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Resumo: Este artigo apresenta um estudo acerca da gestão penal da pobreza agrária no
Brasil, desde a transformação urbana e industrial até a contemporaneidade. Busca-se
desvendar os impactos socialmente excludentes e penalmente includentes do rápido
processo de urbanização e industrialização ocorridos no Brasil. A hipótese é de que o
esvaziamento do campo, pari passu com a expansão das cidades, foi uma das causas do
desemprego estrutural e da formação das periferias urbanas, onde está segregada a
grande maioria marginalizada da população. Para percorrer este caminho, estuda-se
gênese da periferia, construindo uma ponte entre a exclusão do campo e a segregação
urbana. Analisa-se como o Estado – no qual se depositam esperanças de realização dos
direitos socialmente garantidos – tornou-se cada vez mais um Estado mínimo, com
mínimas obrigações. Em sequência, aborda-se o tema da gestão penal da pobreza no
Brasil por meio da dilatação da repressão direcionada aos indivíduos pobres, com
aumento estratosférico nos gastos públicos direcionados à ampliação de um corpo
policialesco. Assim, verifica-se um entrelaçamento entre questão agrária, questão
criminal e violência urbana, que perpassa pela transferência da pobreza agrária para as
cidades, pela formação das periferias urbanas e pela segregação do pobre neste local,
onde ele receberá muito pouco do Estado de Direito e perceberá a presença cotidiana do
Estado Penal.
Palavras-chave: Direito Agrário; Questão Agrária; Criminologia Crítica; Migrações
rural-urbanas; Questão Criminal.
Abstract: This article presents a study about the criminal management of agrarian
poverty in Brazil, from urban and industrial transformation to contemporaneity. It seeks
to unravel the socially exclusive and criminally inclusive impacts of the rapid
urbanization and industrialization process in Brazil. The hypothesis is that the emptying
of the countryside, pari passu with the expansion of cities, was one of the causes of
structural unemployment and the formation of urban peripheries, where the
marginalized majority of the population is segregated. To follow this path, we study the
genesis of the periphery, building a bridge between the exclusion of the countryside and
urban segregation. It is analyzed how the State - in which hopes of realizing socially
Bartira Macedo de Miranda é doutora em História da Ciência pela PUC-SP, foi docente do PPGDA
entre 2010 e 2016. Atualmente é professora e bolsista produtividade do Programa de Pós-Graduação em
Direito e Políticas Públicas, Conselheira Seccional da OAB-GO e diretora da Faculdade de Direito da
UFG.
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Nayana Guimarães Souza de Oliveira é mestre em Direito Agrário pela UFG.
Bartira Macedo de Miranda
Nayana Guimarães Souza de Oliveira
guaranteed rights are placed - has become increasingly a minimal State, with minimum
obligations. In the sequence, the subject of the criminal management of poverty in
Brazil is approached by means of the expansion of the repression directed to the poor
individuals, with a stratospheric increase in the public expenses directed to the
expansion of a police force. Thus, there is an interweaving between agrarian question,
criminal issue and urban violence, which involves the transfer of agrarian poverty to the
cities, the formation of urban peripheries and the segregation of the poor in this place,
where he will receive very little of the rule of law and will perceive the daily presence
of the Criminal State.
Keywords: Agrarian Law; Agrarian Question; Critical Criminology; Rural-urban
66 migration; Criminal Issue.
1. INTRODUÇÃO
Na segunda metade do século XX, o Brasil passou por um processo de
urbanização e industrialização aceleradas, com a transferência de um grande
contingente de pessoas para o ambiente urbano. Neste espaço temporal, as grandes
cidades foram alimentadas dia-a-dia por uma massa de gente que deixou as regiões
economicamente mais pobres do país para as zonas segregadas do espaço urbano.
A sociedade urbano-industrial no Brasil formou-se entre as décadas de 1930
e 1980, período em que ocorreram diversos movimentos migratórios, tanto do tipo
rural-rural, como do tipo rural-urbano. De 1930 a 1950, as migrações destinavam-se ao
espaço rural, de modo a atender as demandas de reorganização do setor agroexportador,
em especial com fluxos migratórios do Nordeste e norte de Minas Gerais destinados à
lavoura cafeeira no interior paulista (SILVA, 2008).
Entre 1940 e 1950, realizaram-se investimentos maciços em infraestrutura e
indústria, em virtude do grande afluxo de capital estrangeiro para o país, ocorrendo a
formação de um mercado nacional, maior integração do território, expansão do
consumo e da urbanização (SANTOS, 1993). O Sudeste, como um todo, passou a
receber grandes fluxos migratórios internos, sobretudo vindos do campo, sendo esta
migração do tipo rural-urbana, aquela que interessa, neste trabalho, para a percepção das
condições estruturais da formação da pobreza urbana.
A década de 1960 é o ponto inicial da trajetória que se procura delinear, pois
este foi o momento em que o incremento da população urbana superou o da população
rural, ocorrendo um acelerado processo de esvaziamento em massa do campo 1. É o
tempo das migrações do tipo rural-urbana em maior escala e também o início dos
grandes problemas causados pela ocupação desenfreada do espaço urbano.
objetivos ressocializantes11, mas apenas de gestão. Por estes vieses, o sistema repressivo
não faliu em seus objetivos, ele segue realizando-os.
De acordo com Wacquant, nos Estados Unidos, a crise do Estado de Bem-
Estar Social12 levou à substituição por um Estado penal e policial. No novo sistema
econômico transnacionalizado, não existe espaço para todos trabalharem, e a resposta
para isto é o encarceramento em massa. A partir do governo Reagan (1980), afirma
Wacquant que “[...] a guerra contra a pobreza foi substituída pela guerra contra os
74 pobres” (WACQUANT, 2003, p. 23-24), com a diminuição dos recursos justamente
para os programas sociais destinados à classe mais pobre, e a ampliação da malha
disciplinar do Estado (WACQUANT, 2003).
Em suma, a tese do autor é no sentido de ter sido feita uma redefinição
radical da missão do Estado, que, em vez de responsabilizar-se pela concretização dos
direitos sociais, trata destes como questão criminal, centrando a contenção da pobreza
nos recursos endereçados ao sistema criminal.
A semelhança do quadro pintado por Wacquant com o cenário brasileiro não
é mera coincidência. O Brasil não teve um real Estado de Bem-Estar Social,
diferentemente dos Estados Unidos. A urbanização, a modernização e a exclusão do
campo no Brasil ocorreram de maneira acelerada, principalmente na segunda metade do
século XX, sem que o mercado pudesse absorver o quantitativo de pessoas que
deixavam o campo. A exclusão do campo foi um fator de desemprego e de aumento da
pobreza urbana, em um país onde os direitos sociais foram pouco implementados.
Wacquant (2001) qualifica a pobreza do mundo da era pós-keynesiana como
produto não só da falta de trabalho, mas da fartura de trabalho temporário, mal pago e
também da concentração da pobreza urbana em territórios desconectados das economias
nacionais. Ele extrai tais conclusões dos estudos da banlieue francesa e do gueto
estadunidense, mas certamente podem ser aplicadas às favelas brasileiras, pois isto nada
mais é que a tradução das contradições da ordem capitalista mundial vigente, que o
Brasil integra em uma posição de país subdesenvolvido; esta é a descrição daquilo que o
autor chama da marginalidade avançada, termo que indica a marginalidade não como
oriunda do atraso, mas dos setores mais avançados da economia13.
O Brasil modernizou-se tardiamente e muito rapidamente assistiu à
expansão da metrópole, à formação de favelas e ao incremento da pobreza urbana, a
partir da transferência da pobreza rural (exclusão do campo) para o ambiente citadino.
Enquanto a Europa e os Estados Unidos sofreram tal processo ao longo de muitos anos,
o Brasil se incluiu nele rapidamente, impelido pelos arranques “progressistas” da
modernização conservadora.
O problema central de todo este processo está nas características da
estrutura socioeconômica existente, não modificada, mas perpetuada, por estes
processos de mudança, a qual (a) desestimula a permanência no campo, impelindo os
seus habitantes para as cidades, onde não encontrarão trabalho formal, pois uma das
75
características da marginalidade avançada é justamente o trabalho fragmentado, precário
e inseguro (WACQUANT, 2001, p. 167); (b) com isso, há uma transferência dos pobres
rurais para as cidades, bem como aumento das periferias e favelas, outra característica
da marginalidade avançada, qual, seja, a fixação e estigmatização territoriais
(WACQUANT, 2001, p. 168)14; (c) concentram-se cada vez mais recursos nas mãos de
poucos – como, por exemplo, nas mãos dos grandes produtores da agroindústria e dos
setores financeiros; (d) faz avançar o desemprego estrutural.
A gestão da pobreza agrária, neste contexto, se fez com o direcionamento do
pobre do campo para a cidade, sem que houvesse condições de incorporação ao
ambiente receptor, por meio do trabalho e da inclusão social, com acesso a direitos
básicos tais como à habitação digna, saúde e educação. A pobreza agrária transmudou-
se em pobreza urbana; com as migrações e a urbanização, aumentou a competitividade
pelo emprego formal, cresceram as zonas periféricas das cidades e aumentou o emprego
informal.
Para a solução do problema do crescimento da violência urbana, aposta-se
cada vez mais na penalização como forma de prevenção e contenção da criminalidade
crescente e cada vez menos na realização dos direitos sociais, ou seja, no tratamento da
insegurança social como mera insegurança física. O Estado Penal e a sua ideologia
implícita de responsabilizar os pobres por seus próprios problemas oferecem uma
desculpa para o desregramento da economia e a redução da proteção social, o que os
torna alvos mais fáceis dos processos de criminalização. É contra isto que Wacquant e a
Criminologia Crítica se posicionam, o tratamento de questões sociais não resolvidas
como questões criminais.
As teorias positivistas e de defesa social foram historicamente acolhidas no
Brasil pela elite intelectual, como consequência de um passado excludente e desigual,
que buscava justificativas para sustentar a desigualdade e a exclusão de determinados
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a origem da pobreza urbana pode ser localizada no período de
aceleramento do processo de urbanização, industrialização e exclusão do campo,
especialmente a partir da década de 1960. A zona rural acomodava, até então, grandes
contingentes populacionais que, embora não possuíssem terras (meios de produção)
tinham o seu lugar na produção, seja como parceiro, como meeiro, ou mesmo como
empregado.
REFERÊNCIAS
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conflitos no Brasil. Campinas: Editora UNICAMP, 2008.
CARDOSO, Franciele Silva. A luta e a lida: estudo do controle social do MST nos
acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária. 2012. (Tese de Doutorado em
Direito). Universidade de São Paulo, 2012.
CUNHA, Marina Silva da. Desigualdade e pobreza nos domicílios rurais e urbanos
no Brasil, 1981-2005. Revista econômica do Nordeste, vol. 40, n. 1., jan-mar. 2009.
80 Disponível em: <
https://www.bnb.gov.br/projwebren/Exec/artigoRenPDF.aspx?cd_artigo_ren=1113>.
Acesso em: 04 ago. 2017.
DEL OLMO, Rosa. A América Latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro: Editora
Revan, 2004.
FURTADO, Celso. O Brasil do Século XX. In: IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio
de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006.
LINHARES, Maria Yedda & SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Terra prometida:
uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
REIS, Carlos Nelson dos; PINHEIRO, Lessi; RIBEIRO, Letícia; OLIVEIRA, Mara.
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SANTOS, José Vicente Tavares dos. Violências e Dilemas do Controle Social nas
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Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/spp/v18n1/22221.pdf>. Consultado em: 20
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WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos.
Rio de Janeiro: F. Bastos, 2001, Revan, 2003.
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1
Entre 1940 e 1960, o aumento anual da população urbana era menor que o da população rural.
Entre 1960 e 1970, os números se aproximaram; já entre 1970 e 1980, o crescimento da
população urbana superou o da população rural (SANTOS, 1993, p. 30)
2
Foi na Era Vargas que se apresentou uma questão agrária no Brasil (LINHARES; TEIXEIRA,
1999, p. 125), pois em seu governo o campo ganhou um lugar no desenvolvimento nacional.
Até então, diante da ausência da indústria, o campo era a única possibilidade, a única “vocação”
do país. Ocorre que, neste período, o campo passou a participar do desenvolvimento nacional,
mas não houve um enfrentamento direto dos poderes das oligarquias: não se realizou a reforma
agrária, nem se estendeu aos trabalhadores rurais os direitos concedidos aos urbanos.
Propositalmente, Vargas propôs a ocupação das fronteiras no Oeste, mas evitou conflitos com
os latifúndios estabelecidos em áreas consolidadas.
3
De acordo com Moreira (2003), Kubistchek evitou tomar partido em qualquer política agrária,
ignorando a ampliação dos conflitos agrários e o crescimento dos movimentos sociais, como as
Ligas Camponesas e a politização no campo.
4
A proposta de reforma agrária que prevaleceu no seio do regime militar – dentro do qual, vale
dizer, havia divergências – foi a de modernizar o latifúndio e colonizar espaços vazios, por isso
o lançamento de vários projetos neste sentido (BUAINAIN, 2008, p. 31).
5
Segundo Delgado (2012, p. 77), houve um período de transição entre a política de
modernização conservadora do campo da era militar, em meados da década de 1980 e 1990, e a
economia do agronegócio, adotada a partir dos anos 2000. A economia do agronegócio, no
Brasil, segundo Delgado (ibidem, p. 94), “na acepção brasileira do termo é uma associação do
grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária”, que persegue o lucro e a
renda da terra “sob o patrocínio de políticas de Estado”.
6
Se na década de 1980, apesar da crise do capitalismo no mundo, ainda persistia uma tentativa
de redefinir o modelo de substituição de importações, “mantendo-se ainda um papel
fundamental para o Estado no processo de acumulação e desenvolvimento” (FILGUEIRAS,
2006, p. 181-182), a década de 1990 – governos Collor, Franco e Cardoso- foi caracterizada
pela obediência aos enunciados do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e do Banco Mundial (BM), que propugnavam um ajuste estrutural, consistente na
negociação da dívida externa, estabilização dos preços, necessidade de geração de superávits
primários, tudo isso com muitos custos sociais (REIS, et Al, 2007, p. 356)6.
7
Esta mudança na conformação do espaço e das relações entre classes foi a multireferida
“modernização conservadora”. Não se trata de um fenômeno exclusivo do Brasil, mas dos
países subdesenvolvidos em geral, com alguma ou outra peculiaridade aqui e ali, mas com
muitas similaridades (SANTOS, 1993, p. 105).
8
Conforme Silva (2008, p. 29), “a política de modernização agrícola dos governos militares (...)
contribuiu para o aumento da concentração fundiária que teve como resultado outro grande
êxodo rural, novamente em direção aos centros urbanos”.
9
A urbanização crescente nada mais representou senão uma fatalidade para um país
subdesenvolvido no qual ela ocorreu com o “aumento do desemprego, do subemprego e do
emprego mal pago e a presença de volantes nas cidades médias e nas cidades pequenas”
(SANTOS, 1993, p. 121).
10
Jaqueline Mallmann Haas e Clayton Hilling Hillig apontam que a mudança na dicotomia
rural/urbano significou a reinvenção do rural, que passa a ser marcado pela positividade, 83
afastando-se da identificação com atraso e pobreza (2009, p. 3)10.
11
Em entrevista concedida à Revista Fractal, consta maior reflexão sobre o tema. Nesta
oportunidade, Wacquant comenta sobre as ilusões ‘re” (reintegração, reeducação, reinserção),
dizendo que os presos não são integrados, portanto, não poderiam ser reintegrados
(WACQUANT, 2008)
12
Na verdade, ele diz que o Estado de Bem-Estar Social nos Estados Unidos é melhor nominado
pela terminologia Estado caritativo, já que neste país o Estado-providência na verdade é uma
versão capenga dos seus similares europeus, pois, em razão de questões históricas, “o princípio
que guia a ação pública americana na matéria não é a solidariedade, mas a compaixão; seu
objetivo não é fortalecer os laços sociais (e ainda menos reduzir as desigualdades), mas no
máximo aliviar a miséria mais gritante” (WACQUANT, 2003, p. 20)
13
Vale salientar um trecho da exposição do autor: “(...) O termo ‘avançada’ pretende indicar
que aquelas formas de marginalidade não estão em nosso passado, nem sendo absorvidas
progressivamente, seja pela expansão do ‘livre mercado’ (isto é, por meio de um
aprofundamento da mercantilização da vida social’), seja através dos braços do Estado de Bem-
estar social, porém, mais exatamente, impõem-se em nosso futuro. A menos que novas formas
de intervenção política sejam elaboradas para coibir ou redirecionar as forças estruturais que as
produzem – entre outras, o crescimento econômico concentrado e a dualização do mercado de
trabalho; a casualidade do emprego e a autonomização da economia de rua em áreas urbanas
degradadas; o desemprego em massa que conduz a uma completa desproletarização para
grandes segmentos da classe trabalhadora, especialmente entre os jovens; e políticas estatais de
contenção de gastos urbanos, quando não de total abandono – e que novos mecanismos de
medição social sejam postos em prática para reincorporar as populações excluídas, espera-se
que a marginalidade urbana continue a aumentar e a difundir-se, e, com ela, a violência de rua, a
alienação política, a desertificação organizacional e a informalização da economia que infestam
cada vez mais os bairros de excluídos das metrópoles na sociedade avançada” (WACQUANT,
2001, p. 165-166)
14
Explica Wacquant que “(...) em vez de difundir-se por todas as áreas da classe trabalhadora, a
marginalidade avançada tende a concentrar-se em territórios bem-identificados, bem-
demarcados e cada vez mais isolados, vistos por pessoas de dentro e de fora como purgatórios
sociais, infernos urbanos onde apenas o refugo da sociedade aceita habitar. Um estigma
referente ao lugar sobrepõe-se assim ao já universal estigma da pobreza e (onde aplicável) da
raça ou da origem colonial-imigrante” (2001, p. 168). Aliada à fixação e estigmatização
territoriais, ele ainda acrescenta o fator de alienação territorial, ou seja, “a dissolução do ‘lugar’,
isto é, a perda de um local com o qual as populações marginalizadas identifiquem-se e no qual
sintam-se seguras”; assim, as áreas degradadas tornam-se nada mais que “ espaços indiferentes
de mera sobrevivência e de luta” (Ibidem, p. 169)
15
Para exemplificar, citamos as discussões em torno da promulgação do Código Penal dos
Estados Unidos do Brazil (1890-1940) e do Código Penal de 1940, que refletem as concepções
difundidas na época sobre o fenômeno do crime. Quando da promulgação do Código Penal dos
Estados Unidos do Brazil, já era corrente nos meios acadêmicos a necessidade de um novo
Código Penal, mais afinado com os novos paradigmas da justiça criminal na Europa e nos
Estados Unidos. O Código de 1890 trazia valores liberais (firmados na ideia da igualdade
humana – Escola Clássica do Direito Penal), porém, tais preceitos esbarravam na extrema
desigualdade social e racial. As elites pretendiam a sua reforma justamente para incluir
dispositivos capazes de controlar determinados segmentos da população (ALVAREZ, SALLA e
SOUZA, 2003). A elite intelectual brasileira acolhia com grande interesse as então difundidas
84 concepções da criminologia positivista de Lombroso, Ferri e Garofalo, conforme explanado por
Souza, resultando em um choque entre as Escolas Penais. Estabeleceu-se uma tendência de
enxergar o Direito Penal como voltado à defesa social, em proposta ampliadas pelos discursos
médicos da Medicina Legal, da eugenia e do higienismo. Alvarez, Salla e Souza (2003)
explicam que, embora não houvesse um êxito inicial da corrente teórica positivista, que
buscavam a modificação do Código Penal de 1890, por outro lado elas triunfaram, pois durante
a sua vigência desenvolveram-se políticas públicas voltadas para a segurança, como a polícia, as
prisões e os manicômios. O Código Penal de 1940, que o sucedeu, sofreu bastante influência da
Escola Positiva italiana, o que já se podia antever, ante a Luta das Escolas decorrente da crítica
ao Código Penal de 1890.
16
Rosa Del Olmo, em seu livro “A América Latina e sua Criminologia” (2004), coloca em
relevo a existência de um ‘imperialismo científico’, mascarado sob a capa ideológica do
‘intercâmbio internacional’ em matéria de prevenção do delito e de tratamento do delinquente
(DEL OLMO, 2004, p. 78). Ela demonstra como as classes dominantes na América Latina
absorviam e aplicavam o que lhes era interessante das doutrinas estadunidenses e europeias,
com maior impacto das primeiras, assumindo a ideologia liberal e o positivismo como formas
de legitimar a dominação de classe (Ibidem, 2004, p. 164).
16
A imagem do criminoso geralmente corresponde a uma pessoa membro das classes mais
baixas da população; no entanto, não se pode deixar de perceber que muitas das violações
praticadas em face da sociedade são praticadas pelos mais ricos, como crimes tributários e
econômicos (crimes de colarinho branco.
17
A imagem do criminoso geralmente corresponde a uma pessoa membro das classes mais
baixas da população; no entanto, não se pode deixar de perceber que muitas das violações
praticadas em face da sociedade são praticadas pelos mais ricos, como crimes tributários e
econômicos (crimes de colarinho branco.
18
Neste ponto, deve-se ressaltar que, além da apropriação do espaço pelo agronegócio, ainda
existem muitas terras destinadas à especulação, ou seja, improdutivas. De todo modo, estas
terras improdutivas e destinadas à especulação imobiliária também estão nas mãos dos
interesses do capital.