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A dúbia exclusão de jovens do interior uma parte da população economicamente ativa de uma

região migra para uma outra, se seus salários e/ou suas


Grazielle Betina Brandt chances e condições de trabalho forem melhores do que na
Sílvio Marcus de Souza Correa região de origem (Han 2000, p.173). Mas o aumento da
oferta de mão-de-obra interfere nos salários e nas condições
Para quem trabalha com o desenvolvimento local e empregatícias existentes e pode tornar uma região menos
regional no Brasil, o êxodo rural é um tema freqüente nos atraente. Assim, uma região pode ter a evasão de mão-de-
debates e acusa, geralmente, o esvaziamento em certas obra estancada se os atrativos (pull factors) diminuírem
comunidades rurais de seus jovens. Embora a intensidade alhures ou se ela ter seus próprios atrativos incrementados.
dos fluxos migratórios tenha uma relação com a economia Trata-se da função de equilíbrio da migração da força de
das localidades rurais, a migração de jovens do interior não trabalho em termos de mercado inter-regional.
se reduz às desigualdades de chances entre o meio rural e o Diferente desta dinâmica cíclica do labor-force
urbano. A exclusão dos jovens do interior não é apenas um adjustement model, o modelo centro-periferia da migração
problema de ordem estrutural. Trata-se também de uma acusa a desigual realidade política e econômica inter-regional
questão cultural atrelada à lógica da ocupação e transmissão como responsável pela manutenção ou aumento das
fundiária e à sua organização sócio-econômica (Brumer et al. disparidades regionais. Para Ghosh (1996, p.83), a evasão
2002). de força de trabalho de regiões estagnadas influencia
A atual exclusão de jovens do interior tem a acumulação negativamente o seu desenvolvimento econômico e suas
flexível (Harvey, 1992) como contexto. Trata-se igualmente perspectivas. A concentração do capital humano em certas
de um desdobramento de difícil diagnóstico da “privatização” áreas de uma região pode não apenas provocar um
de certos territórios (Reboratti, 2002) com implicações no desequilíbrio intra-regional, mas também inter-regional. Se o
presente e no futuro dos jovens do meio rural. Os desenvolvimento de certas localidades ocorre em detrimento
desdobramentos do processo de desenvolvimento regional de outras vizinhas, a tendência para uma migração,
“globalizado” em certos territórios têm sido alvo de geralmente caracterizada pelo flight from land, aumenta.
pesquisas em diversas áreas como a economia (Graziano da Isso porque os indivíduos potencialmente migrantes
Silva, 1994), a geografia (Etges, 2001) e a sociologia procuram localidades que possam corresponder às suas
(Brumer et al., 2002). expectativas pessoais e/ou profissionais. Trata-se da
A literatura especializada revela que a exclusão social do convergência entre suas ambições pessoais e representações
jovem na hinterlândia brasileira também difere conforme a construídas e/ou adquiridas sobre o lugar de destino. As
matriz histórica de cada região e está ligada às representações, no entanto, são construções individuais e
transformações territoriais contemporâneas que “globalizam” coletivas oriundas de diversas informações sobre chances de
algumas regiões em detrimento de outras. Neste contexto de ocupação no mercado de trabalho e custos com mudança, de
desigualdade regional pode-se analisar o fenômeno da moradia e de vida.
exclusão dos jovens do interior através do modelo de Mas mesmo em regiões “globalizadas”, com economias
ajustamento da oferta e da procura de trabalho (labor-force agro-exportadoras e de modernos pacotes tecnológicos, a
adjustement model) entre regiões. Conforme este modelo, exclusão dos jovens se apresenta igualmente. Resta saber se
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o atual êxodo rural, principalmente de jovens, acusa uma social dos fumicultores através do impacto do programa “o
nova forma de organização sócio-econômica do meio rural na futuro é agora”. 1
qual o monopólio tecnológico das empresas agro-
exportadoras contribui significativamente para a exclusão Tradição e modernidade na fumicultura
destes jovens. Estes “excluídos do interior” tentam cumprir
na cidade com o seu destino prometeico de se apoderar A região do Vale do Rio Pardo apresenta a maior área de
daqueles conhecimentos e de um modo de vida que não lhes cultivo de fumo no Estado do Rio Grande do Sul com cerca
foram acessíveis no meio rural. Assim, a emigração da de 60% da sua produção destinada à exportação. 2 Além do
hinterlândia não estaria ligada apenas à procura de uma grande envolvimento da sua área e população agrícola com a
melhor ocupação, mas também de um outro modo de vida fumicultura, em três cidades (Santa Cruz do Sul, Vera Cruz e
(Roy, 1992). Venâncio Aires) estão concentradas algumas das principais
A migração de jovens do interior tem sido estudada em empresas multinacionais onde ocorrem o beneficiamento,
países setentrionais de grande extensão geográfica como o armazenamento e comercialização do fumo. Assim, a cadeia
Canadá (Roy, 1992; Camiré et al., 1994; Cote, 1997; produtiva da agroindústria fumageira na região envolve
Gauthier, 1997). Também em países sul-americanos com trabalhadores rurais e urbanos interligando igualmente este
diferentes extensões territoriais e diversos modos de mercado (regional) com os mercados nacional e
ocupação como Paraguai (Spindola, 2002), Chile (Donoso, internacional.
2002), Uruguai (Romero, 2002), Argentina (Nuñez, 2002) e Embora sem drástica alteração na estrutura minifundiária
Brasil (Brumer et al., 2002), estudos recentes têm e no regime de trabalho familiar, a interferência empresarial
contribuído para compreender os impasses enfrentados pela na fumicultura desarticulou algumas tradicionais formas
juventude rural. cooperativas de trabalho ao tratar isoladamente com os
A partir do contexto latino-americano, elegemos como produtores. Os fumicultores contam hoje apenas com dois
estudo de caso a região da fumicultura no Brasil meridional tipos tradicionais de mão-de-obra: os familiares
para, através de uma análise secundária dos dados do (recrutamento interno) e os Knechter (recrutamento
Instituto Souza Cruz, buscar compreender a percepção de externo), geralmente, provenientes da vizinhança. Em
exclusão/inclusão dos jovens rurais. Acreditamos que a ambos os casos, a população juvenil é a mais recrutada. No
decisão de migrar seja um processo racional que não ocorre caso do recrutamento interno, porém, os jovens ocupam
subitamente, mas sim de forma gradual em que vários
fatores interferem desde aqueles intrafamiliares como 1
O programa “o futuro é agora” é um investimento na área social que se
aqueles externos à família. Desse modo, nossa análise visa caracteriza pela ação em conjunto de entidades representativas das
apontar para latentes descontentamentos dos jovens de indústrias e dos produtores de fumo (Sindifumo e Afubra).
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Com base no Anuário Brasileiro do Fumo (2001:10), o Estado do Rio
famílias fumicultoras do Brasil meridional que podem Grande do Sul aparece como o maior produtor de fumo no Brasil. Dados do
contribuir para a decisão de migrar e, por conseguinte, de Sindicato da Indústria do Fumo (SINDIFUMO) apontam a fumicultura
(auto-) exclusão do interior. No que concerne à exclusão presente em 680 municípios dos Estados meridionais do Rio Grande do Sul,
dos jovens de famílias fumicultoras, pretendemos igualmente Santa Catarina e Paraná. Ela é uma atividade econômica que envolve cerca
de 150 mil famílias de pequenos agricultores, garantindo a ocupação de
avaliar a interferência das multinacionais na reprodução mais de 750 mil pessoas no meio rural.

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certas funções que variam conforme o gênero. Em geral, as a falta desse conhecimento empírico pode redundar numa
meninas ocupam funções domésticas que permitem liberar (in)voluntária urbanidade.
as mulheres adultas (mãe, tia, avó) para o plantio, colheita, Mas se o flight from land era freqüentemente analisado
triagem ou secagem do fumo. Já os meninos ocupam sob uma ótica mecanicista, na qual o meio rural apresentava
funções diretas na fumicultura. Preferencialmente são uma série de push factors enquanto o meio urbano pull
também meninos os que se recrutam externamente quando factors à migração, sabe-se hoje que as cidades apresentam
necessário. suas hordas de favelados, muitos deles “excluídos do
Apesar dessas relações de trabalho tradicionais e da interior”. A exclusão não é um apanágio da hinterlândia.
existência de uma associação nacional dos fumicultores Então, como compreender a intermitente emigração de
(Afubra), as modernas formas contratuais vigentes entre jovens rurais frente às agruras urbanas?
produtores e empresas contribuem para uma desarticulação No século XX, o êxodo rural teve sua lógica vinculada à
dos produtores enquanto grupo sócio-profissional e, por modernização do Brasil que – através do binômio da
conseguinte, para uma perda de autonomia.3 urbanização/industrialização – havia promovido uma grande
Exemplo da perda de autonomia é a intervenção recente migração interna. Atualmente ela é impelida não somente
das empresas fumageiras na erradicação do trabalho infantil pela força da tradição, mas também pela modernização
através do programa “o futuro é agora” que pode servir de presente no meio rural. Se a modernização urbana havia
catalisador da exclusão de jovens do interior. Ao contrário do atraído parcelas da população rural, hoje é a modernização
que preconizam os organizadores do programa, a da agricultura, especialmente exportadora, que expulsa
erradicação do trabalho infanto-juvenil na fumicultura acaba aqueles alienados das novas tecnologias ou lhes impõe
por impedir o aprendizado dos jovens agricultores pela via relações de trabalho subalternas (Gnaccarini, 1993). A
tradicional, comprometendo mesmo a reprodução social dos modernização conservadora do campo não favoreceu a
fumicultores. democratização da agricultura seja no que se refere ao
Não se trata aqui, obviamente, de defender o trabalho acesso à propriedade ou às novas tecnologias e maquinários.
infanto-juvenil, mas de conjeturar sobre a exclusão imediata Agricultores sem condições de competir no mercado do
dos jovens do processo produtivo e a exclusão longo prazo agrobusiness tendem a buscar novas ocupações profissionais
que pode representar a obstrução de sua formação não-agrícolas que implicam em pluriatividade (Graziano da
tradicional enquanto agricultor. Para aqueles que, durante Silva, 1999) e, em muitos casos, na migração para a cidade
sua juventude, não foram a campo aprender a faina agrícola, ou a continuar sua agricultura tradicional e defasada
tecnologicamente que lhe condiciona não mais que a
subsistência.
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Além do gap tecnológico e da falta de condições para um
Nas últimas décadas do século XX, as análises de viés marxista (Etges
1991, Vogt 1997, Silveira 1997) acentuaram a perda de autonomia dos
desenvolvimento rural sustentável, outras limitações
fumicultores e os desdobramentos sócio-espaciais para a região do Vale do objetivas do meio rural (sucessão fundiária ou parcelamento
Rio Pardo. A partir do approach de Wallerstein para análise econômica do da propriedade familiar etc) comprometem o devir
sistema mundial, Zündorf (1998) demonstrou com acuidade as relações profissional dos jovens agricultores que deixam, muitas
interorganizacionais entre países periféricos e centrais envolvidos com a
economia internacional do fumo.
vezes, a pobreza rural pela urbana.

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Deve-se destacar, no entanto, uma dicotomia equivocada pode ser observada na tabela abaixo estruturada a partir da
que se tem para a representação do urbano e do rural e que caracterização antagônica para sociedades tradicionais e
está presente não apenas no imaginário juvenil (LeBlanc, modernas de Lepsius (1977).
2000), mas também nas próprias origens do pensamento
sociológico (Martins, 2001). Desde Marx houve uma Dimensão Sociedade Sociedade moderna
preferência pelas transformações sociais no meio urbano. tradicional
Marx não poupou críticas à peasant culture tal como na Estrutura social Homogênea Heterogênea
ruidosa expressão Idiotismus des Landlebens. Atualmente, Controle social Direto Indireto
há duas visões antagônicas sobre o rural em que uma Sistema Consistente Inconsistente
(Veiga, 2000; Martins, 2001) acusa essa antevisão marxiana normativo
equivocada sobre a urbanização do campo, enquanto outra a Recrutamento Atribuído Adquirido
defende (Graziano da Silva, 1999; Soto, 2002). Como Inovações Poucas Muitas
ressaltou Schrader (2001, p.31), cientistas sociais a serviço técnicas
de uma política de desenvolvimento associaram a peasant Setor econômico Agrário Industrial
culture a atitudes apáticas, recalcitrantes às inovações e Ocupação Rural Urbana
conservadoras. Martins (2001, p.07) sentencia, por seu espacial
turno, a sociologia rural por ter se deixado seduzir pelo Forma social Comunitária Societária
engodo da promissora modernização econômica enquanto
Participação Baixa Alta
antecâmara da modernização social e do bem estar das política
populações rurais ou ruralizadas.
Comunicação Pessoal Impessoal
Tendo a modernidade como paradigma e explicitada no
Direta c/ intermediação
binômio da urbanização/industrialização, a representação do
meio rural foi, em geral, antagônica do meio urbano. Como
Como já ressaltou Oliven (1988, p.30-31), a teoria da
acusa Martins (2001, p.06), “o mundo rural tornou-se objeto
modernização visou justificar o desenvolvimento de certas
de estudo e de interesses dos sociólogos rurais pelo „lado
sociedades (=modernas) e o subdesenvolvimento de outras
negativo‟, por aquilo que parecia incongruente com as
(=tradicionais) tendo as diferenças culturais como
fantasias da modernidade. Não por aquilo que as populações
responsáveis pelas suas diferenças econômicas e sociais.
rurais eram e, sim, por aquilo que os sociólogos gostariam
Esse dualismo (tradição/modernidade) corresponderia à
que elas fossem”.
mesma lógica do binômio Gemeinschaft/Gesellschaft de
A partir dessa visão dicotômica entre o rural e o urbano,
Tönnies ou do continuum rural-urbano de Redfield que
o primeiro foi visto como tradicional e o segundo como
redundou numa compreensão do mundo rural e agrícola
moderno. A cultura urbana seria dinâmica, criativa e
como antípoda do urbano. Tal dicotomia enquanto forma de
inovadora enquanto a peasant culture se apresentaria como
etnocentrismo ocidental foi primorosamente analisada por
estática, repetitiva e conservadora. A cultura urbana estaria
Hauser (1975). Assim, algumas instituições, como a escola,
associada à escrita enquanto aquela campônia à tradição
foram vistas como apanágios urbanos. Dessa forma, o
oral. A representação dicotômica entre o rural e o urbano

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incremento das redes de comunicação, ensino e transporte como principal push factor de sua (auto-) exclusão do
no meio rural foi visto equivocadamente como “urbanização” interior o mal-estar provido pela modernização do rural e
do rural. Isso não significa dizer que não há uma influência, pela tradição da peasant culture. Com base nos dados do
às vezes avassaladora, da globalização sobre a chamada Instituto Souza Cruz relativos ao censo realizado em 2000
peasant culture. pela Vox Populi, 52% dos jovens entrevistados (filhos de
Sob o manto da globalização, a escolarização e o fumicultores) responderam que – se pudessem escolher –
aprendizado de novas técnicas pelos jovens do interior sairiam do campo. Em relação ao gosto pela atividade rural,
tendem a ser conditio sine qua non para sua inserção no a tabela abaixo demonstra uma percepção diferenciada entre
mercado de trabalho. No caso da fumicultura, significa que produtores rurais e seus filhos.
as técnicas tradicionais transmitidas pelo pai se tornam
desfavoráveis frente à competitividade do setor agro- O quanto gosta Filhos de Produtores rurais
exportador, o qual tem-se uma avançada tecnologia. da atividade produtores
A desautorização dos conhecimentos empíricos dos pais pelo rural?
know-how de técnicos agrícolas tem contribuído para acirrar Muito/demais 29,2% 61,5%
o conflito intergeracional no meio rural e, por conseguinte, a Mais ou menos 45,9% 28,6%
crise da peasant culture. Tal conflito e crise colocam em Nada/pouco 24,7% 9,7%
xeque o próprio poder anteriormente atribuído ao Não respondeu 0,2% 0,2%
proprietário rural, pois como observou Dahrendorf (1959, Total 100% 100%
17), o poder do proprietário rural não se baseava no fato de
ter ele dinheiro, terra ou prestígio, mas no fato de ser ele um Um dos motivos para a distinta percepção da
proprietário rural como seus ancestrais o haviam sido desde atividade rural entre gerações e da forte tendência a migrar
tempos imemoriais. por parte dos jovens da hinterlândia é a sua escolarização
No que tange aos fumicultores do Brasil meridional, superior aquela dos pais. Embora a juventude rural
suas estratégias de reprodução social e sua imobilidade apresente uma curta trajetória escolar, esta já lhe incita
social se defrontam com a atual interferência das maiores aspirações em relação à geração anterior,
multinacionais na erradicação do trabalho infantil e juvenil. principalmente no que concerne à mobilidade social. A
Para os jovens, além do conflito entre o tradicional e o mobilidade social implica, muitas vezes, numa mobilidade
moderno que a erradicação do trabalho infantil e juvenil espacial, ou seja, migrar para a cidade. Para os jovens
representa, tem-se ainda uma singularidade, ou seja, o entrevistados, no entanto, a questão do trabalho, seja no
acirramento do complexo de castração simbólica que meio rural ou urbano, se mostrou como indubitável via de
representa a atuação dos técnicos. Submetidos não apenas à inclusão. Em relação ao trabalho de menores de 16 anos, a
tradicional autoridade paterna, mas também a uma moderna tabela abaixo mostra que – mesmo tendo uma postura
tecnocracia alienígena, os jovens têm poucas chances de diferenciada daquela dos pais – os jovens manifestam uma
autonomia no meio rural. tímida tendência em prol da erradicação do trabalho infanto-
Mais do que melhores chances de emprego ou aspiração de juvenil.
ascensão social, os jovens impelidos para as cidades têm

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Favorabilidade ao Filhos de Produtores rurais A inclusão social através do trabalho


trabalho de produtores
menores de 16 Se para um jovem urbano a evasão escolar, em geral,
anos redunda na exclusão social, para um jovem do meio rural é a
Desfavorável 23,2% 17,4% negação de certas atividades domésticas que pode
Indiferente 49,4% 40,7% comprometer sua inclusão social. A partir dos dados já
Favorável 27,4% 41,9% referidos, percebe-se que o trabalho de menores é, no
Total 100% 100% contexto da peasant culture, uma forma de prevenção contra
a exclusão social porque o jovem “apreende uma profissão”,
“ajuda no orçamento familiar”, “não fica ocioso” e “cria
Ainda em relação ao trabalho infantil, a tabela abaixo responsabilidade”.
demonstra que os jovens a percebem de forma distinta Mas uma campanha em prol da erradicação do
conforme a faixa etária. trabalho infanto-juvenil tem destaque na mídia da sociedade
hodierna. Este movimento tem como principais porta-vozes a
Favorabilidade Filhos de produtores Total OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a UNICEF
ao trabalho (Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da
infantil Criança). A intenção primordial é proteger e promover os
Desfavorável Indiferente Favorável direitos de todas as crianças, especialmente o direito à
< 12 anos 38,1% 51,6% 10,3% 100% educação gratuita e de qualidade, deixando as crianças livres
13 a 16 anos 10,9% 58,7% 30,4% 100% da exploração econômica e de qualquer trabalho que
> 16 anos 3,7% 33,8% 62,5% 100% prejudique seu desenvolvimento físico, espiritual, mental,
moral ou social.
No discurso destas entidades, as crianças são
Ainda com base nos dados do Instituto Souza Cruz, a percebidas como sujeitos de direitos, que precisam ser
impressão sobre o trabalho infantil dos entrevistados respeitados em sua condição peculiar de pessoas em
(produtores rurais e filhos) acusa uma maior indiferença desenvolvimento e que devem, para isto obter prioridade
entre os jovens (66,7%) do que entre os adultos (58,7%). absoluta, sendo a eliminação do trabalho infantil condição
Tal indiferença pode demonstrar talvez uma outra noção de fundamental para a garantia destes direitos. Contudo,
trabalho na propriedade rural, ao menos entre famílias conforme mostra o estudo de Siqueira (1999), a própria OIT
fumicultoras, que teria uma dimensão social importante para reconhece o trabalho infantil como sendo um tema de difícil
a inclusão de menores de 16 anos não apenas na família, compreensão, pois nem todas as sociedades utilizam os
mas na comunidade a qual pertence. mesmos critérios para interagir sobre o problema. Da mesma
forma, percebe-se que não existe uma distinção conceitual
clara entre o que venha a ser “trabalho infantil” em relação à
“exploração infantil”. Sob este prisma, percebemos que o
trabalho de crianças constitui-se numa escala que vai desde

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trabalhos leves e casuais até a completa exploração destas e tempos do trabalho. A ponderação de Hillesheim pode
crianças. também ser endossada pelos dados da tabela abaixo:
No polêmico debate sobre o trabalho infantil e juvenil, tem-
se uma florescência da produção acadêmica brasileira a
partir da década de 90 (Ferreira 2001). Segundo Rizzini
(1996, p.35), desde a última década há no Brasil um Aspecto lúdico do trabalho na Filhos de produtores
confronto de posturas entre aqueles que acreditam na propriedade rural
precocidade da formação profissional educando a criança Nada divertido 10,6%
pelo e para o trabalho e dos que defendem radicalmente o Pouco divertido 17,2%
fim do trabalho infantil. Mais ou menos divertido 40,3%
Na região do Vale do Rio Pardo, uma parca produção Divertido 24,8%
acadêmica local sobre o tema (Silva 2000; Hoelzel 2000) Muito divertido 6,4%
provou que a erradicação do trabalho infantil é ainda uma Não respondeu/não sabe 0,6%
utopia. Os poucos artigos (Cadoná 2001, Hillesheim, 2001) Total 100%
apresentam, por seu turno, divergências. Fruto de pesquisa Base: 83,9% do total de filhos de produtores responderam a esta
de caráter regional e realizada com crianças trabalhadoras questão.
nas lavouras de fumo, Cadoná (2001) enfoca o trabalho
infantil enquanto necessidade inerente ao processo produtivo Conforme Hillesheim (2001, p.116), o trabalho é
desenvolvido pelas famílias. Afirma ainda que as crianças considerado a partir de uma instância formativa e de
compartilham com os pais as preocupações relativas à solidariedade. Assim, o trabalho infantil e juvenil na
produção e, por isso, sua condição infantil é tolhida pela sua fumicultura deve ser analisado por um viés sócio-cultural da
condição precocemente „adulta‟, uma vez que seu tempo de estrutura social camponesa destas famílias. Como salienta
ser criança é envolvido pelo tempo de ser adulto através da Martins (1997, p.62), “o primado do trabalho é, na verdade,
atividade produtiva e do compromisso com o trabalho. Sua o primado da família. O trabalho reproduz a família na
visão dicotômica e impregnada de valores burgueses, no medida em que assegura a ampliação da propriedade na
sentido etimológico do termo, elimina uma componente extensão de sobrevivência de todos os seus membros. É
importante da peasant culture que é a própria função assegurando a existência da propriedade que o pai de família
sociológica do trabalho, através da qual todos os indivíduos, cumpre o seu dever de garantir aos filhos a terra suficiente
de acordo com sua faixa etária e gênero, participam e para que possam, por sua vez, constituir família”.
interagem com o grupo a qual pertencem. Já Hillesheim Uma limitação da literatura local é, no entanto, o
(2001) mostra que, apesar das intensas campanhas de emprego de um approach teórico prêt-à-porter sem
erradicação do trabalho infantil, o trabalho parece ser algo comprovação empírica e cuja inconsistência se verifica ao
“incorporado” pelas crianças. Desta forma, as crianças cotejá-la com a literatura internacional (Cadima, 1995;
encaram o trabalho como uma prática educativa, pois o Zeiher, 1996; LeBlanc, 2000 Hengst, 2002), principalmente
brincar acontece, em muitas situações, nos mesmos espaços das últimas décadas, pois diversas publicações internacionais
acusam um novo paradigma no estudo da infância. Entre

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elas, destacam-se as publicações de Allison James e Alan como gênero e faixa etária e que coloca as crianças e os
Prout (1990) e Jens Qvortrup (1994). jovens em relações de interdependência com o grupo, a
Frente à exploração e às nefastas conseqüências de escolarização é um processo de acumulação de capital
certos trabalhos infantil e juvenil, a literatura internacional cultural sem necessário atrelamento com o grupo familiar.
confunde, no entanto, diversos labores desempenhados por Em muitos casos, a escolarização pode representar uma
jovens e crianças. No Brasil, muitos trabalhos, especialmente futura emancipação do jovem frente ao grupo familiar,
domésticos, foram envolvidos no turbilhão de acusações, principalmente através de uma nova inserção ocupacional no
geralmente, baseadas no estatuto dos direitos da criança e mercado de trabalho. Cabe lembrar que, no meio rural, a
do adolescente em vigor há poucos anos no país. Sem muita capacidade laboral de um jovem é considerada um
distinção entre labores que seguem uma lógica de importante vetor de reconhecimento que lhe permite
reprodução social familiar e outros que danificam física e acumular um capital social para além das relações familiares,
psicologicamente a criança, o discurso pela erradicação do isto é, a vizinhança e toda a sua comunidade rural. Por isso,
trabalho infantil tem enfatizado a necessidade de garantir à o fato de ser um bom aluno não basta para uma criança ou
formação escolar básica para as crianças. Porém, a um jovem no meio rural adquirir reconhecimento. Há de
erradicação do trabalho infantil na fumicultura, imposta cumprir satisfatoriamente com as demais expectativas frente
através de um contrato pelas empresas aos seus aos papéis que lhes são atribuídos pelas relações sociais que
fumicultores, não trás consigo alternativas para crianças e caracterizam a agricultura familiar. Através da pesquisa
jovens, uma vez que já foi constatada uma falta de realizada pela Vox Populi (2000) se percebe o predomínio de
condições objetivas (estabelecimentos de ensino, meios de uma orientação coletiva do labor infanto-juvenil.
transporte etc.) para a continuidade da formação escolar,
especialmente de ensino médio, no meio rural Por que uma criança vai trabalhar de Filhos de
(Brandt/Correa, 2002). vontade própria produtores
Cabe destacar que a questão do trabalho infantil na Para ocupar o tempo livre 16,3%
cadeia produtiva da fumicultura pode estar associada com a Seguir o exemplo dos pais 17,1%
preparação para um futuro profissional. Atrelando a lógica da Interesse de aprender a trabalhar 17,5%
sucessão fundiária com a da reprodução biológica e social do Por gostar de trabalhar na roça 5,7%
grupo familiar, o agricultor tem sobre a sua prole a Para ajudar os pais 26,4%
expectativa de continuidade para a qual se faz necessário o Para ter seu próprio dinheiro 0,8%
conhecimento da faina agrícola. Assim, a criança se prepara Para não ficar em casa sozinho 0%
e se qualifica para o trabalho já no interior do núcleo Outros 0%
familiar, cuja residência é ao mesmo tempo local de trabalho
Não sabe 16,3%
tal como na tradicional Bauerhof. Ao ser incluída numa Base: 41,3% do total de entrevistados que foram trabalhar por
dinâmica doméstica de atividades laborais, se atribui à vontade própria.
criança e/ou ao jovem um lugar junto ao grupo familiar que
tem a ver com a orientação coletiva no meio rural. Ao A tabela acima permite inferir uma dimensão social ao
contrário da divisão familiar do trabalho, regida por critérios labor infanto-juvenil na qual tem lugar uma relação

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econômica com os pais permeada por valores e elevados de alfabetização. Para Santa Cruz do Sul, Kipper
comportamentos de socialização como, por exemplo, ocupar (1979) demonstrou como a própria população colonial
o tempo livre, seguir o exemplo dos pais, interesse de buscou atender a demanda escolar através da auto-gestão
aprender a trabalhar e por gostar da roça. Estes fatores de instituições criadas pela própria comunidade local.
reunidos mostram um percentual de 56,6% e revelam a Estudar e trabalhar são atividades compatíveis no meio
dimensão social que envolve o trabalho infanto-juvenil na colonial; aliás, trata-se de uma tendência nacional. Segundo
fumicultura. Pastore e Silva (2000:12), “os brasileiros começam a
Mas a simultaneidade entre estudo e trabalho não é trabalhar muito cedo. Entretanto, o trabalho não é obstáculo
um apanágio dos jovens do interior do Brasil meridional, para uma boa parcela de jovens continuarem seus estudos.
embora Rizzini (1996, p. 51) tenha observado que as taxas Os dados de 1996 mostraram que a maioria dos estudantes
de atividade ocupacional mais elevadas de crianças e do ensino médio conciliou trabalho com estudo durante o
adolescentes encontram-se no Sul do país, uma das regiões curso (60%). No período noturno, essa proporção chegou a
que apresenta as melhores condições de vida no país. 72%”. Levison (1993, 88) também afirma que no Brasil
Conforme análise dos dados do PNAD de 1990 o fato de boa meridional, as taxas de emprego e freqüência escolar são
parte das crianças e adolescentes entre 10-17 anos elevadas, além de ser menor a defasagem série/escola. O
trabalharem no Sul não interfere na sua escolarização, se trabalho, contudo, não é o motivo mais alegado para
comparando às demais regiões do país. No Sul, cuja justificar a interrupção dos estudos. Para ele, o sistema de
população, no geral, tem melhores condições de vida do que ensino é um dos motivos que levam os menores a
a média nacional, o trabalho infantil e juvenil parece estar interromper seus estudos, seja por problemas ligados a rede
mais condicionado a fatores culturais do que pela pobreza. escolar, “a escola era longe”, “não tinha escola”, “não tinha
Não significa, contudo, minimizar a relação entre o ingresso vaga”, e, principalmente, por situações ligadas à própria
precoce no mercado de trabalho e a situação de pobreza de estrutura de ensino, no que se refere a organização,
muitas crianças e adolescentes como mostrou Alvin (1996). conteúdo e a didática”.
Ainda sobre o universo valórico dos agricultores, No caso específico da região da fumicultura, a maior
Martins (1993) apontou para as singularidades da infância no demanda pelo trabalho infanto-juvenil ocorre nos meses de
meio rural. Ao estudar um grupo de agricultores gaúchos, na férias escolares; assim, a evasão escolar no meio rural tem
sua maioria de origem alemã e italiana, o sociólogo percebeu muito pouco a ver com a fumicultura. Os dados do censo
que a migração para o Mato Grosso não foi suficiente para elaborado pelo Instituto Vox Populi (2000), também
corroer o seu capital cultural que basicamente está permitem inferir que a baixa escolaridade e a evasão escolar
fundamentado no trabalho e na família. Sabe-se, no entanto, estão ligadas a uma deficitária infra-estrutura escolar no
que no meio rural, especialmente onde houve colonização meio rural. Percebe-se que a falta de escola próxima, de
alemã, o trabalho infantil se caracteriza pela sua condição maior oferta de séries pela escola mais próxima, de
extra-classe, sendo a escolarização uma prioridade histórica transporte escolar e de vagas na escola são responsáveis por
da comunidade teuto-brasileira. 37,5% dos motivos apontados para não freqüentar ou
Desde a sua fase pioneira, a área de colonização continuar a freqüentar a escola. A falta de interesse dos pais
alemã no Rio Grande do Sul sempre apresentou índices foi responsável apenas por 3,7% e a necessidade de

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trabalhar (não necessariamente na fumicultura) por 16% dos Portanto, se na cidade a escolarização serve de
casos. indicador da capacidade de trabalho do jovem e lhe permite
Considerando o percentual da freqüência do uma melhor inserção no mercado de trabalho, no meio rural
cumprimento de todas as séries oferecidas pela instituição de a inclusão social do jovem se dá principalmente pelo
ensino mais próxima enquanto motivo para não freqüentar reconhecimento de sua capacidade de trabalho cujo
(mais) a escola e tendo como variável de controle a faixa indicador é também o conhecimento acumulado, porém de
etária das crianças e jovens em idade escolar, percebe-se forma informal e não escolar. Jovens ociosos são,
que a interrupção dos estudos é maior entre os geralmente, excluídos de suas respectivas famílias e
adolescentes. Dos jovens entre 14 e 15 anos, 8,5% comunidades rurais ou então estigmatizados o que pode ter
declararam já ter cursado todas as séries oferecidas pela diversos desdobramentos de exclusão através de recusas
escola mais próxima. Esse percentual sobe para 10,7% entre (empregatícia, matrimonial, de herança etc.) pelo próprio
os adolescentes de 16 a 17 anos e para 23,1% para jovens ingroup. Cabe lembrar que o excluído não é necessariamente
de 18 anos. Estes índices permitem inferir que as causas da aquele que se encontra em situação de carência material,
curta trajetória escolar da população rural são várias. Entre mas pode ser aquele que não é reconhecido como sujeito
elas, destaca-se a falta de escolas de ensino fundamental [trabalhador], sendo assim estigmatizado por uma
completo e médio in loco. Em termos de mobilidade social, determinada comunidade (Nascimento, 1994).
Pastore e Silva (2000:09) comprovaram que a educação foi a
estratégia mais empregada pelos jovens urbanos para O futuro é agora, a exclusão se faz hoje
ingressar nos postos de trabalho do mercado formal. Já no
meio rural, uma vez cursadas as séries oferecidas pela A campanha contra o trabalho infanto-juvenil na
escola local, os jovens tendem a seguir o seu “destino fumicultura surgiu sob as tempestivas campanhas
social”. Trata-se aqui do peso da herança social para a (i) antitabagistas e na vaga dos protestos contra as formas de
mobilidade intergeracional. trabalho compulsório no mundo contemporâneo, dos quais
Pastore e Silva (2000:55) observaram que, entre os as principais vítimas são crianças, mulheres e minorias
trabalhadores rurais no Brasil, 90% têm sua origem no étnicas. A Junta de Curadores do Fundo Voluntário das
mesmo estrato sócio-ocupacional. No caso do Vale do Rio Nações Unidas Contra as Formas Contemporâneas de
Pardo, a limitada oferta escolar no meio rural e a iminência Escravidão (Board of Trustees of the UN Voluntary Fund on
de laborar, acabam por ratificar o “destino social” de muitos the Contemporany Forms of Slavery) e o movimento
jovens. Outros migram para a cidade na busca de uma Antislavery International estimam a população atual de
alternativa à sina campesina. A emigração de jovens acaba “escravos” em 200 milhões. Segundo Martins (2001:08),
desativando a vida social, econômica e cultural no meio rural essa população é vitimada pela decomposição do mundo
e excluindo do interior, geralmente, aqueles mais capazes, rural que resultou de intervenções de “engenharia social”
cuja escolaridade – embora superior à média local – costuma modernizadora.
ser mínima ou mesmo insuficiente frente ao mercado de Nesse contexto, as empresas fumageiras buscam
trabalho urbano. Por isso, a exclusão do interior não garante minimizar o desgaste de sua imagem com investimentos na
ao jovem uma inclusão urbana. área social. A recente campanha pela erradicação do

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trabalho infanto-juvenil na fumicultura surgiu dessa O trabalho infanto-juvenil na fumicultura é, portanto,


preocupação em preservar a imagem dessas empresas como para muitas famílias uma forma de aprendizagem
também em evitar possíveis boicotes internacionais ao fumo profissional. A unidade produtiva da agricultura familiar não
brasileiro. Paradoxalmente, a organização econômica deixa de ser uma unidade produtiva de saberes tradicionais e
baseada no regime familiar e no minifúndio, caracterizada distintos daqueles ensinados na escola. Atividades escolares
pela policultura, e que permitiu durante mais de um século o e domésticas são complementares na Bildung de crianças em
baixo custo da produção do fumo e a sobrevivência das comunidades rurais teuto-brasileiras. Erradicar o trabalho
famílias de agricultores, agora é vista como ameaça à cadeia infantil da forma como se propõe, isto é, antecipando o
produtiva fumageira e à imagem desse complexo. futuro é, em outras palavras, fazer hodierna a exclusão dos
Apesar desse programa se mostrar em prol da jovens.
escolarização da população rural, cabe destacar o grande
equívoco da orientação etnocêntrica e dicotômica do mesmo. A percepção da exclusão/inclusão
Tal orientação se revela no entendimento conceitual de
certas palavras como trabalho e escolarização que não têm A dubiedade da exclusão do interior se evidencia ao
necessariamente a mesma correlação no meio rural e se estudar o perfil do jovem emigrante. Percebe-se que, em
urbano. A educação formal (=escolar) no meio urbano é feita geral, são aqueles mais aptos, isto é, com uma escolarização
muitas vezes sem uma práxis. Já no meio rural, o leque de superior a média no meio rural, que abandonam o campo
opções profissionais é mais reduzido e sua aprendizagem é (Abramovay 19??). Significa que quanto mais completa a
quase imprescindível de uma práxis. Assim, o jovem escolarização, mais o jovem tem sua expectativa frente ao
agricultor aprende sua profissão basicamente de forma futuro aumentada. Futuro esse que não se vislumbra na
hereditária, isto é, através do exercício da faina agrícola reprodução social e sim na mobilidade espacial e social, isto
junto ao seu pai que aprendera a atividade agrícola da é, migração para onde as chances parecem promissoras.
mesma forma. A análise secundária dos dados do Instituto Souza
Com a introdução do programa “o futuro é agora”, ao Cruz permite inferir que a dicotomia entre o rural e o urbano
fumicultor lhe é atribuído a responsabilidade de erradicar o ainda está presente no jovem brasileiro tal como no jovem
trabalho infantil na sua propriedade. Tal programa visa, canadense (LeBlanc 2000) apesar das eventuais diferenças
através das chamadas “ações de conscientização”, que os entre as realidades regionais (rural e urbana).
fumicultores incorporem os valores da campanha contra as Com base nos dados já referidos, o elevado
formas de trabalho infantil. O dispositivo cultural do percentual (52%) de jovens potencialmente migrantes
fumicultor passa a ser determinado por circunstâncias permite inferir uma percepção do seu milieu social e
relativas às interações globais entre instituições como a OIT geográfico como uma zona precária ou de exclusão (Castels
e a UNICEF. O legado cultural e social da população rural fica 1996). A tabela abaixo demonstra a percepção dos jovens e
suscetível às manobras empresariais, elaboradas e dos adultos frente ao futuro.
determinadas por causas múltiplas, resultando em conflitos
simbólicos movidos por descontentamentos culturais, sociais
e econômicos.

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subempregos de alta rotatividade. A precariedade desta zona


Como será o Filhos de Produtores imprime nos jovens um sentimento de incerteza que pode
futuro do lugar produtores ser traduzido num sentimento de exclusão independente da
onde vive? sua geografia (rural ou urbana).
Vai piorar 11,9% 21,7%
Vai ficar como 37,0% 29,1% Considerações finais
está
Vai melhorar 39,2% 34,8% A questão da exclusão vem suscitando controvérsias,
Não sabe 11,9% 14,5% principalmente, devido à sua intransparência teórica. Sob o
100% 100% termo “excluído” se entende, geralmente, quem está fora do
mercado de trabalho e sem condições de competir e
Mas não basta apenas perceber a zona de exclusão ou consumir. No meio urbano, percebe-se que muitos deles
a zona de precariedade onde se encontra, mas ter condições formam um grupo que poderíamos chamar dos “excluídos”
subjetivas e objetivas para migrar. Sabe-se, contudo, que do interior. Trata-se daqueles com origem na hinterlândia,
aqueles otimistas frente ao futuro no meio rural tendem à mas que não encontraram uma ocupação e, por conseguinte,
permanência enquanto que os pessimistas apresentam maior um reconhecimento social nem no meio rural nem no
predisposição para migrar, especialmente quando seu capital urbano. A modernização da agricultura no país tem
cultural escolar é superior à média. Mas não seria a imprimido mudanças no meio rural. Sua alteração serviu
escolarização uma variável explicativa ao pessimismo de para estudos que retomam certos conceitos como o
certos jovens do interior?4 “rururbano” ou que sugerem um novo paradigma para o
Para os jovens do meio rural, o reconhecimento de chamado “novo rural”. Nesse sentido, a escolarização se
suas condições para o trabalho lhes garante uma inserção tornou um imperativo às populações rurais e a erradicação
preliminar que redunda numa inclusão quase automática à do trabalho infantil um cavalo-de-batalha de certas empresas
comunidade local, porém não lhes garante uma estabilidade envolvidas com a agricultura. Entre elas, destaca-se o pool
longo prazo devido às mudanças imprimidas ao meio rural de empresas ligadas à agro-indústria do fumo no Brasil
nas últimas décadas, especialmente naquelas regiões meridional.
“globalizáveis”. No meio urbano, os jovens têm diante de si A modernização imposta por essas empresas não
um mercado de trabalho maior e diversificado, porém sua significa a abolição total das práticas tradicionais. O trabalho
inserção não é facilitada pela condição urbana. A infanto-juvenil é uma práxis a qual se busca erradicar.
concorrência também é mais acirrada e a flexibilização do Presente nas pequenas famílias de agricultores inseridas na
mercado faz com que os jovens, em geral, obtenham cadeia produtiva da fumicultura no Brasil meridional, ele faz
parte de uma lógica de reprodução social. Neste sentido,
erradicar o trabalho infantil e juvenil na fumicultura é alterar
4
A forma como os dados do Instituto Souza Cruz foram disponibilizados não não apenas as relações de trabalho na fumicultura, mas,
nos permite correlacionar o pessimismo com o grau de escolaridade dos sobretudo, a própria orientação de valores dos fumicultores.
jovens entrevistados. Assim que uma série de possibilidades de análise (de
regressão, de fator etc) não teve lugar nesse estudo.

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Mas o programa “o futuro é agora”, ao buscar Referências bibliográficas


erradicar o trabalho infanto-juvenil da fumicultura sem
atentar para os seus significados social no mundo rural,
econômico na agricultura familiar e cultural na área de ALUIN, Rosilene. Le travail des enfants vu par la société
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fruto da tradição do meio rural, mas também de sua Mato Grosso do Sul e Bahia. São Paulo: Finep/Instituto de
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que pouco contribuir para a ramificação das artérias BONNET, Michel. Le travail des enfants à la lumière de Ia
democráticas no campo tão importante para a oxigenação servitude pour dettes. In: SCHLEMMER, Bernard (Dir.).
das comunidades rurais. A erradicação do trabalho de L'enfant exploité : oppression, mise au travail,
menores de 16 anos, tal como propõe o programa “o futuro é prolétarisation. Paris: Editions Karthala-ORSTOM, 1996. p.
agora”, não trás consigo alternativas inclusivas aos jovens do 251-265.
interior que carecem de condições objetivas BOURDIEU, Pierre. A exclusão do interior In: NOGUEIRA,
(estabelecimento de ensino, meios de transporte, Maria Alice/ CATANI, Afrânio (orgs.) Escritos de Educação.
professores etc) in loco para continuar seus estudos. Petrópolis: Vozes, 1998.
Conforme os próprios dados do Instituto Souza Cruz, uma BRANDT, Grazielle B. A atividade de relações públicas na
“maior valorização do produto” e “maior incentivo à produção formação e orientação de estratégias de responsabilidade
agrícola” poderiam igualmente evitar a exclusão do interior social para a construção da imagem das organizações
daqueles seus elementos mais dinâmicos, ou seja, os jovens. privadas. Santa Cruz do Sul, 2001 (monografia de conclusão
Desse modo, o aumento do ganho real com a fumicultura de curso em Comunicação Social da Universidade de Santa
poderia ser a melhor forma de liberar os braços de menores Cruz do Sul)
de 16 anos, fazendo essa prática diminuir até se tornar, onde BRUMER, Anita et alii. O futuro da juventude rural. In:
ainda prevalecer, apenas um anacronismo cultural. Caso Sustentabilidade e democratização das sociedades rurais da
contrário, ela continuará não apenas tendo validade na América Latina. VI Congresso da Associação Latino-
peasant culture como, principalmente, sentido econômico. americana de Sociologia Rural (ALASRU), Porto Alegre,
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