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Editora CRV - versão final do autor - Adilson Aquino Silveira Júnior - E-mail: j_r1987@hotmail.

com

O livro SERVIÇO SOCIAL EM

SERVIÇO SOCIAL PERNAMBUCO: primeiras déca-


das da formação e atuação
profissional é produto de um

EM PERNAMBUCO trabalho coletivo viabilizado pelo


projeto de extensão História e
Proibida a impressão e a comercialização

primeiras décadas da formação


Memória do Serviço Social em
Pernambuco entre as décadas
de 1940 e 1970 (MEHSSPE).
e atuação profissional Seus artigos nasceram dos
debates e dos estudos explora-
tórios em torno das particulari-
dades do Serviço Social em
Pernambuco. As elaborações
privilegiam as determinações da
ADILSON AQUINO SILVEIRA JÚNIOR formação profissional, dos espa-
Organizador ços sócio-ocupacionais e das
respostas do Serviço Social no
estado entre as décadas de
1930 e 1960.
Editora CRV - versão final do autor - Adilson Aquino Silveira Júnior - E-mail: j_r1987@hotmail.com
Proibida a impressão e a comercialização
Adilson Aquino Silveira Júnior
(Organizador)

SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:


primeiras décadas da formação
e atuação profissional

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2020
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV

Editora CRV - versão final do autor - Adilson Aquino Silveira Júnior - E-mail: j_r1987@hotmail.com
Revisão: Analista de Línguas CRV

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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

Se481

Serviço social em Pernambuco: primeiras décadas da formação e atuação profissional /

Proibida a impressão e a comercialização


Adilson Aquino Silveira Júnior (organizador) – Curitiba : CRV, 2020.
206 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-86087-19-2
ISBN Físico 978-65-86087-07-9
DOI 10.24824/978658608707.9

1. Serviço social 2. Serviço social – história e memória 3. Política social 4. Serviço social
– Pernambuco I. Silveira Júnior, Adilson Aquino. org. II. Título III. Série.

CDU 364 CDD 361.0023

Índice para catálogo sistemático


1. Serviço social 361.0023

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2020
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Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................................................. 9
Adilson Aquino Silveira Júnior

CAPÍTULO 1
“EXISTIRMOS – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?”:
a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira...................... 15
Evelyne Medeiros Pereira

CAPÍTULO 2
A PARTICULARIDADE DE PERNAMBUCO NO ESTADO NOVO:
transformações econômicas, questão social e lutas de classes..................... 33
Zélia de Oliveira Gominho

CAPÍTULO 3
CAPITALISMO, ESTADO E POLÍTICA SOCIAL NO
BRASIL DOS ANOS 1950............................................................................... 51
Adilson Aquino Silveira Júnior

CAPÍTULO 4
A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO
NOS ANOS 1940............................................................................................. 65
Adilson Aquino Silveira Júnior

CAPÍTULO 5
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO NOS
ANOS 1950: racionalização do ensino e
diversificação técnico-profissional................................................................... 93
Adilson Aquino Silveira Júnior
Lenita Maria Maciel de Almeida
Mariana Macena da Silva

CAPÍTULO 6
BASES DA RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM
PERNAMBUCO: afirmação da “abordagem comunitária”
entre 1940 e 1960......................................................................................... 121
Adilson Aquino Silveira Júnior
Lenita Maria Maciel de Almeida
CAPÍTULO 7
A POLÍTICA “CONTRA O MOCAMBO” E A EMERGÊNCIA DO
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO....................................................... 147
Bruna Soares Farias
Camila Sobral Leite Lyra Montalvão

CAPÍTULO 8
O SERVIÇO SOCIAL E A “QUESTÃO DO
MENOR” EM PERNAMBUCO (1940-1950):
história, memória e perspectivas................................................................... 167
Andresa Maria da Silva
Fernanda Helen de Paula Lira
Thalia de Oliveira Barbosa

CAPÍTULO 9
AS PRIMEIRAS ASSISTENTES SOCIAIS DE PERNAMBUCO E
O INÍCIO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NO ESTADO (1940-1950)............................................................................. 185
Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva
Laura Sophie de Andrade Freire
Rennan Araújo de Lima

SOBRE OS AUTORES................................................................................. 203


APRESENTAÇÃO

Este livro reúne os textos resultantes, em sua maioria, de estudos desen-


volvidos em 2019 através do projeto de extensão História e Memória do Ser-
viço Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE).
Vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de
Pernambuco, o projeto propõe ações em três planos: organização e socializa-
ção do acervo histórico e de documentos do Serviço Social no estado; incen-
tivo a estudos sobre as dimensões e tendências da profissão; e divulgação de
conhecimentos sobre essa história e memória. Mais amplamente, a pretensão
é contribuir com o acesso público à produção científica e a documentos vin-
culados à história do Serviço Social e das políticas sociais em Pernambuco,
articulando, ainda, pesquisa e ensino à extensão universitária.
Na sua interface com a dimensão da pesquisa, o MEHSSPE engajou parte
de sua equipe, composta de estudantes e docentes do Curso de Serviço Social,
na realização de estudos exploratórios sobre as particularidades do Serviço
Social em Pernambuco, considerando as características de seu desenvolvi-
mento, principalmente, entre as décadas de 1930 e 1960. As determinações
enfocadas, considerando sua historicidade e condicionantes sociais, ainda que
de modo abrangente e aproximativo, corresponderam às esferas da formação
profissional, dos espaços sócio-ocupacionais e das respostas (teórico-metodo-
lógicas, político-ideológicas e técnico-operativas) do Serviço Social no curso
das referidas décadas. Tratou-se de uma iniciativa cuja pretensão primeira
consistia, tão somente, em incentivar estudos exploratórios, cujos resultados
se materializariam na construção de hipóteses para pesquisas mais consisten-
tes e profundas. Em geral, as sistematizações alcançadas nos surpreenderam
pela sua capacidade de (além de propor hipóteses de pesquisa) fornecer um
contributo para a reconstrução histórica do Serviço Social em Pernambuco,
através do levantamento e análise de fontes até então inexploradas do acervo
da profissão nessa realidade.
No início de 2019, uma parte da equipe do MEHSSPE se dividiu em torno
de alguns eixos temáticos para o encaminhamento desses estudos, guiados
por súmulas que registravam as estratégias metodológicas e fontes de dados a
serem assumidas em cada caso. Foram projetados cinco eixos: 1) As transfor-
mações do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950, 2) Serviço Social e
Política Habitacional nos anos 1940 – a “questão dos mocambos”; 3) Atuação
do Serviço Social nos anos 1940 e 1950 em torno da “questão do menor”
em Pernambuco; 4) As demandas para o Serviço Social em Pernambuco nos
anos 1940-1950, 5) As pioneiras do Serviço Social de Pernambuco e a marca
10

do gênero na profissão. Ao propor tais estudos, o projeto de extensão previa


suscitar, ainda, o protagonismo dos(as) estudantes envolvidos(as) na equipe
de execução, incorporando-os(as) em atividades de análise e sistematização
da realidade, despertando-os(as) para o desenvolvimento de uma interpretação
própria da história, bem como da elaboração e divulgação do conhecimento
adquirido com o acervo documental digitalizado e catalogado. Ao findar o
ano, o amadurecimento obtido, em termos de apropriação da fundamentação
teórica e histórica, e da análise das evidências documentais, foram registrados
nos artigos deste livro.
Além das sistematizações provenientes dos estudos exploratórios,
incluem-se aqui textos de duas docentes-pesquisadoras que generosamente
colaboraram com as atividades do MEHSSPE. O artigo de Evelyne Medei-
ros Pereira – “Existirmos – a que será que se destina?”: a questão regional
e o Nordeste na formação social brasileira– oferece uma síntese das suas
investigações sobre a dialética do desenvolvimento desigual e combinado
do capitalismo no Brasil; base que preside a coexistência e persistência do
“arcaico” e do “moderno” na exploração e acumulação da riqueza entre nós;
solo histórico das contradições do Nordeste do país, sua aridez social, suas
formas agrestes de dominação política, a crueza da rebeldia que sempre brota
em suas paragens. Evelyne também cooperou em algumas orientações dos
estudos exploratórios, além de participar de debates promovidos nas ativi-
dades de formação do MEHSSPE, em especial no curso Serviço Social em
Pernambuco entre 1940-1970. Já a participação de Zélia de Oliveira Gominho
neste livro – através do texto A particularidade de Pernambuco no Estado
Novo: transformações econômicas, questão social e lutas de classes – foi
provocada após sua intervenção no mesmo curso de extensão, no encontro
dedicado à reflexão sobre o Estado Novo em Pernambuco. Desde o início da
execução do projeto, eram referências os trabalhos acadêmicos dessa histo-
riadora – maturados desde os anos 1990 – sobre a realidade de Pernambuco
na primeira metade do século XX, em especial sua premiada dissertação
de 1997, Veneza Americana X Mucambópolis: o Estado Novo na cidade do
Recife (Décadas de 30 e 40).
Os demais textos condensam os esforços de sistematização dos estudos
exploratórios pela equipe do projeto de extensão. Alguns deles tiveram suas
versões preliminares aproveitadas em encontros do curso, e muitos conteúdos
foram divulgados em eventos acadêmicos regionais, nacionais e internacio-
nais durante 2019. No seu conjunto, dividem-se em duas abordagens sobre
a realidade do Serviço Social no estado, considerando o intervalo histórico
entre finais dos anos 1930 e início de 1970: uma parte coloca-se sob um
ângulo mais panorâmico e inclusivo do processo de afirmação da profissão,
ou de seus condicionantes históricos macroscópicos; outra parte envereda em
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 11

determinados complexos que se mostraram decisivos para conformar algumas


particularidades da emergência do Serviço Social no estado. No primeiro
grupo, incluem-se os seguintes artigos: Capitalismo, Estado e política social
no Brasil dos anos 1950 e A emergência do Serviço Social em Pernambuco
nos anos 1940, ambos de Adilson Aquino Silveira Júnior; Serviço Social em
Pernambuco nos anos 1950: racionalização do ensino e diversificação téc-
nico-profissional, de Adilson Aquino Silveira Júnior, Lenita Maria Maciel de
Almeida e Mariana Macena da Silva; Bases da renovação do Serviço Social
em Pernambuco: afirmação da “abordagem comunitária” entre 1940 e 1960,
de Adilson Aquino Silveira Júnior e Lenita Maria Maciel de Almeida. No
segundo grupo de artigos estão: A política “contra o mocambo” e a emer-
gência do Serviço Social em Pernambuco, de Bruna Soares Farias e Camila
Sobral Leite Lyra Montalvão; O Serviço Social e a “questão do menor”
em Pernambuco (1940-1950): história, memória e perspectivas, de Andresa
Maria da Silva, Fernanda Helen de Paula Lira e Thalia de Oliveira Barbosa;
As primeiras assistentes sociais de Pernambuco e a introdução da formação
profissional no estado (1940-1950), de Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva,
Laura Sophie de Andrade Freire e Rennan Araújo de Lima.
Este livro completa o trabalho a que o projeto de extensão se propôs ao
arrolar a documentação catalogada, digitalizada e analisada, através da publi-
cação Memória do Serviço Social em Pernambuco: inventário do acervo.1
O inventário tratou de apresentar a base de documentos, até então acumula-
dos, direta ou indiretamente relacionados à trajetória do Serviço Social no
estado entre as décadas de 1940 e 1970. As suas três seções principais foram
dedicadas a relacionar os seguintes conjuntos documentais: os Trabalhos de
Conclusão de Curso das alunas e alunos da antiga Escola de Serviço Social
de Pernambuco (ESSPE) – instituição existente entre 1940 e 1971, depois
agregada à UFPE; os documentos da ESSPE, os quais constituem evidências
dos processos de funcionamento da instituição; e matérias do Jornal Folha de
Manhã – com suas respectivas transcrições – nas quais se encontram notícias e
artigos, majoritariamente assinados pelo interventor do Estado Novo em Per-
nambuco, Agamenon Magalhães, explicitando as ideologias que informavam
a atuação governamental em torno das refrações da “questão social” entre os
anos de 1938 e 1944. Agora, os artigos divulgados com este novo livro, ao
esboçarem sua contribuição para a sistematização histórica da particularidade
da profissão no estado, acabam por proporcionar também uma demonstração
de como aquele acervo documental pode ser aproveitado nas pesquisas do
Serviço Social. Ao projetarem algumas hipóteses de trabalho sobre esse objeto,
se tornam um estímulo para que outros(as) pesquisadores(as) avancem no des-
bravamento das fontes empíricas colocadas à disposição através do inventário.

1 Essa publicação pode ser acessada através do site do MEHSSPE: mehsspe.wixsite.com/projeto


12

Ao lançarmos o inventário do acervo, já havíamos atentado para o


fato de que, no âmbito da pesquisa e sistematização teórica sobre as dimen-
sões e tendências da história do Serviço Social em Pernambuco, depara-
mo-nos com um quadro ainda carente de desenvolvimentos. As iniciativas
mais substanciais limitavam-se, até pouquíssimo tempo, às investigações de
Gomes (1987), Vieira (1992) e Padilha (2008), além das algumas coletâneas
(UFPE, 1990, 1985). Malgrado a qualidade e profundidade desses estudos,
eles acabaram por privilegiar as dimensões da formação profissional e das suas
determinações político-ideológicas, permanecendo à margem reflexões que
transladassem para os espaços e demandas ocupacionais, processos de trabalho
e respostas interventivas, encarados de modo abrangente e numa perspectiva
totalizadora dos ritmos e estágios de desenvolvimento da profissão. Ademais
de indicarem que estávamos há mais de uma década sem novos empreendi-
mentos de pesquisa em torno da história do Serviço Social no estado. Nosso
livro pretende colaborar para a reversão desse quadro, coadunando com tra-
balhos recentes como o de Mota (2019) e Silva (2019a, 2019b).
Com este livro, o MEHSSPE, concomitantemente, brinda os 40 anos
da Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE, comemorados em 2019, e
pretende nutrir as celebrações dos 80 anos do Serviço Social em Pernambuco,
realizadas em 2020. Através dessa contribuição, nosso projeto de extensão
quer se somar às iniciativas de entidades e órgãos corporativos da profissão, de
docentes e pesquisadores(as), que têm se engajado no fortalecimento e aper-
feiçoamento da memória e história do Serviço Social no país como mediação
para alicerçar um projeto profissional vinculado aos movimentos e lutas das
classes exploradas e oprimidas.

Adilson Aquino Silveira Júnior


Coordenador do MEHSSPE
Recife, fevereiro de 2020
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 13

REFERÊNCIAS
GOMES, Vilma Dourado de Matos Maia. A Escola de Serviço Social de
Pernambuco – 1940/1945 Políticas de ação e ações políticas. Recife, 1987.
114 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 1987.

MOTA, Ana Elizabete Mota. De histórias e da memória: José Paulo Netto e a


renovação do Serviço Social. In: RODRIGUES, Mavi; SOUSA, Adrianyce A.
Silva de. O marxismo impenitente de José Paulo Netto. São Paulo: Outras
Expressões, 2019. p. 185-209.

PADILHA, Helena Maria Barros. História da Escola de Serviço Social


de Pernambuco: uma análise do projeto ideopolítico em articulação com a
realidade pernambucana e brasileira dos anos 30 a 70 do século XX. 2008.
430 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal de Per-
nambuco, Recife, 2008.

SILVA, Maria Angélica Pedrosa de Lima. A centralidade da família na for-


mação em Serviço Social na década de 1940 em Pernambuco. 2019a, 168
f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Per-
nambuco, Recife, 2019a.

SILVA, Maria Angélica Pedrosa de Lima. As pioneiras do Serviço Social


de Pernambuco e a marca do gênero na formação profissional (1940 –
1946). 2019b, 54 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2019b.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. A trajetória do ensino


em Serviço Social em Pernambuco – em comemoração aos 50 nos de ensino
de Serviço Social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), 1990.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Cadernos de Serviço


Social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), n. 3, 1985.

VIEIRA, Ana Cristina de Souza. Ensino do Serviço Social no Nordeste:


entre a Igreja e o Estado. 1992. 249 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) –
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1992.
CAPÍTULO 1
“EXISTIRMOS – A QUE SERÁ QUE
SE DESTINA?”2: a questão regional e o
Nordeste na formação social brasileira

Evelyne Medeiros Pereira

1. Introdução

Em certa ocasião, um artista popular brasileiro, jovem que desce do Norte pra
cidade grande3, ao ser questionado sobre a qualidade de seu trabalho que, naquela
altura, já não trazia mais tanta “marca de nordestinidade”, elegantemente responde:

O que acontece é que o Sul do país [...] tem uma expectativa muito carac-
terizada a respeito do nordestino [e do Nordeste]. [...] Eu sempre pretendi
revelar um outro Nordeste no meu trabalho. Claro que você pretender revelar
um outro Nordeste quando a expectativa é dar continuidade a tudo aquilo
que tem sido feito nesse sentido, causa um choque enorme que pode muito
bem ser identificado com outra qualidade. Ou seja, com uma qualidade
menor [...]. Em nenhum momento eu acho que a música dos nordestinos
tenha perdido a sua qualidade [...]. Adquiriu uma outra qualidade que eu
jugo infinitamente melhor, maior do que aquela do começo. Os nordestinos
hoje conhecem muito bem os recursos técnicos da feitura do seu trabalho,
perderam completamente qualquer sentimento de atenção a expectativa
folclorizante a respeito deles. E pessoalmente eu quero dizer, a respeito do
meu trabalho, que eu não tenho sequer vontade artística de dar continuidade
aquilo que no Sul se chama “a cultura do Nordeste”, porque eu acho um
imenso passivo morto [...]. O meu trabalho pretende descobrir qual é a nova
cultura do Nordeste, como é que essa cultura nova pode, sinceramente, par-
ticipar do novo mundo, com um sentido de descoberta, de ação nova, mas
infinitamente superior ao que estava pensado no começo [...].4

2 Trecho retirado da música Cajuína do compositor e cantor baiano Caetano Veloso, do álbum Cinema Trans-
cendental, gravado e lançado em 1979 pela gravadora Verve.
3 Trecho retirado da música Fotografia 3x4 do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Alucinação,
gravado e lançado em 1976 pela gravadora PolyGram.
4 Entrevista do cantor Belchior concedida ao Programa Vox Populi, TV Cultura, em 1983. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TO9bMJP8-rw. Acesso em: 28 jan. 2020.
16

A verdade é que as mistificações em torno da imagem do nordeste brasi-


leiro, que são alvo da resposta do cantador, há muito já fazem parte da nossa
formação social e, especialmente nos momentos de maior acirramento das
contradições, vez ou outra, esse tema chega à porta daqueles que sentem a
necessidade de entender o Brasil para transformá-lo, sinalizando que essa
região cumpriu (e continua cumprindo) um importante papel na constituição
da questão regional no país.
Qualquer pessoa desavisada olharia a capa dos livros antigos de Francisco
de Oliveira, Celso Furtado e Tânia Bacelar; assistiria aos filmes com a inter-
pretação dos lendários personagens de José Dumont e Marcélia Cartaxo; leria
os romances de Guimarães Rosa, Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos, tudo
isso, como simples artigos de um passado morto e enterrado. Ledo engano!
Primeiro, porque, apesar dos cenários de inspiração regionalista, tal como a
questão regional é também nacional e mundial, os enredos tratam de temas
universais da existência humana, não se limitando aos locais inóspitos de
criaturas, ao mundo fabuloso dos “rudes homens do cangaço”, “sertanejos
castigados” das “terras tostadas de sol e tintas de sangue”, parafraseando José
Lins do Rego. Segundo, porque, ao contrário do que pode se pensar e propa-
gandear, a questão regional continua viva e pulsante em nossos dias. Basta
observar o papel que o Nordeste e as desigualdades regionais têm cumprido
no contexto político, cultural e econômico do último período histórico.
Consideramos oportuno lembrar, desde aqui, da iniciativa de um con-
junto de estudiosos do antigo Programa Integrado de Mestrado em Economia
e Sociologia (PIMES) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em
Recife. Referimo-nos a realização do Seminário Nordeste: Estrutura Econô-
mica e Social, Desenvolvimento e Processos Políticos, em março de 1982, que
deu origem ao livro A Questão Nordeste: estudos sobre formação histórica,
desenvolvimento e processos políticos e ideológicos, publicado em 1984.
Naquele momento, o organizador, Silvio Maranhão (1984, p. 8-9), nos cha-
mava atenção para o seguinte:

O Nordeste que se vê nesses textos não é um Nordeste harmonioso, comu-


nitário, quase idílico, mistificado e “folclórico”. O Nordeste aqui discutido
é um Nordeste fortemente diferenciado, parte integrante e integradora da
formação social brasileira, onde as associações e dissociações, alianças e
conflitos de classes e grupos sociais marcam, por assim dizer, o ritmo e o
compasso dos processos históricos que tem lugar na região.

O fato é que a perspectiva priorizada no presente trabalho sobre a questão


regional e o Nordeste na formação social brasileira parte do pressuposto de que
a realidade que a nós nos parece local “[...] está sempre governada, altamente
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 17

determinada, pela dinâmica da produção predominante na sociedade, no conjunto


do subsistema econômico brasileiro” (IANNI, 1981, p. 127-128). Assim, a garantia
de hegemonia capitalista por aqui implica em fazer com que o Nordeste continue
sendo visto pelo prisma de uma caricatura temperada de exotismo, ressaltando as
belezas nativas que se tornam cenário dos cartões postais pra turista ver, conco-
mitante ao reforço da ideia do lugar dos esquecidos e dos condenados pela seca,
pobreza e pelo “subdesenvolvimento”. E é exatamente movido pela contestação
a essa imagem que fundamenta uma lógica de ser “Nordeste”, aparentemente
cristalizada pelas circunstâncias da própria natureza da região, que o artista ao
qual nos referimos no início deste texto canta:

NINGUÉM É GENTE!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem:
CONHEÇO O MEU LUGAR!5

E é com as palavras do cantor popular nordestino, porém não “nordes-


tinado”6, que adentramos, a partir de então, panoramicamente, aos aspectos
que são de fundamental importância para os estudos e as reflexões acerca da
questão regional ontem e hoje.

2. A questão regional na dialética universal-particular:


o desenvolvimento desigual inter-regional no Brasil
A questão regional depara-se hoje com uma realidade que a torna cada vez
mais viva e pulsante, demonstrando que o debate crítico em torno desse tema
precisa ser reaberto, particularmente no Serviço Social. Desafio este necessário
a ser enfrentado por parte daqueles que já estão caducos de entender que as
desigualdades regionais não são obra da simples ausência de uma política de
desenvolvimento regional ou da má gestão de quem dirige o Estado e o plane-
jamento de suas ações para as regiões, mas compõem a dinâmica própria do
padrão de reprodução do capital, de forma especial, nos países dependentes.
O desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo que demanda o processo
de homogeneização para sua reprodução ampliada, cria e aprofunda, pelos
mesmos meios, as desigualdades regionais que permitem uma acumulação cada

5 Trecho retirado da música Conheço meu lugar, do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Era uma
vez um homem e seu tempo, gravado e lançado em 1979 pela gravadora WEA.
6 Fazemos alusão ao poema de Patativa do Assaré intitulado Nordestino, sim. Nordestinado, não! (CAR-
VALHO, 2007).
18

vez mais privada das riquezas socialmente produzidas. Caso contrário, o padrão
de reprodução das relações sociais capitalistas estaria fadado ao colapso. Tais
desigualdades e contradições universalizaram-se mediante uma combinação
entre diversas configurações regionais. Nesse sentido, a região é “[...] produ-
to-produtora das dinâmicas concomitantes de globalização e fragmentação [...]
dos processos de diferenciação social” (HAESBAERT, 2010, p. 7).
No Brasil, alguns pensadores foram (e ainda são) fundamentais para
entender a natureza dessas desigualdades nas nuances de uma formação social
constituída através de um processo histórico-social que “vinculou o destino
da Nação emergente ao neocolonialismo” (FERNANDES, [1968] 2008, p.
24). Dentre outros intérpretes, priorizamos o diálogo com aqueles que nos
ajudaram a entender essa realidade e seus desdobramentos sobre o desenvolvi-
mento econômico regional fora do circuito de interpretações dualistas rígidas,
consonante com a lei do desenvolvimento desigual e combinado (Trotsky,
[1930] 1977). Lei esta que, segundo Florestan Fernandes ([1968] 2008, p. 65):

[...] punha em questão a relação do desenvolvimento do capitalismo e do


regime de classes com a revolução social, enfatizando que, dadas certas
premissas, em um país atrasado uma classe social pode desempenhar as
tarefas de outra e promover, assim, um salto qualitativo na história. Essa é
a forma dialética de resolver o assunto. Não é preciso que o regime de clas-
ses esteja “completamente desenvolvido” para que o proletariado realize
suas tarefas revolucionárias (as que não foram alcançadas pela burguesia).

Essa característica, universal ao capitalismo, aprofundada e particula-


rizada em sociedades dependentes, revela o caráter integrador e ao mesmo
tempo desintegrador de regiões nesse sistema, que, para Leon Trotsky ([1930]
1977, p. 25), viabiliza uma “[...] aproximação das diversas etapas, combi-
nação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais
modernas”. Em outras palavras, “[...] estruturas econômicas em diferentes
estágios de desenvolvimento não só podem ser combinadas organicamente e
articuladas no sistema econômico global”. Especialmente sob o capitalismo
dependente, “[...] a persistência de formas arcaicas não é uma função secun-
dária e suplementar” (FERNANDES, [1968] 2008, p. 61). E isso ocorre no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
É exatamente nessa dialética do desenvolvimento desigual inter-regional
que se constituiu historicamente a formação social brasileira numa combinação
entre relações sociais capitalistas e aquelas que, mesmo não sendo tipicamente
capitalistas, sobrevivem, se configuram e reforçam tal modo de produção.
Afinal, “[...] não reconhecer [...] que existem marcadas diferenças entre as
várias formas de produção do valor dentro do capitalismo é não reconhecer
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 19

[...] o processo de constituição do próprio capital enquanto relação social”


(OLIVEIRA, 1993, p. 30).
O particular dinamismo do desenvolvimento desigual inter-regional na
realidade brasileira é, em outras palavras, uma forma particular de configu-
ração do complexo arcaico-moderno. Este tem complexificado a articulação
daquilo que, para Florestan Fernandes ([1975] 2006), integra o padrão de
dominação burguesa na nossa formação social: a relação entre o “desenvol-
vimento desigual interno” e a “dominação imperialista externa”, recompondo
as desigualdades regionais que, a despeito de serem componentes da própria
natureza capitalista, apresentam uma tônica diferenciada nos países depen-
dentes, bem como já sinalizamos.
O fato é que, mesmo diante de todas as desconformidades, o “agente
organizador” da acumulação capitalista não deixou de ser a burguesia asso-
ciada ao grande capital (IANNI, 2004) e destituída de um projeto político de
orientação democrática e de soberania nacional, mediante arranjos de cúpula
com setores oligárquicos, sem por isso realizar uma ruptura através de uma
“revolução democrático-burguesa” ou de “libertação nacional” (IAMA-
MOTO, 2007, p. 132). Em outras palavras, a dinâmica do capital por aqui
foi realizada por meio de mecanismos ainda não essencialmente capitalistas
(GORENDER, 1982), não tendo como “meio ambiente original”, de transição,
o definhamento do feudalismo, ao contrário de países da Europa.
Frente a tais considerações, o núcleo central da dinâmica capitalista no
Brasil é exatamente a perpetuação de um enorme contingente de força de
trabalho disponível, do monopólio da terra, das formas extraeconômicas de
exploração do trabalho (semi ou pré-capitalistas) e de remuneração (monetária
e não-monetária) bem abaixo do valor da reprodução da força de trabalho,
refletindo num baixíssimo padrão de vida do produtor direto, mesmo com o
aumento da produtividade do trabalho. Tudo isso sob a interferência direta
do Estado que subsidia toda a infraestrutura de sustentação dessa engenhosa
arquitetura, socializando parte dos custos da reprodução da força de trabalho.7

7 Portanto, “[...] os serviços realizados a base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos,
transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor,
‘mais-valia’ em síntese. Não é estranha a simbiose entre ‘moderna’ agricultura de frutas, hortaliças e outros
produtos de granja com o comércio ambulante? [...] Esses tipos de serviços, longe de serem excrescência e
apenas depósito do ‘exército industrial de reserva’, são adequados para o processo da acumulação global e
da expansão capitalista e, por seu lado, reforçam a tendência à concentração de renda” (OLIVEIRA, 2013,
p. 57-58). O circuito da dependência e o “círculo vicioso do subdesenvolvimento” explicitam que mais vale
empregadas domésticas recebendo baixíssimos salários, mulheres e homens realizando constantemente
o trabalho não pago necessário a sua reprodução em cidades intrafegáveis que um dispêndio de recursos
destinados a estruturas coletivas que não propiciam lucro suficiente com o rebaixamento da força de traba-
lho urbana que depende desses mesmos serviços abundantes e degradados, e boa parte dessa força de
trabalho não pode ao menos consumir tais serviços demandados.
20

Daí o entendimento de que não há etapas bem definidas de desenvolvi-


mento pelas quais cada formação social deva passar, inevitável ou predes-
tinadamente. A apreensão dos aspectos que tornaram burguesa a sociedade
brasileira sem vivenciar, por exemplo, um processo de ruptura com o latifúndio
e seus antigos representantes é, a nosso ver, pressuposto central para o estudo
sobre os fundamentos das desigualdades regionais e os descompassos entre
as regiões tidas como mais ricas ou “avançadas” e as pobres ou “atrasadas”
enquanto fenômeno moderno.
Essas desigualdades tomam proporções e características diversas no
contexto contemporâneo. O processo de financeirização, e sua incessante
busca de valorização do capital tem como necessidade a constante superação
de fronteiras de tempo e espaço, o que, por outro lado, acaba por estabelecer
outras tantas barreiras territoriais e diferenciações regionais em uma mundiali-
zação que também se regionaliza. Fruto desse processo, ocorre o adensamento
da questão social na sua dimensão regional, expressa pela intensificação da
divisão internacional – e inter-regional – do trabalho8, da exploração por inter-
médio da reestruturação produtiva e dos diversos conflitos de base territorial
refletidos na violenta onda migratória, (re)compondo a questão regional em
termos macrossociais.
Em resumo, esse modelo permite a diferenciação produtiva e de produti-
vidade através da elevada exploração de trabalhadores com base na “[...] manu-
tenção de baixíssimos padrões do custo de reprodução da força de trabalho e,
portanto, do nível de vida da massa trabalhadora rural” (OLIVEIRA, 2013, p.
45). Trata-se, assim, de um complexo arcaico-moderno dialeticamente pautado
pelo desenvolvimento tardio, pela modernização dependente e acumulação
primitiva estrutural. Esse processo pesa distintamente em cada região, espe-
cialmente no Nordeste, território que, combinado desigualmente às demais
regiões, funciona como uma verdadeira reserva da superpopulação relativa,
garantindo o baixo custo da força de trabalho, mesmo com o aumento da
produtividade. Já o Sudeste passa a assumir a função de “região-centro”,

8 A menor rotação de capital nos países centrais implica em uma maior rotação nos países dependentes tal
como uma menor composição orgânica do capital nos primeiros, demanda uma realização mais rápida da
mercadoria nos segundos. Ocorre que tais (des)compassos se reproduzem internamente aos próprios países,
integrando os territórios nacionais à divisão internacional (e inter-regional) do trabalho. Assim, “[...] a divisão
do trabalho em geral está relacionada diretamente à divisão territorial do trabalho, à especialização de certas
regiões na produção de um único artigo, às vezes de uma única variedade de um artigo e até de uma única
parte de um artigo. [...] A manufatura não cria apenas regiões completas, mas introduz a especialização no
interior mesmo dessas regiões”. Isto, porém, contraditoriamente, nos diz que “[...] a existência de matéria-prima
num dado local não é, de modo algum, obrigatória para a manufatura e dificilmente seria comum a ela, já que
a manufatura pressupõe relações comerciais já bastante amplas” (LÊNIN, 1982, p. 275-276).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 21

constituindo sua hegemonia sobre as demais regiões. Peça fundamental na


engrenagem da divisão regional do trabalho.
Assim, no Brasil, compreendemos a região Nordeste como destaque na
questão regional, sofrendo com tônica diferenciada os reflexos da concen-
tração de riqueza, renda e poder no país. Os desdobramentos econômicos
e políticos desse processo constituíram uma narrativa dominante e elitista
de “região-problema”, predominante até hoje, muito embora com aspectos
dissonantes em alguns momentos históricos, a exemplo do último ciclo de
desenvolvimento no país (2007-2012) que pôs em destaque essa região como
promissora e protagonista de uma onda nova de crescimento econômico.9
Numa perspectiva histórica, o Nordeste assume destaque no Brasil, espe-
cialmente a partir dos anos de 1950, alvo de inúmeros estudos que nem sempre
contribuíram para seu entendimento, de fato. Ao contrário, para Perruci (1984,
p. 12), a região foi “[...] vítima de tantas descobertas e teorizações, especial-
mente após o verdadeiro trauma técnico-burocratizante que nos foi imposto
desde a criação da Sudene e, em especial, com a implantação das políticas
pós-1964”. Trauma este que persiste mesmo diante das inflexões nas formas de
enfrentamento às desigualdades regionais a partir do Nordeste, implementadas
pela frente neodesenvolvimentista10, já tão rapidamente desestruturadas no

9 Sobre isso, conferir Pereira (2018).


10 “A frente política neodesenvolvimentista começou a se formar no decorrer da década de 1990. Na década
anterior, elementos de ordem econômica e política tornavam os principais instrumentos de luta política e social
recém-criados pelas classes trabalhadoras – o PT, a CUT e o Movimentos dos Sem Terra (MST) – infensos
a qualquer aproximação política com o grande empresariado. [...] No início da década de 1990, contudo,
a situação mudou. A parte mais significativa da burguesia unificou-se em torno do programa neoliberal, o
desemprego aumentou muito e o movimento sindical e popular, com exceção do MST (COLETTI, 2002),
entrou em refluxo (BOITO, 1999). Na segunda metade da década de 1990, começaram a surgir sinais de
mudança. Um setor da grande burguesia interna, que também havia apoiado, ainda que de modo seletivo,
o programa neoliberal foi acumulando contradições com esse mesmo programa. Foi nesse quadro marcado,
de um lado, por dificuldades crescentes para o movimento sindical e popular e, de outro lado, pelo fato de
um setor da burguesia começar a rever suas posições frente a algumas das chamadas reformas orienta-
das para o mercado que se criaram as condições para a construção de uma frente política que abarcasse
setores das classes dominantes e das classes dominadas. Essa frente, organizada, fundamentalmente, pelo
PT chegou ao poder governamental em 2003 [...]. Não se tratava, agora, de uma frente que se pudesse
denominar populista e, ademais, tampouco o seu programa poderia ser identificado com o programa do
velho desenvolvimentismo. [...] Por que recorrer ao termo ‘desenvolvimentista’? De maneira tentativa e
inicial, diríamos que é porque esse é um programa de política econômica e social que busca o crescimento
econômico do capitalismo brasileiro com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper com os
limites dados pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país. Para buscar o crescimento econômico,
os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff lançaram mão de alguns elementos importantes de política
econômica e social que estavam ausentes nas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Sem a pretensão
de sermos exaustivos, enumeraríamos a título inicial alguns elementos que têm sido destacados por parte
da bibliografia: a) políticas de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda que aumentaram o
poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é, daqueles que apresentam maior propensão ao consumo;
b) forte elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES)
22

atual período histórico, pondo novamente no limbo a realidade do Nordeste,


tal como a brasileira.

3. O Nordeste desigualmente combinado


ao nosso tempo histórico

Para entender o papel e as condições de inserção da região Nordeste no


padrão de (re)produção capitalista, é fundamental relacionar os aspectos de
natureza conjuntural (o valor da força de trabalho, os custos de vida, os incen-
tivos fiscais, a “geografia econômica”, o índice de empregabilidade, o acesso
aos serviços sociais etc.) com as condições estruturais, as leis e tendências
gerais do capitalismo (em meio ao complexo sistema de financeirização e
fetichismo da mercadoria). Essa dinâmica é impulsionada não apenas pelos
condicionantes e determinantes econômicos, mas também pelas circunstân-
cias e desdobramentos no âmbito político que põem em outro patamar a luta
de classes.
Basta recordarmos os acontecimentos da primeira década do século
XXI no Brasil. Naquela ocasião, tomava volume um conjunto de iniciativas
(socioeconômicas e ideopolíticas), desenvolvidas por parte dos governos, que
consagrava, através dos diversos meios de divulgação e institutos de pesquisas,
aquele período como o que teria viabilizado o protagonismo de regiões que
eram vistas como atrasadas, como é o caso do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Contudo, por outro lado, ocorreu, simultaneamente, uma relativa perda de
base industrial no Sul e Sudeste, fazendo com que estas regiões não tivessem
um crescimento tão exitoso como observado nas áreas identificadas como
regiões subdesenvolvidas e mais pobres. Isto além dos dados que revelam
a persistência das desigualdades regionais que continuavam a conduzir o
Nordeste ao patamar de região brasileira com maior taxa de analfabetismo,
elevados indicadores de mortalidade infantil e pobreza, menores índices de
desenvolvimento humano (IBGE, 2014).
Portanto, é certo que a expansão capitalista pode (e deve) promover,
mesmo que temporariamente, inclusão de uma maior parcela da população,
tanto no consumo quanto no mercado de trabalho, elevando os índices de
crescimento econômico e o incentivo ao setor produtivo em regiões como

para financiamento das grandes empresas nacionais a uma taxa de juro favorecida ou subsidiada; c) política
externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias
e de capitais (DALLA COSTA, 2012); d) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda
agregada nos momentos de crise econômica e e) incremento do investimento estatal em infraestrutura.
[...] E por que empregar o prefixo ‘neo’? Porque as diferenças com o velho desenvolvimentismo do período
1930-1980 são significativas. O neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo da época do capitalismo
neoliberal” (BOITO JR., 2012, s/p).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 23

o Nordeste brasileiro. Contudo, isso ocorre de forma descompassada entre


os setores da economia capitalista e entre as próprias regiões, acompanhado
pelo avanço do agronegócio no Brasil cuja capacidade de gerar ocupações
é incomparável às atividades relativas à agricultura camponesa. Dentre as
ocupações geradas, o peso da informalidade e da reestruturação produtiva
ganha cada vez mais notoriedade, o que tende a se agravar diante das recen-
tes modificações na legislação trabalhista e previdenciária, especialmente
nas condições do trabalhador do campo, beneficiando frações burguesas a se
apropriarem ainda mais do trabalho necessário via exploração e expropriação
da força de trabalho. De repente, os ínfimos ganhos da população se esvaem.
Fica evidente, no caso brasileiro, a impossibilidade de fugir à lei do
desenvolvimento desigual e combinado nos marcos do capitalismo, cujo peso
e funcionalidade do atraso adquirem maior centralidade. É o que revela o atual
contexto que combina de forma peculiar o reacionarismo político-cultural às
medidas ultraliberais do ponto de vista econômico, atualizando e reforçando o
conservantismo próprio da burguesia brasileira e o seu padrão autocrático de
dominação em uma “tendência intensa e permanente de fascistização” (FER-
NANDES, 2015, p. 21). Junto a isto, reforça-se também a questão regional, o
papel histórico do Nordeste na divisão regional do trabalho, bem como aquela
velha e renovada imagem dos nordestinados.
As atuais medidas de austeridade e completa retração nos direitos sociais
e políticos intensificam com maior violência a precarização, via empreende-
dorismo e terceirização, e, consequentemente, um diferenciado e aprofundado
desenvolvimento desigual, interna e externamente. O movimento de concen-
tração e centralização do capital toma renovada amplitude e reforça a condição
do Brasil de país agroexportador e dependente, tendo algumas das seguintes
expressões: desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora, com
base na alavanca da dívida pública; atrofia do mercado interno, da capacidade
de consumo das classes subalternas e da formalização do trabalho; peso da
pauperização absoluta na combinação com formas de pauperização relativa;
menor composição orgânica do capital na indústria; rebaixamento real do
salário; formas de elevação de produtividade intermediadas pela recomposição
de relações de trabalho não-monetarizadas e pela coerção extraeconômica
sobre o trabalhador etc.; ou seja, um amplo movimento de “reversão” das
conquistas históricas da classe trabalhadora cujos efeitos atingem de forma
particular regiões como o Nordeste.
Referimo-nos ao quadro de queda de 14,3%, em 2016, para 13,7%,
em 2017, do total de domicílios que recebem Bolsa Família, somada a
um conjunto de medidas que atinge também outras iniciativas, tal como
o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os direitos sociais, traba-
lhistas e previdenciários como um todo. Em 2018, o Nordeste era a região
24

com 29% dos desocupados do país, bem como a maior na proporção de


pessoas que procuraram trabalho por mais de 2 anos. Dos 12,8 milhões
de brasileiros nesta situação, 3,7 milhões eram nordestinos. O Nordeste
representou 41% dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas
no país. Dos 6,6 milhões de brasileiros nesta situação, 2,7 milhões eram
nordestinos (IBGE, 2018).
Diante disso, as migrações tendem a tomar um novo fôlego e, mais uma
vez, o capital parece “reconquistar o Nordeste” de forma ampla, tal como
nos sinalizou Octavio Ianni (1981) ao retratar a questão regional no período
da “ditadura do grande capital” dos anos de chumbo. De lá até cá a questão
regional não teve resolubilidade. Assim como Corrêa (1988, p. 60-61), consi-
deramos que “[...] o avanço das relações capitalistas provoca transformações
nas características da questão regional, em suas exterioridades, mas, em vez de
eliminá-la, ele agrava, aprofunda a questão”. A partir desse entendimento, “[...]
a questão regional persiste [...] e coexiste com a questão nacional”. Ou, em
outros termos, a “questão nordestina é regional e nacional”, hoje mais ainda.
Segundo Florestan Fernandes ([1973] 2009), esse quadro tem seus deter-
minantes mais bem estruturados desde a consolidação do “período ditatorial”,
exigindo mecanismos prioritários por parte do Estado na tentativa de combater
os efeitos do aprofundamento da questão regional como particularidade da
questão social no Brasil. Mecanismos estes necessários inclusive para viabili-
zar tal consolidação via integração nacional diante da decadência da burguesia
industrial, do declínio do pacto populista, da penetração de grupos econômi-
cos e mercadorias produzidas no Centro-Sul e no Nordeste, da destruição da
economia regional promovendo, contraditoriamente, uma superacumulação
e adensamento das forças populares na região em questão.
É preciso também lembrar que “[...] foram as lutas sociais que romperam
o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a
questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para
o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais
envolvidos” (IAMAMOTO, 2001, p. 17). Isto somado ao pauperismo que
gerou a ameaça social dos “flagelos da seca”, demandou por parte do Estado
o aprimoramento de mecanismos e formas de manutenção da hegemonia
burguesa nas regiões. Por isso, o reforço ideológico, entranhado no discurso
oficial sobre o território nordestino estava diretamente associada à “região
perigosa”, bem como à agudização da repressão aos trabalhadores rurais organi-
zados.11 A ideia difundida era que o país estava na iminência de uma verdadeira

11 Vale destacar que existe um vasto enredo da vida real centrado em um conjunto de experiências de protestos e
lutas populares que não foram incorporadas nas “narrativas nacionais” com uma nítida intenção por parte dos
setores dominantes de isolá-las e pejorativamente associá-las ao fanatismo e banditismo. Isto é demonstrado
na importante obra de Rui Facó (1963, p. 15-16) ao fazer alusão e desconstruir a concepção hegemônica dos
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 25

revolução no Nordeste, tendo como referência a revolução cubana. Isto em


virtude da experiência de movimentos de trabalhadores rurais como o das
Ligas Camponesas. “Foi assim que o imperialismo e a burguesia, no Brasil,
decidiram transformar o Nordeste numa questão política, militar e policial
prioritária” (IANNI, 1981, p. 112) com a finalidade de acabar com todas as
experiências democráticas que emergiam na região. Afinal, até os avanços de
natureza democrática e popular por aqui ameaçam a estrutura que sustenta
uma engenharia tão moderna quanto arcaica do latifúndio.
Voltando às principais estratégias de enfrentamento à questão regional,
podemos situar, mesmo que tardia, uma nova política de desenvolvimento para
o Nordeste com base na industrialização da região. Para os idealizadores dessa
política, certamente o que estaria em questão seria o enfrentamento às relações
tidas como atrasadas na agricultura e a produção de uma “[...] larga ‘periferia’
onde predominam padrões não-capitalísticos de relações de produção, como
forma e meio de sustentação e alimentação do crescimento dos setores estra-
tégicos nitidamente capitalistas [...] ” (OLIVEIRA, 2013, p. 69). Contudo, a
superação desse tipo de relações seria como romper com a dependência da
dependência, já que “[...] a integração ao mercado interno significa tornar a
região que se integra ‘dependente’ da economia do Sudeste, isto é, as vantagens

fenômenos do cangaceirismo e do messianismo vividos especialmente no Nordeste no fim do século XIX e


na primeira metade do século XX. Outra figura que passa a compor a narrativa nacional sobre o Nordeste
foi o “flagelo da seca”, expressão do fenômeno social da seca na região. Diante disso, para Nobre (2010, p.
5-6), foram quatro principais as formas de enfrentamento às consequências das secas por parte do Estado:
1) “Controlar os flagelos”, mantendo-os “isolados na periferia da cidade, em estruturas precárias de cercados
[...] e sob severa vigilância. [...] tais locais de contenção dos flagelos da seca passaram a ser chamados de
‘campos de concentração’ [...] depositário de força de trabalho barata que era usada em obras públicas e de
particulares.”.2) Estímulos a migrações para o trabalho nos cafezais do Centro-Sul, e na extração de látex nos
seringais da Amazônia, recrutamento por parte de empreiteiras envolvidas na construção da transamazônica;
3) Medidas de contenção das migrações do sertão para as cidades com a ‘criação de órgãos públicos voltados
para a chamada ‘solução hidráulica’. Esta consistia no direcionamento da força de trabalho dos retirantes da
seca para a construção de açudes, através das chamadas ‘frentes de serviço’” (NOBRE, 2010, p. 7). Para
Oliveira (1981, p. 55), esses episódios da história do Nordeste expressam formas típicas da acumulação
primitiva do capital. Antigas instituições, como a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), de 1909, que
passa a se chamar de Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1945, representaram
um “esforço racionalizador” por parte do Estado, avançando-se “muito no conhecimento físico do Nordeste
semi-árido, de suas potencialidades e limites [...]. Não se avançou nada, porém, em termos do entendimento
e desvendamento de sua estrutura socioeconômica [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 51). Em suma, acabaram por
beneficiar proprietários rurais e o “controle político na distribuição de alimentos e vagas para o alistamento”,
conformando a conhecida “indústria da seca”; 4) Criação de instituições voltadas para a assistência aos “flage-
lados” da seca. Estas tinham, no entanto, associação direta com a polícia, referendando a velha e necessária
combinação entre repressão e assistência na garantia de hegemonia. Nobre (2010) apresenta como exemplo
o Serviço de Socorro e Assistência às Vítimas da Seca (SSAVS) e o Serviço Social do Estado (SSE), além de
ações de combate a mendicância, de profissionalização e “higienização” da cidade.
26

da industrialização desequilibram a economia ‘normal’ da região e impõem uma


nova divisão do trabalho em função do Sudeste” (OLIVEIRA, 1977, p. 52).
Por outro lado, esse desequilíbrio regional, expressando também con-
flito de classes, “[...] que aparece sob as roupagens de conflitos regionais [...]
chegará a uma exacerbação cujo resultado mais imediato é a intervenção ‘pla-
nejada’ do Estado no Nordeste, ou a SUDENE” (OLIVEIRA, 1981, p. 113).
Este órgão estatal foi um dos mais memoráveis desse tipo de intervenção no
Nordeste e sua história representa exatamente o direcionamento hegemônico
que as políticas dessa natureza tiveram no período desenvolvimentista.12
A intervenção planejada do Estado dá-se, portanto, através do desloca-
mento de “[...] esquemas de reprodução próprios da economia do Nordeste por
outros que têm sua matriz noutro contexto de acumulação”. Desse modo, o “pla-
nejamento” age conduzindo a mais-valia captada pelo Estado através de imposto
em capital a favor da “grande burguesia do Centro-Sul” (OLIVEIRA, 1981,
p. 113). Ou, em outras palavras: “[...] o Estado descapitaliza a economia do
Nordeste em favor do centro da acumulação. Mesmo em 1953, quando se cria
o Banco do Nordeste do Brasil [...], a intervenção do Estado fica muito aquém
de sua própria atuação num caso como o do BNDE [...]” (OLIVEIRA, 1981, p.
94). Daí a importância do Estado na promoção da industrialização do Nordeste
que, “[...] em si mesmo, é a síntese dialética dos processos de concentração e
centralização do capital, que o promove” (OLIVEIRA, 1977, p. 3-4).
Isso significa que o custo da reprodução da força de trabalho continuará
baixa mesmo com o aumento da produtividade; as mercadorias produzidas
na região continuarão sofrendo a deterioração dos termos de troca, abaste-
cendo a nova classe assalariada urbana em ascensão especialmente no Sudeste
e garantindo a oferta de recursos naturais à industrialização nacional em
uma espécie de acumulação primitiva; que o enorme exército industrial de
reserva continuará vivo legitimando relações de trabalho híbridas, monetárias

12 É importante ressaltar que, ao contrário de muitas análises críticas à experiência da SUDENE, ela não pode
ser resumida como uma “farsa”. A história dessa instituição foi marcada por ambiguidades e embates entre as
forças e aspirações populares e aquelas do grande capital monopolista que procuravam socorrer os interesses
das elites locais do “[...] velho Nordeste dos ‘coronéis’ e da burguesia açucareira, convocando as forças da
burguesia internacional-associada e do imperialismo para liquidar as classes populares” (OLIVEIRA, 1981, p.
15). Caso estas forças não tivessem ganho, certamente teríamos um outro Nordeste e um outro Brasil. De toda
forma, há que considerar a SUDENE como “um empreendimento de uma audácia inédita na história nacional”
(OLIVEIRA, 1981, p. 18) que de alguma forma enfrentou resistências, inclusive das “elites nordestinas temerosas
da perda de privilégios” que atacavam a figura de Celso Furtado e viam sua defesa à reforma agrária como
ameaçadora, abrindo margem para a subversão associada aos movimentos camponeses da época. (FUR-
TADO, 2009, p. 12).Mesmo com o teor progressista, com o objetivo de combater as desigualdades regionais
e com a diversidade de opiniões e concepções em disputa em torno da SUDENE, ela acaba tornando-se “[...]
um mecanismo de destruição acelerada da própria economia ‘regional’ nordestina, promovendo a expansão
capitalista no Nordeste via hegemonia da burguesia do Centro-Sul expressa na tendência das empresas ou
grupo de empresas que já são principais no Brasil serem principais no Nordeste” (OLIVEIRA, 1981, p. 113).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 27

e não-monetárias, recompondo a divisão regional do trabalho e o complexo


arcaico-moderno com um maior peso no Nordeste.
O empobrecimento da população trabalhadora nessa região, portanto,
caminhou junto a extração da mais-valia extraordinária na ditadura do grande
capital, fazendo com que o crescimento da taxa de expropriação tenha viabili-
zado o “milagre brasileiro”. Este quadro pode nos apresentar vários elementos
consonantes e dissonantes com a particularidade do ciclo econômico e político
do tempo presente.
A base e as circunstâncias objetivas das expressões da questão social
no Nordeste, atravessadas pelo monopólio da terra, sinalizam a forma de
ser capitalista não apenas da região, mas do país, que generalizou o modo
de produção por meio da industrialização sem, no entanto, destituir-se do
peso agrário-exportador mediante a superexploração da força de trabalho e a
associação entre capital nacional e estrangeiro, obstaculizando brutalmente o
crescimento das forças produtivas e o desenvolvimento com soberania nacio-
nal. Isto, ao contrário do que muitos atestaram (e continuam atestando) sob
o invólucro da marcha do desenvolvimento e crescimento econômico, não
seria possível nos marcos do pleno desenvolvimento desigual e combinado
capitalista em que o Brasil e suas regiões são partícipes.
Não se trata, desse modo, de uma suposta ausência, deformação ou atraso
desse desenvolvimento, mas de uma forma necessariamente particular de
inserção. “Daí, por exemplo, o liberalismo das elites nacionais, numa ordem
social acentuadamente patrimonial; ou o racismo, num país de mestiçagem
intensa” (IANNI, 1965, p. 65). Em outras palavras, “[...] o Brasil de hoje,
apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo […] ainda se acha
intimamente entrelaçado com o seu passado” (PRADO JR., 1972, p. 18).

4. Considerações finais

Procuramos, aqui, dentre as diversas nuances no trato acerca da questão


regional, delimitar nosso caminho a partir dos aspectos que constituem o
método no qual nos orientamos:
Primeiro, a concepção de história atrelada substancialmente à perspec-
tiva de totalidade bem como de contradição, o que nos leva a romper com a
ideia fragmentada de história, entre a vida comum dos indivíduos e os grandes
acontecimentos da sociedade, bem como unilateral, negando o fazer histórico
como uma simples sucessão de fatos ou de modos de vida predestinadamente
estabelecidos. Neste sentido, o desenvolvimento social da humanidade não se
apresenta, nem poderia, como inexorável. Na verdade, trata-se de entender que
a ação humana sobre a história permite exatamente a combinação e a abertura de
múltiplas possibilidades e determinantes sócio-históricos. Isto nos leva a entender
28

que a questão regional, tal como trabalhamos ao decorrer deste texto, não diz
respeito, em si, às diferenças naturalmente e geograficamente existentes entre
as regiões. O mesmo desenvolvimento que integra regiões, as tornam desiguais.
Segundo, a consideração permanente da dialética entre o universal e o
particular, o que faz com que tendências gerais capitalistas se reproduzam no
particular como uma “[...] iluminação universal em que atuam todas as cores, e às
quais modifica em sua particularidade [...] um éter especial, que determina o peso
específico de todas as coisas às quais põe em relevo” (MARX, 2008, p. 264). Em
outras palavras, “[...] no lugar da tradicional autossuficiência e do isolamento das
nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países.
E isso tanto na produção material quanto na intelectual”. Trata-se da condição de
existência e desenvolvimento do modo de produção capitalista: a universalização,
a expansão mundial do capital como tendência, o que torna possível a burguesia
criar um mundo “à sua imagem e semelhança” (MARX; ENGELS, [1848] 1998,
p. 11-12). Isto, porém, sob uma combinação dialética de desigualdades de ritmo e
intensidade entre nível das forças produtivas ou formas de reprodução do capital
e relações de produção presentes nos diferentes territórios e regiões. Assim:

A coexistência das duas regiões numa mesma economia tem consequências


práticas de grande importância. Assim, o fluxo de mão-de-obra da região
de mais baixa produtividade para a de mais alta, mesmo que não alcance
grandes proporções relativas, tenderá a pressionar sobre o nível de salário
desta última, impedindo que os mesmos acompanhem a elevação da pro-
dutividade. Essa baixa relativa do nível de salários traduz-se em melhora
relativa da rentabilidade média dos capitais invertidos. Em consequência,
os próprios capitais que se formam na região mais pobre tendem a emigrar
para a mais rica (FURTADO, [1959] 2003, p. 248-249).

A concentração de riquezas e sua apropriação privada representam a socia-


lização do trabalho e a concentração, também territorial, da pobreza em regiões
que vivem o fenômeno do pauperismo de forma mais latente, refletindo alte-
rações na composição interna da superpopulação relativa – sobretudo com o
adensamento de “segmentos inferiores do proletariado, e deste para o lumpem-
proletariado” – e nas formas de extração de mais-valia (GUIMARÃES, 2008).
Esse modelo permite a diferenciação produtiva e de produtividade através
da elevada exploração de trabalhadores com base na “[...] manutenção de bai-
xíssimos padrões do custo de reprodução da força de trabalho e, portanto, do
nível de vida da massa trabalhadora rural” (OLIVEIRA, 2013, p. 45).
Esse complexo arcaico-moderno, dialeticamente pautado pelo desenvol-
vimento tardio e dependente, reflete-se, por exemplo, na prosperidade expressa
entre os personagens do romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego
([1932] 2012, p. 233), diante da passagem do antigo engenho para a moderna
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 29

usina, onde “seiscentas toneladas de cana entravam nas suas esteiras e oito-
centos sacos de açúcar saíam de suas turbinas”, convivia com a realidade dos
flagelos da seca. Realidade esta que passava cada vez mais a ter um contorno
de fenômeno social tão bem retratado no romance O Quinze de Raquel de
Queiroz, em 1930. O imperativo desse complexo incide sobre a divisão regional
do trabalho, a configuração do Estado brasileiro e suas formas predominantes
de enfrentamento a questão social na sua dimensão regional no contexto do
capitalismo monopolista.
Assim, ao contrário da aparência, as regiões são e estão em movimento. Há,
pois, por aqui, na história regional e nacional, vários “nordestes”. Nas palavras de
Manuel Correia de Andrade (1984, p. 53), em meio ao desequilíbrio planejado, o
Nordeste “[...] é muito mais um amálgama de regiões do que uma região”. Nessa
perspectiva, se, por um lado, o Nordeste é reserva de acumulação primitiva do
sistema global, também é, por outro lado, “[...] espaço onde se imbricam dialeti-
camente uma forma especial de reprodução do capital, e, por consequência uma
forma especial da luta de classes [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 79).
Como podemos perceber, a questão regional, que é nacional, assim como
a questão social, é insuprimível nos marcos da hegemonia capitalista, pois
trata-se de uma economia que “[...] articula estruturas arcaicas e modernas, na
qual essas últimas apresentam intenso crescimento ‘desordenado’ e se impõem
às primeiras como centros hegemônicos da economia nacional” (FERNANDES,
[1968] 2008, p. 79).
Não à toa que desde o Golpe de 2016 os vetores e números têm tomado
outro contorno, especialmente para o Nordeste. Frente a isso, lembramos da
sinalização feita por Coutinho (2011, p. 141-142) sobre como a crise da socie-
dade brasileira tem no Nordeste “cores mais vivas e intensas” em relação as
demais regiões do país, condenando os que “lutavam por uma nova comunidade
à solidão e à incompreensão”. E, ainda, enfatiza: “De certo modo, na medida em
que aí as contradições eram mais ‘clássicas’ (no sentido de Marx), o Nordeste
era a região mais típica do Brasil; a sua crise expressava, em toda a sua crueza,
a crise do conjunto do país”.
O que nos resta, diante dos elementos apresentados até então, é seguirmos
a nossa saga em recompor os fios que ligam o passado ao presente, consti-
tuindo a dialética arcaico-moderno, entre permanências e mudanças. Isso
implicará tecermos, ainda, nessa colcha de retalhos, os fios que constituíram (e
constituem) as “novidades” do nosso tempo. E é exatamente este tempo, desde
o chão onde pisamos, que nos motiva a retomarmos a pergunta que intitula o
presente artigo: “Existirmos – a que será que se destina?”. E, assim, o ponto
final encontra-se com o da partida dando mais um passo nesse caminho, cuja
busca é a medida, tal como cantava Sérgio Ricardo.13

13 Referência à música Ponto de Partida do cantor e compositor brasileiro Sérgio Ricardo, composta em 1974.
30

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CAPÍTULO 2
A PARTICULARIDADE DE
PERNAMBUCO NO ESTADO
NOVO: transformações econômicas,
questão social e lutas de classes

Zélia de Oliveira Gominho

Segundo Aníbal Fernandes, mocambos são “células de descontentamento”14

Toda época é impregnada de anseios e receios, já dizia Eugen Weber


(1989, p. 10); e, na percepção de uma longa duração, a transição do século
XIX para o XX não foi diferente, foi de muitas tensões. Desde meados do
século XIX o capitalismo industrial vinha proporcionando riqueza, progresso,
mudanças socioculturais e políticas; primeiramente na Europa, depois na
América do Norte. O imperialismo neocolonial expandiu a exploração do
capitalismo para o continente africano, América Latina e o Oriente; fez deles
mercado de matérias-primas, de mão de obra barata e de consumidores.
Não há avanço sem custo. O liberalismo econômico justificou um pro-
cesso de acúmulo de capital, de culto ao progresso e defesa da propriedade
privada, de estímulo ao individualismo, à competitividade e à meritocracia
em prol de um desenvolvimento econômico que manteve a Grã-Bretanha por
muito tempo na supremacia dos mares e das relações de força; entretanto,
também fez o eixo do poder político-econômico se deslocar para os Esta-
dos Unidos, que se consolidaram como potência mundial. O progresso, no
entanto, acontece em detrimento das condições de vida e trabalho das massas
de camponeses, artesãos e proletários do mundo, que perdem referenciais de
costumes, são desprovidos de seus recursos naturais e tradicionais de sobre-
vivência, restando-lhes apenas a força de trabalho para oferecer, e devendo
se submeter a novas relações de produção e de convivência social.
A Primeira Grande Guerra (1914-1918) aconteceu motivada por questões
territoriais, demandas econômicas, disputas imperialistas, que, a pretexto de
nacionalismos, massacravam minorias étnicas consideradas entraves diante
de poderosos interesses.

14 Duarte (1939, p. 2).


34

O período pós Primeira Guerra foi um reerguer difícil para as nações


europeias, territórios das batalhas homem a homem, e dos bombardeios. Além
dos efeitos colaterais de um conflito de grandes proporções, ocorreram, no
decorrer da guerra, mudanças geopolíticas importantes que iriam afetar as
relações internacionais por muitas décadas: A Revolução Russa de 1917 fez
surgir, em 1922, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, ou
simplesmente União Soviética, um bloco comunista sob a égide ditatorial
russa, com sede em Moscou. O pavor de que revoluções proletárias pipocas-
sem pelo mundo já era sentido desde que os escravos do Haiti tomaram o
poder em 1804, inspirados nas bandeiras revolucionárias francesas. O ideário
anarquista e socialista já vinha há tempos formando a consciência de classe dos
proletários; e o Manifesto Comunista, panfleto elaborado por Marx e Engels
direcionado à luta sindical e política, contribuiu para a formação da classe
operária em oposição à burguesia, consequentemente de crítica e combate
aos males do capitalismo.
O Brasil viveu essa transição de maneira um pouco diversa; embora
também enfrentando conflitos político-sociais significativos. Em um pouco
mais de seis décadas declarou sua independência (1822) – o único Império
escravista das Américas –, aboliu, após 300 anos, o sistema escravista (1888)
e, logo em seguida, proclamou-se uma república (1889). Contudo, a “vocação
agrícola” ainda dominava a mentalidade da elite político-econômica brasileira;
o processo de industrialização levou tempo para se aprumar e acompanhar
o desenvolvimento tecnológico europeu e norte-americano. O Brasil esteve
limitado, por interesses conservadores locais e estrangeiros, a ser mercado
fornecedor de matéria-prima e consumidor de produtos importados. Além
da indústria de beneficiamento de café e de algodão, as poucas fábricas exis-
tentes eram, em sua maioria, de produtos alimentícios e têxteis, localizadas,
geralmente, nos centros dos espaços urbanos.
Entretanto, a imigração estrangeira, além de braços, capitais, e inves-
timentos, proporcionou também o intercâmbio de culturas, especialmente a
cultura político-sindical. Desde o final do século XIX que os operários bra-
sileiros já se manifestavam, reivindicavam e faziam greves.
O fim do sistema escravista favoreceu a ocupação de periferias, morros e
regiões ribeirinhas das cidades; lugares desprezados, ou ainda não valorizados
pela elite político-econômica, tornavam-se espaço de moradia para ex-es-
cravos, retirantes da seca e expulsos do campo pelo latifúndio monocultor;
gente trabalhadora que buscava nas capitais e cidades economicamente ativas
possibilidades de ter uma vida melhor.
Recife, a capital de Pernambuco, foi um desses centros que aco-
lheu migrantes, que vinham de diversos lugares do Nordeste atraídos pela
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 35

oportunidade de trabalho no porto, no comércio, nas fábricas têxteis loca-


lizadas no centro (bairro de São José), nos bairros da Torre e Macaxeira, e
nos municípios vizinhos de Paulista e Camaragibe; movimento percebido,
especialmente, nos períodos mais intensos de seca no Sertão. O início da
década de 1920 foi um dos períodos mais críticos; histórias que foram retra-
tadas pela literatura em obras como: O Quinze, de Raquel de Queiroz; Vidas
Secas, de Graciliano Ramos; e os relatos poéticos de João Cabral de Melo
Neto retratando o roteiro dos corumbas – os “flagelados da seca”– rumo à
capital pernambucana: O Cão Sem Plumas (1949-1950), O Rio ou Relação
da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife (1953) e
Morte e Vida Severina: Auto de Natal Pernambucano (1954-55).
A elite brasileira era encantada com a Belle Époque francesa, com a
arquitetura neoclássica, o urbanismo monumental de amplas avenidas, com
o toque de modernidade da arte em ferro, com as novidades tecnológicas das
telecomunicações, motores e transportes: o telégrafo, o telefone, o cinema-
tógrafo, os automóveis, as linhas férreas etc. Acalentava-se o desejo de se
reproduzir a arquitetura e o urbanismo europeu, especialmente, nas principais
capitais do Brasil: modernizar os espaços urbanos. Contudo, esse desejo de
modernidade, de superar o aspecto provinciano, colonial, das cidades, não
só em infraestrutura, mas nos serviços, lazer e hábitos sociais, geralmente,
não se expressava, com o mesmo entusiasmo, em oferecer alternativas de
moradia adequadas para a população mais humilde – não havia incentivos
fiscais e políticas públicas efetivas nessa demanda; a motivação se restringia
a interesses estéticos de europeização, em fazer da cidade um cartão de visitas
para investidores, como também uma atração turística. É certo que alguns
investidores particulares e algumas fábricas têxteis tomaram a iniciativa de
erguer vilas operárias próximas ao local de trabalho, todavia, essas iniciativas
apenas amenizavam a realidade de alguns, e, na verdade, buscavam se adequar
ao padrão moderno europeu de indústria, no sentido de alcançar condições
melhores de produtividade e de controle do operariado; a organização dos
trabalhadores pelo patrão extrapolava o espaço restrito do interior da fábrica e
interferia, muitas vezes, em sua vida cotidiana; a administração das empresas
se posicionava cientificamente, especialmente fundamentada no taylorismo
(1911) e no fordismo (1914).
O centro do Recife era um enovelado de becos e ruelas, com antigos
sobrados servindo de moradia para muitas famílias, que viviam, comumente,
em ambientes promíscuos e insalubres, de espaços restritos, os chamados
cortiços. Nas primeiras décadas do século XX, iniciou-se um processo de
demolição e alargamento das ruas e construção das avenidas do centro; par-
ticularmente, onde hoje é o bairro do Recife Antigo, e do outro lado do rio
36

Capibaribe, os bairros de Santo Antônio e de São José. A abertura e construção


das edificações da Avenida Guararapes, a ponte Duarte Coelho, e da Avenida
Conde da Boa Vista foram realizadas na década de 1940. Na verdade, por
muito tempo, o centro do Recife foi um campo de demolições; as construções
modernas foram de fato acontecer com o incentivo fiscal e a mobilização
política do prefeito Novais Filho (1937-1945) junto ao interventor Agamenon
Magalhães e ao próprio Getúlio Vargas, que deu o aval para a construção do
prédio dos Correios e dos Institutos de Aposentadorias e Pensões na atual Ave-
nida Guararapes – cujo nome seria 10 de novembro, mas houve um movimento
pós-ditadura, de vereadores e grupos sociais, que rechaçou essa homenagem
ao golpe do Estado Novo (GOMINHO, 2011, p. 239-246).
Na falta dos cortiços, a população pobre erguia mucambos à beira dos
rios Capibaribe, Beberibe e Jiquiá (bairro de Afogados), onde podiam aterrar e
erguer uma casa de taipa coberta de palha. Alguns sitiantes também construíam
ou deixavam construir mocambos em suas terras em troca do pagamento do
foro. Numa pasta de recortes de diversos jornais de 1938-1939, da Secretaria
do Governo, do acervo do Arquivo Público do Estado Jordão Emerenciano,
sem data nem identificação, intitulado O Inquérito sobre os mucambos do
Recife, encontramos a seguinte avaliação:

O fato é que não tendo havido em Pernambuco uma “política de habita-


ção”, porque isso não interessava ao Estado Liberal, formou-se aqui uma
“indústria do mucambo”, das mais rendosas. Basta dizer que o rendimento
anual do mucambo de aluguel é de 55,60% do seu valor. Um prédio de
alvenaria não dá 12%. Por isso é que no Recife há cerca de 20 mil prédios
a mais do duplo de mucambos.
Se o valor médio de um mucambo é de pouco mais de 400 mil réis, é claro
que mais vantajoso era construí-lo.

Enquanto isso na Europa, nos anos vinte, no pós-Grande Guerra, desen-


volviam-se intensos debates sobre urbanismo, profilaxia e higiene social. Uma
dessas reuniões aconteceu em Genebra, em 1924, pela Repartição Interna-
cional do Trabalho sobre o problema da habitação proletária; e como resul-
tado dessa reunião recomendava-se a multiplicação de moradias econômicas,
salubres e confortáveis aos operários,

[...] lembrava que era útil, tanto aos trabalhadores como à coletividade,
assegurar o desenvolvimento harmonioso da família dos operários, e que
o melhor meio de preservá-los contra os perigos, seria facultar-lhes um
lar conveniente (MELO, 1940, p. 33).

Os “perigos” a que se referiam os urbanistas, cientistas sociais e da


saúde eram as ideologias anarquistas, comunistas, socialistas que, no entender
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 37

desses intelectuais, se alimentavam do descontentamento do povo diante das


precárias condições de existência.
Médicos, engenheiros e educadores há muito tempo vinham discutindo
e traçavam planos de estabelecer uma sociedade mais sã, em que a cidade,
o centro urbano, fosse a expressão física e simbólica de uma modernidade.15
Com o progresso industrial e a migração crescente dos expulsos do campo
para a cidade, o meio urbano era percebido como um ambiente desordenado,
promíscuo, foco de doenças e de revoluções, um caos em oposição à vida
idílica do campo.
Nas primeiras duas décadas do século XX o Brasil percebeu-se em situa-
ção semelhante à Europa; e, também, promoveu alguns congressos e encontros
científicos em que ocorreram discussões sobre diversos assuntos relacionados
à saúde, à moradia, à infância e à educação do povo brasileiro. Em alguns
lugares até começaram a erguer vilas para atender à demanda dos operários,
assim como se adequar às expectativas de um ideal de modernidade – no
Recife, no bairro de Afogados, temos, por exemplo, a Vila Paz e Trabalho,
erguida quando o médico sanitarista Amaury de Medeiros esteve à frente do
Departamento de Saúde e Assistência de Pernambuco (1922-1926), um dos
primeiros a enfrentar a problemática dos mocambos da cidade com a criação
da Fundação Casa Operária. A Fundação também ergueu vilas operárias na
Estrada do Arraial e no bairro da Torre, onde existia um cotonifício.
Contudo, foi nos anos trinta que políticas públicas mais efetivas come-
çaram a ser providenciadas acompanhadas de fiscalização e criação de órgãos
administrativos que tratavam dos conflitos entre capital e trabalho, patrões e
empregados: As Juntas de Conciliação e Julgamento (1932-1999), a Justiça do
Trabalho (Constituição Federal de 1934 e 1946), e os Conselhos Regionais do
Trabalho (1939).16 Medidas que tanto atendiam aos anseios dos trabalhadores,
quanto às expectativas de controle social e produtividade dos industriais. O
Estado brasileiro pós-1930 paulatinamente assumia a responsabilidade de
cuidar, proteger e oferecer possibilidades de vida, estudo, trabalho e lazer para
a família trabalhadora brasileira; no entanto, os limites entre o público e o
privado podiam ser ignorados a pretexto do que poderia ser ou não nocivo para
a sociedade, ou determinada comunidade, ou grupo social. Por fim, seguindo
o projeto político-social de sanear e salvar o Brasil, as liberdades civis foram
sacrificadas em novembro de 1937 a título de proteger os brasileiros de si

15 Para conhecer a experiência da Escola Nova, conferir Monarcha (1989).


16 As Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) eram órgãos administrativos formados por juízes classistas
representantes dos empregados e dos empresários e por um Juiz Presidente indicado pelo governo, em
1999 foram retiradas do ordenamento jurídico e transformadas em Varas do Trabalho. A Justiça do Trabalho
e os Conselhos Regionais do Trabalho se mantiveram na esfera administrativa, submetidos ao executivo,
até a Constituição Federal de 1946, quando passaram a integrar o Poder Judiciário.
38

mesmos – a teoria da incompetência política, do não poder “ainda” viver


numa democracia –, visto a alegada ameaça de comunistas (e dos integralistas
também) assaltarem o poder.
Foi uma época em choque com os efeitos da quebra da Bolsa de Nova
York, em 1929; o liberalismo era criticado, o protecionismo e intervencio-
nismo de Estado eram acionados num movimento de autopreservação do
capitalismo e, junto com as prevenções econômicas, movimentos conserva-
dores e totalitários de extrema-direita ganharam terreno, correspondendo a
uma ânsia de progresso material e de controle, perante a sensação de caos
socioeconômico que assolava a maioria dos países, especialmente aqueles
ressentidos com a derrota e perdas na Primeira Guerra Mundial: o nazifas-
cismo ameaçava o mundo.
No Brasil, os efeitos da crise de 1929 ainda carecem de estudos mais
específicos, mas a economia agroexportadora brasileira sofreu seus abalos e
isso repercutiu no equilíbrio do poder político entre cafeicultores e pecuaristas.
Particularmente no Nordeste, a agroexportação do açúcar e do algodão foi
atingida, primeiro, com a perda de espaço no mercado internacional, depois
voltou-se para o mercado interno, mas enfrentando a concorrência da produção
de São Paulo, além do desinteresse do Estado com a economia nordestina.
A política dos Governadores, assim, já não atendia mais às expectativas dos
coronéis; e novos segmentos sociais, especialmente ligados ao funcionalismo
do Estado: militares, burocratas e intelectuais, muitos deles filhos de aristo-
cracia falida, começaram a se manifestar por uma nova ordem, por mudanças,
pelo novo. E daí – não vamos entrar nos detalhes históricos – aconteceram
o Movimento Tenentista (1922 e 1924), a Coluna Prestes (1925-1927) e o
Movimento político-militar de 1930. Nessa tomada de poder de 24 de outubro
de 1930 houve a participação popular, as camadas populares acreditaram na
possibilidade de mudança; a trajetória da Coluna Prestes pelo interior do Brasil
colaborou para uma receptividade para possíveis alterações no governo e na
vida das pessoas, estimulou esperanças – Luís Carlos Prestes foi chamado de
Cavaleiro da Esperança –, de certa maneira criou condições que incentivaram
o engajamento popular. O centro do Recife seria palco de conflitos, casas de
pessoas ligadas ao governo foram incendiadas, políticos importantes seguiram
para o exílio. O Sr. José Valdomiro da Silva era criança quando estourou a
“Revolução de Trinta” e assim se recorda da situação no Recife:

O que se falava naquela época era em política, era a revolução, era a morte
de João Pessoa, que só depois de uns tempos pra cá é que a gente veio
saber por que foi, que não era aquilo que contavam [...]
Na Encruzilhada então o gazeteiro do trem perguntou, disse: “Menino, o
que é que você... De onde você veio?” Eu disse: “De Limoeiro”. Ele disse:
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 39

“Olhe, tá uma briga danada aí, tá ouvindo umas balas?” Eu disse: “Tô”,
“Mas, vamos ver se o trem chega até o Brum, estação do Brum”. “É pra
lá que eu vou, que minha mãe deve estar esperando”. Ele disse: “Tá não;
ela não pode estar esperando com essa revolução toda [...] (MONTENE-
GRO, 1989, p. 58-59).

Em 1930 Vargas criaria o IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool – que


daria uma certa segurança aos usineiros nordestinos diante da concorrência,
mas que não favoreceu um incremento, e, consequente, crescimento da indus-
trialização do setor açucareiro; e o endividamento dos usineiros na praça do
Recife era grande. Por outro lado, a mudança do engenho banguê para usina,
a mecanização e, em decorrência, a proletarização da mão de obra rural surtiu
um impacto ambiental e social na zona da mata que repercutiram nas condi-
ções de vida e trabalho no Recife.17
Com o sucesso do Movimento de 1930, o primeiro interventor de Per-
nambuco foi o usineiro Carlos de Lima Cavalcanti; mas, além de discordar dos
rumos que a revolução tomava, teve seu prestígio junto ao presidente Vargas
minado pela personalidade de Agamenon Magalhães, sempre se colocando
como o intermediário entre Pernambuco e o governo central. E como Lima
Cavalcanti não concordou com o Golpe de 1937, foi afastado do poder e
Agamenon assumiu como o novo interventor.
Não é à toa que 1930 é considerado um marco histórico na História do
Brasil; como resultado do engajamento de diversos interesses socioeconômicos
e políticos nas mudanças anunciadas pela dita “Revolução”: experimentou-se
um breve período de vivência democrática, de 1930 a 1937. Experiência que
demonstrou a pluralidade de perspectivas sobre como fazer o Brasil progredir;
os candidatos considerados socialistas/ comunistas foram muito bem votados
nos pleitos municipais em 1934; mas, devido a essa mesma pluralidade e a
ausência de um desejado consenso, Getúlio Vargas opta por centralizar o
poder, fechar o Congresso Nacional, proibir partidarismos, enfim, implantar a
ditadura do Estado Novo (1937-1945), até que supostamente o povo estivesse
preparado para um regime democrático.
Entretanto, uma das primeiras providências do governo “revolucioná-
rio” de 1930 foi criar os ministérios da Educação e Saúde e o do Trabalho.
Já demonstrando a importância conferida a essas duas pastas para o sucesso
do novo regime. Percebe-se na associação Educação e Saúde a preocupação
flagrante da época entre higiene do corpo e do espírito; um plano de restabele-
cimento físico e moral do trabalhador brasileiro, no sentido de uma restauração
nacional. Dizia Agamenon Magalhães, em 1938:

17 Sobre a economia pernambucana nesse período vide: Singer (1974, p. 271-345), Perruci (1978, p. 117-139)
e Andrade (1986, p. 91-111).
40

[...] o Brasil não é o divórcio, nem as mulheres de pernas cruzadas,


fumando nos cassinos. O Brasil não é o paganismo das praias. O Brasil é
a família, o amor paterno, os filhos crescendo nos braços das mães, emba-
lados nos cânticos da religião e da pátria (MAGALHÃES, 1985, p. 175).

O conservadorismo dava o tom da cultura brasileira que devia preva-


lecer, ou, pelo menos, manter nas aparências da sociedade. O ideal burguês
de família legalmente constituída, num lar mantido pelo homem, e em que a
mulher vive para o lar e para os filhos, deveria ser também o ideal acalentado
pelos proletários; e para realizar esse ideal o Estado se colocava à disposição
para regularizar as uniões e lhe oferecer subsídios. Dizia o artigo 124º da
Constituição Federal de 1937:

A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sobre a proteção


especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações
na proporção de seus encargos (BRASIL, 1937).

Em 1941 esse artigo seria regulamentado; além de simplificar o regis-


tro do casamento religioso, disponibilizava empréstimos a noivos, abono
familiar e determinava sobre a instituição dos bens de família (MAGA-
LHÃES, 1985, 177). Tudo para facilitar a constituição legal de famílias.
Estudos e reportagens jornalísticas dos anos vinte e trinta revelavam que
os trabalhadores urbanos viviam em condições habitacionais prejudiciais a
sua saúde e a sua índole. As causas da imoralidade, desordem e revolta social
eram localizadas na habitação insalubre e promíscua. Assim, em São Paulo,
em 1931, no 1º Congresso Brasileiro de Habitação, engenheiros, arquitetos e
sociólogos responsabilizaram a casa

[...] pela produção de comportamentos desviantes, como a prostituição e o


crime, que revelam a baixa moralidade das populações pobres. Por isso, a
questão da habitação popular constitui um entrave ao progresso econômico
da nação, que necessita de trabalhadores fortes e sadios (RAGO, 1987,
p. 193).

Em 1936 a Igreja Católica endossa essa percepção com a realização da I


Semana de Ação Social no Rio de Janeiro. Um inquérito sobre as condições
de vida e de trabalho das camadas populares, no sentido de buscar soluções,
foi apresentado, e, como resultado das discussões, foram criados a Associação
Lar Proletário e o Instituto de Educação Familiar e Social.
Na II Semana de Ação Social, em 1937, foi criada a Confederação Nacio-
nal dos Círculos Operários Católicos. Já o terceiro evento aconteceu, em 1939,
no Recife, na Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, com
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 41

a participação de Agamenon Magalhães, e do então Ministro do Trabalho,


Lindolfo Collor.
Inglaterra, Alemanha, Viena (Áustria) e França, que investiram em habi-
tação popular, serviam como modelos inspiradores. A sociologia da época
acreditava que o meio determinava o indivíduo, sendo assim Estado e Igreja
uniram suas forças para defender a família e o lar proletário dos “elementos
de dissolução”: “egoísmo depravado, falso individualismo, divórcio, imora-
lidade, irreligião” (MARSAUD, 1937, p. 142). Acreditava-se que era preciso
oferecer ambientes sadios, moradias higiênicas, com especial atenção à for-
mação das crianças.
Era preciso valorizar o sentido de “proprietário” para os proletários;
torná-los “pequenos burgueses”:

Esse desejo de viver esse espírito burguês, esse elan de propriedade, o sen-
tido de uma vida sempre em ascensão, o gosto da casa, o sentimento cada
vez mais vivo do direito de propriedade, são as forças morais que estão
renovando a nossa paisagem social e humana (MAGALHÃES, 1985, 228).

A Igreja Católica, por seu lado, colaborava com o projeto de afastar


os trabalhadores das más influências buscando argumentos nas orientações
contidas nas encíclicas papais: Rerum Novarum, Divino Redemptoris e Qua-
dragéssimo Anno, entre outras. Dizia Milton de Pontes: “A era do mocambo
vai terminar e as casas populares darão ao operário uma nova alegria de viver”
(FOLHA DA MANHÃ, 22 jul. 1939).
O movimento da Ação Social Católica, contudo, não concordava com a
posição do Estado de substituir a autoridade paterna; desse modo, criticavam,
particularmente, os países comunistas. Entretanto, identificavam na “insufi-
ciência salarial”, no “salário desproporcional à família”, na “insuficiência de
trabalho” e na “insuficiência de acomodação” as causas que interferiam na
constituição do “lar ideal” (MAGALHÃES, 1985, p. 147-148). O Estado, por-
tanto, deveria favorecer a empregabilidade, a implementação de salários dig-
nos e fomentar condições de moradia e subsistência para todos trabalhadores.
Agamenon Magalhães, ao assumir a interventoria de Pernambuco,
em 1937, prometeu realizar “a emoção do Estado Novo”.18 Foi um fiel repre-
sentante do regime e reproduziu aqui a política varguista. Uma das propostas
do governo era oferecer habitação de qualidade para a grande massa de traba-
lhadores. Nesse intuito, Agamenon solicitou uma pesquisa sobre as condições
habitacionais da capital pernambucana, e, em 1939, a Comissão Censitária
dos Mocambos do Recife constatava a existência de 45.581 mocambos abri-
gando 164.837 pessoas numa população de 500 mil habitantes. Dos 39.953
18 Folha da Manhã, 5 dez. 1937, p. 1.
42

chefes de família recenseados, cuja média de salário, mais outras rendas, era
de 154$000, a maioria, 7.778 pessoas, exerciam atividades domésticas, ou
seja: faxina, lavar, engomar, cozinhar, costurar etc. Na atividade doméstica é
flagrante o predomínio do gênero feminino.
Da mulher, nessa época, se esperava que ela zelasse pela educação das
crianças e pela harmonia familiar.19 O censo dos mocambos revelava a exis-
tência de 12.759 mulheres a mais do que homens moradores de mocambos
no Recife.20 E visando atender às necessidades específicas dessas mulheres,
a Liga Social Contra o Mocambo empreendeu a construção das vilas com
equipamentos de uso coletivo de acordo com a atividade profissional que
realizavam; assim, foram erguidas as vilas: das Lavadeiras, das Costureiras e
das Cozinheiras – as duas primeiras com financiamento do Governo do Estado
e a última custeada pelos Plantadores de Cana de Pernambuco.
A Liga Social Contra o Mocambo foi uma sociedade civil fundada, pelo
próprio Agamenon Magalhães, em 12 de julho de 1939. Ela congregava diver-
sos segmentos socioeconômicos e do governo estadual e municipal, além de
universitários, imprensa, classe artística e os próprios proletários, que forma-
vam comissões num verdadeiro mutirão para, segundo o artigo primeiro do
seu estatuto: “[...] promover a extinção desse tipo de moradia e a incentivar
a construção de casas populares, dotadas de condições higiênicas e de fácil
aquisição” (FOLHA DA MANHÃ, 21 jul. 1939).
O empresariado local era anualmente cobrado pelo próprio Agamenon
para contribuir monetariamente com a campanha. Os demais agiam na pro-
paganda, fazendo meetings (comícios), ajudando a captar recursos e terrenos;
conscientizando, ou melhor, convencendo a população da necessidade de
livrar o centro da cidade dos mocambos e de irem morar em bairros distantes
do centro. A maioria das vilas foram construídas com recursos das caixas de
aposentadorias e pensões de cada categoria profissional. Na verdade, a defasa-
gem habitacional não se limitava aos pobres, mas também era uma realidade
da classe média. Já as vilas de autônomos, ou seja, de categorias diversas
sem sindicato, eram bancadas com os recursos arrecadados pela Liga para
esse fim. O Estado proibiu a construção e reforma de mocambos, e oferecia
isenção de impostos e incentivos fiscais para o empresariado da construção
civil no sentido de estimular o retorno de investimentos para Pernambuco
no ramo das habitações populares; porque era costume desviar capitais do
estado para investir em regiões consideradas mais nobres do país, como Rio
de Janeiro e São Paulo. Mais tarde, a Liga Social Contra o Mucambo foi
19 “É pela mãe particularmente que se operará tal educação, pela mãe, verdadeiro multiplicador que agirá
sobre o meio familiar e as gerações de amanhã” (MARSAUD, 1937, p. 150).
20 Eram 45.838 homens e 58.597 mulheres maiores de 15 anos; 30.398 homens e 30.004 mulheres menores
de 15 anos (MELO, 1939, p. 25).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 43

transformado na autarquia Serviço Social Contra o Mocambo, e sobreviveu


até a década de 1980.
A derrubada de mocambos nem sempre foi livre de conflitos. Houve
excessos; por vezes, na emoção de um comício, partiam para derrubar algum
mocambo na ausência do morador; situações que iam parar na delegacia.
Assim como muita gente não teve acesso ao benefício de uma casa. Muitos
receberam a passagem de volta para o interior, ou começaram a ocupar os
morros de Casa Amarela. Pela iniciativa, Recife tornou-se atrativo para mui-
tos migrantes em busca de um lar; mas, no interior do estado também houve
construção de vilas para trabalhadores de usinas.
E para morar nas vilas erguidas pela Liga Social Contra o Mocambo era
preciso atender alguns critérios, a mulher deveria:

a) ser lavadeira/ costureira/ cozinheira profissional;


b) morar em mocambo;
c) possuir família numerosa;
d) esclarecer a situação civil;
e) possuir verificação médica da família.21

Todavia, na atividade “doméstica” estavam, muitas vezes, incluídas as mere-


trizes, que enfrentavam discriminações e repressões. Como já foi observado ante-
riormente, o Recife sofria intervenções urbanas há muito tempo, e nesse processo
de remodelar a cidade, as meretrizes vinham se deslocando a ponto de provocar
reclamações de moradores de ruas tradicionalmente familiares, como o bairro
de São José (REVISTA Mauricéa, 1938, s/p). Considerando a predisposição do
Estado e da Igreja em regularizar a condição civil dos chefes de família morado-
res de mocambos, é possível que meretrizes tenham conseguido se adequar aos
critérios exigidos para obter uma casa nas vilas recém construídas, assim como
podem ter sido orientadas pela “Educadora Familiar”, que recomendava:

[...] à mãe de família a restabelecer o orçamento familiar, recuperar-lhe-á


coragem e confiança em si mesma, torna-la-á dona de casa à altura de
sua missão, mãe de família ciosa das responsabilidades que lhe cabem
(MARSAUD, 1937, p. 150).

A figura da “Educadora Familiar”, ou as “visitadoras de higiene” de


Amaury de Medeiros, surgiram na década de vinte, de branco com chapéus
de abas largas presos com laços de cetim preto, na intenção de ajudar as

21 As condições d e e começaram a ser exigidas com a Vila das Costureiras. Nessa ocasião, duas famílias,
num total de 35, foram afastadas por estarem tuberculosas. Quanto ao regime civil, foi observado que das
153 cozinheiras apenas 15 eram casadas no civil e no religioso, 19 no civil, 17 no religioso, 42 viúvas e o
restante abandonadas vivendo ou não com amante (RELATÓRIO da Liga, 1941, p. 09-10).
44

famílias nos cuidados com as crianças (OLIVEIRA, 1975, p. 46-49), porque


o índice de mortalidade infantil, nas décadas de 1930 e 1940, era muito alto;
a maioria morria de gastroenterite, devido à má qualidade do leite de vaca, e
de desnutrição. As mães não faziam pré-natal. Tifo, febre amarela e tubercu-
lose eram doenças muito comuns na época. O médico, sociólogo e geógrafo
Josué de Castro relatava bem as condições de vida de operários e das camadas
populares em crônicas que publicou em jornais e ensaios entre 1932 e 1937,
período que trabalhou como médico em fábricas do Recife (CASTRO, 1965).
Em 1936, durante a I Semana de Ação Social [católica], a Dona Darcy
Vargas, como presidente da Legião Brasileira de Assistência, LBA, criou
o Instituto de Educação Familiar e Social, que formava assistentes sociais
técnicas, profissionais que passaram a colaborar no processo de reeducação e
cuidados da saúde das camadas populares. Em 1938 o Estado Novo instituiu
o Serviço Social como modalidade de serviço público; assim, ao trabalho da
“Educadora Familiar” e da “Visitadora de Higiene” acrescenta-se a figura da
Assistente Social22, que, num trabalho conjunto com religiosos e leigos, ofe-
reciam apoio e orientações às mães para que permanecessem no lar cuidando
dos futuros cidadãos do Brasil; o curioso é que eram mulheres que trabalhavam
fora que, contraditoriamente, estimulavam o inverso.
O trabalho dessas profissionais e desses grupos de apoio, que se faziam
presentes nos Centros Educativos Operários e nos Círculos Operários Cató-
licos, era importante para promover e manter a salubridade das novas vilas
erguidas pela campanha contra os mocambos, e no sentido de se evitar: a
proliferação de doenças infectocontagiosas, o aumento do número de mulhe-
res chefes de família, e consequentemente, de menores abandonados, pois se
acreditava que a causa do abandono estava no regime de mancebia. Garan-
tia-se, assim, “[...] a casa própria à família legalmente constituída” (MEDEI-
ROS, 1995, p. 57-58).
A casa devia representar um ambiente seguro e tranquilo para o tra-
balhador, deveria lhe sugerir permanência em troca de frequentar lugares
viciosos como bares e botequins. As moradias deveriam ter espaço livre para
um jardim, e quem sabe uma horta para cultivar, e para a construção de um
anexo, uma ampliação da habitação. A venda era à prestação, valores módicos
suportáveis para o trabalhador, de doze a quinze cruzeiros, incluindo água e
luz; e com isenção de impostos por quinze anos.
Além de oferecer a tão sonhada casa própria para o trabalhador bra-
sileiro, o governo se propunha a melhorar suas condições de saúde, de

22 Em 1938, pelo Decreto-lei nº 525, foi “[...] instituída a organização social do Serviço Social enquanto
modalidade de serviço público, através do Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao ministério da
Educação e Saúde.” e “Pelo Decreto-lei n. 4830 de 15. 10. 1942, a LBA [Legião Brasileira de Assistência]
é reconhecida como órgão de colaboração com o Estado no tocante aos serviços de assistência social”
(MEDEIROS, 1995. p. 57-58).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 45

educação, formação profissional e de lazer. Nesse sentido, os Centros Edu-


cativos Operários, localizados nas vilas e mais tarde denominados Centros
Sociais Urbanos (CSU), e os Círculos Operários Católicos, proporciona-
vam atendimento médico-dentário, cursos profissionalizantes e de arte, e
atividades de lazer dito saudável, como: apresentações de teatro, música,
jogos e projeção de filmes. A peça Mocambo, Comédia Social em 3 Atos, de
Valdemar de Oliveira e Filgueira Filho, encenada pelo grupo Gente Nossa,
por exemplo, foi exibida nos Centros Educativos para operários e no Tea-
tro Santa Isabel para o empresariado local, tanto serviu para conscientizar
da importância da campanha contra os mocambos e edificação de vilas
populares, quanto para melhorar as relações capital-trabalho, no sentido de
respeito e aplicação das leis trabalhistas.
A preocupação com a eugenia do povo brasileiro, ou melhor, com o seu
estado nutricional, no sentido de melhorar as condições físicas dos trabalhadores
para alcançar uma melhor produtividade, fez o governo exigir, em 1939, que nas
fábricas com mais de quinhentos funcionários fosse construído um refeitório.
E, em 1940, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, a pedido
do Ministério do Trabalho, ofereceu um plano de ação para melhorar os hábitos
alimentares dos trabalhadores: o Serviço de Alimentação da Previdência Social,
SAPS (1940-967); cujo primeiro diretor foi Josué de Castro, devido aos seus
estudos sobre a relação entre doenças, mortalidade e a fome. O SAPS instalou
restaurantes e forneceu alimentos a empresas, contudo, apesar de Josué de
Castro ser pernambucano, esse serviço demorou a acontecer no Recife, algo
que ficou mais restrito ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo.23 Mas, nesse mesmo
período, a sociedade recifense se mobilizou para ajudar a construir o Refeitório
das Moças Empregadas no Comércio, que possuía até estatuto.
Mantinha-se uma relação entre habitar bem e educar; estimular a ativi-
dade produtiva, combater o ócio, “até pela violência se for preciso”.24 Porque,
para Agamenon Magalhães:

Todo cidadão tem o dever de trabalhar. Todo homem deve ser econômico
e espiritualmente útil. Quem não quiser trabalhar deve ser reeducado pelo
Estado nos estabelecimentos correcionais (MAGALHÃES, 1940).

E, nesse sentido, além do apoio de entidades civis e religiosas, para


promover a reeducação do operariado brasileiro existia um departamento

23 Na época que abordei o SAPS em minha dissertação (GOMINHO, 1998), e até mesmo brevemente na tese
(GOMINHO, 2011), não havia trabalhos sobre esse órgão. Agora, já é possível encontrar alguns artigos e
anais da Associação Nacional de História (ANPUH), e até o livro de Evangelista (2014).
24 Em Orientação para as Administrações Municipais (Boletim, 1940), Agamenon esboça a intenção de criar
colônias ao redor das cidades (de granja, horticultura, criação), que serviriam como áreas de abastecimento
e ocupariam os “malandros, preguiçosos, inúteis” que perambulavam pelas ruas “sem nada fazer”.
46

policial chamado Ação de Vigilância contra a Falsa Mendicância e Vagabun-


dagem, cujo chefe em 1943 era o Sr. Jorge Guedes. No dia primeiro de julho
deste mesmo ano de 1943, por exemplo, o jornal Folha da Manhã noticiava a
apreensão, numa ação de repressão à mendicância, pelo delegado José Fran-
cisco, de diversos indivíduos que fingiam invalidez pelo centro da cidade. E
além do DOPS, Delegacia de Ordem Política e Social (1924-1983), do DIP,
Departamento de Imprensa e Propaganda, e do DEIP, Departamento do Estado
de Imprensa e Propaganda, que exerciam a censura, o controle e a repressão
de indivíduos e grupos associados, existia também a Diretoria de Reeducação
e Assistência Social, criada por Milton de Pontes, que deveria “orientar, coor-
denar ou instituir serviços sociais para a população do município do Recife”,
no sentido de “intensificar o desenvolvimento moral, social e econômico da
cidade, assegurando-lhes um padrão de vida de nível mais elevado” (FOLHA
DA MANHÃ, 15 dez. 1937, p. 1); o Estado empreendia, assim, por meio dos
Centros Educativos Operários, a reeducação anticomunista.
Num contexto de guerra, o apelo patriótico se intensificava, e, se por um
lado o período da ditadura Vargas foi um período difícil para exercer a liber-
dade, por outro foi também de muita criatividade. A cultura, as artes, embora
sob severa censura, e sendo muitas vezes obrigada a tratar de determinados
temas, foi muito produtiva e marcou época. Em junho de 1938, ainda no início
da ditadura, Agamenon Magalhães, assim definia o Estado Novo:

É uma democracia autoritária corporativa. O indivíduo atua no Estado


Brasileiro, colaborando com o governo, como cidadão, na Câmara Política,
e como produtor, no Conselho de Economia Nacional. O governo central é
forte, dentro da Federação, perdendo os estados em autonomia os poderes
e franquias, que forem necessários para fortalecer a nação (FOLHA DA
MANHÃ, 1º jun. 1938).

Parece estranho e contraditório uma ditadura se compreender como uma


democracia; se entendemos democracia como o “o governo do povo”, ou o
“poder da maioria”. Contudo, observamos na Era Vargas uma representação
popular no governo sem precedentes no Brasil. O voto censitário, o voto de
cabresto e a repressão policial haviam mantido as camadas populares alija-
das da participação política desde a Primeira República. Em São Paulo, nas
décadas 1920 e 1930 aconteceram movimentos de resistência e de luta dos
operários buscando se inserir nos embates do espaço político institucional;
e no Recife a chapa Trabalhador Ocupa o Teu Posto concorreu e venceu ao
pleito municipal de 1934 pela legenda União Operária e Camponesa do Par-
tido Comunista do Brasil. Mas, o movimento de 1935, que a história oficial
alcunhou de Intentona Comunista, justificou a não diplomação dos vereadores
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 47

eleitos. Então, tudo mudou; e a liberdade foi substituída pela tutela, devido
à dificuldade do novo governo em lidar com o dissenso, com os partidaris-
mos. O fascismo estava presente no governo e o endurecimento do regime
correspondia a essas influências. O Brasil mantinha, na época, boas relações
comerciais com a Alemanha, e culturalmente se percebia uma admiração
flagrante nos jornais e na literatura; no entanto, a guerra e os Estados Unidos
exigiram uma definição de Vargas, contudo, a neutralidade foi protelada ao
máximo; todavia, sob pressão interna e externa, o Brasil iniciou sua partici-
pação na guerra em 1942.
A guerra também serviu para fortalecer os ideais de patriotismo e fomen-
tar as atividades econômicas a título de “esforço de guerra”, assim como a
presença norte-americana em território brasileiro favoreceu novos hábitos e
interesses, particularmente no Recife e em Natal, onde foram instaladas as
bases militares dos aliados.
A Era Vargas, por sua vez, inaugurou uma relação diferenciada com as
camadas populares. Ocorreu uma inclusão controlada de setores organizados
no governo, os sindicatos estavam submetidos ao Estado, mas os veículos de
comunicação (jornais, rádio e noticiário nos cinemas) e os eventos públicos se
dirigiam direta e, especialmente, para o povo, que era identificado de maneira
valorativa como os “Trabalhadores do Brasil”. Essa atenção do Estado com
as camadas populares visava disciplinar os rumos da revolução; manifestar
empatia foi estratégia que muitos cientistas sociais avaliariam como uma
prática populista, todavia, atendia às expectativas imediatas dos proletários
do Brasil. Quando da redemocratização em 1945, o povo sentiu receio de
perder os direitos que havia conquistado, temia o retorno dos velhos políticos
de outrora, que agora se anunciavam como democráticos. O povo brasileiro
teve que reconquistar, ou melhor, construir sua autonomia política. Vargas
e Agamenon marcaram a história do Brasil e de Pernambuco, e, apesar das
prisões e truculências contra os adversários, e do fato que as casas construídas
foram insuficientes para a demanda, em 1950 voltaram ao poder pelo voto.
48

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Letras, 1989.
CAPÍTULO 3
CAPITALISMO, ESTADO E POLÍTICA
SOCIAL NO BRASIL DOS ANOS 1950

Adilson Aquino Silveira Júnior

1. Introdução

Esse texto aborda as tendências da formação do capitalismo no Brasil


dos anos 1950, em suas relações com as mudanças da dominação imperialista.
Pretende identificar os reflexos de tais tendências no plano da intervenção
estatal e da política social na década. Assumindo a perspectiva de totalidade
da concepção teórico-metodológica marxiana, o estudo recorre a fontes biblio-
gráficas para apreender o quadro da particularidade em questão. O período
abordado é entendido como um intervalo de transição na estrutura econômica
capitalista no país, que passa, progressivamente, a adensar a intervenção estatal
voltada para subsidiar a acumulação de capital. Essa transição, que caminha
para a dominação da realidade dos monopólios, é condicionada pelo avanço
da dominação externa, centrada na ascensão do poder norte-americano no
sistema imperialista, e pelo acirramento das lutas de classes no plano interna-
cional e nacional. Em termos da política social no Brasil, a principal tendência
manifesta-se nas mudanças estritamente setoriais e isoladas, observadas entre
o final da Segunda Guerra e a entrada do ciclo ditatorial de 1964.
Buscamos apreender as determinações do desenvolvimento capitalista, do
Estado e da política social no Brasil dos anos 1950, segundo quatro níveis de
abstração: o estágio de transição na estrutura econômica capitalista que preside
esse período; as modalidades de intervenção estatal em correspondência com as
modificações na estrutura das classes sociais; a dinâmica das relações internacio-
nais que afetam as características da dominação externa e das lutas de classes;
e as tendências das políticas sociais erigidas sob esses condicionamentos.

2. Época de transição na estrutura econômica capitalista

A década de 1950 abriga a fronteira entre duas fases da evolução interna


do capitalismo no Brasil. Nela, a época de expansão e formação do capitalismo
52

competitivo cedia lugar ao momento de irrupção do capitalismo monopolista.


Em fins dessa década, acentua-se a reorganização do mercado e do sistema de
produção, através das operações comerciais, financeiras e industriais da grande
corporação (FERNANDES, 1976). Reorganização que adquire um caráter
estrutural do decorrer do ciclo ditatorial aberto em 1964, consolidando, entre
nós, a época do “imperialismo total”25 (FERNANDES, 1975, p. 18). Em fins
dos anos 1950, essa irrupção da fase dos monopólios se coloca na sequência
das transformações sociais e políticas já desdobradas pela consolidação da
economia urbano-comercial e a importante transição industrial do período
que então se encerrava. Ocorre um surto industrial de grande peso, pois afeta
a produção de bens de produção, num cenário em que se desencadeia uma
forma de intervencionismo econômico estatal caracterizado pela saturação de
certas funções de sustentação ou de reforço do desenvolvimento capitalista,
mediante empresas públicas (ou semipúblicas); um período do qual, em seu
início, a Petrobrás (1953) e a Companhia Siderúrgica Nacional (1946) são as
duas realizações de maior vulto e significação (FERNANDES, 1976).
Do ponto de vista da afirmação do estágio monopolista na realidade capi-
talista no Brasil, os anos 1950 abrigam – diz Fernandes (1976) – uma segunda
tendência dessa irrupção, quando a emergência e irradiação dessa realidade
concorrem a partir de dentro. Antes, o relacionamento da economia brasi-
leira com a expansão monopolista ocorria com uma exploração segmentada
das grandes corporações, com suas influências se diluindo num capitalismo
competitivo em expansão e diferenciação, e só excepcionalmente logrando
um controle econômico como monopólio real. Na fase aberta pela segunda
tendência, a partir da década de 1950, “[...] a economia brasileira já não
concorre, apenas, para intensificar o crescimento do capitalismo monopolista
no exterior: ela se incorpora a esse crescimento, aparecendo daí em diante,
como um de seus polos dinâmicos na periferia” (FERNANDES, 1976, p. 299).
Não obstante, diz Fernandes (1976), esses ainda são anos em que as grandes
corporações apenas contam com o espaço econômico que elas próprias conse-
guiam abrir, numa economia dependente, mas em fase de transição industrial
relativamente madura. Só com o desenlace do regime de 1964, elas consegui-
ram contar com uma política econômica que convergia ação governamental
e vontade empresarial. Do ponto de vista da “decisão interna” da iniciativa
privada e do Estado de permitir, facilitar e acelerar a irrupção monopolista,
como uma transição estrutural e histórica, os anos 1950 encontram-se também

25 Para Fernandes (1975, p. 18), o “[...] traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele
organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem social, desde o controle da
natalidade, a comunicação de massa e o consumo de massa, até a educação, a transplantação maciça de
tecnologia ou de instituições sociais, a modernização da infra e da superestrutura, os expedientes financeiros
ou do capital, o eixo vital da política nacional etc.”
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 53

num capítulo avançado desse processo, mas não no conclusivo: “A ‘decisão


interna’ cristaliza-se aos poucos, depois da Revolução de 1930; fixa-se de
maneira vacilante, a princípio, em favor do ‘impulso externo’ como a ‘única
solução’ no fim da década de 1950, e, por fim, quando surge a oportunidade
crucial (o que se dá só de 1964 em diante), ela se converte no principal dínamo
político do processo” (FERNANDES, 1976, p. 302).
Do ponto de vista dos padrões de acumulação capitalista internamente
operantes, Mello (1991) também localiza na década de 1950 um momento
transitório: a passagem da “industrialização restringida” para a “industria-
lização pesada”. Ele detecta que entre 1933-1955 existiu a regência de um
processo de “industrialização restringida”. Nela, embora a dinâmica da acumu-
lação se assente na expansão industrial, a mesma encontrava-se constrangida,
posto que as “[...] bases técnicas e financeiras da acumulação são insuficientes
para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens de
produção [...]” (MELLO, 1991, p. 110). Entre 1956-1961, por sua vez, desen-
cadeia-se um processo de “industrialização pesada”, um tipo de desenvolvi-
mento que “[...] implicou um crescimento acelerado da capacidade produtiva
do setor de bens de produção e do setor de bens duráveis de consumo antes
de qualquer expansão previsível de seus mercados” (MELLO, 1991, p. 117).
Uma expansão (cuja fase de depressão ocupou os anos de 1962-1967) apoiada
no Estado e num novo capital estrangeiro (empresa oligopólica estrangeira),
que se transfere na forma de capital produtivo. A “industrialização pesada”,
por outro lado, promoveu uma forte expansão do capital industrial nacional,
situada no setor produtor de bens de consumo para assalariados.

3. Intervencionismo estatal, acumulação


de capital e estrutura de classes

A década é marcada – principalmente com Getúlio Vargas (1951-1954) e


Juscelino Kubitschek (1956-1961) – por uma reorientação das relações entre o
Estado e a economia, quando o poder político governamental passa a desem-
penhar funções mais ativas e diferentes, no sistema econômico-financeiro do
país, voltadas a aceleração do desenvolvimento industrial (IANNI, 1977).
Durante o governo Vargas (1951-1954), não apenas surgiram órgãos destina-
dos a favorecer o desenvolvimento econômico, também se realizaram estudos
técnico-científicos sobre os problemas econômicos brasileiros, aprofundou-se
o debate técnico e político sobre as perspectivas abertas à expansão da econo-
mia nacional, ampliou-se a discussão a propósito do planejamento econômico
e da adoção de políticas econômicas planificadas por parte do governo e
dos setores governamentais, cujos exemplos são detalhados em Ianni (1977,
54

p. 116-117, p. 122). Mesmo assim, aí estava em curso a progressiva inter-


nacionalização do processo de reprodução e acumulação de capital, regida
pela política de alianças e absorções entre investidores estrangeiros, capital
nacional e aparelho estatal.
No governo seguinte, de Juscelino Kubitschek (1956-1961), o poder
público passou a atuar no sistema econômico recorrendo a todos os recur-
sos disponíveis, imbuído em acelerar o desenvolvimento, particularmente a
industrialização, e impulsionar o setor privado nacional e estrangeiro – donde
a iniciativa, não apenas do Programa de Metas, mas da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da Operação Pan-Americana
(OPA) e a construção de Brasília. A política econômica, com esse grau de
planificação, produziu um amplo surto de internacionalização da economia
brasileira. Para Ianni (1977), foi principalmente o Programa de Metas que
implicou numa mudança qualitativa na figura e nos papéis do Estado, através
da adoção de uma política econômica de associação e interdependência, em
âmbito internacional. Uma estratégia política de desenvolvimento que tinha
como componente a reelaboração da dependência estrutural da economia
brasileira, afastando-se da inspiração na ideia de emancipação e autonomia
propalada anteriormente. Algo que expressou uma etapa importante de hiper-
trofia do Estado, acrescendo novas dimensões ao Poder Executivo, ilustradas
por Ianni (1997, p. 178). A intervenção do Estado na industrialização se arti-
culou a tal ponto que “[...] o poder público fora transformado no mais impor-
tante centro de decisões e realizações (econômicas, financeiras, cambiais etc.)
indispensáveis ao funcionamento e ao desenvolvimento do setor privado.”
(IANNI, 1977, p. 181). Ou seja: “[...] a privatização, a internacionalização e
a hipertrofia do Executivo encontravam-se e conjugavam-se numa ditadura
disfarçada da burguesia industrial” (IANNI, 1977, p. 181).
A empresa privada passou a exigir um novo padrão de direção e de ges-
tão, mais racionalizado e profissionalizado – donde uma especialização do
trabalho crescentemente complexa e orgânica ao capital industrial, levando
a ascensão e valorização de figuras como o engenheiro, o administrador de
empresas, o economista, o atuário, o profissional da publicidade e propaganda,
se especializando as funções de gerência, dentre outros. Algo correlato ao
que acontece no aparelho de regulação e intervenção econômica, no setor
produtivo estatal, no campo social (em especial na educação, saúde e previ-
dência), constituindo-se espaço para uma alta burocracia de diretores, gerentes,
chefes, assessores, encarregados da gestão das empresas públicas industriais
e financeiras. Dizem Mello e Novais (1998, p. 595): “Ao mesmo tempo, na
administração governamental, a figura do técnico vai ganhando mais vulto. Ao
lado dos que desempenham funções tradicionais do Estado [...] ganham impor-
tância os especialistas em administração de pessoal, financeira, tributária, de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 55

comércio exterior, do sistema de saúde, ou de educação etc.” Esses requisitos


de profissionalização, tecnificação e racionalização das atividades de gestão
e controle da vida social e produtiva – concomitante ao impacto que a con-
centração e centralização da lógica monopolista implica na sobrevivência de
amplos setores da pequena burguesia – impeliu essas frações de classe para
a aparelhagem produtiva e estatal: “As famílias de classe média procuraram,
assim, utilizar todas estas oportunidades de ascensão social, abertas tanto
pela expansão da grande empresa privada ou estatal quanto pela ampliação
da administração pública” (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 595). Por isso, o
incremento na demanda de vagas nos mais altos planos na educação insti-
tucional: “[...] a exigência de qualificação fundada na educação superior – a
começar pelo concurso público exigido pelos governos – impõe-se de modo
crescente.” (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 596).
Em suma, a consolidação da sociedade urbano-industrial no Brasil
galvanizou alterações nas demandas sociais para o ensino superior. E tais
demandas resultaram de fatores como o crescimento da população urbana, a
industrialização e a monopolização, a recondução das expectativas de ascen-
são social da pequena burguesia, a redefinição do papel da mulher no âmbito
extradoméstico, a elevação dos requisitos educacionais para preenchimento
dos cargos nas burocracias públicas e privadas. Porém, tais demandas cresciam
sem que operasse uma mudança qualitativa na oferta e estruturação do ensino
superior, fundada nas tradicionais Escolas Superiores (ou na conglomeração
delas), restritas no acesso, unifuncionais, rígidas, desvinculadas da produção
científica criadora e atrelada aos interesses de dinamização capitalista – no
máximo, observa-se, nos anos 1950, uma atuação do governo federal no
sentido de reconhecimento das Escolas, a padronização da formação e o reco-
nhecimento legal das profissões. Contradições que se expressaram em finais
de 1950 com a crise universitária: a falta de realização social dos diplomados
foi um dos principais motivos que levaram ao acirramento da insatisfação das
classes médias expresso no movimento pela reforma universitária – o que,
consequentemente, contribuiu para o incremento do movimento estudantil
(CUNHA, 1988; ROMANELLI, 1991).

4. Dominação externa e lutas de classes

No plano da dominação externa, portanto, a década apresenta a conso-


lidação das tendências de afirmação do imperialismo norte-americano, que
impõe econômica e politicamente a internacionalização da economia brasi-
leira. Aí localiza-se o principal do capital estrangeiro que se associa com o
Estado para levar a efeito a afirmação da realidade dos monopólios no Brasil,
propalada sob o signo do desenvolvimentismo. Conforme Mandel (1985), o
56

apelo à ideologia do desenvolvimento na realidade do capitalismo dependente


é um reflexo de uma alteração na estrutura do capital monopolista nos países
imperialistas. Após depressão de 1929, e especialmente depois da Segunda
Guerra Mundial, o padrão das indústrias exportadoras imperialistas deslocou-
-se progressivamente para máquinas, veículos e bens de capital; diferencian-
do-se da tendência de exportações em termos de bens de consumo, carvão
e aço vigentes no século XIX e início do século XX. Diz Mandel (1985, p.
43) que “[...] a exportação cada vez maior de capital fixo resulta no interesse
crescente dos maiores grupos monopolistas por uma industrialização incipiente
do Terceiro Mundo: afinal não é possível vender máquinas aos países semi-
coloniais, se eles não têm permissão para utilizá-las”. Arremata o autor: “Em
última análise, é esse fato [...] que constitui a raiz básica de toda a ‘ideologia
do desenvolvimento’ que tem sido promovida no Terceiro Mundo pelas classes
dominantes dos países metropolitanos” (MANDEL, 1985, p. 43).
No caso no Brasil, essa modalidade de inserção subordinada na divisão
internacional do trabalho ocorreu pela reelaboração das suas relações econô-
micas, políticas e militares com os Estados Unidos; ou, mais precisamente, o
aprofundamento dessas relações (FERNANDES, 1976; IANNI, 1977). Para
Ianni (1977), essa tendência, em finais de 1940, já se expressava em inúme-
ras iniciativas: a participação, em 1947, do Governo Dutra na Conferência
Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente,
ocasião em que se elabora o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR); o envolvimento, do mesmo governo, em 1948, na elaboração da
Carta da Organização dos Estados Americanos, com o fito de intensificar a
solidariedade e a cooperação das Américas, segundo as exigências da Guerra
Fria; o início dos trabalhos, em 1948, da Comissão Mista Brasil-Estados Uni-
dos, com a finalidade de realizar estudos, formular projetos e fomentar sua
execução, com ajuda financeira das empresas e governo norte-americanos.26
Dessa sequência de episódios da afirmação de canais da política internacional,
fazem parte, ainda, o estabelecimento do Acordo Ponto IV, a partir de 1950,
e a intervenção, de maior consistência, promovida pela Aliança Para o Pro-
gresso na década seguinte (pela mediação da Agência dos Estados Unidos
para o Desenvolvimento Internacional – USAID). Diz Ianni (1977) que após
o sucesso do Plano Marshall, dos experimentos com a Doutrina Truman e
do término da Guerra da Coreia, o capitalismo norte-americano demandava
novas fronteiras de expansão, além do aprofundamento dos seus desenvolvi-
mentos em áreas em que já se encontrava instalado: “Nesse sentido é que se

26 Mesmo o início dos trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em Santiago, no
ano de 1948, ocorre sob esse signo: marcada pela indiferença da maioria dos governos dos países latino-
-americanos e a hostilidade dos empresários e do governo dos EUA (IANNI, 1977).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 57

pode dizer que a Doutrina Truman e o Ponto Quatro fazem parte do mesmo
movimento histórico que produz a Missão Abbink e o Programa de Metas”
(IANNI, 1977, p. 143).
Na medida em que avançava a década, o surto industrializante, apoiado na
internacionalização da economia e na superexploração do trabalho, acumulou
dois amplos campos de conflitos políticos entre o proletariado e o campesinato,
de um lado, e a oligarquia fundiária e a burguesia industrial, de outro. De uma
parte, a densificação do proletariado industrial, atrelada a corrosão do poder
de compra do salário e o encarecimento do custo de vida, levou a tensões
grevistas e sindicais no ambiente urbano. Vieira (1983, p. 26) sinaliza para a
expressividade que adquirem os movimentos grevistas, inclusive com reper-
cussão nacional, a partir de 1953, em São Paulo e no Rio de Janeiro – donde a
emblemática greve de 400 mil operários no Estado de São Paulo, em outubro
de 1957.27 De outra parte, a mecanização do campo, com a perpetuação das
formas pré-capitalistas de exploração, ocasiona um acúmulo de tensão que
desponta com a força das Ligas Camponesas no Nordeste. Funcionando na
forma de associações de camponeses na luta pela terra e a Reforma Agrária,
as Ligas multiplicaram-se pelo Nordeste após meados de 1950, expandindo-se
também para Minas Gerais e Rio de Janeiro (PAGE, 1972).
No cenário latino-americano, principalmente no final da década, perce-
bem-se lutas anti-imperialistas e nacionalistas cuja expressão modelar foi a
Revolução Cubana. Fernandes (1976, p. 296-297) afirma que, em seguida a
crise de 1929, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, vários fatores con-
tribuíram para modificar substancialmente a relação das grandes corporações
com as economias periféricas: aquelas passavam a competir fortemente entre
si pelo controle da expansão induzida destas economias. No plano político,
surgiu uma impulsão fundamental aos processos de neocolonização típico
do capitalismo monopolista. O fim do conflito bélico encontrou um cenário
político numa evolução de tensões em vários continentes, dos quais os mais
cruciais foram a Revolução Iugoslava, o advento das democracias populares, a
Revolução Chinesa e a Revolução Cubana. Diz Fernandes (1976, p. 297) que
nessa situação, o controle da periferia passava a ser vital: “[...] não só porque
as economias centrais precisam de suas matérias primas e dos seus dinamismos

27 Braga (2012) indica que as reivindicações dos anos 1950 destacaram-se por suas pautas defensivas, foca-
das em aumentos salariais, pelo congelamento de preços dos meios de subsistência, por medidas contra
a carestia e o desemprego. Por outro lado, se fez sentir uma marcante presença da ação das bases, tanto
na organização quanto na sustentação dos movimentos grevistas. Diz Braga (2012, p. 80-81): “Começando
com a ‘Greve dos 300 mil’, de 26 de março de 1953, passando pela greve geral de 2 de setembro de 1954,
até chegarmos à ‘Greve dos 400 mil’, entre os dias 15 e 24 de outubro de 1957, uma combinação entre
luta contra a carestia e flagrante mobilização operária nas bases paralisou as fábricas, levando milhares
de trabalhadores aos comícios e às passeatas dos ‘direitos democráticos’, aumento geral dos salários,
aplicação do salário mínimo e congelamento de preços”.
58

econômicos, para continuarem a crescer, mas também porque nela se achava


o último espaço histórico disponível para a expansão do capitalismo”.
Em todo esse processo de mudança econômica, política e social dos
anos 1950, o desenvolvimento capitalista perpetuou os traços típicos que ele
encarna nas nações tidas como periféricas e heteronômicas, enfrentados como
uma condição estrutural permanente. Ou seja, nenhuma das mudanças em curso
chegou a impor: 1º) a ruptura com a associação dependente, em relação aos
centros hegemônicos da dominação imperialista; 2º) a desagregação completa
do antigo regime e de suas sequelas, ou seja, das formas pré-capitalistas de
produção, troca e circulação; 3º) a superação de estados relativos de subde-
senvolvimento, próprios a satelização imperialista da economia interna e à
extrema concentração social e regional resultante da riqueza. Ou seja, mante-
ve-se nos limites do “circuito fechado” da “dominação imperialista externa” e
do “desenvolvimento desigual interno” (FERNANDES, 1976). De modo que
prevaleciam, na entrada dos anos 1960, a dominância da produção agropecuária
em relação à indústria; a troca internacional baseada no predomínio das impor-
tações de máquinas, equipamentos, veículos e acessórios, contrastando com a
ampla concentração na exportação de gêneros agrícolas ou correlatos (café,
cacau, madeira, açúcar e minério de ferro); a maior penetração e controle nas
relações econômicas pelos monopólios estrangeiros, a ingerência da política
norte-americana e das organizações internacionais sob sua tutela; a restrição
da proteção trabalhista e social num estreito circuito de trabalhadores formais
urbanos, frente às condições sub-humanas de vastas camadas de camponeses,
trabalhadores informais, e do exército de desempregados ou subocupados.

5. As mudanças setoriais e isoladas na política social

Em relação às políticas sociais, o lapso temporal que vai do fim do Estado


Novo ao Golpe de abril de 1964 não informa inovações de relevo. Excetuando-
-se os presidentes da linha sucessória que assumiram entre 1954-1955 após a
morte de Vargas, entre 1946 e 1961, foram três presidentes diretamente eleitos:
Dutra (1946-1951), Vargas (1951-1954) do segundo governo e Kubitschek
(1956-1961). Encerram esse ciclo os governos de Jânio Quadros (jan.-ago.
1961) e João Goulart (1961-1964). Em todos os casos, as mudanças no plano
das políticas sociais assumiram um estrito caráter setorial, identificadas em
aspectos isolados (VIEIRA, 1983). Mesmo no encerramento do governo de
João Goulart, considerando toda essa quadra iniciada após 1945, a pesquisa de
Vieira (1983, p. 178) conclui: “Não houve lugar para mudanças amplas, que
tocassem as bases da política social.” O autor verifica, assim, que as mudan-
ças na política social no Brasil ocorreram apenas com caráter setorial, e em
aspectos isolados – donde as transformações de maior relevo, centralizadas
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 59

na expansão quantitativa, apresentaram-se como um subproduto do surto de


industrialização e urbanização.
Com efeito, os raros estudos abrangentes dedicados ao tema – dos quais
se extrai informações sobre os anos 1950 – sinalizam para um quadro marcado
por certa paralisia na política social entre o fim do Estado Novo e o início do
regime de 1964, e no qual a expansão existente ocorreu de forma lenta e sele-
tiva, basicamente reiterando o formato corporativista e fragmentado erigido
no estágio anterior (BOSCHETTI; BEHRING, 2006). Assim arremata Santos
(1979, p. 80), por exemplo: “Apesar das objeções às práticas e instituições her-
dadas do Estado Novo, bem pouca coisa, se alguma, será alterada no período
que vige até 1964”. Afirma o autor que a resposta do poder público às contra-
dições econômicas e políticas acumuladas nos anos 195028, inclusive durante o
governo João Goulart, foi, na melhor das hipóteses, pobre. Ou seja: “A mesma
expansão da cidadania, via regulação das ocupações, e, a partir daí, o mesmo
comportamento ora conciliatório, ora repressivo, em termos salariais” (SAN-
TOS, 1979, p. 81). O estudo de Santos (1979, p. 81) resume em poucas linhas
as inovações do campo distributivo compensatório, ocorridas nesse intervalo:

À parte o inegável progresso consubstanciado na vitória da burocracia


estatal contra a oligarquia sindical em torno na uniformização dos servi-
ços previdenciários, alcançado através da Lei Orgânica da Previdência
Social, apenas a instituição do salário-família, em 1963, e que se inscreve
na linha de expansão do escopo da previdência, característico de todos os
sistemas, nada mais existe para ser notado. O Estatuto do Trabalhador
Rural, promulgado em 1963, na realidade evidencia apenas o uso sim-
bólico da política social na exata medida em que, por trás dos objetivos
solenes do Estatuto, nada se esclarecia quanto às formas de financiamento
do programa pretendido.

Da mesma forma, o estudo de Draibe (1993, p. 12) traça uma periodiza-


ção da proteção social no Brasil que identifica o estágio 1943-1964 como de
expansão fragmentada e seletiva. Um interregno entre a fase de introdução
28 Sobre essas contradições, assim fala Santos (1979, p. 80-81): “As taxas de crescimento
econômico, de urbanização e de inflação, durante a década de 50, apenas intensificarão
as disputas cujo desenho já se esboçara após a derrocada do Estado Novo. O crescimento
industrial introduzirá distorções cada vez maiores entre os benefícios previdenciários des-
tinados às diversas categorias ocupacionais, reforçando o poder burocrático das distintas
oligarquias sindicais, o que, finalmente, conduzirá, por um lado, a cristalizar suas posições
de reivindicação crescente, na esfera da acumulação, e de reacionarismo e corrupção, na
esfera distributiva compensatória. Ao mesmo tempo, os novos grupos sociais urbanos, e
os velhos grupos sociais rurais, aproveitando o ambiente político semicompetitivo, iniciam
movimentos reivindicatórios, independentemente de seu reconhecimento cívico-profissional.
São as ligas camponesas, no Nordeste, e as explosões de violência urbana, no Centro-Sul,
que sinalizam os limites da democracia regulada então vigente.”
60

(1930-1943) e de consolidação (1964-1977) da proteção social, no qual sucin-


tamente se localizam as seguintes inovações pontuais, em cada área principal,
e com menos concentração na década de 1950: na previdência, a unificação das
Caixas de Pensões dos ferroviários (1953) e a aprovação da Lei Orgânica da
Previdência Social (1960); na assistência social e programas de alimentação
e nutrição, o Programa de Alimentação de Gestantes e Programa de Alimen-
tação Escolar (anos 1950) e a criação da Fundação de Bem-Estar do Menor
– FUNABEM (1964); na saúde, a criação do Ministério da Saúde (1953) e do
Departamento Nacional de Endemias Rurais (1956); na educação, a criação do
Ministério de Educação (1953) e a aprovação da Lei de Diretrizes de Bases da
Educação Nacional e do Conselho Federal de Educação (1961); na habitação,
a criação da Fundação da Casa Popular (1946) e do Sistema Financeiro da
Habitação – Banco Nacional de Habitação (1964); e no trabalho, a Consoli-
dação das Leis Trabalhistas (1943), o Repouso Semanal Remunerado (1949),
a Gratificação de Natal (1962) e o Salário-Família (1963).
Na consideração panorâmica das duas décadas que se seguem após a
queda do Estado Novo, é nos 1950 onde concentra-se o período mais escasso
em termos de inovações legais e institucionais da política social – numa
quadra, acrescente-se, cuja tônica já é de relativa paralisia, ou de expansão
lenta e seletiva. Mesmo o estudo mais detalhado de Vieira (1983) conclui
que o segundo governo Vargas (1951-1954) legou apenas medidas puramente
setoriais para a Previdência e Assistência Social, bem como para a Habitação
Popular. E acrescenta: “Inexiste na segunda administração de Vargas qualquer
preocupação com transformações globais, que atinjam a essência da política
social. Encontram-se, ao contrário, decisões particulares para cada questão
crucial, acaso surgida nas várias áreas daquela política” (VIEIRA, 1983, p.
52-53, p. 63). Por sua vez, ao término da administração juscelinista (1956-
1961), Vieira (1983) constata que pouco também havia mudado na organi-
zação responsável pela aplicação política social. Com efeito, tratava-se de
um campo de intervenção marginal no conjunto daquela gestão, centralizada
pelas medidas de aceleração da industrialização – até mesmo nos discursos
de governo tal desatenção ficava patente. O fim da década de 1950 deixou
evidente que apenas manteve-se, no geral, aquilo herdado dos governos ante-
riores. Prevalecia uma série de decisões setoriais na Educação, na Saúde
Pública, na Habitação Popular, na Previdência Social e na Assistência Social
(VIEIRA, 1983, p. 119). Um período no qual apenas se destacam, embora
já na passagem para a década seguinte, a promulgação da Lei Orgânica de
Previdência Social e sua regulamentação, e os embates da Campanha em
Defesa da Escola Pública, nas disputas pela elaboração do projeto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 61

Na Educação, a década explicita (I) a ausência de modificações políti-


co-institucionais estruturais; (II) uma oscilação na esfera orçamentária, com
anêmica ampliação dos gastos públicos na área; (III) um crescimento adjetivo
das matrículas; e (IV) a perpetuação do caráter profundamente excludente
do ensino. As modificações nas estruturas político-institucionais apenas apa-
recem como possibilidade, no interior dos embates em torno na fixação das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com destaque para a Campanha
em Defesa da Escola Pública, no final da década e início da seguinte – e no
qual os setores tradicionais e privatistas conseguem impor seus interesses na
política educacional (VIEIRA, 1983).
No âmbito da Saúde Pública operou uma continuidade da intervenção
de cunho sanitário, alargando-se as medidas de prevenção e assistência, atra-
vés das grandes campanhas, nas quais se destacavam o combate à doença de
Chagas, malária, febre amarela, peste, verminoses, tracoma e bouba, doenças
venéreas, tuberculose, lepra e o câncer. Seus resultados implicaram, no caso
do combate à tuberculose, em aparelhamento de vários sanatórios, construção
de novas clínicas especializadas e a fundação do Instituto Nacional do Bacil-
lus Calmette-Guérin (BCG). Outras providências que aparecem associadas
às campanhas são: a educação sanitária, por meio do Serviço Nacional de
Educação Sanitária; a fiscalização e profilaxia dos portos e dos aeroportos,
através do Serviço de Saúde dos Portos; e de proteção à maternidade e à
infância, sob o patrocínio do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI)
operacionalizado pelo Departamento Nacional da Criança (DNCr) e suas
instâncias regionais. Com isso, na primeira metade da década manifestou-se
um expressivo crescimento das despesas federais com Saúde Pública, e pra-
ticamente a manutenção dessas mesmas despesas nos orçamentos dos estados
e municípios. Relação que se inverte nos anos seguintes, com redução dos
gastos federais e aumentos nos estados e municípios. Sem provocar mudanças
qualitativas no estado bárbaro de indigência social expresso no alto geral de
mortalidade infantil e baixa expectativa de vida, as ações da Saúde Pública
levaram a um impacto na redução da mortalidade infantil e no menor peso das
doenças infecciosas e parasitárias nas causas de mortes. Aos quais se somam
os êxitos relativos da Campanha Nacional Contra a Tuberculose, da luta contra
a malária e a doença de Chagas. Todos os impactos positivos concentrados,
mais amplamente, nas regiões Sul e Sudeste (VIEIRA, 1983).
A Previdência Social permaneceu centrada no atendimento individual
do trabalhador urbano formal, e no vínculo corporativo e setorial, através
dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e das Caixas de Aposentadorias
e Pensões – dos quais permaneciam de fora a massa de trabalhadores rurais,
os empregados domésticos, os profissionais liberais e os autônomos, além
62

de, por princípio, afastar igualmente os funcionários públicos e militares,


possuidores de estatuto próprio. Mesmo com o aumento irrisório das ver-
bas do governo federal com essas organizações, houve um crescimento
razoável da Previdência Social na década, implicando na elevação no
número total de contribuintes e no valor médio dos benefícios. O fato
de que recorrentemente o governo federal não pagasse as quotas devidas
à Previdência Social (acumulando um grande débito com as Caixas e
Institutos) e de que existisse a dívida também dos empregadores, signifi-
cava que, em última instância, ela era sustentada pelas contribuições dos
trabalhadores, que sofriam descontos em seus salários – além dos impos-
tos sobre as mercadorias e serviços consumidos. Esses débitos e dívidas
colocaram os órgãos da previdência em situação precaríssima ao final da
década. Das mudanças, destacam-se apenas os crescimentos havidos no
setor de benefícios, de assistência médica e de arrecadação em cada um
dos Institutos e Caixas, com realizações em geral vinculadas a ampliação e
reaparelhamento de ambulatórios e hospitais, ou, mais raramente, abertura
de novos equipamentos (VIEIRA, 1983).
Na primeira metade da década, ganham destaques os projetos de elabo-
ração da Lei Orgânica da Previdência Social, a reestruturação do Departa-
mento Nacional da Previdência Social, o aprimoramento dos seus técnicos,
e a intenção de total integração das Carteiras de Acidentes do Trabalho nas
instituições da Previdência Social. Uma mudança efetiva se expressou com
o novo Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões apro-
vado em 1954, através do qual os Institutos passavam a oferecer assistência
médica aos seus contribuintes (e familiares). Além disso, o Regulamento
abria a possibilidade das aposentadorias e pensões, em certas circunstâncias,
chegarem ao valor integral dos salários do empregado. Na passagem para a
década seguinte, a Lei Orgânica da Previdência Social é sancionada e imedia-
tamente regulamentada, impelida pela pretensão de restringir a participação
governamental na manutenção das atividades previdenciárias, liquidando os
débitos e diminuindo os novos investimentos.29 Ela acabou com a diversidade
de documentos orientadores das instituições previdenciárias, uniformizando
a legislação da área. Porém sem incorporar ainda os trabalhadores rurais,
omitindo uma posição clara do seguro por acidentes de trabalho, mantendo
a contribuição tríplice e igual entre os representantes dos três tipos de con-
tribuintes e postergando parte dos seus antigos objetivos (universalização,
uniformização e a unificação), apenas determinando a uniformização dos
benefícios aos segurados (VIEIRA, 1983).
29 Diz Vieira (19883, p. 125): “O governo federal saiu aliviado com a Lei Orgânica, pois se obrigava apenas
a arcar com os eventuais desequilíbrios orçamentários no campo da Previdência Social. Imagine só: nem
isto a União cumpriu, pondo em má situação financeira as instituições previdenciárias.”
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 63

Na Assistência Social, a atuação continuou centrada no Serviço de Ali-


mentação da Previdência Social (SAPS), nas ações da Legião Brasileira da
Assistência (LBA), do Serviço Social da Indústria (SESI) e do Serviço Social
do Comércio (SESC), além da expansão do “abono familiar”. E as subven-
ções da administração para essas entidades públicas e semipúblicas, além das
particulares, obteve um exíguo aumento na década de 1950, refletindo numa
expansão de suas unidades, serviços e benefícios, mesmo que com impacto
irrisório e paliativo nas condições de vida dos assistidos. E a Habitação Popu-
lar aparecia como uma linha da Previdência Social, fazendo-se com que os
Institutos e Caixas construíssem casas para vender aos seus beneficiários, e
não apenas alugá-las, através das suas carteiras imobiliárias. O alívio da falta
generalizada de residências era alcançado também através da atuação da Fun-
dação da Casa Popular. Em todos os casos, o impacto das novas moradias não
subverteu o quadro crescente de degradação urbana expresso, por exemplo,
no inchaço das favelas, do déficit habitacional, nos contrastes das condições
de moradia que se avolumavam (VIEIRA, 1983).

6. Considerações finais

Os anos 1950 abrigam metamorfoses na estrutura econômica no país,


reflexo das novas modalidades de sua inserção subordinada na divisão inter-
nacional do trabalho e no sistema imperialista. A essas modificações na base
social, correspondem deslocamentos nos padrões de intervenção estatal no
desenvolvimento do capitalismo internamente, e a germinação de conflitos
políticos de grande significado para o desenlace da dominação do grande capital
soldada pelo ciclo ditatorial de 1964. É sob esta base – configuradora de um
intervalo histórico marcado por uma relativa paralisia nas políticas sociais – que
se desencadeiam os processos de busca pela “atualização” por parte do Serviço
Social, cujo desenlace apenas adquire seus contornos definitivos na resultante
do processo de renovação dado no ciclo ditatorial. Os deslocamentos do Ser-
viço Social na década em tela também comportam as dissonâncias e os ritmos
desiguais que marcam as particularidades regionais, fundadas no desenvolvi-
mento desigual interno do capitalismo no Brasil numa época de transição. E
que revelam os traços singulares do Serviço Social em Pernambuco.
64

REFERÊNCIAS
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São Paulo: Vozes, 1983.
CAPÍTULO 4
A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL
EM PERNAMBUCO NOS ANOS 1940

Adilson Aquino Silveira Júnior

1. Introdução
Esse texto aborda as características da emergência do Serviço Social em
Pernambuco. Parte da hipótese de que tal processo consome toda a década
de 1940. Disso resulta uma de suas particularidades: ele nasce dinamizado já por
alguns vetores que marcam o estágio de “erosão do Serviço Social ‘tradicional’
no Brasil” (NETTO, 2004, p. 136). As notas históricas que seguem enfocam os
aspectos que definem o caráter embrionário do Serviço Social em Pernambuco
nos anos 1940, segundo as variáveis relativas à formação e corpo profissional,
institucionalização e espaços ocupacionais. O material empírico que permitiu
a referida caracterização, e a formulação da hipótese diretriz aqui sustentada,
diz respeito aos documentos da antiga Escola de Serviço Social de Pernambuco
(ESSPE) e as monografias desenvolvidas pelas alunas dessa instituição entre os
anos 1940-1960, além das evidências informadas em pesquisas e artigos que
se debruçaram sobre essa realidade (BERNARDES, 2006; GOMES, 1987;
VIEIRA, 1992; PADILHA, 2008; UFPE, 1985). Apesar de desenvolvermos
apenas um esforço inicial de reconstrução historiográfica, a concepção de tota-
lidade da perspectiva marxiana preside a apreensão das tendências históricas
evidenciadas. As quais buscam ser particularizadas sob a luz das indicações
teórico-metodológicas fornecidas pela literatura do Serviço Social vinculada
à tradição marxista, em especial Abreu (2008), Iamamoto e Carvalho (2005),
Iamamoto (2004, 2006, 2010), Netto (2004, 2005, 1996).
Embora imbuído em fornecer elementos empíricos e hipóteses sobre uma
realidade regional, esse trabalho pretende ser um contributo na tarefa – ainda
por fazer – de elaboração de abordagens abrangentes, inclusivas, do Serviço
Social no Brasil – com suas tendências gerais, mas igualmente dinamizada
por aspectos de desenvolvimento desigual. Na literatura profissional, ainda
permanece o quadro sinalizado por Netto (2016, p. 56): “[...] carecemos [...] de
uma história (de histórias) do Serviço Social no Brasil que nos ofereça(m), com
rigor e precisão possíveis, o inteiro processo dos seus 80 anos que em 2016 se
comemoram”. Com efeito, o ponto de partida é o rico trabalho de Iamamoto
66

e Carvalho (2005), que – ainda na avaliação de Netto (2016, p. 55) – “[...]


permanece, até hoje, enquanto empreendimento de análise histórica, sem conti-
nuidade entre nós”. Inobstante isso, tal trabalho comporta seus próprios limites
de reconstrução histórica do Serviço Social no Brasil, dos quais dois são mais
evidentes. O primeiro, e mais óbvio, diz respeito a suas fronteiras temporais:
ele acompanha o desenvolvimento da profissão apenas até a década de 1960,
fornecendo indicações sinóticas sobre as décadas seguintes nas suas conside-
rações finais. Em segundo lugar, o material empírico e os aspectos da realidade
praticamente estão centrados nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, os
quais comportam tendências que não podem ser diretamente transplantadas para
outras realidades regionais. Essa lacuna nos interessa em particular, posto que o
estudo do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1940 pode contribuir para
explicitar os ritmos desiguais e a diferenciação interna do evolver da profissão,
efetivamente presentes desde sua gênese no país. Esperamos que o esforço
de delimitação necessário para a exposição do tema não tenha implicado em
qualquer nuance de abordagem particularista. O interesse propriamente é de
colaborar com insumos para apreensão das particularidades do Serviço Social no
Brasil. De modo que esse texto supõe e demanda uma articulação com aquelas
pesquisas mais abrangentes já realizadas30, das quais nossas remissões aqui não
puderam deixar de ser apenas indicativas.
De partida, colocamos como hipótese uma periodização para o desenvol-
vimento do Serviço Social em Pernambuco que, mesmo de modo aproximado,
localiza no decorrer da década de 1940 o estágio que marca sua emergência, nos
anos 1950 o período onde se alcançam os principais requisitos da sua profissio-
nalização, e, do próximo decênio em diante, a época de sua consolidação – cuja
afirmação ganha lastro quanto mais se desdobram as circunstâncias econômicas,
institucionais e políticas dos anos 1970. A diferenciação entre tais estágios não
supõe uma leitura esquemática – seja qualquer espécie de “etapismo” evolucio-
nista ou visão teleológica – da história do Serviço Social no estado. Com efeito,
os processos da sua emergência, profissionalização e consolidação constituem
uma unidade dinâmica, ricamente forjada por interações recíprocas. Tal diferen-
ciação se justifica porque a própria realidade comporta – no seio mesmo dessa
dialética unitária e movente – uma combinação de determinações estruturadora
de momentos predominantes, que se diferenciam no curso de um desenvolvi-
mento cumulativo. Assim, a diferenciação dos referidos estágios, para apreender
a história do Serviço Social em Pernambuco, apenas pretende reproduzir, com
máxima aproximação possível, o movimento que preside essa realidade.
Utilizamos como suposto – dado pela literatura crítica existente – o fato
de que essa atividade profissional assalariada encontra-se respaldada por sua

30 Apenas para apontar as mais citadas: Abreu (2008); Carvalho (1980), Iamamoto (2004, 2006, 2010); Iama-
moto e Carvalho (2005); Netto (2004, 2005, 1996).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 67

funcionalidade no espectro da divisão social (e técnica) do trabalho na socie-


dade burguesa consolidada e madura; diga-se, na ordem monopólica que cria
e funda sua profissionalidade (NETTO, 2004, 2005; IAMAMOTO; CARVA-
LHO, 2005). O Serviço Social intervém nos mecanismos elementares de pre-
servação e controle da força de trabalho e, concomitantemente, nos “serviços”
acionados pelo Estado para reduzir o conjunto de óbices nos quais se enreda
a valorização do capital no ordenamento dos monopólios. Não desempenha,
preferencialmente, funções produtivas31: se inclui nas atividades “[...] acólitas
dos processos especificamente monopólicos de reprodução, da acumulação e da
valorização do capital” (NETTO, 2005, p. 76). Nos países capitalistas centrais, a
emergência e institucionalização do Serviço Social desdobraram-se nos marcos
do amadurecimento dos antagonismos típicos da realidade imperialista, conso-
lidando-se quando o estágio dos monopólios se constitui com as determinantes
do capitalismo tardio (NETTO, 2004, 2005, 2013).
Embora já inscrita historicamente nos quadros internacionais dados pelo
imperialismo, a época de emergência do Serviço Social nos países dependen-
tes, em específico no Brasil, desdobra-se quando a dinâmica dos monopólios
ainda não constituía uma realidade generalizada imperando internamente nas
dinâmicas produtiva, comercial e financeira– apenas a partir dos anos 1950,
diz Fernandes (1976), o curso intrínseco da revolução burguesa no Brasil vai
transitando para a difusão da realidade monopolista. Ou seja, ainda que inscrita
no plano internacional de afirmação do imperialismo, a emergência do Serviço
Social – e mesmo a sua institucionalização – ocorre aí numa particularidade do
desenvolvimento capitalista na qual a dinâmica competitiva apenas começava
aceder lugar ao domínio dos monopólios. Donde, também, o fato de que apenas
após os anos 1960, e mais concretamente nas décadas seguintes, num momento
de efetivo desenlace do estágio monopolista, soldado pelo ciclo ditatorial aberto
em 1964, o Serviço Social no Brasil alcança sua consolidação propriamente
dita – com seus reflexos na estruturação nacional de um mercado de trabalho,
além da difusão e amadurecimento das agências de formação (NETTO, 2004).
Se tais particularidades implicaram num descompasso entre o desenvolvimento
do Serviço Social nos países centrais e no Brasil, o “desenvolvimento desigual
interno” do capitalismo no país (FERNANDES, 1976) igualmente se expressou
num caráter tendencialmente assimétrico da afirmação profissional, quando
contrastadas as regiões de maior desenvolvimento industrial (localizadas essen-
cialmente no Sudeste) com aquelas onde prevaleciam formas econômicas pré-ca-
pitalistas (em geral, Norte-Nordeste) funcionais ao metabolismo do capitalismo
dependente imperante.
Em suma, somente esses supostos e condicionamentos tornam inteligí-
veis, em última instância, aquilo que as evidências disponíveis informam: o

31 Avaliação já informada em Iamamoto e Carvalho (2005, p. 85-86).


68

fato de que Serviço Social em Pernambuco demorou, praticamente, toda a


década de 1940, e boa parte da seguinte, para consolidar os vetores mínimos
indispensáveis à sua existência mesma. Ou seja, esse é o lapso de tempo que
marca sua emergência ou gestação. Tais vetores serão detalhados na próxima
seção do texto, e se resumem aos seguintes: as condições necessárias para
uma formação especializada, uma densidade mínima dos quadros discentes e
profissionais disponíveis, algum lastro de reconhecimento legal do seu caráter
profissional e a conformação de espaços ocupacionais institucionalizados de
algum vulto. Tais requisitos foram, em alguma medida, contemplados na década
de 1950. E é nesta última em que se concentram os determinantes e aconteci-
mentos característicos da profissionalização do Serviço Social – concomitante
a afirmação e aprofundamento daqueles vetores basilares da sua emergência,
desencadeados desde antes.
A profissionalização supõe – além daqueles vetores da emergência já fir-
mados – o reconhecimento abrangente – pelo Estado em suas diversas esferas
– do Serviço Social enquanto campo profissional, e do portador do diploma de
assistente social como legítimo e exclusivo agente com capacidade e compe-
tência para desenvolver as atribuições relativas à área em questão. Portanto,
com o direito de reclamar o Serviço Social como sua esfera privativa de inser-
ção no mercado da força de trabalho. Além da conquista de uma legislação
voltada à regulamentação do Serviço Social de larga abrangência, a existência
de entidades para fiscalização do exercício e defesa corporativa, a profissio-
nalização envolve processos também amplos de normatização e padronização
dos critérios de ensino (superior) e das agências de formação (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2005; NETTO, 2013, 2004, 2005, 1996). Nesse aspecto, o Serviço
Social em Pernambuco não destoa do que ocorria em nível nacional. O caráter
necessariamente abrangente das regulamentações e normatizações do estágio
de profissionalização requer uma legislação federal que equaliza esse processo
entre todos os estados. Mais adiante demonstraremos como isso ocorre no curso
da década de 1950.
O alcance do estágio da consolidação do Serviço Social supõe a sua emer-
gência e profissionalização, mas não se resume as mesmas. Sua marca é uma
certa generalização da profissão, com a consequente multiplicação quantitativa
dos agentes profissionais (sustentada na existência de um mercado nacional de
trabalho, macroscópico e consolidado, para as assistentes sociais) e do corpo
discente; a diferenciação da intervenção profissional, com a complexificação
do aparato teórico, metodológico e técnico-operativo, dispondo de viabilidade
institucional para efetivação; o adensamento e diferenciação dos espaços ocupa-
cionais disponíveis, com a conquista de uma variada possibilidade de inserção
nas hierarquias institucionais e equipes multiprofissionais; o robustecimento
da elaboração teórica caucionado pela inserção no circuito universitário, do
qual se desdobra uma produção de conhecimento (ou sistematização teórica)
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 69

desde a própria área do Serviço Social (NETTO, 2013, 2004). Nesse texto, não
abordaremos a particularidade desses processos no Serviço Social em Pernam-
buco. Pretendemos apenas sinalizar para o fato de que alguns de seus aspectos
despontam ainda nos anos 1960, mas tão somente ganham consistência no
decorrer da década seguinte em diante.
Tal periodização não corresponde sincronicamente, por outro lado, àqueles
três momentos – que extraímos aqui de Netto (2004, p. 115-151) – do evolver
do Serviço Social na particularidade brasileira, ou seja: (1ª) o lapso onde pre-
dominam os traços que o enquadram no tradicionalismo (enquanto “Serviço
Social tradicional”32) – inscrito entre os anos de criação das primeiras Escolas e
meados da década de 1950; (2ª) o estágio de transição no qual o tradicionalismo
em erosão vai desabrochando por novas tendências – vigente, aproximadamente,
durante o segundo lustro dos anos 1950, até os primeiros momentos do ciclo
ditatorial; e (3ª) o intervalo decisivo da precipitação dessa erosão na forma que
tomou o “processo de renovação do Serviço Social”33 – cujo desfecho apenas foi
alcançado efetivamente no decorrer dos anos 1970 e início da década seguinte.
Dado que o desenlace da emergência do Serviço Social em Pernambuco não
acontece antes de encerrados os anos 1940, verificamos que este já nasce dina-
mizado por algumas características que marcam o estágio de transição. Ou seja,
quando o tradicionalismo encontra-se sendo problematizado por algumas variá-
veis e condicionamentos que fornecem suporte para o processo de renovação –
dentre essas variáveis, destacam-se: a erosão da influência católica, a afirmação
da hegemonia norte-americana, os traços germinais da profissionalização e um
esboço de diversificação das modalidades de intervenção. Ou, seguindo outra
abordagem, isso significa que o Serviço Social em Pernambuco não emerge
puramente constituído pelo conservadorismo característico do que Abreu (2008)
denomina de “perfil pedagógico da ‘ajuda’”.34 Ele desponta dinamizado também
32 Netto (2004, p. 117-118, nota) sugere entender o Serviço Social “tradicional” como “[...] ‘a prática empirista,
reiterativa, paliativa e burocratizada’ dos profissionais, parametrada ‘por uma ética liberal-burguesa’ e cuja
teleologia ‘consiste na correção – desde um ponto de vista funcionalista – de resultados psicossociais
considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista
e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado
factual ineliminável’”.
33 Para Netto (2004, p. 131), se entende por renovação “[...] o conjunto de características novas que, no
marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas
tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando
investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas
a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e
disciplinas sociais.”
34 Esse perfil pedagógico marca a constituição do Serviço Social, desde a sua institucionalização como profis-
são, nos Estados Unidos, na segunda década do século XX. Surge como o conteúdo do Serviço Social de
Caso, enquanto “ajuda psicossocial individualizada” que, na formulação de Mary Richmond, refere-se a um
tratamento prolongado e intensivo, centrado no desenvolvimento da personalidade, com vistas a capacitação
do indivíduo para o ajustamento ao mundo que o cerca. A “ajuda psicossocial individualizada” vincula-se
às estratégias de reforma moral e de reintegração social impostas pelas necessidades organizacionais e
70

por elementos – ainda que inicialmente incipientes – do “perfil pedagógico da


‘participação’”.35 Nesse texto, não iremos explorar as características e impli-
cações dessa particularidade. Delimitaremos, na sequência, apenas os aspectos
conformadores do caráter embrionário do Serviço Social em Pernambuco nos
anos 1940, década dominada pelo estágio da sua emergência.

2. O caráter embrionário do Serviço Social


em Pernambuco nos anos 1940
Sobre as contradições específicas do capitalismo que se acumularam, nas
primeiras décadas do século XX, na região onde Pernambuco era o epicentro,
três se destacam: a mecanização da exploração da cana de açúcar, com o sur-
gimento das usinas e o aprofundamento do latifúndio; a germinal afirmação de
empreendimentos manufatureiros, voltados para o beneficiamento do algodão
e de produtos derivados dele; e os efeitos das formas típicas de produção e
exploração do trabalho na economia algodoeira-pecuáriana região do sertão,
que implica uma crônica situação de pauperismo extremo.
A primeira contradição conformou a emergência de um proletariado
agrícola em formação, profundamente explorado e pauperizado, ademais das
pressões que o latifúndio acumulou com o campesinato. No centro urbano, se
robustece uma camada do proletariado empregada no capital comercial dedicado
ao transporte e venda da cana e o algodão, que ganha densidade organizativa e
política ao longo dos anos. A segunda contradição desdobra-se da conformação
de uma classe especificamente operária (nas indústrias do algodão e no comér-
cio) que constitui uma força política potencial, embora embrionária, objeto
da intervenção do governo e dos industriais. A terceira implica uma leva de
trabalhadores rurais pauperizados, engrossando as fileiras de retirantes da seca
que escoam para os centros urbanos em busca de sobrevivência, e irão compor,
junto com uma grande massa das outras camadas anteriores, a população dos
mocambos do Recife.36
Além disso, desde finais do século XVIII, o desenvolvimento das forças
produtivas tipicamente capitalistas nos países dominantes progressivamente
afeta as disputas no mercado mundial e, por consequência, a demanda externa

tecnológicas, introduzidas com a linha de montagem nos moldes fordista e taylorista, em relação à formação
de um novo tipo de trabalhador (ABREU, 2008).
35 Trata-se de um redimensionamento da participação nas práticas pedagógicas controladoras e subalternizado-
ras do Serviço Social, constituindo-se na referência de inovação metodológica numa pretensa “perspectiva de
globalidade”. Nesses marcos, se afirmam os processos de mobilização e organização como desdobramentos
das propostas de Desenvolvimento de Comunidade (DC), que reitera as práticas educativas psicologizantes,
sob a influência da visão desenvolvimentista modernizadora (ABREU, 2008).
36 Sobre a movimentação operária em Pernambuco na primeira metade do século XX, é importante conferir o conjunto
das análises históricas apresentadas em Bezerra et al. (2011). Também Page (1972) fornece uma síntese do
quadro histórico das relações agrárias no Nordeste que condicionaram o surgimento das Ligas Camponesas.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 71

no país, implicando no descolamento dos produtos da economia agroexportadora


até então dominantes. Esses deslocamentos apenas cooperaram para acirrar arti-
culadamente, na região onde se insere Pernambuco do início do século XX, os
três vetores de contradições sociais acima mencionados. Diga-se, inviabilizaram
a expansão da economia açucareira-têxtil, comprometendo as formas burgue-
sas transitórias de produção e apropriação do valor aí germinando através do
impulso de industrialização refletido das usinas e na manufatura têxtil37. Isso em
benefício da produção do café no Centro-Sul (e da subsequente industrialização
lá deslanchada) e da ascensão do poder econômico e político da produção algo-
doeira-pecuária no próprio Nordeste, junto com o latifúndio e a oligarquia a ela
ligada, os “coronéis”. Diz Oliveira (1981) que a economia açucareira é premida
de tal modo pela produção agroexportadora do café (em seguida também pela
industrialização que se desdobra com ela), e pela produção algodoeira-pecuária,
que recriou internamente mecanismos de acumulação primitiva com processos
e relações de produção pré-capitalista (como o “cambão”, mercados “cativos”
de trabalho nas usinas, o “barracão”), com o que se condenou à estagnação.38
Donde, durante a expansão do capital industrial concentrada no Centro-Sul, o
duplo papel – com sequelas sociais de vulto – do Nordeste como: a) uma reserva
do exército industrial de reserva, cujo efeito foi a migração em massa da força
de trabalho; b) uma fonte de capital – que ainda ali se formava – drenada para
aquela industrialização pela política econômica vigente (OLIVEIRA, 1981, p.
37). Grosso modo, até a década de 1940, esses processos acentuam as contradi-
ções sociais e tensões políticas expressas nas formas particulares de acirramento
da “questão social” em Pernambuco, em especial em Recife.
Na capital do estado, a “questão dos mocambos” (incluída nela as exigên-
cias de intervenção no âmbito habitacional, educacional, da atenção à infância
e maternidade etc.), se torna a manifestação da “questão social” que concentra
as preocupações do governo e da pequena burguesia inicialmente. Donde a
convocação pública dos setores governamentais para o projeto do Estado Novo,
conclamando o envolvimento amplo nas campanhas voltadas para aqueles con-
siderados os principais problemas da capital e do estado – através, por exemplo,
das colunas diárias no jornal Folha da Manhã do interventor de Vargas em
Pernambuco, Agamenon Magalhães. Campanhas como a da Liga Contra a
Mortalidade Infantil e a Liga Social Contra o Mocambo são modelares: “Consi-
derando os problemas sociais perigosos inimigos do desenvolvimento do estado

37 Sobre as causas e as características do período de expansão e decadência da burguesia agrário-industrial


no Nordeste, entre o final dos anos setenta do século XIX e as primeiras décadas do século XX, conferir
Oliveira (1981, p. 61-64).
38 Oliveira (1981, p. 64) identifica aí a recriação de “[...] formas de defesa anticíclicas não-capitalistas: não ocorria o
desemprego, nas crises da economia açucareira: ocorria apenas a volta de parte da população trabalhadora às
“economias de subsistência”, a formas quase-naturais. Essas formas de defesa foram-lhe extremamente eficazes
para não desaparecer, mas cobraram seus direitos na medida em que a impediam de expandir-se.”
72

e da nação, Agamenon empreende uma verdadeira cruzada e é este empenho


em solucionar os problemas vividos pelas camadas populares que justifica e
legitima seu poder” (GOMINHO, 1993, p. 34).
Os conflitos e lutas de classes existentes são fermentados por essas massas
exploradas e oprimidas que continuamente se tornam subordinadas à lógica
mercantil e à dominação política e econômica tipicamente capitalista. Em alguns
casos, ainda nos anos 1920-1930, protagonizando movimentações e levan-
tes com aberta influência socialista e comunista. Ao mesmo tempo, as forças
dominantes, das oligarquias, industriais e elites políticas e religiosas, comporão
uma frente expressa na atuação do Estado Novo e seus porta-vozes locais, arti-
culando a Igreja, o governo, os empresários e setores médios, confluindo para
a intervenção sobre essas expressões da “questão social”, com o objetivo de
enquadrá-las ideologicamente e afastar a influência comunista.39
É em Recife onde se aglutinam e acentuam essas contradições. Nela, as
expressões da “questão social” refletiam-se na degradação humana e na ameaça
política proliferadas com os mocambos. Partimos da hipótese de que essa foi
uma forma típica de expressão da “questão social” na cidade, na qual as
políticas sociais germinadas com o Estado Novo centralizavam as suas moda-
lidades de intervenção e desdobravam, por seu turno, os espaços ocupacionais
que absorviam as primeiras assistentes sociais. Após finais dos anos 1930, a
chamada “política de ação social” foi movida e articulada por iniciativas como:
a Diretoria de Reeducação e Assistência Social (DRAS) – criada em dezembro
de 1937; a Liga Social Contra o Mocambo, associação civil criada em 1939,
depois absorvida no Serviço Social Contra o Mocambo (SSCM), autarquia
estadual criada em 1945, da qual passou a fazer parte a Secção de Assistência
à Família Operária (SAFO) do Departamento de Reeducação e Assistência
Social (DRAS); a mobilização da Ação Social Católica, com a realização da III
Semana de Ação Social, ocorrida no Recife em janeiro de 1939, na qual estava
envolvido o próprio núcleo que fundou a Escola de Serviço Social em 1940.
Essas iniciativas impulsionavam a intervenção governamental na reprodução
e controle da força de trabalho, apareciam galvanizadas pela miséria social e a
tensão política colocada pelo “problema dos mocambos”, e constituíam os canais
por onde os movimentos católicos adensados no Estado Novo imiscuíam-se
no meio sindical e no ambiente operário – em especial através dos Círculos
Operários e dos Centros Educativos Operários, com suas obras assistenciais e
educativas balizadas pelo anticomunismo.40

39 Sobre a natureza política geral da modernização conservadora operada com o chamado Estado Novo, seus
fundamentos econômico-sociais e das lutas de classes, e suas estratégias e políticas de controle e reprodução
da força de trabalho, consultar a síntese de Iamamoto e Carvalho (2005, p. 125-165). Sobre as particularidades
desses processos em Pernambuco, indicamos especialmente Gominho (1993, 1998, 2011).
40 Sobre esses movimentos católicos, ver Gominho (2011, p. 157-176) e Gomes (1987).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 73

Tais mediações concretas encarnavam a forma particular de intervenção


do Estado face às contradições sociais e políticas crescentes nessa realidade.
Através delas, aquelas formas típicas de expressão da “questão social” se liga-
vam com a emergência do Serviço Social e dos seus primeiros espaços inter-
ventivos em Pernambuco. A campanha da Liga Social Contra o Mocambo41
serviu, por exemplo: para impulsionar a construção e/ou desenvolvimento de
vilas para operários ligados a alguns Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAP’s) e Fábricas, ou para trabalhadores autônomos, que sedimentaram campos
de atuação de assistentes sociais – seja pela necessidade de agentes voltados
para a triagem de beneficiários das casas, seja pela demanda de quadros para
os equipamentos assistenciais criados nos novos territórios ocupados ou para
atender aos habitantes das vilas. Por outro lado, a restrição de construções de
mocambos em áreas urbanas, associada à atração que a Campanha provocava
nas populações do interior do estado, impelia o povoamento dos morros nos
arredores da cidade através das ocupações – donde a implantação de ações
e obras sociais nesses territórios ocupados por uma população pauperizada,
passando a absorver igualmente assistentes sociais.
Mas a debilidade das forças produtivas tipicamente capitalistas significou
a incipiência da própria contradição fundamental desse modo de produção na
região e, como consequência, uma condição ainda embrionária do Serviço Social
na década de 1940, e mesmo em boa parte da seguinte. Ou seja, nos anos 1940,
o Serviço Social em Pernambuco era residual, praticamente embrionário. Isso
significa que, a rigor, não se pode falar, durante todo esse período, em termos
da existência de um corpo profissional propriamente dito. Isso se considerarmos
como parâmetros os seguintes vetores:

1) Ainda estavam sendo garantidas, do decorrer da primeira metade


da década, as condições satisfatórias para constituir a formação
especializada. Por um lado, pense-se no fato de que até finais
de 1945 a ESSPE42 não possuía sede própria, estando alojada nas
dependências do Juizado de Menores, onde padecia de problemas (de

41 Uma síntese das ações empreendidas pela Liga Social Contra o Mocambo e pelo SSCM pode ser encontrada
em Gominho (1993, 1998).
42 A ESSPE foi fundada em 1940, pelo Juiz de Direito Rodolfo Aureliano, sendo extinta e incorporada à Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1971. Consiste no terceiro estado a inaugurar uma Escola
de Serviço Social no Brasil, precedida pelas de São Paulo (a primeira criada em 1936) e a do Rio de Janeiro
(criada em 1937). Para a criação, seu fundador (e o grupo de apoiadores) contou com as orientações da
União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS). O grupo de juristas, médicos e padres, ligados
ao Juizado de Menores e ao Círculo Operário do Recife, fundador da ESSPE, inscrevia-se na ala mais
progressista da igreja (e mesmo leiga), com cariz humanista. Concomitante ao início do funcionamento,
ocorreu o intercâmbio de três alunas para o Instituto Social no Rio de Janeiro, a fim de se prepararem para
a profissão, e assumirem a ESSPE no seu retorno – foram elas Maria de Lourdes Almeida de Moraes, Maria
Dolores Cruz Coelho e Hebe Gonçalves.
74

ordem pedagógica e disciplinar) decorrentes das suas dificuldades


financeiras (todos os colaboradores, naquele momento, trabalhavam
sem qualquer remuneração) e suas limitadas instalações. Apenas
em 1946 começou a contar com estrutura adequada e pessoal
especializado. Do ponto de vista das estruturas de funcionamento,
ao final de 1945 adquire sede própria (então localizada na Rua
Conde da Boa Vista, n. 1512), viabilizada através de donativo da
Legião Brasileira da Assistência (LBA). Por outro lado, associada
às contingências estruturais, existia uma carência de direção téc-
nica especializada. Por toda a primeira metade dos anos 1940, não
existiam membros, no quadro de professores, com formação em
Serviço Social. Ademais, nesse início o currículo apenas contava
com uma matéria específica (a de Assistência Social), cujos conteú-
dos encontravam-se relacionados ao Serviço Social de Casos, sendo
ministrada pelo médico René Ribeiro. A primeira Diretora formada
em Serviço Social, Maria de Lourdes Almeida de Moraes, ocupou o
cargo apenas em 1944, após concluir o curso, em dezembro de 1943,
no Instituto Social do Rio de Janeiro. No segundo semestre de 1945,
integrou também o quadro da ESSPE Maria Dolores Cruz Coelho –
formada na mesma instituição no Rio de Janeiro – ocupando-se da
supervisão dos trabalhos práticos e de campo das alunas. Após 1948,
regressa – igualmente do Instituto Social – Hebe Gonçalves, assu-
mindo o ensino de Organização Social da Comunidade, de Serviço
Social de Grupo e de Serviço Social Médico, além da supervisão
de estágio de numerosas alunas. Nesse intervalo, precisamente
em 1946, Maria da Glória tornou-se a primeira aluna formada pela
Escola, imediatamente integrando-se no seu corpo docente. Não é
casual que o Relatório da Comissão Verificadora (ESSPE, 1955,
p. 7)43 considerasse, referindo-se ao que ocorreu até 1946: “[...]
contanto com instalações e pessoal especializado, iniciou a Escola
um período mais condizente com as finalidades previstas. Os anos
anteriores podem ser considerados de preparação e aparelhamento”.
Tudo isso se vinculava, igualmente, ao próprio processo de reconhe-
cimento legal da ESSPE, face às instâncias de governo. Fora fun-
dada em 6 de maio de 1940, pelo Desembargador Rodolfo Aureliano
da Silva (do Tribunal de Justiça de Pernambuco, e então Juiz de
Menores do Recife), como consequência dos debates na III Semana

43 Esse documento consiste numa apreciação detalhada do histórico, da regulamentação, da estrutura e das
atividades da Escola até 1955. Após a regulamentação do ensino em Serviço Social no Brasil (em 1953)
e da profissão (em 1954), a ESSPE encaminhou ao Ministro da Educação o pedido de reconhecimento,
que demandou esse relatório de uma comissão verificadora federal. O reconhecimento foi concedido pelo
decreto nº 39.009 de 11 de abril de 1956, do Presidente da República.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 75

de Ação Social (1939) e da motivação direta de aparelhar o Juizado


de Menores com pessoal técnico especializado. Em 30 de janeiro
de 1941, com o ato n. 158, foi reconhecida pelo interventor Aga-
menon Magalhães, o que a habilitou a receber subvenções estatais.
Em 1946, ano inaugural dos trabalhos na sede recém adquirida, tem
novos estatutos aprovados pelo Secretário da Educação do Estado
de Pernambuco (Portaria n. 379, de 28 de agosto) – os quais são
reformados novamente em 23 de setembro de 1954.
2) Era incipiente o contingente do alunado, associado ao número irri-
sório de assistentes sociais formados(as) no estado – conferir o
gráfico abaixo da Evolução do número de matrículas e diplomações
da Escola de Serviço Social de Pernambuco (1940-1969). Embora
os documentos disponíveis, relativos à movimentação da matrí-
cula, não apresentem números totalmente compatíveis44, é razoável
dizer que, até 1945, as matrículas (somando-se as três séries) não
passaram de uma média de 20 por ano; e que, entre 1946-1950,
essa mesma média subiu para, aproximadamente, 30 matrículas.
Isso significa dizer que, anualmente, encontravam-se matricula-
dos, no máximo, 30 alunas na ESSPE, considerando-se todas as
séries. Ademais, até 1949, apenas havia ocorrido a diplomação de
duas assistentes sociais (em contraste, no ano de 1959, esse número
acumulado chegava a 66). Necessário uma reserva, entretanto. Por
falta de uma regulamentação da profissão (seja em âmbito estadual
ou federal) e de uma normatização nacional do ensino, durante todo
esse período, muitas alunas que iniciavam o curso eram contrata-
das pelas instituições existentes sem a exigência de conclusão da
formação e do diploma – algo que, inclusive, consumia o tempo
necessário para a elaboração do Trabalho de Conclusão do Curso e
a finalização da formação. O que sinaliza para o fato de que, inobs-
tante a quantidade irrisória de diplomadas, o contingente atuando
nas instituições assumindo atribuições reconhecidamente inerentes
ao Serviço Social era maior. De todo modo, porém, isso apenas
corrobora o caráter ainda bastante primitivo do estatuto profissional
do Serviço Social na década.
O quadro de alunas e diplomadas em Pernambuco não é muito
destoante daquele expresso no Rio de Janeiro e em São Paulo na
época. Iamamoto e Carvalho (2005, p. 186) sinalizam para a exis-
tência de 15 escolas de Serviço Social no Brasil em finais de 1940
– findada a década seguinte, esse número chega a quase o dobro,

44 Cotejamos as informações de alguns relatórios anuais da direção da Escola (dos anos 1946, 1947 e 1948),
comparando-os com o Anexo 1 – Evolução das inscrições ao concurso de habilitação, das mátriculas e da
diplomação – 1940 – 1969, do documento ESSPE (1969).
76

alcançando a quantidade de 28 escolas. E acrescentam que sua maio-


ria se formou sob a influência das duas primeiras escolas, de origem
católica, tendo em sua direção ex-alunas, formadas sob o regime
de bolsas de estudo. A implantação dessas escolas nos anos 1940
obedecendo à semelhante processo das antecessoras de São Paulo
e Rio de Janeiro, com a novidade de que contaram com o apoio
financeiro da Legião Brasileira de Assistência (LBA) – como são
exemplos as escolas criadas em Pernambuco (1940), Paraná (1944),
Rio Grande do Sul (1945) e Rio Grande do Norte (1945). Advertem
Iamamoto e Carvalho (2005, p. 187): “No entanto, até 1947, os
dados disponíveis mostram que essas escolas ainda estão em estado
embrionário, sendo que apenas a de Pernambuco havia alcançado a
formação de sua primeira turma, com apenas uma diplomada.” Daí
a existência de assistentes sociais diplomadas por um longo período
(em média uma década) apenas ao Rio de Janeiro e São Paulo –
mesmo nesses casos, com pouca expressividade. De todo modo, até
o final da década, o número de assistentes sociais diplomadas em
todo o Brasil era pouco superior a 300, com grande concentração na
cidade de São Paulo e no Distrito Federal, com esmagadora maioria
de mulheres (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).

Gráfico 1 – Evolução do número de matrículas e diplomações


da Escola de Serviço Social de Pernambuco (1940-1969)

Diplomação Matrículas

120

100

80

60

40
29 27
24 24
19
20 16 14 15
10
6 7 8
1 1 1 1 3 3 1
0
1940 1945 1950 1955 1960 1965

Fonte: Esspe (1969).


SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 77

3) Figurava uma franca ausência de bases legais de reconhecimento,


perante o Estado (em qualquer esfera), do Serviço Social como
uma área de intervenção de natureza profissional (com a decorrente
exigência de diplomação, aparelhagem e normatização corporativa
própria). Ao que tudo indica, nessa década verifica-se apenas a
Portaria n. 568, de 5 de julho de 1947, criando a função de “auxiliar
do Serviço Social do Hospital Centenário” (revogada pela Portaria
n. 190, de 31 de março de 1948, que extingue o Serviço Social na
mesma instituição)45 e a Lei Estadual n. 427, de 31 de dezembro
de 1948, criando cargos isolados de Assistentes Sociais. Apenas na
entrada da década seguinte outra legislação fornece um reconhe-
cimento mais amplo. Em primeiro lugar, com a criação de outra
Lei estadual, de n. 965, em 14 de dezembro de 1950, que dispõe
sobre as nomeações para os cargos de Assistentes Sociais a serem
criados pelo estado e suas autarquias. Nesse caso, a orientação e
execução de trabalhos que integravam as atividades específicas de
Serviço Social passaram a constituir a carreira de Assistente Social
nas repartições de Pernambuco (ou seja, nas autarquias instituídas
pelo Estado e as organizações por ele subvencionadas). A partir
daí, as nomeações para os cargos foram condicionadas ao porte do
diploma de Assistente Social – ainda podendo ser admitidos como
contratados alunas da ESSPE, exigindo-se, nesse caso, a conclu-
são do curso no prazo regulamentar. Supomos que essa legislação
repercutiu na dinâmica da ESSPE, em especial com aumento das
matrículas, nos anos 1950, e a mobilização para a finalização dos
cursos e a diplomação – conforme sinaliza o gráfico anterior. Poucos
anos depois se firmaram marcos legais referentes à constituição de
normas e agências para uma padronização e racionalização do ensino
em nível nacional (Lei n. 1.889 de 13 jun. 1953 e o Decreto 35.311,
de 2 abr. 1954), e ao reconhecimento do exercício profissional (Lei
n. 3.252, de 27 ago. 1957, que confere monopólio do exercício aos
portadores do diploma; e o Decreto-Lei n. 994, de 15 mai. 1962, que
regulamenta a referida Lei). Outra iniciativa que supomos ter reper-
cutido na dinâmica de matrículas e diplomações em nível estadual,
também conforme o gráfico anterior sugere.
4) Evidenciava-se uma parca quantidade de espaços ocupacionais que
requisitasse o assistente social, reconhecendo-o para, concomitante-
mente, um lugar oficial nas estruturas organizacionais-institucionais.
Nos anos 1940, os espaços onde se nota alguma espécie de atuação no
âmbito do Serviço Social podem ser divididos em duas classificações:

45 Ver Santiago (1954, p. 59-60).


78

Em primeiro lugar, existiam aqueles onde as alunas da ESSPE pas-


saram a desenvolver experiências, vinculadas à atividade de estágio,
como requisito da formação, mas de caráter experimental e explo-
ratório, posto a inexistência oficial do Serviço Social nos mesmos.
E essa inexistência se expressava na ausência de um setor/departa-
mento/equipe na instituição ou organização para a função, na falta
de um projeto próprio para a atuação do Serviço Social no órgão, e
mesmo pela ausência de agentes profissionais formados exercendo
atividades. Nesses casos, as alunas encarregavam-se praticamente
de desbravar as alternativas de inserção do Serviço Social – como
uma espécie de “experiência piloto” – orientadas pelas professoras
da ESSPE encarregadas do Estágio, e basicamente centradas na apli-
cação do Serviço Social de Casos; quando muito, ensaiando algumas
ações relacionadas ao Serviço Social de Grupos.46 Até o momento da
pesquisa, identificamos as seguintes instituições que abrigaram essas
experiências: os Círculos Operários47; a Escola Ulisses Pernambu-
cano48; e o Departamento de Assistência Social – LBA.49

46 O que se observa quanto à aplicação dos métodos é que, quanto menos base institucional disponível, menor
a viabilidade de aplicação do Serviço Social de Grupos ou de ações de Organização de Comunidade. Desse
modo, as experiências pioneiras, por não disporem de condições institucionais, estruturais, de pessoal etc.,
satisfatórias, acabaram restringindo-se à aplicação do Serviço Social de Casos, e ainda com uma reduzida
capacidade de atendimento.
47 Registros e análises sobre a experiência pioneira do Serviço Social em Pernambuco, junto ao movimento
circulista, podem ser encontrados em Andrade (1946), Gomes (1987), Ladim e Gomes (1985).
48 A Escola Ulisses Pernambucano (antes Escola Aires Lima, localizada na Av. João de Barros, n. 594, bairro
de Santo Amaro) foi criada pelo Governo do Estado em 1941. Assim são definidos seus objetivos, por Costa
(1949, p. 41): “A Escola Ulisses Pernambucano, é um externato misto para crianças, cujo grau de anor-
malidade psicopedagógico não admite acompanhar o regime de ensino comum, porém que, sob métodos
especiais podem ser educadas e reeducadas”. Ana Luiza Costa, uma das alunas da ESSPE, estagiou na
instituição entre 1942-1944, realizando tarefas de assistente social (associadas a função de professora
especializada) junto aos então chamados “menores anormais” (crianças com deficiência) e suas famílias,
utilizando técnicas do Serviço Social de Casos, referenciado pela concepção de “desajustamento”, e sub-
sidiado pela psicologia e psiquiatria. Porém, até 1949, inexistia um órgão do Serviço Social na instituição
(COSTA, 1949). A mesma autora assevera, embora sem informações mais detalhadas, ter sido convidada
a trabalhar na LBA, em 1942, após sua inserção no curso de Serviço Social (COSTA, 1949, p. 58).
49 Acerca da atuação nesse Departamento, apenas Oliveira (1950) indica algumas informações. Menciona
que duas alunas concluintes (é provável que da segunda metade dos anos 1940) ficaram encarregadas
do então extinto Departamento de Assistência Social da LBA. Recorda Oliveira (1950, p. 34): “Em nosso
meio tivemos duas alunas concluintes encarregadas do antigo Departamento de Assistência Social, que
movimentaram o serviço com a colaboração de senhoras e senhoritas de nossa sociedade. Procuravam
elas através de visitas domiciliares estudar os casos, e apresentavam relatórios às encarregadas do serviço
para diagnóstico, e indicação de tratamento. Mas, apesar de toda boa vontade daquelas que se dedicaram
a esses estudos, não se pode dizer que o trabalho foi realizado dentro da técnica. O espírito assistencialista
dominava dirigentes e dirigidos, e assim começou a Legião a surgir diante do público como uma Instituição
que distribuía gêneros, enxovais, remédios etc. Com o tempo esta mentalidade foi criando vulto em nosso
meio ambiente, e até novembro de 1949 todo nosso esforço e toda verba eram empregados na doação de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 79

Em segundo lugar, se encontram instâncias que começavam a afirmar


o agente técnico especializado no âmbito do Serviço Social como
parte de seus quadros oficiais, onde se localizava sua contribuição
como subsidiária (ou acólita) em face das finalidades e resultados
institucionais estratégicos dos mesmos. A exceção a tal tendência
(de posição subsidiária) era a própria ESSPE, que começou a absor-
ver assistentes sociais diplomadas, a partir de 1944, para atender
aos seus requisitos prioritários de formação especializada. Assim
como nas Agências de Serviço Social Familiar, criadas após 1948,
as quais, pelas suas próprias finalidades, punham a centralidade
da atividade do Serviço Social no processamento de suas finalida-
des precípuas. Embora esse tipo de espaço começasse a despontar,
efetivamente na segunda metade da década, isso não significava:
(I) nem a existência de uma demanda muito numerosa de agentes
– possivelmente não chegasse a duas ou três dezenas o número de
cargos ocupados, muitas vezes com as mesmas pessoas empregadas
em mais de um deles; (II) nem que os mesmos estivessem assumindo
os cargos com a formação concluída (ou seja, diplomados) – a
inexistência de regulamentação legal para o exercício da profissão
possibilitava a ocupação de funções sem o requisito da diploma-
ção, levando a que alunas da ESSPE se incorporassem aos espaços
inicialmente criados. Esse residual quadro profissional despontado
era absorvido em espaços ocupacionais específicos, a partir meados
dos anos 1940, se firmando institucionalmente quanto mais se chega
ao final da década, como trataremos na próxima seção.

3. Os espaços ocupacionais na década de


1940 e seu posterior adensamento

No intervalo que se desdobra, desde a criação da ESSPE, até o início dos


anos 1950, os espaços ocupacionais onde se encontravam assistentes sociais
formadas, e com colocação profissional reconhecida oficialmente nas estru-
turas institucionais, reduziam-se aos seguintes50: a própria Escola de Serviço
Social de Pernambuco; o Juizado de Menores; o Conjunto Residencial de
Casa Amarela; o Hospital Centenário; o Serviço Social da Indústria (SESI);

recursos para prover necessidades imediatas, dada a impossibilidade de educar e encaminhar famílias para
uma situação mais estável e menos humilhante”.
50 É sempre forçoso advertir que tais conclusões correspondem à aproximação a essa realidade permitida
pelo andamento da pesquisa. Até o momento, além dos espaços ocupacionais listados, alguns registros
sugerem a existência de assistentes sociais na Divisão de Tuberculose Divisão de Tuberculose, criada em
1948, integrando o Departamento de Saúde Pública do Estado (GUARANÁ, 1958).
80

a Agência de Serviço Social do Posto de Puericultura Francisco Pignatari; a


Agência de Serviço Social Familiar – Comissão Estadual de Pernambuco; a
Agência de Serviço Social do Hospital Osvaldo Cruz; a Agência de Serviço
Social da Fábrica de Camaragibe; e a Agência de Serviço Social Familiar da
Escola de Serviço Social de Pernambuco. Com exceção da Escola de Serviço
Social, em todas as instituições o Serviço Social começou a comparecer a partir
finais dos anos 1940, e, de modo mais palpável, quando a década já estava se
encerrando. A documentação disponível forneceu algumas características desses
primeiros espaços ocupacionais, sinalizando para algumas tendências predo-
minantes nesse estágio de emergência do Serviço Social em Pernambuco: uma
intervenção profissional balizada pela concepção de “desajustamento social” e
metodologicamente referenciada no Serviço Social de Casos; um público-alvo
basicamente constituído por crianças, adolescentes e mulheres de franjas das
classes trabalhadoras na condição da superpopulação relativa, ou absorvidos,
especialmente, no setor do comércio (sem extração tipicamente operária).
O trabalho de Lira (1953) indica que, em 1946, tem início o Serviço Social
no Juizado Privativo de Menores Abandonados e Delinquentes de Recife, sob
o comando do Juiz de Direito Rodolfo Aureliano da Silva. O Juizado fora
criado em 1934, para “[...] exercer ação preventiva, repressiva e assistencial
aos menores delinquentes e abandonados” (LIRA, 1953, p. 7), através de uma
aparelhagem que incluía: dois Abrigos Provisórios (um masculino e outro
feminino), antes existentes como Internato Profissional 5 de Julho; o Instituto
Profissional de Garanhuns, anteriormente funcionando como Patronato Agrí-
cola de Garanhuns; o Instituto Profissional de Igarassu, antes Escola Correcio-
nal de Garanhuns, mantida pelo Asilo Bom Pastor; e o Serviço de Proteção e
Assistência a Menores Abandonados e Delinquentes, criado em 1938. Junto
ao Juizado, além dos Abrigos Provisórios e demais equipamentos, existiam
alguns estabelecimentos subordinados: o Núcleo de Escoteiros de Bongí (para
menores de 10 anos); o Instituto Profissional de Pacas (para crianças entre 11
a 14 anos); a Granja Jangadinha (para adolescentes com mais de 15 anos); e o
Instituto Profissional Feminino de Garanhuns. O Serviço Social surgiu como
uma das seções do Juizado51, destinado ao “estudo e tratamento de caso” de
cada criança ou adolescente, subsidiando o Juiz nos elementos necessários
para sua melhor elucidação. Os registros de Lira (1953), relativos à segunda
metade dos anos 1940, mostram que o Serviço Social do Juizado contava com
um Diretor, quatro assistentes sociais plantonistas e mais dez visitadoras, e
dispunha de uma agência em cada bairro, com sede em salões paroquiais,
grupos escolares etc. A própria Lira (1953) sinaliza para a interação entre essa
aparelhagem do Juizado, onde o Serviço Social circulava; em seu Trabalho de

51 Assim é descrito o conjunto das seções do Juizado, por Lira (1953, p. 8): Juízo, Delegacia de Menores,
Serviço Social, Serviço Médico e Agência de Colocações.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 81

Conclusão de Curso, diz que estava atuando no Serviço Social do Juizado de


Menores em 1946, quando foi convidada para orientar o trabalho das Censoras
do Abrigo Provisório Feminino (Internato), anexo ao Juizado, e destinado a
receber meninas que aguardavam estudo e solução dos seus processos.
Por outro lado, Oliveira (1957) registra que, em janeiro de 1946, surgiu
o Serviço Social no Conjunto Residencial de Casa Amarela, concomitante à
inauguração dos próprios apartamentos, sendo criada, em abril do mesmo ano,
uma Agência de Serviço Social de Casos no local. O Conjunto foi subsidiado
pela carteira imobiliária do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comer-
ciários (IAPC), constituído por 243 casas de 2 pavimentos (totalizando 486
apartamentos), para atender às necessidades de habitação dos seus associados,
através de aluguel dos imóveis. Empregando, de princípio, uma assistente
social e duas agentes (então estagiárias de Serviço Social e alunas da ESSPE),
o Serviço Social do Conjunto Residencial nasce com intuito de selecionar os
candidatos inscritos à aquisição das casas. Já a Agência de Serviço Social de
Casos é aberta para atender às famílias – em especial as mulheres e crianças
– que eram identificadas em condição de “desajustamento social”. Mantida
através de uma porcentagem dos aluguéis, primeiramente esteve instalada
em uma das casas, conquistando uma sala do prédio da administração do
Conjunto Residencial anos depois. O Trabalho de Conclusão de Curso de
Barreto (1955) mostra que as primeiras instalações representavam condições
bastante limitadas para atuação do Serviço Social. E que circunstâncias mais
favoráveis foram alcançadas apenas em setembro de 1949, após a inauguração
da Biblioteca Infantil, a incorporação de estagiárias da ESSPE de Serviço
Social e a admissão de funcionárias – algo que, inclusive, oportunizou o
desenvolvimento de experiências do Serviço Social de Grupos com crianças
e adolescentes do Conjunto Residencial. Já em dezembro de 1952, um Centro
Social é aberto, aglutinando todas as ações desenvolvidas (corte e costura,
culinária, biblioteca, jogos, trabalhos manuais, discoteca etc.). Porém, Gitirana
(1960, p. 11) informa que em 1956 o Serviço Social naquele Conjunto passa
por uma crise que leva a sua dissolução em 1959.
Uma experiência pontual também se registra no âmbito do Hospital Cente-
nário52, vinculado à Secretaria de Estado dos Negócios de Saúde e de Educação
de Pernambuco. Sua existência foi significativa, pois se referiu a uma atuação

52 Fundado em 7 de setembro de 1922, por uma associação de médicos, situado no bairro dos Alfitos, e
passando a ser subvencionado pelo governo de Pernambuco alguns anos depois, o primeiro Hospital do
estado abrigou, ao longo dos anos, algumas clínicas da Faculdade de Medicina, clínicas de pensionistas,
clínicas de contribuintes e Serviço Social Médico do Instituto Pensões dos Servidores do Estado de Per-
nambuco (IPSEP), sendo também um campo de trabalho prático da Escola de Enfermagem do Estado.
Mais precisamente, em 1938, com a criação do IPSEP, o Centenário passou a ser chamado de Hospital do
IPSEP, destinado a prestar assistência aos servidores do Estado. A Lei complementar que criou o Sistema
de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Estado de Pernambuco (SASSEPE) oficializou-o como
Hospital dos Servidores do Estado.
82

reconhecida institucionalmente, através da Portaria n. 568, de 5 jul. 1947,


criando a função de “auxiliar do Serviço Social” na instituição. Santiago (1954,
p. 59) sinaliza, no entanto, que a criação do Serviço Social ali não resultara de
uma necessidade sentida pelo próprio Hospital, mas de uma iniciativa do então
Secretário de Saúde e Educação, Dr. Antônio Figueira, sensível às contribuições
que essa atuação poderia oferecer. No entanto, o Serviço Social no Hospital
durou apenas nove meses, sendo extinto pela Portaria n. 190, de 31 mar. 1948
– a que Santiago (1954, p. 60) alega que a revogação ocorreu por “aconte-
cimentos políticos” relacionados à substituição de dirigentes da Secretaria e
do Departamento de Assistência Hospitalar. Durante esses meses, a aluna em
formação designada para o cargo, Semíramis de Araújo Santiago, e seu grupo
de estagiárias, aplicaram o Serviço Social de Casos com os pacientes (envol-
vendo plantão, triagem, entrevistas, visitas domiciliares, orientações), além
das articulações com outros serviços e obras sociais para apoiar as demandas
dos casos, reuniões internas e entendimentos com a administração do Hospi-
tal – nota-se, nessa experiência, registrada em Santiago (1954), inobstante seu
enfoque nos casos individuais, centrado nos “desajustamentos”, um discurso
ideológico pouco permeado pelo trato doutrinário.
Do trabalho desenvolvido no SESI, ainda nos anos 1940, as fontes docu-
mentais apenas indiretamente fornecem informações. O trabalho de Collier
(1955, p. 15) informa que as primeiras atividades de Serviço Social no setor
industrial em Pernambuco datam de 1947, com a criação do SESI no Estado,
através de um Departamento Regional. Desde essa data, o tal Departamento
achava-se organizado em quatro grandes Divisões, além do Conselho Regio-
nal: Divisão de Pesquisa, Assistência Jurídica e Divulgação; Divisão Admi-
nistrativa; Divisão de Ação Social; e Divisão de Educação e Cultura. A Ação
Social compreendendo serviços médicos, dentário, de recreação e assistência
social propriamente dita. Para efetivar a assistência, Núcleos foram organi-
zados nas zonas de maior densidade operária de Recife (com sub-Núcleos
também no interior do Estado53), nos bairros de Santo Amaro, Água Fria, Sítio
Novo, Beberibe, Casa Amarela, Mustardinha, Mangueira, Barro, Cordeiro e
Torre. Alguns trabalhos iniciais foram de pesquisa sobre as condições econô-
micas e culturais dos trabalhadores e suas famílias, a cargo de funcionários
do SESI e alunas da ESSPE. O trabalho de Collier (1955) descreve a atuação
inicial do Serviço Social no sub-Núcleo da Fábrica de Camaragibe, instalado
a partir de 1949, aplicando Serviço Social de Casos, com uma estratégia de
plantão social, numa perspectiva de superação dos “desajustamentos” dos
operários e suas famílias, com uma perspectiva de formação voltada para

53 Os subnúcleos no interior estavam ligados a indústrias isoladas, predominantemente açucareiras, menos


aparelhados do que os Núcleos da capital. Nesse caso, o serviço ficava a cargo, mostra Collier (1955, p.
18), de uma pessoa com curso intensivo de Serviço Social promovido pelo SESI e dirigido pela ESSPE.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 83

atitudes de conciliação e colaboração com os patrões e as direções de fábrica.


Isso ocorria através da operacionalização dos serviços, orientações e auxí-
lios assistenciais do SESI, com uma rotina de cadastramentos de famílias,
entrevistas, visitas, acompanhamento de casos, viabilização de casamentos
e registros civis.
Também, dentre as instituições (privadas ou oficiais) que, até 1952, se
propunham a assistir à maternidade e à infância do Estado, apenas o Posto
de Puericultura Francisco Pignatari54– conforme Lima (1958) – havia criado
oficialmente o Serviço Social na sua estrutura organizacional (em outubro
de 1949), não obstante o carecimento de pessoal técnico nomeado, ainda no
início dos anos 1950.55 É assim sinalizado, por Lima (1958, p. 77), o caráter
ainda inconsistente do Serviço Social ali existente em 1952: “É normal que
não possam ser apresentados grandes resultados, diante da impossibilidade
material da realização do trabalho. Apesar do Serviço Social ter sido fun-
dado naquele Posto há 3 anos, ainda não logrou merecer pessoal técnico,
nomeado pelo Estado, para exercer suas funções”. Tratava-se da existência de
uma Agência de Serviço Social naquele Posto, destinada a prestar assistência
social e educativa às gestantes matriculadas no Serviço Pré-Natal, através da
aplicação do Serviço Social de Casos. Em 1951, há uma tentativa também
de adoção do Serviço Social de Grupos, interrompida, e reiniciada no ano
seguinte. Com efeito, essa consistia na primeira e única Agência de Serviço
Social do Departamento Estadual da Criança até 1958, ano de redação do
trabalho de Lima (1958).
Por último, encontramos também nas Agências de Serviço Social Fami-
liar alguns espaços de intervenção do Serviço Social em Pernambuco, cujo
início remonta ao final dos anos 1940. Oliveira (1950) dirigiu o Setor de
Assistência à Família da LBA56, e sistematizou sua experiência na Agência de
Serviço Social Familiar – Comissão Estadual de Pernambuco, criada em 1949
como um setor da Assistência à Família na sede da LBA. Seu trabalho sugere
uma atuação balizada pela concepção de “reajustamento” e a aplicação do
Serviço Social de Casos, com forte perspectiva vocacional e apelo doutrinário,
sendo desenvolvido em regime de plantão. Antes de 1949, apenas algumas
experiências embrionárias se verificam no então extinto Departamento de

54 Unidade localizada em Casa Amarela, na Estrada do Arraial, nº 4140.


55 A assistente social chefe, que assumiu na época, foi a concluinte Semiramis Santiago, ex-aluna da ESSPE.
56 Ela afirma ter estagiado no Colégio Estadual de Pernambuco, provavelmente durante o primeiro lustro
dos anos 1940, pois fazia parte da primeira turma, sem, contudo, ter conseguido aproveitar o trabalho
desenvolvido para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, com a dispersão da turma inicial da
Escola nesses anos. Afirma ainda que sua intenção primitiva era utilizar a formação de Serviço Social para
servir à Juventude Operária Católica, da qual fazia parte. Menciona que sua formação também recebeu
uma contribuição do Instituto Social do Rio de Janeiro e da Escola de Serviço Social de São Paulo, a partir
de uma bolsa de estudos de aperfeiçoamento de concluintes e terceiranistas concedida pela LBA.
84

Assistência Social da LBA, protagonizadas por alunas concluintes da ESSPE.


Oliveira (1950, p. 34) assim avalia essas experiências nascentes: “Procuravam
elas [as concluintes] através de visitas domiciliares estudar os casos, e apre-
sentavam relatórios às encarregadas do serviço para diagnóstico, e indicação
de tratamento. Mas, apesar de toda boa vontade daquelas que se dedicaram a
esses estudos, não se pode dizer que o trabalho foi realizado dentro da técnica.”
Ademais, Oliveira (1950) menciona a existência de outras quatro Agên-
cias inauguradas, em geral, após 1948, empregando assistentes sociais: a já
mencionada Agência de Serviço Social do Posto de Puericultura Francisco
Pignatari, de Casa Amarela, prestando assistência médica, social e material a
gestantes do bairro, através do estudo de casos; a Agência de Serviço Social
do Hospital Osvaldo Cruz, a qual tinha por “[...] finalidade garantir o contato
entre o doente e sua família, e orientá-lo em relação às prescrições médicas,
reajustando-o pelo estudo de caso e tratamento conveniente, sob o ponto de
vista médico, material e moral” (OLIVEIRA, 1950, p. 78); a Agência de
Serviço Social junto à Fábrica de Camaragibe, do SESI, que se propunha a
“[...] atuar como agente de ligação entre os operários e a direção da Fábrica,
exercendo sua ação junto ao patrão e contribuindo para que êste possa com-
preender certos problemas, quer de ordem geral dos seus operários, obtendo
a sua participação na solução dos mesmos” (OLIVEIRA, 1950, p. 79); e a
Agência de Serviço Social Familiar da Escola de Serviço Social de Pernam-
buco, que funcionava “[...] como campo de treinamento de alunas, ministran-
do-lhes os conhecimentos práticos do Serviço Social de Casos Individuais,
com a supervisão da professora da referida cadeira” (OLIVEIRA, 1950, p. 79).
Esse quadro dos espaços ocupacionais de assistente sociais é dinamizado
pelas transformações econômicas e políticas deslanchadas no Nordeste nas
décadas seguintes. Uma expressão do “desenvolvimento desigual interno”
(FERNANDES, 1976) do capitalismo no Brasil é esse compasso temporal
peculiar da acumulação de capital na região: somente após os anos 1960 ela
sofre um impulso industrializante de maior vulto. A erosão da economia
tradicional e a submissão ao capital monopolista, comandado pelo Centro-
Sul e subsidiado pelo Estado, implicaram num agravamento das sequelas
sociais da acumulação e num acirramento das lutas de classes em nível
regional. Concomitantemente, ocorria uma significativa modernização e
complexificação da aparelhagem governamental necessária à regência dos
novos processos produtivos e ao deslocamento das contradições sociais
e políticas crescentes – cujo ponto culminante se encontra nas mudanças
operadas no bojo do ciclo ditatorial aberto em 1964.57Assim, mesmo antes

57 Uma síntese da relação entre esse ciclo industrializante no Nordeste, a atuação da SUDENE e as modifi-
cações da formação em Serviço Social na região é oferecida por Vieira (1992). O estudo de Oliveira (1981)
analisa essa captura do Nordeste pelo grande capital. E o relato de Page (1972) fornece uma interessante
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 85

de encerrada a década de 1960, a composição do mercado de trabalho de


assistentes sociais estava em expansão, e era francamente mais complexa
do que aquela despontada dois decênios antes – refletindo no maior número
das diplomações, conforme o gráfico anterior.58 Um documento da ESSPE,
destinado ao levantamento dos motivos para a criação do Departamento de
Serviço Social na Universidade Federal de Pernambuco, fornece o panorama
dos espaços existentes em finais de 1960, e das perspectivas abertas:

Vale a pena referir, neste particular, a expansão do Serviço Social que vem
se efetuando até mesmo nas Universidades, como é o caso da experiên-
cia do CRUTAC (Centro Rural de Treinamento de Ação Comunitária),
iniciada no Rio Grande do Norte [...]. Também a ampliação do Serviço
Social ao nível da comunidade, nos hospitais universitários, se constitui
fonte de demanda profissional. Todavia, fora dos limites da Universidade,
os planos de desenvolvimento integrado, que os municípios de maior
relevo do Nordeste se aprestam a realizar, de acordo com programação
do Ministério do Interior, estão, necessariamente, ampliando a faixa de
atuação dos Assistentes Sociais, vinculados como são estes, pela sua pro-
fissão, ao desenvolvimento. As reformas administrativas em execução
contribuem, por sua vez, para alargar os horizontes profissionais, eis que se
vem revelando os Assistentes Sociais técnicos de grande valor na aplicação
de políticas e procedimentos da administração de pessoal [...]. Mas, não se
pode deixar de mencionar a demanda profissional, nos serviços de assis-
tência aos menores, como é o caso da Fundação Estadual de Bem-Estar do
Menor, que vem contratando os serviços de um bom número de Assistentes
Sociais; assim, também o INPS cujo órgão de pessoal em Pernambuco
tem recrutado profissionais até em outros Estados (ESSPE, 1969, p. 2).

Prossegue o mesmo documento, arrolando as principais instituições


empregadoras então existentes, e algumas áreas de atuação: o chamado “ser-
viço social penitenciário”; os “serviços sociais” dos órgãos de Previdência
Social em geral; os programas de desenvolvimento comunitário realizados
sob os auspícios da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto
Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA); as Secretarias de Estado; o
Serviço Social Contra o Mocambo; o Departamento de Estradas e Rodagem; a
Prefeitura Municipal do Recife; a Companhia Hidroelétrica de São Francisco
(CHESF); a Companhia Hidroelétrica de Boa Esperança (COHEBE); a Rede
Ferroviária do Nordeste (RFN); a Companhia Pernambucana de Borracha
mostra da movimentação camponesa, da atuação das esquerdas, da SUDENE e da intervenção norte-a-
mericana nesse período.
58 Pense-se, por exemplo, como, somente no ano de 1957, a ESSPE diplomou o mesmo número de assistentes
sociais (16) que havia formado, cumulativamente, nos dezesseis anos anteriores de sua existência.
86

Sintética (COPERBO); a Legião Brasileira de Assistência (LBA); as Entida-


des Paraestatais como o Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Social
da Indústria (SESI) etc.; a Arquidiocese de Olinda e Recife e as Dioceses
do Interior; a Confederação Evangélica; as Cooperativas; os Hospitais; as
Empresas Privadas de maior porte etc. (ESSPE, 1969, p. 3).
Em termos dos campos de trabalho, são assim classificados na Exposi-
ção de Motivos (ESSPE, 1969, p. 2-3), associados às respectivas respostas
profissionais previstas à época:

[...] a saúde pública, que pode ser reforçada por esses profissionais com
vistas à recuperação dos enfermos; a educação, pela integração entre
escola, família e comunidade; no trabalho, como foi referido, sobretudo
no âmbito da administração de pessoal, concorrendo para o esclarecimento
das relações entre patrões e empregados e buscando a sua melhoria, além
de organizando e coordenando os programas de bem-estar dos emprega-
dos; nos planos de habitação, selecionando e educando os moradores das
novas residências, auxiliando-os na adaptação ao novo ambiente além
de colaborarem em outros serviços próprios de comunidade; na justiça
pesquisando antecedentes sociais, participando das questões envolvidas
no cumprimento de normas do Direito de Família, assistindo na reabilita-
ção de delinquentes etc.; nos programas de nutrição das escolas, em que
intervêm fatores sociais auxiliando, também, na disseminação de infor-
mações sobre dietética. Isto, sem falar nos programas de desenvolvimento
da comunidade, em que o Assistente Social além de exercer funções de
organização e educação pode realizar numerosos outros trabalhos de con-
teúdo social, variáveis em função dos objetivos fixados e das autoridades
que superintendem a execução do programa.

Com isso, buscamos sinalizar o adensamento dos espaços ocupacionais


e das áreas de atuação, ocorrente, sobretudo, após os anos 1960, para nuançar
o caráter embrionário das possibilidades de intervenção profissional vigentes
ao final da década de 1940. Embora a consolidação do Serviço Social suponha
a sua emergência, as alternativas de intervenção presentes nesta última não
correspondem – nem qualitativa, nem quantitativamente – àquelas alcançadas
quando da vigência das tendências econômicas, políticas e estatais desabro-
chadas pelo metabolismo capitalista das décadas seguintes.

4. Considerações finais

Os anos 1940 consistem no período de gestação do Serviço Social em


Pernambuco. Com efeito, até antes do encerramento da década, os supostos que
contribuiriam para forjá-lo enquanto área de intervenção sócio-ocupacional
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 87

específica, com inserção minimamente efetiva e reconhecida na aparelhagem


assistencial, ainda estavam sendo firmados. Essa particularidade temporal do
evolver da profissão no estado, por sua vez, contribui para a determinação
dos arranjos teórico-metodológicos, da especificidade e complexidade das
demandas e respostas profissionais, da autorrepresentação dos agentes, que
marcam peculiarmente o Serviço Social nessa realidade regional desde sua
constituição. Ou seja, já a partir da sua efetiva emersão profissional, pratica-
mente dada na entrada dos anos 1950, os vetores próprios da sua constituição
não se restringem aos que concretizam estritamente o Serviço Social “tradi-
cional” e o “perfil pedagógico da ‘ajuda’”.
Seja em algumas experiências práticas iniciais mais consistentes, sejam
nos requisitos da formação especializada firmados após o aparelhamento
da ESSPE, se inscrevem elementos próprios da erosão do tradicionalismo,
também associados ao “perfil pedagógico da ‘participação’” (ABREU, 2008)
– tanto, por exemplo, com a assimilação de disciplinas e instrumentos da
abordagem “comunitária” (após 1948), com o envolvimento da ESSPE nos
Congressos Pan-americanos de Serviço Social (iniciados a partir de 1945),
quanto com a evidente presença, no discurso e orientação profissional, de um
aspecto técnico, balizado pela psiquiatria e/ou por referenciais norte-ameri-
canos (notadamente, na experiência ocorrida em finais de 1940, na Escola
Ulisses Pernambucano, e na criação do Fichário Central de Obras Sociais,
também nesse período). Essa particularidade sinaliza para uma tessitura do
Serviço Social em Pernambuco mais permeável (menos refratária) a tendên-
cias atualizadoras e/ou inovadoras – cujo espectro comporta, desde aquelas
de cariz modernizador, até as perspectivas abertamente contestadoras.
88

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CAPÍTULO 5
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO
NOS ANOS 1950: racionalização do ensino
e diversificação técnico-profissional

Adilson Aquino Silveira Júnior


Lenita Maria Maciel de Almeida
Mariana Macena da Silva

1. Introdução
Esse estudo exploratório visou apreender as determinações que particu-
larizam o Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950. Tal particularidade
foi abordada, sempre com caráter aproximativo, considerando as seguintes
dimensões: (I) as expressões da “questão social” em nível regional e seu pro-
cessamento através das políticas sociais pelo Estado; (II) as reconfigurações da
formação profissional, com vistas à sua racionalização e atualização através da
influência norte-americana; (III) a constituição dos espaços e demandas sócio-o-
cupacionais, e das respostas profissionais, suas transformações e tendências na
década. Nos anos 1950, tais dimensões inscrevem-se num estágio do desenvol-
vimento do Serviço Social – em nível regional e nacional – no qual se verifica
o progressivo processo de laicização, institucionalização e profissionalização,
sob a crescente influência do estrutural-funcionalismo norte-americano. As
três dimensões foram apropriadas por meio de dados primários e secundários
oriundos de fontes bibliográficas e documentais.
Do ponto de vista teórico, o estudo pode contribuir no avanço das pesquisas
sobre a história da profissão no estado. Inobstante a importância das investi-
gações existentes, verificamos ainda um pequeno número de iniciativas isola-
das, e debruçadas sobre dimensões e temporalidades parciais (GOMES, 1987;
PADILHA, 2008; VIEIRA, 1992). Do ponto de vista profissional, a investigação
histórica tem o potencial de fundamentar projetos de intervenção que, aproprian-
do-se eficazmente do passado, consigam ambicionar objetivos e alternativas de
atuação referenciados pela ruptura com o conservadorismo, tradicionalmente
perpetuado, usualmente sob novas formas e expressões.
O primeiro eixo, relativo às expressões da “questão social” e às políti-
cas sociais em Pernambuco, foi explorado através do estudo bibliográfico de
94

monografias, dissertações, teses e livros afetos aos referidos temas; as fontes


bibliográficas que constituíram o ponto de partida dizem respeito aos trabalhos
de Gomes (1987), Gominho (2011, 1998, 1993), Padilha (2008), Page (1972),
UFPE (1985) e Vieira (1992). Os aspectos nacionais foram apropriados princi-
palmente pelos seguintes textos: Ammann (2003), Behring e Boschetti (2006),
Fernandes (1976), Ianni (1977), Oliveira (1981) e Vieira (1983). As variáveis
principais capturadas com o estudo bibliográfico correspondem a três comple-
xos de determinações basilares na constituição e desenvolvimento do Serviço
Social: a especificidade do metabolismo da acumulação capitalista incidente na
realidade regional nos anos 1950; as principais manifestações da desigualdade
social desenvolvida sob essa especificidade econômico-social contraditória, e
as conflitualidades e lutas precipitadas por tal dinâmica; e as respostas mais
significativas, das instâncias de governo e dos organismos da sociedade, a essas
desigualdades e conflitos na forma de ações, serviços e políticas sociais, base
das demandas e dos espaços ocupacionais do Serviço Social.
Os demais eixos, correspondentes à dinâmica da formação profissional,
aos espaços de trabalho e às respostas profissionais, foram abordados, predomi-
nantemente, através de dados primários (coletados nos documentos da extinta
Escola de Serviço Social de Pernambuco (ESSPE), em especial as monografias
defendidas entre os anos 1950-1960) e, subsidiariamente, dados secundários,
oriundos de estudos que abordaram, direta ou indiretamente, os temas em tela
– em especial, os trabalhos de Padilha (2008), Vieira (1992) e UFPE (1985). No
tocante à dinâmica da formação profissional nos anos 1950, as principais variá-
veis que a contemplam correspondem às reconfigurações no quadro e conteúdo
das disciplinas ofertadas, nas definições e processamento das experiências de
estágio, nas articulações institucionais em que a ESSPE se envolve para o aper-
feiçoamento do ensino. Além das sínteses já fornecidas pela pesquisa de Vieira
(1992) em torno dessas variáveis, utilizamos como fontes de dados, principal-
mente, os relatórios anuais da direção da ESSPE, os regulamentos, estatutos e
regimentos da ESSPE e o Relatório da Comissão Verificadora (ESSPE, 1955).
Com respeito ao significado social das respostas profissionais, as principais
variáveis consideradas foram: as características das instituições que empregam
assistentes sociais no estado durante o período (seus objetivos organizacionais,
os “públicos-alvo” atendidos, as ações demandadas para o Serviço Social);
os objetivos profissionais estabelecidos para os referidos espaços; a especifi-
cidade teórico-metodológica da atuação profissional (racionalidade e matriz
teórica mobilizadas, de modo subjacente ou explícito) e sua dinâmica técni-
co-operativa. Aqui, contamos especificamente com os dados fornecidos pelas
monografias produzidas pelas alunas da ESSPE nos anos 1950, nas quais se
encontram registros bastante aproximados das variáveis apontadas, visto que
os objetivos centrais dos trabalhos monográficos eram fornecer um registro
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 95

das experiências de estágio nas instituições existentes. O material empírico


relativo à década de 1950 correspondeu à, aproximadamente, 52 monografias,
redigidas entre 1951 e 1961. De modo secundário, recorremos a alguns docu-
mentos da ESSPE que forneciam elementos para um mapeamento dos espaços
ocupacionais – com destaque para os Relatórios Anuais da Direção da ESSPE
e os relatórios elaborados para a anexação da Escola à UFPE (ESSPE, 1969).
A apreensão dessa realidade é proposta com a perspectiva de levantamento
e síntese de materiais empíricos, e construção de hipóteses analíticas, referentes
à particularidade do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950. Do ponto de
vista analítico, o estudo busca reunir matéria-prima documental e hipóteses para
decifrar o significado social da profissão na particularidade regional da década,
em termos dos seus condicionamentos econômicos e políticos específicos, além
dos efeitos de sua intervenção na dinâmica das relações entre as classes sociais
e a reprodução das relações sociais e suas contradições.
No Serviço Social em Pernambuco germinam, nos anos 1950, duas
mudanças que se ligam àquelas detectadas por Iamamoto e Carvalho (2005)
nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Uma delas, ocorrente no lócus de
reprodução da categoria profissional, consiste no despertar dos processos de
racionalização e tecnificação da formação, dos quais as variáveis mais sinto-
máticas são a padronização do ensino, a laicização e a afirmação da influência
de matrizes teórico-metodológicas norte-americanas. A outra, referente aos
aspectos da atuação profissional, envolve a institucionalização da profissão, a
relativa expansão e diversificação dos espaços ocupacionais e um esboço de
diferenciação técnico-profissional, indicadas no quantitativo crescente de assis-
tentes sociais diplomados, no aumento numérico dos postos de trabalho e numa
maior diversidade dos métodos e técnicas de que se vale o Serviço Social na
intervenção. A seguir, buscamos apreender as características e tendências dessas
transformações em Pernambuco, sinalizando para o caráter ainda germinal das
mesmas na particularidade dos anos 1950.

2. O início da racionalização e tecnificação


da formação profissional
Os anos 1950 constituem o período em que se desencadeiam os processos
de racionalização e tecnificação da formação profissional do Serviço Social em
Pernambuco. A normatização nacional do ensino expressa-se numa padronização
cuja consequência é a relativa laicização do currículo da ESSPE. O estreitamento
das relações do Brasil com os EUA resulta em iniciativas de intercâmbio que
adensam a influência norte-americana na formação profissional no Nordeste,
em especial em Pernambuco. A regulamentação da profissão, associada às pres-
sões crescentes pela abertura e reconhecimento de ocupações na aparelhagem
96

estatal, multiplica o ritmo das diplomações. E as contingências globais das


transformações na estrutura socioeconômica e no Estado, em nível nacional e
regional, parecem agravar as vicissitudes estruturais e financeiras da ESSPE,
despertando a necessidade de sua absorção pela universidade.59
Inobstante esse desencadeamento, nos anos 1950 não são operadas trans-
formações profundas naquelas variáveis que definiam o Serviço Social em
Pernambuco na década anterior. No plano das condições estruturais e humanas
para efetivação da formação especializada, observam-se circunstâncias mais
consistentes, progressivamente alcançadas após meados de 1940, como a incor-
poração de assistentes sociais formadas no quadro docente e a aquisição de um
prédio próprio para sede da Escola. Ademais, orientada pelas resoluções das
convenções da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS)
e, em seguida, pela padronização legal do ensino instituída pela Lei n. 1.889,
de 13 jun. 1953, e o Decreto n. 35.311, de 2 abr. 1954, a Escola realizou alte-
rações substantivas no currículo durante a primeira metade da década, cuja
consequência mais significativa foi o adensamento das disciplinas afetas ao
campo profissional e o enxugamento dos componentes doutrinários do currí-
culo mínimo – algo que foi revertido com a adoção de disciplinas eletivas, e
a realização de seminários de formação, visando o fortalecimento dos valores
católicos entre o corpo discente. Assim, após a efetiva regulamentação do ensino
em Serviço Social no Brasil, a ESSPE encaminhou ao Ministro da Educação
um pedido de reconhecimento, que demandou um relatório de uma comissão
verificadora federal. O reconhecimento foi concedido pelo Decreto n. 39.009,
de 14 abr. 1956.
Associadas a padronização e relativa laicização do currículo, manifes-
tam-se as primeiras articulações que incidem no maior peso da influência nor-
te-americana na formação do Serviço Social em Pernambuco. Um canal que
sedimentou essa hegemonia no Serviço Social brasileiro foi o intercâmbio das
Escolas com professores e profissionais estrangeiros (norte-americanos e euro-
peus), a partir dos termos do Acordo Ponto IV. Isso resultou em diversas ações,
em termos do Nordeste: em 1952, a visita da assistente social norte-americana
Miss Katheryn Knapp cumprindo o Acordo Ponto IV, e patrocinada pela União
Pan-americana, para subsidiar os trabalhos assistenciais e da ESSPE durante
um mês; em 1953, a visita de Rose Alvernaz para discutir Serviço Social de
Menores; em 1954, a concessão de bolsa de estudos, pela Organização das
Nações Unidas (ONU), para uma professora da Escola (a vice-diretora Maria
Dolores Coelho) estudar Cooperativismo na Dinamarca; em 1955, a exposição
59 Caso se queira completar o quadro dessa trajetória da racionalização e tecnificação da formação profissional,
aberto nos anos 1950, deve-se acrescentar a experiência (inconclusa) de departamentalização pela qual
passa a ESSPE nos anos 1960, apoiada através de um convênio com o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF-FISI) (SOUSA; CARMO, 1965), e as transformações levadas a efeito com a incorporação
da Escola à Universidade Federal de Pernambuco, a partir de 1971.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 97

das atividades da Conselheira de Bem Estar do Instituto de Assuntos Intera-


mericanos do Ponto IV, Lavínia Keys; ainda em 1954, a visita das diretoras da
União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS) para discutir a Ação
Social na Bélgica e as atividades da entidade; no mesmo ano, a promoção de
um curso sobre Serviço Social de Grupo, por parte de Miss Catherine Jennings,
este contando com 182 alunos/as, entre professores/as, supervisores, estudan-
tes e pessoal de obras sociais de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte
e Ceará; no ano seguinte, o retorno de Miss Jennings, com apoio de Lavínia
Keys do Ponto IV, para complementação do curso; posteriormente, uma confe-
rência sobre Cooperativismo com o Padre Peter Nearing, do Canadá. Durante
o período, houve também uma intensa visitação de renomados intelectuais da
profissão em nível nacional: Alceu Amoroso Lima (1956), Balbina Ottoni Vieira
(1956), Giovana Xavier (1958), Sarah Fiúza (1959), Maria Augusta Albano
(1960), dentre outros (VIEIRA, 1992).
Por outro lado, são reiteradas algumas vicissitudes funcionais e financeiras
que praticamente acompanham todo o período de existência da Escola. Tais
vicissitudes se expressavam, por exemplo, na instabilidade e nas defasagens
das finanças60, que implicavam: na incapacidade de efetivação de reformas e
melhorias necessárias a aparelhagem do prédio para assumir plenamente as
funções pedagógicas (como no caso do projeto inconcluso de um auditório);
na baixa remuneração (referida como efetivamente simbólica) dos elementos
que assumiam encargos docentes, na ocorrência de atrasos dos honorários e
em baixos índices de frequência dos/as professores/as na aplicação das dis-
ciplinas. Associado a isso, ocorriam limitações pedagógicas implicadas nas
dificuldades de garantia de satisfatórias supervisões acadêmicas e de campo do
estágio, causadas, seja pelo excesso de trabalho das professoras e assistentes
sociais, que acumulavam vínculos, seja pela ausência mesma de profissionais
em alguns campos novos procurados pelas alunas (como nos casos de algumas
experiências exploratórias no âmbito da Organização e Desenvolvimento de
Comunidade). Ademais, o acumulo de tarefas com outras profissões, por parte
das alunas, e a falta de tempo para a orientação, por parte das professoras,
levava as concluintes a recorrentes atrasos na finalização dos Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC’s) e, portanto, no alcance da diplomação – algo que,
possivelmente, condicionou a extinção do procedimento de arguição oral desses
trabalhos, em 195861, e a abertura para a possibilidade de realização dos mesmos

60 Pelos Relatórios Anuais da Direção da ESSPE, observa-se que menos da metade dos recursos da Escola
correspondiam às taxas escolares pagas pelas alunas. A maior parte dos recursos advinha de doações
diversas e das subvenções – e destas, as de maior peso eram as do Governo Federal e da LBA, em menor
medida do Governo Estadual e Municipal, em algumas ocasiões, do Departamento Nacional da Criança
(DNCr), da UNESCO e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
61 Em documento da ESSPE que apresenta a justificativa da supressão da arguição dos TCC’s, assim se coloca
o argumento: “[...] a supressão da argüição do trabalho de conclusão de curso corresponde a opinião da
98

em grupo, a partir de 1965.62 Em determinados momentos, o baixo recrutamento


também representou uma preocupação da administração da Escola, ao ponto
dos seus quadros docentes e discentes envolverem-se em algumas campanhas
para a divulgação do Serviço Social nas escolas, com expectativa de ampliação
de candidatas ao exame de admissão.63
Em suma, os problemas, sobretudo financeiros, se avolumam a tal ponto
que a Escola foi obrigada a tomar uma decisão, em 1958, pelo pedido de sua
agregação a então Universidade do Recife. A partir daí se inicia um processo de
negociação com a administração universitária que apenas se conclui no início
de 1970, e no curso do qual foi suplantada a condução confessional e privada
do ensino em Serviço Social no estado. Algo já em vista dos setores que admi-
nistravam a Escola, quando, ainda em 1961, precisaram substituir o pedido de
agregação, logo recusado pelo então Reitor da Universidade do Recife, pela
requisição de incorporação – que significava, segundo um relatório da própria
direção da Escola, a “[...] renúncia à sua posição de entidade particular e confes-
sional tornando provável o aparecimento de outros problemas mais graves que o
financeiro, como sejam a quebra de sua orientação doutrinária e a interferência
da política partidária na instituição” (ESSPE, 1961, p. 24).
Do ponto de vista do quadro docente e do corpo profissional, a década
de 1950 se diferencia da anterior apenas pelo fato de que nela pode-se dizer que
a Escola começou de fato a diplomar as alunas que iniciaram suas primeiras
turmas (enquanto nos anos 1940 verificam-se duas diplomações, na década
seguinte, esse número foi pouco mais de sessenta, com a maior parte das mesmas
concentradas entre os anos 1957-1959). Efetivamente, só a partir desses anos
finais da década é que se pode constatar o início de um padrão novo no ritmo
das diplomações – até 1956 vê-se, na média, menos que uma diplomada por
ano e, após esse momento, essa média subiu para aproximadamente 15. Com
efeito, tal fenômeno, em parte, se explica pela afirmação dos marcos legais da
padronização e racionalização do ensino em nível nacional e pelo reconhe-
cimento do exercício profissional. Em parte, também pode estar associado à
expansão e diversificação das oportunidades profissionais ocorrentes com a
ampliação dos espaços ocupacionais – embora nas proporções e circunstâncias

maioria das Escolas de Serviço Social reunidas ultimamente em Salvador, por ocasião da VII Convenção
da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS). Igualmente, corresponde ao desejo dos
alunos manifestado no I Congresso Nacional de Estudantes de Serviço Social, realizado em Recife, em
fevereiro do corrente ano. Na realidade, a argüição não acrescenta em nada a experiência do aluno e o valor
do trabalho. Por outro lado, levando-se em conta a tensão nervosa muito comum nas pessoas submetidas a
provas orais, pode trazer para o aluno resultados pouco satisfatórios que não correspondem à sua própria
capacidade” (ESSPE, [1957 ou 1958]).
62 Sobre essa questão, um documento avulso da ESSPE registra que a motivação para a adoção desse procedimento
relacionava-se a execução do plano de estágio em equipe e com objetivos comuns e atividades correlatas.
63 Esse quadro geral de dificuldades, acumulado até os anos 1960, e que serviu de justificativa para encampar
o projeto de departamentalização, é esboçado em Sousa e Carmo (1965).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 99

de um mercado da força de trabalho ainda restrito. Ou seja, se nos anos 1940


os espaços ocupacionais onde o Serviço Social em Pernambuco inseria-se com
alguma estabilidade e lastro de reconhecimento institucional reduziam-se a,
aproximadamente, meia dúzia, na década de 1950 esse número cresce para
mais que o dobro.64

3. Expansão restrita e diversificação dos espaços ocupacionais


No intervalo que se desdobra, desde a criação da ESSPE, até o início dos
anos 1950, os espaços ocupacionais onde se encontravam assistentes sociais
formadas, e com colocação profissional reconhecida oficialmente pelas estru-
turas institucionais no estado, circunscreviam-se aos seguintes:65 a própria
Escola de Serviço Social de Pernambuco; o Juizado de Menores; o Conjunto
Residencial de Casa Amarela; o Hospital Centenário; o Serviço Social da
Indústria (SESI); a Agência de Serviço Social do Posto de Puericultura
Francisco Pignatari; a Agência de Serviço Social Familiar – Comissão
Estadual de Pernambuco; a Agência de Serviço Social do Hospital Osvaldo
Cruz; a Agência de Serviço Social da Fábrica de Camaragibe; e a Agência
de Serviço Social Familiar da Escola de Serviço Social de Pernambuco. Com
exceção da Escola de Serviço Social, em todas as instituições o Serviço Social
começou a comparecer a partir finais dos anos 1940, e, de modo mais palpável,
quando a década já estava se encerrando.
A documentação disponível forneceu algumas características desses pri-
meiros espaços ocupacionais, sinalizando algumas tendências predominantes
nesse estágio de emergência do Serviço Social em Pernambuco: uma intervenção
profissional balizada pela concepção de “desajustamento social” e metodolo-
gicamente referenciada no Serviço Social de Casos; um público-alvo basica-
mente constituído por crianças, adolescentes e mulheres de franjas das classes
trabalhadoras na condição da superpopulação relativa, ou absorvidas, especial-
mente, no setor do comércio (sem extração tipicamente operária). Em muitas
circunstâncias, tratava-se mesmo de inserções embrionárias – ou caracterizadas

64 Em notícia publicada em abril de 1956 sobre o reconhecimento da Escola pelo Jornal do Comércio, são
elencadas as instituições nas quais, naquela altura, estavam trabalhando as primeiras diplomadas. Assim
menciona a notícia: “Com efeito, muitos estão trabalhando nas seguintes instituições: IAPC, IAPB, IAPI,
Delegacia Regional do Departamento Nacional da Criança, Departamento Estadual da Criança, Comissão
Estadual da LBA, SESI, Fichário Central de Obras Sociais, Obras Sociais da Paróquia de Casa Amarela,
Bom Pastor, Divisão de Tuberculose, Diretoria de Educação e Cultura, Instituto Domingos Sávio, Sociedade
Pernambucana de Combate à Lepra e a Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR).”
(ESSPE, p. 30, [19--?]).
65 É sempre forçoso advertir que tais conclusões correspondem à aproximação a essa realidade permitida pelo
andamento da pesquisa. Até o momento, além dos espaços ocupacionais listados, alguns registros sugerem
a existência de assistentes sociais na Divisão de Tuberculose, criada em 1948, integrando o Departamento
de Saúde Pública do Estado (GUARANÁ, 1958).
100

por experiências exploratórias de alunas concluintes, sem a marca do reconhe-


cimento institucional da profissão no órgão, ou de espaços que nos finais da
década apenas haviam reconhecido a criação de equipes, mas não usufruíam dos
recursos humanos e estruturais para o desenvolvimento pleno dos trabalhos. De
modo que, daquele rol de instituições, efetivamente apenas pode-se dizer que a
Escola de Serviço Social de Pernambuco, o Juizado de Menores e o Conjunto
Residencial de Casa Amarela estavam mais distantes dessas marcas do estatuto
embrionário das inserções até finais de 1940.
Em termos da estrutura ocupacional, na década de 1950 testemunhamos,
ainda que dentro de limites visíveis, a expansão e diversificação do Serviço
Social em Pernambuco. Na mesma época, encontramos o seguinte quadro de
transformações nos espaços ocupacionais e nas respostas profissionais, resu-
mido por Iamamoto e Carvalho (2005, p. 343), numa apreciação com foco nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo:

No fim da década de 1940, e especialmente na década seguinte, abre-se


um novo e amplo campo para os Assistentes Sociais; as grandes empresas
(especialmente as indústrias) passam a constituir um mercado de trabalho
crescente. O Serviço Social se interioriza, acompanhando o caminho das
grandes instituições, a modernização das administrações municipais, e o
surgimento dos novos programas voltados para as populações rurais. Ao
mesmo tempo, nas instituições assistenciais – médicas, educacionais etc. – o
Serviço Social paulatinamente logra maior sistematização técnica e teórica
de suas funções, alcançando definir áreas preferenciais de atuação técnica.
Aprofunda-se, no plano do ensino, a influência norte-americana, voltando-se
o Serviço Social ainda mais para o tratamento, nas linhas da psicologia e
psiquiatria, dos desajustamentos psicossociais. O Serviço Social de Grupo,
que há tempo vinha sendo utilizado de forma tradicional (recreação e edu-
cação), na década de 1950 começa a fazer parte dos programas nacionais
do SESI, LBA, SESC, em hospitais, favelas, escolas etc., iniciando-se uma
nova abordagem – que relaciona estudos psicossociais do participante com
os problemas da estrutura social e utilização da dinâmica de grupo.

Sobre a abordagem comunitária, que passa a constituir uma novidade na


intervenção, assim esclarecem Iamamoto e Carvalho (2005, p. 345):

As iniciativas vinculadas ao Desenvolvimento de Comunidade apresentam


nesse período franco desenvolvimento, com o surgimento de uma série de
organismos e a realização de importantes Seminários. Esses organismos
desenvolverão programas que buscam sua inspiração na experiência nor-
te-americana. Estarão, essencialmente, baseados em técnicas do Desen-
volvimento de Comunidade e perseguem a modernização da agricultura
brasileira, tendo por estratégia a Educação de Adultos.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 101

Grosso modo, o Serviço Social em Pernambuco não destoa do que sucedia


no Sudeste, apresentando apenas um ritmo de relativo atraso face aos cen-
tros industriais e governamentais mais importantes do país. Mesmo antes de
encerrada a década de 1960, a composição do mercado de trabalho de assis-
tentes sociais estava em expansão, e era francamente mais diversificada do
que aquela despontada nos anos 1940. O crescente adensamento dos espaços
de trabalho manifesta-se pela diversidade de áreas de atuação já presente na
década de 1950 – inobstante se a inserção, em alguns casos, ainda carecia de
legitimação institucional ou marcava-se apenas por experiências pontuais. Ou
seja, o reduzido quadro dos espaços ocupacionais de assistente sociais, encon-
trado nos anos 1940, é relativamente dinamizado na década seguinte. Porém, o
caráter restringido dessa dinamização, funda-se no fato de que ela ainda não se
apoiava num impulso de industrialização e numa nova qualidade da intervenção
estatal – algo que ocorreria com a implantação da SUDENE e a deflagração
do ciclo ditatorial.
Uma expressão do desenvolvimento desigual interno (FERNANDES, 1976)
do capitalismo no Brasil é o compasso temporal peculiar da acumulação capi-
talista na região Nordeste: somente no curso da segunda metade do século XX
ela sofre um impulso industrializante efetivo. Após a década de 1960, a erosão
da economia tradicional e a submissão ao capital monopolista, comandado
pelo Centro-Sul, e subsidiado pelo Estado, implicaram num agravamento das
sequelas sociais da acumulação e num acirramento das lutas de classes em
nível regional. Concomitantemente, ocorria uma significativa modernização
e complexificação da aparelhagem governamental necessária à regência dos
novos processos produtivos e ao deslocamento das contradições sociais e polí-
ticas crescentes – cujo ponto culminante se encontra nas mudanças operadas
no bojo do ciclo ditatorial (OLIVEIRA, 1981).
Considerando a inserção desigual e retardatária da região Nordeste no
circuito industrializante despertado no estágio de transição do capitalismo no
Brasil dos anos 1950, podemos supor que essa dinamização do mercado de
trabalho do Serviço Social em Pernambuco não germinou das inovações pro-
dutivas, comerciais e financeiras que a irrupção da realidade dos monopólios
no país começava a inaugurar. Nessa década, a economia do Nordeste não
comportava os processos de industrialização conduzidos pelo adensamento da
intervenção estatal que iriam marcar sua realidade posteriormente, pela decisiva
mediação da SUDENE. Mais que isso, a política econômica de favorecimento
da agroexportação do café, e da industrialização no Centro-Sul, produzia um
efeito mesmo regressivo na economia açucareira-têxtil, que mais diretamente
condicionava a vida produtiva em Pernambuco.
Desde finais do século XVIII, o desenvolvimento das forças produti-
vas tipicamente capitalistas nos países dominantes progressivamente afeta as
102

disputas no mercado mundial e, por consequência, a demanda externa do Brasil,


implicando no descolamento dos produtos da economia agroexportadora até
então dominantes. Esses deslocamentos apenas cooperaram para acirrar arti-
culadamente, na região onde se insere Pernambuco do início do século XX, as
contradições sociais colocadas pela mecanização da agricultura e o surgimento
da produção têxtil. Diga-se, inviabilizaram a expansão da economia açuca-
reira-têxtil, comprometendo as formas burguesas transitórias de produção e
apropriação do valor aí germinando através do impulso de industrialização
refletido das usinas e na manufatura têxtil66. Isso em benefício da produção
do café no Centro-Sul (e da subsequente industrialização lá deslanchada) e da
ascensão do poder econômico e político da produção algodoeira-pecuária no
próprio Nordeste, junto com o latifúndio e a oligarquia a ela ligada, os “coro-
néis” (OLIVEIRA, 1981).
Diz Oliveira (1981) que a economia açucareira é premida de tal modo pela
produção agroexportadora do café (em seguida também pela industrialização
que se desdobra com ela), e pela produção algodoeira-pecuária, que recriava
internamente mecanismos de acumulação primitiva com processos e relações
de produção pré-capitalistas (como o “cambão”, mercados “cativos” de traba-
lho nas usinas, o “barracão”), com o que se condenou à estagnação.67 Donde,
durante a expansão do capital industrial concentrada no Centro-Sul, o duplo
papel – com sequelas sociais de vulto – do Nordeste como: a) uma reserva do
exército industrial de reserva, cujo efeito foi a migração em massa da força
de trabalho; b) uma fonte de capital – que ainda ali se formava – drenada para
aquela industrialização pela política econômica vigente (OLIVEIRA, 1981,
p. 37). Em larga medida, esse cenário é relativamente alterado apenas com o
surgimento da SUDENE; até a década de 1950 ele constituiu a base do atraso
das forças produtivas capitalistas no Nordeste e o insumo para os conflitos
políticos mais significativos da década em Pernambuco – expressos, seja na
ascensão das Ligas Camponesas, seja na movimentação do proletariado urbano
e rural no sentido da coligação de forças populares. Isso significa que as bases
das expressões típicas da “questão social” nessa realidade regional encontra-
vam-se relacionadas: (1) às consequências sociais e políticas da mecanização
da agricultura e da agudização do latifúndio; (2) ao atraso econômico, explo-
ração e pauperismo extremo das regiões sertanejas, dominadas pela economia

66 Sobre as causas e as características do período de expansão e decadência da burguesia agrário-industrial


no Nordeste, entre o final dos anos setenta do século XIX e as primeiras décadas do século XX, ver Oliveira
(1981, p. 61-64).
67 Oliveira (1981, p. 64) identifica aí a recriação de “[...] formas de defesa anticíclicas não-capitalistas: não
ocorria o desemprego, nas crises da economia açucareira: ocorria apenas a volta de parte da população
trabalhadora às ‘economias de subsistência’, a formas quase-naturais. Essas formas de defesa foram-lhe
extremamente eficazes para não desaparecer, mas cobraram seus direitos na medida em que a impediam
de expandir-se.”
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 103

algodoeira-pecuária; e (3) pelas colisões políticas e iniquidades sociais geradas


pela exploração operária no âmbito tipicamente manufatureiro.
Portanto, nos parece que a expansão restrita e diversificação incipiente do
Serviço Social no estado guardam mais relação com a estruturação e ampliação
das políticas e instituições sociais criadas no Estado Novo, que ocorrem com
mais demora nessa realidade. Além disso, deve-se também ao avanço da atuação
em organizações, próprias dos governos do estado, criadas nos anos 1940, e que
consolidam seus trabalhos na década seguinte (como no Serviço Social Contra
o Mocambo, o Serviço Social Escolar, a Colônia Penal Bom Pastor). Em geral,
no Recife, as expressões da “questão social” refletiam-se na degradação humana
e na ameaça política proliferadas com os mocambos – onde se aglutinavam os
dramas sociais de operários, desempregados e retirantes. Essa foi uma forma
fenomênica típica da “questão social” na cidade, na qual as políticas sociais
germinadas com o Estado Novo centralizavam as suas modalidades de inter-
venção e desdobravam, por seu turno, os espaços ocupacionais que absorviam
as primeiras assistentes sociais.
Considerando o panorama de relativa paralisia da política social no Brasil
dos anos 1950, as poucas e limitadas inovações da época se refletem nos campo
de trabalho em Pernambuco, como nos casos da ampliação das campanhas de
Saúde Pública (principalmente repercutindo na existência de assistentes sociais
começando a atuar nos serviços voltados ao combate à tuberculose) e da estru-
turação das ações do Departamento Nacional da Criança (com a intervenção
verificada na Campanha Educativa do DNCr no estado). Apenas desponta, para
o Serviço Social em Pernambuco, uma inserção mais condicionada pela conjun-
tura própria dos anos 1950, quando das primeiras intervenções, nos anos finais
dessa década, nos projetos de assistência rural (com a inserção na experiência
piloto da Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural, no interior do
estado, por exemplo), motivados pelo acirramento das lutas camponesas.
Com isso, o próprio Serviço Social vai refletindo, na sua dinâmica interna,
uma diferenciação técnico-profissional, sobretudo após meados da década
de 1950. Isso se manifesta no desenvolvimento de processos próprios do Ser-
viço Social de Grupos, em algumas instituições, e na aplicação de métodos
vinculados à esfera do Desenvolvimento e Organização de Comunidade, ao
lado das práticas tradicionais individualizantes do Serviço Social de Casos, já
consolidadas e majoritárias – donde, igualmente, uma diferenciação de funções
e instrumentos começa a despontar, com a aplicação de estudos e pesquisas
sociais, a atuação com planejamento, coordenação e supervisão de programas
e projetos. Ademais da patente presença de tendências teórico-metodológicas
tecnicistas modernizadoras, paralelas (ou mesmo imbricadas) com as impos-
tações doutrinárias – embora não haja descolamento quanto a equalização das
expressões da “questão social” em termos da concepção de “desajustamento”.
104

As tendências com caráter mais inovador (atuação com grupos e organização


de comunidade, intervenção em coordenação e supervisão de programas, com
viés tecnicista) manifestam-se, embora normalmente de modo híbrido, nas
ações patrocinadas por organismos internacionais ou incluídas das grandes
instituições sociais (SESI, SESC, Institutos de Aposentadorias e Pensões). O
público majoritário, embora não exclusivo, mantém-se constituído de mulheres
adultas e jovens, e crianças das famílias trabalhadoras, sejam aquelas inscritas
na força de trabalho ativa (em menor número), sejam aquelas incluídas no
exército industrial de reserva.
Aglutinamos as áreas de atuação existentes em Pernambuco nos anos 1950,
considerando a prevalência das necessidades de reprodução social em torno das
quais os espaços ocupacionais pareciam centralizar-se. E, apenas em segundo
plano, diferenciamos a classificação dessas áreas de acordo com a sua inserção
na arquitetura institucional das políticas sociais da época. De modo que se
observa, na classificação que projetamos para a distribuição e análise dos espa-
ços ocupacionais do Serviço Social no estado, determinadas entidades sociais
aparecendo em mais de uma área – como no caso das instituições previdenciá-
rias que, por criarem equipamentos especializados na atenção à saúde de seus
segurados e, em alguns casos, também dedicarem-se a algumas necessidades
habitacionais, inscrevem-se concomitantemente nas áreas da atenção médica
e da habitação social. Assim, o leque de espaços ocupacionais onde encontra-
mos assistentes sociais (ou alunas concluintes) desenvolvendo algum tipo de
intervenção no campo do Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950 são
assim distribuídos: Assistência Social; Saúde Pública e Atenção médico-previ-
denciária; Previdência social; Habitação social; Justiça; Educação; Assistência
Rural; Coordenação de organizações assistenciais. A seguir, abordamos tais
áreas, buscando fornecer os traços gerais dos espaços ocupacionais onde se
incluía o Serviço Social.

3.1 Assistência Social

Na área da Assistência Social, o Serviço Social em Pernambuco acumula


significativa expansão e diversificação nos anos 1950, absorvendo a maior parte
da inserção de assistentes sociais na década, seguida da Saúde Pública e Atenção
médico-previdenciária. A diversificação dessa área se expressa na miríade de
instituições que incorporam serviços e ações assistenciais, além daquelas criadas
na década, destinadas a esses objetivos precípuos. Podemos desdobrar, ainda
que de modo aproximado, a pluralidade de frentes em três segmentos articula-
dos: os empreendimentos voltados à assistência pública propriamente dita; as
ações de assistência à maternidade e à infância; e as iniciativas de assistência
ao trabalhador empregado nos setores formais do mercado da força de trabalho.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 105

No segmento da assistência pública, encontra-se o Serviço Social inserido


em equipamentos da Legião Brasileira da Assistência (LBA), como o Ambu-
latório Jarbas Maranhão da Comissão Estadual da LBA (FEITOSA, 1960), ou
subvencionado pela mesma, como a Agência de Serviço Social Familiar da
ESSPE (CALÁBRIA, 1960; SILVA, 1958). No âmbito rural, também se apre-
senta a inserção do Serviço Social no caso da Agência de Serviço Social Familiar
da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição em Nazaré da Mata, no final da
década (ANDRADE, 1958). Também está presente em Agências de Serviço
Social Familiar no Posto de Puericultura Francisco Pignatari (LIMA, 1958) e
no Posto de Puericultura Torrões Galvão (MELLO, 1960), ligados ao Depar-
tamento Estadual da Criança.
Algumas dessas instâncias, com marcada interseção com a esfera da
assistência à maternidade e à infância, também recebiam suporte financeiro e
ações patrocinadas por um Programa do Departamento Nacional da Criança
(DNCr) em associação com o Fundo Internacional de Socorro a Infância (FISI-
-UNESCO), por meio de uma Campanha Educativa – fornecendo, por exemplo,
serviços, benefícios, assistência educativa, nucleação de grupos (os “Clubes de
Mães”). Nessas ações com envolvimento do DNCr-FISI, verificam-se experiên-
cias do Serviço Social com organização social de comunidade – como a ocor-
rida em 1953 no território de Fernando de Noronha (ALBUQUERQUE, 1957)
e na Paróquia do Senhor Bom Jesus do Bonfim Arraial, em Casa Amarela,
entre 1955-1957 (DUARTE, 1957) – e mesmo a inserção de aluna concluinte
em trabalhos de Planejamento da Campanha para os municípios do estado
(MACIEL, 1959).
Naquilo que se refere, em específico, à assistência ao trabalhador, basica-
mente o Serviço Social se inscreve nas instâncias ou seções assistenciais das
grandes instituições sociais, já criadas na década anterior, com destaque para o
Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Em
especial na atuação num subnúcleo do SESI na Companhia Industrial Pernam-
bucana (Fábrica de Camaragibe), com uma Agência de Serviço Social Familiar,
desenvolvendo acompanhamentos individualizados com a aplicação do Serviço
Social de Casos, utilizando-se de plantões sociais, visitas domiciliares, atividades
de lazer dirigidas, concessão de auxílios etc., em torno das necessidades de sub-
sistência, de saúde, de trabalho e de habitação de mulheres, homens e crianças
das famílias operárias (COLLIER, 1955; COLLIER, 1957; GOMES, 1958;
PORTELA, 1960). Nesse subnúcleo, além da abordagem individualizante de
casos, esboça-se uma experiência de organização da Juventude Operária Cató-
lica (JOC) tendo em vista a condução dos trabalhos para o Serviço Social de
Grupo e Comunidade (GOMES, 1958). Explicita-se, nas várias experiências,
a complementação do trabalho religioso católico, já presente na Fábrica, com
as finalidades educativas do Serviço Social.
106

Outros registros apontam para a presença do Serviço Social no Núcleo


Aníbal Cardoso do SESI no Cotonifício da Torre – Escola do Cotonifício
da Torre, desenvolvendo trabalhos na mesma perspectiva, inclusive envere-
dando para a intervenção com grupos de adolescentes, em meados da década
(ARAÚJO, 1959). Por outro lado, o trabalho de Costa (1961) evidencia uma
experiência de supervisão (chefia e administração de obras sociais) das ações
do SESC na capital e interior. Indica a atuação com os métodos de caso, grupo
e comunidade ocorrendo através das ações do SESC, principalmente na Divi-
são de Serviços Sociais (com os cursos de educação familiar, por exemplo) da
Direção Regional do SESC em Pernambuco – indica a autora que o primeiro
Centro de Atividades do SESC em Pernambuco data de 1950.

3.2 Saúde Pública e Atenção médico-previdenciária

Na década de 1950, um dos campos de maior peso e de importante expan-


são da atuação do Serviço Social em Pernambuco referiu-se à Saúde Pública
e à Atenção médico-previdenciária. Na maioria dos casos, atuando através das
estratégias do Serviço Social Médico e do método de Serviço Social de Casos
nos serviços centrados no problema da tuberculose entre operários, subemprega-
dos e desempregados. Além disso, se verifica pioneiramente o desenvolvimento
de algumas pesquisas sobre a condição social dos pacientes atendidos, com
vistas a aperfeiçoar os atendimentos médicos e acompanhamentos dos casos.
Encontra-se um Serviço Social estruturado no âmbito da Divisão de Tuberculose
do Departamento de Saúde Pública do Estado, atuando em alguns de seus equi-
pamentos: Dispensário Agamenon Magalhães (COSTA, 1959; PONTES, 1954),
Dispensário Amaurí de Medeiros (GUARANÁ, 1958), Divisão de Tuberculose
no Hospital Oswaldo Cruz (ALMEIDA, 1955; CAVALCANTI, 1959; COUTI-
NHO, 1960; MENEZES, 1958; NASCIMENTO, 1959) e Conjunto Sanatorial
Otaviano de Freitas (MELO, 1961; MORAIS, 1958). Esse campo se expande
no contexto da Campanha Nacional Contra a Tuberculose que ganha fôlego
na década.
Por outro lado, existe uma presença, embora menos expressiva, em equi-
pamentos destinados à atenção médico-previdenciária, em especial do Instituto
de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), também com enfoque no
problema da tuberculose entre operários vinculados ao Instituto, em específico
no seu Posto Central de Assistência, na Clínica Tisiológica (BARBOSA, 1959;
CARNEIRO, 1957) – além de uma atuação com a saúde das operárias na Clínica
Ginecológica do mesmo Posto (PROENÇA, 1957). Encontramos registros,
ainda, da atuação do Serviço Social no Ambulatório do Instituto de Aposentado-
rias e Pensões dos Comerciários (IAPC) entre 1951 e 1958 (GITIRANA, 1960),
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 107

com a prática do Serviço Social Médico, realizando inquéritos, e o Serviço


Social de Casos com pacientes acometidos pela tuberculose.
Majoritariamente, expressava-se a intervenção do Estado no sentido de
conter uma condição de agravamento de saúde da massa trabalhadora condicio-
nada pela superexploração. Nessa circunstância, os baixos salários, associados
às longas e extenuantes jornadas de trabalho, provocava a subnutrição e a baixa
da imunidade que, vivenciadas em circunstâncias habitacionais degradantes,
favoreciam o desenvolvimento e o contágio da tuberculose.
Evidencia-se a presença incipiente do Serviço Social também na Clí-
nica do Câncer, um pavilhão construído pela Sociedade de Assistência aos
Indigentes Hospitalizados (depois Sociedade Pernambucana de Combate ao
Câncer) no Hospital de Santo Amaro (pertencente à Casa de Misericórdia)
(SANTOS, 1959). Também como expressão de outra campanha nacional. Aí
tem início um setor de Serviço Social em fevereiro de 1956 aplicando Serviço
Social de Casos orientado pela concepção de “desajustamento”.
Na interface com a política de Educação, existe a presença do Serviço
Social no Hospital das Clínicas da Universidade do Recife, conhecido como
Hospital Dom Pedro II. Hospital que também estava ligado ao Governo Estadual
através da Fundação de Ensino Superior (Faculdade de Medicina), e colaborava
com os postos do Departamento Estadual da Criança. Os registros sinalizam para
uma equipe do Hospital atuando na área da puericultura, nucleação de grupos,
atendimentos assistenciais, e sensibilizando para os aspectos médico-sociais
dos alunos de medicina (CAVALCANTI, 1968; CORDEIRO, 1960).

3.3 Previdência social

Durante toda a década, praticamente não se registra a intervenção do Ser-


viço Social especificamente nos órgãos centrais de atendimento previdenciário.
Basicamente, as práticas existentes inscrevem-se nos ambulatórios e conjuntos
residenciais vinculados aos Institutos, em especial o IAPC e o IAPI, desenvol-
vendo Serviço Social Médico através da abordagem individualizante de casos.
Ou no Conjunto Residencial de Casa Amarela, vinculado ao IAPC, com o
Serviço Social realizando acompanhamento de casos e nucleação de grupos,
numa agência e num Centro Social. No final dos anos 1950, esboça-se a inser-
ção de agentes profissionais nas Delegacias desses Institutos, com a realização
de concurso público no IAPI para assistentes sociais que passariam a compor,
provavelmente somente na década seguinte, um setor no órgão central do Insti-
tuto (PONTES, 1954), e com a instalação, em 1959, do Serviço Social na Dele-
gacia do IAPC, preparando-se para os trabalhos com orientação e informação
de segurados, habilitação de benefícios, e tratamento de casos sociais (GITI-
RANA, 1960). Destacam-se, nesses anos, a atuação no sentido de preparação,
108

com a criação de Planos de Trabalhos e aparelhamento para a intervenção


nesses órgãos da Previdência Social (GONÇALVES, 1955). A incipiência do
Serviço Social nessa esfera manifesta a defasagem estrutural-funcional de que
padeciam ainda os órgãos da Previdência nos anos 1950 – cuja razão de fundo
também se relaciona com a expressividade ainda limitada que os processos de
industrialização alcançaram em Pernambuco no período.

3.4 Habitação social

Em Pernambuco, a emergência no Serviço Social liga-se diretamente com


o acirramento das contradições sociais expressas na degradação habitacional,
manifesta com o problema dos mocambos. A intervenção social do Estado
Novo aglutinou aí seu principal eixo de amortecimento do pauperismo e da
insatisfação política. Isso determina o fato de que precocemente encontra-se o
Serviço Social atuando das ações voltadas aos problemas habitacionais. Desde
meados dos anos 1940, assistentes sociais e alunas desenvolveram intervenção
no Conjunto Residencial de Casa Amarela, financiado pelo Instituto de Aposen-
tadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC). Inicialmente realizando a triagem
de beneficiados com as casas, o Serviço Social passou a atuar também com o
tratamento de casos sociais numa Agência de Serviço Social de Casos no Con-
junto. E logo passou a desenvolver experiências de Serviço Social de Grupos
que ganharam suporte com a criação de um Centro Social (BARRETO, 1955;
CAVALCANTI, 1955; GITIRANA, 1960; RENDA, 1959; OLIVEIRA, 1957).
Porém, Gitirana (1960, p. 11) informa que em 1956 o Serviço Social naquele
Conjunto passa por uma crise que leva a sua dissolução em 1959. Em todo
o percurso, o público atendido foi, majoritariamente, de esposas e filhos de
associados/as do Instituto.
De outra parte, Melo (1960) informa que, até 1960, o Serviço Social Contra
o Mocambo (SSCM) contava com duas assistentes sociais (uma delas con-
cluinte) trabalhando na Secção de Assistência à Família Operária (SAFO) do
Departamento de Reeducação e Assistência Social (DRAS) – não se identifica,
nos documentos disponíveis, quando o Serviço Social teria iniciado, no órgão
criado em 1945, antes existente como associação Liga Social Contra o Mocambo
(1939). O organograma do SSCM mostra que a SAFO estava incluída em Cen-
tros Operários Católicos de 12 bairros do Recife na época. Apenas no início dos
anos 1960, se verifica uma experiência buscando a aplicação dos métodos de
Desenvolvimento e Organização de Comunidade (MELO, 1960); antes disso,
a atuação do Serviço Social reduzia-se ao trabalho assistencial imediato com as
famílias. O trabalho das assistentes sociais aparece ligado aos procedimentos
de concessão das casas entre as famílias. No início dos anos 1960, Melo (1960)
aponta a necessidade de projetos educativos para o desenvolvimento comunitário
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 109

no SSCM, como a Educação de Adultos, referenciando-se, por outro lado, na


perspectiva cristã para o Serviço Social.

3.5 Justiça

Na área da Justiça, o Serviço Social em Pernambuco se apresenta em


face das expressões da “questão social” vividas por crianças, adolescentes e
mulheres em conflito com a lei e/ou submetidas à reclusão. Nessa esfera, se
manifestam algumas das contradições mais agudas colocadas pela exploração
e opressão de trabalhadores/as empobrecidos/as e suas famílias: aquelas que
se estendem ao ponto de levarem crianças e mulheres a colidirem com a lega-
lidade, e enfrentarem os aparelhos repressivos do Estado, com suas funções
coercitivas, mas igualmente socializadoras. Aí, o Serviço Social está presente,
tanto no atendimento ao chamado “problema do menor delinquente”, enfrentado
através do Juizado de Menores e seus equipamentos assistenciais e de reclu-
são, desde meados de 1940 (SILVEIRA, 1958), quanto, após meados de 1950,
desponta com experiências iniciais no âmbito penitenciário, com a realização
dos primeiros estágios na Colônia Penal de Mulheres Delinquentes Bom Pastor
(OLIVEIRA, 1958). E com os primeiros estágios desenvolvidos no Reforma-
tório para meninas do Instituto Bom Pastor (SILVA, 1957). Nesses espaços,
desenvolvem-se experiências, ou práticas já consolidadas, de Serviço Social
de Casos, com explícito teor doutrinário e confessional. No caso das institui-
ções administradas pelo Instituto Bom Pastor, são explícitos os laços entre o
Estado e a Igreja criados durante o governo de Agamenon Magalhães, no bojo
do Estado Novo, para o exercício da ação doutrinária, educativa e repressora
sobre as mulheres apenadas e as crianças e adolescentes infratores.

3.6 Educação

Na Educação propriamente dita, o Serviço Social em Pernambuco parece


conservar uma condição menos incipiente do que aquela existente nos anos 1940.
A relativa expansão do ensino na década – requisito para o alcance dos padrões
mínimos exigidos para a formação da força de trabalho num período de indus-
trialização – passa a demandar progressivamente a consideração da instituição
escolar pelas variáveis sociais que afetam o aprendizado e a participação regular
de alunos. Ademais das necessidades de alfabetização acumuladas com o déficit
educacional e da disparidade cultural de uma fração da classe trabalhadora que,
expulsa do campo e socializada para a agricultura e a vida rural, passa a com-
por as fileiras do proletariado no espaço urbano. Assim, além das modalidades
tradicionais de aplicação do Serviço Social de Casos para a solução dos “desa-
justamentos econômicos” de crianças e famílias ligadas às escolas, o Serviço
110

Social na Educação se propõe a estender uma ação educativa complementar


entre grupos e com abordagem comunitária.
Na década, observa-se uma nova experiência de estágio na Escola Ulisses
Pernambucano, quando uma concluinte assumiu o posto de assistente social
recentemente oficializado, mas que se manteve ocupado apenas no próprio
período de estágio, entre 1951-1952, atuando na equipe médico-social com as
técnicas do Serviço Social de Casos (CAVALCANTI, 1957). Por outro lado,
em 1959 registra-se outra experiência com aluna estagiária, agora no Grupo
Escolar Rural Heróis da Restauração (Departamento de Assistência Escolar –
Serviço Social Escolar) aplicando um trabalho de Serviço Social de Grupos
que, no início da década seguinte, desdobrou-se para uma ação de Alfabeti-
zação de Adultos guiada pelos métodos de Desenvolvimento de Comunidade
(PINHEIRO, 1961). A então aluna da ESSPE, já funcionária (auxiliar técnica)
do Serviço Social Escolar do Grupo Escolar Rural Heróis da Restauração, rea-
lizava tais ações, ao que se percebe, sem que se contasse com o Serviço Social
oficialmente nos quadros Escola, num caráter experimental. Nesses casos, a
perspectiva tecnicista parece dominar (no âmbito da Escola Ulisses Pernambu-
cano), apontando, inclusive, uma inspiração no Movimento de Cultura Popular
(no caso do Grupo Escolar).
A maior consistência na área diz respeito aos registros, também após mea-
dos da década, de existência de assistentes sociais atuando no Serviço Social
Escolar, mantido pelo Departamento de Assistência Escolar da Secretaria de
Educação e Cultura, após 1952, recorrendo aos métodos de casos, grupo e
comunidade, como parece ser o exemplo da experiência nas Escolas Reuni-
das Mota e Albuquerque em Casa Amarela (MELO, 1957). Mas encontram-se
aplicações exploratórias da organização de comunidade (pesquisa, nucleação
de grupo, mobilização de recursos) na Escola de Especialização Rural Murilo
Braga (distrito de Cavaleiro, município de Jaboatão) (FONSECA, 1958) e no
Grupo Escolar Frei Caneca (Santo Amaro) (DOURADO, 1960).68

3.7 Assistência Rural

O final dos anos 1950 sinaliza para a abertura de uma área de interven-
ção ainda inexplorada, que iria abrigar algumas atuações do Serviço Social no
meio rural, com instituições e iniciativas voltadas para a Assistência Rural.
O acirramento das tensões políticas no campo, germinado com a degradação
social crescente de camponeses e proletários rurais, provocada pela mecani-
zação da agricultura e o alastramento do latifúndio, impeliu a intervenção de

68 O Instituto Domingos Sávio aparece também em alguns documentos e notícias como espaço de atuação do
Serviço Social nos anos 1950. A ausência de outros documentos com maiores detalhes não nos permitiu,
até o momento, identificar as características do Serviço Social nessa instituição.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 111

instituições nacionais e internacionais voltada para a reversão dos ditos fatores


de “subdesenvolvimento” no meio rural. Após finais da década, essa intervenção
balizou a abertura de espaços ocupacionais para o Serviço Social em equipes
multiprofissionais encarregadas com a pesquisa, planejamento e execução de
projetos de desenvolvimento comunitário – onde as assistentes sociais inscre-
viam-se na execução de estudos, mobilização de recursos, formação de lide-
ranças, desenvolvimento de ações educativas complementares às alterações na
infraestrutura, implantação de equipamentos sociais, deslocamento de tensões
políticas decorrentes da implantação dos projetos.
Assim, observa-se uma atuação experimental, por exemplo, no Escritório
Local de Bom Conselho, da Associação Nordestina de Crédito e Assistência
Rural (ANCAR). Órgão criado para desenvolver um programa de natureza
educativa e financeira para o desenvolvimento socioeconômico das populações
rurais do Nordeste, mesmo sem garantir ainda um setor de Serviço Social, con-
tou com uma aluna concluinte entre 1954-1955, realizando pesquisa sobre os
recursos comunitários, desenvolvendo planejamento de ações, organização de
lideranças e execução de programas no campo educacional (RIBEIRO, 1958).
Nos últimos anos da década, existe também uma atuação pontual num
projeto Piloto de Eletrificação Rural em Itacuruba e Rodelas, no sertão do São
Francisco (BEZERRA, 1959). A aluna concluinte integrou, como assistente
social, a equipe do Projeto Piloto patrocinado pela Divisão de Assuntos Eco-
nômicos e Sociais da Organização dos Estados Americanos, em convênio com
a Comissão do Vale do São Francisco. O projeto pretendia implantar energia
elétrica numa zona rural, com a perspectiva de desenvolvimento de comuni-
dade, associando a instalação desses recursos ao trabalho educativo necessário
para capacitar a população ao uso da terra. A atuação do Serviço Social foi
de realização de inquérito para conhecimento das comunidades, nucleação e
dinamização de grupos sociais e produtivos, trabalho junto a instituições para
mobilizar recursos, com um público basicamente de mulheres, jovens e crianças
(ainda pouco incidente sobre os agricultores homens), algumas associações e
instituições públicas. Nos anos seguintes, a inserção do Serviço Social nesse
âmbito se estende para os trabalhos do Conselho Regional de Pernambuco
do Serviço Social Rural (CR/PE), no qual se desenvolve uma experiência de
Desenvolvimento e Organização de Comunidade no meio rural pernambu-
cano, entre março e setembro de 1961, no município de Camocim de São Felix
(ANDRADE, 1961).

3.8 Coordenação de organizações assistenciais

Necessário registrar a iniciativa do Serviço Social em Pernambuco na cria-


ção e funcionamento do primeiro espaço para atuação claramente referenciado
112

pelas problemáticas da organização de comunidade: em finais de 1949, a ESSPE


inicia a instalação (e abriga a própria sede) do Fichário Central de Obras Sociais,
com apoio de outras organizações, e a participação de suas alunas e professoras.
Com efeito, esse fichário era funcional diretamente para o apoio ao atendi-
mento de casos individuais (e a sua finalidade de “reajustamento individual”),
na medida em que propiciava o conhecimento dos recursos assistenciais locais;
porém, também proporcionaria a chance de coordenação de esforços para o
planejamento de obras, constituindo instrumento para a coordenação das comu-
nidades (NOVA et al., 1985; SOUZA, 1953). No início de 1950, Sabóia (1952)
indica a sistematização de um estudo, utilizando os registros do Fichário, em
torno das instituições de assistência social e a proteção à maternidade e à infân-
cia, que trabalhavam com o público de mulheres (mães) e crianças em Per-
nambuco. Nele, a concluinte desenvolveu um mapeamento e avaliação dessas
instituições, realizando um resgate das organizações de assistência do passado,
uma avaliação dos recursos do Estado e de outras entidades para esse público.
Nota-se aí uma abordagem mais técnica e metódica, com a manipulação de
bases teóricas norte-americanas, e incipiente incidência do horizonte religioso
e doutrinário.

4. Considerações finais
O estudo indica duas tendências operantes na realidade do Serviço Social
em Pernambuco nos anos 1950: trata-se de um período em que se desencadeiam
a racionalização e tecnificação da formação profissional, ao mesmo tempo em
que se desenvolve uma expansão restrita e diversificação incipiente da inserção
ocupacional. Ambos fornecem o suporte para a germinação do processo de
profissionalização. O adensamento dos espaços ocupacionais e das áreas de
atuação contrasta com o caráter embrionário das possibilidades de intervenção
vigentes ao final da década de 1940.
Embora a consolidação do Serviço Social suponha a sua emergência, as
alternativas de intervenção presentes nesta última não correspondem – nem
qualitativa, nem quantitativamente – àquelas alcançadas quando da vigência
das tendências econômicas, políticas e estatais desabrochadas pelo metabolismo
capitalista das décadas seguintes. E os anos 1950 se mostram, nesse intervalo,
como uma fase de transição onde a profissionalização prepara o terreno para a
diversificação mais ampla que ocorre depois. Seu plano de fundo é a progressiva
afirmação dos processos de industrialização e intervenção estatal colocados pela
realidade dos monopólios crescente, donde se exige, ademais, respostas gover-
namentais ao acirramento das lutas de classe pelo proletariado urbano e rural.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 113

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CAPÍTULO 6
BASES DA RENOVAÇÃO DO SERVIÇO
SOCIAL EM PERNAMBUCO: afirmação da
“abordagem comunitária” entre 1940 e 1960

Adilson Aquino Silveira Júnior


Lenita Maria Maciel de Almeida

1. Introdução

O artigo apresenta notas históricas sobre a afirmação do Desenvolvimento


de Comunidade (DC) no Serviço Social em Pernambuco durante as décadas
de 1940-1960. Consiste num momento no qual germinam alguns condicio-
namentos da renovação profissional nessa particularidade. As notas estão
direcionadas para o estágio em que ocorre a progressiva assimilação do DC
no Serviço Social. Nosso interesse é a caracterização das transformações pelas
quais passam o Serviço Social no processo dessa assimilação, considerando
suas dimensões interventivas, corporativas, formativas e ideais.
Para tanto, foram um guia inicial de apropriação da realidade os documen-
tos da antiga Escola de Serviço Social de Pernambuco (ESSPE), as monografias
desenvolvidas pelas alunas da ESSPE entre os anos 1940-1970, as pesqui-
sas e artigos que se debruçaram sobre essa história (BERNARDES, 2006;
GOMES, 1987; VIEIRA, 1992; PADILHA, 2008; UFPE, 1985, 1990), além
da bibliografia consolidada sobre o tema do DC e o Serviço Social em nível
nacional (ABREU, 2008; AMMANN, 2003; CASTRO, 2000; IAMAMOTO;
CARVALHO, 2005; SOUZA, 1999; WANDERLEY, 1998).69
No texto que segue, nos dedicaremos a destrinchar os aspectos mais
ou menos intrínsecos à caracterização do Serviço Social em Pernambuco.
Tomamos como pressuposto os fundamentos teórico-metodológicos e histó-
ricos consolidados na literatura profissional (ABREU, 2008; CASTRO, 2000;
IAMAMOTO, 2004, 2006, 2010; IAMAMOTO; CARVALHO, 2005;
MOTA, 1985; NETTO, 2004, 2005; YAZBEK, 1993). Também consideramos

69 Embora esse texto não se proponha recuperar e inventariar os argumentos sobre a concepção de DC e
seu significado histórico, presentes da literatura crítica do Serviço Social e áreas afins, deve-se reconhecer
a contribuição que eles tiveram para subsidiar a exploração da realidade regional que delimitamos.
122

subjacentes as condicionantes macroscópicas das metamorfoses do Serviço


Social entre os anos 1940-1970, dentre as quais estão: as novas relações de
forças no imperialismo posterior à Segunda Guerra, conformadas pelo capi-
talismo tardio, a ascensão da hegemonia norte-americana, a polarização da
chamada “Guerra Fria”, as mudanças na divisão internacional do trabalho e
das modalidades de intervenção do Estado (BEHRING, 2011; CASTRO, 2000;
MANDEL, 1985; NETTO, 2013, 2004, 2005); a transição industrial que marca
a entrada do capitalismo no Brasil para o estágio dos monopólios, da indus-
trialização restringida para a industrialização pesada, associadas aos câmbios
na divisão social do trabalho, internamente operantes, e no aparelho do Estado
– trata-se da fase de irrupção do capitalismo monopolista, no qual ocorre a
reorganização do mercado e do sistema de produção, através de operações
comerciais, financeiras e industriais da grande corporação (predominantemente
estrangeira, mas também estatal e mista) (FERNANDES, 1976; IANNI, 1977;
MELO; NOVAIS, 1998; MELLO, 1986; NETTO, 2004, 2005, 2014); a inser-
ção desigual e combinada do Nordeste no estágio do capitalismo monopolista
no Brasil (OLIVEIRA, 2008); e o metabolismo das lutas de classes e as
formas concretas da “questão social” em âmbito latino-americano, nacional
e regional, nos anos 1950-1970.
O DC70surge como mediação de uma ampla estratégia dos países impe-
rialistas centrais (capitaneados pelos Estados Unidos) para criar condições
políticas, administrativas e culturais favoráveis para integrar e dinamizar o
capitalismo e o mercado latino-americanos sob sua supremacia. Prolifera-se
após a Segunda Guerra, no bojo da tentativa de integração da América Latina
sob a tutela no pan-americanismo monroista, a partir das poderosas organiza-
ções internacionais que brotam ao fim do conflito bélico – com destaque para
os órgãos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização
das Nações Unidas (ONU) (CASTRO, 2000). Com seus antecedentes ligados
às experiências das possessões inglesas na Ásia e na África, além das inicia-
tivas de abordagem comunitária no interior dos EUA, o DC aparece como
um conjunto de técnicas, métodos, como um campo de intervenção da área
social e/ou como um processo do Serviço Social, matizado especialmente
pelo estrutural-funcionalismo norte-americano e as colocações etapistas do
pensamento desenvolvimentista. Encerra a “questão social” em fatores téc-
nicos, a serem manipulados pela intervenção governamental e profissional,
com vistas a desabrochar os potenciais latentes nas comunidades, pretensa-
mente capacitando-as para a resolução das suas próprias iniquidades sociais
(AMMANN, 2003; CASTRO, 2000). As contradições do propalado subde-
senvolvimento são encaradas como inconsistência dos potenciais latentes
nas comunidades – donde a psicologização e despolitização das expressões

70 Frequentemente também identificado por Desenvolvimento e Organização de Comunidade (DOC).


SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 123

da “questão social”, cindindo seus vínculos estruturais com as contradições


capitalistas na periferia do imperialismo (ABREU, 2008).
Com esses pressupostos, a consecução dos resultados dos programas
de desenvolvimento comunitário exigia a constituição da ligação entre as
comunidades e o governo. Demandava um trabalho técnico que impulsio-
nasse a população a agir, direcionado para essas finalidades de “catalização e
mudança social”, através de meios como os fichários e levantamentos de obras
sociais e potencialidades do meio comunitário, pesquisa e planejamento social,
nucleação de grupos, capacitação de lideranças, dentre outros. A vigência do
DC condicionou uma etapa de revalorização profissional, conferindo melho-
res posições para o Serviço Social nas administrações públicas. Trata-se de
um momento em que o/a assistente social alcança possibilidades de êxito e
conquista de reconhecimento social, expresso na abertura para concessão de
bolsas de estudos e especialização, acesso a cargos hierárquicos, participação
em pesquisas e equipes multidisciplinares, ampliando-se e diversificando-
-se o mercado de trabalho (CASTRO, 2000).71 Tais modificações começam
a penetrar o Serviço Social brasileiro do decorrer dos anos 1940, porém a
equalização dos organismos e horizontes corporativos com as finalidades do
desenvolvimentismo (expressa no II Congresso Brasileiro de Serviço Social,
de 1961) apenas se efetiva com as adaptações na visão desenvolvimentista
operadas no início dos anos 1960, condicionadas pelas contradições econô-
micas e políticas da acumulação capitalista das décadas anteriores (IAMA-
MOTO; CARVALHO, 2005).
A assimilação do DC no Serviço Social em Pernambuco, enfocadas par-
ticularmente as décadas de 1940-1960, implicou na germinação dos condi-
cionamentos da renovação profissional nessa particularidade. Ordenamos o
tratamento do tema, aglutinando a exposição segundo os principais vetores
de transformações pelas quais passam o Serviço Social na assimilação do DC
71 Assim sintetiza Netto (2013, p. 21) esses impactos do DC para o Serviço Social nos países periféricos: “A
proposta reformista-conservadora logo se revelaria (como o atestaria, por exemplo, o fracasso do programa
norte-americano da Aliança para o Progresso), mas dinamizou o Serviço Social em algumas áreas periféricas
e semiperiféricas, especialmente pela generalização da intervenção de profissionais no então recentemente
expandido campo do desenvolvimento de comunidade – sobre o qual passou a exercer-se também a influência
das ideias progressistas do Pe. Lebret. Ademais de requisitar novas qualificações, eminentemente técnicas,
dos assistentes sociais (p. ex., as relacionadas ao planejamento social), de colocá-los frente a problemáticas
macrossociais (forçando a ultrapassagem dos limitados círculos do trabalho centrado em indivíduos e com
pequenos grupos, expressos no espaço do “psicossocial”) e de levá-los a novas interações com a sua
inserção em equipas multiprofissionais, o desenvolvimentismo, dada a sua vocação promocionalista e a
sua genérica proposição da “mudança social”, abriu a via para deslocar a centralidade da ação assistencial.
Como observou M. Manrique Castro, atento analista do Serviço Social periférico, foi precisamente na quadra
desenvolvimentista que os assistentes sociais pretenderam deixar a condição de “apóstolos” para assumir a
de “agentes da mudança” – no curto prazo, muitos desses assistentes sociais compreenderam os limites da
“mudança social” reformista conservadora e radicalizaram as suas propostas profissionais, transcendendo
o campo do promocionalismo e, inclusive, avançando na crítica do assistencialismo”.
124

no estado: a erosão da influência católica; a afirmação da hegemonia norte-


-americana; a profissionalização; e o adensamento dos espaços ocupacionais
e diversificação dos processos interventivos.

2. Erosão da influência católica

Uma transformação que ocorre na época de assimilação do DC pelo


Serviço Social é a gradual erosão da influência católica. Isso se expressou de
maneiras diversas, tais como:

I. No desgaste da legitimidade do enfoque microscópico do Serviço


Social de Casos, e sua progressiva subordinação às abordagens
grupais e comunitárias.72
II. Na gradual laicização das construções ideais de que se vale o Serviço
Social para sua autojustificação, afirmação de horizontes estratégi-
cos da ação, mobilização de valores e normas do comportamento
profissional e do público-alvo.
III Na recondução que a própria Igreja opera em estratégias de atuação
junto às populações, demandando a reconfiguração das ações tradi-
cionais, através de sua abertura para a organização e desenvolvimento
de comunidades, visando a renovação paroquial, após 1960, e, depois
desses anos, numa modernização do próprio discurso nos seus pro-
jetos de DC, em parcerias com organizações estatais e americanas.
IV. Associada a esse deslocamento da Igreja para as ações comunitárias de
base paroquial, presencia-se a crise financeira das Escolas de Serviço
Social a ela vinculadas (algo que guarda relação com as dificuldades
econômicas da Igreja com a modernização do Estado, mas também
com a crescente dificuldade das classes médias na fase de industria-
lização pesada), seguida das negociações para as agregações às ins-
tituições universitárias estatais, onde se rompe definitivamente com
o poder católico na condução da formação. Notemos que isso não
operou, necessariamente, no início, um rompimento do Serviço Social
com a Igreja, mas um deslocamento para outras áreas de influência.
Em Pernambuco, na medida em que a Igreja iniciava a negociação
para o repasse da ESSPE para a UFPE, abria um terreno de demanda
profissional com seu foco nos movimentos de base, colocando para
o Serviço Social um novo campo de atuação (a organização comu-
nitária nas áreas das paróquias) a seu serviço (terreno que apenas vai
desaparecendo quando se avança na década de 1970).
72 Em termos do debate profissional em nível nacional, a pesquisa de Iamamoto e Carvalho (2005) fornece
muitos elementos sobre esse processo.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 125

No estado, a perda da influência católica pode ser detectada nas meta-


morfoses dos requisitos para a formação de assistentes sociais. A ESSPE foi
fundada em 1940, pelo Juiz de Direito Rodolfo Aureliano, como consequência
da III Semana de Ação Social de 1939, sendo extinta e incorporada à UFPE
em 1971 – trata-se, portanto, do terceiro estado a criar uma Escola de Serviço
Social no Brasil, após São Paulo (1936) e Rio de Janeiro (1937).73 Para a
criação, seu fundador (e o grupo de apoiadores) contou com as orientações da
União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS), a primeira organiza-
ção internacional de Serviço Social, criada em 1922, por iniciativa de escolas
católicas europeias (Bélgica, França e Alemanha). Tratava-se de uma entidade
com forte cunho católico, que, inclusive, impulsionou um movimento de rea-
ção para a criação da Conferência Internacional de Serviço Social (CISS) em
Paris (1928) – organismo que passou a acolher assistentes sociais e Escolas,
independente do credo religioso. De todo modo, o grupo de juristas, médicos
e padres (ligados ao Juizado de Menores e ao Círculo Operário do Recife),
fundador da ESSPE, inscrevia-se na ala mais progressista da igreja (e mesmo
leiga), com cariz humanista (PADILHA, 2008).74
Com a primeira turma aglutinando em torno de 15 estudantes, a ESSPE
apenas teve a primeira aluna formada em 1946, Maria da Glória de Andrade
Lima, que seria integrada ao corpo docente. Concomitante a esse início, foi
promovido o intercâmbio de três alunas para o Instituto Social, no Rio de
Janeiro, a fim de se prepararem para a profissão, e assumirem o ensino no seu
retorno.75 Há um fortalecimento das matérias específicas do Serviço Social
no curso – inclusive com a adoção do viés comunitário – após o regresso das
alunas, entre 1944 e 1948. No início, o currículo apenas contava com uma
disciplina específica, a de Assistência Social, cujos conteúdos encontravam-se

73 Antes da criação da Escola, o ensino de Serviço Social já havia iniciado, a partir de um curso oferecido
nas dependências do Juizado de Menores de Pernambuco, em setembro de 1938, sob direção do próprio
Rodolfo Aureliano. Em 30 de janeiro de 1941, a Escola é reconhecida pelo interventor Agamenon Magalhães,
o que a habilitou a receber subvenções do Estado. Após a regulamentação do ensino em Serviço Social, a
ESSPE encaminhou ao Ministro da Educação o pedido de reconhecimento, que foi concedido pelo Decreto
nº 39.009, de 11 abr. 1956, do Presidente da República.
74 Sobre as Escolas de Serviço Social no Nordeste, seus vínculos com a Igreja, e suas mudanças, entre
1940-1970, consultar quadro de Vieira (1992, p. 200).
75 Em abril de 1942, matricularam-se no Instituto Social do Rio de Janeiro Maria de Lourdes Almeida de
Morais e Maria Dolores Cruz Coelho. A primeira, havendo concluído seu curso em dezembro de 1943, com
a apresentação de um trabalho sobre Escola de Serviço Social – seus princípios e meios de traçar os seus
fins. Retornou a Recife em fevereiro de 1944, tendo sido nomeada, nessa ocasião, diretora da Escola. Em
1945, quando a Escola muda-se para a nova sede, adquirida através de donativo da Legião Brasileira da
Assistência (LBA), Maria Dolores conclui seu curso no Instituto Social com a apresentação de um trabalho
sobre Métodos de Pesquisa em Serviço Social, regressando à Escola a fim de se ocupar da supervisão dos
trabalhos práticos dos alunos. Após 1948, também retorna do Rio de Janeiro Hebe Gonçalves, assumindo
o ensino de Organização Social da Comunidade, de Serviço Social de Grupo e de Serviço Social Médico,
além da supervisão de estágio de numerosos alunos.
126

relacionados ao Serviço Social de Casos (VIEIRA, 1992, p. 142). Na segunda


metade da década – já de volta as assistentes sociais formadas no Rio de Janeiro
– ao lado do reforço das matérias de caráter doutrinário, foi aperfeiçoada a
parte específica da formação: a anterior Assistência Social sendo substituída
por Serviço Social; em 1948, inicia-se a Organização Social de Comunidades,
Serviço Social de Casos, Serviço Social de Grupo; e, em 1950, se incorporam
as disciplinas Serviço Social do Trabalho e Serviço Social de Menores.
A introdução dos problemas afetos à ação comunitária no Serviço Social
em Pernambuco ocorre na relação entre uma demanda germinal de coorde-
nação das obras sociais (manifesta desde final dos anos 1930, pelo Prof. Luiz
Delgado, na III Semana de Ação Social, e pela Comissão de Obras Sociais
da Arquidiocese de Olinda e Recife, nos anos 1940) e a iniciativa da ESSPE
de absorver os conteúdos no currículo (1948), motivada pelo intercâmbio das
alunas com o Rio de Janeiro. Como decorrência da cadeira de Organização
Social de Comunidade, cria-se o primeiro espaço para atuação claramente
referenciado pelas problemáticas de organização de comunidade: em finais
de 1949, a ESSPE inicia a instalação (e abriga a própria sede) do Fichário
Central de Obras Sociais, com apoio de outras organizações, e a participação
de suas alunas e professoras. Com efeito, esse fichário era funcional direta-
mente para o apoio ao atendimento de casos individuais (e a sua finalidade de
“reajustamento individual”), na medida em que propiciava o conhecimento
dos recursos assistenciais locais; porém, também proporcionaria a chance de
coordenação de esforços para o planejamento de obras, constituindo instru-
mento para a coordenação das comunidades. Pela fundamentação do trabalho
na cadeira de Organização Social de Comunidade, vê-se uma abordagem
mais técnica e metódica na implantação do fichário, com a manipulação de
bases teóricas norte-americanas, além da incipiente incidência do horizonte
religioso e doutrinário (SOUZA, 1953; NOVA et al., 1985).
A tendência de fortalecimento dos conteúdos laicos e científicos na
formação, ao lado do adensamento de componentes vinculados a aborda-
gem comunitária, recebeu grande ímpeto com a aprovação do primeiro cur-
rículo mínimo para os cursos de Serviço Social, em 1953-1954. Além de
uma esterilização em face das disciplinas religiosas, existe, nesse currículo,
a obrigatoriedade das disciplinas de Introdução ao Serviço Social, Serviço
Social de Casos e Serviço Social de Grupo, na primeira série; a exigência
da disciplina de Organização de Social de Comunidade (nas 2ª e 3ª séries), e
de Administração de Obras Sociais (na 3ª série); ademais de um conjunto de
outras cadeiras específicas (VIEIRA, 1992, p. 1145-146). Ao institucionali-
zar-se, a formação deixou de ter como componente obrigatório, constitutivo
da profissão, a orientação católica. Com um currículo mínimo de caráter
modernizador, a persistência dos conteúdos de natureza católico-doutrinária
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 127

nas décadas seguintes dar-se-ia pela via do currículo pleno. A ESSPE– que
havia antecipado a adoção de alguns componentes – assume, já em 1953,
esse novo currículo, embora garantindo a formação doutrinária, através das
disciplinas de Religião, Doutrina Social, e de um Seminário de Formação
com caráter de monitoramento moral-pedagógico (VIEIRA, 1992, p. 147).
Acrescente-se que outras disciplinas, após 1953, complementavam os temas da
cadeira de Organização Social de Comunidade, como a de Educação Popular,
Cooperativismo, Sindicalismo, as quais guardavam afinidade com outras como
Movimento de Educação de Base, Movimento de Cultura Popular e Serviço
Social Rural. Essas incorporações acompanham a movimentação política da
época. Além das preocupações dominantes ao nível político, as mudanças no
plano do curso atendem ao discurso tecnocrático no segundo lustro de 1960;
por exemplo, com a inclusão das disciplinas Administração em Serviço Social
e Desenvolvimento e Serviço Social, em 1967.76

3. Afirmação da hegemonia norte-americana

A erosão da influência católica (laicização) ocorre em paralelo com a


ampliação da visão norte-americana. A infiltração dessa nova base de influên-
cia foi resultado do pan-americanismo monroísta, como assinalado por Castro
(2000). Embora seu marco seja balizado pelo fim da Segunda Guerra, esse
movimento hegemônico passou por diversos estágios, muito condicionado
pelo ritmo das lutas de classe no continente latino-americano (com destaque
para o momento da Revolução Cubana, que sinaliza a entrada de um estágio)
e na particularidade no Nordeste brasileiro (em especial após a movimentação
camponesa e a ascensão de governos reformistas, desde meados de 1950, e da
seguinte reação para inflexão desses movimentos, com as articulações para o
Golpe de 1964 e sua sustentação).
Em termos do Nordeste brasileiro, podemos verificar pelo menos três
estágios do avanço da influência norte-americana, que se acirra na mesma
medida em que avança a luta de classes:77

76 Sobre algumas oscilações do currículo, que acompanham o clima político, interessante observar como a
disciplina de Economia Social, entre 1966-1967, chegou a abordar a questão do desenvolvimento capitalista,
referenciando-se em Marx e Engels, na apostila de Desenvolvimento Econômico Social. Algo que precisou
ser alterado no ano seguinte, direcionando-se para o estudo da macro e micro economia (VIERIA, 1992, p.
154). Já durante a década de 1970, a Escola retirou matérias com um cunho mais politizado, como Educação
Popular e Sindicalismo, posto o acirramento do controle ideológico ditatorial e a maior inclinação para o
funcionalismo norte-americano. Para conhecer todas as transformações nos componentes, a demanda de
alunos e as diplomações, ver Vieira (1992, p. 156, p. 163-164).
77 Em Mota (2019) encontramos uma boa síntese da relação entre a movimentação das forças políticas e
estatais no Nordeste e algumas transformações no Serviço Social que apontam para seu processo de
renovação na particularidade regional.
128

I. Um primeiro estágio segue dos anos finais da Segunda Guerra até


a Revolução Cubana. Parece tratar-se de um momento em que o
início da influência chega pela via da realização de eventos e a
instalação de intercâmbios com os Estados Unidos. Pense-se, por
exemplo, no congresso realizado em Atlantic City (1941), que con-
tou com a participação de quatro representantes do Brasil, a convite
do governo norte-americano. Ou no 1º Congresso Pan-americano de
Serviço Social, ocorrido em Santiago no Chile, em 194578, no qual
se saiu com a determinação para a instalação de organizações para
promover a profissão no Brasil, resultando na criação, em 1946,
da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS) e
da Associação Brasileira de Assistentes Sociais(ABAS).79 Veja-se,
ainda, a abertura de um programa norte-americano de bolsas de
estudos para assistentes sociais brasileiros, em 1949 (a partir da
articulação iniciada no Congresso de Atlantic City), compondo o
Programa Ponto IV, firmado pelo Governo Truman, objetivando
conceder ajuda técnica e financeira visando o desenvolvimento bra-
sileiro. Além de tais meios, foi um canal de chegada da influência
norte-americana, nesses anos, a assistência técnica (ainda que parca)
fornecida pelas agências das Nações Unidas ao Nordeste.
II. Um segundo período se desdobra da Revolução Cubana (e da fase de
ascensão das Ligas Camponesas, da afirmação de administrações de
esquerda em Pernambuco, e dos anos iniciais da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE) até a deflagração do
Golpe de abril. Aqui, acirram-se as preocupações americanas com os
desdobramentos das lutas no Nordeste brasileiro, e a atenção mirrada
do Acordo Ponto IV é substituída pela intervenção, mais consistente,
promovida pela Aliança Para o Progresso (pela mediação da Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – USAID),
associada aos trabalhos iniciais promovidos pela SUDENE; essa asso-
ciação, como relata Page (1962, p. 83-95; p. 151; p. 195; p. 172; p.
253; p. 262-275), marcada por estágios de apoio mútuo, tensões, coli-
sões, e posterior domínio mais forte da Superintendência pela agência

78 Além de ter enviado delegação a esse 1ª Congresso Pan-americano, a ESSPE esteve presente também no
2º Congresso Pan-americano de Serviço Social, ocorrido no Rio de Janeiro, em julho de 1949, assim como
em vários outros com clara influência norte-americana. A ESSPE participava sistematicamente dos eventos
da UCISS, das Convenções da ABESS, dos Congressos Pan-americanos, além de eventos da Organização
das Nações Unidas (ONU) e das Dioceses.
79 Em uma das resoluções do 1° Congresso é decidida a criação da ABESS. Na resolução se dizia que “[...]
deveria ser criada uma associação que permitisse a troca de ideias e experiências entre as assistentes
sociais e assegurasse o progresso do ensino do Serviço social em cada país... A ABESS organizou seus
estatutos com algumas exigências mínimas para a filiação das escolas existentes, e das que viessem a ser
criadas” (VIEIRA, 1992, p. 179).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 129

americana, com o Golpe. Do ponto de vista do direcionamento político


das ações de organização e desenvolvimento de comunidade, temos
aqui uma fase de maior radicalização, com influência de vieses desen-
volvimentistas nacionalistas e reformadores. Um exemplo é o vínculo da
ESSPE com o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (MCP)
no início dos anos 1960. Em específico o trabalho de uma aluna, Zaira
Ary, orientada pela professora Dolores Cruz Coelho, na localidade Poço
da Panela, durante a fundação do primeiro Centro de Cultura Popular do
Recife, em 1962 (Círculo de Cultura Dona Olegarina).80 Nesse momento,
não apenas Paulo Freire era professor da ESSPE, mas também outros
fundadores do MCP (PADILHA, 2008, p. 230). Padilha (2008) afirma
que as práticas dialógicas, inspiradas nas aulas e trabalhos de Paulo
Freire, foram aplicadas, ademais, em projetos de desenvolvimento de
comunidade nos bairros do Recife, Olinda, Cabo de Santo Agostinho,
Jaboatão dos Guararapes e outras cidades interioranas.
III. Um terceiro período segue com a consolidação da dominação de
classe que se instaura com o Golpe de 1964, acompanhando as
transformações modernizadoras que a ditadura deflagra em conco-
mitância com o crescimento econômico que está na sua base. Aqui
se estreita a participação americana nos projetos de desenvolvi-
mento, com a SUDENE tornando-se uma chancela para os projetos
da USAID no Nordeste (PAGE, 1972, p. 266-268). Esse terceiro
estágio vai se encerrando quando o próprio ciclo ditatorial entra
em declínio, com a crise econômica e a movimentação política de
meados de 1970 em diante. O momento é marcado, em especial
no final dos anos 1960, pela maior adesão da SUDENE, nas suas
diretrizes, ao trabalho com comunidades, tentando engajá-las nos
projetos de desenvolvimento local. Tal fato aumenta a busca do Ser-
viço Social para se habilitar a participar desse espaço. O Golpe não
provoca um rompimento do Serviço Social com o desenvolvimen-
tismo. Diferente disso, a ditadura aprofunda o relacionamento da
ESSPE com a SUDENE – agora expurgada dos seus quadros mais
progressistas. Ao mesmo tempo em que se opera uma aproximação
da unidade de ensino a Universidade do Recife (depois Universi-
dade Federal de Pernambuco), num período de maior repressão e
patrulhamento ideológico.81 Portanto, ocorre aqui uma acentuação

80 Um interessante testemunho ficou registrado no Trabalho de Conclusão de Curso de Zaira Ary, intitulado Uma
Experiência de Educação Popular: Centro de Cultura Dona Olegarina. O trabalho foi desenvolvido durante
um ano (novembro de 1961 a novembro de 1962) e teve a supervisão de Maria Dolores Cruz Coelho.
81 Parece não ter se aplacado de modo intenso as medidas punitivas na ditadura sobre o corpo discente e
docente da Escola. Apenas poucos professores tiveram que se afastar do ensino ou sair do país, posto suas
130

do caráter modernizador e funcionalista do DC, com um crescimento


dos espaços ocupacionais e um incremento do corpo profissional
– pense-se na introdução da política social no Plano Nacional de
Desenvolvimento, em 1972.

Uma expressão da tentativa estadunidense de ganhar influência no Ser-


viço Social, no primeiro período, foi o desenvolvimento de um intercâmbio da
ESSPE com professores e profissionais estrangeiros (norte-americanos e euro-
peus) na década de 1950, a partir dos termos do Acordo Ponto IV. Isso resultou
em diversas ações: em 1952, a visita da assistente social norte-americana Miss
Katheryn Knapp cumprindo o Acordo Ponto IV e patrocinada pela União Pan-a-
mericana para subsidiar os trabalhos assistenciais e da Escola durante um mês;
em 1953, a visita de Rose Alvernaz para discutir Serviço Social de Menores;
em 1954, a concessão de bolsa de estudos, pela Organização das Nações Uni-
das, para uma professora da Escola (a vice-diretora Maria Dolores Coelho)
estudar Cooperativismo na Dinamarca; em 1955, a exposição das atividades da
Conselheira de Bem Estar do Instituto de Assuntos Interamericanos do Ponto
IV, Lavínia Keys; ainda em 1954, a visita das diretoras da União Católica
Internacional de Serviço Social (UCISS) para discutir a Ação Social na Bélgica
e as atividades da entidade; no mesmo ano, a promoção de um curso sobre
Serviço Social de Grupo, por parte de Miss Catherine Jennings, este contando
com 182 alunos/as, entre professores/as, supervisores/as, estudantes e pessoal
de obras sociais de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará; no
ano seguinte, o retorno de Miss Jennings, com apoio de Lavínia Keys do Ponto
IV, para complementação do curso; posteriormente, uma conferência sobre
Cooperativismo com o Padre Peter Nearing, do Canadá. Durante o período,
houve também uma intensa visitação de renomados intelectuais da profissão
em nível nacional: Alceu Amoroso Lima (1956), Balbina Ottoni Vieira (1956),
Giovana Xavier (1958), Sarah Fiúza (1959), Maria Augusta Albano (1960),
dentre outros (VIEIRA, 1992, p. 152).

4. Profissionalização do Serviço Social

É durante os anos de aproximação e consolidação do DC no Serviço


Social que ocorre a cumulativa conquista de reconhecimento legal da profissão
pelo Estado, expressando o processo de profissionalização – aqui considerados
os marcos legais referentes à constituição de normas e agências para uma
padronização e racionalização do ensino em nível nacional (Lei n. 1.889
ligações mais estreitas com o movimento estudantil da Juventude Universitária Católica (JUC) e movimentos
populares, e sua projeção nacional (VIEIRA, 1992, p. 168).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 131

de 13 jun. 1953 e o Decreto 35.311, de 2 abr. 1954) e ao reconhecimento do


exercício profissional (Lei n. 3.252, de 27 ago. 1957, que confere monopólio
do exercício aos portadores do diploma; e o Decreto-Lei 994, de 15 mai.
1962, que regulamenta a Lei). Na especificidade de Pernambuco, há uma
antecipação desse reconhecimento, com a decretação da Lei n. 965, de 14
dez. 1950, sancionada pelo Governo do estado, sob influência da ESSPE,
dispondo sobre as nomeações para os cargos de assistentes sociais a serem
criados pelo estado e pelas autarquias.
O reconhecimento legal da profissão, e a normatização da formação
(ambos colocando a exigência do diploma para a legitimação do exercício
profissional), impulsionaram uma multiplicação dos cursos no Brasil, que
avança na mesma medida em que vai se consolidando o DC como espaço e
estratégia do Serviço Social. A demanda pela formação superior cresce com o
adensamento do capitalismo monopolista vetando a possibilidade das formas
tradicionais de reprodução da pequena burguesia (urbana e rural), levando-a
a buscar nas inserções no aparelho do Estado a garantia de sua posição eco-
nômica privilegiada. Nesse período, a grande maioria das escolas havia sido
criada pelas dioceses, grupos religiosos e leigos ligados à Igreja. Há um está-
gio de hibridização de conteúdos religiosos e visões modernizadoras, que se
infiltram progressivamente nos anos 1950 e 1960, com o currículo mínimo, os
intercâmbios, os convênios com órgãos governamentais de desenvolvimento,
e, inclusive, com a própria reorientação da Igreja.

Tabela 1 – Crescimento das Escolas de Serviço Social no Brasil, entre 1930-196082


DÉCADAS QUANTIDADE DE ESCOLAS
1930 3
1940 9
1950 28
1960 37

Fonte: Vieira (1992)

A regulamentação do ensino ocorre na primeira metade da década


de 1950, numa fase de abertura, após o fim do Estado Novo. Até essa regu-
lamentação, a ABESS congregava apenas escolas católicas consideradas de
bom nível cultural. A ABESS, desde sua emergência, se apresenta como um
instrumento para o avanço da influência norte-americana no Serviço Social
brasileiro. Isso se mostra palpável nos eventos que impulsionaram sua criação
82 Acreditamos que esse quadro, retirado de Vieira (1992), pode conter imprecisões face ao quantitativo de
escolas existentes na década de 1940. A tese de Machado (2015) sugere um número maior de escolas já
existentes no Rio de Janeiro durante esse período.
132

em 1946. Contraditoriamente, era pelas próprias Escolas de caráter religioso


que se compunha a ABESS, as mesmas que se empenhavam numa articulação
e num movimento cujo resultado seria a perda da própria hegemonia católica
ao longo do tempo. Isso explica o caráter ambíguo dos debates presentes
nas convenções da ABESS (iniciadas a partir de 1951), onde, por exemplo:
defende-se reiteradamente o caráter doutrinário e vocacional, mas, ao mesmo
tempo, dedica-se um esforço para a profissionalização, junto com a padroni-
zação e racionalização da formação, com a criação do currículo mínimo; se
trabalha para a adoção da disciplina de Organização Social de Comunidade
no currículo mínimo, ao mesmo tempo em que se avalia a ausência de clima
para aplicação desse método no Brasil (IV Convenção, 1954) (VIEIRA, 1992).
A tolerância com a abordagem comunitária cresce nas Convenções, na
medida mesma do deslocamento da Igreja para esse foco, a partir de 1960 (por
exemplo, isso aparece na X Convenção de 1960, em Fortaleza, no discurso de
D. Eugênio Sales), juntamente com a inclinação das novas agências de governo
para esse fim e a maior pressão americana nesse sentido. Não é casual que seja
em finais de 1960, na XV Convenção (1967), que se destaque o tema central
sobre a Integração dos processos de Serviço Social visando a inserção do
mesmo no processo de desenvolvimento – algo que aparecia naquela conven-
ção ao lado dos anseios para que as Escolas se incorporassem à universidade.
No ambiente cultural e político da década de 1970, as Convenções
(de 1973-1975) voltam-se para o tema da reconceituação do Serviço Social.
A vertente defendida dizia respeito, abertamente, àquela vinculada a uma
perspectiva modernizadora. A defesa da visão modernizadora é traduzida para
os aspectos metodológicos internos do Serviço Social pela associação com o
problema do desenvolvimento. De modo que os anseios reconceitualizadores
na América Latina são direcionados, na condução dada pela ABESS, para a
urgência de formulação de novos modelos de intervenção do Serviço Social
para desempenho de um papel significativo no desenvolvimento. Mais ainda,
a disputa pelo direcionamento da reconceituação, numa concepção moder-
nizadora, se expressou na proposta apresentada, pelas unidades de ensino
do Nordeste, apoiada pela SUDENE através de Carlos Alberto Medina, de
reconceituação do Serviço Social para a integração do mesmo no desenvol-
vimento, com ênfase nas metodologias participacionistas. Nesse episódio,
evidencia-se um protagonismo do Nordeste, articulado a SUDENE, na disputa
pela hegemonia do desenvolvimentismo e da “pedagogia da ‘participação’”
(ABREU, 2008) no debate sobre a reconceituação (VIEIRA, 1992, p. 139).
Abreu (2008) já havia atentado para o fato de que, no Brasil, a vin-
culação predominante de redimensionamento do projeto profissional no
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 133

bojo da reconceituação estabeleceu-se com a “tendência modernizadora”


(NETTO, 2005) – sendo bloqueadas as possibilidades de germinação dos
laços com aquela tendência de vinculação profissional à perspectiva histórica
das classes trabalhadoras, mormente com a deflagração do Golpe de abril. E
os Seminários Nacionais de Teorização do Serviço Social, organizados pelo
CBCISS, foram significativas expressões da tendência profissional integrada
ao processo de modernização conservadora. Destacam-se os documentos de
Araxá (1967) e Teresópolis (1970), ao lado de outros esforços de sistemati-
zação desse projeto, com os trabalhos de José Lucena Dantas (1973) e Anna
Augusta Almeida (1979).83 Todos esses condensam – defende Abreu (2002,
p. 115-127), e mostra Netto (2005, p. 164-246) – indicações substantivas que
manifestam os contornos do perfil pedagógico da prática profissional sob a
influência ideológica da modernização conservadora, marcada pelas chama-
das ideologias desenvolvimentistas e da doutrina da segurança nacional e do
desenvolvimento. Inobstante o desdobramento (e diferenciação) das vertentes
renovadoras, designadas por Netto (2005) de “modernizadora” e de “reatua-
lização do conservadorismo”, ambas almejavam projetar a contribuição do/a
assistente social às estratégias participacionistas no processo denominado
de “desenvolvimento social”: na primeira, com a defesa do “modelo de Ser-
viço Social para o desenvolvimento”; na segunda, com a visão de “modelo
profissional para a ‘capacitação social’”. Ou seja, as duas equalizando-se
com a estratégia do DC, ressaltando a prática, seja no nível macro, seja das
microatuações, para o desenvolvimento social.
Mas não é apenas nas iniciativas voltadas para a profissionalização e
reconceituação do Serviço Social, a padronização e racionalização da forma-
ção, que se expressa o papel da ABESS (ao lado de outros organismos, como
o CBCISS) na consolidação da influência americana. Note-se, por outro lado,
o trabalho formativo com o pessoal docente das Escolas. Entre 1966-1968,
a ABESS realiza três cursos de aperfeiçoamento para professores de Serviço
Social, apoiados pelo Ministério da Educação (MEC), com uma participação
de representantes de todo o país. Tal iniciativa se justificava pela necessidade
de preparação técnica de assistentes sociais para “[...] contribuir no equaciona-
mento e na solução dos problemas sociais, nesse momento de desenvolvimento
das sociedades industriais” (ABESS, 1969 apud VIEIRA, 1992, p. 138). Além
disso, outros cursos regionais de aperfeiçoamento foram promovidos com
apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (para a região

83 Netto (2005) alerta que muitos núcleos temáticos que serão desenvolvidos e aprofundados na vertente
modernizadora de renovação do Serviço Social no Brasil já afloram com nitidez no I Seminário Regional
Latino-Americano de Serviço Social, realizado em Porto Alegre, em maio de 1965.
134

Sul e Amazônica), envolvendo assistentes sociais e outros profissionais de


nível superior, com o intuito de discutir a participação de assistentes sociais
no desenvolvimento nacional.

5. Adensamento dos espaços ocupacionais e


diversificação técnico-profissional

Durante esse período ocorre o adensamento institucional-governamental


dos espaços ocupacionais de assistentes sociais, multiplicando o mercado
de trabalho no aparelho estatal (mas não só) e, portanto, a demanda de pro-
fissionais – o que, por outra via, expressa a assunção da condição mercan-
tilizada dos serviços prestados pelos/as profissionais. Em Pernambuco, ao
lado do (ou articulado com o) crescimento e aperfeiçoamento dos espaços
tradicionais de inserção do Serviço Social (hospitais, instituições psiquiá-
tricas, colônias penais e dispensários, obras assistenciais, escolas, de órgãos
como a Legião Brasileira da Assistência, os Institutos de Aposentadorias e
Pensões, o Juizado de Menores, o Serviço Social da Indústria, Serviço Social
do Comércio, etc.), emerge uma esfera nova de trabalho de intervenção de
campo para a organização e o desenvolvimento de comunidades.
As inserções e práticas pioneiras do Serviço Social em Pernambuco
correspondem à própria transição política em que está ambientada a pri-
meira turma da ESSPE: ou seja, aquela caracterizada pela crise do Estado
Novo e a emergência de um germe de modernização robustecida com
o capitalismo monopolista. Daí a primeira experiência de trabalho ser
realizada no bojo de um movimento que já estava nos capítulos finais (o
movimento circulista vinculado à Igreja) e o primeiro órgão que previu
assistentes sociais em seus quadros ser o Juizado de Menores.
O primeiro trabalho sistematizado da prática do Serviço Social em
Pernambuco84 corresponde à atuação de uma aluna concluinte da ESSPE
no movimento dos Círculos Operários no Recife, entre 1944-1946. O
movimento circulista era vinculado à Ação Católica; atuando em nível
nacional, buscava exercer influência e controle no meio operário e suas
organizações, em aliança com o Estado Novo, e portando uma ideolo-
gia anticomunista e conciliatória. A política de cooptação do operariado
era materializada pela prestação de assistência social, pela formação de
dirigentes, e por um programa de ação que visava garantir a aplicação da
legislação social na relação entre trabalhadores e patrões. Uma parte dos

84 Referimo-nos à monografia da primeira concluinte da ESSPE, Maria da Glória de Andrade Lima, intitulada
Uma experiência de Serviço Social junto aos Círculos Operários, datada de 1946. Uma análise desse
trabalho pode ser encontrada em Gomes (1987).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 135

próprios fundadores da ESSPE – Rodolfo Aureliano e Luiz Delgado, por


exemplo – fazia parte dos Círculos, inscrevendo-se mesmo nas instân-
cias representativas do movimento. O envolvimento do Serviço Social
vai ocorrer em 1944, com a escolha, de uma das alunas concluintes, de
entrada no campo de estágio nos Círculos Operários do Recife – Núcleo
Prado, desenvolvendo a atividade assistencial e doutrinário-moralizadora
(remetendo-se, ademais, às práticas do Serviço Social de Grupo) nesse
espaço. O influxo dos Círculos acompanha a própria crise do Estado Novo,
sendo reduzidos seus núcleos à medida que findava a ditadura varguista.
Em 1946, encontrava-se em funcionamento no Recife apenas o núcleo do
Prado – fechado completamente dois anos depois (GOMES, 1987).
O primeiro espaço ocupacional do Serviço Social no aparelho esta-
tal-governamental foi a Divisão de Assistência Social da Vara de Menores
Abandonados e Delinquentes. O atendimento era apenas em nível indi-
vidual, com o mero levantamento empírico dos casos para solução dos
problemas da clientela, e envolvia visitas domiciliares, plantões, entre-
vistas, elaboração de relatórios. Apenas em finais de 1940 (com a maior
racionalização do ensino, após o retorno das assistentes sociais do Rio
de Janeiro), os trabalhos assumem um caráter mais técnico, e a profissão
passa a ser incorporada a outras instituições – principalmente entidades de
nível nacional que já contavam com a participação do Serviço Social na
sua matriz, como a LBA, SESI, SESC, IAP’s (LYRA, 1985). Ainda com
uma orientação ideal vinculada ao humanismo integral e a Doutrina Social
da Igreja Católica, as modificações no currículo darão ênfase a psicologia
e sociologia, donde se começa a preocupação dos aspectos psicossociais,
do relacionamento e do comportamento da clientela para o “reajustamento
individual”, assim como a valorização das técnicas e instrumentos. Isso
tanto mais se intensifica quanto a assistência norte-americana começa a
chegar (entre 1950-1960), instalando a prática do Serviço Social de Casos
do modelo americano de Mary Richmmond e Gordon Hamilton, além das
abordagens grupais e comunitárias (LYRA, 1985). A seguir, apresentamos
um quadro geral dos espaços ocupacionais que correspondiam às perspec-
tivas de demandas de assistentes sociais até os anos 1960, de acordo com
os documentos da ESSPE; após, transcrevemos uma lista das instituições
nas quais se inseria o Serviço Social naquela década.85

85 As informações do Quadro nº 1 e da Lista nº 1 foram extraídas de dois documentos da ESSPE, concomi-


tantemente: Demandas Profissionais de Serviço Social (ESSPE, 1965), Alguns Informes sobre a Escola de
Serviço Social de Pernambuco (ESSPE, 1960). Estão dispostas de acordo com a nomenclatura presente
nos documentos.
136

Quadro 1 – perspectivas de demanda de assistente sociais por tipo


de entidades e serviços em Pernambuco na década de 1960
SOCIEDADES
ENTIDADES PÚBLICAS DE ECONOMIA ENTIDADES PRIVADAS
MISTA
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL SERV. SOCIAIS SAÚDE EMPRESAS ENSINO
a) Programa e Ação Comunitá- a) Companhias
a) Secretária do Estado hidrelétricas Legião Brasileira de
ria (planejamento, assessoria,
(Interior a Justiça, Saúde, (CHESF, COHE- Assistência a) Serviço
execução) – SUDENE, IBRA, a) Serviço
Assistência Social, Educação BE) SESI Social em a) Serviço So-
INDA Social em
e Cultura, Serviço Social e b) Petrobras SESC hospitais cial em Usinas a) Escolas
b) Serviço Social em órgão da Prefeituras
Trabalho c) Conselho de Obras Sociais de Serviço de Açúcar, em de Serviço
Previdência Social municipais
b) Companhias de Habitação Desenvolvimento Arquidioceses e b) Social em colaboração Social
c) Serviço Social em hospitais b) COHABs
(COHABs) estaduais dos Estados Dioceses clínicas espe- com o GERAN
Universitários municipais
c) Fundação de Bem Estar Empresas Programas de Serviço cializadas
d) Serviço Social junto a De-
do Menor Social da Cáritas
partamento de Universidades
Lista 1 – Instituições em que se inserem assistentes sociais em Pernambuco, até o início de 1960
– Secretaria de Educação e Cultura
– Instituto de Educação de Pernambuco – SESC
– Escola Ulisses Pernambucano – SESI
– Secretária de Saúde – Fábrica de Camaragibe
– Arquidiocese de Olinda – Recife
– Divisão de Tuberculose – Legião Brasileira da Assistência
– Diocese de Nazaré
– Conjunto Sanatório Otávio de Freitas – Serviço Social Rural
– Paróquia de Vasco da Gama
– Dispensário Amauri de Medeiros – Projeto Piloto de Eletrificação Rural de Itacuruba
– Paróquia de São José
– Dispensário Agamenon Magalhães – ANCAR
– Sociedade Pernambucana de Combate à Lepra
– Posto de Puericultura de Casa Amarela – Campanha Educativa do Departamento Nacional da
– Centro de Bem Estar do Cege
– Serviço Social Contra Mocambo Criança DNCr – FISI
– I.A.P.C. – Fichário Central de Obras Sociais de Pernambuco
– I.A.P.I. – Hospital Universitário
– I.A.P.B.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 137

O novo terreno ocupacional, dado pelas abordagens de organização e


desenvolvimento de comunidade, multiplicado após os anos 1950, é criado:

I) Pela própria Igreja, que demanda assistentes sociais para os trabalhos


de renovação paroquial, através da mobilização das comunidades –
acerca disso, verificam-se frentes de trabalho realizadas por algumas
paróquias (Madalena, Casa Amarela e Alto José Bonifácio, Ponte
dos Carvalhos, Sítio Bevenuto, Bom Conselho), sob a influência da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em especial o
Movimento de Educação de Bases (MEB), a Cáritas e a Operação
Esperança, em articulação com órgãos nacionais e internacionais,
ou por meio de iniciativas próprias, tais como a do Mosteiro São
Bento na Vila São Bento.
II) Pelos órgãos de governos, companhias ou instituições assistenciais
envolvidos nas políticas de desenvolvimento, com destaque para os
convênios de projetos comunitários patrocinados pela SUDENE, mas
também alguns trabalhos realizados após a unificação dos Institutos
de Aposentadorias e Pensões, em finais de 196786, os projetos de
eletrificação, em alguns casos com participação de organismos inter-
nacionais como a OEA (Companhia Hidroelétrica da Boa Esperança,
Companhia Energética de Pernambuco, Projeto Piloto de Eletrificação
Rural em Itacuruba e Rodelas), as iniciativas de assistência rural
(Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural, Conselho
Regional de Pernambuco do Serviço Social Rural, Serviço de Exten-
são Rural de Pernambuco), as linhas de trabalho comunitário encam-
padas nas grandes entidades nacionais (SUDENE, Fundação Estadual
de Bem Estar ao Menor, LBA,SESI, SESC), o Movimento de Cultura
Popular, além das ações implantadas em alguns órgãos estaduais,
especialmente nas áreas da Habitação e Educação (Serviço Social
Contra o Mocambo, Secretaria do Estado dos Negócios de Educação
e Cultura – Divisão de Serviço Social do Departamento de Assistência
Escolar, Conjunto Sanatorial Otaviano de Freitas, Departamento de

86 Existem alguns germes de trabalhos na esfera comunitária, por exemplo, no bojo do Instituto de Aposentadorias
e Pensões dos Comerciários (IAPC), quando o Serviço Social desenvolveu ações no Conjunto Residencial de
Casa Amarela, de propriedade desse Instituto. Embora basicamente sustentadas no Serviço Social de Grupos,
essas ações apontavam para a contribuição para o “desenvolvimento do espírito comunitário” (ANDRADE;
ALMEIDA, 1985, p. 30). Após a unificação dos Institutos, em 1967, a linha comunitária era concretizada com
a criação de Centros de Orientação e Assistência para a Comunidade. Em Recife, são exemplos desses
trabalhos: a reformulação do Centro Social de Casa Amarela (onde foram atingidos também Vasco da Gama
e Córrego do Genipapo), a criação dos Núcleos Comunitários do Sítio Bevenuto e Ponte dos Carvalhos (no
município de Cabo de Santo Agostinho), e a implantação de um Cadastro de Recursos Comunitários. As ações
desenvolvidas pelo Serviço Social do Serviço Social do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) na linha
comunitária foram suspensas por determinações da própria instituição em 1970.
138

Estradas e Rodagens de Pernambuco, Hospital das Clínicas da Uni-


versidade do Recife, Centro de Treinamento da Escola de Serviço
Social de Pernambuco, Fundação de Promoção Social, Clínica do
Câncer, Fundação Estadual de Bem-Estar ao Menor).
III) Pelos convênios e assistência técnica patrocinados pelas agên-
cias internacionais vinculadas a política pan-americanista (como
os acordos firmados pela USAID e o UNICEF). Tais organismos
não necessariamente operavam de modo autônomo. Existiam, em
vários casos, articulações e frentes para trabalhos de organização
e desenvolvimento das comunidades, muitas vezes com convênios
entre todos esses – como é exemplo a ação ocorrida no início dos
anos 1960, no Sítio Bevenuto, apoiada por convênio firmado entre
SUDENE, USAID e CNBB-Brasil.

As próprias Escolas de Serviço Social do Nordeste tentam se projetar


para a conquista dos espaços profissionais nos órgãos de desenvolvimento.
No I Encontro das Escolas de Serviço Social do Nordeste (1963), a garantia
da presença da SUDENE – na figura do seu Diretor do Departamento de
Recursos Humanos, a convite de docentes de Pernambuco – significava a
busca pela legitimidade nessa esfera, visando, inclusive, meios de sustentação
financeira das unidades de ensino. Nesse aspecto, foi tão frutífero o episódio,
que o Diretor, inicialmente desacreditado da possibilidade do Serviço Social
contribuir com o desenvolvimento regional, alterou sua visão, e iniciou um
processo de inter-relacionamento das Escolas com a SUDENE. Daí a criação
de um Departamento de Ação Comunitária no órgão, em 1965, com a parti-
cipação de assistentes sociais (essa busca de adesão ao desenvolvimentismo
se aprofunda no II Encontro do Nordeste) (VIEIRA, 1992).
É nesses anos que vemos intensificar a interação entre a SUDENE e o
Serviço Social: no início da década de 1960, estabelece-se um convênio da
ESSPE com a UNICEF, através da SUDENE; em 1964, a SUDENE realizou
um curso de Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento de Comuni-
dade, convidando vários assistentes sociais da região Nordeste – curso que
se encerrou abruptamente, em finais de março de 1964, com a deflagração
do Golpe; em 1965, a SUDENE incorpora em seu III Plano Diretor o obje-
tivo de associar, à ação econômica, um programa específico de ação comu-
nitária, donde a criação da Divisão de Ação Comunitária; mesmo ano no
qual ocorre o 1º Encontro SUDENE/DRH/AC/Escolas de Serviço Social do
Nordeste, comparecendo, além das Escolas da região, o CBCISS, a ABESS,
o CRAS 4ª Região e a ABAS/Pernambuco – o encontro é mencionado em
Vieira (1992, p. 196) e Ammann (2003, p. 146). Esse intercâmbio entre as
Escolas e a SUDENE possibilitou a implantação de convênios que garantiram
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 139

a consolidação do corpo docente de algumas Escolas do Nordeste, assim como


equipamentos, livros etc., conforme detalha Vieira (1992, p. 196). Progressi-
vamente, aparecem tensões na relação entre as Escolas e a Divisão de Ação
Comunitária, como apontam Vieira (1992, p. 197) e Ammann (2003, p. 157).
Nesse ínterim, emergem as parcerias envolvendo, especificamente, a
ESSPE: a partir de finais de 1950, ela começa a firmar convênios com a LBA e
a SUDENE, realizando estágios em comunidades urbanas e rurais – convênios,
inclusive, que subsidiavam financeiramente alguns setores da própria ESSPE.
Não é ocasional, portanto, o crescimento de monografias – frequentemente
escritas a partir das experiências de estágio das alunas – abordando trabalhos
em comunidades e conjuntos residenciais nos finais de 1950, conforme mostra
Vieira (1992, p. 151), e a predominância do tema nos Trabalhos de Conclusão
de Curso nos anos 1960 (VIEIRA, 1992, p. 167). Isso sinaliza a inserção do
Serviço Social no âmbito do DC, sobretudo após o segundo lustro dessa década.
Os novos espaços e processos de intervenção foram instalando-se pro-
gressivamente, implantando-se e difundindo-se por etapas, corresponden-
tes, tanto às complexidades do trabalho comunitário, quanto a cumulativa
emergência de agências, projetos e apoios financeiros para a manutenção e
aprofundamento dos trabalhos. Numa primeira aproximação, esboçam-se, ao
menos, dois grandes estágios gerais, que se interpenetram num dado momento:
os trabalhos preparativos de organização de comunidade – esses, iniciados
em finais de 1940, nascem pelo protagonismo da própria ESSPE, através da
criação do Fichário Geral de Obras Sociais, e, depois, desdobram-se na entrada
em campo de assistentes sociais e estudantes para o diagnóstico, pesquisa,
estudo e mapeamento das características e potenciais de determinadas comu-
nidades, visando o posterior encaminhamento de projetos de desenvolvimento
e reforço dos vínculos entre estas e o governo; após isso, aproximadamente
na passagem para a segunda metade dos anos 1960, articulam-se esses esfor-
ços de organização de comunidade com os projetos de desenvolvimento de
comunidade – implantação de assistência a grupos produtivos, instalação de
equipamentos sociais, formação de lideranças e institucionalização de orga-
nizações de moradores, frentes de trabalho comunitário etc.87
Nessas intervenções, a busca de utilização das técnicas e métodos pró-
prios do DC encontra-se articulada à recorrência às abordagens do Serviço
Social de Casos e de Grupos. Mais precisamente, o Serviço Social de Casos e
de Grupos passam a figurar, progressivamente, como estratégias subsidiárias
ao trabalho de organização e desenvolvimento de comunidade. O avanço da

87 Essa periodização é ratificada na entrevista concedida por Anita Aline de Albuquerque Costa (ex-aluna da
ESSPE e ex-professora da instituição) ao Projeto Memória da Escola de Serviço Social de Pernambuco
(PADILHA, 2008, p. 291).
140

intervenção comunitária durante os anos (dos trabalhos de organização para


aqueles próprios do desenvolvimento de comunidade) ocorreu na evolução,
de meados de 1950 em diante, das ações concentradas em alguns territórios
pauperizados do Recife e de municípios próximos: a partir de meados de 1950,
até a entrada da década de 1970, o bairro de Casa Amarela e o município de
Camaragibe receberam muitas ações; entre finais de 1950 e início de 1960,
veem-se intervenções mais pontuais em Fernando de Noronha, nos municípios
de Bom Conselho, Camocim de São Félix, Itacuruba, Rodelas e Jaboatão dos
Guararapes, e nos bairros de Dois Unidos e Madalena; na primeira metade
de 1960, ocorrem ações nas comunidades Coelhos/Coque, Cajueiro Seco e
Vila São Bento (Olinda); na segunda metade de 1960, observam-se muitas
iniciativas no Sítio Bevenuto e Ponte dos Carvalhos (Cabo de Santo Agosti-
nho)88; e em finais de 1960, algo mais pontual se verifica no bairro de Santo
Amaro e no município de Caruaru.
Notamos, ao longo dos anos, o evolver das intervenções de cunho comu-
nitário nessas localidades. Concomitantemente, existe uma maior diversifica-
ção de atribuições e modalidades de intervenção do Serviço Social: ao lado das
metodologias e instrumentos tradicionais (entrevista individual, diagnóstico
e tratamento de “desajustamentos individuais”, atendimentos para repasses
de benefícios assistenciais) proliferam-se os trabalhos com pesquisa e estudo
das comunidades, coordenação de administração de projetos de desenvolvi-
mento, ações de formação de capacitação de lideranças, assistência para insti-
tucionalização de associações, fomento de grupos para a realização trabalhos
comunitários e a participação.89

6. Considerações finais

Essas notas históricas informam os principais condutos e processos


pelos quais germinou a renovação do Serviço Social na particularidade
de Pernambuco; renovação que teve a assimilação do DC como um dos
condicionantes catalizadores. Ou seja, aspectos que remetem à gênese do
“processo de renovação” (NETTO, 2004) pelo qual passa a profissão no
bojo do ciclo autocrático e sua crise. Tal processo é delimitado por Netto
88 Com relação à experiência em Cabo de Santo Agostinho, um informe de fevereiro de 1965, da ESSPE,
intitulado Mercado de Trabalho para Assistentes Sociais (ESSPE, 1965), indica que se tratava de um campo
de estágio então recentemente aberto na Paróquia de Ponte dos Carvalhos, certamente condicionada pela
instalação do Distrito Industrial. A abertura desse campo de estágio era considerada, por professores e
discentes, necessária, para a expansão da Escola para a zona rural do Estado, absorvendo, no início, certo
número de alunos/as no treinamento em lidar com comunidades rurais.
89 Sobre isso, é ilustrativo o documento Mercado de Trabalho para Assistentes Sociais (fev. 1965) (ESSPE,
1965), contendo informações sobre a Escola e a profissão; documento preparado por professores da Escola
de Serviço Social, com vistas à negociação para a incorporação na UFPE (VIEIRA, 1992).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 141

(2004) como o conjunto de características novas que a profissão articulou no


marco das constrições da autocracia burguesa, a partir do rearranjo de suas
tradições teóricas e da assunção do contributo de tendência do pensamento
social contemporâneo. A articulação dessas novas características ocorreu na
medida em que o Serviço Social procurou investir-se como instituição de
natureza profissional dotada de dois vetores: de legitimação prática, através
de respostas a demandas sociais e da sua sistematização; e de validação
teórica, mediante a remissão às teorias das disciplinas sociais. A pesquisa
sobre a particularidade do Serviço Social em Pernambuco entre as décadas
de 1940-1960 mostra esses novos vetores de legitimação prática e validação
teórica em estado nascente, como um processo em desenvolvimento, com
seus respectivos condicionamentos histórico-sociais. Desse modo, a pesquisa
nos fornece subsídios para aprofundar a reconstrução teórica da história do
Serviço Social no Brasil, considerando suas determinações universais, mas,
igualmente, suas particularidades concretas.
142

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CAPÍTULO 7
A POLÍTICA “CONTRA O MOCAMBO”
E A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO
SOCIAL EM PERNAMBUCO

Bruna Soares Farias


Camila Sobral Leite Lyra Montalvão

1. Introdução

O presente artigo é resultado de um estudo exploratório, de base biblio-


gráfica e documental, que objetivou apreender a relação entre a gênese do
Serviço Social em Pernambuco, nas décadas de 1940 e 1950, e a intervenção
social do Estado face à questão dos mocambos. As iniciativas governamentais
no período, voltadas para a questão habitacional, desenvolveram-se pri-
meiramente sob a égide do Estado Novo, capitaneado pelo interventor
Agamenon Magalhães. Sendo a habitação uma esfera central no programa
desta interventoria, levantamos a hipótese de que a política habitacional,
fundamentalmente contra os mocambos, colaborou diretamente na emergência
da profissão e na criação da Escola de Serviço Social de Pernambuco (ESSPE),
ao potencializar o espaço ocupacional desse corpo técnico qualificado.
Considerando os mocambos como expressão da “questão social” em nível
local, nos propomos, inicialmente, a apresentar uma breve caracterização da
mesma e de seus reflexos a partir da realidade da cidade do Recife. Posterior-
mente, buscamos identificar algumas conexões existentes entre a emergência
do Serviço Social em Pernambuco e a problemática dos mocambos, a partir das
demandas de ações interventivas por parte do Estado e das instituições vincu-
ladas a este. Por fim, tendo em vista o atendimento às necessidades habitacio-
nais, desenvolvemos uma caracterização dos diversos espaços que exerciam
tal função e da atuação das profissionais do Serviço Social neles inseridos.
A pesquisa se deu, principalmente, através da revisão biblio-
gráfica, não apenas do material disponível sobre a história da ESSPE
(GOMES, 1987; PADILHA, 2008; VIEIRA, 1992), mas também da literatura
referente ao período em questão, em especial sobre as políticas voltadas à habi-
tação (BEZERRA, 1965; CASTRO, 1957; GOMINHO, 1993, 1998, 2011;
148

MORAIS, 2013; PANDOLFI, 1984). Pesquisas acerca da relação da profissão


com essa temática, no entanto, ainda se encontram escassas. Por isso, recorre-
mos também à análise documental, contando como fonte de dados monografias
de estudantes da ESSPE e matérias de jornal da época, em especial o Folha da
Manhã. Neste, Agamenon Magalhães dedicava-se diariamente a exercer o que
chamava de “doutrinação política”, justificando as medidas intervencionistas e
disseminando sua campanha contra os mocambos (PANDOLFI, 1984). A pesquisa
buscou apreender a questão investigada de acordo com os princípios teórico-me-
todológicos da tradição marxista presente na literatura do Serviço Social.

2. Os mocambos como refração da “questão social”

No cenário mundial, as décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por


uma crise do liberalismo, pelo questionamento da eficácia dos preceitos libe-
rais. A capacidade do mercado de autorregulação, até então defendida pelos
economistas liberais, demonstrava-se ineficiente com a quebra da bolsa de
valores de Nova Iorque, em 1929, repercutindo na economia mundial. O
período entreguerras, principalmente nos centros capitalistas, foi definido por
intensa instabilidade política e social, e passou a demandar medidas econô-
micas protecionistas e mudanças na intervenção do Estado. O Estado mais
intervencionista surgiu como alternativa em meio à crise e apresentou-se,
principalmente, com perfil autoritário, de forma a garantir a manutenção do
status quo (GOMINHO, 1993).
Os anos posteriores à década de 1930 foram caracterizados, por Ianni
(1977), pelo desenvolvimento do Estado Burguês brasileiro, a partir da ruptura
do antigo regime político, onde as oligarquias latifundiárias, com destaque
para a cafeeira, tinham total controle sobre a economia brasileira. A crise
de 1929 provocou rebatimentos no Brasil que, até 1930, era pautado economi-
camente somente pela atividade de agroexportação sob grande dependência do
mercado externo. Com a crise, a fragilidade do desenvolvimento econômico
brasileiro foi acentuada e atrelou-se à insatisfação social, causada pela alter-
nância política entre as oligarquias da região sudeste, de grupos industriais
emergentes, de setores da classe média e militares, particularmente os tenentes.
Em 1930, algumas alterações na política brasileira foram operadas, o
que viabilizou a chegada de Getúlio Vargas à representação maior do Estado
brasileiro, opondo-se ao resultado obtido nas eleições presidenciais. Após a
chamada Revolução de 1930, a derrocada, apesar de parcial, do poder das
oligarquias, possibilitou as condições para um processo de reconfiguração da
esfera estatal no país. Isso significou um funcionamento do poder público de
forma mais adequada às exigências e possibilidades estruturais estabelecidas
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 149

pelo capitalismo brasileiro. Entre 1930 e 1937, o Brasil experienciou um


breve “intervalo democrático”, marcado pela diversidade de grupos políticos.
Contudo, em 1937 foi instaurada a ditadura do Estado Novo, a partir do Golpe
de Estado de Getúlio Vargas, com o fechamento do Congresso Nacional e
a centralização do poder, sob a justificativa da necessidade de se manter a
ordem institucional em meio à conjuntura de grande dissonância política e
contra as manifestações das forças de oposição, como a chamada “Intentona
Comunista” em 1935.
O Estado Novo (1937-1945) caracterizou-se pela mudança no apare-
lho estatal, incorporando uma estrutura corporativista (IANNI, 1977). Isto
ocorreu pela necessidade de uma maior intervenção do Estado na economia
para regular a acumulação capitalista, e devido ao processo de urbanização e
expansão do setor industrial, sob forte necessidade de modernização. O setor
agroexportador não deixou de ser central para a economia brasileira, mas,
devido à crise de 1929, o Brasil viu-se obrigado a encontrar novas saídas,
implementando uma indústria de base, com forte investimento estatal, para
modernizar economicamente o país.
Assim, apesar de ter a economia e política de cunho nacionalista, o eixo
econômico realizou certo deslocamento do setor agrário-exportador para o urba-
no-industrial, sem romper, no entanto, com as relações de dependência com o
capital estrangeiro. Ainda segundo Ianni (1977), os surtos de desenvolvimento
econômico estavam sempre atrelados às rupturas provocadas pelo capitalismo
mundial. Essas mudanças, no âmbito político e econômico, favoreceram o
desenvolvimento de algumas regiões do país, ao acompanharem o processo de
industrialização e as consequentes transformações no meio urbano.
Essa modernização (conservadora) capitalista no Brasil interferiu na
estrutura de classes, ampliando, mesmo que estreitamente, a mobilidade social
e a expansão de novas camadas sociais, fazendo surgir uma burguesia indus-
trial e financeira – que tem, em parte, laços com a oligarquia do café – bem
como a classe operária e as classes médias, devido à ampliação do mercado de
trabalho e de consumo. Estas carregando consigo as marcas da questão agrária
como componente do capitalismo brasileiro, que não abriu mão do latifúndio
e de formas de trabalho análogas ao trabalho escravo para se desenvolver.
Em meio a esse cenário, Getúlio Vargas inovou ao integrar diferentes setores
da sociedade brasileira no sistema político, oportunizando uma participação
controlada e subordinando interesses e conflitos às intenções maiores próprias
da condição de dependência do capitalismo no país.
A organização capitalista de produção já vinha sendo incorporada na
economia brasileira de forma atrasada, deficiente e dependente, com suas
contradições, materializadas nas desigualdades econômicas e sociais, tanto
150

pelas desumanas condições de trabalho, quanto pela exploração demasiada e


falta de segurança no trabalho. Desde o início do século XX, manifestações
da classe trabalhadora foram realizadas, com influência ideológica dos imi-
grantes estrangeiros, sobretudo anarquistas (GOMINHO, 1993). Através de
greves, passeatas e confrontos, o operariado mobilizou-se em prol de melhores
condições de vida e trabalho, regulamentação das relações capital-trabalho,
etc. Porém, o crescimento desordenado das cidades, concomitante com o
surgimento das indústrias, acarretou, não apenas na maior insatisfação dos
trabalhadores com as condições de vida e trabalho, que residiam em favelas,
mocambos, cortiços; mas também gerou uma massa de pessoas desocupa-
das dos seus ofícios a vagarem pelas ruas. Demandou-se, assim, uma maior
atenção e ação dos dirigentes do país, para além da repressão policial, prin-
cipalmente por conta das mobilizações populares.
A partir da configuração da “questão social”, que assume relevância como
consequência do surgimento do proletariado como expressão política própria,
Vargas voltou a sua atuação de forma a absorver parcialmente reivindicações
dessa classe e, mais do que isso: controlá-la como força política, tornando-a
mais eficiente e livre das influências do comunismo, por vê-la como força
motriz no desenvolvimento econômico. Como meio de exercer sutilmente
seu poder na sociedade, e para responder às sequelas advindas da relação de
assalariamento do proletariado, o governo instituiu as legislações trabalhista
e previdenciária, a cooptação do movimento operário através dos sindicatos
“amarelos” e demais medidas sociais, sob a roupagem de doação e assistência
por parte do Estado.
Com o movimento de 1930, Pernambuco, como na maioria dos estados
brasileiros, encontrou seu governo ocupado por interventores indicados pela
esfera federal, tendo como primeiro interventor o tenente Carlos de Lima
Cavalcanti, que, em 1937, foi acusado de ser comunista e afastado do poder em
favor de Agamenon Magalhães. A Assembleia Legislativa e a Câmara Munici-
pal tiveram seus trabalhos encerrados, e os prefeitos passaram a ser nomeados
pelos interventores. Além disso, seguindo a cartilha do Estado Novo, foram
criados Conselhos com representações de classes, o Departamento de Imprensa
e Propaganda (DIP), e a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) se
tornou mais ativa. Agamenon estabeleceu a “emoção do Estado Novo” em
Pernambuco, sendo um dos mais fiéis ao regime de Getúlio Vargas.
Gominho (1993) relata que, nesse contexto, Pernambuco encontrava-se
em processo de redefinição do seu papel na economia mundial. As crises
do açúcar e as experiências com a produção têxtil motivaram mudanças no
sistema de produção açucareira, no direcionamento da produção do algodão
e na conjuntura socioeconômica e política local. Nesse momento, as usinas
foram introduzidas e avançaram na inserção da organização capitalista de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 151

produção no meio agrário, que acentuaram o caráter monocultor e monoe-


xportador da economia pernambucana. Ademais, observou-se a introdução
de maquinário junto às atividades antes feitas apenas manualmente nas
usinas, a proletarização do trabalhador rural e a alteração da divisão social
e técnica do trabalho no campo.
Em consequência das mudanças produtivas na agricultura, somadas
à permanência do latifúndio e ao fenômeno climático e social da seca90,
especialmente no semiárido nordestino, iniciou-se um grande êxodo rural,
em que massas de trabalhadores migraram para os centros urbanos em busca
de trabalho e sobrevivência. Tal migração compôs a trajetória de centenas
de sertanejos e sertanejas rumo às regiões que passaram a ser centrais e
polos dinâmicos da economia e política nacional, a exemplo do Sudeste,
bem como às cidades que vieram a se configurar como polos dentro das
próprias regiões, compondo a nova divisão inter-regional do trabalho no
país. Recife vivia um intenso crescimento populacional diretamente ligado
a estes fluxos migratórios, intensificados pela elevação da cidade ao sta-
tus de capital-regional, pelo seu papel comercial-portuário (LIMA, 2012).
Segundo Bezerra (1965), o aumento no número de habitantes foi concomi-
tante ao crescimento das problemáticas sociais do município, entre eles os
relacionados à habitação.
Como forma alternativa de habitação encontrada pelos grandes contin-
gentes de migrantes, ocorreu a proliferação dos mocambos sobre a planície
recifense. Os mocambos, como eram conhecidos, são descritos pela Comissão
Censitária da época como uma moradia de barro batido com telhados e paredes
de taipa, flandres e palha, sem saneamento básico (PANDOLFI, 1984). Esses
modelos precários de habitação, construídos em mangues e alagados, perpetua-
vam-se desde o período Colonial e Holandês, mas se acumularam na Região
Metropolitana no Recife a partir do século XIX, obtendo maior espraiamento
com a emergência e agravamento da “questão social” (BEZERRA, 1965).
O mocambo era considerado como uma “célula de descontentamento”
(GOMINHO, 1993, p. 37) e, portanto, deveria ser eliminado, ou melhor,
substituído por casas higiênicas, construídas em ambientes salubres, saneados,
como forma de modernizar o Recife, demover o aspecto provinciano. Portanto,
durante o período do Estado Novo, a interventoria pernambucana, afirmando
a sua atenção às pautas sociais, incorporou a preocupação em enfrentar a
90 “Mais importante nisso tudo, [...] era a tomada de consciência por importantes setores das elites [...] de que
a questão da miséria era uma questão política. Não era a seca, propriamente, como se dizia desde o século
XIX, que respondia pela pobreza dos trabalhadores rurais nordestinos. Era o uso político da seca como
pretexto para obtenção de recursos financeiros do governo federal que, no fim, não iam aliviar a miséria
dos pobres, mas revigorar a máquina do clientelismo político dos ricos. Uma situação que só poderia ser
resolvida com uma revolução, como entendiam e temiam alguns dos próprios setores das elites. Ou então
com reformas sociais” (MARTINS, 1994, p. 67).
152

“questão social”, definindo a Habitação Popular como um dos pontos prio-


ritários do seu programa de governo, tendo em vista que os mocambos eram
estigmatizados como “[...] portadores de todos os males biológicos e morais
– especialmente em um período de ainda forte influência das ideias higienistas
e eugênicas” (MORAIS, 2013, p. 1). Segundo Lira (1999, p. 63),

[...] nos mocambos recifenses, a comparação com os aldeamentos africanos


chegaria a propor hipóteses em antropologia física: os pés dos habitan-
tes da Ilha do Leite no Recife eram deformados. Não apenas em razão
da insalubridade, amontoamento e promiscuidade em que viviam, pela
vadiagem e indisciplina, mas também por serem “arraial de pretos” e
constantemente evocarem a fisionomia das primitivas cidades negras,
deveriam ser sistematicamente erradicadas, construindo-se em seu lugar
cidades-jardins, submetidos a um plano higiênico e econômico.

Além disso, desde as décadas de 1920 e 1930, eram realizadas movimen-


tações populares com influência socialista, fazendo com que essas medidas
sociais de Agamenon objetivassem também refrear as mobilizações revolu-
cionárias de trabalhadores e conquistar o apoio destes para a manutenção do
projeto de dominação em curso naquele período. Algumas ações, programas
e entidades tornaram-se prioritários para o enfrentamento das expressões da
“questão social”, particularmente a partir dos mocambos. É nesse contexto
que também se situa a emergência do Serviço Social em Pernambuco, a partir
da criação da sua primeira Escola em Recife no início da década de 1940.

3. Serviço Social e política contra os mocambos

Gominho (1993) explica que os mocambos e a urbanização no Recife pas-


saram a ser encarados como questão de responsabilidade também do Estado,
do governo local, apenas a partir do Estado Novo. A construção de mocam-
bos já havia sido proibida por Carlos de Lima Cavalcanti, mas essa restrição
tornou-se mais rigorosa, no plano municipal, no governo de Novaes Filho,
indicado por Agamenon Magalhães para a Prefeitura da cidade. O interventor
promoveu uma campanha assídua, e por vezes cruel, como classifica Padilha
(2008), ao mencionar o episódio em que Agamenon ordenou a destruição dos
mocambos de moradores vindos da zona rural. Foi implantada uma política
governamental que utilizou diversos meios para erradicar a existência desse
tipo de habitação no Recife.
Ainda segundo Gominho (1993), o discurso do então prefeito era de
uma gestão voltada para a ação social, sendo esta contemplada através da
Diretoria de Reeducação e Assistência Social. Este órgão, ao qual estavam
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 153

subordinados os Centros Educativos Operários, visava não apenas o controle


social via combate ao comunismo, mas também a resolução da questão dos
mocambos na capital. Para tal, foi criada a Comissão do Plano da Cidade.
A referida Diretoria concedia passagens para os moradores que desejassem
retornar à zona rural, construtoras recebiam incentivo fiscal para que pudessem
ser construídas casas populares que abrigariam a população dos mocambos, e
o Estado doava terrenos e isentava de impostos e taxas as Caixas de Aposen-
tadoria e Pensões, cujos fundos de reserva poderiam ter 50% aplicados para
a construção de vilas operárias para seus associados.
Tudo isso seguindo a tendência nacional de esforços do governo para
promover a participação de todos os seguimentos da sociedade civil na luta
contra os “problemas sociais” em nível local, mascarando a luta de classes.
Surgiu, então, em novembro de 1937, a Cruzada Social Contra o Mocambo
em Pernambuco para discutir e estudar projetos e propostas, além de decretar
leis contra o avanço dos mocambos. Em outras palavras, tratou-se, de fato,
da política contra os mocambos.
No final da década de 1930, para colher dados e informações mais pre-
cisos que auxiliassem a extinção dos mocambos, foi criada a Comissão dos
Mocambos do Recife, ou Comissão Censitária dos Mocambos, na qual há
registros da participação de “agentes de Serviço Social de Pernambuco”
(PADILHA, 2008, p. 255), como o professor e fundador da ESSPE, René
Ribeiro. A realização do censo para os mocambos, em 1939, expôs a situação
dos moradores dos alagados recifenses: existiam 45.000 mocambos de 12
tipos, sendo 33,82% alugados e 47,75% próprios – nos quais os moradores
tinham que pagar um aluguel aos proprietários do terreno (BEZERRA, 1965).
No mesmo ano, segundo Gominho (1993), a Ação Social Católica iniciou
o planejamento e organização da III Semana de Ação Social no Recife, que
priorizou a questão habitacional e reforçou a intenção do governo de substituir
os mocambos por habitações econômicas. Padilha (2008) adiciona que o foco
foi debater questões relacionadas à sociedade pernambucana, principalmente a
populações de baixa renda, e construir propostas de políticas sociais. A autora
também acrescenta que o evento, além de contar com a presença de figuras
públicas como Agamenon Magalhães e o diretor do Serviço de Reeducação
e Assistência Social da Prefeitura do Recife, Nilo Pereira, teve como secretá-
rio Rodolfo Aureliano, sendo expositores René Ribeiro, Souza Barros, Luiz
Delgado, José Lucena e José Césio Regueira Costa, os quais também compu-
seram o grupo dos fundadores e primeiros professores da ESSPE; outrossim,
a proposta de fundação da Escola como curso superior ocorreu no evento.
Após a realização da III Semana, criou-se a Liga Social Contra o Mocambo,
prosseguindo com o objetivo de extinguir os mocambos, ligar-se às Carteiras
Prediais dos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensão e incentivar a
154

construção de casas populares em vilas divididas por categorias profissionais,


trazendo consigo a ideia de reeducação e integração social por meio da criação
de centros educativos nas vilas construídas (PANDOLFI, 1984).91 O combate
ao mocambo realizado pela Liga tinha como preceito o direito à propriedade,
como afirma o próprio interventor: “[...] todo cidadão deve ser proprietário de
seu imóvel, sendo objetivo dessa política de erradicação dos mocambos, trans-
formar os 165 mil habitantes dos mocambos em pequenos proprietários, em
pequenos burgueses” (MAGALHÃES apud PANDOLFI, 1984, p. 61).
A Liga era composta por diversos grupos sociais que compunham comis-
sões e movimentos organizados ou iniciativas individuais relacionadas à Cruzada
inicial92, partindo para mais ações concretas, tanto administrativas e territoriais
quanto educacionais (GOMINHO, 1993). As demolições eram feitas pela Liga
de forma brutal em áreas inteiras nas partes mais visíveis da cidade, os mocam-
bos “[...] eram amarrados em correntes e arrastados, após o que os moradores
recolhiam os destroços e se dirigiam aos arrabaldes” (ORTIZ; HUE, 1987, p.
185). Com as ações do Estado, os moradores dos mocambos começaram a se
organizar em sociedades de forma a assegurar a permanência dessas famílias
nas áreas por elas ocupadas:

Essas sociedades, na sua vida tumultuada, carregando um mundo de sofri-


mentos. Despejos noturnos à base de violência, perseguições policiais,
incompreensões de autoridades, prisões de seus membros e diretores,
demolições de mocambos, indenizações mesquinhas sob pressão e, até,
por incrível que pareça, fechamentos de salas de aula primária, instaladas
em mocambos e mantidas por mocambeiros (BEZERRA, 1965, p. 44).

Em 1940, com o patrocínio de Agamenon Magalhães, foi criada a Escola


de Serviço Social de Pernambuco. Em matéria do jornal Folha da Manhã
(1941), a ESSPE foi apontada como uma “[...] iniciativa das mais fecundas
para o estudo científico dos problemas sociais do nosso meio e resolução
com métodos adequados dos diversos desajustamentos da nossa sociedade”.
Foi ressaltada, como justificativa para o seu funcionamento, a lacuna de pro-
fissionais com formação adequada para atuar nas instituições públicas de

91 “A política de construção de casas e erradicação dos mocambos por parte do Estado inspirava-se nas
Vilas Operárias de Camaragibe, Paulista, Macaxeira e Torre, criadas no final do século passado e nas
primeiras décadas do século XX. Essa política continha uma forte conotação corporativista e populista. A
ocupação das casas ocorria por categorias profissionais, quando construídas em convênio com os institutos
de aposentadoria e pensões (Vilas dos Comerciários, Bancários etc.), mas principalmente foram criadas
vilas corporativas de segmentos profissionais não organizados como contínuos, lavadeiras, cozinheiras,
etc.” (CÉZAR; COSTA, 1992, p. 17).
92 Participavam da Liga Social: secretariado do governo, usineiros, industriais, setores da Igreja Católica.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 155

“assistência hospitalar e social”.93 Também consta na matéria que, logo ao


serem diplomadas, as estudantes estariam qualificadas para agir em prol do
bem-estar social como especialistas em ramos como, por exemplo, o de inspe-
tora social da habitação popular. Ademais, segundo Rodolfo Aureliano (1941,
p. 13 apud PADILHA, 2008), a Liga Social Contra o Mocambo foi incluída
como campo de prática das alunas da ESSPE.
Não obstante os esforços da Liga e sua influente repercussão local e
nacional, tendo sido cogitada, por exemplo, uma Liga Contra as Favelas no
Rio de Janeiro, não houve um número significativo de habitações construídas
e os mocambos foram somente afastados para a periferia e para o meio rural
(GOMINHO, 1993). Quando a Liga foi extinta, em 1945, após receber uma
série de críticas e denúncias, surgiu em seu lugar o Serviço Social Contra o
Mocambo (SSCM), que manteve os propósitos da Liga, mas diferenciou-
-se, sobretudo, por agregar à filosofia de trabalho a política de fins eleitorais
(BEZERRA, 1965). Para tal, o governo estadual passou a destinar um per-
centual do seu orçamento, mas que demonstrava-se insuficiente, reforçando a
ausência de intenção em solucionar a problemática habitacional. Após o fim
do Estado Novo, com a queda da censura, quando os opositores à política de
remoção puderam se expressar e pressionar, o SSCM teve seu poder diminuído
e suas ações de cunho assistencialista foram acentuadas.
O destino da maior parte das famílias desabrigadas foram os morros
da Zona Norte do Recife, principalmente o bairro de Casa Amarela, cuja
terra possuía baixo valor econômico. Nos morros, os ocupantes tiveram
que lidar com a precária estrutura para receber os grandes contingentes de
mocambeiros. Segundo Leite (2007, p. 35), “[...] a falta de infra-estrutura
básica e a ocupação desordenada passam a gerar um ambiente tão frágil
quanto o dos mangues”.
Foi, portanto, sob a perspectiva da educação moral e do acompanhamento
assistencial que as primeiras profissionais advindas da ESSPE atuaram junto
aos conflitos e desigualdades sociais em solo urbano, tendo na cidade de Recife
os mocambos como foco importante. Isto não se distancia muito do contexto
de outras cidades, tal como do Rio de Janeiro, que, como desdobramento da
sua I Semana de Ação Social, no final da década de 1930, teve como uma de
suas principais realizações a Associação Lar Proletário, destinada à construção

93 Em outra matéria do mesmo jornal, reafirmando a importância da criação da ESSPE, Agamenon Magalhães
escreve: “Os serviços sociais não se improvisam. Precisamos de técnicos, planos e execução sistemática.
Se conseguimos despertar no Estado um grande interesse por aqueles serviços, o nosso esforço seria
incompleto se não estimulássemos as vocações e a formação de técnicos. Rodolfo Aureliano, juiz de menores,
um dos homens que mais ação social têm desenvolvido no Estado, fundou uma Escola de Serviços Sociais,
que precisa ser ajudada pelo poder público e associações de classe. Essa escola é uma necessidade, que
se está fazendo sentir cada vez mais” (FOLHA DA MANHÃ, 1943, p. 3).
156

de habitações populares. Vejamos o que nos apresenta Iamamoto e Carvalho


(2009, p. 190-191, grifos dos autores) sobre a inserção dos profissionais do
Serviço Social em tal projeto:

Na Associação Lar Proletário – primeira grande obra particular no Rio


de Janeiro a implantar Serviço Social (1939) – as Assistentes Sociais
desenvolverão atividades semelhantes (em creches, casas de crianças,
maternidades, escolas primárias e de formação moral para o lar), além
das atividades relativas ao conjunto residencial (230 casas) construído
pela instituição: seleção das famílias após apurada pesquisa, orientação
da distribuição dessas famílias pela Vila, seguir de perto a ocupação de
cada uma das casas, “conquistando a simpatia dos assistidos”.

Vale destacar a importância de iniciativas como estas não apenas para o


Serviço Social brasileiro (nas suas mais diversas regiões) e sua constituição
como profissão, demandando uma formação técnica especializada, mas para
os setores da sociedade que estavam empenhados em edificar uma estrutura
sustentada em relações sociais mais tipicamente capitalistas, competitivas.
Isto, no entanto, sem abrir mão dos aspectos de conservação. Por isso, não se
tratou de mera coincidência o fato da primeira-dama, Darcy Vargas, ter sido
a principal representante pública da Associação Lar Proletário, e sua imagem
ter, de algum modo, influenciado outras experiências, mesmo nos demais
estados, a exemplo de Pernambuco.

4. A atuação do Serviço Social no âmbito


das necessidades habitacionais

Na busca por espaços de trabalho do Serviço Social em Pernambuco nas


décadas de 1940 e 1950 com atendimento às necessidades habitacionais, nos
defrontamos principalmente com ações junto à comunidade operária, tanto do
bairro de Casa Amarela em Recife (BARRETO, 1955; CAVALCANTI, 1955;
GITIRANA, 1960; OLIVEIRA, 1957; RENDA, 1959), quanto em Cama-
ragibe, então distrito de São Lourenço da Mata (COLLIER, 1955; COL-
LIER, 1957; PORTELA, 1960). Encontramos, ainda, duas experiências junto
ao SSCM: uma no bairro de Dois Unidos, também em Recife (MELO, 1960),
e uma no bairro de Cajueiro Seco, no município de Jaboatão dos Guarara-
pes (VERAS, 1964). Estas últimas, apesar de realizadas nos anos 1960, nos
confirmam as atribuições da Autarquia ao longo da década anterior, em sua
“responsabilidade direta no atendimento às populações pobres do Recife”
(MELO, 1960, p. 38), especificamente quanto à construção de casas e às
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 157

dispensas de aluguel. Além disso, Melo (1960) menciona a falta de identifi-


cação da população com o local ao qual foram realocadas, sendo colocado
na Liga a espera da solução para os problemas locais. Segundo Silveira Jr. et
al. (2019, p. 25-26),

[...] Melo (1960) informa que, até 1960, o Serviço Social Contra o
Mocambo (SSCM) contava com duas assistentes sociais (uma delas con-
cluinte) trabalhando na Secção de Assistência à Família Operária (SAFO)
do Departamento de Reeducação e Assistência Social (DRAS). O orga-
nograma do SSCM mostra que a SAFO estava incluída em Centros Ope-
rários Católicos de 12 bairros do Recife na época. Apenas no início dos
anos 1960, se verifica uma experiência buscando a aplicação dos métodos
de Desenvolvimento e Organização de Comunidade (MELO, 1960); antes
disso, a atuação do Serviço Social reduzia-se ao trabalho assistencial ime-
diato com as famílias. O trabalho das assistentes sociais aparece ligado
aos procedimentos de concessão das casas entre as famílias. No início
dos anos 1960, Melo (1960) aponta a necessidade de projetos educativos
para o desenvolvimento comunitário no SSCM, como a Educação de
Adultos, referenciando-se, por outro lado, na perspectiva cristã para o
Serviço Social.

Em Camaragibe, as experiências encontradas ocorreram na Agência de


Serviço Social, no Setor de Assistência Médica e no Curso Popular para Apren-
dizes do Serviço Social da Indústria (SESI) (COLLIER, 1955; COLLIER, 1957;
PORTELA, 1960). As atividades de estágio foram vinculadas a essa entidade
jurídica de direito privado, fundada em 1947 e dirigida pela Confederação
Nacional das Indústrias. O SESI tinha a finalidade de planejar e executar, direta
ou indiretamente, medidas que contribuíssem para o bem-estar a fim de “melho-
rar o padrão de vida geral” para o “aperfeiçoamento moral e cívico” dos tra-
balhadores e familiares das indústrias (COLLIER, 1957, p. 6). Na instituição,
o trabalho se desenvolvia em seis instâncias: Divisão de Ação Social (DAS),
Divisão Jurídica, Divisão de Educação e Cultura, Divisão de Saúde, Divisão
Administrativa e Divisão de Serviços Gerais. Portanto, suas ações eram voltadas
para a educação, assistência médica, jurídica e assistência social nas indústrias.
O SESI atuava no estado de Pernambuco através do Departamento Regio-
nal e dividia-se em Núcleos para cada bairro operário e indústria. Situados
em áreas de maior densidade operária, estes Núcleos correspondiam a uni-
dades de assistência médica, educacional, recreativa e jurídica. Para regiões
interioranas, foi adotado um sistema de unidades menores, os sub-Núcleos,
que poderiam depois transformar-se em Núcleos. Collier (1957) afirma que
158

buscou firmar um caráter educativo nessa rede de assistência, sendo utilizados


os processos do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade.
Um dos locais onde o SESI atuava era a Fábrica de Camaragibe, que fazia
parte da Companhia Industrial Pernambucana (CIP), sociedade anônima fun-
dada em 1891 e idealizada por Carlos Alberto Menezes, envolvida na produção
têxtil (COLLIER, 1955). A conduta social da CIP era baseada na doutrina
social da Igreja católica, e tanto a CIP quanto o SESI tinham como público o
operariado e suas famílias (COLLIER, 1957). Segundo Collier (1955, p. 2):

[...] Constituiu, a Fábrica, o centro da comunidade incipiente, pois, se


tornou não apenas o seu ponto – inicial mas, o seu eixo, a base de sua vida
econômica e, indiretamente, de tôda a sua organização social. Isto porque,
logo ao conceberem o plano para a fundação da Companhia Industrial
Pernambucana, tiveram aquêles que o elaboraram a idéia de cuidar do bem
estar moral e material do grande número de operários que iam empregar.

Segundo Collier (1955), junto à Fábrica de Camaragibe da CIP, e dentro


da Divisão de Ação Social do Departamento Regional de Pernambuco do
SESI, as primeiras assistentes sociais foram contratadas em 1949. A autora
afirma que, ao ser contratada, deveria ser instalado um Núcleo no município,
de acordo com a lógica do SESI de criar tais Núcleos para levar os benefícios
ofertados às áreas nas quais os trabalhadores habitavam. Optaram, então, por
fazê-lo através da criação de uma Agência de Serviço Social. Collier (1955,
p. 20) atenta ao fato de que o Serviço Social ainda estava em seus primórdios,
confirmando o que fora aqui exposto, e, portanto, “[...] cogitava-se mais do
processo de Serviço Social de Casos que de outras formas – Serviço Social
de Grupo e Organização Social de Comunidade”.
A Agência tinha como finalidade central “[...] trabalhar pela formação e
elevação dos operários, dando-lhes as condições necessárias, para que cada um
atinja seu pleno desenvolvimento como pessoa humana” (COLLIER, 1955, p.
22). Além disso, segundo Gomes (1958), a entidade possuía dois objetivos: “1)
a aplicar a técnica de Serviço Social de Casos junto aos trabalhadores da CIP
e suas famílias; 2) a complementar os demais processos do Serviço Social que
se desenvolvem nessa comunidade” (COLLIER, 1955, p. 27). Nela, o Serviço
Social atendia diversos casos através de plantões, realizava visitas domiciliares
e, por fim, tomava as “providências” – havia, em dezembro de 1950, 1636
operários inscritos e 914 fichas de família. Dentre os serviços mais procurados,
destacamos para a presente discussão o que a autora classifica como “pedidos
de casa”, relacionados tanto a troca quanto a aluguel (COLLIER, 1955, p. 44).
Na ocasião em que o Serviço Social foi criado, a Fábrica tinha 1900 operários
inscritos. A Vila Operária de Camaragibe compreendia 700 casas alugadas
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 159

pela CIP, e tinha então uma população de 4000 habitantes. Nos arredores da
Vila, 263 casas, aproximadamente, eram alugadas por iniciativa privada a
famílias de operários, pois não havia casas da CIP em número suficiente para
atender a todos que se candidatavam.
Na distribuição das casas eram realizadas as visitas domiciliares para
que se pudesse conferir quais eram os casos mais urgentes. Collier (1955)
avalia que o serviço encontrava-se mal organizado, mas a responsabilidade
foi assumida pelas assistentes sociais por três principais motivos:

[...] a) o fato da habitação representar um papel importante na vida da


família [...]; b) a casa influi sobre o espírito, a saúde e o rendimento do
trabalho do operário [...]; c) as casas eram, em geral, mal distribuídas,
algumas ocupadas por pessoas já desligadas da Fábrica, com prejuízo dos
próprios operários, muitos dos quais ainda moravam nos arredores, em
péssimas condições de habitação [...] (COLLIER, 1955, p. 58).

Gomes (1958) adiciona que a CIP poderia descontar para o aluguel


até 27% do salário do empregado, segundo a Lei do Salário Mínimo vigente.
Para alugá-las, os operários deveriam trabalhar na CIP há, pelo menos, três
anos; não serem proprietários de casa ou de quarto; e preencherem uma ficha
para avaliação econômica e de habitação. Segundo a autora, sempre havia ao
menos 80 pessoas à espera das casas. A CIP também oferecia mão-de-obra
para consertos, mas não cobria as despesas, a não ser nos casos de urgência,
onde havia “perigo de vida” (GOMES, 1958, p. 36).
As casas de propriedade privada eram alugadas a preços demasiadamente
elevados. Ambas as formas de habitação eram geralmente precárias; no caso das
habitações da CIP, não somente em relação ao conforto, mas também ao sanea-
mento básico. Nesse contexto, a autora alertava para a ineficiência das soluções
apresentadas e considerava primordial o conhecimento dos operários em relação
ao direito à habitação, especificando o direito à propriedade em si, e não apenas
à moradia alugada, o que afirmava ser uma questão de justiça (GOMES, 1958).
Dessa forma, passou-se a esclarecer os operários deste direito, evidenciando a
dimensão pedagógica do Serviço Social voltada para a conciliação entre patrões
e empregados e ao ensino do valor da propriedade privada entre os operários.
Já o Setor de Assistência Médica, subnúcleo integrante do Núcleo Social de
Camaragibe, atendia os usuários da região e das vilas circunvizinhas à fábrica que
necessitavam de serviço médico. E apesar do enfoque nos casos “médicos-sociais”
e no serviço médico, Collier (1957) descreve as demandas apresentadas ao Ser-
viço Social, de forma espontânea, ou realizadas através de encaminhamentos da
direção e do médico: solicitação de assistência jurídica e médica do SESI; casos
com “problemas de conduta” (COLLIER, 1957, p. 6); requerimento de auxílio
financeiro; ou empréstimos e assuntos referentes à concessão e troca de casas.
160

Outra instituição encontrada nas monografias (OLIVEIRA, 1957; CAVAL-


CANTI, 1955; BARRETO, 1955; RENDA, 1959; GITIRANA, 1960) é o Centro
Social do Conjunto Residencial do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Comerciários (IAPC) de Casa Amarela.94 Tratava-se de um “[...] local onde
as pessoas de uma determinada comunidade podem se reunir para discutir os
seus problemas, e ocupar, de uma maneira útil e agradável, as suas horas de
lazer” e deveria “[...] ser considerado um segundo lar para os seus frequenta-
dores” (RENDA, 1959, p. 1); nestes locais, as famílias que vinham residir nos
conjuntos eram “selecionadas e adaptadas ao meio”. As autoras afirmam que a
preocupação central era ocupar as crianças que brincavam nas ruas.
Corroborando com a narrativa, Gitirana (1960) relata que, inicialmente,
ainda em 1949, o Serviço Social junto ao Conjunto Residencial do IAPC
tinha como finalidade selecionar os futuros moradores deste e, devido à “[...]
inadequação da moradia-padrão da Vila ao desejo e hábito do comerciário,
para quem a casa de destinava”, houve dificuldade de aceitação. Afirma ainda
que o Serviço Social “[...] passou a funcionar em uma casa do Conjunto, com
instalações bastante precárias”. A autora está de acordo, também, com o fato
de que o Serviço Social ainda estava em suas protoformas à época (GITI-
RANA, 1960, p. 23-24).
No Conjunto, o Serviço Social passou a atuar com o tratamento de casos
sociais numa Agência de Serviço Social de Casos e, com a criação do Cen-
tro Social, desenvolve também experiências de Serviço Social de Grupo.
Em 1952, funcionava no Conjunto o Serviço Social tanto de Caso, quanto
de Grupo e Comunidade; em 1956, por não haver uma assistente social para
sua direção, a Agência de Casos do Serviço Social foi extinta; e, por fim,
em 1959, por diversos problemas operacionais, o trabalho do Conjunto foi
“[...] reduzido às atividades do Ginásio e ao Centro de Atividades, este último
funcionando ao cargo das moradoras da Vila” (GITIRANA, 1960, p. 26). Ao
longo de todo o período em atividade no Conjunto, o Serviço Social teve como
público majoritário as esposas e filhos de associados do IAPC.
Em síntese, diante do que foi relatado nas monografias destacadas quanto
às demandas gerais no plano habitacional, observa-se que o Serviço Social é

94 No mesmo bairro, há um relato de experiência na Paróquia do Bom Jesus do Arraial (DUARTE, 1957) na qual
foi discutida e implementada a criação de um Serviço de Informação (S.I.). Segundo a autora, através deste,
os habitantes do bairro recebiam informações gratuitas, dentre as quais são citadas questões relacionadas
à habitação. Em uma pesquisa realizada pela autora com 950 famílias que residiam no bairro, constatou-se
que 54,5% moravam em casas alugadas. A já citada falta de saneamento básico adequado também era um
problema no local, sendo consideradas 50% das habitações “em péssimas condições de higiene” (DUARTE,
1957, p. 20). Cabe trazer, nesse contexto, o contraponto da experiência de Araújo (1959): esta afirma que
no Núcleo Aníbal Cardoso, no bairro da Torre, local onde realizou estágio, houve privilégio em relação
aos outros Núcleos, não somente na questão de apoio financeiro, mas também, consequentemente, nas
condições de habitação.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 161

chamado a racionalizar os recursos assistenciais habitacionais das instituições


empregadoras, no sentido de garanti-los como base para a produtividade da
força de trabalho das fábricas e do comércio. Nesse sentido, a habitação é
absorvida como dimensão da vida social e da reprodução dos trabalhadores
com influência na recomposição das suas forças psicossociais para o trabalho
e no modo de vida necessário à exploração capitalista.

5. Considerações finais

No contexto socioeconômico e político estudado, o caráter modernizador,


interventor e corporativista do Estado brasileiro, bem como suas estratégias
para lidar com os efeitos da crise de 1929 e com as ameaças que o fortaleci-
mento político da classe trabalhadora apresentavam à ideologia hegemônica,
permitem compreender a postura em relação à questão dos mocambos por
parte deste que era um dos mais fiéis e incisivos interventores do regime: Aga-
menon Magalhães. A população que habitava esse tipo de moradia sofreu com
o forte movimento impulsionado pelo Estado e pela burguesia local contra os
mocambos, que possuía engajamento dos diversos segmentos da sociedade.
Como classifica Silveira Jr. (2019), o Serviço Social em Pernambuco
estava ainda em emergência na década de 1940, na qual foram construídas as
condições para a consolidação da profissão, que ocorre apenas nas décadas
seguintes. Como visto, personagens pioneiros responsáveis pela emergência
do Serviço Social como profissão em Pernambuco, principalmente através da
criação da ESSPE, estavam envolvidos nas campanhas governamentais contra
o mocambo desde os primeiros momentos de sua organização, tendo sido a
área habitacional uma das prioridades na formação dos assistente sociais.
Tais campanhas, que culminaram no Serviço Social Contra o Mocambo,
também estimularam a construção e o desenvolvimento de vilas para comer-
ciários e operários ligados a IAPs e Fábricas no estado, estabelecendo a
necessidade de profissionais que realizassem o atendimento e a triagem de
beneficiários das casas. Além disso, os grandes fluxos migratórios, aliados
à forte limitação de mocambos em áreas urbanas, provocaram a ocupação
dos morros nos arredores da cidade pela crescente população pauperizada,
exigindo a implantação de ações e obras sociais nesses territórios, que com-
preendiam o aumento da demanda de assistentes sociais. Nestas mediações
concretas que compunham a intervenção do Estado para lidar com esta expres-
são da “questão social” relacionada à habitação, encontra-se sua conexão
com a emergência do Serviço Social e os primeiros espaços interventivos da
profissão em Pernambuco.
162

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CAPÍTULO 8
O SERVIÇO SOCIAL E A “QUESTÃO DO
MENOR” EM PERNAMBUCO (1940-1950):
história, memória e perspectivas

Andresa Maria da Silva


Fernanda Helen de Paula Lira
Thalia de Oliveira Barbosa

1. Introdução

O presente estudo exploratório tem como objetivo conhecer a relação


existente entre o Serviço Social e a chamada “questão do menor”95 na realidade
de Pernambuco entre os anos de 1940 e 1950. O intuito é entender como as
primeiras iniciativas desenvolvidas por parte do Estado brasileiro, voltadas
para o público infantil e juvenil vinculado às classes subalternas, colaboraram
para a emergência do Serviço Social no contexto pernambucano.
O estudo possui importância para demonstrar como a – então denominada
– “questão do menor” era processada pelo Estado, especialmente na vigência
do Estado Novo. Nesse período, foram adotadas, de forma mais contundente,
medidas voltadas para o desenvolvimento econômico-industrial do Brasil, no
qual o crescimento da riqueza social não beneficiou o conjunto da sociedade,
em específico no Nordeste. Como expressão disso, desdobrou-se um conjunto
de lutas sociais, sob a base da própria evidência do crescente pauperismo em
relação à realidade nacional.
Neste cenário, um rol de medidas de enfrentamento à “questão do menor”
foi amplamente materializado sob um discurso oficial, pautado tanto na respon-
sabilização das famílias pauperizadas pelo abandono das crianças e dos adoles-
centes como pela ausência de aparatos jurídicos e assistenciais. Propalava-se que

95 Durante o texto, iremos tratar sobre a “questão do menor” como forma de fazer referência à situação social
histórica que envolve, por um lado, o aviltamento das condições de vida das crianças e adolescentes vinculados
à classe trabalhadora; por outro, a construção de uma ideologia dominante sustentada em uma perspectiva
conservadora, moralizante, que responsabiliza os próprios explorados e suas famílias por suas condições de
vida. Portanto, trata-se de uma abordagem e concepção de criança e adolescente sustentada por parâmetros
como o antigo Código de Menores, destoando profundamente da perspectiva de criança e adolescente como
sujeitos de direitos, que fundamenta, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
168

a fragilidade das famílias e da ação social tornava exposto esse estrato social a
todos os “males das ruas”, levando-os a um estado de potencial periculosidade,
de maneira que comprometeria a reprodução da força de trabalho necessária
aos processos econômicos em curso (FALEIROS, 1999; DEL PRIORE, 1999).
Construímos nossa exposição em dois grandes eixos. O primeiro abordará
a concepção predominante sobre a “questão do menor” que orientava as ações
relativas à antiga Escola de Serviço Social em Pernambuco (ESSPE). Ou seja,
o enfoque do estudo, nesta parte, será a configuração da gênese da profissão
no estado, e os elos que a vincularão à problemática social que envolve dire-
tamente crianças e adolescentes pertencentes às famílias de trabalhadores.
O segundo item se deterá nas principais respostas do Estado, sob a inter-
mediação de personagens pioneiros do Serviço Social em Pernambuco, nos
campos de atuação direcionados à “questão do menor” nas décadas de 1940
e 1950. Essas respostas vinculam-se às ações oficializadas a partir da Lei n.
2.947, de 24 dez. 1935 (BRASIL, 1935), que regulamentava a proteção e assis-
tência às crianças e adolescentes. Na realidade pernambucana, o investimento
para materializar tal esfera de intervenção estatal era impulsionado pelo grande
peso da “questão do menor” associada à crise da produção açucareira e ao con-
sequente rebaixamento das condições de habitação e saneamento da população,
evidenciado pela pesquisa da Comissão Censitária dos Mocambos de Recife e
a III Semana de Ação Social, realizadas em 1939. Isto influenciou diretamente
a fundação da Escola de Serviço Social em Pernambuco, no ano seguinte.
Assim, dentre as várias contradições sociais germinadas nas décadas de 1940-
1950, encontra-se o agravamento da situação social de centenas de crianças e ado-
lescentes advindos dos setores explorados e oprimidos do proletariado. Situação
essa expressa por rotinas de trabalho exaustivas, abandono escolar e alta taxa de
mortalidade infantil, fenômenos em torno dos quais se direcionou a atuação das
primeiras escolas de Serviço Social no país (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014;
FALEIROS, 1999). Em Pernambuco não foi diferente, apesar das particularida-
des a partir das quais tais contradições encarnam na realidade regional. Para tal
análise, foi necessário o aporte um acervo de livros, dissertações, teses e trabalhos
de conclusão de curso, a exemplo de Gominho (2011, 1998, 1993), Melo (1978),
Pandolfi (1984), Rocha (1989) e Vieira (1992). É, portanto, sobre este subsídio
que o desenvolvimento do nosso estudo se baseia.

2. A concepção do “menor” na gênese do Serviço Social

Destacamos, inicialmente, como a nominação referente ao “menor” foi


abordada no Trabalho de Conclusão de Curso de uma concluinte da Escola
de Serviço Social de São Paulo, no início dos anos 1940:
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 169

O menor é o ser humano, na fase de seu pleno desenvolvimento físico,


intelectual e moral. [...] Menor abandonado é aquele que não tem uma
autoridade capaz de educá-lo. [...] Menor delinquente é aquele que infrin-
giu alguma das disposições penais em vigor (CORRÊA, 1941, p. 13-14).

Contudo, como demonstraremos posteriormente, a terminologia dire-


cionava-se às classes exploradas e oprimidas, cujas condições de vida não
alcançavam patamares de atendimento digno às suas necessidades cotidianas,
manifestando diversas expressões da “questão social”.
Sabemos que, conforme a perspectiva histórico-crítica – em contraposição
a uma visão endogenista –, o Serviço Social está inscrito na totalidade da época
capitalista, incorporando influências ideológicas e políticas presentes na sociedade
brasileira, particularmente nordestina, sobre a “questão do menor”, em especial nas
políticas e nos serviços sociais do período em questão. Referimo-nos às décadas
de 1940 e 1950, intervalo marcado nacionalmente pela ascensão, desde a década
anterior, das ideias e ações que irão fundamentar o Governo Vargas, representante
da aliança entre oligarquia agrária e a nascente burguesia industrial, que viabiliza
um importante estágio da dominação capitalista no país.
Este foi um período marcado por um importante momento do despertar
da constituição e das lutas das classes trabalhadoras em busca de direitos
trabalhistas, como a previdência e a regulamentação do trabalho; constituição
e lutas que também pressionaram o atendimento a condições dignas de vida
às crianças e adolescentes pela agenda pública do governo federal. Deve-se
ressaltar que essas crianças eram filhos dos operários, que foram proibidos de
trabalhar com idade inferior aos 16 anos, diferenciando-se das demais crianças
pela condição de “menores desvalidas” (RIZZINI; PILOTTI, 2011). Como
exemplo disso, encontramos uma matéria de jornal, de 1941, noticiando a
visita dos membros das juntas administrativas das Caixas de Aposentadorias e
Pensões dos Ferroviários e dos Servidores Urbanos por Concessões ao Juizado
de Menores, convidados pelo Juiz de Direito, e fundador da ESSPE, Rodolfo
Aureliano, para tratar de medidas em benefício dos filhos dos associados das
instituições previdenciárias do Recife (ESSPE, [19--?]).
É importante demarcar, nesse mesmo contexto, o pioneirismo do estado
de São Paulo, relacionado ao processo de disciplinamento dos chamados
“menores abandonados”. Desde 1902 já existia um decreto de regulamentação
do Instituto Disciplinar, que posteriormente viria a ser o Instituto Modelo de
Menores (CORRÊA, 1941). Assim eram descritas à época as razões para o
abandono de crianças e adolescentes:

Os fatos mais comezinhos da vida infantil, uma desobediência costumeira


sobre qualquer ponto secundário, atos de indisciplina e a subtração de
170

um fruto do quintal do vizinho ou de um pássaro, à sombra de copada


árvore, preso numa gaiola, são suficientes para que os encarregados de sua
educação procurem desfazer-se do menor. Porém, se convenientemente
interrogados, declaram o verdadeiro motivo de seu pedido; têm necessi-
dade de diminuir mais uma fonte de despesas, incapaz de contribuir para a
receita doméstica. Outros são mais francos, talvez menos trabalhados por
espíritos mal orientados, e afirmam logo de início a sua situação econômica
difícil (CORRÊA, 1941, p. 2).

Verificamos um forte discurso moral no tocante ao comportamento das


crianças abandonadas, e à organização da família em face dos problemas de
ordem econômica para sobrevivência de seus membros. As denominadas
“mendicidade” ou “abulia” eram tratadas como “parasitas sociais”, pretensos
resultados de uma deficiente base genética, nos planos físico e intelectual
(CORRÊA, 1941); ou seja, eram encaradas no plano da responsabilização
individual, mesmo da naturalização, cujas características supostamente mani-
festavam-se já na infância através de vazão ou fuga escolar.
Diante disso, a realidade dessas crianças nomeadas por “menores desvali-
dos” se construía dentro da institucionalização nos Juizados de Menores, cuja
criação foi iniciada em 1921, com intuito de “coletar” os “menores” que viviam
na rua ou em famílias ditas “desajustadas” (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 242).
E na vigência do Estado Novo, após a criação do Serviço de Assistência a
Menores (SAM), esta realidade era perpetuada (RIZZINI; PILOTTI, 2011,
p. 262). O Decreto-Lei n. 3.799, de 5 nov. 1941, orientava as ações do SAM
do seguinte modo:

a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos


e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;
b) proceder à investigação social e ao exame médico-psico-pedagógico
dos menores desvalidos e delinquentes; c) abrigar os menores, a dispo-
sição do Juízo de Menores do Distrito Federal; d) recolher os menores
em estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-lhes educação, ins-
trução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento; e) estudar
as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos
poderes públicos; f) promover a publicação periódica dos resultados de
pesquisas, estudos e estatísticas (Decreto-Lei n. 3799, 1941 apud RIZZINI;
PILOTTI, 2011, p. 264).

Alguns anos mais tarde, a regulamentação do SAM foi alterada pelo


Decreto-Lei n. 6.865, de 11 set. 1944, em que as funções de organização da
assistência ao “menor” foram ampliadas para outros estados do país, com
intuito de melhorá-la. Diante disso, o SAM passou a ser o “órgão central
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 171

orientador”, organizando os Juizados de Menores, buscando uma maneira


de “humanizar” as abordagens com os ditos “menores institucionalizados”.
A Legião Brasileira da Assistência (LBA) e o Departamento Nacional da
Criança (DNCr) também orientavam ações em busca da mitigação das indignas
condições de vida da classe trabalhadora, resultantes da complexa rede de
problemas constituintes “questão social”.
Ainda entre as décadas de 1940-1950 houve a primeira Semana de Estu-
dos do Problema de Menores (1947), organizada pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, com a participação de vários Juízes de Menores das regiões do
Brasil, adotando o seguinte lema: “[...] o problema de menores é, antes de
tudo, um problema de família” (SAMPAIO, 1952, p. 264 apud RIZZINI;
PILOTTI, 2011, p. 267). Isso pretendia influenciar uma nova roupagem para a
atuação da assistência ao “menor” na época. Diante dessa busca de mudança,
táticas de prevenção foram reforçadas e utilizadas pelos órgãos da LBA e do
DNCr, assim como pelos poucos Juizados de Menores existentes, para que o
recurso do abrigo institucional fosse o último elemento utilizados nos estados.
Os efeitos desse processo no Nordeste foram atravessados incisivamente pelo
fenômeno da “seca”, como expressão do peso do latifúndio e das relações
políticas de submissão – posteriormente também de contestação – que o sus-
tentavam, conformando a questão agrária na região.
A constituição dos primeiros centros urbanos, motivados agora pela
industrialização, mesmo que tardia e dependente, associada à problemática
da seca, motivou a migração de um enorme contingente da população para
as nascentes cidades. Esse processo ocorreu tanto entre as regiões, através do
deslocamento em massa de nordestinos para o novo polo dinâmico da econo-
mia e da política nacional no Sudeste, quanto no interior das próprias regiões,
fazendo, por exemplo, de Recife o destino de muitas famílias sertanejas. Como
desdobramento, potencia-se o chamado “problema dos mocambos”, aliado à
mencionada “problemática do menor” – ambos se tornam refrações impor-
tantes da “questão social”, nas quais o governo, as oligarquias e a nascente
burguesia concentraram esforços.
Trata-se, portanto, de um contexto histórico em que a emergência do Ser-
viço Social em Pernambuco ocorre pela necessidade de uma ação tecnificada,
mesmo que de forma embrionária, voltada predominantemente para a assistên-
cia, filantropia e educação moral do nascente proletariado. Isto de forma aliada
aos interesses daqueles que buscavam o controle e ajustamento dos explorados,
deslocando os efeitos sociais e desdobramentos políticos da “questão social”.
Na análise das matérias de jornal, publicadas em Pernambuco do final
dos anos 1930, encontramos como se estabeleceram os vínculos entre o desen-
volvimento das ações de assistência a crianças e adolescentes, pelo Estado,
e a constituição do embrião do que viria a se tornar a ESSPE. Estão entre os
172

principais marcos desse processo: a criação do Abrigo de Menores, em 1932;


em seguida, a inauguração do Juizado de Menores em 1934, sob direção do
Juiz Rodolfo Aureliano; e, posteriormente, o surgimento do Serviço de Assis-
tência e Proteção aos Menores, em 1938.Este último foi criado a partir de um
projeto do deputado Carlos Rios, como um serviço subordinado ao Juizado
de Menores, mas – como afirma uma notícia do Diário da Manhã, de 25 fev.
1938 –“[...] do qual ficaram dependentes todas as organizações de proteção ou
assistência aos menores desvalidos, abandonados ou delinquentes” (ESSPE,
[19--?], p. 89).O Serviço de Assistência implicou igualmente em melhorias
para o Juizado como, por exemplo, a concessão de sua nova sede, localizada
na Avenida Fernandes Vieira, n. 405. Como afirma a notícia do Folha da
Manhã, de 19 ago. 1938:

Trata-se de uma instalação digna, abrangendo cartório, curadoria de meno-


res, agencia de colocações para menores egressos de estabelecimentos de
reforma, clínica de conducta, juizado, com salas para formação de culpa e
segredo de justiça, assistência social e comissariado de menores, que até
pouco tempo funcionava numa sala da Secretaria da Segurança Pública,
junto a secção de Mendicância, em promiscuidade com adultos (ESSPE,
[19--?], p. 98).

Ademais, ainda em 1938, tendo em vista a necessidade de formação


de corpo técnico para a atuação no Serviço de Assistência, iniciou-se um
Curso de Serviço Social para os auxiliares sociais do Juizado de Menores,
na própria sede da instituição, que assumiu um caráter de atividade pre-
paratória, com o intuito de integração das participantes na primeira turma
da Escola de Serviço Social, que seria em breve inaugurada. Na criação
desse curso, o Juiz Rodolfo Aureliano, colocou como justificativa a neces-
sidade de incorporação de profissionais do Serviço Social, como quadros
necessários à condução de processos educativos exigidos pelo Serviço de
Assistência; profissionais que pretensamente comportariam um olhar mais
amplo às abordagens aos ditos “desvalidos”, integrando suas famílias, o que
implicaria, inclusive, na economia dos custos penitenciários com os sujei-
tos “desajustados”. Esse curso de Serviço Social comportava as seguintes
disciplinas96(ESSPE, [19--?], p. 110):

1) – Noções gerais de sociologia – noções preliminares, sociologia


doméstica, sociologia política;
2) – Noções de Demographia;

96 Percebe-se que o currículo apresentado para esse curso de Serviço Social não denota muitos traços da
influência da Igreja Católica, ou nuances doutrinárias, mesmo considerando a condução das aulas por
quadros oficiais ou laicos católicos.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 173

3) – Noções de Direito – direito constitucional e administrativo direito


civil e penal;
4) – A vida econômica e suas perturbações – Economia Política,
Econômico social (trabalho, habitação, alimentação, previdência
e cooperação);
5) – A vida physica e suas perturbações – hygiene, doença e serviço
social. fiagellos sociais e regulamentação sanitária;
6) – A vida mental e moral e suas perturbações – psychologia, peda-
gogia, psychiatria;
7) – O Serviço Social e seu funcionamento – histórico e concepção
actual do Serviço Social, legislação todos gerais, moral profissional
e pedagogia social;
8) – Methodos práticos de trabalho da assistência social e organização
administrativa dos serviços sociais. Crê o Juizado que esse programa
de estudos satisfaz plenamente o objectivo do curso ora inaugurado e
que servirá de preparação à entrada da Escola de Serviço Social que
desenvolverá as disciplinas assim enumeradas e preparará assisten-
tes sociais capazes e conscios de seus deveres e responsabilidades
(ESSPE, [19--?], p. 110).

Esse curso de Serviço Social teve suas aulas ministradas na sede do


Juizado de Menores até a fundação da ESSPE em 1940, como consequência
da III Semana de Ação Social, em 1939. Pernambuco foi o terceiro estado a
criar uma escola de Serviço Social no Brasil, precedido de São Paulo e Rio
de Janeiro. Para tal, contou com as orientações e o apoio de organizações da
Igreja Católica (na Bélgica, França e Alemanha), do Juizado de Menores e do
Círculo Operário do Recife. Na sua fase germinal, o direcionamento do curso
esteve ligado à preparação de funcionários do Juizado de Menores, requisitada
pelo aparelhamento e pelas demandas colocadas pelo Serviço de Assistência,
com a pretensão de aperfeiçoar a intervenção assistencial e educativa sobre a
família operária. Contudo, no curso da década de 1940 a formação em Serviço
Social sofreu modificações em suas bases teóricas e na estrutura curricular,
fruto também dos intercâmbios que ocorrera, principalmente, com o Instituto
Social no Rio de Janeiro (PADILHA, 2008).
Nesse período, as personagens pioneiras do Serviço Social caracteriza-
vam-se pelo perfil conservador, e o atendimento que prestavam às crianças
– e aos seus familiares – era dotado de cunho moralizador das atitudes dos
indivíduos, reflexo do que havia constituído no processo de profissionalização
do Serviço Social na esfera nacional, especialmente no eixo Rio de Janeiro-São
Paulo, marcado pelo tradicionalismo.
Além do repertório alcançado com os trabalhos assistenciais desenvol-
vidos no Juizado de Menores, algumas alunas da primeira turma da ESSPE
174

herdavam a experiência acumulada, por exemplo, como “visitadoras” do


Serviço de Higiene Mental, cargo criado por Ulisses Pernambucano para que
fossem feitos atendimentos domiciliares nas casas de pacientes internados,
visando garantir um preparo aos parentes.
O trabalho do Serviço Social, em geral, era individualizado e específico
para cada família que recebia visita para os aconselhamentos morais e as
orientações aos tipos de assistência disponíveis. No caso das crianças, as con-
sideradas com os ditos “desajustamentos”, ou com algum tipo de deficiência,
eram encaminhadas para instituições educacionais de educação especial, vol-
tada para o crescimento “adequado” do indivíduo dentro dos padrões morais e
educacionais exigidos pela sociedade para a inserção no mercado de trabalho
– a exemplo da Escola Aires Gama (atual Ulisses Pernambucano) – da Escola
Normal de Pernambuco, da Escola para Crianças Excepcionais e do Instituto
e Granja Pestalossi. O caráter moralizador adotado na atuação das assistentes
sociais nos serviços voltados à infância explicita-se nas próprias nomencla-
turas utilizadas para classificar as crianças e adolescentes, como “rudes”,
“perversos”, “retardados”, “delinquentes” ou “dotados de traços amorais”.
No desenvolvimento da pesquisa documental, identificamos algumas
monografias no acervo da ESSPE (a maioria de Pernambuco e uma da Escola
de Serviço Social de São Paulo), que abordam experiências vinculadas ao
público infanto-juvenil, entre as décadas de 1940-1950, com os seguintes
títulos: Dos Menores Abandonados (CORRÊA, 1941); Contribuição ao Estudo
da Assistência dos Anormais Educáveis (COSTA, 1949); Tentativa de Apli-
cação do Método do Serviço Social de Grupo num Posto de Puericultura
(LIMA, 1958); Uma experiência de Serviço Social junto ao Abrigo Feminino
(LIRA, 1953); Desenvolvimento e Serviço Social no Programa do Departa-
mento da Criança (MACIEL, 1959); e Uma experiência de Serviço Social
junto ao setor de Assistência à Família da Legião Brasileira de Assistência
(OLIVEIRA, 1950).
O trabalho de Costa (1949) destaca o papel das educadoras especializadas
no desenvolvimento infantil sob o viés de orientação familiar. As alunas esta-
giárias inseridas na Escola Ulisses Pernambucano entrevistavam as famílias
em busca de garantir as condições socioeconômicas para que as crianças, após
passarem pelo acompanhamento escolar, pudessem garantir alguma inserção
produtiva na sociedade.
Já na monografia escrita por Maciel (1959), há algo que, a nosso ver,
torna-se relevante para o presente estudo: no trabalho do DNCr, a autora
demonstra a importância de campanhas voltadas ao crescimento da população,
principalmente na área da infância. Isto na perspectiva de que uma infância
bem cuidada resultaria numa juventude mais forte e num adulto mais mora-
lizado, pretensamente adaptado à vida produtiva.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 175

Assim, é possível observar a presença de vínculos genéticos entre a


emergência do Serviço Social em Pernambuco e o adensamento da intervenção
estatal em torno da dita “questão do menor” – não apenas pelo fato da ESSPE,
em seu início, ter sido hospedada no Juizado de Menores, mas pela presença
de um conjunto de ações, desde o seu início, planejadas e desenvolvidas em
torno dessa área de intervenção na preparação daquelas que seriam pioneiras
do Serviço Social em diversas áreas e instituições. Isto sob uma perspectiva
predominantemente ainda marcada pela associação das crianças e adolescentes
pauperizados com tendências ditas desviantes e desajustadoras.
Podemos observar que as então alunas estagiárias do Serviço Social
usavam, de modo recorrente, nomenclaturas como “desajustados”, “anormais
educáveis”, “delinquentes”, entre outros termos que reforçam estigmas até
hoje vivos. Contudo, é possível perceber alguns deslocamentos nesse sentido,
reflexo da influência dos programas da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que passaram a patrocinar
campanhas nos anos 1950, tornando-se mais presente a utilização de termos
“criança” e “infância”.
Para melhor entendermos a relação orgânica entre a emergência do Ser-
viço Social em Pernambuco e a chamada “questão do menor”, no próximo
item focaremos nas principais ações e políticas voltadas, no período priorizado
neste estudo, para a atuação nesse âmbito, identificando as ações em que
havia uma maior demanda da prática de agentes com formação especializada,
advindos da Escola de Serviço Social.

3. As instituições, serviços e perspectivas colocadas


para responder à “questão do menor”

As ações voltadas aos chamados “menores” no âmbito nacional datam


do governo de Washington Luiz, quando são consolidadas leis de assistência
e proteção aos menores através do Código de Menores. O Decreto n. 17.943,
de 12 out. 1927 (BRASIL, 1927), estabeleceu medidas a serem aplicadas
aos considerados “menores abandonados” e “delinquentes”, por meio do
Juízo Privativo, responsável por processar e julgar o abandono, destituição e
substituição de tutela, além de fiscalizar o trabalho dos menores; do Abrigo
de Menores, voltado para o acolhimento provisório até decisão judicial; do
Instituto Disciplinar, direcionado à educação física, moral e profissional,
especialmente do público do sexo feminino; e do Conselho de Assistência e
Proteção de Menores, que possuía como finalidade fiscalizar as instituições
de educação e trabalho, bem como vigiar e proteger os “menores egressos”
(BRASIL, 1927).
176

Já em 1938, o governo federal começa a disponibilizar contribuições às


instituições assistenciais, destacadamente pelo Conselho Nacional de Serviço
Social (CNSS), criado pelo Decreto-Lei n. 525, de 1 jul. 1938 (BRASIL, 1938),
como um órgão de auxílio do Ministério de Educação e Saúde para organizar
as bases do Serviço Social no Brasil. No seu primeiro artigo, se encontra:

O serviço social tem por objetivo a utilização das obras mantidas quer pelos
poderes públicos quer pelas entidades privadas para o fim de diminuir ou
suprimir as deficiências ou sofrimentos causados pela pobreza ou pela miséria
ou oriundas de qualquer outra forma do desajustamento social e de reconduzir
tanto o indivíduo como a família, na medida do possível, a um nível satisfa-
tório de existência no meio em que habitam (BRASIL, 1938).

Vale ressaltar a composição desse conselho, que dentre seus membros, à


frente das atividades, havia o Juiz de Menores do Distrito Federal, o Diretor
Geral do Departamento Nacional da Criança (DNCr) e o diretor geral do
Departamento Nacional de Saúde, de forma que é perceptível uma influência
de profissionais atuantes na área da criança nessa entidade.
Com base na Lei n. 2.947, de 24 dez. 1935 (BRASIL, 1935), que criou
o Departamento de Assistência Social de São Paulo – cuja atuação fornecia
amplo destaque à “assistência aos menores” – em 1940 a primeira-dama,
Darcy Vargas, iniciou ações sociais voltadas às famílias consideradas “desa-
justadas” e em condições de pauperismo no estado. Mas apenas em 1947
as ações de “assistência ao menor” foram expandidas para outros estados
brasileiros, após a realização da primeira Semana de Estudos do Problema
de Menores (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014; RIZZINI; PILOTTI, 2011).
Este cenário contribuiu para a criação da Legião Brasileira de Assistência
(LBA), em Brasília, contemplando especialmente alguns estados que tinham
um alto índice de mortalidade infantil. O Rio de Janeiro, por ter sido um dos
precursores na criação de escolas de Serviço Social, e também um dos polos
de industrialização no país, foi priorizado com o primeiro laboratório da LBA e
de seus programas, que variavam conforme as demandas postas pelos usuários
de serviços prestados e intermediados por profissionais da assistência social.
A segunda experiência desenvolvida neste âmbito foi em Pernambuco,
que, na época, passava por uma forte crise econômica no contexto da Guerra
Mundial e suas incidências sobre o comércio do açúcar no Nordeste. Isto fez
com que vários trabalhadores migrassem do campo para a capital, com suas
famílias, em busca de emprego nas fábricas. Contudo, a crise afetou todos os
setores econômicos do estado, repercutindo diretamente na configuração fami-
liar dos trabalhadores e no acirramento das desigualdades sociais sobre suas
vidas, o que para muitos passou a incidir diretamente no que se denominava de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 177

“desajuste familiar”.97 Assim, em busca de emprego no Centro-Sul do país, uma


grande parcela de trabalhadores do campo, migrando para os polos industriais
dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, contribuíram para que Pernambuco
tenha se tornado, neste período, uma rota de exportação de força de trabalho.
Nesse quadro, a LBA foi instituída em Recife no ano de 1950, com o
apoio financeiro da sede em Brasília e a influência técnico-formativa do Rio
de Janeiro, que, segundo Oliveira (1950), estava em seu segundo ano de
experiência.98 A função das profissionais que trabalhavam neste órgão em
Pernambuco era – no discurso oficial – “ajudar” as famílias “desajustadas”,
principalmente reforçando o papel de “pulso forte” da figura da mãe que
iria criar seus filhos sem a referência paterna. Isto para que as crianças, vis-
tas como “menores”, viessem a se tornar “bons adultos trabalhadores”, não
incidindo nas “tentações” e “más influências” que os cercavam, geralmente
nos “mocambos” onde moravam. Portanto, o objetivo maior era estabelecer
um padrão de conduta moral adequado para o desempenho satisfatório de
futuros operários. Para tanto, seria necessária uma intervenção integral a toda
a família (OLIVEIRA, 1950).
Assim, novas ações foram desenvolvidas ao longo da crise do açúcar,
em torno das décadas de 1940 e 1950, para dirimir a dita “questão do menor”
em Pernambuco. Uma dessas ações foi o problemático processo de remoção
dos mocambos e condução de moradores para as casas operárias (conjun-
tos habitacionais) em regiões metropolitanas do Recife, nas proximidades
das fábricas. Isto tendo como pressuposto a concepção dominante de que
se o “menor” vivesse em uma casa de alvenaria e com uma vizinhança sem
“vícios”, tornar-se-ia um adulto responsável e trabalhador.
Outra medida, depois da criação das vilas operárias, relacionou-se à
construção de maternidades e centros educativos; além de postos de puericul-
tura, para que as mães operárias pudessem ter seus filhos e também garantir
o cuidado necessário para a redução da mortalidade infantil, na medida em
que os projetos fossem aplicados através do Serviço Social. Assim, a res-
ponsabilidade pela reprodução dos trabalhadores ficaria ainda sobremaneira
imposta às mulheres. Caberia, então, por parte do Estado, mais precisamente
dos serviços assistenciais e educativos, orientar as mães em toda sua gestação,
ensinando-as os cuidados desde a primeira infância.
97 Conforme o próprio Agamenon Magalhães, em matéria do jornal Folha da Manhã, “desajustadas” eram as
famílias que estavam perdendo a configuração tradicional (pai, mãe e filhos) em decorrência de problema
econômico, agravando as situações de mazelas sociais provocadas pela retirada dos mocambos sem
estrutura e planejamento do governo que passava por uma crise que fez com que trabalhadores deixassem
a família e fossem para Sul em busca de emprego (MAGALHÃES, 1945).
98 De acordo com Oliveira (1950), a preparação técnico-informativa das profissionais do Serviço Social da LBA
de Pernambuco foi feita pelas profissionais da LBA do Rio de Janeiro, que ensinavam a fazer os laudos de
triagens da mãe e da criança até final da sua segunda infância, organizar rodas de diálogos com as mães
de famílias ditas “desajustada”; etc.
178

Os “menores” que tinham idade para frequentar os centros educativos


seriam acompanhados pelas profissionais que faziam suas fichas de matrícula
nas visitas de triagem nas casas operárias. Essas ações, que tinham uma clara
orientação fiscalizatória e disciplinar, pautada no higienismo, podem ser ilus-
tradas pelo artigo de Agamenon Magalhães intitulado A Semana da Criança,
no jornal Folha da Manhã em 1938:

Comemoração de “palavras e obras”: Maternidades, Postos de Puericultura


são construídos por toda Região pernambucana com Ações do Governo
mediadas pela LBA; O governo de Getúlio amplia as ações do Departa-
mento da Criança com os auxílios para defesa da criança em Floresta e
Petrolina; Ajudar a obra benemérita do DNCr; A criação de alas de mater-
nidades e postos puecultura nos Hospitais Regionais; Apoio financeiro às
mães que se encontravam em situação de “desajustamento”; A inauguração
dos Centros das Vilas Populares de Santo Amaro; A primeira Creche do
Recife, (sentimento de gratidão o futuro do Brasil através das crianças );
Aumento de atendimento das assistências pelo setor privado para cuidar
da proteção das crianças (Benemérita Cruzada (P); Formulando o sistema
de Certidão de Nascimento para não ter mais problema com os registros;
E a retiradas das mães e crianças dos mocambos; Construção de Lactários
em toda Região Pernambucana (MAGALHÃES, 1938, p. 1-2).

Como podemos observar, o governo de Pernambuco realizou, entre os


anos 1940 e 1950, um grande investimento voltado para a “questão do menor”.
Assim, além de construir e implantar ações preventivas, também investiu
em realizações voltadas para os “menores abandonados”, vistos assim por
parte do Estado como um problema de planejamento familiar, quando, na
verdade, tratava-se do adensamento da “questão social” e dos seus efeitos
sobre as famílias migrantes, repercutindo, inclusive, nas condições subjetivas
desses sujeitos.
Uma dessas expressões era identificada na condição dos que viviam em
situação de rua, muitos remanescentes das cidades interioranas. Diante disso,
no discurso da época, compreendia-se que os “menores” eram expostos a uma
realidade “dura” e “sofrida” das ruas do Recife, onde aprendiam cedo o “valor
do trabalho”, e também as práticas consideradas “marginais” e “desajustadas”
– do que era exemplo o uso de drogas e os pequenos furtos, fazendo com que
rapidamente fossem concebidos na condição de “delinquência”. Foi em face
dessa realidade que, por exemplo, o Abrigo dos Gazeteiros foi criado, ainda
nos anos 1930, na tentativa de tornar as crianças e adolescentes incluídos nesse
quadro futuros adultos imbuídos da responsabilidade exigida pela rotina do
trabalhador, particularmente fabril. Sobre isto, afirma o artigo Abrigo dos Gaze-
teiros, publicado no Folha da Manhã:
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 179

Um projeto do Estado Novo para valorizar o trabalho a qual representava


a ordem, disciplina e riqueza: os gazeteiros não poderiam ficar de fora, já
que eram crianças que moravam na rua aos azares e sortes da vida (estava
em jogo o futuro da nação brasileira), a partir dessa mazela o Estado
começou através do governo investir na construção de Abrigos para os
meninos vendedores de jornal para crescerem longe dos vícios e tornarem
adultos exemplares. Os meninos iriam encontrar um local seguro com
mulheres que representavam uma figura materna que iriam “cuidar deles
depois de um dia longo de trabalho”, uma cama sem pulgas e ratos, três
refeições quentes, e a partir daí sua formação para um adulto responsável
seria mais fácil. O abrigo dos gazeteiros foi construído pela Secretaria do
Interior aqui em Pernambuco (MAGALHÃES, 1938, p. 1).

Ainda na década de 1940, foram criadas escolas voltadas para o ensino


e “recuperação” de crianças consideradas com atraso escolar ou algum tipo
de deficiência mental. O serviço assistencial foi inspirado nos trabalhos de
Madame Helena Antipoff, que, em Minas Gerais, criou entidades para acolher
e tratar as crianças “carentes”. Isto com o auxílio do Departamento Nacional
da Criança (DNCr), que capacitava profissionais do Serviço Social para o
atendimento regional. No estado de Pernambuco, uma das escolas para o
acompanhamento dessas crianças foi a Escola Aires Gama, futuro Ginásio
Ulisses Pernambucano, criada pelo próprio Ulisses Pernambucano, que ofe-
recia tratamento para os ditos “anormais educáveis”.
Em 1953, outro projeto inaugurado foi o Abrigo Provisório Feminino
do Juízo Privativo de Menores Abandonados e Delinquentes de Recife, com
o apoio exclusivo do Juiz Rodolfo Aureliano da Silva, possibilitando que o
abrigo tivesse condições mínimas para oferecer o básico para os considerados
“menores delinquentes” à espera da sua sentença no Juizado de Menores.
Nesse ambiente, atuava uma equipe composta por uma gestora, duas merendei-
ras, dois orientadores e quatro “profissionais de serviço” (assistentes sociais),
os quais lidavam com jovens vistos como problemáticos que passavam a ser
objeto de “reeducação”. Dessa forma, a divisão territorial da casa/abrigo era
organizada em quartos para meninos e meninas classificados como “normais”
e os considerados com maior nível de “periculosidade”, tal como nos apresenta
Lira (1953, p. 9-10):

Divisão de grupos: Procurou se reunir grupos de meninas e meninos aten-


dendo ao critério de periculosidade: dois grupos de menino e menina nor-
mais e outro de menino e menina de grande periculosidade, que dormiam
em salões diferentes, faziam suas refeições em horários diferentes. Dese-
java-se ainda, que essa separação se mantivesse todas as horas, durante o
dia, o que entretanto não conseguia.
180

Nesse abrigo, atividades feitas com a supervisão das assistentes sociais,


eram de caráter socioeducativo, tais como trabalhos profissionalizantes feitos
com jovens abaixo de 14 anos, voltados para a manutenção da casa (jardina-
gem, capinação, pintura, reparos e outros) e ações destinadas para as meni-
nas, a exemplo de cursos de bordados, crochê, costura e outros. Tudo isso
com a pretensão de que esses adolescentes entendessem que a situação deles
era passageira e que, quando saíssem do abrigo, teriam entendido o valor e
o papel do trabalho como forma de torná-los dignos e moralmente aceitos,
perpetuando uma divisão sexual do trabalho.
Em relação ao Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), asso-
ciado ao DNCr, Maciel (1959) descreve sua importância para os estados, pois
o mesmo tinha como objetivo proporcionar à população uma infância bem
cuidada, já que se acreditava existir maior possibilidade de sobrevivência nos
primeiros dias de vida. Isto através de ações como: clubes de mães; cursos
de corte e costura, puericultura, confecção de enxovais; entre outros recursos
que eram considerados importantes para o desenvolvimento populacional.

É objetivo imediato do clube de mães promover um melhor aproveitamento


dos recursos assistenciais – leite, medicamentos e outros, oferecidos pela
obra onde for organizado. Como os nossos clubes estão instalados, em
sua quase totalidade, em obras de assistência médico-social à maternidade
e à infância, e não poderia ser de outra forma desde que é programa do
Departamento Nacional da Criança, propuseram se difundir entre suas
associadas noções de puericultura, higiene, educação familiar e social
(MACIEL, 1959, p. 49).

A autora ainda acrescenta, com base em sua experiência no estágio em


Serviço Social, a preocupação de orientar as mães para formas posteriores de
desenvolvimento dos seus filhos, inclusive orientando-lhes o aproveitamento
dos serviços disponíveis por parte do Estado, em parceria com o FISI, na ten-
tativa de “combater” a mortalidade infantil, bem como “problemas sociais”
que pudessem surgir ou se agravar no desenvolvimento infantil. Percebemos,
portanto, a importância central que a família – especialmente a mulher-mãe –
assumia no trato da “questão do menor”, cabendo às profissionais instruir-lhes
moralmente para aproveitamento das suas condições econômicas como forma
de organização da vida sob as relações sociais dominantes.

4. Considerações finais

É possível, mesmo que de forma parcial, identificarmos que, tanto no


percurso nacional quanto regional, a gênese do Serviço Social no Brasil é
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 181

atravessada por iniciativas governamentais voltadas para o enfrentamento


da “problemática do menor” como expressão da “questão social”, e como
aspecto fundamental para o disciplinamento familiar das classes exploradas,
particularmente do operariado.
No contexto de Pernambuco, os primeiros anos de investimento nas ações
voltadas para tal questão viabilizou a criação de um conjunto de órgãos e ins-
tituições que impulsionaram a criação da Escola de Serviço Social, tais como:
a construção da primeira Creche da Encruzilhada; as Maternidades nos polos
operários; Centros Recreativos; e outros locais de atendimento que faziam
parte da política do Estado Novo. O objetivo era absorver especialmente famí-
lias, mães e filhos da classe operária, para que estes pudessem potencialmente
formar uma subordinada e produtiva classe trabalhadora (UFPE, 1987).
Assim, mesmo que, posteriormente, tenham ocorrido alterações no que
diz respeito à concepção e ao direcionamento teórico-político sobre a “questão
do menor”, o que predominou nas políticas e principais programas em que o
Serviço Social estava inserido durante o período priorizado no estudo foi, fun-
damentalmente, uma perspectiva que associava os filhos e as filhas da classe
trabalhadora à marginalidade e delinquência, em potencial. Tratou-se, portanto,
da necessidade permanente das classes dominantes, via Estado, desenvol-
verem ações voltadas para atenuar os conflitos e os efeitos econômicos das
desigualdades, através da assistência, da educação moral e da delimitação
dos “novos” papéis sociais de cada membro familiar na nascente realidade
urbano-industrial. Esta, no Nordeste ainda mais que em outras regiões do
país, amalgamou-se, em grande medida, com a questão agrária, influenciando,
inclusive, na formação das classes sociais e nos próprios campos de atuação
do Serviço Social.
182

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CAPÍTULO 9
AS PRIMEIRAS ASSISTENTES
SOCIAIS DE PERNAMBUCO E O INÍCIO
DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NO ESTADO (1940-1950)

Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva


Laura Sophie de Andrade Freire
Rennan Araújo de Lima

1. Introdução

Esse artigo pretende fornecer elementos históricos sobre a atuação das


primeiras assistentes sociais em Pernambuco, considerando sua participação
na formação profissional. É patente como tal atuação concorre, sempre de
modo mediado, para o processo de renovação do Serviço Social no estado.
Destaca-se, na análise, a determinação da condição eminentemente feminina
da profissão para suas atribuições e sua inserção subalterna no universo das
ocupações de natureza reprodutivo-social. Tal estudo assinala a importância
de explorar e difundir a história das mulheres pernambucanas que exerceram
profissões tipicamente femininas, assim como suas implicações diante da
divisão sexual do trabalho.
A compreensão da gênese do Serviço Social no Brasil foi buscada através
dos trabalhos de Cisne (2015), Iamamoto e Carvalho (2014), Martinelli (2010)
e Netto (2007, 2014). A literatura disponível indica que o Serviço Social
se estabelece como profissão a partir da institucionalização da assistência,
na afirmação do capitalismo monopolista, constituindo, tal elemento, o que
caracteriza e o distingue na divisão social (e técnica) do trabalho.
A reconstituição da trajetória das assistentes sociais pioneiras em Pernam-
buco foi possibilitada através do estudo da documentação do acervo da antiga
Escola de Serviço Social do estado (ESSPE), dos Trabalhos de Conclusão
de Curso das primeiras turmas e das pesquisas existentes sobre esse tema
(GOMES, 1987; PADILHA, 2008; VIEIRA, 1992, 2008; UFPE, 1985). Des-
necessário nuançar a carência de pesquisas sobre essa realidade e a relevância
186

da análise histórica do Serviço Social a partir da sua constituição como uma


profissão tipicamente feminina.
Embora imbuído em fornecer elementos empíricos e hipóteses sobre
uma realidade regional, esse trabalho pretende ser um contributo na tarefa
– ainda por fazer – de elaboração de abordagens abrangentes, inclusivas, do
Serviço Social no Brasil – com suas tendências abrangentes, mas igualmente
dinamizada por aspectos de desenvolvimento desigual. Na literatura profis-
sional, ainda permanece o quadro sinalizado por Netto (2016, p. 56): “[...]
carecemos [...] de uma história (de histórias) do Serviço Social no Brasil que
nos ofereça(m), com rigor e precisão possíveis, o inteiro processo dos seus 80
anos que em 2016 se comemoram.”
Com efeito, o ponto de partida é o rico trabalho de Iamamoto e Carva-
lho (2014) que – ainda na avaliação de Netto (2016, p. 55) “[...] permanece,
até hoje, enquanto empreendimento de análise histórica, sem continuidade
entre nós”. Inobstante isso, tal trabalho comporta seus próprios limites de
reconstrução histórica do Serviço Social no Brasil, dos quais dois são mais
evidentes. O primeiro, e mais óbvio, diz respeito a suas fronteiras tempo-
rais: ele que acompanha o desenvolvimento da profissão apenas até a década
de 1960, fornecendo indicações sinóticas sobre as décadas seguintes nas suas
considerações finais. Em segundo lugar, o material empírico e os aspectos
da realidade praticamente estão centrados nos estados do Rio de Janeiro e
São Paulo, os quais comportam tendências que não podem ser diretamente
transplantadas para outras realidades regionais.
Essa lacuna nos interessa em particular, posto que o estudo do Serviço
Social em Pernambuco nos anos 1940 pode contribuir para explicitar os rit-
mos desiguais e a diferenciação interna do evolver da profissão, efetivamente
presentes desde sua gênese no país. Esperamos que o esforço de delimitação
necessário para a exposição do tema não tenha implicado em qualquer nuance
de abordagem particularista.
O interesse propriamente é de colaborar com insumos para apreensão das
particularidades do Serviço Social no Brasil. De modo que esse texto supõe e
demanda uma articulação com aquelas pesquisas mais abrangentes já realizadas,
das quais nossas remissões aqui não puderam deixar de ser apenas indicativas.
A partir disso, ao longo do trabalho desenvolvido com a digitalização das
documentações referentes à primeira Escola de Serviço Social de Pernambuco,
do projeto de extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco
entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE), tornou-se evidente o papel
fundamental das mulheres em todo o processo de consolidação da profissão.
Sendo assim, esse texto busca refletir sobre as pistas do debate de gênero no
Serviço Social, com enfoque na pesquisa histórica, valendo-se de memórias
e documentos sobre algumas pioneiras vinculadas às Escolas, no intuito de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 187

produzir uma história contra hegemônica e, sobretudo, que expresse os vários


sentidos que atravessam as experiências femininas nas carreiras profissionais.

2. Serviço Social no Brasil e sua condição


de profissão tipicamente feminina
O Serviço Social brasileiro emergiu pela necessidade do Estado, em face
das lutas operárias e das sequelas sociais da industrialização-urbanização dos
anos 1930, empreender ações e políticas sociais para mitigação e mistificação
dos conflitos políticos, proporcionando instrumentos para o controle e preser-
vação da força de trabalho (CISNE, 2015; NETTO, 2007, 2016). Isso remonta
aos anos iniciais da década de 1930, quando a Ligas das Senhoras Católicas e
a Associação das Senhoras dão início à preparação de mulheres para trabalhar
na assistência preventiva e no apostolado social; episódio vinculado à criação
das primeiras Escolas de Serviço Social.
Nesse contexto, a criação de instituições públicas que assumiriam a
assistência social marca o início da institucionalização da profissão no país
(TORRES, 2002). Ao Serviço Social foi reservado o campo de trabalho ligado
às famílias, mulheres e crianças; esferas tradicionalmente atribuídas ao mundo
do feminino, assumindo uma característica de serviços no âmbito da ação
social (TORRES, 2002).
Cisne (2015) demonstra que o Estado se utiliza da figura da mulher, suas
pretensas características, dons e papéis sociais, difundidos ideologicamente
pela Igreja Católica, para o controle dos segmentos das classes trabalhadoras
e, concomitantemente, responsabilização pelos problemas sociais. Por isso,
o Serviço Social se configura, na sua gestação, com fortes traços confessio-
nais, inserindo-se no campo das vocações e missões de servir ao próximo e
do cuidado com o outro, adequando-se às funções socialmente imputadas às
mulheres pelo patriarcado99: o casamento e a maternidade.

A mulher é feita para compreender e ajudar. Dotada de grande paciência,


ocupa-se eficazmente de seres fracos, das crianças, dos doentes. A sensibi-
lidade torna-a amável e compassiva. É, por isso, particularmente indicada
a servir de intermediária, a estabelecer e manter relações. (KIEHL, 1940
apud IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 182).

À época de sua institucionalização, o Serviço Social encontrou seus


quadros profissionais preenchidos pela maioria esmagadora de mulheres, a

99 Para Saffioti (2004), o conceito de patriarcado representa um tipo de hierarquia de relação que está presente
em todos os espaços sociais e que é uma relação civil e não privada. O patriarcado concede direitos sexuais
aos homens sobre as mulheres, possui uma base material e corporifica-se. Além disso, diz respeito a uma
estrutura de poder que tem por base a ideologia e a violência.
188

profissão tem sido demarcada por uma condição de subalternidade técnica


e social, o aspecto primordial da subalternidade é a sua institucionalização
como profissão feminina (NETTO, 2007). A assistência social foi se consti-
tuindo como um espaço de atuação feminina, do mesmo modo que se abria
a possibilidade da profissionalização para as mulheres, associada aos papéis
conservadores imputados à mulher, sendo, portanto, parte estruturante da
divisão sexual do trabalho (CISNE, 2015). Sobre isso, Iamamoto (1999, p.
105) informa um processo contraditório:

Se a imagem social predominante da profissão é indissociável de certos


estereótipos socialmente construídos sobre a imagem social da mulher na
visão tradicional e conservadora de sua inserção na sociedade, o processo
de renovação do Serviço Social é também tributário da luta pela emanci-
pação das mulheres na sociedade brasileira.

A análise da atuação das assistentes sociais pioneiras em Pernambuco


torna explícita essa contradição presente na trajetória histórica da profissão:
ao mesmo tempo em que absorve as mulheres para a composição de quadros
profissionais subalternos com funções reprodutivas e reiterativas, as lança
para uma interação nova, dinâmica e pública com as instâncias sociais da
sociabilidade burguesa que tende a conflitar com os papéis tradicionais
colocados para a mulher na esfera privada e da família monogâmica.
Ao longo da construção do Projeto Memória e História do Serviço Social
em Pernambuco, observamos, através de parte da documentação analisada, a
hegemonia feminina e os recortes sociais da época desses documentos, que
apontavam componentes curriculares obrigatórios como: aulas de corte e
costura, puericultura e higienização, atributos estigmatizados como obrigató-
rios aos predicados que uma mulher deveria possuir, principalmente quando
observamos sob o olhar de meados do século XX.
Como mencionado, a dimensão gênero se fez presente em todo processo
de consolidação do Serviço Social como profissão, se apresentando como
necessário e legítimo,

[...] já que ao mesmo tempo [o gênero], “é um elemento constitutivo de


relações sociais”, assumindo importante papel na construção das relações
sociais e, portanto, da vida em sociedade; e [a dimensão de gênero] está
intimamente interligada a fatores políticos e econômicos em cada socie-
dade, assumindo formas distintas de acordo com os contextos históricos
e sociais específicos (SOUZA; VELOSO, 2015, p. 184).

Dessa forma, torna-se evidente a importância das primeiras assistentes


sociais para a construção da profissão ao longo dos anos, assim como o resgate
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 189

dessa memória se torna valioso, não só para entendermos como tal profissão
se estabeleceu, mas também, e, principalmente, valorizar o árduo trabalho
dessas mulheres.

3. As pioneiras do Serviço Social em Pernambuco


A emergência do Serviço Social no Brasil desdobra-se no início da década
de 1930, a partir da iniciativa de segmentos da burguesia respaldados pela
Igreja Católica. No curso desses anos, o acirramento das lutas operárias impele
as classes dirigentes no Estado a promover algum nível de intervenção sobre
a “questão social”. Donde a montagem de um sistema de instituições sociais
que se propunha a solucionar os problemas por meio de programas assisten-
ciais de caráter imediatista, capitaneados por organizações particulares de
assistência. O Serviço Social assumiu aí a tarefa de contribuir para a organi-
zação técnica das formas de intervenção nas instituições sociais emergentes
(MARTINELLI, 2010; PADILHA, 2008).
A partir desse entendimento, Carvalho (1980, p. 58) afirma que o Serviço
Social se vincula:

[...] às profundas transformações econômicas e sociais pelas quais a socie-


dade brasileira é atravessada, e a ação dos grupos, classes e instituições
que interagem com essas transformações. Seu surgimento se dá no seio
do bloco católico, que manterá por um período relativamente longo um
quase monopólio da formação dos agentes sociais especializados, tanto a
partir de sua própria base social, como de sua doutrina ideológica.

Então, o Estado começa a ter interesse em apoiar os movimentos criados


pela Igreja Católica, com sua ação renovadora, devido à potência disciplina-
dora e de influência diante da sociedade civil da época. Esses movimentos
eram originados da Ação Católica, uma organização de renovação composta
por cristãos leigos, denominados de laicato, que tinham a missão de evange-
lização e de atuações recristianizadoras (LIMA, 1982; SILVA, 2014).
Tais movimentos foram mobilizados pela Igreja para atuar com os operá-
rios e se tornaram grupos distintos da caridade tradicional, no qual as diretrizes
eram direcionadas para a assistência preventiva, de apostolado social, que
objetivava atender “[...] determinadas sequelas derivadas do aprofundamento
da industrialização, principalmente no que se refere a menores e mulheres
[...]” das classes trabalhadoras (CARVALHO, 1980, p. 48). Foram espaços
marcadamente monopolizados por jovens mulheres da burguesia, que contri-
buíram em ações cívicas, educacionais, morais e religiosas (SILVA, 2019a).
As obras da Ação Social Católica tornaram-se bases de organizações e,
sobretudo, de formação do pessoal que atuaria na criação das primeiras Escolas
190

de Serviço Social brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, o Centro de Estudos


e Ação Social de São Paulo (CEAS) é criado em 16 de setembro de 1932,
a partir da conjunção de esforços da nascente burguesia e setores católicos.
Uma entidade que assumiu o papel de qualificar agentes para a realização da
prática social, após o primeiro curso de preparo para o exercício da ação social
do estado, com o objetivo de ser uma instituição que perpetuasse o interesse
pelo estudo do trabalho social no Brasil (SILVA, 2019b; LIMA, 1982).100
Sob a denominação de Curso Intensivo de Formação Social para Moças,
o primeiro curso de exercício da ação social foi ministrado pela assistente
social belga Adèle de Loneux, da Escola Católica de Serviço Social de Bru-
xelas. O programa do curso, de duração de três meses, continha disciplinas de
Psicologia, Direito, Higiene e da Doutrina Social da Igreja, bem como visitas
a obras sociais e instituições (LIMA, 1982; YASBEK, 1977). Esse evento
marcou a etapa inicial da trajetória do Serviço Social no Brasil, deslanchada
sob o revelador signo da aliança com a burguesia.
A clientela do curso foi constituída por jovens católicas, algumas já par-
ticipantes de atividades assistenciais ou militantes de movimentos da Igreja,
e todas pertencentes a famílias da burguesia paulista. Partiu das próprias
alunas do curso o interesse de fundar uma instituição permanente para dar
continuidade aos estudos e constituir um centro de ação social na capital. E,
assim, foi criado o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS)
(MARTINELLI, 2010; SILVA, 2019a). Com isso,

[...] podemos perceber que a Ação Católica [com seus cursos, obras e
instituições] foi se configurando em um campo social de composição de
mulheres de classes abastadas da burguesia, dando-lhes uma função social,
para elas que antes apenas ocupavam um lugar de passividade no espaço
privado, e começaram a integrar grupos cristãos com projetos coletivos,
como formadoras e doutrinadoras de ações sociais (SILVA, 2019a, p. 56).

Um dos objetivos do CEAS consistiam em oferecer formação técnica


especializada para o enfrentamento dos problemas sociais, e assim financiou
a criação da primeira Escola de Serviço Social do Brasil, em 1936. Isso marca
uma nova etapa na prática da assistência social inspirada pela Ação Católica
e a Ação Social.
Duas participantes do Curso Intensivo de Formação Social para Moças,
que também se tornaram integrantes do CEAS, foram selecionadas pela enti-
dade para estudar na Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas, com
100 Essa ação social era vista como uma atividade que visava promover o progresso social, a melhoria das
condições de vida na sociedade e a aplicação à vida coletiva dos princípios de justiça e caridade, onde
precisariam da união da Igreja, da burguesia e do Estado para pôr em prática essa tarefa (LIMA, 1982 apud
SILVA, 2019b, p. 28).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 191

intuito de, após o regresso das jovens formadas, ocorrido em 1935, pudessem
instituir no Brasil um curso em Serviço Social. Maria Kiehl e Albertina Ferreira
Ramos tornaram-se as primeiras assistentes sociais a atuar no corpo docente
da Escola de Serviço Social de São Paulo (ROY, 1983; YASBEK, 1977).
A primeira turma que ingressou nesse curso de Serviço Social se diplo-
mou em dois anos, em 19 de março de 1938, tendo como ressalva a “necessi-
dade de se apressar a diplomação de pessoal técnico”, já que o curso regular
era, a princípio, de três anos. Foram 14 alunas que se submeteram a arguição
sobre os Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados às variadas ban-
cas examinadoras (LIMA, 1982, p. 51), tornando-se as primeiras assistentes
sociais formadas no Brasil.
Helena Iracy Junqueira101, discente da turma de abertura, afirma que “[...]
a primeira turma de diplomadas pela Escola de São Paulo, a primeira do Brasil,
dentre 14 concluintes, apenas duas pertenciam à classe abastada, proporção
mantida ou talvez superada nos anos seguintes” (JUNQUEIRA, 1980, p. 2).
A posição das mulheres da elite burguesa estava na composição do grupo
de vanguarda do apostolado laico, que trilhou o caminho para a ação social,
resultando no trajeto do Serviço Social brasileiro. Portanto, pode-se perceber
que o perfil das assistentes sociais formadas era prevalecente da classe média,
que concomitantemente estava em busca de uma profissão remunerada, como
também na satisfação de atuar na ação social católica (SILVA, 2019a).
No ano de 1937, o Rio de Janeiro se torna o segundo estado a consti-
tuir uma Escola de Serviço Social, o denominado de Instituto de Educação
Familiar e Social, integrando duas iniciativas: os cursos de Serviço Social
e de Educação Familiar, respaldados pelo Grupo de Ação Social (GAS). O
processo constitutivo do Serviço Social nesse estado ocorreu segundo diver-
sas variantes, pois aí se centralizavam muitas repartições públicas, sob cuja
demanda lhe profissionalizou, considerando a aparelhagem da capital federal
(CASTRO, 2003). Percebe-se que o desenvolvimento da aparelhagem de
instituições sociais despertava uma demanda profissional progressivamente
mais exigente em termos de qualificação acadêmica, religiosa e técnica.
A primeira turma da Escola do Rio de Janeiro obteve 27 alunas matricu-
ladas, mas somente quatro concluíram o curso no período regular, em 1940.
Margarida Motta, Maria Josephina Rabello Albano, Maria Luísa Fontes Fer-
reira e Irene Tavares de Sá foram os nomes das primeiras assistentes sociais
da capital do Brasil.
A década de 1940, por sua vez, é marcada pela criação de outras onze
unidades de ensino, possibilitando a germinação do Serviço Social pela maioria
das regiões: para o Nordeste, com as Escolas de Recife e Salvador, o Norte,
101 Helena Junqueira se tornou uma das primeiras assistentes social do Brasil. Foi a segunda diretora da Escola
de Serviço Social de São Paulo (1940-1953) e atuou como docente da Escola até o ano de 1963.
192

com a Escola de Manaus, e o Sul, com a abertura de cursos em Curitiba e Porto


Alegre. Em sua predominância por iniciativa de dioceses, grupos religiosos ou
leigos católicos, essa abertura dos cursos manifesta a vinculação íntima entre o
Serviço Social no Brasil e a Igreja, desde seu surgimento e a constituição basilar
da formação especializada (VIEIRA, 2008). As escolas de São Paulo e a do Rio
de Janeiro tiveram influência na propagação da formação do Serviço Social pelo
país, colaborando, de certa maneira, na fundação de escolas em outros estados.
A cidade do Recife foi precursora do Serviço Social no Nordeste, com
a fundação da Escola de Serviço Social de Pernambuco (ESSPE), em 1940,
por um grupo fundador composto, predominantemente, por intelectuais lei-
gos, como médicos, juristas, padres e professores universitários, cristãos e
agnósticos. Teve na figura do Juiz de Direito Rodolfo Aureliano seu primeiro
diretor e o maior impulsionador da profissão no seu surgimento. A ESSPE,
em 1971, foi extinta e incorporada à Universidade Federal de Pernambuco.
A capital pernambucana consiste na terceira cidade do Brasil a fundar uma
Escola de Serviço Social, precedida por São Paulo e o Rio de Janeiro.
A ESSPE, em seu princípio, funcionou nas dependências do Juizado de
Menores. Em 1946, a Escola muda-se para a nova sede, adquirida através de
donativo da Legião Brasileira da Assistência (LBA), que tinha como presidente
Darcy Vargas, primeira-dama do Brasil. O antigo sobrado da Rua Conde da
Boa Vista, n. 1512, se tornou o endereço oficial da instituição (SILVA, 2019a).

Imagem 1 – Fachada da Escola de Serviço Social de Pernambuco

Fonte: ESSPE (1955, p. 65).


SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 193

Para a criação, seu diretor (e o grupo de apoiadores) contou com as orien-


tações da União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS). O grupo
de juristas, médicos e padres, ligados ao Juizado de Menores e ao Círculo
Operário do Recife, fundador da ESSPE, inscrevia-se na ala mais progressista
da igreja (e mesmo leiga), com cariz humanista. Avalia Padilha (2008, p.
206) que os quadros de base humanista, cristã e liberal que conformaram o
grupo fundador expressavam uma tendência progressista, em alguma medida
colidente com o regime autoritário do Estado Novo e suas forças em nível
estadual, inobstante as afinidades reinantes com a Ação Católica e a decorrente
perspectiva conservantista.
A imprensa da época destacava a criação da Escola como uma instituição
que veio proporcionar a formação de

[...] assistentes sociais perfeitamente aptas a realizar as mais diversas


tarefas (junto a instituições de beneficência social, institutos hospitalares,
organizações industriais, departamentos técnicos da administração pública,
etc.) porque o nosso Estado é um campo vasto onde se realiza um trabalho
social imenso (Diário de Pernambuco, 1939, p. 3).

Dr. Rodolfo Aureliano102, na aula inaugural Escola, aborda a necessidade


de um novo profissional de formação especializada, o/a assistente social, com
ação baseada:

[...] em pesquisas e métodos científicos tendo em vista prevenir os desa-


justamentos pessoais e sociais e promover o ajustamento do indivíduo
ou de grupos ao meio ambiente e, ainda, a remoção das condições que
tornam esse ajustamento difícil para muitos (MORAES, 1990, p. 13 apud
SILVA, 2019b, p. 40).

Para ele, o profissional do Serviço Social era de mais alta importância na


implementação e execução de políticas sociais, principalmente na conjuntura
de 1940, em parte por conta da emergência da “questão social”, mas também
pela crença na importância da ação do assistente social para o reajustamento
dos indivíduos na sociedade (PADILHA, 2008, p. 212-213).
Segundo Vieira (1992, p. 141), a atuação da ESSPE veio para preen-
cher duas grandes lacunas sociais, a primeira estaria ligada à necessidade

102 Conforme o pensamento de Maria de Lourdes Moraes, segunda diretora da ESSPE, o Juiz Rodolfo Aureliano
foi o primeiro juiz de menores do estado a ter um olhar mais aprofundado sobre a miséria, causadora de
inúmeros problemas de ordem física, psíquica, social, moral, e assim, ocasionando muitas repercussões
sobre a sociedade pernambucana da época (SILVA, 2019b, p. 40).
194

sentida pelas obras, instituições e indústrias, na época, de uma organi-


zação mais metódica e mais social; e a segunda estaria relacionada à
oportunidade de oferecer às jovens uma carreira que lhes proporcionasse
remuneração, ao mesmo tempo que pusesse em atividade a sua cultura
geral e devotamento.
À princípio, a direção e o ensino da ESSPE ficaram sob responsabili-
dade de juristas, médicos e padres. Mas concomitante a esse início do fun-
cionamento, ocorreu o intercâmbio de duas alunas para o Instituto Social
no Rio de Janeiro, a fim de se prepararem para a profissão, e assumirem
a Escola no seu retorno. Em abril de 1942, matricularam-se no Instituto
Social do Rio de Janeiro Maria de Lourdes Almeida de Morais e Maria
Dolores Cruz Coelho.
A primeira, havendo concluído seu curso em dezembro de 1943,
com a apresentação de um trabalho sobre Escola de Serviço Social – seus
princípios e meios de traçar os seus fins. Retornou a Recife em fevereiro
de 1944, tendo sido nomeada, nessa ocasião, diretora da Escola. Em 1945,
quando a Escola se muda para a nova sede, Maria Dolores conclui seu
curso no Instituto Social com a apresentação de um trabalho sobre Métodos
de Pesquisa em Serviço Social, regressando à Escola a fim de se ocupar
da supervisão dos trabalhos práticos dos alunos.
Segundo Silva (2019a), Maria de Lourdes e Maria Dolores retornam
para Recife guarnecidas de conceitos e métodos em Serviço Social, para
assim serem incorporados ao programa curricular da ESSPE, com a finali-
dade de fundamentar a formação da profissão e a prática em Pernambuco.
A turma de abertura do curso, em 6 de maio de 1940, foi composta por

[...] vinte e três (23) alunas matriculadas. No entanto, no decorrer do


ano letivo [...] algumas estudantes desistiram e a classe ficou composta
por quinze (15) discentes. Ana Luiza Pereira da Costa, Ariete Souza de
Oliveira, Maria Dolores Cruz Coelho, Maria da Glória Andrade Lima
e Maria de Lourdes Almeida de Moraes foram algumas das alunas
que compuseram a primeira classe da ESS/PE. Mulheres pioneiras no
exercício do Serviço Social em Pernambuco, que se destacaram prin-
cipalmente como docentes e diretoras nessa instituição de ensino, e
como assistentes sociais atuantes nos primeiros espaços ocupacionais
da profissão no estado (SILVA, 2019a, p. 100).

O curso da Escola de Pernambuco tinha uma formação para ambos


os sexos, diferente das escolas do Rio de Janeiro e São Paulo, que eram
exclusivamente femininas. No entanto, as classes da ESSPE eram cons-
tituídas, predominantemente, por mulheres, em sua maioria, da classe
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 195

média e segmentos da elite, que já possuíam formação em escolas nor-


mais, atuantes do magistério e desempenhavam trabalhos sociais no estado
(SILVA, 2019a).

Imagem 2 – Fotografia de sala de aula em atividade da ESSPE


que retrata uma turma predominantemente feminina

Fonte: ESSPE (1955, p. 73).

A primeira assistente social formada na ESSPE, Maria da Glória de


Andrade Lima, concluiu o curso em 1946, e no ano seguinte já integraria
o corpo docente da Escola. É de Maria da Glória, portanto, o primeiro tra-
balho sistematizado da prática do Serviço Social em Pernambuco, relativo
à atuação da então estudante no movimento dos Círculos Operários no
Recife, aproximadamente entre 1944-1946 – referimo-nos à monografia
da concluinte da ESSPE, intitulada Uma experiência de Serviço Social
junto aos Círculos Operários, datada de 1946.103 Uma parte dos próprios
fundadores da ESSPE – Rodolfo Aureliano e Luiz Delgado, por exemplo
– fazia parte dos Círculos, inclusive através da inserção nas instâncias
representativas do movimento.
A inserção do Serviço Social vai ocorrer no movimento circulista,
em 1944, com a escolha, de uma das alunas concluintes, de entrada no campo
de estágio nos Círculos Operários do Recife – Núcleo Prado, desenvolvendo
a atividade assistencial e doutrinário-moralizadora (remetendo-se inclusive
as práticas do Serviço Social de Grupo) nesse espaço (GOMES, 1987).
103 Uma análise desse trabalho pode ser encontrada em Gomes (1987).
196

Imagem 3 – Alunas da primeira turma da ESSPE: 1) Maria da Glória de Andrade


Lima, 2) Maria de Lourdes Almeida de Morais e 3) Maria Dolores Cruz Coelho

Fonte: Padilha (2008).

No decorrer dos anos, houve fortalecimento das matérias específicas


do Serviço Social no curso, inclusive com a adoção do viés comunitário,
após o retorno das alunas, entre 1944 e 1945, e da chegada Hebe Gonçalves,
em 1948. Assistente social formada pelo Instituto Social do Rio de Janeiro
assumiu como docente da ESSPE as disciplinas de Organização Social de
Comunidade, de Serviço Social de Grupo e de Serviço Social Médico, além
da supervisão de estágio de numerosos alunos.
No início, o currículo apenas contava com uma específica, a de Assistên-
cia Social, cujos conteúdos encontravam-se relacionados ao Serviço Social de
Casos (VIEIRA, 1992). Na segunda metade da década – já de volta as assis-
tentes sociais formadas no Rio de Janeiro – ao lado do reforço das matérias de
caráter doutrinário, foi aperfeiçoada a parte específica da formação: a anterior
Assistência Social sendo substituída por Serviço Social; em 1948, inicia-se a
Organização Social de Comunidade, Serviço Social de Casos, Serviço Social
de Grupo; e, em 1950, se incorpora as disciplinas Serviço Social do Trabalho
e Serviço Social de Menores.
De outra parte, alunas formadas nas primeiras turmas tiveram grande
importância para a consolidação do ensino e da gestão da Escola, como
Maria Hermina de Lyra, discente da classe de 1943. Por ter sido aprovei-
tada precocemente como colaboradora no ensino teórico e prático, tornou-se
docente efetiva da ESSPE, na disciplina de Serviço Social de Menores e, por
alguns anos, ocupou também a posição de vice-diretora (MORAES, 1990;
SILVA, 2019a, 2019b).
Evany Gomes de Matos Mendonça, aluna da turma de 1946, tam-
bém foi uma personalidade de destaque na trajetória da ESSPE. Ainda
como aluna, desempenhou o cargo de monitoria, e após sua colação de
grau, tornou-se professora da disciplina Serviço Social de Família, dentre
outras. Ocupou o cargo de vice-diretora, em 1953, e de diretora em 1961
e 1971, ano de anexação da ESSPE à universidade Federal de Pernambuco
(SILVA, 2019a).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 197

Imagem 4 – Fotografia de Maria Hermina de Lyra (esquerda) e Evany


Gomes de Matos Mendonça (direita). Alunas da ESSPE nos anos 1940

Fonte: Padilha (2008, p. 173).

É a partir dessa nova composição, que Maria de Lourdes Almeida de


Morais, na função de diretora, relata as mudanças ocorridas na ESSPE:

Assim, a nossa Escola entrou em uma nova fase: contava, então, [...] com as
disposições de espírito que se renovam, mesmo continuando a enfrentar a falta
de recursos financeiros e deficiência numérica de pessoal. Então, de mãos
dadas, assim com Dr. Rodolfo fez com seus companheiros para a fundação
– nós, isto é, Dolores, Dr. Rodolfo, eu, alunos vindos dos primeiros tempos
– procuramos iniciar a “reforma” da Escola (MORAES, 1990, p. 17-18).

Essas foram as principais personagens do corpo discente e docente que


protagonizaram os esforços para a profissionalização no estado, colaborando
para o avanço da formação do Serviço Social em nível nacional. Visto que,
durante as constantes renovações curriculares, foram as alunas formadas ou
em formação que assumiram as disciplinas especificas da profissão, bem como
as monitorias, supervisões de estágios e círculos de estudos (SILVA, 2019a).

4. Considerações finais

O Serviço Social está envolvido num processo contraditório como pro-


fissão feminina, colocando-se como atividade subalterna, e, ao mesmo tempo,
impelindo as mulheres para o espaço público. Com isso, cria-se um desloca-
mento das formas tradicionais de participação feminina na sociedade, onde
o acesso ao trabalho se vincularia ao desempenho de seus tradicionais papéis
no espaço privado.
Isto é, a formação profissional do Serviço Social, por ter sido consti-
tuída historicamente como um espaço de atuação feminina, inclusive como
um complemento à vida familiar e doméstica, também se destaca como uma
possibilidade de profissionalização para as mulheres, ainda que vista como
um cumprimento do seu papel e imputada como uma responsabilidade para
198

a sociedade. Como aborda Cisne (2015), essa marca feminina presente na


história do Serviço Social não é endógena, mas resultante das relações que
estruturam a divisão sexual do trabalho, no bojo da qual, não apenas assistentes
sociais se inserem, mas todas as profissões consideradas femininas.
O perfil do grupo pioneiro do Serviço Social em Pernambuco foi cons-
tituído por mulheres brancas, em sua maioria de classe média, provindas de
escolas normais, atuantes no magistério, e que desempenhavam, anteriormente,
trabalhos sociais juntos às classes operárias. Filiadas à Ação Católica, algumas
delas faziam parte de famílias ricas do estado, como Maria Dolores Cruz. Foi
a partir desse grupo de mulheres que se conduziram as conexões necessárias
para o reconhecimento da formação profissional do Serviço Social no estado,
bem como a contribuição da institucionalização em âmbito nacional.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 199

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ção (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 1977.
SOBRE OS AUTORES

Adilson Aquino Silveira Júnior


Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal
de Pernambuco. Doutor e Mestre em Serviço Social da Universidade Federal
de Pernambuco. Trabalhou como Assistente Social da Prefeitura Municipal de
Fortaleza. Participou do Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social da
Universidade Estadual do Ceará. Coordena o projeto de extensão História e
Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970
(MEHSSPE). Desenvolve pesquisas e publicações com os temas Teoria Social,
Política Social, Fundamentos e História do Serviço Social. e-mail: j_r1987@
hotmail.com

Andresa Maria da Silva


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). e-mail:
andresasilva1203@gmail.com

Bruna Soares Farias


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). e-mail:
bsfarias@live.com

Camila Sobral Leite Lyra Montalvão


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do Programa de Educação Tutorial (PET) e do projeto
de extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as
décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Possui como temas de pesquisa a “ques-
tão urbana”, com ênfase no direito à moradia, e os fundamentos históricos
e teórico-metodológicos do Serviço Social. e-mail: camila.b58@gmail.com

Evelyne Medeiros Pereira


Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Serviço Social na Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atuação profissional e realização de
pesquisas sobre Trabalho, Questão Agrária, Lutas Sociais, Formação Social
Brasileira e Questão Regional. Membro da Associação dos Amigos da Escola
204

Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e da Coordenação do GTP Serviço


Social e Movimentos Sociais da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social (ABEPSS). e-mail: evelyne.mp2913@gmail.com

Fernanda Helen de Paula Lira


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE) e do
Programa Cultura de Paz da Universidade Federal de Pernambuco (PROPAZ/
UFPE), com a pesquisa Cultura de Paz: Na escola e Universidade, uma cons-
trução de relações mais humanas. e-mail: fhplira@gmail.com

Laura Sophie de Andrade Freire


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). e-mail:
laurasophie.cvc@gmail.com

Lenita Maria Maciel de Almeida


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE) e do
programa de extensão UFPE no meu quintal. Participa da pesquisa de iniciação
científica O Serviço Social no meio operário em Pernambuco nos anos 1950-
1960. e-mail: lenita.mma@gmail.com

Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva


Assistente Social e Mestra em Serviço Social (UFPE). Licenciada em História
(UFRPE). Especialista em Gênero e Políticas Públicas (UFPE). Integrante do
projeto de extensão Memória e História do Serviço Social em Pernambuco
entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Membro do Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre Gênero, Ciências e Culturas – HYPATIA (UFPE). Desen-
volve pesquisas que dialogam com as seguintes áreas: História do Serviço
Social em Pernambuco; formação profissional; Políticas Públicas; Mulheres;
Gênero. E-mail: pedrosa.angelica@gmail.com

Mariana Macena da Silva


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE) e do
Programa Cultura de Paz da Universidade Federal de Pernambuco (PROPAZ/
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 205

UFPE), com a pesquisa Cultura de Paz: Na escola e Universidade, uma cons-


trução de relações mais humanas. e-mail: macena3094@gmail.com

Rennan Araújo de Lima


Graduando do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). e-mail:
rennan-tenx@hotmail.com

Thalia de Oliveira Barbosa


Graduanda do curso Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Participa do projeto de extensão História e Memória do Serviço
Social em Pernambuco entre as décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE) e do
Programa Cultura de Paz da Universidade Federal de Pernambuco (PROPAZ/
UFPE), com a pesquisa Cultura de Paz: Na escola e Universidade, uma cons-
trução de relações mais humanas. e-mail: thalia-oliveira25@hotmail.com.

Zélia de Oliveira Gominho


Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Fede-
ral de Pernambuco (2011). Professora aposentada do Ensino Fundamental I da
Prefeitura do Recife, atualmente professora adjunta de História da Universi-
dade de Pernambuco (UPE). Experiência de pesquisa na área de História, com
ênfase em História do Brasil República, e em História do Recife. Membro do
Núcleo de Pesquisa e Estudo em Gênero – NUPEGE (UFRPE), e do Grupo
de Estudos Comparados: Literatura e interdisciplinaridade – GRUPEC (UPE).
SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)
Editora CRV - versão final do autor - Adilson Aquino Silveira Júnior - E-mail: j_r1987@hotmail.com

SERVIÇO SOCIAL
EM PERNAMBUCO
Adilson Aquino Silveira Júnior
primeiras décadas da formação
Professor Adjunto do Depar- e atuação profissional
tamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Este livro é resultado dos estudos e debates realizados pelo projeto de
Proibida a impressão e a comercialização

Pernambuco. Doutor e Mestre extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as
em Serviço Social da Univer- décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Vinculado ao Departamento de
sidade Federal de Pernam- Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, o projeto envolve
buco. Coordena o projeto de ações em três planos: organização e socialização do acervo histórico e de
extensão História e Memória
documentos do Serviço Social no estado; incentivo a estudos sobre as
do Serviço Social em Pernam-
dimensões e tendências da profissão; e divulgação de conhecimentos sobre
buco entre as décadas de 1940
essa história e memória. Em 2019, o MEHSSPE engajou parte de sua equipe
e 1970 (MEHSSPE). Realiza
pesquisas e publicações com na realização de estudos exploratórios sobre as particularidades do Serviço
os temas Teoria Social, Política Social em Pernambuco, considerando as características de seu desenvolvi-
Social, Fundamentos Teórico- mento entre as décadas de 1930 e 1960. Neste livro, seguem os artigos
Metodológicos e Históricos do produzidos nos estudos, abordando determinações da formação profissio-
Serviço Social. nal, dos espaços sócio-ocupacionais e das respostas do Serviço Social no
curso das referidas décadas. Esta publicação pretende fortalecer o trabalho
– já desenvolvido pelo MEHSSPE – de ampliação do acesso público à
produção científica, à memória e aos documentos da história do Serviço
Social e das políticas sociais em Pernambuco.

ISBN 978-65-86087-07-9

9 786586 087079

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