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QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL: esboço de uma interpretação

teórica-metodológica

Essa aula têm como objetivo apresentar o Serviço Social como profissão no contexto
de aprofundamento do capitalismo na sociedade brasileira, sobretudo no período de 1930 a
1960, e entender a Questão social como objeto de trabalho dos assistentes sociais, a partir de
uma interpretação teórica-metodológica.

Para isso, partimos do método marxista (fundado na razão dialética), que nos permite


uma leitura crítica da sociedade, e a partir dessa leitura, encontrar as determinações que
provocam as desigualdades sociais. Além disso, a Teoria Social de Marx é fundamental para o
Serviço Social pois possibilita uma compreensão da realidade em sua concretude,
processualidade e contraditoriedade, com base nas determinações históricas, sociais, políticas
e econômicas. Então para a gente entender como se deu o processo de formação do Serviço
Social enquanto profissão na sociedade brasileira sob a égide do capitalismo monopolista, é
fundamental que a gente utilize as ideias e conceitos marxistas.

O Serviço Social participa da reprodução das contraditórias relações sociais. Além de


ter um papel na manutenção da sociedade capitalista, ele também busca possibilidades para
atender os interesses dos trabalhadores. O Serviço Social é estrategicamente institucionalizado
para mediar os antagonismos provenientes da “questão social” com vistas a manter a ordem
deste sistema econômico.

Para analisar o Serviço Social enquanto profissão, é importante entender o movimento


por qual e através do qual se constituem e se renovam as relações sociais que particularizam a
formação da sociedade capitalista. Diante disso, urge a necessidade de apreender alguns
conceitos:
1.  A LEGITIMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E A SUA
INSPIRAÇÃO EUROPEIA E NORTE-AMERICANA

A institucionalização do Serviço Social brasileiro como um curso superior se deu sob


forte inspiração europeia e norte-americana.  Deste modo, para compreender como se deu o
processo de legitimação desta profissão e área do saber no Brasil é prudente entender o
contexto de surgimento dos primeiros cursos de Serviço Social no Ocidente.

Martinelli (2011) aponta que a criação dos primeiros cursos de Serviço Social na
Europa e nos Estados Unidos no final do século XIX, ocorreu a partir da formação de uma
tríplice aliança entre o capitalismo – representado pela burguesia -, a igreja e o Estado com
vistas à racionalização da assistência, o que resultou na institucionalização do Serviço Social.
Esta profissão foi criada estrategicamente para a intervir diretamente na Questão social, a fim
de contribuir com o controle das suas expressões e, consequentemente, evitar conflitos de
maiores proporções com as classes trabalhadoras. 

Conforme Martinelli (2011), o século XIX foi um importante marco relativo à


efervescência do capitalismo industrial que inaugurou uma era de progresso econômico,
sobretudo à porção ocidental da Europa. Contudo, por se tratar de um modo de produção
antagônico, exacerbou a desigualdade e a exploração da força de trabalho e o pauperismo.1

Paulatinamente, os trabalhadores começaram a se organizar e se reconhecerem como


classe e passaram a identificar nos “donos do capital” – alta burguesia – como seu algoz
comum. Tais fatores contribuíram com o avanço do movimento operário e a sua gradual
politização. É emblemática a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores no ano
de 1863 em Londres: “o discurso inaugural e os estatutos feitos por Marx, ressaltavam a
importância da consciência política dos trabalhadores, responsáveis por sua própria
emancipação” (MARTINELLI, 2011, p. 75).

Diante das ameaças de revolução, das greves e revoltas dos trabalhadores devido às
péssimas condições de trabalho e má remuneração, que iriam de encontro aos interesses da
burguesia nascente, do Estado e da igreja católica, estes formataram ações nas três esferas,
cujo objetivo era barrar a ascensão da luta das/os trabalhadoras/es, caracterizadas pela

1
Passar a ser pobre; deixar de possuir recursos financeiros ou não possuir o necessário à
sobrevivência; empobrecer. Um grupo é classificado como pobre.
concessão de alguns direitos e a reorganização da assistência, destacando-se a fundação do
Serviço Social enquanto profissão e área do saber.

Quanto à influência católica na profissão, Castro (2011) aponta que os elementos que
mais colaboraram com o surgimento do Serviço Social originaram-se na Ação Católica,
formada por um conjunto de movimentos leigos cristãos vinculados à hierarquia da Igreja
Católica, que possuía a missão de recristianizar a sociedade, atuando no ensino básico e
superior, nos sindicatos, dentre outros. O objetivo da igreja era promover uma reforma social
com o intuito de recuperar a sua hegemonia, bem como barrar o avanço do marxismo que
alcançava cada vez mais espaço.

Relativo à criação dos cursos de Serviço Social Martinelli (2011) elucida que Mary
Richmond exerceu contribuição ímpar no estímulo à criação de escolas destinadas à
qualificação das/os agentes sociais. De fato, no ano de 1897, Richmond propôs na
Conferência de Toronto a criação de uma escola de Filantropia Aplicada com vistas a
qualificar os agentes sociais para o exercício profissional. Tal curso ocorreu em Nova Iorque
em 1898 e a assistência naquele período era empregada para moralizar e reformar o caráter da
classe trabalhadora.

Em 1898, inaugurou-se a primeira escola de Serviço Social no mundo, em Amsterdã e


a partir de então cursos desta natureza espalharam-se pela Europa e Estados Unidos como
forma de “aprendizagem da aplicação técnica da filantropia”. Castro (2011) enfatiza a
influência das escolas de Serviço Social europeia e norte-americana na constituição da
profissão nos países latino-americanos.

Martinelli (2011) destaca que no caso norte-americano a profissão fora denominada


Trabalho Social, o que enfatiza o seu caráter de profissionalização. Por sua vez, no cenário
europeu recebeu a nomenclatura Serviço Social, na qual “serviço” indica a influência religiosa
católica no tocante ao servir, remetendo ao assistencialismo.

2. A HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

Iamamoto e Carvalho (2013) relacionam o surgimento do Serviço Social no Brasil


com a emergência da “questão social”, materializada, sobretudo, pelo pauperismo. Com o
aprofundamento do capitalismo, em sua fase monopolista (início do século XX), a situação
econômica e social era extremamente desfavorável para a classes subalternas.
Em virtude especialmente do crescimento exacerbado da miséria de contingentes da
classe trabalhadora urbana, o Serviço Social surgiu como uma das alternativas tradicionais
arquitetadas pelo Estado, igreja e burguesia – a partir da busca de uma nova “racionalidade”
no trato às manifestações da “questão social”. Nesse contexto, a filantropia e a caridade eram
as ações utilizadas para dar respostas às expressões da questão social.

Martinelli (2011) expõe que no cenário brasileiro os primeiros cursos foram


inaugurados em 1936 e em 1937, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, com
forte inspiração europeia, especialmente belga. Mulheres católicas e pertencentes à burguesia,
com ilibada idoneidade moral, em sua maioria as solteiras, foram incentivadas a graduar-se
em Serviço Social. Nas duas escolas era nítida a influência religiosa que direcionava a
formação das acadêmicas. Trata-se da fase doutrinário-confessional da profissão em
consonância com Netto (2009), na qual embasava-se a sistematização do trabalho social a
partir dos postulados da igreja e alicerçada na base filosófica tomista e neotomista. Conforme
Yasbek (2009),

É, pois, na relação com a Igreja Católica que o Serviço Social


brasileiro vai fundamentar a formulação de seus primeiros objetivos
político/sociais orientando‐se por posicionamentos de cunho
humanista conservador contrários aos ideários liberal e marxista na
busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja
face à “questão social”. Entre os postulados filosóficos tomistas que
marcaram o emergente Serviço Social temos a noção de dignidade da
pessoa humana; sua perfectibilidade, sua capacidade de desenvolver
potencialidades; a natural sociabilidade do homem, ser social e
político; a compreensão da sociedade como união dos homens para
realizar o bem comum (como bem de todos) e a necessidade da
autoridade para cuidar da justiça geral (YASBEK, 2009, p. 5).
Nessa perspectiva, as primeiras escolas de Serviço Social eram, então, vinculadas a
Igreja Católica e eram norteadas pelos postulados neotomistas. A noção de dignidade humana,
perfectibilidade humana e o bem comum caracterizavam o neotomismo. O primeiro curso de
Serviço Social foi dirigido por Mademoiselle Adèle de Loneaux, professora da École
Catholique de Service Social de Bruxelas, tendo por objetivo o “estudo e a difusão da
doutrina social da Igreja e a ação social dentro da mesma diretriz” (AGUIAR, 2011, p.43).

O Serviço Social, em sua gênese, é caracterizado por receber uma influência franco-


belga. Logo, a profissão era caracterizada por ter um caráter conservador, vocacional,
moralista, manipulador, confessional, tendo práticas conservadoras a partir de um fazer
profissional que propunha uma educação moral voltada para a substituição de valores e
comportamentos das classes subalternas. O período compreendido entre a década de 1930 e
1960 é denominado pela literatura como Serviço Social Tradicional.

De acordo com Iamamoto (2013) e Martinelli (2011) no Brasil as/os primeiras/os


assistentes sociais foram empregadas/os por entidades filantrópicas privadas e pelo Estado
para atuarem, em grande medida, junto à classe trabalhadora via orientações cristãs e
disciplinadoras, concedendo benefícios, auxiliando na assistência médica, empréstimos, bem
como na docência dos cursos de Serviço Social e nos Tribunais de “Menores”. As
intervenções eram imediatistas, fragmentadas, desprovidas de organização das profissionais
enquanto classe trabalhadora e reprodutoras dos interesses do Estado, da burguesia e da igreja.

A “questão social” era considerada como um problema de ordem moral e religiosa,


portanto, não incumbia ao Estado e sim ao indivíduo, sua família e à igreja prover a
amenização destas situações e o atendimento às suas necessidades básicas. Neste contexto,
cabia às/aos assistentes sociais atuar no policiamento das condutas dos clientes, na perspectiva
de ajustamento e integração às relações sociais vigentes.

Este fazer profissional funcionalista foi exacerbado a partir de 1937 com a


implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas e agravado no período ditatorial,
denominado anos de chumbo por Netto (2011). Neste período tem-se o fechamento político,
controle e repressão, a suspensão dos direitos políticos e civis, amenizadas pela instauração de
políticas sociais. O Serviço Social atuou na operacionalização destas políticas, sendo
funcional ao sistema quanto ao controle das massas.

O Brasil experimentou um período de urbanização e modernização no século XX. O


chamado período desenvolvimentista (1930 a 1960) congregou uma política de crescimento
industrial, econômico e de infraestrutura, trazendo “ares de modernidade” para a sociedade.
Contudo, esse desenvolvimento não significou (nem refletiu) uma melhoria das condições de
vida das classes subalternas, o que ocorreu foi um fenômeno denominado “hipertrofia das
expressões da questão social”.

Segundo Yasbek (2009), o conservadorismo católico que caracterizou os anos iniciais


do Serviço Social brasileiro começa, especialmente a partir dos anos 1940, a ser tecnificado
ao entrar em contato com o Serviço Social norte-americano e suas propostas de trabalho
permeados pelo caráter conservador da teoria social positivista.
Nesse período, a profissão se viu obrigada a pensar um Serviço Social moderno,
adequado às exigências desse novo contexto, por isso buscou incorporar um estatuto
científico. Assim, a profissão se aproxima do Serviço Social norte-americano, incorporando a
matriz filosófica de cunho positivista, pautada em critérios técnicos e científicos. É importante
ressaltar que a conjuntura geopolítica foi um fator preponderante para aproximação do Brasil
com os Estados Unidos.

A profissão agregou o Desenvolvimento de Comunidade (DC) às metodologias


utilizadas pelo Serviço Social norte-americano, compondo uma tríade metodológica: a)
o Serviço Social de Caso – voltado para a personalidade do cliente; b) o Serviço Social de
Grupo – abordagem voltada para grupos a partir uma perspectiva educacional; c)
o Desenvolvimento de Comunidade – macro atuação educativa e articulada junto a
comunidades com intuito de desenvolvê-las.

A aproximação com o positivismo é problematizada nas literaturas especializadas da


área, tais como em Yasbek (1984), Iamamoto (1992) e Netto (2009). De fato, as/os autoras/es
consideram essa epistemologia inadequada à profissão dadas às suas características de
objetividade, imediaticidade, busca por relações invariáveis, das relações aparentes dos fatos,
sua perspectiva de neutralidade e por não apontar mudanças, salvo dentro da ordem
estabelecida, posto que o seu ideário é o ajuste e a conservação. O Serviço Social absorveu o
positivismo, reatualizando a tendência conservadora da profissão.

Conforme Martinelli (2011), Getúlio Vargas regulamentou o Serviço Social como uma
profissão legal no ano de 1953, o que representou um avanço no que corresponde à
legitimação do Serviço Social em âmbito brasileiro. Ademais, a lei em questão estabeleceu
diretrizes de funcionamento para os cursos superiores, destacando-se a matriz curricular. 
Neste período, o Estado já se tornara o principal empregador de assistentes sociais, tendência
que permanece na cena contemporânea.

Para Netto (2011) os anos de chumbo influenciaram profundamente o Serviço Social


brasileiro e paradoxalmente contribuíram com a renovação da profissão. De fato, ao mesmo
tempo em que a vertente profissional crítica, que emergiu entre os anos 1961 e 1964 foi
sufocada pela repressão, a profissão angariou mais espaço por meio da expansão do mercado
de trabalho e pelos debates quanto às teorias e aos métodos mais adequados à categoria.

O Serviço Social brasileiro possui como sétimo princípio do Código de Ética vigente,
datado de 1993, a defesa do pluralismo teórico-metodológico. Entretanto, é válido ressaltar
que a tradição marxista assume posição hegemônica na profissão, o que foi possível após o
Movimento de Reconceituação/ Renovação.

Este Movimento é denominado Reconceituação por Iamamoto (2013), Martinelli


(2011), dentre outras/os, ao passo que em Netto (2011) tem-se a expressão Renovação do
Serviço Social. Em linhas gerais, expressa o processo de autocrítica das/os assistentes sociais
com relação ao conservadorismo, oriundo especialmente da aliança entre o capitalismo, a
burguesia e o ideário católico com a profissão bem como o emprego da epistemologia
positivista na produção de conhecimento e fazer profissional. Tal Movimento se deu entre
meados de 1965 até a década seguinte.

Esse movimento visou repensar o Serviço Social, adequando-o teórico, metodológico-


operativamente à realidade latino-americana, dada a influência norte-americana no Serviço
Social (o que era um problema, pois a realidade norte-americana é completamente diferente
da latino-americana). Foi um momento ímpar na história do Serviço Social no Brasil e na
América Latina.

As/os autoras/es mencionadas/os ponderam que o Movimento em questão não se


restringiu ao Brasil, visto que possuía dimensão continental. De fato, o Serviço Social latino-
americano passou por este processo de (auto) revisão crítica. Para Iamamoto (2013) o
conjunto das ciências sociais que formam o pensamento social latino-americano se indagaram
quanto aos seus fundamentos explicativos e papel social, em resposta aos desafios históricos
presentes no continente. Ademais, não se tratou de um movimento unitário, tampouco
homogêneo.

Contemporânea da ditadura militar, a Reconceituação no Brasil tratou-se de uma “[…]


resposta a uma crise interna da profissão – aguçada por uma crise estrutural e conjuntural da
realidade brasileira” (MARTINELLI, 2011, p. 144), sendo o seu principal aspecto a
aproximação com o marxismo, o que se deu nos anos 1980, demarcando a contemporaneidade
da profissão. Iamamoto (2013) enfatiza que neste cenário houve um questionamento global da
profissão no que diz respeito aos seus fundamentos, direção social da prática profissional e
estratégias de intervenção.

Conforme Netto (2011), no ápice do Movimento de Renovação do Serviço Social


houve a aproximação com a tradição marxista, o que contribuiu com uma guinada à esquerda
no tocante ao projeto ético-político profissional. Tal aproximação foi necessária, pois a
ruptura com o conservadorismo precisava ser alimentada com matrizes teóricas e
metodológicas alinhadas a esta proposta – daí a preferência da profissão pelas vertentes
críticas, destacadamente as inspiradas na tradição marxista.

Segundo Netto (2015), desgastada a base do Serviço Social tradicional, a reflexão


profissional se desenvolveu em três direções no processo de renovação: Modernização do
Conservadorismo, Reatualização do Conservadorismo e Intenção de Ruptura. Vejamos as
diferenças entre elas abaixo.

Modernização do Reatualização do Intenção de Ruptura


conservadorismo conservadorismo
Matriz filosófica: Matriz filosófica: Matriz filosófica:

Positivismo/funcionalismo Fenomenologia Marxismo

Principais marcos:  Principais marcos:  Principal Marco: 

Seminário de Araxá (1967) e Seminário de Sumaré (1978) e Método de Belo Horizonte


Seminário de Teresópolis Seminário do Alto da Boa (conhecido como Método de
(1970). Vista (1984). BH – década de 1970).

Principais formuladoras: 
Principal formulador:  Principal formuladora: 

Ana Augusta Almeida e Ana


José Lucena Dantas Leila Lima Santos
Maria Braz Pavão

Características: 
Características: 
Características: 
conservadorismo, adequação
Pretensão de romper com a
do Serviço Social às exigências conservadorismo, buscava
herança teórico-metodológica
da autocracia burguesa; resgatar o serviço social
conservadora e seus
culpabilização do indivíduo tradicional sob a égide da
paradigmas de intervenção
por sua condição social; fenomenologia; centrava sua
social. Existência de uma
discurso cristão; demonstração análise e intervenção na ajuda
distância entre a intenção de
de uma neutralidade quanto às psicossocial (práticas
romper com o passado
contradições existentes na psicologistas); subordinação a
conservador do Serviço
sociedade; inseria o serviço uma visão de mundo derivada
Social e os indicativos
social no arsenal de técnicas do pensamento católico
prático-profissionais para
sociais voltadas ao tradicional.
consumá-la.
desenvolvimento capitalista.

Um marco histórico para o Serviço Social que culminou com novos rumos para a
nossa profissão foi III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), que ficou
conhecido como o “Congresso da Virada”. O evento ocorreu de 23 a 27 de setembro de
1979, em São Paulo. O acontecimento representou uma ruptura da categoria profissional com
a sua herança conservadora.

Conforme Netto (1996), o III CBAS deu uma decisiva contribuição para forjar uma
nova cultura profissional que continha e contém uma direção social estratégica colidente com
os interesses do grande capital, expressa na atuação política das entidades representativas da
categoria profissional, nos parâmetros jurídico-políticos da formação e atuação dos assistentes
sociais (Códigos de Ética, na lei de regulamentação da profissão, nas Diretrizes Curriculares)
e na produção teórica mais relevante da área do Serviço Social.

Com a instauração da ditadura, assistentes sociais e estudantes foram vítimas de


perseguição política e também as instituições de ensino sofreram coação. Ainda que uma
parcela tenha marcado presença no combate à ditadura, Netto (2011) considera que não se
tratava de “um coletivo de perseguidos” tampouco “um corajoso destacamento da resistência
democrática”. É prudente assinalar que neste período da história da profissão era manifesta a
neutralidade das instâncias e fóruns representativos da categoria profissional, despontando a
alienação diante do quadro político do país.

Tal quadro foi paulatinamente modificado com o recrudescer do golpe de 1964 e a


emergência de epistemologias críticas, sobretudo as de tradição marxista na intelectualidade
brasileira, bem como nos partidos políticos. Tal fenômeno foi gradativamente absolvido pelo
Serviço Social. Ademais, o autor acrescenta que a experiência do exílio em países europeus e
no Chile, notadamente permitiu às/aos assistentes sociais a aproximação com a epistemologia
marxista e os escritos de Gramsci, modificando a maneira de compreender e intervir nas
manifestações da “questão social”.

Conforme Martinelli (2011) o aludido Movimento de Reconceituação permitiu às/aos


assistentes sociais construírem identidade profissional própria, caracterizada pela recusa ao
conservadorismo e em defesa das classes subalternas, opondo-se à identidade atribuída pelo
capital – profissionais meramente executores de serviços sociais, em claro alinhamento com o
Estado, burguesia e igreja.

Iamamoto e Carvalho (2013) consideram que um dos legados deste Movimento foi a
aproximação com o marxismo e a compreensão de que o Serviço Social é uma profissão
especializada. Nesta perspectiva, ainda que o Serviço Social seja caracterizado como
profissão e não como ciência, isso não exclui a possibilidade de contribuir com a produção de
conhecimentos científicos no campo das ciências humanas e sociais. Do mesmo modo, o
marxismo permitiu a compreensão e o reconhecimento das/dos assistentes sociais como
trabalhadores assalariadas/os e, consequentemente, o despertar da consciência de classe,
aproximando e inserindo-se na luta geral da classe trabalhadora.

3. O SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE

A partir dos anos 1980, o Serviço Social incorporou o quadro referencial teórico
marxista e expandiu bastante a produção de conhecimento. Iamamoto (2015) teve substancial
importância ao identificar que o desenvolvimento do Serviço Social como instituição no
Brasil mantém uma conexão com o desenvolvimento das relações capitalistas na nossa
formação social. Entre outros feitos, cabe destacar a abertura ao debate crítico sobre a
formação e o exercício profissional, bem como a análise das expressões da “questão social” e
as possibilidades de intervenção condizentes com esta epistemologia crítica.

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