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Leopold Roc
2009
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Anti
Edições Versus Capitalismus
domesticação. Historiadores ingleses várias vezes não contam com o facto de Edições Versus Capitalismus
a “revolução industrial” não ter sido acompanhada por uma “revolução Edi.vs.capitalismus@gmail.com
cultural” que pudesse ter integrado os pobres no espírito industrial (tais
considerações multiplicaram-se no anos 70, quando extensivas greves
selvagens penetrantemente revelaram a sua importância).
Em França a contra-revolução burguesa foi acima de tudo teórica; o domínio Domesticação Industrial
era exercido através da lei e da política, “o milagre que manteve as pessoas A Indústria como a origem da dominação moderna
num estado de abuso desde 1789” (Louis Blanc). Os princípios representavam
um projecto universal que prometia aos pobres a sua participação assim que
adoptassem as estruturas construídas. Por volta de 1830, um sector dos
Autor: Leopold Roc
pobres apelou em nome desta promessa. Exigiu que a “quem tivesse sido
feito inferior lhe fosse dada a sua dignidade enquanto cidadão” (Proudhon). Título Origional: Industrial Domestication; Industry as
Começando em 18487, os mesmos princípios seriam invocados contra a
burguesia em nome da “república do trabalho.” E é do conhecimento geral a
the Origins of Modern Domination
que grau o peso morto de 1789 teria um papel no esmagamento da Comuna
de Paris8.
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1848 é a data em que se dá a implantação da segunda República francesa, pondo fim à Monarquia de
Orleans que durou de 1830 a 1848 . Um dos princípios proclamados após a revolução de Fevereiro de
1848 foi o do direito ao trabalho. (N. T.) Texto traduzido do inglês da edição da Quiver Distro em Agosto de 2009
O movimento dos trabalhadores foi fundado numa base puramente
Domesticação Industrial defensiva. As primeiras associações de trabalhadores eram “associações de
A Indústria como a origem da dominação moderna resistência e apoio mútuo.” Mas se os pobres revoltados se tinham visto
sempre negativamente, foi no e através do trabalho, que se tornou
forçosamente o centro da sua existência, que os trabalhadores procuraram
“Se a ciência fosse posta ao serviço do capital, a docilidade dos trabalhadores uma comunidade positiva, uma que não era produzida não por si, mas por
recalcitrantes seria garantida”. um mecanismo externo.
Andrew Ure, Philosophies dês Manufactures, 1835
A “minoria aristocrata” de trabalhadores qualificados foi a encarnação inicial
“No passado, se alguém chamasse trabalhador a um comerciante, arriscaria uma rixa. desta ideologia, “do sector que era do interesse do políticos e do qual vieram
Hoje, quando lhes dizem que os trabalhadores são o melhor que há no estado, todos aqueles que a sociedade estava sempre pronta a saudar enquanto
insistem em ser trabalhadores”. representantes da classe trabalhadora, “ como Edith Simcox pertinentemente
registou em 1880. A imensa massa de trabalhadores ainda intermitentes e
M. Mav. 1948 desqualificados não lhe poderia pertencer. Eles eram os únicos que, quando
as portas dos sindicatos se abriam, preservavam o lendário espírito selvagem
O termo revolução industrial, normalmente usado para descrever o período e combativo dos trabalhadores ingleses – começando um longo ciclo de lutas
entre 1750 e 1850, é uma pura mentira burguesa, igual à mentira sobre a sociais, violentas por vezes, mas às quais faltavam um princípio unificador.
revolução política. Não inclui o negativo e parte de uma visão histórica
unicamente como história do progresso tecnológico. Aqui o inimigo desfere “Ainda que a iniciativa revolucionária comece provavelmente em França, só a
um duplo golpe, legitimando a existência de managers e de hierarquia Inglaterra pode ter...uma séria revolta económica. Os ingleses têm todo o
enquanto necessidades técnicas inevitáveis, e impondo uma concepção material necessário para a revolução social. O que lhes falta é o espírito
mecânica do progresso, que é considerada uma lei positiva e socialmente generalizado e a paixão revolucionária.” Este declaração do final do séc. XIX
neutra. É o momento religioso do materialismo e do idealismo da matéria. Tal pelo Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores contém
mentira estava obviamente destinada aos pobres, entre os quais iria infligir tanto a verdadeira com a falsa consciência de uma época. De um ponto de
uma duradoura destruição. vista social, a Inglaterra foi sempre um enigma: o país que viu nascer as
condições modernas de exploração, e que foi por isso o primeiro a produzir
Para refutá-la é suficiente atermo-nos aos factos. A maioria das inovações largas massas de pobres modernos, é também o país onde as instituições
tecnológicas que permitiram o desenvolvimento das fábricas tinham sido permaneceram inalteradas durante três séculos e o único que nunca foi
previamente descobertas mas permaneceram inutilizadas. A sua aplicação a abalado por um assalto revolucionário.
longa escala não foi uma consequência mecânica, mas partiu de um momento
histórico escolhido pelas classes dominantes. E esta escolha não foi tanto Pronto a tomar as barricadas
uma resposta a uma preocupação simplesmente sobre eficiência técnica (que
foi várias vezes duvidosa) como foi uma estratégia de domesticação social. A
Isto é o que o distingue das relações do continente Europeu e que contradiz o
revolução pseudo-industrial pode então ser reduzida a um projecto de
conceito marxista da revolução. Comentadores tentaram explicar este enigma
contra-revolução social. Há apenas um tipo de progresso: o progresso da
como um atavismo Britânico que levou à contínua repetição de grandes
alienação.
histórias sobre a reforma e o carácter anti-teorético dos pobres ingleses
comparando com a consciência radical que anima os pobres em França, que
Sob o sistema previamente existente, os pobres ainda gozavam de um grau
estava sempre preparados para tomar as barricadas. O tipo de visão não
de independência considerável no trabalho que estavam obrigados a fazer. A
histórica não relembra a abundância de teoria durante os anos da guerra civil
sua forma dominante era o de oficina doméstica: os capitalistas alugavam
do séc. XVII e esquece-se da persistência e violência que sempre
ferramentas aos trabalhadores, forneciam-lhes matérias-primas, e depois
caracterizaram as lutas sociais dos pobres ingleses. Na realidade, o enigma é
compravam os produtos a baixo custo. Para os trabalhadores, a exploração
resolvido da seguinte forma – a revolta dos pobres depende sempre daquilo
era apenas um momento do comércio sob o qual não tinham controlo directo.
com que se confrontam.
Os pobres podiam ainda considerar o seu trabalho uma “arte” sob a qual
Em Inglaterra, foi através da força bruta de um mecanismo social e sem
exerciam um notável alcance de poder de decisão. Mas acima de tudo,
floreados que as classes dominantes levaram a cabo a sua missão de
permaneciam donos do seu tempo: trabalhavam em casa e podiam parar
sempre que quisessem: o seu tempo de trabalho escapava a qualquer cálculo.
A campanha para civilizar os pobres E, a variedade, como também a irregularidade caracterizavam o seu trabalho,
já que a oficina doméstica era mais do que um complemento às actividades
Seitas de trabalhadores multiplicaram-se, e os Metodistas, os Baptistas agrícolas.
Wesleyanos6, e outros recrutaram quantos crentes puderam para a Igreja de
Inglaterra, uma instituição do Estado. No ambiente hostil das novas cidades As posteriores variações na actividade industrial eram incompatíveis com a
industriais, os trabalhadores tementes viraram-se para o consolo da capela. harmoniosa expansão do comércio. Assim os pobres ainda possuíam uma
Há sempre uma tendência para racionalizar os insultos quando a vingança influência considerável, que exerciam permanentemente. O desvio de
não toma lugar. A nova moral dos trabalhadores tornou a pobreza num matérias-primas era uma prática comum, e alimentava um mercado paralelo.
estado de graça e a austeridade numa virtude. Acima de tudo, aqueles que trabalhavam em casa podiam exercer pressão nos
seus empregadores: a destruição frequente de teares era um meio de
Nas áreas industriais, o sindicato era o produto directo da capela, e os “negociar colectivamente através de um motim” (Hobshawn). Apareçam com
pregadores leigos eram transformados em representantes dos sindicatos. A as notas ou partimos tudo!
campanha de civilização dos pobres que foi conduzida pela burguesia
ganhou vantagem somente à segunda tentativa. Anteriormente tinha sido As fábricas modeladas a partir das prisões
feita pelos representantes dos trabalhadores, que, nas suas lutas contra os
seus amos, agora falavam a mesma língua. Mas, apesar das formas religiosas Foi para suprimir a independência ameaçadora dos pobres que a burguesia se
que a domesticação do pensamento poderia ainda tomar, a sua base mais viu obrigada a controlar directamente os meios de produção. Foi isso, então,
eficiente era a mentira económica. Foi durante o segundo terço do séc. XIX, que levou à proliferação das fábricas. “Não são tanto aqueles que são
quando os pobres eram sujeitos às mais degradantes e mutilantes condições extremamente ociosos que enganam o público, mas aqueles que apenas
em todos os aspectos da sua vida, e quando toda a resistência à fundação da trabalham parte do tempo,” tinha escrito Ashton já em 1725. As artes
nova ordem capitalista tinha sido derrotada, que, loucamente, Marx, Engels e militares foram aplicadas à indústria, e as fábricas foram literalmente
os seus seguidores aplaudiram satisfatoriamente o nascimento do “exército modeladas a partir das prisões, que de facto surgiram ao mesmo tempo.
revolucionário do trabalho,” e consideraram que as condições objectivas para
um assalto vitorioso se tinham reunido. Um vasto muro circundante separava o trabalhador de tudo o que era externo
ao trabalho, e guardas eram contratados para dispersar pessoas que, no
No seu famoso discurso de 1864 à Associação Internacional dos início, acharam natural fazerem uma visita aos seus amigos menos
Trabalhadores, Marx começou por desenhar um retrato detalhado da horrível afortunados. No interior, o objectivo principal das regulações draconianas era
situação dos pobres ingleses e continuou ao aplaudir os “maravilhosos o de civilizar os escravos. Em 1770, um escritor visionou um novo plano para
sucessos” como a lei das dez horas de trabalho (já vimos o que isso valeu) e o tornar os trabalhadores produtivos. A Casa do Terror, em que os habitantes
estabelecimento de cooperativas manufactureiras, que representavam uma estariam obrigados a trabalhar até 14 horas por dia e eram mantidos sob
“vitória da economia política do trabalho sobre a economia politica da controlo através de uma dieta de fome. A sua ideia não estava tão fora do seu
propriedade.” Se os comentadores marxistas descreveram amplamente o tempo uma geração depois, a Casa do Terror foi simplesmente chamada de
horrível destino dos trabalhadores do séc. XIX, eles consideram em certa fábrica.
medida este destino como sendo necessário e benéfico. Era necessário porque
foi uma consequência inevitável das exigências da ciência e de um Foi na Inglaterra que as fábricas foram primeiramente aparecendo. Aqui, as
desenvolvimento necessário das “relações de produção.” Foi benéfico até ao classes dominantes já tinham ultrapassado há muito tempo os seus conflitos
ponto em que “o proletariado foi castigado, disciplinado e organizado pelos internos e poderiam assim devotar-se sem limites à paixão do comércio. A
mecanismos de produção” (Marx). repressão que se seguiu ao assalto milenário dos pobres pavimentou o
caminho para a contra-revolução industrial.