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Módulo I

A Gênese da Política Social


e a construção da Governança Participativa

Em nosso primeiro módulo, discutiremos a construção da Política Social ao longo da história.

Dos primórdios à consolidação da Constituição Federal de 1988, abordaremos as


transformações, retrocessos e avanços da Política Social no cenário brasileiro.

Ainda neste módulo, será elencada a relevância do Controle Social na efetivação dos direitos
sociais.

Introdução

Antes de estudarmos a Política Nacional de Assistência Social (2004) é fundamental que


possamos conhecer a construção da Política Social no cenário brasileiro.

Para isso, proponho nesse encontro, uma viagem no tempo…


I. BRASIL COLÔNIA

No período em questão, não havia por parte dos governantes, o interesse em pensar em
ações que atenuassem as mazelas sociais era mínima. Dessa forma, cabia à Igreja Católica,
através da filantropia e caridade religiosa, atender às demandas sociais que emergiam.

Sob este viés, ações de assistência social, saúde e educação eram realizadas
especialmente pela Igreja Católica. Estas ações eram na forma de asilos, orfanatos, Santas
Casas de Misericórdia e colégios católicos. Chamadas de “associações voluntárias”, estas
iniciativas eram permeadas por valores da caridade cristã, demonstrando como a noção de
filantropia, inicialmente, era ligada a preceitos da Igreja Católica

II. PRIMEIRA REPÚBLICA (SÉCULO XIX INÍCIO DO SÉCULO XX)

A transição do período colonial para o período republicano colocava em evidência as


contradições sociais existentes no Brasil.

A independência do Brasil de forma pacífica em que a classe dominante deixava


claramente todo o resto da nação de fora do processo de emancipação. (Mazzeo, 1989)1.

Sem moradia e sem emprego, ex-escravos migravam para a capital da república em


busca de uma nova vida.

 Subempregos e moradias insalubres;


 Multiplicação dos cortiços.

Junto deles, a capital do Brasil atraía ainda, imigrantes em busca de um novo recomeço, além
de migrantes que deixavam as áreas rurais, atraídos pelo processo de urbanização e a
promessa de oportunidade de trabalho na capital.

1 MAZZEO, A.C. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. São Paulo: Cortez, 1989. Capítulos
IIIII e IV, p.57-141.
Gestão Pereira Passos
(Rio de Janeiro/RJ)

O início do século XX é mercado pela gestão municipal que prometia modernizar a capital,
através de um ambicioso projeto de urbanização.

Pautado em um copioso plano urbanístico estilo parisiense, o projeto em questão previa a


construção de prédios imponentes e a construção de grandes vias. Para isso, se fazia
necessária a aplicação de uma Política Higienista que ordenava a remoção massiva de antigos
cortiços espalhados pelo centro da capital, a cidade do Rio de Janeiro.

Com o avanço dessa política, pobres que ali viviam perdiam o direito de residir nesses espaços
e deviam ficar distantes dos olhos da remodelada capital da República.

Para Piana (2009)2 este episódio remete-se a uma expressão da questão social, à medida que
vemos a expulsão dos pobres em nome da satisfação do desejo dos setores dominantes, que
respaldados em um discurso modernizador promoviam a injustiça social.

O avanço do modelo Capitalista agravava as desigualdades sociais (fome, moradias insalubres,


epidemias) em resposta às demandas sociais, o Estado promovia ações privativas e perversas:

 Revolta da Vacina- Ano de 1904


 Política do “Bota-abaixo”- medida segregadora em nome do embelezamento da
cidade do Rio de Janeiro.

Avanço da política Higienista de Oswaldo Cruz,


Diretor Geral de Saúde Pública
da gestão de Pereira Passos. Arquivo: Estadão.3

2PIANA, MC. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional [online]. São Paulo: Editora UNESP;
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009, p. 21-56.

3
Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,estadao-mostrou-disputas-politicas-que-insuflaram-
a-revolta-da-vacina,12690,0.htm. Acesso realizado em 14 de setembro de 2020.
Junto à expansão das cidades, surgiam demandas advindas de trabalhadores que
reivindicavam melhores condições de trabalho. Emergiam manifestações e o ápice, foram as
greves de 1917 e 1919. manifestações surgiam em favor do processo de trabalho.

Assim como as condições de trabalho eram preocupantes, o acesso da população


pobre à moradia, também se dava de forma precarizada

Se no primeiro momento, a favela era vista como uma alternativa plausível para manter o
trabalhador próximo do seu trabalho, sua provisoriedade, logo se fez questionada.

Nas primeiras décadas do século XX a classe dominante cobrava do Estado medidas


coercitivas que impedissem a expansão das favelas nas zonas centrais do Rio de Janeiro.

Desde então, as favelas eram vistas como epicentros da marginalidade

Em resposta a essa pressão, o Estado passou adotar uma política de remoção das favelas.
Diante do risco de remoções, surgem movimentos sociais em favor da permanência desses
espaços.

(...) perigo real que era necessário controlar. As políticas públicas relativas às
favelas durante o século XX tiveram a ambição de impor um controle social
sobre os favelados, antecipando-se e limitando o potencial político contestatório
dessa população. (Gonçalves, 2013)4

Do período colonial até a década de 1930, as demandas sociais ficavam à mercê da atuação
de instituições religiosas e das Santas Casas de Misericórdia. Exceto quando se referia ao
processo de urbanização (governo Pereira Passos) e a questão trabalhista esse período teve
um pequeno progresso consequente da mobilização da crescente classe trabalhadora
assalariada no Brasil.

4
GONÇALVES, Rafael. Soares Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: Editora Pallas PUC-
Rio, 2013.
III. BRASIL PÓS-1930

No Brasil, a expressão questão social surge tardiamente junto também com o processo de
industrialização, solidificação do setor industrial- década de 1930.

O avanço da industrialização, promovia não apenas o aumento da riqueza. Junto dela, emergia
a disparidade da distribuição de recursos e o aumento da pobreza.

Caso de polícia:

No Brasil, anterior aos anos 1930, a questão social era tratada como “caso de polícia”.

O Estado pautava sua ação em medidas coercitivas que impactaram em ações de repressão à
anarquistas estrangeiros, punição ao jogo de bicho, bota abaixo dos cortiços, ações obrigatórias
de vacinação em massa.

A partir de 1930, o Brasil passou por um processo de desenvolvimento econômico. O avanço


da industrialização exigia a consolidação de Políticas de proteção ao trabalhador- Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), de 1940, colocou os trabalhadores sob tutela do Estado e instituiu
o direito à estabilidade no emprego, férias, salário, indenização por demissões, salários
mínimos, definição da jornada de trabalho semanal, direito à saúde e à previdência.

A Política Social se fazia restrita à classe trabalhadora

Enquanto à população pobre, era pensada ações de cunho higienizador e moralizador.

CRIAÇÃO DAS PRIMEIRAS LEIS SOCIAIS (Lei Eloy -1923): refere-se à base do sistema
previdenciário brasileiro, com a criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os
empregados das empresas ferroviárias, regulação das condições sanitárias das indústrias,
assim como o trabalho de menores e mulheres.
Cidadania Regulada:
Atrelada à categoria profissional

Para o autor Wanderley Guilherme dos Santos (1979), o aparecimento de direitos sociais no
Brasil não se baseia em uma lógica de valores políticos universalistas, estes são criados para
mediar o conflito, por vezes insustentável.

SERVIÇO SOCIAL

Junto ao avanço da industrialização no cenário brasileiro e da expansão das políticas sociais,


surgia ainda, o curso de Serviço Social (1936).

Mesmo que seu surgimento se fizesse envolto à um discurso de caridade e religiosidade, na


prática, o Serviço Social nascia não necessariamente para atender os anseios do proletariado.
Emergia também em consonância aos interesses da classe dominante. Sob este viés, cabia ao
profissional de Serviço Social, garantir o controle e a ordem, ameaçadas pelas latentes
expressões da questão social.
Década de 1930: A
Igreja Católica
No ano de 1936 surge Décadas de 1940 e
oferecia uma
a primeira Escola de 1950: Serviço Social
formação específica
Serviço Social, em São brasileiro recebe
para moças de
Paulo, vinculada a influência norte-
famílias tradicionais
Igreja Católica. ( americana (Serviço
com intuito de
Influencia inglesa- Social de Caso e
exercer ações sociais
Neotomismo) Grupo)
(DAMAS DA
SOCIEDADE)

Década de 60 e 70, iniciou-se 1979: Congresso da Virada,


um movimento de renovação marco para o Serviço Social
da profissão, que buscou a no Brasil. Nesse evento, a
reatualização do profissão se tornou laica e
tradicionalismo profissional, passou a fazer parte das
assim como a ruptura com o Ciências Sociais.
conservadorismo.

IV. DITADURA MILITAR (1964/1985)

A partir de 1964 observou-se um retrocesso da dimensão democrática da cidadania brasileira.


A censura permeava o meio político, a comunicação, a arte e os movimentos sociais.

Movimentos Sociais: Resistência à Censura imposta

o Comunidades Eclesias de Base: Final de 1960 a Igreja Católica apoiava movimentos


sociais (militantes sindicais, militantes de movimentos populares), alguns membros da
Igreja Católica foram perseguidos e presos.
o Movimento Estudantil Universitário Brasileiro: Nas décadas de 1960 e 1970, o
movimento estudantil universitário brasileiro ganhava força e se tornava um importante
espaço de mobilização social.
o Movimento das Favelas: As Associações de Moradores das Favelas exerciam um
protagonismo no processo pela luta pela permanência de seus moradores e chegada
de serviços básicos. Aquelas Associações de Moradores consideradas “Subversivas”
eram monitoradas pelo Serviço Nacional de Informação e investigados sobre uma
possível relação com outros movimentos sociais.
o Comunidade LGBT: perseguida em razão não apenas política, mas também moral. O
regime militar defendia a ideia da família tradicional e religiosa.
o População Negra: também sofreu fortemente com a Ditadura, a luta pelo
reconhecimento era sufocada nesse período devido aos constantes casos de violência
cometidos pelo Regime Militar.
o Mulheres Militantes: duramente perseguidas e torturadas. Conforme relatado pela
pesquisadora Natacha Nicaise, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec),
a tortura contra mulheres militantes era acrescida por rituais de torturas exclusivas a
elas.

No final da década de 1970 com o enfraquecimento do poderio militar, observa-se o


fortalecimento da identidade de resistência e da luta pelo reconhecimento permitindo um
maior protagonismo dos movimentos sociais, bem como significativos avanços na legislação
brasileira no que tange os direitos sociais.

V. REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

Frente ao processo de Redemocratização no cenário brasileiro, observou-se o retorno das


liberdades sociais:

• Imprensa;
• manifestação política;
• expressões artísticas e culturais, opinião e
• sistema político multipartidário (no regime militar só existiam dois, ARENA e MDB).

Pensando em uma nova Constituição que permitisse a participação direta da sociedade no


processo legislativo, no ano de 1988 foi promulgada a Constituição Federal 1988:

Além de garantir em lei o direito à participação popular na elaboração, monitoramento e


avaliação das políticas sociais através da governança participativa; também delimitaria as
atribuições do Governo Federal no que tange à proteção social no Brasil.
Promulgada a Constituição Federal de 1988. Foto: Arquivo EBC 5.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:

Através da consolidação da CF 1988, observou-se a ampliação da oferta dos direitos sociais


por meio da:

 Garantia dos mínimos sociais- educação, saúde, habitação…


 Tripé da seguridade social: assistência, saúde e previdência.

A CF1988 previa ainda, a garantia da participação cidadã junto ao planejamento,


monitoramento e avaliação das Políticas Sociais.

• Artigos 198, 204 e 206 da CF 88 deram origem à criação de conselhos de políticas


públicas no âmbito da saúde, assistência social e educação, nos três níveis de
governo. Tais experiências provocaram a multiplicação de conselhos em outras
áreas temáticas e níveis de governo.

Para validar a governança participativa, estabeleceu-se a ideia de Controle Social.

5 Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/mandatomicheltemer/acompanhe-


planalto/noticias/2018/10/constituicao-federal-de-1988-garantiu-direito-as-liberdades-individuais-apontam-juristas.
Acesso em: 14 de setembro de 2020.
O que é controle social?

Pode ser entendido como:

 Participação cidadã na gestão pública;


 Mecanismo que permite a prevenção da corrupção;
 Promove o fortalecimento da cidadania.

Como podemos observar, a governança participativa é uma importante conquista social.


Devemos ter claro, que a participação cidadã, deve perpassar diferentes espaços públicos e
privados:

 Desde a participação em reuniões nos Conselhos de Saúde, Educação, Assistência;


 Formação de fóruns;

 Reuniões de redes comunitárias;


 Reuniões do terceiro setor;
 Reuniões da Associação de Moradores.

Todos esses espaços de diálogo nos permitem interagir com outros atores em busca da
melhoria do serviço que nos é ofertado ou reivindicar por serviços que ainda não nos são
oferecidos, fazendo com que a participação cidadã se torne uma importante ferramenta para
uma gestão compartilhada.

Tendo em vista a relevância da participação cidadã, almeja-se através dela, um modelo de


governança participativa que seja possível pelo contato direto do cidadão com o aparato da
administração pública e que os usuários possam ser chamados a participar de sua elaboração,
execução e avaliação.
E lembrem-se:

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