas decisões do partido e envolvendo-
inerência, com o Governo de Moçambique. Os se activamente nas campanhas eleitorais. Pelo
relatos revelam que este processo não deixa de seu papel activo durante a luta de libertação,
estar envolto em fenómenos de oportunismo e os membros mais proeminentes da ACLIN são,
de práticas de pagamento de subornos: invariavelmente, macondes. Neste contexto,
nos distritos do Norte de Cabo Delgado, a
• “Eles acham que é tudo deles, porque o par- ACLIN é confundida com o partido Frelimo, e
tido é deles. O partido Frelimo é que está com os próprios macondes, contribuindo para a
no poder, já que está no poder e são eles politização e etnicização do acesso às pensões de
que mantêm a Frelimo, desde que a Frelimo antigo combatente.
existiu. Nunca foi nomeado um secretário
muani aqui em Mocímboa. Fazem isso para Inversamente, macuas e muanis constituem
ninguém entre e, já que sabem que o parti- os grupos mais conotados com a exclusão
do é que tem poder para pressionar o gover- de benefícios públicos. Trata-se de discursos
no,(…) eles nunca vão entregar o seu parti- veiculados, sobretudo, pelos próprios, deixando
do para alguém. Um dia vocês vão chegar transparecer fortes sentimentos de exclusão
aqui e encontrarão todos os muanis mortos” social. Estes discursos assumem, essencialmente,
(Muani de Mocímboa da Praia, 29 anos). duas dimensões. Por um lado, afirmam a sua
participação na luta anticolonial, não reconhecida
• “são os macondes que têm apoios de subsídios pelo Estado. Os discursos alegam uma tendência
que usam para comprar carros fora do país, de reinterpretação da história com base nos
que usam para estudar, nas universidades interesses de grupos dominantes macondes e
aqui em Cabo Delgado, são aceites filhos em respectivo benefício. Nesta perspectiva, os
de macondes dos antigos combatentes” macondes tendem a atribuir a si o monopólio
(Macua de Montepuez, masculino, 12ª da resistência anticolonial, que capitalizam para
classe, empregado doméstico, 33 anos). obtenção de subsídios públicos:

• “Agora, começar a contar aldeias, aqui em • “Dizer que eles libertaram, nós não negamos;
Cabo Delgado, a casa coberta de chapa de mas não libertaram sozinhos. Não libertaram
zinco é de maconde, macua sempre a casa sozinhos” (Muani de Mocímboa da Praia,
dele é pau e capim, mas maconde constrói masculino, camponês).
com capim, a cobertura é de chapa de zin-
co; isso quer dizer que que recebe pensão “ • “Nos gabinetes, como quem fica, são eles;
(Macua de Mocímboa da Praia, masculino, então, o dinheiro dá os seus familiares,
58 anos). aquela é minha etnia e os macuas continuam

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sempre pobres” (Macua de Mocímboa da do partido e, é por isso, que eu disse que
Praia, feminino, 57 anos). nós trabalhamos e, se não trabalharmos,
o governo não vai nos apoiar. Não temos
Em segundo lugar, e particularmente no distrito alguém para nos defender, já que não temos
de Mocímboa da Praia – distrito onde a Renamo alguém no governo” (Muani de Mocímboa
detém forte popularidade e onde as eleições ten- da Praia).
dem a ser mais concorridas –, a exclusão de aces-
so ao subsídio de antigo combatente é justificada • “Existem [os] que conseguem alguma coisa,
por aspectos políticos. Os discursos alegam que mas nos apertam, porque, no governo da
a exclusão deriva do facto de os subsídios serem Frelimo, filho de muani não dão espaço, não
atribuídos em função de critérios de confiança lhe dão espaço para que faça algo que lhe
partidária. Tendencialmente associados à Rena- sirva no futuro” (Muani de Mocímboa da
mo, muitos muanis consideram-se, por isso, ex- Praia, masculino, 65 anos).
cluídos de fundos públicos. As vozes enfatizam
um sentimento de abandono pelo Estado, alega- • “Eu mesmo, estou a tratar documentos para
damente capturado por macondes e pelo partido receber pensão de combatente, mas não me
Frelimo. Estruturados de uma forma dicotómica e deixam submeter porque sou da Renamo”
simplista, alguns discursos imaginam a existência (Muani de Mocímboa da Praia, masculino,
de um complô constituído por macondes para camponês).
dominar muanis:
• “Nós não recebemos pensões, porque
• “para oferecer alguma coisa não existe, nas somos do partido Renamo, não recebemos;
pensões dos combatentes ninguém irá nos eu nasci cá, sou filha daqui, em Mocímboa,
inscrever, porque nós, para ter acesso as mas não recebo” (Muani de Mocímboa da
pensões dos combatentes, um problema Praia, feminino).
sério. Basta tu seres muani, te exigem cartão

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UMA BASE SOCIAL DE APOIO?

A literatura existente (Habibe et al., 2019) e as dumbe existem relatos de adesão de jovens locais
entrevistas realizadas a moradores de Mocímboa cristãos a movimentos violentos.
da Praia permitem constatar que, entre a base
social de recrutamento para o grupo dos Se as zonas de maioria islâmica e com maior
Al-Shabab (como é localmente conhecido) presença muani começaram por constituir as
destacava-se uma forte presença de jovens locais zonas iniciais de intervenção, onde continuam
muanis, oriundos de Mocímboa da Praia ou de a gozar de uma base social de apoio, com a
distritos vizinhos. Como mostra o mapa dos diversificação dos membros deste grupo, assistiu-
ataques na província de Cabo Delgado, compilado se a um alargamento das zonas de intervenção
pela Zitamar News, durante o primeiro ano do na província. Diversos relatos revelam que, nos
conflito, os ataques concentraram-se, sobretudo, ataques a Mocímboa da Praia e Muidumbe, os
em zonas da costa dos distritos de Mocímboa insurgentes não foram particularmente violentos
da Praia, de Palma (Olumbe) e de Macomia com as populações, distribuindo dinheiro e
(Mucojo e Quiterajo), áreas predominantemente bens pelas mesmas. Numa clara tentativa de
islâmicas e muani. Durante este período, o grupo capitalização do respectivo descontentamento e
demonstrou dificuldades de realização de ataques alargamento de uma base social de apoio, estes
no planalto da província (maioritariamente homens canalizavam os seus discursos contra um
cristão e maconde). A partir de finais de 2018, o Estado capturado, corrupto e não distribuidor.
grupo revela maior capacidade de actuação em Em vídeos colocados a circular e em mensagens
zonas do interior, particularmente em Pundanhar partilhadas pelos insurgentes, alguns discursos
(posto administrativo de Palma), e no distrito de direccionavam-se contra o Governo da Frelimo e
Nangade. contra o seu presidente maconde, constituindo
os símbolos do Estado (administração do distrito,
Ao longo do primeiro semestre de 2020, direcções distritais, esquadras da polícia, assim
assistiu-se a uma intensificação dos ataques dos como veículos), os principais alvos da destruição.
insurgentes, ocupando durante vários dias sedes
distritais, como Mocímboa da Praia, Muidumbe,
Quissanga e Macomia.

Inicialmente, o grupo de insurgentes era maiori-


tariamente composto por indivíduos tanzanianos
e moçambicanos da costa, mas, mais recente-
mente, foram também identificados indivíduos
macondes entre as respectivas fileiras. Relatos de
indivíduos, que estiveram retidos em campos de
insurgentes armados ou testemunhas oculares
de ataques em Mocímboa da Praia e Muidum-
be referem a existência de insurgentes armados
falando entre si em maconde. No distrito de Mui

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Mapa 1: Incidentes militares em Cabo Delgado de Outubro de 2017 a Novembro de 2019

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CONCLUSÃO

Apesar de ser conhecida pela convivência histórica e macuas, os discursos tendem a enfatizar o
de diversos grupos etnolinguísticos, a província privilégio dos primeiros no acesso a subsídios do
de Cabo Delgado é também caracterizada Estado. Os discursos de muanis, mas também de
pela existência de tensões de longa duração macuas, tendem a enfatizar o carácter politizado
entre populações. Os discursos das populações da atribuição de pensões e subsídios do Estado,
destacam a existência de desigualdades no acesso sobreconcentrados entre elementos macondes,
a recursos de poder, sendo essas diferenças localmente confundidos com o partido Frelimo.
frequentemente interpretadas por referência a As desigualdades económicas confundem-se,
pressupostos étnicos, ainda que com variações nos discursos, não só com diferenças políticas,
geográficas. mas também com diferenças religiosas, opondo,
de um lado, um grupo de macondes (cristãos e
No extremo Norte da província, nas áreas de membros da Frelimo) e, do outro, populações
implementação da indústria de gás, a tensão muanis e macuas da costa, maioritariamente
concentra-se, não só no acesso a empregos e islâmicos e tendencialmente da oposição.
rendimentos, mas também no acesso a benefícios
e indemnizações resultantes dos grandes Para além de enfatizarem as desigualdades
projectos. No primeiro caso, os discursos revelam entre macuas e macondes (particularmente no
sentimentos de discriminação e de desvantagem acesso a subsídios do Estado), em Montepuez,
para com cidadãos estrangeiros ou oriundos do um distrito fortemente marcado pelas dinâmicas
Sul do país (vulgo maputecos), considerados da mineração artesanal, os discursos tendem a
como privilegiados no acesso aos melhores postos salientar as desigualdades entre moçambicanos e
de trabalho em detrimentos das populações estrangeiros (africanos e de outros continentes),
da província. No segundo caso, e residente no processo de controlo da exploração de rubis.
nas zonas de exploração do gás, a população
mácué tende a ser representada como a grande Apesar de o planalto maconde se destacar ligei-
beneficiária dos processos de reassentamento e ramente do resto da província em alguns indica-
de obtenção de compensações, particularmente dores de bem-estar (como cobertura do telhado
os respectivos líderes comunitários, que se com chapa de zinco ou acesso a telemóvel), os
afirmam como gatekeepers entre o exterior dados do censo de 2017 não mostram a existên-
e a população local. Neste caso particular, os cia de um grupo etnolinguístico que se destaque
discursos de auto-exclusão são maioritariamente claramente dos restantes pelas suas condições
proferidos por macondes, por comparação com socioeconómicas. A excepção surge no acesso
o grupo mácué, entendido como “originário” a recursos públicos (particularmente pensões
do distrito, com acesso aos maiores terrenos e de antigo combatente), largamente concentra-
possibilidade de os colocar no mercado. das nas áreas de maior população maconde. Por
outro lado, um grupo relativamente restrito de
No distrito de Mocímboa da Praia, e em algumas famílias macondes, mas sociavelmente visível,
zonas de Macomia e de Palma, particularmente demonstra uma grande capacidade de influência
em locais de coexistência entre macondes, muanis política (quer a nível central, quer a nível provin-

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cial) nos mais variados aspectos da realidade de agravando tensões sociais. Esta situação faz res-
Cabo Delgado, detendo um forte poder de in- surgir tensões históricas entre populações do li-
fluência até ao nível da localidade, obtendo por toral e do interior, frequentemente confundidas
isso melhor facilidade no acesso a recursos natu- como muanis e macondes, mas também como
rais (particularmente madeira ou pedras precio- islâmicos e cristãos, e, por vezes, como Frelimo e
sas, entre outros). Renamo. As desigualdades de acesso a recursos
públicos constituem um obstáculo à construção
Nesta situação, tendem a emergir discursos, da unidade nacional.
segundo os quais, o acesso aos recursos públicos
estão étnica e politicamente condicionados, Por outro lado, a corrupção e o nepotismo que se
favorecendo grupos macondes, maioritariamente desenvolvem em torno do Estado, a consequente
cristãos e simpatizantes do partido Frelimo. Este fragilidade dos serviços públicos, o sentimento
fenómeno tende a ser gerador de sentimentos de de fragilidade democrática e de ausência de
inveja, de repulsa e de vitimização por parte de liberdade de expressão, ou as dificuldades de
indivíduos oriundos de outros grupos linguísticos, acesso à justiça, aumentam o sentimento de
sobretudo muanis, mas também macuas. marginalização de grupos da costa, tornando-
os, comparativamente, mais vulneráveis a
A chegada ao poder do presidente Filipe Nyusi aderir a movimentos com discursos fortemente
coincidiu como uma nova postura governamental, identitários, populistas e messiânicos. A realidade
mais incisiva na fiscalização e controlo dos recursos é que foi precisamente entre populações islâmicas
naturais, nomeadamente através da repressão de da costa, em áreas de ressentimentos históricos,
mineiros ilegais em Montepuez, da Operação que movimentos radicais islâmicos encontraram
Tronco ou da queima de marfim, em prejuízo de as suas bases de recrutamento para fins violentos
extensas redes locais, que operavam à margem e radicais.
da legalidade. A acção brutal de forças do Estado
na protecção de interesses económicos privados Importa referir que a manipulação dessas
participados por proeminentes indivíduos contradições locais para fins políticos, em
macondes (nomeadamente a Montepuez Ruby função dos interesses de grupos em confronto,
Mining) foi localmente entendida, em diversos não constitui uma prática recente. O Estado
círculos, como uma oportunidade deste grupo colonial explorou habilmente as contradições
etnolinguístico para se apropriar dos recursos do históricas entre populações da costa e do
Estado para benefício próprio, em prejuízo dos planalto, tendo a questão religiosa alimentado
restantes grupos na província. contradições no próprio seio da Frelimo. No pós-
independência, a Renamo explorou habilmente
Se os esforços de construção de uma moçam- o descontentamento dos muçulmanos da costa
bicanidade assentaram na ideia de resistência em relação à postura profundamente laica da
nacional e multissecular à exploração colonial, a Frelimo, sendo que, ainda durante o governo
realidade é que a desintegração económica do de Samora Machel, o Conselho Islâmico de
território (observável através da maior proximi- Moçambique não deixou de realizar uma
dade socioeconómica com a Tanzânia) e a desi- aproximação estratégica à Frelimo. Após o Acordo
gualdade de acesso a recursos do Estado entre Geral de Paz, os diferentes partidos políticos
grupos etnolinguísticos contradizem um discur- mantiveram-se conscientes da importância
so inclusivo de resistência nacional anticolonial, de uma aliança com o Islão, como aliás com

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outras congregações religiosas. As tentativas de tência de uma forte hierarquização social no seio
coaptação destes movimentos religiosos nunca deste grupo etnolinguístico.
assumiram um sentido unidireccional, tendo
as várias congregações investido em alianças Neste cenário, é preciso aprofundar o entendi-
estratégicas com o poder (Macagno, 2006: 227; mento das tensões socio-económicas existentes
Morier-Genoud (2010). no Norte do país, não só no nordeste de Cabo
Delgado, mas também em áreas socio-econó-
Não obstante a presença de tensões e conflitua- micamente similares, marcadas por um longo
lidades étnicas, importa evitar qualquer com- historial de desintegração e de sentimentos de
preensão simplista da conflitualidade em Cabo discriminação socio-económica, nomeadamente
Delgado assente na existência de um pólo de na faixa litoral Norte, até ao norte da Zambézia,
contradição etno-religioso: entre muanis e ma- assim como diversas zonas de Niassa.
condes ou entre islâmicos e cristãos. Se é ver-
dade que foi entre a população muani da costa Uma atenção especial deve ser prestada à situa-
que se encontrou uma importante base social de ção social de uma juventude em waithood. Nos
recrutamento, importa atender a outros aspec- locais de grande investimento em recursos natu-
tos que tornam aquela situação particularmente rais e de criação de grandes expectativas sociais,
complexa: a existência de massas de jovens mais escolariza-
dos, mas sem integração socioeconómica, ainda
Em primeiro lugar, longe de ter constituído um por cima, numa sociedade de consumo emer-
fenómeno de agressão a indivíduos de outros gente, torna-as particularmente vulneráveis a ac-
grupos etno-religiosos, os jovens insurgentes re- tividades ilícitas ou violentas, ou capturáveis por
voltam-se no seio de grupos islâmicos, portanto discursos populistas radicais.
no âmbito de cisões e disputas internas de poder
dentro do Islão. A longo prazo, uma solução meramente militar
contra a insurgência não resolverá problemas
Em segundo lugar, os relatos no terreno re- de desintegracão e desigualdades socioeconó-
velam a existência de um crescente número de mica no Norte do país. Responder às expectati-
jovens macondes entre as fileiras dos grupos re- vas de emprego, de servicos públicos de quali-
beldes. dade e de melhorias reais na vida da população
jovem fazem parte do leque de intervenções
Em terceiro lugar, o próprio grupo maconde é sustentáveis de anti-insurgência, que incluem,
historicamente bastante fragmentado. Se é ver- ainda, a revisão de narrativas da resistência an-
dade que milhares de famílias macondes têm ticolonial e da inclusão política dos diferentes
acesso privilegiado a uma série de fundos do grupos etnolinguísticos.
Estado, os dados existentes mostram que esse
grupo constitui uma minoria, existindo milhares
macondes excluídos desse acesso. Em Muidum-
be, durante a campanha eleitoral para as eleições
legislativas de 2019, constatou-se um maior en-
volvimento de jovens em caravanas de partidos
da oposição, cenário que seria impensável há uns
10 anos atrás. Estes elementos ilustram a exis-

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Séries FES sobre Paz e Segurança em África No. 39

Sobre a série Paz e Segurança em Africa da FES


A falta de segurança é um dos principais obstácu- social, Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) visa reforçar a
los ao desenvolvimento e democracia em África. A relação entre a democracia e a politica de seguran-
existência de conflitos violentos prolongados, bem ça. FES facilita, portanto, o diálogo político sobre as
como uma falta de prestação de contas do setor ameaças de segurança e as suas respostas nacio-
da segurança em vários países põem em causa a nais, regionais e continentais. As séries FES sobre
cooperação no domínio da política de segurança. paz e segurança em África visam contribuir para
A emergência da Arquitetura Africana para a Paz este dialogo ao tornar largamente acessível uma
e Segurança fornece o quadro institucional para análise pertinente. A série é publicada pela Rede
promover a paz e a segurança. Enquanto fundação FES sobre a Política de Segurança em África.
política engajada para os valores da democracia

Sobre este Estudo


Desde finais de 2017, a província de Cabo Delga- çambique, enquanto importante corredor energé-
do, no extremo Norte de Moçambique, transfor- tico e de tráfico de droga.
mou-se num palco de violentos conflitos armados. Nesta contribuição para a Security Series, João Fei-
Se nos primeiros meses o conflito se traduziu em jó enfatiza a importância das assimetrias socioe-
ações isoladas de insurgentes e esteve confinado conómicas para explicar as tensões militares em
às zonas da costa, a partir de 2020 assistiu-se a Cabo Delgado. O autor argumenta, que a desi-
uma alarmante intensificação da violência, à ocu- gualdade do acesso a empregos, a rendimentos, a
pação de quatro sedes distritais e ao alastramento benefícios e indemnizações contradiz um discurso
dos ataques para o Sul e interior da província. Na de integração económica e de unidade nacional.
tentativa de explicação da insurgência emergiram A recente reconfiguração de relações de poder en-
diversas hipóteses. Uns focando em factores in- tre grupos etnolinguísticos e a maior afirmação do
ternos, nomeadamente tensões socioeconómicas Estado no controlo de recursos naturais reforça di-
e, outros, em aspectos externos, como o relacio- visões históricas e a alienação duma juventude em
namento com células terroristas da África Oriental waithood. Uma mudança do rumo decidirá sobre
ou com o controlo geopolítico do Canal de Mo- o sucesso da luta contra a insurgência.

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