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FICHAMENTO DO LIVRO DITADURA E SERVIÇO

SOCIAL
Uma análise do Serviço Social no Brasil Pós-64

O objetivo deste livro é contribuir ao esclarecimento do processo de renovação experimentado


pelo Serviço Social no Brasil após os anos sessenta, a que se denomina "teorização". Assume em
seu livro uma perspectiva inspirada na teoria de Marx e nos remete as raízes culturais e a
formação dos processos da época ditatorial, fazendo com que possamos refletir até nos
problemas que os acadêmicos sofreram naquela época. Manifestações culturais ocorreram de
forma autocrítica e mesmo com toda violência o processo cultural não foi interrompido. Netto,
no primeiro capítulo do seu livro, busca explicar a sociedade política-cultural no golpe de Abril
de 64 para que entendamos as mudanças sociais e as mudanças no Serviço Social. No segundo
capítulo, o autor focaliza o Serviço Social no contexto das transformações, ao mesmo tempo em
que busca identificar os fios condutores presentes na preparação mais representativa dos
Assistentes Sociais que se lançaram a uma investida da formulação teorizante. Por fim, o autor
destaca a polêmica que perpassa os dois capítulos. No primeiro, tece ponderações a respeito do
conjunto das dimensões ideopolíticas existentes, ao passo em que identifica outras formas de
análises do que ele chama de “apreciação esquerdista”, acadêmica ou não, dessas dimensões e a
concepção liberal da ditadura, bem como de suas políticas educacionais e culturais. Já no
segundo, a polêmica atravessa o debate profissional.

1 – INTRODUÇÃO

O Brasil passou por um regime militar que podemos comparar com o regime totalitário
acontecido na Alemanha, esta época amarga aconteceu no período de 1964 a 1985 e
caracterizou-se pela falta de democracia, suspensão dos direitos constitucionais, censura,
concentração de renda, pensamentos capitalistas, perseguição política e repressão a todos que
eram contra o regime militar. Para analisar a política de assistência social é fundamental
investigar a sua trajetória.
Uma primeira aproximação pode se fazer por um lado, analisando as relações sociais da
sociedade capitalista e suas transformações, as questões e os problemas sociais que se vão
colocando e como o serviço social vai sendo incorporado nas respostas a dar a esses problemas.
Por outro lado, a analisando as formas de trabalho que historicamente vão sendo construídas
pelos assistentes sociais com expressão no exercício da profissão.
A constituição federal é um marco fundamental desse processo porque reconhece a assistência
social como política social que, junto com as políticas de saúde e de previdência social,
compõem o sistema de seguridade social brasileira. Portanto, pensar esta área como política
social é uma possibilidade recente. Mas, há um legado de concepções, ações e práticas de
assistência social que precisa ser capturado para analisar o movimento de construção dessa
política social.
O processo de renovação do serviço social constituem três momentos de ruptura.
O primeiro diz respeito à perspectiva modernizadora que encontra a sua formulação afirmada nos
seminários de teorização do serviço social organizado pelo CBCISS em Araxá (março 1967) e
Teresópolis (janeiro 1970) no sentido de inserir os profissionais num viés moderno de teorias e
técnicas para novos instrumentos que possam responder as demandas da ordem do
desenvolvimento capitalista.
Segundo momento foi a reatualização do conservadorismo que consisti na recuperação da
herança conservadora da profissão, recorrendo ao pensamento crítico-dialético, onde na tese de
livre-docência de Anna Augusta de Almeida expressa novas ideias direcionada para produções
teóricas do próprio assistente social. Neste sentido mostra uma preocupação em oferecer apenas
suportes teóricos para que os profissionais interpretassem e compreendesse as necessidades do
cliente, descobrindo possibilidades para que se realizem de acordo com seus propósitos
humanos. Este conservadorismo não se reside apenas referencial ideocultural do cristianismo,
mas antes, possui um embasamento cientifico, dessa forma construindo uma relação do serviço
social com o seu objetivo e possibilitando uma análise crítica e rigorosa das realidades
macrossocietária e contribuindo para que as intervenções profissionais sejam avaliadas por
critérios sociais objetivos e teóricos.
O terceiro momento é a intenção de ruptura que por sua vez critica o tradicionalismo e seus
suportes ideológicos e metodológicos. Visa romper com tradicionalismo para que possa estar
dando respostas adequadas às demandas do desenvolvimento brasileiro, surgindo assim também
documentos que colocaram em pauta a necessidade de romper com o tradicionalismo, com a
forma empírica de envolvimento dos profissionais do serviço social. Neste sentido na medida em
que a sociedade se desenvolve, surgem vários métodos para acompanhar a revolução social e
assim amenizarem a questão social.
Com toda a repressão, a sociedade civil busca maneira de pôr fim ao sistema ditatorial, surgindo
vários focos de manifestações, como por exemplo, a guerrilha armada na zona urbana e rural,
greves e movimentos contra a carestia. O serviço social põe sua força em campo, para fortalecer
o nascimento dessa política no campo democrático dos direitos sociais desenvolvendo múltiplas
articulações e debates.

2 - A AUTOCRACIA BURGUESA E O “MUNDO DA CULTURA”

Nos anos sessenta, o capitalismo no Brasil apontava para a redefinição de esquemas de


acumulação. O desenvolvimento fundado no modelo chamado substituidor de importações
começa a se esgotar, a industrialização restringida cede lugar à industrialização pesada,
implicando novo padrão de acumulação. O modelo de desenvolvimento emergente supunha um
crescimento acelerado da capacidade produtiva do setor de bens de produção e do setor de bens
duráveis de consumo, um financiamento além das disponibilidades do capital nacional e
estrangeiro já investido nos pais. Neste sentido a crise que aos poucos foi se formando colocava
a questão da necessidade do capital nacional viabilizar junto ao Estado um esquema de
acumulação que lhe permitisse tocar a industrialização pesada, sob risco de formação de outro
arranjo político-econômico, que privilegiaria os interesses imperialistas. A primeira alternativa
implicava em riscos para o capital, que temia as forças democráticas e populares. A segunda era
como quase ausência de riscos políticos para o capital.
Com o golpe de abril, ocorreu uma ampliação do mercado de trabalho dos assistentes sociais
com criações de instituição e organizações estatais que por sua vez submetida ao estado ditatorial
e sua racionalidade burocrática assim contribuindo para reduzir as suas expressões na (auto)
reapresentação dos assistentes sociais. O desfecho de Abril foi à solução imposta à força e que
derrotou uma alternativa de desenvolvimento econômico-social e político que era virtualmente a
reversão do fio condutor da formação social brasileira. O Estado torna-se centro articulador e
meio de coesão da autocracia burguesa.
As linhas do “modelo econômico” da Ditadura Militar, induzidas para o processo de produção e
acumulação, direcionam-se para racionalizar a economia, criar o quadro legal-institucional,
concentrar e centralizar. Para gerir e impor este modelo foi montada uma estrutura estatal-
burocrática e administrativa e implantada a excepcionalidade política.
José Paulo Neto coloca o ano 1968 como marca da inflexão para cima no regime militar e 1974
como a marca para baixo, com o aprofundamento da crise do “milagre” e a estratégia
denominada “processo de distensão”, lenta, segura e gradual (Geisel). Segundo ainda o autor, a
posse do general Figueiredo em 1979 sinaliza o fim do ciclo autocrático burguês e a
demonstração da incapacidade da ditadura de reproduzir-se como tal.
A autocracia burguesa na busca do controle do “mundo da cultura” enfrenta com suas
exigências, a dinâmica, a resistência democrática, o movimento popular, as colisões e
contradições entre o regime autocrático e o “mundo da cultura”, que jamais foram erradicados.
Estes são os poucos indicadores dos limites do projeto de controle do “mundo da cultura”
implementado pelo Estado autocrático burguês.
O movimento estudantil tem dois momentos principais de enfrentamento em 1964 e em 1968 e
ameaça ser elemento catalisador da mobilização nas escolas capaz de condensar a oposição geral
ao regime.
Em 1964 e1968, a política educacional da ditadura materializou a sua intenção de controle e
enquadramento implementado praticamente a destruição de instrumento organizativos do corpo
discente, promovendo um clima de intimidação no corpo docente e muito especialmente,
reprimindo com furor inaudito as propostas experiências, movimentos e instituições que
ensaiavam ou realizavam alternativas tendentes a democratizar a política, o sistema e os
processos educativos, vinculando-os as necessidades de base de massa da população.
Em 1968 os movimentos sociais voltam a se articular, com objetivos diferentes, mas com um
único propósito de pôr fim ao sistema ditatorial. Destacam-se os movimentos estudantis,
religiosos, operários e camponeses. Emerge o sistema educacional da autocracia burguesa que
primeiro incide sobre o ensino superior e depois nos níveis elementar e básico.
Em 1968-1969 a esta dimensão negativa unem uma dimensão positiva, com a instauração de um
“modelo educacional” congruente com o modelo econômico, com a compatibilização funcional
operativa entre política educacional e o conjunto da política social da ditadura. Neste sentido,
vale-se do modelo oferecido pelos americanos através dos acordos MEC-USAID e que
comandaram a reforma universitária.
A política educacional atua principalmente no sentido da neutralização e no esvaziamento da
universidade, tornando-a insulada, tirando-lhe o dinamismo crítico e com ensino superior
asséptico, apto a produzir quadros qualificados afeitos à racionalidade formal burocrática,
restringindo-se o trabalho acadêmico aos limites da academia. A universidade torna-se entidade
burocratizada, disfuncional e sem identidade.

3 - A RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL SOB A AUTOCRACIA BURGUESA

Este período demarca uma quadra extremamente importante no desenvolvimento do Serviço


Social no país. O discurso e a ação governamental, do final da década de 60 até os primeiros
anos da década de 70, ocorriam no sentido de validar e reforçar o Serviço Social tradicional,
buscando contar com dóceis executores de políticas sociais localizadas, bem como conseguir
inocular os projetos profissionais que fossem potencialmente conflitivos. Mas a situação vigente
propiciará o acumulo de vetores que irão atuar para a erosão do Serviço Social tradicional.
As sequelas do “modelo econômico” da Ditadura Militar saturaram o espaço brasileiro com
todas as refrações da ‘questão psocial’ que são tratadas pelo Estado ditatorial através de políticas
sociais crescentemente centralizadas. Para fazer frente a esta situação o Estado reformula
substancialmente, a partir de 1966-1967, as estruturas das instituições sociais, tanto na
organização quanto no funcionamento. As atividades a cargo dos Assistentes Sociais se tornam
mais complexas, diversificam-se e se tornam mais especializadas nos serviços públicos quanto
nas médias e grandes empresas.
Esse mercado colocou para o serviço social, dada a sua contextualidade sociopolítica, um novo
padrão de exigências para seu desempenho profissional – quer nas agências estatais quer nos
espaços privados recém-abertos. (Netto, 2011:123)
A modernização conservadora requisita do assistente social uma postura moderna. Resumindo
pode-se dizer que a reformulação do Serviço Social, tanto no nível da prática quanto na formação
de professores, advém destas situações colocadas pelo Estado burguês: reorganização do Estado
(grande empregador dos Assistentes Sociais) e reformas das instituições, bem como,
modificações profundas ocorridas na sociedade.
Ao mesmo tempo o perfil da formação profissional recebe o influxo da sociologia, da psicologia
social e da antropologia e sofre o impacto da Universidade que também refuncionalizava.
A crise do Serviço Social “tradicional” é um fenômeno internacional, procede do exterior, da
movimentação que caracteriza o período. O pano de fundo é dado pelo exaurimento de um
padrão de desenvolvimento capitalista e no contexto do desanuviamento das relações
internacionais (superada a guerra fria) gestando-se um quadro favorável para a mobilização das
classes sociais subalternas em defesa de seus interesses imediatos.
Na ditadura a ‘’questão social’’ foi enfrentada por parte do estado e do empresariado através da
repressão e da assistência. A assistência via-se expandir criando o mercado nacional de trabalho
para o serviço social. Ao mesmo tempo os serviços sociais começaram a serem explorados como
fonte de acumulação de renda.
Questiona-se a ordem burguesa como limite da história, as instituições e organizações
governamentais e o elenco das políticas do Welfare State, recusa-se a aparente assepsia política e
nega-se a eficácia da intervenção institucional a partir dos próprios resultados que produz.
Este é o cenário para promover a contestação das práticas profissionais, como as do Serviço
Social “tradicional”. Considerando os fatores próprios, internos que contribuíram para a erosão
do Serviço Social tradicional, podem ser apontados três vetores:
1. A revisão crítica que se processa na fronteira das ciências sociais (Antropologia, sociologia,
psicologia social) a impugnação do funcionalismo, do quantitativismo e da superficialidade que
impregnavam as ciências sociais.
2. O deslocamento desigual, porem visível e operante da igreja católica e de algumas confissões
protestantes, que se mostram em dois planos: na interpretação teológica que justificam posturas
anticapitalistas e na permeabilidade de segmentos da alta hierarquia a demandas de
reposicionamento político-social advindas das bases e do baixo clero.
3. O movimento estudantil, que reproduz nos moldes da contestação global, todas as alterações
acima nas agências de formação, principalmente ao atrair os docentes para seu lado.
No serviço social esta disjuntiva político-social se refratou no corpo profissional na forma de um
movimento de renovação ou reconceituação profissional que apresentou duas faces:
modernização e ruptura. O movimento de reconceituação começou no Cone Sul da América
latina (no ano de 1965 se realizou o Seminário Regional latino americano de Serviço Social em
Porto alegre) e se espalhou pelo resto do continente ao longo de aproximadamente uma década.

Podem ser considerados como de relevância dois aspectos do Movimento de Reconceituação:

1-Relação com a tradição marxista, que pela primeira vez aparece nas elaborações do Serviço
Social, deixando de ser estranho ao Serviço Social e se tornando um marco de modernidade.
2-Nova relação entre os profissionais na América Latina, que existia desde 1940, mas que é
fundada como uma unidade.

Na modernização temos a vontade de transformação do Serviço Social de tecnologia em ciência,


adotando para isto o método cientifico. Na ruptura, temos a descoberta da ideologia como uma
região, ou esfera da sociedade. Poder-se dizer que aqui também existia a vontade de fazer do
Serviço Social uma ciência, sendo para isto necessário que o Serviço Social rompa com as
ideologias ou que se defina a favor de uma das ideologias. Através da ideologia era possível
pensar a relação entre o conhecimento e os interesses sociais quebrando assim a circularidade e
autossuficiência do processo de conhecimento do positivismo. Com esta formulação o Serviço
Social abandonava o lugar de neutralidade que tradicionalmente ocupava, se afastando também
da proposta modernizadora e positivista já que esta era considerada como uma proposta ‘’
ideológica’’ que visava a mascarar as relações sociais entre as classes.
José Paulo Netto se refere à perspectiva modernizadora que constitui a primeira expressão do
processo de renovação do Serviço Social no Brasil que encontra sua formulação no primeiro
Seminário de Teorização do Serviço Social que foi promovido pela CBCISS em Araxá e que
teve como desdobramento um segundo Seminário realizado em Teresópolis.

3. 1 OS DOCUMENTOS DE ARAXÁ E TERESÓPOLIS

Os Documentos produzidos têm características diferenciadas, mas são modelares na tentativa de


adequar o Serviço Social como instrumento de suporte a políticas de desenvolvimento e adequar
as (auto) representações profissionais às tendências sócio-políticos da Ditadura, que não se
punham como objeto de questionamento.
Para Netto uma nova forma de conceber o Serviço Social no contexto brasileiro seria como
instrumento profissional de suporte às políticas de desenvolvimento que teve como problemática
o desenvolvimento que apresenta como viés característico as estratégias político-sociais que
adotam o desenvolvimento como processo induzido de mudanças para erradicar, mediante uma
gradativa ampliação dos níveis de bem-estar social, o quadro de causalidades. E é com essa
compreensão desenvolvimentista, que se entende o aspecto renovador apresentado nos
documentos de Araxá e Teresópolis.
O documento de Araxá reflete o pensamento dessa fina flor da tecnocracia, pois reúne os
assistentes sociais que haviam deixado de trabalhar nas obras sociais, nos morros, nas favelas,
nas fábricas, nos círculos operários e passaram a ocuparem postos e cargos na administração
estatal. (Faleiros, 1987:57)
O Documento de Araxá foi o resultado de formulações ocorridas no “Seminário de Teorização
do Serviço Social” ocorrido na estância hidromineral de Araxá entre 19 a 26 de março de 1967,
patrocinado pelo CBCISS. Nele se afirma a perspectiva modernizadora, e pode ser considerado
como expressão modelar das representações profissionais do serviço Social no sentido de
adequar-se às tendências sócio-políticos da Ditadura, bem como, das vinculações às ideologias
das políticas de desenvolvimento.
Netto ainda faz referência à urgência de rompimento da atuação do Serviço Social ao uso
exclusivo dos processos de Caso, Grupo e Comunidade, revendo e elaborando novos métodos e
processos, sendo que a intenção do documento se direciona a ruptura da exclusividade
tradicional onde haveria na verdade uma captura desse tradicional com novas bases. Estas
afirmações mostram uma tensão entre o “moderno” (processo de desenvolvimento), o
“tradicional" (desajustamento individuais) e o abstrato (realização integral do homem).
Segundo o Documento de Araxá o objetivo remoto do Serviço Social é o provimento de recursos
indispensáveis ao desenvolvimento, à valorização e à melhoria das condições do ser humano,
atendimento de valores universais e à harmonia entre estes e aos valores culturais e individuais.
São valores universais consignados na “Declaração Universal dos Direitos do Homem” da ONU.
Quanto aos objetivos operacionais, está colocado o de levar a população a tomar consciência dos
problemas sociais e o estabelecimento de formas de integração social no desenvolvimento do
país. Definem-se como funções os serviços de atendimento direto, corretivo, preventivo e
promocional em casos, grupos, comunidade e populares e organizações.
A intervenção na realidade, através de processos de trabalho com indivíduos, grupos,
comunidades e populações, não é característica exclusiva do Assistente Social; o que lhe é
peculiar é o enfoque orientado por uma visão global do homem, integrado em seu sistema social.
(CBCISS, 1986:31)
Dentro desta perspectiva de globalidade, a metodologia se efetiva em dois níveis: macro e micro
atuação. A micro atuação é a administração e a prestação de serviços diretos e a macro atuação
ocorre no campo da política e planejamento para o desenvolvimento e se traduz pela participação
no planejamento, na implantação e na melhor utilização da infraestrutura social.
O documento distingue a infraestrutura social (facilidades básicas, programas para saúde,
educação, habitação e serviços sociais fundamentais) da infraestrutura econômica e física, porém
harmoniza suas prioridades como idênticas, sincronizando a micro atuação com a macro atuação.
A micro atuação pouco difere da atuação anterior e a macro atuação que dá o tom inovador.
Entretanto o evidente exagero do que se propõe como macro atuação, ou seja, participar dos
planos, programas e políticas sociais ao nível de formulação, exigiria uma super profissão. Os
assistentes não podem permanecer meros executores das políticas sociais, eles devem ser capazes
de também de formulá-las e geri-las.
Netto diz que embora o Documento de Araxá esteja preocupado com a teorização do Serviço
Social não a enfrenta explicitamente, pois é impossível encontrar em sua estrutura uma
compreensão teórica objetivada pela profissão, já que o mesmo se reduz a uma abordagem
técnica operacional em função do modelo básico do desenvolvimento.
No Documento de Teresópolis, o moderno triunfa sobre o tradicional não apenas na concepção
profissional, mas na pauta interventiva. A realização do Encontro de Teresópolis (no período
de10 a 17 de janeiro de 1970, enfatizando a nova postura do Assistente Social) significou a
consolidação da proposta modernizadora para a profissão, evidenciada no Documento de Araxá.
A participação dos Assistentes Sociais é alimentada por sete encontros regionais. Os
participantes são divididos em dois grupos de trabalho, que apresentam suas conclusões, que são
discutidas e realizadas uma conclusão final.
Nesse documento foram apresentados três textos debatidos:
Sendo o primeiro a “Introdução à questão da metodologia. Teoria do diagnóstico e da
intervenção no Serviço Social” de Sueli Gomes Costa. A autora é crítica e atenta para questões
que não são percebidas como em pensar o Serviço Social sem remetê-lo a problemática de fundo
das ciências sociais e ao questionamento histórico, debilidades teóricas e condicionamentos
ideológicos.
O segundo texto é de Tecla Machado Soeiro - “Bases para a reformulação da metodologia do
Serviço Social” tem formulações equivocas e errôneas. Para o autor Soeiro o objeto do Serviço
Social é o processo de orientação social, ou seja, o processo desenvolvido pelo homem a fim de
obter soluções normais para dificuldades sociais que se desenrola no interior do “processo social
básico” e, mais, que “é um processo natural”.
Há que se ressaltar que estes dois documentos pouco contribuíram nas discussões do Seminário,
o primeiro porque problematizava o documento de Araxá e estava além do horizonte
modernizador e o segundo porque estava aquém do nível das discussões.
Dantas Lucena ofereceu com o trabalho “A teoria metodológica do Serviço Social - Uma
abordagem sistemática”, uma concepção extremamente articulada da metodologia
modernizadora, que era o objetivo do seminário.
O Documento de Teresópolis possui características diversas e que se compõe dos relatórios dos
dois grupos de profissionais, divididos em grupo A e grupo B, que tem como temática a
“Concepção cientifica da prática do Serviço Social” e “Aplicação da metodologia do Serviço
Social”, além de discutir o Documento de Araxá. Busca a utilização do método cientifico e
método profissional e a conexão com as ciências sociais. Os relatórios se caracterizaram por
expor a concepção cientifica da prática do Serviço Social que é assumida como uma intervenção.
Netto também diz que o processo de amadurecimento de renovação do Serviço Social chegou ao
seu ponto mais alto na perspectiva modernizadora a partir dessas formulações, havendo um
avanço em relação ao Documento de Araxá. Essas formulações apontam para a requalificação do
assistente social, definem o perfil sócio técnico da profissão e inscrevem no circuito da
modernização conservadora, além de repor os vetores que deram tônica na elaboração de Araxá.
Netto também traz em seu livro os seminários de Sumaré e Alto da Boa Vista que não tiveram a
mesma repercussão dos anteriores que teve a condução da formulação dos problemas teóricos e
culturais e que se apresentaram defasadas em confronto com a modalidade de reflexão do debate
profissional.

3. 2 - A INTENÇÃO DE RUPTURA

Entre os vetores que intervieram no processo de renovação da profissão está a efetiva inserção
dos cursos de Serviço Social no circuito acadêmico (graduação e pós-graduação).
Dentro da perspectiva renovadora a que mais se ligou a universidade foi a intenção de ruptura
que pretendia romper substancialmente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-
metodológicas e prático-profissionais. É apontada como produto de professores.
A perspectiva da intenção de ruptura deveria construir-se sobre bases quase que inteiramente
novas; esta era uma decorrência do seu projeto de romper substantivamente com o
tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e prático-profissionais. (Netto,
2011:250)
Na área estatal e na área privada o terreno para inovações na perspectiva de ruptura era estreito e
o custo alto. A universidade oferecia um campo novo e menos inseguro para apostas de
rompimento. O espaço universitário era o que mais se prestava a este projeto- na relação ensino,
pesquisa e extensão situam-se os lócus privilegiado da inovação e seus desdobramentos.
Levando às experiências pilotos com campos de estágio, à interação intelectual entre assistentes
sociais sem demandas imediatas da prática profissional, à perda de controle institucional e
organizacional, à possibilidade de responder a demanda de interação de novo tipo com teorias e
disciplinas sociais, à possibilidade de responder a necessidade de sistematizar e elaborar as
práticas implementadas e à possibilidade de obter suportes teórico-metodológicos.
Nas agências de formação a primeira metade dos anos oitenta assinalou progressos notáveis
nesta perspectiva. Entretanto houve um descompasso entre a formulação das vanguardas e o
restante da categoria profissional. Podem ser citadas bases para o movimento de ruptura na
transição democrática:
- Mobilização antiditatorial dinamizada pelos setores da classe média urbana jogada na oposição;
- Crise da autocracia;
- Modificações sofridas pela sociedade brasileira, definindo as fronteiras e os perfis das classes
sociais;
- Os espaços ocupados na ultrapassagem da autocracia pelas camadas trabalhadoras começaram a
oferecer suporte para intervenção social aberta e legitimada e sistemas organizativos mais
avançados;
- Aproximação da categoria profissional às condições de trabalho das classes subalternas,
recepção das concretas situações de existência das classes e camadas exploradas e subalternas;
A perspectiva da intenção de ruptura desenvolveu a sua politização, sempre em confronto com a
ditadura, em certos momentos caiu para a partidarização e em posturas de evidente estreiteza.

São três os momentos constitutivos da perspectiva da intenção de ruptura:


A emersão, que se dá através do Método BH elaborado pela PUC/MG. Em Belo Horizonte, no
início da década de 70, ocorriam importantes movimentos sindicais e operários. Estes
movimentos assentavam-se sobre a tradição estudantil democrática no município e sobre as
impulsões revolucionárias e socialistas que ocorriam nesta época. O Método BH teve a direção
intelectual de Leila Lima e Ana Maria Quiroga, professoras da PUC/MG, que elaboram uma
crítica teórica pratica ao tradicionalismo profissional e propõem uma alternativa global para
romper com o tradicionalismo no plano teórico-metodológico, no plano da concepção e da
intervenção profissionais e no plano da formação profissional. Por razões pouco esclarecidas este
processo foi interrompido em 1975. O primeiro trabalho de implantação deste método foi no
município de Itabira.
A consolidação acadêmica do movimento Intenção de Ruptura ocorre do final dos anos 70 até
1983, quando há uma recuperação da intenção de ruptura sob novas bases, estritamente
acadêmica. São Paulo, Rio de Janeiro, Campina Grande são os principais locais onde se adota na
academia novas propostas de ruptura com o Serviço Social tradicional. A partir de então o
Serviço Social interage com outras tendências operantes no Serviço Social, adensa a produção
acadêmica e polarizam-se os debates profissionais. Passa-se do pensar sobre propostas para o
Serviço Social a pensar sobre o próprio Serviço Social. Os Assistentes Sociais são colocados
frente às “fontes” clássicas da teoria social. Configura-se a maioridade intelectual e teórica da
perspectiva da intenção de ruptura. A partir de meados dos anos oitenta patenteia-se que a
perspectiva da intenção de ruptura não é apenas um vetor do processo de renovação, evidencia-se
o seu potencial criativo, instigante e produtivo.
A continuidade e mudança no processo da intenção de ruptura se dão a partir da referência à
tradição marxista, inscrevendo-se no universo simbólico dos Assistentes Sociais de maneira
significativa. O projeto de ruptura remete a tradição marxista fazendo-o de formas diversas ao
longo do seu processo.
No momento da emersão aproxima-se da tradição marxista pelo viés da militância política,
frequentemente político-partidária. Estará presente a reiteração das discussões sobre “idealismo”
e “materialismo”, “ciência“ e “ideologia”, “teoria” e “prática”.
No “Marxismo acadêmico” se caracteriza pelos fortes traços de redução epistemologista,
fundando um padrão de analise textual da documentação profissional da política e da história
com lente paradigmática. Com o acúmulo dos anteriores e com as condições postas da tendência
democrática, direciona-se a recuperação de diferenciados substratos da tradição marxista para
analisar a atualidade profissional.
Netto, em seu livro, enfocou duas das contribuições que se salientam naquele acervo: Método
Belo Horizonte e a reflexão produzida por Marilda Villela Iamamoto.
O Método BH tem como objetivo meta a transformação da sociedade e do homem. Projeto
megalômano: atribuir à profissão transformar a sociedade e o homem. Como meta meio:
conscientização, capacitação e organização. E faz crítica ao “Serviço Social Tradicional”:
a) ideopolíticas: critica-se a sua aparente neutralidade que de fato se traduz no desempenho de
funções voltadas para determinados interesses.
b) teórico-metodológicas: o Serviço Social Tradicional oferece uma visão dicotômica entre a
realidade social e os grupos sociais, entre a sociedade e os homens, entre o sujeito e o objeto.
c) Operativo-funcionais: no Serviço Social Tradicional, os elementos constitutivos da ação
metódica não são explicados claramente. Compete apenas eliminar as disfunções, problemas de
desadaptação, condutas desviadas. Não delimita área de atuação, o critério é a localização dos
indivíduos.
Com o objetivo de elaborar um método científico, o método profissional fundamentou-se nas
relações, princípios e leis inerentes ao conhecimento e à própria realidade. Tais elementos
constituem o conteúdo objetivo do método e permitem concluir que o método profissional está
diretamente ligado à teoria científica e à realidade histórica, sendo inconcebíveis sem elas. Desta
forma, a teoria adquire sua significação metodológica e se converte em método, na medida em
que seus princípios, leis e teses são utilizados consciente adequadamente como instrumentos de
conhecimento e transformação prática da realidade... o método profissional é um meio de
conhecimento e interpretação desta realidade e, ao mesmo tempo, um instrumento da sua
transformação. (Santos, 1985:47)
A principal crítica ao Método BH é que a inspiração marxista não vai a fontes originais, tem
contaminação positivista. Combina formalismo e empirismo, deforma as efetivas relações entre
teoria, método e pratica profissional, simplifica as mediações entre sociedade e profissão.
A Reflexão de Iamamoto recusa “leitura interna” do Serviço Social e abordagem como
fenômeno da ordem burguesa (reflexo do quadro social). Busca o significado social da profissão
em sua conexão com a produção e reprodução das relações sociais (totalidade das relações
sociais da ordem burguesa e particularidade da formação social brasileira) e como profissão
referenciada no aprofundamento do capitalismo. Supõe que a apreensão do significado histórico
da profissão só é desvendada em sua inserção na sociedade a partir da divisão sociotécnica do
trabalho.
Ela faz uma análise entre o capital e as relações sociais; o assistente social como mediador;
centralização e racionalização da atividade assistencial de prestação de serviço sociais pelo
Estado ocorrem à medida que se amplia o contingente da classe trabalhadora e sua presença
política na sociedade; cidadania; redistribuição via Estado da parcela do valor criado pelos
trabalhadores e deles extraídas pelos capitalistas; conquistas travestidas em doação.
Na vertente modernizadora, que se vivencia a crise profissional como atualização da instituição e
reforço de suas bases de legitimação junto ás instâncias mandatárias, acentuam-se as mudanças
de forma do discurso e da prática, mantidos os vínculos do intelecto como o poder. Na tendência
que se lança na tentativa de ruptura com a herança conservadora do Serviço Social,
problematiza-se os requisitos e as dificuldades vivenciadas pelo intelectual que se orienta para
um outro projeto de sociedade, através de uma prática efetivamente inovadora. (Iamamoto,
1982:193)
O que a renovação profissional fez, através da elaboração dos formuladores, foi construir um
acúmulo no interior do qual é possível reconhecer as tendências fundamentais que mobilizam as
classes e os grupos sociais brasileiros no enfrentamento dos problemas da economia, da cultura e
da história. Essa renovação constituiu a contribuição dos assistentes para abrir o caminho ao
futuro, da sua profissão e da sociedade.

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluo que, na análise de Netto, do período da Ditadura Militar, vimos a necessidade de


reconceituação do serviço social ao mesmo tempo em que se configurou com um amplo processo
de questionamento e reflexões críticas da profissão. Essa renovação foi motivada pelas pressões
sociais e mobilizações dos setores populares, historicamente marcada pelas desigualdades de
classes e das questões sociais, em face de acúmulo do capitalismo, marcado também pela
perspectiva de ruptura com o Serviço Social tradicional.
José Paulo Netto em seu livro aborda a temática dos Seminários de Araxá, Teresópolis e pincela
sobre os Seminários de Sumaré e Alto da Boa Vista dando uma visão crítica sobre o Movimento
de Reconceituação do Serviço Social. Esses documentos ainda são uma referência para os
futuros profissionais do Serviço Social, visto que eles abordam o processo de renovação em uma
perspectiva modernizadora da profissão em um contexto em que ideias revolucionárias poderia
ser pretexto para retaliações.
O assistente social é um profissional especialmente habilitado para identificar e atuar em
problemas de educação, saúde, trabalho, justiça e segurança entre outras áreas, planejando e
executando políticas públicas comunitárias, podendo também atuar diretamente com os
indivíduos, famílias, grupos, empresas e comunidades.
Hoje a profissão do serviço social é muito admirada porquê e vista como o médico da sociedade,
pois profissional e politizado e bem dotado de conhecimento, compreendendo assim que ainda
nos dias atuais mesmo diante de todas as limitações, sejam elas sociais, institucionais, ou
profissionais, ainda existe esta vontade de sempre melhorar o exercício profissional, no qual
caberia aos assistentes sociais orientar a abertura de caminhos nos quais posso exercer seu
autogoverno de acordo com seus valores, crenças, anseios e aspirações.

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