Você está na página 1de 41

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA

CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CAXIAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM MEDICINA
MUNICÍPIO: CAXIAS – MA PERÍODO: 2020.1

A influência do movimento higienista no Brasil

Prof. Marcus Pierre de Carvalho Baptista

Caxias (MA), setembro de 2020.


Introdução

O que foi o movimento higienista?

Que importância teve no contexto do século XIX e XX no Brasil?

De que forma influenciou a vida dos sujeitos que viviam nesta


localidade durante estas temporalidades?

De que forma a teoria miasmática e bacteriológica se enquadram


nestas questões?
A partir de fins do século XIX e início do século XX uma nova
ideologia adentrava o Brasil focada na saúde da população e na
salubridade dos espaços.

Essa ideologia pautava-se em defender a saúde pública e garantir


uma população bem educada no tocante a novos hábitos higiênicos.

A principal ideia aqui é que o principal bem de uma nação trata-se


justamente de seu povo – Sem o povo a nação torna-se incapaz de
prosperar.
E para este povo se tornar o principal bem da nação era necessário
que fosse educação, especialmente no referente a hábitos higiênicos.

O movimento higienista valorizava, sobretudo, a saúde do coletivo.


Era esta pluralidade que o interessava, especialmente, porque
através da manutenção da saúde destes, poupava-se as elites.

Deste modo, a partir da segunda metade do século XIX e no início do


século XX, esta ideologia, vinda da Europa adentra terras brasileiras
e passa a influenciar diretamente a política e a vida social.
Mas por que essas ideias repercutem no Brasil e ganham tanta força nesta
época?

Prevalecia neste momento, especialmente na região dos trópicos, uma


perspectiva de que as sociedades que ali viviam eram atrasadas.

Esse atraso seria fruto, sobretudo, das precárias condições de vida e do


número elevado de pessoas que viviam na miséria nas cidades.

Assim, as elites viram como grande problema da nação a seguinte questão:


Como tratar esses sujeitos?
Como resolver estes problemas encarados por esses grupos abastados
enquanto vícios e ociosidades representantes de perigos para a ordem social?

É nesse contexto que os pobres passam a ser percebidos enquanto classes


perigosas.

Mas por que isto ocorre? Esta percepção resvala apenas pelos problemas que
para as elites estas classes poderiam ocasionar na manutenção da ordem
pública e do trabalho?

Ou existiriam outros motivos adjacentes?


“As classes pobres não passaram a ser vistas como classes
perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a
organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os
pobres ofereciam também perigo de contágio. Por um lado, o
próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no
imaginário político brasileiro de fins do século XIX através da
metáfora da doença contagiosa: as classes perigosas
continuaram a se reproduzir enquanto as crianças pobres
permanecessem expostas aos vícios de seus pais. Assim, na
própria discussão sobre a repressão à ociosidade, que temos
citado, a estratégia de combate ao problema é geralmente
apresentada como consistindo em duas etapas: mais
imediatamente, cabia reprimir os supostos hábitos de não-
trabalho dos adultos; a mais longo prazo, era necessário cuidar
da educação dos menores” (Chalhoub, 2006, p. 29).
Neste contexto, a cidade torna-se o espaço por excelência no
qual essa intervenção e disciplinarização dos corpos destes
sujeitos é possível de ser realizado.

Isto só seria possível a partir da higienização não apenas dos


espaços habitados por estes indivíduos, mas também de seus
corpos.

O discurso do progresso, associando uma sociedade higiênica


a uma sociedade moderna, legitima também essa prática a
partir da segunda metade do século XIX e início do século XX.
Neste contexto, a cidade torna-se o espaço por excelência no
qual essa intervenção e disciplinarização dos corpos destes
sujeitos é possível de ser realizado.

Isto só seria possível a partir da higienização não apenas dos


espaços habitados por estes indivíduos, mas também de seus
corpos.

O discurso do progresso, associando uma sociedade higiênica


a uma sociedade moderna, legitima também essa prática a
partir da segunda metade do século XIX e início do século XX.
A pobreza, então, passa a ser associada a diversas doenças que
seriam causadas pela ausência ou pouca higiene destes
indivíduos.

Isto se dava porque, geralmente, estes sujeitos habitavam locais


insalubres, o que facilitava a disseminação de enfermidades
infectocontagiosas.

Neste sentido, a medicina, enquanto conhecimento científico, vai


assumindo um papel cada vez mais importante na sociedade,
que buscava disciplinarização e ordenação destes sujeitos.
Nesses ambientes os corpos entrariam progressivamente em um
processo de degeneração, tanto fisicamente, como socialmente.

“Um exemplo comum são os cortiços e as emanações de ratos,


micróbios e contaminações perigosas do homem degenerado.
Motivo de preocupação das elites e autoridades” (SOBRINHO,
2013, p. 213).

Além disso, estes espaços também tornavam-se perigosos


porque atentavam contra a moral cristã-burguesa, principalmente
os espaços considerados lascivos.
Os prostíbulos neste contexto tornam-se espaços considerados
responsáveis pela destruição de lares, além de se localizarem
em áreas marginalizadas.

“Os cortiços representam, portanto, uma ameaça à noção de


civilidade; as greves, uma ameaça à ordem burguesa de cidade
limpa, disciplinada e livre das imundícies e de manifestações
turbulentas dos operários; a rua será objeto da disciplina devido
à ameaça à própria ordem que mantém desigualdades. As
doenças que se espalhavam pela urbe, do ponto de vista
ideológico, teriam como foco de proliferação justamente as
áreas pobres” (SOBRINHO, 2013, p. 213).
“Nesse processo, a problemática da cidade foi delineada enquanto
questão – a chamada questão urbana encontrando-se atravessada
pelos pressupostos da disciplina e da cidadania, passando a cidade a
ser reconhecida como espaço de tensões. A primeira via a focalizar a
cidade de São Paulo como uma ‘questão’ foi a higiênico-sanitarista,
conjugando o olhar médico com a observação/transformação do
engenheiro, junto a uma política de intervenção de um Estado
planejador/reformador, que procurou de todas as formas neutralizar o
espaço, dar-lhe uma qualidade universal e manipulável, mediante a
‘racionalidade e objetividade’ da ciência, que tem função-chave na sua
luta contra o ‘arcaico pela ordem e progresso’, caminhando
conjuntamente ao desejo já latente e generalizado de ‘ser moderno’,
em que a cidade aparece como sinônimo de progresso em oposição ao
campo. Conjuntamente à questão urbana, constrói-se a questão social
com o surgimento da pobreza e a identificação do outro – o pobre, o
imigrante” (MATOS, 1996, p. 133).
Nessa conjuntura a figura do médico, principalmente o médico-
sanitarista, assume um papel central.

Será através dele que as elites poderão fazer as intervenções


consideradas necessárias para manutenção da ordem e para
regulamentar a sociedade.

E, através disto, buscava-se fundar uma nova sociedade pauta


na ordem higienista com ações realizadas no sentido de evitar
epidemias, assumindo uma ideologia baseada na limpeza e
vinculando essas questões ao progresso.
Assim, no final do século XIX criava-se o Serviço Sanitário que tinha
por objetivo tratar os espaços considerados propícios para a
proliferação de doenças.

Esses sujeitos atuavam, por vezes, invadindo residências com


pulverizadores ou desinfetantes, o que, certamente, não agradava a
população mais pobre.

Essa perspectiva higienista é percebida ainda no modo como as


cidades passam a ser dispostas – As cidades brasileiras, adotando
como modelo projetos estrangeiros, passam a modernizar-se e,
nesse contexto, uma cidade moderna tratava-se de uma cidade
higiênica.
“A estética burguesa será objeto de apreciação das camadas
sociais variadas, os costumes parisienses serão difundidos
pelas camadas privilegiadas como sinal de grandiosidade e
bom gosto, em especial nas vestimentas e nas edificações. Um
padrão de moralidade burguesa predomina, se aproxima mais
do modo de vida europeu e renega o nacional como ‘atrasado
socialmente’” (SOBRINHO, 2013, p. 216). E com relação aos
pobres seria necessário manter sua “[...] mente distante dos
vícios e pensamentos que degeneram o homem e educar as
crianças pobres para o trabalho” (SOBRINHO, 2013, p. 216).
A experiência estrangeira, deste modo, teve forte influência na forma como
as cidades brasileiras remodelaram-se em fins do século XIX e início do
século XX.

“Ou seja, reside nos hábitos e experiências estrangeiras a fonte de


inspiração da nossa modernidade. E é assim que se fará o disciplinamento
e tratamento da pobreza, num modelo de cidade que nega sua identidade,
seu curso natural, sua beleza associada aos trópicos, e se privilegiam
formas que escondem a realidade social. Esse processo se verifica na
organização espacial da cidade, haja vista procurar-se, pelas construções,
deixar os rios longe do alcance da visão, canalizando-os e encobrindo-os
junto com o esgoto; além disso, aterram-se as áreas de várzea e alteram-
se os contornos dos rios na região central. Portanto, foi uma importação
mal feita de urbanização de fora” (SOBRINHO, 2013, p. 216).
“No Brasil, a modernidade sofria uma influência marcante do
ideal de civilidade europeu; porém, com as devidas adaptações,
uniria a tradição (atraso) ao urbano-moderno, este traduzido
numa postura elitista que se forma dos discursos e que tem
influência no ideal de ordem e progresso [...]” (SOBRINHO,
2013, p. 225).

Neste sentido, a experiência da modernidade torna-se


importante porque é ela que irá ditar com tratar a questão
urbana, especialmente no tocante a salubridade pública, isto é,
como higienizar estes espaços visando uma modernização das
cidades.
A pobreza vai sendo negada e à medida que as cidades
brasileiras, especialmente as capitais, como São Paulo, Rio de
Janeiro, Recife, vão modernizando-se, estes vão sendo
empurrados para as periferias e vão sendo marginalizados.

Deste modo, a insalubridade existente nos cortiços e habitações


dos mais pobres “justificam” e legitimam uma expansão do
aparelho burocrático e repressivo de fiscalização higiênica.

A partir do início do século XX os municípios tornando-se


responsáveis também pela adequação sanitária das habitações.
Os espaços privados, deste modo, especialmente os
domésticos vão sendo disciplinados – O Estado vai impondo e
normatizando a higiene destes a partir do discurso da “saúde
pública”.

“Os indivíduos que vivem na miséria e abrigados aos pares, em


cubículos escuros e respirando gases mefíticos, que exalam de
seus próprios corpos não asseados, perdem de uma vez os
princípios da moral e atiram-se cegos ao crime e ao roubo de
forma a perderem sua liberdade ou a ganharem por essa forma
meios de se alimentarem ou dormirem melhor.” (MARINS,
2006, p. 173)
“A higiene terá o sentido de limpar a cidade da pobreza e também
de cuidar de doenças como um mal que ameaça vidas e, nesse
aspecto, será explorado o discurso de que a ciência resolveria os
problemas da humanidade. A crença no progresso e no ideal
positivista de melhora na condição humana (como ideologias)
permite as condições para as transformações econômicas, políticas
e sociais do mundo urbano [...]” (SOBRINHO, 2013, p. 232).

Deste modo, o final do século XIX e início do século XX marca nas


cidades brasileiras, especialmente as capitais, a inserção desta
ideologia – A partir disso, tem-se a criação de novos bairros,
alargamento de avenidas, criação de praças, preocupação com o
esgoto e água encanada etc.
Quanto aos mais pobres estes passam a ser “empurrados” para
as margens da urbe pela nova ordem que se estabelece.

As cidades buscavam “embelezar-se” e, para tanto, era preciso


livrar-se de habitações insalubres e que não estavam
adequadas aos novos preceitos higienistas.

Cabe ressaltar ainda que tratava-se de um “embelezamento” e


“modernização” autoritários que não escapavam, por vezes, a
protestos das camadas menos abastadas, geralmente mais
afetadas por essas transformações.
Cabe ressaltar ainda as teorias que estavam em voga no decorrer do século
XIX e que influenciaram o movimento higienista e essa nova configuração
das cidades.

“As intervenções urbanas empreendidas no século XIX pelo corpo de


médicos (e também engenheiros) responsáveis pelo saneamento das
cidades no Brasil encontram sua fundamentação, como em outras partes do
mundo (e desde o final do século XVIII), na teoria miasmática. O assunto
“miasmas” era muito debatido entre os profissionais porque a palavra
traduzia quase tudo o que tinha relação com insalubridade, além de ser algo
desconhecido: acreditava-se serem os miasmas emanações nocivas
invisíveis que corrompiam o ar e atacavam o corpo humano. Os miasmas
seriam gerados pela sujeira encontrada nas cidades insalubres, e também
por gazes formados pela putrefação de cadáveres humanos e de animais“
(MASTROMAURO, 2011, p. 1)
“No Brasil, a discussão referente aos miasmas circulava não somente
entre o corpo de médico, as informações sobre seus efeitos maléficos
e as maneiras de eliminá-los chegavam também à população. A
entrada ‘Miasmas’ consta no Dicionário de Medicina Popular dirigido à
população e escrito em fins do século XIX por Napoleão Chernoviz [...]
No final do século XIX, as novas descobertas bacteriológicas
terminaram por conferir uma compreensão unicausal às doenças:
cada doença corresponde a um agente etiológico a ser combatido por
meio de vacinas e produtos químicos. A unicausalidade seria a grande
tônica do preventivismo, e nela os governos encontravam saídas
técnicas para dar conta das questões sociais através de medidas
sanitárias. Nos bastidores deste debate encontramos os adeptos das
duas teorias presentes no final do século XIX: a teoria miasmática e a
teoria bacteriológica” (MASTROMAURO, 2011, p. 1).
“Tomando a palavra em sua accepção toda, consideram-se este
titulo todas as emanações nocivas, que corrompem o ar e atacam o
corpo humano. Nada há mais obscuro do que a natureza intima dos
miasmas: conhecemos muito as causas que os originam; podemos
apreciar grande numero de seus efeitos perniciosos, e apenas
sabemos o que elles são. Submetendo-os a investigação de nossos
sentidos. Só o olfato nos pode advertir da sua presença: não nos é
dado toca-los nem vê-los. A chimica mais engenhosa perde-se na
sutileza das doses das combinações miasmáticas: de ordinário, nada
descobre no ar insalubre e mortífero que d´elles esteja infectado, e
quando consegue reconhecer n´elle uma proporção insólita, ou a
presença accidental de algum principio gazoso, não nos releva
senão uma diminulissima parte do problema [...]” (CHERNOVIZ,
1862, 1890. Grifo nosso).
“Dizemos, por conseguinte, a sua composição intima, e occupemo-nos de
suas causas, effeitos e dos meios preservativos. Os miasmas fazem parte
desse systema geral de imanações, que tem tão grande parte na natureza.
Cada ente os recebe e os transmite reciprocamente. Nesta troca continua
de elementos, operam-se as misturas, as separações, as combinações
mais variadas. Em certos casos, nascem miasmas, espécie de venenos
voláteis, invisíveis, impalpáveis, cujas fontes são felizmente conhecidas e
que podemos evitar ou destruir. As condições que favorecem os
desenvolvimentos miasmáticos estão bem determinadas. Os pântanos
offerecem-se em primeiro lugar. Ninguém ignora quanto são comuns, sobre
o globo, as moléstias, e especialmente intermitentes benignas ou
perniciosas que provem delles. Estes effluvios pantanosos, cujos insalubres
effeitos sobem pela decomposição das matérias vegetaes e animaes, são
sobretudo temíveis nos paizes quentes visto que a atividade da putrefação
está na razão direta do calor” (CHERNOVIZ, 1862, 1890. Grifo nosso).
“Emanações nocivas, pântanos, insalubridade, ar insalubre, mortífero,
infectato, decomposições de matérias vegetais e animais. Todos esses
vocabulários tentaram por definir e entender os temidos miasmas mortíferos.
Na definição acima do médico fica claro a confusão que se fazia em torno do
termo Miasma por ser uma emanação nociva, que corrompe, mas não que são
invisíveis, são mortíferos, e assim por diante, e só o olfato os reconhece ao
final. Em torno do olfato (e leia-se, também: miasmas são malcheirosos,
podres etc.) se formulou uma série de concepções a respeito das moléstias
que supostamente se originaria dessa emanações. Com a aglomeração
intensa das cidades, o aparecimento de indústrias, a intensa quantidade de
gente que se muda para habitá-la, a partir do século XVIII são elaboradas
teorias que irão orientar comportamentos coletivos e intervenções sobre a
conduta da população, quebrando a fronteira do muro da casa para penetrar
dentro dos ambientes particulares e moldar a população de acordo com regras
de higiene que se estabeleceram no período” (MASTROMAURO, 2011, p. 3).
Assim, a teoria miasmática partia do princípio da necessidade de se
higienizar os espaços públicos.

A partir disso seria possível tentar proteger o ar das emanações pútridas e


fedores que poderiam contaminá-lo.

Os miasmas poderiam ser facilmente encontrados nas multidões, nos


excrementos, nos animais em habitações insalubres, solos umedecidos,
cadáveres, hospitais, água suja etc.

A teoria indica que, caso um solo fosse tido como perigoso ou nocivo à
saúde, este deveria ser drenado a fim de torna-lo inofensivo. No caso das
ruas, estas deveriam ser pavimentadas com o intuito de facilitar a limpeza.
Era preciso, então, garantir o escoamento das águas e dos
esgotos e livrar as cidades das imundices tão presentes no
decorrer do século XVIII e século XIX.

“Assim, rebocar, forrar, pintar, caiar paredes, tetos e


madeiramentos é vestir uma couraça contra os miasmas.
Garantir a ventilação era o principal foco dos médicos
higienistas que deveriam controlar o fluxo do ar. Ventilar é
varrer as baixas camadas do ar, constranger a selvagem
circulação dos miasmas, controlar o fluxo mórbido lá onde a
natureza não pode exercer livremente sua regulagem, impedir o
aparecimento de doenças.” (MASTROMAURO, 2011, p. 3).
Nesse contexto, então, o ar e a água tornam-se potencialmente
perigosos, vetores de doenças endêmicas e epidêmicas, cabendo
aos sanitaristas o seu controle.

Essa situação, por vezes, terminava levando a população ao medo,


medo das doenças que poderiam acomete-las, bem como o fim
último decorrente: a morte.

“[...] as doenças, particularmente, as epidemias no Ocidente


provocavam o Medo nas pessoas das coisas que as cercavam, como
seus pares ou até mesmo o próprio ar que respiravam. Doentes e
defuntos tornavam-se imediatamente suspeitos” (BAPTISTA, 2018,
p. 17).
“O século XVIII foi atravessado por esse tipo de comportamento perante a
cidade: abandono, fuga, isolamento. Como as causas e a cura das
epidemias e de muitas doenças não eram ainda conhecidas, se formou toda
uma teoria sobre o que poderia causá-las, e o saber que se formou na
época era justamente em torno desses miasmas desconhecidos que seriam
nocivos à higiene pública e pessoal” (MASTROMAURO, 2011, p. 5).

“[...] a teoria miasmática [...] tinha basicamente a ideia de afastamento de


tudo o que era considerado insalubre, nocivo e desconhecido do núcleo
urbano como uma das profilaxias para evitar doenças. Os cemitérios foram
muito condenados desde o século XVIII e continuaram até meados do XX,
quando o corpo médico se mostra envolvido com a bacteriologia, mas ainda
conservando preceitos da teoria dos miasmas” (MASTROMAURO, 2011, p.
5).
Dito isso, a bacteriologia, por sua vez, surge apenas em meados do século XIX,
sendo legitimada apenas a partir da década de 1880 e, provavelmente por isto, a
teoria miasmática foi aceita durante mais tempo, orientando ações de
salubridade pública em tantos espaços.

Fundamentada a partir dos estudos sobre os microrganismos e bactérias,


embora facilmente compreendida e aceita hoje não era algo tão simples no
século XIX.

“Os estudos sobre as bactérias começaram a partir de 1850, mas só


encontraram respostas definitivas a partir de 1880, o que não significa que a
bacteriologia tenha sido rapidamente aceita e absorvida pelos médicos. Estes
ainda viam na teoria dos miasmas a explicação para as doenças – considerando
os locais insalubres como os focos das epidemias” (MASTROMAURO, 2011, p.
6).
A partir do final do século XIX, com a ampliação da teoria
bacteriológica, tem-se a instalação e criação de laboratórios e
institutos voltados para a profilaxia e erradicação de doenças
epidêmicas.

É nesta época que o Instituto Butantã, dentre outros laboratórios, são


criados no Brasil – Data desta época também o surgimento dos
primeiros códigos sanitários brasileiros.

É interessante notar também que a teoria miasmática durante algum


tempo foi aplicada juntamente com a bacteriológica – Um dos casos
mais interessantes: Desinfetório Central de São Paulo criado em 1893.
“Com elementos da teoria miasmática e da bacteriológica o Desinfetório
isolava o doente, penetrava dentro do espaço privado modificando o meio
ambiente e ao mesmo tempo, utilizava elementos químicos e estufas de
desinfecção utilizados em laboratórios bacteriológicos. Sendo assim,
Isolava o doente e o vírus que o acometia, desinfetava o meio ambiente a
fim de torná-lo são e livre dos agentes etiológicos. A desinfecção domiciliar
era realizada por um grupo de desinfetadores que se apresentava ao
domicílio do contagiado com uma série de apetrechos (materiais químicos,
roupas especiais, etc.) e geralmente era conduzido até o cômodo que se
encontrava o enfermo. Geralmente, as janelas e as portas dos quartos
eram isoladas de modo que os gases existentes no local não se
propagassem para rua, evitando assim o alastramento da doença. Muitas
vezes os doentes eram mantidos em casa, em completo isolamento, mas,
se o caso era muito grave, eram transportados pelo grupo de
desinfetadores, ao Hospital de Isolamento em carros especiais. Quando
havia remoção de cadáveres, estes eram enterrados de acordo com a
vontade da família, mas sempre seguindo regras higiênicas da época”
(MASTROMAURO, 2011, p. 7-8).
Os desinfetadores são considerados os primeiros a invadirem o
espaço privado das casas, principalmente das camadas menos
abastadas, em função de sua insalubridade.

De modo geral, as duas teorias diferenciam-se na prática da


seguinte forma: “No caso da teoria miasmática, os locais eram
rapidamente interditados, muitos deles até eliminados; por seu
lado, quando da teoria bacteriológica, identifica-se no meio
denunciado os agentes etiológicos que deverão igualmente
identificados e interditados, geralmente sob a tutela de uma
polícia especializada em assuntos sanitários“
((MASTROMAURO, 2011, p. 9).
Os desinfetadores são considerados os primeiros a invadirem o
espaço privado das casas, principalmente das camadas menos
abastadas, em função de sua insalubridade.

De modo geral, as duas teorias diferenciam-se na prática da


seguinte forma: “No caso da teoria miasmática, os locais eram
rapidamente interditados, muitos deles até eliminados; por seu
lado, quando da teoria bacteriológica, identifica-se no meio
denunciado os agentes etiológicos que deverão igualmente
identificados e interditados, geralmente sob a tutela de uma
polícia especializada em assuntos sanitários“
(MASTROMAURO, 2011, p. 9).
Exemplo – Febre amarela em 1894 em São Paulo – Relato
Secretário do Interior:

“[...] Casos espontâneos da moléstia em indivíduos que d´aqui nunca


sahiram, que não se expuzeram ao contagio de outro enfermo e, o
que é mais, manifestando-se sempre no mesmo ponto, na mesma
zona da cidade, o que faz crer que o germem infeccioso já alli existe
e que alli permanece em estado latente até que dadas condições
favoráveis elle manifesta-se por uma nova explosão. Attendendo a
isso o Governo trata do saneamento d´aquella zona que foi uma
antiga lagoa, ulteriormente aterrada com lixo e naturalmente em
condições propícias à germinação da semente morbígena, sendo de
esperar que, modificadas essas condições com as obras que alli
estão sendo realisadas, torne-se o terreno impróprio a essa
germinação, e não encontrando elementos de vida extigua-se assim,
o princípio do mal” (ALMEIDA, 1894).
Essas intervenções não ocorriam livre de tensões – O caso mais
grave dessas intervenções autoritárias e que marcou a História do
Brasil no tocante a saúde pública sendo a Revolta da Vacina.
Próxima aula: O perigo dos portos O caso do Cólera no Brasil
oitocentista
REFERÊNCIAS
MASTROMAURO, Giovana Carla. Surtos epidêmicos, teoria miasmática e teoria
bacteriológica: instrumentos de intervenção nos comportamentos dos habitantes da cidade
do século XIX e início do XX. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011,
São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2011. p. 1-14.

OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de. São Paulo e a Ideologia Higienista entre os
séculos XIX e XX: a utopia da civilidade. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p.
210-235, jan./abr. 2013.

CHALHOUB, Sidney. Cortiços. In: ______. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte
imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 15-59.

BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho; NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa. O


Inimigo vem do Mar: Cólera, Medo e Morte no Litoral Piauiense no Final do Século XIX.
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science
(UniEVANGÉLICA), v.7, n.2, p. 12-28, maio / ago. 2018.

Você também pode gostar