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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E


CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE
SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

A ATUAÇÃO DA ASSISTENTE SOCIAL NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA


ESTUDANTIL EM TEMPOS DE FINANCEIRIZAÇÃO

ALINE MIRANDA CARDOSO

RIO DE JANEIRO
2023
ALINE MIRANDA CARDOSO

A ATUAÇÃO DA ASSISTENTE SOCIAL NA POLÍTICA DE


ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM TEMPOS DE FINANCEIRIZAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Mavi Pacheco Rodrigues

RIO DE JANEIRO
2023
“[...] Hoje vivo num futuro construído por meus pais
Ficam histórias e heranças, tesouros ancestrais
Meu presente foi sonhado, muitos, muitos anos atrás
Pela mão do povo negro, pela mão do povo indígena [….]”
Zé Manoel – História Antiga

Nossos passos vêm de muito longe...


Na certeza de que não caminho sozinha neste mundo,
reverencio toda a minha ancestralidade na figura das potentes
mulheres negras de minha família: Vó Sebastiana (in memorian),
Vó Maria (in memorian), Bazinha (in memorian) e Mamãe Zenir
(in memorian). As muitas lições diárias e memórias afetivas que
guardo de vocês contribuíram para forjar a mulher que me tornei
e, mais, a assistente social pesquisadora que se constrói/
reconstrói a cada linha desta tese. Meu amor maior a todas
vocês!
AGRADECIMENTOS

[…] E tudo, tudo, tudo, tudo que nós tem é nós!


Tudo, tudo, tudo que nós tem é
Tudo, tudo, tudo que nós tem é nós!
Tudo, tudo, tudo que nós tem é
Tudo, tudo, tudo, tudo que nós tem é nós!
Tudo, tudo, tudo que nós tem é
Tudo, tudo, tudo que nós tem é nós!
Tudo, tudo, tudo que nós tem é [...]
Vejo a vida passar num instante
Será tempo o bastante que tenho pra viver?
Não sei, não posso saber
Quem segura o dia de amanhã na mão?
Não há quem possa acrescentar um milímetro a cada estação
Então, será tudo em vão? Banal? Sem razão?
Seria, sim seria, se não fosse o amor
O amor cuida com carinho
Respira o outro, cria o elo
O vínculo de todas as cores
Dizem que o amor é amarelo
É certo na incerteza
Socorro no meio da correnteza
Tão simples como um grão de areia
Confunde os poderosos a cada momento
Amor é decisão, atitude
Muito mais que sentimento
Alento, fogueira, amanhecer
O amor perdoa o imperdoável
Resgata a dignidade do ser
É espiritual
Tão carnal quanto angelical
Não tá no dogma ou preso numa religião
É tão antigo quanto a eternidade
Amor é espiritualidade
Latente, potente, preto, poesia
Um ombro na noite quieta
Um colo pra começar o dia […]
Emicida - Principia

A escrita de uma tese é uma longa e solitária trajetória que possui altos e baixos
em dias comuns. A crise pandêmica que assolou o país desde o ano de 2020
acrescentou novos elementos a esse momento ímpar na vida de uma pesquisadora,
tanto do ponto de vista objetivo (das condições para realização da pesquisa) quanto
subjetivo. O isolamento social, o medo, a ansiedade, a luta pela sobrevivência, o
questionamento da ciência, a corrida pelo desenvolvimento de vacinas e as incertezas
diante dos desmandos do (des)governo neofascista foram marcas desse tempo
presente. Diante desse contexto tão adverso, a vida nos deixou em suspensão e exigiu
a necessidade de viver um dia de cada vez, sob o risco iminente de prejuízos para a
saúde física e/ou mental. Contraditoriamente, pela primeira vez na vida adulta, sempre
atropelada por questões de trabalho e estudos, tive a chance de gozar das dores e
delícias da convivência diária com minha família. Isto foi proporcionado a partir da
imposição do isolamento social e existência de situações de doença no seio familiar.
Sem romantizar os efeitos deletérios do sofrimento, em meio a esse caos, surgiu uma
flor no concreto, pois pude me reconectar intimamente com minha família, cuidar e ser
cuidada.
Além disso, o período pandêmico implicou no afastamento daquelas pessoas
que escolhi ao longo dos anos para trilhar lado a lado a dura jornada da vida. A
presença física e calorosa dos amigos teve que ser substituída por trocas de ideias e
de afetos pela mediação de uma fria tela de computador e/ou celular. Diferentes
esferas do cotidiano precisaram ser remodeladas para que a vida continuasse a fluir...
Destacar esse período tão atípico em nossa história recente é fundamental, pois esses
elementos também contribuíram para moldar a assistente social pesquisadora que
desenvolveu o presente estudo.
De todo o modo, sem a acolhida, os afetos, a torcida, os puxões de orelha,
conselhos, sorrisos e lágrimas de tanta e muita diferente gente não seria possível
construir o trabalho consubstanciado nesta tese.
Aos meus pais, Elenita e Damázio, meu casal 20 favorito! Vocês são minha
fortaleza, meu refúgio! Agradeço por todo o amor e a dedicação que se traduziram
nos inúmeros sacrifícios e empenho constante para me proporcionar a melhor
educação possível.
Aos meus irmãos, Dolores, Fernanda, Damázio e Diego, meus amores! As
adversidades da vida só serviram para fortalecer e estreitar nossos laços. Eu tenho
muito orgulho da relação que temos construído. Os sorrisos de vocês são meu sorriso,
suas lágrimas são minhas. Somente há uma palavra para traduzir o significado e a
importância de vocês na minha vida: UBUNTU! Eu sou porque nós somos!
Às minhas avós centenárias, Sebastiana e Maria, pela honra de ter convivido
com vocês e ter recebido pílulas de sabedoria e amor. Sei que continuam guiando
meus passos, ainda que não estejam presentes fisicamente.
Aos meus tios e tias que também são meus alicerces nessa vida. Cada um a
seu modo, pela acolhida, preocupações, incentivo, apoio e abundância de amor!
Minha eterna gratidão, Tia Maria, Tio Neném, Tia Deniz, Tia Zezé, Tia Regininha e,
em especial, Bazinha, Mamãe Zenir e Tia Eponina, que mesmo não estando
presentes fisicamente, sempre estarão comigo!
Às minhas primas, Liliane e Verônica, pelo carinho e incentivo constante. Vê,
em especial, por ter me encorajado a retomar uma das minhas grandes paixões na
vida: o estudo de piano. Nos últimos meses da escrita, o piano me proporcionou bons
momentos de suspensão do cotidiano.
Às amigas de longa data, Lelê, Paty e Wininie, ainda que a convivência mais
próxima seja cada vez mais difícil, nossa amizade segue firme. E agora o bonde
cresceu: minha afilhada Iasmin, Gianna Maria e a pequena Ana Liz também são parte
desse enorme carinho e amor que nos envolve.
Josi, um presente especial da graduação na UFRJ. Ainda que não tenhamos
trilhado o mesmo caminho no Serviço Social, você soube se fazer presente em cada
etapa da minha vida desde então. Pelo carinho, cumplicidade e pela intensidade de
nossa amizade que não diminui mesmo que a presença física esteja temporariamente
dificultada.
Ju Bronze, Cissa, Rosa e Martin, amizades cultivadas na época da graduação
que não sofreram com tempo. Agradeço o carinho e a torcida. À Rosa, também por
fornecer pequenas doses de alívio da tensão ao narrar as peripécias e aventuras do
pequeno Miguel que sempre me arrancam boas gargalhadas.
Às pipas, Vivi, Ariele, Erika, Vivi Aquino, Fernanda e Tati, por entenderem
minhas ausências e respeitarem meu tempo. Pela acolhida, carinho e pelos momentos
envoltos de bebidas, dancinhas e sorrisos para aliviar a tensão. Ari, nunca vou
esquecer o quanto você me ajudou na correria que foi o processo de inscrição do
doutorado. Vivi Aquino, aos 365 shows que fomos às terças no Teatro João Caetano
que nos fizeram dar boas gargalhadas. Val, seu companheiro de vida, fico grata por
sua gentileza em trocar ideia comigo sobre parte das análises quantitativas da tese.
Fernanda e Tati, pelas palavras de incentivo que me deram força para continuar.
Kinha, pela amizade existente desde o primeiro período da faculdade e que se
sustenta pelo carinho e incentivo constante. Kinha e Tiago, nos deram a pequena
Malu, lindeza de menina que sempre alegra os encontros das pipas.
Vivi, tivemos uma pequena separação na jornada da pós-graduação, pois
optamos por realizar o doutorado em períodos diferentes, à contragosto seu, diga-se
de passagem (rs). Mas, isso de forma alguma impediu que nos apoiássemos. Minha
amiga, mais uma vez você generosamente leu e releu minha escrita desde que era só
uma ideia inicial, me instigou com suas provocações e me fez seguir adiante, mesmo
quando meus passos falseavam. Minha eterna gratidão pela paciência, sagacidade,
carinho e incentivo constante.
Jonatas, companheiro que me acompanha desde os tempos do mestrado na
UERJ (o saudoso ME/2010!). Naquela época, lembro que éramos uns dos poucos, se
não os únicos da turma, que não tinham o desejo latente de seguir a carreira docente.
Anos mais tarde, nos reencontramos no mesmo espaço sócio-ocupacional no serviço
público federal: a política de assistência estudantil! Nossos laços de amizade foram
renovados e, desde então, ousamos sonhar, com pés bem fincados no chão, a
construção coletiva de uma política de permanência sobre novas bases. Ainda que
não estejamos na mesma turma de doutorado, nossa cumplicidade permeou
praticamente todas as fases de elaboração de nossas teses. Pelos debates calorosos,
lamentos e reflexões profundas compartilhadas! Com certeza você tornou essa
jornada mais leve e divertida! Adelante, compa!
Às amigas da vida, Alê, Helô, Jéssica e Renatinha por entenderem minhas
dores sem que eu precisasse esboçar muitas explicações. Pelo olhar acolhedor, colo,
puxões de orelha e por compartilharem os momentos de alegrias e intempéries da
vida. Sérgio e J. Sérgio pela amizade, carinho e, também, por juntamente com Helô e
Jéssica me permitirem ser a tia do Bem e do Thomás, dois leoninos iluminados e
graciosos.
Às amigas Keila, Magda, Patrícia e Maria Helena, ainda que não tenhamos
mais o prazer da convivência diária, vocês sempre terão um lugar especial em minha
vida. Além do enorme carinho, vocês seguem sendo minhas referências como
servidoras públicas competentes, comprometidas e dedicadas.
Rhossane, pela cumplicidade e amizade que surgiu enquanto dividíamos o
mesmo espaço profissional, mas que se transbordou para as outras esferas da vida.
Pelo enorme carinho, confidências, momentos de estudos compartilhados e por
sempre me instigar a ir além quando se trata de fazer uma análise crítica de nosso
exercício profissional.
Aos amigos de amigos que num piscar de olhos passam a fazer parte da vida
da gente de forma tão leve e genuína. Diogo Almeida, Diogo Abreu, Guto e Claudinha,
pelo carinho, papos cabeça, viagens, bebidas, sorrisos, sambas e forrós da vida.
À Mônica que foi fundamental na manutenção de minha sanidade mental,
sobretudo, nos momentos de maiores dificuldades. Pela acolhida, comprometimento
e excelência profissional.
Muitas vezes o espaço de trabalho é marcado por relações tensas e arredias,
mas há sempre aquelas centelhas de luz que tornam nossos dias mais agradáveis.
Existem pessoas que caminhando ao nosso lado nos fortalecem para que possamos
empreender as pequenas e grandes lutas diárias que envolvem o trabalho na
educação pública federal. Luciano e Thaís, eu tive a sorte de atuar no mesmo campus
que vocês e construir muitas rotinas e ações do zero, em nossas respectivas áreas
de atuação. Assim, praticamente vimos a escola criar vida. Sou grata por todo
aprendizado proveniente de nossas trocas, da amizade, do apoio nos momentos mais
tensos e do carinho que brotou nessa linda relação. Esther, embora tenha chegado
alguns anos depois, com seu jeitinho mineiro espontâneo tornou meus dias mais leves
e divertidos. Alê e Thaís (ex- Caxias rs), o trabalho na Comissão Interna de Supervisão
nos aproximou de tal maneira que a amizade transbordou os muros institucionais.
Agradeço por toda paciência que tiveram comigo ao compartilhar seus conhecimentos
para a análise dos processos, pelo carinho e alegria que sempre é uma marca em
nossos encontros.
Ao Fórum de Assistentes Sociais do IFRJ, em especial, as queridas Lucília,
Gleyce, Rita, Cristina, Bruna e Roselene. Sou grata por ter ao lado colegas de
profissão que são referência para mim. São pessoas que não titubeiam um minuto
sequer quando é necessário travar embates necessários diante dos atropelos
institucionais. São absolutamente competentes e comprometidas com a defesa de
uma educação pública de qualidade, socialmente referenciada e com uma concepção
de política de permanência que vai para além dos auxílios. Aline Abreu, embora não
esteja mais conosco no IFRJ, você nunca deixará de fazer parte dessa história que
vimos construindo.
À gestão do IFRJ, por conceder meu afastamento para pós-graduação no ano
de 2020, o que propiciou minha dedicação exclusiva para escrita e defesa do projeto
de qualificação, bem como a elaboração final da tese.
Às minhas queridas e querido companheiros de pesquisa e extensão do Numar
e Neeae, Arlene, Camila, Fernanda, Jéssica, Jonatas, Patrícia e Simone. Caminhar
ao lado de vocês tornou minha jornada mais leve e prazerosa. Pelo imenso carinho
que nutrimos, pelas reflexões e pelo comprometimento em tornar realidade cada ideia
ousada que tivemos nesse processo. A responsabilidade da escrita desta tese é
minha, mas, além do material empírico que serviu de base, muitas análises foram
inspiradas em nossos debates e trocas coletivas.
Ao DO/2018, primeira turma de doutorandos cotistas, por toda potência que ela
representa. Pela diversidade e pertinência dos temas de pesquisa, trocas e reflexões,
embates necessários, mas também pelos afetos compartilhados e companheirismo
que em muitos casos transbordaram os muros da universidade. Em especial, Rafa,
Ricardo, Corato, Gabi, Ingredi, Camila Barros, Clariça, Mônica, Sandra, Cláudia,
Vânia, Rosi, Mariana e Natália Coelho e, também, meus contemporâneos de
graduação que eu tive a honra de reencontrar no doutorado, Camila Chaves, Camila
Cunha, Luana, Rodrigo Manhães, Sheila Dias e Silvana.
Rafa e Ricardo, pelo laço de amizade que se forjou desde o momento em que
soubemos da aprovação no doutorado. Ali nasceu a conexão Rio de Janeiro x Distrito
Federal x Pará que se traduziu em encontros, viagens, trocas e reflexões, regadas
com muito afeto e cumplicidade.
Aos estudantes que com suas lutas e brilho nos olhos, renovam minhas
esperanças e me fazem ter força para seguir lutando.
Às assistentes sociais da rede federal que atuam na assistência estudantil que,
inconformadas com os efeitos perversos do capitalismo em seu estágio financeirizado
sobre a política, lutam na contracorrente por uma educação de qualidade, laica,
gratuita e com a garantia das devidas condições de acesso e permanência!
Aos técnico-administrativos e professores PPGSS/UFRJ que, mesmo diante
das condições adversas da universidade pública em tempos de precarização e
intensificação do trabalho, forneceram as condições necessárias para minha formação
profissional, em especial, Murilo e Marluce.
Aos professores que compõem minha banca, agradeço por terem aceitado
essa árdua tarefa. Ana Elizabete, Cézar e Simone suas contribuições desde o
momento da qualificação da tese foram fundamentais para iluminar e guiar meu
percurso. Gleyce, minha gratidão por sua gentileza em se juntar a nós nessa reta final.
Expresso minha admiração por todos vocês pela trajetória na profissão, pelos
conhecimentos generosamente compartilhados e por serem grandes referências para
mim.
À Mavi, que esteve no início de minha trajetória acadêmica como professora no
primeiro período de faculdade e se tornou minha orientadora no doutorado, agradeço
a confiança e por ter me acompanhado e compartilhado seus conhecimentos nessa
jornada.
E vamos à luta!

“Eu acredito é na
rapaziada Que segue em
frente e segura o rojão Eu
ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta
o leão Eu vou à luta com essa
juventude Que não corre da
raia a troco de nada Eu vou no
bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã
desejada Eu
acredito é na
rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão (Como é que não?)
Eu ponho fé, é na fé da
moçada Que não foge da fera e
enfrenta o leão Eu vou à luta
com essa juventude
Que não corre da raia a troco
de nada Eu vou no bloco
dessa mocidade Que não
tá na saudade e constrói
A manhã
desejada Aquele que sabe que é negro
o couro da gente E segura a batida da
vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo
tão duro E apesar dos pesares, ainda se orgulha
de ser brasileiro Aquele que sai da batalha, entra
no botequim
Pede uma cerva gelada e agita na mesa uma
batucada Aquele que manda o pagode e sacode a
poeira suada da luta
E faz a brincadeira, pois o resto é besteira
E nós estamos
pelaí... Acredito é
na rapaziada...”
[...]

Gonzaguinha
RESUMO

CARDOSO, Aline Miranda. A atuação da assistente social na política de


assistência estudantil em tempos de financeirização. Rio de Janeiro, 2023. Tese
(Doutorado em Serviço Social) – Escola de Serviço Social, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

O presente estudo busca evidenciar alguns dos aspectos contraditórios que permeiam
a expansão da educação superior brasileira, sobretudo, nos últimos 30 anos, bem
como os contornos assumidos pela política de permanência gestada nesse contexto
e seus rebatimentos no exercício profissional das assistentes sociais. Considera-se
que é a coexistência de dois aspectos centrais que caracterizam este cenário a partir
dos anos 1990: De um lado, o crescimento vertiginoso da destinação de parcelas do
fundo público para as entidades privadas (via Prouni, Fies e EAD), sobretudo, as de
caráter não universitário, vinculadas aos oligopólios educacionais constituídos pelo
capital financeiro nacional e estrangeiro. Por outro, nesse período em que ocorre um
aprofundamento do empresariamento e financeirização desse nível de ensino, o
Reuni, com todas as contradições que envolvem a sua implementação, emerge como
uma contratendência. Isto porque proporcionou o crescimento da rede federal pública
e ampliou o ingresso de estudantes das camadas populares da sociedade a uma
educação de caráter universitário. No entanto, isso ocorreu sem a devida ampliação
dos recursos orçamentários. Ou seja, o (des)financiamento histórico destas
instituições foi desconsiderado, implicando na manutenção de déficits de pessoal,
insuficiência de políticas de permanência, sucateamento das estruturas físicas e
precarização das condições de trabalho. No bojo dos processos de
expansão/reestruturação das universidades, algumas medidas adotadas contribuíram
para a diversificação do perfil estudantil, as quais destaca-se o Decreto n. 7.234/10, a
Lei das Cotas e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), dentre outros. Segundo a
pesquisa realizada pelo Fonaprace (2019), o perfil de estudantes universitários tornou-
se majoritariamente feminino, negro, com média etária de 24,4 anos, com origem
escolar pública e renda familiar de até três salários-mínimos. Um corpo estudantil mais
diversificado tende a demandar uma multiplicidade de questões para intervenção
profissional. No entanto, na atual quadra histórica a característica que particulariza a
operacionalização das políticas sociais é a financeirização – um fenômeno que
compreende um conjunto de manifestações em cada política setorial. Especificamente
na assistência estudantil, sua face mais visível se expressa na centralidade que
assumem os programas de bolsas/auxílios em detrimento de equipamentos coletivos
e serviços de caráter mais universal. Assim, a satisfação do conjunto de necessidades
dos estudantes é remetida para a esfera do mercado, implicando no estabelecimento
de uma cidadania pelo consumo. Os supracitados processos de
expansão/reestruturação das universidades também resultaram na ampliação do
quantitativo de assistentes sociais para atuar nas condições de acesso e
permanência. Mas, diante do cenário de contínuas restrições orçamentárias e
prevalência do caráter bolsificado da política, as profissionais são pressionadas a
atuar nos efeitos mais imediatos das mazelas da “questão social” no campo
educacional, por meio da manipulação de variáveis empíricas num viés produtivista e
quantitativo. Ademais, a aparência de uma prática indiferenciada que decorre de
natureza sincrética da profissão, de um lado, favorece a absorção de algumas
atividades que se destoam da regulamentação profissional. Mas, de outro, é
justamente nessa aparência polivalente é que residem as possibilidades de
elaboração de respostas profissionais que não se limitem às requisições institucionais
que buscamos explorar neste estudo.
Palavras-chave: Assistência estudantil; expansão da educação superior; exercício
profissional das assistentes sociais; universidades federais do Rio de Janeiro.
ABSTRACT

CARDOSO, Aline Miranda. The role of the social worker in the student aid policy
in times of financialization. Rio de Janeiro, 2023. Thesis (Doctorate in Social Work)
– School of Social Work, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

The present study seeks to highlight some of the contradictory aspects that permeate
the expansion of Brazilian higher education, especially in the last 30 years, as well as
the contours assumed by the policy of student permanence gestated in this context,
and its repercussions in the professional practice of social workers. The coexistence
of two central aspects characterizes the scenario from the 1990s onwards. First, the
dizzying growth of the allocation of portions of the public fund to private entities (via
Prouni, Fies, and EAD), especially those of a non-university nature, linked to the
educational oligopolies constituted by national and foreign financial capital. Second,
in this period in which there is a deepening of the entrepreneurship and
financialization of this level of education, Reuni, with all the contradictions that involve
its implementation, emerges as a countertrend. This is because it provided the
growth of the federal public network and expanded the application of students from
the popular strata of society to an education of a university character. However, this
occurred without the proper expansion of budgetary resources. The historical
(de)financing of these institutions was disregarded, implying the maintenance of
understaffing, insufficient policies for student permanence, scrapping of physical
structures, and precariousness of working conditions. In the midst of the processes of
expansion/restructuring of universities, some measures adopted contributed to the
diversification of the student profile, which highlights Decree No. 7,234/10, the Quota
Law and the Unified Selection System (Sisu), among others. According to the
research conducted by Fonaprace (2019), most university students are female, and
black, with an average age of 24.43 years, come from public school and their family
income is up to three minimum wages. A more diverse student body tends to demand
a multitude of questions for professional intervention. However, currently, the
characteristic that particularizes the operationalization of social policies is
financialization – a phenomenon that comprises a set of manifestations in each
sectoral policy. Specifically in student aid, its most visible face is expressed in the
centrality that the scholarship/aid programs assume to the detriment of collective
equipment and services of a more universal character. Thus, the satisfaction of the
set of needs of the students is remitted to the sphere of the market, implying the
establishment of citizenship through consumption. The aforementioned processes of
expansion/restructuring of universities also resulted in the expansion of the number
of social workers to work in the conditions of access and permanence. But, faced
with the scenario of continuous budget restrictions and the prevalence of the financial
transference character of the policy, professionals are pressured to act on the most
immediate effects of the ills of the "social issue" in the educational field, through the
manipulation of empirical variables in a productivist and quantitative bias. Moreover,
the appearance of an undifferentiated practice that stems from the syncretic nature of
the profession, on the one hand, favors the absorption of some activities that are at
odds with professional regulation. But, on the other hand, it is precisely in this
multipurpose appearance that resides the possibilities of elaboration of professional
answers that are not limited to the institutional requirements that we seek to explore
in this study.

Keywords: Student aid; expansion of higher education; professional practice of


social workers; federal universities of Rio de Janeiro.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Vagas ofertadas na graduação presencial nas universidades federais


de 2003 a 2017........................................................................................ 203
Gráfico 2 Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais e à
distância) da UFRJ, em termos absolutos, 2007-2017........................... 223
Gráfico 3 Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais e à
distância) da UFF, em termos absolutos, 2007-2018............................. 225
Gráfico 4 Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais e à
distância) da Unirio, em termos absolutos, 2007-2018........................... 228
Gráfico 5 Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais e à
distância) da UFRRJ, em termos absolutos, 2007-2019........................ 230
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Tempo de experiência das assistentes sociais na educação................ 216


Quadro 2 Ações da UFRJ em cada eixo previsto no Decreto Pnaes.................... 222
Quadro 3 Ações da UFF em cada eixo previsto no Decreto Pnaes...................... 225
Quadro 4 Ações da Unirio em cada eixo previsto no Decreto Pnaes.................... 227
Quadro 5 Ações da UFRRJ em cada eixo previsto no Decreto Pnaes................. 229
Quadro 6 Critérios de seleção para concessão de bolsas/auxílios....................... 246
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Quantitativo de estudantes atendidos pelo Serviço Social..................... 217


Tabela 2 Quantitativo de alunos da UFRJ – 2007 e 2017....................................... 220
Tabela 3 Quantitativo de alunos da UFF – 2007 e 2018......................................... 223
Tabela 4 Quantitativo de alunos da Unirio – 2007 e 2018...................................... 226
Tabela 5 Quantitativo de alunos da UFRRJ – 2007 e 2019.................................... 228
Tabela 6 Localização administrativa, natureza e percentual de discentes por
cidade do campus, segundo Ifes – 2018................................................. 232
Tabela 7 Expansão de indicadores acadêmicos na educação superior -
universidades federais por região - 2002-2017....................................... 233
Tabela 8 Evolução do volume de recursos aprovados para o PNAES (2008-
2018) – Brasil.......................................................................................... 234
Tabela 9 Evolução dos recursos orçamentários destinados à assistência
estudantil executados nas universidades federais do RJ (R$) ................ 235
Tabela 10 Quantitativo de alunos presenciais, quantitativo de bolsas/auxílios e
cobertura da assistência estudantil no universo
estudantil................................................................................................ 236
Tabela 11 Valor médio das bolsas/auxílio, valor do salário-mínimo e percentual
das bolsas/auxílios em relação ao salário-
mínimo.................................................................................................... 237
Tabela 12 Relação de assistentes sociais x alunos por
universidade........................................................................................... 243
Tabela 13 Orçamento da rubrica Pnaes de 2011-2019, por grupo de despesas,
das universidades federais do RJ (valores em reais) .............................. 270
LISTA DE SIGLAS

ABDR Associação Brasileira de Direitos Reprográficos


ABPN Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as
Anbima Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de
Capitais
Andes Sindicato Nacional dos Docentes das IFES
Andifes Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
Ensino Superior
Anel Assembleia Nacional dos Estudantes Livres
BAP Bolsa Auxílio Permanência
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM Banco Mundial
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BPC Benefício de Prestação Continuada
Caad-UFF Coletivo de Estudantes com Deficiência da Universidade Federal
Fluminense
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
Cead Centro de Educação Aberta, Continuada, a Distância
Cederj Consórcio de Ensino à Distância do Estado do Rio de Janeiro
Cefet-RJ Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
CES Câmara de Educação Superior
CNE Conselho Nacional de Educação
Cfess Conselho Federal de Serviço Social
CF 88 Constituição Federal de 1988
Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
Conune Congresso da União Nacional dos Estudantes
CPF Cadastro de Pessoa Física
Creduc Crédito Educativo
Cras Centros de Referência de Assistência Social
Creas Centros de Referência Especializados de Assistência Social
Cress Conselho Regional de Serviço Social
CSLL Contribuição sobre o Lucro Líquido
DAE Diretoria de Assistência ao Estudante
DPU Defensoria Pública da União
Ebserh Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
EC Emenda Constitucional
EAD Educação à distância
Eecun Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros
Enade Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
EME Encontro de Mulheres Estudantes
Enei Encontro Nacional de Estudantes Indígenas
Enem Exame Nacional do Ensino Médio
Enpess Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social
Enuds Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual
ENUDSG Encontro Nacional em Universidade sobre Diversidade Sexual e
Gênero
Enune Encontro de Negros e Negras Cotistas da UNE
EPT Educação Profissional Tecnológica
EUA Estados Unidos
Fasubra Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos
em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil
FGEDUC Fundo de Garanta de Operações de Crédito Educativo
FHC Fernando Henrique Cardoso
Fies Fundo de Financiamento Estudantil
FMI Fundo Monetário Internacional
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNDEP Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
Fonaprace Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e
Estudantis
GBLT Gays, Bissexuais, Lésbicas, Travestis e Transsexuais
Gepesse Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na área da
Educação
IBC Instituto Benjamin Constant
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Idec Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano do Município
IES Instituições de Educação Superior
Ifes Instituição Federal de Ensino Superior
IFF Instituto Federal Fluminense
IFRJ Instituto Federal do Rio de Janeiro
Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
Ines Instituto Nacional de Educação de Surdos
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais
LGBTQIA+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais,
Assexuais e Demais Orientações Sexuais e Identidades de Gênero.
MEC Ministério da Educação
Napne Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Específicas
Neabi Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas
Neeae Núcleo de Estudos da Educação e da Assistência Estudantil
Nugeds Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual
Numar Núcleo de Mapeamento e Articulação em Ruptura – o Serviço Social
na Assistência Estudantil
OCC Outros Custeios e Capital
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OGU Orçamento Geral da União
OMC Organização Mundial do Comércio
PBF Programa Bolsa Família
PCCTAE Plano de Carreira dos Cargos Técnico Administrativos em Educação
PC do B Partido Comunista do Brasil
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PDRE Plano Diretor da Reforma do Estado
PEC Proposta de Emenda à Constituição
PIS Programa de Integração Social
PL Projeto de Lei
Pnaes Programa Nacional de Assistência Estudantil
PNE Plano Nacional de Educação
PIB Produto Interno Bruto
Pronatec Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
Prouni Programa Universidade para Todos
PT Partidos dos Trabalhadores
PUCRCE Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos
Reuni Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
RU Restaurante Universitário
SEB Sistema Educacional Brasileiro
Seed Secretaria de Educação a Distância
Sesu Secretaria de Ensino Superior
Sinaes Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior
Siop Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
Sisu Sistema de Seleção Unificada
SM Salário-mínimo
Suas Sistema Único de Assistência Social
TCG Taxa de Conclusão da Graduação
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
TSG Taxa de Sucesso na Graduação
UAB Universidade Aberta do Brasil
Ubes União Brasileira de Estudantes Secundaristas
Uenf Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Uerj Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFA Universidade Fora do Armário
UFF Universidade Federal Fluminense
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Ufscar Universidade Federal de São Carlos
UJS União da Juventude Socialista
UNB Universidade Federal de Brasília
UNE União Nacional dos Estudantes
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
Unifesspa Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
Unirede Rede de Educação Superior a Distância
Unirio Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Upeindígenas União Plurinacional de Estudantes Indígenas
USP Universidade de São Paulo
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 24

1 “QUESTÃO SOCIAL”, POLÍTICAS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL............... 35


1.1 “QUESTÃO SOCIAL” E POLÍTICA SOCIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES A
RESPEITO DA GÊNESE SÓCIO-HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL …............ 35
1.2 SERVIÇO SOCIAL: O SINCRETISMO COMO FIO CONDUTOR DA
PRÁTICA PROFISSIONAL …............................................................................... 40
1.3 CONTRARREFORMA DO ESTADO BRASILEIRO NOS ANOS 1990 E
FINANCEIRIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS.................................................. 56

2 CONTRARREFORMA DO ESTADO E EDUCAÇÃO SUPERIOR..................... 95


2.1 A INFLUÊNCIA DE ORGANISMOS MULTILATERAIS NA
CONTRARREFORMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPOSIÇÃO
OU CONVENIÊNCIA?........................................................................................... 95
2.2 A EXPANSÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA EM
TEMPOS DE FINANCEIRIZAÇÃO........................................................................ 112
2.3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E OS CONTORNOS
ASSUMIDOS NUM CONTEXTO DE EXPANSÃO E FINANCEIRIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR...................................................................................... 151
2.4 POR UMA UNIVERSIDADE MAIS PLURAL, DIVERSA E COLORIDA:
ANÁLISE DAS DEMANDAS POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA POSTAS
PELOS ESTUDANTES …..................................................................................... 161

3 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DAS ASSISTENTES SOCIAIS NA


POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DAS UNIVERSIDADES
FEDERAIS DO RJ................................................................................................ 200
3.1 PERFIL DAS ASSISTENTES SOCIAIS LOTADAS NAS UNIVERSIDADES
FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO......................................................................... 212
3.2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E O EXERCÍCIO
PROFISSIONAL DAS ASSISTENTES SOCIAIS NAS UNIVERSIDADES
FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO......................................................................... 218
3.3 DEMANDAS ESTUDANTIS X RESPOSTAS PROFISSIONAIS DAS
ASSISTENTES SOCIAIS POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA: DESAFIOS
E POSSIBILIDADES................................................................................................ 264

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 286


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 294
INTRODUÇÃO

O presente estudo deriva de inquietações decorrentes de minha trajetória


profissional no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), onde atuo no âmbito da
política de assistência estudantil. Desde o meu ingresso na referida instituição, no ano
de 2016, minha principal frente de trabalho estava vinculada diretamente ao Programa
de Auxílio Estudantil e de Permanência. Isto implicava na execução de um conjunto
de tarefas administrativas e burocráticas que consumiam boa parte do tempo no
desenvolvimento das ações, em função da atual configuração da política, centrada na
bolsificação e no reforço do caráter focalista e seletivo das políticas sociais.
Naquela ocasião, como estratégia profissional elaborei um plano de trabalho
que previa minha inserção em diversos espaços no âmbito institucional. Embora, do
ponto de vista da gestão, as frentes de trabalho delineadas não eram consideradas
prioritárias, do ponto de vista da profissão, significavam uma atuação para além dos
auxílios, ou seja, para além das requisições institucionais. Com isso, buscava realizar
uma intervenção pautada em diferentes condições de permanência 1, o que estava
diretamente atrelado a uma concepção mais ampliada da política de assistência
estudantil2.
No contato com outras profissionais atuantes na política foi possível identificar
que as inquietações a respeito da configuração atual da assistência estudantil eram
similares. Independente da instituição de ensino da esfera federal – universidades,
colégios e/ou institutos federais – a política de permanência centrava-se na oferta de
bolsas/auxílios e demandava as assistentes sociais fundamentalmente para realizar

1 Referimo-nos aqui ao Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Específicas (Napne),


Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (Nugeds), Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas
(Neabi), Cineclube Quilombo dos Puris que debatia diversos temas transversais ao espaço escolar,
Projeto Integrador vinculado ao Ensino Médio Integrado ao Guia de Turismo e, ainda, projeto de
extensão e pesquisa em articulação com assistentes sociais atuantes na política de assistência
estudantil em outras Instituições Federais de Ensino, por meio do Núcleo de Mapeamento e Articulação
em Ruptura – o Serviço Social na Assistência Estudantil - Numar.
2 Neste ponto, corroboramos com concepção de Lima, G (2017, p. 120) a respeito da assistência

estudantil, pois a autora a concebe como “uma modalidade de política social voltada ao trato das
expressões da “questão social” no interior das instituições de ensino e está associada ao universo de
constrangimentos que os estudantes oriundos da classe trabalhadora se defrontam para permanecer
estudando. Tais constrangimentos se expressam pelos numerosos carecimentos materiais que esses
discentes atravessam no seu cotidiano quanto ao transporte, à alimentação, ao material didático e à
moradia ou, ainda, nos mecanismos de exclusão operados nessas instituições com base na origem de
classe, na trajetória escolar, na identidade étnico-racial, nas relações de gênero e na orientação
sexual”.
24
análises socioeconômicas, além do conjunto de atividades administrativas que
envolviam os processos seletivos.
No ímpeto de buscar alternativas e respostas coletivas para intervir nesta
realidade surgiu uma das experiências mais potentes que tive a oportunidade de
vivenciar ao longo de minha trajetória profissional: a estruturação do Núcleo de
Mapeamento e Articulação em Ruptura – o Serviço Social na Assistência Estudantil –
Numar.
O referido núcleo é composto por uma rede de assistentes sociais e estagiários
lotados na política de assistência estudantil de diferentes instituições federais de
ensino, a saber: Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(Cefet-RJ), IFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Federal
Fluminense (IFF) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Destaca-se que a grande maioria das profissionais integrantes do Numar
ingressou nesta área de atuação entre os anos de 2014 e 2016, estava insatisfeita
com a configuração atual da política de assistência estudantil e buscava construir
coletivamente alternativas e estratégias para modificar este cenário. O
desenvolvimento da pesquisa do Numar e o presente estudo não se assentam numa
suposta neutralidade da produção do conhecimento científico. Em ambos os estudos,
a relação entre sujeito e objeto é íntima e intensa, já que as pesquisadoras se
debruçaram sobre a análise do campo de atuação no qual estão inseridas.
Desse modo, a conformação do Numar surgiu com o objetivo de conhecer o
exercício profissional de assistentes sociais na política de assistência estudantil nas
instituições federais de ensino do estado do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo,
fomentar a qualificação e a articulação desses profissionais.
Diante da forte tendência de restrição de nosso trabalho à execução dos editais
de bolsas e/ou auxílios, no qual se destaca a realização de análises socioeconômicas,
foram forjadas estratégias para garantir a participação efetiva de suas integrantes. No
ano de 2017, foram formalizados dois projetos que permitiram estruturar suas ações
oficialmente: o primeiro denominado “Projeto de Pesquisa e Extensão Articulando e
Potencializando o Serviço Social na Assistência Estudantil”, aprovado pelo Edital n.º
002/2017/DIREX do Cefet-RJ, que viabilizou a remuneração de um bolsista de nível
superior neste ano; e o segundo denominado “Mapeamento interinstitucional sobre o
exercício profissional de assistentes sociais na política de assistência estudantil nas
25
Instituições Federais de Ensino do estado do Rio de Janeiro”, aprovado pelo edital
PIBICT / PROCIÊNCIA 2017-2018, no âmbito do IFRJ.
As ações que dão corpo ao Numar estão situadas em dois níveis: mapeamento
e articulação. O primeiro nível engloba duas frentes, sendo uma diretamente ligada à
pesquisa, com o objetivo de mapear os elementos que permeiam o exercício
profissional dos assistentes sociais na política de assistência estudantil das diferentes
instituições federais de ensino do estado do Rio de Janeiro. A segunda diz respeito
ao observatório virtual que surgiu com o intuito de reunir de forma virtual um conjunto
de normativas, políticas, documentos e produção bibliográfica que conjuguem o
exercício profissional e a política de assistência estudantil. Seu caráter é nacional e
contínuo e visa facilitar o acesso de qualquer pessoa que tenha interesse na temática
por meio de nosso sítio eletrônico (https://numarseso.wixsite.com/observatorio).
Todas as demais frentes do Numar integram o segundo nível de atuação –
articulação –, sendo voltadas para a educação permanente e imbuídas de um caráter
articulador. São elas: rodas de conversa, curso de extensão, grupo de estudos e
estudos de casos3. Ressalta-se que parte das ações do Numar, sobretudo, a pesquisa
e as rodas de conversa, são desenvolvidas em parceria com o Núcleo de Estudos da
Educação e da Assistência Estudantil (Neeae)4 da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), coordenado pela professora Simone Lessa da Faculdade de Serviço
Social desta mesma universidade.
Nesse sentido, tanto minha inserção profissional no IFRJ, quanto a
possibilidade de desenvolver ações de pesquisa e extensão de forma coletiva com
outras assistentes sociais atuantes na assistência estudantil que compartilhavam os
mesmos incômodos a respeito da configuração da referida política, além dos mesmos
princípios teórico-metodológicos e ético-políticos, foram fundamentais para escolha
de meu tema de pesquisa no doutorado: o exercício profissional das assistentes
sociais na assistência estudantil das universidades do estado do Rio de Janeiro.
Portanto, não é uma escolha ao acaso, ela está implicada e se faz comprometida com
os preceitos ético-políticos da profissão e com uma concepção de educação de
qualidade, laica, gratuita e socialmente referenciada.

3
Até o momento, apenas as frentes do curso de extensão e de estudos de casos não estiveram ativas.
4O projeto de pesquisa do Neeae que foi articulado ao do Numar é denominado “Assistência Estudantil:
sentidos, potencialidades e limites”, sendo aprovado em 2016, junto à Sub-Reitoria de Pós-Graduação
e Pesquisa da Uerj.
26
Os dados coletados pela pesquisa do Numar/Neeae são o ponto de partida do
presente estudo e, nesse sentido, assumem uma considerável relevância na
identificação das requisições institucionais direcionadas às assistentes sociais para
atuar no âmbito das condições de permanência estudantil nas universidades federais
do Rio de Janeiro que serão abordadas de forma mais detalhada no terceiro capítulo.
No entanto, é importante considerar que esta tese também é fruto de uma
atenta observação empírica proveniente não só de minha experiência profissional no
do IFRJ – como assistente social que operacionaliza a política de permanência em
seu campus de atuação e é integrante do Fórum de Assistentes Sociais do IFRJ, o
que perpassa a vivência das contradições dos processos que assolam a educação
brasileira como trabalhadora da área. Mas, inclui os diversos espaços nos quais me
inseri nos últimos anos, na perspectiva de me atualizar e me qualificar
permanentemente.
Nesse sentido, compreende a minha participação em todas as oito visitas feitas
para coleta de dados da pesquisa e as nove rodas de conversas realizadas pelo
Numar/Neeae, o que propiciou meu contato com todas as profissionais entrevistadas,
inclusive, com relatos que transbordam as sínteses contidas nos relatórios finais de
ambas as atividades. Soma-se a isso, a minha participação no grupo de estudos do
Numar que tinha como foco a discussão do exercício profissional de Serviço Social,
além, da participação em cursos, seminários e congressos sobre assuntos correlatos
ao Serviço Social e à política de assistência estudantil, de caráter regional e/ou
nacional.
Desse modo, para além dos dados empíricos coletados pela pesquisa do
Numar/Neeae, há um conjunto muito amplo de observações sobre essa realidade que
não estão expressos em relatórios passíveis de serem consultados, mas que são
parte de minha vivência neste campo profissional e, portanto, também nutrem as
reflexões que serão apresentadas neste estudo.
Embora somente a partir dos anos 2000 seja possível notar uma ascensão da
discussão profissional sobre educação (CFESS, 2012a), há indícios de atuação de
assistentes sociais5 nesta área desde a origem da profissão (anos 1930)6.

5 Considerando que esta categoria profissional é majoritariamente feminina (CFESS, 2022), ao longo
do presente estudo, optamos por nos referir às profissionais sempre neste gênero.
6
Para Witiuk (2004, p. 46), “a requisição da área da Educação de um profissional que atue sobre as
27
Na última década tem ocorrido um aumento do quantitativo de assistentes
sociais atuantes na política de educação7, sobretudo no âmbito da rede federal, após
os processos de reestruturação/expansão das instituições federais de ensino de
ensino, da aprovação do Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que instituiu o
Programa Nacional de Assistência Estudantil8 (Pnaes), e da Lei Federal nº
12.711/20129 (Lei das Cotas) que propiciaram a diversificação do perfil de estudantes
ingressantes no ensino superior.
Considera-se que o conjunto de processos aludidos no parágrafo anterior
compõe o bojo de estratégias adotadas pelo Estado para compensar as crescentes
dificuldades de valorização do capital em tempos de financeirização de todas as
dimensões da vida social. Mas, contraditoriamente, também culminou na
diversificação do perfil estudantil e consequentemente complexificou suas demandas,
conforme será evidenciado no segundo capítulo. Desse modo, esse eixo de
demandas histórico-sociais (NETTO, 2007) convoca a intervenção de um conjunto de
profissionais, dos quais entre eles figuram as assistentes sociais.
Ressalta-se que a política de permanência, reivindicação legítima dos
estudantes, até o início da primeira década do século XXI existia nas
instituições,principalmente nas universidades públicas, de forma assistemática,
pontual, com parcos recursos10 para dar conta de um conjunto de necessidades
muito diversas requeridas pela reprodução diária dos estudantes (MAGALHÃES,

expressões da “questão social” que se manifestam na escola, se faz presente desde 1928, naquilo que
se poderia denominar de protoformas de Serviço Social. A inserção do Serviço Social na escola se dá
na década de 1940, quando ocorre também e simultaneamente, a sua inserção em outros espaços
ocupacionais como a empresa, a saúde, a justiça, o Estado, entre outros. E ainda poder-se-ia afirmar
que nas décadas seguintes, de 1950 e início de 1960, há uma expansão da requisição do Serviço
Social no espaço escolar”.
7
Nos próximos anos, a depender da correlação de forças no âmbito dos municípios para regulamentar
na ponta a Lei Federal n. 13.935/19 que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e de
Serviço Social nas redes públicas de educação básica, é possível que este quantitativo de assistentes
sociais também se amplie nas escolas municipais e estaduais. Para tanto, nota-se ao longo dos anos
uma mobilização das entidades organizativas de ambas as categorias profissionais para que tal
processo se viabilize, apesar dos desafios.
8 Na pesquisa sobre o perfil dos assistentes sociais lotados nos Institutos Federais, 71% das

profissionais entrevistadas ingressaram na rede após a aprovação do Pnaes e apenas 7% possuíam


12 anos ou mais de exercício profissional nos Institutos (PRADA e GARCIA, 2017).
9 A referida lei prevê a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, pretos, pardos,

indígenas e pessoas com deficiência. O impacto da referida lei na diversificação do perfil estudantil
será melhor evidenciado no item 2.4.
10
Ressalta-se que a insuficiência de recursos ainda permanece no cenário atual, sendo agravada pela
aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 55 (antiga PEC 241) – que se tornou a Emenda
Constitucional 95/2016 – pelo governo ilegítimo do presidente Michel Temer que instituiu o teto dos
gastos públicos com despesas primárias, incluindo a educação.
28
2013).
As primeiras ações do Estado brasileiro direcionadas a essa área remontam
aos anos 1930, com a instituição da Casa do Estudante na cidade do Rio de Janeiro
e a previsão na Constituição Federal de 1934 da reserva de parte dos recursos
patrimoniais territoriais da União, Estados e Distrito Federal para prestação de
assistência aos considerados “alunos necessitados” (PEREIRA, 2015). No entanto,
foram necessárias aproximadamente oito décadas para aprovação de um instrumento
legal específico para a assistência estudantil, por meio do Decreto 7.234/2010, mais
conhecido como Decreto Pnaes.
Kowalski (2012) em seu trabalho doutoral analisa a trajetória da política de
assistência estudantil e identifica três fases principais11: a primeira fase identificada é
composta por um longo período que tem como marco a criação da primeira
universidade e se estende até o processo de redemocratização política da sociedade
brasileira (período que se inicia nos anos 1930 e se estende até meados da década
de 1980); a segunda compreende um período menor que a fase anterior,
correspondendo a um momento fértil para discussão de uma série de projetos de lei
que resultaram na nova configuração da política (se inicia em fins da década de 1980
e segue até meados dos anos 2000); e, por fim, a terceira fase, caracterizada pelos
processos de expansão e reestruturação das instituições da rede federal de ensino,
que se inicia no ano de 2007 e segue vigente até os dias atuais.
O presente estudo se detém à fase mais recente desta política que se inicia
nos processos de expansão/reestruturação das instituições de ensino, conferindo
destaque à implantação do Reuni que foi direcionado especificamente às
universidades federais. Em todo esse período, a política educacional sofreu diversas
transformações e foi palco de sucessivas contrarreformas, mas não sem experimentar
pontos de resistência.
Conforme mencionado anteriormente, é nessa fase atual da assistência
estudantil que ocorre uma ampliação do quantitativo de assistentes sociais. A Lei de
Regulamentação do Serviço Social, em seus artigos 4º e 5º, prevê um conjunto de
competências profissionais e atribuições privativas. No entanto, frente à atual

11 Para uma análise mais aprofundada dos referidos períodos conferir a autora em tela (KOWALSKI,
2012).
29
conformação da política de assistência estudantil12, permeada pela lógica
financeirizada e que mantém intacto o caráter focalista e seletivo que marca a
trajetória das políticas sociais brasileiras, a principal requisição institucional tem sido
a realização de análises socioeconômicas para concessão de bolsas e/ou auxílios, o
que tende a restringir a atuação das assistentes sociais.
A tendência de restrição das atividades das assistentes sociais às requisições
institucionais que privilegiam ações focalizadas não parece ser algo específico deste
campo de atuação profissional, mas permeia o lócus de atuação das políticas sociais
que vem assumindo um caráter extremamente assistencial e emergencial diante na
fase atual do estágio capitalista. Parece-me que este processo, tensiona os esforços
profissionais para apreender a complexidade das demandas postas pelos
estudantes e elaborar respostas que não se limitem ao plano imediato. Isto significa
dizer que as possibilidades das assistentes sociais explorarem as potencialidades
existentes em seu trabalho no atendimento aos interesses dos usuários são
dificultadas nesse cenário, mas não estão interditadas. Portanto, é possível elaborar
respostas profissionais que não se limitem às requisições institucionais, o que busco
demonstrar no terceiro capítulo.
Além disso, as condições atuais da formação profissional do Serviço Social –
assim como dos cursos em geral – também estão sujeitas ao processo de
aprofundamento do empresariamento e financeirização que atinge a educação
superior, o que pode modificar o modo de ser e pensar da profissão (BRAZ e
RODRIGUES, 2013). Com isso, tensionam-se as possibilidades de se formatar um
perfil de profissionais comprometidos com a direção social estratégica (NETTO, 1996),
legatária da vertente de intenção de ruptura (NETTO, 2004). Embora considere
esta como uma dimensão importante a ser investigada em todas as suas
consequências, dado os limites deste estudo, meu foco será direcionado à
apreensão das condições sobre as quais se desenvolve o exercício profissional das
assistentes sociais na política de assistência estudantil nas universidades federais.
Nesse sentido, parto do pressuposto de que a natureza sincrética da profissão

12 Cabe sinalizar que embora tratamos nesse estudo da assistência estudantil como uma política,
porque reconhecemos a necessidade ser pensada de forma mais ampla, legalmente sua formalização
se deu apenas com o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), instituído pelo Decreto nº
7.234/2010. Isto implica que, além de não ser composto por um conjunto de programas e ações em
diversas áreas, é um instrumento legal frágil e que, como na maioria dos casos, não foi elaborado
precedido da discussão e participação dos sujeitos políticos envolvidos na luta em prol da educação.
30
que fora elucidada por Netto em sua tese de doutoramento 13 traz contribuições para
que se possa desvelar parte do elenco de questões enfrentadas no exercício
profissional – aqui, especificamente, na assistência estudantil –, que são agravadas
num contexto de profundas alterações na dinâmica capitalista que reverberam no
campo das políticas sociais.
A manipulação de variáveis empíricas (NETTO, 2007) tem sido cada vez mais
requisitada na atual quadra histórica, assentada na financeirização do capital que
produz uma agenda bastante regressiva do Estado burguês e exige a mensuração e
apresentação quantificada de resultados (SOUZA, 2016). Considera-se que esse
aspecto é central para apreender as particularidades do exercício profissional das
assistentes sociais em qualquer espaço sócio-ocupacional, pois implica na tendência
de pressionar estas profissionais cada vez mais a atuar nos efeitos mais imediatos da
“questão social”. Para Souza (2016), essa dinâmica que tem raízes políticas e
econômicas contribui com a reposição/reforço dos fundamentos do sincretismo na
profissão.
O desenvolvimento deste estudo reivindica como fundamento de análise a
tradição marxista por considerar que esta é a perspectiva que mais nos subsidia no
empreendimento de realizar uma “análise concreta de uma situação concreta” (LÊNIN,
1989 apud NETTO, 2009). Ao mergulhar nos elementos que caracterizam educação
superior brasileira desde os anos 1990 que vão se desdobrar na configuração atual
da política de estudantil, todo meu esforço é direcionado a capturar as
particularidades, historicidade, bem como as contradições que permeiam esse
processo.
Minha hipótese inicial é de que as requisições institucionais direcionadas às
assistentes sociais para atuar no âmbito das condições de permanência estudantil, a
partir do contexto de reestruturação/expansão das universidades do estado do Rio de
Janeiro, tendem a restringir a atuação profissional à execução de programas de bolsas
e/ou auxílios.
Desse modo, para analisar quais atividades estão sendo requisitadas às
assistentes sociais em sua atuação junto à promoção das condições de acesso e
permanência na fase mais atual da política de assistência estudantil – meu objeto de

13Como fruto de sua tese de doutoramento Netto publicou dois livros: Capitalismo e Serviço Social e
Ditadura e Serviço Social.
31
estudo – foi necessário recorrer a algumas determinações mais gerais.
No primeiro capítulo, situo o surgimento da profissão em determinado período
do desenvolvimento capitalista – a idade dos monopólios –, momento em que os
contornos assumidos pela luta de classes exigiam um novo trato da “questão social”
pelo Estado, donde surgiu um elenco de profissões e, dentre elas, o Serviço Social. O
caráter sincrético que permeia a profissão também é um desdobramento do referido
período do modo de produção capitalista e, do meu ponto de vista, contribui para
elucidar a configuração do exercício profissional na política de assistência estudantil
em tempos de financeirização do capital. Nesse sentido, além de apresentar a tese do
sincretismo, meu esforço em estabelecer as mediações com meu objeto de estudo
também compõe este capítulo. Por fim, me aproximo do modo como o Estado vem se
configurando nas últimas três décadas, o redimensionamento de seu papel e as quais
características predominantes nas políticas sociais em decorrência de sua
financeirização, aspecto que as particulariza na atual quadra histórica.
No segundo capítulo, minha atenção é dirigida à apreensão dos principais
aspectos que caracterizam a contrarreforma do Estado no âmbito da educação
superior no Brasil desde os anos 1990 até os anos 2010. A análise perpassa a
influência dos organismos multilaterais na condução desta política, sobretudo, nos
países de capitalismo dependente. Mas, o que ganha destaque é o aprofundamento
do empresariamento e financeirização da educação superior brasileira que a partir
desse período atinge um novo patamar (CHAVES, 2010; LEHER e TAVARES,
2016;SEKI, 2021a). A maior participação do setor privado nesse nível de ensino não é
inaugurada nesse período, pelo contrário, constitui-se como um elemento que compõe
o legado educacional deixado pela ditadura do grande capital (SAVIANI, 2008;
SGUISSARDI, 2020). No entanto, nesse estágio do desenvolvimento capitalista que é
profundamente marcado pelo domínio do capital financeiro, tem início o que Leher e
Tavares (2016) denominam como mercantilização de novo tipo, viabilizada por um
conjunto de alterações na legislação operadas tanto nos governos de Fernando
Henrique Cardoso quanto de Lula da Silva.
Assim, foram instituídas as condições que permitiram às entidades privadas a
abertura de capital no mercado de ações, favoreocendo uma forte penetração de
capital financeiro nacional e estrangeiro na educação superior do país e tornando-a
mais um nicho lucrativo para promover a garantia da reprodução ampliada do modo
32
de produção capitalista. Com isso, há uma acelerada intensificação das aquisições e
vendas de entidades privadas, com forte concentração e centralização de capital, o
que resulta na formação dos grandes conglomerados educacionais. Os fundos de
investimento passam a ditar o ritmo e a frequência desse processo e, desse modo,
cada vez mais um grupo restrito de megaempresas, fortemente atreladas ao capital
financeiro, controla uma parte cada vez maior do mercado de educação superior no
Brasil (SEKI, 2021a).
Há um crescimento vertiginoso das vagas nas entidades privadas com fins
lucrativos e majoritariamente de caráter não universitário. Destaca-se que grande
parcela dessas vagas criadas, passam a ser ocupadas por distintos estratos da classe
trabalhadora, por meio de sua absorção pelo Estado, a partir de medidas como o
Fies, o Prouni e a EAD que garantem uma contínua e crescente apropriação do
fundo público pelos oligopólios educacionais. No entanto, foi identificada como uma
contratendência nesse cenário a aprovação do programa Reuni. Em linhas
gerais, a despeito do crescimento vertiginoso de vagas em entidades privadas com as
características destacadas no parágrafo anterior, o Reuni significou uma
ampliação das vagas e maior ingresso de estudantes provenientes das camadas
populares da sociedade em instituições públicas, principalmente, de caráter
universitário. Porém, há um conjunto de aspectos contraditórios presentes em sua
implantação que buscarei explorar em minha investigação. Em seguida, fiz uma breve
análise do Decreto Pnaes para que, no último item desse capítulo, pudesse me
debruçar sobre o conjunto das demandas por condições de permanência das
distintas vertentes do movimento estudantil.
No terceiro capítulo, é empreendida uma caracterização do exercício
profissional das assistentes sociais na assistência estudantil nas quatro universidades
federais do estado do Rio de Janeiro, baseadas nas visitas realizadas pela pesquisa
do Numar/Neeae no período de 2017 a 2019. Cabe destacar que o período da
pesquisa não coincide com o período da análise empreendida no segundo capítulo
que abarcou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e os dois governos de
Lula da Silva. Isto se deve a uma opção metodológica, por considerar que justamente no
período de 1994 a 2010 estão as bases para o desenvolvimento da tendência mais
geral de aprofundamento do empresariamento e financeirização da educação
superior, mas, também, da contratendência consubstanciada na experiência do Reuni
33
com todas as suas contradições. Este último, torna-se central em minha análise, pois
o referido programa foi o responsável por impulsionar o processo de expansão nas
universidades que culminaram na diversificação do corpo estudantil e é justamente
sobre o exercício profissional das assistentes sociais na política de permanência
destas Ifes que irei me debruçar neste estudo.
Nesse sentido, cabe destacar que, após esse período de 2010, que
compreende os governos de Dilma, Temer e Bolsonaro, em termos gerais, houve uma
linha de continuidade com os pilares centrais da contrarreforma da educação
superior,sobretudo, em relação ao beneficiamento dos oligopólios educacionais. No
entanto, de forma progressiva, principalmente após o golpe de Estado de 2016,
houve uma profunda piora do cenário para as universidades públicas. A partir desse
período, além do avanço de pautas regressivas de caráter ideológico – Escola
Sem Partido, ideologia de gênero, entre outros. –, instaurou-se um cenário de
profunda escassez de recursos orçamentários para toda a rede federal de ensino e,
especificamente, para as universidades.
O subfinanciamento da educação é algo que marca os sucessivos governos
desde os anos 1990, no entanto, assume outras proporções a partir do Novo Regime
Fiscal (Emenda Constitucional 95/2016), medida aprovada pelo governo ilegítimo de
Temer que estabeleceu o teto de gastos para as despesas primárias do Estado por
20 anos. No governo seguinte de Bolsonaro, já sob a vigência do teto dos gastos, a
rede federal de ensino passa a viver no limite, diante dos constantes bloqueio de
recursos e tendo, inclusive, dificuldades para arcar com despesas básicas relacionadas
ao funcionamento das instituições. De modo bastante breve, é esse o contexto sob o
qual foram realizadas as visitas às universidades pela pesquisa Numar/Neeae.
Assim, inicio a análise a partir da apreeensão dos dados do perfil das
profissionais que estão na linha de frente da política, para posteriormente me debruçar
mais detidamente sobre as principais requisições institucionais dirigidas às assistentes
sociais diante de seu caráter bolsificado. Por fim, meu esforço é direcionado à
identificação das possibilidades da intervenção profissional nessa área, a partir das
demandas dos estudantes identificadas.

34
1 “QUESTÃO SOCIAL”, POLÍTICAS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL

1.1 “QUESTÃO SOCIAL” E POLÍTICA SOCIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES A


RESPEITO DA GÊNESE SÓCIO-HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL

O Estado assume uma função central no desenvolvimento capitalista, pois é


instado constantemente a promover a garantia das condições gerais de sua
reprodução ampliada. Na etapa imperialista do capitalismo, institui-se uma nova
modalidade de intervenção estatal, pois sem abandonar a sua função precípua de
garantia das condições gerais do desenvolvimento capitalista – próprio da etapa
concorrencial –, suas funções são alargadas e as dimensões econômicas e políticas
passam a estar organicamente imbricadas (NETTO, 2007).
Ademais, os contornos assumidos pela luta de classes demandam ao Estado,
uma atuação numa perspectiva de coesão social14, “desde dentro e de forma contínua
e sistemática” (NETTO, 2007, p. 25). É nesse período que surgem as políticas sociais
que se configuram como respostas às inúmeras refrações da “questão social” e é por
meio da intervenção estatal na reprodução da força de trabalho que estabelece a
principal mediação com o Serviço Social (SOUZA, 2014).
[…] para validar-se como maestro do concerto dos monopólios, ampliando
suas funções econômicas, o Estado burguês opera sua legitimação política
reconhecendo, incorporando, generalizando e institucionalizando direitos.
Por essa via, enseja completar o ciclo sócio-histórico mediante o qual obtém
o consenso, com sua forma política não coincidindo necessariamente com a
democracia política – dependendo da conjuntura das lutas de classes,
sistemas autocráticos se impõem sem maiores dilemas com a moralidade
burguesa (SOUZA, 2014, p. 544).

As experiências mundiais relativas às políticas sociais devem ser mediadas por


seus particulares processos históricos e condições da luta de classes e, por esse
motivo, existem sistemas com configurações bastantes diferenciadas15, promovendo
em menor ou maior medida o alargamento dos direitos e melhorias nas condições de
vida da classe trabalhadora.
A partir da obra de Netto (2007) é possível situar o surgimento do Serviço Social
na idade dos monopólios, momento em que ocorrem profundas transformações na

14 O Estado assume a figura de um mediador, na perspectiva de coesão social, no entanto, deve-se se


sublinhar que essa aparência contribui para tornar turvo seu caráter genético de classe. Portanto, o
enfrentamento estatal das contradições inerentes à sociedade capitalista, no limite, conduz a uma
reprodução do capital (SOUZA, 2014).
15 Para uma análise crítica dos sistemas e/ou modelos de políticas sociais, Cf.: Behring e Boschetti,

2009.
35
sociedade capitalista que demandam, sobretudo do Estado, uma reformulação de seu
papel. Nesta fase monopólica temos um gigantesco processo de socialização da
produção. No entanto, ainda que a produção tenha se tornado socializada nos seus
mais variados aspectos, um dos fundamentos da sociedade capitalista permaneceu
intacto: a apropriação da riqueza se manteve de forma privada.
Netto, ao se debruçar sobre o estatuto profissional do Serviço Social se ancora
na concepção de Iamamoto (2006), ambos vinculados à vertente de intenção de
ruptura (NETTO, 2007), situando sua conformação no contexto da divisão
sociotécnica do trabalho da sociedade burguesa madura. No entanto, na acepção de
Rodrigues (2019), Netto avança no sentido de apurar as implicações desse processo
até as últimas consequências, ao desvendar, em sua análise, a estrutura sincrética da
profissão.
Mas, vale observar que esta concepção não é unânime no interior da
profissão16, há discordâncias mesmo entre autores do campo marxista. No entanto,
no presente estudo não pretendemos aprofundar as polêmicas que a envolvem.
Desse modo, além do texto em que foi originalmente apresentada – o livro Capitalismo
Monopolista e Serviço Social (NETTO, 2007) –, tomaremos como referência as
análises de um conjunto de autores (SOUZA, 2014; 2016; MARANHÃO, 2016;
SOUSA, 2019; RODRIGUES, 2019) que reconhecem as contribuições de Netto para
o debate profissional, a partir da referida tese.
É nesse sentido que nos apoiaremos nesse conjunto de reflexões, justamente
por entender que a tese do sincretismo contribui para o desvelamento de parte do
elenco de questões enfrentadas no exercício profissional das assistentes sociais –
aqui, especificamente, na assistência estudantil –, que são agravadas num contexto
de profundas alterações na dinâmica capitalista que reverberam no campo das
políticas sociais.
Netto (2007) se opõe às concepções que atribuem a conquista de um estatuto
profissional institucional ao Serviço Social como sendo desdobramento de uma
suposta maturidade científica. Na avaliação do autor, essa perspectiva desconsidera
a necessidade de constituição de demandas histórico-sociais macroscópicas para a

16
Cabe considerar que a tese do sincretismo enseja polêmicas no interior da profissão, pois há
interlocutores que a interpretam, em linhas gerais, como uma “leitura fatalista” do Serviço Social. Para
um aprofundamento das críticas dirigidas a esta tese, Cf. Iamamoto, 2008.
36
conformação de uma intervenção profissional.
Para este autor, há um duplo dinamismo que deve ser observado no
desenvolvimento de um estatuto profissional:
de uma parte, aquele que é deflagrado pelas demandas que lhe são
socialmente colocadas; de outra, aquele que é viabilizado pelas suas
reservas próprias de forças (teóricas e prático-sociais), aptas ou não para
responder às requisições extrínsecas – e este é, enfim, o campo em que
incide o seu sistema de saber” (NETTO, 2007, p. 89, grifos nossos).

Um elemento característico da etapa clássica do imperialismo é a mudança no


papel dos bancos que passam por um processo de concentração do capital e de
formação de monopólios (LENIN, 2000). Assim, o surgimento dos monopólios
industriais é acompanhado também pela monopolização do capital bancário.
Posteriormente, a fusão dos referidos capitais constitui o que conhecemos por capital
financeiro que assume absoluta centralidade no estágio imperialista17 do capitalismo,
gestado nas últimas décadas do século XIX e que se prolonga – contendo
transformações significativas – até os tempos atuais, entrada do século XXI (NETTO
e BRAZ, 2009).
Tal como é sublinhado por Netto (2007), o redimensionamento do papel estatal
neste estágio de desenvolvimento da sociedade burguesa decorre num primeiro plano
da necessidade do capital em ter assegurados seus objetivos estritamente
econômicos. Daí emerge a atuação contínua e sistemática do Estado que transcende
a garantia das condições gerais do capital, ao se materializar por meio de uma
imbricação orgânica entre as suas funções econômicas e políticas.
No que tange às funções econômicas podemos destacar o socorro às
empresas em dificuldades, os investimentos em complexos produtivos nos mais
variados setores e sua posterior entrega ao setor monopólico (privatização),
concessão de linhas de crédito bastante vantajosas ao setor monopolista, a
responsabilização pela preparação formal da força de trabalho 18, dentre outras

17
Ver Lenin, 2000.
18 A título de exemplo, esta função pode ser visualizada nos governos petistas, por meio das reformas
estruturais dos sistemas de ensino, sobretudo, do ensino técnico profissional que, alinhado aos
ditames dos organismos multilaterais, “vai para o centro do debate e passa a ser concebido como
uma das modalidades mais adequadas às necessidades dos países em desenvolvimento. É
importante atentar para o fato de que não se trata de um projeto aleatório de qualificação para o
trabalho, mas, sim, de um projeto específico, que deve ser contextualizado para o quadro econômico
e de desenvolvimento tecnológico em um dado país. Até porque, para os países periféricos,
importadores de tecnologia e exportadores de produtos primários de baixo valor agregado, o trabalho,
nesses termos, requer pouca qualificação profissional e indica as prioridades para os sistemas de
37
(NETTO, 2007).
Ademais, para a reprodução ampliada do capital põe-se também na ordem do
dia a necessidade de garantir a “conservação física da força de trabalho ameaçada
pela superexploração” (MANDEL, 1976, p. 183 apud NETTO, 2007, p. 26), uma
demanda que se torna central, dadas as condições de acumulação de capital nesta
etapa de desenvolvimento do modo de produção. Donde reside o elemento novo neste
cenário:
no capitalismo concorrencial, a intervenção estatal sobre as sequelas da
exploração da força de trabalho respondia básica e coercitivamente às lutas
das massas exploradas ou à necessidade de preservar o conjunto de
relações pertinentes à propriedade privada burguesa como um todo – ou,
ainda, à combinação desses vetores; no capitalismo monopolista, a
preservação e controle contínuos da força de trabalho, ocupada e excedente,
é uma função estatal de primeira ordem: não está condicionada apenas
àqueles vetores, mas às enormes dificuldades que a reprodução capitalista
encontra na malha de óbices à valorização do capital no marco do monopólio
(NETTO, 2007, p. 26).

Tal como é salientado por Netto, esse conjunto de transformações de natureza


contraditória que ocorreram na dinâmica capitalista no trânsito da etapa concorrencial
ao período “clássico” da etapa imperialista não se processou sem que houvesse
protagonistas. A conjuntura de crise instaurada nesta transição, de modo geral, em
vários países implicou na “redução dos postos de trabalho, com desemprego massivo;
aviltamento do salário real, acentuando a fome e a miséria” (NETTO, 2007, p. 57,
grifos nossos).
Nesse cenário o movimento operário europeu emerge não somente com suas
grandes greves e mobilizações, mas, também travando uma luta sindical contra os
efeitos da crise e, sobretudo, direcionada à “emergente organização monopólica do
capitalismo” (NETTO, 2007). Nesse sentido, o tensionamento da luta de classes vai
conferindo contornos para as respostas dadas às expressões da “questão social”.
Obviamente que o trato conferido à “questão social” manteve intocável o cerne
da contradição capital/trabalho, até porque, não há forma de superá-la sem transpor
os marcos da sociedade burguesa. Assim, permeado por uma dinâmica contraditória,
o Estado passa a intervir por meio de políticas sociais em resposta às demandas
legítimas da classe trabalhadora, sem, contudo, deixar de privilegiar o enfrentamento
dos obstáculos à valorização do capital. Nesse sentido, tendo como fim último a

ensino desses países” (LIMA, G, 2017, p. 84).


38
manutenção e reprodução da sociedade capitalista, a atuação estatal busca propiciar
o desenvolvimento monopolista, promover o controle e preservação da força de
trabalho, além de socializar os custos com a força de trabalho.
No capitalismo dos monopólios, tanto pelas características do novo
ordenamento econômico quanto pela consolidação política do movimento
operário e pelas necessidades de legitimação política do Estado burguês, a
“questão social” como que se internaliza na ordem econômico-política: não é
apenas o acrescido excedente que chega ao exército industrial de reserva
que deve ter a sua manutenção “socializada”; não é somente a preservação
de um patamar aquisitivo mínimo para as categorias afastadas do mundo do
consumo que se põe como imperiosa; não são apenas os mecanismos que
devem ser criados para que se dê a distribuição, pelo conjunto da sociedade,
do ônus que asseguram os lucros monopolistas – é tudo isto que, caindo no
âmbito das condições gerais para a produção capitalista monopolista
(condições externas e internas, técnicas, econômicas e sociais), articula o
enlace, já referido, das funções econômicas e políticas do Estado burguês
capturado pelo capital monopolista, com a efetivação dessas funções se
realizando ao mesmo tempo em que o Estado continua ocultado a sua
essência de classe (NETTO, 2007, p. 29-30, grifos do autor).

A intervenção do Estado se dá de forma fragmentada e parcializada nas


diferentes expressões da “questão social”, já que não se pretende atingir o que de fato
a produz: a contradição capital/trabalho (NETTO, 2007). Desse modo, se instaura um
terreno propício para surgimento de diversas profissões no âmbito da divisão
sociotécnica do trabalho e, dentre elas, o Serviço Social. A demanda da profissão
emerge das tensões de classe e faz com que ela atue junto às condições necessárias
de reprodução da força de trabalho por meio da execução de políticas sociais.
Com base em Iamamoto (2006) é possível afirmar que as políticas sociais são
voltadas tanto para os trabalhadores empregados diretamente no processo de
produção capitalista, funcionando como complementos ou salários indiretos, quanto
para os trabalhadores improdutivos e aqueles pertencentes ao exército industrial de
reserva – força de trabalho ocupada e excedente. Para os últimos, as políticas sociais
são elementos fundamentais para sua sobrevivência19. Imbuídas de um caráter

19 Não se pode perder de vista que a conformação das políticas sociais nos Estados nacionais é sempre
mediada pelos processos históricos e pela luta de classes. Ao nos debruçarmos sobre o Brasil,
principalmente no período posterior à promulgação da Carta Magna, foi forjado um tripé de políticas
que compõe a seguridade social, dentre as quais é a assistência social que assume uma função
prioritária na garantia das condições de sobrevivência daqueles trabalhadores pertencentes ao
denominado exército industrial de reserva, enquanto a previdência se encarrega dos trabalhadores
formalmente empregados, pois está diretamente vinculada às suas contribuições (BEHRING, 2019).
No entanto, há que se ressaltar o montante de trabalhadores economicamente ativos que atuam na
informalidade, o que na atualidade é um contingente que tem crescido progressivamente, diante dos
altos índices de desemprego estrutural. Essa parcela de trabalhadores, infelizmente, fica alheia ao
sistema de proteção social consagrado legalmente, ou seja, não é coberta por ambas as políticas
citadas anteriormente.
39
contraditório as políticas sociais também atendem a interesses do capital,
possibilitando as suas condições de produção e reprodução. Assim, dentre as funções
assumidas pelo Estado nos marcos do capitalismo monopolista localizamos sua
função extraeconômica ou política, na qual
[...] como instância da política econômica do monopólio – é obrigado não só
a assegurar continuamente a reprodução e a manutenção da força de
trabalho, ocupada e excedente, mas é compelido (e o faz mediante os
sistemas de previdência e segurança social, principalmente) a regular a sua
pertinência a níveis determinados de consumo e a sua disponibilidade para a
ocupação sazonal, bem como a instrumentalizar mecanismos gerais que
garantam sua mobilização e alocação em função das necessidades e projetos
do monopólio (NETTO, 2007, p. 27).

Conforme mencionamos, é na idade dos monopólios que as manifestações da


“questão social”, dadas as proporções que atingem nesse período, se tornam objeto
de intervenção estatal pela via das políticas sociais, sendo mediada pelos interesses
de classe. Esse ponto é crucial para entender toda a análise de Netto a respeito da
apreensão da particularidade da gênese sócio-histórica do Serviço Social, pois não
basta remetê-la pura e simplesmente ao reconhecimento de sua conexão com a
“questão social”, tomada de modo abstrato. Para o autor, tal conexão está diretamente
relacionada ao trato que esta última recebeu num momento bastante específico do
desenvolvimento histórico: a sociedade burguesa assentada sob a organização
monopólica (NETTO, 2007).

1.2 SERVIÇO SOCIAL: O SINCRETISMO COMO FIO CONDUTOR DA PRÁTICA


PROFISSIONAL

Ao se debruçar sobre o desenvolvimento da profissão em sua tese de


doutoramento, Netto identifica a estrutura sincrética como um fio condutor, de sua
gênese até os anos 1960. No entanto, conforme assinalam alguns autores (SOUZA
2016, SOUSA, 2019 e RODRIGUES, 2019), parte-se do entendimento de que o
supracitado fio condutor não se esgota neste período, pois permanece presente na
cultura profissional, como é possível observar nas obras posteriores de Netto.
Há uma articulação ontológica da profissão com a estrutura administrativa,
moldada na fase imperialista do capitalismo para intervenção na denominada “questão
social”, conforme indica Netto (2007). O sincretismo que permeia o Serviço Social tem
na prática seu suporte, ou seja, ela é percebida como momento primordial, pois é por

40
meio de sua operacionalidade específica que é possível elucidá-lo. Ademais, é sobre
ela – a prática profissional – que se erguem as duas outras dimensões do sincretismo:
científica e ideológica (NETTO, 2007; RODRIGUES, 2019).
Para Netto (2007), a profissionalização do Serviço Social, embora tenha
alterado de forma considerável a inserção sócio-ocupacional das assistentes sociais,
não foi capaz de erguer uma estrutura de prática interventiva cujas resultantes sejam
substancialmente distintas da prática filantrópica de suas protoformas. Segundo a
análise de Rodrigues (2019), aqui Netto não estabelece uma equalização da prática
filantrópica das protoformas com a profissionalização do Serviço Social. O que o autor
especificamente demarca é que nas resultantes, ou seja, o produto de ambas as
práticas pouco se diferencia. Isto se deve à localização do Serviço Social na divisão
sociotécnica do trabalho e aos limites impostos pela configuração das políticas sociais
na sociedade burguesa madura em seu confronto com as “refrações da “questão
social”. Conforme veremos, as políticas sociais foram concebidas para incidir nos
efeitos e não na raiz da contradição capital/trabalho.
A operacionalidade da prática interventiva do Serviço Social assume uma
aparência indiferenciada, o que Netto remete a dois fatores: “as condições para a
intervenção sobre os fenômenos sociais na sociedade burguesa consolidada e
madura e a funcionalidade do seu Estado no confronto com as refrações da 'questão
social'” (NETTO, 2007, p. 100).
No primeiro caso, cabe dizer que é próprio da sociedade burguesa tratar os
fenômenos a partir de um quadro de referências intelectuais pautado num padrão de
positividade, ou seja, que trata os fenômenos como coisas (reificados), encobrindo-se
sua processualidade e não transcendendo o plano imediato.
Por outro lado, conforme já observamos anteriormente, a atuação do aparato
estatal que emerge na fase tardia do capitalismo, tendo a primazia de garantir as
condições gerais da reprodução ampliada do capital, não tem por objetivo resolver a
“questão social”. Assim, o elenco de trabalhadores sociais que atua nas políticas
sociais é convocado para prevenir e lidar com as tensões de classe e não eliminá-las.
A conjugação desses elementos impele à prática profissional das assistentes
sociais “a continuidade das reproduções (ou cronificação) das refrações da 'questão
social' que, em verdade, dizem respeito à lógica dominante (mas não única) de todas
as intervenções institucionais” (NETTO, 2007, p. 103).
41
Netto destaca que esses elementos não rebatem apenas no exercício
profissional do Serviço Social, mas no conjunto de trabalhadores sociais que atuam
nas políticas sociais. No entanto, o que é peculiar ao Serviço Social é que em seu
desempenho profissional se pode alcançar no máximo “uma racionalização dos
recursos e esforços dirigidos para o enfrentamento das refrações da 'questão social'”
(2007, p. 103). Daí decorre o que o autor denomina como anel de ferro, pois ainda
que a profissão esteja conectada a um sistema de saber e inserido na divisão
sociotécnica do trabalho, conforme mencionamos anterioremente, em suas
resultantes a prática interventiva não se diferencia operacionalmente daquela de
suas protoformas.
O Serviço Social, tal como em suas protoformas permaneceu com seu caráter
de manipulação de variáveis empíricas de modo a ressituar a problemática enfrentada
no plano do cotidiano. Isso se relaciona diretamente com o trato da “questão social”
na sociedade capitalista madura.
A profissão assume a forma de uma prática indiferenciada, ou seja, é como se
o que lhe fosse particular é não ter uma especificidade operatória. Isso traz muitas
consequências para o exercício profissional, pois cria uma aparente polivalência,
sendo resultante justamente do caráter sincrético prático-profissional. No entanto,
Netto (2007) ressalta uma vantagem nesta aparente polivalência ao indicar que
possibilitou, entre outras formas de integração e inserção institucionais, a
ocupação de espaços profissionais emergentes, quer pela audácia criadora
de alguns assistentes sociais, quer pela labilidade funcional a eles atribuída
por seus empregadores. Como tal, ela também serviu, enquanto suporte de
uma eventual mobilidade profissional e empregatícia, para oferecer ao
assistente social um contra-peso ao caráter não-liberal de seu exercício”
(NETTO, 2007, p. 106, grifos do autor).

A título de exemplo, especificamente em nosso campo de estudo, a política de


assistência estudantil, como será evidenciado de modo mais pormenorizado no
terceiro capítulo, essa aparência de uma prática indiferenciada acaba favorecendo a
delegação e consequente absorção de um conjunto de atividades/tarefas que
destoam daquelas previstas na regulamentação profissional, sobretudo, as de
caráter administrativo e burocrático. Tais atividades/tarefas se manifestam por meio
das requisições institucionais e requerem respostas imediatas e eficientes do ponto
de vista institucional. Isto decorre do caráter sincrético da prática profissional que
tem suas bases repostas num contexto de financeirização da economia e

42
reestruturação produtiva, o que aumenta a pressão sobre as assistentes sociais para
absorver as supracitadas atividades.
No entanto, tal como Netto (2007) nos apresenta, a aparente polivalência não
se constitui apenas como um limite à profissão. Pelo contrário, justamente por meio
dessa natureza polivalente, também é possível ocupar o mesmo campo profissional
de forma crítica e criativa, no sentido de identificar possibilidades institucionais que
podem ser exploradas na intervenção profissional na direção do atendimento dos
interesses dos usuários.
O sincretismo da prática possui como sua contraface teórica o ecletismo, o que
não significa dizer que toda produção teórica da profissão é eclética (SOUZA, 2014).
Em suma, o autor evidencia que
o sincretismo da prática aparece no âmbito da produção de conhecimento
(como tendência) como ecletismo, ou seja, como coletânea acrítica de
teorias, categorias e conceitos por vezes contraditórios, tudo em nome da
captura de fragmentos de teoria que sejam capazes de explicar, também
fragmentariamente, a realidade setorial com que se defronta o profissional,
sem uma preocupação fundamental quanto às suas consequências
ideopolíticas (SOUZA, 2014, p. 536).

Rodrigues (2019), em sua análise, identifica que Netto (2007) visualiza no


horizonte profissional a possibilidade de superar o sincretismo em sua dimensão
científica20, ainda que não seja possível eliminá-lo de sua dimensão prática21. Ainda
com base na mesma autora (2019), há um reconhecimento por Netto dessa
superação do sincretismo científico na obra de Iamamoto (2006) que, a partir da
perspectiva crítico-dialética, conseguiu desnudar o significado social da profissão.
Assim, a elaboração teórica não se constitui como um mero reflexo do sincretismo
da prática, pois o pesquisador é dotado de autonomia relativa (SOUZA, 2016).
Nesse sentido, Souza (2016, p. 122) sinaliza justamente “essa contradição que
o Serviço Social tem explorado para adensar-se como área de conhecimento,
qualificando-o para o confronto mais denso e profundo com os fundamentos do
conhecimento sobre a sociedade”. No entanto, ainda que se configure como área de

20 Souza (2016) reforça a possibilidade de superação do ecletismo na produção de conhecimento, mas


faz uma ressalva, indicando que esta superação não implica em sua eliminação. Para o autor, “o
ecletismo mantém-se, como tendência limiar do pluralismo e do sincretismo da prática, a tensionar o
sentido e a direção social na produção de conhecimento” (2016, p. 122).
21 Isto se deve à localização do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho, onde é instado a

responder demandas sociais prático-empíricas, ou seja, por esse motivo, a “profissão [permanecerá]
demandada a manipular variáveis empíricas sobre um complexo heteróclito de situações”
(RODRIGUES, 2019, p.248).
43
conhecimento e tenha condições de avançar na reflexão teórica no âmbito da
profissão, não significa dizer que há uma teoria própria do Serviço Social. Além disso,
a superação do sincretismo científico não credita ao Serviço Social a possibilidade de
transcender a sua condição de profissão interventiva inserida na divisão sociotécnica
do trabalho (SOUZA, 2014; 2016).
Iamamoto (2006) destaca-se como uma das principais interlocutoras de Netto,
já que é a primeira a situar o surgimento do Serviço Social na sociedade burguesa
madura e se debruça sobre a análise do significado social da profissão. Para a autora,
o Serviço Social é um tipo de especialização do trabalho coletivo no interior da divisão
social do trabalho e se caracteriza com um dos elementos partícipes da reprodução
das relações sociais de classes e do relacionamento contraditório entre elas22.
Segundo Rodrigues (2019), Netto (2007) incorpora a concepção de Iamamoto
(2006) sobre o Serviço Social como uma tecnologia social, ou seja, parte do
entendimento de que a profissão é demandada a atuar no controle social e na difusão
do conteúdo ideológico da classe dominante de modo a contribuir com a continuidade
do status quo. Do mesmo modo, não compreende a teoria como elemento fundante
da profissão, tal como já foi mencionado anteriormente. O estatuto profissional se
relaciona diretamente com a conformação de um espaço ocupacional no interior da
divisão sociotécnica do trabalho para responder às demandas que lhes são
socialmente postas.
Desse modo, Netto (2007) caracteriza três determinantes sócio-históricos da
natureza sincrética da profissão. O primeiro diz respeito ao universo problemático
original que se lhe apresentou como eixo de demandas histórico-sociais.
Reconhecidamente a “questão social” comparece como elemento que convoca o
Serviço Social como profissão sob a organização monopólica do capital. Desse modo,
é preciso destacar sua natureza difusa que resulta em uma multiplicidade de
problemáticas que demandam intervenção profissional.
Na etapa imperialista do capitalismo, suas expressões crescem
exponencialmente e passam a se refratar para além do campo fabril, o que é passível
de abstratamente considerar ser possível instituir ações pelas assistentes sociais em

22
“[...] A reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social, a
reprodução de determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de
viver e de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade” (IAMAMOTO,
2006, p. 72, grifos da autora).
44
qualquer esfera da vida social. Dada sua aparência fenomênica atomizada, é possível
ao Estado – que tem seu papel substantivamente refuncionalizado neste período –
promover o enfrentamento dessa multiplicidade de problemáticas de modo seletivo,
sendo mediado pelas disputas entre as classes (NETTO, 2007).
Desse modo, constitui-se uma atuação profissional que visa incidir nos efeitos
e não na raiz da problemática da “questão social”23, já que ocorre pela mediação de
processos burocrático-administrativos das políticas setoriais que a fragmentam e
abstraem (SOUZA, 2016), tal como ocorre na assistência estudantil, campo de nosso
estudo.
Na idade dos monopólios o Estado adquire um trato peculiar em sua
intervenção na “questão social”. Ressalta-se que aí reside um dos fundamentos do
sincretismo no âmbito da profissão. É cediço que nesse período a referida intervenção
estatal se deu por meio das políticas sociais, de modo fragmentado e autonomizado,
o que propicia a difusão da “questão social” em diversas problemáticas –
analfabetismo, evasão escolar, desemprego, violência doméstica, violação de direitos
em geral, dentre outros – e dificulta seu estabelecimento como resultante da
contradição capital/trabalho.
Assim, é preciso reforçar que
a intervenção profissional não se realiza diretamente sobre a “questão social”,
mas pelos “recortes” feitos dentro de um campo de mediações que passam
pelo Estado, pelas políticas sociais e pelos processos sociais. Neste sentido,
são as refrações da “questão social” que se colocam como passíveis de
intervenção (SOUSA, 2019, p. 220).

Também se expressa como resultado dessa segmentação formal-abstrata a


tendência em transformar as resultantes da contradição capital/trabalho em problemas
individuais, ou seja, o entendimento de que os próprios indivíduos são responsáveis
por suas mazelas. Tal como nos indica Souza, (2016), esse modo de intervir nas
refrações da “questão social” encontra respaldo teórico-científico, dentre outros, no
pensamento estrutural-funcionalista, o qual visa converter as referidas refrações em
patologias passíveis de uma intervenção em nome da coesão social. Sendo
convocado a atuar nas políticas sociais, o Serviço Social acaba herdando e
reproduzindo essa lógica em sua estrutura interventiva (SOUZA, 2016).

23 Em nosso entendimento, com base em Rodrigues (20019), essa é a razão que justifica a
compreensão de Netto (2007) de que as resultantes decorrentes tanto da prática assistencialista não
profissionalizada quanto da profissionalização do Serviço Social pouco se diferenciam.
45
De um lado, o Estado assume como esfera pública a tarefa de intervir
sistematicamente sobre as expressões da “questão social”. Mas, por outro,
reproduz um arranjo liberal-individualista na estrutura mesma da sua
intervenção. Afirmando de maneira direta: a ação tem caráter público, mas
seu objeto e objetivo final residem na esfera do privado (SOUZA, 2016, p.
130).

O segundo elemento que determina o substrato sincrético da profissão é o


horizonte de intervenção no cotidiano. O Serviço Social é demandado a intervir na
reprodução da força de trabalho e, por este motivo, não é casual que seu campo de
atuação seja o cotidiano da população usuária. Nos termos de Rodrigues (2019, p.
247),
Chamados a intervir nas sequelas da exploração do trabalho no dia a dia da
população usuária dos serviços sociais com a finalidade de programar a
cotidianidade de grupos determinados, os assistentes sociais têm o cotidiano
como campo e horizonte da sua intervenção.

Assim, é o próprio cotidiano que delimita a prática profissional nas diversas


áreas de atuação, sendo permeado pela imediaticidade, heterogeneidade e
superficialidade24 que são suas características ontológicas. Tais elementos impõem
às profissionais um comportamento pragmático e um conhecimento utilitário,
distanciando-os do acesso à consciência humana genérica e a práxis criadora
(RODRIGUES, 2019). Tal como assinalado por Netto, o Serviço Social caracteriza-se
por ser uma “tecnologia de organização dos componentes heterogêneos da
cotidianidade de grupos sociais determinados para ressituá-los no âmbito desta
mesma estrutura do cotidiano” (NETTO, 2007, p. 96).
Cabe ressaltar que esse tipo de intervenção na realidade não se caracteriza
por ser específico das assistentes sociais, pois há um conjunto de trabalhadores
sociais que são demandados a atuar no cotidiano da população usuária. O que é
responsável por singularizar o exercício profissional das assistentes sociais reside nas
condições particulares que a divisão sociotécnica do trabalho própria da sociedade
capitalista madura impõe ao seu fazer profissional (NETTO, 2007; MARANHÃO,

24“Como bem salientaram Lukács e Heller, as determinações fundamentais da cotidianidade podem


ser sintetizadas nas seguintes características: a heterogeneidade – a vida cotidiana constitui um
universo heterogêneo em que, simultaneamente, se movimentam fenômenos e processos de natureza
complexa; a imediaticidade – o padrão de comportamento próprio da cotidianidade é a relação direta
entre pensamento e ação; a conduta específica da vida cotidiana é a conduta imediata, na qual o
espontaneísmo e o automatismo são as respostas adequadas às demandas que surgem; a
superficialidade - a imediaticidade e a heterogeneidade da vida cotidiana implica que o indivíduo
responda levando em conta o somatório dos fenômenos que comparecem em cada situação precisa,
sem considerar as relações que os vinculam” (MARANHÃO, 2016, p. 173).
46
2016).
Como afirma Iamamoto, o centro do fenômeno reside em uma saturação das
funções executivas do Serviço Social, que se vinculam à subalternidade
técnica e à dinâmica específica de intervenção dos assistentes sociais.
Segundo Netto, todas essas condições “[...] jogam no sentido de sintonizar,
reproduzir e sancionar a composição heteróclita da vida cotidiana com o
sincretismo das refrações da ‘questão social’” (MARANHÃO, 2016, p. 174).

Dentre todas as profissões que lidam com o social25, o Serviço Social se situa
numa relação em que o aparente sincretismo da matéria sobre a qual atua (“questão
social”) sintoniza-se perfeitamente com as condições de sua intervenção como
reorganizadora de práticas e condutas cotidianas. Consequentemente temos um
cenário completamente favorável para persistir as práticas pragmáticas e burocráticas
que, em última instância, se restringem à manutenção do ambiente institucional
(MARANHÃO, 2016).
Por fim, para compor essa tríade dos determinantes sócio-históricos da
natureza sincrética do Serviço Social, temos a modalidade específica de intervenção
profissional das assistentes sociais: a manipulação de variáveis empíricas (NETTO,
2007) que demanda um conhecimento que seja ele mesmo instrumentalizável
(SOUSA, 2019).
Segundo Souza (2016), essa modalidade específica de intervenção tem sido
muito requerida na atual quadra histórica, sob o domínio do capital financeiro que
engendra uma agenda bastante regressiva do Estado que não se furta de seu caráter
de classe e exige a mensuração e apresentação quantificada de resultados. Para o
mesmo autor, essa dinâmica que tem raízes políticas e econômicas, tende a
repor/reforçar os fundamentos do sincretismo na profissão.
Nesse sentido, há uma total confluência com os outros determinantes
supracitados já que essa manipulação de variáveis, em geral, ocorre no sentido de
rearranjá-las no mesmo plano, ou seja, não se estabelece uma conexão entre a
demanda que está posta que é uma expressão da “questão social” e sua verdadeira
raiz – contradição capital/trabalho. Por outro lado, a resposta produzida ressitua essa
problemática no âmbito do cotidiano. O conjunto de respostas profissionais, a priori,
se situa no plano imediato, pois o trabalho é considerado inconcluso e ineficiente
quando não se produz respostas imediatas, sobretudo, para as requisições

25Para empreender uma aproximação com a análise das práticas profissionais das diferentes
profissões que lidam com o social, Cf. Verdès-Leroux, 1986.
47
institucionais.
Sob nossa ótica, essa análise pode ser exemplificada a partir de nossas
reflexões sobre o modo como tem se desenvolvido o exercício profissional das
assistentes sociais na assistência estudantil. Neste campo, o Serviço Social é
chamado a intervir sobre as refrações da “questão social” que são apresentadas como
um conjunto de problemáticas vivenciadas pelos estudantes e suas famílias: evasão
estudantil, insuficiência de recursos materiais que garantam sua sobrevivência e
permanência na instituição de ensino, dificuldades de aprendizagem, ausência de
gratuidade no transporte, violência extra e intrainstitucional (homofobia, racismo,
gênero, etc.), desemprego, falta de acesso à saúde, dentre outras.
Como é próprio da sociedade burguesa, sobretudo em sua fase monopólica,
essa miríade de problemáticas a serem objeto de intervenção profissional de forma
fragmentada e autonomizada no espaço educacional dificulta o entendimento de que
são todas resultantes da contradição capital/trabalho e não um problema dos
indivíduos, no caso em tela, dos estudantes individualmente e suas famílias.
Considerando que o horizonte de intervenção do Serviço Social é o cotidiano, as
profissionais são convocadas a responder de forma pragmática e imediata o universo
de demandas estudantis que aparecem difusas nas diversas problemáticas
supracitadas a partir da manipulação de variáveis empíricas, a fim de rearranjá-las no
mesmo plano.
Na atual quadra histórica que é fortemente marcada pela forma financeirizada
do capital, as requisições institucionais impõem que as demandas imediatas
estudantis sejam respondidas por meio da concessão de bolsas/auxílios. Com isso,
há uma pressão para que a satisfação das necessidades ocorra de forma
individualizada via mercado.
Desse modo, as assistentes sociais ficam mergulhadas no desenvolvimento de
um trabalho que implica em manejar um conjunto de dados e indicadores que no
interior de uma política que reforça o caráter focalista e seletivo das políticas sociais,
irá contribuir com a definição dos estudantes que deverão ser contemplados (os mais
pobres dentre os pobres) com auxílios pecuniários para atendimento de suas
necessidades.
Para Souza (2014, p. 553), em síntese:
[…] o exercício profissional sincrético opera por meio da formalização e da
48
reiteração de procedimentos; do atendimento imediato de demandas difusas;
práticas que estabelecem prioridades a partir de inferências teóricas
segmentadas ou necessidades burocrático-administrativas e políticas (com o
intuito de “fundamentar” essas práticas com um discurso científico); recurso
eclético aos campos de conhecimento que possam ser instrumentalizáveis e
corroborem com as intervenções que já estão sendo realizadas.

Netto (2007) nos alerta sobre os efeitos da modalidade específica de


intervenção – a manipulação de variáveis empíricas –, pois ao engendrar a exigência
de produção de respostas imediatas no sentido de conferir ao capital a garantia de
suas condições gerais de reprodução, tende a recuperar funções típicas assumidas
nas protoformas da profissão, tal como cariz emergencial que lhe revestiu a
assistência na primeira etapa da Revolução Industrial e, ainda, a recuperação de
certas características de pronto socorro social.
Considera-se que, no âmbito da política de assistência estudantil, esse cariz
emergencial social que assume a prática profissional a partir da manipulação de
variáveis empíricas se manifesta no contato com os estudantes. Conforme será
evidenciado no terceiro capítulo, este contato com os usuários ocorre, em geral, de
forma individualizada, pontual e burocrática, diante da requisição institucional para
realização de análises socioeconômicas de um elevado número de estudantes26 num
curto período. Isto dificulta o devido acompanhamento social que implica em um
conjunto de intervenções profissionais para que não se restrinja ao plano imediato.
É a reprodução da sociabilidade burguesa e suas expressões contraditórias
presentes nas estruturas da sociedade e do Estado que tendem a repor os
fundamentos do sincretismo no Serviço Social. Entretanto, isso não elimina
as contradições do exercício profissional, isto é, não transforma a atuação
profissional em mera reiteração circular. Muitas contradições estão postas
nessa dimensão e podem ser acionadas. Essa delimitação tão somente
indica a abrangência histórica da intervenção do Serviço Social, servindo
como baliza para que seja evitado o fatalismo ou o messianismo (SOUZA,
2016, p. 121).

Duas implicações são destacadas neste cenário: a primeira diz respeito à


necessidade de ter um conhecimento do social que instrumentalize a intervenção
profissional, já que “[...] o que a intervenção manipuladora reclama frequentemente
são paradigmas explicativos aptos a permitirem um direcionamento de processos
sociais tomados segmentarmente”. Desse modo, há total sintonia entre esta
necessidade e a vertente teórico-cultural que funda as ciências sociais e proporciona

26Considerando nosso estudo que irá se debruçar sobre a realidade de quatro universidades federais
do estado do Rio de Janeiro, o número de análises socioeconômicas a serem realizadas pode ser
bastante numeroso, o que é agravado com o número reduzido de profissionais.
49
ao Serviço Social “os mais variados influxos empiricistas e pragmáticos” (NETTO,
2007, p. 98).
A segunda implicação diz respeito à reposição no plano intelectual do
sincretismo: “se a instância decisiva da intervenção profissional é manipulação de
variáveis empíricas, todas as linhas de análise lógico e formal-abstratas e todos os
procedimentos técnicos se legitimam na consecução do exercício manipulador”
(NETTO, 2007, p. 98). Não casualmente, a referida implicação traz consigo o
ecletismo que consiste numa incorporação simplista, enviesada, instrumental que
ocorre no plano teórico. Ainda, reside nessa dimensão profissional a ideia de o
Serviço Social ter uma teoria própria.
Porém, é preciso destacar que embora haja essa forte pressão para que se
produzam respostas imediatas no âmbito do exercício profissional das assistentes
sociais, o que é um desdobramento do caráter sincrético da prática que
constantemente é reposto pela natureza das políticas sociais, há possibilidades para
que essa intervenção profissional não fique restrita a esse plano. Tal como destacam
Rodrigues (2019) e Sousa (2019), em Netto existe a possiblidade de superação do
sincretismo em suas dimensões teórica e ideológica, portanto, há uma margem para
elaboração de respostas profissionais que transcendam o imediatismo.
Para tanto, considera-se que assume total relevância a dimensão investigativa
da profissão. A sistematização da prática profissional27, a educação permanente e a
realização de grupos de estudos e pesquisas são meios de potencializar as
possibilidades de suspensão do cotidiano. Ademais, permitem a construção de um
conhecimento crítico que subsidie a elaboração de respostas profissionais que não se
restrinjam às requisições institucionais e não estejam exclusivamente vinculadas ao
plano imediato28.

27
Cabe destacar que a sistematização da prática profissional por si só não permite transcender o plano
imediato. Ela guarda em si a possibilidade de proporcionar a suspensão do cotidiano e construção de
um conhecimento crítico, mas sendo subsídio para realização de pesquisas e não se encerrando em
si.
28 Cabe-nos conferir um especial destaque ao nível de qualificação das assistentes sociais

entrevistadas na pesquisa, pois possuem no mínimo uma especialização lato sensu. Supomos que a
busca pela qualificação, em parte, é estimulada pelo Plano de Carreiras, ou seja, há uma tendência
destas profissionais ingressarem cada vez mais em programas de pós-graduação de mestrado e
doutorado, pois diante da defasagem salarial existente, este acaba sendo um meio de promover um
aumento significativo da remuneração. No entanto, ao mesmo tempo, há um potencial existente
nesse processo, pois tem crescido o número de produções acadêmicas que têm como foco as
temáticas de educação e da política de assistência estudantil, o que pode denotar um esforço das
profissionais em analisar criticamente sua realidade profissional a fim de subsidiar a concepção de
50
Desse modo, no presente estudo, especificamente em seu terceiro capítulo, há
um esforço em apresentar as possibilidades que podem ser exploradas na assistência
estudantil, no contexto do capital financeirizado, para que a atuação profissional das
assistentes sociais não fique restrita à realização de análises socioeconômicas para
concessão de bolsas/auxílios.
Cabe-nos destacar não ser possível suprimir o caráter sincrético da prática
profissional, já que esta estrutura deita raízes em instâncias e mediações que
transcendem e circunscrevem o Serviço Social, conforme observamos anteriormente
(SOUZA, 2014). Dito isto, cabe ressaltar que a fase atual do modo de produção sob o
domínio do capital financeiro mais do que nunca repõe as bases do sincretismo,
acentuando suas determinações: a “questão social e suas refrações de modo
agudizado (SOUSA, 2019).
A conjuntura brasileira instaurada a partir dos anos 1990 – momento em que o
neoliberalismo passa a ser implementado no país, implicando num conjunto de
contrarreformas operadas no âmbito do Estado a fim de atender as necessidades e
interesses do grande capital, sob o jugo da financeirização – tem aprofundado o
caráter regressivo dos direitos sociais em menor ou maior grau nos sucessivos
governos federais29.
Do mesmo modo as alterações ocorridas no mundo trabalho, em consonância
com o regime de acumulação flexível, tem se revertido em maiores ganhos para o

respostas mais qualificadas e que não se restrinjam às requisições institucionais. Nos fóruns e
encontros internos e externos à categoria profissional vinculados à temática da assistência estudantil,
em geral, está presente o incômodo de ter seu trabalho limitado à realização de análises econômicas.
No entanto, para identificar se as produções acadêmicas das assistentes sociais da assistência
estudantil de fato têm se dedicado a essa análise crítica do campo de trabalho seria necessária uma
investigação mais aprofundada, o que não é o foco de nosso estudo.
29 Behring (2021) em sua análise recente caracteriza três fases do neoliberalismo brasileiro. A primeira

delas é inaugurada com a elaboração do Plano Real pela equipe econômica de Fernando Henrique
Cardoso que, posteriormente, resultou em sua eleição para presidência da república. Sua equipe, sob
a coordenação de Bresser Pereira, formulou o documento que ainda hoje norteia os distintos governos
federais: o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE), que para a autora traduziu o projeto de
contrarreforma do Estado. A segunda fase se inicia com a ascensão de Lula da Silva e segue até o
governo de Dilma Rousseff, quando foi subitamente interrompido por um golpe capitaneado por
diversos segmentos da burguesia. Nesse período de 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no
poder houve algumas inflexões em relação ao governo anterior – inclusive com diferenças entre as
gestões de Lula e Dilma –, mas que essencialmente não promoveram rupturas com a política
macroeconômica do Real e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Por fim, a terceira e mais atual
fase se inicia com a posse de Michel Temer, um governo ilegítimo que consegue fazer avançar um
conjunto de medidas impopulares e, dentre elas, a adoção de um novo regime fiscal ultraneoliberal. A
linha deste último governo é mantida e aprofundada com a eleição de Jair Bolsonaro, um governo que
combina ultraneoliberalismo e neofacismo.
51
capital diante do aumento da precarização das condições de trabalho, aumento do
desemprego e da pauperização absoluta e relativa das classes trabalhadoras30.
A reestruturação produtiva modifica a estrutura da classe trabalhadora,
tornando-a ainda mais heterogênea diante da incorporação da robótica e informática
nos processos produtivos. Instaura-se uma tendência de economia do trabalho vivo,
o que consequentemente redunda num crescimento do exército industrial de reserva.
Ademais, há um desmonte das políticas sociais vinculados ao trabalho e alterações
demográficas – aumento da expectativa de vida e envelhecimento das populações –
que desaguam na conformação de um conjunto variado e significativo de segmentos
miseráveis e desprotegidos (NETTO, 1996).
Nesse contexto,
“numa operação ideopolítica exitosa, a burguesia e seus intelectuais
imprimem novos significados à questão social, dentre eles, a sua redução às
manifestações contemporâneas da pobreza” (MOTA e AMARAL, 2016),
afastando-se da relação entre pauperização e acumulação capitalista, como
tratada pela crítica da economia política (MOTA, 2019b, p. 203).

Com isso, as políticas sociais, lócus de atuação da profissão, para além do


caráter privatista, compensatório, focalista e seletivo – características que marcam
historicamente a trajetória das políticas sociais brasileiras –, têm sido permeadas pela
lógica financeirizada, o que produz impactos no exercício profissional das assistentes
sociais, conforme iremos aprofundar no presente estudo.
Como bem ressalta Netto (1996), constitui-se como uma marca da sociedade
burguesa pós-1970 a ampliação e intensificação da reificação no cotidiano, pois por
meio do avanço das políticas de restauração do capital e políticas neoliberais de
desregulamentação criou-se um terreno fértil para o estabelecimento de um maior
fetiche da mercadoria. Exemplo emblemático disso é a cultura pós-moderna que
“comporta em si mesma a efemeridade, a instantaneidade e a fungibilidade, marcas
típicas da mercadoria” (RODRIGUES, 2019, p. 254).
Porém, é na regressividade expressa nas formas de enfrentamento do Estado

30 O Brasil é um país de capitalismo dependente que possui uma dívida social enorme, decorrente de
um passado colonial e escravocrata, cujas reparações históricas estão longe de se materializar para
uma parcela considerável da população. No decurso histórico, além de não serem concretizadas, a
necessidade de realizar tais reparações foram sendo aprofundada, o que reforça o alto grau de
desigualdades sociais e econômicas que marca esta sociedade. É fundamental ter por base esses
elementos para entender o quanto os efeitos produzidos pelo neoliberalismo, reestruturação produtiva
e financeirização do capital exponenciam as mazelas da “questão social” em solo brasileiro, sobretudo,
sobre sua parcela negra que é a grande maioria da população.
52
sob o jugo da financeirização, sobre a qual Netto se debruçou, que é possível recolher
elementos para uma análise crítica das requisições prático-operativas do Serviço
Social. Na tentativa de forjar um sistema de proteção social permeável à lógica
financeirizada do capital, a intervenção estatal foi redimensionada, sendo fortemente
marcada por um caráter assistencial, ou seja, “uma resposta minimalista/pobre voltada
para os mais pobres” (RODRIGUES, 2019, p. 254) que não à toa também atinge o
campo da educação e, especificamente, da assistência estudantil.
Esse padrão de resposta à “questão social”, assentado nesse caráter
assistencial, não é algo particular do Brasil, mas aqui se inicia nos idos da década de
1990 com o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e se acentua nos 2000,
com os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), sobretudo com a promulgação
da Política Nacional de Assistência Social e implantação do Sistema Único de
Assistência Social (Suas).
No período temporal referenciado acima se iniciam profundas alterações no
papel desempenhado pelo Estado brasileiro que, posteriormente, foi denominado
como contrarreforma do Estado (BEHRING, 2008).
Rodrigues destaca os impactos desse novo ordenamento para a profissão:
acentuou os traços típicos da prática indiferenciada tratada em Capitalismo
monopolista e Serviço Social, ou seja, as respostas as refrações da questão
social reduzidas ao domínio do emergencial, do pragmatismo, a requisitar
agentes técnicos habilitados não somente a executar, mas também a formular
e gerir políticas e programas sociais de caráter assistencial: um perfil
profissional regressivo condizente com a regressividade da atuação de um
Estado compatível com os interesses de uma dinâmica de acumulação
financeirizada e incapaz de assegurar direitos (2019, p. 254-5, grifos da
autora).

Considera-se, nesse sentido, que os fenômenos de financeirização do capital,


neoliberalismo e reestruturação produtiva que, segundo a análise de Iamamoto (2008)
estão intimamente conectados, tem proporcionado um terreno fértil para reforçar o
sincretismo da profissão, o que poderá ser observado no conjunto de requisições
institucionais direcionadas às assistentes sociais: a aparente prática indiferenciada e
polivalente, bem como a necessidade produção de respostas imediatas que acabam
por resgatar o cariz emergencial que revestiu a prática profissional em suas
protoformas, conforme mencionamos anteriormente.
Inicialmente, o desdobramento das formulações de Netto a respeito do caráter
sincrético que permeia a profissão pode gerar um entendimento de que não há

53
possibilidades para saídas profissionais. No entanto, para Sousa (2019), é justamente
a partir da explicitação das determinações da referida tese que o autor consegue
projetar um campo de possibilidades para a ação profissional.
De um lado, na ausência de um referencial teórico crítico-dialético, o que o
profissional realiza é a reposição sob as mesmas bases das problemáticas
com as quais se defronta. É a organização dos componentes heterogêneos
manipulando-os planejadamente, ressituando-os na mesma estrutura. De
outro lado, a qualificação desta intervenção respondendo para além da
mera reposição, ou, nos termos do autor, “a manipulação planejada só
é possível com a superação intelectual do profissional” (2019, p. 224,
grifos nossos).

Com isso, há pelo menos dois tipos de perfil profissional que se pretende
assegurar, o que indica a viabilidade de possibilidades:
O técnico bem adestrado que vai operar instrumentalmente sobre as
demandas do mercado de trabalho tal como elas se apresentam ou o
intelectual que, com qualificação operativa, vai interferir sobre aquelas
demandas a partir da sua compreensão teórico-crítica, identificando a
significação, os limites e as alternativas da ação focalizada31 (NETTO, 1996,
p. 126).

Com a acentuação e complexificação das mazelas sociais que atingem a


sociedade brasileira, o Serviço Social tende a manter sua demanda. No entanto, a
construção de uma direção social estratégica para a profissão, assentada na sua
diferenciação ideopolítica e constituição de uma nova cultura profissional, proporciona
condições às profissionais para uma elaboração de
respostas mais qualificadas (do ponto de vista operativo) e mais legitimadas
(do ponto de vista sociopolítico) – e isso só será convertido em ganhos, para
Netto, “se o Serviço Social puder antecipá-las, com a análise de tendências
sociais que extrapolam as requisições imediatamente dadas no mercado de
trabalho” (SOUSA, 2019, p. 228).

Na mesma direção, Souza (2014) defende que os desdobramentos da


vertente de intenção de ruptura (NETTO, 2004) proporcionaram as bases para a
possibilidade de superação do ecletismo teórico. Houve uma aproximação da
profissão com a tradição marxista que não se opera de forma linear nem sem
contradições ao longo dos anos, mas que promoveu avanços no âmbito da
formação, da pesquisa e da produção de conhecimento numa perspectiva de análise
crítica totalizante. O mesmo autor (2014) nos alerta que tal perspectiva de análise
não é capaz de reverter a dinâmica objetiva da realidade, porém,

31No entanto, é preciso salientar que as transformações ocorridas no ensino superior brasileiro que,
consequentemente, incidem na formação profissional do Serviço Social, tensionam a possibilidade de
conformação desse segundo perfil profissional intelectual, tal como é indicado por Sousa (2019).
54
[…] forneceu aos assistentes sociais recursos teórico-metodológicos para
uma atuação que, ainda que inscrita no circuito de reprodução do
sincretismo, pudesse explorar os espaços sócio-ocupacionais como campos
de contradição, com clareza do seu raio de ação e na perspectiva da
ampliação das suas possibilidades – sobretudo na defesa tática dos direitos
e demandas do trabalho (tomado como antagonista estrutural do capital).
Esse é o esforço do chamado “projeto ético-político profissional” (SOUZA,
2014, p. 557).

Neste ponto, cabe-nos uma pequena digressão, pois a adoção da concepção


“terciária” de educação – uma das consequências do conjunto de mudanças que se
processam na educação superior brasileira que serão objeto do segundo capítulo –
tende a produzir efeitos na formação profissional de um conjunto de cursos, mas, aqui
gostaríamos de conferir especial destaque ao Serviço Social. A qualidade da formação
profissional tem um papel crucial na conformação de um perfil profissional que seja
capaz de antecipar as tendências postas pelo mercado de trabalho e formular
respostas qualificadas que não se restrinjam ao plano imediato e às requisições
institucionais.
Nesse sentido, ao se tensionar as bases da formação profissional, o que
possivelmente será combinado com tensionamentos dirigidos às regulamentações
profissionais e condições de trabalho, há impactos diretos no universo de demandas
postas e respostas exigidas à profissão. No capitalismo contemporâneo, isso tende a
formatar um padrão de resposta às sequelas da “questão social”. O caráter focalizado,
seletivo e fragmentado das ações é mantido, mas permeado pela lógica financeirizada
do capital que, no caso da assistência estudantil, se expressa principalmente por meio
do processo de bolsificação da política.
Com isso, toda essa dinâmica repõe/reforça o caráter sincrético da prática
profissional, pois há um aprofundamento da mercantilização em geral nas diferentes
esferas da vida social. Assim, especificamente no âmbito da formação profissional, a
estratégia adotada pela contrarreforma da educação superior brasileira a partir dos
anos 1990, que será objeto do próximo capítulo, atinge dois objetivos de uma só vez,
conforme destacam Braz e Rodrigues (2013). Por um lado, há uma desqualificação
do padrão de resposta conferido às refrações da “questão social”. Para além da
repressão que se expressa por meio da criminalização da pobreza, as mazelas sociais
tendem a ser remetidas a uma intervenção do voluntariado e/ou de profissionais que
tiveram uma formação precária, aligeirada e de caráter não humanista. Por outro lado,
há uma reconfiguração do espaço de formação profissional que tende a estar cada
55
vez mais sintonizado com esse novo padrão de resposta às sequelas da “questão
social”. Assim, o objetivo torna-se ofertar uma educação aligeirada e polivalente, que
permita uma adequação aos objetivos mais imediatos do mercado.
Desse modo, estabelece-se uma tendência de rebaixamento do horizonte
teórico-cultural, o que irá repercutir nas condições em que as futuras assistenciais
sociais, a partir de uma leitura crítica da realidade, terão para elaborar respostas que
transcendam o plano imediato de intervenção. Além disso, no conjunto das políticas
sociais também haverá uma pressão em direcionar a atuação profissional a uma
manipulação de variáveis empíricas, numa lógica quantitativa e produtivista, para
intervir nos efeitos mais imediatos da “questão social”.
Há ainda que se mencionar que esse campo de possibilidades não deixa de
estar tensionado pelos impactos produzidos pelos processos aludidos anteriormente
- financeirização, neoliberalismo e reestruturação produtiva, sobretudo, a partir dos
anos 1990, a nível nacional.
No entanto, a capacidade de se forjar possibilidades a serem exploradas pelas
assistentes sociais não estão interditadas, ainda que estejam numa margem cada vez
mais restrita e tensionada pelos processos históricos e de luta de classes. É sobre
esse campo restrito, mas que contraditoriamente também comporta algumas
potencialidades que podem ser exploradas no âmbito do exercício profissional na
política de assistência estudantil que buscaremos nos dedicar no presente estudo,
sobretudo, em seu terceiro capítulo.
Mas, por ora, é justamente sobre as alterações no papel estatal que se
processaram em solo brasileiro desde os anos 1990, principalmente, no que diz
respeito às políticas sociais, que iremos nos deter no próximo item, a fim de nos
aproximarmos dos elementos que irão impactar na prática profissional das assistentes
sociais na política de assistência estudantil.

1.3 CONTRARREFORMA DO ESTADO BRASILEIRO NOS ANOS 1990 E


FINANCEIRIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

No Brasil, o desenvolvimento capitalista bem como a trajetória das políticas


sociais não se desenrolou nos mesmos termos nem em sincronia com os países

56
centrais32. Desde meados dos anos 1960 o país foi assolado pela ditadura do grande
capital, responsável por consolidar o estágio monopolista em solo nacional, a duras
penas para os setores vinculados ao trabalho: com forte repressão, restrição das
liberdades e violência, foi possível garantir ao grande capital uma extração
extraordinária de mais valia dos trabalhadores (IANNI, 2019).
No que tange às políticas sociais, Behring e Boschetti (2009) assinalam que
sob a vigência do período ditatorial, houve uma combinação entre repressão e
assistência no trato conferido à “questão social”. Processou-se uma ampliação da
cobertura da política social, mas sob uma base tecnocrática, conservadora e de
caráter seletivo. As autoras destacam o legado desse período histórico para
trajetória das políticas sociais no país:
[…] no mesmo passo em que se impulsionavam políticas públicas mesmo
restritas quanto ao acesso, como estratégia de busca de legitimidade, a
ditadura militar abria espaços para a saúde, a previdência e a educação
privadas, configurando um sistema dual de acesso às políticas sociais: para
quem pode e para quem não pode pagar. Essa é uma das principais heranças
do regime militar para a política social e que nos aproxima mais do sistema
norte-americano de proteção social que do Welfare State europeu. Outra
herança é a de que, mesmo com uma ampliação dos acessos públicos e
privados, milhões de pessoas permaneceriam fora do complexo assistencial-
industrial-tecnocrático-militar (FALEIROS, 2000) (BEHRING e BOSCHETTI,
2009, p. 137, grifos das autoras).

Nesse sentido, somente em fins da década de 1980, após toda luta pela
redemocratização da sociedade impetrada pelos movimentos sociais, populares e dos
trabalhadores, que tivemos um conjunto de direitos inscritos na denominada
Constituição Cidadã, fornecendo um tom mais avançado que se conheceu na
trajetória das políticas sociais brasileiras até então.
Behring e Boschetti (2009) reforçam que o texto constitucional refletiu as
disputas de hegemonia na sociedade brasileira naquele período histórico. Desse
modo, abarcou o que podemos considerar como avanços – a previsão de direitos
sociais, humanos e políticos – mas, por outro lado, também esteve permeada por
alguns traços conservadores – expressos na omissão em relação ao enfrentamento
da militarização do poder no país, por exemplo.
No entanto, é importante frisar que a conformação de políticas sociais como

32
Segundo Netto (2007), nos países centrais a expansão das políticas sociais se compatibilizou com a
expansão capitalista em determinado período histórico conhecido como “anos de ouro”, quadro que
vem se alterando progressivamente a partir dos anos 1970, quando começam a aparecer os primeiros
sinais de mais uma crise cíclica do grande capital.
57
respostas às mazelas da “questão social” não é um estado natural do capitalismo, ou
seja, essas conquistas são forjadas na luta de classes e, uma vez instituídas, não são
objetos eternizados e intocáveis na história. Pelo contrário, a depender das condições
gerais do sistema capitalista, dos processos históricos e contornos assumidos pela
luta de classes, sempre haverá uma pressão do grande capital para bani-las ou reduzir
a atuação estatal ao mínimo estritamente necessário.
De modo geral, é o que vimos assistindo a nível mundial desde os anos 1970
e, mais especificamente no Brasil, a partir dos anos 1990. Nesse período, tem início
um processo de redimensionamento do papel do Estado que perpassa a conformação
das políticas sociais, dentre outras medidas, para atender aos anseios do grande
capital em sua forma financeirizada, mesmo diante do aprofundamento das refrações
da “questão social”. Esse cenário tem rebatimentos diretos no campo das políticas
sociais, e, especificamente, na educação (o que inclui a assistência estudantil, foco
de nosso estudo).
Brettas (2020), em seu estudo, contribui com a elaboração de uma síntese
sobre o conjunto de transformações a que foram submetidas as políticas sociais
brasileiras nos últimos 30 anos. Em certa medida, os elementos contidos na referida
síntese já vinham sendo analisados por uma ampla gama de autores na literatura
profissional, dentre eles destacamos: Mota, 2000; 2008; 2019a; Granemann, 2007;
2011; Behring, 2008; 2010; 2019; 2021; Behring e Boschetti, 2009; Iamamoto, 2008;
Bravo, 2006; 2008, Salvador, 2012; 2016 etc. Desse modo, no presente estudo, há
expressa concordância com Brettas quando afirma que é a financeirização que
caracteriza a particularidade das políticas sociais nas últimas décadas.
Assim, cabe-nos realizar uma breve pausa para pontuar de que forma
compreendemos este fenômeno que, de modo inicial, nos remete ao predomínio da
esfera financeira na dinâmica de reprodução ampliada do capital. Este é um tema que
envolve polêmicas, mas não iremos aprofundá-las neste estudo. Nossa intenção é, a
partir de algumas referências principais (IAMAMOTO, 2008; LINS, 2016; LENIN, 2000
e CHESNAIS, 1996), realizar uma pequena imersão neste tema.
A estruturação da economia a nível mundial, após mais uma crise estrutural do
capital nos anos 1970, passa a estar assentada sobre novas bases, nas quais
prevalece o domínio do capital financeiro. Segundo Iamamoto (2008), a efetivação da
mundialização da economia é operada por grandes grupos industriais transnacionais
58
que tiveram sua origem fortemente favorecida pelo contexto de desregulamentação e
liberação da economia, com total apoio dos Estados Nacionais. Esses grupos,
localizados prioritariamente nos centros capitalistas, avançaram na concentração e
centralização do capital industrial e passaram a se associar às instituições financeiras,
tais como: “bancos, companhias de seguros, fundos de pensão, sociedades
financeiras de investimento coletivos e fundos mútuos”. (IAMAMOTO, 2008, p. 108).
É imperativo considerar que essas alterações aludidas se dão numa fase específica
do desenvolvimento capitalista sob a qual se debruçou Lenin: a imperialista. Conforme
Brettas,
o imperialismo é uma fase de desenvolvimento do capitalismo marcado pela
concentração, centralização e internacionalização do capital, que tem no
aumento das disputas interimperialistas e no desenvolvimento desigual e
combinado a expressão do movimento do capital na busca da mais-valia
extraordinária. Nesta fase, o poder político-militar, aliado ao econômico,
busca alargar as fronteiras da acumulação, intensificando as desigualdades
e recheando de novas e contraditórias determinações o desenvolvimento
capitalista (2020, p. 37).

Lins (2016) destaca que o capital fictício33 se encontra no cerne do processo


de financeirização que surge em fins do século XIX a nível mundial, mas que adquire
maturidade nos anos 1970, mediante um conjunto de transformações de caráter
tecnológico, político e econômico34. Tal processo pode inicialmente ser considerado
como “uma forma específica de acumulação cujo cerne está a valorização do capital
na forma financeira, subsumindo diversos setores às regras e normas do mercado
financeiro” (LINS, 2016, p. 13).
O autor supracitado refuta as análises pós-keynesianas a respeito do fenômeno

33
Segundo Lins (2016), o capital fictício na interpretação marxiana se assenta em duas
características: “de um lado, se desenvolve ao lado da ‘economia real’, redefinindo-a, transformando-
a e servindo inclusive como instrumento que acelera a acumulação do capital; por outro lado,
corresponde a uma forma radical de mistificação, enquanto antecipação da acumulação que ainda se
realizará” (2016, p. 57-8). Em síntese do referido autor, a origem da valorização desta forma de capital
continua vinculada ao processo produtivo e corresponde a uma aquisição de direitos acumulados,
títulos jurídicos sobre renda futura. Ou seja, seu valor está diretamente atrelado à capitalização de
recebimento de rendimentos futuros provenientes da exploração da força de trabalho que são trazidos
ao valor presente por uma taxa de juros.
34 De forma detalhada, Lins define as três frentes: “Tecnológica: sobretudo nos avanços das

telecomunicações que tornaram possíveis transações instantâneas entre os agentes; Política: a


ideologia neoliberal que se manifesta pelas políticas de flexibilização e desregulamentação dos
mercados postas em prática de maneira emblemática por Reagan e Thatcher nos anos 80; Econômica-
institucional: a derrocada do sistema de Bretton Woods. Em linhas gerais, este sistema estabelecia
uma conversibilidade direta entre o dólar americano e o ouro (35 dólares por onça troy de ouro),
promovendo assim um arranjo de taxas de câmbio fixas. Em 1971 o presidente Nixon, de maneira
unilateral, suspendeu esta conversibilidade, desobrigando o Estado americano a garantir o lastro em
ouro das emissões posteriores de moeda” (LINS, 2016, p.13).
59
da financeirização, pois ao se aterem apenas em sua aparência não consideram que
seu desenvolvimento é orgânico. Com isso, acabam situando-o como uma
degeneração/falha do sistema capitalista, ou seja, como se fosse um crescimento
“além do necessário”. A financeirização ocorre de forma sistêmica e, em suas
condições de desenvolvimento, o aumento da participação financeira do setor
produtivo e serviços em geral não decorrem de uma estagnação produtiva, mas sim
da possibilidade de obtenção muito superior de acumulação de capital que esta forma
de capital oferece (LINS, 2016).
A produção de riqueza no modo de produção capitalista não se altera, ela
continua tendo origem no processo produtivo, ou seja, se assenta na exploração da
força de trabalho. No entanto, nos termos de Chesnais (1996, p. 15), é “a esfera
financeira que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social dessa
riqueza”.
Em sua análise, Iamamoto (2008) acertadamente indica que o domínio do
capital financeiro pressiona a materialização de um conjunto de processos que, em
geral, são tratados isoladamente na literatura. Para esta autora, a contrarreforma do
Estado (BEHRING, 2008), a reestruturação produtiva, o trato conferido à “questão
social”, bem como o neoliberalismo e as concepções pós-modernas são fenômenos
que compõem as distintas vias de efetivação assumidas pela mundialização
financeira. Portanto, todos esses elementos compõem o rol de estratégias emanadas
pela burguesia para enfrentar a crise e retomar as condições favoráveis para sua
dominação (BRETTAS, 2020). Acentuamos nesta análise que todos os fenômenos
aludidos perpassam pela intervenção estatal que na quadra histórica atual é
redimensionada a partir dos contornos assumidos pela luta de classes, mas, sem
deixar de exercer sua função de aliado de primeira ordem do capital.
Ao analisar o Estado na fase do desenvolvimento capitalista que denomina
como fase tardia – período que se inicia no pós-Segunda Guerra Mundial –, Mandel
(1985) assinala seu papel na sustentação de uma estrutura de classe e relações de
produção, identificando três principais funções. A primeira delas é garantia das
condições gerais da produção que não podem ser asseguradas pelas atividades
privadas dos membros da classe dominante; a segunda diz respeito à repressão a
qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações particulares das classes
dominantes; por fim, a integração das classes dominadas, no sentido de assegurar
60
que a ideologia da classe dominante perdure. Especificamente nesta última função a
educação, dentre outras, ganha destaque como uma das formas de possibilitar a
internalização das condições de legitimidade do sistema de exploração (MÉSZÁROS,
2008).
Segundo Mandel (1985), a concorrência capitalista impõe uma tendência à
autonomização do Estado, como se ele pairasse sobre as classes, um “capitalista total
ideal”. Nesse sentido, a intervenção estatal assume um papel central na dinâmica
capitalista ou, dito de outro modo, “[...] pode ser considerad[a] uma forma especial de
preservação da existência social do capital 'ao lado, mas fora da concorrência’”
(ALTVATER apud MANDEL, 1985, p. 336). Ou, ainda, nos termos de Mészáros
(2011), o Estado se ergue sobre o metabolismo socioeconômico que a tudo engole,
complementando-o de forma indispensável.
O Estado assume algumas funções econômicas, tal como o estabelecimento
de leis, moeda, mercado, exército e barreiras alfandegárias a nível nacional. Na
análise mandeliana (1985) há o entendimento de que o capitalismo tardio evidencia
as crescentes dificuldades de valorização do capital (superacumulação35). A
intervenção estatal, sobretudo nos países de capitalismo central, busca incidir nessa
dificuldade de valorização do capital ao investir na indústria armamentista, no meio
ambiente, na “ajuda” a países estrangeiros, obras e infraestrutura. No entanto, há uma
suscetibilidade do capitalismo tardio às explosivas crises econômicas e políticas. Daí
decorre o papel estatal de administrar as crises – função que se torna tão vital36 quanto
as outras – seja com políticas anticíclicas ou no ataque sistemático à consciência de
classe do proletariado.
Tal como destaca Iamamoto (2008), essa função do Estado é permeada por

35
Para Behring, por vezes os termos “superacumulação” e “supercapitalização” aparecem nos escritos
de Mandel (1985) como equivalentes, o que pode favorecer a distintas interpretações, inclusive
equivocadas. Nesse sentido, a autora em tela explicita seu entendimento a fim de melhor elucidar a
análise das políticas sociais em tempos de financeirização: “nos parece que a dificuldade de valorização
decorre da superacumulação e que a supercapitalização em Mandel caracteriza a busca desesperada
por nichos de valorização deste excesso de capitais em alqueive, decorrentes da superacumulação.
Neste caso, diríamos que o conjunto das políticas sociais, especialmente hoje no contexto da crise do
capital e de curtos-circuitos frequentes na metamorfose D-M-D’, com grande massa de capitais
superacumulados na forma dinheiro buscando nichos de valorização, vem sendo atingidas diretamente
pelo processo da supercapitalização que decorre da superacumulação” (BEHRING, 2019, p. 123).
36 Ao tecer considerações sobre o Estado moderno, Mészáros destaca que “ele é literalmente vital para

manter sob controle (ainda que incapaz de eliminar completamente) os antagonismos que estão
sempre surgindo da dualidade disruptiva dos processos socioeconômicos e políticos de tomada de
decisão sem os quais o sistema do capital não poderia funcionar adequadamente” (2011, p. 122).
61
uma ofensiva ideológica que prima pela integração do trabalhador à sociedade, mas
a partir da figura do “consumidor” – algo que já havia sido antecipado na análise de
Mota (2000) sobre a cultura da crise nos anos 1990. Além disso, sua atuação
transmuta toda e qualquer rebelião em “reformas” que possa absorver, obviamente
dentro dos marcos capitalistas.
Para Mandel, “a hipertrofia e autonomia crescentes do Estado capitalista tardio
são um corolário histórico das dificuldades crescentes de valorizar o capital e realizar
a mais valia regular” (1985, p. 341). Ademais, também se relaciona com a
intensificação da luta de classes. Essa hipertrofia na atuação estatal é inevitável e
necessária, mas, ao mesmo tempo, cria contradições.
Nesse ponto podemos estabelecer um diálogo com Braz (2016), quando afirma
que as tendências contraditórias não são superadas, mas necessitam de mecanismos
que restabeleçam algumas condições para a valorização do capital. Nesse sentido,
se elas não são superadas, a tendência à crise também não é. Por isso, o autor alerta
que não há capitalismo sem crise, capitalismo é crise. Por outro lado, Mészáros,
também indica que
com relação à sua determinação mais profunda, o sistema do capital é
orientado para a expansão e movido pela acumulação. Essa determinação
constitui, ao mesmo tempo, um dinamismo antes inimaginável e uma
deficiência fatídica. Neste sentido, como sistema de controle
sociometabólico, o capital é absolutamente irresistível enquanto conseguir
extrair e acumular trabalho excedente – seja na forma econômica direta seja
forma basicamente política – no decurso da reprodução expandida da
sociedade considerada. Entretanto, uma vez emperrado (por qualquer
motivo) este processo dinâmico de expansão e acumulação, as
consequências serão devastadoras (2011, p. 100).

Este último autor (2011), por partir de um pressuposto de que este modo de
produção capitalista se constitui como uma forma incontrolável de controle
sociometabólico, identifica como consequência devastadora, inclusive, a possibilidade
de se colocar em xeque a sua própria viabilidade como sistema reprodutivo social e
as condições de existência da humanidade em geral. Sobre este último ponto, Netto
corrobora ao assinalar que as transformações societárias em curso desde a década
de 1970 indicam o esgotamento das possibilidades civilizatórias do capitalismo na
atualidade37. Tal esgotamento recai sobre a totalidade da vida social e “manifesta-se

37 Netto chama a atenção para o fato de que em diversas passagens na obra marxiana perpassa uma
visão que indica que o “desenvolvimento capitalista é avanço civilizatório fundado na barbárie,
verificável inclusive no tocante à destruição da natureza” (2017, p. 76, grifos do autor). Para o autor, o
62
visivelmente na barbarização que se generaliza nas formações econômicos-sociais
tardo-capitalistas” (2017, p. 56).
Por ora, interessa-nos sublinhar que uma das formas de expressão da referida
barbarização38 se reflete no trato atualmente conferido à “questão social” por meio das
políticas sociais. Conforme veremos adiante, diante das disputas em torno do fundo
público, a intervenção estatal tem capitaneado uma resposta cada vez mais
precarizada para as mazelas sociais, a despeito de seu aprofundamento.
Desse modo, o Estado no contexto de mundialização financeira não perde seu
caráter de ser aliado de primeira ordem do capital. Embora aparentemente pareça
fragilizado diante das exigências e demandas das instituições financeiras
internacionais, é absolutamente eficiente ao traduzi-las para suas políticas nacionais,
seja por meio de privatizações do patrimônio público, implementação de políticas de
ajuste fiscal, implantação de contrarreformas nas mais diversas áreas e redução dos
gastos sociais, o que tem implicado na operacionalização de um conjunto de políticas
sociais de caráter regressivo (IAMAMOTO, 2008).
Iamamoto (2008) indica que na primeira etapa (1982 a 1994) de liberalização e
desregulamentação dos mercados teve forte influência o que ela denomina como
indústria da dívida. A proporção que atingiu o domínio do capital financeiro nesse
período se assenta no processo de endividamento dos governos, ou seja, nos
investimentos financeiros realizados nos títulos emitidos pelo Tesouro. Dito de outra
forma, a dívida pública é central no processo de financeirização da economia, pois por
meio dela os Estados Nacionais viabilizam a intensificação dos fluxos financeiros e
garantem a rentabilidade do capital.
A dívida pública foi e é o mecanismo de criação de crédito; e os serviços da

que se processa nos dias atuais é uma profunda impossibilidade da ordem tardia do capital propiciar
a emersão de alternativas progressistas para a humanidade, em todos os níveis das esferas da vida
social, o que pode ser atestado a partir de um conjunto de fenômenos que ele destaca: financeirização
especulativa e parasitária do capitalismo tardio e sua obsolescência programada, tentativas de
centralização monopolista da biodiversidade e crimes ambientais, militarização da vida social, novo
assistencialismo na atuação estatal (ibid.).
38 Netto(2017) ao discorrer sobre o esgotamento das possibilidades civilizatórios do capitalismo

contemporâneo, identifica a imbricação entre o novo assistencialismo e a militarização da vida social


que podem ser identificados em solo brasileiro como sendo uma manifestação desse processo mais
global de barbarização da vida social. No Brasil, é possível observar ambos os processos nas últimas
décadas: de um lado, a assistência social vem assumindo centralidade em detrimento das outras
políticas, alvos de precarização e privatização das mais distintas formas, tendo como carro-chefe os
programas de transferência de renda; de outro lado, vem ocorrendo um avanço da face coercitiva do
Estado por meio de ações que promovem a militarização da vida social e tem como consequências
mais latentes o encarceramento em massa e o extermínio da juventude negra.
63
dívida, o maior canal de transferência de receitas em benefícios rentistas. Sob
o efeito das taxas de juros, elevadas, superiores à inflação e ao crescimento
do produto interno bruto, o endividamento dos governos cresce
exponencialmente. O aumento da taxa de juros representa uma solução de
partilha da mais-valia a favor da oligarquia financeira rentista, permitindo sua
redistribuição social e geográfica. O endividamento gera pressões fiscais
sobre as empresas menores e receitas mais fracas, a austeridade
orçamentária e a paralisia das despesas públicas (incentivos e créditos à
indústria e agricultura, política sociais e serviços públicos, entre outros)
(IAMAMOTO, 2008, p. 117).

Antes de prosseguirmos em nossa análise, cabe-nos uma pequena digressão


sobre o fundo público, pois ao tratarmos da dívida pública é fundamental indicar que
esse é um dos mecanismos por meio do qual o capital financeiro é fortemente
alimentado. Portanto, não é casual o mote da narrativa neoliberal de suposta redução
do Estado e a necessidade de implementação de “reformas” e programas de ajustes
estruturais provenientes de organismos multilaterais (Fundo Monetário Internacional
– FMI e Banco Mundial – BM) direcionados aos países devedores, sobretudo, os de
capitalismo dependente.
No presente estudo compreende-se que o fundo público é composto a partir do
montante de recursos que são apropriados pelo Estado para o desempenho de suas
inúmeras funções no capitalismo monopolizado e maduro. Destaca-se ainda que tais
recursos são essencialmente provenientes tanto do trabalho excedente dos
trabalhadores (mais valia) que é em parte apropriado pelo Estado, mas, também, pelo
trabalho necessário, em parte, expropriado dos salários (com o aumento da alíquota
da previdência, por exemplo) e, também, pelo consumo, os trabalhadores pagam
direta e indiretamente um conjunto de impostos (BEHRING, 2010). Em síntese, o
fundo público é composto pelo trabalho excedente e o trabalho necessário.
Salvador (2012) nos recorda que o espaço do orçamento público sempre é
caracterizado pelo enfrentamento político de distintos setores da sociedade, no
sentido de fazer valer seus interesses. Destaca ainda que no pós-1980, os interesses
que permeiam o aparato estatal permanecem privados e estão sob a hegemonia do
capital financeiro.
É fundamental estarmos atentos a este tema que por vezes aparece como uma
“caixa preta” para os mais leigos, difícil de ser desvendada. No entanto, sua
apropriação é crucial diante do fato que é justamente o orçamento público que
possibilita ao Estado planejar e materializar suas ações e, por isso mesmo, sempre
irá refletir as prioridades políticas priorizadas pelo governo. Nesse sentido, Salvador
64
(2016) nos alerta: não basta analisar como os distintos recursos serão alocados, mas,
principalmente, sobre quem recairá o financiamento estatal que em parte (conforme a
correlação de forças entre as classes) será destinado ao financiamento das políticas
sociais.
Na atualidade, sobretudo nos últimos 30 anos, o fundo público ocupa o lugar
cada vez mais central no capitalismo39, seja na garantia dos interesses do capital ou
do trabalho. Ao Estado cabe a função de se apropriar de parte considerável do fundo
público que, em última instância trata-se de trabalho necessário mais trabalho
excedente, a fim de viabilizar as condições de produção e reprodução capitalistas.
Nos termos de Salvador:
O fundo público tem papel relevante para a manutenção do capitalismo na
esfera econômica e na garantia do contrato social. O alargamento das
políticas sociais garante a expansão do mercado de consumo. Ao mesmo
tempo que os recursos públicos são financiadores de políticas anticíclicas nos
períodos de refração da atividade econômica (2016, p. 124-5).

Conforme vimos, ao se voltar aos interesses da classe trabalhadora em


determinados momentos históricos, dado o caráter contraditório inerente das políticas
sociais, o Estado – que age em função da dinâmica da luta de classes – atende tais
necessidades nos marcos da sociedade capitalista e, desse modo, também favorece
os interesses do grande capital. Assim, é possível afirmar que as políticas sociais são
essenciais para o desenvolvimento econômico do capital sob a organização
monopólica e, ao mesmo tempo, assumem o papel de sustentação da ordem
sociopolítica se considerarmos a emergência do Estado com um mediador de conflitos
ao atender demandas reais, ainda que de forma fragmentada (BEHRING, 2019).
O caráter fragmentado de intervenção estatal sobre as distintas problemáticas
sociais que passam a ser alvo das políticas sociais contribui para que seus nexos
causais fiquem obscurecidos, o que faz com que as referidas problemáticas sejam
vistas como “disfuncionalidades”, “problemas sociais” e/ou “questões sociais” dos
indivíduos. Essa forma atomizada de analisar as demandas bem como a competição

39 Para Behring, o fundo público no atual estágio capitalista se transformou numa espécie de
“pressuposto geral do capital”, pois por meio dele é possível ao Estado atuar desde dentro na garantia
das condições gerais do desenvolvimento capitalista, o que implica que gerir o conjunto de contradições
que resultam na tendência de queda das taxas de lucros. Para a autora, “essa atuação ocorre, seja
cotidianamente no processo de produção e reprodução social in flux, seja nos momentos de crise,
injetando volumes significativos extraídos desigualmente das classes sociais para amortecer os efeitos
mais perversos daquelas contradições e das crises. Trata-se de assegurar a continuidade do ciclo D –
M – D’ como esteio do metabolismo do capital (2021, p. 72).
65
entre os trabalhadores para atendimento de suas necessidades contribui em muito
para sua desmobilização e seu reconhecimento enquanto classe (BEHRING, 2019) .
No que diz respeito à segunda etapa da desregulamentação assinalada por
Iamamoto (2008), seu início se deu em 1994 e caracteriza-se pela maior presença
dos mercados de bolsas de valores na economia. Os investidores financeiros
compram ações de grandes grupos industriais transnacionais, apostando na sua
rentabilidade futura.
Conforme vimos, os fenômenos que geralmente são tratados isoladamente
estão conectados. A desregulamentação se inicia no âmbito financeiro, mas
transborda para outras esferas da vida social (IAMAMOTO, 2008, GRANEMANN,
2007). Para garantir o domínio do capital financeiro é fundamental que a atuação dos
Estados Nacionais seja redimensionada no sentido de proporcionar diferentes
mecanismos (dívida pública, ajustes fiscais, privatizações, restrição de direitos sociais,
dentre outros) para garantir a reprodução ampliada do capital e lidar com as tensões
de classe dentro dos marcos capitalistas (BOSCHETTI, 2012; BEHRING, 2021).
Por outro lado, embora seja a esfera financeira que cada vez mais determine
como se dará a repartição e a destinação da riqueza no estágio atual do
desenvolvimento capitalista, a origem da referida riqueza permanece atrelada à
exploração da força de trabalho no processo produtivo (CHESNAIS, 1996). Nesse
sentido, para se garantir a tão almejada rentabilidade futura do capital financeiro,
torna-se necessário que haja um conjunto de alterações direcionadas ao mundo do
trabalho que se expressam por meio do processo de reestruturação produtiva que é
pautado no regime de acumulação flexível, a partir dos anos 1970, a nível mundial.
Nesse contexto de busca de novos nichos de valorização do capital, há uma
forte expansão do setor de serviços (TAVARES, 2014) – o que está atrelado ao
avanço da atuação do capital sobre as áreas de políticas sociais – e um conjunto de
impactos diretos para os trabalhadores que são materializados nas formas de
organização dos processos de trabalho, o que implica nas exigências atreladas à
produtividade e intensidade do trabalho; mudanças organizacionais nas estruturas
produtivas; neutralização do poder dos sindicatos; a existência de uma parcela restrita
de trabalhadores regulares, com direitos trabalhistas garantidos, dotados de força de
trabalho bastante especializada e com salários mais elevados; e, simultaneamente, o
rebaixamento da remuneração para diversas frações da classe trabalhadora, sujeitas
66
às instabilidades do mercado e ao crescimento do trabalho desprotegido; avanço do
desemprego estrutural e flexibilização dos direitos trabalhistas, dentre outros
(IAMAMOTO, 2008).
A redução do ritmo do crescimento e a superprodução em uma “onda longa
de tonalidade recessiva” (MANDEL, 1985) impulsionam o deslocamento
espacial de capitais, sua mobilidade geográfica, mediante a produção de
novos espaços para a exploração capitalista, combinando formas de mais-
valia absoluta e relativa. Produz-se a incorporação de novas tecnologias de
produção acompanhadas do ecletismo das formas de organização do
trabalho. Ao lado de formas especificamente capitalistas e de novos setores
incorporados à lógica da valorização, alvo dos investimentos externos diretos
entre os quais o dos serviços –, revigoram-se as formas arcais do trabalho
doméstico, artesanal, familiar e o renascimento de economias subterrâneas
e “informais” - mesmo nos países centrais –, ressuscitando velhos traços
paternalistas impressos às relações de trabalho. A subcontratação de
pequenas empresas e ou do trabalho em tempo parcial são encobertas sob
o manto da moderna “flexibilização”, a intensificação da competição
internacional e inter-regional estimula respostas “flexíveis” no mercado e
processos de trabalho e nos produtos e padrões de consumo (HARVEY,
1993) (IAMAMOTO, 2008, p. 112).

Iamamoto (2008) identifica a dívida pública e o mercado acionário das


empresas como sendo a base sobre a qual se assenta o domínio do capital financeiro.
A autora destaca que esta configuração se mantém em grande parte em função do
papel desempenhado pelos Estados Nacionais, o que inclui o suporte das políticas
fiscais e monetárias. Nas disputas em torno do fundo público, há um profundo
privilegiamento dos interesses do capital, sobretudo, em sua forma financeirizada, o
que implica em rebatimentos profundos nas condições básicas de vida dos distintos
estratos da classe trabalhadora. De forma sintética, Iamamoto assinala que
por um lado, a privatização do Estado, o desmonte das políticas públicas e a
mercantilização dos serviços, a chamada flexibilização da legislação
protetora do trabalho; por outro, a imposição da redução dos custos
empresariais para salvaguardar as taxas de lucratividade, e com elas a
reestruturação produtiva, centrada menos no avanço tecnológico e
fundamentalmente na redução dos custos do chamado “fator trabalho” com
elevação das taxas de exploração. Daí a desindustrialização expressa no
fechamento de empresas que não conseguem manter-se na concorrência
mediante a abertura comercial, redundando na redução dos postos de
trabalho, no desemprego, na intensificação do trabalho daqueles que
permanecem no mercado, na ampliação das jornadas de trabalho, da
clandestinidade e da invisibilidade do trabalho não formalizado, entre outros
aspectos (2008, p. 124).

Assim, é fundamental sublinhar que a “questão social” assume novas


configurações, mas sua raiz permanece fortemente assentada na contradição
capital/trabalho que continuamente a reproduz. A configuração assumida pela
“questão social” nesta quadra histórica, na acepção da supracitada autora (2008) se
67
vincula diretamente às políticas governamentais adotadas que primam pelo
favorecimento da “esfera financeira e do grande capital produtivo – das instituições e
mercados financeiros e empresas multinacionais” (2008, p. 124).
Além disso, no nosso entendimento, o trato conferido às diversas mazelas
sociais passa pela adoção de mecanismos estatais que também beneficiam direta ou
indiretamente os setores do grande capital aludidos. Dito de outra forma, tanto a
configuração assumida na atualidade pela “questão social” quanto o padrão de
resposta formatado nesse período são fruto do domínio da forma financeirizada do
capital.
Assim, do ponto de vista da classe trabalhadora a atuação do capital financeiro
se traduz no ressurgimento de formas agressivas e brutais de ampliação da
produtividade, significando, em última instância, um aumento expressivo da
exploração da força de trabalho sem que se leve em conta os níveis de desemprego.
Há ainda uma reconfiguração das instâncias destinadas a suprir as necessidades de
reprodução da força de trabalho, ou seja, as políticas sociais passam a ser permeadas
pela lógica financeirizada do capital, o que para além de atender necessidades
básicas dos trabalhadores reforça a garantia dos interesses do grande capital.
A reconfiguração das políticas sociais experimentada nas últimas décadas
tem um papel importante para ampliar o escopo da financeirização, criando
maneiras de integrar os usuários das políticas ao sistema bancário e creditício
sob o argumento da importância da inclusão bancária no exercício da
cidadania e da valorização do crédito e dos programas de transferência de
renda para garantir o acesso a melhores condições de vida (BRETTAS, 2020,
p. 207).

Nesse contexto, o Serviço Social permanece sendo convocado para atuar na


polarização das classes sociais no sentido de contribuir com a garantia da reprodução
das relações sociais capitalistas (IAMAMOTO, 2006). Sob o jugo da financeirização,
cenário em que as refrações da “questão social” se apresentam de modo agudizado,
não há a contrapartida de garantias na mesma proporção da proteção social
necessária para o provimento de melhores condições de vida para uma considerável
parcela da classe trabalhadora. Nesse sentido, a tendência que se põe no horizonte
é uma atuação nos distintos espaços sócio-ocupacionais nos efeitos mais imediatos
da “questão social” – o que repõe/reforça o caráter sincrético da prática profissional –
cada vez mais direcionada aos segmentos mais empobrecidos, ou seja, aqueles
vinculados ao denominado exército industrial de reserva.

68
Em nosso entendimento, isso tende a ocorrer devido à hegemonia e ao domínio
do capital financeiro que se espraia para todas as esferas da vida social e se reflete
profundamente nas disputas em torno do fundo público que cada vez é mais central
na dinâmica da economia capitalista. Especificamente no Brasil, conforme ressalta
Behring (2021), instaura-se um ambiente de ajuste fiscal permanente – a partir de
meados dos anos 1990, mas vigente até os dias atuais –, com o intuito de garantir as
constantes e progressivas remessas de fundo público aos credores da dívida.
Com isso, há uma forte tendência de comprimir os recursos orçamentários
destinados às distintas políticas sociais, forçando ao Estado a direcionar sua
intervenção na reprodução da força de trabalho sob um caráter cada vez mais seletivo
e focalizado. Nesse sentido, conforme veremos, há uma pressão de que o conjunto
de necessidades básicas dos trabalhadores, sobretudo aqueles em condição
privilegiada de remuneração e proteção ao trabalho, sejam satisfeitas pela via do
mercado, seja por meio da aquisição de mercadorias e/ou serviços. Por outro lado,
nesta ótica, o Estado deve se responsabilizar apenas pelo segmento mais
empobrecido da classe trabalhadora, ou seja, sua parcela que geralmente se encontra
em pobreza absoluta e compõe as longas fileiras do exército industrial de reserva.
Desse modo, a análise da particularidade das políticas sociais brasileiras nas
últimas três décadas não pode estar dissociada do modo de atuação estatal e,
portanto, implica em considerar de forma articulada alguns elementos: os traços
estruturais do capitalismo dependente; as particularidades históricas provenientes da
implementação do neoliberalismo em solo nacional; e o processo de financeirização
(BRETTAS, 2020).
Conforme vimos, o que passa a particularizar as políticas sociais 40 nesse
período, para além de suas características de longa data – caráter privatista, focalista
e seletivo41 –, é seu processo de financeirização (GRANEMANN, 2007; BRETTAS,
2020), no sentido de viabilizar novos espaços atrativos que proporcionem a

40 Cabe-nos lembrar que as políticas sociais são “processo e resultado de relações complexas e
contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e lutas de
classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo” (BEHRING, 2009, p. 270).
41 Tal como nos aponta Sarmento (2002, p. 118): “Os antigos mecanismos de proteção social, mesmo

insuficientes, desenvolvidos a partir das políticas sociais vão se tornando residuais, casuais e seletivos,
focalizados em situações de pobreza extrema para amenizar os impactos destas novas condições
sociais (desemprego estrutural, o aumento da pobreza e da exclusão social, a precarização e
casualização do trabalho, etc.), colocando em questão a própria concepção de direitos sociais que era
portadora”.
69
lucratividade do capital42. Este fenômeno pode ser compreendido a partir de diferentes
manifestações, ou seja, a financeirização das políticas sociais brasileiras comporta
distintas facetas que buscaremos apresentar brevemente neste estudo.
De modo sucinto, podemos inicialmente antecipar algumas principais
características sobre as quais se expressa o fenômeno da financeirização nas
políticas sociais que serão aprofundadas no decorrer deste item, com base nos textos
de Mota, 2000; 2008; Granemann, 2007; Behring, 2008; 2021; Bravo, 2009; Silva, G,
2012 e Brettas, 2020. Destacamos que as duas primeiras características sumariadas
traduzem elementos novos nessa conjuntura e as demais, expressam aspectos de
continuidade que marcam a trajetória das políticas no país. São elas:
1. a subordinação dos usuários das políticas e/ou programas sociais à
dinâmica dos bancos, ou seja, a necessidade impositiva da mediação de unidades
bancárias como condição para o acesso aos benefícios sociais. Com isso, há uma
exposição dos referidos usuários aos diversos produtos bancário-financeiros (conta
bancária, cartão de débito e crédito, cheque especial, pagamento de taxas,
empréstimos consignados etc.) (GRANEMANN, 2007; BRETTAS, 2020; BEHRING,
2021);
2. a centralidade da bolsificação43 em detrimento da constituição de
equipamentos coletivos e permanentes que ofertem serviços não mercantis
(GRANEMANN, 2007; SILVA, G 2012; BRETTAS, 2020);
3. a continuidade da mercantilização e privatização das políticas
sociais, o que produz a fragmentação da força de trabalho a partir da diferenciação
dos benefícios concedidos (MOTA, 2000; GRANEMANN, 2007);
4. a conformação e ampliação de uma área nebulosa que congrega o
público e privado na execução das ações relativas às políticas sociais (GRANEMANN,
2007; BEHRING, 2008; 2021; BRETTAS, 2020); e
5. a focalização das ações nos estratos mais empobrecidos da classe
trabalhadora, ou seja, aqueles pertencentes ao exército industrial de reserva (MOTA,
42 Nos termos de Granemann, “as reestruturações produtivas e suas exigências de reorganização dos
processos produtivo e de trabalho combinadas à reversão do modelo estatal de bem-estar social
assinalam que o capital monopolista dominado pelas finanças carece agora dos recursos e dos espaços
ocupados pelas políticas sociais para dar continuidade ao seu objetivo primário: “o acréscimo de lucros
pelo controle dos mercados” (2007, p. 58).
43
No decorrer deste item, iremos abordar de forma mais aprofundada o significado da bolsificação,
mas, em linhas gerais, podemos adiantar que se refere à priorização da transferência direta de recursos
monetários aos usuários das políticas e/ou programas sociais, sob a forma de bolsas e/ou auxílios.
70
2000; GRANEMANN, 2007).
Conforme vimos, o fundo público tem assumido um papel cada vez mais
estrutural na reprodução capitalista, a despeito da narrativa neoliberal de redução do
Estado adotada pela burguesia nacional. Não se trata somente da socialização dos
custos com a reprodução da força de trabalho, mas também da abertura de novos
espaços de inversão de capital via políticas sociais44, mantendo o financiamento pelo
Estado; além do socorro na época das crises e constante saqueio dos cofres públicos
via títulos da dívida pública e juros/amortização. Há uma pressão de que os impostos
recaiam o mínimo possível sobre a burguesia e onerem, sobretudo, as diversas
frações da classe trabalhadora, o que configura um sistema tributário regressivo45.
Os recursos do fundo público destinados para acesso ao que seriam direitos
sociais servem, cada vez mais, à acumulação capitalista de modo direto. Os
grandes conglomerados financeirizados encontram espaços lucrativos tanto
na prestação dos serviços diretamente (por meio de contratos de gestão,
planos de saúde, previdência, ensino superior etc.) quanto por assistirem a
inclusão de parcelas significativas da população no sistema bancário e
financeiro, via transferência de renda efetivada por cartão de banco e
empréstimos consignados de todo tipo (BRETTAS, 2020, p. 273).

Os aspectos salientados nas linhas acima implicam em sérios desdobramentos


para a classe trabalhadora, pois significam um avanço progressivo na direção de
ampliação e complexificação das formas de apropriação do trabalho necessário.
Granemann, em seu estudo, destaca o crescente aumento da exploração dos
trabalhadores quando ocorre a adesão aos fundos de pensão – expressão da
privatização da previdência –, pois desse modo, há uma “combinação da extração de
trabalho excedente e devolução, pelo trabalhador individual, de parte do seu trabalho
necessário ao capital” (2012, p. 248).
Brettas (2020) destaca a expropriação financeira como um mecanismo para
intensificar a concentração de renda e fortalecer o projeto de dominação burguesa. E,
de modo similar, Behring (2021, p. 40) sustenta que “a exploração da força de trabalho

44
Trata-se tanto da possibilidade de atuação direta do setor privado em atividades da área social, como
é o caso dos planos de saúde, hospitais privados e ensino privado, dentre outros. Mas, também, soma-
se a essa possibilidade a figura do espaço público/privado, explicitado no bojo do Plano Diretor da
Reforma do Estado que forjou o que denominamos instrumentos de privatização das políticas sociais,
pois transferem a gerência das unidades para a iniciativa privada, mas mantendo o financiamento sob
responsabilidade do Estado.
45Trata-se de um sistema concentrado predominantemente na tributação de bens e serviços, ou seja,
em tributos indiretos e regressivos que oneram consideravelmente os diferentes estratos da classe
trabalhadora, sobretudo, os mais pobres. Nesse sentido, pode-se inferir que o sistema tributário
brasileiro tem pouco ou nenhum efeito na distribuição de renda no país, já que não incide sobre o
patrimônio e a renda (SALVADOR, 2016).
71
na produção é complementada pela exploração tributária, que se combina hoje e num
mesmo passo a processos de expropriação, crescentes nesses tempos de intensa
crise e metabolismo do capital”.
No Brasil esse processo é de grande lastro. Nos últimos 30 anos, diante das
dificuldades crescentes de valorização do capital, observa-se a constante busca por
novos nichos lucrativos. O Estado, como garantidor das condições gerais do
desenvolvimento capitalista, não se furtou de exercer sua função de primeira ordem.
Nesse sentido, a partir dos anos 1990, no governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, houve uma série de privatizações do patrimônio público que
implicou na entrega de empresas estatais de setores estratégicos (mineração,
telecomunicações e bancário) abaixo do valor de mercado para o setor privado.
Segundo Tavares (2014), a partir da crença de que o crescimento econômico do país
se daria a partir de iniciativas privadas, a atuação do capital financeiro foi favorecida
a partir do controle de empresas públicas que possuíam alta rentabilidade. Para além
disso, houve a proposição de um programa de publicização, ancorado no mix entre
público e privado que, em última instância, tem resultado na privatização e
mercantilização das políticas sociais.
Conforme assinala Granemann, as políticas sociais passaram a ser vistas como
“espaços para a produção de novas mercadorias responsáveis pela 'resolução'
momentânea do fenômeno da supercapitalização” (2007, p. 58).
Todo esse cenário se tornou possível com o estabelecimento do neoliberalismo
em solo brasileiro no início da década de 1990, cujo documento norteador, o PDRE,
foi proposto por Bresser Pereira, ministro do governo do então presidente Fernando
Henrique Cardoso. (BRASIL, 1995). Este documento que provoca consideráveis
alterações no papel estatal no capitalismo contemporâneo, data de meados da década
de 1990, mas com algumas diferenças entre os sucessivos governos federais, parece
ser um dos elos condutores entre eles na implementação de um ajuste fiscal
permanente (BEHRING, 2021).
Em caráter introdutório, a crise brasileira vivenciada nos anos 1980 é
apresentada no PDRE como uma crise do Estado, ou seja, tal entendimento se
distancia da análise desse processo como mais uma das crises estruturais do capital.
Nesse sentido, ao atribuir a responsabilidade ao Estado, indica que seria um
desdobramento do seu desvio em relação às funções básicas ao longo dos anos para
72
atuar no setor produtivo (BRASIL, 1995). Para tanto, aponta que para se alcançar a
estabilidade e recuperar o crescimento da economia seria necessário promover o que
viemos a conhecer como contrarreforma do Estado (BEHRING, 2008).
Desse modo, evoca-se a reconstrução da administração pública sob bases
modernas e racionais que, de modo geral, tratava-se de adotar o gerencialismo no
âmbito do Estado brasileiro, ou seja, um sistema mais flexível e pautado
exclusivamente na eficiência e controle dos resultados.
Os servidores públicos são vilanizados no referido plano e um conjunto de
questionamentos são direcionados a sua forma de contratação, regime jurídico,
remunerações, aposentadorias e estabilidade funcional. Ressaltam-se os
considerados excessivos e crescentes gastos com pessoal e, nesse sentido, não é
casual que desde então surjam distintas propostas de (contrar)reforma da previdência
como uma medida imprescindível para resolver a crise fiscal do Estado e a suposta
crise do próprio sistema previdenciário.
O PDRE considera que o Estado, ao se desviar de suas funções, estaria
sobrecarregado e sem condições de atender com eficiência as demandas que lhe são
dirigidas, especialmente, as da área social. Assim, deveria se restringir ao papel de
promotor e regulador do desenvolvimento econômico e social. Sob esta ótica,
deveriam ser transferidas para o setor privado as atividades que poderiam ser
controladas pelo mercado e daí provém a justificativa para a série de privatizações de
empresas públicas.
Ao mesmo tempo, propõe-se a criação de um setor público não estatal, o que
abriu espaço para os inúmeros instrumentos de privatização posteriormente
conhecidos46. Trata-se de um espaço no qual o Estado não deveria exercer seu poder
diretamente, mas apenas subsidiar os serviços da educação, saúde, cultura e
pesquisa científica, o que foi denominado como publicização.
Cabe destacar que neste rol estão previstas políticas sociais inscritas na
Constituição Federal de 1988 (CF 88) como dever do Estado, mas que aqui são
apresentadas como áreas não exclusivas [de atuação] estatal. A publicização é
compreendida como transferência da produção de serviços que não seriam exclusivos
do Estado para um setor público não-estatal, ou seja, estabelecer-se-ia uma parceria

46
Podemos citar: as Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público,
as Fundações Estatais de Direito Privado, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, dentre outros.
73
entre o poder estatal e a sociedade.
O Estado no PDRE é compreendido a partir de quatro setores: núcleo
estratégico; atividades exclusivas; atividades não exclusivas; e produção de bens e
serviços para o mercado. Especificamente para cada setor previsto há um tipo de
propriedade correspondente: estatal para o núcleo estratégico e atividades exclusivas;
público não-estatal para atividades não exclusivas e privado para o último setor
(BRASIL, 1995).
Em suma, o que merece destaque neste ponto é a criação dessa área nebulosa
pública não-estatal, a partir da vigência do governo de FHC, a qual restringe o nível
de atuação direta do Estado. Sob o argumento de torná-lo mais eficiente, o processo
de publicização tem o papel de viabilizar a transferência direta de recursos do fundo
público para o capital. Tal processo se ancora no discurso de que com isso haveria
melhores serviços e com menores custos ao “cidadão cliente”, pois o Estado não
disporia de recursos suficientes para operacionalizar as políticas sociais – o que no
mínimo é contraditório, já que permanece como financiador das ações. Assim, esse
mix entre público e privado seria a melhor escolha a se fazer já que, em teoria, este
último executaria com maior eficiência as ações.
Desse modo, assistimos à abertura de novos espaços lucrativos para o capital,
por meio do surgimento de instrumentos de privatização das políticas sociais e, ao
mesmo tempo, o seu processo de financeirização. Conforme Iamamoto (2008) e
Brettas (2020) apontam, o processo de financeirização brasileiro tem em seu centro a
dívida pública, ou seja, é este o mecanismo frequentemente utilizado pelo Estado
para propiciar as margens de lucratividade do grande capital, favorecendo a
intensificação dos fluxos financeiros. Portanto, ao analisar a configuração atual da
assistência estudantil – campo de nosso estudo – é preciso considerar o
enfrentamento e atuação nas disputas em torno do fundo público pelas diferentes
classes sociais.
O Estado mantém seu caráter de classe e, portanto, tende a garantir os
interesses do grande capital e somente, quando é tensionado pelas lutas
empreendidas pela classe trabalhadora se volta a atuar pontualmente em suas
demandas, já que não é possível saná-las definitivamente nos marcos do capitalismo.
Ainda no que diz respeito ao papel assumido pelo fundo público na atualidade, cabe
reforçar o caráter essencialmente regressivo da carga tributária brasileira, pois,
74
segundo Salvador (apud BEHRING, 2021) seu peso recai em mais de 60% sobre a
renda dos trabalhadores, seja a partir da incidência direta ou indireta. Com isso, há
um aprofundamento dos altos índices de concentração de renda do país, distanciando
a minoria mais rica do grande contingente de pessoas pobres. Além disso, conforme
vimos, esse caráter regressivo da carga tributária, contribui para que o capital avance
na apropriação de uma parcela maior do trabalho necessário da força de trabalho
(BRETTAS, 2020; BEHRING, 2021).
Portanto, as disputas entre classes não apenas pressionam para intervir e
garantir seus interesses apenas no âmbito da alocação, ou seja, a própria origem dos
recursos é permeada por esta correlação de forças. Nesse sentido, no Brasil, o
sistema tributário concentra-se sobre a tributação de bens e serviços, ou seja, pouco
interfere na distribuição de renda e onera significativamente os diversos estratos da
classe trabalhadora.
Além disso, cabe-nos destacar que a origem dos recursos do fundo público
provém basicamente da classe trabalhadora. Porém, quando se trata da alocação
desses mesmos recursos que, em parte, deveriam retornar para os trabalhadores a
fim de propiciar suas condições de reprodução via políticas sociais, há uma
apropriação cada vez maior de parcelas do fundo público pelos setores vinculados ao
capital. Assim, diante de um contexto financeirizado da economia, políticas
liberalizantes e regressão dos direitos sociais e aqueles vinculados ao trabalho, o
capital consegue se apropriar e se beneficiar de parte dos recursos que são
destinados às condições de reprodução dos trabalhadores.
Behring explicita essa disputa, ancorada nas análises de Francisco de
Oliveira47 sobre o tema:
[…] o fundo público sofre pressões e funciona como elemento fundamental
para a reprodução do capital e também para a reprodução do trabalho, ou
seja, existe uma tensão desigual pela repartição do financiamento público.

47
Em sua análise sobre fundo público, Behring possui elementos de continuidade e ruptura com as
teses de Francisco de Oliveira. De forma sucinta, a autora em tela incorpora a ideia de que “a mudança
de qualidade da presença do fundo público no capitalismo pós a Segunda Guerra é a expressão da
maturidade do capitalismo e das formas que assumem suas contradições entre o desenvolvimento das
forças produtivas e as relações sociais de produção, implicando um novo padrão de financiamento
público (2021, p. 99-100, grifos da autora). Além disso, corrobora sua discussão sobre a centralidade
que o fundo público assume na sociedade contemporânea para reprodução do modo de produção
capitalista. No entanto, sua principal discordância reside na compreensão do autor desta categoria
como antivalor, pois, para Behring, por meio da atuação do Estado, o fundo público participa direta ou
indiretamente do ciclo de produção e reprodução ampliada do capital. Para uma análise mais
aprofundada dos elementos polêmicos entre os dois autores supracitados, Cf. Behring, 2021.
75
Dessa forma, o fundo público reflete as disputas existentes na sociedade de
classes, em que a mobilização dos trabalhadores busca garantir o uso da
verba pública para o financiamento de suas necessidades expressas em
políticas públicas. Já o capital, com sua força hegemônica, consegue
assegurar a participação do Estado em sua reprodução por meio de políticas
de subsídios econômicos, de participação no mercado financeiro, com
destaque para a dívida pública, um elemento central na política econômica e
de alocação do orçamento público […] (BEHRING, 2021, p. 100-1).

As assistentes sociais são uma das profissionais convocadas para atuar nas
respostas dadas às demandas da classe trabalhadora nas mais diversas áreas. Tal
como Iamamoto destaca, há um caráter contraditório que perpassa o exercício
profissional (IAMAMOTO, 2006). Nesse sentido, torna-se fundamental compreender
as implicações da configuração das políticas sociais para que se entenda os limites
do exercício profissional das assistentes sociais, mas também as potencialidades e
tarefas a serem empreendidas para contribuir em torno das disputas pelo fundo
público.
Considera-se que o neoliberalismo tem como uma de suas principais alavancas
para retomada das taxas de lucratividade do grande capital, o processo
de financeirização. Vide os diversos mecanismos jurídicos e medidas de política
econômica que propiciam uma maior apropriação do fundo público pelo grande
capital, sendo exemplo emblemático a Emenda Constitucional n. 95 que instituiu um
Novo Regime Fiscal no Estado Brasileiro (BRETTAS, 2020), após o golpe de Estado
no ano de 2016 que depôs ilegitimamente a presidente Dilma Rousseff.
Cada país, a partir de suas estruturas deixadas pelos modelos vigentes
anteriores, adotou sua versão do neoliberalismo (SADER, 1995; HARVEY, 2013).
Assim, este, em suas várias versões, se constituiu como uma resposta ao quadro de
crise. Conforme salienta Brettas (2020), a adesão não foi linear nem pura em cada
país, mas refletiu as disputas entre as diferentes classes sociais e, inclusive, entre as
frações de uma mesma classe social. No Brasil, por exemplo, apenas tardiamente48
o neoliberalismo encontrou solo fértil para seu estabelecimento.
Behring (2021) pauta-se na tese de que desde os anos de 1994/95, governo
sob a batuta do presidente Fernando Henrique Cardoso, instaura-se no país um
ambiente de permanente ajuste fiscal (que ainda vigora atualmente), o que implica em

48
O período ditatorial, sua derrocada e período de redemocratização, caracterizado por um forte e
amplo movimento da sociedade civil, atrasaram a chegada das medidas neoliberais ao solo nacional.
A Nova República inaugurou esses ajustes neoliberais com a justificativa de conter a crise econômica
que assolou o país durante toda a década de 1980.
76
disputas tanto na formação quanto na alocação do fundo público que, em última
instância, têm resultado no constante favorecimento do grande capital. Nesse período
houve, portanto, uma redefinição do padrão de reprodução do capital no
Brasil, acompanhada de uma contrarreforma do Estado abrangente, cujo
sentido foi definido por fatores estruturais e conjunturais externos e internos
e que engendrava um duradouro ajuste fiscal (BEHRING, 2021, p. 167).

Diferente do que a versão oficial dos fatos nos quis fazer acreditar, o mote da
contrarreforma do Estado fortemente atrelada a ideia do ajuste fiscal, decorreu de uma
escolha das classes hegemônicas brasileiras como forma de se inserir de forma
dependente e a qualquer custo na dinâmica capitalista internacional (BEHRING,
2021). Obviamente, o custo maior desse processo recaiu sobre os ombros das
classes trabalhadoras.
Por um lado, conforme enunciamos, havia o discurso falacioso contido no
PDRE de que a responsabilidade pela crise residia no modo de intervenção estatal.
Nesse sentido, era fundamental “reformá-lo”, corrigir suas supostas distorções e
desvios a fim de torná-lo mais eficiente. Mas, por outro lado, os mecanismos de
punção do fundo público para direcioná-lo ao capital se fizeram cada vez mais
presentes na política macroeconômica adotada: privatizações, desvinculações
orçamentárias, superávit primário, Lei de Responsabilidade Fiscal, manutenção dos
juros altos e pagamento ininterrupto e progressivo de juros, encargos e amortizações
da dívida pública. Para Behring (2021, p. 168), tudo isso “corroeu aceleradamente os
meios de financiamento do Estado brasileiro, por meio de uma inserção na ordem
internacional que deixou o país à mercê dos especuladores no mercado financeiro”.
Em suma, a correção dos supostos desvios e distorções do Estado, do ponto
de vista da classe trabalhadora, significou um profundo privilegiamento dos interesses
do capital em torno das disputas pelo fundo público. Assim, o que é possível observar
é que todo o esforço para redução dos gastos públicos, sobretudo, os de caráter social
– o que implicou num crescimento vegetativo do financiamento das políticas sociais
ao longo dos anos –, resultou num forte e contínuo escoamento de recursos para
proporcionar garantias aos credores da dívida pública49. Com isso, a pretensa

49
Behring demonstra em seu estudo que dos anos 2000 a 2019, período que compreende quatro
governos federais com matizes diferentes, houve uma violenta punção do fundo público pelo capital.
“O gasto com remuneração dos detentores dos papéis do Estado brasileiro sempre esteve acima de
20% e algumas vezes ultrapassou os 30% do OGU [Orçamento Geral da União] – chegando a 35,19%
em 2009, por ocasião da debacle mundial –, com exceção de 2013, quando ficou em 19,62%. Salvador
nos informa ainda que houve um crescimento de 72 bilhões de reais em juros com efeito da Emenda
77
implementação “eficiente” e gerencialista das políticas públicas se desdobrou na
realidade numa verdadeira desresponsabilização do Estado, a despeito do enorme
contingente de trabalhadores lançados à própria sorte, em decorrência da ampliação
do desemprego e dos níveis de pobreza.
De modo geral, podemos observar a partir do avanço da contrarreforma do
Estado no campo das políticas sociais diferentes ataques permeados pela lógica
financeirizada do capital que culminam em seu favorecimento. Dentre eles podemos
citar: a ampliação do mercado privado de previdência complementar50 que passa a
disponibilizar um volume considerável de recursos ao capital portador de juros a fim
de alimentar sua rentabilidade (GRANEMANN, 2007; BRETTAS, 2020); a tendência
de sobrecarregar os serviços das outras duas políticas componentes da seguridade
social diante da limitação do acesso aos benefícios previdenciários – com isso,
aqueles que possuem melhores condições de vida tendem a buscar o acesso aos
serviços privados de forma individualizada no mercado, o que favorece o
estabelecimento de uma cidadania dual (MOTA, 2000).
Ademais, também assistimos ao avanço do mercado privado de educação
superior, com forte ampliação das vagas e atuação de grupos empresariais
oligopolizados no mercado de ações na bolsa de valores, tendo por base o forte
incremento do financiamento público para referidas entidades (CISLAGHI, 2010;
LEHER e TAVARES, 2016; TAVARES, 2014; VALE, 2017; SGUISSARDI, 2020; SEKI,
2021a), o que será evidenciado no segundo capítulo.
Para que haja o avanço da contrarreforma do Estado sobre as distintas políticas
sociais é necessário que constantemente surjam na retórica oficial argumentos que a
justifiquem e legitimem e, por isso, passam pela ideia falaciosa de ineficiência dos
gastos sociais e pela suposta existência de um déficit no orçamento das políticas de
seguridade social.
Aqui, corroboramos com a análise de diversos autores (BEHRING, 2008,
BOSCHETTI, 2003; SALVADOR, 2010; BRETTAS, 2020, dentre outros) que

Constitucional (EC) nº 95, ou seja, de aproximadamente 18,21%, e esclarece que 'enquanto o


orçamento fiscal e da seguridade social apresentou um crescimento real de somente 2,6% acima do
índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), no período de 2016 a 2019, as despesas com
juros e encargos da dívida pública cresceram 8,5 vezes mais' (BEHRING, 2021, p. 171-173).
50
Dentre as alterações legais que viabilizaram este processo, podemos citar: a Emenda Constitucional
n. 20/98; a Emenda Constitucional n. 41/2003; a Emenda Constitucional n. 47/2005 e a Lei n.
2.618/2012.
78
relacionam o suposto déficit existente no orçamento da seguridade social à
equivocada compreensão isolada dos orçamentos de cada uma das suas três políticas
integrantes, o que destoa da previsão constitucional de uma base integrada de
financiamento com distintas fontes. Além disso, desconsidera-se no discurso oficial a
contínua drenagem de recursos, que são previstos constitucionalmente, para outras
despesas alheias, o que ocorre com a finalidade de manter o superávit privado para
garantir aos credores o pagamento da dívida pública. Este arranjo tem se
materializado ao longo dos anos, a fim de alcançar basicamente dois objetivos
complementares.
O primeiro deles corresponde à captura de parcelas cada vez maiores do fundo
público pelos proprietários do capital financeiro, a partir da dívida pública. Isto se
relaciona diretamente com a vigência de uma política de ajuste fiscal permanente que
por meio de um conjunto de mecanismos – isenções fiscais, superávit primário,
desvinculações orçamentárias, manutenção de altas taxas de juros, Lei de
Responsabilidade Fiscal, dentre outros – viabilizam a transferência direta de recursos
para a forma financeirizada do capital.
O segundo remete à alimentação do capital portador de juros (BRETTAS,
2020), por meio do avanço do caráter regressivo dos direitos sociais. Ou seja, a
partir da precarização e sucateamento das políticas sociais 51, cada vez mais a
esfera de reprodução da força de trabalho torna-se passível de ser incorporada pelo
capital como um nicho lucrativo que irá viabilizar sua reprodução ampliada.
Conforme veremos adiante, as distintas frações da classe trabalhadora tendem a ser
pressionadas a satisfazer suas necessidades via mercado.
Na literatura profissional geralmente encontram-se análises que discorrem
sobre o desmonte das políticas sociais que se processa na realidade nacional a partir
da implementação do neoliberalismo nos anos 1990, pois teoricamente a tão
propagada ideia de um Estado “mínimo” não combinaria com a existência e, mesmo

51 As restrições orçamentárias impostas às políticas de seguridade não são resultado apenas dos
mecanismos citados no primeiro objetivo. Tal como nos alertou Iamamoto (2008), os fenômenos da
financeirização, reestruturação produtiva e neoliberalismo estão intimamente conectados. Com o
avanço da ofensiva do capital sobre o mundo do trabalho, há o aumento do contingente de
trabalhadores com relações trabalhistas flexíveis e precárias, trabalho desprotegido e crescimento dos
níveis de desemprego estrutural. Com isso, esse conjunto de trabalhadores, além de não ter cobertura
de qualquer mecanismo de proteção social, também deixará de contribuir com a política de previdência
social, o que contribui com a redução do montante de recursos provenientes de uma das fontes de
financiamento da seguridade social.
79
a expansão, de políticas sociais. No entanto, há particularidades em nosso processo
histórico que merecem a devida atenção.
Primeiramente, o Brasil é um país de capitalismo dependente, no qual não
ocorreu a constituição do Estado de Bem Estar Social, tal qual se observou nos países
de capitalismo central nos denominados “anos de ouro” (NETTO, 2007; MOTA, 2000;
BEHRING, 2008; BEHRING e BOSCHETTI, 2009; BRETTAS, 2020). Neste momento
específico, o capitalismo experimentou altas taxas de crescimento que permitiram
nesse determinado período histórico, a partir das lutas de classe, alargar o padrão de
vida dos trabalhadores nos países imperialistas.
O modelo fordista-keynesiano foi capaz de combinar a política do pleno
emprego com um conjunto de direitos vinculados aos sistemas de seguridade social
que variavam segundo as formações sociais, processos históricos e da luta de classes
de cada país central, o que ficou conhecido como a experiência do Welfare State
(NETTO, 2007; BEHRING e BOSCHETTI, 2009). Tal cenário foi profundamente
alterado quando começam a surgir os primeiros indicativos da crise dos anos de 1970
e se estabelece, nos termos de Mandel (1985), a onda longa de estagnação no
desenvolvimento capitalista. Diante disso, passa a ser gestada uma reação burguesa
à crise que está diretamente atrelada ao processo de financeirização que se intensifica
nesse período e se desdobra nos processos de reestruturação produtiva e
implementação das primeiras experiências do neoliberalismo a nível mundial.
O pacto fordista-keynesiano nunca foi uma realidade no Brasil e, de certa
forma, a superexploração e repressão autocrática que reinava aqui no país era um
dos elementos que favorecia a existência/sustentação do referido pacto nos países
imperialistas. Somente em fins dos anos 1980, período após a derrocada da ditadura
militar marcado pela redemocratização da sociedade e efervescência dos
movimentos sociais populares e sindicais, tivemos a promulgação da Carta Magna. A
CF 88, pela primeira vez na história do país, inscreveu um conjunto de direitos até
então inexistentes para uma grande parcela da população. Nesse sentido, não havia
um sistema de políticas sociais no Brasil consistente e consolidado que pudesse ser
desmontado (MOTA, 2000; BRETTAS, 2020). Cabe relembrar que durante o período
anterior, ou seja, na vigência da ditadura, houve apenas uma
expansão seletiva de alguns programas sociais, o favorecimento ao setor
privado, principalmente nas áreas de saúde, previdência, habitação e
educação, a centralização político-administrativa e a supressão dos
80
mecanismos de participação dos trabalhadores e dos beneficiários no
controle dos sistemas […] (MOTA, 2000, p. 149, grifos da autora).

Na virada para os anos 1990, toda a expectativa proveniente dos marcos legais
em termos de direitos consagrados na CF 88, ainda que tivesse seus limites,
passaram a ser tensionados pela implementação do neoliberalismo. Mas, a despeito
do que apregoam os defensores desta estratégia de recomposição do poder da
burguesia, não há uma redução da atuação estatal. Pelo contrário, o Estado, a partir
do redimensionamento de suas funções, ocupa um papel central ao se responsabilizar
pelas condições da reprodução ampliada do capital.
Com isso, queremos dizer que a materialização ou mesmo expansão de
políticas sociais nesse período não é algo fora do lugar. Elas se desenvolvem tanto
em função dos movimentos de resistência dos trabalhadores quanto pela necessidade
da constante busca por superlucros pelo capital. Nesse sentido, a área das políticas
sociais é capturada e adaptada à dinâmica das finanças, como forma de propiciar o
alcance de níveis atrativos de lucratividade.
Mota (2000), de forma acertada, desenvolve o argumento central de que as
políticas sociais componentes da seguridade social conformam uma unidade
contraditória: de um lado há um avanço do processo de mercantilização e privatização
da saúde e previdência e, de outro, há uma ampliação da assistência social como
forma de enfrentamento à desigualdade social.
A assistência social foi se tornando o principal mecanismo de proteção social52
no Brasil, sustentado no argumento de que há um crescimento da pobreza
acompanhado de um desequilíbrio financeiro das políticas de saúde e previdência 53.
Isto implica em assumir um lugar de mecanismo integrador, substituindo o papel antes
desempenhado pelo trabalho. Para a autora, o que se põe no horizonte é o
apagamento da referência do trabalho em prol da renda como meio de acesso ao
consumo (MOTA, 2008).
Mota sinaliza que há uma nova engenharia para a seguridade social nesse

52 Não podemos desconsiderar que o caráter contributivo da previdência social que está associado à
necessidade de inserção em emprego formal implica que grande parcela da população
economicamente ativa não reúna os requisitos e condições para acessá-la, seja pelo alto nível de
desemprego estrutural e pelo alto grau de informalidade existente no mercado de trabalho nacional.
53 Aqui se destaca a pressão que ocorre para redução dos benefícios e serviços ofertados por estas

políticas, assim como ocorre em paralelo a abertura de espaço para a atuação de serviços privados
complementares e, especificamente, na saúde, da adesão dos modelos de gestão privatizantes.
81
contexto, pois ao focalizar nos segmentos mais empobrecidos da população 54, a
política de assistência social adquire um novo contorno, já que se centra, sobretudo,
nos programas de transferência de renda como demonstram muitos estudos
(BOSCHETTI e SALVADOR, 2006). A mesma autora (2008) identifica a seguridade
social como uma mediação da reprodução social, o que não se restringe à reprodução
material da força de trabalho, pelo contrário, diz respeito à totalidade da esfera de
reprodução das relações sociais. Com isso, lança luz ao fato de como a burguesia em
diferentes momentos históricos se utilizou de iniciativas referentes à proteção social
para legitimar-se.
Além disso, considera que seu estudo nos anos 1990 corrobora com esses
elementos, pois já era possível localizar dois polos de uma cidadania: “a privatização
e a assistencialização da proteção social, instituindo, ao mesmo tempo, as figuras do
cidadão-consumidor e do cidadão-pobre, este último objeto da assistência social”
(MOTA, 2008, p. 135). Naquele momento se constituiu uma tendência que foi
concretizada nos anos 2000: privatização e mercantilização da previdência e saúde e
defesa da expansão da assistência social. Aqui, cabe-nos acrescentar que sob nossa
ótica, ambos os processos são orientados pelo Estado, de modo a proporcionar a
rentabilidade do capital em sua forma financeirizada, tal como já vimos indicando.
Desde os anos 1990, foram surgindo as mediações políticas para este
fenômeno que se expressam no discurso moral pautado nas ideias de “reparar
injustiças”, “combater marajás da seguridade”, “acabar com a fome”, “incluir os
excluídos”, “todos em nome da cidadania, da democracia e da justiça social” (MOTA,
2008), o que Mendes (apud MOTA, 2008) caracteriza como repolitização da política
pelas classes dominantes e seu Estado. Cenário este que foi composto por novos
elementos que o reforçam, por meio da ascensão de Luís Inácio Lula da Silva à
presidência da República Federal.
Nos governos petistas que sucederam FHC, o PDRE permaneceu como um
documento orientador, pois, tal como nos indica Behring (2021), houve apenas

54 Conforme indicamos anteriormente, o mercado de trabalho no Brasil é marcado por níveis alarmantes
de desemprego e de informalidade, com isso, a política de assistência social ao focalizar no segmento
mais empobrecido da população faz com que uma outra parcela considerável da população fique
descoberta por qualquer tipo de proteção social. Por um lado, esta última não atende os requisitos
formais ou não possui as condições financeiras de arcar com as contribuições individuais da
previdência social e, por outro, não se enquadra nos critérios de “vulnerabilidade ou risco social”
definidos como parâmetros oficiais para acessar a assistência social.
82
algumas inflexões em relação às orientações mais duras do Consenso de
Washington. A condução da política macroeconômica foi mantida com todo vigor de
um ajuste fiscal permanente.
A economia política singular da era Lula e que teve continuidade em linhas
gerais com Dilma – porém, em um ambiente externo e interno desfavorável,
o que teve implicações políticas e econômicas profundas – engendrou
impactos materiais intensos sobre a vida dos que viviam em pobreza extrema
ou absoluta, mesmo que não pela expansão do direitos universais, o que
implicaria efetivas reformas. Mas, é preciso constatar e reconhecer,
favoreceu em proporções muito maiores os ricos, com atenção especial ao
agronegócio, às chamadas campeãs nacionais do setor alimentício e da
construção civil e ao capital portador de juros nas suas variadas formas, além
de atrair capital estrangeiro para o novo Eldorado brasileiro. Estivemos,
portanto, mais para uma espécie de “reformismo quase sem reformas”, como
sustenta Acary (BEHRING, 2021, p. 177).

Os pequenos deslocamentos do governos petistas podem ser observados em


alguns aspectos: 1) a ampliação dos empregos com baixa remuneração (até 1,5
salário mínimo), o que gerou um impacto por um curto período no índice Gini que
mede as diferenças entre os rendimentos do trabalho – no entanto, isto não implicou
em uma incidência real nas raízes da extrema desigualdade de renda no país; 2) o
crescimento real do emprego, sobretudo no setor terciário, na faixa de salarial de 1,5
SM – porém, a grande maioria da população economicamente ativa (em torno de 55%)
continuava completamente desprotegida em relação aos direitos sociais e trabalhista
(BEHRING, 2021). Segundo dados de Pochmann (apud BEHRING, 2021, p. 179)
sobre este último conjunto de trabalhadores há
[…] o peso do trabalho doméstico, do setor primário, dos autônomos e
temporários nesse segmento e […] altíssima rotatividade do trabalho – por
exemplo, de 85,3% em 2009 –, o que mostra a insegurança e a precariedade
no mundo do trabalho brasileiro, bem como o crescimento da terceirização
formalizada, sem falar, da frouxidão da legislação trabalhista já bastante
alterada naqueles anos, mas que sofreu, em 2017, o ataque mais profundo
pela contrarreforma trabalhista de Temer.

Desse modo, não há como não trazer à tona os aspectos contraditórios muito
presentes nos governos petistas. De um lado, é possível constatar que para os
estratos mais empobrecidos da classe trabalhadora, sobretudo, aqueles que viviam
em pobreza extrema e absoluta, houve alterações relevantes do ponto de vista
material.
Esse processo assentou-se na queda do desemprego, na formalização do
emprego (sete em cada dez vagas abertas), no aumento e recuperação do
poder de compra do salário mínimo e na expansão do crédito, especialmente
o consignado a partir de 2004 [ou seja, sem nenhum risco para os bancos],
combinados aos programas de transferência monetária – Programa Bolsa
83
Família (PBF), Benefício de Prestação Continuada (BPC), além das
aposentadorias, pensões e demais benefícios da Previdência Social, com
mais peso desses dois últimos vinculados ao salário mínimo (BEHRING,
2021, p. 180).

No entanto, conforme é possível observar, as melhorias ocorridas estiveram


condicionadas ao ambiente de permanente ajuste fiscal, pois não promoveram
rupturas com os distintos mecanismos de punção do fundo público, já sumariados
neste estudo. Com isso, as políticas de proteção social permaneceram com seu
financiamento muito abaixo do necessário, embora Behring (2021) destaque que, a
despeito disso, elas foram responsáveis pela ampliação da renda do trabalho em
aproximadamente 36%.
Por outro lado, houve um forte incremento dos lucros empresariais e juros
bancários das instituições financeiras. Ou seja, se a parcela mais empobrecida da
população obteve ganhos relevantes nos governos petistas, ainda que não fossem
duradouros, o grande capital em nenhum momento deixou de ser beneficiado. Pelo
contrário, para além do escoamento de recursos do fundo público decorrentes da
política macroeconômica adotada, a configuração assumida pelas políticas sociais,
dirigida aos distintos estratos da classe trabalhadora e permeada pela lógica
financeirizada, se tornou fonte de garantia de rentabilidade para o grande capital.
Mota destaca (2000) que as distintas frações da classe trabalhadora
reivindicam essencialmente a mesma coisa: a garantia das condições de reprodução
de sua força de trabalho. No entanto, com o arranjo que tem se materializado por meio
das políticas de seguridade social desde os anos 1990, o consumo individual tem
prevalecido em oposição ao consumo coletivo e isso acaba se refletindo nas
diferenciações no provimento das condições básicas de reprodução no interior da
própria classe trabalhadora.
Concordamos com Mota quando a autora assinala o desenvolvimento de uma
cidadania dual, no entanto, parece-nos importante realizar apenas uma ressalva. Em
nosso entendimento, no período de sistematização de seu estudo, a autora de modo
bastante consistente conseguiu capturar tendências centrais que já estavam postas
no cenário desde os anos 1990. Referimo-nos à sua análise sobre os processos a que
estiveram submetidas cada uma das políticas de seguridade social, conforme
mencionamos anteriormente.
No entanto, o modo como a forma financeirizada do capital penetrou no
84
conjunto das políticas sociais, a fim de lhe garantir os níveis de rentabilidade, ainda
não havia alcançado a proporção e profundidade que assistimos na atualidade. Mota
(2000) quando discorre sobre a cidadania dual, indica que
[...] os trabalhadores melhor remunerados pelo grande capital, ou pelas
empresas estatais, passam a compor o novo mercado da seguridade social
privada, enquanto os trabalhadores precarizados lutam por serviços
assistenciais não-contributivos, de responsabilidade dos governos municipais
e das instituições filantrópicas (2000, p. 175).

Com base em Iamamoto (2008), é possível afirmar que essa polarização da


classe trabalhadora permanece em vigor. Assim, por um lado, há um segmento mais
restrito de trabalhadores formais, com trabalho estável, protegido e com salários
relativamente maiores. Mas, por outro lado, há um grande contingente de
trabalhadores sujeitos à flexibilização das relações trabalhistas, ao trabalho
precarizado, temporário e/ou de tempo parcial, à informalidade e à perda de direitos.
Além disso, compõem este segundo grupo, a parcela de excluídos do trabalho, como
é o caso daqueles trabalhadores pouco qualificados, os idosos e jovens pobres que
compõem as longas fileiras do exército industrial de reserva.
Tal como é indicado por Mota (2000), o primeiro grupo de trabalhadores sofre
uma forte pressão para satisfazer suas necessidades por meio dos serviços privados.
Com isso, conforme mencionamos, há um avanço da mercantilização e privatização
das políticas de previdência e saúde. No interior do mesmo processo há uma forte
expansão da política de assistência social direcionada apenas aos segmentos mais
empobrecidos da classe trabalhadora. Ou seja, embora haja um grande contingente
de trabalhadores precarizados que deveriam contar com a mediação do Estado para
garantir as suas condições de reprodução, a focalização, a seletividade e
fragmentação – características históricas das políticas sociais – determinam a
absorção apenas da parcela mais empobrecida da classe trabalhadora.
Nesse sentido, um dos elementos mais perversos que compõe essa dinâmica
financeirizada é que num país de capitalismo dependente como o Brasil, com passado
colonial e escravocrata, há um amplo segmento da classe trabalhadora que fica
descoberto pelas políticas de proteção social. Isto ocorre em função da inserção
informal na economia de uma parcela considerável de trabalhadores, o que nos
termos de Boschetti (2012), juntamente com o caráter precário das relações de
trabalho, constituem-se como um dos principais mecanismos de reprodução da

85
desigualdade social. Assim, este segmento de trabalhadores não consegue satisfazer
suas necessidades via mercado por falta de recursos, mas, por outro lado, não é pobre
o “suficiente” para ser parte do público-alvo da política de assistência social.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no
primeiro trimestre do ano de 2022, a taxa de desemprego era de 11,1%, o que significa
que a falta de trabalho atingia quase 12 milhões de brasileiros. No mesmo período, a
taxa de informalidade era de 40,1%, ou seja, quase metade da população ocupada,
correspondendo a 38,2 milhões de brasileiros, não estava protegida pela previdência
social e, possivelmente, grande parcela também não estava coberta pela assistência
social (ALVARENGA, 2022).
Desse modo, em nossa análise, considera-se como elemento novo neste
cenário, o fato de a resposta estatal não ser organizada prioritariamente a partir de
equipamentos coletivos de caráter permanente e não mercantil. Diante do domínio do
capital financeiro em todas as esferas da vida social, a expansão observada na
assistência social ocorre, substancialmente, a partir da centralidade dos programas
de transferência de renda que, do mesmo modo, impõem aos usuários desta política
a satisfação de suas necessidades básicas via mercado e de forma individualizada.
Além disso, há um estímulo a expansão de serviços socioassistenciais vinculados a
iniciativas do voluntariado e de instituições religiosas ou laicas na mais diversas áreas
(MOTA, 2019a).
Portanto, de uma forma ou de outra, há uma pressão para que a reprodução
da força de trabalho não ocorra a partir da materialização de direitos sociais, de caráter
coletivo, público e universal, o que só é possível com a mediação do Estado. Pelo
contrário, o mercado passa a ser a instância privilegiada para a satisfação das
necessidades básicas dos distintos estratos da classe trabalhadora de forma
individualizada, o que a própria Mota (2019a) indica em um texto mais recente:
[...] a programática burguesa responde pela principal prática capitalista: a
financeirização da economia via apropriação do fundo público pelo capital
rentista e banca internacional por meio da expropriação de direitos e pilhagem
dos meios de vida dos trabalhadores (bens, serviços, salários e rendas),
mercantilizando-os e financeirizando-os. Esse movimento, cuja centralidade
é do mercado, inclusive, do mercado de capitais, revela que o atendimento
das necessidades materiais da população brasileira afasta-se cada vez mais
da guarida dos direitos e aproxima-se da transformação dos bens e serviços
públicos em mercadorias lucrativas. Por certo, também revela a subordinação
do Estado aos interesses do capital em detrimento do usufruto das conquistas
civilizatórias das classes trabalhadoras brasileiras desde os anos 1980
(MOTA, 2019a, p. 137).
86
Desse modo, o que Mota (2000) caracteriza em sua análise na década de 1990
como cidadão pobre, ou seja, o usuário da política de assistência social, também
assume a forma de um cidadão consumidor55. Isto se deve em função de ser
pressionado a suprir suas necessidades básicas via mercado e de forma individual,
diante da implementação pelo Estado dos programas de transferência direta de
recursos monetários bem como as políticas de expansão do crédito para aqueles que
não podem pagar.
Brettas (2020) indica que o neoliberalismo em solo nacional contou com formas
bastantes sofisticadas de financeirização conduzidas pelo grande capital. A autora
apresenta uma tese de que houve uma constituição endógena do capital financeiro56
apenas a partir da segunda metade dos anos 2000, por meio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e crescimento da atuação dos fundos
de pensão. Tal processo promoveu uma verdadeira reorganização da gestão dos
recursos públicos, de modo a favorecer uma apropriação maior do fundo público
pelo grande capital a fim de garantir sua lucratividade.
Assim, três elementos precisam ser considerados numa análise do campo das
políticas sociais (BRETTAS, 2020):
1)adoção de uma política de ajuste fiscal permanente que possibilita a
retirada crescente de direitos combinada ao estímulo à busca de soluções no
setor privado; 2) estímulo, via isenções fiscais e alterações na legislação, do
empresariamento em setores como a saúde e a educação, que passam a
contar com investimento estrangeiros e abertura de capital na bolsa de
valores; 3) ampliação da política de crédito para os que não podem pagar
pelos serviços privados, mediante o foco neste perfil de “consumidor”, e
fortalecimento de mecanismos de transferência de renda que estimulam a
inserção de usuários das políticas sociais no sistema bancário (BRETTAS,
2020, p. 209).

Desse modo, as políticas sociais são postas à serviço do grande capital


financeiro financeirizado e, portanto, este processo se expressa, inclusive, nas

55 Cabe ressaltar ainda que nesse cenário há uma tendência de o mercado ofertar serviços e
mercadorias diversificadas, o que favorece o consumo diferenciado para as distintas frações da classe
trabalhadora. Um exemplo já citado neste estudo, são os planos de saúde privados, pois como
estratégia para expandir sua atuação no mercado, são disponibilizados distintos planos com cobertura
e preços diferenciados para diversos segmentos da população (MOTA, 2019a; BRETTAS, 2020).
56 Para Brettas (2020), o ingresso na era dos monopólios se deu basicamente com atuação do capital

financeiro estrangeiro, sendo somente possível pensar na constituição endógena deste tipo de capital
apenas a partir do segundo governo do presidente Lula da Silva através do incentivo estatal, de modo
que ele já nasce financeirizado. Acreditamos ser pertinente a interpretação aludida da autora, no
entanto, não nos cabe trazer grandes aprofundamentos em função de nosso objeto de estudo. Para
um maior aprofundamento da temática sugerimos consultar a obra amplamente referenciada em nosso
estudo da autora em tela.
87
políticas que compõem o tripé da seguridade social.
A seguir, buscaremos trazer à tona as características sumariadas
anteriormente sobre a financeirização no âmbito das políticas sociais. Conforme
vimos, há diferentes expressões na forma como este fenômeno se materializa e, para
tanto, nossa apresentação se dará principalmente a partir das políticas sociais que
integram a seguridade social.
A previdência social é a política da seguridade social que inaugura as
expressões do processo de financeirização das políticas sociais. Segundo
Granemann (2007), as raízes para esse processo se assentam num documento do
BM de 1994 que tem como título “Prevenir a crise do envelhecimento: políticas para
proteger as pessoas idosas e promover o crescimento”. Para esta autora (2007), o
que aparentemente surge como um conjunto de diretrizes direcionadas à
contrarreforma da previdência, na verdade, se traduz como uma reformulação para
todas as políticas sociais, pautada em novo modo de intervenção do Estado.
Em termos bastantes gerais, a crítica proveniente do BM é a de que os sistemas
públicos de previdência e a lógica de repartição supostamente beneficiam os ricos em
detrimento dos pobres. Para tanto, a estratégia proposta para solucionar esta questão
pauta-se em modelos de proteção social que mesclam políticas públicas e privadas
para distintas frações da classe trabalhadora. Ademais, tem como pano de fundo a
necessidade do capital em ocupar novos nichos lucrativos para garantir seus
superlucros, ou seja, constituir mecanismos para se apropriar de parcelas cada vez
maiores do fundo público (GRANEMANN, 2007).
Desse modo, prevê-se a materialização de duas formas básicas de
aposentadoria no bojo da contrarreforma da previdência:
1) pública: de alcance limitado, orçada por contribuições sociais e
impostos e dirigida ao combate da indigência, que varia em abrangência de
acordo com as lutas e as conquistas sociais que a força de trabalho consiga
impor ao capital em cada um dos países do planeta. [Aqui se inclui o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício assistencial, mas
que tem seus recursos provenientes do orçamento da previdência que visa
garantir o mínimo necessário para os idosos comprovadamente dos estratos
mais empobrecidos que não terão direito à aposentadoria, por não terem um
dos requisitos fundamentais para tal: o tempo de contribuição];
2) privada: de abrangência e cobertura variadas de acordo com a
possibilidade de cada indivíduo em contratar no mercado o “serviço”, outrora
política e serviço sociais, e que, ao deixarem de ser universais, são mediados
pela relação monetária (GRANEMANN, 2007, p. 63).

A previdência social, ao longo dos anos, é a política de seguridade que mais foi
88
alvo de uma descaracterização em relação ao que havia sido consagrado no texto
constitucional de 1988 (BRETTAS, 2020). A limitação do teto para os benefícios de
aposentadoria é a principal alteração contida nas diferentes propostas de
contrarreforma da previdência, já que tende a empurrar para os sistemas de
previdência complementar privada aqueles trabalhadores com maiores rendimentos.
Esse arranjo implode a lógica de repartição que é apoiada na solidariedade entre a
classe trabalhadora. Para Granemann (2012), a previdência privada complementar
individualiza a aposentadoria de cada trabalhador, mas sem evidenciar que esse
processo de individualização é fundamental para que o capital tenha uma maior
parcela de recursos disponíveis para intensificação das aplicações e investimentos
financeiros. Ou seja, este modelo de previdência é absolutamente relevante para
reprodução ampliada do capital em seu atual estágio.
Na saúde, outra política componente do tripé da seguridade social, o setor
privado mesmo antes da promulgação da CF 88, já coexistia com o público e, ao longo
dos anos, seu protagonismo foi sendo estimulado de diferentes formas. Dentre elas,
podemos citar o avanço da atuação em planos privados de saúde, havendo uma
diversificação ao longo dos anos para torná-los acessíveis a diferentes segmentos da
população57. Outra forma de estímulo ao setor privado consiste no conjunto de
isenções fiscais concedidas aos grandes grupos privados e famílias usuárias de
planos de saúde.
Nos termos de Bravo (2006) há uma frequente disputa entre dois projetos para
esta área: o projeto de Reforma Sanitária, construído a partir da mobilização dos
profissionais de saúde e movimentos sociais na década de 1980 que defendem
fortemente o projeto do Sistema Único de Saúde consagrado na CF 88; e o projeto
privatista que se tornou hegemônico a partir dos anos 1990 que, ao privilegiar o
mercado, reatualiza o modelo médico assistencial privatista vigente na ditadura. Neste
último, vigora uma tendência de contenção e racionalização dos gastos, cabendo ao
Estado promover uma focalização das ações dentro do mínimo necessário para
aqueles segmentos da classe trabalhadora que não podem pagar, o que reforça a

57Nos anos 2000, como forma de expandir este mercado, os planos passaram a ser oferecidos para
segmentos de baixa renda a um preço mais baixo, mas, também, com uma cobertura de atendimento
mais restrita (BRETTAS, 2020). Ou seja, estabelece-se uma cidadania dual (MOTA, 2000) com a oferta
de serviços diferenciados em termos de cobertura de atendimento e preços para diferentes segmentos
da população.
89
cidadania dual que mencionamos anteriormente.
Além disso, não podemos esquecer das transferências diretas de fundo
público para gerência de patrimônio e prestação de serviços públicos pelas
entidades privadas – embora elas não se identifiquem como tal58 – por meio do que
alguns autores denominam como privatização não clássica (GRANEMANN, 2011), o
que se processa por meio de diferentes instrumentos: Organizações
Sociais,Fundações Estatais de Direito Privado e a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (Ebserh)59.
Conforme podemos observar, na previdência e na saúde há uma conjugação
de ações de caráter público e privado, havendo uma tendência geral de avançar na
mercantilização e privatização dessas áreas, o que pressiona os trabalhadores de
maiores rendimentos para a satisfação de suas necessidades via mercado. Isto,
determina um consumo diferenciado para os diferentes segmentos da classe
trabalhadora (MOTA, 2000).
No entanto, a despeito da implementação do neoliberalismo, as conquistas
abarcadas pela CF 88 propiciaram em certa medida a implantação de serviços em
algumas políticas específicas de forma contraditória. Exemplo disso, é a configuração
da assistência social, também componente da seguridade social, que assume pela
primeira vez em sua trajetória um status de política social. Porém, conforme
mencionamos anteriormente, a expansão desta política está diretamente atrelada ao
crescimento e priorização dos benefícios de transferência de renda – vide o Programa
Bolsa Família e o BPC – muito maior do que na rede de serviços60 que deveria ser
constituída pelo Suas, ainda que este último tenha imprimido um novo ordenamento
das ações da política sem precedentes na história do país.
Desse modo, foi conferido à assistência social um reconhecimento institucional,
trazendo-a para a esfera pública e dando contornos de direito. Isto resultou num

58 Em geral, no aparato legal, tais entidades são qualificadas como sem fins lucrativos. No entanto, na
prática, tal qualificação acaba conferindo-lhes o escudo da imunidade tributária, ou seja, estas
organizações estão desobrigadas de contribuir com a formação do fundo público que viabiliza os
próprios serviços executados por elas e, além disso, a forma como dispõem de tais recursos não as
enquadram exatamente na categoria de “fins lucrativos”, conforme demonstram alguns estudos (Cf.
GRANEMANN, 2011; CARDOSO, 2012; MATTOS, 2012; BRAVO, 2008).
59 Em todos os casos, há indícios e casos comprovados de irregularidades envolvendo o uso de

recursos públicos.
60 Referimo-nos aqui aos diferentes equipamentos previstos na política: Centros de Referência de

Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), Centros
Pops (voltados para população em situação de rua), dentre outros.
90
processo de padronização e profissionalização que destoava da trajetória histórica da
política, assombrada pelas marcas da benesse, filantropia e primeiro-damismo
(MOTA, 2008). No entanto, em termos orçamentários, os programas de transferência
de renda tiveram um peso maior em detrimento das ações vinculadas ao Suas.
Diante das particularidades históricas e de formação social do Brasil, no qual
grande parcela da população sempre esteve descoberta pela política de previdência
social, uma parcela considerável da população depende ou só possui mecanismos
estatais que viabilizam sua sobrevivência61.
Nesse sentido, há uma demanda muito alta pelo provimento de condições
básicas de sobrevivência para uma parcela da classe trabalhadora e, por outro lado,
há a necessidade do capital em se espraiar em sua forma financeirizada. Desse modo,
a assistência social adquire certa centralidade ao atender esta parcela mais
empobrecida da população brasileira, ainda que seja por meio de uma estrutura de
política social relativamente barata.
Conforme Brettas,
apesar dos benefícios terem valores muito baixos e representarem menos de
0,5% do PIB, consistem em montantes expressivos no seu conjunto. Estes
recursos ficam disponíveis para os bancos enquanto os beneficiários não os
retiram das contas, permitindo que sejam objeto de operações a serviço de
instituições financeiras. Além disso, o programa estimula a rentabilidade do
setor financeiro, tendo em vista que permite inserir milhões de pessoas no
sistema bancário e garante o acesso a diversos outros serviços oferecidos
por estas instituições. Sem contar que remunera as instituições bancárias que
operam as transferências monetárias para as famílias, como demonstra
Giselle Silva (2020, p. 252).

Silva, G (2012), ao se debruçar sobre os diferentes programas de transferência


de renda brasileiros – especificamente o PBF, o BPC e Renda Mensal Vitalícia – e
sua relação com o capital portador de juros, apresenta elementos que nos ajudam a
compreender de que forma esse processo ocorre. De forma sintética, a autora traz à
tona os benefícios que os programas de transferência de renda proporcionaram ao
capital, como mecanismos que contribuem para contrarrestar suas dificuldades de
valorização na atualidade, o que corrobora o que nos é apresentado por Brettas
(2020):
a) importantes medidas de focalização das políticas sociais, projeto

61Um estudo de pesquisadores do Instituto de Planejamento Aplicado (Ipea) (SOUZA, 2017 apud
BRETTAS, 2020, p. 251-2) revelou que no ano de 2017 o programa Bolsa Família atingiu cerca de 14
milhões de famílias beneficiárias, o que, em termos percentuais, representava mais de 20% da
população nacional percebendo um benefício em torno de R$180 (cento e oitenta reais).
91
pretendido pelo grande capital que busca combater a universalização
dos direitos sociais duramente conquistados para atender às suas
exigências de valorização; b) relevantes para a realização do valor, já
que amplia o acesso ao consumo da camada pauperizada da classe
trabalhadora que em geral possui baixíssimo ou nenhum rendimento; c)
meios de drenar recursos consideráveis do Estado para o capital que
porta juros pela remuneração de suas atividades de operacionalização
dos benefícios; d) mecanismo astuto de inserção dos mais pobres no
mundo das finanças pela disponibilidade de acesso aos serviços do
sistema bancário, permeado de fetiche (SILVA, G, 2012, p.. 234-5).

Conforme pode ser observado nas considerações de Silva, G (2012) e Brettas


(2020), os benefícios de transferência de renda possibilitam o acesso ao consumo de
uma parcela considerável dos segmentos mais empobrecidos da população e, com
isso, estimulam a economia local e propiciam o escoamento de mercadorias que
atendem a necessidades básicas, mantendo o capital circulando. Ou seja, essa
dinâmica instituída a partir desse formato de política social favorece o movimento de
rotação do capital, de modo que o fundo público nela investido integra o processo
ampliado de reprodução social62 (BEHRING, 2021). Além disso, também se
potencializa a rentabilidade do capital por meio da bancarização desta parcela da
população – antes inacessível – e a remuneração do capital portador de juros.
Além dos supracitados aspectos econômicos que contribuem para explicar a
prevalência de auxílios monetários em diferentes áreas da política social, não
podemos deixar de reafirmar os aspectos políticos indicados por Mota que já foram
mencionados nesse estudo: o forte apelo moral de combate às injustiças e
desigualdades que estão assentados num conteúdo ideológico que visa reduzir os
tensionamentos de classe. A burguesia, nesse sentido, consegue fazer uso da
proteção social para legitimar-se ao atender em parte e de forma precária os
interesses dos trabalhadores. No entanto, sem atacar o cerne da produção do
conjunto das desigualdades, ou seja, garante que tudo mude para tudo permaneça
como está (LAMPEDUSA, 1979).
Com isso, queremos afirmar que a centralidade assumida pela assistência
social no interior da seguridade social se deve não só à crescente demanda e pressão
pelo provimento de condições básicas de sobrevivência de uma parcela considerável
da população – que é inerente à própria dinâmica capitalista63, pois à medida que o

62 Consideramos que este processo também vem ocorrendo de forma similar no âmbito da assistência
estudantil.
63 “Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e o vigor de seu

92
capital acumulado cresce, a situação do trabalhador tende a piorar (MARX, 2017).
Mas, sobretudo, pela necessidade de adaptação desta área às demandas pela
rentabilidade do capital em sua forma financeirizada. Ou seja, a forma como o Estado
desenvolve esta política, sobretudo a partir dos anos 2000, reflete tanto as
necessidades da classe trabalhadora, mas também do capital em se expandir para
áreas que favoreçam sua lucratividade. Portanto, expressa as disputas em torno do
fundo público.
Desse modo, concordamos com Brettas (2020, p.251, grifos nossos) que “é
possível afirmar que a financeirização das políticas sociais é um fenômeno integrado
e abarca diversas áreas, compondo um conjunto de medidas voltadas para fortalecer
a acumulação capitalista nos marcos do capital financeiro financeirizado”. Tal
processo tem sido de grande lastro e tem tornado a intervenção estatal neste campo
cada vez mais num viés focalista, privatista e seletivo.
Assim, o processo de atendimento das necessidades básicas dos estudantes
na política de assistência estudantil via programas de bolsas/auxílios, como vêm
ocorrendo nas Ifes, se expressa em total sintonia. Não podemos desconsiderar que
também compõem este cenário um aprofundamento das mazelas da “questão social”
e, particularmente no campo da educação, houve um processo de
expansão/reestruturação dessas instituições, a partir da segunda metade dos anos
2000. Tal processo implicou numa ampliação do acesso das camadas mais populares
da população sem que fossem propiciadas na mesma proporção as condições
efetivas de permanência para esse público específico (LIMA, G. 2017).
O estágio financeirizado do capital exige um Estado à altura que corresponda
aos seus anseios. A despeito do que apregoa os preceitos teórico-políticos da tradição
liberal que preconizam de modo central o caráter não intervencionista estatal, na
história do desenvolvimento capitalista, o desempenho de seu papel nunca esteve
ausente por completo da garantia das condições gerais da acumulação (NETTO,

crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu


trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível se desenvolve
pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial
de reserva acompanha, pois, o aumento das potências da riqueza. Mas quanto maior for esse exército
de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação
consolidada, cuja miséria está na razão inversa do martírio de seu trabalho. Por fim, quanto maior forem
as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o
pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista” (MARX, 2017, p. 719-20,
grifos do autor). Com isso queremos dizer que o crescimento da miséria ocorre na razão direta e na
mesma proporção da acumulação da riqueza nos marcos do capitalismo.
93
2007; GRANEMANN, 2008). Nesse sentido, o Estado no decorrer dos diferentes
períodos históricos, vai sendo moldado conforme os interesses das diferentes
classes em disputa.
Nesse sentido, conforme vimos, não é casual que no início dos anos 1990,
período em que o neoliberalismo assola o país, seja posto na ordem do dia a
necessidade de “reformar” o aparelho estatal, ou seja, torna-se necessário moldar
uma nova estrutura para atender os interesses das classes em disputa.
No bojo da contrarreforma do Estado, as diversas áreas que compreendem as
políticas sociais brasileiras, a despeito do que está previsto na Carta Magna, passam
a ser alvo de sucessivos ataques decorrentes do ambiente de ajuste fiscal
permanente. A educação superior (o que inclui a política de assistência estudantil) não
deixa de estar incluída neste rol e, por esse motivo, partir dos anos 1990, passa por
um conjunto de processos que a tornam cada vez mais suscetível à lógica privatista e
financeirizada do capital. É sobre a particularidade desta importante política no âmbito
da contrarreforma do Estado que iremos nos debruçar no próximo capítulo.

94
2 CONTRARREFORMA DO ESTADO E EDUCAÇÃO SUPERIOR

“Privatizaram sua vida, seu trabalho,


sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário.
E agora não contentes querem privatizar o conhecimento,
a sabedoria, o pensamento,que só à humanidade pertence”.
Bertold Brecht - Privatizado

2.1 A INFLUÊNCIA DE ORGANISMOS MULTILATERAIS NA CONTRARREFORMA


DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPOSIÇÃO OU CONVENIÊNCIA?

Especificamente a educação no Brasil, em diferentes tempos históricos é um


campo que foi alvo de sucessivas (contrar)reformas. Conforme vimos no capítulo
anterior, na década de 1990, momento em que os fenômenos da financeirização do
capital, neoliberalismo e reestruturação produtiva atingem o solo brasileiro e, dentre
outras consequências, impulsionam o redimensionamento do papel do Estado, a
contrarreforma da educação universitária torna-se também parte integrante deste
processo.
Como resultado das lutas empreendidas no processo de redemocratização da
sociedade brasileira muitas reivindicações foram contempladas na Carta Magna de
1988 (BÜLL, 2011) e, dentre elas, a educação foi consagrada como um direito social,
sendo concebida em seu art. 205, como um “direito de todos e dever do Estado e da
família, [...] promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho64” (BRASIL, 1988).
Cabe ressaltar que o texto constitucional refletiu as forças em presença naquele
momento e, por isso, não contemplou apenas as reivindicações provenientes de
setores organizados das classes trabalhadoras, mas, também aquelas vinculadas aos
interesses das classes dominantes. E, nesse sentido, em meio a esses embates foram
previstas na Carta Magna algumas brechas para o posterior aprofundamento do
empresariamento65 da educação, o que significou uma derrota para o Fórum Nacional

64 “É possível perceber, tanto no texto constitucional quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), a concepção e finalidade da política pública de educação, no sentido de qualificar as pessoas
para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, reforçando a ideia de que, os ajustes aos
quais vem sendo submetida respondem pela necessidade de adaptação ao novo modelo de
acumulação capitalista” (BÜLL, 2011, p. 78).
65 Conforme veremos ao longo desse capítulo, destacamos que a presença do setor privado na

95
em Defesa da Escola Pública (FNDEP) em alguns aspectos (CISLAGHI, 2010;
LEHER, 2019).
Tal derrota se expressa na defesa do FNDEP de que o financiamento público
fosse exclusivamente utilizado por instituições públicas, pois manteve-se a
possibilidade de também ser destinado a instituições privadas, atrelado a algumas
condições (CISLAGHI, 2010). Além disso, tornou-se viável para as escolas laicas se
configurarem como instituições lucrativas, o que juridicamente as transformou em
empresas que ofertam serviços educacionais. E, por fim, havia a defesa de um padrão
único de qualidade para a educação superior, pautado no tripé ensino-pesquisa-
extensão e tendo como exigência a organização em universidades deste nível de
ensino. No entanto, a perspectiva de diversificação das instituições foi mantida e o
tripé aludido ficou restrito às universidades (NEVES e PRONKO, 2008 apud
CISLAGHI, 2010).
Esse caráter contraditório permeou a LDB, aprovada no ano de 1996 no
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, que também expressa a influência
do neoliberalismo no campo educacional, pois repercute “inclusive na forma de
organização dos sistemas de ensino, na possibilidade (e até incentivo) à modalidade
de ensino a distância, na reiteração do Ensino Fundamental como etapa prioritária de
ensino” (BÜLL, 2011, p. 72).
Ademais, outro aspecto que merece destaque, pois se relaciona diretamente
com a assistência estudantil, campo de nosso estudo, diz respeito a um mecanismo
expresso na supracitada lei que dificultou a conformação de uma política em âmbito
nacional. Em seu art. 71, inciso IV, está previsto que “não constituirão [como]
despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: […]
IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica,
farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social66” (MAGALHÃES,

educação superior não é uma novidade inaugurada pelo neoliberalismo. Desde a contrarreforma do
ensino universitário realizada no período ditatorial já foram sendo consolidadas as condições para o
estabelecimento deste setor nesse nível de ensino. (CISLAGHI, 2010; TAVARES, 2014; SEKI,
2021a).
66 Gostaríamos de destacar aqui o uso do termo “assistência social” na LDB direcionado às ações do

que conhecemos como relativas à política de assistência estudantil. Na literatura analisada


(KOWALSKI, 2012, FONAPRACE, 2012, PEREIRA, 2015, dentre outras) não foi possível localizar o
momento em que as ações de permanência passaram a receber a denominação de “assistência
estudantil”. No entanto, em algumas legislações anteriores, já havia a menção ao termo “assistência
ao estudante” - como o Decreto n. 66.967/1970 que criou na estrutura do Ministério da Educação (MEC)
a Diretoria de Assistência ao Estudante (DAE), extinta posteriormente na década de 1980. O destaque
96
2013; KOWALSKI, 2012).
Em seu art. 212, a supracitada Carta Magna prevê a destinação anual de 18%
da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, para
manutenção e desenvolvimento do ensino. No entanto, tal como pode ser depreendido
do parágrafo anterior, na LDB não houve nenhuma destinação específica para o que
entendemos como ações vinculadas à assistência estudantil. Nesse sentido, não se
forjou uma base de financiamento para o que poderia se constituir como uma política
de caráter nacional.
A partir da década de 1990, foi implementado um conjunto de medidas
vinculadas à contrarreforma do Estado brasileiro (BEHRING, 2008) que
proporcionaram um duplo favorecimento do capital: sob a influência das lutas de
classe, se de um lado o Estado focalizou sua intervenção, sucateando a rede de
serviços e drenando recursos para o pagamento da dívida pública67, por outro, abriu
novos espaços para realização de inversões, ou seja, as políticas sociais tornaram-se
espaços altamente interessantes e lucrativos e permeáveis à lógica financeirizada do
capital.
Para Almeida (2011) a educação brasileira é fortemente influenciada pelo papel
exercido pelos organismos multilaterais a partir da análise da realidade social e
educacional, bem como das diretrizes para as políticas públicas dos países de
economia capitalista dependente. O Banco Mundial, sobretudo, nos anos 1980 e
1990, passou a ter uma atuação mais estratégica em função do impacto do ideário
neoliberal em solo brasileiro.

foi conferido ao uso do referido termo, pois na nossa avaliação, pode contribuir para as constantes
confusões que ocorrem sobre o não entendimento da assistência estudantil como algo inerente à
política de educação e não como uma extensão da assistência social dentro da educação, por parte de
gestores e até mesmo profissionais de diferentes categorias. Embora existam muitos elementos de
similaridade entre a assistência social e a assistência estudantil, que serão abordados neste estudo,
estes estão diretamente relacionados ao formato que ambas as políticas têm assumido na atual quadra
histórica do desenvolvimento capitalista, sob o jugo da financeirização.
67 Behring em seu estudo nos indica que o Brasil vive desde meados da década de 1990 sob uma

política de ajuste fiscal permanente a fim de garantir o pagamento da dívida. A autora ressalta que esta
não é uma exclusividade brasileira, no entanto, num contexto de financeirização do capital e constantes
crises vigora a ideia de cultura de crise (MOTA, 2000), na qual é necessário fazer todo tipo de absurdo
para que se socialize os custos com toda a sociedade, principalmente, com os trabalhadores. Para
além disso, é preciso frisar que a lógica de dominação entre países centrais e dependentes também
permeia esse jogo e, portanto, o peso maior das políticas de austeridade recai sobre o segundo grupo
de países. Especificamente no Brasil, ao longo dos anos, foram forjados mecanismos – tal como a Lei
de Responsabilidade Fiscal e a Desvinculação de Receitas da União – para assegurar o superávit
primário, o que implica em contingenciamentos e cortes orçamentários de políticas públicas
fundamentais com objetivo de fornecer garantias aos credores da dívida (BEHRING, 2021).
97
As diretrizes apontadas pelo Banco Mundial condensam um conjunto de
interesses oriundos de diferentes frações da burguesia internacional que, sob
a hegemonia do capital financeiro, atuam na ampliação de seus negócios e
que, por esta razão, necessitam de aparatos institucionais que situem sob
novos patamares o papel dos estados nacionais. Concorrem para o novo
papel assumido pelo Banco a combinação de um conjunto bem amplo de
processos e necessidades econômicas, cada vez mais globais, dentre as
quais destacamos: a forte expansão do setor privado de serviços, a demanda
por mão de obra mais qualificada, a consolidação de novos paradigmas de
gestão da qualidade dos produtos e serviços, a flexibilização das relações e
processos de trabalho, uma nova dinâmica de (des)territorialização das
unidades produtivas e a disseminação de uma cultura de valorização do
consumo (ALMEIDA, 2011, p. 13).

Tal como nos alerta Leher (1999), a educação passa a ser visualizada como
um potente instrumento de combate à pobreza e garantia de segurança, sobretudo,
nos países de capitalismo dependente. O autor identifica tal reconhecimento nas
recomendações do Banco Mundial (BM), que se coloca diante da necessidade de
“resguardar a estabilidade do mundo ocidental”, conforme indicou, em 1972, Robert
McNamara, presidente da instituição no período de 1968-1981. Nesse sentido, havia
uma preocupação com a pobreza, em função de seu potencial de gerar um clima
desfavorável para os negócios e, por esse motivo, era fundamental contê-la dentro
dos marcos capitalistas.
Em seu documento datado de 1994, o BM considera que o ensino superior
estaria vivenciando uma crise de proporções mundiais, mas que seria mais grave nos
países de economia capitalista dependente, em decorrência dos drásticos ajustes
fiscais a que foram submetidos. Desse modo, vislumbra-se um conjunto de estratégias
a serem implementadas nas “reformas” deste setor e conduzidas em cada país
conforme suas condições políticas e econômicas: fomento à diversificação dos tipos
de instituições públicas e privadas de nível superior, mas não numa perspectiva
universitária; incentivo a diversificação [regressivo]68 das fontes de financiamento das

68 Conforme será possível observar nas formulações do BM, a diversificação das fontes de
financiamento que é constantemente sugerida aos países de capitalismo dependente, nada se
relaciona com o tom que adquire a diversificação das fontes de financiamento da seguridade social
brasileira prevista no seio da Carta Magna de 1988. Nesta última, buscava-se garantir a sustentação e
viabilidade da implementação desse sistema de políticas. No entanto, o que o BM apregoa ao incentivar
a diversificação das fontes de financiamento é uma desresponsabilização do Estado em arcar
integralmente com as custas de custeio e investimento das universidades públicas. Esta isenção do
papel estatal traz sérios prejuízos para a garantia da autonomia didático-científica, administrativa e da
gestão financeira destas instituições. Ao se derruir o pilar do financiamento público e,
consequentemente, obrigar as universidades a realizarem uma busca constante de recursos privados,
os perigos são maiores para aqueles que defendem o caráter público, gratuito e socialmente
referenciado destas instituições. Portanto, usaremos o termo diversificação regressiva das fontes de
financiamento todas as vezes que nos referirmos às recomendações emanadas do BM.
98
instituições públicas, o que inclui a possibilidade de cobrança dos estudantes;
redefinição do papel estatal, sobretudo, a respeito da autonomia e responsabilidade
institucional; e adoção de políticas com ênfase na qualidade e equidade (BM, 1994).
Sob esta ótica do BM, além dos ajustes fiscais, os países de capitalismo
dependente também tinham que enfrentar, ao mesmo tempo, uma pressão para
ampliação de suas taxas de matrícula que eram relativamente baixas 69.
Consequentemente, tem-se uma redução no gasto por estudante desde o fim dos
anos 1970. Com isso, a qualidade do ensino e da pesquisa foi se deteriorando
rapidamente nestas instituições (BM, 1994).
O supracitado documento afirma que a maioria dos estudantes matriculados no
ensino universitário eram de famílias abastadas, no entanto, não foram apresentados
dados que confirmam tal assertiva. Em nosso entendimento, não há como
desconsiderar que realmente a maioria do corpo estudantil das universidades públicas
brasileiras era proveniente de famílias de classe média e alta, conforme demonstram
as pesquisas realizadas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos
Comunitários e Estudantis (Fonaprace)70 desde meados dos anos 1990. No entanto,
mais recentemente, conforme será possível identificar a partir das pesquisas
realizadas pela mesma instituição, a referida assertiva não encontra mais respaldo na
realidade71.

69 Pode-se dizer que um dos fatores que também impulsionou o Brasil a buscar a ampliação das
taxas de matrículas no ensino superior desde os anos 1990 é o fato do país historicamente ocupar as
piores posições nas taxas desse nível de ensino em comparação com outros países da América
Latina e aos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Conforme veremos no item 2.2, a ampliação das matrículas, desde a supracitada década, se
desenrolou por meio do aprofundamento do empresariamento e financeirização do ensino superior.
No entanto, a despeito da ampliação do acesso a este nível de ensino, o relatório publicado pela
OCDE no ano de 2019, em meio a um cenário de fortes restrições orçamentárias, revelou que o Brasil
ainda era um dos países com menor número de pessoas com ensino superior completo dentre as 45
nações membros ou parceiras da organização. Cerca de 21% dos brasileiros entre 25 e 34 anos
possuía ensino superior completo, enquanto esse percentual atingia o valor de 44% na média dos
países da OCDE (ILHÉU, 2019).
70 O Fonaprace é um fórum criado em fins da década de 1980, congregando pró-reitores, sub-reitores,

decanos ou responsáveis pelos assuntos comunitários e estudantis das instituições de ensino superior
do país. Ao longo dos anos, tem sido um dos protagonistas na elaboração de pesquisas sobre o perfil
da população universitária, além da discussão e proposição de políticas relativas à permanência
estudantil. Em sua trajetória há um histórico da promoção de reuniões, produção de documentos e
encontros reginais e nacionais, também com a participação dos profissionais atuantes na área. Além
disso, há uma linha de atuação que foi se consolidando junto ao Congresso Nacional e diferentes
órgãos governamentais no fortalecimento do debate sobre garantias legais para políticas de
permanência estudantil (FONAPRACE, 2012; MAGALHÃES, 2013).
71 Cabe destacar que as pesquisas do Fonaprace, do que conhecemos, é a única pesquisa que tem

abrangência nacional e se debruça sobre a evolução do perfil estudantil desde os anos 1990. No
99
A primeira pesquisa, realizada no ano de 1996, identificou que
aproximadamente 55,71% dos estudantes eram pertencentes às classes A e B 72, ou
seja, os estratos mais elevados de renda. Nas pesquisas subsequentes houve pouca
variação deste percentual, 57,2%, em 2003, e 56,3%, em 2010. Somente a partir do
ano 2014, período posterior aos processos de expansão/reestruturação das Ifes e
implementação do sistema de reserva de vagas, houve uma reversão desse quadro,
pois a parcela de estudantes pertencentes aos estratos da classe trabalhadora passou
compor a maioria nas universidades públicas73. A partir do referido período, 50,9% do
corpo estudantil possuía renda bruta familiar de até três salários-mínimos, quadro que
se manteve na pesquisa de 2018 (FONAPRACE, 1997; 2004; 2011; 2016; 2019).
Por fim, cabe destacar que os objetivos do Fonaprace ao realizar as pesquisas
supracitadas destoam profundamente das formulações emanadas do BM e da defesa
de alguns setores nacionais que recorrentemente indicam a necessidade de adoção
da estratégia de diversificação regressiva das fontes de financiamento das
universidades públicas. Tais atores pautam-se na afirmação do caráter elitista do
corpo estudantil como se fosse um dado imortalizado. Com isso, a partir do apelo
moral de que os alunos são oriundos de famílias que possuem uma condição
financeira melhor que a grande maioria da população, justificar-se-ia a necessidade
de pagamento de mensalidade pela educação superior recebida.
No entanto, os dados coletados pelo Fonaprace buscam justamente
fundamentar a necessidade de se constituir e ampliar as políticas de permanência
para que se garanta a ampliação do acesso e a permanência dos estudantes oriundos
dos distintos estratos da classe trabalhadora que, conforme vimos, foi ampliando sua

entanto, existem pesquisas mais pontuais que apresentam dados que destoam de alguns achados do
Fonaparace. Exemplo disso, é a pesquisa realizada pela Defensoria Pública da União e pela
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (DPU e ABPN, 2022) que se debruça sobre o
impacto da Lei Federal n. 12.711/12 nas universidades federais.
72 Cabe esclarecer que a base da classificação socioeconômica dos estudantes realizada pelo

Fonaparace se ancora nos parâmetros da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado.


A referida instituição utiliza um critério que estratifica a população em classes A, B, C, D e E, definindo
faixas de renda. No relatório final da pesquisa de 1996 não foram explicitadas as faixas de renda que
compunham a estratificação aludida. Já na segunda pesquisa realizada no ano de 2003, o critério de
referência utilizado passou a ser da Associação Nacional de Empresas de Pesquisa, o qual estima o
padrão de vida a partir da análise do acesso a bens de consumo e da escolaridade do chefe de família.
Neste último, as faixas, de acordo com a renda familiar, eram as seguintes: A1 – R$ 7.793,00; A2 – R$
4.648,00; B1 – R$ 2.804,00; B2 – R$ 1.669,00; C – R$ 927,00; D – R$ 424,00 e E – R$ 207,00; sendo
que o salário-mínimo à época era R$ 240,00.
73 No entanto, é válido considerar as ponderações de Sguissardi (2020), pois a ampliação desse acesso

não ocorreu de forma equânime em todos os cursos disponíveis, sobretudo, naqueles com alto prestígio
social.
100
inserção na educação superior brasileira ao longo dos anos a partir de medidas
adotadas pelo Estado com objetivo de democratizar esse nível de ensino 74.
Cislaghi (2010) assinala que, na visão do BM, pelo fato das universidades
públicas serem financiadas pela esfera estatal, estas também seriam responsáveis
pelas crises fiscais e, ainda assim, permaneciam com poucos recursos usados de
modo ineficiente. Nesse sentido, o BM (1994) estabelece uma crítica à baixa relação
professor x aluno; serviços subutilizados (sem mencionar quais), duplicação de
programas; elevadas taxas de evasão e repetição e o que eles consideram como uma
alta destinação de recursos para o que podemos denominar como ações relativas à
permanência estudantil, tais como: alojamentos, bandejões (restaurantes) e outros
serviços.
É importante apresentar tais elementos de crítica do BM, pois eles são
recorrentes em distintas propostas de contrarreforma direcionadas à educação
superior brasileira que têm sido apresentadas ao longo dos anos. As recomendações
dirigidas aos países de capitalismo dependente não são necessariamente originais,
mas foram pela primeira vez sumariadas pelo BM no documento de 1994. Exemplo
disso, são as propostas da “reforma universitária” promovida durante o regime militar
ditatorial, sob forte influência norte-americana. Segundo Cislaghi aponta:
As propostas da comissão [criada pelo governo à época direcionada à
elaboração de proposições sobre a “reforma” universitária] se assemelham
muito com a agenda que vem sendo discutida nas “reformas” universitárias
pós-Constituição democrática. As principais, segundo resumo de Romanelli
(2009) são a ampliação da capacidade de vagas pelo melhor aproveitamento
da infraestrutura com a multiplicação de turnos, redução de férias e etc. e a
instituição de anuidades para o ensino superior público para aqueles que
podem pagar. Por outro lado, também incorpora reivindicações ainda
bastante atuais como a melhoria do sistema de remuneração docente, a
ampliação de vagas e maior rigor nos critérios de reconhecimento das
instituições particulares. [E ainda continua:] Mais impactante ainda é observar
como coincidem as propostas específicas para o ensino superior e as
propostas mais recentes da “reforma” universitária do governo Lula, quais
seja: redução de currículos e diminuição dos cursos de formação profissional,
criando carreiras de curta duração, instituição de vestibulares unificados
possibilitando o aproveitamento de todas as vagas pelos aprovados, criação
de ciclo básico comum para cada área, criação de um primeiro ciclo
especializado para carreiras de curta duração como formação de professores,
criação de um segundo ciclo especializado para carreiras de longa duração

74Considerando as modificações que ocorreram ao longo dos anos no perfil estudantil, das quais um
dos destaques no ano de 2014 é a maioria de estudantes vinculados aos segmentos mais populares
da população, supõe-se que para além das medidas que tiveram por objetivo democratizar o ensino
superior no país – implementação do Reuni, aprovação do Decreto 7.234/10 / Pnaes e Lei das Cotas,
dentre outras – também colaborou com a supracitada alteração do perfil, o conjunto de políticas
sociais e econômicas adotadas pelo Estado brasileiro, sob a batuta dos governos petistas.
101
como Medicina e Engenharia. Ainda objetivava a eliminação dos “espaços
ociosos e dos professores ociosos” aumentando a produtividade com redução
dos custos objetivando a “plena utilização da capacidade instalada” (2010, p.
76).

Segundo o BM (1994), os gastos por estudante nos países latino-americanos


nas universidades públicas superam em sete vezes os realizados pelas universidades
privadas, devido às taxas de evasão e repetência. Em função disso, os recursos
orçamentários destinados à permanência estudantil são considerados ineficientes e
taxados como "gasto social regressivo" porque, teoricamente, o público-alvo das
universidades seria proveniente somente das classes mais abastadas e, além disso,
as taxas supracitadas permaneciam altas. No entanto, não são aprofundados os
elementos que resultam na evasão dos referidos estudantes e, conforme já
mencionamos, o fato de ressaltar continuamente sua origem social serve ao interesse
persistente de forçar a diversificação regressiva das fontes de financiamento das
universidades.
Além disso, o documento questiona o volume de gastos com a educação
superior nos países de capitalismo dependente, uma vez que não há o acesso e
qualidade adequados nos demais níveis de ensino. Com isso, lança-se luz a uma
necessidade de priorização de atenção à educação básica. Sob a ótica do BM (1994),
o aporte de recursos financeiros nos níveis básicos de ensino promove um retorno
maior do que no ensino superior e, consequentemente, tenderia a reduzir as
desigualdades de renda. Essa tese não era inédita, pois já podia ser encontrada nas
formulações do BM da década de 1980, especificamente, no documento Financing
education in developing countries – An exploration of policy options (CISLAGHI, 2010;
SGUISSARDI, 2020), a qual previa um novo modo de alocação do financiamento
público destinado à educação:
a) realocando os gastos governamentais para “o nível com mais alto retorno
social” [escola primária] e diminuindo o gasto público da educação superior;
b) criando um mercado de crédito para educação, com bolsas seletivas,
mormente na educação superior; c) descentralizando a gestão da educação
pública e incentivando a expansão de escolas privadas e comunitárias75 (BM,
1986 apud SGUISSARDI, 2020, p. 109).

Assim, não parece ser casual, nesse sentido, o surgimento posteriormente de


propostas especificamente direcionadas ao nível básico de ensino, tal como o

75 Qualquer semelhança com a forma como se materializou a expansão da educação superior


brasileira, a partir dos anos 1990, não é mera coincidência!
102
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e os cursos
de formação inicial continuada e técnicos nos institutos federais, que foram
implementados em solo brasileiro, sobretudo, a partir da segunda metade dos anos
2000. Por outro lado, como será possível observar, também há um grande estímulo
para permanência e avanço da privatização da educação superior nos diferentes
governos, com as devidas particularidades, a partir dos anos 1990.
O BM (1994) indica a necessidade de equilíbrio na divisão dos recursos entre
os diferentes níveis de ensino, mas, ao mesmo tempo, reforça a prioridade de atenção
do nível básico76. A ampliação do aporte financeiro na educação superior poderia se
processar sem contar com recursos públicos, ou seja, mais uma vez defendia-se uma
diversificação regressiva das fontes de financiamento77 deste último nível de ensino.
Além do BM, destaca-se que o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento,
representando as agências de financiamento e os órgãos de cooperação técnica,
também tiveram considerável influência na política educacional brasileira num
contexto de mundialização do capital. No entanto, este cenário não esteve isento de
embates, o que se expressa por meio das reivindicações dos movimentos sociais,
com destaque especial para o movimento estudantil, na luta pela democratização do
acesso e das condições de garantia de qualidade da educação pública frente aos
ditames da hegemonia neoliberal (ALMEIDA, 2011).
Ressalta-se que a aprovação da LDB, num cenário também composto por
resistências políticas e educacionais (ALMEIDA, 2011), comportou ainda uma
contradição vigente nos anos 1990 expressa na necessidade de ampliar a
institucionalização da demanda pela educação, mas empreendida a partir das lentes

76 O destaque conferido à educação básica parece ter relação direta com a posição que o Brasil, um
país de capitalismo dependente, ocupa na divisão internacional do trabalho, pois como uma das formas
de intensificar os níveis de exploração, pratica-se uma baixa remuneração para uma massa de
trabalhadores com baixa qualificação profissional.
77 A diversificação regressiva das fontes de financiamento da educação superior é algo recorrente na

história brasileira e geralmente se sustenta na compreensão de que este não deve ser um direito
universal e, além do argumento de que a maioria dos estudantes que acessam este nível de ensino
ainda são provenientes das classes mais abastadas da sociedade. No entanto, este último já foi
refutado neste estudo, pois a composição do corpo estudantil tem se alterado nos últimos anos, tal
como demonstram as pesquisas do Fonaprace (2016; 2019). Para citarmos dois momentos mais
recentes em que esta ideia é recuperada, podemos recorrer à proposta do Future-se, lançado no
governo de Jair Bolsonaro e, por fim, a retomada da discussão da Proposta de Emenda Constitucional
n. 206/2019 no ano de 2022 que, até o momento, perdeu perspectiva de avançar imediatamente em
decorrência de acordos na Câmara Legislativa.
103
das novas demandas sociais no contexto de reestruturação capitalista e
contrarreforma do Estado (BARBOSA, 2015).
Um ano depois da aprovação da LDB, FHC editou o Decreto n. 2.306/1997 que
regulamentou o Sistema Federal de Educação. Por meio deste instrumento legal,
foram especificadas as tipologias e atribuições das instituições de educação superior
(IES), reforçando, de forma definitiva, a possibilidade de constituição de entidades de
ensino com fins lucrativos. Ademais, no que diz respeito à tipologia houve uma
diversificação das instituições e, consequentemente, o abandono da
indissociabilidade entre ensino-pesquisa e extensão (CHAVES, 2010).
Ademais, o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no segundo governo
de Fernando Henrique Cardoso com cerca de nove vetos do então presidente
direcionados aos itens que objetivam garantir alterações e ampliações orçamentárias
para a política de educação, sobretudo, para o nível superior (CISLAGHI, 2010). Ou
seja, com isso, manteve-se a tônica de restrições orçamentárias que se desdobravam
no sucateamento e precarização das universidades públicas neste período.
No mesmo ano de aprovação do PNE, FHC editou mais um decreto – o Decreto
n. 3.860/2001 – que alterou as regras de organização do ensino superior e de
avaliação dos cursos, o que favoreceu o aprofundamento do empresariamento78 e da
financeirização79 do ensino universitário brasileiro (CHAVES, 2010).
O desenvolvimento da política de educação tem sido pautado numa lógica de
privatização dos serviços públicos nos diferentes governos presidenciais desde os
anos 1990, o que fundamentalmente vem contribuindo para agravar ainda mais a
situação da desigualdade social brasileira e que, especificamente, nesta política tem
implicado também numa desigualdade no acesso e na permanência estudantil (BÜLL,

78 Aqui cabe explicitar nosso entendimento do termo empresariamento da educação, pois, em linhas
gerais, nos remete a uma continuidade dos processos de privatização já existentes no país desde o
período ditatorial, mas em outros termos. Conforme veremos no item 2.2, a expansão da educação
superior brasileira, a partir dos anos 1990, passa a estar fortemente determinada pelo domínio do
capital financeiro. Além disso, também concordamos com as reflexões de Vale (2017) que ressalta a
predominância nas instituições educacionais, sejam elas públicas ou privadas, de modelos de gestão
próprios do sistema privado e das escolas de negócio, de modo que os princípios de uma educação
voltada para proporcionar uma formação humana são subjugados. Assim, estabelece-se uma nova
cultura institucional marcada pela produtividade, ranqueamento, competitividade, além da pressão para
que os currículos e conteúdos pedagógicos sejam mais enxutos e direcionados às demandas mais
imediatas do mercado.
79 Já a respeito da financeirização, conforme veremos no item 2.2, o uso deste termo neste estudo

remete à forte presença de oligopólios educacionais constituídos pelo capital financeiro de origem
nacional e estrangeira no mercado de educação superior brasileira.
104
2011) nas diferentes modalidades e níveis de ensino.
Cislaghi (2010) argumenta que para além da política econômica, resguardadas
as inflexões e particularidades, o governo Lula da Silva também deu sequência às
mudanças relativas às universidades que vinham sendo operadas desde o governo
de Fernando Henrique Cardoso.
Além dos já mencionados nesse estudo, diversos outros autores (LIMA, K,
2011; LEHER, 2004; SGUISSARDI, 2000 e KRUPPA, 2001 apud MOTA JÚNIOR,
2019) reforçam a ideia de que há uma forte influência do BM sobre o conjunto de
medidas que têm sido direcionadas à educação superior brasileira desde os anos
1990. São dois os principais documentos do BM que nortearam as mudanças que
foram operadas a partir desse período: “La enseñanza superior. Las lecciones
derivadas de la experiencia” - 1994 e “Estratégia para o Setor Educacional –
Documento Estratégico do Banco Mundial: a Educação na América Latina e Caribe” -
1999.
Uma das coisas que é possível observar desde o período que compreende o
governo do presidente FHC é o aprofundamento da privatização neste nível de ensino,
pois há um substancial crescimento do número de matrículas nas instituições privadas
que superam, em relação ao percentual e ao ritmo, o mesmo fenômeno observado
nas instituições públicas Além disso, no segundo mandato do referido presidente já
era possível observar a atuação de empresas educacionais vinculadas ao capital
financeiro, o que será evidenciado no item 2.2 (SEKI, 2021a). Tal processo encontra
fundamento não somente nas recomendações do BM, mas também nas formulações
contidas no PDRE (MOTA JÚNIOR, 2019).
Para Lima, K., esse processo se materializou basicamente por dois
movimentos:
a) a expansão das instituições privadas, através da liberalização dos
“serviços educacionais”; b) a privatização interna das universidades públicas,
através das fundações de direito privado, das cobranças de taxas e
mensalidades pelos cursos pagos e do estabelecimento de parcerias entre
as universidades públicas e empresas, redirecionando as atividades de
ensino, pesquisa e extensão (2011, p. 87).

Como é possível observar, tais movimentos estão em profunda sintonia com as


definições contidas no documento de 1994 (BM, 1994). Já no ano de 1997, o BM
publicou outro documento que se diferenciava um pouco das concepções expressas
em formulações anteriores: Relatório sobre o desenvolvimento mundial. O Estado em
105
um mundo em transformação. Neste momento, o foco era o redimensionamento do
papel estatal nos países de capitalismo dependente, pois havia uma impressão de
que o “Estado estava longe do povo” em função da lógica que previa sua atuação
mínima e o mercado como gestor da vida social que está presente fortemente na
década de 1990 (LIMA, K. 2011).
As formulações contidas no PDRE (BRASIL,1995), que consideramos ser um
elo condutor do conjunto de contrarreformas experimentadas pelo Estado brasileiro
ao longo dos anos, mesmo sendo anteriores no sentido temporal, já expressavam um
alinhamento com as argumentações expressas posteriormente no referido documento
do BM de 1997. A reformulação para os países de capitalismo dependente prevista
em seu papel direcionava a uma atuação mais no âmbito dos “bastidores” e não como
agente direto do crescimento. Portanto, a defesa era de que o Estado se
concentrasse, de forma restrita:
a) em ações que promovam a segurança pública (do combate à violência às
parcerias com os empresários e trabalhadores no financiamento do sistema
de seguridade social); b) na elaboração de uma regulamentação eficaz que
aproveite as “forças do mercado” em benefício dos “bens públicos”,
estimulando as parcerias público-privadas; c) no incentivo à política industrial,
inclusive com subvenções para o setor privado; d) na gestão eficaz da
privatização das empresas estatais; e) no estímulo a maior “competência” no
interior da administração pública, através de um sistema de contratação por
mérito e de avaliação por produtividade e f) na formulação de políticas que
viabilizassem a participação dos empresários, dos sindicatos e dos usuários
na supervisão dos serviços da administração pública (BM, 1997 apud LIMA,
K, 2011, p. 88).

Tais formulações não devem ser consideradas casuais, pois contribuíram em


larga medida com a consolidação dos intensos processos de privatização dos serviços
públicos, o que inclui a educação superior, iniciados na última década do século XX
(LIMA, K, 2011).
No ano de 1998, em sua contribuição formulada para a Conferência Mundial
sobre Educação Superior que foi realizada pela Unesco – The financing and
management of higher education – A status report on worldwide reforms, havia uma
defesa expressa do BM da educação superior como um bem privado e não público
(SGUISSARDI, 2020).
Em 1999, por meio do documento intitulado “Estratégia para o setor
educacional – documento estratégico do Banco Mundial: a educação na América
Latina e Caribe”, o BM retomou a noção expressa em documentos anteriores da

106
educação como estratégia de combate à pobreza, articulando com a ampliação da
privatização da educação superior. Tal estratégia se ancora em outro processo
também já citado nesse estudo, a necessidade do grande capital em se espraiar para
outros nichos de valorização num contexto de financeirização da economia global.
Para Lima, K (2001), desse modo, essa política da qual o BM estava sendo
porta-voz, visava conferir a segurança necessária para o capital avançar e submeter
as regiões periféricas à mundialização financeira, adaptar sua força de trabalho às
novas demandas da divisão internacional do trabalho e, além de tudo, aprofundar a
privatização de seus setores estratégicos (energia, telecomunicações, educação etc.).
Com isso, tem-se um reforço de uma concepção de educação mais atrelada à
ideia de preparação da força de trabalho para o mercado e de dominação ideológica
por meio da visão burguesa de mundo. Mas, o grande elemento novo nesse contexto
é o crescimento exponencial do empresariamento e financeirização da educação,
conduzido pelo BM, juntamente com a Organização Mundial do Comércio (OMC), a
partir de três eixos:
1) ampliação da “globalização” dos sistemas educacionais da América Latina –
ou seja, estímulo ao estabelecimento de parcerias entre países centrais e de
capitalismo dependente para difusão de modelos pedagógicos, comercialização de
programas de ensino e de livros didáticos, especialmente para a formação e
treinamento de professores em serviço, o que favorece a criação de um substrato
ideológico para legitimação e reprodução da lógica hegemônica do capital; 2) criação
de universidades corporativas por empresas para formação e (re)qualificação dos
trabalhadores em seus próprios locais de trabalho, no qual o conhecimento é
direcionado para os interesses mais imediatos; 3) incentivo ao ensino à distância,
impulsionado pelas inovações tecnológicas (LIMA, K, 2011).
Cabe indicar que por meio do documento Higher education in developing
countries: peril and promise, há uma revisão da tese da educação superior como bem
privado, pois nele reconhece-se o conhecimento com um bem público internacional,
cujos desdobramentos deveriam ir além das fronteiras dos países que o tenham
produzido originalmente (BM, 2000 apud SGUISSARDI, 2020). No tocante às outras
formulações, as principais diretrizes são mantidas e reforçadas.
Sobre este ponto, Leher (2019) destaca uma atuação estratégica do BM diante
dos movimentos de resistência contra a mercantilização da educação. Essa instituição
107
passou a sustentar a concepção de educação como um bem público, mas dando um
tom de caráter “global”. Em uma perspectiva utilitarista, o bem público é concebido a
partir do acesso dos indivíduos a “benefícios sociais”. Desse modo, se a educação
passa a ser compreendida como um bem público deveria ser ofertada gratuitamente
aos indivíduos, independentemente de ser a partir de uma IES pública ou privado-
mercantil. Em nossa análise, essa concepção é um dos elementos que contribui com
o estabelecimento das bases para a posterior adoção de um conjunto de estratégias
pelos sucessivos governos brasileiros que favoreceram, em larga medida, a expansão
do mercado privado de educação superior, seja por meio do Fies ou Prouni. As vagas
são consideradas públicas, mas a oferta educacional é realizada por entidades de
natureza privado-mercantil.
A mercantilização da educação também está expressa e reforçada no
documento publicado em 2002 pelo BM: Construir sociedades de conocimiento:
nuevos desafíos para la educación terciária. Nele a noção de “educação superior” se
transmuta para “educação terciária” e, obviamente, não remete à apenas uma pura e
simples mudança de terminologia. Há um conteúdo que acompanha esta alteração: a
ideia de que estamos na “sociedade do conhecimento80”, substituindo as sociedades
industriais, já que, nesta ótica, o conhecimento constituiria um fator primário da
produção na economia global.
Com isso, reforça-se uma estratégia já contida em outros documentos, mas
que, de certa forma, é repaginada neste momento: o aprofundamento da
diversificação das instituições de ensino superior, dos cursos e das fontes de
financiamento, pois aqui qualquer curso de natureza pública e privada “pós-médio”
seria considerado como sendo de nível “terciário” (LIMA, K, 2011). Ou seja, há um
claro abandono do caráter universitário da educação superior, assentado no tripé
ensino, pesquisa e extensão.
Desse modo, considera-se que há impactos não só em termos financeiros, já
80 Essa tese se afirma como uma alternativa ao socialismo e capitalismo a partir dos anos 1960 e,
segundo Cislaghi (2010, p. 47), “o conceito se apoia numa suposta democratização social pela
ampliação do acesso à informação e ao conhecimento, possibilidade aberta com o avanço da
tecnologia. Um de seus alicerces é a transformação em sinônimos dos termos informação e
conhecimento, negando a necessidade de reflexão necessária para que a informação passe a
conhecimento e que esse conhecimento cada vez mais está atrelado à produção para valorização do
capital”. Nesse sentido, a ideologia da sociedade do conhecimento se ancora no obscurecimento das
relações sociais concretas e, portanto, efetivamente se traduz numa iniciativa que reforça, ou seja, que
não se contrapõe ao modo de produção capitalista. Cabe ressaltar que essa tese é contestada por
diversos autores, Cf. Leher, 1999; Neves e Pronko, 2008; Cislaghi, 2010; dentre outros.
108
que a formação tende a ficar mais aligeirada e com baixos custos, mas em termos de
qualidade, já que possivelmente o teor crítico e a possibilidade de não se restringir
apenas às necessidades do mercado de trabalho é suprimido. Além disso, perde-se
no conteúdo estratégico que as pesquisas podem potencialmente subsidiar no
crescimento de um país.
Para Cislaghi, numa perspectiva de massificação do ensino que é apresentada
no Brasil como uma “democratização”, há um duplo objetivo na adoção da educação
terciária:
formar força de trabalho qualificada de acordo com as necessidades do
modelo de acumulação e ao mesmo tempo buscar coesão social, ampliando
as possibilidades de acesso ao ensino superior, mesmo que menos
qualificadas. Nesse ponto, o documento sugere uma ampliação dos
programas de crédito educativo para estudantes com menos recursos, o que
seria uma política de equidade. Outro importante meio de expansão do ensino
terciário, para o documento, é o uso das TIC através do ensino à distância
(EAD) (CISLAGHI, 2010, p. 109).

Esse conjunto de recomendações do BM refletem muito nas formulações e


contrarreformas operadas na educação superior do Brasil, sobretudo a partir dos anos
1990 (LIMA, K, 2011; SGUISSARDI, 2020). Nesse sentido, Lima, K (2011) assinala
que é possível visualizar a contrarreforma da educação universitária, por meio de um
conjunto de legislações81, que, do nosso ponto de vista, criaram as condições
necessárias para viabilizar o processo de aprofundamento do empresariamento e
financeirização desta política. Para uma melhor compreensão, tais legislações podem
ser aglomeradas em eixos82 que expressam os impactos na educação superior:
1. fortalecimento do empresariamento neste setor83: reflete-se tanto na

81 Dentre as principais, destacamos: a Lei 9.394/96 (LDB); o Decreto n. 2.306/1997, o Decreto n.


3.860/2001; Lei Federal n. 10.260/01; o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes); o
Decreto n. 5.205/04 que regulamenta as parcerias entre universidades e fundações de direito privado;
a Lei de Inovação Tecnológica, o Sistema de Reserva de Vagas; Projeto de Parceria Público-Privada,
Prouni e Reuni, dentre outros. Para visualizar o conjunto de legislações, Cf. Lima, K, 2011.
82 Lima (2011), em sua análise, caracteriza quatro eixos em que poderiam ser agrupadas as legislações

citadas. No entanto, em nossa exposição optamos por conferir destaque apenas aos três primeiros por
considerá-los como os mais centrais. O quarto eixo se relaciona a uma garantia de ambiência de
coesão social a partir das medidas de democratização do ensino do governo Lula para conseguir
avançar nas outras reformas estruturais de caráter regressivo.
83 Um dos aspectos que diferencia os governos de FHC e Lula da Silva é o aumento das universidades

públicas que ocorreu neste último, mas, diga-se de passagem, não tão expressivo quanto o que ocorreu
nas entidades privadas. Assim, manteve-se a proliferação das IES privadas, sobretudo, as de caráter
não universitário e foi constituído um aparato legal que permitiu o avanço da privatização interna das
IES públicas, que pode ser exemplificado com a regulamentação das parcerias público-privadas e a Lei
de Inovação Tecnológica. Portanto, não houve uma ruptura com a lógica emanada do BM que conclama
a diversificação das IES, dos cursos e fontes de financiamento (LIMA, K, 2011).
109
ampliação vertiginosa das IES privadas84 – tendo por base a diversificação das
instituições, ou seja, o abandono do caráter universitário – quanto na privatização
interna das IES públicas – viabilizado por meio das parcerias entre as fundações
privadas de apoio à pesquisa e as universidades públicas e por um aparato jurídico
que proporcionou a venda de “serviços educacionais”85 (LIMA, K, 2011; CHAVES,
20210);
2. implementação das parcerias público-privadas: o programa de
Crédito Educativo (Creduc) que depois foi reformulado e ampliado, por meio do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); a criação do Programa Universidade para
Todos (Prouni) que estabelece a permuta de “vagas públicas” nas IES privadas por
isenção fiscal; a Lei de Inovação Tecnológica que permite o estabelecimento de
parcerias entre as universidades públicas e empresas; e a Lei de Incentivo Fiscal à
Pesquisa que subordina ainda mais a pesquisa e os programas de pós-graduação
públicos à lógica mercadológica (LIMA, K, 2011; TAVARES, 2014; SGUISSARDI,
2020; CISLAGHI, 2010);
3. operacionalização dos contratos de gestão, presentes na reforma
liberal tanto dos governos de FHC quanto de Lula da Silva: no governo de FHC,
por meio do PDRE, havia a proposição de transformar as universidades públicas em
organizações sociais, sujeitando-as ao modelo de gestão gerencialista. Mas, graças
à forte mobilização de diferentes atores da comunidade acadêmica, essa proposta
foi derrota (TAVARES, 2014). Além disso, uma expressão deste eixo é Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni)86. O referido programa, que é basicamente um contrato de gestão pactuado

84 Neste crescimento acelerado das IES privadas também estão incluídos os cursos de Serviço Social
que, conforme apontam as análises de Pereira (apud LIMA, K, 2011), são concentrados em instituições
que não oferecem a pesquisa e extensão ao corpo estudantil. Desse modo, há um forte tensionamento
da formação profissional de assistentes sociais, pois coloca-se em xeque a conformação de um perfil
profissional que, conforme vimos no primeiro capítulo deste estudo, consegue antecipar respostas mais
qualificadas a partir de uma análise crítica das tendências que superam as limitações das requisições
imediatamente postas pelo mercado de trabalho (SOUSA, 2019).
85 Neste rol incluem-se: “[...] os cursos pagos, especialmente os cursos de pós-graduação lato sensu;

o estabelecimento de parcerias entre a universidades federais e as empresas para realização de


consultorias e assessorias viabilizadas pelas fundações de direito privado; a concepção de política de
extensão universitária como venda de cursos de curta duração; a criação de mestrados
profissionalizantes, em parcerias com empresas públicas e privadas, considerados cursos
autofinanciáveis [….]”, dentre outros (LIMA, K, 2011, p. 90).
86 O Reuni é compreendido neste estudo como uma contratendência existente no âmbito da

contrarreforma do Estado na educação superior, no entanto, isso não anula todas as contradições que
permearam sua implementação, o que iremos nos deter de modo mais aprofundado no item 2.2.
110
entre as universidades e o MEC, contempla em vários aspectos as recomendações
do BM – há uma ampliação do número de vagas de graduação nas IES públicas,
mas assentada na otimização de boa parte das estruturas e recursos humanos
existentes; ampliação da relação professor x alunos em cada sala; diversificação das
modalidades de curso (flexibilização dos currículos, avanço do EAD, criação de
cursos de curta duração e dos ciclos básico e profissional); elevação da taxa de
conclusão dos cursos para 90% e estímulo à mobilidade estudantil 87 entre as
instituições de ensino (LIMA, K, 2011; CISLAGHI, 2010; SGUISSARDI, 2020).
Após essa análise, importa-nos dizer que a contrarreforma da educação
superior brasileira que está em curso desde os anos 1990 não é fruto de uma
obediência cega ou da passividade dos sucessivos governos às determinações dos
organismos multilaterais. Pelo contrário, o que se processou em solo nacional desde
então é igualmente fruto da absorção das recomendações prescritas pelo BM e das
disputas entre o projeto dos setores organizados da sociedade em defesa das
universidades públicas e o projeto hegemônico neoliberal que encontra fundamento
no PDRE. Este último, tem impactado no papel desempenhado pelo Estado e,
consequentemente, na execução das políticas sociais – e aqui destacamos a
educação universitária – num contexto de financeirização do capital (CISLAGHI, 2010;
LIMA, K, 2011).
O que se evidencia, na primeira década do século 21, é a estruturação de um
tipo de universidade adequada à atual etapa de acumulação do capital,
particularmente em um país capitalista dependente como o Brasil. Uma
estruturação que transita da privatização direta, passando pelo novo modelo
de gestão, introduzido pelo padrão gerencial e coroado com a quebra de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a mercantilização do
conhecimento. Um processo que configurou a educação superior como um
campo de exploração lucrativa para o capital em crise e aprofundou sua
função política, econômica e ídeo-cultural de reprodução da concepção
burguesa de mundo (LIMA, K, 2011, p. 92).

Portanto, nos termos de Lima, K (2011), o que se processa é um


compartilhamento da concepção de educação superior como educação terciária entre
as forças externas (organismos multilaterais) e internas do país (projeto hegemônico
neoliberal). De todo o modo, o conjunto de medidas adotadas pelo Estado brasileiro
dirigidas à expansão da educação superior também encontram fundamento nas

87Aqui cabe sinalizar que tal medida não foi acompanhada pela previsão da disponibilização das
condições necessárias e adequadas para a referida mobilidade estudantil, o que implicaria a garantia
de estruturas e equipes profissionais técnicas para o devido acompanhamento dos estudantes.
111
formulações do BM.
Ademais, tal como evidenciam alguns autores (CHAVES, 2010; TAVARES,
2014; LEHER e TAVARES, 2016; LEHER, 2019; VALE, 2017; SEKI, 2021a), a partir
dos últimos anos da década de 1990 a natureza da mercantilização que avança sobre
a educação universitária começa a ser operada a partir de novos contornos. Em linhas
gerais, há um processo acelerado de financeirização dessa área que se manifesta
com uma “tendência de controle, incorporação e aquisição de IES por conglomerados
econômicos, ligados principalmente ao setor financeiro” (TAVARES, 2014, p. 19), o
qual nos aproximaremos no próximo item.

2.2 A EXPANSÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA EM


TEMPOS DE FINANCEIRIZAÇÃO

O ensino superior no Brasil, em sua origem, nasce como um privilégio de uma


parcela minoritária da sociedade: as elites dominantes (KOWALSKI, 2012). Ao longo
dos anos, foi lentamente sendo incorporada nas constituições federais e legislações
específicas, sem contudo abandonar o caráter elitista e a desigualdade na qualidade
da oferta educacional, sobretudo, se considerarmos a natureza diversa das
instituições (públicas , confessionais, filantrópicas, privado-mercantis), o fato de terem
como base a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão ou não, bem como a
heterogeneidade existente na origem social do corpo de estudantes (SGUISSARDI,
2020).
Cabe ressaltar que há um conjunto de aspectos relativos à configuração da
política de educação superior na atualidade que não são fruto apenas da conjuntura
instaurada no país, a partir dos anos 1990. O período da ditatura do grande
capital (IANNI, 2019) promoveu uma verdadeira reconfiguração desse nível de
ensino e, portanto, é responsável por deixar como herança alguns elementos que
buscaremos sumariar neste estudo, com base em SAVIANI (2008) e SGUISSARDI
(2020).
Segundo Sguissardi,
até o advento da ditadura civil-militar, em 1964, a educação superior era
quase exclusivamente oferecida pelo poder público e por instituições privadas
confessionais ou comunitárias. Quase dois terços das matrículas o eram de
IES universidades, das quais 81% públicas e 19% privadas (2020, p. 134).

112
Para o mesmo autor (2020), os acordos MEC-Usaid88 dos anos 1960-70, o
relatório do conselheiro Usaid Rudolph Atcon89 (1966) e a contrarreforma universitária
de 1968 (Lei n. 5.540/68) foram responsáveis por catalisar um conjunto de mudanças
na educação universitária que se refletiram, inclusive, na proporção entre matrículas
públicas e privadas. Nos termos de Saviani, nesse período a concepção produtivista90
de educação passou a ser a orientação dominante e tomou força justamente por ter
sido incorporada às legislações da época, “na forma dos princípios da racionalidade,
eficiência e produtividade, com os corolários do ‘máximo resultado com o mínimo
dispêndio’ e ‘não duplicação de meios para fins idênticos’” (2008, p. 297).
Em termos quantitativos, somente na primeira década da ditatura, houve um
acréscimo em mais de cinco vezes no número de matrículas, pois eram apenas 142
mil que se tornaram 974 mil. Porém, o referido crescimento foi mais acentuado no
setor privado91. Conforme demonstra Sguissardi (2020, p. 135):
A ênfase na privatização revela-se na enorme desproporção entre o aumento
do total de matrículas das instituições públicas e o das privadas: 289,1%
contra 990,1%. A proporção percentual de matrículas que era, em 1964, de
61,6% nas IES públicas e 38,4% nas IES privadas, passou, em 1974, para
63,5% nas IES privadas e 36,4% nas IES públicas.

Mas, contraditoriamente, também foi a partir da contrarreforma universitária de


1968, que se estabeleceu no país as condições para a conformação da estrutura da
pós-graduação stricto sensu conhecida na atualidade92 que foi regulamentada pelo

88 Trata-se de um conjunto de acordos com objetivo de materializar convênios de assistência técnica e


cooperação financeira dos EUA à educação brasileira (SGUISSARDI, 2020).
89 O referido conselheiro foi contratado pelo MEC, no ano de 1965, para elaborar um plano de

reestruturação da universidade brasileira. O documento foi produzido após ter visitado cerca de 14
universidades federais e publicado como Plano Atcon “Rumo à Reformulação Estrutural da
Universidade Brasileira” (SGUISSARDI, 2020).
90 Especificamente no âmbito da educação básica, essa concepção produtivista de educação se

expressou por meio da Lei n. 5.692/71 que foi responsável por unificar o antigo primário, transformando-
o no curso de 1º de grau de 8 anos. Já em relação ao que denominamos hoje como segunda etapa da
educação básica, foi instituída a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, com
o intuito de formar uma força de trabalho mais direcionada ao mercado de trabalho (SAVIANI, 2008).
91 Cabe considerar que a ampliação do setor privado permeou todo o sistema de educação, ou seja,

desde a educação básica – que na época compreendia o primário, o ginásio e o colegial – até o ensino
superior. Segundo Saviani (2008), um dos elementos que favoreceu esse processo foi a progressiva
redução do investimento de recursos do Estado ao longo dos anos, viabilizada pela Constituição
Federal de 1967, a qual eliminou a vinculação orçamentária constitucional que instituía o percentual
mínimo que os diferentes entes da federação deveriam destinar à educação. O percentual fixado para
a União na CF de 1946 era de 12%, no entanto, o percentual aplicado após a desvinculação chegou a
4,31%, no ano de 1975. Ao lado da referida desvinculação orçamentária, no mesmo instrumento legal,
houve um aceno do Estado em conferir apoio técnico e financeiro à expansão da educação privada
(§2º do art. 168 da CF 1967).
92 Conforme destaca Netto (2006), de forma contraditória, a contrarreforma universitária de 1968

possibilitou as condições para que o Serviço Social se consolidasse como área de produção de
113
Parecer do Conselho Federal de Educação n. 77/69. (SGUISSARDI, 2020).
Assim, podemos compreender como características desse período não só a
garantia das condições proporcionados pelo Estado brasileiro, sob a vigência de um
regime autoritário, que promoveu uma considerável expansão do setor privado de
ensino superior. Uma das consequências desse processo também é o avanço da
métrica privatizante sobre o ensino ofertado nas instituições públicas, o que segundo
Saviani (2008), se traduz
no esforço em agilizar a burocracia aperfeiçoando os mecanismos
administrativos das escolas; na insistência em adotar critérios de mercado na
abertura dos cursos e em aproximar o processo formativo do processo
produtivo; na adoção dos parâmetros empresariais na gestão do ensino; na
criação de “conselhos curadores”, com representantes das empresas, e na
inclusão de empresários bem sucedidos como membros dos conselhos
universitários; no empenho em racionalizar a administração do ensino,
enxugando sua operação e reduzindo seus custos, de acordo com o modelo
empresarial (SAVIANI, 2008, p. 300-1).

Nos anos 1990, num contexto de mundialização e domínio do capital financeiro,


as bases estabelecidas pela ditatura para privatização da educação superior são
acentuadas e aprofundadas, assumindo novos contornos. Apenas mais
recentemente, precisamente a partir da segunda metade dos anos 2000, foram
instituídos alguns mecanismos93 pelo Estado brasileiro que contribuíram com a
ampliação do ingresso de diversos setores da classe trabalhadora (FONAPRACE,
2016; 2019), historicamente alijados do acesso à educação superior que, conforme
veremos, não se operou sem aspectos contraditórios.
Importa-nos sublinhar que os processos de expansão da educação superior
pública e privada a que assistimos de modo absolutamente acelerado em fins do
século XX e início do século XXI não visou somente atender aos interesses e
demandas históricas dos movimentos sociais organizados em prol da educação
pública. Diante do contexto das crises cíclicas do capital, ajustes fiscais,

conhecimento. A partir desse período, foi possível acumular uma massa crítica que propiciou à
profissão o estabelecimento de uma frutífera interlocução com as ciências sociais. Ademais, um dos
desdobramentos desse processo foi o alcance de uma maturidade intelectual, que foi consolidada nos
anos 1990, a partir da incorporação de matrizes teórico-metodológicos que rompiam com o
conservadorismo profissional.
93 Referimo-nos aos processos de expansão/reestruturação das universidades públicas proporcionados

pelo Reuni; a aprovação do Decreto n. 7.234/2010 que institui o Programa Nacional de Assistência
Estudantil e da Lei 12.711/2012 que institui o sistema de reserva de vagas, o ProUni e o Fies, dentre
outros. Conforme vimos, a IV pesquisa do perfil estudantil realizada pelo Fonaprace demonstra que
após esse período, especificamente a partir do ano de 2014, o segmento de alunos com renda familiar
bruta de até três salários-mínimos tornou-se maioria nas universidades públicas.
114
reestruturação produtiva e financeirização da economia, esta demanda foi absorvida
pelo Estado brasileiro no sentido de também atender aos anseios e interesses do
grande capital, sobretudo, em sua forma financeirizada.
Conforme vimos, o capital necessita recorrer constantemente a diversos
mecanismos que garantam sua reprodução ampliada e, nesse período, o conjunto das
políticas sociais – aqui se inclui a educação superior, bem como a assistência
estudantil – tornam-se nichos possíveis para a garantia da rentabilidade para o grande
capital. Nas disputas em torno do fundo público, que cada vez mais assume um lugar
central no capitalismo contemporâneo, grandes parcelas têm sido destinadas à
valorização do capital em detrimento do conjunto de direitos sociais consagrados
legalmente.
Há um conjunto de estratégias encampadas pelo Estado brasileiro que, em
última instância, não se furta de seu caráter de classe, a fim de contrarrestar a
tendência de queda das taxas de lucro, algumas já sumariadas no primeiro capítulo.
Aqui, cabe-nos realizar o movimento de aproximações sucessivas com nosso objeto,
a fim de identificar como essas estratégias rebatem no campo da educação superior
e da assistência estudantil para, posteriormente, nos debruçarmos sobre o exercício
profissional das assistentes sociais nesse espaço sócio-ocupacional.
Assim, partiremos de algumas iniciativas do Estado brasileiro que compõem o
bojo de alterações ocorridas na estrutura da educação universitária para entender
como tais estratégias se materializam. Conforme vimos, a contrarreforma do Estado
iniciada em meados de 1990 e consubstanciada no documento orientador PDRE, cria
a figura de uma espaço público-não estatal que estabelece as bases para o ulterior
processo de aprofundamento do empresariamento e financeirização da educação
superior.
De modo sucinto, o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi marcado por
um crescimento vertiginoso das IES privadas, sobretudo, as de caráter não
universitário, viabilizado por um conjunto de legislações. Por outro lado, as
universidades públicas foram alvo de uma profunda precarização e sucateamento.
Conforme dados do Censo de Educação Superior, no ano de 1995, havia 894
IES no país, sendo 684 privadas (63 universidades, 101 Federações de Escolas ou
Faculdades Integradas e 520 Estabelecimentos isolados) e 210 públicas (72
universidades, 10 Federações de Escolas ou Faculdades Integradas e 128
115
Estabelecimentos Isolados). As matrículas, no mesmo ano, estavam concentradas
majoritariamente nas IES privadas, 60,2% (sendo 30,1% em universidades privadas
e 30,1% em instituições de caráter não universitário), havendo apenas 39,8% nas IES
públicas e com predominância nas universidades (85,4%).
No ano de 2001, o total de IES era de 1.391, no entanto, a evolução foi
diferenciada. Enquanto houve um decréscimo de 12,8% no quantitativo de IES
públicas (183 no total, sendo 71 universidades), houve um incremento de 76,6% nas
IES privadas, sobretudo nas instituições de caráter não universitário, sendo que as
faculdades isoladas representavam 79% e as universidades privadas apenas 7% do
total de 1.208 instituições. No que diz respeito à evolução das matrículas, houve um
crescimento muito mais acentuado nas IES privadas, sendo de 97,5% contra apenas
34% nas IES públicas.
Em termos gerais, os governos de FHC se traduziram em um período de forte
estagnação das universidades públicas. Diante do permanente desfinanciamento da
política de educação, houve poucas condições para expansão destas instituições.
Com base nos dados do Censo de Educação Superior do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) dos anos de 1995-2002,
durante todo o período do supracitado governo, havia apenas 39 universidades
federais, concentradas majoritariamente nas capitais das unidades federativas (27
estavam localizadas em capitais e 12 no interior).
Nesse mesmo período, a origem do corpo estudantil permaneceu
predominantemente tendo origem nas famílias de classe média e alta, conforme
demonstram as pesquisas realizadas pelo Fonaprace (1997; 2004), já citadas neste
estudo no item 2.1. A insuficiência de recursos orçamentários se refletiu diretamente
em perdas salariais significativas para docentes e técnico administrativos (TAVARES,
2014) e nas políticas existentes de permanência estudantil. Ou seja, na ausência de
investimentos, algumas ações pontuais foram reduzidas ou descontinuadas, como é
o caso dos equipamentos coletivos que existiam em algumas universidades (moradias
e restaurantes estudantis), assim como o corte de programas bolsas de apoio
financeiro (MAGALHÃEAS, 2013).
A autonomia universitária foi reduzida a uma autonomia financeira (e não uma
autonomia na gestão financeira dos recursos). Com isso, houve um profundo
alinhamento com a recomendação do BM sobre a necessidade de diversificação
116
regressiva das fontes de financiamento. Esse enredo visava forçar a captação de
recursos no setor privado ou nos contratos de gestão que seriam firmados com o
Estado (proposta de transformação das universidades em organizações sociais que
foi derrotada), pautados no modelo gerencialista. Ademais, se iniciou uma privatização
interna das universidades públicas, viabilizada por meio das parcerias com as
fundações privadas de apoio à pesquisa que, segundo Tavares (2014, p. 66), “serviu
para abrir a universidade ao diálogo com o setor empresarial, que determinou a
heteronomia da política de ciência e tecnologia, substituída gradualmente pela
pesquisa e desenvolvimento”.
Outro elemento desse período, já sinalizado no item 2.1, foi a possibilidade
instalada no governo de FHC, a partir de uma alteração na legislação, da oferta
educacional superior não restrita ao formato das universidades. Houve a
diversificação institucional que permitiu a atuação de centros universitários,
faculdades integradas, institutos e escolas superiores, ou seja, entidades
desobrigadas de ofertar cursos assentados no tripé ensino-pesquisa e extensão
(TAVARES, 2014). Posteriormente, esse processo foi acentuado no governo de Lula
da Silva, quando foi aprovado o Decreto n. 4.914, de 11/12/2003, que concedeu
autonomia aos centros universitários (CHAVES, 2010).
Tavares (2014) indica que tanto a heteronomia quanto a diversificação
institucional são elementos presentes do modelo de expansão da educação superior
brasileira que contribuíram largamente com a proliferação das entidades privadas.
Nesse sentido, não é casual que de 1994-2000, período que abarcou os dois governos
de FHC, o crescimento do setor privado (86%) tenha superado consideravelmente o
setor público (28%), havendo destaque para o crescimento de matrículas nas IES de
caráter não universitário (53%).
Também contribuiu para favorecer a expansão do setor privado, no período do
governo de FHC, a reformulação do Creduc. Trata-se de um programa vigente desde
a ditatura do grande capital que era operado a partir da concessão de empréstimos
pela Caixa Econômica Federal, sem a exigência de contrapartidas contra a
inadimplência. Os recursos financeiros concedidos eram destinados à manutenção
dos estudantes no ensino superior, tanto de instituições privadas quanto de públicas.
No primeiro caso, o foco era o pagamento das mensalidades e, no segundo, era
viabilizar os custos de manutenção no ensino superior (TAVARES, 2014).
117
O Fies surgiu em fins dos anos 1990, no bojo de medidas vinculadas à
contrarreforma do Estado expressa no PDRE, para substituir o Creduc. Esse
programa foi regulamentado por meio da Medida Provisória n. 1.827/1999 que, após
25 reedições, foi transformada na Lei Federal n. 10.260/01.
Para Sguissardi (2020), a partir da regulamentação da LDB pelos Decretos n.
2.207 e 2.306, ambos editados em 1997, é que se inicia um processo acelerado de
expansão da educação superior privada, o qual fora iniciado sob a vigência da ditadura
militar, mas que no contexto do fim do século XX se transforma num processo de
mercantilização94.
A oferta de vagas em número muito superior à demanda e as consequências
do alto montante de estudantes inadimplentes ou evadidos da IES privadas
sem fins lucrativos, mas em especial das particulares, com fins lucrativos,
constituíram-se em argumento de enorme peso tanto para os mantenedores
privados, quanto para os defensores, no interior do aparelho do Estado, por
um lado, de restrições orçamentárias para as IES públicas, e, por outro, de
concessão de recursos do Fundo Público para o financiamento dessas
instituições em crise financeira (SGUISSARDI, 2020, p. 84, grifo do autor).

O Fies consistia no financiamento de estudantes matriculados em cursos


superiores de instituições privadas avaliadas positivamente nos processos
conduzidos pelo MEC. No governo de FHC, se consolidou como principal
mecanismo de privatização do fundo público na educação universitária, ou seja,
foi um dos mecanismos que contribuiu com o aprofundamento do empresariamento
e financeirização desse setor.
Segundo Davies (apud TAVARES, 2014), há mecanismos diretos e indiretos
que favorecem uma maior apropriação do fundo público pelas entidades privadas de
educação superior. No primeiro grupo estão inclusas as isenções tributárias (fiscais e
previdenciárias), a isenção da contribuição previdenciária patronal das instituições
filantrópicas e a isenção do salário-educação95. Integram o segundo grupo, os
subsídios, bolsas, subvenções, empréstimos e a existência de programas como o

94 Neste ponto concordamos com Vale (2017) quando afirma que a mercantilização não se trata apenas
da compra e venda de uma mercadoria específica, mas como a totalidade da vida social se organiza
para a produção e venda de mercadorias. Portanto, especificamente no que diz respeito à educação
superior, não se trata somente da “venda da educação-mercadoria, mas pela mercantilização do
conhecimento produzido nas universidades, ainda que públicas, pela mercantilização dos espaços
universitários, todas expressas no novo arcabouço jurídico-político presente na Lei de Inovação
Tecnológica, na Lei das PPPs [parceiras público-privadas] ou mesmo na expansão do setor privado de
caráter abertamente mercantil, bem como nas relações estabelecidas nessa nova configuração do
espaço educacional” (VALE, 2017, p. 5).
95 O salário educação é uma contribuição social, prevista na CF 88, a ser recolhida pelas empresas

para financiar programas, projetos e ações voltados para a educação básica pública.
118
Creduc e o Fies.
No governo de Lula da Silva, embora guardasse muitas expectativas positivas
dos setores das classes trabalhadoras, foi mantido o núcleo central de
contrarreformas da educação superior, com pequenas diferenciações no
aprofundamento96, bem como na inclusão de novos elementos.
Cabe ressaltar certo deslocamento na condução da educação superior no
governo de Lula da Silva, pois embora tenha mantido os pilares da política
macroeconômica adotada por FHC e, com isso, tenha favorecido substancialmente o
capital, houve um investimento na ampliação das universidades públicas, ainda que
tenha se operado com os limites estruturais impostos pela vigência do ajuste fiscal
permanente.
Com base nos dados do Censo de Educação Superior, no ano de 2003, havia
1.859 IES no país, sendo 1.652 privadas – destas, destacamos que apenas 84 eram
universidades privadas e 1.321 eram faculdades isoladas – e 207 públicas (sendo 79
universidades). Há um aprofundamento da concentração das matrículas em relação
ao governo de FHC, pois cerca de 70,8% era em IES privadas (sendo 33,2% em
universidades privadas e 37,6% em instituições de caráter não universitário) e apenas
29,2% pertenciam às IES públicas, com predominância das universidades (25%).
No último ano do segundo mandato de Lula da Silva, o total de IES era de
2.378, no entanto, diferente da era FHC, houve um crescimento tanto das IES
públicas quanto das privadas. Em relação ao primeiro ano de governo, enquanto o
quantitativo de IES públicas cresceu 34,2% (278 no total, sendo 101 universidades),
o das IES privadas cresceu cerca de 27,1%, mantendo a predominância de
instituições de caráter não universitário (nesses período foram criadas apenas cinco
universidades privadas). Porém, no que diz respeito à evolução das matrículas, foi
mantida e aprofundada a continuidade com o governo de FHC em relação a maior
participação das IES privadas, havendo um crescimento de 45% de matrículas nas
IES privadas contra apenas de 28,6% nas IES públicas. Desse modo, 73,2% das
matrículas estavam concentradas em entidades privado-mercantis, sobretudo, as de

96Cabe destacar que o avanço de algumas legislações regressivas (e não somente na educação) na
era FHC foi impedido por movimentos de resistência que, em alguns casos, também era composto por
membros do Partido dos Trabalhadores. No entanto, já no governo Lula, conforme será possível
observar, há o aprofundamento de aspectos regressivos, pois havia uma legitimidade social maior deste
governo junto às classes trabalhadoras. Em alguns casos, houve cooptação de movimentos sociais
com pautas históricas, como é o caso da União Nacional dos Estudantes (UNE), dentre outros.
119
caráter não universitário (45% do total de matrículas) e apenas 26,8% em
instituições públicas (23,4% do total em universidades).
Além dos dados supracitados, gostaríamos de conferir um especial destaque
ao que podemos denominar com uma contratendência presente nos governos de Lula
da Silva, pois também a partir do Censo de Educação Superior do Inep de 2003-2010,
é possível identificar que houve um crescimento de aproximadamente 50% no
quantitativo de universidades públicas federais, em relação ao período anterior do
governo de FHC. Tal crescimento foi acompanhado de uma alteração na disposição
geográfica das unidades que anteriormente se concentravam predominantemente nas
capitais dos estados. Assim, a partir do governo de Lula da Silva, a localização das
universidades federais passou a ter uma maior capilaridade em todo território
nacional. No final de seu segundo mandato, havia 58 universidades federais, sendo
31 localizadas na capital de unidades federativas e 27 no interior.
Isso foi possível graças à expansão/reestruturação das universidades que foi
impulsionada pelo Reuni que, conforme veremos, trata-se de uma experiência que
merece a devida atenção por ter propiciado a materialização de um conjunto de
processos contraditórios. Considera-se que este programa foi um braço importante do
Estado brasileiro na materialização da contrarreforma da educação superior, mas, que
contraditoriamente, rompeu com a trajetória de estagnação das universidades
públicas federais e, por isso, expressa uma contratendência nesse cenário.
Chaves (2010) apresenta dados que corroboram a tendência indicada por
Tavares (2014) em seu estudo, pois indica que de 1996-2007, período que
compreende os dois mandatos de FHC e o primeiro de Lula da Silva, o crescimento
do quantitativo de estudantes matriculados no ensino superior atingiu o percentual de
161,2%. Porém, a autora evidencia que o crescimento das matrículas nas entidades
privadas foi muito maior que nas IES públicas, sendo os percentuais no valor de
221,2% e 68,7%, respectivamente.
Desse modo, a despeito do profundo crescimento do setor privado que não
deixou de ser beneficiado neste período, houve o crescimento das universidades
públicas97, maior distribuição no território nacional, ampliação da oferta de vagas e

97 Especificamente em relação às universidades federais, no início do primeiro mandato de Lula da


Silva, o quantitativo de estudantes matriculados nas universidades federais era de 527.719. Já, ao final
de seu segundo mandato, esse quantitativo era de 763.891, o que correspondia a um crescimento
percentual de aproximadamente 45%, conforme os dados do Censo de Educação Superior 2003-2010.
120
maior ingresso de estudantes oriundos das camadas populares, o que em parte
também é fruto da pressão dos movimentos sociais na luta pela democratização do
acesso ao ensino e defesa das universidades públicas.
Conforme reforçamos neste estudo, o Estado é um aliado de primeira ordem
do capital e se utiliza de um conjunto de mecanismos para intervir na tendência de
queda das taxas de lucro. O avanço sobre o setor de serviços é uma tendência
mundial que se materializa na busca de novos nichos de valorização e, com isso, a
expansão da educação superior privada passa ser propiciada a partir de novos
ingredientes em fins dos anos 1990.
Leher e Tavares (2016) caracterizam como uma mercantilização de novo tipo,
pois, a partir de marcos legais aprovados pelo Estado brasileiro, favoreceu-se a
possibilidade de abertura de capital no mercado de ações das mantenedoras que
anteriormente era comandadas por organizações privadas de natureza familiar. Tais
entidades, a partir desse momento, se abstiveram do manto da filantropia para
assumirem sua real identidade de instituições com fins lucrativos. Com isso, houve
um forte incremento na participação e controle das IES por meio dos fundos de
investimento, ou seja, estabeleceu-se as condições para a profunda penetração do
capital financeiro nacional e estrangeiro nesta área específica.
Alguns autores (CHAVES, 2010; LEHER e TAVARES, 2016; VALE, 2017)
demarcam o início desse processo de mercantilização de novo tipo, ou melhor
dizendo, a financeirização da educação superior brasileira, na segunda metade dos
anos 2000. Foi nesse período que se instaurou a possibilidade de as entidades
privadas educacionais abrirem seu capital na bolsa de valores.
Mas, concordamos com Seki98 (2021b) que, em sua análise, defende que esse
processo teve início em fins dos anos 1990, pois naquele período o Grupo Pitágoras
já recebia aportes do fundo de investimentos Opportunity. Para este último autor, a
partir dos anos 2007/2008, houve uma profunda intensificação do processo
financeirização da educação superior, impulsionado pela crise do capital e suas
posteriores ondas subsequentes (nos anos de 2011 e 2014) que favoreceram a
migração de um grande volume de capitais dos países centrais em direção aos países

98Uma profunda e qualificada análise sobre o tema da financeirização da educação superior brasileira
no tempo recente pode ser encontrada no trabalho doutoral de Seki que resultou na publicação do livro
“O Capital Financeiro no Ensino Superior Brasileiro (1990-2018)”.
121
de capitalismo dependente99.
Desse modo, teve início uma acelerada intensificação dos processos de
compra e vendas de IES, com forte concentração e centralização de capital que
resultaram na formação de oligopólios educacionais. Nos termos de Seki (2021a), os
bancos e fundos de investimento tornaram-se os grandes responsáveis por definir o
ritmo e a frequência com que deveriam ser realizadas aquisições de outras empresas
e/ou fusões no mercado da educação superior100. Com isso, um seleto grupo de
grandes empresas, fortemente atreladas ao capital financeiro, passou a controlar uma
parte cada vez maior do mercado de educação superior no Brasil.
Segundo Leher e Tavares (2016), entre 2007 e 2014, o que eles denominam
como primeiro período do processo de mercantilização da educação superior,
ocorreram cerca de 156 fusões de instituições. Já no segundo período, que se inicia
a partir de 2013, nota-se uma tendência de oligopolização dessa área por meio da
materialização de fusões de grandes conglomerados que, posteriormente, estarão
entre os dez maiores grupos que controlam o mercado privado de educação superior.
Referimo-nos aos grupos Kroton/Anhanguera e Estácio Participações/Uniseb (Centro
Universitário do Grupo SEB – Sistema Educacional Brasileiro).
Outro elemento que merece destaque nesse cenário que é ressaltado pelos
autores supracitados (2016) é a atuação direta do Estado brasileiro, por meio do
BNDES, no estímulo ao processo de oligopolização desse setor, viabilizada a partir
do lançamento do Programa de Melhoria das Instituições de Ensino Superior. Por
meio de uma ação conjunta entre o MEC e o BNDES, foi lançado um edital no ano
de 2009 que tinha como foco contemplar projetos de melhoria da qualidade do
ensino. Tanto IES públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, poderiam
apresentar projetos para receber recursos financeiros, na forma de financiamento
concedido pelo banco com o intermédio de instituições financeiras credenciadas
(MEC, 2009).
99 Para Seki (2021a), além de vislumbrarem a elevação das taxas de juros e garantia de rentabilidade
em curto e médio prazo que poderia ser obtida a partir das economias latino-americanas em função do
ciclo favorável das commodities, nesse cenário, as políticas sociais também passaram a ser vistas
como um campo aberto passível de ser explorado pelo capital. Conforme vimos neste estudo, diferentes
mecanismos de transferência do fundo público para o grande capital foram forjados pelo Estado
brasileiro ao longo dos diferentes governos presidenciais, o que favoreceu em larga medida a
penetração do capital financeiro nacional e estrangeiro no âmbito das políticas sociais.
100 Seki (2021a), assinala que mais recentemente já é possível observar um avanço desses

oligopólios educacionais para outras áreas, tais como: educação básica, educação profissional e
formação de professores.
122
Nesse sentido, cabe-nos reforçar que a transferência de recursos do fundo
público para entidades privadas não é algo inédito, pois já ocorria em solo nacional
desde o período ditatorial (CISLAGHI, 2010; TAVARES, 2014; SEKI, 2021a). Segundo
Seki,
a privatização da educação deixou suas roupagens precedentes e se
reconfigurou, assumindo um novo modus operandi que cumulou todas as
contradições criadas anteriormente numa forma extremamente complexa,
representada nos emaranhamentos econômicos que reuniram aparelhos
privados de hegemonia, o Estado e uma miríade de organismos econômicos,
tais como seguradoras, bancos, fundos de investimentos, corretoras, bolsas
de valores numa densa articulação de interesses cujos efeitos são e serão
sentidos no presente e no futuro da educação nacional (2021a, p. 50).

Neste ponto, cabe-nos fazer uma menção à análise de Mandel (1985) a


respeito da industrialização e mercantilização dos serviços, pois a partir dessa ótica é
possível entender os processos desencadeados pelo Estado brasileiro desde meados
da década de 1990, sob a batuta de FHC, e que são aprofundados sob a vigência do
governo do presidente Lula da Silva. Nesse sentido, aqui tratamos especificamente
do aprofundamento da contrarreforma do ensino superior conduzida pelo governo
federal.
Conforme vimos, o Estado, imbuído de seu caráter de classe, constantemente
busca garantir meios para compensar as crescentes dificuldades de valorização do
capital. No capitalismo tardio, a migração de capital para o setor de serviços acaba
se configurando como uma alternativa para proporcionar o avanço sobre novos
nichos lucrativos. Não é casual, nesse sentido, que as políticas sociais se tornem
espaços viáveis para expansão do capital, sendo alvos tanto do processo de
industrialização quanto de mercantilização dos serviços.
Do ponto de vista capitalista, o setor de serviços é um mal menor. A escolha
por este caminho visa reduzir a ociosidade do capital excedente, no entanto, ele não
possui nenhuma relação direta com o aumento da massa total de mais-valia. Pelo
contrário, a influência ocorre de modo indireto na produção de mais-valia ao reduzir o
tempo de rotação do capital.
Portanto, a lógica do capitalismo tardio consiste em converter,
necessariamente, o capital ocioso em capital de serviços e, ao mesmo tempo,
substituir o capital de serviços por capital produtivo, ou seja, substituir
serviços por mercadorias: serviços de transporte por automóveis particulares;
serviços de teatro e cinema por aparelhos privados de televisão; amanhã,
programas de televisão e instrução educacional por videocassetes
(MANDEL, 1985, p. 285).

123
Tal como foi sinalizado no primeiro capítulo, as políticas sociais na etapa
imperialista cumprem o papel de contrarrestar a tendência ao subconsumo. Nesse
sentido, o processo de expansão/reestruturação das Ifes, viabilizado pelo Reuni,
cumpre este papel, ou seja, é uma expressão da industrialização dos serviços aludida
por Mandel (1985). Basta observar os três eixos previstos para aporte de recursos
financeiros que serão explicitados no decorrer deste item, pois implicaram na
aquisição de novos equipamentos físicos, mobiliários, livros, construção de novas
unidades, modernização da estrutura – ou seja, demandou a
produção/disponibilização de uma série de mercadorias pelo capital. Mas, conforme
veremos, o Reuni também expressa uma contratendência nesse cenário de forte
financeirização do mercado de educação superior, ao propiciar uma expansão das
matrículas também pela via das universidades públicas.
Por outro lado, também tivemos a tendência em mercantilizar os serviços dessa
área, pela ampliação do ensino privado de nível superior101 que se adensou nesse
período e atingiu um novo patamar (LEHER e TAVARES, 2016; VALE, 2017;
CHAVES, 2010, SEKI, 2021a), seja por meio do Prouni, Fies ou expansão do EAD.
As áreas em que isso [processo de mercantilização] ocorre vão da oferta
direta de cursos, presenciais e a distância, à produção de materiais
instrucionais, na forma de livros, apostilas e softwares, às empresas de
avaliação, ou, mais precisamente, de medida em larga escala, às consultorias
empresariais na área e até mesmo à ação de consultores do
meioempresarial que assessoram tanto a inserção de empresas
educacionais no mercado financeiro, quanto direcionam investimentos de
recursos para a educação (OLIVEIRA, 2019, p. 952-3 apud SGUISSARDI,
2020, p. 131).

Conforme vimos, tal processo de mercantilização da educação vem assumindo


novos contornos, sobretudo a partir de fins dos anos 1990, quando são instituídas
medidas legais que favorecem a penetração de capital financeiro nacional e
estrangeiro nesta área específica. Sguissardi (2020) identifica na figura dos
organismos multilaterais financeiros (BM e BID) ou de Coordenação Mundial do
Comércio (OMC) os principais entusiastas e incentivadores do mercado educacional
mundial102.

101 Conforme demonstra o Censo da Educação Superior do ano de 2018, as matrículas na rede privada
de ensino superam as da rede pública. “No Brasil, em cursos presenciais, há 2,4 alunos matriculados
na rede privada para cada aluno matriculado na rede pública” (INEP, 2019).
102 Segundo Sguissardi (2020, p. 112), “não é por acaso que por detrás da aparência ou da 'marca' das

companhias ou grupos empresariais desse mercado estejam Bancos e Fundos de Investimento


nacionais e, principalmente, transnacionais, assim como a própria International Finance Corporation
124
Considerando a existência de empresas transnacionais em todos os países,
seja por meio de filiais ou franquias, que estão em total sintonia com as novas
possibilidades de atuação nessa área, inclusive no intuito de obtenção de maiores
lucros, o que ecoa dos organismos multilaterais aludidos no parágrafo anterior é
bastante preciso, conforme evidenciamos neste estudo:
1) redução dos gastos do Fundo Público com as instituições
estatais/públicas;
2) incentivo à criação de empresas nacionais ou à acolhida de filiais e
franquias de empresas transnacionais, via legislação facilitadora, e
constituição, com recursos fiscais, de fundos de bolsas (Prouni?) e
empréstimos (Fies?), que garantem a solidez e o lucro das empresas
(SGUISSARDI, 2020, p. 113).

No Brasil, é possível identificar todos esses processos que se desenrolam


desde os anos 1990. Segundo Seki (2021b), os dados disponibilizados pela
Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima),
B3 e CVM indicam que, desde o ano de 1998, na composição acionária do grupo
Pitágoras estavam listados como detentores significativos de ativos: Veronica Valente
Dantas, Eduardo Penido Monteiro e Maria Amalia Delfim de Melo Coutrim, todos
intimamente relacionados às movimentações financeiras do Opportunity.
No ano de 2001, a Apollo International (fundo particular americano de
investimentos em educação) adquire ações da Kroton (grupo Pitágoras naquela
ocasião), o que materializou o processo de intensificação da abertura dessa área para
atuação do capital estrangeiro. Anos depois, em 2005, a Laureate Internacional
Universities se tornou acionista majoritária (51%) da Universidade Anhembi-Morumbi
(SP) (SGUISSARDI, 2020).
No ano de 2007, tivemos mais um movimento na direção de consolidação da
financeirização dessa área: a abertura de capital ao mercado de ações das seguintes
empresas educacionais: Anhanguera, Kroton, Estácio e Sistema Educacional
Brasileiro (SEB), o que propiciou a ampliação de seus capitais, favorecendo a
aquisição de outras instituições menores sediadas no país e forjou a formação dos
grandes grupos empresariais posteriormente conhecidos (SGUISSARDI, 2020).
Com base nas considerações de Muto, Sguissardi destaca como elemento
mais marcante do mercado educacional brasileiro a abertura de capital e o IPO na

(IFC), o braço financeiro do Banco Mundial, a lhes emprestar recursos financeiros ou mesmo a adquirir
suas ações [...]”.
125
BM&FBovespa103 das quatro empresas principais do setor, o que propiciou um
crescimento exponencial de suas matrículas (247,4%) e um aumentou em 2,46 vezes
em sua participação percentual no mercado.
Em pouco mais de um ano, o mercado de ações brasileiro propiciou
o investimento de R$1,9 bilhão em escolas, faculdades e
universidades de todo o País. Entre março de 2007 e abril de 2008,
o montante foi levantado por ofertas primárias (IPOs, na sigla em
inglês) de quatro companhias do setor: Anhanguera Educacional,
Estácio Participações, Kroton e Sistema Educacional Brasileiro
(SEB). É o equivalente a 3,16% dos R$60,2 bilhões gastos pelo
Ministério da Educação em 2007. O dinheiro serviu para ampliação
das vagas, criação de novos cursos, capacitação de professores,
melhoria de infraestruturas e aquisições. E foram muitas compras.
Levantamento da Fator Corretora aponta que esse grupo de S. A.
realizou 34 operações de fusões e aquisições em 2008,
movimentando R$652,4 milhões e atingindo mais de 146 mil alunos
(MUTO, 2009 apud SGUISSARDI, 2020, p. 119).

Desde esse marco, o processo de aquisições e fusões foi se acelerando, o que


resultou na oligopolização deste setor, ou seja, há uma concentração cada vez maior
da participação percentual no montante de matrículas num número reduzido de
megaempresas privadas e com fins lucrativos. Seki (2021a) qualifica esse processo
como um crescimento inorgânico, pois não foi baseada na fundação de novas
instituições, mas nas aquisições e fusões de entidades já existentes.
Outro marco desse cenário foi quando, na segunda metade dos anos 2010, o
segmento de “serviços educacionais” se tornou um dos mais lucrativos dentre aqueles
que compõem os subsetores dos dez setores de empresas listadas na BM&FBovespa
(SGUISSARDI, 2020).
Portanto não é casual que anos depois, mais especificamente no ano de 2017,
apenas dez oligopólios educacionais dominassem aproximadamente 43% do total de
matrículas do setor privado, o que correspondia a cerca de mais de 2,5 milhões de
estudantes. Os primeiros cinco grupos desta lista – Kroton, Estácio de Sá, Unip,
Laureate e Ser Educacional – no mesmo ano concentravam mais estudantes que
todas as IES públicas (SEKI, 2021a).
O que queremos destacar a partir dessa configuração do ensino superior
brasileiro que cada vez mais torna-se permeado pela financeirização é que este
processo não resulta apenas em uma simples mudança da natureza das instituições.
A forte penetração de capitais financeiros nacionais e estrangeiros neste nível de

103BM&FBovespa é fruto da fusão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) com a Bolsa Mercantil
e de Futuros e é por meio desta que funciona o mercado acionário brasileiro.
126
ensino implica em formatar, inclusive, um novo modelo educacional que esteja mais
sintonizado com os interesses capitalistas em sua busca incessante por maiores
lucros. Ou seja, a educação é transformada numa mercadoria como outra qualquer e,
portanto, o funcionamento das instituições é direcionado para atender as
necessidades mais imediatas do mercado. Nos termos de SEKI (2021a, p. 52-3),
a preocupação não é com a dimensão do conhecimento humano, mas com
os custos envolvidos na captação e retenção do alunado; nem com a
capacidade formativa dos docentes, mas com seus impactos nas folhas de
pagamentos. Os projetos político pedagógicos dos cursos não estão em
questão, mas suas adequações ao menor tempo de formação admitido na
forma da lei e a taxa média de mensalidades que cada um dos cursos pode
gerar para as IES. As IES, então, aparecem cada dia mais com espaços de
fábricas, inclusive, naquilo que a subsunção real do trabalho diante do capital
significa em termos de alienação dos trabalhadores das funções intelectuais
envolvidas na realização em si da atividade profissional.

Desse modo, tal como nos alerta Seki (2021a), os impactos da financeirização
para educação superior podem ser de longo alcance, caso aqueles que defendem a
educação pública não travem embates necessários para reverter essa lógica. Cabe
ainda destacar que essa lógica privatista tende a não ficar restrita às entidades
privado- mercantis, ainda mais com a predominância dos oligopólios educacionais.
Nesse cenário, as universidades públicas também são pressionadas a alterar seus
currículos e a ajustar a produtividade e o conteúdo de sua produção de
conhecimento às necessidades mais imediatas do mercado. Assim, o processo de
financeirização da educação brasileira vai assumindo grandes proporções, tendendo
cada vez mais a se aprofundar e ocupar todos os espaços (públicos ou privados) que
forem possíveis.
Como foi possível observar, houve um crescimento exponencial das vagas nas
entidades privadas, com forte atuação do capital financeiro nacional e internacional –
na figura dos bancos e fundos de investimentos –, portanto, as referidas vagas
necessitavam ser ocupadas. Desse modo, não é uma mera coincidência que no
mesmo período, para além da privatização interna das universidades públicas e
manutenção de seu desfinanciamento, tenhamos assistido no bojo de medidas da
contrarreforma da educação superior brasileiro a absorção de vagas do setor privado,
propiciado pelo Fies desde os anos 1990 e pelo Prouni e expansão do EAD, a partir
de meados dos anos 2000. Esses mecanismos proporcionaram um maior acesso de
estudantes das camadas mais populares ao ensino superior, porém, em sua maioria,
a instituições de qualidade duvidosa e de caráter não universitário.
127
Para Seki (2021a, p. 61),
essas políticas, ao se vincularem a uma face social, na realidade permitiram
incorporações de dívidas privadas, a securitização das mantenedoras, a
redução do risco financeiro dos grandes capitais de ensino, a ampliação das
matrículas por meio de endividamento estudantil e transferências de riquezas
públicas para o fundo de acumulação privado pelos grandes capitais.

Desse modo, em suma, o que se configura como elemento novo nesse cenário
é a coexistência de dois aspectos:
1) De um lado, houve o crescimento vertiginoso da destinação de
parcelas do fundo público para as entidades privadas (via Prouni, Fies e EAD),
sobretudo as de caráter não universitário, que no cenário atual estão permeadas
fortemente pela lógica da financeirização ou, nos termos de Leher e Tavares (2016),
contribuem para materializar uma mercantilização de novo tipo. Com isso, é mantido
o histórico promíscuo da relação do Estado com tais entidades que, desde fins dos
anos 1990, tendem a ser representadas pela figura de oligopólios educacionais que
estão intimamente atrelados aos bancos e fundos de investimentos nacionais e
estrangeiros (LIMA, K, 2011; CISLAGHI e SILVA, 2012; LEHER e TAVARES, 2016;
VALE, 2017; SEKI, 2021a).
2) Por outro lado, houve a expansão das universidades públicas (com
ritmo e crescimento menor, se comparada às entidades privadas) proporcionada
pelo Reuni, o que ocorreu sem a devida ampliação dos recursos orçamentários. Ou
seja, o (des)financiamento histórico destas instituições foi desconsiderado, o que
implica em déficits de pessoal, insuficiência de políticas de permanência,
sucateamento das estruturas físicas das universidades e precarização das condições
de trabalho (LIMA, K, 2011; CISLAGHI, 2010; SGUISSARDI, 2020). Porém, em
nosso entendimento, mesmo como todos os seus limites, ainda assim é possível
caracterizar o Reuni como uma contratendência. Em um cenário marcado fortemente
pela financeirização da educação superior, este foi um mecanismo adotado pelo
Estado brasileiro que proporcionou um certo fôlego às universidades federais, com
crescimento da rede e ampliação do ingresso de estudantes oriundos dos diferentes
estratos da classe trabalhadora104 a uma educação de caráter universitário – ainda

104Para alguns segmentos da classe média esse maior acesso de estudantes provenientes das classes
mais populares às universidades públicas, na verdade, causa ojeriza ao governo de Lula da Silva, pois
seus lugares de privilégio passam a ser ocupados/contestados. Esse é um dos elementos que,
posteriormente, contribuíram com a formação de um caldo político e ideológico que sustenta o ódio ao
Partido dos Trabalhadores e que terá como um dos desdobramentos o golpe de Estado de 2016, no
128
que se possa fazer ponderações em relação aos cursos que mais absorveram esse
segmento específico, bem como suas condições de acesso e permanência105.
Assim, a seguir iremos nos deter na análise dos dois aspectos enunciados que,
em nosso entendimento, deita suas raízes em processos iniciados desde os anos
1990, mas que adquirem um novo patamar a partir da década seguinte. Com isso
queremos dizer que, embora nosso foco nesse momento esteja mais direcionado ao
período dos mandatos de Lula da Silva, a configuração assumida pela educação
superior nesse cenário é fruto de um projeto que não foi gestado exclusivamente por
este governo. Pelo contrário, é resultado das iniciativas e estratégias adotadas pelo
Estado nos sucessivos governos desde os anos 1990, obviamente com ênfases
distintas, no intuito de atender os diferentes interesses de classe em disputa.
Desse modo, num primeiro momento iremos nos debruçar sobre o que
concebemos como principais mecanismos de materialização do primeiro aspecto
(Fies, Prouni e EAD). E, posteriormente, nos dedicaremos a uma análise do segundo
aspecto, ou seja, nosso empenho será orientado a realizar uma aproximação com os
elementos contraditórios presentes na implementação do Reuni.
Conforme vimos, o Fies não é um programa criado no governo do presidente
Lula da Silva106, mas, é mantido e reformulado, sendo alvo de um conjunto de
alterações editadas por meio de decretos, portarias e resoluções. Ao longo dos anos,
cada vez mais sua participação no total das matrículas privadas foi se ampliando e
ocupando um espaço relevante na origem dos lucros das empresas educacionais
oligopolizadas. Sguissardi (2020) indica, com base em uma reportagem veiculada em
maio/2013 no IG São Paulo, que o Fies representava 40% da renda da Kroton e da
Anhanguera Educacional, isso antes da fusão desses dois conglomerados.
Para além da qualidade duvidosa da educação ofertada aos estudantes
oriundos das classes trabalhadoras, já que as entidades privadas em geral não
possuíam um caráter universitário, cabe-nos empreender uma crítica ao processo de
endividamento dos estudantes107. Por meio do Fies promove-se um acesso a uma

qual Michel Temer assume como presidente ilegítimo, e depois as disputas eleitorais de 2018 que
resultam num governo altamente regressivo de Jair Bolsonaro.
105 Cf. Sguissardi, 2020.
106 Conforme vimos, a origem do Fies remonta ao período ditatorial com o Creduc e assume a forma

atual no primeiro ano do segundo mandato do presidente FHC.


107 Kowalski (2012), ao analisar a trajetória da política de assistência estudantil em seu trabalho

doutoral, identifica o Prouni e o Fies como programas que materializam ações governamentais
129
formação de nível superior, em geral, de qualidade duvidosa e que não
necessariamente vai se refletir em sua futura inserção no mercado de trabalho. Com
isso, não há garantias de que o estudante terá uma condição que lhe proporcione os
meios necessários para sua sobrevivência e, ainda, para o saneamento da dívida
adquirida ao longo de sua trajetória acadêmica.
O Prouni foi instituído ainda no primeiro mandato do presidente Lula da Silva,
por meio da Lei Federal n. 11.096/2005, que estabelecia a concessão de bolsas de
estudo integrais ou parciais para alunos com renda per capita máxima de três salários-
mínimos. Com isso, buscava-se possibilitar o ingresso dos referidos estudantes em
cursos presenciais de graduação nas instituições privadas de nível superior em troca
de isenção fiscal, além das já existentes para as diferentes modalidades entidades.
Entidades filantrópicas, que já tinham isenção, foram obrigadas a participar
do programa com 20% da receita em atividades assistenciais, 20% em bolsas
integrais e 20% em bolsas de qualquer modalidade. Entidades sem fins
lucrativos que já tinham isenção de imposto de renda e Contribuição sobre o
Lucro Líquido (CSLL) passam a ter isenção de Cofins [Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social] e PIS [Programa de Integração Social],
oferecendo 10% de bolsas, sendo 5% integrais e 5% parciais. Entidades com
fins lucrativos também podem ter isenções fiscais se participarem do
programa com as mesmas isenções, Cofins, PIS, CSLL e imposto de renda,
e a mesma cota de bolsas, 5% de integral e 5% parcial, das entidades sem
fins lucrativos. Isso significaria em 2005, segundo o MEC, 250 milhões em
isenção fiscal, caso todas as instituições privadas aderissem ao Prouni
(CISLAGHI, 2010, p. 133).

Há um elenco de críticas que podem ser direcionadas ao programa em tela.


Dentre elas, podemos destacar, primeiramente, uma certa complacência do governo
federal em relação a essas entidades privadas que acumulavam dívidas exorbitantes
com a Receita Federal que, em 2007, estavam na ordem de 12 bilhões.
Nas disputas em torno do fundo público, aqui é possível observar um
privilegiamento direto do capital. Além de renunciar à arrecadação de tributos que
iriam compor diretamente o orçamento da seguridade social, o governo era bastante
leniente quando se tratava da cobrança das dívidas acumuladas pelas instituições
privadas, mesmo estas sendo obrigadas a comprovar no ato da adesão ao Prouni sua

destinadas à permanência, no sentido de financiar as mensalidades dos cursos durante a trajetória


acadêmica do estudante. No entanto, discordamos profundamente desta análise, pois como a própria
autora ressalta, não constam como preocupações centrais nos referidos programas o conjunto de
condições necessárias para manutenção das atividades diárias durante a formação estudantil. Além
disso, o financiamento das mensalidades, conforme vimos, caso se configure como um tipo de
assistência, é uma assistência dirigida às entidades privadas no sentido de absorver e ocupar suas
vagas ociosas. Ou melhor dizendo, é uma garantia à rentabilidade do capital que atua nesse nicho
lucrativo da educação superior.
130
adimplência em relação aos tributos federais.
Outro elemento de crítica reside na possibilidade de revalidação pelo MEC de
certificados de filantropia que tinham sido cassados pelo Conselho Nacional de
Assistência Social por não aplicarem a previsão legal de 20% de sua receita em ações
assistenciais. A fiscalização do referido procedimento passaria para a
responsabilidade do MEC sem que este órgão dispusesse dos profissionais
competentes para tal (auditores ou fiscais).
Por fim, mas não menos importante, tratava-se da oferta de um ensino de
qualidade duvidosa que, inclusive, não era obrigado a estar assentado na
indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão, para estudantes provenientes das
classes trabalhadoras.
Leher (2019) destaca que o governo de Lula da Silva, no intuito de apoiar a
expansão do mercado privado de educação superior, fez uma espécie de dobradinha
com os dois programas supracitados. Na figura do MEC, houve uma priorização das
instituições que integravam o Prouni no acesso aos recursos do Fies. Além disso, os
estudantes que possuíam bolsas parciais de 50%, poderiam ter o restante da
mensalidade custeado com recursos do Fies.
A partir do ano de 2010, o Fies foi redimensionado em alguns pontos.
Primeiramente, passou a ser subordinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) e a taxa de juros que antes era referenciada pela taxa Selic decaiu
para 3,4% ao ano, o que impôs ao Estado a necessidade de realizar um maior aporte
de recursos para subsidiar a diferença entre as referidas taxas (LEHER, 2019). O
referido percentual da taxa de juros se manteve até o ano de 2015, quando, diante
da crise, foi ampliado para 6,5% ao ano.
Ademais, houve uma ampliação do público-alvo mediante a elevação do corte
de renda para o ingresso no referido programa. Nesse sentido, algumas frações da
classe média também passaram a ser incorporadas. Leher (2019), ainda nos alerta
que, no ano de 2009, foi instalada a possibilidade de inserção no Fies sem o
cumprimento da exigência de fiador para efetivação do empréstimo. Isso possível
graças ao estabelecimento de garantias pelo próprio Estado, a partir da criação do
Fundo de Garanta de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), com lastro no
Tesouro Nacional e administração pelo Banco do Brasil.
Desse modo,
131
o Fies [passa a ser] operacionalizado pelo processo de emissão e recompra
de títulos público (CFT-E) emitidos pela Secretaria do Tesouro Nacional
(STN). O próprio Fies além de subsidiar a financeirização, está, ele mesmo,
nela inserido (capital fictício). O agente operador (FNDE) repassa às
instituições de ensino superior títulos (CFT-E) correspondentes às matrículas
vendidas ao Fies, títulos que inicialmente devem ser utilizados pelas
mantenedoras no pagamento de débitos de caráter previdenciário ou de
tributos federais. O FNDE, por sua vez, repassa à STN recursos financeiros
equivalentes ao valor dos títulos emitidos. Como as instituições privadas
lograram fortes isenções tributárias, por meio do Prouni, “sobram” muitos
títulos que igualmente são recomprados pelo FNDE (LEHER, 2019, p. 171).

Aqui, cabe reforçar as relações entre os dois programas supracitados, pois


estabelece-se um duplo favorecimento das entidades privadas que aderiram ao
Prouni. Primeiro, porque eram contempladas com um conjunto de isenções tributárias.
E, segundo, justamente por quase não terem tributos a serem quitados, abriu-se a
possibilidade de “venda” com correção monetária de seus títulos públicos. Nesse
enredo, o fundo público assume um papel central no sentido de viabilizar e intensificar
os fluxos financeiros no mercado de educação superior (LEHER, 2019). Assim,
concordamos com a análise de Cislaghi (2010), quando explicita que todo este arranjo
se mostrou um grande negócio para os empresários da educação108.
Assim, embora o Fies e o Prouni façam parte do conjunto de medidas que visam
promover a democratização do acesso ao ensino superior, é importante ressaltar mais
uma vez o caráter de classe do Estado, pois pela mesma via os interesses dos grupos
privados educacionais, agora oligopolizados, são privilegiados.
Conforme vimos no primeiro capítulo, o Estado constantemente assume
funções que visam garantir as condições gerais de reprodução capitalista e aqui se
inclui o socorro em momentos de crise bem como a abertura de novos nichos
lucrativos para o grande capital via execução das políticas sociais, o que tem sido
exemplar no caso da educação superior.
Tal como nos indica Sguissardi (2020, p. 86):
Em face de um Estado que tem proclamado, ao menos desde a CF 88, o
princípio da universalização da ES [educação superior], uma política de
caráter focal como o Prouni tem sido reivindicada especialmente pelos
representantes das IES particulares com fins lucrativos ou privado-mercantis
às voltas com sucessivas crises financeiras, em razão da baixa demanda e
de altas taxas de inadimplência estudantil.

108 “Em termo de impacto em 2006 o Prouni representava um acréscimo de 61,3% das vagas custeadas
pelo governo federal (considerando as vagas das Ifes). No entanto, os 138.668 bolsistas parciais e
integrais do Prouni representavam, naquele ano, apenas 3% do alunado total do ensino superior”
(CISLAGHI, 2010, p. 134).
132
Outra vertente que favoreceu o aprofundamento do empresariamento e da
financeirização da educação superior brasileira e se insere no bojo do primeiro
aspecto é o avanço da modalidade EAD. Para além da expansão da educação
superior, por meio da graduação presencial, foi adquirindo cada vez mais espaço e
relevância a modalidade de ensino à distância.
Nesse modelo, a ideia era proporcionar os processos de aprendizagem
mediados pelo uso de tecnologias de informação e comunicação sem que houvesse
a permanência de estudantes e professores desenvolvendo atividades
simultaneamente no mesmo tempo e espaço (SGUISSARDI, 2020).
Sguissardi (2020) e Cislaghi (2010) nos apresentam alguns marcos temporais
e legais que pavimentaram o caminho para consolidação desta modalidade de ensino:
• 1979: criação de cursos veiculados por jornais e revistas pela
Universidade Federal de Brasília (UNB) que 10 anos depois deram origem ao Centro
de Educação Aberta, Continuada, a Distância (Cead) e lançamento do Brasil EAD;
• 1996: criação da Secretaria de Educação a Distância (Seed) pelo MEC
(foi extinta em 2011) e previsão na LDB do estímulo ao EAD para todos os níveis de
ensino, por meio de seu art. 80;
• 1998: regulamentação do art. 80 da LDB pelo Decreto n. 2.494/98;
• 2000: criação da Rede de Educação Superior a Distância (Unirede),
composta por aproximadamente 70 instituições públicas;
• 2001: publicação pelo MEC da portaria n. 2.253 que autorizava o
cumprimento de até 20% da carga horária obrigatória do cursos regulares
presenciais pela modalidade EAD nas instituições de ensino superior;
• edição da Resolução CES/CNE n. 1 que permitiu a abertura de
cursos de pós-graduação strictu sensu na modalidade EAD;
• 2005: criação da UAB, firmando a parceria do MEC com estados e
municípios na oferta de cursos e programas na modalidade EAD, além de promover
o financiamento de pesquisas na área;
• regulamentação do art. 8º da LDB pelo Decreto n. 5.622/2005,
estipulando a obrigatoriedade de previsão de momentos presenciais no âmbito da
metodologia dos cursos e, também, a especificação de que na educação superior
esta modalidade de ensino poderia ser empregada em cursos e programas
sequenciais, de graduação, especialização, mestrado e doutorado;
133
• 2006: definição das condições para credenciamento específico dos
cursos EAD e uma série de novas normas relativas à avaliação, regulação e
supervisão;
• 2007: instituição dos dispositivos mais recentes que regem a EAD, seja
na graduação ou pós-graduação nacional e alteração dos Decretos n. 5.622/2005 e
7.773/2006, por meio do Decreto 6.303;
• 2011: criação da Rede E-Tec Brasil que surgiu mais direcionada ao
desenvolvimento da modalidade EAD na Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, ou seja, os Institutos Federais e Cefets.
Conforme é possível observar nos marcos temporais e legais supracitados, as
bases para regulamentação dessa modalidade de ensino já estavam postas desde a
aprovação da LDB em 1996, no governo de FHC, quando em seu art. 80 estava
previsto seu estímulo em todos os níveis de ensino (SGUISSARDI, 2020). Além disso,
houve uma regulamentação do referido art. 80 ainda no mesmo governo, por meio do
Decreto n. 2.494/98. Nesse sentido, o governo de Lula da Silva não criou, mas
reforçou a referida base, proporcionando a viabilidade desta modalidade de ensino
por meio do Decreto n. 5.622/2005, publicado em seu primeiro mandato.
Segundo Cislaghi (2010), até meados dos anos 1990, essa modalidade de
ensino era destinada à oferta de cursos profissionalizantes ou complementações de
estudos. Para Tonegutti (apud CISLAGHI, 2010), a origem dessa oferta de ensino
estava atrelada às dificuldades da sociedade em geral para acesso à educação
presencial, sobretudo, os adultos inseridos no mercado de trabalho ou aqueles
mergulhados em afazeres domésticos.
Logo no início dos anos 2000, outra medida que integra o favorecimento da
expansão da EAD, foi a conformação de consórcios entre as universidades, na qual
destaca-se a experiência do Consórcio de Ensino à Distância do Estado do Rio de
Janeiro (Cederj), centrada na oferta de cursos de licenciatura na referida modalidade
(CISLAGHI, 2010).
Conforme é possível perceber, a partir dos marcos explicitados acima, o EAD
surge nas instituições públicas109, mas, no decorrer dos anos, este cenário se altera
significativamente e quem passa a assumir a liderança na oferta dessa modalidade

109A título de exemplo, no ano de 2002, 84,3% das 40 mil vagas vinculadas a esta modalidade se
concentravam nas entidades públicas contra apenas 15,7% nas privadas (SGUISSARDI, 2020).
134
de ensino são as instituições privadas.
[…] [no ano de 2012] as matrículas de EAD nestas IES [privadas] já somavam
83,7% do total ou 932.226 matrículas contra apenas 181.624 das IES
públicas. A taxa de evolução para as matrículas EAD privadas foi de 2.946%
no período contra 404,6% para as públicas. Em relação à soma das
matrículas de EAD em IES públicas e privadas, nesse período, de 11 anos,
verificou-se um crescimento de 1.768,5%, de 40.714 para 1.113.850
matrículas (SGUISSARDI, 2020, p. 147).

Outro aspecto que merece ser ressaltado nessa evolução das matrículas EAD
é que seu crescimento foi muito mais consistente, no período de 2003-2012, do que
aquele observado em relação às matrículas presenciais (78,8% contra 52,4%,
respectivamente) (SGUISSARDI, 2020).
Nosso destaque a esse dado é fundamental, pois nos anos que se seguiram a
tendência que se estabeleceu foi a oferta de vagas na modalidade EAD superar a
presencial. Esta projeção foi confirmada no ano de 2020, a partir de dados do Censo
de Educação Superior do Inep, que identificou o maior número de alunos matriculados
em cursos de graduação EAD (53,4%) do que em presenciais (46,6%)110. Cabe
sublinhar que este ano foi bastante atípico devido à pandemia de Covid 19 que exigiu
medidas de isolamento social, a fim de evitar a propagação do vírus, o que
estabeleceu o ensino remoto provisoriamente em todo o sistema educacional
brasileiro111. No entanto, conforme já indicavam os dados apresentados por
Sguissardi (2020), essa tendência de superação numérica das matrículas EAD em
relação às presenciais já estava posta no horizonte.
Tonegutti (apud CISLAGHI, 2010), tece importantes considerações a respeito
da EAD. Para este autor, essa modalidade de ensino pode ser admissível no acesso
à educação de estudantes mais maduros que possuem dificuldades de horário e

110 O referido dado foi apresentado em matéria publicada pelo portal G1, disponível no seguinte
endereço eletrônico: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/02/18/pela-1a-vez-na-historia-
graduacoes-a-distancia-tem-mais-alunos-novos-do-que-as-presenciais-diz-inep.ghtml>. Acesso em:
30 jan. 2023.
111 É preciso destacar que o ensino remoto e o EAD não devem ser entendidos como sinônimos.

Conforme vimos, há um conjunto de legislações que regulamentam a modalidade EAD no país. Dentre
diversos aspectos, basicamente os cursos vinculados a esta modalidade já nascem com suas
estruturas curriculares e aspectos didático-pedagógicos mediados pelo uso de tecnologias da
informação e comunicação, sem a necessidade de desenvolvimento das atividades no mesmo tempo
e espaço por estudantes e professores. Já o ensino remoto foi adotado, em caráter temporário, diante
das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia de Covid 19 que suspendeu as aulas
presenciais em todo o sistema de ensino. Nesse sentido, praticamente houve uma transposição do
ensino presencial para o ambiente virtual. Os professores foram obrigados a se adaptar e pensar
atividades pedagógicas pontuais, mediadas pelo uso da internet para serem aplicadas nesse contexto.
O intuito era evitar prejuízos maiores para o processo de aprendizagem sem que houvesse a
suspensão completa das atividades de ensino (UFRGS, 2020).
135
consigam estabelecer uma maior autonomia em relação aos hábitos de estudo. Além
disso, poderia ser amplamente utilizado em situações de complementação do ensino
presencial ou disponibilização de cursos de educação continuada. No entanto,
Tonegutti considera ser fundamental para os estudantes mais jovens um
acompanhamento mais direto e próximo dos docentes, a fim de conferir uma formação
de melhor qualidade.
Porém no Brasil, a EAD vem se caracterizando como um dos braços do
conjunto de medidas adotadas pelo Estado brasileiro para contribuir com a expansão
da educação superior no país. Tal intento foi materializado por meio da criação da
UAB, mas, também, com a combinação com outras estratégias estatais para área,
como é o caso de IES privadas que aderiram ao Prouni e Fies112.
De todo o modo, o crescimento desta modalidade de ensino tem implicado
numa maior rentabilidade para as entidades privadas113, inclusive, aquelas que
permeadas pela lógica da financeirização, possuem capital aberto e atuação na bolsa
de valores. Por outro lado, tem implicado no acesso de jovens estudantes
pauperizados que, a princípio não teriam necessidade de acessar esta modalidade de
ensino, a uma formação de qualidade bastante duvidosa.
No que tange ao segundo aspecto que marca o cenário mais recente da
educação superior brasileira, cabe destacar a atenção especial conferida às
universidades federais pelo governo de Lula da Silva que altera relativamente a
trajetória da década de 1990 de forte recrudescimento do orçamento público destinado
a esta política social. Assim, foram estabelecidos os processos de
expansão/reestruturação das Ifes que culminaram na maior capilaridade das
instituições no território nacional114 e na diversificação do corpo estudantil, dentre

112 A título de exemplo, após a fusão dos grandes conglomerados Kroton e Anhanguera Educacional
que deram origem à “nova” Kroton, foi divulgado um Extrato do Comunicado ao Mercado, em julho de
2014, com as seguintes informações a respeito da nova estrutura organizacional: “a) a operação
executada, com aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), do Ministério
da Fazenda, é simultaneamente denominada fusão (“entre as duas empresas), integração (“com a
Anhanguera Educacional”) e incorporação (“de ações da Anhanguera pela Kroton”); b) a principal
atividade da empresa é “entregar serviços educacionais de qualidade em todo o país”; c) os números
são incomuns: 1,5 milhão de alunos nos diversos níveis; 125 campi de ensino superior, em 84
municípios, 726 polos de EAD em 544 municípios, 876 escolas de educação básica e mais de 37 mil
funcionários” (SGUISSARDI, 2020, p. 126, grifos nossos).
113 Esta rentabilidade é proporcionada pela ocupação de vagas que antes estariam ociosas em cursos

de baixo custo e, em geral, de baixa qualidade.


114 Conforme vimos, ao final do segundo mandato do governo de Lula da Silva havia 58 universidades

federais, o que representa o acréscimo de 50% no quantitativo total de Ifes em relação ao período
136
outros aspectos.
Por um lado, essa iniciativa buscou atender aos interesses históricos dos
movimentos sociais em prol da democratização da educação pública, mas, a resposta
elaborada pelo Estado para essa demanda, não deixou de estar sintonizada com os
interesses do grande capital financeirizado no tempo recente.
Nesse sentido, a experiência do Reuni é bastante exemplar, pois visava criar
condições de ampliação de acesso e permanência no ensino superior, racionalizar os
gastos e otimizar as estruturas físicas e recursos humanos já existentes nas
universidades, tendo por objetivo a redução dos índices de evasão estudantil
(CISLAGHI e SILVA, 2012).
Embora o Reuni possa se caracterizar como um ponto de inflexão do governo
de Lula da Silva em relação ao de FHC, justamente por ter proporcionado uma
expansão da educação superior também pela via das universidades federais, há que
se destacar a persistência de alguns elementos de continuidade nesse cenário.
Referimo-nos à privatização interna das universidades públicas, a manutenção
dos processos de sucateamento e precarização das estruturas, intensificação das
condições de trabalho da força empregada pelo Estado, crescimento vegetativo do
financiamento da política. Além disso, conforme discorremos no primeiro aspecto,
grandes parcelas do fundo público foram destinadas às instituições privadas que
nesse cenário estão condensadas na figura dos oligopólios educacionais. Por fim,
havia a ausência das condições de permanência nas universidades federais que
correspondessem à complexidade de demandas postas pelos estudantes.
No início do primeiro mandato do presidente Lula da Silva, o MEC lançou um
documento “Reafirmando princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação
superior” que expressava os anseios em relação às ações a serem realizadas pelo
governo federal, ou seja, tratava-se do conjunto de propostas que visavam
materializar a contrarreforma no referido nível de ensino. Dentre os diversos
aspectos que podem ser criticados no referido documento, conferimos um especial
destaque à continuidade da concepção contida do PDRE do processo de
publicização, ou seja, da priorização de parcerias público-privadas e da atuação do

anterior. Além disso, o quantitativo de municípios atendidos passou de 114 no ano de 2003 para 230
no ano 2011, o que expressa uma maior capilaridade das universidades federais no território nacional
(FONAPRACE, 2011).
137
Estado restrita à regulação da economia (CISLAGHI, 2010; SGUISSARDI, 2020).
Nesse momento, já se vislumbrava o crescimento das vagas no ensino
superior, com base na meta estipulada de matrículas no PNE, no entanto, sem
referência a discussões sobre ampliação de recursos nas universidades públicas.
Com isso, já se abria caminho para as iniciativas que foram adotadas: Prouni,
expansão do Fies e EAD. Além disso, no referido documento, já constava uma
proposta que feria a autonomia universitária e se materializou por meio do Reuni:
“elaboração de Planos de Desenvolvimento e Gestão nas Ifes, que estariam atrelados
a aportes de recursos” (CISLAGHI, 2010, p. 113, grifos nossos).
No ano de 2004, foi entregue o Anteprojeto da Lei de Educação Superior à
Câmara Legislativa Federal, que contou com os seguintes atores em sua elaboração:
comunidade acadêmica, entidades da sociedade organizada – e aqui se inclui a União
Nacional dos Estudantes (UNE) –, lideranças sociais, intelectuais e políticas, técnicos
e especialistas do campo da educação. Na avaliação da UNE, tal proposta merecia
ressalvas, no entanto, alguns pontos presentes na sua versão final motivaram a
defesa pela entidade:
a incorporação da assistência estudantil ao projeto; a regulamentação de
prazo mínimo de 120 dias para a divulgação de reajustes nas mensalidades
das universidades privadas; a limitação da entrada de capital estrangeiro nas
universidades a no máximo 30%; a sub-vinculação de 75% do orçamento
federal da educação para as universidades federais; a autonomia dessas
instituições; o fim da lista tríplice para escolha do reitor, entre outras (UNE,
2006a, p. 19).

Embora fosse louvável a inclusão da temática de assistência estudantil no teor


do anteprojeto da reforma do ensino superior, pois até então inexistia qualquer tipo de
regulamentação nesse sentido, não foi forjada a constituição de uma política nacional
com a envergadura exigida pelas demandas estudantis já existentes e aquelas que
surgiriam a partir dos processos de expansão das Ifes. Cabe destacar que tal inclusão
da referida pauta foi fruto de uma emenda apresentada pela UNE.
A primeira menção no documento a este tema estava na previsão de que as
Ifes deveriam incluir as metas e objetivos para esta importante área, em seus planos
quinquenais de Desenvolvimento Institucional (MEC, 2005). Já a segunda menção,
ocorreu numa seção específica que também contemplou medidas de democratização
do acesso às universidades. No que tange à assistência estudantil, conforme
mencionamos, não se pôs no horizonte a conformação de uma política nacional com

138
princípios, diretrizes, objetivos e fontes de custeio das ações bem definidos para que
contribuíssem com a sua estruturação no conjunto das Ifes.
Algumas áreas de atuação115 da política de assistência estudantil
posteriormente incorporadas no Decreto Pnaes, já foram mencionadas no referido
documento, no entanto, o financiamento das ações estava aquém da necessidade dos
estudantes. A proposta previa que as Ifes deveriam destinar pelo menos 9%116 de sua
verba de custeio para ações correspondentes a esta área (MEC, 2005), ou seja,
inexistia a ideia de composição de uma rubrica específica para a política em amplitude
nacional. Além disso, recorrer à parcela de recursos do custeio, mesmo prevendo a
ampliação dos recursos destinados às Ifes, era desconsiderar todo o processo de
desfinanciamento a que foram submetidas as universidades públicas de modo
aprofundado nos anos 1990 e que ainda se mantinha naquele período. Desse modo,
era de se esperar que a assistência estudantil, prevista no referido documento,
estaria aquém das demandas estudantis por condições de permanência.
A UNE avaliava a questão do financiamento como algo central na proposta de
reforma da educação superior e que seria alvo de grandes resistências no Congresso
Nacional. Outra questão polêmica seria a discussão relativa à regulamentação do
ensino superior privado que mediante às pressões do lobby dos donos das instituições
privadas de ensino foram sendo minimizados até chegar na versão final do documento
(UNE, 2006a).
No ano de 2006, foi enviado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) n.
7.200/2006 que expressava a contrarreforma da educação universitária proposta pelo
governo de Lula da Silva. No entanto, além de não promover grandes rupturas com o
ciclo anterior do governo de FHC, também estava contaminado pela influência do BM
em vários aspectos. Cislaghi sintetiza os elementos contidos em tal proposta:
diversificação das instituições de ensino superior, a diluição das fronteiras
entre público e privado sintetizadas na ideia de público não-estatal, a
desregulamentação do setor privado e a redução do papel do Estado como
executor. Além disso, abre o ensino superior brasileiro ao capital
estrangeiro, reforça a EAD como modalidade de ensino na graduação e na
pós-graduação stricto sensu e mantém a centralidade dos critérios de
produtividade. O conceito de ensino passa a se restringir à graduação e à

115 Dentre elas estão: bolsas de fomento à formação acadêmico-científica e à participação em


atividades de extensão; moradia e restaurantes estudantis e programas de inclusão digital; auxílio
transporte e assistência à saúde; e apoio à participação em eventos científicos, culturais e esportivos,
bem como de representação estudantil nos colegiados institucionais (MEC, 2005).
116 Por considerar insuficiente este percentual, a UNE apresentou uma emenda sugerindo a ampliação

para 14% (UNE, 2006b).


139
pós-graduação stricto sensu, tornando a obrigatoriedade da gratuidade nas
instituições públicas restritas a esses níveis, o que institucionaliza
definitivamente os já pagos cursos de extensão e pós-graduação lato sensu
que se tornarão oficialmente fonte de arrecadação de recursos. Na mesma
medida, referenda e aprofunda o papel das fundações de apoio como
mecanismo de privatização interna nas Instituições Federais de Ensino
Superior (Ifes) (2010, p. 114, grifos nossos).

Estrategicamente, era importante ganhar a adesão dos estudantes a esta


proposta e, para tanto, foram incluídas a implementação da reserva de vagas para
egressos de escolas públicas, negros e indígenas. Além disso, havia a previsão de
destinação de 9% do orçamento das Ifes para a política de assistência estudantil, o
que na avaliação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (Andes) era um valor tão irrisório que não seria possível nem financiar os
bandejões (CISLAGHI, 2010).
Porém, mesmo com este cenário, o apoio da UNE, maior entidade
representativa deste segmento, foi obtido. Conforme será possível observar no item
2.4, no qual mergulharemos brevemente na trajetória desta organização e nas suas
demandas postas por condições de permanência, quando se trata do governo federal
de Lula da Silva, as análises e críticas desta vertente do movimento estudantil não
eram tão incisivas.
Na análise de Cislaghi (2010), a diretoria da entidade era composta
majoritariamente por estudantes vinculados a um partido da base governista (Partido
Comunista do Brasil - PC do B) e, por esse motivo, havia uma postura mais de diálogo
do que de enfrentamento117. Além disso, Mourão e Júnior (2010), nos apresentam
dados de 2003 a 2010 que indicam um forte aparelhamento desta entidade pelo
governo Lula. No referido período, o montante de recursos repassados para a UNE,
por meio de ministérios e secretarias, atingiu 12,9 milhões de reais, o que
correspondeu a um valor 11 vezes a mais do que aquele recebido pela entidade nos
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Desse modo, acredita-se que esses
dois elementos – composição da base governista e aparelhamento da entidade –
contribuíram com seu processo de cooptação pelo governo de Lula da Silva.
Para a UNE, a proposta encaminhada pelo governo contemplava muitos de
seus anseios em defesa das universidades públicas e as disputas se dariam apenas

117Tal postura da UNE, além de outros aspectos que serão abordados no item 2.4, na nossa avaliação,
contribuíram para que muitos estudantes vinculados a outras vertentes do movimento estudantil não a
identificassem com sua entidade representativa.
140
em torno das emendas, as quais eram objeto de interesse dos empresários da
educação. No entanto, Leher (2005b apud CISLAGHI, 2010), em sua análise, alerta-
nos sobre a ausência de divergências entre a proposta enviada pelo governo e os
interesses dos empresários da educação, pois tal proposta não significava uma plena
defesa e fortalecimento das universidades públicas.
Como a proposta em tela ficou paralisada no Congresso Nacional, o governo
federal se valeu da estratégia de propor um conjunto de medidas de contrarreforma
da educação superior que lá estavam contempladas, mas de forma fragmentada.
Nesse sentido, no ano de 2007, foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), condensado em programas, decretos, resoluções e portarias, a fim de alcançar
as metas definidas pelo PNE e materializar alguns aspectos previstos desde a CF
88118.
O que merece total destaque é que o PDE não foi construído a partir de um
diálogo com os setores organizados da sociedade que atuam em defesa da educação
pública, mas, sim com o apoio do movimento “Todos pela educação”. Este último é
composto por vários grupos econômicos brasileiros vinculados aos maiores bancos –
Itaú, Unibanco, Real e Bradesco – e às grandes empresas – Odebrecht, Gerdau,
Camargo Corrêa e Suzano, ou seja, ao setor financeiro do capital.
Desse modo, sendo um plano forjado sob forte influência desses grupos
privados do grande capital, não nos parece haver dúvidas sobre o conteúdo que
orienta o PDE, bem como quais os interesses seriam privilegiados em primeiro plano.
Cabe-nos nos recordar sobre uma das preocupações do BM em relação à pobreza
interferir na conformação de um ambiente favorável aos negócios. Desse modo, nesse
momento, a educação é tomada como uma potência no combate à pobreza, no
sentido de aliviar as tensões decorrentes do desemprego estrutural (LEHER, 1999;
CISLAGHI, 2010).
Nos princípios do PDE é possível observar um conjunto de mecanismos que
materializa a contrarreforma da educação superior brasileira no governo de Lula da
Silva e, consequentemente, contribuiu com a financeirização deste setor:
a) expansão da oferta de vagas; b) garantia de qualidade; c) promoção da
inclusão social; d) ordenação territorial; e) desenvolvimento científico-
tecnológico. Os programas relativos ao ensino superior são: o Reuni, lançado

118
Naquela ocasião foi alardeado pelo MEC como a medida do governo federal mais importante do
campo da educação (UNE, 2007).
141
quase concomitante com o PDE; o Programa Universidade para Todos
(Prouni), programa de crédito educativo que foi somado ao Programa de
Financiamento Estudantil (Fies), já em vigência desde 2005; o Sistema
Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), programa de avaliação
vigente desde 2004; a Universidade Aberta do Brasil (UAB), programa de
ensino à distância criado em 2005; o Plano Nacional de Assistência Estudantil
(Pnaes), só implementado em 2008 [como portaria do MEC e somente em
2010 na forma de Decreto do governo federal]; além de outros referentes à
extensão, à pesquisa e à pós-graduação. No bojo do PDE, também foi criado
o banco de professores equivalentes, por meio dos decretos interministeriais
n. 22/07 e n. 224/07 (CISLAGHI, 2010, p. 116).

A UNE apresentava algumas ressalvas em relação ao PDE que também eram


compartilhadas com outras entidades organizativas (União Brasileira de Estudantes
Secundaristas, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Ensino, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Federação de
Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino
Superior Públicas do Brasil - Fasubra). A referida medida não foi precedida pela
realização de debates democráticos públicos com os atores políticos interessados, o
que tensiona a expectativa inicial de um diálogo mais aberto com o governo de Lula
da Silva. Além disso, o PDE promovia certa fragmentação das políticas previstas e
inexistia qualquer referência sobre a origem dos recursos orçamentários que
viabilizariam os projetos. Por fim, havia a preocupação específica em relação ao
ensino superior, pois o Plano poderia dificultar ou retardar o processo de tramitação
do projeto de Reforma Universitária no Congresso Nacional (UNE, 2007).
Ainda assim, de modo contraditório, na avaliação da UNE, havia alguns pontos
positivos119 no PDE:
• Duplicação de vagas no ensino superior no prazo de 10 anos – para
recebimento de recursos adicionais para a referida expansão, as universidades
deveriam apresentar projetos de reestruturação que incluíssem o aumento das
vagas, mas também medidas como aumento ou abertura de cursos noturnos,
redução dos custos por aluno e criação de novas arquiteturas curriculares e ações
de combate à evasão – processo que seria viabilizado pelo Reuni;
• Articulação do Fies com o Prouni, permitindo o financiamento de 100% das

119Cabe considerar que há concordância apenas com o primeiro e terceiro pontos indicados pela UNE
como positivos, em função de seu alinhamento com o que denominamos como uma contratendência
contida na proposta do Reuni, tanto por prever a ampliação das vagas nas universidades públicas
quanto por vislumbrar, em certa medida, o quadro de servidores. Em nossa avaliação, no segundo
ponto há um reforço a tendência geral de aprofundamento do empresariamento e financeirização da
educação superior.
142
bolsas deste último que até então eram parciais. Além disso, aumentaria o prazo
para o estudante quitar o empréstimo do Fies após o término de sua formação.
• Autorização para contratação de professores e técnico-administrativos nas
universidades federais por meio de um projeto de lei que criava 2,8 mil novos cargos
de docentes e cinco mil novos cargos de técnicos.
Para a entidade, as medidas supracitadas eram uma forma de materializar a
democratização do acesso e ampliação das vagas nas Ifes. Considerava ainda que
muitos pontos poderiam ser melhorados, mas, ao mesmo tempo, temia as resistências
que o PDE poderia sofrer em sua implantação, até mesmo dentro do próprio governo.
Nesse ponto, sem muita ênfase, a entidade reforçou que sem a mudança nos rumos
da política econômica adotada, que ainda priorizava o superávit primário em
detrimento do investimento das políticas sociais, muitos aspectos do Plano teriam
dificuldade de se materializar (UNE, 2007).
A par dessas considerações, outro aspecto crítico no PDE era a ausência de
uma política específica para assistência estudantil. Para a UNE, era imprescindível
tratar desse tema no Plano já que se previa a expansão das vagas. Ou seja, não
bastava garantir o maior acesso de jovens das camadas populares à universidade se
não fossem garantidas simultaneamente suas condições de permanência. Nos termos
da entidade, “o apoio ao estudante é tão importante para sua boa formação quanto a
qualidade do ensino e a democratização do acesso” (UNE, 2007, p. 24).
Houve também resistência a essas medidas por meio da Frente de Luta Contra
a Reforma Universitária que congregava entidades organizativas vinculadas à
comunidade universitária120, a qual tinha como uma das grandes críticas a expansão
precarizada que seria operada pelo governo federal. No entanto, este movimento não
conseguiu impedir o avanço de todas as medidas propostas (CISLAGHI, 2010;
SGUISSARDI, 2020).
Nesse cenário também houve a reorganização e expansão da Rede Federal de

120Um dos temores da comunidade universitária organizada que resistiu à implementação do Reuni
era a tendência de precarização e intensificação das condições de trabalho, pois não havia uma
previsão de crescimento da força de trabalho empregada nas universidades (docentes e técnico-
administrativos) na mesma proporção que a expansão das vagas. Pelo contrário, havia uma previsão
de que a relação professor aluno atingisse a meta de 1/18 e em relação aos técnico-administrativos
não havia nem sequer alguma projeção numérica. No caso dos estudantes que compunham este
movimento, tratava-se daqueles vinculados ao que consideravam como movimento estudantil
independente, a Conlute, tal como consta em matéria publicada por Diego Cruz no sítio eletrônico do
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (CRUZ, 2007a).
143
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, sendo a Lei Federal 11.892/2008121
um marco para uma nova “institucionalidade e engenharia da educação profissional”
(GOUVEIA, 2016, p. 2). Este momento deu início a um processo de integração das
instituições profissionais de educação tecnológica que deram origem aos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (LIMA, G, 2017), tendo uma abrangência
territorial considerável no país122.
Assim como o Reuni, a criação dos institutos federais pode ser lida como uma
contratendência nesse cenário, ainda que também carregue elementos contraditórios.
Foi estabelecida uma figura institucional com status equiparado às universidades, ou
seja, dotada de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica
e disciplinar. E, além disso, com a possibilidade de ofertar ensino gratuito de forma
verticalizada, ou seja, desde o ensino básico até o superior, tendo uma vocação
específica direcionada à oferta de educação profissionalizante123 e tecnológica.
Em nosso entendimento, do mesmo modo que o Reuni, os processos de
expansão/reestruturação da Rede Federal de Educação Profissional Científica e
Tecnológica resultaram na ampliação de vagas e maior acesso de estudantes
oriundos dos estratos da classe trabalhadora a uma educação de qualidade por meio
de instituições públicas. Há, nesse sentido, um avanço expresso tanto no
investimento na melhoria da qualidade das instituições da rede federal que ofertam o
ensino médio quanto na promoção do maior acesso de estudantes das camadas
mais populares da sociedade. Com isso, consequentemente, ampliam-se
objetivamente as possibilidades e perspectivas desse segmento específico da
população em dar continuidade aos seus estudos no ensino superior em IES
públicas, podendo ser no âmbito dos próprios institutos federais e/ou nas
universidades.
No entanto, conforme indica Gouveia,

121 Esta Lei institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.
122 Para termos uma dimensão da capilaridade que atingiu a expansão dos institutos federais, segundo

dados do MEC, no ano de 2019, a Rede Federal era composta por 38 Institutos Federais, 02 Cefets, a
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), 22 escolas técnicas vinculadas às
universidades federais e o Colégio Pedro II. Assim, considerando os respectivos campi associados a
estas instituições federais, tinha-se um universo de 661 unidades distribuídas entre as 27 unidades
federadas do país (Informação obtida no endereço eletrônico: < Rede Federal - Ministério da Educação
(mec.gov.br)>. Acesso em: 15 abr. 2023.
123 Em certa medida, a atenção especial conferida ao nível básico de ensino por meio da educação

profissionalizante não deixa de estar alinhada às recomendações do BM (BM, 1994).


144
a despeito da oferta e acesso por setores mais pobres da sociedade à
educação profissional pública e gratuita, há a existência de um projeto de
modernização conservadora de abertura desta modalidade de educação e
seu espraiamento pelo território nacional para o atendimento dos interesses
mais imediatos do capital. Não é uma concessão ou se confunde com um
projeto de inserção à cidadania emancipatória, pode e deve ser
compreendida diante da necessidade de formar quadros para compreender
a tecnologia científica que compõe o avanço da indústria (2016, p. 4).

Cabe salientar que, em ambos os processos de expansão, a promoção do


que foi denominado como democratização do acesso ao ensino foram
acompanhados, em muitos casos, pela precariedade das condições estruturais das
instituições e da inexistência da garantia de reais condições de permanência
estudantil. No entanto, a seguir, iremos nos debruçar especificamente sobre os
processos vivenciados pelas Ifes de nível superior por meio do Reuni, no intuito de
nos aproximarmos ainda mais de nosso objeto de estudo: o exercício profissional
das assistentes sociais na assistência estudantil das universidades do estado do Rio
de Janeiro.
O Reuni foi instituído por meio do Decreto Federal n. 6.096/2007 e significou a
possibilidade de estabelecimento de um contrato de gestão entre o governo federal,
na figura do MEC, e as Ifes. Tal modelo não era inédito, pois já havia tido uma tentativa
de implementação no governo de FHC, no qual buscava-se transformar as
universidades em fundações de direito privado ou organizações sociais124. No entanto,
mesmo que a execução deste plano não tenha tido sucesso, em função de forte
mobilização da comunidade universitária, esporadicamente a pauta da autonomia
universitária era posta no centro do debate público no sentido de forçar uma
diversificação regressiva das fontes de financiamento.
A redução da autonomia universitária à sua dimensão financeira dificulta a
garantia do que está posto legalmente na CF 88 (art. 207) a respeito da autonomia
didático-científica e administrativa, já que por meio da celebração de contratos de
gestão as Ifes deveriam sair em busca de financiamento de natureza pública ou
privada, em funçao da desresponsabilização do Estado pela sua manutenção
integral.

124 De modo geral, tanto como fundações de direito privado como no formato de organizações sociais,
tratava-se do estabelecimento de contratos de gestão para que entidades privadas gerissem recursos
humanos e a estrutura física e material pertencentes ao poder público a partir do recebimento de
financiamento. Como é possível perceber essa lógica que mescla o público e privado está em total
sintonia com a proposta de contrarreforma do Estado brasileiro contida no PDRE.
145
A crítica advinda dos setores organizados da educação que indica que o
modelo proposto pelo Reuni promove uma verdadeira expansão precarizada encontra
total fundamento na realidade. Isto se expressa por meio do fato de um dos objetivos
de o programa ser proporcionar uma ampliação das condições de acesso e
permanência no ensino superior, mas a partir de uma otimização e racionalização da
estrutura e recursos humanos (docentes, técnico-administrativos e o conjunto de
trabalhadores terceirizados ocupados em funções igualmente relevantes para o
funcionamento das Ifes – limpeza, vigilância, restaurantes universitários, dentre
outros) já existentes nas universidades.
Mas, na avaliação da UNE (2008a) sobre o Reuni, pairavam boas
expectativas, já que o projeto de lei da Reforma Universitária ainda estava paralisado
no Congresso Nacional diante das resistências do setor privado de ensino. Desse
ponto de vista, a finalidade do governo era recuperar materialmente e com recursos
humanos as universidades. Assim, tal iniciativa expressaria uma ousada política de
expansão de vagas, na avaliação da entidade, com foco na criação de cursos
noturnos. Além disso, visava o combate à evasão, por meio da implementação do
Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).
No entanto, a partir de uma análise atenta da realidade, conforme indica Paula
(2009, p. 262),
pode-se constatar que, no que se refere ao Ensino Superior, não são
implementadas mudanças substantivas, prevalecendo o jogo do mercado,
tendo em vista que as instituições particulares de ensino continuam com
ampla liberdade de atuação e as públicas permanecem com os mesmos
problemas e deficiências constatadas na década de 1980, ou seja, falta de
verbas, ausência de vencimento justos para professores e servidores. Quanto
à estrutura física e ao aparelhamento continua a situação de penúria há muito
denunciada pelo Movimento Estudantil.

Tal como está previsto no Decreto n. 6.096/2007, configuram-se como


diretrizes do programa:
I. redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de
vagas, em particular no período noturno;
II. ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes
curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários
formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de
estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;
III. revisão da estrutura acadêmica, com a reorganização dos cursos de
graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem,
buscando a constante elevação da qualidade;
IV. diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não
voltadas à profissionalização precoce e especializada;

146
V. ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil125;
VI. articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior
com a educação básica (MEC, 2007a).

Cislaghi (2010), a partir da análise das “Diretrizes do Reuni” que deveriam ser
cumpridas pelas Ifes que aderissem ao programa, indica algumas possibilidades que
estavam colocadas de forma implícita no Decreto Reuni: a transferência de estudantes
do setor privado para o público (inciso II), a ampliação do uso de EAD (inciso III) e
implementação de ciclos básicos e bacharelados interdisciplinares (inciso IV) e as
bolsas de docência para alunos de pós-graduação (inciso VI), dentre outras.
A meta global do programa consistia em alcançar gradualmente, ao final de um
quinquênio, a contar do início de cada plano: 1) a taxa de conclusão média de 90%
nos cursos presenciais de graduação; 2) a relação de um professor para dezoito
alunos nos cursos presenciais (MEC, 2007c).
Aqui, cabe-nos realizar duas observações sobre a previsão da elevação da taxa
de conclusão dos cursos presenciais. A primeira delas consiste no fato de que nos
chama a atenção de que no documento em tela o mecanismo explicitado para o
alcance desta meta – administração eficiente das vagas ociosas, diante da maior
facilidade para flexibilidade curricular e mobilidade estudantil entre cursos e
instituições diferentes, com aproveitamento de crédito – não leva em consideração
as condições de permanência estudantil e, consequentemente, a necessidade de
se construir políticas efetivas nessa área. A segunda observação que poderá ser
melhor analisada no terceiro capítulo, a partir dos dados empíricos, é que essa
previsão de elevação da taxa de conclusão, ao menos nas universidades federais do
estado do Rio de Janeiro, aparentemente não se confirmou, embora a taxa de
matrículas tenha se ampliado consideravelmente. Em suma, com o Reuni, as
universidades passariam a acessar os recursos financeiros destinados a pessoal,
custeio e investimentos, na medida que seus planos fossem apresentados e
aprovados pelo MEC e, ainda, que as etapas fossem cumpridas.
Segundo o art. 3º do supracitado Decreto, a destinação do aporte de recursos
seria basicamente para três eixos:
I - construção e readequação de infraestrutura e equipamentos
necessárias à realização dos objetivos do Programa;

125
Conforme indicamos na introdução, aqui reside um dos elementos que favoreceram a ampliação do
quantitativo de assistentes sociais na educação superior a partir da segunda metade dos anos 2000.
147
II - compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos
regimes acadêmicos; e
III - despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades
decorrentes do plano de reestruturação.
Embora com a implementação do Reuni se preveja um acréscimo dos recursos
destinados às universidades públicas, é mister destacar que tal ampliação estava
condicionada à capacidade orçamentária e operacional do MEC, ou seja, não eram
as necessidades e metas previstas em seus respectivos planos que iriam
orientar/determinar o efetivo financiamento das ações e atendimento das demandas.
Além disso, esse aumento dos recursos desconsiderava completamente o histórico
de déficits orçamentários acumulados das Ifes com despesas de custeio e pessoal
(CISLAGHI, 2010).
Desse modo, embora a ampliação de vagas nas universidades públicas seja
uma pauta histórica de setores organizados da sociedade em prol da educação, a
forma como foi apropriada pelo Reuni significou um alinhamento com a proposta de
reestruturação das universidades condensada nas formulações do BM. Porém, ao
mesmo tempo, expressa uma contratendência nesse cenário, pois proporcionou um
crescimento, com as devidas proporções, das universidades públicas. E, isso ocorreu,
a despeito da manutenção do beneficiamento do setor privado da educação superior.
Ou seja, mesmo que grandes parcelas do fundo público tenham continuado a ser
destinadas ao financiamento das entidades privado-mercantis, seja por meio do
Fies, do Prouni e/ou do EAD, garantindo o aprofundamento do empresariamento e
financeirização da educação superior, também houve um pequeno investimento
direcionado a expansão/reestruturação das IES públicas.
Em relação às contradições brevemente citadas acima, há uma tendência de
silenciamento da UNE e, tal como aponta Paula (2009), quando uma crítica era
externada nesse período, geralmente era direcionada a processos passados, como
se a história tivesse tomado um novo curso a partir do governo Lula da Silva.
Como em todo movimento social, há disputas internas na UNE126. Essa visão

126 Cabe destacar que havia uma parcela minoritária de estudantes que disputava a direção da
entidade internamente e possuía uma leitura mais crítica das medidas adotadas pelo governo Lula da
Silva. Nesse sentido, havia uma defesa mais tática do Reuni, pois acreditava-se que o referido
programa poderia trazer mais contradições para o espaço universitário, com a entrada de segmentos
mais populares que até então não o haviam acessado. Com isso, haveria a possibilidade de se
148
mais positiva (ou condescendente) em relação às medidas adotadas pelo governo
Lula da Silva – diga-se de passagem, também com medidas sob forte influência dos
organismos multilaterais –, não era compartilhada pelo conjunto de estudantes. Havia
movimentos contestatórios e críticos às propostas e medidas implementadas para a
educação superior brasileira por parte dos estudantes (organizados127 ou não), ainda
que não adquirissem a expressividade e visibilidade da atuação histórica da UNE. Na
nossa avaliação, não é de se estranhar, desse modo, que haja diferenças em relação
às demandas por condições de permanência postas pelas diferentes vertentes do
movimento estudantil, como poderá ser observado no item 2.4.
Sguissardi (2015) traz questionamentos relativos ao processo vivenciado pelo
sistema de ensino superior brasileiro, especificamente, sobre sua caracterização
como democratização ou massificação mercantil. Ao longo de sua exposição, o autor
defende que num contexto de financeirização do capital, tem ocorrido uma frequente
transformação de um serviço público em mercadoria. Para ele, seus questionamentos
ainda não guardam respostas conclusivas, porém, com base nos dados levantados
em sua pesquisa é possível colocar em xeque a ideia de democratização do ensino.
Na sua avaliação, minimamente para que isto aconteça, deve-se ter como
pressuposto o máximo de igualdade de condições de acesso e permanência128.
Tais aspectos, conforme já vimos indicando em nosso estudo, embora tenham
sido alvo de alguns avanços, não se materializaram efetivamente e na proporção
devida no contexto de expansão experienciado pelas Ifes. Há um crescimento
vegetativo do financiamento das universidades públicas como um todo, mas, neste
momento, também cabe-nos indicar que houve um considerável descompasso entre
o volume de recursos destinados à política de assistência estudantil no conjunto das

impulsionar as organizações estudantis existentes. No entanto, na nossa avaliação, esse novo perfil
de estudantes não encontrou espaço para ou não teve interesse em ocupar as entidades vinculadas
ao movimento estudantil de caráter mais tradicional, tal como será evidenciado no item 2.4.
127 Exemplo disso, é a Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (Anel) que surge no ano de 2009 no

Congresso Nacional de Estudantes, realizado na capital fluminense. Buscava-se promover uma


reorganização do movimento estudantil organizado em âmbito nacional, já que a UNE não atendia mais
aos anseios de parte dos estudantes em função de seu alinhamento aos governos petistas,
abandonando-se um movimento de críticas mais contundentes ao conjunto de medidas implementadas
na educação superior (CRUZ, 2014). Ou seja, a UNE foi um dos setores do movimento social que foram
cooptados durante o governo Lula da Silva.
128 Sguissardi, ao analisar a política de expansão do ensino superior, afirma que “a expansão da ES

[educação superior], para ser democrática e não se tornar mera massificação, deve apoiar-se em pelo
menos dois componentes: igualdade de condições de acesso, de escolha de cursos e carreiras a
cursar, e de permanência com sucesso até a titulação” (2015, p. 881).
149
Ifes e a rápida mudança ocorrida no perfil estudantil que se tornou mais diversificado
ao longo dos anos, conforme será evidenciado no item 2.4.
Até o ano de 2012, as Ifes recebiam parte dos recursos do Reuni destinados
exclusivamente para a referida área. No entanto, a partir do ano seguinte, o
financiamento das ações passou a ter origem apenas nos recursos próprios das
respectivas Ifes e/ou na rubrica do Pnaes. E, tal como as universidades acumulavam
déficits orçamentários em relação às despesas com custeio e pessoal, também havia
um conjunto de demandas por condições de permanência postas pelos estudantes
que já estavam reprimidas anteriormente.
Com base nos estudos de Sguissardi, é possível realizar algumas observações
importantes sobre a diversificação do perfil de estudantes que passaram a ocupar as
Ifes após esses processos de expansão/reestruturação, pois é preciso tomar cuidado
com generalizações abstratas, pois o ingresso de estudantes oriundos das camadas
mais populares não ocorreu de forma equânime em todos os cursos disponíveis.
Sguissardi (2015) estabelece algumas ressalvas, com base em dois estudos
de Dilvo Ristoff sobre o perfil dos estudantes da graduação. Algumas das
constatações de Ristoff (apud SGUISSARDI, 2015), a partir dos ciclos do Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e da vigência da Lei de Cotas e de
programas como o Fies e Prouni, dentre outros, indicam que, de 2004 a 2012, de
fato ocorreu uma modificação do perfil socioeconômico estudantil, pois houve
redução do quantitativo de estudantes oriundos de famílias com alta renda (mais de
10 salários- mínimos). No entanto, ressalta que algumas distorções persistem nesse
campo.
Por esse motivo, este aspecto deve estar na base das políticas públicas
direcionadas ao público historicamente subtraído do acesso ao ensino superior, já que
o aspecto socioeconômico é um fator determinante na trajetória estudantil. Por outro
lado, o autor também identifica que a distribuição dos alunos provenientes de escolas
públicas não é uniforme nos diferentes cursos, ou seja, o acesso ao ensino superior
de alunos com essa origem se ampliou, mas tende a se concentrar em cursos de
demanda mais baixa (apenas 7 dos 47 cursos analisados possuem mais 70% dos
alunos com origem na escola pública).
Nesse sentido, Sguissardi sustenta que
essa mudança de perfil não poderá se sustentar nem diminuir suas distorções
150
se não forem fortalecidas as políticas sociais de caráter universal que
garantam a redução efetiva das desigualdades sociais. Além do que, outros
fatores como a dependência das IES particulares, com fins lucrativos, em
relação a programas como Prouni e especialmente o Fies, em tempos de
crise da economia, de avanço do déficit público, poderá estancar ou diminuir
significativamente tais avanços (2015, p. 880).

Mas, para fins desse estudo, o que nos importa destacar é como esse processo
de financeirização do capital reverbera na educação superior e, especificamente na
política de assistência estudantil das universidades públicas. A forma como esta última
tem sido implementada provoca consequências para as profissionais que estão na
linha de frente – dentre elas, as assistentes sociais –, mas, também, para os
usuários da política, sobretudo, na forma como satisfazem suas necessidades, o que
será melhor aprofundado no item a seguir.

2.3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E OS CONTORNOS ASSUMIDOS


NUM CONTEXTO DE EXPANSÃO E FINANCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR

No bojo dos processos de expansão/reestruturação das Ifes que foram


acompanhadas por um elenco de medidas de contrarreforma na educação superior,
tivemos a aprovação da primeira legislação específica da política de assistência
estudantil. Como vimos evidenciando nesse estudo, há aspectos contraditórios que
permeiam todo esse processo. Portanto, a intervenção do Estado nas condições de
permanência dos estudantes de nível superior, por um lado, busca atender as
demandas históricas desse público específico. Mas, por outro lado, não deixa de
conduzir sua resposta por meio de medidas que, ao mesmo tempo, mantêm o caráter
focalizado e seletivo que marca a trajetória das políticas sociais, mas adaptado à etapa
financeirizada do capital.
A aprovação do Decreto nº 7.234/2010 (Decreto Pnaes) consolida um novo
marco legal129 para a política de assistência estudantil, ainda que seja carregado de
limites. Conforme aponta Magalhães (2013), a constituição do referido marco legal é

129Antes da publicação deste decreto tivemos no ano de 2007 a edição de uma “Portaria Ministerial Nº
39/2007, como instrumento normativo, não citava em seus artigos e incisos as unidades de ensino que,
à época, compunham a Rede EPT [Educação Profissional e Tecnológica], dirigindo-se,
especificamente, às universidades públicas federais. O dispositivo em questão, instituído no âmbito da
Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do MEC, criou o Pnaes direcionado ao atendimento das
condições de permanência estudantil dos discentes de graduação presencial das Instituições Federais
de Ensino Superior (LIMA, G, 2017).
151
um avanço, pois em mais de oito décadas desde as primeiras ações, pela primeira
vez foi instituída uma rubrica específica para esta política que anteriormente tinha que
se submeter às disputas por recursos mínimos com as áreas de ensino, pesquisa e
extensão. Cabe destacar, nesse sentido, que a existência do Pnaes também é fruto
de movimentos de pressão provenientes tanto da luta histórica dos estudantes por
condições de permanência quanto da atuação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de
Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), dentre outros atores.
Em seu art. 2º, estão expressos os seguintes objetivos:
I - democratizar as condições de permanência dos jovens na educação
superior pública federal;
II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na
permanência e conclusão da educação superior;
III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL,
2010).

Conforme é possível observar, no mesmo período em que se processa a


expansão/reestruturação das universidades públicas, por meio do supracitado
decreto, o governo federal traduz certa preocupação com as condições de
permanência dos estudantes, o que não deixa de também ser resultado da pressão
dos movimentos sociais em prol da educação pública e de qualidade.
No entanto, conforme mencionamos, este novo marco legal é carregado de
alguns de seus limites, os quais buscaremos evidenciar a seguir: o Pnaes foi
regulamentado por meio de um decreto que consiste num instrumento legal frágil que
possui menor peso que uma lei e pode ser revogado mais facilmente e, além disso,
sua aprovação não foi precedida por uma discussão com a participação dos sujeitos
políticos interessados (estudantes, movimentos sociais em prol da educação pública,
gratuita e de qualidade, profissionais e gestores da área)130.
Soma-se a isso, o fato do referido decreto ser omisso nos seguintes aspectos:
• Ausência do estabelecimento de diretrizes gerais para execução das
ações em âmbito nacional, pois delega para as Ifes a definição da metodologia e
critérios para atendimento dos alunos;
• Ausência da definição de parâmetros mínimos para o financiamento
das ações vinculadas ao Pnaes – em seu art. 8, não são as necessidades e
demandas complexas dos estudantes que deverão orientar a previsão orçamentária.
130Atualmente há diversos projetos de lei relativos à assistência estudantil em tramitação no congresso
nacional. Para uma análise dos referidos projetos de lei, Cf. Crosara e Silva (orgs.), 2020.
152
Pelo contrário, estas deverão ser compatibilizadas com as dotações orçamentárias
anualmente consignadas ao MEC ou às instituições federais;
• Em seu art. 1º, define como sua finalidade ampliar as condições de
permanência dos jovens na educação superior pública federal, no entanto, ao
abranger os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (art. 4º) e suas
especificidades, passa a incluir os estudantes da educação básica dessa rede, mas
sem evidenciar de que forma será feito o atendimento dos estudantes com perfis
distintos131 (LIMA, G, 2017).
O supracitado decreto delimita que deva ocorrer um atendimento prioritário aos
estudantes advindos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per
capita de até um salário-mínimo e meio. No entanto, concordamos com Magalhães
(apud NASCIMENTO, 2013, p. 394) ao afirmar que
A assistência estudantil deve se tornar uma política institucional que
ultrapasse a existência apenas de programas de repasse financeiro, mas que
possam ser pensadas ações para o atendimento dos estudantes em seus
diversos aspectos e necessidades de modo que sejam oferecidas condições
para transpor e superar possíveis obstáculos e dificuldades no seu trajeto
acadêmico.

Nesse sentido, a assistente social tem sido convocada para atuar diretamente
nas ações institucionais relacionadas à ampliação das condições de acesso 132 e de
permanência dos jovens em diferentes níveis e modalidades de ensino. Mas, cabe
ressaltar que, ainda que seja requisitada para atuar fundamentalmente nessa direção,
o trabalho profissional não precisa se restringir apenas a esta dimensão, conforme
indica a brochura Os Subsídios para a atuação de assistentes sociais na Política de
Educação.
A atuação direcionada para a garantia da gestão democrática e da qualidade
da educação indica outras dimensões que também se inscrevem no conjunto
das lutas sociais pelo reconhecimento e ampliação da educação pública
como um direito social, evidenciando sua sintonia com os princípios ético-
políticos que norteiam a atuação profissional. Reafirma, portanto, a
compreensão de que o trabalho do/a assistente social, no campo da
educação, não se restringe ao segmento estudantil nem às abordagens

131 Vale destacar que os estudantes da educação básica são detentores de uma série de direitos
previstos em legislações que precedem o Decreto nº. 7.234/2010. Dentre elas podemos citar:
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), a Lei Federal nº 11.947/200, dentre outros.
132 Podem ser citadas como possibilidades de ações desenvolvidas por assistentes sociais no âmbito

do acesso: a análise de renda que é realizada para acesso às cotas dos processos seletivos de ingresso
aos cursos de nível médio e/ou superior, a depender da instituição de ensino; divulgação da existência
das próprias cotas de ingresso e orientações para o público-alvo que tem a potencialidade de acessá-
las, dentre outras.
153
individuais. Envolve também ações junto às famílias, aos professores e
professoras, aos demais trabalhadores e trabalhadoras da educação, aos
gestores e gestoras dos estabelecimentos públicos e privados, aos/às
profissionais e às redes que compõem as demais políticas sociais, às
instâncias de controle social e aos movimentos sociais, ou seja, ações não
só de caráter individual, mas também coletivo, administrativo-organizacional,
de investigação, de articulação, de formação e capacitação profissional”
(CFESS, 2014a, p. 38).

Se considerarmos o conjunto de competências e atribuições profissionais de


assistentes sociais dispostas nos artigos 4º e 5º da Lei Federal n. 8662/93 (Lei de
regulamentação da profissão), há muitas potencialidades a serem desenvolvidas no
âmbito das instituições de ensino. No entanto, a forma como tem sido implementada
a política de assistência estudantil133 traz impactos diretos para o exercício profissional
de assistentes sociais.
Há uma previsão de dez áreas de atuação no parágrafo 1º, do 3º art. do
Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010: I- moradia estudantil; II- alimentação; III-
transporte; IV- atenção à saúde; V- inclusão digital; VI- cultura; VII- esporte; VIII-
creche; IX- apoio pedagógico; e X- acesso, participação e aprendizagem de
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades e superdotação (BRASIL, 2010).
No entanto, mesmo não tendo uma previsão explícita na legislação, as
diferentes Ifes têm realizado o atendimento aos alunos basicamente por meio de
programas de bolsas e/ou auxílios134. Cabe considerar que a existência de programas
de apoio financeiro para suprir as necessidades vinculadas à permanência estudantil
já era algo praticado pelas universidades anteriormente ao Pnaes. No entanto,
conforme será evidenciado no terceiro capítulo, a instituição de uma rubrica específica
para a assistência estudantil, dado o contexto de financeirização da vida social, não
se traduziu na priorização de constituição de estruturas coletivas mais permanentes e

133 Reforça-se que em termos de legislação não se trata de uma política, mas de um programa. No
entanto, nossa opção por tratá-la como política neste estudo tem por base o reconhecimento da
necessidade de ser pensada de forma mais ampla, ainda que legalmente sua formalização tenha
ocorrido apenas com o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), instituído pelo Decreto
nº 7.234/2010. Isto implica que, além de não ser composto por um conjunto de programas e ações em
diversas áreas, é um instrumento legal frágil e que, como na maioria dos casos, não foi elaborado
precedido da discussão e participação dos sujeitos políticos envolvidos na luta em prol da educação.
134 A estruturação dos programas de bolsas e/ou auxílios é bastante diversificada a depender das

particularidades de cada instituição de ensino, podendo ofertar bolsas ou auxílios unificados (ex. bolsa
permanência, auxílio permanência etc.), no sentido de abranger as áreas previstas no Decreto nº
7.234/2010 e/ou ofertar em diferentes modalidades (ex. auxílio transporte, auxílio moradia, auxílio
alimentação etc.).
154
universais dentro dos eixos previstos, como é o caso dos alojamentos estudantis,
creches, a existência da ampla gratuidade no transporte, restaurantes estudantis,
laboratórios de informática, espaços de convivência etc.
Sem divergir do histórico brasileiro relativo ao conjunto das políticas sociais, a
assistência estudantil tem reproduzido em sua implementação o caráter focalista e
seletivo nas ações, tal como ocorre na assistência social. Mas, o elemento novo nesse
cenário decorre da fase atual do capitalismo, no qual o processo de financeirização
se espraia para o conjunto das relações sociais. Assim, a estruturação dessa política
também passa a ser permeada por essa lógica. Por este motivo, não consideramos
ser casual ou uma mera coincidência que as Ifes operacionalizem a política por meio
da concessão de bolsas/auxílios, ou seja, tal como ocorre na política de assistência
social, há uma prevalência de ações focalizadas, seletivas e centradas na
transferência direta de recursos monetários. Sob nossa ótica, esta centralidade do que
podemos denominar como bolsificação da política, expressa a face mais visível do
processo de financeirização das políticas sociais no âmbito da assistência estudantil.
Cislaghi e Silva (2012), ancorados em Granemann (2007), indicam que a
bolsificação consiste na monetarização da política social, o que implica em conferir
uma resposta precária, do ponto de vista das classes trabalhadoras, para as diversas
sequelas da “questão social”. Nesse sentido, na assistência estudantil, trata-se de
responder a estas manifestações no âmbito educacional, ou seja, as demandas
vinculadas às condições de permanência estudantil, por meio da transferência de
recursos monetários.
Considera-se que outro aspecto que contribui com este formato bolsificado da
política de assistência estudantil, já mencionado nos capítulos anteriores, diz respeito
ao crescimento vegetativo do orçamento das políticas sociais como um todo e,
especificamente, da educação. Ou seja, diante da restrição de recursos
orçamentários, sobretudo, aqueles destinados aos gastos com despesas de capital135,
há uma forte tendência de as instituições de ensino operacionalizarem a política por
meio de programas de bolsas/auxílios. Com isso, há uma imposição de que a

135 Conforme veremos no terceiro capítulo, é justamente por meio dos recursos destinados às despesas
de capital que as instituições públicas de ensino podem se expandir/crescer, ao realizar obras de
infraestrutura, construção de edificações, novas instalações e aquisição de equipamentos e materiais
permanentes. Ou seja, constituir equipamentos públicos e serviços de assistência estudantil de caráter
mais permanente e proporcionar um acesso mais ampliado ao conjunto dos estudantes.
155
satisfação das necessidades dos estudantes ocorra de forma individualizada via
mercado.
Assim, os alunos são inseridos compulsoriamente no circuito financeiro, pois a
ajuda pecuniária ocorre pela mediação de uma unidade bancária, já que,
obrigatoriamente, se necessita da abertura de uma conta bancária para recebê-la.
Embora esteja previsto na resolução nº 3.919/2020 do Banco Central a existência de
contas bancárias sem cobrança de tarifas para manutenção, ainda que possua
serviços restritos, não é o que observamos empiricamente frente à execução dos
editais de assistência estudantil em nossa atuação profissional. Mesmo de posse
dessa informação, frequentemente, os estudantes encontram dificuldades para abrir
sua conta corrente sem o pagamento de tarifas.
Nesse sentido, parece-nos que parte dos recursos percebidos por meio de
bolsas e/ou auxílios acabam sendo direcionados ao capital financeiro sob a forma de
taxas. Além disso, ocorrem situações em que a demora no recebimento das bolsas
e/ou auxílios por conta dos processos burocráticos acabam gerando um saldo
negativo em função da cobrança da taxa de manutenção. A pesquisa de Lima, G
(2017) demonstra que muitos estudantes, ao acessarem a assistência estudantil pela
mediação dos bancos, ficam sujeitos a contratação de um conjunto de serviços
bancários (cartão de crédito, cheque especial etc.) que podem resultar em seu
endividamento, antes mesmo de completarem a maioridade, no caso dos estudantes
da educação básica.
Para ter uma dimensão mais precisa do montante de recursos capturados pelo
capital financeiro, seria necessário um estudo mais aprofundado para investigar os
elementos aparentes identificados em nossa atuação. Porém, neste momento, este
não constitui um caminho central a ser percorrido nas aproximações sucessivas com
nosso objeto de estudo.
No entanto, seguindo as pistas do estudo de Silva, G (2012), ainda que não
adquira a mesma proporção e meios em que ocorre com a política de assistência
social136, a bolsificação da assistência estudantil se caracteriza como uma das formas

136Tal como é demonstrado por Silva, G (2012) em seu estudo, há uma relação direta dos programas
de transferência de renda da política de assistência social com o capital que porta juros, já que parte
dos recursos da política são utilizados para remuneração dos “agentes pagadores” que executam as
transferências monetárias para os milhares de usuários, ou seja, as instituições bancárias. O referido
pagamento ocorre de acordo com o número de beneficiários atendidos e, nesse sentido, cerca de 1,7
156
que contribui com a reprodução ampliada do capital. Com isso, remunera-se o capital
financeiro e, ao mesmo tempo, propicia-se aos estudantes e suas famílias o acesso
ao mundo do consumo de mercadorias que satisfazem as necessidades mais básicas
de sobrevivência.
Conforme tratamos no item 1.3 deste estudo, a partir das reflexões de Silva, G
(2012) e Brettas (2020), os diferentes programas de transferência de renda, e aqui
incluímos as bolsas/auxílios estudantis, atuam no sentido de compensar as
dificuldades de valorização do capital. Behring, ancorada nos escritos de Mota (apud
BEHRING, 2021) e Demier (apud BEHRING, 2021), identifica nesse processo o
estabelecimento da cidadania pela via do consumo e indica que esses programas de
transferência de renda atuam
amortecendo os efeitos dessas contradições [tendência à superprodução e
ao subconsumo], dentro de limites muito estritos, mantendo certo nível de
rotação na produção e circulação em alguns ramos industriais de produtos de
massa, baixa qualidade e, em geral, de lógica fortemente produtivista e
antiecológica (BEHRING, 2021, p. 58).

Assim, tal como ocorre na política de assistência social, se processa uma


monetarização da política de assistência estudantil. Granemann indica que
[…] o capitalismo monopolista vincado pelas finanças determina um novo
formato para as políticas sociais como uma necessidade essencial de
reprodução da acumulação capitalista. Estas devem, objetiva e
subjetivamente, envolver e possibilitar a “inserção” da força de trabalho no
mundo das finanças, que, por serem “bolsas” – são estas as políticas sociais
– viabilizam-se por intermédio de instrumentos creditícios e financeiros e são
operadas por grandes instituições bancário-financeiras. A modelagem dessas
novas mercadorias exige do Estado a redução das políticas sociais como
equipamentos públicos e sua transformação em “direitos monetarizados”
operados nos mercados bancário-financeiros, e não mais como ações do
Estado executadas por um corpo de servidores próprios (GRANEMANN,
2007, p. 58-59).

Para além da centralidade conferida aos programas de transferência e renda,


outro aspecto similar entre as políticas de assistência social e assistência estudantil,
consiste na tendência de focalização137 no atendimento dos estratos mais

bilhão de reais, entre 2006 e 2010, foram repassados à Caixa Econômica Federal para este fim, isso
considerando apenas o Programa Bolsa Família. No caso da assistência estudantil, esse processo
parece ocorrer de forma “não tão planejada”, pois na letra morta da legislação normativa não há uma
menção direta à execução da política via transferência monetária para o conjunto de estudantes e há
uma margem de autonomia para que cada instituição de ensino defina sua metodologia. No entanto, a
opção por privilegiar o processo de “bolsificação” da política que segue a tônica do conjunto das
políticas sociais favorece a captação do fundo público pelo capital (ainda que numa proporção menor)
por meio da inserção destes estudantes na esfera financeira.
137 O movimento de proposição de reformulação do Decreto Pnaes, realizado pelo MEC no ano de

2021- ainda no período pandêmico – corrobora tal tendência no âmbito da assistência estudantil, pois
157
empobrecidos da classe trabalhadora138, o que ocorre imbuído de um forte apelo
moral como combate à pobreza e desigualdades. Recordemo-nos aqui das
recorrentes formulações do BM direcionadas ao combate da pobreza nos países de
capitalismo dependente, o que na realidade é no sentido de proporcionar um ambiente
nada hostil para o desenvolvimento dos negócios capitalistas (BM, 1994). O conteúdo
presente nas estratégias BM deixa intocável todo o processo de acumulação de
capital, ou seja, não visa atingir o cerne do sistema que produz/reproduz
continuamente a riqueza e a pobreza na mesma proporção.
Além disso, cabe considerar que como as bolsas e auxílios, em alguns casos,
são pagos mais a título de indenização139, em função dos processos burocráticos e
da disponibilidade orçamentária das instituições, muitas vezes o valor percebido pode
servir ao atendimento de necessidades alheias ao fim a que se destinava inicialmente.
Com isso, o processo de bolsificação da política de assistência estudantil pode

indica uma restrição maior tanto do nível de abrangência do programa quanto do nível de autonomia
de sua execução pelas Ifes, o que necessariamente implica em reflexos diretos para as profissionais
que atuam na política, dentre eles, as assistentes sociais. No primeiro caso, a minuta previu a
supressão de cinco áreas de atuação do decreto original: creche, esporte, saúde, cultura e o acesso,
participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades e superdotação. Já no segundo, tornou ainda mais focalizado o caráter do Pnaes
num viés meritocrático, pois estabeleceu como critério condicionante para acesso ao programa: ter
um desempenho satisfatório acadêmico, proibiu o acúmulo de bolsas e impôs um valor fixo para
todas as bolsas (Carta Aberta às IFEs e à sociedade brasileira da UNE, União Brasileira de
Estudantes Secundaristas - Ubes e Fonaprace – Disponível em:<
35b19fe51b04ab9db0c6257864ef44d6d6237c0fa.pdf (ufmt.br)>. Acesso em: 1 ago. 2023. Além disso,
retirava das instituições de ensino e atribuía ao MEC os mecanismos de acompanhamento e
avaliação do referido programa. Com isso, esvaziava-se por completo a já restrita autonomia das
instituições. No entanto, tal intenção do MEC não teve andamento para sua materialização.
138 A Política Nacional de Assistência Social define como público usuário: “cidadãos e grupos que se

encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou
fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades
estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências;
exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas;
diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou
não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de
sobrevivência que podem representar risco pessoal e social” (MDS, 2005).
139 Para ilustrar, iremos trazer à tona a realidade de nosso campus de atuação que possui três cursos,

sendo dois na modalidade concomitante/subsequente com ingresso semestral – Técnico em


Segurança do Trabalho e Técnico em Guia de Turismo – e um na modalidade integrada e com ingresso
anual – Ensino Médio Integrado ao Guia de Turismo. Com toda a burocracia que envolve a realização
do processo seletivo para oferta dos auxílios financeiros, basicamente restrito ao auxílio transporte,
pois a maioria dos alunos não são abrangidos pela gratuidade no transporte público, a despeito da
previsão legal em diversos dispositivos, geralmente há um intervalo de no mínimo dois meses para
efetivação do pagamento da primeira parcela. Nesse sentido, se considerarmos que teoricamente o
auxílio visa dar conta das condições que interferem na permanência do aluno, esse processo já se
inicia com uma falha: se o aluno depender única e exclusivamente deste auxílio para frequentar a
escola, provavelmente, ao receber a primeira parcela já poderá ter evadido, pois boa parte do período
letivo não teve recursos para custear seu deslocamento diário.
158
contribuir com o consumo de um elenco de mercadorias relacionadas à reprodução
social dos estudantes e suas famílias. E, desse modo, propiciam a realização da mais
valia embutida nelas, atuando no sentido de contrarrestar a tendência à
superprodução e ao subconsumo (SILVA, G, 2012).
Em síntese, consideramos que as diferentes formas até então adotadas para
privatizar e mercantilizar a política de educação superior e, especificamente, a
assistência estudantil constituem diferentes mecanismos de canalizar parcelas do
fundo público para a promover a valorização do capital e contrarrestar a queda
tendencial da taxa de lucros (BEHRING, 2021).
O Estado tem papel central nesse processo e, por isso, conferimos especial
destaque para os processos de expansão/reestruturação da rede federal de ensino e
implementação da assistência estudantil que, dentre outros elementos, contribuíram
com a ampliação da demanda por assistentes sociais na área140. Dito isso, partimos
do entendimento de que esta ampliação do campo de atuação das assistentes sociais
na esfera federal de educação pode ser vista como uma consequência direta do
conjunto de estratégias adotadas pelo Estado brasileiro para dar conta das crescentes
dificuldades de valorização do capital.
Desse modo, por isso, foi fundamental entender o papel que o Estado tem
ocupado na sociedade capitalista contemporânea, pois sendo o maior empregador
das assistentes sociais, sua forma de atuação imprime novos contornos às políticas
sociais que, consequentemente, impactam diretamente no exercício das atribuições e
competências profissionais.
As assistentes sociais são trabalhadoras assalariadas e, por esse motivo, as
alterações que ocorreram na dinâmica capitalista as afetam duplamente: por um lado,
por produzirem um conjunto de mudanças nas políticas sociais que são o lócus
privilegiado de atuação dessas profissionais e espaço de atendimento de algumas
necessidades da classe trabalhadora; por outro lado, as afetam na condição de
trabalhadoras assalariadas que, assim como o conjunto de trabalhadores, sofrem com
o processo de reestruturação produtiva, ainda que atuem no serviço público. Tal como

140A pesquisa realizada pelo Numar/Neeae demonstrou que a grande maioria das profissionais que
atuam na assistência estudantil do estado do Rio de Janeiro possuem formação recente e ingressaram
nas Ifes num período inferior a 10 anos, ou seja, isto significa dizer que estas assistentes sociais tiveram
sua formação no período de expansão/reestruturação das universidades e, por outro lado, foram
absorvidas como profissionais nestas universidades e/ou institutos federais a partir de criação de novas
vagas decorrentes desse mesmo processo de expansão/reestruturação.
159
nos aponta Santos e Manfroi (2015, p. 187):
Na análise das condições de trabalho do assistente social é importante
ressaltar que, além da condição de trabalhador assalariado, este profissional
está majoritariamente inserido no setor público. Portanto, na sua condição
objetiva enquanto trabalhador, está imerso nos processos condicionantes das
políticas sociais, na particularidade brasileira, ou seja, em um país periférico;
assim, a forma de organização das políticas sociais neste momento do
capitalismo afeta, de forma significativa, o exercício profissional do assistente
social.

Conforme está previsto no Decreto nº 7.234/2010, há uma priorização do


atendimento de alunos com renda per capita familiar de até um salário-mínimo e meio
ou provenientes de escolas públicas. Além disso, cada instituição pode se pautar em
outros critérios e metodologias no atendimento de suas demandas. Desse modo, para
contemplar este item previsto na legislação, originou-se nas Ifes um movimento de
formalização da implementação da assistência estudantil por meio de regulamentos141
ou similares, nos quais se exprime a concepção de política adotada na instituição –
ainda que nem sempre de forma tão explícita –, a organização e caracterização das
ações, áreas de atuação, o público atendido e as profissionais envolvidos nas
ações142, dentre outros elementos.
A ausência de uma diretriz geral de âmbito nacional, conforme pontuamos
como um dos limites do Decreto Pnaes, tende a gerar uma disparidade, muitas vezes
no interior de uma mesma universidade, na forma de atendimento dos eixos previstos,
ainda que a tônica principal seja a preponderância de bolsas/auxílios. E, mais
importante do que isto, não se observa um efetivo envolvimento das profissionais que
atuam na linha de frente da política nem mesmo dos principais interessados – os
estudantes – nas instâncias de poder e decisão que, geralmente, ficam restritas à
atuação dos gestores.
A título de exemplo, as regulamentações da política de permanência da
maioria das universidades analisadas neste estudo só contaram com gestores em
sua elaboração. Ademais, conforme será evidenciado no terceiro capítulo, a
distribuição dos recursos orçamentários da assistência estudantil em todas as Ifes
analisadas é também definida pelos gestores, não havendo previsão de participação

141 Na ocasião das visitas, apenas a UFRJ não tinha regulamentação específica da política à época.
Todas as demais possuíam, mas sendo elaboradas somente pela gestão, ou seja, sem envolvimento
dos estudantes e das profissionais que executam a política.
142 Não há um padrão a ser seguido obrigatoriamente na regulamentação da política de assistência

estudantil no âmbito de cada instituição de ensino federal, mas de modo geral, elas se pautam nos
elementos indicados no presente estudo.
160
ativa dos outros atores supracitados.
Nesse sentido, no próximo item nosso esforço direcionado a apreensão do
conjunto de demandas colocadas pelos estudantes em prol da melhoria de suas
condições de permanência. Será possível observar em nossa análise que também
estarão presentes as pautas relativas à educação superior como um todo. Conforme
veremos, para algumas vertentes do movimento estudantil, a defesa de determinada
concepção de educação está organicamente ligada às formas de acesso que se
espera, bem como quais as condições de permanência que precisam existir para que
os estudantes concluam sua trajetória acadêmica com sucesso.

2.4 POR UMA UNIVERSIDADE MAIS PLURAL, DIVERSA E COLORIDA: ANÁLISE


DAS DEMANDAS POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA POSTAS PELOS
ESTUDANTES

O movimento estudantil é um ator fundamental a ser considerado na análise da


educação superior brasileira, bem como da política de assistência estudantil,
sobretudo, a partir dos anos 1990, quando começam se multiplicar os ataques
direcionados a esse nível de ensino. A educação universitária tem sido alvo do
aprofundamento do empresariamento e da financeirização deste setor num longo e
tortuoso caminho que perpassa governos com diferentes matizes. Nesse sentido,
podem ser identificados alguns pontos de inflexões, mas também muitos elementos
de continuidade.
Não há como percorrer essa trajetória sem se debruçar, ainda que de forma
breve, sobre a atuação da UNE, a entidade de estudantes organizados que possui
maior expressividade e longevidade143 na história do país. Por outro lado, não há como
desconsiderar o conjunto de atores políticos vinculados a outras vertentes do
movimento estudantil que surgiram a partir do conjunto de medidas que visaram a
pretensa democratização do acesso ao ensino superior. Tais medidas promoveram
uma maior diversificação do perfil universitário, principalmente, a partir da segunda
metade dos anos 2000.
Esses novos sujeitos políticos passaram a acessar e ocupar um espaço de
privilégio do conhecimento e da pesquisa científica que antes lhes era negado.
Portanto, o ingresso desses estudantes coloriu literalmente a universidade com todas
143 No dia 11 de agosto de 2022, a UNE completou 85 anos de história.
161
as cores e, consequentemente, lhe inundou com um conjunto de novas demandas
atinentes às condições de permanência, para além daquelas historicamente pautadas
pelo movimento estudantil, na figura da UNE.
A partir das cinco pesquisas realizadas pelo Fonaprace, desde a década de
1990, é possível ter uma pequena aproximação do quanto o perfil discente
universitário se diversificou, sobretudo, após as medidas implementadas no intuito de
democratizar o acesso ao ensino superior. Para tanto, elegeu-se algumas variáveis
presentes em todos ou na maioria dos anos para mensurar essa diversificação, são
elas: sexo, idade média, faixa de renda familiar, origem escolar e cor/raça.
Antes de realizarmos esse breve análise, cabe considerar que há
particularidades regionais que vão repercutir nas variáveis escolhidas, o que em
alguns momentos faz com que os resultados consolidados por região destoem da
tendência nacional da pesquisa. No entanto, para fins deste estudo, focaremos
apenas nos dados nacionais, pois nosso objetivo é justamente trazer à tona as
tendências mais gerais de variação do perfil universitário que foram capturadas pelas
pesquisas.
Em relação ao sexo, primeiro quesito avaliado, houve pouca variação ao longo
dos anos. Há uma predominância feminina desde os anos 1990 que ainda se sustenta
atualmente. O percentual de estudantes mulheres era de 51,44% em 1996, de 53%
em 2003 e de 53,5% em 2010. Houve uma pequena queda em 2014, quando se
atingiu o valor de 52,3%, mas, novamente subiu para 54,6%, em 2018.
Em todos os anos analisados a faixa etária predominante dos estudantes era
de até 25 anos, mas a idade média variou no decorrer do tempo. No primeiro ano da
pesquisa era de 22 anos e, posteriormente, se manteve estável em 23 anos até o ano
de 2010. Já nas duas últimas pesquisas, a idade média ficou um pouco maior, 24,5
no ano de 2014 e 24,4 anos, em 2018.
Especificamente sobre a renda familiar, cabe ressaltar que há diferenças na
exposição dos resultados desta variável. Nas duas primeiras pesquisas (1996 e 2003),
a classificação socioeconômica era realizada por meio da divisão em estratificações
nas faixas de renda144 a partir das classes A, B, C, D e E, no qual a classe A representa

144O critério utilizado como referência inicialmente era com base na Associação Brasileira de Institutos
de Pesquisa de Mercado, na segunda pesquisa, passou a ser da Associação Nacional de Empresas
de Pesquisa.
162
a faixa mais alta e E a mais baixa de renda. Na terceira pesquisa, além da
classificação utilizada nas primeiras, foi introduzida a exposição da renda com base
na referência ao salário-mínimo, o que foi mantido nas edições seguintes. Nesse
sentido, é possível afirmar, com base nos dados coletados pelo Fonaprace de 1996 a
2018, que ao longo dos anos a participação dos estudantes provenientes das
camadas mais populares da população foi se ampliando. Até o ano de 2010 esse
segmento de estudantes era minoritário no universo total, sendo 44,29% em 1996,
42,8% em 2003 e 44% em 2010145. Mas, em 2014, pela primeira vez na série histórica,
este segmento tornou-se a maioria. No referido ano, cerca de 50,9% dos estudantes
possuíam renda bruta familiar de até três salários-mínimos, percentual que foi mantido
na pesquisa seguinte.
Em relação à origem escolar, as pesquisas de 1996 e 2003 revelaram uma
predominância de estudantes provenientes de escola particular, cerca de 54,96% e
52,9%, respectivamente. Já a partir da terceira pesquisa, se inicia uma reversão desse
quadro, o que acreditamos estar diretamente relacionado ao fato deste ser um período
posterior ao processo de expansão/reestruturação das Ifes por meio do Reuni146.
Nesse sentido, no ano de 2010, 50,39% dos estudantes eram egressos da escola
pública, sendo que destes, 44,81% a cursaram integralmente e 5,58% a cursaram na
maior parte do tempo do ensino médio.
No ano de 2012 foi aprovada a Lei n. 12.711 (lei das cotas) que instituiu o
sistema de reserva de vagas. Em relação às universidades, um requisito comum
presente em todos os grupos de cotistas é ser egresso do ensino médio público.
Portanto, essa foi mais uma medida que impulsionou a alteração da composição da
origem escolar do corpo estudantil universitário. Desse modo, a partir de 2014, esse

145 Nos referidos anos o percentual calculado foi com base na junção das classes C, D e E, ou seja, as
menores faixas de renda dentro da classificação socioeconômica utilizada.
146 Além disso, considera-se que um dos elementos que contribui para explicar a alteração desse

perfil, mesmo antes da implementação da Lei das Cotas, que possui como uma de suas prioridades a
reserva de vagas para egressos de escolas públicas, se deve ao conjunto de estudantes que, em
geral, podem ter sido mais mobilizados para compor o espaço amostral. Embora, na metodologia da
pequisa de 2010, esteja explicitado que o processo de seleção dos respondentes em cada Ifes tenha
ocorrido de modo aleatório, ou seja, cada estudante matriculado no segundo semestre de 2009 teve a
mesma chance de ser amostrado, consta como uma das atividades realizadas pela equipe
responsável, a sensibilização da comunidade acadêmica. Nesse sentido, sem objetivarmos invalidar
os achados da referida pesquisa, considera-se ser possível que, dentre os estudantes mais
mobilizados, pudessem figurar aqueles mais próximos das equipes de permanência, ou seja, os
bolsistas que, em geral, tendem a ter as condições socioeconômicas mais desfavoráveis e, que
possivelmente, também eram egressos de escolas públicas.
163
grupo de estudantes passou a ser a maioria: 60,16% cursaram integralmente e 3,86%
cursaram a maior parte do ensino médio na rede pública. Em 2018, os percentuais
foram, respectivamente, de 60,4% e 4,3%.
Por fim, mas não menos importante, apresentaremos os dados relativos à
composição racial ao longo dos anos. A primeira pesquisa não abordou este aspecto
em sua análise, portanto, não há dados que permitam a comparação com os outros
anos. A pesquisa de 2003 revelou uma predominância de estudantes brancos, sendo
59,4% contra apenas 34,2% de negros (pretos e pardos) e 2% de indígenas. A partir
de 2010, do mesmo modo que ocorreu em relação à variável de origem escolar, inicia-
se uma reversão desse quadro. Há um crescimento na parcela de estudantes negros
e uma queda na participação de indígenas e brancos, embora a predominância deste
último tenha sido mantida. Respectivamente, os percentuais foram de: 40,8%, 0,93%
e 53,93%. Em 2014, período posterior a aprovação da lei das cotas, pela primeira vez
na série histórica o percentual de estudantes negros (47,57%) superou o de brancos
(45,67%) e se aproximou do perfil da composição racial da população brasileira. Em
relação aos indígenas, a tendência de queda se manteve e o percentual foi de 0,64%.
Em 2018, os estudantes negros se consolidaram como maioria nas universidades
federais com o percentual de 51,2%. Os brancos representavam 43,3% e os indígenas
tiveram uma pequena elevação do percentual, chegando a 0,9% do universo total.
Em síntese, podemos afirmar que o perfil de estudantes universitários, a nível
nacional, se tornou mais diversificado após as medidas adotadas pelo Estado
brasileiro com a finalidade de democratizar o acesso ao ensino superior. E, aqui,
tratamos especificamente das universidades federais, o que reforça nosso
argumento de considerar o Reuni como uma contratendência num cenário de forte
financeirização da educação privada superior. A despeito de todas as contradições
materializadas nos processos de expansão/reestruturação das Ifes, o perfil de
estudantes das universidades federais públicas tornou-se majoritariamente
feminino, negro, com média etária de 24,4 anos, com origem escolar pública e com
renda familiar de até três salários-mínimos (FONAPRACE, 1997; 2004; 2011; 2016;
2019).
Desse modo, considerando a maior diversidade do perfil buscar-se-á realizar
um breve passeio na atuação das distintas vertentes do movimento estudantil a fim
de identificar quais são os aspectos de resistência aos ataques direcionados à
164
educação superior. Além disso, nosso foco maior recairá sobre as demandas
apresentadas em torno das condições de permanência dos estudantes nos diferentes
momentos.
Na ausência de acesso às resoluções e documentos produzidos nos encontros
e congressos da UNE, a análise do presente estudo se baseará em edições da Revista
Movimento do período de 2001 a 2010 em um primeiro momento. Logo após, a análise
irá se concentrar nos encontros consultivos e de articulação setorial organizados pela
entidade, vinculados à temática racial e de gênero.
Ressalta-se que há edições da referida revista relativas ao período supracitado
que não estão disponíveis no sítio eletrônico da entidade, nesse sentido, foram
encontradas 18 publicações. Mas, como nosso foco será orientado para as matérias
da seção Educação que se relacionam direta ou indiretamente com a temática da
assistência estudantil, por isso, nos apoiaremos apenas na análise de 14 edições.
Primeiramente, é inegável a importância do papel político assumido pela UNE
em diferentes momentos da trajetória brasileira. A entidade é marcada por seu caráter
de resistência e contestação ao autoritarismo durante a vigência da ditadura militar do
grande capital e, depois, durante o processo de redemocratização da sociedade.
Nos idos dos anos 1990, temos um protagonismo na reivindicação do processo
de impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo – governo sob fortes
acusações de corrupção –, o que ficou conhecido como movimento dos “caras
pintadas”. Neste governo, tal como ocorreu no período da ditadura militar, houve a
abertura do país ao capital estrangeiro. Além disso, também foi iniciado o processo
de desvalorização das universidades e da pesquisa científica nacional.
Nesse período, os estudantes se engajaram na aprovação da nova LDB147 sob
um prisma democrático e na defesa das escolas e universidades públicas (UNE,
2002a). Com início do governo de FHC – primeiro que introduz mais abertamente o
neoliberalismo no país148, ao promover um conjunto de medidas vinculadas à
contrarreforma do Estado – o movimento estudantil, na figura da UNE, mais uma vez

147 Conforme já destacamos no presente estudo, o texto aprovado da LDB é permeado por
contradições, o que reflete a luta de movimentos sociais e setores organizados da educação, mas
também os interesses dos setores vinculados ao grande capital.
148 Ainda que o Ministro Bresser Pereira, grande responsável pelo documento que norteia o processo

de contrarreforma do Estado Brasileiro nos anos 1990 – o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado – situe seu projeto no terreno social-liberal, sob nossa ótica, não há dúvidas de que o
fundamento de suas propostas está no neoliberalismo.
165
se posiciona de forma crítica.
Sua oposição se ancorava na ideia de que o supracitado governo promoveria
o desmonte das universidades e serviços públicos em função de seu caráter neoliberal
(PAULA, 2019), o que ocorreu efetivamente. Nos termos da entidade coube ao
presidente FHC, [o papel] “de cumprir item por item a receita do FMI – estrangular a
universidade pública e esvaziá-la, abrindo espaço para ampla expansão do ensino
superior privado” (UNE, 2001).
No final desse governo, diante da falta de verbas, falta de professores e
situação de evasão, ou seja, aspectos relativos à crise experimentada pelo setor,
eclodiram movimentos de protestos de professores e estudantes por todo o país.
Pouco antes, a UNE havia produzido um documento de denúncia do estado das
universidade e, ao mesmo tempo, elaborado uma proposta de um Plano Emergencial
para as Universidades Federais149. Tal documento, não só destacava os problemas
enfrentados, mas também, um conjunto de ações imediatas a serem adotadas a fim
de frear o desmonte em curso (UNE, 2001).
Como forma de evidenciar a gravidade das contrarreformas no âmbito da
educação superior, a UNE apresentou de forma didática a crise em números, inclusive
apontando aspectos relativos às condições de permanência estudantil. Nesse sentido,
a UNE se colocou na contramão do processo de privatização das universidades
públicas federais que estava em curso,150 ou seja, do conjunto de medidas
capitaneadas pelo governo de FHC, sob forte influência dos organismos multilaterais.
Ademais, defendeu com firmeza a gratuidade do ensino, a autonomia das
instituições federais, mas não no sentido de diversificação regressiva das fontes de
financiamento, como recomendava o BM. Pelo contrário, havia uma defesa do caráter
público das universidades, inclusive na garantia de seu financiamento, da presença
da democracia em seus processos decisórios, além da necessidade de recomposição
do quadro de professores, ampliação das vagas e oferta das condições de
permanência estudantil. Outro aspecto que também foi destacado pela UNE nesse

149 Tal proposta ganhou a adesão de professores, intelectuais e reitores nos diversos debates que
ocorreram nas universidades pelo país (UNE, 2001).
150 Conforme o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Ifes (Andes) nesse período, são

expressões da privatização interna das universidades: “a proliferação das fundações privadas no


interior das instituições públicas; estrangulamento de verbas para pesquisa e imposição da alternativa
de convênios com empresas; transformação da extensão universitária em venda de serviços; cobrança
de taxas inconstitucionais (como em cursos de especialização, extensão ou mestrados
profissionalizantes)” (UNE, 2002b, p. 6).
166
período, foi o crescimento do ensino privado superior, tendo grande incentivo do
governo federal de Fernando Henrique Cardoso.
A entidade possuía altas expectativas em relação ao governo do presidente
Lula da Silva que foi eleito com a promessa de “reconstruir, dos escombros, a
dignidade da rede pública de ensino” (UNE, 2003a, p. 13). Não somente a UNE, mas,
também, outros setores organizados da educação esperavam um diálogo mais aberto
com o novo governo federal, tendo a questão orçamentária como uma das prioridades.
Em suas manifestações, expressava uma derrota do projeto neoliberal no país com a
ascensão desse governo (UNE, 2004), no entanto, não foi o que se confirmou nos
anos que se seguiram, na nossa avaliação.
No primeiro ano do novo governo já estava em pauta a possibilidade de adoção
das cotas nas universidades. Nesse período ainda não havia um posicionamento
formal da entidade, mas seu presidente, Felipe Maia, se posicionava a favor dessa
medida, desde que fosse pensada com um caráter temporário (UNE, 2003b).
Sem dúvidas, um dos pontos de inflexão do governo Lula da Silva foi o
estabelecimento de um canal de diálogo, algo inexistente no governo de FHC. No
entanto, algo importante a se questionar é até que ponto esse canal de diálogo
permitiu o avanço nas pautas históricas da educação superior em defesa das
universidades públicas, gratuitas e socialmente referenciadas? Em nossa análise,
essa postura aparente de diálogo, conforme destacamos no item 2.2, tendeu a
promover a cooptação de parte de alguns movimentos sociais e, aqui, se inclui a UNE.
Para a UNE, o diagnóstico realizado pelos organismos multilaterais em relação
à situação da educação superior nos países de capitalismo dependente acertou em
alguns aspectos, mas, foi deturpado em outros. Como exemplo, havia algo que já
tratamos anteriormente: o perfil dos estudantes universitários. Reforçou-se que não
havia um acesso mais amplo dos jovens oriundos das camadas mais populares no
período da década de 1990. No entanto, para a UNE, o fato de o ensino superior ser
público na América Latina “era uma garantia do acesso não discriminatório das
pessoas com menor poder aquisitivo151” (UNE, 2004, p. 33).

151 Cabe destacar que o ensino superior ser gratuito, de fato, não exclui a possibilidade de um jovem
de qualquer classe social acessá-lo. No entanto, a realidade é muito mais complexa e diversos
mecanismos operam para dificultar esse acesso de forma plena. Tais mecanismos incluem desde a
dificuldade de conclusão da educação básica de ensino, a forma de seleção/ingresso, disponibilidade
de vagas e, posteriormente, as condições de permanência que envolvem o processo de ensino e
167
Conforme indicamos inicialmente, faremos a seguir uma análise das 14 edições
da Revista Movimento encontradas em meio virtual, com o intuito de identificar as
principais demandas sintonizadas com a defesa da educação pública bem como
aquelas atinentes ao universo da permanência estudantil.
De modo geral, é possível observar uma prevalência das pautas mais
relacionadas à educação superior como um todo. Há o entendimento de que é
fundamental que haja uma reforma universitária e que esta não deixará de estar
envolta em projetos em disputa, no entanto alguns pressupostos precisavam pautá-
la: defesa de uma expansão das vagas/matrículas, mas com qualidade e equidade;
defesa da democratização do acesso às camadas mais populares; defesa da
ampliação das vagas por meio de um maior investimento nas universidades públicas.
O que é interessante observar neste ponto é que mesmo a UNE tecendo duras
críticas às iniciativas governamentais que priorizavam o aprofundamento da
privatização do ensino superior e beneficiavam as entidades privadas desde os anos
1990, geralmente em sua análise sobre o Prouni não eram destacadas as
contradições que a implantação de tal programa carregava152.
Especificamente sobre as universidades públicas, ao longo das edições foi
explicitada a defesa de determinada concepção de educação: universidade pública,
gratuita, democrática e comprometida socialmente. Ademais, de certa forma,
reivindicava-se uma maior democratização da estrutura existente, a partir de: maior
participação nas instâncias de poder e decisão dos diferentes setores da comunidade
universitária; eleição de seus dirigentes de forma autônoma, sendo respeitado o
resultado pelo governo federal; voto paritário nas eleições; democratização dos
órgãos colegiados; maior autonomia universitária; autonomia de gestão.
Conforme vimos afirmando, a UNE não apresentava críticas diretas ao governo
de Lula da Silva. Pelo contrário, tendia a avaliar positivamente todas as iniciativas
governamentais gestadas para o campo da educação superior, sem aprofundar as

aprendizagem, a participação em atividades para além da sala de aula stricto sensu e as relações
institucionais que reproduzem os mesmos mecanismos de desigualdades e discriminação existentes
na sociedade. Além disso, também existem aspectos como custeio de alimentação, moradia,
transporte, materiais didáticos, acesso à cultura, dentre outros.
152 Cabe considerar que, nesse período, a União da Juventude Socialista (UJS) era uma das

correntes políticas que compunha a direção da UNE (vinculada ao PC do B, partido que apoiava o
governo), a qual tinha como base de sustentação política os estudantes provenientes de faculdades
privadas. Nesse sentido, acredita-se que este é um dos elementos que pode ajudar a explicar a
ausência de críticas mais duras da entidade ao Prouni.
168
contradições existentes em cada uma delas. Vários elementos de crítica da entidade
em relação aos governos anteriores estavam presentes nas propostas do governo
petista, no entanto, nesse caso, as críticas eram tangenciadas.
Na edição de jun/2008 da Revista Movimento, foi explicitada uma análise
positiva das mudanças que vinham ocorrendo nas universidades brasileiras,
efetuadas até meados do segundo mandato do presidente Lula da Silva. Tais
mudanças se expressam, na avaliação da entidade, no maior ingresso de jovens
oriundos das escolas públicas à educação superior, ou seja, o maior acesso de
setores da sociedade que jamais haviam ocupado esse espaço, além da
representatividade dos estudantes bolsistas do Prouni e articulação de lideranças
estudantis.
Boa parte da matéria foi dedicada especificamente ao Prouni que, a partir do
ano 2005 até aquele momento, já havia beneficiado mais de 300 mil estudantes.
Segundo a UNE, seus resultados contrariavam os argumentos daqueles que
questionavam a inclusão de estudantes das escolas públicas nas universidades, sob
a alegação de que a qualidade do ensino seria rebaixada – mesmo argumento
utilizado contra a adoção das cotas nas universidades públicas. O próprio Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), na avaliação da entidade,
comprovou que o desempenho dos bolsistas era superior à média dos demais
estudantes avaliados (UNE, 2008a).
A edição seguinte da Revista Movimento, jul/2009, deu destaque para um
momento considerado marcante para o movimento estudantil: a transformação da
proposta de Reforma Universitária construída pela UNE em projeto de lei na Câmara
dos Deputados, o PL n. 5.175/09. O projeto criado pela entidade foi apresentado na
Comissão de Legislação Participativa e, após aprovação pela Mesa Diretora da
Câmara, passou a tramitar nas comissões que analisaram o seu teor. Posteriormente,
foi anexado ao PL n. 4.212/04 que também versava sobre a reforma universitária e
era de autoria do deputado Átila Lira (UNE, 2009b).
A entidade considerava o PL da Reforma Universitária uma vitória para o
movimento estudantil, mas, ao mesmo tempo, reforçava a necessidade de
sensibilização e grande mobilização de diferentes setores da sociedade para sua
aprovação (UNE, 2009b). O projeto foi dividido em 13 pontos principais e alguns foram
destacadas nesta edição da revista:
169
• a radicalização da democracia nas instituições, desde o acesso até
a permanência;
• a criação de um Fundo para a assistência estudantil153 e elaboração de um
Plano Nacional para a área;
• a autonomia universitária;
• o financiamento: destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a
educação e aplicação do percentual de 75% dos recursos da política para o ensino
superior; destinação de 50% da receita da exploração da camada do pré-sal do
petróleo para a educação;
• por fim, o Prouni foi destacado como um modelo de assistência estudantil
defendido pela entidade154, pois desde o início promoveu o ingresso de um montante
considerável de estudantes ao ensino superior. No entanto, após cinco anos do
programa, o número de ingressantes havia se tornado muito baixo - cerca de 12%,
conforme dados do Censo Educacional de 2007. Além disso, poucos estudantes
conseguiam concluir sua formação. Nesse sentido, a UNE defendia tanto a
ampliação das vagas quanto dos mecanismos que evitassem a evasão do programa;
Outro aspecto analisado na mesma edição, foi a avaliação de um ano de
implantação do Reuni, uma das ações governamentais previstas no PDE, que foi
criado pelo Decreto n. 6.096/07. A adesão das universidades deveria ocorrer de forma
voluntária e, com isso, haveria um aporte de 20% no orçamento, conforme o
cumprimento das metas anuais. Segundo a UNE, todas as universidades aderiram ao
Reuni, mas, dadas as particularidades institucionais, regionais e da natureza do
próprio programa, sua implantação carregava diferenças entre as Ifes.
Um dos pontos destacados pela entidade que também consideramos como um
aspecto bastante positivo na implementação do Reuni foi o processo de interiorização,
pois a partir do programa, de 70 cidades no ano 2002, as universidades federais
passaram a estar presentes em mais de 300 municípios, em 2009. Além disso, a
evasão foi citada como um problema crônico que deveria ser enfrentado por meio do
Plano Nacional de Assistência Estudantil. O Congresso da UNE de 2007 aprovou, em
suas resoluções, a necessidade de ter um Plano com recursos específicos de

153 A origem dos recursos prevista no projeto era de 1,5% das verbas destinadas à Educação Superior
e de 1,5% da arrecadação das Instituições Privadas de Ensino Superior (UNE, 2009b).
154 Nesse ponto, reforçamos o caráter contraditório expresso na defesa d o P r o u n i , diante da luta

histórica da entidade contra os processos de privatização da educação superior.


170
aproximadamente 200 milhões de reais. No ano seguinte, o Plano foi conquistado,
mas, na avaliação da entidade, ainda era preciso avançar:
O plano atual prevê investimento em estrutura como moradia e RU's, mas o
projeto de Reforma Universitária da UNE demanda que sejam incorporados
aí bolsas para os estudantes de baixa renda (UNE, 2009b, p. 32).

Uma das grandes polêmicas que permeou os debates sobre a


adesão/implantação do Reuni nas universidades foi a preocupação sobre as
condições em que se dariam os processos de reestruturação/expansão sem a perda
de qualidade da formação. Nesse sentido, a UNE apresentou o posicionamento de
alguns setores críticos do programa que se preocupavam com a precarização das
Ifes, pois parte da ampliação das vagas prevista ocorreria por meio de cursos de curta
duração ou orientação explicitamente mercadológica.
A entidade aproveitou para reforçar que uma de suas bandeiras era a
reestruturação curricular das Ifes, no entanto, considerava que não era isso que
estava posto a partir do Reuni, ao permitir a abertura indiscriminada de cursos de
natureza mencionada no parágrafo anterior. Desse modo, a defesa da qualidade do
ensino era algo em disputa na implantação do programa, o que demandaria do
movimento estudantil em cada universidade sua atuação, já que os conselhos
universitários não tendiam a incorporar suas demandas históricas.
Na avaliação da UNE, a disputa maior não foi em relação à adesão ao Reuni,
mas, em como se daria sua implantação em cada fase, já que esbarrava num
problema crônico: a estrutura burocrática e autoritária das universidades que não
incluía os estudantes nos espaços e momentos importantes de decisão sobre os
rumos de cada Ifes.
No que tange especificamente às pautas relacionadas diretamente com as
condições de permanência, foram identificadas apenas cinco menções que merecem
destaque. A primeira delas é na edição de ago/2006 da Revista Movimento que trata
do envio da proposta de Reforma Universitária ao Congresso Nacional que fora citada
no item 2.3 deste estudo. A UNE depositava fortes expectativas na aprovação do
referido projeto, pois condensava uma proposta de expansão do ensino superior com
perspectiva de ampliação dos investimentos na educação pública.
Na avaliação da entidade, caso o percentual de 75% da receita
constitucionalmente vinculada à educação (ou seja, os 18% do Orçamento Geral da

171
União) para ser aplicado no ensino superior fosse acatado pelo Congresso, as Ifes
teriam o exercício de sua autonomia universitária assegurada e os recursos seriam
amplamente investidos na expansão das vagas, assistência estudantil, pesquisa e
extensão. Quanto ao percentual previsto de 9% para as ações de assistência
estudantil, por considerá-lo insuficiente para atendimento das necessidades
estudantis, a UNE apresentou uma emenda sugerindo a ampliação para 14% (UNE,
2006b)155.
Nessa mesma edição da Revista Movimento foi apresentada como uma
demanda a ser observada de forma atenta pela assistência estudantil, a necessidade
de oferta de creches e moradias especiais para aqueles estudantes que possuem
filhos. Reforçou-se que existem inúmeros motivos que fazem com que os estudantes
prolonguem sua formação ou tenham que abandoná-la, mas, a UNE reconhecia que
um dos crescentes fatores motivadores era justamente a maternidade/paternidade
sem o devido apoio familiar ou de políticas públicas.
Naquele período, foi feito um levantamento e, das 20 Ifes contatadas (num
universo de 70), apenas cinco possuíam creche para filhos de estudantes. Já em
relação a moradia específica para estudantes com filhos, a Universidade de São Paulo
(USP) era a única que possuía naquela época. No entanto, possivelmente estava
muito aquém da necessidade, pois ofertava de forma restrita 12 unidades nessas
condições e apenas para estudantes que tivessem o filho após o ingresso na
universidade (UNE, 2006b).
Outro ponto destacado foi a discussão em torno das políticas de ação afirmativa
para as universidades. A UNE citou os projetos de leis que tramitavam no Congresso
Nacional sobre essa temática, bem como as polêmicas e reações de diferentes
setores da sociedade em relação a essas iniciativas. Enfatizou que naquele período,
cerca de 30 instituições públicas federais ou estaduais já adotavam as cotas. A
despeito de falsos argumentos amplamente divulgados como justificativa para a não
adoção destas, estudos feitos por tais entidades já indicavam que o rendimento
acadêmico dos cotistas era igual ou superior ao desempenho dos estudantes que
ingressaram por ampla concorrência. Com isso, não se podia alegar que haveria uma

155 No entanto, conforme já indicamos, o estabelecimento desses almejados percentuais de


investimento não se concretizou, pois, a tramitação do referido projeto não avançou como se esperava
e o governo federal optou por implementar suas medidas nessa área a partir do PDE.
172
queda na qualidade das instituições que passaram a adotar as cotas (UNE, 2006b).
A terceira menção foi na 20ª edição da Revista Movimento (nov/2008), na qual
a UNE anunciou o seu próprio Anteprojeto de Reforma Universitária. Segundo Lúcia
Stumpf, presidente da entidade na ocasião, aquele era um momento propício, pois o
país estava às vésperas da realização da Conferência Nacional de Educação,
momento em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco) organizaria no ano de 2010 a Conferência Mundial de Educação.
Além disso, já se iniciava o debate sobre o novo Plano Nacional de Educação que
deveria ser aprovado em 2011 (UNE, 2008b) e, portanto, era relevante atualizar e
sistematizar num documento o modelo de educação que pautava as lutas da entidade
para que o conjunto da sociedade tomasse conhecimento.
O Projeto em questão foi debatido e aprovado no 56º Conselho Nacional de
Entidades Gerais da UNE e a ideia era servir de base para discussão com distintos
setores da sociedade interessados na educação. A proposta reuniu um conjunto de
preocupações relacionadas a diferentes eixos: autonomia universitária;
financiamento; democracia; acesso; regulamentação do ensino privado;
reestruturação acadêmica e curricular; ensino profissional e tecnológico; pesquisa;
extensão e assistência estudantil. Em função do foco de nosso estudo, será sobre o
último eixo citado que recairá nossa atenção.
Mas, antes de prosseguir, gostaríamos de destacar que de todas as edições da
Revista Movimento analisadas neste estudo, somente a edição de nov/2008, dedicou
de modo um pouco mais aprofundado, uma atenção maior para a assistência
estudantil. Cabe destacar que o desenho da política apresentado na referida edição
era mais elaborado do que aquele contido na proposta enviada ao Congresso
Nacional, do qual a UNE havia participado ativamente nos debates.
O primeiro ponto de preocupação foi a garantia de financiamento para as
ações, o que na nossa análise é fundamental, pois não há construção de qualquer
política pública sem a definição explícita dos recursos para custeio e investimento.
Para tanto, foi proposta a criação de um Fundo Nacional de Assistência Estudantil, ou
seja, a previsão de composição de recursos específicos para área, que
correspondessem a 14% das verbas de custeio das Ifes156.

156
No Projeto de Reforma Universitária enviado ao Congresso Nacional, já havia sido proposto o
mesmo percentual para a assistência estudantil.
173
A entidade também manifestou algumas preocupações com a estrutura,
operacionalização e construção de subsídios para avaliação da assistência estudantil:
• Criação em todas as universidades as Pró-Reitorias de
Assistência Estudantil, assegurando uma instância responsável por essas
políticas com financiamento específico;
• Realização de concurso público para técnico-administrativos como
assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e até cargos que não existem
mais como cozinheiro e copeiro, para as demandas de assistência;
• Realizar pesquisa a cada quatro anos para identificar o perfil
socioeconômico e cultural dos estudantes brasileiros;
• Disponibilização de equipes multidisciplinares e interdisciplinares
para atendimento médico e psicológico dos estudantes (UNE, 2008b, p. 27).

Especificamente sobre o escopo de atuação da política de assistência


estudantil, foi previsto um número maior de áreas para além daquelas mais
tradicionais (alimentação, moradia e transporte) que já eram implementadas de forma
pontual nas universidades. De todo o modo, as áreas previstas superavam
numericamente e na abrangência aquelas presentes no Projeto de Reforma
Universitária que ainda estava paralisado no Congresso Nacional. Ademais, em parte,
algumas áreas foram contempladas posteriormente no Decreto Pnaes:
• O Plano Nacional de Assistência Estudantil deverá abarcar ações
que garantam desde alimentação através dos restaurantes universitários,
transporte, moradia estudantil, bolsas de estudo até disponibilizar
atendimento médico e psicológico, dentre outras medidas;
• Criar, manter e ampliar programas que garantam a alimentação
dos estudantes das públicas e pagas157, através de bandejões que
permita[m] uma vivência maior do estudante no espaço da universidade e
bolsas de auxílio alimentação;
• Ampliação de programas acadêmicos remunerados estimulando a
inserção de estudantes nas atividades de ensino-pesquisa-extensão;
• Política de transporte através de passe estudantil em todo o país;
• Investimento nas bibliotecas universitárias com ampliação do
acervo, da capacidade, do horário de atendimento e da viabilização de novas
técnicas de acesso à informação;
• Ampliação de programas culturais, esportivos e de lazer para as
comunidades internas e externas à universidade;
• Desenvolver políticas e ações de inclusão digital;
• Implementar políticas de acesso às línguas estrangeiras para
estudantes;Garantia de mais direitos e acesso à cultura e lazer. Pela
derrubada da MP 2208158 e aprovação imediata da legislação que confira aos
estudantes – através de suas entidades representativas – a responsabilidade
pela emissão de carteira estudantil;
• Construção de creches nas universidades;
• Criar condições básicas para atender os estudantes portadores de
necessidades especiais (UNE, 2008b, p. 27).

157Destaca-se que nessa proposta, os estudantes do ensino privado também foram considerados.
158Esta medida provisória estava relacionada ao acesso à meia entrada e foi revogada posteriormente
pela Lei nº. 12.933/2013.
174
Também havia uma proposta que nos convidava a pensar a permanência
estudantil para além dos muros da universidade, no sentido de pensar o pós-
formação:
• Criação de programas de emprego para estudantes recém-
graduados (UNE, 2008b, p. 27).

Por fim, mas não menos importante, foram pensados alguns mecanismos de
controle social:
• Ampliação e fortalecimento da Ouvidoria da UNE para todo o país
garantindo o auxílio aos estudantes;
• Constituição de Ouvidorias nas Universidades, com eleição direta
pela comunidade, de forma a perceber as principais demandas dos
estudantes (UNE, 2008b, p. 27).

A quarta menção à assistência estudantil que merece destaque, do nosso ponto


de vista, ocorreu na edição de março/2009 da Revista Movimento e se referia aos
livros como item essencial ao longo da formação de qualquer curso universitário, pois
ocupava um lugar de peso nos gastos estudantis. A entidade citou uma pesquisa
realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que indicava que
para se adquirir todos os títulos recomendados, um estudante gastaria naquela época,
uma média de R$ 3.400,00159. Porém, para cursos como Direito, o valor médio poderia
atingir a quantia de cerca de R$12.000,00 (UNE, 2009a).
Ao apresentar tais dados, a entidade buscava reforçar a necessidade de
políticas de permanência, pois mesmo acessando o ensino público superior de forma
gratuita ou o privado por meio de bolsas Prouni, havia um conjunto de gastos relativos
à sua formação que precisavam ser custeados pelos estudantes (moradia, transporte,
alimentação, material didático, creche para estudantes com filhos, atividades
complementares etc.).
Especificamente sobre os livros, mesmo existindo bibliotecas nas instituições
de ensino, nem sempre o acervo era adequado e suficiente para atender a totalidade
da demanda estudantil. Com isso, os estudantes tendiam a recorrer a alternativas:
fotocópias de livros160, downloads de livros na internet e aquisição de livros usados

159Nesse período, este valor era 7,3 vezes maior que o salário-mínimo (R$465,00).
160Diante das dificuldades financeiras para aquisição de livros, a prática de tirar fotocópias de livros se
proliferou em muitos cursos nas universidades. Amparadas pela Lei n. 9.610/98 (lei de direito autoral),
as editoras para não saírem no prejuízo fizeram pressão para que a reprodução de obras literárias
fosse proibida. No ano de 2005, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) iniciou um
processo contra universidades e diretórios acadêmicos, em função da reprodução de fotocópias. O
debate relativo a este tema se tornou alvo de um projeto de lei, com o apoio do Ministério da Cultura e
175
(UNE, 2009a).
Por fim, a quinta e última menção foi na edição de out/nov/dez/2009, no qual a
UNE explicitou como pauta da entidade a defesa do Pnaes161, ou seja, a expansão
das vagas deveria ser necessariamente acompanhada pela implementação de
políticas de permanência. Para tanto, tudo isso estava atrelado à também defesa de
ampliação do investimento em educação no país que deveria atingir 10% do PIB
nacional.
Assim, após essa breve análise, parece-nos que a partir da segunda metade
dos anos 2000, o movimento estudantil tomou um novo rumo. Considera-se, sob
nosso ponto de vista, não ser possível observar o mesmo protagonismo da UNE, tal
como fora vivenciado nos anos duros da ditadura.
A despeito de sua trajetória expressiva ao longo da história, a entidade parece
não ter se configurado a partir desse período como principal instrumento de luta e/ou
de atuação dos estudantes162. Para além da postura menos crítica aos governos
petistas, também havia certo distanciamento da entidade em relação à base de
estudantes. Isto favorecia um descolamento das bandeiras de lutas mais gerais do
conjunto de necessidades e questões particulares vivenciadas a nível local e/ou
regional. Esse movimento poderá ser melhor observado principalmente nos
estudantes que ingressaram nas universidades a partir das pretensas medidas de
democratização do acesso.
Segundo Rocha (2020), apesar da longa trajetória da UNE, apenas no ano de
1995 sua presidência foi assumida por um homem negro pela primeira vez. Porém,
foram necessárias pouco mais de duas décadas, para que no ano de 2016 uma mulher
negra assumisse a presidência de forma interina – exatamente num contexto em que
as universidades já apresentavam um perfil discente mais diversificado. Tal como é

diversas entidades ligadas a movimentos sociais, para que se alterasse a supracitada legislação (UNE.
2009a). No entanto, até o momento, não foi aprovado pela Câmara Legislativa algo relativo a essa
matéria.
161 Aqui cabe destacar que a UNE ora utiliza o termo Plano Nacional de Assistência Estudantil e ora se

refere ao Programa Nacional de Assistência Estudantil, como se não houvesse diferenças na


concepção e abrangência.
162 Os dados sistematizados por Rocha (2019) podem exemplificar tal assertiva, pois indicam que o

número de participantes somados das 6 edições do Encontro de Negros e Negras Cotistas da UNE
(Enune) totalizaram cerca de 3.800 estudantes (I Enune – 100; II Enune – 200; III Enune – 400; IV
Enune – 600; V Enune – 2.000; VI – 500), enquanto uma única edição do Encontro Nacional de
Estudantes e Coletivos Universitários Negros (Eecun) reuniu aproximadamente 3.000 jovens
universitários (LIMA, S, 2019).
176
destacado pelo autor em tela, isso indica um histórico de pouca participação dos
estudantes negros nos cargos de direção da entidade e, consequentemente, pode
expressar a intensidade e a frequência com que discussões atreladas à temática racial
estiveram presentes em suas pautas163 164..
No ano de 1999, foi criada pela UNE uma Diretoria de Combate ao Racismo,
mas, somente em 2007 – momento de transição marcado pelo início da
implementação das medidas de democratização do acesso ao ensino superior –
passaram a ser organizados os Encontros de Negros, Negras e Cotistas da UNE
(Enune)165. Além disso, tivemos no ano de 2005 a construção do Encontro de
Mulheres166 Estudantes (EME) e, em 2015, o Encontro de Estudantes Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (LGBTs) (ROCHA, 2020). Todos os
encontros supracitados se constituíram como espaços consultivos e de articulação
setorial dentro da UNE, baseados na auto-organização, ou seja, somente negros,
mulheres ou LGBTs eram responsáveis pela coordenação e definição da linha política
dos respectivos encontros (RICHER, 2020).
No que diz respeito ao Enune, houve certa dificuldade em localizar todas as
cartas finais das edições realizadas até o ano de 2021167, que geralmente
contemplavam uma articulação das principais discussões ocorridas no evento, além
das preocupações com as questões mais gerais da sociedade, afins à temática racial
e as pautas mais diretamente relacionadas ao ambiente universitário.
Desse modo, buscaremos apresentar um breve panorama das pautas
identificadas no Enune que se relacionam diretamente com as condições de
163 Para Rocha (2020, p. 15), “ao mesmo tempo em que há uma autonomia dos negros para debater
as questões raciais no partido, há uma certa “despreocupação” com a agenda racial, e isso se reflete
nas dinâmicas organizativas da UNE. Assim, os Enunes são os espaços onde tais ativistas
conseguiram imprimir com mais força a pauta racial, mas os encontros deliberativos, como os Conunes,
são pouco permeáveis a essa pauta. Isso pode ser observado quando os Congressos da UNE não
acolheram a proposta do III Enune, realizado em 2011, de implementação das cotas raciais de 30% de
pessoas negras nos seus cargos de direção”.
164 Para uma análise mais aprofundada da UNE e a temática racial, Cf. RICHER, 2020.
165 Até o momento foram realizadas sete edições do Enune, no entanto, houve grande dificuldade em

localizar os documentos e resoluções do referido encontro no sítio eletrônico da UNE.


166 Embora a luta do movimento feminista seja tão importante quanto as pautas raciais e do movimento

LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência, para fins desse estudo iremos nos debruçar apenas nos
coletivos e movimentos correspondentes aos últimos, pois em alguma medida todas estas lutas estão
relacionadas. Assim, em parte, as pautas do movimento de mulheres poderiam estar contempladas no
interior desses outros movimentos em função da interseccionalidade.
167 Dentre os encontros, os quais não foi possível localizar suas Cartas Finais no sítio eletrônico da

UNE, estão: I, II, III e VI, realizados respectivamente nos anos de 2007, 2009, 2011 e 2019. Para
algumas edições foram criados sítios eletrônicos específicos, no entanto, com o passar do tempo
acabaram sendo deletados e seus registros foram perdidos.
177
permanência nas universidades.
IV Enune (2015) – Carta do Cabula:
• defesa das cotas raciais;
• necessidade de reformulação dos currículos num viés antirracista,
principalmente nos cursos de licenciaturas168;
• garantia da permanência e diminuição do nível de evasão que era maior
para estudantes mulheres e negros;
• defesa de um ambiente universitário acolhedor e inclusivo;
• diversificar mais a oferta de cursos por turno;
• redução da carga horária mínima para bolsa permanência;
• garantia de 2,5 bilhões de recursos para o Pnaes;
• superação do “epistemicídio” – tal como está expresso na carta, a
existência das cotas era vista como uma das estratégias para incentivar a
pluralidade e diversidade nas produções acadêmicas;
• defesa das cotas na pós-graduação, pois, do mesmo modo, estimulariam o
processo de pluralidade e diversidade nas universidades, a partir da fundação de
novas criativas formas epistêmicas.
V Enune (2016) – Carta de Salvador:
• ampliação do número de bolsas, pois as existentes só contemplavam 5%
dos estudantes, fazendo com que a juventude negra adotasse jornada dupla ou tripla
de trabalho para dar continuidade a sua formação;
• creches universitárias – ausência de políticas nessa área fazia com que as
mulheres negras sofressem para permanecer na universidade;
• a falta de garantia das condições de permanência teria gerado o
crescimento de transtornos mentais (depressão, crise de ansiedade etc.), o que
passava a exigir a conformação de políticas de saúde mental; necessidade de
ampliação dos recursos Pnaes;
VII Enune169 (2021) – Carta do Brasil:
• necessidade de suporte informatizado adequado para a modalidade remota
do ensino;

168 Com isso, o objetivo era tornar a formação de professores orientada ao combate das igualdades e
contribuir na implementação da Lei 10.639/03 (UNE, 2015).
169 Esta edição aconteceu de forma virtual em função do contexto pandêmico da Covid-19.

178
• defesa da manutenção das bolsas de pós-graduação e dos auxílios
estudantis diante dos cortes orçamentários;
• fortalecimento e continuidade da política de cotas raciais;
• defesa da garantia do processo de fiscalização das cotas, sendo as
comissões de heteroidentificação qualificadas como ferramentas que poderiam ser
utilizadas no combate às fraudes.
Já em relação à temática LGBTQIA+, em 2005, no 49º Congresso da UNE foi
criada a Diretoria de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgênero170 e aprovadas propostas em sua resolução final. Devido a luta feminista
pela visibilidade das mulheres a sigla posteriormente foi alterada para Diretoria de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero – LGBT (UNE,
2015). Na ocasião o projeto “Universidade fora do Armário – UFA” foi um dos
responsáveis em iniciar a organização do movimento LGBT no interior da entidade,
fortalecendo e ampliando aliança com os movimentos sociais e diversos coletivos.
Apenas 10 anos após a criação da supracitada diretoria, foi promovido o
primeiro Encontro de Estudantes LGBTs da entidade. Tal evento foi considerado um
marco e foi realizado durante a 9ª Bienal de Arte, Cultura, Ciência e Tecnologia da
UNE. As discussões que permearam o evento e sua Carta final contemplaram
algumas pautas171 sérias e importantes:
• afirmação da auto-organização como princípio fundamental para construção
de suas bandeiras e prioridades;
• elaboração de políticas públicas e cotas para transexuais nas
universidades;
• obrigatoriedade da cadeira de gênero na educação superior;
• capacitação dos servidores sobre transexualidade e homossexualidade
para evitar bullyings e preconceitos;
• a necessidade de superar as barreiras que impediam o acesso da
população LGBT aos espaços de poder, o que incluía a educação;
• o combate à violência física, simbólica e institucional, o que poderia ser

170 Cabe ressaltar que a criação dessa diretoria foi fruto da mobilização e resistência dos estudantes
LGBT, como será relatado posteriormente nesse estudo.
171 No referido encontro também houve a defesa de pautas mais gerais: apoio às propostas de

Reforma Política e ao Projeto de Lei 7582/2014, que define os crimes de ódios e intolerância, dentre
outros (UNE, 2015).
179
exemplificado por meio das agressões verbais de colegas de turma e docentes, além
de trotes humilhantes e violentos;
• a formulação de política institucional direcionada às situações de violência
à população LGBT, criando mecanismos de denúncia e acolhimento das vítimas;
• o combate a todo e qualquer tipo de discriminação por orientação sexual
ou identidade de gênero;
• a garantia do uso do nome social nos documentos estudantis das
universidades para pessoas travestis e transsexuais172.
As discussões e preocupações dos encontros LGBTs da UNE sempre
contemplavam questões mais amplas da conjuntura nacional afins à discussão de
gênero e as demandas particulares desse perfil de estudantes, sendo que a ênfase
maior era conferida às primeiras. Nesse sentido, a segunda edição do encontro foi
realizada no ano seguinte, tendo como documento final a Carta de São Paulo. Assim
foram aprovadas as seguintes pautas:
• Promoção de projetos de extensão que garantam o diálogo com a
população LGBT excluída da universidade.;
• Criação e fortalecimento de políticas públicas de saúde, e
prevenção de DST para as pessoas LGBT;
• Garantia da utilização plena do nome social, e a aprovação da lei
João Nery173;
• Criar e fomentar campanhas de combate a LGBTfobia
nas universidades;
• Criação de ouvidorias de direitos humanos nas universidades,
com participação estudantil;
• Elaboração de relatórios e pesquisas sobre pessoas LGBT nas
escolas e universidades;
• Criação de disciplina que discuta sobre gênero e sexualidade
nas universidades;
• Criação de políticas e ações que combatam todo tipo de
violência contra LGBT.

A terceira edição do evento ocorreu no ano de 2018, em Salvador. Seu


documento final – Carta de Salvador – além das pautas identificadas no encontro
anterior foram acrescentadas outras mais específicas do ambiente universitário que,
na nossa avaliação, se relacionam mais com as condições de acesso e permanência:

172 Apenas no ano seguinte foi editado um decreto presidencial, o Decreto n. 8.727/2016, que tratava
do uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e
transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
173 O projeto de lei João Nery, apresentado à Câmara Legislativa Federal em 2013, visava garantir à

população trans o direito de reconhecimento de sua identidade de gênero. Embora a referida lei não
tenha sido aprovada, a Suprema Corte Brasileira garantiu no ano de 2018 os efeitos do referido PL
em relação ao direito de alterar o nome e o gênero no registro civil sem a condicionalidade de
realização de procedimento cirúrgico para redesignação de sexo (ANASTÁCIO, 2018).
180
• Lutar pela existência de políticas específica de assistência e
permanência estudantil para as pessoas LGBT;
• Criação de centro de referência de saúde integrado ao Sistema
Único de Saúde que possa oferecer acompanhamentos psicoterapêuticos
com atenção às pessoas LGBTs nas universidades;
• Criação de disciplinas obrigatórias que discutam sobre gênero e
sexualidade nas universidades;
• Criação de políticas e ações que combatam todo tipo de violência
contra LGBT;
• Obrigatória a formação em gênero e sexualidade em todos os
cursos;
• Criação da campanha pelas cotas trans na graduação e na
pós- graduação;
• Incentivar a criação de frentes auto organizadas de estudantes
LGBTs nas universidades;

Já a quarta e última edição do encontro foi realizada no ano de 2021, de forma


virtual, em função do contexto pandêmico de Covid-19. As pautas do referido evento
foram registradas na Carta do Brasil e, tal como ocorreu na edição anterior, algumas
questões centrais foram mantidas de modo a reforçar sua importância e necessidade
de avanço na materialização. Porém, outras pautas também foram incorporadas
nesse documento final:
• Lutar por mais financiamento para a ciência, para que
possamos avançar ainda mais na elaboração de políticas públicas;
• Lutar pela criação de comitês de direitos humanos nas
universidades, com plena participação estudantil;
• Retomada do projeto Universidade Fora do Armário (UFA) e
fomentar campanhas de combate à LGBTfobia nas universidades;
• Construir redes de solidariedade com/para LGBT nas
universidades e escolas;

Em nossa análise não é casual que haja somente cinco menções às condições
de permanência estudantil que tenham merecido o devido destaque nesse estudo.
Considera-se que em boa parte das edições da Revista Movimento analisadas, o que
predomina é uma exaltação da força da trajetória histórica da UNE em suas lutas na
sociedade brasileira. Além disso, tais edições se dedicam a pensar temas mais gerais
e estratégicos da sociedade que dialogam com a conjuntura política e econômica do
país. Todo esse esforço é importante e louvável, mas também se considera
fundamental articular esses aspectos com as questões particulares vivenciadas pelos
estudantes em suas universidades.
Este parece ser um desafio a ser enfrentado pelas entidades estudantis: como
articular as bandeiras de lutas mais gerais com as questões mais imediatas
vivenciadas a nível local/regional pelos estudantes? Em parte, este desafio pode

181
explicar a repulsa por alguns estudantes dessa estrutura mais tradicional do
movimento estudantil materializada na UNE. Tal repulsa talvez seja expressa por meio
de um sentimento de não identificação/representação com as pautas defendidas.
Nesse sentido, não nos parece casual o surgimento de outras formas de
organização críticas ao formato tradicional do movimento estudantil, sobretudo, após
os processos de reestruturação/expansão das universidades, alterações na forma de
ingresso com o novo Enem e sistema de reserva de vagas que contribuíram em muito
para promover uma maior diversificação do perfil universitário.
Desse modo, como forma de fazer valer suas demandas próprias, se espraiou
pelo país a emergência de coletivos e realização de encontros com pautas mais
específicas174, tais como: questão racial (negros e indígenas); pessoas com
deficiência e questão de gênero, dentre outros.
Segundo Oliveira (2019, p. 14),
entendidos como uma nova forma de organização política dos jovens
universitários, os coletivos de estudantes rompem com o modelo tradicional
de representação política dos estudantes – o movimento estudantil –, a fim
de reivindicar demandas específicas para seus grupos tais grupos se pautam
numa perspectiva de diversidade e emergência de novas identidades.

Seus membros podem atuar em mais de um coletivo, seja, em torno de uma


mesma temática ou que abarque mais de um recorte, tal como raça e gênero, dentre
outros. Outro aspecto acrescentado por Lima, S (2019, p. 76), diz respeito à forma de
organização política que se constitui nesses espaços, pois “se estabelece em termos
de horizontalidade, da formação de coletivo, da não institucionalidade e da experiência
de vida. Nesse contexto, as noções de experiência e o corpo aparecem como centrais
na constituição dos atores e das pautas políticas”. Ademais, para além de ser um
espaço que instrumentaliza suas lutas, os coletivos assumem um papel fundamental
no acolhimento e apoio mútuo nas inúmeras questões vivenciadas por esses
estudantes durante sua formação, portanto, tornam-se um reduto que contribui com a
permanência estudantil.
Nesse sentido, supõe-se que essas novas organizações do movimento
estudantil conseguem articular melhor as demandas particulares dos estudantes do

174 Aqui, chamamos a atenção para o fato de que tais questões específicas não são menos
importantes. Pelo contrário, são fundamentais de serem levadas em consideração se o objetivo for
atender as demandas por condições de acesso e permanência do público plural que passou a ocupar
as cadeiras das universidades, a partir dos processos que visaram a democratização desse nível de
ensino.
182
que o movimento estudantil de caráter mais tradicional. Mas, para confirmação de tal
assertiva seria necessário a realização de uma análise mais aprofundada, o que foge
ao escopo de nosso estudo. Assim, de forma breve, nas linhas a seguir, buscaremos
realizar um passeio sobre as questões que estão sendo apresentadas por esta parcela
relevante do público universitário, principalmente, no que diz respeito a suas
condições de permanência.
O primeiro movimento que iremos nos deter é aquele relacionado ao recorte
racial e que, portanto, se intensificou a partir do contexto de implementação das
políticas de ação afirmativa, como é caso das cotas raciais175. Conforme destacamos
anteriormente, a lei que instituiu e ampliou as cotas para todas as instituições federais
de ensino foi a Lei Federal n. 12.711/2012, no primeiro governo da presidente Dilma
Rousseff. No entanto, algumas universidades já haviam adotado essa política de ação
afirmativa antes desse marco legal, tal como é o caso da Uerj e a UNB, ambas desde
o ano de 2003.
Assim, os coletivos de estudantes negros passam a ser organizações
estudantis cada vez mais presentes nas Ifes. Seu formato é diverso mesmo numa
mesma universidade e pode abarcar estudantes de um mesmo curso ou de variados
cursos, estudantes apenas de graduação ou a mescla entre graduação e pós-
graduação etc., ou seja, cabe uma infinidade de combinações nesse modelo de
organização. No entanto, há algo que parece unificar todos os coletivos negros: o
reconhecimento da identidade negra e a adoção de formas de atuação política
antirracistas, com o intuito de promover melhorias no acesso e permanência de
estudantes negros na educação superior (OLIVEIRA, 2019).
Nesse sentido, o significado e a potência que o espaço dos coletivos passa a
ocupar no ambiente universitário pode envolver muitas questões para além daquelas
no sentido estritamente político, mas, que, ao nosso ver, se relacionam diretamente
com as condições de acesso e permanência nas Ifes. Tal assertiva se ancora no fato
de que as universidades historicamente não propiciavam o acesso desses grupos e,

175 Em meio a tantas polêmicas geralmente provocadas por aqueles setores da sociedade que são
contrários às cotas raciais e defendem as cotas sociais, cabe frisar que no aparato legal vigente as
cotas já são sociais. O primeiro recorte é conferido aos estudantes oriundos das escolas públicas, o
que expressa 50% das vagas. Posteriormente, dentro desse mesmo percentual, as vagas são
distribuídas a partir dos critérios raciais, de renda e de pessoas com deficiência. No primeiro caso,
deve ser respeitada a proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da
federação no qual está sediada a instituição de ensino.
183
portanto, a estrutura sob a qual estão assentadas cotidianamente opera mecanismos
de diferentes naturezas que dificultam a inserção e permanência desse público.
Desse modo, a experiência dos coletivos adquire relevância, justamente por
estar mais atenta às necessidades específicas dessa parcela de estudantes e
propiciar o sentimento de pertença num espaço de privilégio que historicamente lhes
foi negado.
Com isso, as pautas e estratégias de atuação176 dos coletivos de estudantes
negros, em geral variadas, podem se expressar por meio de: acolhimento;
compartilhamento de experiências e lutas; combate ao racismo e fraudes na política
de cotas; luta contra falta de representatividade nos diferentes espaços acadêmicos,
o que inclui os quadros de docentes; questionamento sobre a estrutura das grades
curriculares e a oferta de disciplinas que contemplem a temática étnico-racial e/ou
dialogam com a história dos povos negros; resistência; conscientização; debates de
temas relacionados à negritude (colorismo, ancestralidade, movimentos sociais, etc.);
autorreconhecimento da identidade negra; letramento racial; valorização da
identidade negra no espaço acadêmico; adoção das cotas raciais na pós-graduação;
promoção de cursos preparatórios para ingresso na pós-graduação; participação nas
comissões de heteroidentificação; preocupação com a evasão; promoção da saúde
mental; falta de recursos e oportunidades para trilhar sua trajetória acadêmica;
permanência dos alunos; segurança; eventos culturais; afetividade e sociabilidade
(OLIVEIRA, 2019; FERRARI; TARASIUK, 2020), dentre outras.
Um importante marco para essa vertente do movimento estudantil foi a
realização do I Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros
(Eecun)177, no ano de 2016, que reuniu mais de 15 coletivos. O encontro foi
organizado por e para estudantes e coletivos negros universitários, tendo por base
os princípios de afrocentricidade como método político; suprapartidarismo;
autonomia financeira; contra todas as formas de opressões178 (CERQUEIRA, 2016).

176 É importante destacar que as pautas e estratégias de atuação dos coletivos de estudantes negros
citadas nesse estudo foram sistematizadas a partir da leitura de diferentes fontes que versam sobre a
temática. Desse modo, não representam oficialmente nenhum coletivo ou entidade específica, mas
sintetizam o conjunto de demandas e questões a que essas organizações têm permanecido atentas
diante da ampliação da participação negra na composição das universidades.
177 O sítio eletrônico do referido encontro (www.eecun.com.br) está indisponível, portanto, não foi

possível acessar as resoluções e documentos na íntegra.


178 Tais princípios estão subscritos na Carta de princípios do Encontro, no entanto, não foi possível

acessá-la, pois conforme mencionamos, o sítio eletrônico está indisponível.


184
Ademais, teve como fruto decisões e encaminhamentos de políticas
institucionais, mas também, a criação de uma rede de coletivos com o intuito de
fortalecer o diálogo entre aqueles estudantes que estariam isolados em suas
universidades179. Tal como observa Oliveira (2019), a organização desses estudantes
não estava pautada apenas no recorte social, pois congregava outras categorias à
raça, tais como gênero, cultura e arte.
Se houve pouco espaço para representação do estudantes negros no modelo
tradicional do movimento estudantil, a situação é ainda pior quando se trata dos
estudantes indígenas. Não foi localizado na estrutura UNE nenhuma diretoria ou
mesmo espaço consultivo de articulação setorial que privilegiasse as pautas
relacionadas a este grupo180.
Além dos coletivos que possuem uma atuação mais local, houve também uma
articulação a nível nacional que resultou no primeiro Encontro Nacional dos
Estudantes Indígenas (Enei), realizado no ano de 2013 – um ano após a aprovação
da Lei Federal das cotas – na Universidade Federal de São Carlos181 (Ufscar).
No sítio eletrônico do referido encontro estão disponíveis relatos da maioria das
nove edições do encontro que foram realizadas até o momento, sendo todos
elaborados por Leandro Karaí Mirim Pires Gonçalves, acadêmico indígena formado
em Letras – Português/Espanhol. Nesse sentido, iremos destacar as principais
pautas, dando destaque para aquelas relacionadas mais diretamente com as
condições de permanência, foco de nosso estudo.
O primeiro Enei teve como proposta inicial promover o protagonismo indígena
nas mesas e debates, sendo discutidas demandas por condições de permanência
atreladas ao ambiente universitário, mas, também questões mais amplas que

179 Tal como destaca Cerqueira (2016), embora o foco principal do Eecun tenha sido pensar a
população negra e o ambiente universitário, outras pautas mais gerais também foram alvo de
discussão, dentre elas: extermínio da juventude negra; racismo religioso; diáspora africana;
desrespeito à Lei Federal n. 10.639/03; sub-representação dos negros nos partidos políticos; baixa
utilização de intelectuais negros nas universidades; titulação das terras quilombolas etc.
180 Nesse sentido, não é o casual o desejo de compor uma entidade similar à UNE, mas específica

dos indígenas, diante da recorrente falta de representatividade no espaço universitário. Tal como foi
noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo (CASSEF, 2022), num evento paralelo dentro da IX edição do
Encontro Nacional de Estudantes Indígenas, ocorrida no final de julho/2022 na Universidade Estadual
de Campinas (SP), a proposta era criar a União Plurinacional de Estudantes Indígenas
(Upeindígenas).
181 A referida universidade foi escolhida para receber o evento, pois desde o ano de 2007 recebia

estudantes indígenas, por meio de vagas complementares, em todos os cursos oferecidos em seus
três campi (Informação obtida no sítio eletrônico do ENEI: https://www.enei-evento.com.br/nossa-
historia).
185
extrapolam os muros das universidades. O Enei, com o tempo, foi se forjando como
um espaço potente de acolhimento, intercâmbio de saberes acadêmicos e expressão
da fé e de manifestações culturais indígenas.
Durante todo o evento foram fomentadas questões referentes às lutas pelas
demarcações de terras, bem como das políticas de acesso e permanência
em diversas realidades e contextos. O evento também serviu para denunciar
as grandes evasões de estudantes indígenas em diversas universidades do
país. No que diz respeito à permanência e às ações afirmativas, foi refletido
de forma coletiva em como é essencial para continuar os estudos
universitários os programas governamentais, como a bolsa permanência para
indígenas e quilombolas. E como vai além de somente o auxílio financeiro.
Como por exemplo, de que modo pode se pensar dentro das universidades
no acolhimento e estratégias de enfrentamentos às violências específicas que
o estudante indígena enfrenta dentro de um contexto universitário. Isso
porque, muitas vezes o estudante indígena sofre uma violência e está
distante de sua rede de apoio, seja ela familiar ou cultural (Relato de Leandro
Karaí Mirim Pires Gonçalves – I Enei 2013).

Assim como ocorre em relação aos negros, a educação superior é um espaço


no qual historicamente a população indígena também teve de enfrentar grandes
percalços para acessá-la. Conforme demonstraram os dados coletados pelas
pesquisas do Fonaprace (1997; 2004; 2011; 2016; 2019), desde os anos 1990, o
maior percentual alcançado por essa parcela de estudantes foi de 2% no universo
total.
Desse modo, tal como pode ser observado no relato supracitado, àqueles que
passam a ocupar esse espaço de privilégio do conhecimento, impulsionado pelas
medidas de democratização desse nível de ensino, torna-se imperativo questionar a
própria estrutura sobre a qual se assentam as universidades. Isso se deve tanto ao
ensino ofertado que envolve o modo como as grades curriculares estão estruturadas,
muitas vezes desconsiderando os conhecimentos científicos produzidos por essas
populações e mesmo não estabelecendo um diálogo aberto com a história desses
povos. Mas, também, as práticas pedagógicas adotadas, a forma como se realizam
as pesquisas e o modo como as instituições se articulam com a comunidade externa,
tanto levando em consideração seus interesses e saberes, quanto no diálogo que é
realizado ao devolver/socializar todo o conhecimento que é produzido em seu interior.
Assim, a reivindicação de condições de acesso e permanência por parte
desses grupos irá passar necessariamente pelo questionamento de toda
estrutura universitária, pois tal qual a sociedade, esta reproduz cotidianamente os
processos de desigualdades, discriminação e racismo que por muito tempo

186
impediram o acesso dessa parcela de discentes ao ensino superior. Com isso,
exigem o desenvolvimento de uma concepção mais ampliada da política de
assistência estudantil que não seja restrita apenas às bolsas.
Os Eneis subsequentes foram realizados anualmente no mesmo formato do
primeiro encontro182, muitas vezes contando com a participação de universidades
estrangeiras183 e de diferentes etnias184 da população indígena. A cada nova edição
uma região do país era escolhida para ser sede185 e as discussões mesclavam pautas
mais gerais e outras específicas do mundo acadêmico, sempre vinculadas à questão
indígena.
Dentre as pautas mais gerais discutidas nos referidos encontros, podem ser
destacadas: o não cumprimento da garantia do ensino e aprendizagem diferenciados
para a população indígenas; o descumprimento dos direitos indígenas inscritos na
Carta Magna de 1988; altos índices de violências contra as populações indígenas na
região do Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste); epistemicídio dos saberes indígenas;
valorização da cultura dos povos originários; organização política do movimento
estudantil indígena entendida como absolutamente necessária para o avanço das
políticas públicas para o povos originários; combate aos ataques das instituições
brasileiras, como a mídia e o agronegócio, aos povos ancestrais; demarcação de
terras indígenas; criminalização do movimento indígena; saúde mental; genocídio dos
povos originários; movimento indígena no Brasil; protagonismo das mulheres
indígenas; intelectuais e acadêmicos indígenas e o compromisso com as causas do
movimento indígena; políticas de saúde indígena e saberes tradicionais; política
públicas de educação superior indígena; sustentabilidade e meio ambiente;
tecnologias da informação, comunicação e demanda indígena; agrobiodiversidade;
segurança alimentar; sistema agroflorestal; uso de línguas indígenas nas escolas; Lei
Maria da Penha; dentre outros.
No que tange às demandas pertinentes ao ambiente universitário, buscaremos
enfatizar as principais relacionadas às condições de permanência, o que se observou

182 Uma ressalva deve ser feita em relação aos VIII e o pré-evento do IX Enei, pois o primeiro não
pode ser realizado em função da pandemia de Covid-19 e o segundo, pelo mesmo motivo, acabou
sendo realizado de forma virtual.
183 Dentre elas, podemos citar: a Universidade de Cauca da Colômbia, a Universidade do Equador e a

Universidade Zapatista do México.


184 Na segunda edição houve a participação de 42 etnias diferentes da população indígena.
185 Sua VI edição foi sediada na aldeia Guarani (Dourados – MS), local de disputa e graves violações

dos direitos das populações indígenas.


187
serem pautas muito recorrentes nos encontros. Um dos aspectos defendidos no Enei
era pensar políticas de acesso e permanência para contextos e realidades distintas, a
fim de se evitar processos de evasão desse público específico que já estavam
acontecendo e, mais, não as limitar à concessão de auxílios financeiros. É claro que
estava presente com frequência nos encontros a preocupação com o apoio
financeiro ofertado por meio das bolsas permanência para indígenas e quilombolas e
das bolsas específicas das universidades. No entanto, os estudantes defendiam que
era fundamental promover políticas de acolhimento e estratégias de enfrentamento
às violências específicas que o indígena se deparava no ambiente universitário, tal
como fora relatado por Leandro Gonçalves.
Além disso, em distintas edições do Enei, foi ressaltada a importância de os
cursos realizarem uma revisão de seu projeto pedagógico para que novos conteúdos
fossem incorporados e novos princípios didático-metodológicos fossem adotados no
sentido de acolher os estudantes indígenas. Tudo isso reforça nosso entendimento de
que as vertentes negra e indígena do movimento estudantil contestam a estrutura sob
a qual as universidades estão assentadas e, por isso, também demandam uma
ampliação da concepção de política de permanência existente até então.
A partir do ano de 2016, foi dada uma nova redação à Lei Federal das Cotas –
por meio da Lei nº 13.409, de 2016) – que passou a incluir a reserva de vagas para
as pessoas com deficiência. Antes disso, o Decreto Pnaes, em seu art. 3º, já havia
definido como um de seus eixos de atuação o “acesso, participação e aprendizagem
de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades e superdotação”.
Historicamente não se observa uma ênfase dada nas pautas da UNE às
questões vinculadas à acessibilidade ou, propriamente dito, às pessoas com
deficiência. Parece-nos que, diferente dos estudantes negros e indígenas, ainda não
existe a mesma estrutura de organização dos estudantes com deficiência em torno de
suas pautas específicas no ambiente universitário.
Num breve levantamento, não foram encontradas iniciativas estudantis a nível
nacional, apenas a nível local, tais como: o I Encontro de Estudantes da Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Coletivo de Estudantes com
Deficiência da Universidade Federal Fluminense (Caad-UFF) e alguns coletivos do
espectro autista em diferentes universidades (Universidade de São Paulo,
188
Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Universidade Estadual de Campinas ,
Universidade Estadual Paulista), dentre outros. Supõe-se que podem existir uma
infinidade de denominações para os movimentos a nível local, dados os múltiplos tipos
de deficiência previstos legalmente, no entanto, isso dificulta nosso mapeamento.
Por outro lado, os estudantes com deficiência podem não ter um fórum
estudantil específico de articulação nacional, pois já estão articulados por meio de
organizações, entidades ou fóruns que reúnem profissionais que atuam na área, além
de pessoas com deficiência de diferentes setores da sociedade186. A confirmação de
tal suposição demandaria um estudo aprofundado que foge ao interesse inicial de
nosso estudo.
De todo o modo, tal cenário evidencia que este é um tema que ainda demanda
maior atenção e necessidade de aprofundamento tanto das universidades (gestores
e profissionais), quanto dos próprios estudantes no interior de suas respectivas
instituições e entidades representativas. Há múltiplas deficiências e para cada uma
delas há graus diferenciados de atenção e necessidades. Portanto, para receber este
perfil de estudantes é fundamental que as instituições e suas equipes sejam
qualificadas de forma contínua a fim de viabilizar as condições de acesso e
permanência adequadas.
Algumas das demandas identificadas nas iniciativas encontradas a nível local
são: promoção de cursos de capacitação para os surdos, em especial de Língua
Portuguesa; existência de banheiros acessíveis, elevadores, rampas e outros espaços
com acessibilidade; sensibilização e conscientização da comunidade universitária
para questões de acessibilidade e inclusão; contratação de intérpretes de libras;
identificação e remoção das barreiras arquitetônicas, pedagógicas e atitudinais que
tornam os ambientes menos inclusivos, dentre outros.
Por fim, outra vertente do movimento estudantil que iremos nos aproximar é a
LGBT. Conforme mencionamos anteriormente, no 49º Congresso da UNE foi criada
uma Diretoria de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero
que depois passou a ser denominada Diretoria de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgênero – LGBT. Esse constituiu um marco, pois o

186Um exemplo disso, é o Fórum de Acessibilidade da UFRJ, formalizado desde o ano de 2016 como
um espaço permanente de discussão, elaboração e suporte ao desenvolvimento e implementação da
política institucional em acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência.
Cf.<https://acessibilidade.ufrj.br/o-que-e-o-forum/>. Acesso em: 9 set. 2022.
189
movimento estudantil organizado começou a ficar mais atento às pautas LGBT, o que
não ocorreu sem embates e resistências.
Com isso queremos dizer que a criação da supracitada diretoria foi fruto direto
da mobilização dos estudantes, diante de um caso de homofobia ocorrido no
Congresso Estadual da UNE de São Paulo. Na ocasião, haveria uma atividade
específica sobre diversidade sexual que foi desconsiderada, pois não seria uma pauta
de interesse do movimento estudantil, na avaliação de algumas lideranças.
Nesse sentido, no Congresso Nacional da UNE seguinte foi realizado um ato
com o objetivo de exigir que as pautas de diversidade sexual e opressão fossem
incorporadas pela entidade, o que resultou na criação da diretoria relacionada ao
tema. Mas, além disso, a mobilização em torno dessa questão também teve como
desdobramento a realização do Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade
Sexual (Enuds)187, com a proposta de discutir as demandas específicas de estudantes
que se identificavam com alguma identidade da sigla LGBT (LIMA, S, 2016).
Desse modo, é absolutamente compreensível a existência de certa repulsa ao
modelo tradicional de movimento estudantil no Enuds. Este último surgiu no ano de
2003, ou seja, antes da implementação das medidas que resultaram na diversificação
do perfil universitário e da realização do primeiro evento nacional da UNE relacionado
à temática LGBT188.
O referido encontro foi forjado como um espaço de atuação política contra
casos de machismo e homofobia nas universidades, além de propiciar discussões
relacionadas à temática de diversidade sexual (LIMA, S, 2016; 2019). Porém, com o
tempo, passou a reunir grupos e coletivos articulados a esta temática com o objetivo

187 Segundo Lima, S (2016), a partir de 2014, em sua 12ª edição, a denominação do encontro foi
alterada para Encontro Nacional em Universidade sobre Diversidade Sexual e Gênero (ENUDSG).
Para além da modificação do perfil do encontro, outro aspecto que parece ter influenciado a mudança
do nome foi a reivindicação de algumas pessoas trans para que se sentissem representadas neste
espaço, pois embora participassem ativamente, ainda não eram estudantes universitários.
188 Para Lima, S (2016), nesse período havia uma efervescência política desse movimento no cenário

do país. Foi o primeiro ano do mandato do presidente Lula da Silva que se prolongou até o ano de
2010 e início da realização de múltiplas Conferências Nacionais de Políticas Públicas. Houve ainda a
constituição da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual (hoje Frente pela Cidadania LGBT) e
criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A primeira permitiu
o envolvimento do movimento LGBT na formulação de políticas e legislações, já, a segunda, propiciou
mecanismos de financiamento direto a programas e projetos direcionados ao combate à
discriminação e promoção dos direitos da população LGBT. Ademais, como resultado positivo dos
processos de expansão/reestruturação das universidades, segundo Facchini et al (apud LIMA, S,
2016), houve um deslocamento de pesquisadores formados em instituições consolidadas que se
debruçaram sobre o tema sexualidade e gênero para universidades mais distantes, fora do eixo Rio
de Janeiro – São Paulo.
190
de constituir um espaço de discussão acadêmica e política. Outra característica
apontada pela autora (LIMA, S, 2016), é a potencialidade dos Enuds se configurarem
como espaços de formação política para os coletivos que tinham dificuldade de
cumprir esse papel no dia a dia.
Tal como o Eecun, um de seus princípios era o suprapartidarismo, pois havia o
receio de aparelhamento dos encontros por algum partido específico e, com isso, na
avaliação dos estudantes, o Enuds poderia se tornar um espaço com as mesmas
características e temas privilegiados nos debates do movimento estudantil tradicional.
A 4ª edição do Enuds, realizada no ano de 2006, foi a primeira que não teve
seu público-alvo restrito aos estudantes universitários, pois contou com a participação
de militantes GBLT189, funcionários e servidores da prefeitura de Vitória/ES. Na edição
seguinte, o referido encontro passou a se distanciar de sua proposta inicial como
vertente do movimento estudantil e a assumir um perfil mais acadêmico 190, o que
perdurou nas edições posteriores (LIMA, S, 2016).
Na tentativa de aproximação com as demandas atreladas às condições de
permanência apresentadas por essa vertente do movimento estudantil, buscou-se o
acesso às atas das plenárias finais dos cinco primeiros Enuds. Tal como
mencionamos, os encontros iniciais tinham um perfil mais estudantil e, portanto,
supõe-se que as demandas relacionadas ao ambiente universitário estariam mais
evidentes. No entanto, nenhum dos documentos finais foram localizados virtualmente,
o que dificultou o prosseguimento de nossa análise.
Conforme pode ser observado, ainda que não estivessem necessariamente
organizados em torno da UNE, os estudantes não deixaram de se envolver em
movimentos contestatórios e críticos desde os anos do governo Lula da Silva. Outras
vertentes do movimento estudantil estiveram ativas e, por vezes, sua atuação ocorria
de forma articulada com outros setores organizados da sociedade, seja nas greves
e/ou nas atividades/manifestações políticas públicas.
189 Nos anos 1980 a sigla que identificava esse movimento era GLS – gays, lésbicas e simpatizantes.
Já nos anos 1990, com a inclusão dos bissexuais e pessoas trans passa a ter a denominação GBLT.
Especificamente no Brasil, nos anos 2000, diante da luta pelo reconhecimento e visibilidade das
mulheres a sigla que passou a ser utilizada foi a LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais. Posteriormente, outras denominações também foram incorporadas à sigla: LGBTQIA+
que significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais e Demais
Orientações Sexuais e Identidades de Gênero.
190 Esse perfil acadêmico implicou na diversificação do público participante, não sendo mais restrita

aos estudantes universitários. Além disso, também resultou na alteração da estrutura, passando a
contar com a realização de palestras, oficinas, minicursos e apresentação de trabalhos.
191
Um exemplo peculiar disso é o Encontro Nacional de Educação que ocorreu
pela primeira vez no ano de 2014, ainda no governo petista da presidente Dilma
Rousseff191. Ainda que o referido evento tenha uma abrangência maior em termos de
participantes, pois não só reuniu atores vinculados ao movimento estudantil, nossa
opção por empreender uma análise das discussões contempladas em seu documento
final se deve ao reconhecimento de uma evidente insatisfação com a configuração
atual das políticas de acesso e permanências existentes nas Ifes. Conforme será
possível observar na segunda edição desse encontro, há críticas em relação às áreas
de atuação contempladas de forma inadequada ou insuficiente, além da reivindicação
de melhorias e criação de espaços para atuação política dos estudantes.
Ademais, está presente uma concepção mais ampla da política de assistência
estudantil do que aquela identificada na análise das publicações da UNE. Nesse
sentido, parece se aproximar mais de parte das expectativas das outras vertentes do
movimento estudantil evidenciadas neste estudo em torno de suas condições de
permanência, pois nota-se uma postura de questionamento do modelo vigente da
estrutura das universidades.
O ano de 2016, momento em que ocorreu o segundo Encontro Nacional de
Educação, foi emblemático, pois assistimos cair o governo da presidente Dilma por
meio de um golpe de Estado – um “golpe de Estado pseudolegal, 'constitucional',
'institucional', parlamentar ou o que se preferir, mas golpe de Estado” (LOWY, 2016,
p. 64) – que se materializou por meio de um processo de impeachment192. Para Semer
(2016, p. 108),
o caráter político do processo de impeachment claramente se sobrepôs à
exigência jurídica de um crime de responsabilidade, tratado como pretexto
para pôr a máquina legislativa em andamento. […] Sem crime de
responsabilidade que pudesse servir de base para acusação, o propalado
conjunto da obra representou um voto de desconfiança, em inequívoca
ruptura com o processo eleitoral que o antecedera.

Para o mesmo autor, a infraestrutura do golpe foi fornecida pelo capital


financeiro e subsidiada pelos comandantes da indústria. O que os movia era a
necessidade de permanência e expansão das contrarreformas neoliberais que, diante

191 O relatório do referido encontro não foi localizado de forma eletrônica.


192 Dessa vez não foram os estudantes, na figura da UNE, os grandes protagonistas na atuação pelo
processo de impeachment, tal como ocorreu no início da década de 1990. Em geral, os setores mais
críticos estudantis vinculados à UNE ou não, se posicionaram de forma contrária à consumação
desse golpe de Estado.
192
das seguidas derrotas eleitorais, foram colocadas em questão sobre a possibilidade
de sua continuidade por meio das vias democráticas.
Não é à toa que, ao assumir a presidência inicialmente de forma provisória,
Michel Temer não se furtou de impor gradualmente sua agenda política conservadora,
estimulando o desmonte estatal e imprimindo uma série de ataques ao conjunto de
direitos sociais existentes até então (PERICÁS, 2016), o que incluía a educação
superior brasileira.
Nesse primeiro ano do golpe, a despeito dos movimentos de resistência de
setores organizados da sociedade – e aqui se incluem os estudantes organizados em
entidades ou não –, foram aprovadas um conjunto de medidas que aprofundaram a
contrarreforma do Estado brasileiro. Dentre elas, podemos citar como principais: a
“Reforma Trabalhista”, a Lei das terceirizações e a denominada “PEC do fim do
mundo” que instituiu um novo Regime Fiscal193 no país, estabelecendo um limite
estrutural ao conjunto de políticas sociais ao aprovar o teto dos gastos sociais por 20
anos, via Emenda Constitucional n. 95/2016.
Também foram realizados movimentos específicos no campo da educação
superior brasileira: o Fies teve em torno de 40% das vagas suprimidas e, além disso,
foi promovida uma série de cortes nos repasses financeiros efetuados para as
universidades e institutos federais, colocando em questão suas possibilidades de
manutenção e funcionamento (AGÊNCIA PT DE NOTÍCIAS, 2017), o que gerou

193 Conforme indica Mattos (2018), a ideia de um limite para os gastos sociais públicos não é
inaugurada com o golpe de Michel Temer. Segundo reportagem do Nexo Jornal, proposta semelhante
já havia sido sugerida já no governo Lula da Silva pelo então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci. A
proposição era sobre a estipulação de um limite de gastos atrelado ao Produto Interno Bruto. Assim, o
valor a ser gasto pelo governo sofreria variações para mais ou menos de acordo com o crescimento
ou redução do PIB, respectivamente. No entanto, naquele período esta ideia não encontrou terreno
fértil. Porém, pouco tempo depois, outra iniciativa semelhante partiu de outro governo petista, da
presidente Dilma, e não foi adiante: “a ideia era limitar os gastos o crescimento das despesas nos
anos de boa arrecadação. O plano previa que, em caso de risco de descumprimento do limite que
ainda seria estabelecido, medidas de redução de despesas seriam acionadas automaticamente. Eram
três fases de 'gatilhos' a serem ativados em caso de despesa acima do limite: restrição de
contratação de funcionários, de subsídios a empresas e até suspensão de alta real no salário-mínimo”
(NEXO JORNAL, 2016 apud MATTOS, 2018, p. 140). Chama-se a atenção para o fato de que, nos
distintos governos desde Cardoso, passando pelos governos petistas de Lula da Silva e Dilma
Rousseff e chegando ao governo ilegítimo de Temer, há uma preocupação em limitar os gastos
públicos com a área social, no entanto, inexiste a mesma preocupação em relação às crescentes
transferências de fundo público para o grande capital via pagamento de juros e amortização da dívida
pública. A Auditoria Cidadã da Dívida, a partir da análise do orçamento geral da União executado no
ano de 2015, demonstrou que apenas 3,91% do PIB foi destinado para a educação. No mesmo ano,
o montante de recursos destinados ao pagamento da dívida pública foi 10,8 vezes maior que o
orçamento da educação, ou seja, quase metade do orçamento geral da União (42,43%)
(FATTORELLI, 2016).
193
movimentos de paralisação e greves por todo o país.
Diante do cenário sumariado acima, não é casual que o II Encontro Nacional
de Educação tenha sido realizado no ano de 2016194, congregando diversos setores
em torno da luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Dentre eles
estão: estudantes secundaristas e universitários; estudantes de escola técnica;
técnico- administrativos da Educação Básica e do ensino superior; professores e
professoras do ensino básico das redes estadual e municipal; docentes de instituições
federais e estaduais de ensino superior; assistentes sociais; movimento popular (II
ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2016).
Para além da defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade, a
democratização do acesso e a provisão das condições de permanência são pautas
que permeiam as lutas dos setores organizados no Encontro Nacional de Educação,
todas pensadas sob o prisma do direito social.
No relatório final do II Encontro Nacional de Educação (2016), há uma postura
bastante crítica que também atinge os governos petistas – diferente da postura
assumida pela UNE –, pois são reconhecidas contradições existentes nos processos
de expansão/reestruturação que ocorreram nas diferentes Ifes, a fim de melhorar o
acesso e a permanência. Em sua declaração política, há o reconhecimento da
influência dos organismos multilaterais, já que a ampliação desse acesso surge
atrelado à privatização sob duas perspectivas:
massificação e diversificação sem qualidade, sem controle público e social.
Isto tem impactado negativamente nas políticas de assistência estudantil que
resume ao Pnaes enquanto decreto e não política de Estado, limitado ao
atendimento das demandas de estudantes de ensino superior, enquanto há
ausência de política de permanência para educação básica (II ENCONTRO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2016).

Especificamente sobre assistência estudantil, do conjunto de propostas


incluídas no eixo de “acesso e permanência 195”, ampla maioria está direcionada ao

194 Esse encontro foi realizado em Brasília, sob a organização do Comitê Nacional em Defesa dos
10% do PIB para a Educação Já. Na ocasião, o comitê foi transformado em Coordenação Nacional de
Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita, cuja finalidade central era dar sequência ao
calendário de ações unificadas em defesa da educação pública e de qualidade (LIMA, G, 2017).
195 Considera-se que as propostas contidas neste eixo, embora possivelmente não tenham sido

construídas somente pelos estudantes, já que o encontro era mais amplo, conformam uma
concepção de assistência estudantil mais estruturada do que aquela proposta construída pela UNE,
nos anos 2000. As propostas em tela abarcam uma maior diversidade de áreas que as condições de
permanência devem envolver e, além disso, em nenhum momento flertam com os processos de
privatização, seja no interior das universidades públicas ou nos programas implementados pelas
entidades privadas. No mesmo sentido, tais propostas aparentam estar mais próximas das demandas
194
público universitário. Das 66 propostas apresentadas, pelo menos 47 estão vinculadas
direta ou indiretamente a este nível de ensino. Na análise das propostas supracitadas,
categorizamos em eixos a fim facilitar a apreensão dos principais elementos.
O primeiro eixo é mais amplo e congrega propostas relativas aos aspectos mais
gerais da educação e da assistência estudantil:
1. Explicita-se o tipo de educação superior que se defende: pública, gratuita e
de qualidade. Com isso, coloca-se no horizonte a defesa da universalização deste
nível de ensino, extinguindo-se os mecanismos meritocráticos de acesso. Soma-se a
isso, a defesa da destinação dos 10% do PIB para educação e a ideia de estancar a
sangria que ocorre com os sucessivos cortes orçamentários. Do mesmo modo, a
terceirização e os processos de privatização das universidades são refutados.
2. Defesa do debate sobre a política de assistência estudantil e seus
aspectos legais/de regulamentação - Defende-se ampliação e intensificação do
debate sobre as condições de permanência, de modo a favorecer o acesso da
comunidade externa e periférica. Por outro lado, há uma defesa de
transformação do Pnaes em decreto lei196, de modo a favorecer a construção de
uma nova política de permanência nas instituições. Nesse sentido, é proposta a
elaboração de um Plano Estadual de Assistência Estudantil, o que acreditamos ser
uma tentativa de abarcar as peculiaridades regionais existentes nas demandas
relativas à permanência. No entanto, embora não esteja explicitado no relatório,
consideramos que para além de planos estaduais, também é importante a
configuração de um plano nacional que estabeleça diretrizes gerais, mas sem
desconsiderar as particularidades regionais.
3. Defesa de uma concepção mais ampliada da assistência estudantil – Há a
defesa de uma política de permanência que transcenda as áreas historicamente
contempladas de forma precária, como moradia, alimentação e as bolsas. Nesse
ponto, cabe destacar que as propostas transbordam inclusive os 10 eixos de atuação
previstos no Pnaes. No teor das propostas, identificamos as seguintes áreas que
devem ser consideradas nas políticas de permanência: moradia, acessibilidade,

apresentadas pelas vertentes do movimento estudantil que representam os estudantes que passaram
a ingressar nas universidades, a partir das medidas de democratização do acesso e, em geral,
possuem uma repulsa à estrutura tradicional deste movimento.
196 Destaca-se que a regulamentação atual do Pnaes (decreto) favorece sua revogação mais

facilmente, ou seja, a depender dos interesses governamentais e disputas entre as classes, tal
programa pode ser descontinuado a qualquer momento.
195
violência de gênero, alimentação, cultura, segurança, transporte público e solidário,
formação política, saúde, saúde mental, inclusão digital, bibliotecas e políticas
específicas direcionadas a estudantes mães/pais e estudantes trabalhadores.
4. Recursos orçamentários – Além da uma ampliação dos recursos do Pnaes
para três bilhões de reais, há uma defesa da regulamentação da destinação da
verba de sua rubrica específica ser exclusiva para a assistência estudantil e não,
preferencialmente, como rege o decreto até o momento.
5. Criminalização das lutas – Há uma defesa de atuação contra as ações
governamentais que visem a criminalização das lutas dos estudantes e
trabalhadores da educação.
6. Por fim, reforça-se a importância de uma gestão democrática, participativa
e com controle social em todos níveis e instituições, o que inclui a política de
assistência estudantil.
O segundo eixo contempla apenas dois itens e se refere mais especificamente
aos aspectos da operacionalização da política de assistência estudantil, sobretudo,
no que tange às profissionais envolvidas.
1. Defesa da valorização e qualificação das profissionais atuantes na política
de assistência estudantil, o que parece estar mais direcionado aos profissionais que
atuam nos processos seletivos. Embora não esteja explícito o entendimento dos
docentes como parte integrante das equipes de assistência estudantil 197, reforça-se
a importância de sua formação continuada para temas específicos e tão caros à
permanência, tal como a educação inclusiva.
2. Necessidade de melhorias no formato atual de seleção para acesso aos
programas de assistência estudantil – Defende-se a desburocratização do cadastro
socioeconômico, além de um processo diferenciado para estudantes em situações
emergenciais. Ademais, reforça-se a importância da transparência nos editais e
processos relativos às políticas de permanência.
O terceiro eixo diz respeito mais diretamente à configuração assumida pela
política de assistência estudantil.
1. Construção, ampliação e/ou melhoria dos serviços e políticas de

197 No presente estudo, consideramos fundamental os docentes serem considerados como parte
integrante das equipes de assistência estudantil, o que pressupõe o estabelecimento de parcerias e
articulações, mas não de forma individual e sim como política institucionalizada, já que são eles que
possuem o contato mais próximo e frequente com os estudantes.
196
permanência, o que inclui as bolsas – Conforme descrevemos no item 3 do primeiro
eixo aqui analisado, há um conjunto de áreas que não se limitam àquelas previstas
no decreto Pnaes. Nesse sentido, é reforçada a necessidade de construir ações nas
áreas ainda não contempladas e ampliar e/ou melhorar aquelas já existentes. As
bolsas permanência são defendidas sem a necessidade de contrapartida e, além
disso, toda e qualquer redução de bolsas, seja na graduação ou pós-graduação, é
repudiada.
2. Ações afirmativas – há uma defesa de políticas específicas de acesso e
permanência para ameríndios indígenas, quilombolas, camponeses e outras
“minorias sociais”, o que inclui sua inserção em atividades vinculadas aos três
pilares das universidades – ensino, pesquisa e extensão – e a possibilidade de
continuidade da formação ao se pleitear a implementação das cotas raciais nos
programas de pós-graduação.
3. Atuação/formação política – Está expressa no documento, a preocupação
pela construção de espaços de formação política e de organização e intensificação
da luta pela educação de forma geral e, especificamente, pela assistência estudantil.
Propõe-se a composição de um Fórum Nacional específico que debata educação e
assistência estudantil como processo de formação e aprofundamento das pautas e
reivindicações, no sentido da elaboração de um programa nacional que unifique as
lutas em defesa das políticas de permanência estudantil.
4. Estudo x trabalho/maternidade/paternidade – Outro aspecto ressaltado nas
propostas é a necessidade de construir políticas específicas de acesso e
permanência que considerem a situação dos alunos trabalhadores, no sentido de
garantir a compatibilidade entre o tempo de trabalho e a formação profissional.
Ademais, a garantia da continuidade dos estudos pelos alunos mães/pais também é
colocada como algo que demanda atenção ao se pensar na política de assistência
estudantil.
5. Inclusão da pós-graduação no Pnaes – Por fim, mas não menos
importante, defende-se a inclusão dos estudantes de pós-graduação como público-
alvo do Pnaes198, devendo haver aumento proporcional dos recursos orçamentários,

198No decreto vigente figuram inicialmente como público-alvo do Pnaes os estudantes de graduação
nos cursos presenciais das Ifes. No entanto, ao abranger também os institutos federais, considerando
suas especificidades, inclusive do corpo discente, também passam a ser alvo das ações de
assistência estudantil os estudantes da educação básica matriculados nas referidas instituições.
197
além do reconhecimento da bolsa da pós como direito.
Ao apresentarmos, ainda que de forma breve, a trajetória do movimento
estudantil frente aos sucessivos movimentos de contrarreforma da educação superior,
buscamos reforçar a presença de outros atores nesse projeto privatista que não
somente é consequência de uma influência externa. Há atores internos de diferentes
setores da sociedade que legitimam as propostas capitaneadas pelos diferentes
governos federais, mas também, há atores que se colocam num movimento de
resistência – tal como o movimento estudantil na figura da UNE, ainda que oscile na
sua postura crítica de enfrentamento – que também ajudam a moldar esse processo
que ainda está em curso.
A sequência de ataques sofridos aos direitos sociais, desde os anos 1990,
tem colocado os movimentos sociais e setores organizados da sociedade em uma
postura de resistência mais defensiva. Com isso, mais do que lutar pela mudança
radical das medidas operadas pela contrarreforma do Estado brasileiro e seus
rebatimentos no campo da educação superior, o que tem sido feito é uma defesa
dos direitos conquistados a duras penas.
Em nosso entendimento, fica evidente que o processo de bolsificação da
política de permanência das Ifes não é alvo de críticas por parte dos estudantes, o
que pode ser observado nas diferentes vertentes do movimento estudantil. A
reivindicação deste público usuário passa pela ampliação do quantitativo de
bolsas/auxílios para atendimento da demanda existente, ou seja, aparentemente não
é o formato em si dos programas de bolsas, mas a sua cobertura no universo
estudantil que é objeto de repúdio.
Não há grandes problematizações, por parte dos estudantes, sobre a
centralidade que programas de bolsas/auxílios adquirem na implementação da política
de assistência estudantil, embora se observe a apresentação de demandas que
exigem a necessidade de constituição e/ou ampliação de serviços de caráter mais
permanente. Assim, de modo geral, podemos afirmar que as diferentes vertentes do
movimento estudantil, a partir das demandas analisadas, tendem a reivindicar no
âmbito das políticas de permanência a manutenção e ampliação de bolsas/auxílios,

Embora os institutos federais também possuam programas de pós-graduação, tal qual as


universidades, dado os parcos recursos orçamentários da rubrica específica da assistência estudantil,
geralmente as ações são restritas aos estudantes de cursos presenciais da educação básica (nos
institutos federais) e de graduação (institutos federais e universidades).
198
mas, não só. Também é perceptível a identificação de demandas que exigem a
constituição/ampliação de equipamentos coletivos e serviços.
No entanto, a centralidade dos programas de bolsas/auxílios bem como seus
desdobramentos para o desenvolvimento do trabalho profissional e o atendimento das
demandas dos usuários tem sido alvo de críticas pela maioria das assistentes sociais
nas diferentes Ifes. É importante demarcar essa diferenciação de preocupações dos
sujeitos envolvidos em torno da implementação da assistência estudantil, pois uma
análise fortuita pode se desdobrar em conclusões que apontem para um certo
consenso entre estudantes e assistentes sociais199 sobre a crítica ao processo de
bolsificação da política, o que não se comprova na realidade objetiva.
Desse modo, no próximo capítulo, nosso esforço empreendido buscará nos
aproximar da análise da configuração do exercício profissional das assistentes sociais
na política estudantil, tendo por base as principais requisições postas a estas
profissionais. Ademais, na medida do possível, examinaremos as possibilidades que
estão colocadas para superação da tendência de limitação da atuação profissional às
respostas imediatas e sob um cariz de emergência social.

199Cabe destacar que mesmo entre os atores que executam a política este consenso não está
estabelecido, o que inclui profissionais de outras categorias, mas também algumas assistentes
sociais.
199
3 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DAS ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO RJ

“[...] É preciso força para sonhar e perceber


Que a estrada vai além do que se vê...”
Los Hermanos – Além do que se vê

Até aqui o percurso de nossa análise se iniciou pela abordagem de dois


elementos centrais na gênese sócio-histórica do Serviço Social: a “questão social”
e o modo como o Estado passou a intervir em sua multiplicidade de manifestações,
sob a organização monopólica do desenvolvimento capitalista, a partir das políticas
sociais. Esse cenário conformou um conjunto de demandas histórico-sociais que
passou a exigir a intervenção de um elenco de profissionais, nos quais estão incluídas
as assistentes sociais.
Ter como palco de seu surgimento a sociedade burguesa em seu estágio
monopolista não trouxe apenas implicações do ponto de vista das demandas
direcionadas à profissão. O próprio substrato sincrético que dá corpo ao Serviço Social
tem seus determinantes sócio-históricos assentados no mesmo período do
desenvolvimento capitalista: 1) o universo problemático original que se lhe apresentou
como eixo de demandas histórico-sociais – a “questão social”; 2) o horizonte de
intervenção no cotidiano; e 3) a modalidade específica de intervenção profissional das
assistentes sociais – a manipulação de variáveis empíricas (NETTO, 2007).
Netto, pauta-se no entendimento de que a estrutura sincrética é o fio condutor
para apreensão do desenvolvimento histórico da profissão, o que é corroborado por
diversos autores (SOUZA, 2014; 2016; SOUSA, 2019; RODRIGUES, 2019;
MARANHÃO,2016; dentre outros). Disto, pode-se depreender que o Serviço Social
permanece com seu caráter de manipulação de variáveis empíricas de modo a
ressituar a problemática enfrentada no plano do cotidiano. Isso se relaciona
diretamente com o trato da “questão social” na sociedade capitalista madura. E,
mesmo que para alguns autores, no capitalismo contemporâneo estejamos
enfrentando uma “nova questão social” (ROSANVALLON, 1998), do nosso ponto de
vista, trata-se de novas expressões ou mesmo expressões mais
aprofundadas/agudizadas da velha “questão social” que têm suas bases assentadas
na contradição capital/trabalho.
Em função de seu caráter sincrético, a profissão assume a forma de uma prática
200
indiferenciada, o que “cai como uma luva” num cenário marcado pela reestruturação
produtiva que prima pela desespecialização e desregulamentação das profissões e
apelo à polivalência, de modo que um único trabalhador possa absorver um conjunto
de atividades, mesmo aquelas que não estejam relacionadas ao seu escopo
profissional. No entanto, contraditoriamente, é justamente nesse caráter polivalente e
indiferenciado que assume a prática profissional que residem as possibilidades de as
assistentes sociais explorarem alternativas que transcendam o plano imediato de
intervenção nos diferentes espaços sócio-ocupacionais. É nesse sentido que
buscaremos avançar em nossa análise, de modo mais aprofundado, no item 3.3.
Vimos que na atual quadra histórica, em sua incessante busca por superlucros,
o capital mantém como seu aliado de primeira ordem a figura do Estado. Este último,
embora não abandone seu caráter de classe, necessita garantir cada vez mais desde
dentro do sistema as condições de produção e reprodução ampliada do capital. Em
alguns momentos, a depender dos contornos assumidos pela luta de classes, precisa
fazer concessões ao trabalho. Nesse sentido, o fundo público adquire papel central
no capitalismo contemporâneo, pois é por meio dele que vai atender os interesses
tanto do capital quanto do trabalho, obviamente, sempre de forma desigual.
Não há capitalismo sem crise, ou seja, este modo de produção está assentado
numa base composta por elementos contraditórios que, ao fim e ao cabo, irão
redundar na tendência de queda da taxa de lucros. Por um lado, há um alto volume
de capitais acumulados que precisam ser investidos (superacumulação) e, por outro,
o montante de trabalhadores que integram as fileiras do exército industrial de reserva
tendem a crescer progressivamente. Assim, cada vez mais, torna-se necessário
encontrar novos nichos lucrativos (supercapitalização) que possam promover e
garantir a rentabilidade do grande capital.
O Estado, como aliado de primeira ordem do capital, se torna alvo de um
conjunto de medidas de contrarreforma para lhe garantir a destinação de constantes
e contínuas remessas do fundo público. Em última instância, a adoção de tais
medidas busca contrarrestar as dificuldades de valorização do capital e, em se
tratando especificamente do Brasil, passam pela operacionalização das políticas
sociais para viabilizar esse processo, desde os anos 1990.
A educação superior, nesse sentido, desde então tem sido uma das áreas que
são alvo de profundas transformações sintonizadas com a tônica da financeirização,
201
característica que particulariza a configuração das políticas sociais nas três últimas
décadas (BRETTAS, 2020). Desde os anos 1990, não houve rupturas com o histórico
de desfinanciamento, precarização e sucateamento das universidades públicas. E,
pari passu, houve um considerável beneficiamento do setor privado de educação
superior: crescimento vertiginoso das matrículas em entidades privadas,
principalmente, as de caráter não universitário, viabilizadas pelo Fies, Prouni, e
expansão do EAD, conforme vimos no segundo capítulo. Tudo isso implicou na
destinação de parcelas cada vez maiores do fundo público para o grande capital que
favoreceram e aprofundaram o empresariamento e financeirização desta política
(LEHER e TAVARES, 2016; CHAVES, 2010; SEKI, 2021a).
No entanto, conferimos especial destaque ao Reuni, pois este se caracterizou
como um instrumento de implementação da contrarreforma do Estado no âmbito das
universidades públicas que expressa como uma contratendência. Isto se deve,
justamente por conferir um atenção especial às referidas Ifes, num cenário que,
conforme vimos, há uma forte tendência de estímulo e fornecimento de garantias para
a expansão desse nível de ensino a partir de entidades privado-mercantis que estão
intimamente vinculadas ao capital financeiro de origem nacional e estrangeiro e que
atua ativamente no mercado de ações.
Desse modo, considera-se que na implementação do Reuni, não há um
reforço direto da financeirização desse nível de ensino, o que ocorre nas outras
medidas adotadas pelo Estado brasileiro (Fies, Prouni e EAD). De modo
contraditório, o referido programa foi o grande responsável pelos processos de
expansão/reestruturação a que estiveram submetidas as Ifes que redundaram numa
verdadeira expansão, mas, sem romper com o caráter precarizado. Houve a
ampliação dos cursos e vagas, o que possibilitou um maior acesso da juventude
vinculada aos estratos mais populares da sociedade à educação pública de caráter
universitário. Contudo, sem garantir um crescimento e adequação das condições
estruturais, físicas, de pessoal e de permanência na mesma proporção.
Abaixo é possível verificar a dimensão dessa expansão nas universidades
públicas federais que, em termos percentuais, significou um acréscimo de 260% no
quantitativo de vagas ofertadas.

202
Gráfico 1 – Vagas ofertadas na graduação presencial nas universidades
federais de 2003 a 2017

393.550
450.000

375.859
359.884

359.884
400.000

307.190
350.000

239.942
231.530
300.000

218.152
186.894
250.000

150.869
139.875
132.203

200.000
116.348
109.802
109184

150.000

100.000

50.000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: INEP, 2018 apud FONAPRACE, 2019.

Assim, os processos de expansão/reestruturação das universidades públicas,


a partir do Reuni – que promoveu o acesso de jovens antes alijados desse espaço de
privilégio do conhecimento –, propiciaram uma diversificação do perfil discente e,
consequentemente, tornaram mais complexas suas demandas por condições de
permanência, conforme vimos no item 2.4.
Nesse período, foi formatado pela primeira vez um instrumento legal com
previsão de uma rubrica específica da assistência estudantil, política historicamente
direcionada a atender as demandas estudantis por condições de permanência que
antes era alvo de ações pontuais e fragmentadas. No entanto, do ponto de vista dos
estudantes, sobretudo, aqueles vinculados aos distintos estratos da classe
trabalhadora, a aprovação do Decreto Pnaes não se conformou num instrumento com
a envergadura exigida por suas demandas, conforme vimos no segundo capítulo.
Num contexto em que a tônica de focalização e seletividade são reforçadas, a
partir da financeirização que se espraia para o conjunto das políticas sociais, a
assistência estudantil não está imune a essa lógica. Com isso, a expressão mais
visível desse processo se expressa na bolsificação desta política, ou seja, na
centralidade que assumem os programas de bolsas/auxílios para a satisfação das

203
necessidades dos estudantes de forma individualizada, via mercado. O mesmo
processo também pode ser observado nos distintos benefícios de transferência de
recursos monetários para os usuários da assistência social, ou seja, tem-se a
materialização de uma cidadania pelo consumo.
Os referidos processos de expansão/reestruturação das Ifes, atrelados a um
conjunto de medidas que se desdobraram na pretensa democratização do acesso ao
ensino superior – tal como a aprovação do Decreto Pnaes e Lei de Cotas, dentre
outros – foram responsáveis por também promover uma ampliação do quantitativo de
assistentes sociais nesta área. Porém, na nossa avaliação, tal ampliação não ocorre
na mesma direção da reivindicação histórica da categoria profissional para ampliar
sua atuação nesse campo no sentido de contribuir com a promoção de acesso a
direitos. As assistentes sociais são convocadas, principalmente, para
operacionalização do caráter bolsificado da política, num viés focalista e seletivo.
Daí desdobra-se a minha hipótese inicial de que as requisições institucionais
direcionadas às assistentes sociais para atuar no âmbito das condições de
permanência estudantil, a partir do contexto de reestruturação/expansão das
universidades do estado do Rio de Janeiro, tendem a restringir a atuação profissional
à execução de programas de bolsas e/ou auxílios.
Nesse cenário, a realização de análises socioeconômicas tem se caracterizado
como principal requisição institucional, que, atrelado a um conjunto de atividades de
teor burocrático e administrativo, próprio da configuração dos editais para concessão
de bolsas/auxílios, tende a limitar o escopo da atuação profissional.
Considera-se que as condições vigentes para o desenvolvimento da prática
profissional das assistentes sociais na fase mais atual do capitalismo – sob o jugo da
financeirização – mais do que nunca repõe/reforça o caráter sincrético da profissão,
pois pressiona a uma atuação de caráter mais emergencial, focada nos efeitos mais
imediatos da “questão social”. Isto está expresso tanto no contato com os usuários
que geralmente ocorre de modo pontual e burocrático, mas também se relaciona com
o caráter bolsificado da política que resulta em um alto volume de trabalho decorrente
da realização de análises socioeconômicas. Em um contexto de vigência do
neoliberalismo, financeirização do capital e reestruturação produtiva há uma
agudização da multiplicidade de manifestações da “questão social” que se tornam
objeto de intervenção estatal, mas numa perspectiva focalista, seletiva e pautada em
204
um caráter bolsificado – o que impacta diretamente nas requisições institucionais
direcionadas às assistentes sociais.
Com isso, a aparente prática indiferenciada do Serviço Social (ou se preferir, a
aparente inespecificidade operatória) – que favorece a delegação por parte das
instituições e consequente absorção pelas assistentes sociais de um conjunto de
atividades/ações alheias ao escopo da profissão que evidenciaremos no item 3.2 –
bem como a necessidade produção de respostas imediatas acabam resgatando o
cariz emergencial que revestiu a prática profissional em suas protoformas. Mas, como
mencionamos anteriormente, essa natureza polivalente não é um limite em si à
profissão, pois também permite a elaboração de respostas profissionais que não se
restrinjam apenas às requisições institucionais.
Assim, no presente capítulo, a partir das determinações que foram sendo
desenvolvidas nos capítulos anteriores, iremos nos debruçar sobre a configuração do
exercício profissional das assistentes sociais na política de assistência estudantil das
universidades federais do Rio de Janeiro. Mas, antes disso, iremos fazer breves
considerações a respeito dos procedimentos metodológicos de pesquisa adotados
neste estudo.
Para além do levantamento bibliográfico que permeou todas as fases de
elaboração desse estudo, para a construção desse capítulo a pesquisadora em tela
recorreu a fontes primárias e secundárias para a análise que aqui será apresentada.
No primeiro caso, trata-se de dados coletados junto aos projeto de pesquisa que foram
articulados do Numar e do Neeae, conforme mencionamos na introdução:
“Mapeamento interinstitucional sobre o exercício profissional de assistentes sociais na
política de assistência estudantil nas Instituições Federais de Ensino do estado do Rio
de Janeiro” (Numar) e “Assistência Estudantil: sentidos, potencialidades e limites”,
(Neeae).
Já em relação às fontes secundárias, houve a consulta a sítios eletrônicos e a
documentos de órgãos federais ligados à educação e, dentre eles, destacamos: dados
estatísticos do Censo de Educação Superior, disponíveis no sítio eletrônico do Inep –
aqui referimo-nos aos dados expressos nas planilhas de Sinopse Estatística
Educação Superior dos anos de 2007-2019 das quatro universidades federais do Rio
de Janeiro; os relatórios de gestão das referidas Ifes dos anos em que foi aplicada a

205
pesquisa pelo Numar/Neeae200; e os dados estatísticos disponíveis no Sistema
Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), relativos à execução orçamentária
da assistência estudantil dos anos de 2011-2019.
No presente estudo, daremos destaque a duas frentes que dão corpo ao
Numar e que ocorreram de forma articulada com o Neeae: a pesquisa propriamente
dita e as rodas de conversa201. A primeira foi instituída com o objetivo de mapear os
elementos que permeiam o exercício profissional das assistentes sociais na política
de assistência estudantil das diferentes Ifes do estado do Rio de Janeiro. Esta frente
ficou bastante ativa entre os anos de 2017 e 2019, quando foram aplicados
questionários individuais às assistentes sociais, de forma virtual, no intuito de
delinearmos um perfil profissional nesta área de atuação. De forma presencial,
também foram aplicados questionários nas equipes como um todo, com a finalidade
de nos aproximarmos das condições de trabalho e de desenvolvimento das ações da
política de assistência estudantil em cada Ifes. Neste segundo momento, foi
apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido às pesquisadas.
No estado do Rio de Janeiro existem dez instituições federais de ensino, sendo
que quatro são universidades (UFRJ, UFRRJ, Unirio e UFF), quatro pertencem à Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e atuam nos níveis básico
e superior (IFRJ, IFF, Cefet-RJ e CPII) e duas são institutos que trabalham com
educação especializada de pessoas com deficiência visual e auditiva (Instituto
Benjamin Constant – IBC e Instituto Nacional de Educação dos Surdos – Ines). Com
exceção do último grupo de instituições, todas as demais recebem recursos da rubrica
Pnaes e possuem equipes de assistentes sociais que atuam na política de assistência
estudantil202.
Foram realizadas visitas a todas as instituições que recebem recurso da rubrica
Pnaes e isso foi um ponto forte da pesquisa, pois promoveu uma aproximação e
articulação entre as profissionais, de modo a pensar o exercício profissional e as
ações de assistência estudantil de forma crítica e propositiva. No entanto, para fins

200 A UFRJ foi visitada no ano de 2017, a UFF e Unirio no ano de 2018 e a UFRRJ no ano de 2019.
201 Dentre as demais frentes do Numar figuram: o observatório virtual que pode ser acessado pelo
sítio eletrônico https://numarseso.wixsite.com/observatorio grupo de estudos, curso de extensão e
estudos de caso, sendo que as duas últimas ainda não estiveram ativas.
202 Embora integrem a rede de educação federal, o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (Ines)

e o Instituto Benjamin Constant (IBC) não foram visitados, pois não possuem uma política de
permanência estudantil vinculada ao Pnaes.
206
desse estudo, nos dedicaremos apenas à análise dos dados das universidades
federais por concentrarem sua oferta de ensino no nível superior.
Com todo o esforço da pesquisa203, conseguimos atingir 17 das 31
profissionais, ou seja, pouco mais da metade das assistentes sociais lotadas à época
nas instituições de educação superior. Com isso, foi possível identificar alguns traços
representativos do perfil profissional nesta área e, ainda, tendências das suas
condições de trabalho e das características do desenvolvimento da política. Ao longo
do presente estudo, alguns desses elementos serão trazidos à tona como forma de
enriquecer nossa discussão com dados da execução da política e do exercício
profissional nas Ifes supracitadas.
As rodas de conversa foram pensadas como um espaço propício para, de forma
horizontalizada, ocorrer a discussão de temáticas polêmicas que versassem sobre o
exercício profissional e a política de assistência estudantil. A partir do segundo
encontro, foi avaliada a possibilidade de ocorrer de forma itinerante e conjugada com
a frente de pesquisa. Desse modo, ao visitar a instituição pesquisada havia dois
momentos: na parte da manhã era aplicado o questionário presencial na equipe e, na
parte da tarde, era promovida uma atividade aberta à participação de assistentes
sociais e estagiários de outras Ifes.
As temáticas abordadas foram: A política de assistência estudantil e o trabalho
do assistente social no Cefet-RJ; Assistência estudantil no IFRJ: a intervenção do
Serviço Social; As demandas administrativas postas aos assistentes sociais da
assistência estudantil: o debate sobre as competências e atribuições; A formalização
da política de assistência estudantil: aspectos da regulamentação e da infraestrutura;
Análise socioeconômica: o debate sobre a padronização e a autonomia profissional;
Condicionalidade para o acesso aos programas de assistência estudantil: o debate
sobre o direito e a benesse; O estigma do bolsista: o debate sobre o mérito e o lugar
da excelência; A atuação do Serviço Social em equipes multiprofissionais: o debate
sobre o lugar do Serviço Social nas instituições de ensino; e, por fim, A relativização

203 Ressalta-se o esforço e o comprometimento das assistentes sociais que integram o Numar e o
Neeae, pois além das dificuldades de liberação para o desenvolvimento das atividades da pesquisa,
justamente pelo entendimento das Ifes de não compreender a pesquisa como uma atividade
prioritária dos técnico-administrativos da educação como um todo, também tivemos que lidar com
inexistência de recursos para financiamento das atividades. Além disso, nos momentos de execução
dos editais de bolsas e/ou auxílios em suas respectivas instituições, normalmente as atividades
tinham que ter o ritmo reduzido. Desse modo, por todos os pontos sinalizados aqui, o mapeamento só
pode ser concluído após dois anos de seu início.
207
do conceito da assistência estudantil: o debate sobre a divisão do orçamento e as
prioridades.
O ciclo das rodas de conversa foi encerrado em 2019 e abrangeu todas as Ifes
do estado do Rio de Janeiro, totalizando nove encontros. Em certa medida,
buscamos alinhar o tema da roda com os principais problemas enfrentados pelas
equipes que nos recebiam. Em todas as rodas de conversa realizadas foi produzido
um relatório técnico, o que permitiu promover um encontro devolutivo para as
profissionais, na ocasião de inauguração do observatório virtual, com a síntese das
temáticas e polêmicas, bem como produzir um artigo científico 204 que reúne
informações relevantes sobre essa experiência.
Conforme mencionamos, as ações relativas ao mapeamento do projeto de
pesquisa foram efetivadas em dois momentos205: a aplicação de um questionário
virtual, cujo foco era o perfil das profissionais lotadas na política de assistência
estudantil das Ifes do estado do Rio de Janeiro e um segundo momento presencial,
no qual ocorria a entrevista com a equipe de cada Ifes, com o objetivo de conhecer os
aspectos relativos à estrutura da política de assistência estudantil objetivamente
existente nas instituições (organograma institucional, composição da equipe, ações e
serviços desenvolvidos conforme os eixos da assistência estudantil - previstos no
Decreto 7.234/10 –, quantitativo da população usuária, existência de equipe
multiprofissional, etc.) e, além disso, identificar as ações requisitadas pela instituição
e as respostas do Serviço Social diante das mesmas.
Cabe ainda destacar que a análise do contexto da educação superior do qual
nos aproximamos no presente estudo precede o período em que foram aplicados os
questionários da entrevista. No entanto, nossa opção por dar destaque a esse período
anterior, que se inicia na década de 1990 e prossegue até os anos 2010, se deve ao
fato de que como nosso tema de pesquisa diz respeito à política de permanência nas
universidades federais, em sua terceira fase (KOWALSKI, 2012), o Reuni que foi
implementado nesse período torna-se um elemento central. Isto se deve, pois o

204 O referido artigo, intitulado “Assistência estudantil em debate: a experiência das rodas de conversa
na discussão das temáticas que perpassam o exercício profissional dos assistentes sociais das
Instituições Federais de Ensino do Rio de Janeiro” foi submetido e aprovado pelo II Seminário
Internacional, VI Fórum do Serviço Social na Educação e IV Encontro do Gepesse: A permanência
estudantil na Educação em tempos neoliberais e as estratégias de resistências.
205 A aplicação do questionário virtual e a realização de entrevistas ocorreram no período de 2017 a

2019, em parceria com o Núcleo de Estudos da Assistência Estudantil da UERJ (Neeae/Uerj).


208
referido programa foi o grande responsável por impulsionar os processos de
expansão/reestruturação das Ifes que resultaram na diversificação do perfil
estudantil nas IES públicas e também na ampliação do quantitativo de assistentes
sociais atuantes nesse área.
Com algumas diferenças entre os sucessivos mandatos presidenciais,
podemos observar a implementação e aprofundamento da contrarreforma do Estado
brasileiro, as disputas em torno do fundo público que tendem a privilegiar os interesses
do grande capital e o recrudescimento do crescimento vegetativo das políticas sociais,
tornando-as mais suscetíveis aos processos de privatização, mercantilização e
financeirização.
Dentre os acontecimentos que ocorreram após o período aludido em nossa
análise, merecem o devido destaque: 2016 – o Golpe Jurídico Parlamentar que
ocorreu no ano de 2016, depondo a então presidente Dilma Rousseff para assunção
ao cargo do presidente ilegítimo Michel Temer; a aprovação da Emenda
Constitucional n. 95 que estabeleceu o teto dos gastos para as despesas primárias (e
aqui se inclui a educação/assistência estudantil) por 20 anos; 2017 – a contrarreforma
trabalhista (Lei Federal n. 13.467), a contrarreforma do Ensino Médio (Lei Federal n.
13.415); 2018 – eleição de Jair Bolsonaro para o governo federal; 2019 – início do
governo ultraneoliberal e neofascista de Jair Bolsonaro e contrarreforma da
previdência (Emenda Constitucional n. 103). Tais acontecimentos/medidas
implicaram no agravamento do cenário de forte regressão dos direitos sociais a que
estão sujeitos os distintos estratos da classe trabalhadora e refletem, portanto, nas
disputas em torno do fundo público.
Especificamente a respeito da educação, a partir do governo de Dilma houve
uma linha de continuidade com os pilares centrais da contrarreforma da educação
superior, sobretudo, em relação ao beneficiamento dos oligopólios educacionais. No
entanto, de forma progressiva, principalmente após o golpe de Estado de 2016,
houve uma profunda piora do cenário para as universidades públicas.
Especificamente, sobre estas últimas, desde que se estancaram os repasses
financeiros decorrentes da adesão do Reuni no ano de 2012, o histórico de
insuficiência de recursos se estabeleceu e começou a se agravar (FLORES e
MATTOS, 2020).
Segundo Behring (2016), no último governo de Dilma já era possível observar
209
a incidência de um ajuste fiscal de proporções dantescas. Em 2015, os ministérios
das Cidades, da Saúde e da Educação206, juntos concentraram 54,9% dos cortes
efetuados no orçamento da União. Já no governo ilegítimo de Temer, tal como vimos
no item 2.4, tivemos a supressão de cerca de 40% das vagas do Fies e,
especificamente para as universidades e institutos federais, foi promovida uma série
de cortes orçamentários, o que começou a tornar inviável as possibilidades de
manutenção e funcionamento destas instituições (AGÊNCIA PT DE NOTÍCIAS,
2017). Isto gerou movimentos de paralisação e greves por todo o país, tanto de
estudantes quanto de trabalhadores.
Mattos (2018), em seu trabalho doutoral, avaliou a evolução orçamentária das
quatro universidades analisadas neste estudo no período de 2013 a 2017. A autora
em tela identificou a contração dos orçamentos, com especial destaque para as
despesas discricionárias – recursos de custeio e investimento, que serão abordados
de modo mais aprofundado no item 3.3 –, ou seja, aquelas que poderiam ser
contingenciadas no intuito de se cumprir as metas vinculadas ao caráter permanente
do ajuste fiscal (FLORES e MATTOS, 2020).
Flores e Mattos (2020) sintetizam os achados da supracitada pesquisa que
revelam um retrato assustador desse cenário:
Nesse período de 5 anos, os valores direcionados para Investimentos, por
meio do qual a universidade não só se expande, como também adquire
equipamentos e materiais permanentes, foi, em 2017, em 3 das 4 IFES, cerca
de 90% menor que em 2013. Já no caso de Outras Despesas Correntes, por
meio do qual a instituição se mantém – ao custear tanto as contas de luz,
água e telefone quanto as bolsas de pesquisa e de assistência estudantil, por
exemplo – todas as universidades apresentam baixo crescimento: Unirio,
4,13%; UFRRJ, 3,03%; UFF, 0,43%; e UFRJ, 0,11%. É ainda importante
destacar que o orçamento de 2017 é primordial para a universidade, pois foi
o parâmetro estabelecido pela EC 95 para a política de educação. Ou seja,
para os próximos 20 anos já é possível evidenciar recursos significativamente
menores. A constatação do subfinanciamento crônico da educação superior
torna o cenário ainda mais caótico e desalentador, colocando em xeque a sua
continuidade (FLORES e MATTOS, 2020, p. 12).

Assim, instaura-se um cenário de profunda escassez de recursos


orçamentários para toda a rede federal de ensino e, especificamente, para as
universidades. Mas, além disso, no período pós-golpe de Estado, também se iniciou
um avanço de pautas de caráter ideológico na educação que podem ser
exemplificados por meio do projeto Escola Sem Partido que se assenta na ideia de

206Especificamente na Educação o contingenciamento atingiu o valor de 9,423 bilhões de reais


(BEHRING, 2016).
210
que existe uma suposta “doutrinação ideológica” nas salas de aulas brasileiras e da
recusa em se abordar temáticas relacionadas a gênero e educação sexual no
espaço educacional, dentre outras.
Por fim, gostaríamos de conferir destaque a uma proposta apresentada no
ano de 2019, já sob a vigência do mandato de Bolsonaro, período em que os
contingenciamentos da educação foram ainda mais profundos207. Trata-se do
Future- se – o Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras –
que, em termos gerais, significou a retomada e o reforço de elementos contidos na
contrarreforma do Estado, consubstanciada em seu documento orientador, o PDRE
(1995), e nas formulações emanadas do BM (1994), analisados no segundo capítulo.
Em relação ao primeiro aspecto ressaltamos que na prática buscava-se transferir a
gerência dos recursos das Ifes para as velhas conhecidas organizações sociais. Já
em relação ao segundo, o intuito era diversificar de forma regressiva as fontes de
financiamento, sob o falso argumento de proporcionar uma maior autonomia
financeira às universidades e aos institutos por meio do fomento à captação de
recursos próprios e ao empreendedorismo.
Em suma, há três elementos centrais no Future-se:
1) concretizar na educação superior pública os processos de financeirização
e de monetarização característicos da transmutação das políticas sociais no
contexto contemporâneo do capitalismo em crise; 2) acompanhar o
encrudelecer da precarização dos direitos do trabalho e da subsunção dos
trabalhadores à lógica do capital por intermédio do trabalhador- -colaborador-
empreendedor; e 3) instituir a “privatização não-clássica” (GRANEMANN,
2011) nas IFES pela via da sua corrosão interna (FLORES e MATTOS,
2020, p. 15).

O referido programa foi apresentado por meio de uma minuta no ano de 2019
e, somente se tornou um projeto de lei (PL n. 3076/20) no ano seguinte, quando foi
iniciada sua tramitação. No entanto, desde então, encontra-se paralisado no
Congresso Nacional.
De modo bastante sumário, ressaltamos alguns dos principais aspectos que
caracterizam a educação superior brasileira no contexto sob o qual foram realizadas

207 A título de exemplo, em seu último ano de mandato, às vésperas do primeiro turno, o governo de
Bolsonaro editou um decreto bloqueando o valor de R$ 328,5 milhões das universidades federais
que, somado aos contingenciamentos realizados ao longo do ano, atingiram o valor de R$ 763
milhões. Num cenário de severas restrições orçamentárias, a referida medida governamental agravou
ainda mais a situação das universidades, que já estavam funcionando em seu limite (REZENDE,
2022). Cabe sinalizar ainda que os impactos reverberam tanto nas condições de funcionamento das
Ifes, mas, também incluem aspectos como a política de permanência que é operacionalizada de
forma preponderante pela oferta de bolsas/auxílios.
211
as visitas da pesquisa do Numar/Neeae nas universidades federais do estado do Rio
de Janeiro. Além da linha de continuidade a respeito do aprofundamento do
empresariamento e financeirização deste nível de ensino, destaca-se o cenário de
profunda escassez dos recursos destinados às universidades públicas, o que agrava
a precarização, o sucateamento e o histórico de desfinanciamento desta política. Com
isso, há impactos diretos para a política de permanência operacionalizada nas Ifes,
pois diante de restrições orçamentárias, a tendência em bolsificá-la é ainda mais
acentuada e, conforme será demonstrado no item 3.2, esse formato é insuficiente para
dar conta da complexidade das demandas postas pelos estudantes. Ademais,
também se põe no horizonte como tendência a realização de análises
socioeconômicas pelas assistentes sociais, num viés bastante focalista e seletivo.
Desse modo, a partir dos dados coletados pelo Numar/Neeae buscaremos
apreender as principais requisições institucionais direcionadas às assistentes sociais
para atuar no âmbito das condições de permanência estudantil nas universidades
federais do Rio de Janeiro. Assim, iniciaremos nosso percurso a partir de uma breve
apresentação dos dados relativos ao perfil das assistentes sociais.

3.1 PERFIL DAS ASSISTENTES SOCIAIS LOTADAS NAS UNIVERSIDADES


FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO

Ao iniciar nossa apresentação pelo perfil das assistentes sociais, buscamos


demonstrar de modo bastante breve quem são os sujeitos da pesquisa que estão na
linha de frente da assistência estudantil das universidades, num período datado
historicamente. Devido ao formato bolsificado da política, tais profissionais têm
assumido o protagonismo na condução das ações – sobretudo, aquelas diretamente
relacionadas à execução dos processos seletivos para concessão de bolsas/auxílios.
A aplicação dos questionários virtuais nas referidas profissionais ocorreu entre os
anos de 2017 e 2019, período em que simultaneamente ocorreram as entrevistas com
as respectivas equipes das universidades e rodas de conversa realizadas pelo
Numar/Neeae.
Desde a década de 1990, se desenvolveu um conjunto de transformações na
educação de nível superior brasileira fortemente marcadas pela lógica do
empresariamento e financeirização desta importante área de política social. No

212
entanto, o que nos importa sublinhar neste tópico são os processos de
expansão/reestruturação a que foram submetidas as universidades públicas nesse
contexto. No bojo desses processos houve a implementação do Pnaes, da Lei das
Cotas, dentre outros mecanismos, que resultaram na ampliação e diversificação do
corpo estudantil. Tais processos tiveram como um dos desdobramentos o também
crescimento do quantitativo de assistentes sociais208 para atuar nas condições de
acesso e permanência, mas sob uma perspectiva que a tende restringir o escopo de
atuação profissional, em função da centralidade que assume a realização de
análises socioeconômicas. No entanto, ainda que numa margem cada vez mais
restrita, há possibilidades a serem exploradas pela categoria profissional nesse
espaço sócio- ocupacional.
Do total de 17209 assistentes sociais que responderam ao questionário virtual,
apenas um era do sexo masculino. Em relação à faixa etária, 14 profissionais, ou seja,
a maioria possuía entre 26 e 40 anos (sendo, seis profissionais entre 26 e 30 anos;
quatro entre 31 e 35 anos; e quatro entre 36 e 40 anos). Quanto ao aspecto racial, 12
se autodeclaravam como negras e apenas cinco como brancas. Assim, tanto em
relação à identidade de gênero quanto ao aspecto racial, há uma correspondência
com as tendências do perfil nacional da categoria, publicado recentemente pelo
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2022).
No que tange à formação profissional, são assistentes sociais, em sua maioria,
oriundas de universidades públicas (10 na UFF, cinco na UFRJ, uma na Uerj e uma
na Faculdade Santa Luzia) e com formação recente, pois mais de dois terços das
208 Infelizmente, não é possível explicitar a evolução do quantitativo de assistentes sociais atuantes
na política de assistência estudantil de forma detalhada ao longo dos anos, pois estes dados não
estão disponíveis publicamente, o que dificulta uma análise mais aprofundada pela pesquisadora em
tela. No entanto, a partir de dados coletados na página eletrônica do governo federal “Painel
Estatístico de Pessoal” (Disponível em: < painelpep.qvw (planejamento.gov.br)>. Acesso em: 21 abr.
2023) é possível ter uma aproximação da evolução do quantitativo de assistentes sociais em cada
universidade, porém, destacamos que a lotação pode ser bastante variada (setor de gestão de
pessoal, assistência estudantil, saúde do trabalhador, hospitais universitários, dentre outros) e não
está explicitada no referido portal. Assim, foi identificado que no ano de 2007 – ano de aprovação do
Reuni – havia 105 assistentes sociais na UFRJ, 78 na UFF, 18 na Unirio e apenas 3 na UFRRJ. No
momento de aplicação da pesquisa do Numar/Neeae foi verificada uma ampliação do quantitativo das
profissionais em todas as universidades, sendo 145 na UFRJ (crescimento de 38,09%), 102 na UFF
(crescimento de 30,76%), 26 na Unirio (crescimento de 44,44%) e 9 na UFRRJ (crescimento de
200%).
209 No período compreendido pela pesquisa havia 31 assistentes sociais lotadas nas quatro

universidades existentes no estado do Rio de Janeiro. Os questionários eram previamente enviados


por e-mail a todas as profissionais e, no dia da visita institucional no qual era aplicado o questionário
geral em toda equipe, era reforçado o preenchimento do primeiro. Mas, ainda assim, não foi possível
atingir a totalidade das profissionais.
213
profissionais concluiu a graduação a partir de 2006 (sendo cinco profissionais entre
2006 e 2010; e sete entre 2011 e 2015). Isto significa dizer que mais de dois terços
dessas profissionais foram formadas em universidades públicas e a partir das
Diretrizes Curriculares de 1996 que é legatária dos acúmulos teórico-metodológicos
decorrentes da maturidade que atingiu a vertente de intenção de ruptura (NETTO,
2004) no âmbito da profissão (CLOSS et al, 2021).
Esse dado sobre a natureza da instituição de formação das profissionais destoa
do perfil nacional elaborado pelo Cfess (2022) que aponta um maior número de
profissionais (52,97%) formadas em instituições privadas com fins lucrativos, o que
está diretamente relacionado ao processo de contrarreforma da educação superior
brasileira que ocorre desde os anos 1990. Desse modo, mesmo que as assistentes
sociais atuantes na assistência estudantil das universidades tenham se formado
majoritariamente a partir de 2006, período no qual se aprofunda o crescimento da
oferta do ensino privado (não universitário) e à distância, somente uma profissional
não concluiu sua graduação no ensino público.
Há um considerável nível de qualificação, pois todas as profissionais possuem
no mínimo especialização (nove). Além disso, há aquelas profissionais que possuíam
mestrado (sete) e doutorado (uma) à época210. Para além do “compromisso com a
qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na
perspectiva da competência profissional” (CFESS, 2012d), o nível de qualificação
possivelmente é estimulado pela existência de plano de carreira para as profissionais
da educação, o que eleva significativamente a remuneração prevista para o cargo.
Todas as assistentes sociais são vinculadas ao regime jurídico único, ou seja,
ao menos do ponto de vista do vínculo empregatício não estão sujeitas às
instabilidades e precarizações que um vínculo temporário impõe às profissionais. No
entanto, considerando os sucessivos ataques direcionados à educação superior
pública sumariados neste estudo, as condições de trabalho das referidas profissionais
não deixam de ser tensionadas pela lógica de desfinanciamento público,
sucateamento e precarização das universidades.
Conforme vimos, a expansão das Ifes propiciada pelo Reuni, desconsiderou os
déficits acumulados com despesas com pessoal e custeio e, portanto, implicou numa

210Aqui não estavam contempladas as formações em andamento, o que pode resultar num nível de
qualificação desse corpo profissional ainda mais elevado.
214
expansão precarizada. Com isso, ainda que tenha havido uma ampliação do
quantitativo de assistentes sociais, decorrente desse período de expansão, podemos
inferir que foi aquém das demandas postas a esta categoria profissional, num
cenário em que se desenvolveram muitos aspectos contraditórios. Assim, para além
do formato bolsificado da política de assistência estudantil que gera implicações para
o exercício profissional, os déficits de pessoal também tendem a se desdobrar numa
sobrecarga de trabalho para as assistentes sociais.
Por outro lado, é importante frisar que há no horizonte uma tendência de piora
do agravamento das condições de trabalho dos servidores públicos como um todo.
Diante das crises constantes do capital, as disputas que envolvem o fundo público
tendem a exigir um avanço cada vez maior do Estado sobre a retirada de direitos
sociais e trabalhistas, como forma de garantir a rentabilidade do capital. Não é casual,
portanto, que tenha ocorrido nos últimos anos uma forte pressão para aprovação de
um conjunto de medidas que ampliam as parcelas de fundo público destinadas ao
grande capital – a Emenda Constitucional n. 95 (2016), a contrarreforma trabalhista
(2017), a contrarreforma da previdência (2019) –, além daquelas que ainda não foram
aprovadas – reforma tributária e reforma administrativa211 (PEC n. 32/20), dentre
outras.
No que diz respeito à faixa salarial das assistentes sociais atuantes na
assistência estudantil das universidades, apenas três possuíam renda entre R$3.001,
00 a R$4.800,00; oito entre R$4.801,00 e R$6.000,00 e seis acima de R$6.000,00, ou
seja, majoritariamente as profissionais se concentravam numa renda superior a cinco
salários-mínimos à época. Recordando que estas assistentes sociais concluíram sua
graduação predominantemente em universidades públicas, é possível afirmar que sua
faixa salarial condiz com a tendência revelada pela pesquisa sobre o perfil nacional
da categoria (CFESS, 2022).
O Cfess, ao promover um cruzamento de alguns dados do perfil profissional,
identificou uma relação entre a natureza da instituição de formação e o nível de
rendimentos:

211O impacto da reforma administrativa, ainda em tramitação, terá forte incidência no corpo de
servidores públicos, pois visa alterar a organização da administração pública e, especificamente,
promover mudanças na forma de contratações, remunerações e desligamento de pessoal. A
estabilidade garantida a todos os servidores públicos estatutários estaria ameaçada, caso seja
aprovada nestes termos.
215
Ao agregar profissionais por faixas de rendimento, o que se pode concluir é
que entre aquelas/es de menor rendimento (até R$4.000 excluídas as
pessoas que declararam nenhum rendimento), o percentual de quem concluiu
o curso em instituições privadas (75,5%) é bastante superior à de quem
concluiu em instituições públicas (56,51%). Ao inverso, entre os maiores
rendimentos (acima R$4.001), o percentual de quem se graduou em
instituições privadas (24,5%) é bastante inferior de quem se graduou em
instituições públicas (43,49%). Os dados indicam que as pessoas sem
rendimento ou com menor rendimento realizaram curso superior em
instituições privadas, e as de maior rendimento (acima de R$7.0001,00)
concluíram seus cursos em instituições públicas, especialmente da rede
federal de ensino. Trata-se de um retrato da desigualdade no acesso ao
ensino superior no Brasil, cada vez mais estimulado pelos processos de
financeirização da educação e contrarreformas no ensino superior público
(2022, p. 53-4).

O tempo de experiência na educação é bastante variado e pode ser observado


no quadro abaixo:
Quadro 1 – Tempo de experiência das assistentes sociais na educação
Tempo de experiência Quantitativo de profissionais
Menos de um 1 ano 2
De 1 a 2 anos 3
De 2 a 3 anos 2
De 3 a 4 anos 4
De 4 a 5 anos 1
De 5 a 10 anos 2
Mais de 10 anos 3
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados pela pesquisa realizada pelo Numar/Neaee.

Em relação ao quantitativo de matriculados nas universidades, nas quais as


assistentes sociais atuam, predomina a referência a mais de dois mil estudantes.
Apenas duas profissionais (uma atua na UFF e a outra na UFRRJ) indicaram não
possuir dados suficientes para especificar esse dado. No entanto, conforme será
evidenciado no item 3.2, pelo fato de as equipes estarem centralizadas nas reitorias
de suas respectivas instituições, o quantitativo de estudantes matriculados supera em
muito o que havia de opção no questionário da pesquisa212, pois tais profissionais são
referência para todos os campi das universidades. A título de exemplo, a universidade

212As opções de resposta a respeito do quantitativo de estudantes matriculados nas Ifes eram as
seguintes: até 50; de 51 a 100; de 101 a 200; de 201 a 500; de 501 a 1.000; de 1.001 a 1.500; de
1.501 a 2.000; mais de 2.000; e não possui dados para suficientes para informar. A disponibilidade de
opções de resposta com valores baixos tanto no quantitativo de matriculados quanto no de
atendimentos realizados pelo Serviço Social pode causar certa estranheza em relação ao tamanho
das universidades. No entanto, é importante lembrar que a pesquisa também foi aplicada em
profissionais atuantes em instituições vinculadas à Rede Federal de Educação Profissional, Científica
e Tecnológica que, diferente das universidades, possuem um número maior de campi e um caráter
mais descentralizado em relação à localização e referência de atendimento das equipes.
216
com o menor quantitativo de matriculados – a Unirio – tinha aproximadamente 13 mil
estudantes.
No entanto, no que tange aos estudantes que são atendidos pelo Serviço Social
(Tabela 1), há uma variação que está expressa a seguir:
Tabela 1 – Quantitativo de estudantes atendidos pelo Serviço Social na
unidade onde atua
Não possui dados
De 101 a 200 De 201 a 500 De 501 a 1.000 Mais de 2.000
suficientes para informar

UFRJ 2 - 2 1 2

UFF 1 - - - 5

Unirio - - - - 2

UFRRJ 1 1 - - -
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados pela pesquisa do Numar/Neaee.

Embora o universo de matriculados varie de 13 mil a 46 mil estudantes nas


quatro universidades analisadas – conforme será evidenciado no item 3.2 –, pelo
menos um quarto das profissionais referem que o Serviço Social atende um
quantitativo muito abaixo do universo total de suas respectivas Ifes. Metade das
profissionais indicam que atendem a mais de 2.000 estudantes e um quarto não soube
informar. Nesse sentido, supomos ser possível indicar que há um descompasso entre
o quantitativo de matriculados e de atendidos pelo Serviço Social. Mesmo entre
aquelas profissionais que mencionaram atender a mais de dois mil estudantes pode
haver uma boa parcela de não atendidos.
Em nosso entendimento, existe um conjunto de motivos que poderia explicar o
referido descompasso, o que demandaria uma investigação mais profunda a ser
realizada. No entanto, considera-se ser possível inferir sobre eventuais questões que
redundam no baixo atendimento estudantes se considerarmos o montante geral de
matrículas: o fato de as equipes de assistentes sociais serem centralizadas na reitoria
e serem referência para os estudantes de todos os campi, o que implica em limites
ocasionados pelas condições objetivas, como a distância física, além da
possibilidade de desconhecimento pelos estudantes dos serviços disponíveis nas
Ifes, bem como na dificuldade das profissionais promoverem intervenções que
possam ampliar o referido atendimento.
Soma-se a isso, algo que consideramos ser central: o formato bolsificado da
política de assistência estudantil que, tensionado por um número cada vez mais
217
ampliado de estudantes demandantes e recursos cada vez mais parcos, impõe um
volume alto de atividades intimamente relacionadas aos processos seletivos. Com
isso, tendem a reduzir o tempo de trabalho disponível para atendimento direto aos
estudantes, seja por demandas espontâneas ou não.
Aqui, importa-nos sublinhar, conforme será possível observar no item 3.2, que
as condições impostas ao trabalho profissional aludidas no parágrafo anterior tendem
a resgatar o cariz de emergência social das protoformas da profissão. O contato com
os usuários, em geral, ocorre de modo pontual e burocrático. O volume de trabalho
decorrente da centralidade que assume a realização de análises socioeconômicas
impõe às assistentes sociais a manipulação de variáveis empíricas que tendem
resultar em respostas que não transcendem o plano imediato.
No entanto, como vimos reforçando, há aspectos contraditórios presentes na
implementação da política de permanência que podem ser explorados no sentido de
elaborar respostas profissionais, para além do que é requisitado do ponto de vista
institucional. Mas, antes de nos debruçarmos sobre as possibilidades existentes nesse
campo profissional, iremos nos apropriar, no próximo item, da configuração da
assistência estudantil nas universidades federais do estado do Rio de Janeiro, com o
intuito de nos aproximarmos das condições em que se desenvolve o exercício
profissional das assistentes sociais nesta área.

3.2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL


DAS ASSISTENTES SOCIAIS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO RIO DE
JANEIRO

Antes de iniciarmos a caracterização de cada Ifes a ser analisada em nosso


estudo, cabe indicar que em 2017, ano em que teve início a pesquisa realizada pelo
Numar/Neeae, havia 63 universidades federais em todo território nacional, sendo 31
localizadas na capital de uma das unidades federativas e 32 no interior.
Especificamente no estado do Rio de Janeiro, no mesmo período, havia quatro
universidades federais – UFRJ, UFF, Unirio e UFRRJ – e todas serão contempladas
na análise neste estudo.
A escolha das referidas Ifes como campo de estudo se deve ao fato destas
possuírem uma extensa trajetória na política de assistência estudantil que, inclusive,
é anterior ao próprio Decreto Pnaes, aspecto que foi identificado no momento de
218
coleta de dados da pesquisa do Numar/Neeae. O referido decreto representou um
importante marco legal para a área, pois foi a primeira legislação específica em mais
de oito décadas desde as primeiras ações relativas à permanência estudantil.
Além disso, as quatro universidades analisadas vivenciaram os processos de
expansão/reestruturação decorrentes da adesão ao Reuni. Ou seja, suas
configurações são reflexo e expressão de uma contratendência no âmbito da
contrarreforma do Estado materializada na educação superior que vem ocorrendo em
solo nacional desde os anos 1990. Ademais, por meio do Reuni, tiveram a
oportunidade de experimentar a diversificação de seu perfil estudantil213 e a ampliação
do quantitativo de assistentes sociais nos últimos anos para atuar junto às condições
de acesso e permanência deste público.
Conforme vimos no item 2.4, as demandas relativas à assistência estudantil,
do ponto de vista dos estudantes, se ampliaram e se tornaram mais complexas. Para
favorecer uma melhor compreensão, elaboramos uma síntese, a partir da
categorização das referidas demandas em cinco eixos que serão aprofundados na
análise expressa no item 3.3. São eles: 1) demandas vinculadas aos eixos mais
tradicionais da assistência estudantil; 2) demandas que exigem a articulação com
outras políticas setoriais; 3) demandas próprias do universo educacional; 4) demandas
que questionam as próprias bases sobre as quais se assentam as universidades; e 5)
demandas relativas à regulamentação e operacionalização da assistência estudantil.
No entanto, a lógica de financeirização que permeia o conjunto das
políticas sociais na atual quadra histórica, tem pressionado a satisfação das
necessidades dos estudantes prioritariamente pela via do consumo. Diante dos
parcos recursos destinados à política de assistência estudantil, a demanda dos
estudantes que cresce e se complexifica, cabe às assistentes sociais operarem a
principal requisição institucional – realização de análises socioeconômicas numa
perspectiva quantitativa e produtivista – para selecionar os mais pobres dentre os

213 Com base nas pesquisas realizadas pelo Fonaprace (1997; 2004; 2011; 2016; 2019), em linhas
gerais, cabe destacar que a diversificação do perfil estudantil das universidades federais do sudeste
acompanhou ao longos dos anos a tendência nacional. Vale sinalizar que como a exposição dos
dados é realizada por meio de agrupamentos regionais em ampla maioria das variáveis, não é
possível acompanhar a evolução dos dados especificamente em cada universidade. Assim, de forma
sintética, diante das medidas adotadas pelo Estado brasileiro com a finalidade de democratizar o
acesso ao ensino superior, tal como foi apresentado no item 2.4 deste estudo, o perfil de estudantes
tornou-se majoritariamente feminino, negro, com média etária de 24,4 anos, com origem escolar
pública e com renda familiar de até três salários-mínimos.
219
mais pobres para concessão de bolsas/auxílios.
A UFRJ, primeira universidade visitada pelas pesquisadoras no ano de 2017,
tem uma estrutura multicampi214 e contava com 170 cursos presenciais e três à
distância nas mais diversas áreas, totalizando mais de 45 mil 215 estudantes
matriculados à época, conforme tabela abaixo216.
Tabela 2: Quantitativo de alunos da UFRJ – 2007 e 2017
Concluintes em 2007 Concluintes em 2017
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
4.647 26 5.103 77
Cursos em 2007 Cursos em 2017
UFRJ

Graduação Graduação Graduação Graduação


Presencial a Distância Presencial a Distância
67 2 170 3
Matrículas em 2007 Matrículas em 2017
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
28.328 1.935 41.992 3.381
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 e 2017.

Algumas das ações no âmbito da assistência estudantil da UFRJ precedem a


existência do Decreto Pnaes, tal como a moradia, o restaurante estudantil, as ações
na saúde, apoio a eventos e o próprio formato de bolsas, dentre outros. Segundo
relato da equipe, a existência de uma rubrica específica para assistência estudantil
propiciou um incremento do número de bolsas ofertadas aos estudantes, dada a alta
demanda.
A equipe de assistentes sociais lotada na assistência estudantil contava com

214 A sede e a maioria dos campi da UFRJ são localizados na capital do estado do Rio de Janeiro, os
demais são localizados na região metropolitana (um) e na região dos Lagos (um).
215 Cabe sinalizar que há uma discrepância nos dados relativos ao quantitativo de alunos e/ou cursos

se compararmos diferentes fontes de dados oficiais, tais como os relatórios de gestão das respectivas
universidades e os dados disponibilizados pelo Inep, por meio do Censo de Educação Superior. A
título de exemplo, consta no relatório de gestão da UFRJ o quantitativo de 31.264 alunos
matriculados no ano de 2007, enquanto no Inep consta o valor de 28.328 alunos. Nesse sentido,
tomar-se-á como referência os dados divulgados pelo Inep, já que estes servem de base para definir
os recursos orçamentários destinados às Ifes.
216 O ano de 2007 foi escolhido como referência para efeito de comparação em todas as

universidades em função da aprovação do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e


Expansão das Universidades Federais (Reuni), por meio do Decreto n. 6096 de 24 de abril 2007, que
corresponde ao ano que tem início a segunda fase da expansão da rede superior de ensino. Isto
implicou tanto na criação de novas instituições quanto na ampliação de vagas naquelas já existentes.
Cabe ressaltar que nem todas as universidades, em âmbito nacional, aderiram de imediato ao
referido Decreto e, por esse motivo, o ano de 2007 foi definido sob nossa ótica como um ponto de
referência para o estado das Ifes antes do processo de expansão/reestruturação a que foram
submetidas nos anos posteriores.
220
15 profissionais para atuar de forma centralizada na reitoria, ou seja, sendo referência
para os estudantes de todos os campi, na execução de edital unificado e anual. Na
ocasião, também integravam a equipe, as seguintes categorias profissionais: dois
pedagogos, um produtor cultural, quatro psicólogos, cinco técnicos em assuntos
educacionais, quatro assistentes administrativos e dois técnicos esportivos.
Toda a estrutura da política existente anterior ao Decreto se concentrava na
unidade central217, ou seja, os estudantes dos campi descentralizados eram atendidos
apenas pelas bolsas ofertadas nos editais. A partir do Quadro 2, é possível observar
que em pelo menos metade dos dez eixos previstos no Decreto Pnaes, as ações estão
diretamente vinculadas à oferta de bolsas/auxílios. Destes, em três, ocorre uma
combinação entre bolsas/auxílios e serviços, sendo que a estrutura pertinente a estes
últimos precede a existência do Decreto Pnaes, ou seja, anteriormente era financiada
com recursos próprios da UFRJ.
A combinação aludida expressa dois aspectos importantes: por um lado, na
nossa avaliação, a existência de serviços torna mais viável a continuidade das
ações218 realizadas no eixo ao qual está vinculado, o que favorece a garantia das
condições de permanência, ao menos para uma parcela do alunado 219. Por outro, a
presença da transferência de recursos monetários para o atendimento de
necessidades básicas revela a insuficiência da cobertura de atendimento do serviço
existente220 no universo total de estudantes.
Por fim, cabe considerar que dentre as universidades analisadas, a UFRJ é
uma das Ifes em que existe uma maior diversificação das ações na política de
assistência estudantil nos distintos eixos previstos no Pnaes, sendo a inclusão
digital221 o único eixo em que inexiste uma ação específica. Além disso, não está
assentada somente na oferta de bolsas/auxílios, o que expressa um ponto de

217 Referimo-nos principalmente aos eixos de Moradia, Alimentação e Transporte.


218 Considera-se que a oferta exclusiva das bolsas/auxílios em determinado eixo torna mais suscetível
a descontinuidade desta ação diante da insuficiência de recursos que tende a ser uma constante
cada vez mais presente na realidade das Ifes.
219 Cabe registrar que os serviços não estão presentes de modo uniforme em todos os campi.
220 Se nos focarmos nos eixos de alimentação e moradia, por exemplo, podemos considerar que a

presença das bolsas/auxílios se deve a não existência de restaurantes e/ou moradias estudantis em
todos os campi da UFRJ, mas também a insuficiência de vagas ou de cobertura de atendimento no
universo de estudantes nas unidades em funcionamento.
221 Esta realidade irá se repetir em todas as demais universidades analisadas, o que trouxe grandes

desafios nos anos que sucederam nossa visita, prinicipalmente, diante do quadro pandêmico da
Covid-19 que assolou o país a partir do ano de 2020 e tornou necessária a adoção do ensino remoto
para continuidade das atividades curriculares.
221
resistência frente à tendência mais geral de bolsificação da política.
Quadro 2 – Ações da UFRJ em cada eixo previsto no Decreto Pnaes

Fonte: Elaboração própria.

A UFRJ aderiu ao Reuni no mesmo ano em que este programa foi instituído
pelo governo federal, ou seja, em 2007, a despeito das resistências do movimento
estudantil222 e de trabalhadores da universidade. Nesse ano de referência, esta Ifes
contava com pouco mais de 30 mil estudantes, distribuídos em 69 cursos. Decorridos
dez anos de implementação do Reuni, conforme Tabela 2, é possível constatar um
aumento no total de matrículas presenciais e à distância, respectivamente, de 48,23%
e 74,7%. Já em relação ao total de cursos houve uma ampliação de 153,73% nos
presenciais e de 50% na modalidade à distância.
No entanto, quando nos debruçamos sobre o quantitativo de alunos
concluintes, em termos absolutos, não se observa um crescimento na mesma
proporção de ampliação das vagas ao longo dos anos, sobretudo, se focarmos
nos cursos presenciais. Pelo contrário, há uma tendência de estabilidade em relação
ao quantitativo de alunos concluintes, conforme pode ser verificado no gráfico
abaixo:

222 Em 2007, ano de regulamentação do Reuni e início do movimento de adesão por parte das
reitorias das universidades federais, houve uma dezena de mobilizações estudantis em todo o país,
com o intuito de barrar o avanço desta importante medida de contrarreforma da educação superior
brasileiro. Como tática de luta, o movimento estudantil independente passou a ocupar as reitorias de
suas respectivas universidades, o que aconteceu em pelo menos sete estados federativos (Bahia,
Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Goiás). As ocupações também
promoveram um enfrentamento direto à UNE que, no caso do Reuni, era uma aliada do governo
federal e apoiava as manobras dos reitores para aprovar a adesão ao programa (CRUZ, 2007b).
Embora o movimento das ocupações não tenha conseguido barrar a implementação do Reuni no
conjunto das Ifes, se caracterizou como um importante instrumento de luta do movimento estudantil
independente para resistir aos ataques à educação.
222
Gráfico 2 – Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais
e à distância) da UFRJ, em termos absolutos, 2007-2017

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 a 2017.

A UFF, visitada no ano de 2018, também possui uma estrutura multicampi e


contava com mais de 46 mil alunos matriculados à época, distribuídos em 131 cursos
(125 presenciais e 6 à distância) (Tabela 3). É a instituição de nível superior que possui
mais capilaridade no estado do Rio de Janeiro 223, processo que é anterior ao Reuni,
mas que é reforçado a partir deste programa de expansão/reestruturação.
Tabela 3: Quantitativo de alunos da UFF – 2007 e 2018

Concluintes em 2007 Concluintes em 2018


Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
3.187 70 4.627 1.125
Cursos em 2007 Cursos em 2018
Graduação Graduação Graduação Graduação
UFF

Presencial a Distância Presencial a Distância


67 2 125 6
Matrículas em 2007 Matrículas em 2018
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
20.879 1.009 35.527 10.505
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 e 2018.

Cada região do estado possui suas particularidades em termos de estrutura


das unidades, rede de serviços existentes, mobilidade urbana etc., o que implica numa
diversidade e complexidade de demandas a serem atendidas pela equipe de
assistentes sociais atuante na política que, no momento da entrevista, era composta
por 12 profissionais. Ademais, também integravam a equipe as seguintes categorias:

223
A UFF possui pelo menos um campus na maioria das regiões do estado, a saber: Metropolitana,
Costa Verde, Baixada Litorânea, Norte, Noroeste, Serrana e Médio Paraíba. Além disso, possui um
campus situado em outra unidade federativa.
223
quatro administradores, um médico, quatro nutricionistas, um pedagogo, quatro
psicólogos, três técnicos em assuntos educacionais, um auxiliar de enfermagem, oito
intérpretes de libra, um técnico de enfermagem e 44 assistentes administrativos224.
Tal como ocorre na UFRJ, a estrutura de serviços existentes na política –
moradia e restaurante estudantis – em geral se concentram na unidade central,
restando para os estudantes dos demais campi o atendimento de suas necessidades
básicas, por meio das bolsas/auxílios ofertadas em editais unificados anuais225. Um
dos elementos que pode contribuir para justificar a dificuldade de descentralização
dos serviços é algo que nos referimos diversas neste estudo: trata-se das frequentes
restrições orçamentárias impostas às universidades ao longo dos anos. Conforme
veremos de modo mais aprofundado no item 3.3, mesmo a existência de uma rubrica
específica para assistência estudantil, não tornou viável a expansão dos
equipamentos de caráter mais coletivo na proporção exigida pela complexidade das
demandas estudantis.
Ademais, diferente da UFRJ, na UFF, por meio dos recursos advindos da
rubrica específica de assistência estudantil, foi possível promover uma diversificação
das ações distribuídas nos eixos previstos no Decreto Pnaes, conforme podemos
observar no Quadro 3.
Assim como a UFRJ, a UFF também possui uma diversificação das ações de
assistência estudantil distribuídas nos diferentes eixos previstos no Decreto Pnaes,
bem como a existência de serviços226 que precedem o referido decreto. No entanto,
as duas Ifes se diferenciam na forma de contemplar os eixos. Na UFF há uma
predominância mais acentuada do caráter bolsificado da política em comparação com
a UFRJ, ou seja, na primeira prevalece a realização de ações distribuídas nos eixos
por meio da transferência direta de recursos financeiros aos estudantes. Tal como na
UFRJ, a combinação de serviços e bolsas/auxílios nos eixos de Moradia e
Alimentação parece ter relação com a insuficiência de cobertura de atendimento dos
estudantes pela estrutura existente, seja pela localização do campus de origem ou por
ausência de vagas. Além disso, inexiste qualquer ação no eixo de Inclusão Digital.

224 Cerca de 26 profissionais desta categoria atuavam no restaurante universitário.


225 Cabe destacar que não há possibilidade de renovação das bolsas, o que acaba num fluxo alto de
trabalho em torno da execução dos editais anualmente. As assistentes sociais referiram entrevistar
todos os alunos candidatos ao recebimento das bolsas/auxílios estudantis, inclusive dos pertencentes
aos campi descentralizados.
226 Referimo-nos aos eixos de Moradia, Alimentação e Transporte.

224
Quadro 3 – Ações da UFF em cada eixo previsto no Decreto Pnaes

Fonte: Elaboração própria.

De modo similar à UFRJ, ou seja, em meio a protestos oriundos do movimento


estudantil e de trabalhadores da universidade, a UFF também aderiu ao Reuni no ano
de 2007. Conforme a Tabela 3, em 2007, esta Ifes possuía em torno de mais de 21
mil estudantes matriculados em 69 cursos. Já no ano de 2018, após a implementação
do Reuni e consequente aprofundamento da capilaridade desta universidade no
estado do Rio de Janeiro, houve um aumento de 70,16% no quantitativo de matrículas
e de 86,57% nos cursos, ambos presenciais. Já em relação à modalidade à distância,
a ampliação foi mais acentuada, pois o número de cursos triplicou e o quantitativo de
estudantes matriculados em 2018 era nove vezes maior que em 2007. Porém, ao
observarmos o quantitativo de alunos concluintes, tal qual ocorre na UFRJ, o
quantitativo pouco se alterou ao longo dos anos, a despeito do considerável aumento
de matriculados.
Gráfico 3 – Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais
e à distância) da UFF, em termos absolutos, 2007-2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 a 2018.

A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), também visitada

225
em 2018, possui estrutura multicampi227 e contava com mais de 13 mil estudantes em
48 cursos (44 presenciais e quatro à distância). Embora seja a universidade com
menor quantitativo de cursos e alunos, proporcionalmente foi a que teve o maior
crescimento em relação ao número de cursos (166,67%) e a segunda em relação ao
número de estudantes (158,17%228).
Tabela 4: Quantitativo de alunos da Unirio – 2007 e 2018
Concluintes em 2007 Concluintes em 2018
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
756 289 1.018 390
Cursos em 2007 Cursos em 2018
Unirio

Graduação Graduação Graduação Graduação


Presencial a Distância Presencial a Distância
18 2 44 4
Matrículas em 2007 Matrículas em 2018
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
5.247 2.322 8.947 4.599
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 e 2018.

A equipe de assistentes sociais também é menor do que nas universidades


anteriores, sendo composta por apenas duas profissionais à época. Do mesmo modo,
estas profissionais eram referência para o atendimento dos estudantes dos distintos
campi por meio de edital unificado de fluxo contínuo229. Diferente da UFF e da UFRJ,
o quantitativo de assistentes sociais e de outras categorias é mais próximo: três
nutricionistas, duas psicólogas, um técnico em assuntos educacionais e três
assistentes administrativos.
Dentre as universidades pesquisadas, a Unirio é a mais nova, com menor
número de estudantes, cursos e assistentes sociais lotadas na política de
assistência estudantil. Talvez, em parte, isso explique o fato de ser a Ifes pesquisada
com menor diversificação das ações nos eixos previstos no Decreto Pnaes, mas para
afirmar esta suposição seria necessário realizar um estudo mais aprofundado. Para

227 Das universidades pesquisadas, a Unirio é a única que possui a sede e todos os campi situados
em um mesmo município.
228 Para realização deste cálculo foram considerados os alunos de graduação presencial e à

distância.
229 O fato de o processo seletivo para acesso às bolsas ser de fluxo contínuo, embora não

inviabilizasse, da forma como estava estruturado na referida universidade, tendia a dificultar o


envolvimento das assistentes sociais em atividades que não estivessem diretamente relacionadas à
execução dos editais, diante de toda a burocracia que estava atrelada ao desenvolvimento deste
trabalho.
226
além da Inclusão Digital, inexistia qualquer ação nos eixos de Cultura e Creche na
ocasião da visita.
Ademais, conforme relato das assistentes sociais quase a totalidade dos
recursos provenientes da rubrica Pnaes eram destinados às bolsas/auxílios,
basicamente os correspondentes à Moradia e Alimentação. No entanto, neste último,
também podia ser observada a existência do restaurante estudantil, tal como ocorre
nas universidades anteriores.
Quadro 4 – Ações da Unirio em cada eixo previsto no Decreto Pnaes

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados pela pesquisa realizada pelo Numar/Neeae.

Sem prévia discussão com sua comunidade acadêmica e a despeito dos


protestos contra sua aprovação pelo Conselho Universitário, a Unirio também aderiu
ao Reuni em 2007. Neste período, seu corpo estudantil era composto por
aproximadamente sete mil e 500 alunos e 20 cursos de graduação. Passados
aproximadamente dez anos, esta universidade teve um aumento de 70, 52% e 98,1%,
respectivamente, em relação ao quantitativo de matriculados nas modalidades
presencial e à distância. Já em relação aos cursos, a modalidade à distância dobrou
seu quantitativo e os presenciais cresceram 144,4%. No entanto, tal como ocorreu
nas universidades anteriores, o quantitativo de estudantes concluintes não se ampliou
na mesma proporção do crescimento de matrículas e cursos.

227
Gráfico 4 – Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais
e à distância) da Unirio, em termos absolutos, 2007-2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 a 2018.

A UFRRJ, visitada no ano de 2019, possui estrutura multicampi230 e contava


com mais de 20 mil alunos matriculados à época nos 63 cursos existentes (61
presenciais e dois à distância). É a segunda menor universidade, em termos
absolutos, em relação aos cursos e universo de alunos. Porém, em termos
percentuais, ocupa a primeira posição em relação ao crescimento do quantitativo de
matriculados tanto em cursos presenciais quanto à distância, após a implantação do
Reuni.

Tabela 5: Quantitativo de alunos da UFRRJ – 2007 e 2019


Concluintes em 2007 Concluintes em 2019
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
1.171 - 1.726 174
Cursos em 2007 Cursos em 2019
Graduação Graduação Graduação Graduação
Presencial a Distância Presencial a Distância
29 1 61 2
Matrículas em 2007 Matrículas em 2019
UFRRJ

Graduação Graduação Graduação Graduação


Presencial a Distância Presencial a Distância
7.457 461 14.536 6.221
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 e 2018.

Sua equipe de assistentes sociais também é centralizada na reitoria e era


composta apenas por duas profissionais, tal como na Unirio, para atendimento dos
estudantes de distintos campi, por meio de edital unificado semestral. A equipe
multiprofissional é a menor de todas as universidades, sendo composta também pelas
230
A UFRRJ possui campi situados em três regiões do estado: Serrana, Baixada (tal como a sede,
mas em municípios distintos) e Norte Fluminense.
228
seguintes categorias: uma nutricionista, uma psicóloga e três técnicos em assuntos
educacionais.
Há uma diversificação das ações nos diferentes eixos previstos no Decreto
Pnaes, mas tal como ocorre na UFF, a UFRRJ, preponderantemente, atua nos
diferentes eixos por meio da transferência direta de recursos financeiros aos
estudantes. A presença da combinação bolsas/auxílios e serviços segue o mesmo
padrão observado nas UFRJ e UFF e, tal qual, os serviços relativos à moradia e
restaurante estudantil possuem existência anterior ao supracitado Decreto.
Quadro 5 – Ações da UFRRJ em cada eixo previsto no Decreto Pnaes

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados pela pesquisa realizada pelo Numar/Neeae.

A UFRRJ, mesmo com a resistência da comunidade universitária, também


aprovou a adesão ao Reuni no final do ano de 2007, período em que contava com
quase oito mil estudantes matriculados, distribuídos em 30 cursos de graduação.
Conforme mencionamos, foi a universidade federal do Rio de Janeiro que obteve o
maior crescimento percentual do quantitativo de estudantes, após a adesão ao Reuni.
Na modalidade à distância o número de matrículas era 13 vezes maior em 2019, em
comparação a 2007 e, na presencial, o quantitativo cresceu em 94,93%. Já em
relação aos cursos, o percentual de crescimento atingiu o valor de 110,34% nos
presenciais e 100% na modalidade à distância. No entanto, o mesmo padrão
observado nas universidades anteriores se repete nesta universidade: há poucas
alterações em relação ao quantitativo de estudantes concluintes.

229
Gráfico 5 – Quantitativo de estudantes matriculados e concluintes (presenciais
e à distância) da UFRRJ, em termos absolutos, 2007-2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo de Educação Superior 2007 a 2019.

Todas as universidades possuem uma trajetória consolidada na área


acadêmica e uma extensa lista de cursos nas mais diversas áreas. Como é possível
observar, também possuem uma estrutura multicampi, sendo que a unidade central
(reitoria) de duas delas fica localizada na capital do estado e as demais ficam
localizadas em cidades da região metropolitana. Além disso, na maioria das
universidades231 – UFRJ, UFF e UFRRJ – existiam serviços executados na política
de assistência estudantil que são fruto da luta estudantil e precedem a
regulamentação do Decreto Pnaes. Nesse sentido, cabe destacar que num cenário
marcado pela financeirização, o que prevalece mais fortemente é a tendência de
bolsificar a política de assistência estudantil. No entanto, conforme vimos, as
universidades não extinguiram os serviços anteriormente existentes, ou seja, isto
pode ser lido como uma contratendência, pois expressa uma certa resistência em
restringir as ações da políticas apenas aos programas de bolsas/auxílios, mesmo
num cenário de insuficiência de recursos orçamentários.
O processo de reestruturação/expansão vivenciado pelas referidas Ifes, por
meio da adesão ao Reuni, impactou diretamente na ampliação do quantitativo de
cursos quanto de alunos, como pode ser observado nas tabelas anteriormente

231Cabe destacar que tanto na UFRJ quanto na UFF e na UFRRJ, algumas das ações pontuais de
atendimento aos estudantes que precederam a regulamentação do Pnaes eram organizadas por meio
da Divisão de Apoio ao Estudante ou estrutura similar. No entanto, somente as duas primeiras
universidades contavam com a participação de assistentes sociais em seu quadro de servidores na
referida estrutura. Tanto a Unirio quanto a UFRRJ, somente a partir do ano de 2010, passaram a
contar com a supracitada categoria profissional, compondo suas equipes específicas da política de
permanência.
230
apresentadas. Tal processo, de modo geral, também se refletiu no aumento de
assistentes sociais convocadas no conjunto das Ifes para atuar nas demandas de
acesso e de permanência estudantis, que se tornaram maiores e mais complexas
dada a diversidade do universo de estudantes, conforme vimos no item 2.4. Outro
aspecto a ser evidenciado é a ausência de padronização nas equipes
multiprofissionais, pois diante da inexistência de qualquer diretriz que oriente sua
composição mínima, cada universidade possui uma realidade diferente.
Cabe reforçar que a diversidade no perfil estudantil referida acima tem sido fruto
não somente do processo de expansão/reestruturação das Ifes, mas também pela
mudança na forma de ingresso com a implantação do Sistema de Seleção Unificada
(Sisu), vigente desde o ano de 2010. A partir da implantação do Sisu
progressivamente as Ifes passaram a adotar as notas do Enem de forma parcial ou
integral para ingresso, em substituição aos seus vestibulares tradicionais
(FONAPRACE, 2019).
Com isso, elevou-se profundamente o potencial de mobilidade territorial dos
estudantes, pois a partir de qualquer região do país era possível concorrer a vaga de
qualquer Ifes por meio do Enem, ou seja, sem necessariamente se deslocar de sua
região no momento do processo seletivo. Consequentemente, ao ser aprovado numa
universidade em outra cidade e/ou estado, dependendo de suas condições
financeiras, há um conjunto de necessidades que irão permear suas condições de
permanência durante a formação, tal como moradia, transporte, alimentação, acesso
à biblioteca, laboratórios de informática, dentre outros, o que contribuiu para tornar
ainda mais complexo o universo de estudantes de cada campus. Além disso, outro
aspecto fundamental que implica na diversificação do universo de estudantes diz
respeito à implementação da Lei Federal n. 12.711/12, mais conhecida como a Lei
das Cotas, que estabeleceu a reserva de vagas de acordo com os critérios de origem
escolar, social, racial e/ou deficiência.
Segundo dados da V Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico e Cultural
dos/as Graduandos/as das Ifes 2018232, realizada pelo Fonaprace/Andifes e em
parceria com a Universidade Federal de Uberlândia, conforme observamos na tabela

232Trata-se da pesquisa mais atualizada relativa ao perfil nacional dos estudantes das diferentes Ifes
e, por este motivo, ao longo de nosso estudo fizemos referências frequentes aos seus achados de
forma articulada ou não com os dados coletados em nossa pesquisa.
231
abaixo, apenas a Unirio possui a totalidade do universo de estudantes concentrados
em um mesmo município233. As demais universidades, que também possuem
estrutura multicampi, apresentam proporções diferenciadas na concentração de
alunos distribuídos entre a sede e os campi descentralizados situados em outros
municípios: a UFRJ possui maior percentual de alunos matriculados na sede; a UFF
possui percentual próximo na distribuição dos alunos entre a sede e os demais campi
e; por fim, a UFRRJ possui menor percentual de alunos matriculados na sede.
Tabela 6: Localização administrativa, natureza e percentual de discentes por
cidade do campus, segundo Ifes - 2018
% de cidade de campus % de cidade de campus % de discentes por cidade
por localização segundo natureza do campus de campus localização
administrativa sede x avançado administrativa
IFE Capital Interior Avançado Sede Capital Interior
UFRJ 75 25 25 75 94,3 5,7
UFF 100 47,4 52,6 100
Unirio 100 100 100
UFRRJ 100 66,7 33,3 100
Fonte: Elaboração própria a partir da V Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico e Cultural dos/as
Graduandos/as das Ifes (FONAPRACE, 2019).

No entanto, cabe sublinhar que houve um considerável aumento da população


universitária tanto no âmbito nacional quanto especificamente no estado do Rio de
Janeiro234 (Cf. Tabela 7) e que o perfil estudantil tem se assemelhado cada vez mais
à heterogeneidade existente na população em geral, conforme indica o Fonaprace em
na V Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico e Cultural dos/as Graduandos/as
das Ifes. A referida pesquisa revela que tem ocorrido uma “democratização do acesso”
que se expressa por meio da ampliação do quantitativo de Ifes, cursos, vagas,
interiorização dos campi, maior mobilidade territorial em função de novas formas de
seleção como o novo Exame Nacional do Ensino Médio e Sisu, bem como da reserva
de vagas (cotas) em diferentes modalidades (FONAPRACE, 2019).

233 Mas, ainda que se concentrem num mesmo município, possivelmente os estudantes de distintos
campi têm diferenças na mobilidade urbana e acesso a políticas públicas em geral que vão repercutir
em variações nas demandas por condições de permanência.
234 Na Tabela 7, é possível observar o Rio de Janeiro, a partir da tendência dos resultados agrupados

na região sudeste e, em relação aos dados específicos deste estado, é preciso lembrar que já foram
dispostos neste estudo a partir da caracterização de cada universidade analisada.
232
Tabela 7: Expansão de indicadores acadêmicos na educação superior -
universidades federais por região - 2002-2017
REGIÃO CURSOS VAGAS MATRÍCULAS
2002 2017 Δ% 2002 2017 Δ% 2002 2017 Δ%
NORTE 478 617 29,1 16.755 38.900 132,2 76.779 137.605 79,2
NORDESTE 583 1.254 115 33.587 121.975 263,2 147.464 342.932 132,6
SUL 286 905 216 17.152 72.078 320,2 75.985 190.022 150,1
SUDESTE 430 1.254 192 32.509 117.669 262 139.641 341.398 144,5
CENTRO-OESTE 270 541 100 13.260 42.928 223,7 60.590 108.847 79,7
TOTAL 2047 4.571 123 113.263 393.550 247,5 500.459 1.120.804 124
Fonte: BRASIL, 2014; INEP, 2018b apud FONAPRACE, 2019.

Conforme vimos no item 2.4, a nível nacional, o perfil de estudantes


universitários no ano de 2018 se tornou majoritariamente feminino (54,6%), negro 235,
com média etária de 24,4 anos, com origem escolar pública e com renda per capita
familiar de até 1,5 salários-mínimos (70,2%) (FONAPRACE, 2019). Com isso,
consequentemente, temos potencialmente um crescente aumento da demanda pela
garantia das condições de permanência.
No entanto, toda vez que abordarmos a pretensa democratização do ensino é
necessário apresentarmos algumas ponderações a respeito do acesso aos cursos
(sobretudo aqueles de maior prestígio social) que não se operou de forma equânime
(SGUISSARDI, 2015), conforme indicamos no item 2.2 deste estudo.
A pesquisa do Fonaprace (2019) também destaca o descompasso existente
entre o volume de recursos destinados à assistência estudantil no conjunto das Ifes e

235 Conforme mencionamos no item 2.1, aqui cabe-nos realizar uma pequena ressalva, pois os dados
contidos no relatório da pesquisa realizada pela DPU e a ABPN (2022) possuem um foco maior no
impacto da Lei de Cotas, sendo, por este motivo, mais detalhados em alguns aspectos. Em nossa
avaliação, isto permite uma análise mais fidedigna dessa variável, o que faz com que em
determinados momentos destoe da tendência revelada pelo perfil estudantil presente nas pesquisas
realizadas pelo Fonaprace. Desse modo, a primeira pesquisa, indica uma tendência nacional que se
reflete em todas as quatro universidades analisadas em nosso estudo, ao indicar que a oferta de
vagas destinadas às cotas raciais, ou seja, para pretos, pardos e indígenas, em geral, tem sido
abaixo do percentual preconizado pela legislação. Ou seja, embora a pesquisa do Fonaprace indique
uma alteração considerável da composição do perfil estudantil em seu aspecto racial, ela está aquém
do que deveria legalmente estar sendo implementado nas distintas Ifes. Além disso, a presença
predominante de negros identificada pela pesquisa do Fonaprace (2019), ainda não tem se refletido
nos dados de conclusão de cursos, conforme aponta a pesquisa da DPU e ABPN (2022). Os dados
desta última, “revelam que mais da metade dos(as) estudantes pretos(as), pardos(as) e indígenas
que ingressaram nas vagas destinadas a negros(as), ainda se encontram matriculados(as). Pouco
mais de 1/6 (um sexto) se diplomaram, e aproximadamente 30% se evadiram. [A partir disso,
reforçam que] os índices altos de evasão são problema das universidades brasileiras como um todo,
não somente de estudantes de cotas. O percentual relativamente baixo de formados tem uma relação
direta com a política adotada e seu período de execução” (DPU e ABPN, 2022, p. 44). Ademais, não
podemos deixar de mencionar que o baixo nível de conclusão e a evasão constada também pode ter
relação com as condições de permanência existentes em cada Ifes para este público específico.
233
a rápida diversificação do perfil estudantil ocorrida ao longo dos anos. Conforme
vimos, as Ifes recebiam parte dos recursos do Reuni destinados exclusivamente para
a assistência estudantil até 2012. Porém, nos anos posteriores, o financiamento das
ações ficou restrito aos recursos próprios das respectivas Ifes e/ou à rubrica do
Pnaes. Tal como pode ser observado na Tabela 8, até o ano de 2016 os recursos
foram sendo ampliados anualmente. Conforme nos alertam diferentes autores
(CISLAGHI, 2010; CISLAGHI & SILVA, 2012; LIMA, G, 2017), é inegável essa
significativa ampliação dos recursos destinados à assistência estudantil. No entanto,
não devemos desconsiderar que o referencial de comparação dos anos anteriores
possuía patamares orçamentários baixíssimos.
Tabela 8: Evolução do volume de recursos aprovados para o PNAES (2008-
2018) – Brasil

Fonte: SILVA; COSTA, 2018 apud FONAPRACE, 2019, deflacionados pelo IPCA.

Soma-se a isso, o fato de que tal ampliação dos recursos para a assistência
estudantil se deu em meio à expansão de vagas no conjunto das universidades
públicas federais. Isto é, mesmo com a ampliação, os recursos se tornam insuficientes
diante da demanda por condições de permanência que já existia e era reprimida
(LIMA, G, 2017). Além disso, havia novas demandas decorrentes do processo de
expansão das vagas vivenciado pelas universidades.
Esse cenário de insuficiência de recursos orçamentários foi aprofundado a
partir da aprovação da EC n. 95/2016, no governo ilegítimo de Temer, que instituiu o
teto dos gastos públicos com despesas primárias, impactando tanto no orçamento
geral das universidades quanto nos recursos destinados à rubrica específica de
assistência estudantil. A partir do ano de 2017, o limite estabelecido como teto máximo
são os valores pagos no exercício de 2016, acrescido da inflação. Nos anos
234
posteriores (até o ano de 2036), tal limite será sempre corrigido pela variação do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
No que tange às políticas de saúde e educação, os mínimos constitucionais
foram suprimidos e 2017 ficou definido como ano base, ou seja, apenas a partir de
2018 passou a vigorar o teto dos gastos para as respectivas políticas. Como pode ser
observado na Tabela 8, no montante geral de recursos destinados à assistência
estudantil das universidades já se nota um declínio do valor dos recursos no ano de
2017.
No entanto, essa oscilação para menos no montante de recursos Pnaes não
ocorreu de modo uniforme em todas as universidades analisadas em nosso estudo
(Tabela 9). A UFRJ e UFRRJ apresentaram um declínio no recebimento de recursos
da assistência estudantil no ano de 2018 – primeiro ano de vigência do teto para a
política de educação –, e na UFF, havia uma tendência de queda dos recursos desde
2015 que foi temporariamente interrompida no ano de 2018 e retomada no ano de
2019. Diferente das demais, a Unirio foi a única que apresentou um pequeno
crescimento dos recursos no ano de 2019.
Tabela 9: Evolução dos recursos orçamentários destinados à assistência
estudantil executados nas universidades federais do RJ (R$)

Fonte: Elaboração própria a partir do Siop, deflacionados a partir do IPCA.

Além disso, cabe destacar que embora a maior parte das Ifes pesquisadas
tenha uma diversificação das áreas de atuação no âmbito da política de permanência,
o que, em geral, coincide com os eixos previstos no Decreto Pnaes, tal diversificação
está assentada predominantemente num caráter bolsificado da política. Assim,
predomina a oferta de um conjunto de modalidades de bolsas/auxílios para satisfação

235
das necessidades dos estudantes via mercado.
Conforme mencionamos anteriormente, as bolsas/auxílios favorecem uma
descontinuidade do atendimento prestado aos estudantes diante das incertezas
orçamentárias. Havendo cortes de recursos, pode-se mais facilmente reduzir e/ou
extinguir modalidades de bolsas/auxílios. Ademais, como a estruturação da política
de assistência estudantil nos últimos anos não foi acompanhada de um financiamento
consistente e robusto, na prática torna-se inviável constituir serviços e ações de
caráter continuado que atendam todos aqueles estudantes que demandam condições
básicas para garantir sua permanência e êxito na conclusão do curso.
Tal como é possível observar nos dados abaixo, somente a UFRJ ultrapassa
pouco mais de 10% na média de cobertura de atendimento do universo estudantil 236
com a oferta de bolsas/auxílios que, em geral, é o carro chefe da política e justamente
o lócus prioritário de atuação das assistentes sociais.
Tabela 10: Quantitativo de alunos presenciais, quantitativo de bolsas/auxílios e
cobertura da assistência estudantil no universo estudantil
Quantitativo total de
Alunos presenciais cobertura AE
bolsas/auxílios
Universidade I (2017) * 41.992 4.504 10,73%
Universidade II (2018) * 35.527 3.205 9,02%
Universidade III (2018) * 8.947 780 8,72%
Universidade IV (2019) * 14.536 947 6,51%
*Ano da visita realizada pela pesquisa.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep e dados coletados pela pesquisa realizada
pelo Numar/Neeae.

Se compararmos as Tabelas 10 e 11, podemos observar que a UFRJ 237 é a


que possui maior cobertura de estudantes atendidos por meio de bolsas/auxílios e a
que possui o maior valor monetário em relação ao salário-mínimo. Das quatro Ifes, é
a UFRRJ que apresenta o pior cenário, pois além de possuir uma cobertura baixa
(apenas 6,51%), o valor médio das bolsas/auxílios é bastante irrisório,
correspondendo a menos de 30% do valor do salário-mínimo à época.
Tais aspectos são fundamentais de serem destacados nessa breve

236 Para fins deste cálculo foram considerados apenas os estudantes de cursos presenciais, pois
ainda não parece haver uma atuação sistemática direcionada aos estudantes de cursos à distância.
Além disso, embora em todas as Ifes tenha a possibilidade de acúmulo de diferentes modalidades de
bolsas/auxílios, para simplificar o cálculo, já que não temos o acesso ao quantitativo de alunos que
acumulavam à época, foi considerado para cada estudante apenas uma bolsa/auxílio.
237 Cabe sinalizar que um dos motivos para o valor médio das bolsas/auxílios da UFRJ ser o mais

elevado tem relação com o fato de que naquele período o valor pago ao auxílio moradia ser
R$1.200,00 temporariamente. As instalações físicas do alojamento foram prejudicadas por um
incêndio e os custos de moradia na capital são elevados.
236
caracterização, pois, todas as equipes de assistentes sociais que atuam na
assistência estudantil das respectivas Ifes são lotadas de forma centralizada na sede,
mas atendem aos discentes dos distintos campi. Isto tende a dificultar a possibilidade
de realizar um acompanhamento social efetivo de grande parte do universo de
estudantes.
Tabela 11: Valor médio das bolsas/auxílio, valor do salário-mínimo e percentual
das bolsas/auxílios em relação ao salário-mínimo
Valor médio bolsa/auxílio Valor do salário-mínimo (SM) % SM
UFRJ (2017) * R$ 772,50 R$ 937,00 82,44%
UFF (2018) * R$ 292,14 R$ 954,00 30,62%
Uniria (2018) * R$ 433,33 R$ 954,00 45,42%
UFRRJ (2019) * R$ 260,00 R$ 998,00 26,05%
*Ano da visita realizada pela pesquisa.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados pela pesquisa realizada pelo Numar/Neeae.

Ademais, embora tenha sido identificada uma diversificação das áreas de


atuação conforme os eixos do Decreto Pnaes, as assistentes sociais geralmente estão
à frente prioritariamente daquelas ações diretamente relacionadas à execução de
editais de bolsas/auxílios.
Os dados da pesquisa realizada pelo Numar/Neeae são bastantes reveladores
nesse sentido. Dentre as ações238 desempenhadas exclusivamente por assistentes
sociais é unânime a referência pelas equipes das quatro universidades a realização
de análise socioeconômica. Ademais, com uma menção cada, também configuram-
se como atividades executadas apenas pelas profissionais: encaminhamento para
rede de serviços de saúde, atendimento social, entrevista social, relatório social e
procedimentos relativos aos processos seletivos de assistência estudantil de modo
geral.
Dentre as atividades que são desempenhadas pelas profissionais por
considerarem compor o rol de atribuições e competências, é unânime novamente a
referência à realização de análise socioeconômica. Ademais, comparecem atividades
como: atendimento social (duas menções), entrevista social (duas menções),
orientação social, parecer social, encaminhamento para rede de serviços e
acompanhamento de questões de natureza social, sendo estas quatro últimas com
uma menção cada.
Por fim, dentre as atividades que são realizadas pelas assistentes sociais,
238
Cabe destacar que o mapeamento das atividades realizadas pelas assistentes sociais era parte do
questionário coletivo, ou seja, o registro das respostas foi feito por equipe e não de modo individual.
237
embora considerem alheias ao escopo da profissão, se destacam aquelas, de modo
geral, com caráter administrativo e burocrático que envolvem o pagamento de
bolsas/auxílios: atendimento em balcão, arquivamento de processos/documentos
(duas menções), digitação das listas com o resultado do edital de assistência
estudantil, recebimento e conferência da frequência dos estudantes,
acompanhamento de prestação de contas dos estudantes, controle da folha de
pagamento dos auxílios e recepção de estudantes (presencialmente ou por telefone)
para fornecer informações diversas239 (duas menções).
Nesse sentido, após essa breve caracterização das universidades, iremos nos
debruçar sobre as principais atividades realizadas/requisitadas às assistentes sociais
no âmbito da política de assistência estudantil.
A seguir, tentaremos sumariar algumas das ações demandadas às assistentes
sociais em função da política de assistência estudantil estar centrada nos programas
de bolsas/auxílios. Embora tenhamos como ponto de partida a realidade vivenciada
em nossa atuação profissional no âmbito de um campus da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, ela pouco difere no que tange a
configuração das ações e, sobretudo, das requisições institucionais direcionadas às
assistentes sociais240 no âmbito das universidades do estado do Rio de Janeiro.
Para tanto, nos ateremos àquelas que se destacam como principais atividades
requisitadas e/ou realizadas pelas assistentes sociais, a saber: elaboração de edital;
divulgação do edital; processo de inscrições; conferência documental; análise de
renda/análise socioeconômica; divulgação do resultado; recolhimento dos dados
bancários; assinatura do termo de compromisso; emissão de folha de pagamento;

239 Sobre esta última, cabe ressaltar que não nos parece haver uma negativa das profissionais em
relação à prestação de informações e orientação aos usuários, ainda que de caráter geral, no âmbito
do atendimento do Serviço Social nas universidades. Aqui parece haver uma recusa do Serviço
Social em se configurar como um “balcão de informações”, ou seja, como uma porta de entrada
institucional, atuando na triagem de demandas de distintos setores. Em nosso entendimento, nos
referidos termos, esta seria uma atividade que pode, sem maiores prejuízos, ser realizada por
recepcionistas ou servidores administrativos. Assim, o Serviço Social teria melhores condições de se
apropriar qualitativamente daquelas atividades, cuja sua atuação é imprescindível, tais como a
realização de orientações sociais, a realização de análises socioeconômicas e o acompanhamento
social, dentre outros.
240 Tal afirmação também se assenta na observação empírica dos relatos recorrentes de assistentes

sociais que atuam da política de assistência estudantil nas Ifes de diferentes regiões do país, seja nas
rodas de conversas promovidas pelo Numar/Neeae, seja nos eventos locais, regionais e nacionais em
que esta pesquisadora participou ao longo dos últimos anos, tais como Seminário Estadual de
Assistência Estudantil, Seminário Nacional de Assistência Estudantil, I Seminário Internacional de
Serviço Social na Educação e V Fórum Serviço Social na Educação do Gepesse, Encontros
Regionais Sudeste do Fonaprace, dentre outros.
238
acompanhamento de condicionalidades de permanência no programa; definição da
distribuição orçamentária e o uso dos recursos, dentre outras.
Cabe destacar que, a depender da configuração e articulação existente entre
as equipes241 multiprofissionais que executam a política de assistência estudantil nas
Ifes, tais atividades/requisições podem ou não ser compartilhadas com outros
profissionais, para além das assistentes sociais. No entanto, quando são
compartilhadas, geralmente a assistente social costuma ser a profissional de
referência na maioria delas.
• Elaboração de edital:
De modo geral nas Ifes, a partir do que está previsto nos regulamentos 242
internos das instituições, são publicados editais a fim de viabilizar o acesso dos alunos
às bolsas e/ou auxílios. Para tanto, é necessário elaborar este documento que
norteará as etapas do processo seletivo, nas quais estão previstas as
modalidades/tipos de bolsas e/ou auxílios ofertados, bem como o número de cotas e
respectivos valores monetários; os requisitos para participação; os procedimentos
para inscrição; a relação documental comprobatória a ser entregue; o cronograma;
dentre outros. Após a elaboração e revisão do edital é feito o encaminhamento para
outras instâncias institucionais para posterior publicação.
Das quatro universidades pesquisadas, apenas na Unirio as profissionais não
participavam da construção do edital para o processo seletivo das bolsas/auxílios.
Cabe considerar que o fato de as assistentes sociais serem convocadas para esta
atividade pode significar certo deslocamento de seu papel restrito à execução terminal
das políticas sociais, o que em nosso entendimento é algo positivo. Com isso,

241 Cabe observar que nas quatro universidades analisadas, há pouca diversificação das profissionais
que atuam diretamente na política de assistência estudantil, sobretudo, se considerarmos que está
centrada nos programas de auxílios/bolsas, em geral, de atuação prioritária de assistentes sociais. Na
UFRJ e UFF, a equipe de Serviço Social é a que possui maior número de integrantes em relação às
outras categorias profissionais. Já na Unirio e UFRRJ, mesmo tendo o mesmo padrão de centralidade
da política, o número maior de profissionais é de outras categorias profissionais: nutricionistas e
técnico em assuntos educacionais, respectivamente.
242 Na ocasião das visitas, apenas a UFRJ ainda não possuía um regulamento específico da política

de assistência estudantil, pois o que estava em vigor era uma Resolução que tratava das bolsas. As
demais universidades embora possuíssem regulamentação específica, contaram somente com a
participação da gestão na elaboração deste importante norteador da política, ou seja, sem o
envolvimento das profissionais e dos estudantes, aqueles que deveriam ser os verdadeiros
protagonistas nesse processo. Com isso, nos restam dúvidas se os respectivos regulamentos – que
materializam a concepção de política de assistência estudantil em cada universidade – de fato estão
alinhados com as demandas reais por condições de permanência estudantil, bem como, com a
potencialidade existente em cada categoria profissional que pode intervir nesta área.
239
queremos dizer que pode significar ocupar uma posição no planejamento da política,
ainda que, a depender das condições institucionais e correlação de forças existentes,
se tenha um grau maior ou menor de autonomia no respeito às intervenções que
podem direcionar o formato assumido pelos programas de auxílios/bolsas. Tal
influência pode incluir o alcance das ações (acesso, público atendido e de que forma),
valores dos auxílios, requisitos, critérios de avaliação, prazos e até mesmo o formato
da linguagem dos editais.
Como atores privilegiados nos atendimentos diários, as assistentes sociais
conseguem perceber (ainda que de forma empírica) ou têm a possibilidade de
sistematizar as maiores dificuldades e/ou obstáculos para acesso dos estudantes que
demandam ações de permanência estudantil. A partir disso, é possível traduzi-los na
forma de execução do edital e/ou outras ações de modo a facilitar este acesso.
Embora seja uma atividade de caráter administrativo, considera-se que tem a
potencialidade (a ser explorada conforme a correlação de forças existente no interior
da Ifes) de se constituir como um espaço estratégico de atuação. A construção da
política de permanência no formato atual passa por este espaço, ou seja, por meio
deste instrumento se define o público-alvo bem como as necessidades que serão
priorizadas no atendimento, ainda que com limites. Assim, dependendo de como for
conduzida a elaboração do edital, é possível interferir na melhoria das condições de
acesso dos estudantes aos programas e, também, imprimir um ritmo e condições
razoáveis de trabalho, a ser realizado na maioria das vezes pelas próprias assistentes
sociais na ponta do processo de seleção.
• Divulgação do edital:
A divulgação do edital é citada também por três das equipes de assistentes
sociais entrevistadas como atividade realizada, a saber: UFRJ, UFF e Unirio. Logo
após a publicação do edital é necessário promover sua ampla divulgação entre os
estudantes, seja de forma presencial ou virtual. Considerando que, geralmente, a
relação de documentos comprobatórios exigidos aos estudantes é extensa,
geralmente surgem muitas dúvidas que podem resultar na sua entrega incompleta.
Nesse sentido, por vezes, se aproveita este período para realizar atendimentos
individualizados e/ou reuniões informativas para fornecer os esclarecimentos de forma
mais coletiva. Além disso, podem ser elaborados tutoriais, cartazes informativos que
constem orientações sobre o processo seletivo.
240
Tal como ocorre no momento de elaboração dos editais, mesmo sendo de
caráter administrativo é uma atividade que pode ser realizada por uma assistente
social, juntamente com outros membros da equipe243, cada um contribuindo dentro do
que compete a sua área de formação. Especificamente, no âmbito do Serviço Social,
de posse de sua função político-pedagógica, a profissional pode promover o
esclarecimento de dúvidas relativas aos documentos comprobatórios exigidos no
edital e, de forma coletiva, contribuir com o despertar de uma consciência dos
estudantes a respeito de seus direitos e sobre os espaços de disputa para garanti-los.
Neste ponto, as assistentes sociais têm a potencialidade de contribuir com reflexões
críticas sobre a forma como a política vem sendo executada, de forma a pressionar
as instâncias pertinentes para que ocorra um atendimento para além do que está
instituído legalmente e que de fato esteja sintonizado com os anseios e necessidades
dos estudantes.
• Processo de inscrições:
A recorrência do presente item é similar ao anterior, pois três das equipes de
assistentes sociais – UFRJ, UFF e Unirio – participam diretamente do processo de
inscrição dos estudantes nos processos seletivos. Em geral, estes devem preencher
um formulário, no qual são solicitados dados pessoais e de todos os membros de sua
composição familiar, inclusive aqueles relativos à inserção no mercado de trabalho e
situação de moradia, dentre outros. Tal formulário, dependendo da estrutura
disponível na Ifes, pode ser preenchido fisicamente ou de forma virtual e,
posteriormente, toda documentação comprobatória também deve ser entregue.
Dentre as Ifes analisadas, apenas a Unirio não possuía nenhum suporte
informatizado no processo de inscrições. Quando a entrega de documentos ocorre de
forma presencial, geralmente são disponibilizados dias e horários para recebimento,
podendo haver conferência ou não no ato de entrega dos referidos documentos e
entrega de comprovante de inscrição, conforme esteja previsto no edital.
Dada as condições de trabalho e as possibilidades de atuação da profissão,
considera-se que esta não deveria ser uma linha de atuação prioritária no processo

243Conforme vimos, as equipes lotadas na assistência estudantil variam de uma universidade para
outra tanto no quantitativo quanto nas áreas de atuação. Na UFF e UFRJ as assistentes sociais
superaram consideravelmente o quantitativo das outras categorias, já na Unirio e UFRRJ é mais
próximo o número de profissionais. No entanto, em todas as universidades são as assistentes sociais
tendem a ser a referência na condução dos processos seletivos.
241
de inscrição. A ausência de profissionais administrativos de nível médio (auxiliar ou
assistente administrativo) em quantitativo adequado bem como a própria configuração
atual dos processos seletivos acaba sobrecarregando o trabalho desempenhado
pelas assistentes sociais. Diante das possibilidades aventadas nos itens anteriores,
recomenda-se que a atuação destas profissionais junto à equipe, especificamente em
relação a esta atividade, deveria ser no sentido de orientar para a simplificação do
processo para os estudantes e facilitar o acesso sem que haja necessidade de sua
inserção direta.
Dito isso, importa-nos ressaltar que não há nenhuma normativa interna à
profissão ou da política que estabeleça parâmetros para a relação de assistentes
sociais x estudantes para atendimento nas condições adequadas. No entanto, ainda
assim, considera-se ser possível afirmar que há um baixo quantitativo de profissionais
frente ao universo amplo de estudantes existente à época das visitas institucionais
realizadas pela pesquisa, conforme poderá ser verificado na Tabela 12.
Na estrutura das universidades, as equipes de assistência estudantil são
centralizadas na reitoria e, com isso, as profissionais são referência para atendimento
dos distintos campi. Isto, dado o universo amplo de alunos e o formato da política de
assistência, tende à uma burocratização da intervenção profissional e implica em
alguns aspectos negativos.
Há uma sobrecarga de trabalho244 diante de todo o processo que envolve a
realização dos processos seletivos dos programas de auxílios/bolsas, pois conforme
vimos, há algumas atividades alheias à profissão de caráter meramente administrativo
que são absorvidas pelas profissionais. Além disso, torna-se praticamente inviável
realizar um acompanhamento mais efetivo e próximo dos alunos dos cursos das
diferentes unidades, o que implica em não apreender as particularidades das
demandas por permanência que são atravessadas pelas trajetórias individuais, mas
também, pelo tipo de curso, território da unidade, território da moradia do aluno e suas
respectivas redes de políticas públicas, dentre outras.
Com isso, a possibilidade de realizar outras ações/serviços de permanência
que não estejam diretamente vinculadas aos programas de auxílio/bolsas fica ainda

244
A depender da forma como estão organizados os programas de auxílio/bolsa em cada instituição,
a necessidade realização de análises de renda/socioeconômicas pode ser de fluxo contínuo,
semestral ou anual.
242
mais distante da realidade da grande maioria das profissionais. Referimo-nos aqui ao
acompanhamento efetivo dos estudantes atendidos durante o semestre letivo, de
modo a identificar possíveis obstáculos a sua permanência e intervir de forma
articulada ou não com outros setores e/ou instituições; realização de ações de caráter
educativo com temas identificados como relevantes para o processo de permanência;
sistematização dos dados coletados nos processos seletivos, a fim de subsidiar
outras ações e/ou políticas institucionais; estímulo à organização/mobilização
estudantil em torno de suas demandas de permanência; dentre outros.
Tabela 12: Relação de assistentes sociais x alunos por universidade
Total matrículas Relação AS x alunos
Quantitativo de
IFE Graduação Graduação à Graduação Graduação à
AS
presencial distância presencial distância
UFRJ 15 41.992 3.381 2.799 225
UFF 12 35.527 10.505 2.961 875
Unirio 2 8.947 4.599 4.474 2.300
UFRRJ 2 14.536 6.221 7.268 3.111
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MEC/Inep - Censo da Educação Superior 2017, 2018 e
2019.

Na tabela acima é possível observar o quantitativo de assistentes sociais


atuantes na época das entrevistas, bem como o universo de alunos matriculados e a
relação entre os dois. As universidades UFRJ e UFF são as que possuem o maior
número de discentes no universo total, mas a menor relação de assistentes sociais x
alunos devido ao maior número de profissionais lotadas na área de assistência
estudantil, em suas respectivas instituições, à época. A UFRRJ possuía o mesmo
quantitativo de profissionais da Unirio, no entanto, tinha quase o dobro de estudantes
desta última, o que a torna a Ifes com maior relação de assistentes sociais x alunos,
cerca de 7.268245 para cada profissional. Embora as demais Ifes possuam uma
relação de assistentes sociais x alunos menor, considera-se ser um patamar alto – na
menor delas existem cerca de 2.799 discentes para cada profissional –, ainda mais se
levarmos em conta que todas possuem estrutura multicampi, ou seja, alunos
localizados em unidades diferentes e, às vezes, isso implica também em ser em
cidades diferentes.
Se focarmos apenas nos estudantes da modalidade de ensino à distância, é o
menor patamar verificado em todas as universidades, em alguns casos, se

245 Aqui consideramos apenas os alunos presenciais, pois geralmente são com estes que as
profissionais possuem maior contato, justamente em função da própria modalidade de ensino.
243
aproximando de um quantitativo mais razoável para realização de acompanhamento
pelas profissionais. No entanto, é bem verdade que além das implicações na
qualidade da formação que os discentes de tal modalidade de ensino enfrentam, não
há políticas específicas explicitamente direcionadas a este público. Basta lembrarmos
que o Decreto Pnaes cita como público-alvo, em seu art. 3º, apenas aqueles
vinculados à modalidade presencial. Desse modo, é possível supor que estudantes
dessa modalidade de ensino necessitam de garantias básicas para sua permanência
e tendem a enfrentar maiores dificuldades durante seu percurso universitário 246.
Conforme pudemos observar na Tabela 10, há uma cobertura relativamente
baixa no atendimento por meio de bolsas/auxílios, se levarmos em conta o universo
total dos estudantes de cada Ifes. No entanto, o número de inscritos em cada edital
frequentemente supera em muito, com raras exceções, o quantitativo de
bolsas/auxílios disponíveis. Isto acaba exigindo das profissionais, além de um trabalho
hercúleo para verificar o cumprimento dos requisitos247, a necessidade de selecionar
entre os mais pobres – dadas as restrições orçamentárias – quais estudantes irão
receber de fato os recursos financeiros para satisfazer suas necessidades básicas via
mercado. Assim, impõe-se às assistentes sociais uma atuação que reforça a
focalização e seletividade da política de assistência estudantil.
Desse modo, embora a cobertura de atendimento dos programas de
bolsas/auxílios seja baixa diante do universo total de estudantes, o processo que
envolve a seleção gera um volume e sobrecarga de trabalho para os assistentes
sociais diante do baixo número destas profissionais e, principalmente, pelo formato
assumido pela política.

246 Com isso, consideramos que há um acesso mais limitado a tudo o que a universidade pode
oferecer a esses estudantes durante seus anos de formação. Isso inclui desde a convivência
universitária que propicia o contato com a diversidade existente no corpo estudantil (diferentes
trajetórias e experiências de vida), mas, também, com a estrutura, serviços e políticas existentes.
Estas últimas incluem o acesso aos projetos de pesquisas, extensão, além das ações pertinentes à
assistência estudantil, o que pressupõe o próprio contato com as assistentes sociais, dentre outras
categorias profissionais que atuam na área.
247 Cabe aqui destacar que é uma realidade para algumas Ifes a fiscalização de órgãos internos e/ou

externos para verificar se as exigências e formalidades expressas nos editais estão sendo cumpridas,
o que impõe às profissionais o desempenho dessa função. No entanto, é preciso realizar um alerta
sobre os riscos da verificação de cumprimento dos requisitos pelos estudantes se desdobrar numa
intervenção de caráter policialesco, o que fere os preceitos ético-políticos da profissão e implica numa
possível restrição de direitos. De todo o modo, é importante frisar que esta lógica se constitui como
outra similaridade da política de assistência estudantil com a assistência social.
244
• Conferência documental:
Embora não tenha havido uma menção explícita pelas equipes sobre a
conferência documental, acredita-se que todas a realizem, pois referiram atuar na
seleção e esta é uma etapa que precede o processo de análise
socioeconômica/renda propriamente dito. Em geral, os estudantes podem ser
excluídos do processo seletivo, caso não entreguem todos os documentos
comprobatórios exigidos no edital. Nesse sentido, após o encerramento das
inscrições é necessário verificar se foram entregues todos os documentos ou se
possuem pendências documentais de cada inscrito e de sua respectiva composição
familiar que devem ser sanadas248.
Do mesmo modo do item anterior, não se considera ser necessária a
participação prioritária da assistente social nesta frente de atuação. Mas, dentro do
possível, assim como os demais membros da equipe, essas profissionais podem
sugerir a simplificação da lista exigida de documentos comprobatórios no momento
de elaboração do edital. Paralelamente, nesta etapa, também podem contribuir com a
capacitação/orientação de profissionais administrativos, assim como os demais
integrantes da equipe, para executar tal atividade. Com isso, seria possível permitir
que o Serviço Social se concentrasse nas etapas do processo seletivo cuja sua
atuação é indispensável ou, ainda, executar outras ações fora deste escopo, mas que
podem contribuir igualmente com as condições de permanência estudantil.
• Análise de renda/análise socioeconômica:
Em diferentes políticas sociais, a assistente social é a profissional responsável
por realizar análises socioeconômicas para fins de concessão de benefícios sociais.
No âmbito da assistência estudantil esta vem se configurando como principal
requisição institucional e, portanto, não é casual que todas as equipes das
universidades tenham indicado realizá-la, inclusive sendo identificada pelas
profissionais como uma atribuição privativa no âmbito de suas respectivas
universidades.
Dependendo do que está previsto no edital, os critérios de análise se
diferenciam, conferindo maior ou menor autonomia à profissional que a realizará. Por

248 Em algumas instituições de ensino, há prazos para entrega das documentações identificadas
como pendentes, no entanto, em função do crescente aumento de demanda e déficit de profissionais,
esse recurso vem sendo progressivamente abalado e a tendência que se coloca é de que esta etapa
seja progressivamente eliminada.
245
este motivo, reforça-se a importância de participação das assistentes sociais nesse
espaço estratégico. Há aqueles em que o peso da renda per capita familiar se
sobrepõe aos demais aspectos das condições de vida e permanência, ou seja, o
estudante deve se enquadrar em determinado patamar de renda para se tornar
elegível ao recebimento de bolsas e/ou auxílios.
Já em outros, para além da renda per capita, outros aspectos são considerados
no processo de análise e elaboração do parecer social, com distintas matizes e
ênfases, tais como: condição de inserção no mercado de trabalho; condição de saúde
da família; raça/etnia; gênero/sexualidade; origem escolar; acesso à gratuidade do
transporte; dentre outros.
Em ambas as situações, caso a profissional verifique a necessidade, pode
convocar o estudante para realização de entrevista249, instrumento de trabalho
mencionado por todas as equipes de assistentes sociais das universidades, no sentido
de conhecer melhor a realidade sobre a qual está se debruçando. Além disso, indicam
realizar análise do formulário (de inscrição) e da documentação apresentada.
Dentre os critérios de seleção250 mencionados por todas as equipes das
universidades analisadas, a renda per capita é geralmente a que possui maior peso.
No entanto, há um esforço também em considerar outros determinantes sociais no
processo de análise, conforme poderá ser observado abaixo.
Quadro 6 – Critérios de seleção para concessão de bolsas/auxílios

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados pela pesquisa realizada pelo Numar/Neeae.

Cabe ressaltar que dada a natureza bolsificada da política de assistência


estudantil, diante da insuficiência de recursos orçamentários251 para dar conta da

249 A depender do quantitativo de alunos inscritos no processo seletivo, os critérios nos quais a
profissional se baseia para análise, assim como as condições gerais de trabalho, todos os alunos
inscritos no processo seletivo podem ser entrevistados ou apenas parte deles. Apenas uma das
equipe da UFF referiu entrevistar todos os alunos inscritos, as demais provavelmente possuem
dificuldades, diante do volume considerável de inscrições e o prazo curto para finalizar o processo
seletivo.
250 Cabe destacar que em nenhuma das universidades estudadas, os critérios racial, de pessoa com

deficiência e de mulheres/mães comparecem como relevantes no processo de análise.


251 É importante lembrar que tal cenário se agrava diante da instituição do Novo Regime Fiscal do

Estado Brasileiro (E.C. n. 95/2016) que impõe um teto para os gastos públicos para despesas
246
demanda relativa às condições de permanência dos estudantes, há uma tendência de
recair sobre as assistentes sociais a responsabilidade por identificar a parcela mais
empobrecida dos alunos. Ou seja, aqueles que serão atendidos pelos programas de
bolsas/auxílios existentes, tal como ocorre nos programas de transferência de renda
da assistência social. Desse modo, seja por meio da análise de renda ou análise
socioeconômica, a assistente social é convocada, principalmente, para operar a
bolsificação da política, a partir de um caráter focalista e seletivo.
Há diversas denominações direcionadas aos estudos e/ou registros de estudos
realizados por assistentes sociais no âmbito das políticas sociais. Nesse sentido, é
possível constatar que os termos estudo social, estudo socioeconômico, análise
socioeconômica, avaliação socioeconômica, ora, são considerados como se
tivessem um mesmo conteúdo e significado e, ora, são diferenciados. Tal
diferenciação, em geral, está pautada sobre quais finalidades estão dirigidas no
espaço sócio- ocupacional em que se realizam (CFESS, 2020).
Sem nos aprofundarmos no debate existente no interior da categoria
profissional a respeito das diferentes denominações supracitadas, considera-se que o
conteúdo existente nas análises realizadas no âmbito da assistência estudantil, se
alinham mais ao termo seleção socioeconômica que é utilizado por Pitarello (apud
CFESS, 2020) em seu estudo. Nesta ótica, as análises são utilizadas
“como instrumento de controle social operado pela política social”, servindo
para incluir alguns e excluir outros do acesso a serviços e benefícios sociais,
sendo a/o assistente social a/o agente responsável por dar “materialidade à
seletividade de acesso” (2013, p. 9). A seleção socioeconômica tem como
fundamento, portanto, a “necessidade de ‘naturalização’ das desigualdades
sociais, inevitavelmente existentes na sociedade de classes” (ibid., p. 116).
Essa é uma abordagem estreitamente vinculada às políticas sociais
focalizadas e não universalizantes no atendimento a demandas situadas no
âmbito do “problema social individual”, realidade que se faz cada vez mais
presente no Brasil (CFESS, 2020, p. 53).

Vale destacar que quanto mais o critério de análise se distancia da primazia da


renda, tem-se a possibilidade de ampliar o horizonte das condições materiais de vida
que incidem na permanência dos estudantes. A análise socioeconômica, atrelada
estritamente à concessão das bolsas/auxílios, determina sua realização dentro de
prazos curtos e sob um caráter burocratizado dos processos seletivos.
No entanto, a potencialidade dessa competência profissional vai muito além do

primárias.
247
que é requisitado institucionalmente, pois por meio dela é possível conhecer mais
profundamente a realidade vivenciada pelos estudantes, o que não deve se restringir
aos aspectos estritamente econômicos. Diferentes dimensões da realidade devem ser
apreendidas, o que inclui o acesso ou não aos direitos, as relações sociofamiliares
(CFESS, 2020) e as relações socioinstitucionais existentes no espaço universitário,
sendo todas perpassadas pelas relações de classe, raça e gênero. Com isso,
entende-se que haverá uma aproximação e apreensão dos elementos que incidem
nas condições de permanência estudantil.
Com os dados obtidos por meio da análise socioeconômica, de forma
sistematizada, é possível traçar um outro desenho de política, juntamente com
outros atores institucionais, que esteja mais sintonizado com as demandas dos
estudantes por condições de permanência. Para tanto, é imprescindível que a
realização dessa análise não esteja desconectada das matrizes teóricas e princípios
éticos políticos que hegemonicamente regem a profissão (CFESS, 2020). Ou seja,
não se deve perder de vista qual é a finalidade dessa ação profissional que é
contribuir com o acesso a direitos.
É sabido que as condições atuais da política são marcadas profundamente por
parcos recursos, baixo número de profissionais e demanda alta e crescente por
auxílios/bolsas, no entanto, existem algumas possibilidades diante desses desafios
que serão sumariadas no item 3.3.
• Divulgação de resultados/solicitação dos dados
bancários/assinatura de termo de compromisso:
Nesta etapa do processo seletivo são divulgados os estudantes contemplados
e, pelo menos uma das equipes entrevistadas considera esta atividade de digitação
da lista de caráter administrativo e não pertinente ao rol de atribuições e competências
da profissão.
Outro aspecto a ser considerado é que para receber as bolsas/auxílios, os
estudantes devem obrigatoriamente possuir uma conta bancária 252 em seu nome e

252É comum que, além do fornecimento dos dados bancários, o estudante também tenha que assinar
o termo de compromisso. Em geral, há um prazo curto entre a divulgação dos resultados e a coleta
dos dados bancários/assinatura do termo, pois o quanto antes se consegue encaminhar a folha de
pagamento para o setor responsável maiores são as chances de as bolsas/auxílios serem recebidas
mais rapidamente pelos estudantes. O referido termo consiste num documento, no qual o estudante
ao ser contemplado por bolsa/auxílio, deve assinar assumindo alguns compromissos para manter sua
inserção no programa. Cabe esclarecer que este não é o único condicionante para recebimento das
248
Cadastro de Pessoa Física (CPF), mesmo sendo menor de idade. Nas situações em
que o estudante tem dificuldade de comprovar renda, um dos elementos exigidos em
geral pelos bancos para abertura de conta, há uma prática de fornecimento de
declarações institucionais. Estes documentos geralmente informam que o estudante
foi contemplado no programa de bolsas/auxílios e, para tanto, necessita da mediação
da unidade bancária para ter acesso ao auxílio pecuniário.
Nesse ponto, fica evidenciado o processo de bancarização, aludido por Brettas
(2020) em seu estudo, pois, quando os estudantes são contemplados nos processos
seletivos para acesso a auxílios/bolsas, devem necessariamente contar com a
mediação de uma unidade bancária para tal. Diante dos parcos recursos para
operacionalização da política de assistência estudantil, as assistentes sociais são
requisitadas para selecionar a parcela mais empobrecida dos estudantes. Com isso,
indiretamente promovem seu acesso ao sistema bancário, o que faz com que estejam
sujeitos a certos produtos disponíveis nas instituições financeiras.
Brettas (2020) ressalta a relação estreita que a política social em tempos de
financeirização passa a ter com o processo de endividamento das famílias pobres
para atendimento de suas necessidades básicas.
O estímulo ao mercado de crédito e o peso que este passa a ter para
alimentar o consumo das famílias estão articulados de forma inovadora às
políticas sociais no último período. O crédito individual voltado para pessoas
de baixa renda passa a funcionar como suporte importante para acessar o
que não está garantido como um direito. Moradia, educação, saúde, dentre
outros serviços, são muitas vezes acessados por meio da chamada
'cidadania bancária', que tem no crédito popular um mecanismo para 'integrar'
os usuários dos programas sociais do governo (ibid., p. 256).

Tal como ocorre em relação aos benefícios de transferência de renda da


assistência social, as bolsas/auxílios estudantis não possuem um valor tão
significativo253 para satisfação do conjunto de necessidades materiais dos estudantes.
No entanto, o montante total de bolsas/auxílios – tal como o montante de benefícios
da assistência social – é significativo e fica temporariamente disponível para as
unidades bancárias colocarem à serviço do capital portador de juros. Ademais, este
formato de política impõe aos estudantes a satisfação de suas necessidades de forma

bolsas/auxílios pelos estudantes, pois mesmo de posse da folha de pagamento pelo setor
responsável, pode haver atrasos no recebimento, em função da demora de repasse de recursos
financeiros do MEC para a instituição.
253 As bolsas variavam de um valor médio de R$260,00 a R$772,50 no conjunto das universidades

pesquisadas, correspondendo a 26,05% e 82,44%, respectivamente, do salário-mínimo à época.


249
precária e individualizada no mercado, ou seja, institui-se uma cidadania pelo
consumo (BEHRING, 2021).
Essa etapa do processo seletivo possui caráter estritamente administrativo e,
portanto, pode prescindir da participação direta das assistentes sociais.
• Emissão/controle da folha de pagamento:
De posse de todos os dados bancários dos estudantes contemplados é
necessário elaborar uma folha de pagamento, na qual constam alguns dados pessoais
do aluno e o respectivo valor monetário a ser recebido para ser processado pelo setor
financeiro da Ifes. Pelo menos uma das equipes relata ter a responsabilidade de
elaborar a referida folha de pagamento e a considera como uma atividade de natureza
administrativa não pertinente à profissão.
Ressalta-se que normalmente é elaborada uma folha de pagamento que
contém os dados de todos os estudantes contemplados, não podendo ser
encaminhada com dados incompletos. Dependendo da configuração do programa de
bolsas/auxílios, podem existir modalidades diferentes e, em alguns casos, há a
possibilidade de acúmulo entre elas. Para além das diferenças no valor monetário
entre as distintas modalidades de bolsas/auxílios, também é comum ter uma
variação no número de cotas a serem recebidas. Nesse sentido, o valor monetário
recebido pode variar de um estudante para outro e, até, de um mês para outro para
o mesmo estudante.
Frequentemente ocorrem problemas no pagamento das bolsas/auxílios, seja
por possíveis atrasos no repasse de recursos para instituição pelo MEC, seja pelos
dados incorretos (CPF ou dados bancários) dos estudantes constantes na folha de
pagamento ou por problemas no processamento do pagamento pela unidade
bancária. Estas duas últimas situações, podem resultar no estorno do valor pela
unidade bancária. Em qualquer uma das situações indicadas, é necessário fazer
contato com os estudantes e/ou com o setor financeiro no sentido de não inviabilizar
o recebimento do recurso financeiro pelos estudantes. Tudo isso demanda um
trabalho contínuo de gerenciamento da folha de pagamento, pois, além dos aspectos
aqui ressaltados, existem alunos que se formam, deixam de cumprir as
condicionalidades exigidas no edital para se manter no programa, cancelam ou
trancam a matrícula.
Nesse sentido, não nos parece haver dúvidas sobre o caráter administrativo-
250
financeiro desta atividade e, mais do que isso, sobre o fato de que esta não deve ser
uma frente de atuação prioritária das assistentes sociais. Até porque podem incorrer
em falhas, já que envolve o conhecimento de procedimentos específicos não próprios
da área.
• Acompanhamento das condicionalidades de permanência
no programa:
Nos editais estão previstos os requisitos necessários para manutenção das
bolsas/auxílios que devem ser acompanhados periodicamente, tanto para realizar
intervenções profissionais nas situações que demandarem, quanto para manter a
folha de pagamento atualizada.
A título de exemplo, um dos requisitos recorrentes é ter um percentual mínimo
de frequências às aulas. Nesse sentido, é necessário ter esse acompanhamento
contínuo das faltas dos estudantes contemplados, conforme foi mencionado por uma
das equipes que, embora realize esta atividade, a considera como sendo de
natureza alheia ao escopo da profissão. Em alguns casos, é requisitado à
profissional acessar os registros individuais de frequência de cada estudante, seja
por meio físico ou virtual. Ressalta-se que comumente tais registros não se
encontram atualizados e devidamente preenchidos pelos docentes, o que dificulta a
realização do acompanhamento pela profissional responsável.
Outro exemplo, também mencionado por uma das equipes, é o
acompanhamento da prestação de contas por parte dos estudantes. Em alguns casos,
a depender da modalidade da bolsa/auxílio, o estudante deve comprovar que utilizou
o recurso recebido para o fim a que se destinava. Cabe destacar que este mecanismo
é utilizado em algumas Ifes como forma de atender às exigências dos órgãos de
controle internos e/ou externos, de modo que a responsabilização por possíveis
falhas/inconsistências acaba recaindo individualmente sobre as profissionais que
atuam na linha de frente dos processos seletivos. No entanto, não é possível afirmar
se esta é uma iniciativa que partiu da equipe em questão, de sua gestão, ou se foi
provocada por órgãos de controle, diante de auditorias, pois não foi abordado de
forma aprofundada no momento da coleta de dados.
Cabe-nos problematizar que em alguns casos as bolsas e auxílios são pagos
mais a título de indenização, pois diante dos processos burocráticos e da
disponibilidade orçamentária das instituições, o valor a ser percebido é pago com o
251
semestre já em andamento. Com isso, muitas vezes o referido valor acaba servindo
para o atendimento de necessidades alheias ao fim a que se destinava inicialmente,
principalmente, se considerarmos o cenário atual de crescente desemprego que
atinge o conjunto das famílias brasileiras. Desse modo, por vezes o recurso das bolsas
e auxílios também assume o papel de compor e/ou complementar a renda familiar dos
estudantes, de forma a contribuir com as condições de manutenção das famílias frente
ao cenário de profunda precarização das políticas sociais.
Para além da análise socioeconômica, donde dependendo da forma que é
realizada, permite às assistentes sociais ter maior proximidade com as condições
materiais de vida e identificar elementos que incidem em suas condições de
permanência, considera-se que o acompanhamento social dos estudantes seja um
dos momentos mais importante deste processo. Isto, se o referido acompanhamento
não se limitar aos aspectos puramente administrativos de controle da frequência ou
da prestação de contas pelos estudantes, a fim de referendar a continuidade do
estudante na folha de pagamento que, na nossa avaliação, não são atividades que
condizem com o rol de atribuições e competências profissionais.
Portanto, é fundamental a existência de uma equipe multiprofissional
consolidada, com a qual seja possível realizar um trabalho de forma articulada, mas
cada um atuando dentro de suas respectivas áreas. O controle de frequência dos
estudantes, por exemplo, seria mais pertinente ser realizado por profissionais da
docência e/ou pedagogia. Mas, mediante a constatação de estudantes infrequentes,
cabe sim uma intervenção das assistentes sociais de modo a identificar os possíveis
elementos que prejudicam sua permanência no espaço universitário, estabelecendo
as articulações e encaminhamentos com a rede de serviços de outras políticas sociais
existentes no território.
Já, em relação à prestação de contas, além de ser uma atividade também
alheia ao escopo da profissão, ao ser executada por assistentes sociais, pode
implicar em uma intervenção de natureza policialesca, o que destoa dos princípios
ético-políticos da profissão.
Parte-se do entendimento de que no devido acompanhamento social dos
estudantes reside uma das grandes potencialidades a serem exploradas pelas
assistentes sociais para intervir efetivamente nas condições de permanência
estudantil. Por meio dele, pode-se construir subsídios para pautar políticas
252
institucionais, no entanto, o tipo de acompanhamento indicado por este estudo destoa
do caráter burocratizado que vem assumindo nas universidades, o que implica
inclusive na assunção de atividades fora de sua competência profissional.
Pelo contrário, por meio de ações decorrentes do devido acompanhamento
social, é possível não só apreender os fatores que incidem nas condições de
permanência, mas, também realizar intervenções profissionais (de forma individual
ou coletiva) e/ou encaminhamentos para outras redes de políticas públicas antes
que a situação possa resultar em prejuízos para a trajetória acadêmica dos
estudantes. Em algumas situações, a depender da natureza e complexidade da
demanda estudantil, pode inclusive haver uma atuação articulada com os demais
membros da equipe multiprofissional, sempre cada um atuando conforme sua área de
formação. Ademais, é possível avaliar o impacto das políticas institucionais
existentes e, se necessário, sugerir novas ações e/ou políticas.
• Definição da distribuição orçamentária e uso dos recursos:
Dada a limitação dos recursos financeiros destinados à política de assistência
estudantil – já que o decreto é omisso em relação a este aspecto – e a tendência de
progressivos cortes orçamentários, há um reforço da centralidade do processo de
bolsificação. Isto ocorre, pois cada vez mais se tem menos recursos para atender o
conjunto das demandas estudantis por permanência em cada Ifes. Conforme será
evidenciado no item 3.3, o maior aporte de recursos na rubrica Pnaes, sobretudo,
direcionado para as despesas de capital (investimento) permitiria a constituição de
equipamentos coletivos e serviços de caráter permanente, no entanto, a tendência
geral pressiona a uma operacionalização da política por meio de programas de
bolsas/auxílios.
Reforça-se, nesse sentido, a total sintonia existente no conjunto das políticas
sociais que na atualidade estão permeadas pelo processo de financeirização de modo
a atender as exigências para garantir a lucratividade do grande capital.
Especificamente, no que diz respeito à assistência estudantil, conforme vimos, a
financeirização se materializa por meio do caráter bolsificado da política.
Na maioria das Ifes, as profissionais que atuam diretamente na execução da
política não têm a possibilidade de interferir nesse processo de distribuição
orçamentária e muito menos os estudantes, os maiores interessados. Apenas uma
das equipes de assistentes sociais entrevistadas relatou não ter acesso ao valor total
253
destinado à assistência estudantil em sua respectiva universidade. As demais relatam
ter o acesso ao valor e sua distribuição, mas não participam ativamente de tal
definição, em geral, determinada de modo unilateral pelos gestores.
Considerando-se que o orçamento destinado às Ifes tem sido reduzido em
todas as áreas e não somente na assistência estudantil (quadro que se agrava com a
aprovação da EC n. 95), tende a estar cada vez mais presente uma disputa interna
por recursos. Nesse sentido, diante do reforço do caráter focalista e seletivo da
política, requisita-se das profissionais uma espécie de ranqueamento dos estudantes
em situação de “vulnerabilidade socioeconômica”.
Além da elaboração do edital, considera-se o espaço de deliberação sobre os
recursos orçamentários – que geralmente são monopolizados pelos gestores –
especialmente estratégico para atuação das assistentes sociais. Definir as prioridades
de ação, a forma como será executado, podendo não apenas se limitar na oferta de
auxílios, mas, principalmente, na oferta de serviços. Capacitar os estudantes para que
possam interferir ativamente neste espaço, de modo a indicar suas prioridades e
necessidades frente às condições de permanência. Tudo isto, são exemplos de
ações que podem ser realizadas, diante dessa atividade que pode parecer
meramente administrativa num primeiro momento, mas, que é absolutamente
estratégica.
Outra reflexão que cabe-nos realizar, é a pouca influência tanto das
profissionais quanto dos estudantes nos maiores espaços de caráter decisório e
deliberativo. Embora tenha se observado um tímido deslocamento do papel de
executor terminal da política, quando se identifica na maioria das universidades a
participação das assistentes sociais na elaboração de editais, tanto os regulamentos
específicos da assistência estudantil que consagram a concepção de permanência
existente nas respectivas Ifes, quanto a definição da distribuição orçamentária,
descartam a participação de atores privilegiados e fundamentais: estudantes e
profissionais atuantes na área. Tudo isso, se reflete tanto na autonomia das
assistentes sociais no desenvolvimento das ações, quanto no alcance destas em
relação às demandas dos estudantes. Ademais, se evidencia o não reconhecimento
do protagonismo dos estudantes na definição das prioridades de atendimento de suas
necessidades básicas relativas às condições de permanência.
Por fim, cabe destacar que no formato atual de configuração da política de
254
assistência estudantil, pautado na centralidade das bolsas/auxílios, não foram
identificadas medidas efetivas para apreensão das reais demandas postas pelos
estudantes. Por outro lado, também não foram identificados mecanismos de avaliação
do impacto das ações existentes.
De forma breve e sucinta delineou-se acima as principais requisições
direcionadas às assistentes sociais, frente ao trabalho desenvolvido na política de
assistência estudantil, quando não há um trabalho articulado/compartilhado com
outras categorias profissionais. Tal como pode ser observado, parte das atividades
possui um conteúdo administrativo e burocrático e não requer um conhecimento
específico obtido na formação em Serviço Social, tampouco estão diretamente
relacionadas ao conjunto de atribuições e competências profissionais previstas na Lei
Federal n. 8662/93 que regulamenta a profissão.
No entanto, mesmo entre as atividades de teor administrativo e burocrático há
algumas que foram caracterizadas em seu potencial estratégico diante da correlação
de forças existentes em cada Ifes. Isto, irá se refletir no grau de autonomia das equipes
na execução dos editais, na definição das prioridades de ação e atendimento das
necessidades dos estudantes. Estão incluídas nessa caracterização: a elaboração
dos editais dos programas de auxílios/bolsas e a definição da distribuição
orçamentária do uso dos recursos que, embora seja bastante relevante, na estrutura
das universidades analisadas, a participação das assistentes sociais ainda não é
contemplada neste momento.
A análise socioeconômica figura como a principal requisição posta às
assistentes sociais, frente ao caráter bolsificado da política. Embora seja uma das
competências profissionais previstas no art. 4º da supracitada lei, não
necessariamente se consegue desenvolver esta atividade como instrumento para
conhecer a realidade vivenciada pelos estudantes. Ademais, a configuração atual da
política que gera um alto volume e sobrecarga de trabalho, acaba por dificultar a
identificação das demandas estudantis que interferem nas suas condições de
permanência, no sentido de contribuir com o acesso a direitos vinculados a políticas
públicas de outras áreas. É nesse sentido que uma das equipes destaca como uma
necessidade ter um tempo maior para realizar uma análise socioeconômica mais
qualificada, de modo que não se restrinja a uma mera análise documental.
Consideramos que alguns elementos podem contribuir para dificultar uma
255
análise socioeconômica nestas condições: a sobrecarga de trabalho, já mencionada,
a que as assistentes sociais estão sujeitas ao assumirem grande parte das atividades
vinculadas ao processo de concessão de bolsas/auxílios, o que inclui aquelas de
caráter meramente administrativo. Conforme vimos, neste rol estão, em sua maioria,
as atividades que as equipes de assistentes sociais, embora realizem, não
consideram que integram suas atribuições/competências profissionais. São elas:
arquivamento de processos/documentos; digitação de listas com o resultado do
processo seletivo; recebimento e conferência de frequência; recepção de estudantes
(presencial ou por telefone) para fornecer informações diversas; emissão e controle
da planilha de pagamentos das bolsas/auxílios; acompanhamento da prestação de
contas do estudantes, dentre outras.
Outro elemento é a inexistência de equipes multiprofissionais consolidadas
para atuar de forma articulada nas diferentes ações da política de permanência, o que
inclui a execução dos processos seletivos para concessão de bolsas/auxílios.
Além disso, há um volume significativo de estudantes que se inscrevem nos
processos seletivos e serão submetidos à análise socioeconômica num curto período
de tempo, sem que haja um número adequado de profissionais existentes na quadro
de pessoal254. Soma-se a isso, o fato de o volume de recursos destinados à execução
dos programas de bolsas/auxílios não ser suficiente para atender toda a demanda
estudantil por condições de permanência.
Se ampliarmos nossa análise para o cenário atual da sociedade brasileira é
possível observar que as crescentes dificuldades de valorização do capital impõem
novos contornos para as políticas sociais. A assistência social assume centralidade,
no entanto, não é capaz, isoladamente, de atender efetivamente às necessidades da
população usuária. Isto ocorre, seja porque esta política não atinge todos os usuários
que se enquadram no perfil diante dos números cada vez mais expressivos do
desemprego estrutural, seja porque se baseia na oferta de parcos recursos por meio
dos programas de transferência de renda, ou ainda, porque inexiste o acesso
concomitante dos usuários às outras políticas sociais frente aos processos crescentes
de privatização e financeirização (BOSCHETTI, 2012).
Este também se configura como o solo histórico, no qual vivem e se

254 Conforme já mencionamos, na educação inexiste qualquer normativa que estabeleça um


parâmetro de referência no quantitativo de assistentes sociais x usuários.
256
reproduzem os estudantes das Ifes e suas famílias e, portanto, as manifestações da
“questão social”, aprofundadas no estágio atual capitalista, se expressam também no
âmbito educacional. Assim, para além das demandas específicas do ambiente
universitário, somam-se aquelas referentes às condições gerais de manutenção das
famílias frente ao cenário de profunda precarização das políticas sociais. Embora
ainda não exista um estudo que avalie o peso desse conjunto de fatores na evasão
dos estudantes, estes parecem ser elementos importantes a serem considerados
como incidentes nas condições de permanência estudantil nas Ifes.
Conforme sinalizamos anteriormente, houve um aumento de assistentes
sociais no âmbito da educação, cabe agora demarcar que este aumento tem uma
relação profunda com o processo de bolsificação da política, o que pode ser
observado nas principais atividades requisitadas e/ou realizadas que elencamos
acima. Embora o conjunto da população não tenha clareza do que é/ do que faz o
Serviço Social (e, isto inclui os gestores), reconhecidamente, a assistente social é uma
profissional convocada à realização de estudos socioeconômicos e emissão de
pareceres sociais para concessão de benefícios.
Acresce-se a isso o fato de nas instituições de ensino, sob nossa ótica, ter uma
frequente associação entre assistência estudantil e assistência social, como se
fossem uma mesma política. Nesse sentido, há uma tendência de as assistentes
sociais não serem consideradas como profissionais da educação (até porque não
existe esse reconhecimento formal em nenhuma legislação ou normativa), mas como
profissionais da assistência social que estão atuando na política de educação. Tal
identificação entre as duas políticas não nos parece estranha frente à configuração
assumida por ambas na dinâmica do capitalismo contemporâneo. Além disso, a
assistência social, por sua vez, muitas vezes é identificada não como uma política
social, mas como a profissão das assistentes sociais.
Assim, o “ator privilegiado” da política passa a ser a assistente social, não no
sentido de ter autonomia para definir a configuração da política, a utilização dos
recursos e suas ações prioritárias. Pelo contrário, a assistente social é convocada
como profissional central na política para atender a requisição institucional de
operacionalização do caráter bolsificado da assistência estudantil.
Cabe ressaltar que o perfil profissional demandado na assistência social não
nos parece destoar daquele requerido no âmbito da assistência estudantil,
257
principalmente, se considerarmos os pontos de sintonia entre as duas políticas já
sumariados neste estudo.
Desse modo, diante dos processos seletivos das Ifes, a assistente social fica
absorta na realização de análises socioeconômicas e emissão de pareceres sociais
para concessão das bolsas e auxílios. Além disso, deve se responsabilizar por toda a
carga de processos burocráticos e administrativos que envolve a execução de
programas de bolsas e/ou auxílios em âmbito institucional. Acredita-se que, dentre
outros elementos, um dos motivos que favorecem a absorção de atividades não
específicas de nenhum cargo é a aparência indiferenciada da profissão que encontra
fundamento em sua estrutura sincrética.
Ressalta-se que a política de assistência estudantil deve estar pautada numa
atuação interdisciplinar, para que de fato se consiga incidir nos fatores que influenciam
no acesso, no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, na
permanência dos discentes no âmbito educacional. Considerando-se a multiplicidade
de áreas e frentes de atuação delineadas impõe-se a necessidade do
desenvolvimento de um trabalho articulado entre diferentes categorias profissionais,
de modo a responder de forma mais qualificada às demandas complexas do cotidiano
educacional. Conforme Silva, M (2012, p. 38),
A interdisciplinaridade deve ser garantida desde a Educação Infantil à
universidade, sustentados pelos princípios dos direitos sociais. A vida é
complexa, a educação é complexa e as abordagens devem esforçar-se para
dar conta dessa complexidade. É importante avançarmos na concepção de
articulação em rede para superarmos a dimensão simples da coexistência.

Destaca-se que a defesa de uma atuação interdisciplinar, não implica na


diluição das fronteiras profissionais de modo que todos as profissionais da equipe
atuem indistintamente. Nos termos de Iamamoto:
É necessário desmistificar a ideia de que a equipe, ao desenvolver ações
coordenadas, cria uma identidade entre seus participantes que leva à diluição
de suas particularidades profissionais. São as diferenças de especializações
que permitem atribuir unidade à equipe, enriquecendo-a e, ao mesmo tempo,
preservando aquelas diferenças. Em outros termos, a equipe condensa uma
unidade de diversidades. [...] o trabalho coletivo não impõe a diluição de
competências e atribuições profissionais. Ao contrário, exige maior clareza
no trato das mesmas e o cultivo da identidade profissional, como condição de
potenciar o trabalho conjunto. A atuação em equipe requer que o assistente
social mantenha o compromisso ético e o respeito às prescrições da lei de
regulamentação da profissão, ainda que eventualmente não desempenhe
atribuições privativas tais como previstas no texto da lei (2012, p. 64, grifos
da autora).

Nesse sentido, mesmo nos moldes em que se desenvolve a política de


258
assistência estudantil atualmente, alinhada à direção assumida pelo projeto ético
político, defende-se uma atuação articulada de diferentes profissionais (assistentes
em administração, pedagogos, psicólogos, técnicos em assuntos educacionais,
dentre outros), de modo que cada profissional dê a contribuição específica de sua
área de formação profissional durante o processo. Para tanto, esta atuação conjunta
deve ocorrer desde o planejamento e não somente ser restrita ao momento de
execução final das ações e/ou serviços.
No entanto, essa ausência ou número restrito de profissionais255, em grande
parte das Ifes, denota um perfil da política da assistência estudantil que reforça o
caráter da bolsificação desconectado do atendimento das necessidades básicas dos
estudantes. Conforme vimos, não há qualquer diretriz que oriente a composição
mínima das equipes de assistência estudantil e, com isso, nas diferentes
universidades analisadas os membros integrantes são variados.
Considera-se que a referida composição (e inclusive o quantitativo existente de
cada categoria) existente nas Ifes do RJ se relaciona diretamente com a forma como
os diferentes eixos do Pnaes são implementados, seja na forma de serviços,
bolsas/auxílios ou por meio da combinação de ambos. Como há uma preponderância
do caráter bolsificado, a categoria que tende a possuir um maior número de
profissionais é a de assistentes sociais256.
Por outro lado, mesmo possuindo outras categorias profissionais em suas
respectivas equipes, o trabalho interdisciplinar não é uma realidade para as
universidades analisadas. Apenas a UFRRJ, que possui o menor número de
integrantes na equipe de assistência estudantil, mencionou realizar ações articuladas
com a psicóloga e os técnicos em assuntos educacionais. Porém, ocorre de forma
pontual e não se relaciona com a totalidade das atividades executadas em decorrência
dos processos seletivos para concessão de bolsas/auxílios.
Assim, mesmo havendo outras categorias profissionais na composição das
equipes, em todas as universidades as assistentes sociais ficam sobrecarregadas já

255 Mesmo havendo um aumento na contratação de profissionais com a expansão das Ifes, o
crescimento das equipes não acompanhou o desenvolvimento das atividades no interior das
instituições.
256 Isto só não ocorre na Unirio e UFRRJ que possuem, respectivamente, as categorias de

nutricionistas e técnicos em assuntos educacionais com um profissional a mais que as assistentes


sociais. No entanto, ainda assim, o caráter bolsificado da política, num viés focalista é bastante
presente nessas universidades.
259
que o entendimento do desenvolvimento de políticas de permanência tende a priorizar
a concessão de bolsas/auxílios. Portanto, já que são as assistentes sociais que
realizam as análises socioeconômicas para operar o caráter focalizado da política,
todo o conjunto de ações que envolve a execução de editais acaba ficando sob sua
responsabilidade, o que implica, inclusive, na absorção de atividades alheias ao
escopo da profissão de caráter meramente administrativo que foram sumariadas neste
estudo.
Parte-se da premissa de que dois outros aspectos também contribuem para
que a política de assistência estudantil se restrinja, em grande parte das Ifes, à
atuação de apenas a categoria profissional de assistentes sociais: o primeiro deles diz
respeito ao inciso VI, do artigo 4º, da Lei Federal 8662/93 que prevê como
competência profissional “planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços
Sociais”; o segundo consiste no fato de constar no descritivo dos cargos no Plano de
Carreira dos Cargos Técnico Administrativos em Educação (PCCTAE)257,
especificamente para o cargo de assistente social, o desempenho de tarefas
administrativas.
Em relação ao primeiro aspecto nota-se basicamente a identificação de uma
competência da profissão como uma atribuição privativa, principalmente, na visão dos
gestores da política. Destaca-se que
as competências expressam capacidade para apreciar ou dar resolutividade
a determinado assunto, não sendo exclusivas de uma única especialidade
profissional, mas a ela concernentes em função da capacitação dos sujeitos
profissionais (IAMAMOTO, 2012, p. 37, grifos da autora).

Nesse sentido, ao figurar como uma competência profissional, significa dizer


que em sua formação profissional a assistente social adquiriu um conjunto de
conhecimentos que lhe permitem exercer aquela função, o que não confere uma
exclusividade à profissional, mas, a situa como uma das profissionais capacitadas a
desempenhar tal papel.

257No ano de 2017, o MEC, por meio do Ofício-Circular nº 1/2017/COLEP/CGGP/SAA-MEC, revogou


o Ofício Circular nº 015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC, no qual constava o descritivo dos cargos do
PCCTAE, indicando nesse sentido que deveriam ser observadas as descrições constantes no Plano
Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos - PUCRCE - Decreto nº 94.664 de 1987.
No entanto, ainda que o descritivo dos cargos do PCCTAE não esteja vigente no momento atual,
provavelmente, grande parte dos concursos de ingresso dos profissionais às Ifes de nosso universo
pesquisado tiveram nos editais as atribuições dos cargos de assistentes sociais pautados no
PCCTAE. Dito isso, entendemos que nossa análise que relaciona este aspecto às requisições
institucionais ainda se sustenta.
260
Não há consenso na categoria profissional sobre a absorção da realização das
análises socioeconômicas como atividade exclusiva, até porque nas condições em
que ocorrem são permeadas por um caráter bastante burocratizado e tendem mais a
favorecer a restrição de direitos, num cenário de sucessivos cortes orçamentários.
Mas, considerando o conjunto de categorias profissionais que compõem as
equipes de assistência estudantil, nenhuma delas parece ter adquirido elementos em
sua formação profissional para desempenho desta função. Isto evidencia dois
aspectos: o primeiro é que as assistentes sociais seriam as profissionais mais
capacitadas para tal, porém, a reivindicação dessa atividade como sendo de atuação
exclusiva da profissão deve necessariamente ser acompanhada pela defesa de outra
concepção de política, não restrita à bolsificação e que tenha equipes consolidadas
com membros de diferentes categorias profissionais que vão atuar preferencialmente
de forma articulada, mas, dentro do que compete a sua área.
Conforme mencionado anteriormente, dentre os profissionais de nível superior
(nível E) no descritivo dos cargos do PCCTAE, somente a assistente social e o
economista doméstico258 possuem como atividade típica do cargo o desempenho de
ações de caráter administrativo:
Preencher formulários, providenciar documentação oficial; cadastrar
usuários, entidades e recursos; controlar fluxo de documentos; administrar
recursos financeiros; controlar custos; controlar dados estatísticos; fazer
estatísticas259.

As ações supracitadas previstas no PCCTAE, se comparadas ao conjunto de


atividades burocráticas e administrativas que tendem a ser absorvidas pelas
assistentes sociais diretamente envolvidas nos programas de bolsas e/ou auxílios,
conferem o devido respaldo para imposição destas requisições institucionais pelos
gestores da política.
Soma-se a isso, o fato de o Serviço Social possuir uma prática aparentemente
indiferenciada, conforme sinalizado anteriormente, o que favorece a visão dos
gestores de identificar na assistente social uma profissional polivalente que tem a

258 Ressalta-se que mesmo frente aos posicionamentos das entidades organizativas da categoria de
assistentes sociais, os economistas domésticos possuem o mesmo código na descrição das
atividades da assistente social na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que pode favorecer
a existência das mesmas atividades previstas nos descritivos dos cargos.
259 O descritivo dos cargos do PCCTAE consta no Ofício Circular do Ministério da Educação.

Disponível em:
http://www.progep.ufpb.br/sites/default/files/Of%C3%ADcio%20MEC%2015%20%202005%20ATRIB
UICOES_CARGOS_PCCTAE.pdf. Acesso em: 4 fev. 2017.
261
possibilidade de assumir tarefas e funções de natureza meramente administrativa.
Não se busca com isso negar que toda profissão desempenha atividades
administrativas, mas, estas, em última instância, devem estar relacionadas
diretamente com a atividade fim da profissão, ou, como está estabelecido no próprio
PCCTAE, todos os profissionais devem “executar outras tarefas de mesma natureza
e nível de complexidade associadas ao ambiente organizacional”.
Com isso, chama-se a atenção para o fato da possibilidade da assistente
social incorrer em falhas ao se responsabilizar por “atividades para as quais não esteja
capacitado pessoal e tecnicamente”, conforme é vedado pelo Código de Ética da
Assistente Social (CFESS, 2011a).
Além disso, ao se responsabilizar por estas atividades, a profissional
necessariamente não terá condições de se ater à análise das reais necessidades de
seu público usuário e, em última instância, haverá um comprometimento da qualidade
do trabalho ofertado na instituição de ensino. Por outro lado, também se vislumbra na
assistente social um perfil profissional que seja hábil tecnicamente para atuar alinhado
à focalização e seletividade da política desenhada neste cenário. Isto nos remete ao
debate da natureza sincrética da profissão, pois nas condições supracitadas, as
possibilidades para se realizar uma suspensão do cotidiano ficam mais restritas, o que
dificulta transcender à mera manipulação de variáveis empíricas, pois a profissional é
tensionada a forjar respostas mais imediatas para as demandas institucionais.
Porém, como vimos reforçando neste estudo, a possibilidade de explorar
alternativas que rompam com essa tendência mais geral de restringir a atuação
profissional ao plano mais imediato não estão interditadas. Embora o Serviço Social
no Brasil seja regulamentado como uma profissão liberal, nos termos de Iamamoto
(2006, p. 80), “o assistente social não tem sido um profissional autônomo, que exerça
independentemente suas atividades, dispondo das condições materiais e técnicas
para o exercício de seu trabalho e do completo controle sobre o mesmo”.
Destaca-se que a assistente social é uma trabalhadora assalariada, no entanto,
ainda portadora de certos traços liberais: “a reivindicação de uma deontologia (Código
de Ética), o caráter não-rotineiro da intervenção, viabilizando aos agentes
especializados uma certa margem de manobra e de liberdade no exercício de suas
funções institucionais” (ibid.) e o contato direto com os usuários, de forma que se põe
no horizonte a possibilidade de a profissional interpretar seu papel.
262
Soma-se a isso, a “indefinição ou fluidez do ‘que é’ ou do ‘que faz” o Serviço
Social, abrindo à assistente social a possibilidade de apresentar propostas de trabalho
que ultrapassem meramente a demanda institucional” (IAMAMOTO, 2006, p. 80).
Dessa forma, mesmo considerando os aspectos sinalizados anteriormente que
contribuem para que a requisição institucional restrinja o papel de atuação do
Serviço Social nas Ifes e, especificamente, no âmbito da política de assistência
estudantil, há uma margem de “autonomia relativa” que permite às assistentes
sociais construir respostas profissionais que atendam aos interesses dos usuários.
Neste ponto, chama-se a atenção para a necessidade da assistente social,
munida de todo arcabouço teórico, técnico-operativo e ético-político da profissão, se
apropriar das demandas implícitas e explícitas dos usuários, dos elementos e
particularidades da política na qual está inserido, para que consiga traçar ações e
atividades. O desenvolvimento das referidas ações/atividades, mesmo que possam
estar relacionadas às requisições institucionais, podem não resultar em respostas
profissionais que se limitem a elas, mas, que privilegiem, sobretudo, os interesses dos
usuários.
Assim, assume relevância a construção de projeto de intervenção pelas
assistentes sociais que pressupõe necessariamente uma reflexão destas sobre seu
exercício profissional e propicia uma maior compreensão para elas próprias e,
também, para as profissionais de outras categorias e para a instituição sobre o papel
do Serviço Social260 naquela realidade específica. Na ocasião das visitas realizadas
às universidades, apenas a Unirio não possuía projeto de intervenção, a UFRRJ
estava em construção e as demais possuíam.
[...] a necessidade de clareza do projeto de trabalho coloca-se sob vários
ângulos. Um deles é o de que o assistente social, ao ser contratado, identifica
como trabalho seu naquele espaço sócio-ocupacional. Nesse ângulo, há o
reconhecimento, por parte do profissional, daquilo que lhe compete. Rompe-
se, assim, com uma característica que, em muito, contribui para a
desqualificação profissional, ou seja, aquela em que os assistentes sociais
reproduzem o projeto institucional como seu projeto. É certo que o projeto da
instituição compõe o arsenal de conhecimento a ser levado em conta pelo
assistente social, mas não encerra aquilo que a profissão tem a oferecer. Ao
assumir um espaço sócio-ocupacional, há que se estabelecer, com clareza,
o que a profissão tem a oferecer como subsídio para o atendimento das
demandas que competem à instituição satisfazer, resguardando-se as

260 Conforme Prada e Garcia (2017, p. 319), a construção de projetos de intervenção permite
“enfrentar as demandas institucionais que não correspondem a suas competências e resistir a esse
contexto para a proposição de outras práticas, bem como buscar formas de superação tanto da visão
institucional sobre o Serviço Social, como no sentido de valorizar a atuação profissional”.
263
características da natureza pública ou privada, mas mantendo-se o
compromisso com estratégias que traduzem o trabalho do assistente social
como espaço coletivo e democrático (Couto, 2009, p. 653 apud PRADA e
GARCIA, 2017, p. 318).

Para além disso, torna-se absolutamente necessário uma aproximação das


assistentes sociais com elemento mais importante e vivo das universidades: o corpo
estudantil. Historicamente o movimento estudantil, a partir de suas diferentes
vertentes, tem apresentado um conjunto de demandas por condições de permanência.
No entanto, após os processos contraditórios de expansão/reestruturação das Ifes
que tornou mais plural e diverso este perfil, conforme vimos no item 2.4, houve uma
consequente complexificação das demandas direcionadas à assistência estudantil. As
reivindicações estudantis perpassam o próprio questionamento das bases em que
estão assentadas a universidade pública brasileira, que tendem a reproduzir os
mesmos mecanismos discriminatórios presentes na sociedade (MAGALHÃES, 2013)
e que desde sempre contribuíram para alijar grande parcela desses estudantes do
acesso ao ensino superior: a juventude negra, indígena, LGBTQI+ e pobre.
Nesse sentido, no próximo item de nosso estudo, buscaremos tratar
propriamente das possibilidades institucionais que podem ser exploradas pelas
assistentes sociais, no sentido de confrontar a lógica da bolsificação – que reforça o
caráter focalista e seletivo das políticas sociais – que permeia o ambiente educacional
e, assim, apreender e intervir na complexidade de demandas postas pela diversidade
do corpo estudantil.

3.3 DEMANDAS ESTUDANTIS X RESPOSTAS PROFISSIONAIS DAS


ASSISTENTES SOCIAIS POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES

Conforme fora enunciado no segundo capítulo, o Reuni, que viabilizou os


processos de expansão e reestruturação das Ifes, possuía como uma de suas metas
globais a elevação das taxas de conclusão média dos cursos de graduação
presenciais para 90%. Na nossa avaliação, esta meta261 possui relação direta com a
concepção de assistência estudantil que foi forjada no mesmo período histórico, sendo

261Esta meta não é o único elemento que justifica a atual configuração da política de assistência
estudantil. Como vimos, a luta de classes que se processa no capitalismo contemporâneo e se reflete
nas disputas em torno do fundo público impactam diretamente na forma como o Estado brasileiro atua
nesta política setorial, atendendo de forma desigual os interesses vinculados ao capital e trabalho.
264
consagrada no Decreto Pnaes e pautada nos seguintes aspectos:
• focalização, seletividade e fragmentação, características históricas das políticas
sociais brasileiras que na atual quadra histórica são aprofundadas com o caráter
financeirizado do capitalismo contemporâneo, sendo sua expressão mais visível
a bolsificação da política;
• processo de regulamentação que não envolveu os sujeitos políticos
demandantes (corpo de estudantes) e executores (profissionais e gestores) da
política;
• estabelecimento de um padrão de financiamento que não lhe permitiu constituir e
garantir a continuidade de um conjunto de serviços e ações, executados por
equipes multiprofissionais e de forma articulada com outras políticas setoriais;
• enfim, uma política que tem como resultado o atendimento de apenas uma
parcela restrita de estudantes (considerando o universo total de matrículas bem
como a diversidade do perfil discente). Ademais, os referidos estudantes são
pressionados a satisfazer suas necessidades relacionadas às condições de
permanência via mercado, por meio do recebimento de recursos monetários.
Cabe considerar que a referida taxa de conclusão é calculada a partir da média
do quantitativo de estudantes diplomados em determinado ano e a quantidade de
vagas ofertadas no quinquênio anterior (Taxa de Conclusão da Graduação - TCG).
Tal como é ressaltado por Cislaghi (2010, p. 160), este parâmetro está previsto no
documento “Diretrizes do Reuni” e visa medir o quanto as universidades estão sendo
eficientes na ocupação de suas vagas ociosas.
A mesma lógica observada em relação às entidades privadas é transposta para
as universidades públicas, pois a preocupação central foca no resultado e não na
avaliação do processo. Ou seja, o que importa é a ampliação quantitativa dos
jovens estudantes que acessam o ensino superior, seja por meio da oferta de
vagas nas universidades públicas ou nos diferentes mecanismos de viabilização da
contrarreforma do Estado nesta área – Fies, Prouni e EAD.
Conforme vimos, ao promover o conjunto de transformações nas políticas
sociais na atual quadra histórica e, dentre elas, a expansão da educação superior, o
Estado opera mecanismos para contrarrestar a queda tendencial da taxa de lucro e
propicia ao capital a apropriação de uma maior parcela do fundo público. O destaque
não é conferido ao tipo e qualidade de ensino ofertado (que deveria ser assentado na
265
indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão), nem às condições existentes nas
instituições que vão favorecer a melhor trajetória acadêmica possível ao estudante.
Sendo esta última, do ponto de vista estrutural, físico, das possibilidades de
aprendizagem e acesso ao conhecimento crítico existente, bem como das condições
relativas à permanência estudantil.
Desse modo, pouco importam as trajetórias acadêmicas individuais dos
estudantes. Assim, não é mera coincidência a ideia de promoção da mobilidade
estudantil262 e da flexibilização dos currículos – ambas muito atreladas ao Reuni – e
da expansão do EAD. Em suma, a lógica que permeia a expansão da educação
superior brasileira, desde os anos 1990, determina que realizar devidamente o
acompanhamento do estudante e garantir suas condições de permanência, a partir
do ingresso em qualquer universidade federal pública263, é menos importante do que
deixar que a vaga fique ociosa, em caso de abandono.
Conforme vimos no item 3.2, os dados expressos nos Gráficos de 2 a 5, sobre
o quantitativo de estudantes matriculados e concluintes ao longo dos anos, revelam
que a proporção de diplomados não acompanhou a ampliação de matrículas nas
quatro universidades analisadas. Nesse sentido, torna-se importante realizar uma
pequena digressão para apresentar algumas reflexões críticas sobre os indicadores
oficiais existentes para mapeamento da evasão, pois este é um fenômeno que recebe
destaque na gestão e avaliação das políticas públicas de educação superior (SILVA
& MARIANO, 2021).
Primeiramente, é importante ressaltar que tanto o número de matrículas quanto
o número de diplomados compõem o rol de variáveis consideradas pelo governo
federal na definição da Matriz Outros Custeios e Capital (Matriz OCC). Ou seja, as
referidas variáveis são a base para definição dos recursos que serão destinados para
as despesas de custeio e capital das universidades, conforme preconiza o Decreto
Federal n. 7.233/2010. A Matriz do Pnaes foi inspirada na Matriz OCC e, portanto,
com exceção do Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDHM), as demais

262 Neste rol, também pode ser situada a implantação do Sisu, o sistema de seleção unificada que
passou a ser adotado progressivamente pelas universidades, elevando as possibilidades de
mobilidade territorial dos estudantes, no entanto, sem prever conjuntamente a garantia de condições
de permanência que podem envolver, no mínimo, questões vinculadas à moradia estudantil,
alimentação e transporte, dentre outros.
263 A mesma preocupação não ocorre em relação aos jovens estudantes que acessaram a educação

superior privada, no entanto, neste momento, nosso foco se dirige à particularidade das universidades
públicas.
266
variáveis são coincidentes.
Segundo Silva e Mariano (2021), a premissa da assistência estudantil é
combater as desigualdades que impedem o devido acesso ao direito à educação, no
entanto, na composição da Matriz Pnaes a lógica da Matriz OCC – que se pauta
basicamente nos resultados acadêmicos esperados – é replicada, sem considerar o
conjunto de fatores que podem incidir nas condições de permanência dos estudantes
que se relacionam com o tipo de curso, território em que a universidade está inserida,
território de moradia do estudante, dentre outras. Assim, é possível dizer que em
ambas as matrizes o fenômeno da evasão tem peso na forma como os recursos são
alocados no âmbito da educação superior.
No entanto, é preciso dizer que a forma como essa variável da evasão é
apreendida resulta em distorções que rebatem nas políticas públicas propostas.
Segundo Lima Júnior et al (2019), o cálculo da taxa de conclusão prevista pelo Reuni,
além de medir a eficiência com que as universidades federais ocupam suas vagas
ociosas, está direcionada a mensurar o sucesso destas Ifes em formar seus
estudantes no tempo previsto. O indicador utilizado pelo Tribunal de Contas da União
(Taxa de Sucesso na Graduação – TSG) para avaliar o desempenho da gestão, possui
uma base similar de cálculo do TCG. Com isso, num contexto de modernização
neoliberal, ambos indicadores resultam num controle da evasão diretamente vinculado
à ideia de eficiência acadêmica, ou seja, busca-se formar mais estudantes com o
menor investimento possível.
Lima Júnior et al tecem importantes considerações críticas a respeito dos
indicadores supracitados, pois o TSG centra-se no custo, desconsiderando aspectos
relevantes, como a “qualidade da atividade acadêmica, o impacto e o retorno para a
sociedade e o indivíduo” (2019, p. 163) e, ainda acrescentamos, as condições de
permanência acessadas durante o percurso universitário. Ademais, a partir de uma
análise mais atenta é possível perceber que o TCG e o TSG são insuficientes no
sentido de realizar uma apreensão mais ampla e fidedigna da realidade, basicamente,
porque:
a) não medem o que dizem medir (por sofrerem variações mesmo quando o
fluxo de discente é preservado); b) não são tão fidedignas quanto poderiam
ser (contando casos de mobilidade estudantil como se fossem casos de
evasão e c) ignoram a retenção, um elemento fundamental da trajetória
discente (LIMA JÚNIOR et al, 2019, 164).

267
Um segundo elemento de crítica diz respeito ao modo como os estudantes são
contabilizados. Suas trajetórias individuais não são consideradas, pois nos dados
oficiais são privilegiados os quantitativos de ingressantes, vagas e matrículas de modo
genérico, ou seja, um mesmo estudante pode ter distintos números de
matrícula/registro acadêmico, a ser contabilizado mais de uma vez no sistema264.
Considerando essa lógica de manter o mínimo de vagas ociosas nos processos
de expansão das universidades públicas e a própria mobilidade acadêmica que ficou
mais favorecida nesse contexto, muitos estudantes não necessariamente evadem,
apenas alteram seu curso e/ou instituição formadora. No entanto, os indicadores
oficiais voltados para apreensão do fenômeno da evasão ainda não permitem
evidenciar estes aspectos de modo pormenorizado.
É desse modo que Lima Júnior et al (2019) destacam que seria fundamental
realizar um acompanhamento da complexidade existente na trajetória individual de
cada estudante, por meio de um identificador único e a partir de uma abordagem
longitudinal. Estes autores, por entenderem que os estudantes diplomados hoje não
são, necessariamente, exatamente os mesmos que ingressaram nas vagas ofertadas
no quinquênio anterior, propõem a criação de dois indicadores para avaliar o percurso
formativo dos estudantes: a Taxa Longitudinal de Evasão e a Taxa Longitudinal de
Retenção265.
[A] característica fundante desses indicadores é sua natureza longitudinal,
decorrente do acompanhamento da trajetória acadêmica do estudante por
meio do seu CPF ao longo do tempo. Ou seja, o CPF dos estudantes deve
ser utilizado como identificador primário na base de dados (em vez do número
de matrícula ou registro adotado pela IES). A rigor, a contagem por CPF
permite saber que as estatísticas obtidas descrevem as trajetórias
efetivamente realizadas por cada estudante, e não as trajetórias virtuais dos
números de matrícula (LIMA JÚNIOR et al, 2019, p. 166).

Outra crítica que pode ser dirigida aos indicadores oficiais supracitados, é o
fato de desconsiderar a existência da retenção na variedade de cursos. Tal como é
assinalado por Lima e Júnior et al (2019), os indicadores relativos à retenção têm um
potencial de revelar as questões que podem ser resolvidas no âmbito das respectivas

264 Isto pode ocorrer quando um mesmo estudante inicia um curso, abandona temporariamente e,
posteriormente, reingressa no sistema. Por não ter um mecanismo que permita identificar a
particularidade de sua trajetória acadêmica como um todo, independente de sua inserção por curso,
instituição ou ano – como poderia ocorrer por meio do uso do CPF como elemento de identificação –,
fica praticamente inviável analisar a complexidade desse percurso formativo. Assim, mesmo estando
inserido em alguma universidade, o estudante pode estar sendo considerado como evadido.
265 Para uma análise mais aprofundada dos referidos indicadores, Cf. Lima Júnior et al (2019).

268
instituições, o que na nossa avaliação, diz respeito às condições de permanência
proporcionadas pelas universidades. Neste rol estão inclusos aspectos próprios do
universo educacional, como defasagem de aprendizagem, oferta de disciplinas,
alterações nos currículos, mas também boa parte do conjunto de questões
sumariadas no item 2.4.
Com isso, reforçamos que o modo como o Estado brasileiro tem dado
sequência ao processo de expansão da educação superior (com foco maior no
resultado do que na avaliação do processo), está em total sintonia com a estrutura de
política de permanência que foi forjada neste período. Esta argumentação ganha força
ao identificarmos que, desde que foi aprovado o Decreto Pnaes – que instituiu uma
rubrica específica destinada à execução de ações vinculadas à permanência no
âmbito das Ifes – os recursos destinados às despesas de capital (investimentos)
estiveram zerados em diversos momentos, havendo pequenas variações entre as
universidades (Tabela 13).
Na UFRJ é possível observar este padrão em cinco anos (2011, 2014 e 2017 a
2019); Na Unirio (2011 a 2013 e 2016 a 2019) e na UFRRJ (2011 a 2014 e 2017 a
2019) em sete anos; Na UFF, embora esteja presente apenas em dois anos (2018 e
2019) do período analisado, nos demais anos, os recursos de investimentos
alcançaram no máximo o percentual de 23, 13%, em relação aos recursos de outras
despesas correntes.
Conforme vimos no item 3.2, a EC n. 95/2016 instituiu o novo regime fiscal,
aprofundando ainda mais as restrições orçamentárias impostas às despesas primárias
do Estado brasileiro. Especificamente para as políticas de saúde e educação, 2017 foi
definido como ano base para correção do limite, ou seja, somente a partir de 2018
prevaleceu o teto dos gastos para estas áreas. Considera-se que isto tem relação
direta com o fato de, nos anos de 2018 e 2019, todas as universidades terem seus
recursos de investimentos zerados, sendo que na UFRJ, Unirio e UFRRJ isto já ocorria
desde 2017.

269
Tabela 13: Orçamento da rubrica Pnaes de 2011-2019 executado, por grupo de
despesas, das universidades federais do RJ (valores em reais)

Fonte: Elaboração própria a partir do Siop, deflacionados a partir do IPCA.

Uma das formas de se analisar o orçamento público é por meio da classificação


em grupos de natureza de despesas. No caso das universidades, há apenas três
grupos: pessoal, outras despesas correntes e investimentos. De modo geral, o
primeiro diz respeito às despesas com pessoal ativo e inativo e pensionistas; o
segundo se refere às despesas de custeio das universidades, ou seja, aquelas que
servem para manter toda estrutura a funcionando (manutenção, água, luz, internet,
limpeza, vigilância, aquisição de materiais de consumo, dentre outros), além de
passagens, diárias, apoio a eventos, apoio à pós-graduação, pesquisa, extensão e as
bolsas e auxílios estudantis, dentre outros; já o terceiro grupo, se relaciona às
despesas de capital, ou seja, aos gastos com o patrimônio das universidades: obras
de infraestrutura, construção de edificações, novas instalações e aquisição de
equipamentos e materiais permanentes (bens de duração superior a dois
anos)266(MATTOS, 2018).

266Cabe destacar que a gestão de recursos, os quais a universidade tem uma margem de autonomia
para definir as prioridades não passa pelas despesas com pessoal, a não ser em relação a aspectos
definidos nos planos de carreira, como é caso das progressões, por exemplo. Já em relação às
despesas de custeio e capital, há uma margem mais ampla para manipulação dos recursos e
definição de prioridades. Especificamente no âmbito da assistência estudantil, cada universidade
pode definir como serão utilizadas as quantias previstas para outras despesas correntes e
investimentos, desde que respeitadas as designações específicas, tal como foi apresentado na
270
Portanto, ter os recursos destinados às despesas de capital zerados ou com
um valor irrisório, significa dizer que mesmo com os processos de
expansão/reestruturação das universidades e, consequente diversificação do perfil
estudantil, nas disputas em torno do fundo público, não foi estabelecido como
prioridade a materialização de uma política de assistência estudantil com a
envergadura exigida pela complexidade de demandas do corpo de estudantes. Ou
seja, o padrão de política de assistência estudantil instituído, não é fruto do acaso, é
um projeto absolutamente intencional que está em total sintonia com as
transformações ocorridas nas políticas sociais nas últimas três décadas, conforme
analisamos no item 1.3.
Sem recursos direcionados ao investimento na rubrica específica do Pnaes, a
constituição de serviços e ações de acesso de caráter mais universal e/ou incremento
das estruturas já existentes, como restaurantes universitários, alojamentos, por
exemplo, ficam praticamente inviabilizados. Sob a vigência do teto dos gastos sociais,
as restrições orçamentárias a que estão submetidas as universidades são agravadas,
o que intensifica as disputas internas por recursos financeiros.
Conforme vimos, Mattos (2018) se debruçou sobre os orçamentos das quatro
universidades federais (2013-2017) analisadas neste estudo. Em sua argumentação,
ressalta que o subfinanciamento das universidades federais fere diretamente sua
autonomia. Nos últimos anos, a prática recorrente de desoneração de impostos com
o intuito de amenizar os efeitos das sucessivas crises do capital tem agravado o
cenário de fortes restrições orçamentárias dirigidas às políticas sociais, o que é
exponenciado com a aprovação da EC n.95 (SALVADOR, 2015 apud MATTOS,
2018).
Conforme vimos no segundo capítulo, as universidades federais gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial e financeira, no
entanto, seu exercício de forma plena fica comprometido num cenário de crescimento
vegetativo do financiamento das políticas sociais. Ainda mais se considerarmos que,
sob influência do BM, paira um entendimento de que deve haver uma diversificação

classificação acima (MATTOS, 2018). A título de exemplo, dentre os recursos previstos para
investimento, a universidade pode definir se realizará obras de infraestrutura em equipamentos de
assistência estudantil ou se realizará a compra de materiais permanentes, ou ainda, se dividirá os
recursos entre ambas as opções, etc.
271
regressiva das fontes de financiamento das universidades267, ou seja, o Estado não
deve se responsabilizar integralmente pelos recursos destinados ao custeio e
investimento destas Ifes (CISLAGHI, 2010, MATTOS, 2018).
Especificamente, no que tange à autonomia administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, surgem novos elementos a partir do ano de 2018, pois o
MEC anunciou que limitaria a administração dos recursos de investimento por cada
Ifes em 50%.
Segundo reportagens do G1 e do Estadão de 19 de dezembro de 2017, sob
a justificativa de melhorar a eficiência das obras, o Ministério da Educação
disponibilizará apenas metade do orçamento diretamente para as Ifes, com o
qual as instituições devem fazer pequenas obras, compra de equipamentos,
instrumentos, livros e afins. Para a outra metade, o Ministério que irá definir,
caso a caso, o destino dos recursos. Em nota, o MEC defende que não há
perda de autonomia para universidade e que a medida busca eficiência na
aplicação dos recursos serão destinados, prioritariamente, para construção
de salas de aula, laboratórios e para serviços com melhores indicadores de
desempenho físico e financeiro.
[…]
Em outras palavras, metade dos valores para investimentos que antes a
universidade recebia diretamente e podia definir (deveria definir) em conselho
universitário com representações dos três segmentos – discentes, técnicos e
docentes – as prioridades da instituição, fica retida no MEC, para que este
decida, em processo de concorrência, qual das 63 instituições merece
receber o repasse. Não há limites para a criatividade no desmonte da
educação superior brasileira (MATTOS, 2018, p. 178).

Desse modo, dificilmente a política de assistência estudantil pôde ser


efetivamente consolidada nas universidades, considerando a diversidade e
complexidade de seu corpo estudantil. Ainda que alguns momentos, ao longo dos
anos, pudessem ter contado com recursos de outras fontes268 no âmbito do orçamento
Ifes para desenvolver suas ações, havia limites estruturais impostos para um aporte
financeiro que viabilizasse a constituição de equipamentos coletivos e serviços de
caráter e permanente. Portanto, não é casual que todas as universidades tenham uma
preponderância do caráter bolsificado na política de permanência que se expressa por

267 Algo que é recorrentemente ressuscitado no debate em torno da educação superior e pode ser
exemplificado na proposta do Future-se, apresentada pelo governo de Bolsonaro nos primeiros anos
de seu mandato.
268 Em geral, boa parte da estrutura existente nas universidades antes do Pnaes era custeada com

recursos do custeio do orçamento geral das respectivas Ifes. Além disso, outra possibilidade existente
de financiamento da assistência estudantil são os recursos provenientes de emendas parlamentares
que podem custear ações específicas e pontuais. Dados os limites do presente trabalho, não será
possível ter uma aproximação com a dimensão que os referidos recursos alcançam no orçamento
total de cada respectiva universidade, sobretudo, nos últimos anos caracterizados por uma profunda
escassez de recursos financeiros, pois exigiria uma análise minuciosa dos dados orçamentários.
Porém, este se constituiu como um ponto que pode ser objeto de aprofundamento em estudos
futuros.
272
meio dos programas de bolsas/auxílios, ainda que se observe uma resistência a essa
tendência mais geral, pois a continuidade de alguns serviços foi mantida a despeito
dos sucessivos cortes orçamentários que marcam a trajetória da educação superior
pública. Além disso, do ponto de vista da gestão, torna-se mais “fácil” reduzir e/ou
extinguir a oferta de bolsas/auxílios do que descontinuar a prestação de um serviço
que possui uma estrutura consolidada.
Com isso, podemos inferir que a expansão das vagas da educação superior
brasileira – e aqui conferimos especial destaque ao processo ocorrido no âmbito das
universidades públicas – se desdobrou numa estrutura de política social que, tal como
ocorre em outras políticas públicas, apresenta fragilidades e limites. Ainda que não
existam dados oficiais fidedignos que permitam mensurar o fenômeno da evasão,
nos termos indicados por Lima Júnior et al (2019), consideramos relevante lançar luz
sobre a ausência de mecanismos estruturais adequados para incidir nas condições
de permanência, sob as quais se realiza o percurso acadêmico dos estudantes,
considerando suas particularidades. A estrutura de assistência estudantil forjada
neste cenário atende apenas uma parcela restrita dos estudantes269 e de forma
precária, pois prioriza a satisfação das necessidades de forma individualizada pelo
mercado (cidadania pelo consumo).
Essa reflexão é fundamental, pois nos auxilia na compreensão do que envolve
a expansão deste nível de ensino que, embebida pela lógica da financeirização, prima
muito mais pela promoção de garantias à rentabilidade do capital. Do mesmo modo,
torna mais compreensível a formatação atual da política de assistência estudantil,
delineada brevemente acima.
Nesse sentido, há rebatimentos diretos para o exercício profissional das
assistentes sociais, pois há uma tendência das respostas profissionais ficarem
restritas ao plano imediato. Isto se deve às condições objetivas de execução e
conformação dessa política, num cenário marcado pelo domínio do capital
financeiro, no qual prevalece a bolsificação, ou seja, a transferência direta de
recursos monetários aos estudantes.
Com isso, a realização de análises socioeconômicas assume centralidade no
âmbito do trabalho destas profissionais. Ademais, a configuração assumida pela

269Conforme vimos no item anterior, nas quatro universidades analisadas, o maior percentual de
estudantes que acessam as bolsas é de aproximadamente 10%.
273
assistência estudantil tende a resgatar o cariz de emergência social das protoformas
da profissão. As requisições postas exigem a manipulação de variáveis empíricas com
destreza, no sentido de operar o caráter bolsificado da política, ao selecionar os
estudantes por meio de editais, o que reforça o caráter sincrético da prática
profissional. Portanto, alterar essa dura realidade não depende somente da vontade
das profissionais.
Assim, neste cenário em que prevalece a centralidade dos programas de
bolsas/auxílios no âmbito da assistência estudantil, ainda que se amplie
consideravelmente o quantitativo destas profissionais, o trabalho a ser desenvolvido
provavelmente continuará a lhes sobrecarregar, pois tende a ficar restrito à priorização
da realização de análises socioeconômicas no sentido de focalizar as ações e todo
conjunto de atividades que envolvem os processos seletivos em geral. Em outros
termos, além da ampliação do quadro de profissionais, é fundamental construir
coletivamente (o que inclui os estudantes e outras categorias profissionais) a política
de assistência estudantil sobre novas bases, ou seja, é fundamental explorar as
possibilidades existentes na realidade para elaborar respostas profissionais não
limitadas às requisições institucionais.
Vimos no item 2.4, por meio das diferentes vertentes do movimento estudantil,
que as demandas por condições de permanência envolvem questões e áreas que não
se limitam àquelas mais tradicionais (moradia, transporte, alimentação, dentre outras).
Há uma diversidade de questões que merecem a devida atenção, mas que só serão
identificadas se houver espaço/instrumentos adequados para sua apreensão junto
aos estudantes, bem como a existência de equipes multiprofissionais com diferentes
categorias profissionais e em quantitativo suficiente para atendimento de sua
complexidade.
De modo sucinto, podemos destacar pelo menos cinco eixos que envolvem as
demandas identificadas:
1. as demandas vinculadas aos eixos mais tradicionais da
assistência estudantil que, de certa forma, estão contempladas no Decreto Pnaes,
ainda que as Ifes não consigam atendê-las em sua totalidade. Aqui, se enquadram
as ações vinculadas às seguintes áreas: moradia, transporte, alimentação, saúde,
creche, cultura, esporte, inclusão digital, apoio pedagógico, saúde mental, esporte,
material didático, dentre outras;
274
2. as demandas que exigem a articulação com outras políticas
setoriais: diferentes tipos de violência (sexual, urbana, doméstica etc.), desemprego,
uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, situações de doença na família, dentre outras;
3. as demandas próprias do universo educacional – dificuldades de
aprendizagem, infrequência, falta de acesso à pesquisa e extensão, déficits
educacionais, diferentes tipos de violência (física, sexual, simbólica, institucional,
machismo, racismo, homofobia), uso do nome social, remoção de barreiras
arquitetônicas, pedagógicas e atitudinais, estímulo à constituição de espaços de
formação política para os estudantes, dentre outras;
4. as demandas que questionam as próprias bases sobre as quais
se assentam as universidades – reformulação dos currículos num viés antirracista;
superação do epistemicídio (no sentido de ampliar a diversidade nas produções
acadêmicas ao valorizar os saberes da cultura negra e indígena); ampliação de
políticas de ação afirmativa, instituição de disciplinas que discutam gênero,
sexualidade e questão racial em todos os cursos, maior representatividade nos
diferentes espaços acadêmicos, adoção de novas práticas pedagógicas que não
desconsideram o conhecimento dos povos originários e a gestão participativa,
democrática e com controle social e todos os níveis institucionais, dentre outras;
5. por fim, as demandas relativas à regulamentação e
operacionalização da assistência estudantil – ampliação e intensificação do debate
sobre as condições de permanência, transformação do Decreto Pnaes em lei (de
modo a caracterizar a assistência estudantil como política de Estado), ampliação dos
recursos da assistência estudantil por meio de uma rubrica específica, valorização e
qualificação das equipes profissionais, promoção de melhorias no formato atual dos
processos seletivos (tais como, a desburocratização e a existência de maior
transparência), previsão da inclusão dos estudantes de pós-graduação no acesso às
ações vinculadas à permanência, ampliação do quantitativo de bolsas, dentre outras.
A categorização das demandas pertinentes à assistência estudantil aqui
empreendida buscou destacar as demandas mais gerais na intenção de demonstrar
sua complexidade. Um corpo estudantil mais diverso tende a demandar uma
multiplicidade de questões para intervenção profissional e, portanto, a resposta dada
a estas demandas não deve ser simplificada por meio da oferta de bolsas/auxílios.
A identificação das demandas aludidas no parágrafo anterior pode servir como
275
um parâmetro inicial para atuação das equipes profissionais, mas, é preciso ir além.
É necessário identificar quais são as mais incidentes em cada campus da
universidade e em determinado período histórico. Elas não podem ser cristalizadas
no tempo e espaço, devem ser mediadas pelos processos históricos, territórios,
configuração das políticas locais e o próprio perfil e necessidades dos estudantes.
Ou seja, este é um trabalho que precisa ser realizado pelas equipes
multiprofissionais (ou seja, não somente restrito à categoria das assistentes sociais),
a partir de um caráter contínuo e sempre atrelado a uma escuta direta ou indireta das
questões postas pelo corpo estudantil.
Mas, para tanto, é necessário que as profissionais envolvidas diretamente na
execução da política tenham condições objetivas, ou seja, meios/instrumentos
adequados, para que possam apreender, sistematizar, analisar e intervir nas referidas
demandas. A proposta de Lima Júnior et al (2019) que versa sobre indicadores de
evasão e retenção numa abordagem longitudinal pode servir de parâmetro, em
alguma medida, para pensar a construção da própria política de assistência
estudantil sobre novas bases. Para estes autores,
por definição, uma análise longitudinal requer acompanhar os estudantes ao
longo de um tempo prolongado e observar os percursos efetivamente
realizados por eles. Portanto, uma análise dessa natureza requer definir um
tempo de acompanhamento ao longo do qual se coletam as informações [de
natureza quantitativa e/ou qualitativa] necessárias para levantar o destino
final dos alunos (LIMA JÚNIOR et al, 2019, p. 166).

Considerando que, por meio dos referidos indicadores é se torna viável


acompanhar efetivamente a trajetória acadêmica dos estudantes, é possível
estabelecer com maior precisão uma análise que reconheça quais são os fatores
mais incidentes nas condições de permanência. Isto pode ocorrer, levando-se em
consideração o curso, a universidade, a região, enfim, uma variedade de
possibilidades analíticas. Esta poderia ser a base para o planejamento e a
formulação das ações que, também, não devem prescindir do diálogo permanente
com os demandantes da política: os estudantes.
Há ainda um desafio posto neste cenário: como intervir nessa complexidade de
demandas sem abandonar a oferta de bolsas/auxílios que hoje se configura como um
mecanismo crucial para manutenção de parcela dos estratos mais empobrecidos nas
universidades (e, em alguns casos, contribuindo com as próprias condições de
sustento de suas famílias)? Dito de outra forma, como combinar políticas focalizadas
276
e de acesso universal no âmbito das políticas de permanência estudantil?
É importante dizer que, ainda que sejam instituídas políticas de acesso
universal, como restaurantes estudantis, alojamentos, gratuidade no transporte, apoio
pedagógico, dentre outros, será necessário para uma parcela de estudantes a
existência de bolsas/auxílios ou medidas similares. Num país campeão nos índices
de desigualdade social, do crescimento da miséria e da pobreza, além do
aprofundamento da precarização e sucateamento do conjunto de políticas sociais, é
fundamental a existência de mecanismos para uma parcela de estudantes que
garantam algumas condições para sua sobrevivência e, muitas vezes, a de sua
própria família.
A incidência destas mazelas sociais tem se agudizado, sobretudo, nos últimos
anos sob a batuta de um governo neofascista, e afetam mais profundamente a parcela
negra da população, como resultado da herança do passado escravocrata do país.
Além disso, a necessidade de existir mecanismos nesse sentido passa pela pseudo
escolha que alguns estudantes precisavam fazer entre trabalho x educação formal.
Ou seja, a garantia de seu sustento, permite ao estudante não ter que submeter a
jornadas de trabalho exaustivas que irão impactar na forma como ocorrerá sua
trajetória acadêmica (o modo como cursará as disciplinas, a qualidade do tempo para
estudo, a possibilidade de aproveitar oportunidades de estágio, pesquisa e extensão,
além da intenção de dar sequência aos estudos por meio da pós-graduação, dentre
outras).
A situação do estudante trabalhador aparece como uma das questões a serem
objeto de atenção do ponto de vista dos estudantes, conforme vimos no item 2.4.
Ademais, os dados coletados pelo Fonaprace (2019) tendem a corroborar nossa
análise, pois, em 2018, 29,9% dos estudantes universitários estavam trabalhando
enquanto 40,6% não trabalhavam, mas, estavam à procura de alguma inserção
no mercado de trabalho. O perfil desta parcela de estudantes era majoritariamente
masculino (50,1%), negro (50,4%), de solteiros, em sua maioria inserido na faixa etária
de 25 anos ou mais e concentrado em cursos das áreas de Ciências Sociais Aplicadas
e Ciências Humanas.
Além disso,
em relação ao vínculo com o trabalho, é importante ressaltar que 24,4% são
estagiários (as), sendo os (as) demais ocupados (as) formais e informais. Do
total de estudantes ocupados (as), 31,7% têm carteira assinada e 17,0% são
277
funcionários (as) públicos (as). Têm vínculos precários (sem carteira
assinada, sem carteira assinada ou com contrato ajudando familiares, com
contrato temporário em uma empresa, organização social ou órgão estatal)
20,0% dos estudantes ocupados (as) e outro tipo de contrato 7,0%.
Trabalham mais de 30 horas semanais 45,9% dos (as) estudantes ocupados
(as), o que certamente afeta o tempo e as condições de estudo.
Considerando a renda do trabalho, a maioria absoluta dos (as) estudantes
ocupados (as) recebe “Até 1 e meio SM” (62,2%). Dentre estudantes
ocupados (as) que recebem “Até 1 e meio SM”, pouco mais de ¼ é o (a)
principal mantenedor (a) do seu grupo familiar. Entre aqueles (as) que
recebem “Mais de 1 e meio a 3 SM”, 49,1% são os (as) mantenedores (as)
de seu grupo familiar, enquanto entre os (as) que recebem “Mais de 3 SM”,
73,1% são os (as) mantenedores (as) principais. Do total de ocupados (as),
37,8% são mantenedores (as) principais de seu grupo familiar (FONAPRACE,
2019, p. 33).

Embora seja uma multiplicidade de questões que transitam no âmbito da


assistência estudantil, seja aquelas próprias do universo educacional ou aquelas
pertinentes à dinâmica externa das Ifes – mas, que incidem igualmente nas condições
de permanência dos estudantes –, todas, sem exceção, possuem a mesma origem: a
contradição capital/trabalho. Portanto, o atendimento dessas demandas que desde o
estágio monopolista são alvo da ação estatal por meio das políticas sociais, é
permeada por um caráter contraditório, como evidenciamos no primeiro capítulo. Além
disso, envolve as disputas em torno do fundo público que, conforme vimos, têm sido
cada vez mais destinado à valorização do grande capital em seu estágio
financeirizado.
Desse modo, diante das condições objetivas sumariadas nos parágrafos
anteriores, faremos um esforço a seguir, no sentido de identificar as possibilidades
institucionais que podem ser exploradas nas Ifes para subverter a lógica da atual
estrutura da política de assistência estudantil.
Considerando o caráter sincrético que permeia o exercício profissional das
assistentes sociais, são necessárias pequenas “ilhas” de suspensão do cotidiano,
para que a profissional consiga se afastar da mera reprodução do cotidiano e analisar
criticamente a realidade sobre a qual atua. Conforme vimos no primeiro capítulo, a
dimensão investigativa da profissão tem um alto potencial de proporcionar a
construção de um conhecimento crítico que subsidie a elaboração de respostas
profissionais que transcendam o plano imediato de intervenção.
O planejamento, a sistematização da prática profissional, a educação
permanente e a realização de grupos de estudos, de pesquisas e socioeducativos
constituem-se como mecanismos para potencializar as possibilidades de suspensão
278
do cotidiano, no sentido de ter subsídios teórico-políticos para o questionamento do
status quo. Para tanto, cada vez mais torna-se necessário para as assistentes sociais
se apropriarem/aprofundarem seus conhecimentos a respeito do entendimento do
capitalismo contemporâneo, a luta de classes, o papel do Estado, as disputas em torno
do fundo público e a configuração das políticas sociais.
A captura destas determinações mais gerais constitui-se apenas como um
primeiro passo no processo de deciframento da realidade, pois é fundamental realizar
as mediações com as características particulares expressas no cotidiano profissional.
Em se tratando da assistência estudantil, a correlação de forças institucionais, a
configuração desta política e da educação superior, o perfil dos estudantes e suas
demandas, etc.
Esses conhecimentos devem ser socializados, na medida do possível, com
estudantes e outros profissionais, no sentido de estimular reflexões críticas e
instrumentalizá-los para que possam atuar mais efetivamente nas disputas (internas
e externas), seja em torno do fundo público ou das concepções de educação e
assistência estudantil. Ademais, conforme vimos, algumas das questões identificadas
no elenco de demandas postas pelas distintas vertentes do movimento estudantil, que
são dirigidas ao questionamento das bases sobre as quais se assentam as
universidades, exigem uma articulação não apenas entre os diferentes segmentos da
comunidade acadêmica (interna). Esta deve ser uma luta encampada numa frente
ampla envolvendo uma variedade de setores da sociedade, movimentos sociais em
prol da educação pública, laica e de qualidade, mas, também a sociedade em geral.
Diante do exposto, a seguir apresentaremos uma síntese sobre ações
possíveis a serem desenvolvidas especificamente pela categoria de assistentes
sociais e/ou de forma coletiva com outros atores políticos, no sentido de promover
algumas pequenas fissuras no sistema.
Conforme vimos, a aparência de prática indiferenciada favorece a delegação
pelas instituições de um conjunto de atividades não pertinentes à profissão, mas,
contraditoriamente, esse caráter fluido também pode oferecer à assistente social uma
mobilidade profissional (NETTO, 2007). Isto ocorre diante da possibilidade de se
aproveitar a aparente polivalência para propor e executar outras ações de forma crítica
e criativa que não estejam necessariamente atreladas às requisições institucionais.
Nosso intuito não é prescrever uma receita a ser seguida indistintamente por todas as
279
profissionais, independente das particularidades que envolvem a sua atuação nas
Ifes. Pelo contrário, busca-se aventar algumas possibilidades que podem e devem
ser objeto de reflexão e aprofundamento.
Inicialmente partiremos de atividades/ações que já são realizadas pelas
profissionais e reforçam o caráter bolsificado da política, a partir de um viés focalista
e seletivo, mas, que poderiam ser redirecionadas na perspectiva de construir a
política de permanência sobre outras bases.
Conforme foi problematizado no item 3.2, há um conjunto de atividades/ações
de caráter meramente administrativo realizadas pelas assistentes sociais que tendem
a burocratizar a sua intervenção profissional e, portanto, no âmbito dos processos
seletivos não seria necessária sua inserção direta. Integram este rol: a participação
no processo de inscrição dos estudantes nos processos seletivos, a realização da
conferência documental, a emissão/controle da folha de pagamentos, a divulgação do
resultado e o recolhimento dos dados bancários e do termo de compromisso, dentre
outros.
No entanto, há aquelas atividades, a priori, também de caráter administrativo,
mas, que possuem um potencial estratégico para atuação da profissão, já que
implicam em possibilidades de interferência no âmbito do planejamento, definição do
público-alvo e das demandas e necessidades prioritárias para atendimento. Aqui,
referimo-nos ao espaço de elaboração dos editais de seleção e da definição da
distribuição orçamentária e o uso dos recursos. As assistentes sociais são agentes
privilegiados no acesso ao conhecimento do cotidiano dos estudantes, ou seja, a
partir de um conjunto de instrumentos podem apreender as demandas implícitas e
explícitas e contribuir com a elaboração de respostas mais qualificadas a estas. Isto
pode ocorrer por meio dos dois espaços considerados estratégicos destacados
acima que, dentre outros aspectos, também contribuem para o fortalecimento da
relativa autonomia das profissionais.
O formato atual dos processos seletivos de bolsas/auxílios acarreta uma
sobrecarga de trabalho às assistentes sociais por requisitar um volume considerável
de análises socioeconômicas, seja em função do curto prazo e/ou pelo fato de
existirem poucos profissionais para realizá-las. Portanto, as análises socioeconômicas
acabam não se configurando como mecanismos para conhecer melhor a realidade
vivenciada pelos estudantes e apreender suas demandas implícitas e explícitas. Além
280
disso, há um conjunto de atividades de natureza administrativa e burocrática que
também recaem sobre estas profissionais. Com isso, a possibilidade de realizar as
atividades já desempenhadas com a qualidade e complexidade que as demandas
estudantis exigem fica comprometida, tais como a própria análise socioeconômica e
o efetivo acompanhamento social do conjunto de discentes atendidos pela política.
Reforça-se, nesse sentido, a importância também de se constituir equipes
multiprofissionais na política de assistência estudantil que considerem a diversidade
e complexidade das demandas estudantis. Isto, para que a política não se restrinja à
concessão de bolsas/auxílios e, consequentemente, concentre a execução das ações
sob a responsabilidade apenas das assistentes sociais. Para tanto, precisam compor
as equipes não somente assistentes sociais, mas, também pedagogas, psicólogas,
técnicos em assuntos educacionais, intérpretes de libras, administradores,
nutricionistas, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas,
produtores culturais, educadores físicos, técnicos de informática,
auxiliares/assistentes administrativos, dentre outros.
A diversidade de categorias profissionais é no sentido de entender que os
fatores que incidem nas condições de permanência perpassam, mas, não se
restringem apenas aos aspectos estritamente econômicos. Por esse motivo, é
fundamental tanto a variedade de profissionais que atuarão em suas respectivas áreas
de formação, quanto sua existência em quantitativo suficiente para atender as
demandas estudantis. Esse é um dos elementos que contribuirá para que as
assistentes sociais se concentrem naquelas ações em que sua atuação é
imprescindível.
Ademais, há um aspecto contraditório a ser explorado na realização das
próprias análises socioeconômicas. Conforme vimos, na configuração atual da
assistência estudantil, as assistentes sociais são convocadas para realizar tais
análises no sentido fundamentalmente de operar o caráter bolsificado da política,
numa perspectiva focalista e seletiva.
Se essa é a principal requisição institucional dirigida às assistentes sociais, sua
realização não deve ter como único desdobramento a seleção dos estudantes mais
pobres dentre os pobres. Pelo contrário, as análises constituem-se como mecanismos
importantes para a apreensão das demandas estudantis, tanto para subsidiar o
acompanhamento social posterior dos usuários, quanto para subsidiar a construção
281
de novas ações e/ou serviços. Desse modo, é fundamental que as assistentes
sociais estejam inseridas em equipes multiprofissionais consolidadas para que a
responsabilidade pela execução da maioria das ações não recaia sobre elas.
Considerando que todas as universidades federais realizam a seleção para
ingresso aos cursos pautados no sistema de reserva de vagas, poderia haver uma
maior articulação de caráter institucional dos processos de acesso e permanência. Os
estudantes cotistas, em geral, são basicamente o mesmo público atendido pela
assistência estudantil, portanto, seria razoável não os submeter novamente a toda
burocracia de entrega de documentação para comprovar sua condição precária para
suprir necessidades vinculadas à permanência. Nesse sentido, o acesso por meio das
cotas poderia estar diretamente vinculado à inserção nos programas de
bolsas/auxílios pelo período mínimo do tempo de duração do curso, sem que
houvesse a necessidade do estudante ser submetido a uma nova análise
socioeconômica, como já ocorre em algumas instituições.
Referimo-nos às universidades estaduais do Rio de Janeiro, a Uerj e
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) que, embora, não
sejam regidas pelo Decreto Pnaes, instrumento legal das universidades federais no
âmbito da assistência estudantil, possuem uma experiência interessante nesta área.
Ambas as instituições supracitadas, a partir do ano de 2008, fundamentadas pela Lei
Estadual n. 5346, passaram a ter previsão legal para o pagamento de bolsa-auxílio
durante todo o período do curso universitário dos estudantes cotistas. A lei vigente
que regulamenta a reserva de vagas nessas universidades é a Lei Estadual n.
8.121/2018 que, além de ter prorrogado a implementação das cotas por mais 10 anos,
passou a ter a seguinte redação em relação aos grupos de cotistas:
negros, indígenas e quilombolas, alunos oriundos da rede pública de ensino,
pessoas com deficiência, filhos de policiais civis e militares, bombeiros
militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou
incapacitados em razão do serviço, desde que carentes, nos cursos de
graduação das respectivas instituições públicas de ensino superior do Estado
do Rio de Janeiro (RJ, 2018).

Ademais, em seu art. 3º, foi estabelecido um conjunto de iniciativas mínimas


como parte do Programa de Ação Afirmativa e, dentre elas, destacamos: o programa
de apoio aos estudantes destinatários dessa lei, compreendendo o apoio acadêmico,
o material didático e a bolsa permanência; o acompanhamento dos estudantes
destinatários, após a conclusão dos cursos; e a divulgação nos meios de comunicação
282
e redes sociais deste programa de ação afirmativa para os potenciais destinatários
dessa lei, escolas da rede pública e sociedade em geral.
Na época das visitas, apenas a UFRJ, possuía uma experiência próxima da
Uerj e Uenf: a concessão da bolsa auxílio permanência (BAP), com vigência de um
ano, para todos os estudantes cotistas que tinham renda per capita até 1,5 salário-
mínimo. Após esse primeiro ano, tal qual os outros estudantes, os cotistas deveriam
se submeter aos processos seletivos existentes para continuar a receber a bolsa.
Além de constituir como um mecanismo mais estrutural de garantia de
condições básicas de permanência, isto, já reduziria o volume de análises
socioeconômicas a serem realizadas pelas profissionais estritamente para execução
dos editais de assistência estudantil. Consequentemente, tendo por base que a
duração média das bolsas/auxílios seria o mesmo período necessário para conclusão
do curso, a frequência dos procedimentos relativos à renovação poderia ser mais
distanciada, ou seja, não precisaria ser semestral ou anual.
Assim, o tempo de trabalho antes investido nas supracitadas atividades poderia
ser redirecionado para realizar a própria análise socioeconômica como mecanismo de
conhecimento da realidade dos estudantes e da sistematização do conjunto de dados
gerados pelos processos seletivos anteriores, a fim de subsidiar o planejamento e
formulação de políticas nesta área. Este processo poderia ser enriquecido com uma
aproximação das equipes com as distintas vertentes do movimento estudantil, no
sentido de alinhar a política à complexidade de suas necessidades.
Outro aspecto que poderia ser realizado é a utilização do espaço da divulgação
dos editais de forma coletiva para evidenciar e problematizar os aspectos
contraditórios da política para os estudantes. Ou seja, este espaço poderia servir para
instigar os estudantes a uma reflexão crítica e não para apassivá-los.
Por fim, considera-se relevante repensar a própria organização das equipes de
acordo com a realidade de cada universidade, pois, no momento da visita, todas
estavam concentradas de forma centralizada nas reitorias. Em nosso entendimento,
isso dificulta o contato das profissionais com os estudantes, sobretudo, aqueles
matriculados nos campi mais distantes. Nos institutos e colégios federais, tal como
demonstram os dados coletados pela pesquisa do Numar/Neeae, as equipes são
descentralizadas nos diversos campi, o que favorece o contato com os estudantes e
as possibilidades de se realizar o acompanhamento social e outras ações vinculadas
283
à permanência.
A seguir, destacamos algumas ações que poderiam ser implementadas nas
Ifes, a depender da correlação de forças e estruturas existentes e, da mesma forma,
se caracterizam como possibilidades e não fórmulas rígidas:
• criação de instrumentos de caráter contínuo para apreensão dos
fatores que interferem nas condições de permanência estudantil, pautados numa
abordagem longitudinal sugerida por Lima Júnior et al (2019) e mediados pelo uso de
tecnologias de informação270;
• inserção das assistentes sociais em espaços já existentes na
estrutura universitária para acompanhamento do fenômeno da evasão. Aqui,
referimo-nos às comissões de acompanhamento acadêmico de cada curso ou
instância similar271;
• estímulo a pesquisas que abordem especificamente o fenômeno da
evasão272, considerando-se as trajetórias individuais dos estudantes;
• estímulo ao debate institucional (envolvendo gestores, profissionais
e estudantes) sobre a concepção ampliada de assistência estudantil que não deve
se restringir aos aspectos estritamente econômicos na análise das condições
adequadas de permanência, mas, se aproximar dos cinco eixos de demandas
estudantis sumariados neste estudo. Isto implica em não reduzir a política à
concessão de bolsas/auxílios, mas, fortalecer e ampliar os serviços e equipamentos
coletivos já existentes nas universidades;
• diversificação das categorias profissionais atuantes na política de

270 Aqui cabe destacar a importância da categoria profissional em travar debates em torno do uso de
tecnologias de informação e comunicação (TICs) que estão cada vez mais presentes no exercício
profissional. Tal como sinalizou Mota, em palestra proferida na conferência de encerramento
“Relações de classe, raça e gênero desafios ético políticos do trabalho profissional na Seguridade
Social” do 6º Encontro Nacional de Seguridade Social do Conjunto Cfess-Cress neste ano de 2023 (A
referida palestra pode ser acessada por meio do endereço eletrônico: <(85) 6º Encontro de Serviço
Social e a Seguridade Social que Defendemos - Bete Mota e Marcia Eurico - YouTube>. Acesso em:
10 abr. 2023), as TICs devem ser pensadas como meio e não como finalidade do trabalho
profissional. Assim não deve haver uma subordinação das profissionais à tecnologia, pelo contrário,
tal como ocorre com outros instrumentais, o uso das TICs deve subsidiar o alcance dos objetivos
profissionais em cada área de atuação, sempre sintonizados com os preceitos teórico-metodológicos
e ético-políticos hegemônicos na profissão.
271 Dada o universo amplo de unidades acadêmicas existentes nas universidades, num primeiro

momento poderiam ser priorizados alguns cursos com base em critérios como: maior número de
bolsistas; maior número de trancamentos, maior número de estudantes com dificuldade de
integralização da formação, dentre outros.
272 Considera-se que entender o fenômeno da evasão em sua complexidade é fundamental para as

equipes que atuam na política de permanência das universidades.


284
assistência estudantil, de modo a considerar a diversidade e complexidade das
demandas estudantis, inclusive avançando na discussão sobre parâmetros para
definição de uma equipe mínima para referência dos estudantes;
• promoção de ações de educação permanente para as equipes
multiprofissionais da assistência estudantil;
• uso de tecnologias de informação para otimizar os processos
seletivos e disponibilização de espaços para viabilizar a inscrição online de alunos
que não têm acesso;
• estímulo à participação dos estudantes nos distintos espaços de
poder e decisão das universidades, para que possam intervir nos rumos da
instituição do ponto de vista da estrutura acadêmica (missão institucional, cursos,
currículos, oferta de disciplinas, alocação de recursos) e; também, da estrutura que
envolve a garantia das condições de permanência (regulamentação, ações, serviços,
alocação de recursos etc.);
• criação de espaços para diálogo permanente com os estudantes, no
sentido de apreender suas demandas e instrumentalizá-los, a partir de reflexões
críticas para ocupar os espaços de poder e decisão;
• criação de mecanismos de avaliação das ações e serviços
vinculados à assistência estudantil e controle social pelos estudantes;
• criação de fóruns permanentes específicos da categoria273, de
caráter local ou regional, para discutir as particularidades do exercício profissional na
assistência estudantil e construir alternativas coletivamente;
• criação de fóruns permanentes que envolvem os diferentes sujeitos
políticos (assistentes sociais, profissionais de outras categorias profissionais e
estudantes), no sentido de articular a construção da política de permanência sobre
outras bases;
• articulação com entidades sindicais e movimentos sociais no sentido
encampar lutas para incidir nas disputas em torno do fundo público e no conjunto de
medidas e políticas direcionadas à educação superior.

273 Especificamente essa proposta já circula na categoria profissional atuante na assistência


estudantil. A primeira vez que foi ventilada foi na plenária final do Seminário Estadual Serviço Social
na Educação: a assistência estudantil para além das bolsas, realizado pelo Cress/RJ no ano de 2018.
Mais recentemente, no Evento devolutivo da pesquisa do Numar/Neeae realizado em março de 2023,
novamente surgir a referida proposta numa perspectiva de articular a categoria das distintas
instituições federais de ensino do estado do Rio de Janeiro.
285
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“[...] Deixa o menino jogar ô iaiá


Deixa o menino jogar ô iaiá
Deixa o menino aprender ô iaiá
Que a saúde do povo daqui
É o medo dos homens de lá
A sabedoria do povo daqui
É o medo dos homens de lá
A consciência do povo daqui
É o medo dos homens de lá...”
Natiruts – Deixa o menino jogar.

O presente estudo buscou trazer à tona alguns dos aspectos contraditórios que
permeiam o processo de expansão da educação superior brasileira, sobretudo, nas
últimas três décadas, bem como os contornos assumidos pela política de permanência
gestada nesse contexto e seus rebatimentos no exercício profissional das assistentes
sociais.
Não devemos perder de vista que a educação é um espaço contraditório, no
qual é possível estabelecer consensos e dissensos. Esta política possui um papel
relevante na internalização das condições de legitimidade do sistema de exploração
capitalista (MÉSZAROS, 2008) e, nesse sentido, em geral, o Serviço Social é
convocado para prevenir e lidar com as tensões de classe, ou seja, para contribuir
com o estabelecimento de consensos a fim de manter a ordem vigente.
Para o capital há interesses que estão em jogo no sentido do estabelecimento
de consensos. Conforme vimos, em sua busca incessante por superlucros, a
educação superior é mais uma área das quais o capital se apropria como nicho
lucrativo para garantir sua rentabilidade. O Estado como seu aliado de primeira ordem,
opera um conjunto de medidas, que passam pela operacionalização das políticas
sociais, para compensar as crescentes dificuldades de valorização do capital
(MANDEL, 1985).
Ademais, nesse processo o Estado socializa os custos da qualificação
profissional da força de trabalho que poderá ser absorvida pelo mercado de trabalho
ou que irá compor o contingente do exército industrial de reserva, contribuindo com a
pressão para achatar os salários dos trabalhadores empregados. Por outro lado, do
ponto de vista ideológico, este é um espaço de disputa, do qual o capital busca
permanentemente subjugar a fim de perpetuar sua hegemonia e manutenção do

286
status quo. Desse modo, não é casual as constantes investidas dos organismos
multilaterais para impor medidas que incidam diretamente na condução desta política,
principalmente, nos países de capitalismo dependente. Nos termos de Seki (2021a, p.
68),
A educação é um negócio para o capital, mas não apenas; paralelamente, ela
é importante por suas características específicas na formação humana, na
ciência e na cultura nacional. A educação não é secundária. O capital engloba
cada vez mais todas as dimensões da vida social, espraiando-se para quase
todos os campos de expressões da criatividade, do pensamento e do fazer
humano.

Conforme vimos no segundo capítulo, a expansão das vagas do ensino


superior promoveu o beneficiamento direto do capital, por meio do crescimento
vertiginoso das vagas no setor privado, iniciado no período ditatorial, mas que atinge
um novo patamar, a partir de fins da década de 1990. Por meio de um conjunto de
alterações na legislação, foram propiciadas as condições para forte penetração do
capital financeiro de origem nacional e estrangeira na educação superior, inclusive,
com a possibilidade de atuação no mercado de ações. Nesse sentido, o domínio do
capital financeiro vem progressivamente se espraiando sobre esta área e parcelas
crescentes do fundo público tem sido direcionadas à reprodução ampliada deste modo
de produção.
Assim, tem início um processo de intensificação dos processos de compra e
venda de IES, com forte concentração e centralização de capital, o que irá se
desdobrar na formação dos oligopólios educacionais. Com isso, cada vez mais um
seleto grupo de grandes conglomerados passa a ter uma maior participação no
mercado de educação superior, concentrando a oferta de matrículas e tendendo a
tornar os cursos mais aligeirados, com currículos flexíveis e mais ajustados às
demandas imediatas do mercado e em instituições de caráter não universitário, ou
seja, que estão desobrigadas a estarem assentadas no tripé ensino-pesquisa-
extensão (CHAVES, 2010; LEHER e TAVARES, 2016; SEKI, 2021a; SGUISSARDI,
2020).
A apropriação do fundo público pelos oligopólios educacionais é favorecida pelo
que denominamos como mecanismos de materialização da contrarreforma de
educação superior, tais como o Fies, Prouni e expansão do EAD. Em alguns casos,
os diferentes mecanismos são utilizados de forma conjugada e, portanto, se
caracterizam como elementos que expressam o processo de aprofundamento do
287
empresariamento e da financeirização das políticas sociais brasileiras,
especificamente na educação superior.
Nesse cenário, como uma contratendência, houve a ampliação das vagas nas
universidades públicas, ainda que não tenha sido na mesma proporção e ritmo das
entidades privadas. Isto se deu a partir dos processos de expansão/reestruturação
iniciados, a partir da implementação do Reuni.
Na década de 1990, nos governos de FHC, houve uma estagnação do
crescimento das universidades públicas, seja em termos de vagas, ampliação das
estruturas e do orçamento público que lhes era destinado. O Reuni rompeu em parte
com esta trajetória, pois ampliou o ingresso de estudantes vinculados aos diversos
estratos da classe trabalhadora a uma educação pública de caráter universitário. No
entanto, houve uma verdadeira expansão precarizada e limitada, pois o crescimento
das vagas nas Ifes ocorreu a despeito da manutenção do histórico de crescimento
vegetativo do orçamento destas instituições, o que, por conseguinte, inviabilizou o
adequado investimento nas estruturas físicas, no quadro de pessoal e nas condições
de permanência que interferem nas trajetórias acadêmicas estudantis.
Especificamente, sobre a permanência estudantil, foi forjada uma estrutura de
política precária que é direcionada a apenas a uma parcela restrita de estudantes que
é pressionada a satisfazer suas necessidades básicas, prioritariamente, pela via do
consumo de mercadorias e não por meio de equipamentos coletivos de caráter
público. Aqui, expressa-se a face mais visível do processo de financeirização na
assistência estudantil: a centralidade dos programas de bolsas/auxílios como
resposta às demandas dos estudantes. Porém, é importante destacar que, mesmo
diante do manutenção das restrições orçamentárias, há ainda elementos de
resistência nas universidades analisadas a essa tendência mais geral de bolsificação
da política. Isto se expressa na manutenção de alguns equipamentos coletivos e
serviços, a maioria deles anterior à aprovação do Decreto Pnaes.
Nesse sentido, ainda que esse processo de expansão das vagas na educação
superior tenha propiciado o maior acesso de estudantes oriundos das camadas mais
populares, não houve uma priorização das demandas por condições de permanência
desse público específico. Conforme vimos no terceiro capítulo, a política de
assistência estudantil desenvolvida nesse contexto não é fruto do acaso, pelo
contrário, há um projeto que lhe fundamenta que, diante das disputas em torno do
288
fundo público, coloca sempre em primeiro plano os interesses do capital.
Do ponto de vista dos trabalhadores, a criação de consensos, se traduz por
meio da oferta de uma qualificação profissional direcionada ao acesso ao trabalho e
emprego, em alguns casos, acompanhada da garantia de condições básicas de
permanência. Esta última, em geral, está muito centrada na oferta de bolsas/auxílios,
o que pressiona os estudantes a satisfazer suas necessidades diretamente no
mercado, de forma individualizada. Com isso, em última instância, transfere-se para
esses sujeitos a responsabilidade sobre seu sucesso ou fracasso, desconsiderando
a estrutura de classes e o desemprego estrutural, dentre outros elementos.
No entanto, como buscamos evidenciar em diversos momentos do estudo,
sempre há contradições a serem exploradas nos processos históricos e de luta de
classes. Da mesma forma que há uma pressão para construção de consensos, há
vias a serem tensionadas para criação de dissensos que favoreçam
fundamentalmente os interesses dos trabalhadores. Aqui, a educação pensada como
espaço de disputa de distintas concepções de mundo, pode promover o aumento da
escolaridade e, em certa medida, favorecer melhorias nas condições de vida de
parcela da classe trabalhadora ao acessar determinados postos de trabalho. Mas,
para além disso, a educação também pode fornecer uma massa crítica, um dos
elementos importantes para que os sujeitos tomem consciência de sua condição na
estrutura de classes e lutem por uma sociedade a ser construída sobre outras bases.
Algo que está profundamente tensionado diante da acelerada massificação e
precarização do ensino superior, em decorrência do avanço da contrarreforma do
Estado nessa área.
Ao serem requisitados prioritariamente para realização de análises
socioeconômicas, ou seja, operacionalizar o caráter bolsificado da política de
assistência estudantil, numa perspectiva focalista e seletiva, as assistentes sociais
estão necessariamente sendo convocadas para contribuir com a construção de
consensos. Ao mesmo tempo, conforme vimos, a ampliação do quantitativo destas
profissionais está diretamente atrelada ao conjunto de medidas adotadas pelo Estado
brasileiro para compensar as crescentes dificuldades de valorização do capital. Tais
elementos, em nosso entendimento, corroboram nossa hipótese inicial de que as
requisições institucionais direcionadas às assistentes sociais para atuar no âmbito das
condições de permanência estudantil, a partir do contexto de reestruturação/expansão
289
das universidades do estado do Rio de Janeiro, tendem a restringir a atuação
profissional à execução de programas de bolsas e/ou auxílios.
Nesse sentido, dadas as condições objetivas de operacionalização da política,
há dificuldades para que a intervenção profissional consiga apreender a complexidade
das demandas estudantis que incluem desde questões vinculadas às condições mais
básicas de sobrevivência, mas, também aquelas de ordem subjetiva e de
questionamento da própria estrutura universitária, muitas vezes de caráter excludente
e discriminatório. Mas, conforme bem observou Iamamoto (2006), há um caráter
contraditório que permeia nosso exercício profissional. Portanto, do mesmo modo que
somos requeridas para a promoção do consenso, pela mesma via, podemos atuar no
sentido de produzir dissensos.
No entanto, isto não é uma tarefa fácil, ainda mais se considerarmos que num
país como o Brasil, em que a desigualdade reina e a esmagadora maioria da
população não tem acesso aos direitos mais básicos, lutar pela manutenção e
alargamento do acesso aos direitos sociais duramente conquistados se torna um meio
absolutamente necessário para quem almeja de fato construir uma nova ordem
societária. Portanto, não há como abandonar por completo a oferta de mecanismos
de caráter focalista, pois conforme vimos no terceiro capítulo, ao menos para uma
parcela dos estudantes vinculadas aos diferentes estratos da classe trabalhadora é
crucial para sua sobrevivência combinar a existência de bolsas/auxílios com políticas
de acesso mais universal.
Desse modo, é fundamental estarmos conscientes de nossas táticas e
estratégias na construção de um novo mundo para que não nos percamos no meio do
caminho. É nesse sentido que a luta por uma educação pública, gratuita, laica,
socialmente referenciada e com acesso e condições de permanência alargadas até
seu limite nos marcos capitalistas não seja apenas um esforço para empreender
melhorias nesse sistema profundamente desigual. Atuar apenas com a finalidade de
promover melhorias, em última instância, favorece em grande medida aos interesses
do grande capital na sua forma financeirizada, o que implica na manutenção desse
status quo. Assim, o acúmulo de lutas encampadas pela classe trabalhadora deve nos
servir como combustível e meio na construção de outra ordem societária.
O Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho e,
que por isso, tem seus limites, ou seja, por mais que tenha como norte um projeto
290
profissional vinculado a um projeto societário que contesta o status quo, não será
capaz de realizar isoladamente transformações na estrutura da sociedade. No
entanto, a pergunta que deve guiar nossas ações é a seguinte: quais as possibilidades
institucionais que podem/devem ser utilizadas para contribuir com a elaboração de
mecanismos que produzam tensionamentos na ordem vigente? Não existe uma
resposta padrão para este tipo de questionamento, mas tentar respondê-lo exige um
esforço contínuo de decifrar a realidade ou, nos termos de Iamamoto (2004), é preciso
que tomemos um “banho de realidade” para forjar alternativas concretas e coletivas
que serão determinadas historicamente e conforme a correlação de forças existente
em cada instituição que requisita o trabalho das assistentes sociais.
Conforme vimos, a aparência de prática indiferenciada decorre do caráter
sincrético da profissão que, se por um lado, favorece absorção de atividades alheias
à regulamentação profissional, por outro, torna possível construir de forma crítica e
criativa respostas profissionais que não se limitem às requisições institucionais
(NETTO, 2007).
Com isso queremos dizer que ainda que haja nesse contexto financeirizado
uma forte tendência que reforça/repõe o caráter sincrético da profissão e, portanto,
pressiona as profissionais a atuarem nos efeitos mais imediatos das refrações da
“questão social”, a partir da manipulação de variáveis empíricas numa perspectiva
quantitativa e produtivista, as possibilidades de superar essa tendência não estão
interditadas. Conforme buscamos demonstrar, sobretudo, no item 3.3, a partir de sua
autonomia relativa (IAMAMOTO, 2006), há um conjunto de possibilidades que podem
ser exploradas pelas assistentes sociais que não se esgotam naquelas identificadas
neste estudo.
O período de análise da configuração da política de assistência estudantil nas
universidades analisadas compreende os anos de 2017 a 2019, no entanto, na análise
empreendida no segundo capítulo sobre a trajetória da educação superior o foco foi
direcionado aos anos de 1994 a 2010 que compreende os governos de FHC e Lula
da Silva. Especificamente neste último é que se localizam os processos de
expansão/reestruturação das instituições federais de ensino – cujo Reuni tem um
papel central – que caracterizam a terceira fase da política de permanência, ou seja,
elementos diretamente relacionados ao tema de nossa pesquisa.
Desse modo, embora não tenha sido abordado em nosso estudo de modo mais
291
aprofundado os governos Dilma, Temer e Bolsonaro, especificamente para as
universidades públicas federais, esse período significou uma acelerada e progressiva
agudização da histórica escassez de recursos. No governo Dilma, foram iniciados os
ajustes orçamentários e contingenciamentos no âmbito desta política. Mas, após o
golpe de Estado de 2016, atingiu-se um novo patamar, por meio da implementação
do Novo Regime Fiscal que limitou os gastos com despesas primárias por 20 anos,
medida aprovada no governo ilegítimo de Temer. O governo subsequente de
Bolsonaro, por sua vez, aprofundou de forma bastante severa os bloqueios
orçamentários, tornando quase insustentável o funcionamento das Ifes, em função
do comprometimento de recursos, inclusive, para custear despesas básicas.
Esta é a conjuntura que estava posta pouco antes da pandemia de Covid-19
que assolou todo o mundo de forma severa a partir do ano de 2020. Os impactos
econômicos, políticos, sociais, dentre outros, ainda não foram investigados em toda a
sua profundidade, embora, já haja alguns estudos nesse sentido. Assim, supomos
que os desafios postos ao Serviço Social atuante na assistência estudantil foram
adensados, pois houve uma considerável piora nas condições gerais de vida da
população brasileira274 e, consequentemente, dos estudantes que acessam o ensino
superior, diante dos (des)mandos de um governo neofacista e ultraneoliberal.
Assim, embora a análise presente neste estudo corresponda a um período
anterior a essa conjuntura delineada brevemente acima que resultou numa profunda
regressividade nos direitos, foi possível capturar tendências gerais do exercício
profissional na atual quadra histórica que se caracteriza pela hegemonia do capital
financeiro.
Desse modo, foi identificada uma tendência em reforçar a natureza sincrética
da profissão, o que se expressa na pressão para atuar nos efeitos mais imediatos da
“questão social”. No entanto, tal como reafirmarmos ao longo deste estudo, ainda que
as margens estejam cada vez mais restritas, há possibilidades a serem exploradas
pelas profissionais tanto no âmbito de suas respectivas instituições quanto nas lutas
a serem empreendidas na sociedade como um todo. Para tanto, é fundamental

274Desde o ano de 2018, o país voltar a fazer parte do Mapa da fome e entre os anos de 2019 e
2021, cerca de 61 milhões de brasileiros tiveram dificuldades para se alimentar e, destes, 15 milhões
passaram fome, conforme veiculado em reportagem eletrônica do Jornal Nacional (Disponível em: <
Brasil volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas | Jornal Nacional | G1 (globo.com)>. Acesso em:
21 abr. 2023). Além disso, no primeiro trimestre do ano de 2022, a taxa de desemprego era de 11,1%,
o que significa que a falta de trabalho atingia quase 12 milhões de brasileiros (ALVARENGA, 2022).
292
visualizar os espaços sócio-ocupacionais como campos que carregam muitas
contradições (SOUZA, 2014), o que permite explorá-las até o seu limite na busca de
elaboração de respostas profissionais que contribuam com o fortalecimento dos
interesses da classe trabalhadora. Nesse sentido, outro aspecto que merece destaque
é o papel que a hegemonia conquistada pelo projeto ético-político assume no
tensionamento dos efeitos do sincretismo profissional. Mas, há que se considerar que
tanto os processos de precarização da formação profissional, resultantes da
contrarreforma do Estado nessa área específica – mesmo que não tenha sido objeto
de aprofundamento desta tese –, assim como o padrão de resposta formatado às
mazelas da “questão social” na atual quadra histórica, ao reforçarem uma atuação de
caráter mais emergencial e nos efeitos mais imediatos, constituem-se como ameaças
à hegemonia conquistada pelo projeto profissional.
No entanto, a história ainda não acabou e, portanto, há espaço para serem
empreendidas lutas contra as constantes investidas de caráter ofensivo do capital que
na atualidade prevalece sob o domínio de sua forma financeira. Exemplo disso, é o
processo eleitoral de 2022 que, a despeito do uso sem precedentes da máquina
pública, da forte disseminação de fake news e dos diversos atentados contra a
democracia, promovidos pelo então presidente Bolsonaro, não resultou em sua
reeleição. Assim, a partir da mobilização de variados setores da sociedade (e aqui
destacamos aqueles vinculados aos estratos da classe trabalhadora, pois foram os
que mais sofreram com as medidas de caráter regressivo no campo dos direitos), mais
do que a vitória de Lula da Silva, o referido pleito eleitoral significou a derrota de um
projeto de caráter autoritário, genocida, neofaciscta e ultraneoliberal.

293
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