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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2020
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Diagramadores e Designers CRV
Editora CRV - versão final do autor - Adilson Aquino Silveira Júnior - E-mail: j_r1987@hotmail.com
Revisão: Analista de Línguas CRV
Se481
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-86087-19-2
ISBN Físico 978-65-86087-07-9
DOI 10.24824/978658608707.9
1. Serviço social 2. Serviço social – história e memória 3. Política social 4. Serviço social
– Pernambuco I. Silveira Júnior, Adilson Aquino. org. II. Título III. Série.
2020
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
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Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
APRESENTAÇÃO............................................................................................. 9
Adilson Aquino Silveira Júnior
CAPÍTULO 1
“EXISTIRMOS – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?”:
a questão regional e o Nordeste na formação social brasileira...................... 15
Evelyne Medeiros Pereira
CAPÍTULO 2
A PARTICULARIDADE DE PERNAMBUCO NO ESTADO NOVO:
transformações econômicas, questão social e lutas de classes..................... 33
Zélia de Oliveira Gominho
CAPÍTULO 3
CAPITALISMO, ESTADO E POLÍTICA SOCIAL NO
BRASIL DOS ANOS 1950............................................................................... 51
Adilson Aquino Silveira Júnior
CAPÍTULO 4
A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO
NOS ANOS 1940............................................................................................. 65
Adilson Aquino Silveira Júnior
CAPÍTULO 5
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO NOS
ANOS 1950: racionalização do ensino e
diversificação técnico-profissional................................................................... 93
Adilson Aquino Silveira Júnior
Lenita Maria Maciel de Almeida
Mariana Macena da Silva
CAPÍTULO 6
BASES DA RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM
PERNAMBUCO: afirmação da “abordagem comunitária”
entre 1940 e 1960......................................................................................... 121
Adilson Aquino Silveira Júnior
Lenita Maria Maciel de Almeida
CAPÍTULO 7
A POLÍTICA “CONTRA O MOCAMBO” E A EMERGÊNCIA DO
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO....................................................... 147
Bruna Soares Farias
Camila Sobral Leite Lyra Montalvão
CAPÍTULO 8
O SERVIÇO SOCIAL E A “QUESTÃO DO
MENOR” EM PERNAMBUCO (1940-1950):
história, memória e perspectivas................................................................... 167
Andresa Maria da Silva
Fernanda Helen de Paula Lira
Thalia de Oliveira Barbosa
CAPÍTULO 9
AS PRIMEIRAS ASSISTENTES SOCIAIS DE PERNAMBUCO E
O INÍCIO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
NO ESTADO (1940-1950)............................................................................. 185
Maria Angélica Pedrosa de Lima Silva
Laura Sophie de Andrade Freire
Rennan Araújo de Lima
REFERÊNCIAS
GOMES, Vilma Dourado de Matos Maia. A Escola de Serviço Social de
Pernambuco – 1940/1945 Políticas de ação e ações políticas. Recife, 1987.
114 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 1987.
1. Introdução
Em certa ocasião, um artista popular brasileiro, jovem que desce do Norte pra
cidade grande3, ao ser questionado sobre a qualidade de seu trabalho que, naquela
altura, já não trazia mais tanta “marca de nordestinidade”, elegantemente responde:
O que acontece é que o Sul do país [...] tem uma expectativa muito carac-
terizada a respeito do nordestino [e do Nordeste]. [...] Eu sempre pretendi
revelar um outro Nordeste no meu trabalho. Claro que você pretender revelar
um outro Nordeste quando a expectativa é dar continuidade a tudo aquilo
que tem sido feito nesse sentido, causa um choque enorme que pode muito
bem ser identificado com outra qualidade. Ou seja, com uma qualidade
menor [...]. Em nenhum momento eu acho que a música dos nordestinos
tenha perdido a sua qualidade [...]. Adquiriu uma outra qualidade que eu
jugo infinitamente melhor, maior do que aquela do começo. Os nordestinos
hoje conhecem muito bem os recursos técnicos da feitura do seu trabalho,
perderam completamente qualquer sentimento de atenção a expectativa
folclorizante a respeito deles. E pessoalmente eu quero dizer, a respeito do
meu trabalho, que eu não tenho sequer vontade artística de dar continuidade
aquilo que no Sul se chama “a cultura do Nordeste”, porque eu acho um
imenso passivo morto [...]. O meu trabalho pretende descobrir qual é a nova
cultura do Nordeste, como é que essa cultura nova pode, sinceramente, par-
ticipar do novo mundo, com um sentido de descoberta, de ação nova, mas
infinitamente superior ao que estava pensado no começo [...].4
2 Trecho retirado da música Cajuína do compositor e cantor baiano Caetano Veloso, do álbum Cinema Trans-
cendental, gravado e lançado em 1979 pela gravadora Verve.
3 Trecho retirado da música Fotografia 3x4 do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Alucinação,
gravado e lançado em 1976 pela gravadora PolyGram.
4 Entrevista do cantor Belchior concedida ao Programa Vox Populi, TV Cultura, em 1983. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TO9bMJP8-rw. Acesso em: 28 jan. 2020.
16
NINGUÉM É GENTE!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem:
CONHEÇO O MEU LUGAR!5
5 Trecho retirado da música Conheço meu lugar, do compositor e cantor cearense Belchior, do álbum Era uma
vez um homem e seu tempo, gravado e lançado em 1979 pela gravadora WEA.
6 Fazemos alusão ao poema de Patativa do Assaré intitulado Nordestino, sim. Nordestinado, não! (CAR-
VALHO, 2007).
18
vez mais privada das riquezas socialmente produzidas. Caso contrário, o padrão
de reprodução das relações sociais capitalistas estaria fadado ao colapso. Tais
desigualdades e contradições universalizaram-se mediante uma combinação
entre diversas configurações regionais. Nesse sentido, a região é “[...] produ-
to-produtora das dinâmicas concomitantes de globalização e fragmentação [...]
dos processos de diferenciação social” (HAESBAERT, 2010, p. 7).
No Brasil, alguns pensadores foram (e ainda são) fundamentais para
entender a natureza dessas desigualdades nas nuances de uma formação social
constituída através de um processo histórico-social que “vinculou o destino
da Nação emergente ao neocolonialismo” (FERNANDES, [1968] 2008, p.
24). Dentre outros intérpretes, priorizamos o diálogo com aqueles que nos
ajudaram a entender essa realidade e seus desdobramentos sobre o desenvolvi-
mento econômico regional fora do circuito de interpretações dualistas rígidas,
consonante com a lei do desenvolvimento desigual e combinado (Trotsky,
[1930] 1977). Lei esta que, segundo Florestan Fernandes ([1968] 2008, p. 65):
7 Portanto, “[...] os serviços realizados a base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos,
transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor,
‘mais-valia’ em síntese. Não é estranha a simbiose entre ‘moderna’ agricultura de frutas, hortaliças e outros
produtos de granja com o comércio ambulante? [...] Esses tipos de serviços, longe de serem excrescência e
apenas depósito do ‘exército industrial de reserva’, são adequados para o processo da acumulação global e
da expansão capitalista e, por seu lado, reforçam a tendência à concentração de renda” (OLIVEIRA, 2013,
p. 57-58). O circuito da dependência e o “círculo vicioso do subdesenvolvimento” explicitam que mais vale
empregadas domésticas recebendo baixíssimos salários, mulheres e homens realizando constantemente
o trabalho não pago necessário a sua reprodução em cidades intrafegáveis que um dispêndio de recursos
destinados a estruturas coletivas que não propiciam lucro suficiente com o rebaixamento da força de traba-
lho urbana que depende desses mesmos serviços abundantes e degradados, e boa parte dessa força de
trabalho não pode ao menos consumir tais serviços demandados.
20
8 A menor rotação de capital nos países centrais implica em uma maior rotação nos países dependentes tal
como uma menor composição orgânica do capital nos primeiros, demanda uma realização mais rápida da
mercadoria nos segundos. Ocorre que tais (des)compassos se reproduzem internamente aos próprios países,
integrando os territórios nacionais à divisão internacional (e inter-regional) do trabalho. Assim, “[...] a divisão
do trabalho em geral está relacionada diretamente à divisão territorial do trabalho, à especialização de certas
regiões na produção de um único artigo, às vezes de uma única variedade de um artigo e até de uma única
parte de um artigo. [...] A manufatura não cria apenas regiões completas, mas introduz a especialização no
interior mesmo dessas regiões”. Isto, porém, contraditoriamente, nos diz que “[...] a existência de matéria-prima
num dado local não é, de modo algum, obrigatória para a manufatura e dificilmente seria comum a ela, já que
a manufatura pressupõe relações comerciais já bastante amplas” (LÊNIN, 1982, p. 275-276).
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primeiras décadas da formação e atuação profissional 21
para financiamento das grandes empresas nacionais a uma taxa de juro favorecida ou subsidiada; c) política
externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias
e de capitais (DALLA COSTA, 2012); d) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda
agregada nos momentos de crise econômica e e) incremento do investimento estatal em infraestrutura.
[...] E por que empregar o prefixo ‘neo’? Porque as diferenças com o velho desenvolvimentismo do período
1930-1980 são significativas. O neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo da época do capitalismo
neoliberal” (BOITO JR., 2012, s/p).
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primeiras décadas da formação e atuação profissional 23
11 Vale destacar que existe um vasto enredo da vida real centrado em um conjunto de experiências de protestos e
lutas populares que não foram incorporadas nas “narrativas nacionais” com uma nítida intenção por parte dos
setores dominantes de isolá-las e pejorativamente associá-las ao fanatismo e banditismo. Isto é demonstrado
na importante obra de Rui Facó (1963, p. 15-16) ao fazer alusão e desconstruir a concepção hegemônica dos
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primeiras décadas da formação e atuação profissional 25
12 É importante ressaltar que, ao contrário de muitas análises críticas à experiência da SUDENE, ela não pode
ser resumida como uma “farsa”. A história dessa instituição foi marcada por ambiguidades e embates entre as
forças e aspirações populares e aquelas do grande capital monopolista que procuravam socorrer os interesses
das elites locais do “[...] velho Nordeste dos ‘coronéis’ e da burguesia açucareira, convocando as forças da
burguesia internacional-associada e do imperialismo para liquidar as classes populares” (OLIVEIRA, 1981, p.
15). Caso estas forças não tivessem ganho, certamente teríamos um outro Nordeste e um outro Brasil. De toda
forma, há que considerar a SUDENE como “um empreendimento de uma audácia inédita na história nacional”
(OLIVEIRA, 1981, p. 18) que de alguma forma enfrentou resistências, inclusive das “elites nordestinas temerosas
da perda de privilégios” que atacavam a figura de Celso Furtado e viam sua defesa à reforma agrária como
ameaçadora, abrindo margem para a subversão associada aos movimentos camponeses da época. (FUR-
TADO, 2009, p. 12).Mesmo com o teor progressista, com o objetivo de combater as desigualdades regionais
e com a diversidade de opiniões e concepções em disputa em torno da SUDENE, ela acaba tornando-se “[...]
um mecanismo de destruição acelerada da própria economia ‘regional’ nordestina, promovendo a expansão
capitalista no Nordeste via hegemonia da burguesia do Centro-Sul expressa na tendência das empresas ou
grupo de empresas que já são principais no Brasil serem principais no Nordeste” (OLIVEIRA, 1981, p. 113).
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primeiras décadas da formação e atuação profissional 27
4. Considerações finais
que a questão regional, tal como trabalhamos ao decorrer deste texto, não diz
respeito, em si, às diferenças naturalmente e geograficamente existentes entre
as regiões. O mesmo desenvolvimento que integra regiões, as tornam desiguais.
Segundo, a consideração permanente da dialética entre o universal e o
particular, o que faz com que tendências gerais capitalistas se reproduzam no
particular como uma “[...] iluminação universal em que atuam todas as cores, e às
quais modifica em sua particularidade [...] um éter especial, que determina o peso
específico de todas as coisas às quais põe em relevo” (MARX, 2008, p. 264). Em
outras palavras, “[...] no lugar da tradicional autossuficiência e do isolamento das
nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países.
E isso tanto na produção material quanto na intelectual”. Trata-se da condição de
existência e desenvolvimento do modo de produção capitalista: a universalização,
a expansão mundial do capital como tendência, o que torna possível a burguesia
criar um mundo “à sua imagem e semelhança” (MARX; ENGELS, [1848] 1998,
p. 11-12). Isto, porém, sob uma combinação dialética de desigualdades de ritmo e
intensidade entre nível das forças produtivas ou formas de reprodução do capital
e relações de produção presentes nos diferentes territórios e regiões. Assim:
usina, onde “seiscentas toneladas de cana entravam nas suas esteiras e oito-
centos sacos de açúcar saíam de suas turbinas”, convivia com a realidade dos
flagelos da seca. Realidade esta que passava cada vez mais a ter um contorno
de fenômeno social tão bem retratado no romance O Quinze de Raquel de
Queiroz, em 1930. O imperativo desse complexo incide sobre a divisão regional
do trabalho, a configuração do Estado brasileiro e suas formas predominantes
de enfrentamento a questão social na sua dimensão regional no contexto do
capitalismo monopolista.
Assim, ao contrário da aparência, as regiões são e estão em movimento. Há,
pois, por aqui, na história regional e nacional, vários “nordestes”. Nas palavras de
Manuel Correia de Andrade (1984, p. 53), em meio ao desequilíbrio planejado, o
Nordeste “[...] é muito mais um amálgama de regiões do que uma região”. Nessa
perspectiva, se, por um lado, o Nordeste é reserva de acumulação primitiva do
sistema global, também é, por outro lado, “[...] espaço onde se imbricam dialeti-
camente uma forma especial de reprodução do capital, e, por consequência uma
forma especial da luta de classes [...]” (OLIVEIRA, 1981, p. 79).
Como podemos perceber, a questão regional, que é nacional, assim como
a questão social, é insuprimível nos marcos da hegemonia capitalista, pois
trata-se de uma economia que “[...] articula estruturas arcaicas e modernas, na
qual essas últimas apresentam intenso crescimento ‘desordenado’ e se impõem
às primeiras como centros hegemônicos da economia nacional” (FERNANDES,
[1968] 2008, p. 79).
Não à toa que desde o Golpe de 2016 os vetores e números têm tomado
outro contorno, especialmente para o Nordeste. Frente a isso, lembramos da
sinalização feita por Coutinho (2011, p. 141-142) sobre como a crise da socie-
dade brasileira tem no Nordeste “cores mais vivas e intensas” em relação as
demais regiões do país, condenando os que “lutavam por uma nova comunidade
à solidão e à incompreensão”. E, ainda, enfatiza: “De certo modo, na medida em
que aí as contradições eram mais ‘clássicas’ (no sentido de Marx), o Nordeste
era a região mais típica do Brasil; a sua crise expressava, em toda a sua crueza,
a crise do conjunto do país”.
O que nos resta, diante dos elementos apresentados até então, é seguirmos
a nossa saga em recompor os fios que ligam o passado ao presente, consti-
tuindo a dialética arcaico-moderno, entre permanências e mudanças. Isso
implicará tecermos, ainda, nessa colcha de retalhos, os fios que constituíram (e
constituem) as “novidades” do nosso tempo. E é exatamente este tempo, desde
o chão onde pisamos, que nos motiva a retomarmos a pergunta que intitula o
presente artigo: “Existirmos – a que será que se destina?”. E, assim, o ponto
final encontra-se com o da partida dando mais um passo nesse caminho, cuja
busca é a medida, tal como cantava Sérgio Ricardo.13
13 Referência à música Ponto de Partida do cantor e compositor brasileiro Sérgio Ricardo, composta em 1974.
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REFERÊNCIAS
ANDRADE, Manuel Correia de. A questão regional: o caso do Nordeste bra-
sileiro. In: MARANHÃO, Silvio (org.). A questão Nordeste: estudos sobre
formação histórica, desenvolvimento e processos políticos e ideológicos. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 41-54.
REGO, José Lins do. Menino de Engenho. São Paulo: Ed. José Olympio,
[1932] 2012.
[...] lembrava que era útil, tanto aos trabalhadores como à coletividade,
assegurar o desenvolvimento harmonioso da família dos operários, e que
o melhor meio de preservá-los contra os perigos, seria facultar-lhes um
lar conveniente (MELO, 1940, p. 33).
O que se falava naquela época era em política, era a revolução, era a morte
de João Pessoa, que só depois de uns tempos pra cá é que a gente veio
saber por que foi, que não era aquilo que contavam [...]
Na Encruzilhada então o gazeteiro do trem perguntou, disse: “Menino, o
que é que você... De onde você veio?” Eu disse: “De Limoeiro”. Ele disse:
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 39
“Olhe, tá uma briga danada aí, tá ouvindo umas balas?” Eu disse: “Tô”,
“Mas, vamos ver se o trem chega até o Brum, estação do Brum”. “É pra
lá que eu vou, que minha mãe deve estar esperando”. Ele disse: “Tá não;
ela não pode estar esperando com essa revolução toda [...] (MONTENE-
GRO, 1989, p. 58-59).
17 Sobre a economia pernambucana nesse período vide: Singer (1974, p. 271-345), Perruci (1978, p. 117-139)
e Andrade (1986, p. 91-111).
40
Esse desejo de viver esse espírito burguês, esse elan de propriedade, o sen-
tido de uma vida sempre em ascensão, o gosto da casa, o sentimento cada
vez mais vivo do direito de propriedade, são as forças morais que estão
renovando a nossa paisagem social e humana (MAGALHÃES, 1985, 228).
chefes de família recenseados, cuja média de salário, mais outras rendas, era
de 154$000, a maioria, 7.778 pessoas, exerciam atividades domésticas, ou
seja: faxina, lavar, engomar, cozinhar, costurar etc. Na atividade doméstica é
flagrante o predomínio do gênero feminino.
Da mulher, nessa época, se esperava que ela zelasse pela educação das
crianças e pela harmonia familiar.19 O censo dos mocambos revelava a exis-
tência de 12.759 mulheres a mais do que homens moradores de mocambos
no Recife.20 E visando atender às necessidades específicas dessas mulheres,
a Liga Social Contra o Mocambo empreendeu a construção das vilas com
equipamentos de uso coletivo de acordo com a atividade profissional que
realizavam; assim, foram erguidas as vilas: das Lavadeiras, das Costureiras e
das Cozinheiras – as duas primeiras com financiamento do Governo do Estado
e a última custeada pelos Plantadores de Cana de Pernambuco.
A Liga Social Contra o Mocambo foi uma sociedade civil fundada, pelo
próprio Agamenon Magalhães, em 12 de julho de 1939. Ela congregava diver-
sos segmentos socioeconômicos e do governo estadual e municipal, além de
universitários, imprensa, classe artística e os próprios proletários, que forma-
vam comissões num verdadeiro mutirão para, segundo o artigo primeiro do
seu estatuto: “[...] promover a extinção desse tipo de moradia e a incentivar
a construção de casas populares, dotadas de condições higiênicas e de fácil
aquisição” (FOLHA DA MANHÃ, 21 jul. 1939).
O empresariado local era anualmente cobrado pelo próprio Agamenon
para contribuir monetariamente com a campanha. Os demais agiam na pro-
paganda, fazendo meetings (comícios), ajudando a captar recursos e terrenos;
conscientizando, ou melhor, convencendo a população da necessidade de
livrar o centro da cidade dos mocambos e de irem morar em bairros distantes
do centro. A maioria das vilas foram construídas com recursos das caixas de
aposentadorias e pensões de cada categoria profissional. Na verdade, a defasa-
gem habitacional não se limitava aos pobres, mas também era uma realidade
da classe média. Já as vilas de autônomos, ou seja, de categorias diversas
sem sindicato, eram bancadas com os recursos arrecadados pela Liga para
esse fim. O Estado proibiu a construção e reforma de mocambos, e oferecia
isenção de impostos e incentivos fiscais para o empresariado da construção
civil no sentido de estimular o retorno de investimentos para Pernambuco
no ramo das habitações populares; porque era costume desviar capitais do
estado para investir em regiões consideradas mais nobres do país, como Rio
de Janeiro e São Paulo. Mais tarde, a Liga Social Contra o Mucambo foi
19 “É pela mãe particularmente que se operará tal educação, pela mãe, verdadeiro multiplicador que agirá
sobre o meio familiar e as gerações de amanhã” (MARSAUD, 1937, p. 150).
20 Eram 45.838 homens e 58.597 mulheres maiores de 15 anos; 30.398 homens e 30.004 mulheres menores
de 15 anos (MELO, 1939, p. 25).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 43
21 As condições d e e começaram a ser exigidas com a Vila das Costureiras. Nessa ocasião, duas famílias,
num total de 35, foram afastadas por estarem tuberculosas. Quanto ao regime civil, foi observado que das
153 cozinheiras apenas 15 eram casadas no civil e no religioso, 19 no civil, 17 no religioso, 42 viúvas e o
restante abandonadas vivendo ou não com amante (RELATÓRIO da Liga, 1941, p. 09-10).
44
22 Em 1938, pelo Decreto-lei nº 525, foi “[...] instituída a organização social do Serviço Social enquanto
modalidade de serviço público, através do Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao ministério da
Educação e Saúde.” e “Pelo Decreto-lei n. 4830 de 15. 10. 1942, a LBA [Legião Brasileira de Assistência]
é reconhecida como órgão de colaboração com o Estado no tocante aos serviços de assistência social”
(MEDEIROS, 1995. p. 57-58).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 45
Todo cidadão tem o dever de trabalhar. Todo homem deve ser econômico
e espiritualmente útil. Quem não quiser trabalhar deve ser reeducado pelo
Estado nos estabelecimentos correcionais (MAGALHÃES, 1940).
23 Na época que abordei o SAPS em minha dissertação (GOMINHO, 1998), e até mesmo brevemente na tese
(GOMINHO, 2011), não havia trabalhos sobre esse órgão. Agora, já é possível encontrar alguns artigos e
anais da Associação Nacional de História (ANPUH), e até o livro de Evangelista (2014).
24 Em Orientação para as Administrações Municipais (Boletim, 1940), Agamenon esboça a intenção de criar
colônias ao redor das cidades (de granja, horticultura, criação), que serviriam como áreas de abastecimento
e ocupariam os “malandros, preguiçosos, inúteis” que perambulavam pelas ruas “sem nada fazer”.
46
eleitos. Então, tudo mudou; e a liberdade foi substituída pela tutela, devido
à dificuldade do novo governo em lidar com o dissenso, com os partidaris-
mos. O fascismo estava presente no governo e o endurecimento do regime
correspondia a essas influências. O Brasil mantinha, na época, boas relações
comerciais com a Alemanha, e culturalmente se percebia uma admiração
flagrante nos jornais e na literatura; no entanto, a guerra e os Estados Unidos
exigiram uma definição de Vargas, contudo, a neutralidade foi protelada ao
máximo; todavia, sob pressão interna e externa, o Brasil iniciou sua partici-
pação na guerra em 1942.
A guerra também serviu para fortalecer os ideais de patriotismo e fomen-
tar as atividades econômicas a título de “esforço de guerra”, assim como a
presença norte-americana em território brasileiro favoreceu novos hábitos e
interesses, particularmente no Recife e em Natal, onde foram instaladas as
bases militares dos aliados.
A Era Vargas, por sua vez, inaugurou uma relação diferenciada com as
camadas populares. Ocorreu uma inclusão controlada de setores organizados
no governo, os sindicatos estavam submetidos ao Estado, mas os veículos de
comunicação (jornais, rádio e noticiário nos cinemas) e os eventos públicos se
dirigiam direta e, especialmente, para o povo, que era identificado de maneira
valorativa como os “Trabalhadores do Brasil”. Essa atenção do Estado com
as camadas populares visava disciplinar os rumos da revolução; manifestar
empatia foi estratégia que muitos cientistas sociais avaliariam como uma
prática populista, todavia, atendia às expectativas imediatas dos proletários
do Brasil. Quando da redemocratização em 1945, o povo sentiu receio de
perder os direitos que havia conquistado, temia o retorno dos velhos políticos
de outrora, que agora se anunciavam como democráticos. O povo brasileiro
teve que reconquistar, ou melhor, construir sua autonomia política. Vargas
e Agamenon marcaram a história do Brasil e de Pernambuco, e, apesar das
prisões e truculências contra os adversários, e do fato que as casas construídas
foram insuficientes para a demanda, em 1950 voltaram ao poder pelo voto.
48
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste. Con-
tribuição ao Estudo da Questão Agrária no Nordeste. São Paulo: Atlas, 5.
ed., 1986.
1. Introdução
25 Para Fernandes (1975, p. 18), o “[...] traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele
organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem social, desde o controle da
natalidade, a comunicação de massa e o consumo de massa, até a educação, a transplantação maciça de
tecnologia ou de instituições sociais, a modernização da infra e da superestrutura, os expedientes financeiros
ou do capital, o eixo vital da política nacional etc.”
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 53
26 Mesmo o início dos trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em Santiago, no
ano de 1948, ocorre sob esse signo: marcada pela indiferença da maioria dos governos dos países latino-
-americanos e a hostilidade dos empresários e do governo dos EUA (IANNI, 1977).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 57
pode dizer que a Doutrina Truman e o Ponto Quatro fazem parte do mesmo
movimento histórico que produz a Missão Abbink e o Programa de Metas”
(IANNI, 1977, p. 143).
Na medida em que avançava a década, o surto industrializante, apoiado na
internacionalização da economia e na superexploração do trabalho, acumulou
dois amplos campos de conflitos políticos entre o proletariado e o campesinato,
de um lado, e a oligarquia fundiária e a burguesia industrial, de outro. De uma
parte, a densificação do proletariado industrial, atrelada a corrosão do poder
de compra do salário e o encarecimento do custo de vida, levou a tensões
grevistas e sindicais no ambiente urbano. Vieira (1983, p. 26) sinaliza para a
expressividade que adquirem os movimentos grevistas, inclusive com reper-
cussão nacional, a partir de 1953, em São Paulo e no Rio de Janeiro – donde a
emblemática greve de 400 mil operários no Estado de São Paulo, em outubro
de 1957.27 De outra parte, a mecanização do campo, com a perpetuação das
formas pré-capitalistas de exploração, ocasiona um acúmulo de tensão que
desponta com a força das Ligas Camponesas no Nordeste. Funcionando na
forma de associações de camponeses na luta pela terra e a Reforma Agrária,
as Ligas multiplicaram-se pelo Nordeste após meados de 1950, expandindo-se
também para Minas Gerais e Rio de Janeiro (PAGE, 1972).
No cenário latino-americano, principalmente no final da década, perce-
bem-se lutas anti-imperialistas e nacionalistas cuja expressão modelar foi a
Revolução Cubana. Fernandes (1976, p. 296-297) afirma que, em seguida a
crise de 1929, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, vários fatores con-
tribuíram para modificar substancialmente a relação das grandes corporações
com as economias periféricas: aquelas passavam a competir fortemente entre
si pelo controle da expansão induzida destas economias. No plano político,
surgiu uma impulsão fundamental aos processos de neocolonização típico
do capitalismo monopolista. O fim do conflito bélico encontrou um cenário
político numa evolução de tensões em vários continentes, dos quais os mais
cruciais foram a Revolução Iugoslava, o advento das democracias populares, a
Revolução Chinesa e a Revolução Cubana. Diz Fernandes (1976, p. 297) que
nessa situação, o controle da periferia passava a ser vital: “[...] não só porque
as economias centrais precisam de suas matérias primas e dos seus dinamismos
27 Braga (2012) indica que as reivindicações dos anos 1950 destacaram-se por suas pautas defensivas, foca-
das em aumentos salariais, pelo congelamento de preços dos meios de subsistência, por medidas contra
a carestia e o desemprego. Por outro lado, se fez sentir uma marcante presença da ação das bases, tanto
na organização quanto na sustentação dos movimentos grevistas. Diz Braga (2012, p. 80-81): “Começando
com a ‘Greve dos 300 mil’, de 26 de março de 1953, passando pela greve geral de 2 de setembro de 1954,
até chegarmos à ‘Greve dos 400 mil’, entre os dias 15 e 24 de outubro de 1957, uma combinação entre
luta contra a carestia e flagrante mobilização operária nas bases paralisou as fábricas, levando milhares
de trabalhadores aos comícios e às passeatas dos ‘direitos democráticos’, aumento geral dos salários,
aplicação do salário mínimo e congelamento de preços”.
58
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista.
São Paulo: Boitempo, 2012.
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasi-
liense, 1991.
1. Introdução
Esse texto aborda as características da emergência do Serviço Social em
Pernambuco. Parte da hipótese de que tal processo consome toda a década
de 1940. Disso resulta uma de suas particularidades: ele nasce dinamizado já por
alguns vetores que marcam o estágio de “erosão do Serviço Social ‘tradicional’
no Brasil” (NETTO, 2004, p. 136). As notas históricas que seguem enfocam os
aspectos que definem o caráter embrionário do Serviço Social em Pernambuco
nos anos 1940, segundo as variáveis relativas à formação e corpo profissional,
institucionalização e espaços ocupacionais. O material empírico que permitiu
a referida caracterização, e a formulação da hipótese diretriz aqui sustentada,
diz respeito aos documentos da antiga Escola de Serviço Social de Pernambuco
(ESSPE) e as monografias desenvolvidas pelas alunas dessa instituição entre os
anos 1940-1960, além das evidências informadas em pesquisas e artigos que
se debruçaram sobre essa realidade (BERNARDES, 2006; GOMES, 1987;
VIEIRA, 1992; PADILHA, 2008; UFPE, 1985). Apesar de desenvolvermos
apenas um esforço inicial de reconstrução historiográfica, a concepção de tota-
lidade da perspectiva marxiana preside a apreensão das tendências históricas
evidenciadas. As quais buscam ser particularizadas sob a luz das indicações
teórico-metodológicas fornecidas pela literatura do Serviço Social vinculada
à tradição marxista, em especial Abreu (2008), Iamamoto e Carvalho (2005),
Iamamoto (2004, 2006, 2010), Netto (2004, 2005, 1996).
Embora imbuído em fornecer elementos empíricos e hipóteses sobre uma
realidade regional, esse trabalho pretende ser um contributo na tarefa – ainda
por fazer – de elaboração de abordagens abrangentes, inclusivas, do Serviço
Social no Brasil – com suas tendências gerais, mas igualmente dinamizada
por aspectos de desenvolvimento desigual. Na literatura profissional, ainda
permanece o quadro sinalizado por Netto (2016, p. 56): “[...] carecemos [...] de
uma história (de histórias) do Serviço Social no Brasil que nos ofereça(m), com
rigor e precisão possíveis, o inteiro processo dos seus 80 anos que em 2016 se
comemoram”. Com efeito, o ponto de partida é o rico trabalho de Iamamoto
66
30 Apenas para apontar as mais citadas: Abreu (2008); Carvalho (1980), Iamamoto (2004, 2006, 2010); Iama-
moto e Carvalho (2005); Netto (2004, 2005, 1996).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 67
desde a própria área do Serviço Social (NETTO, 2013, 2004). Nesse texto, não
abordaremos a particularidade desses processos no Serviço Social em Pernam-
buco. Pretendemos apenas sinalizar para o fato de que alguns de seus aspectos
despontam ainda nos anos 1960, mas tão somente ganham consistência no
decorrer da década seguinte em diante.
Tal periodização não corresponde sincronicamente, por outro lado, àqueles
três momentos – que extraímos aqui de Netto (2004, p. 115-151) – do evolver
do Serviço Social na particularidade brasileira, ou seja: (1ª) o lapso onde pre-
dominam os traços que o enquadram no tradicionalismo (enquanto “Serviço
Social tradicional”32) – inscrito entre os anos de criação das primeiras Escolas e
meados da década de 1950; (2ª) o estágio de transição no qual o tradicionalismo
em erosão vai desabrochando por novas tendências – vigente, aproximadamente,
durante o segundo lustro dos anos 1950, até os primeiros momentos do ciclo
ditatorial; e (3ª) o intervalo decisivo da precipitação dessa erosão na forma que
tomou o “processo de renovação do Serviço Social”33 – cujo desfecho apenas foi
alcançado efetivamente no decorrer dos anos 1970 e início da década seguinte.
Dado que o desenlace da emergência do Serviço Social em Pernambuco não
acontece antes de encerrados os anos 1940, verificamos que este já nasce dina-
mizado por algumas características que marcam o estágio de transição. Ou seja,
quando o tradicionalismo encontra-se sendo problematizado por algumas variá-
veis e condicionamentos que fornecem suporte para o processo de renovação –
dentre essas variáveis, destacam-se: a erosão da influência católica, a afirmação
da hegemonia norte-americana, os traços germinais da profissionalização e um
esboço de diversificação das modalidades de intervenção. Ou, seguindo outra
abordagem, isso significa que o Serviço Social em Pernambuco não emerge
puramente constituído pelo conservadorismo característico do que Abreu (2008)
denomina de “perfil pedagógico da ‘ajuda’”.34 Ele desponta dinamizado também
32 Netto (2004, p. 117-118, nota) sugere entender o Serviço Social “tradicional” como “[...] ‘a prática empirista,
reiterativa, paliativa e burocratizada’ dos profissionais, parametrada ‘por uma ética liberal-burguesa’ e cuja
teleologia ‘consiste na correção – desde um ponto de vista funcionalista – de resultados psicossociais
considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista
e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado
factual ineliminável’”.
33 Para Netto (2004, p. 131), se entende por renovação “[...] o conjunto de características novas que, no
marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas
tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando
investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas
a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e
disciplinas sociais.”
34 Esse perfil pedagógico marca a constituição do Serviço Social, desde a sua institucionalização como profis-
são, nos Estados Unidos, na segunda década do século XX. Surge como o conteúdo do Serviço Social de
Caso, enquanto “ajuda psicossocial individualizada” que, na formulação de Mary Richmond, refere-se a um
tratamento prolongado e intensivo, centrado no desenvolvimento da personalidade, com vistas a capacitação
do indivíduo para o ajustamento ao mundo que o cerca. A “ajuda psicossocial individualizada” vincula-se
às estratégias de reforma moral e de reintegração social impostas pelas necessidades organizacionais e
70
tecnológicas, introduzidas com a linha de montagem nos moldes fordista e taylorista, em relação à formação
de um novo tipo de trabalhador (ABREU, 2008).
35 Trata-se de um redimensionamento da participação nas práticas pedagógicas controladoras e subalternizado-
ras do Serviço Social, constituindo-se na referência de inovação metodológica numa pretensa “perspectiva de
globalidade”. Nesses marcos, se afirmam os processos de mobilização e organização como desdobramentos
das propostas de Desenvolvimento de Comunidade (DC), que reitera as práticas educativas psicologizantes,
sob a influência da visão desenvolvimentista modernizadora (ABREU, 2008).
36 Sobre a movimentação operária em Pernambuco na primeira metade do século XX, é importante conferir o conjunto
das análises históricas apresentadas em Bezerra et al. (2011). Também Page (1972) fornece uma síntese do
quadro histórico das relações agrárias no Nordeste que condicionaram o surgimento das Ligas Camponesas.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 71
39 Sobre a natureza política geral da modernização conservadora operada com o chamado Estado Novo, seus
fundamentos econômico-sociais e das lutas de classes, e suas estratégias e políticas de controle e reprodução
da força de trabalho, consultar a síntese de Iamamoto e Carvalho (2005, p. 125-165). Sobre as particularidades
desses processos em Pernambuco, indicamos especialmente Gominho (1993, 1998, 2011).
40 Sobre esses movimentos católicos, ver Gominho (2011, p. 157-176) e Gomes (1987).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 73
41 Uma síntese das ações empreendidas pela Liga Social Contra o Mocambo e pelo SSCM pode ser encontrada
em Gominho (1993, 1998).
42 A ESSPE foi fundada em 1940, pelo Juiz de Direito Rodolfo Aureliano, sendo extinta e incorporada à Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1971. Consiste no terceiro estado a inaugurar uma Escola
de Serviço Social no Brasil, precedida pelas de São Paulo (a primeira criada em 1936) e a do Rio de Janeiro
(criada em 1937). Para a criação, seu fundador (e o grupo de apoiadores) contou com as orientações da
União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS). O grupo de juristas, médicos e padres, ligados
ao Juizado de Menores e ao Círculo Operário do Recife, fundador da ESSPE, inscrevia-se na ala mais
progressista da igreja (e mesmo leiga), com cariz humanista. Concomitante ao início do funcionamento,
ocorreu o intercâmbio de três alunas para o Instituto Social no Rio de Janeiro, a fim de se prepararem para
a profissão, e assumirem a ESSPE no seu retorno – foram elas Maria de Lourdes Almeida de Moraes, Maria
Dolores Cruz Coelho e Hebe Gonçalves.
74
43 Esse documento consiste numa apreciação detalhada do histórico, da regulamentação, da estrutura e das
atividades da Escola até 1955. Após a regulamentação do ensino em Serviço Social no Brasil (em 1953)
e da profissão (em 1954), a ESSPE encaminhou ao Ministro da Educação o pedido de reconhecimento,
que demandou esse relatório de uma comissão verificadora federal. O reconhecimento foi concedido pelo
decreto nº 39.009 de 11 de abril de 1956, do Presidente da República.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 75
44 Cotejamos as informações de alguns relatórios anuais da direção da Escola (dos anos 1946, 1947 e 1948),
comparando-os com o Anexo 1 – Evolução das inscrições ao concurso de habilitação, das mátriculas e da
diplomação – 1940 – 1969, do documento ESSPE (1969).
76
Diplomação Matrículas
120
100
80
60
40
29 27
24 24
19
20 16 14 15
10
6 7 8
1 1 1 1 3 3 1
0
1940 1945 1950 1955 1960 1965
46 O que se observa quanto à aplicação dos métodos é que, quanto menos base institucional disponível, menor
a viabilidade de aplicação do Serviço Social de Grupos ou de ações de Organização de Comunidade. Desse
modo, as experiências pioneiras, por não disporem de condições institucionais, estruturais, de pessoal etc.,
satisfatórias, acabaram restringindo-se à aplicação do Serviço Social de Casos, e ainda com uma reduzida
capacidade de atendimento.
47 Registros e análises sobre a experiência pioneira do Serviço Social em Pernambuco, junto ao movimento
circulista, podem ser encontrados em Andrade (1946), Gomes (1987), Ladim e Gomes (1985).
48 A Escola Ulisses Pernambucano (antes Escola Aires Lima, localizada na Av. João de Barros, n. 594, bairro
de Santo Amaro) foi criada pelo Governo do Estado em 1941. Assim são definidos seus objetivos, por Costa
(1949, p. 41): “A Escola Ulisses Pernambucano, é um externato misto para crianças, cujo grau de anor-
malidade psicopedagógico não admite acompanhar o regime de ensino comum, porém que, sob métodos
especiais podem ser educadas e reeducadas”. Ana Luiza Costa, uma das alunas da ESSPE, estagiou na
instituição entre 1942-1944, realizando tarefas de assistente social (associadas a função de professora
especializada) junto aos então chamados “menores anormais” (crianças com deficiência) e suas famílias,
utilizando técnicas do Serviço Social de Casos, referenciado pela concepção de “desajustamento”, e sub-
sidiado pela psicologia e psiquiatria. Porém, até 1949, inexistia um órgão do Serviço Social na instituição
(COSTA, 1949). A mesma autora assevera, embora sem informações mais detalhadas, ter sido convidada
a trabalhar na LBA, em 1942, após sua inserção no curso de Serviço Social (COSTA, 1949, p. 58).
49 Acerca da atuação nesse Departamento, apenas Oliveira (1950) indica algumas informações. Menciona
que duas alunas concluintes (é provável que da segunda metade dos anos 1940) ficaram encarregadas
do então extinto Departamento de Assistência Social da LBA. Recorda Oliveira (1950, p. 34): “Em nosso
meio tivemos duas alunas concluintes encarregadas do antigo Departamento de Assistência Social, que
movimentaram o serviço com a colaboração de senhoras e senhoritas de nossa sociedade. Procuravam
elas através de visitas domiciliares estudar os casos, e apresentavam relatórios às encarregadas do serviço
para diagnóstico, e indicação de tratamento. Mas, apesar de toda boa vontade daquelas que se dedicaram
a esses estudos, não se pode dizer que o trabalho foi realizado dentro da técnica. O espírito assistencialista
dominava dirigentes e dirigidos, e assim começou a Legião a surgir diante do público como uma Instituição
que distribuía gêneros, enxovais, remédios etc. Com o tempo esta mentalidade foi criando vulto em nosso
meio ambiente, e até novembro de 1949 todo nosso esforço e toda verba eram empregados na doação de
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 79
recursos para prover necessidades imediatas, dada a impossibilidade de educar e encaminhar famílias para
uma situação mais estável e menos humilhante”.
50 É sempre forçoso advertir que tais conclusões correspondem à aproximação a essa realidade permitida
pelo andamento da pesquisa. Até o momento, além dos espaços ocupacionais listados, alguns registros
sugerem a existência de assistentes sociais na Divisão de Tuberculose Divisão de Tuberculose, criada em
1948, integrando o Departamento de Saúde Pública do Estado (GUARANÁ, 1958).
80
51 Assim é descrito o conjunto das seções do Juizado, por Lira (1953, p. 8): Juízo, Delegacia de Menores,
Serviço Social, Serviço Médico e Agência de Colocações.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 81
52 Fundado em 7 de setembro de 1922, por uma associação de médicos, situado no bairro dos Alfitos, e
passando a ser subvencionado pelo governo de Pernambuco alguns anos depois, o primeiro Hospital do
estado abrigou, ao longo dos anos, algumas clínicas da Faculdade de Medicina, clínicas de pensionistas,
clínicas de contribuintes e Serviço Social Médico do Instituto Pensões dos Servidores do Estado de Per-
nambuco (IPSEP), sendo também um campo de trabalho prático da Escola de Enfermagem do Estado.
Mais precisamente, em 1938, com a criação do IPSEP, o Centenário passou a ser chamado de Hospital do
IPSEP, destinado a prestar assistência aos servidores do Estado. A Lei complementar que criou o Sistema
de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Estado de Pernambuco (SASSEPE) oficializou-o como
Hospital dos Servidores do Estado.
82
57 Uma síntese da relação entre esse ciclo industrializante no Nordeste, a atuação da SUDENE e as modifi-
cações da formação em Serviço Social na região é oferecida por Vieira (1992). O estudo de Oliveira (1981)
analisa essa captura do Nordeste pelo grande capital. E o relato de Page (1972) fornece uma interessante
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 85
Vale a pena referir, neste particular, a expansão do Serviço Social que vem
se efetuando até mesmo nas Universidades, como é o caso da experiên-
cia do CRUTAC (Centro Rural de Treinamento de Ação Comunitária),
iniciada no Rio Grande do Norte [...]. Também a ampliação do Serviço
Social ao nível da comunidade, nos hospitais universitários, se constitui
fonte de demanda profissional. Todavia, fora dos limites da Universidade,
os planos de desenvolvimento integrado, que os municípios de maior
relevo do Nordeste se aprestam a realizar, de acordo com programação
do Ministério do Interior, estão, necessariamente, ampliando a faixa de
atuação dos Assistentes Sociais, vinculados como são estes, pela sua pro-
fissão, ao desenvolvimento. As reformas administrativas em execução
contribuem, por sua vez, para alargar os horizontes profissionais, eis que se
vem revelando os Assistentes Sociais técnicos de grande valor na aplicação
de políticas e procedimentos da administração de pessoal [...]. Mas, não se
pode deixar de mencionar a demanda profissional, nos serviços de assis-
tência aos menores, como é o caso da Fundação Estadual de Bem-Estar do
Menor, que vem contratando os serviços de um bom número de Assistentes
Sociais; assim, também o INPS cujo órgão de pessoal em Pernambuco
tem recrutado profissionais até em outros Estados (ESSPE, 1969, p. 2).
[...] a saúde pública, que pode ser reforçada por esses profissionais com
vistas à recuperação dos enfermos; a educação, pela integração entre
escola, família e comunidade; no trabalho, como foi referido, sobretudo
no âmbito da administração de pessoal, concorrendo para o esclarecimento
das relações entre patrões e empregados e buscando a sua melhoria, além
de organizando e coordenando os programas de bem-estar dos emprega-
dos; nos planos de habitação, selecionando e educando os moradores das
novas residências, auxiliando-os na adaptação ao novo ambiente além
de colaborarem em outros serviços próprios de comunidade; na justiça
pesquisando antecedentes sociais, participando das questões envolvidas
no cumprimento de normas do Direito de Família, assistindo na reabilita-
ção de delinquentes etc.; nos programas de nutrição das escolas, em que
intervêm fatores sociais auxiliando, também, na disseminação de infor-
mações sobre dietética. Isto, sem falar nos programas de desenvolvimento
da comunidade, em que o Assistente Social além de exercer funções de
organização e educação pode realizar numerosos outros trabalhos de con-
teúdo social, variáveis em função dos objetivos fixados e das autoridades
que superintendem a execução do programa.
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a Organização da Cultura: Perfis
Pedagógicos da Prática Profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cor-
tez, 2004.
NETTO, José Paulo. Para uma história nova do Serviço Social no Brasil. In:
SILVA, Maria Liduina Oliveira e (org.). Serviço Social no Brasil: histórias
de resistências e de ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
p. 49-77.
1. Introdução
Esse estudo exploratório visou apreender as determinações que particu-
larizam o Serviço Social em Pernambuco nos anos 1950. Tal particularidade
foi abordada, sempre com caráter aproximativo, considerando as seguintes
dimensões: (I) as expressões da “questão social” em nível regional e seu pro-
cessamento através das políticas sociais pelo Estado; (II) as reconfigurações da
formação profissional, com vistas à sua racionalização e atualização através da
influência norte-americana; (III) a constituição dos espaços e demandas sócio-o-
cupacionais, e das respostas profissionais, suas transformações e tendências na
década. Nos anos 1950, tais dimensões inscrevem-se num estágio do desenvol-
vimento do Serviço Social – em nível regional e nacional – no qual se verifica
o progressivo processo de laicização, institucionalização e profissionalização,
sob a crescente influência do estrutural-funcionalismo norte-americano. As
três dimensões foram apropriadas por meio de dados primários e secundários
oriundos de fontes bibliográficas e documentais.
Do ponto de vista teórico, o estudo pode contribuir no avanço das pesquisas
sobre a história da profissão no estado. Inobstante a importância das investi-
gações existentes, verificamos ainda um pequeno número de iniciativas isola-
das, e debruçadas sobre dimensões e temporalidades parciais (GOMES, 1987;
PADILHA, 2008; VIEIRA, 1992). Do ponto de vista profissional, a investigação
histórica tem o potencial de fundamentar projetos de intervenção que, aproprian-
do-se eficazmente do passado, consigam ambicionar objetivos e alternativas de
atuação referenciados pela ruptura com o conservadorismo, tradicionalmente
perpetuado, usualmente sob novas formas e expressões.
O primeiro eixo, relativo às expressões da “questão social” e às políti-
cas sociais em Pernambuco, foi explorado através do estudo bibliográfico de
94
60 Pelos Relatórios Anuais da Direção da ESSPE, observa-se que menos da metade dos recursos da Escola
correspondiam às taxas escolares pagas pelas alunas. A maior parte dos recursos advinha de doações
diversas e das subvenções – e destas, as de maior peso eram as do Governo Federal e da LBA, em menor
medida do Governo Estadual e Municipal, em algumas ocasiões, do Departamento Nacional da Criança
(DNCr), da UNESCO e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
61 Em documento da ESSPE que apresenta a justificativa da supressão da arguição dos TCC’s, assim se coloca
o argumento: “[...] a supressão da argüição do trabalho de conclusão de curso corresponde a opinião da
98
maioria das Escolas de Serviço Social reunidas ultimamente em Salvador, por ocasião da VII Convenção
da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS). Igualmente, corresponde ao desejo dos
alunos manifestado no I Congresso Nacional de Estudantes de Serviço Social, realizado em Recife, em
fevereiro do corrente ano. Na realidade, a argüição não acrescenta em nada a experiência do aluno e o valor
do trabalho. Por outro lado, levando-se em conta a tensão nervosa muito comum nas pessoas submetidas a
provas orais, pode trazer para o aluno resultados pouco satisfatórios que não correspondem à sua própria
capacidade” (ESSPE, [1957 ou 1958]).
62 Sobre essa questão, um documento avulso da ESSPE registra que a motivação para a adoção desse procedimento
relacionava-se a execução do plano de estágio em equipe e com objetivos comuns e atividades correlatas.
63 Esse quadro geral de dificuldades, acumulado até os anos 1960, e que serviu de justificativa para encampar
o projeto de departamentalização, é esboçado em Sousa e Carmo (1965).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 99
64 Em notícia publicada em abril de 1956 sobre o reconhecimento da Escola pelo Jornal do Comércio, são
elencadas as instituições nas quais, naquela altura, estavam trabalhando as primeiras diplomadas. Assim
menciona a notícia: “Com efeito, muitos estão trabalhando nas seguintes instituições: IAPC, IAPB, IAPI,
Delegacia Regional do Departamento Nacional da Criança, Departamento Estadual da Criança, Comissão
Estadual da LBA, SESI, Fichário Central de Obras Sociais, Obras Sociais da Paróquia de Casa Amarela,
Bom Pastor, Divisão de Tuberculose, Diretoria de Educação e Cultura, Instituto Domingos Sávio, Sociedade
Pernambucana de Combate à Lepra e a Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR).”
(ESSPE, p. 30, [19--?]).
65 É sempre forçoso advertir que tais conclusões correspondem à aproximação a essa realidade permitida pelo
andamento da pesquisa. Até o momento, além dos espaços ocupacionais listados, alguns registros sugerem
a existência de assistentes sociais na Divisão de Tuberculose, criada em 1948, integrando o Departamento
de Saúde Pública do Estado (GUARANÁ, 1958).
100
3.5 Justiça
3.6 Educação
O final dos anos 1950 sinaliza para a abertura de uma área de interven-
ção ainda inexplorada, que iria abrigar algumas atuações do Serviço Social no
meio rural, com instituições e iniciativas voltadas para a Assistência Rural.
O acirramento das tensões políticas no campo, germinado com a degradação
social crescente de camponeses e proletários rurais, provocada pela mecani-
zação da agricultura e o alastramento do latifúndio, impeliu a intervenção de
68 O Instituto Domingos Sávio aparece também em alguns documentos e notícias como espaço de atuação do
Serviço Social nos anos 1950. A ausência de outros documentos com maiores detalhes não nos permitiu,
até o momento, identificar as características do Serviço Social nessa instituição.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 111
4. Considerações finais
O estudo indica duas tendências operantes na realidade do Serviço Social
em Pernambuco nos anos 1950: trata-se de um período em que se desencadeiam
a racionalização e tecnificação da formação profissional, ao mesmo tempo em
que se desenvolve uma expansão restrita e diversificação incipiente da inserção
ocupacional. Ambos fornecem o suporte para a germinação do processo de
profissionalização. O adensamento dos espaços ocupacionais e das áreas de
atuação contrasta com o caráter embrionário das possibilidades de intervenção
vigentes ao final da década de 1940.
Embora a consolidação do Serviço Social suponha a sua emergência, as
alternativas de intervenção presentes nesta última não correspondem – nem
qualitativa, nem quantitativamente – àquelas alcançadas quando da vigência
das tendências econômicas, políticas e estatais desabrochadas pelo metabolismo
capitalista das décadas seguintes. E os anos 1950 se mostram, nesse intervalo,
como uma fase de transição onde a profissionalização prepara o terreno para a
diversificação mais ampla que ocorre depois. Seu plano de fundo é a progressiva
afirmação dos processos de industrialização e intervenção estatal colocados pela
realidade dos monopólios crescente, donde se exige, ademais, respostas gover-
namentais ao acirramento das lutas de classe pelo proletariado urbano e rural.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 113
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Alma Lins de. Uma experiência focalizando aspectos
do método de organização social da comunidade no território Federal
de Fernando de Noronha. Recife, 1957. 102 f. Monografia (Graduação em
Serviço Social) – Escola de Serviço Social de Pernambuco, Recife, 1957.
ALMEIDA, Maria de Lurdes Eleutério Dias de. Serviço social médico junto
ao tuberculoso em ambiente hospitalar público. Recife, 1955. 65 f. Mono-
grafia (Graduação em Serviço Social) – Escola de Serviço Social de Pernam-
buco, Recife, 1955.
MELO, Jônia Lemos Sales de. Serviço social escolar – um dos fato-
res de influência na situação do problema da deserção na escola primária.
Recife, 1957. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Escola de Serviço
Social de Pernambuco, Recife, 1957.
MELO, Maria Lúcia Macedo. Dois Unidos, uma vila popular. Recife, 1960.
110 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Escola de Serviço Social
de Pernambuco, Recife, 1960.
MELO, Zita Pereira de. Análise avaliativa da situação médico social dos
pacientes – Analise avaliativa de situação médico-social dos pacientes egres-
sos dos hospitais de tuberculose. Recife, 1961. 82 f. Monografia (Graduação
em Serviço Social) – Escola de Serviço Social de Pernambuco, Recife, 1961.
1. Introdução
69 Embora esse texto não se proponha recuperar e inventariar os argumentos sobre a concepção de DC e
seu significado histórico, presentes da literatura crítica do Serviço Social e áreas afins, deve-se reconhecer
a contribuição que eles tiveram para subsidiar a exploração da realidade regional que delimitamos.
122
73 Antes da criação da Escola, o ensino de Serviço Social já havia iniciado, a partir de um curso oferecido
nas dependências do Juizado de Menores de Pernambuco, em setembro de 1938, sob direção do próprio
Rodolfo Aureliano. Em 30 de janeiro de 1941, a Escola é reconhecida pelo interventor Agamenon Magalhães,
o que a habilitou a receber subvenções do Estado. Após a regulamentação do ensino em Serviço Social, a
ESSPE encaminhou ao Ministro da Educação o pedido de reconhecimento, que foi concedido pelo Decreto
nº 39.009, de 11 abr. 1956, do Presidente da República.
74 Sobre as Escolas de Serviço Social no Nordeste, seus vínculos com a Igreja, e suas mudanças, entre
1940-1970, consultar quadro de Vieira (1992, p. 200).
75 Em abril de 1942, matricularam-se no Instituto Social do Rio de Janeiro Maria de Lourdes Almeida de
Morais e Maria Dolores Cruz Coelho. A primeira, havendo concluído seu curso em dezembro de 1943, com
a apresentação de um trabalho sobre Escola de Serviço Social – seus princípios e meios de traçar os seus
fins. Retornou a Recife em fevereiro de 1944, tendo sido nomeada, nessa ocasião, diretora da Escola. Em
1945, quando a Escola muda-se para a nova sede, adquirida através de donativo da Legião Brasileira da
Assistência (LBA), Maria Dolores conclui seu curso no Instituto Social com a apresentação de um trabalho
sobre Métodos de Pesquisa em Serviço Social, regressando à Escola a fim de se ocupar da supervisão dos
trabalhos práticos dos alunos. Após 1948, também retorna do Rio de Janeiro Hebe Gonçalves, assumindo
o ensino de Organização Social da Comunidade, de Serviço Social de Grupo e de Serviço Social Médico,
além da supervisão de estágio de numerosos alunos.
126
nas décadas seguintes dar-se-ia pela via do currículo pleno. A ESSPE– que
havia antecipado a adoção de alguns componentes – assume, já em 1953,
esse novo currículo, embora garantindo a formação doutrinária, através das
disciplinas de Religião, Doutrina Social, e de um Seminário de Formação
com caráter de monitoramento moral-pedagógico (VIEIRA, 1992, p. 147).
Acrescente-se que outras disciplinas, após 1953, complementavam os temas da
cadeira de Organização Social de Comunidade, como a de Educação Popular,
Cooperativismo, Sindicalismo, as quais guardavam afinidade com outras como
Movimento de Educação de Base, Movimento de Cultura Popular e Serviço
Social Rural. Essas incorporações acompanham a movimentação política da
época. Além das preocupações dominantes ao nível político, as mudanças no
plano do curso atendem ao discurso tecnocrático no segundo lustro de 1960;
por exemplo, com a inclusão das disciplinas Administração em Serviço Social
e Desenvolvimento e Serviço Social, em 1967.76
76 Sobre algumas oscilações do currículo, que acompanham o clima político, interessante observar como a
disciplina de Economia Social, entre 1966-1967, chegou a abordar a questão do desenvolvimento capitalista,
referenciando-se em Marx e Engels, na apostila de Desenvolvimento Econômico Social. Algo que precisou
ser alterado no ano seguinte, direcionando-se para o estudo da macro e micro economia (VIERIA, 1992, p.
154). Já durante a década de 1970, a Escola retirou matérias com um cunho mais politizado, como Educação
Popular e Sindicalismo, posto o acirramento do controle ideológico ditatorial e a maior inclinação para o
funcionalismo norte-americano. Para conhecer todas as transformações nos componentes, a demanda de
alunos e as diplomações, ver Vieira (1992, p. 156, p. 163-164).
77 Em Mota (2019) encontramos uma boa síntese da relação entre a movimentação das forças políticas e
estatais no Nordeste e algumas transformações no Serviço Social que apontam para seu processo de
renovação na particularidade regional.
128
78 Além de ter enviado delegação a esse 1ª Congresso Pan-americano, a ESSPE esteve presente também no
2º Congresso Pan-americano de Serviço Social, ocorrido no Rio de Janeiro, em julho de 1949, assim como
em vários outros com clara influência norte-americana. A ESSPE participava sistematicamente dos eventos
da UCISS, das Convenções da ABESS, dos Congressos Pan-americanos, além de eventos da Organização
das Nações Unidas (ONU) e das Dioceses.
79 Em uma das resoluções do 1° Congresso é decidida a criação da ABESS. Na resolução se dizia que “[...]
deveria ser criada uma associação que permitisse a troca de ideias e experiências entre as assistentes
sociais e assegurasse o progresso do ensino do Serviço social em cada país... A ABESS organizou seus
estatutos com algumas exigências mínimas para a filiação das escolas existentes, e das que viessem a ser
criadas” (VIEIRA, 1992, p. 179).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 129
80 Um interessante testemunho ficou registrado no Trabalho de Conclusão de Curso de Zaira Ary, intitulado Uma
Experiência de Educação Popular: Centro de Cultura Dona Olegarina. O trabalho foi desenvolvido durante
um ano (novembro de 1961 a novembro de 1962) e teve a supervisão de Maria Dolores Cruz Coelho.
81 Parece não ter se aplacado de modo intenso as medidas punitivas na ditadura sobre o corpo discente e
docente da Escola. Apenas poucos professores tiveram que se afastar do ensino ou sair do país, posto suas
130
83 Netto (2005) alerta que muitos núcleos temáticos que serão desenvolvidos e aprofundados na vertente
modernizadora de renovação do Serviço Social no Brasil já afloram com nitidez no I Seminário Regional
Latino-Americano de Serviço Social, realizado em Porto Alegre, em maio de 1965.
134
84 Referimo-nos à monografia da primeira concluinte da ESSPE, Maria da Glória de Andrade Lima, intitulada
Uma experiência de Serviço Social junto aos Círculos Operários, datada de 1946. Uma análise desse
trabalho pode ser encontrada em Gomes (1987).
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 135
86 Existem alguns germes de trabalhos na esfera comunitária, por exemplo, no bojo do Instituto de Aposentadorias
e Pensões dos Comerciários (IAPC), quando o Serviço Social desenvolveu ações no Conjunto Residencial de
Casa Amarela, de propriedade desse Instituto. Embora basicamente sustentadas no Serviço Social de Grupos,
essas ações apontavam para a contribuição para o “desenvolvimento do espírito comunitário” (ANDRADE;
ALMEIDA, 1985, p. 30). Após a unificação dos Institutos, em 1967, a linha comunitária era concretizada com
a criação de Centros de Orientação e Assistência para a Comunidade. Em Recife, são exemplos desses
trabalhos: a reformulação do Centro Social de Casa Amarela (onde foram atingidos também Vasco da Gama
e Córrego do Genipapo), a criação dos Núcleos Comunitários do Sítio Bevenuto e Ponte dos Carvalhos (no
município de Cabo de Santo Agostinho), e a implantação de um Cadastro de Recursos Comunitários. As ações
desenvolvidas pelo Serviço Social do Serviço Social do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) na linha
comunitária foram suspensas por determinações da própria instituição em 1970.
138
87 Essa periodização é ratificada na entrevista concedida por Anita Aline de Albuquerque Costa (ex-aluna da
ESSPE e ex-professora da instituição) ao Projeto Memória da Escola de Serviço Social de Pernambuco
(PADILHA, 2008, p. 291).
140
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a Organização da Cultura: Perfis
Pedagógicos da Prática Profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Bra-
siliense, 1991.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cor-
tez, 2004.
1. Introdução
91 “A política de construção de casas e erradicação dos mocambos por parte do Estado inspirava-se nas
Vilas Operárias de Camaragibe, Paulista, Macaxeira e Torre, criadas no final do século passado e nas
primeiras décadas do século XX. Essa política continha uma forte conotação corporativista e populista. A
ocupação das casas ocorria por categorias profissionais, quando construídas em convênio com os institutos
de aposentadoria e pensões (Vilas dos Comerciários, Bancários etc.), mas principalmente foram criadas
vilas corporativas de segmentos profissionais não organizados como contínuos, lavadeiras, cozinheiras,
etc.” (CÉZAR; COSTA, 1992, p. 17).
92 Participavam da Liga Social: secretariado do governo, usineiros, industriais, setores da Igreja Católica.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 155
93 Em outra matéria do mesmo jornal, reafirmando a importância da criação da ESSPE, Agamenon Magalhães
escreve: “Os serviços sociais não se improvisam. Precisamos de técnicos, planos e execução sistemática.
Se conseguimos despertar no Estado um grande interesse por aqueles serviços, o nosso esforço seria
incompleto se não estimulássemos as vocações e a formação de técnicos. Rodolfo Aureliano, juiz de menores,
um dos homens que mais ação social têm desenvolvido no Estado, fundou uma Escola de Serviços Sociais,
que precisa ser ajudada pelo poder público e associações de classe. Essa escola é uma necessidade, que
se está fazendo sentir cada vez mais” (FOLHA DA MANHÃ, 1943, p. 3).
156
[...] Melo (1960) informa que, até 1960, o Serviço Social Contra o
Mocambo (SSCM) contava com duas assistentes sociais (uma delas con-
cluinte) trabalhando na Secção de Assistência à Família Operária (SAFO)
do Departamento de Reeducação e Assistência Social (DRAS). O orga-
nograma do SSCM mostra que a SAFO estava incluída em Centros Ope-
rários Católicos de 12 bairros do Recife na época. Apenas no início dos
anos 1960, se verifica uma experiência buscando a aplicação dos métodos
de Desenvolvimento e Organização de Comunidade (MELO, 1960); antes
disso, a atuação do Serviço Social reduzia-se ao trabalho assistencial ime-
diato com as famílias. O trabalho das assistentes sociais aparece ligado
aos procedimentos de concessão das casas entre as famílias. No início
dos anos 1960, Melo (1960) aponta a necessidade de projetos educativos
para o desenvolvimento comunitário no SSCM, como a Educação de
Adultos, referenciando-se, por outro lado, na perspectiva cristã para o
Serviço Social.
pela CIP, e tinha então uma população de 4000 habitantes. Nos arredores da
Vila, 263 casas, aproximadamente, eram alugadas por iniciativa privada a
famílias de operários, pois não havia casas da CIP em número suficiente para
atender a todos que se candidatavam.
Na distribuição das casas eram realizadas as visitas domiciliares para
que se pudesse conferir quais eram os casos mais urgentes. Collier (1955)
avalia que o serviço encontrava-se mal organizado, mas a responsabilidade
foi assumida pelas assistentes sociais por três principais motivos:
94 No mesmo bairro, há um relato de experiência na Paróquia do Bom Jesus do Arraial (DUARTE, 1957) na qual
foi discutida e implementada a criação de um Serviço de Informação (S.I.). Segundo a autora, através deste,
os habitantes do bairro recebiam informações gratuitas, dentre as quais são citadas questões relacionadas
à habitação. Em uma pesquisa realizada pela autora com 950 famílias que residiam no bairro, constatou-se
que 54,5% moravam em casas alugadas. A já citada falta de saneamento básico adequado também era um
problema no local, sendo consideradas 50% das habitações “em péssimas condições de higiene” (DUARTE,
1957, p. 20). Cabe trazer, nesse contexto, o contraponto da experiência de Araújo (1959): esta afirma que
no Núcleo Aníbal Cardoso, no bairro da Torre, local onde realizou estágio, houve privilégio em relação
aos outros Núcleos, não somente na questão de apoio financeiro, mas também, consequentemente, nas
condições de habitação.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 161
5. Considerações finais
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Maria Amália Loureiro de. Serviço social de grupo a adolescen-
tes de um bairro operário. Recife, 1959. 142 f. Monografia (Graduação em
Serviço Social) – Escola de Serviço Social de Pernambuco, Recife, 1959.
CÉZAR, Maria do Céu; COSTA, Lia Parente. Lutas populares por habi-
tação: mocambos, cortiços e vilas operárias em Recife e São Paulo. Recife:
FASE, 1992.
LIRA, José Tavares Correia de. O Urbanismo e seu outro: raça, cultura e
cidade no Brasil (1920-1945). Revista Brasileira de Estudos Urbanos e
Regionais. ANPUR, n. 1, 1999.
MELO, Maria Lúcia Macedo. Dois Unidos, uma vila popular. Recife, 1960.
110 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Escola de Serviço Social
de Pernambuco, Recife, 1960.
SILVEIRA Jr., Adilson Aquino; ALMEIDA, Lenita Maria Maciel de. Notas
sobre o Serviço Social em Pernambuco entre 1940-1960: desenvolvimento
de comunidade e atualização profissional. 7º Encontro do Curso Serviço Social
em Pernambuco entre 1940-1970, 7 out. 2019. Disponível em: https://mehsspe.
wixsite.com/projeto/biblioteca. Acesso em: 13 out. 2019.
1. Introdução
95 Durante o texto, iremos tratar sobre a “questão do menor” como forma de fazer referência à situação social
histórica que envolve, por um lado, o aviltamento das condições de vida das crianças e adolescentes vinculados
à classe trabalhadora; por outro, a construção de uma ideologia dominante sustentada em uma perspectiva
conservadora, moralizante, que responsabiliza os próprios explorados e suas famílias por suas condições de
vida. Portanto, trata-se de uma abordagem e concepção de criança e adolescente sustentada por parâmetros
como o antigo Código de Menores, destoando profundamente da perspectiva de criança e adolescente como
sujeitos de direitos, que fundamenta, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
168
a fragilidade das famílias e da ação social tornava exposto esse estrato social a
todos os “males das ruas”, levando-os a um estado de potencial periculosidade,
de maneira que comprometeria a reprodução da força de trabalho necessária
aos processos econômicos em curso (FALEIROS, 1999; DEL PRIORE, 1999).
Construímos nossa exposição em dois grandes eixos. O primeiro abordará
a concepção predominante sobre a “questão do menor” que orientava as ações
relativas à antiga Escola de Serviço Social em Pernambuco (ESSPE). Ou seja,
o enfoque do estudo, nesta parte, será a configuração da gênese da profissão
no estado, e os elos que a vincularão à problemática social que envolve dire-
tamente crianças e adolescentes pertencentes às famílias de trabalhadores.
O segundo item se deterá nas principais respostas do Estado, sob a inter-
mediação de personagens pioneiros do Serviço Social em Pernambuco, nos
campos de atuação direcionados à “questão do menor” nas décadas de 1940
e 1950. Essas respostas vinculam-se às ações oficializadas a partir da Lei n.
2.947, de 24 dez. 1935 (BRASIL, 1935), que regulamentava a proteção e assis-
tência às crianças e adolescentes. Na realidade pernambucana, o investimento
para materializar tal esfera de intervenção estatal era impulsionado pelo grande
peso da “questão do menor” associada à crise da produção açucareira e ao con-
sequente rebaixamento das condições de habitação e saneamento da população,
evidenciado pela pesquisa da Comissão Censitária dos Mocambos de Recife e
a III Semana de Ação Social, realizadas em 1939. Isto influenciou diretamente
a fundação da Escola de Serviço Social em Pernambuco, no ano seguinte.
Assim, dentre as várias contradições sociais germinadas nas décadas de 1940-
1950, encontra-se o agravamento da situação social de centenas de crianças e ado-
lescentes advindos dos setores explorados e oprimidos do proletariado. Situação
essa expressa por rotinas de trabalho exaustivas, abandono escolar e alta taxa de
mortalidade infantil, fenômenos em torno dos quais se direcionou a atuação das
primeiras escolas de Serviço Social no país (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014;
FALEIROS, 1999). Em Pernambuco não foi diferente, apesar das particularida-
des a partir das quais tais contradições encarnam na realidade regional. Para tal
análise, foi necessário o aporte um acervo de livros, dissertações, teses e trabalhos
de conclusão de curso, a exemplo de Gominho (2011, 1998, 1993), Melo (1978),
Pandolfi (1984), Rocha (1989) e Vieira (1992). É, portanto, sobre este subsídio
que o desenvolvimento do nosso estudo se baseia.
96 Percebe-se que o currículo apresentado para esse curso de Serviço Social não denota muitos traços da
influência da Igreja Católica, ou nuances doutrinárias, mesmo considerando a condução das aulas por
quadros oficiais ou laicos católicos.
SERVIÇO SOCIAL EM PERNAMBUCO:
primeiras décadas da formação e atuação profissional 173
O serviço social tem por objetivo a utilização das obras mantidas quer pelos
poderes públicos quer pelas entidades privadas para o fim de diminuir ou
suprimir as deficiências ou sofrimentos causados pela pobreza ou pela miséria
ou oriundas de qualquer outra forma do desajustamento social e de reconduzir
tanto o indivíduo como a família, na medida do possível, a um nível satisfa-
tório de existência no meio em que habitam (BRASIL, 1938).
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto – Lei n. 525, de 01 de julho de 1938. Institui o Conselho
Nacional de Serviço Social e fixa as bases da organização do serviço social
em todo o país. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1938. Disponível
em:<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-
-525-1-julho-1938-358399-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 17
jan. 2020.
1. Introdução
99 Para Saffioti (2004), o conceito de patriarcado representa um tipo de hierarquia de relação que está presente
em todos os espaços sociais e que é uma relação civil e não privada. O patriarcado concede direitos sexuais
aos homens sobre as mulheres, possui uma base material e corporifica-se. Além disso, diz respeito a uma
estrutura de poder que tem por base a ideologia e a violência.
188
dessa memória se torna valioso, não só para entendermos como tal profissão
se estabeleceu, mas também, e, principalmente, valorizar o árduo trabalho
dessas mulheres.
[...] podemos perceber que a Ação Católica [com seus cursos, obras e
instituições] foi se configurando em um campo social de composição de
mulheres de classes abastadas da burguesia, dando-lhes uma função social,
para elas que antes apenas ocupavam um lugar de passividade no espaço
privado, e começaram a integrar grupos cristãos com projetos coletivos,
como formadoras e doutrinadoras de ações sociais (SILVA, 2019a, p. 56).
intuito de, após o regresso das jovens formadas, ocorrido em 1935, pudessem
instituir no Brasil um curso em Serviço Social. Maria Kiehl e Albertina Ferreira
Ramos tornaram-se as primeiras assistentes sociais a atuar no corpo docente
da Escola de Serviço Social de São Paulo (ROY, 1983; YASBEK, 1977).
A primeira turma que ingressou nesse curso de Serviço Social se diplo-
mou em dois anos, em 19 de março de 1938, tendo como ressalva a “necessi-
dade de se apressar a diplomação de pessoal técnico”, já que o curso regular
era, a princípio, de três anos. Foram 14 alunas que se submeteram a arguição
sobre os Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados às variadas ban-
cas examinadoras (LIMA, 1982, p. 51), tornando-se as primeiras assistentes
sociais formadas no Brasil.
Helena Iracy Junqueira101, discente da turma de abertura, afirma que “[...]
a primeira turma de diplomadas pela Escola de São Paulo, a primeira do Brasil,
dentre 14 concluintes, apenas duas pertenciam à classe abastada, proporção
mantida ou talvez superada nos anos seguintes” (JUNQUEIRA, 1980, p. 2).
A posição das mulheres da elite burguesa estava na composição do grupo
de vanguarda do apostolado laico, que trilhou o caminho para a ação social,
resultando no trajeto do Serviço Social brasileiro. Portanto, pode-se perceber
que o perfil das assistentes sociais formadas era prevalecente da classe média,
que concomitantemente estava em busca de uma profissão remunerada, como
também na satisfação de atuar na ação social católica (SILVA, 2019a).
No ano de 1937, o Rio de Janeiro se torna o segundo estado a consti-
tuir uma Escola de Serviço Social, o denominado de Instituto de Educação
Familiar e Social, integrando duas iniciativas: os cursos de Serviço Social
e de Educação Familiar, respaldados pelo Grupo de Ação Social (GAS). O
processo constitutivo do Serviço Social nesse estado ocorreu segundo diver-
sas variantes, pois aí se centralizavam muitas repartições públicas, sob cuja
demanda lhe profissionalizou, considerando a aparelhagem da capital federal
(CASTRO, 2003). Percebe-se que o desenvolvimento da aparelhagem de
instituições sociais despertava uma demanda profissional progressivamente
mais exigente em termos de qualificação acadêmica, religiosa e técnica.
A primeira turma da Escola do Rio de Janeiro obteve 27 alunas matricu-
ladas, mas somente quatro concluíram o curso no período regular, em 1940.
Margarida Motta, Maria Josephina Rabello Albano, Maria Luísa Fontes Fer-
reira e Irene Tavares de Sá foram os nomes das primeiras assistentes sociais
da capital do Brasil.
A década de 1940, por sua vez, é marcada pela criação de outras onze
unidades de ensino, possibilitando a germinação do Serviço Social pela maioria
das regiões: para o Nordeste, com as Escolas de Recife e Salvador, o Norte,
101 Helena Junqueira se tornou uma das primeiras assistentes social do Brasil. Foi a segunda diretora da Escola
de Serviço Social de São Paulo (1940-1953) e atuou como docente da Escola até o ano de 1963.
192
102 Conforme o pensamento de Maria de Lourdes Moraes, segunda diretora da ESSPE, o Juiz Rodolfo Aureliano
foi o primeiro juiz de menores do estado a ter um olhar mais aprofundado sobre a miséria, causadora de
inúmeros problemas de ordem física, psíquica, social, moral, e assim, ocasionando muitas repercussões
sobre a sociedade pernambucana da época (SILVA, 2019b, p. 40).
194
Assim, a nossa Escola entrou em uma nova fase: contava, então, [...] com as
disposições de espírito que se renovam, mesmo continuando a enfrentar a falta
de recursos financeiros e deficiência numérica de pessoal. Então, de mãos
dadas, assim com Dr. Rodolfo fez com seus companheiros para a fundação
– nós, isto é, Dolores, Dr. Rodolfo, eu, alunos vindos dos primeiros tempos
– procuramos iniciar a “reforma” da Escola (MORAES, 1990, p. 17-18).
4. Considerações finais
REFERÊNCIAS
CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina.
6. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
NETTO, José Paulo. Para uma história nova do Serviço Social no Brasil. In:
SILVA, Maria Liduina Oliveira e (org.). Serviço Social no Brasil: histórias
de resistências e de ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
p. 49-77.
ROY, Maria Tereza. Entrevista com D. Odila Cintra Ferreira. Serviço Social
& Sociedade. Ano IV, n. 12, p. 109-139, ago. 1983.
SERVIÇO SOCIAL
EM PERNAMBUCO
Adilson Aquino Silveira Júnior
primeiras décadas da formação
Professor Adjunto do Depar- e atuação profissional
tamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Este livro é resultado dos estudos e debates realizados pelo projeto de
Proibida a impressão e a comercialização
Pernambuco. Doutor e Mestre extensão História e Memória do Serviço Social em Pernambuco entre as
em Serviço Social da Univer- décadas de 1940 e 1970 (MEHSSPE). Vinculado ao Departamento de
sidade Federal de Pernam- Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, o projeto envolve
buco. Coordena o projeto de ações em três planos: organização e socialização do acervo histórico e de
extensão História e Memória
documentos do Serviço Social no estado; incentivo a estudos sobre as
do Serviço Social em Pernam-
dimensões e tendências da profissão; e divulgação de conhecimentos sobre
buco entre as décadas de 1940
essa história e memória. Em 2019, o MEHSSPE engajou parte de sua equipe
e 1970 (MEHSSPE). Realiza
pesquisas e publicações com na realização de estudos exploratórios sobre as particularidades do Serviço
os temas Teoria Social, Política Social em Pernambuco, considerando as características de seu desenvolvi-
Social, Fundamentos Teórico- mento entre as décadas de 1930 e 1960. Neste livro, seguem os artigos
Metodológicos e Históricos do produzidos nos estudos, abordando determinações da formação profissio-
Serviço Social. nal, dos espaços sócio-ocupacionais e das respostas do Serviço Social no
curso das referidas décadas. Esta publicação pretende fortalecer o trabalho
– já desenvolvido pelo MEHSSPE – de ampliação do acesso público à
produção científica, à memória e aos documentos da história do Serviço
Social e das políticas sociais em Pernambuco.
ISBN 978-65-86087-07-9
9 786586 087079