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All content following this page was uploaded by Juliana Antunes de Azevedo on 10 November 2014.
1ª Edição - 2011
Bauru, SP
Título
Arquitetura, urbanismo e paisagismo:
contexto contemporâneo e desafios
Organizadores
Emília Falcão Pires
Nilson Ghirardello
Renata Cardoso Magagnin
Rosio Fernandez Baca Salcedo
Conselho Editorial
Dra. Cássia Letícia Carrara Domiciano
Dra. Janira Fainer Bastos
Dr. José Carlos Plácido da Silva
Dr. Luís Carlos Paschoarelli
Dr. Marco Antônio dos Reis Pereira
Dra. Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins
A772 Arquitetura e Urbanismo: novos desafios para o século XXI / Emília Falcão
Pires, Nilson Ghirardello, Renata Cardoso Magagnin, Rosio Fernandez Baca
Salcedo (Orgs.). - - Bauru, SP: Canal 6, 2011.
192p. ; 23 cm.
ISBN 978-85-7917-183-3
CDD: 712
5 Prefácio
25 Cidades sustentáveis:
O planejamento da infraestrutura urbana para a circulação de ciclistas
Renata Cardoso Magagnin
O livro, Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo: Con- Da mesma forma que nos livros anteriores, conti-
texto Contemporâneo e Desafios, que temos a honra de nuamos com uma política editorial ampla abrigando
organizar é o terceiro produzido pelo Departamento de artigos de temáticas variadas, porém, dentro do campo
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo (DAUP) da Fa- da arquitetura do urbanismo e do paisagismo, vistos de
culdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) forma expandida, abrangendo desde o ensino à preser-
da Unesp, campus de Bauru. O objetivo básico dessas vação do patrimônio, da teoria e história à sustentabili-
publicações tem sido a divulgação da vasta produção dade, e daí por diante.
científica gerada por projetos de pesquisa em sua forma Nesta edição, os artigos que abordam planeja-
mais clássica e também por projetos de extensão que fa- mento urbano e sustentabilidade estão os produzidos
çam parte, resultem ou gerem pesquisa. pelo convidado Marcelo Tadeu Mancini juntamente
5
Há quatro anos, os docentes do DAUP tem feito com Antônio Nélson Rodrigues da Silva, da Escola de
grande esforço para reunir parte da sua produção cien- Engenharia de São Carlos. O texto denominado Pla-
tífica, bem como de colaboradores externos, por meio de nejamento urbano baseado em cenários de mobilida-
convites a pesquisadores relevantes da área. Esta edição de sustentável, tem como propósito principal indicar
também cumpre a regra, contando com trabalhos de co- adaptações da estrutura urbana visando incentivar as
legas professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo viagens por modos sustentáveis.
da FAAC, e também como de convidados. Uma novida- Também com tema aproximado, a mobilidade
de desta edição é a submissão dos artigos à avaliação de urbana, encontra-se o trabalho de Renata Cardoso
especialistas da área antes da publicação, exigência que Magagnin, denominado Cidades sustentáveis: o pla-
certamente contribuirá para melhoria da qualidade dos nejamento da infraestrutura urbana para a circulação
textos publicados, bem como para correção de eventuais de ciclistas, que objetiva apresentar os elementos que
problemas nos mesmos. Para tanto, a Comissão Editorial interferem no planejamento cicloviário, bem como
estruturou um Conselho Consultivo com nomes de rele- problemas e recomendações projetuais, trazendo aos
vância científica e atuação nas áreas temáticas pertinen- planejadores urbanos uma discussão sobre a implanta-
tes: projeto do edifício, urbanismo e paisagismo, planeja- ção da infraestrutura adequada aos modos coletivos e
mento urbano da paisagem, história da arquitetura e do não-motorizados.
urbanismo, patrimônio cultural, tecnologia do ambiente Ainda versando sobre a sustentabilidade, porém
construído e ensino da arquitetura e do urbanismo. dentro de uma perspectiva prática, focado em questões
suscitadas nos trabalhos de gestão e pesquisa do plane- dos conteúdos das disciplinas ministradas no curso de
jamento de reconstrução da cidade de São Luiz do Pa- Arquitetura e Urbanismo e as várias concepções de sín-
raitinga após as chuvas que a destruíram parcialmente teses próprias de metodologias diferentes.
na passagem do ano 2009 para 2010, o texto Paradoxos à A respeito de projeto do paisagismo, inscreve-se um
sustentabilidade em São Luiz do Paraitinga (SP): o rio e a trabalho denominado Jardins terapêuticos e educativos:
cidade; as águas e a estrutura urbana e da arquitetura; as novos desafios para o paisagismo contemporâneo, de
águas e as técnicas construtivas do barro, de José Xaides Norma Regina Truppel Constantino, que apresenta re-
de Sampaio Alves. sultados provenientes de projetos de extensão à comuni-
Sobre o tema tecnologia do ambiente construído, o dade, com enfoque nesse tipo especifico de paisagismo,
livro apresenta o trabalho das convidadas Stela Letícia realizados em espaços livres de escolas, creches e núcle-
Bisinotto, Juliana Antunes de Azevedo, Luiza Denardi os de saúde em Bauru, com a participação de alunos do
César e Léa Cristina Lucas de Souza, da Universidade curso de Arquitetura e Urbanismo.
Federal de São Carlos, denominado Índices edilícios Tomando como base os parâmetros do bioclimatis-
para uma abordagem climático-energética contemporâ- mo e os elementos sensoriais na criação do lugar, temos
nea, que propõe originalmente a aplicação desses índi- o estudo de nossa convidada da Universidade de Bra-
ces, usualmente empregados nas questões urbanas e de sília, Maria Adriana Bustos Romero, sobre a cidade de
edificações, como indicadores térmicos e de consumo Brasília, denominado, Niemeyer e o sentido do lugar:
de energia elétrica. Ainda dentro desta temática, estão uma visão bioclimática.
6 dois trabalhos de Avaliação Pós-Ocupacional, APO. O Versando sobre a história da arquitetura, temos dois
primeiro é de Samir Hernandes Tenório Gomes, deno- trabalhos: um de Nilson Ghirardello juntamente com
minado, Procedimentos metodológicos para avaliação Fernanda Almendros, chamado Breve painel do art déco
pós-ocupação em bibliotecas universitárias, e aborda o no interior paulista: o caso de Bauru, que trata dessa ti-
contexto das análises de desempenho físico e aferição pologia arquitetônica e sua possível particularidade no
de satisfação dos usuários nesses espaços coletivos uni- interior de São Paulo, e o artigo de Luiz Cláudio Bitten-
versitários e o segundo Maria Solange Gurgel de Castro court, denominado Sertão verde, luz dourada: Voturuna
Fontes, chamado, Qualidade espacial e conforto térmico e Santo Antonio que analisa os retábulos de Voturuna
em ruas de pedestres, em que a autora mostra as meto- em Santana do Parnaíba e do Sítio Santo Antonio em
dologias de análise dos aspectos qualitativos dos espaços São Roque, herança da arquitetura sertanista em São
públicos urbanos e também um estudo de caso sobre em Paulo, vista a partir de leituras comparadas, tomando
uma rua de pedestres localizada em Bauru, (SP). como referências levantamento fotográfico in loco e his-
Sobre a pratica do ensino da arquitetura e do urbanis- toriografia da arquitetura e da arte no Brasil.
mo, este livro conta com o trabalho de Cláudio Silveira Também relacionado à história e ao patrimônio cul-
Amaral em parceria com Emília Falcão Pires, chamado tural, porém com vínculo direto na restauração, encon-
Experiência pedageogica em ateliê de projetos: aplicação tra-se o artigo de Rosio Fernandez Baca Salcedo, sobre
no curso de Artquitetura e Urbanismo da Unesp/Campus a Metodologia do projeto de restauração: igreja Nossa
de Bauru, que aborda o ateliê como o espaço da síntese Senhora das Dores - do Instituto Lauro de Souza Lima
(Bauru), trabalho que visou a documentação histórica e
os levantamentos metrológicos de seu sistema constru-
tivo, de acabamentos, do estado de conservação dos ma-
teriais e a elaboração da proposta do projeto de restau-
ração da Igreja de Nossa Senhora das Dores, edificada
nos anos 1930.
Como se percebe, os assuntos são muitos, porém,
inter-relacionados, e pretendem ser mostras relevantes
da produção docente.
Ao leitor interessado só nos resta dizer: bom proveito!!!
Os organizadores
7
Planejamento urbano
baseado em cenários de
mobilidade sustentável
Marcelo Tadeu Mancini
Antônio Nélson Rodrigues da Silva
Resumo
Tabela 2: Avaliação dos critérios conforme a somatória dos pontos para cada categoria, considerando um grupo de cinco
especialistas.
13
Figura 1: Cubo de referência (ou benchmarking cube) que caracteriza simultaneamente as três dimensões: custo, prazo e
risco político. Os agrupamentos de cubos internos com características similares estão descritos na penúltima coluna da
tabela 3.
Tabela 3: Blocos de combinações de custo, prazo e risco político no cubo de referência, obtidos conforme o grau de viabi-
lidade e a variação dos estágios.
Com a classificação da viabilidade de cada indicador, mados a partir do escore atual do indicador. A partir
é possível estipular cenários de execução de ações, defi- dessas simulações, os indicadores mais viáveis têm uma
nindo como prioritárias aquelas com maior viabilidade. variação maior de escores e os menos viáveis, pouca ou
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O cenário examinado neste estudo foi denominado am- nenhuma variação. Isto considerando que a viabilidade
bicioso, pois considera que o gestor executará o máximo foi baseada no julgamento de técnicos que avaliaram, a
de ações possíveis em duas gestões (8 anos) e iniciará as partir da atual situação, cada um dos indicadores nas
consideradas menos viáveis, que devem ser concluídas três dimensões apresentadas.
nas próximas gestões. Para ocorrer variação de escores, através da mudan-
Considerando que a avaliação dos indicadores do ça de estágios, algumas ações devem ser executadas, e
IMUS se dá através de escores situados entre zero e um, estas podem ser discriminadas, inclusive quantitativa-
adotou-se que, para obter uma fração de variação do mente. Com isso, um rol de ações podem ser estipula-
escore entre esses extremos, são necessárias determina- das e apresentadas aos gestores (e aos munícipes), e para
das ações. Estas frações de variação dos escores foram cada uma das quais são conhecidos prazo, custo e risco
aquelas aqui denominadas como “estágios” (conforme político. Através da classificação quanto à viabilidade,
exemplo da tabela 4). Para simular um cenário de oito podem ainda ser simuladas outras situações, conforme a
anos de gestão e obter um índice para o fim desse pe- conjuntura da gestão e a preferência ou priorização por
ríodo admitiu-se uma situação em que a maioria das algum critério. Isso permite gerar diversos cenários de
ações mais viáveis seria executada. O processo foi re- planejamento e a avaliação da efetividade dessas mu-
presentado quantitativamente através de uma “variação danças na mobilidade urbana sustentável ao término de
de estágios” correspondente a cada nível de viabilidade, duas gestões (8 anos), através do índice final a ser obtido
como consta da última coluna da tabela 3, a serem so- em comparação ao atual valor.
Tabela 4: Cinco “estágios” de variação do escore de zero a um do indicador “Vazios urbanos” e ações correspondentes (em
termos de porcentagem da área urbana vazia ou desocupada).
Figura 3: Classificação dos indicadores quanto ao custo de implantação das ações para atingir o escore máximo para a
cidade de São Carlos (SP).
Figura 4: Classificação dos indicadores quanto ao risco político de implantação das ações para atingir o escore máximo
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para a cidade de São Carlos (SP).
Porém, as análises das ações não podem ocorrer ra de transportes” são viáveis em pelo menos um dos
apenas de forma desagregada, mas devem ser avaliadas quesitos (custo, prazo ou risco político). Esta classi-
simultaneamente nas três classificações. Esta avaliação ficação deve ter ocorrido devido à concentração de
ocorreu através do cubo de referência, onde a classifica- indicadores que avaliam a infraestrutura necessária
ção conjunta foi denominada viabilidade. Assim, várias aos modos de transportes motorizados. O domínio
combinações podem ser feitas conforme a prioridade de “Acessibilidade” pode ser destacado quanto às ações
critérios em demanda. viáveis em pelo menos um quesito, em uma somatória
Para verificar a distribuição da viabilidade das de quase 90% dos indicadores. Isso certamente reflete
ações, as mesmas foram analisadas quanto aos domí- os recentes incentivos, legislação e especificações téc-
nios do IMUS (Figura 5). Pode-se destacar que 100% nicas para diminuir ou eliminar barreiras arquitetô-
das ações dos indicadores do domínio “Infraestrutu- nicas nas cidades.
VIÁVEL em TODOS os VIÁVEL em dois quesitos e POUCO VIÁVEL em
VIÁVEL em um quesito e POUCO VIÁVEL em VIÁVEL em um quesito, POUCO e MUITO POUCO VIÁVEL em
VIÁVEL em um quesito e MUITO POUCO VIÁVEL em POUCO VIÁVEL em TODOS os
POUCO VIÁVEL em dois quesitos e MUITO POUCO VIÁVEL em POUCO VIÁVEL em um quesito e MUITO POUCO VIÁVEL em
MUITO POUCO VIÁVEL em TODOS os
Figura 5: Porcentagem de indicadores conforme a viabilidade das ações, agrupadas por domínios do Índice de Mobilidade
Urbana Sustentável.
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O domínio “Tráfego e circulação urbana” possui o outros domínios, como é o caso dos “Aspectos ambien-
maior número de “ações viáveis em todos os quesitos” tais”, cujos indicadores com pouca viabilidade somam
(quase 45%). Quanto aos aspectos mais voltados à ges- quase 70 %. Estes se relacionam, sobretudo, à emissão de
tão, viabilidade maior ocorre nos domínios “Aspectos poluentes como gases do efeito estufa.
sociais” e “Planejamento integrado”, podendo apontar Buscou-se identificar também se havia relação entre
preferenciais ações para iniciar a adaptação da cidade ao os indicadores hoje com maiores escores e seu grau de
conceito de mobilidade urbana sustentável. No domínio viabilidade para melhoria. Esta avaliação permitiu cons-
“Sistemas de Transporte Urbano”, cujas ações referem-se tatar que, dentre os indicadores menos viáveis, a maior
aos transportes coletivos, quase 80% das ações têm via- parte deles possui escores mais próximos de zero. Já os
bilidade em pelo menos um quesito, porém quase 15% mais viáveis apresentam maior percentual de escores,
de ações são de pouca viabilidade. Devido ao pequeno com índice máximo ou próximo do máximo, compro-
incentivo aos modos não motorizados, avaliados no vando que grande parte dos indicadores bem avaliados
domínio com mesma denominação, uma potencial via- podem possuir ações mais viáveis. Para aprofundar esta
bilidade pôde ser observada, já que pouco mais de 70% análise, foi confrontada também a viabilidade dos indi-
dos indicadores são viáveis em pelo menos um aspecto. cadores por domínios (figura 5) com a atual pontuação
Estas ações podem influenciar na melhoria do escore de no IMUS (figura 6). Observa-se claramente que o domí-
nio “Infraestrutura de Transportes” possui o maior per- maior parte dos indicadores viáveis encontra-se dentre
centual de indicadores com escore máximo (conforme os escores melhor avaliados. Em alguns domínios, po-
figura 6), bem como as ações mais viáveis (ver figura 5). rém, indicadores com escores baixos, mesmo ocorrendo
Por outro lado, os domínios “Sistemas de transportes em percentual pequeno na análise quanto à pontuação,
urbanos” e “Modos não motorizados” não apresentam aparecem em maior percentual dentre os indicadores de
relação tão clara entre viabilidade e altos escores. Em- menor viabilidade.
bora apontados como medidas para melhoria da mo- Para observar estas análises em uma visão mais
bilidade urbana sustentável por ter grande viabilidade, prática, foi simulado um cenário ambicioso, onde os
os dois domínios possuíam quase 60% dos indicadores escores foram alterados em maior ou menor propor-
com escores menores que 0,4. Esta constatação pode, ção, conforme a viabilidade dos indicadores apresen-
no entanto, apontar um potencial para melhoria em tada na metodologia. Como resultado dessa alteração
relação aos indicadores, já que são viáveis e no quadro de escores foi obtida uma lista de ações, que poderiam
atual encontram-se com avaliação ruim, evidenciando a ser interpretadas como metas para uma gestão de oito
priorização do modo motorizado individual pelas atuais anos. Isso facilitaria o processo de tomada de decisão
políticas públicas. dos gestores com o objetivo de melhorar a mobilidade
Já o domínio “Aspectos ambientais”, que possui a urbana sustentável e outros aspectos daí decorrentes.
menor viabilidade (conforme Figura 5), concentra pou- Com a simulação, o IMUS atingiria o escore de 0,749
co mais que 30% dos indicadores com escore abaixo de (aumento de aproximadamente 32% em relação ao valor
0,4, o que revela a maior dificuldade de execução das atual). O quadro 1 mostra uma síntese de algumas des- 19
ações de melhorias para os mesmos (conforme figura sas ações do cenário ambicioso, no caso, as mais viáveis.
6). Situação parecida ocorre também com o domínio A execução de ações menos viáveis é considerada mais
“Aspectos políticos”. Portanto, pode-se observar que a audaciosa, porém apresenta naturalmente dificuldades
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na execução. As ações “muito pouco viáveis em todos os especulação mobiliária, e o acesso facilitado por modos
quesitos” são aquelas associadas aos indicadores “Cres- motorizados individuais.
cimento urbano” e “Índice de motorização”. Nenhum
dos cenários estudados chega a prever alteração de es- 4. Considerações finais
core, devido à extrema dificuldade para identificação de
ações que possam ser aplicadas para melhoria dos esco- O atual modelo de transportes urbanos baseia-se
res dos indicadores. Isso se explica pela expansão terri- principalmente nos modos de transportes motorizados.
torial e baixo adensamento do tecido urbano, em grande Adaptar o tecido urbano visando incentivar as viagens
medida consequência dos vazios urbanos decorrentes de por modos sustentáveis, bem como a seleção e a implan-
tação de ações com este propósito, ainda é um desafio Outro aspecto em destaque foi a boa viabilidade
a técnicos e gestores devido à falta de know-how e ex- para a melhoria do domínio “Acessibilidade”, com 90%
periências anteriores, sobretudo no Brasil. O Índice de de suas ações classificadas como viáveis. Isso provavel-
Mobilidade Urbana Sustentável (IMUS) foi adotado em mente reflete as políticas de incentivo à acessibilidade
estudo realizado na cidade de São Carlos e aqui apresen- universal, amplamente divulgadas nos últimos anos no
tado de forma resumida, como uma estratégia para con- Brasil, inclusive através de legislação e normas técnicas
tornar essas limitações. Cada um de seus 87 indicado- especificamente elaboradas com o objetivo de reduzir (e,
res foi avaliado por especialistas convidados, tendo em se possível, eliminar) barreiras arquitetônicas. Já os do-
vista a dificuldade de implementação de melhorias, bem mínios “Sistemas de transporte urbano”, “Modos não-
como o prazo e o risco político para tal. Com base nes- -motorizados” e “Aspectos sociais” destacam-se por ter
tas avaliações, foi possível desenvolver, aplicar e avaliar grande parte das ações classificadas como viáveis, apon-
os resultados de um método de planejamento através tando potenciais prioridades para que a cidade passe a
de cenários, com a finalidade de obter alternativas para incentivar padrões de viagens sustentáveis. Por outro
adaptar o espaço público urbano ao conceito de mobili- lado, o maior desafio parece referir-se aos aspectos am-
dade sustentável. bientais, em que quase 70% das ações foram apontadas
Os resultados obtidos com a aplicação apontam o mé- como pouco viáveis e estão relacionadas à diminuição
todo como uma boa alternativa para fins de planejamen- da emissão de poluentes. O quadro pode não ser tão
to urbano, já que se mostrou capaz de indicar diversos negativo, no entanto, dado que a melhoria dos outros
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possíveis conjuntos de ações práticas com grande poten- aspectos poderá produzir concomitantemente resulta-
cial para levar a cidade à meta de mobilidade urbana sus- dos positivos nos indicadores relacionados aos aspectos
tentável. As ações puderam ser escolhidas com base em ambientais.
critérios claros, tais como: custo de execução, períodos de Os resultados obtidos permitem constatar ainda
tempo (múltiplos de 4 anos, de forma a coincidir com o que a metodologia proposta pode ser importante ferra-
período de gestão dos prefeitos) ou ainda, o risco político menta para avaliar as condições da mobilidade urbana
decorrente da sua execução. Além disso, as análises do e apontar pontos fortes e fracos da situação vigente.
conjunto de dados apresentaram resultados condizentes Nos cenários por backcasting são estabelecidas metas
com a realidade, como uma aparente maior viabilidade que se almeja alcançar dentro de determinado período,
dos domínios relacionados aos transportes motorizados. e assim se definem os objetivos. Por isso, o método aqui
Por exemplo, todos os indicadores e ações do domínio apresentado, que se baseia na atual situação avaliada
“Infraestrutura de transportes” obtiveram classificação pelo índice, se destaca como importante ferramenta
de alta viabilidade, enquanto que no domínio “Tráfego e de planejamento, já que podem ser criados diferentes
circulação urbana” quase 80% das ações foram também cenários de intervenção conforme a prioridade na im-
classificadas como altamente viáveis. O resultado reflete plantação de ações, passíveis de serem descritas quanti-
as boas condições de avaliação dos domínios em questão, tativamente e sugeridas aos gestores para implantação
com a maior parte dos escores de seus indicadores atual- gradual, distribuída em períodos coincidentes com os
mente com nota máxima. mandatos.
Com o planejamento da implementação de ações que 5. Agradecimento
visam auxiliar os gestores na tomada de decisões rela-
cionadas à adaptação do espaço público urbano, a cidade Os autores agradecem à CAPES (Fundação Coor-
estará preparada para estimular padrões de viagens sus- denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
tentáveis, que podem gerar menores impactos ao meio rior), ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-
ambiente, bem como incentivar os cidadãos a aderirem to Científico e Tecnológico) e à FAPESP (Fundação de
a hábitos de deslocamento mais saudáveis. Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por con-
tribuírem para diferentes fases do desenvolvimento da
pesquisa que deu origem a esse trabalho.
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Cidades sustentáveis:
o planejamento da infraestrutura
urbana para a circulação de ciclistas
Resumo
Reconhecimento
preliminar da área de
estudo
Levantamento de
mercado
Levantamento de
acidentes
envolvendo ciclistas
A participação da sociedade tem como objetivo discu- 2.3. Os elementos estruturantes de um siste-
tir a temática e os estudos técnicos com a sociedade (mu- ma cicloviário
nicípio) e verificar a receptividade dos projetos propostos
para uma aprovação ou reformulação da proposta. Embora os municípios apresentem muitos espaços,
na infraestrutura viária existente, que podem ser utili-
zados para a circulação de bicicletas, os ciclistas correm
riscos quanto à sua integridade física quando comparti-
lham as vias com outros veículos. Por esse motivo é ne- drenagem; viii) iluminação; ix) estacionamentos para
cessário que os municípios implementem infraestrutura as bicicletas; e x) bicicletário (GEIPOT, 2001a; BRASIL,
adequada à circulação exclusiva das bicicletas. 2007b). A seguir, é apresentada a definição de alguns dos
O sistema cicloviário pode ser definido como: principais elementos citados.
O espaço útil do ciclista é composto pelas dimensões
uma rede integrada composta de elementos com caracte- mínimas ocupadas pelos ciclistas tanto no plano hori-
rísticas de vias, terminais, transposições, equipamentos, zontal quanto no vertical, conforme mostra a figura 2.
etc, que atendam à demanda e à conveniência do usuá- Todas as medidas têm como referência as dimensões de
rio da bicicleta em seus deslocamentos em áreas urbanas, uma bicicleta (GEIPOT, 2001a; BRASIL, 2007b).
especialmente em termos de segurança e conforto (GEI- As pistas e faixas de ciclistas podem ser divididas em
POT, 2001a). ciclovias e ciclofaixas.
A ciclovia constitui-se na mais importante infra-
Os elementos básicos que compõem um sistema ci- estrutura que pode ser criada em favor da circulação
cloviário são: i) definição do espaço útil do ciclista; ii) das bicicletas nas áreas urbanas e rurais. Sua estrutu-
definição das pistas e faixas de ciclistas (ciclofaixas ou ra é totalmente segregada do tráfego motorizado, por
ciclovias); iii) definição das interseções e travessias; iv) isso apresenta um maior nível de segurança e conforto
definição dos cruzamentos; v) definição das rotatórias; aos ciclistas. Ela pode ser unidirecional ou bidirecional
vi) definição do tipo de pavimentação; vii) sistema de (GEIPOT, 2001a; BRASIL, 2007b; TERAMOTO, 2008).
31
1,50m
Espaço útil de um ciclista
0,25m
1,00m
2,25m
1,75m
1 A largura mínima adotada no Brasil para a pista unidirecional (com sentido único) é de 1,50m.
2 A ciclovia bidirecional tem como largura ideal de 3m, mas é aceitável dimensioná-la com, no mínimo, 2,50m.
32
A ciclofaixa é representada por uma faixa da via des- circulação compartilhada nos cruzamentos. Um exem-
tinada para a bicicleta, delimitada do fluxo de veículos plo pode ser visto nas imagens a seguir.
por meio de uma linha separadora, pintada no solo, ou Com relação à pavimentação, é imprescindível que a
ainda com auxílio de outros dispositivos de sinalização superfície de rolamentoda ciclovia seja regular, imper-
delimitadores (“tachas”, “tartarugas” ou “calotas”). Nor- meável, antiderrapante e, se possível, de aspecto agradá-
malmente a ciclofaixa está localizada na borda direita do vel. As ciclovias não são submetidas a grandes esforços,
sistema viário, no mesmo sentido de tráfego (GEIPOT, por isso não necessitam de estrutura maior do que a uti-
2001a; BRASIL, 2007b; TERAMOTO, 2008). lizada para vias de pedestres.
Nas interseções e travessias para que os ciclistas No que se refere aos estacionamentos, atualmente pode-
possam circular com segurança em relação ao tráfego -se encontrar uma variação muito grande de desenhos, en-
é necessário que os cruzamentos das vias tenham sina- caixes e formas, inclinados ou não em relação ao solo, utili-
lização adequada. Essas soluções podem ser agrupadas zando diversos materiais construtivos, tais como: madeira,
em três tipos: A circulação canalizada nos cruzamentos metal, alumínio, concreto, etc. Com ralação à estrutura, os
com amplo espaço lateral, com pouco espaço lateral e estacionamentos para bicicleta podem ser: sem suportes,
nem abrigo com suportes especiais suportes que prendem usuários reduzidos, a sensação de insegurança só au-
as duas rodas e o quadro, suportes com fixação em uma das menta, uma vez que os motoristasnão se acostumam
rodas, blocos de concreto e blocos metálicos, suportes com com a circulação dos transportes alternativos. Além dis-
encaixe de duas rodas, suporte tipo cavalete, suporte tipo so não há investimento para melhorar a situação, que se
gancho, suporte tipo estaca, suporte para pedal. agrava ainda mais (PIRES, 2008).
Os bicicletários são caracterizados como estacio- Deve-se lembrar que o ciclista também acaba sendo
namentos de longa duração, pois possuem um grande um perigo para os pedestres, pois na ausência de vias
número de vagase controle de acesso, sendo peublicos próprias, eles trafegam pelas calçadas tirando a seguran-
ou privados. Uma das diferenças significativas entre os ça dos transeuntes. O contrário também acontece já que
bicicletários e os estacionamentos, além do maior tempo algumas vezes, são os pedestres que caminham nas ciclo-
da guarda das bicicletas, referem-se à movimentação dos vias pela ausência de calçadas em condições adequadas.
ciclistas nos bicicletários nos períodos de pico – horários Segundo o GEIPOT (2001b), os principais fatores
de entradas e saídas de jornadas de trabalho ou, ainda, que têm contribuído para a baixa adesão no uso das
no início e no fim de atividades cotidianas. bicicletas no Brasil são: aumento do volume do tráfego
motorizado aumento do número de acidentes graves
2.4. Os obstáculos que impedem os desloca- com ciclistas nas vias públicas, inexistência de espaços
mentos dos ciclistas e equipamentos para estacionar a bicicleta nos estabele-
cimentos e instituições, maior distância entre os locais
34
A bicicleta é um dos meios de transporte não moto- de moradia e trabalho, falta de respeito com o ciclista e
rizado mais utilizado, tanto para trajetos do cotidiano, impunidade no trânsito, desqualificação da bicicleta pe-
quanto para as atividades de lazer em fins de semana. rante a opinião pública, que a classifica como o veículo
Possui baixo custo de aquisição e manutenção e, por das classes menos favorecidas e publicidades massifican-
isso, é acessível a quase todos os cidadãos, até mesmo te sobre os benefícios do automóvel.
aqueles com algum tipo de deficiência física pois já exis- Pires (2008) afirma que, no Brasil, a bicicleta ain-
tem alguns modelos adaptados no mercado (BRASIL, da é vista como uma brincadeira de criança ou como
2007b). É um ótimo veículo para vencer pequenas dis- instrumento de lazer e esporte para adultos. Quando
tâncias e para fugir do congestionamento frequente em vista como meio de transporte, é para aqueles que não
algumas cidades. possuem condições financeiras de comprar um carro,
Uma das principais desvantagens das bicicletas é a pessoas sem status. Sendo assim, o espaço de circula-
sua vulnerabilidade perante os veículos motorizados, ção também acaba por representar as relações sociais,
ainda mais em cidades onde não há uma política de em que as vias seguem o status que o cidadão do trân-
conscientização para uma convivnência harmônica en- sito exibe. O ciclista, visto como alguém de classe mais
tre os diferentes meios de transporte. Segundo o Banco baixa, parece então não ter direito de ocupar o mesmo
Mundial, a falta de segurança no trânsito urbano atinge espaço que os veículos nas vias de tráfego.
principalmente os pedestres e os ciclistas. Esse perigo Outro problema que desestimula o uso das bicicletas
desestimula o uso das bicicletas e, com um número de são os obstáculos estruturais encontrados no percurso
daqueles que costumam utilizar este meio de transporte, • A adoção das medidas acima citadas pode con-
seja por lazer ou por necessidade. A falta de vias ade- tribuir para aumentar a utilização das bicicletas
quadas não assegura as pessoas a utilizarem o veículo se nas cidades, melhorando a circulação dos veí-
puderem lançar mão de outro mais seguro e com maior culos motorizados, diminuindo os níveis de po-
infraestrutura à disposição. luição ambiental e melhorando a qualidade de
Segundo dados do Ministério das Cidades (BRASIL, vida das pessoas.
2007b), alguns fatores impedem o aumento da quantida- • A questão dos acidentes no planejamento ci-
de de ciclistas no dia-a-dia das cidades. Entres eles estão: cloviário: A realização de um levantamento
sobre a quantidade e o tipo dos acidentes de
• Qualidade da infraestrutura: independente do trânsito envolvendo ciclistas é importante
tipo de via voltada para ciclistas, em geral, elas para o planejamento cicloviário, entretanto,
não possuem largura e piso adequados, boa si- no Brasil, não há muitas informações sobre
nalização, proteção lateral, dispositivos de re- essas ocorrências Segundo levantamento rea-
dução de velocidade dos veículos motorizados lizado pelo GEIPOT (2001b) grande parte dos
próximo aos locais de cruzamentos perigosos, municípios não analisa os dados referente aos
iluminação suficiente, entre outros. acidentes com ciclistas e em alguns casos a in-
• Qualidade ambiental do trajeto: ausência de formação não faz parte dos registros de ocor-
tratamento paisagístico, não deixando o lugar rências, como atropelamentos de pedestres
35
agradável para a circulação. (TERAMOTO, 2008).
• Descontinuidade da infraestrutura: ausência de
uma manutenção homogênea em todo o trajeto, 2.5. Recomendações para a realização de
possibilitando um percurso seguro e falta de tra- um planejamento cicloviário
tamento das intersecções para que a bicicleta pos-
sa ter um espaço adequado e independente para a Antes de projetar uma rota cicloviária é necessário
travessia necessária à continuidade do percurso. um estudo do uso da bicicleta na cidade, assim como os
• Dificuldades para guardar as bicicletas: não há principais fluxos e rotas, observando as características
estacionamentos adequados e seguros em todos dos ciclistas ali presentes, pois há diferentes fluxos de
os locais da cidade, sendo que em alguns seria tráfego em relação às diferentes horas do dia em conse-
necessário um controle rígido de acesso. quência dos diferentes objetivos de viagem. Os pontos
• Integração com outros meios: item importante com maior número de acidentes também devem ser le-
para a ampliação da mobilidade dos ciclistas, vantados para que soluções sejam tomadas com cautela,
porém são necessários locais para guardar a ampliando a segurança e o conforto de todos os usuários
bicicleta de forma segura, assim como equipa- das vias urbanas (PIRES, 2008).
mentos de suporte como sanitários e bebedou- De acordo com Brasil (2007b), para a implantação de
ros, permitindo uma melhor integração do ci- uma ciclovia, alguns estudos indicam que é necessário
clista com os transportes públicos. que essas vias atendam aos seguintes critérios:
• Segurança viária: a ciclovia deve ser pensada de alternativas, trânsito e topografia.
forma a manter a segurança do ciclista e dos ou- • Conforto: para um maior conforto do ciclista
tros usuários das vias de tráfego, promovendo ao pedalar, visto o forte impacto que o veículo
visibilidade e previsibilidade. Deve ser pensada causa para o usuário, o piso é uma importante
sempre em função da velocidade e do volume de escolha para a via, sendo de preferência regu-
tráfego presentes ao redor do local a ser implan- lar, antiderrapante e impermeável. A largura
tada. Projetos geométricos, medidas de modera- constante da via também é importante para o
ção de tráfego, proteção física para os pedestres, conforto do ciclista. Se possível, a via deve ser
sinalização, entre outras, são medidas que con- protegida de chuva, sol e vento.
tribuem para uma convivência harmônica de • Atratividade: infraestrutura integrada ao meio
diferentes tipos de transporte numa mesma via ambiente, proporcionando um caminhar e pe-
e para um menor número de acidentes. dalar agradáveis. O ideal é que a ciclovia passe
• Rotas diretas e rápidas: devido ao esforço físico por lugares atrativos, como parques e áreas ver-
necessário ao usuário para a locomoção com a des, por exemplo, e evite ao máximo cruzamen-
bicicleta e à velocidade baixa do veículo, as rotas to com as vias arteriais.
devem ser claras, diretas e com o mínimo de in-
tervenções e obstáculos. Em resumo, todo planejamento e projeto de infra-
• Coerência: as ciclovias e ciclofaixas devem ter estrutura cicloviária deve atender a quatro condições:
36 um traçado coerente com a topografia do local as redes, as seções, os cruzamentos e o tipo de piso. As
e um percurso fácil de ser reconhecido. É neces- figuras a seguir apresentam dois exemplos de implanta-
sária uma largura constante da via durante todo ção de projeto cicloviário na cidade de Beijing (China).
o percurso, bem como sistemas de informação e Nesses exemplos, a infraestrutura cicloviária atende às
sinalização que informem o ciclista sobre rotas quatro condições mencionadas acima.
a b
Figuras 8 (a e b): Infraestrutura cicloviária na cidade de Beijing – China (2010).
Fonte: Magagnin, 2010.
3. Considerações finais jamento e distribuição equitativa dos espaços de circu-
lação para as bicicletas.
Este capítulo apresentou algumas considerações so- Diante desse quadro, o capítulo buscou apresentar
bre a questão do planejamento da infraestrutura para os os elementos que interferem no planejamento cicloviá-
modos de transportes não motorizados, particularmen- rio, bem como enumerar alguns problemas e recomen-
te o caso das ciclovias. dações projetuais que podem favorecer a mobilidade e
A adoção de políticas públicas que privilegiaram, num a acessibilidade de ciclistas em áreas urbanas, levando
passado recente, o uso do automóvel como o principal meio em consideração a interação entre os elementos do sis-
de transporte têm causado muitos problemas urbanos que tema de transportes: o homem, a via, o espaço urbano
interferem diretamente na qualidade de vida dos cidadãos. e o veículo, nos campos do planejamento e das políticas
O atual desafio dos gestores públicos é de incentivar públicas, dos projetos de infraestrutura, do projeto ope-
os planejadores urbanos a implementarem nas cidades o racional e da legislação (controle e operação).
novo paradigma de planejamento de transportes, o pla-
nejamento da mobilidade urbana sustentável, que tem 4. Agradecimentos
como proposta prover a cidade com infraestrutura ade-
quada aos modos coletivos e não motorizados, em espe- Agradeço aos alunos de Iniciação Científica, por au-
cial o modo por bicicleta. xiliarem nas pesquisas sobre infraestrutura para os mo-
Existem no Brasil e no exterior bons exemplos de dos de transporte não motorizados – ciclovias, a saber:
37
implantação de política urbana e infraestrutura viária Marcela Carolina Gomes de Paula, Lívia Bonagamba
adequada para a mobilidade de ciclistas. Esses mo- Sandrini e Bruna Geromel de Faria. Agradeço à FAPESP
delos mostram que é possível implantar um sistema e a PROEX pelos auxílios concedidos em diversos mo-
cicloviário desde que se tenha vontade política, plane- mentos desta pesquisa.
Referências
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DENNIS, K. Cars, Cities, Futures. Department of Sociology. Lancaster University. Lankaster. UK, 2007.
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MAGAGNIN, R. C. Um Sistema de Suporte à Decisão na internet para o planejamento da Mobilidade Urbana. Tese
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VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas. São Paulo: Anna-
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VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume,
2001.
38
Paradoxos à sustentabilidade
em São Luiz do Paraitinga, SP:
o rio e a cidade; as águas e a estrutura
urbana e da arquitetura; as águas e as
técnicas construtivas do barro
José Xaides de Sampaio Alves
Resumo
Este artigo, focado em questões levantadas nos trabalhos de gestão e pesquisa de pla-
nejamento e reconstrução da cidade de São Luiz do Paraitinga (SP), mostrará algumas
questões paradoxais entre a preservação dos elementos ambientais e a preservação do
urbanismo, da arquitetura e da técnica construtiva do barro, sobre as quais recaem
grande parte das discussões básicas e mais polêmicas sobre a sustentabilidade e cujas
concepções e soluções finais para aquela cidade são de importância significativa para a 39
história do urbanismo e arquitetura de São Paulo e do Brasil. Os desafios para o Planeja-
mento Sustentável e Participativo vêm sendo aprofundados e pesquisados pela UNESP
desde o ano de 2005 em São Luiz do Paraitinga (SP) a partir de uma metodologia de
pesquisa-ação. Portanto, antes mesmo das chuvas e da enchente do Rio Paraitinga,
ocorridas na passagem do ano de 2009 para 2010. O fenômeno destruiu inúmeros bens
arquitetônicos tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueoló-
gico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), assim como moradias populares na zona urbana e ru-
ral, desmoronou encostas, destruiu pontes, alagou várzeas, destruiu mobiliário e afetou
drasticamente toda a economia municipal. A enchente de 2010 revelou, por meio dessa
pesquisa, a complexidade da discussão sobre a sustentabilidade e vem colocando em
evidência nacional São Luiz do Paraitinga, toda a região do Alto Vale do Paraíba e o tra-
balho de planejamento que lá está sendo realizado por diferentes órgãos, inclusive pela
UNESP. A integração de diferentes entidades, nos trabalhos de Gestão da Reconstrução,
ainda sem unidade conceitual e metodológica, deixa expostas várias questões impor-
tantes, dentre elas a necessidade do enfrentamento consciente e objetivo revelada por
esses paradoxos, buscando melhores compreensões e soluções técnicas para a sustenta-
bilidade de um dos maiores acervos tombados de arquitetura do Estado de São Paulo.
Palavras-chave: Estrutura Urbana. Planejamento Participativo. Preservação. Susten-
tabilidade. Técnicas Construtivas.
1. Introdução tabilidade urbana e do seu patrimônio cultural material a
médio e longo prazo, caso não se faça grandes obras que
As várias pesquisas, extensões, ensino e publicações gerarão impacto no meio ambiente. As águas e a estrutura
sobre o planejamento urbano brasileiro, especialmente urbana e da arquitetura, que demonstra como e quanto
das experiências concretas realizadas no Grupo de Go- a estrutura urbana e da arquitetura resistiram às forças
vernança para a Administração Municipal – PROGAM das águas e sugere obras contemporâneas para o seu for-
e no Centro de Pesquisa sobre Cidades (CP), Cidades da talecimento em futuras tragédias semelhantes. As águas e
Unesp, em regiões de baixo IDH, a saber: no Alto Vale as técnicas construtivas do barro, que demonstra, por um
do Rio Paraíba do Sul (SP), Alto Vale do Rio Ribeira lado, que as técnicas antigas do barro não devem ser “de-
(SP), Alto Vale do Rio Paranapanema (SP), Alto Vale do monizadas” e, por outro, que elas podem e devem ser de-
Rio Grande (MG), Francisco Morato na Região Metro- senvolvidas tecnologicamente, ao mesmo tempo podem
politana de São Paulo e cidades da região de Bauru (SP), conviver com técnicas mais atuais.
têm comprovado e demonstrado a necessidade do trato
interdisciplinar e intersetorial nas questões relativas ao 2. O rio e a cidade: mudanças da paisa-
planejamento urbano, rural e regional, para de fato se
gem e do meio ambiente, para a pre-
avançar em metas mais generosas de sustentabilidade
(ALVES, 2009a). Sustentabilidade esta que preze por fo- servação da cidade e do patrimônio
car a busca de certo equilíbrio dinâmico que se situe na arquitetônico
40
interface entre a questão ambiental, social, econômica e
de gestão participativa (BRUNDTLAND, 1987), e não Profundos e intensos foram todos os debates e audi-
apenas na fixação radical de uma compreensão mais es- ências públicas ocorridos durante a elaboração do Plano
treita de paradigmas exclusivos de uma dessas questões Diretor Participativo (PDP) e também após a tragédia de
sobre qualquer outra, o que nesse caso tem criado mais 2010. Nesses ocasiões, foram apresentadas constatações
dificuldades de soluções, especialmente técnicas e polí- científicas por especialistas como o Prof. Dr. Aziz Ab’Saber
ticas, que propriamente avanços. (um ilustre luizense) e o Prof. Dr. Kokei Uehara sobre as
Nas partes a seguir intituladas dessa pesquisa, com questões factuais geográficas e hidrológicas, sobre as cau-
parcimônia, evidencia-se alguns elementos necessários, sas dos problemas ambientais das enchentes, do assorea-
paradoxais à priori, sobre uma abordagem das questões mento do Rio Paraitinga e o deslizamento das encostas de
colocadas para a discussão do planejamento sustentável morros naquele município de mesmo nome e em toda a
utilizando-se das conclusões permitidas nas reflexões e es- região de cabeceira dos rios Paraitinga e Paraibuna. Rios
tudos, extensão e ensino, desenvolvidos na experiência de esses que são os principais formadores da montante do rio
pesquisa-ação em São Luiz do Paraitinga (SP). Paraíba do Sul. As constatações científicas desestabiliza-
As questões postas à sustentabilidade serão tratadas doras apresentadas foram de que aquele episódio de 2010,
nas seguintes partes: O rio e a cidade: mudanças da pai- de recorrência aproximada de 300 anos, não só já ocorreu
sagem e do meio ambiente para a preservação da cidade e em escala até maior por inúmeras vezes em eras pregressas
do patrimônio arquitetônico, que demonstra a insusten- (existem recorrências maiores de 500, 1.000, 10.000 anos
etc.), como irá ocorrer de novo no futuro, e talvez em es- vantamento da Serra da Mantiqueira, que fez o rio Paraíba
paços de tempo cada vez menores, dado a aceleração dos dar meia volta e retornar quase paralelo em sentido oposto
impactos entrópicos que vêm alterando os padrões globais ao seu afluente Paraitinga (AB’SABER, 2010b).
de clima na região e em todo o nosso planeta. A ocupação intensa e a exploração econômica desde
Sob o ponto de vista geográfico, se constata que toda a o Brasil Colonial, durante os ciclos das monoculturas do
bacia do rio Paraíba do Sul foi formada por processos anti- café e do gado ao longo de todo o vale do Paraíba, e par-
gos de sedimentação com retirada de solo por erosões, des- ticularmente também pelas “culturas brancas” de arroz,
lizamentos naturais, assoreamento dos leitos dos córregos feijão, algodão, etc., em São Luiz do Paraitinga, obedecen-
e rios, que se comprovam historicamente pela formação de do às políticas de incentivos e exigências governamentais
meandros e lóbulos ao longo destes leitos. O sítio histórico iniciais, foram responsáveis pelas imensas devastações de
e a Igreja Matriz de São Luiz de Toloza, que ruiu com as florestas de mata atlântica situadas entre a Serra da Man-
águas de janeiro, estão assentados entre estes meandros e tiqueira e a cumeada Serra do Mar. Devastações estas que
em um destes lóbulos. Também há a constatação de que a expondo o solo e associadas a processos de compactação
separação entre os rios Paraíba e Tietê só ocorreu após o le- superficial pelo pisoteio do gado e outras práticas degra-
41
Figura 1: Localização do Centro Histórico em um Lóbulo de Meandro do Rio Paraitinga (Foto: arquivo PMSLP).
dantes, aceleram a baixa retenção de água das chuvas, am- poderá também subir devagar em noite quase estrelada e
pliam o transporte de solo erodido a partir das enxurradas enluarada. Certamente, na incerteza, na insustentabilida-
e diminuem o tempo que estas chegam aos córregos e rios, de natural da cidade, cuja praça principal que homenageia
ampliando o assoreamento dos seus leitos e em consequ- o filho ilustre e sanitarista Dr. Oswaldo Cruz e que está
ência, também ampliam as suas enchentes. diante de uma curva linda e ameaçadora do rio Paraitinga,
Por razões de diversas naturezas históricas e eco- haverá mais planejamento e prontidão técnica, sistemas
nômicas, como a necessidade de acesso fácil à água, do de alertas e seguranças de todo tipo. É o que esperamos.
transporte fluvial, a proximidade de rotas indígenas en- Contudo, o sucesso espetacular do salvamento de pessoas,
tre o litoral e o planalto, bem como o encontro de um sí- pelo pessoal do rafting, defesa civil, bombeiros e outros
tio alargado nas margens do rio Paraitinga formado en- colaboradores de 2010, será recorde para a história, afinal,
tre um “lóbulo de meandro do mesmo”, a cidade de São nenhum ser humano morreu diretamente pela enchente.
Luiz do Paraitinga foi ali fixada por seus fundadores. Um dos paradoxos colocados e que vimos discutindo é
que, devido ao desejo social local e a importância coletiva
para São Paulo e para o Brasil pela recuperação do patrimô-
3. A instabilidade ou insustentabilida-
nio histórico destruído e pela sua preservação futura, vá-
de natural urbana de São Luiz do Pa- rias obras provavelmente custosas e bastante impactantes
raitinga da paisagem e do meio ambiente natural deverão ser feitas
na beira-rio urbana, “rio acima e rio abaixo” (AB’SABER,
42 Hoje, conhecido as dimensões da tragédia de 2010, 2010a), para salvaguardar o patrimônio. Segundo o grande
suas consequências devastadoras às construções históri- Geógrafo luizense, em texto ainda no prelo e só divulga-
cas, à economia municipal e à toda a vida das pessoas e do em São Luiz do Paraitinga para membros do Conselho
principalmente as constatações já apontadas pelos espe- Gestor de Patrimônio Cultural em setembro de 2010, ele
cialistas, as pessoas e órgãos responsáveis devem recnhe-
cer, especialmente os responsáveis pela preservação do sugere que para proteger São Luiz no futuro, será necessá-
sítio histórico, do CONDEFHAAT, IPHAN e também os rio planejar três ou quatro pequenas ou médias barragens
gestores locais que existe uma instabilidade ou insusten- em locais bem estudados rio-acima.
tabilidade natural urbana de São Luiz do Paraitinga.
Assim, a relação entre rio e cidade jamais voltará a ser Alerta ainda que
a mesma, amena, tranquila, somente lúdica, apreciativa,
nos próximos oito a dez anos tem que ser feitos peque-
pois será guardado na memória social, documental, paisa-
nos projetos e muitos reparos porque os ciclos de acon-
gística e tecnológica o fato acontecido, de futuros e possí-
tecimentos hidro-climáticos tem uma periodicidade de
veis reencontros, ameaçadores, destruidores. Certamente, onze em onze ou doze em doze anos. E tudo tem que ser
na memória das crianças e jovens, luizenses e turistas, en- previsto e remodelado antes que venha a acontecer no-
tre contos de saci e reencontros de música de marchinhas vos processos catastróficos entre 2021 e 2022, segundo
nos carnavais e réveillons futuros, pairarão muitas incer- a periodicidade previamente e realisticamente prevista.
tezas e medo da sombra de outra grande enchente que Atenção autoridades de São Luiz, de São Paulo e do Bra-
sil, e senhores juízes, que ainda desconhecem o retorno 4. As águas e a estrutura urbana e da
previsto para anos anômalos.
Prever impactos futuros é uma necessidade básica
arquitetura
para todos os verdadeiros planejadores interessados em
colaborar com a pequena e notável cidade de São Luiz Nenhuma cidade ou arquitetura foi feita para ficar
(AB’ SABER, 2010a). debaixo d’água, com certeza o episódio acontecido em
São Luiz do Paraitinga é o maior acidente desta natureza
Por fim além de outras recomendações colocadas acontecido ao patrimônio arquitetônico no Brasil e tal-
numa “seqüência integrada dos procedimentos”, o pro- vez no mundo. (GALEÃO, 2010)
fessor Aziz apresenta uma diretriz urbanística e paisa-
gística para preservar o centro histórico. A frase anterior foi proferida numa das palestras para
o Programa Canteiro Aberto, desenvolvido em parceria
Estimular um projeto de mureta que circunde o ló- entre a Unesp, o IPHAN e gestores locais de São Luiz
bulo interno do meandro embutido entre morros, que do Paraitinga em 2010. A declaração é do arquiteto Pau-
recebeu o ímpeto maior da grande inundação vinda de
lo, Sérgio Galeão do IPHAN, que buscava demonstrar
rio acima e do riozinho do Chapéu. O objetivo dessa mu-
as dificuldades e complexidade do trato do patrimônio
reta, arquitetonicamente bem planejada, é para diminuir
arquitetônico em seu processo de reconstrução naquela
e atrasar o espraiamento das águas em épocas eventuais
de futuras grandes chuvas. Sendo necessário fazer grades cidade tendo em vista a natureza da sua destruição.
ornamentais acima da forte mureta basal, para evitar o O episódio ambiental da enchente, em sua relação 43
caráter de encarceramento da rica porção central de São com as construções históricas, pode ser caracterizado
Luiz. Uma porteira de aço será necessária para o setor da por alguns aspectos fundamentais sobre os quais serão
obra no ponto de cruzamento com a rica ponte de São importantes medidas futuras de mitigação e controle
Luiz (a “ponte nova”) (AB’SABER,2010a). para sanar eventuais recorrências previstas pelos espe-
cialistas. Segundo o professor Dr. Aziz Ab’Saber, essas
Assim, sob o olhar científico de um especialista, com recorrências em anos anômalos acontecem de onze em
o qual concordamos integralmente, a opção pela recons- onze anos ou de doze em doze anos, devido a fatores
trução e preservação adotada pelos cidadãos luizenses e globais de aquecimento do Atlântico Central provocado
por todos os órgãos governamentais estaduais e federais, pelo El Niño (AB’SABER, 2010b).
inclusive do CONDEPHAAT e IPHAN, e que talvez seja
mais cara economicamente do que mudar a cidade para
terrenos mais altos, implica necessariamente em contro-
5. As águas e sua ocupação do centro
lar o rio e o meio ambiente natural, suas áreas de preser- histórico
vação permanentes urbanas, com obras de engenharia,
arquitetura e de mudanças na paisagem, buscando o Uma das conclusões consensuais entre os técnicos
máximo de amenização destes impactos com obras pai- que participaram das audiências realizadas em praça pú-
sagísticas criativas para proteger a cidade e o seu patri- blica em 2010 sobre a enchente, entre eles o professor da
mônio cultural, material e imaterial. USP, Dr. Kokei Uehara, foi que uma das causas problema
foi o fato de ter havido mais de trinta dias de chuvas con- Essa fase da enchente, que durou algumas horas, já
tínuas nas cabeceiras dos rios Paraitinga e do Chapéu, o estava na descendente, segundo o Diretor de Agricultu-
que encharcou demasiadamente o solo de toda a região. ra Donizete José Galhardo. O fato fez com que muitas
Na sequência, nas vésperas do dia 1º de janeiro, houve pessoas inicialmente imaginassem ser o fim do processo
precipitação de chuvas em escala anormal daquelas di- da enchente, quando as águas novamente subiram já na
árias anteriores, chuvas essas que não tendo sido absor- tarde dia 1º de janeiro, chegando a um nível que atingiu
vidas pelo solo, correram rapidamente para os leitos dos toda a praça Oswaldo Cruz, bloqueando a Ponte Princi-
córregos e rios provocando as enormes enchentes. pal de entrada da cidade e inundando os andares térreos
A partir de entrevistas feitas por este autor e pesqui- dos imóveis que possuíam cotas de níveis abaixo da cota
sador com técnicos locais como o Engenheiro Civil Jairo daquela praça (este nível das águas está próximo de 6
Sebastião Burrielo de Andrade, com o pessoal do Rafting metros acima do leito normal do Rio Paraitinga). Pelas
(Luís Augusto, da equipe Montana), além das análises das pesquisas de campo mencionadas, constatou-se que esta
conclusões e organização das discussões das audiências segunda fase deveu-se à elevação do nível das águas do
públicas, das conclusões sobre observações de vídeos e rio Jacuí, situado rio acima da cidade de São Luiz do Pa-
fotos e, principalmente de pesquisa de campo com medi- raitinga e que se elevou a cerca de 7 metros da sua cota
ções feitas rio acima, executado juntamente com o diretor normal no seu encontro com o rio Paraitinga, portanto
de Agricultura, Donizete José Galhardo, com o diretor cerca de duas horas antes da grande vazão que desceu
do Parque Santa Virgínia, Ms. João Paulo Villani e seu também por este rio.
44
assessor Nilson A. Silva, e por fim, observando rio aci- Mais uma vez, houve a sensação de que a enchente,
ma os impactos da mãe de todas as enchentes e os níveis que já era a maior da história recente documentada da
atingidos nas residências rurais e com os depoimentos cidade, tivera chegado ao seu limite. Contudo, após pou-
de seus moradores sobre os horários de picos da mesma; cas horas, que correspondem às diferenças de tempo dos
concluiu-se principalmente que a enchente de 2010, teve e encontros das vazões dos rios mencionados, o rio nova-
foi sentida na cidade, pelo menos, em três fases: mente subiu de forma espetacular e se elevou por cerca
O início se deu no rio do Chapéu, pois como ob- de mais cinco metros acima do nível anterior, atingindo
servou o engenheiro Jario; “pelo fato da grande incli- cerca 12 metros acima de sua cota normal ou de um me-
nação do leito do Rio do Chapéu em seu percurso até
tro e meio acima do segundo pavimento dos sobrados
o encontro com o Rio Paraitinga, suas águas são mais
assentados na rua Barão.
rápidas e perigosas” e, assim como em 1996 (mas em
menor intensidade em 2010), sua confluência com o
rio Paraitinga foi capaz de elevar o nível do segundo 6. As águas e a estrutura urbana e da
rio, causando retorno das águas até a cidade, provo- arquitetura
cando uma enchente com transbordamento a partir
do bairro Várzea dos Passarinhos e em toda a beira-rio A terceira fase da enchente foi a grande responsável
do centro histórico, chegando a se elevar na rua lateral pelas enormes perdas dos imóveis históricos da cidade,
do Mercado Municipal. inclusive das duas igrejas, a Matriz de São Luiz de Tolosa
e da Capela das Mercês, pois trouxe alguns agravantes mou com as construções da cidade, especialmente pe-
físicos, descritos a seguir. los três casarios paralelos e quase ortogonais à chegada
Ao superar a altura da praça, a direção da corren- do rio no centro histórico, um conjunto de elementos
teza do rio passou a entrar também pela rua Barão e a dissipadores (diques) de energia da pressão hidráulica
forçar as paredes do fundo do casario localizado na face que tinha a sua maior força nas paredes das menores
da praça onde situava-se a biblioteca da cidade. Assim, e primeiras construções do casario impactado que la-
no momento em que as águas seelevavam, sua corren- deava a Biblioteca. A partir desse, havia um gradiente
teza provocava mais pressão hidráulica sobre aquelas de diminuição da pressão hidrológica da enchente nos
construções, também atingindo os casarões do outro outros dois casarios paralelos.
lado da praça e todas as demais construções nas ruas Junto com a força e velocidade superficiais das águas,
posteriores. De certa forma, pode-se afirmar que se for- agora suportadas pelo centro histórico, chegavam todo
45
Figura 2: Altura máxima da enchente, destruição da igreja matriz e do casario onde se situava Biblioteca Municipal. (Foto
cedida por Paulo Carvalho dos Reis Alves).
tipo de materiais, como troncos de árvores caídas rio aci- patrimônio, sem o quê a reconstrução dos bens mate-
ma, móveis, geladeiras, botijões de gás, colchões etc., que riais perdidos tornar-se-á apenas temporária à espera de
iam subindo e saindo das casas. Na manhã do dia 2 de outra grande enchente e destruição.
janeiro, quando várias construções ruíram-se, especial- Constata-se que somente por um acaso natural, a
mente as igrejas Matriz e Mercês, depois o casario que la- enchente de 2010 não teve maiores dimensões, pois,
deava a biblioteca, também outros casarões da Praça, seus caso tivessem coincidido no tempo e espaço da cidade
resíduos juntaram-se a esses outros entulhos e todo tipo uma enchente do rio do Chapéu, nos níveis de 1996,
de materiais de construção. Esses objetos foram também com as enchentes do rio Paraitinga de 2010, a situação
grandes responsáveis pelos estragos das fachadas de barro, da tragédia teria sido ainda pior. Portanto, o que dis-
das estruturas de madeira, coberturas de vários prédios, seram os especialistas sobre as possibilidades de repe-
etc. Exemplos notórios desses estragos puderam ser ob- tições futuras das enchentes e de seus níveis deve ser
servados nas edificações que existiam no antigo pátio da objetivamente considerado.
Prefeitura, pois por lá passaram a maioria dos destroços É preciso pensar as obras urbanísticas e arqui-
que boiaram nas águas da enchente. tetônicas contemplando a ampliação das proteções
A travessia que a força e a velocidade da enchente fez ao centro histórico, em toda a beira-rio, mas espe-
pelo centro histórico na última etapa da sua ascensão e cialmente na região do casario onde situava-se a bi-
destruição, tendo como ponto focal de maior força e im- blioteca e que serviu de dique à praça Oswaldo Cruz
pacto o casario que ladeava a biblioteca, tornaram suas e a todo o centro histórico. Valem aqui as observa-
46 águas e todo tipo de objeto em aríetes implacáveis sobre ções do professor Aziz Ab’Saber, e sob as quais nós
as construções. mesmos da Unesp estamos trabalhando para apon-
Assim, constata-se que o casario ao lado da bi- tar alternativas de prevenção aos impactos ambien-
blioteca até a manhã do dia 2, enquanto funcionou tais do rio Paraitinga, em um projeto denominado
como dique e aguentou aqueles impactos, serviu de de Cidade Permeável (ALVES, 2010). O plano prevê
proteção ao centro histórico. Posteriormente à queda a construção de um anfiteatro/dique que possuirá a
da matriz, o que causou grande onda e pressão nega- dupla função de barragem às águas no caso de uma
tiva nas construções, o casario em questão ruiu quase grande enchente, ao mesmo tempo possibilitando um
por completo e a partir daí a maior pressão hidráulica equipamento novo de lazer, artes musicais, turismo
passou as ser exercida nos casarões do outro lado da e de apreciação da paisagem do rio com uma Rua da
praça. Aconteceram outras destruições, mas aí a en- Música. Dentro do projeto Cidade Permeável, esta-
chente já estava no seu topo e passava, felizmente, a mos estudando ainda a construção de uma mureta
entrar na descendente. elevada na borda da beira rio e vários regulamentos
Das pesquisas citadas ficaram algumas lições técni- do uso e ocupação do solo urbano exigindo a amplia-
cas, possibilidades conceituais e práticas para os futu- ção da resistência dos muros das construções, além
ros projetos urbanísticos e arquitetônicos de defesa da da criação de placas de redirecionamento e conten-
cidade e do centro histórico. Essas medidas devem ser ção da força das águas, bem como um plano de uso
cuidadosamente aprofundados pelos órgãos de defesa do e ocupação das edificações lindeiras ao rio e outros
47
Figura 3: Estudo preliminar para um Anfiteatro/Dique contemporâneo, integrado com a Rua da Música e Escola de Música
(Projeto e desenho do autor dentro do conceito urbanístico de Cidade Permeável).
49
Figura 4: Impactos das águas nas construções de barro – Demolição ou Resistência dependendo das condições de manu-
tenção (foto do autor).
ram pré-anunciadas nas palestras proferidas no canteiro enchentes, tanto estruturalmente, quanto em seus acaba-
aberto pelo arquiteto do IPHAN, como o uso de taipa de mentos, fechamentos e vedações e constituíram-se, tam-
pilão nas próprias fundações, uma maneira diferente de bém, durante as cheias, em autênticos edifícios diques de
se fazer rugosidades em cada camada de taipa construí- proteção ao conjunto edificado ao redor.
da. Não aprofundaremos aqui essas questões por razões Nesse sentido, parece fundamental um estudo apro-
éticas, esperando que os responsáveis desse importante fundado e pormenorizado que envolva, por um lado,
órgão federal possam brevemente revelá-las em trabalhos melhoramentos tecnológicos às técnicas tradicionais, e
científicos e acadêmicos. por outro, a abertura de possibilidades claras no uso de
Da mesma forma, foi notório que muitas construções de materiais e técnicas construtivas mais contemporâneas
pau a pique que ruíram já possuíam problemas patológicos para melhorar as condições de estabilidade e resistência
mal tratados em sua estrutura, como era o caso do casarão das edificações do centro histórico, tendo em vista que
lindeiro ao do atual Banco Santander/Banespa. Assim, por as possibilidades de novas e grandes enchentes já foram
um lado se percebe que, em muitos casos, apenas o barro anunciadas por especialistas no assunto.
foi afetado, amolecido e retirado, deixando as estruturas de
madeira expostas de forma espetacular, fato que comprova a 8. Considerações finais
excelência estrutural da técnica construtiva de madeira em-
pregada, mas por outro revela também a necessidade de me- Parece incrível se pensar que mesmo condenada a
lhoramentos tecnológicos do barro visando que o material sofrer outras grandes enchentes e possíveis destruições,
50
seja capaz de resistir melhor a outras situações de catástrofes a sociedade, por meio do Estado, seja ele o poder pú-
anunciadas. Esses melhoramentos técnicos, com utilizações blico federal, o IPHAN, o poder público Estadual com
da cal virgem, da baba de cupim, etc., já são conhecidos e fo- diferentes órgãos, entre eles o CONDEPHAAT e o poder
ram empregados em outras localidades (UNES, WOLNEY, público municipal, pela da Prefeitura e seus parceiros,
CAVALCANTE & SILVIO, 2008). como o caso da Unesp e de outras universidades como
Deve-se ainda fazer menção ao fato de que algumas a USP e outras entidades públicas e privadas, esteja se
construções que suportaram os impactos das águas e mobilizando com tanto empenho e gastos econômicos
permaneceram intactas eram tidas como mal restaura- e esforços sociais para não só reconstruir uma cidade
das por introduzirem técnicas mistas de concreto e aço praticamente destruída na sua parte mais antiga, mas
em suas estruturas, ou argamassas de cimento em seus também para assegurar o futuro da cidade em relação a
acabamentos. Contudo, suas aprovações junto ao CON- outras catástrofes naturais, tão enfaticamente anuncia-
DEPHAAT causam grande estranheza e geram questio- das por geógrafos e hidrólogos renomados.
namentos e abordagens preconceituosas até hoje. Foram Metaforizando com a própria tragédia, é nadar con-
os casos do Mercado Municipal, dos casarões na esquina tra a correnteza. É estabelecer um paradoxo entre o fluxo
da ponte de entrada da cidade e também do casarão onde natural do meio ambiente e suas forças, com um con-
funciona o Banco Santander/Banespa na praça Oswaldo traponto de soluções entrópicas reafirmando o homem
Cruz. São exemplos de construções com incrementos sobre a natureza, através das tecnologias existentes. É o
técnicos contemporâneos, que resistiram bravamente às que está ocorrendo em São Luiz do Paraitinga, em bus-
ca da reconstrução de um bem material sujeito a outras mas insuficientes para preservar a cidade de novas ocor-
demolições futuras, mas que possui um valor intrínseco, rências naquela escala. Assim, como foi abordado na pes-
abstrato e coletivo que se situa no âmbito da cultura e quisa, seja na escala regional da relação entre rio e cidade,
da memória técnica e social da história de um povo, do na escala e características das estruturas das edificações e
povo paulista, através do que está representado pela ar- ainda das técnicas construtivas do barro, serão necessá-
quitetura, urbanismo, paisagismo e manifestações ima- rias intervenções tecnológicas contemporâneas e bastante
teriais ainda preservadas em São Luiz do Paraitinga. impactantes, não naturais ao meio ambiente e às técnicas
Para todos os cidadãos luizenses e para todos os téc- construtivas do passado para se preservar e recuperar de
nicos lá presentes, como os do Programa Unesp para o forma sustentável a cidade de São Luiz do Paraitinga (SP).
Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga, Essas marcas antrópicas já estão presentes para sempre na
assim como para as demais entidades que lá trabalham, nova paisagem que se reconstrói de acordo com os três
os sacrifícios valem a pena, mas a reconstrução revela e níveis de abordagens pesquisados.
reafirma um paradoxo à sustentabilidade: a preservação Para os arquitetos, urbanistas e outros técnicos pre-
do centro histórico de São Luiz do Paraitinga só é possível ocupados em ver soluções rápidas, duvidando ainda da
a partir da integração com a utilização de meios, obras real capacidade e possibilidades econômicas e políticas
e tecnologias que se imponham acima da ordem natural de se ver rapidamente obras ambientais de grande por-
dos aspectos ambientais. Impõe, de certa forma, um para- te sendo construídas rio acima e rio abaixo, capazes de
doxo entre a preservação cultural e a preservação ambien- prevenir grandes enchentes nos próximos anos, é neces-
tal, ou seja, à plenitude da sustentabilidade e preservação sária uma visão mais pragmática de que se devem fazer 51
de uma dessas categorias são necessárias modificações e intervenções pontuais urbanísticas ao longo do rio na
impactos à outra. Para o geógrafo e hidrólogo, citados e sua passagem pela cidade, criando “elementos diques”
para nossas conclusões nessa pesquisa, não há sustentabi- que minimizem a força e redirecionem as águas para o
lidade da preservação possível em relação ao patrimônio leito do rio, como no exemplo apresentado do projeto
arquitetônico e urbanístico, neste caso, sem obras de ame- para o anfiteatro/dique em conjunto com a Escola de
nização das enchentes naturais do Rio Paraitinga. Nem Música no lugar onde se situava a Biblioteca Municipal.
mesmo a hipótese de longo prazo, defendida pelos am- Também é necessário que se fortaleçam as estruturas
bientalistas mais radicais, em que é necessária a recompo- de cada edificação restaurada e a ser reconstruída, bem
sição de toda a mata ciliar, recuperação de matas nativas como se melhorem as condições técnicas dos materiais
de áreas erodidas do território rural regional e uma polí- de fechamentos e as vedações das construções.
tica preservacionista que incentive todos os agricultores Em São Luiz do Paraitinga, o natural e o antrópico, o
a receberem por preservação e recuperação de florestas, antigo e o novo deverão coexistir em graus de criativida-
será capaz de amenizar as catástrofes na escala da ocorri- de e clareza conceitual, técnica e estética, assunto nunca
da em 2010, pois fatos semelhantes e maiores a esse acon- talvez tão profundamente discutido no Brasil, em favor
teceram inúmeras vezes em eras passadas, quando sequer de uma causa social de valor cultural para o estado de
havia ocorrido o desmatamento da região. Assim, essas São Paulo e para o Brasil.
políticas são importantes para amenização das enchentes,
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Índices edilícios para uma
abordagem climático-
energética contemporânea
Stela Letícia Bisinotto
Juliana Antunes de Azevedo
Luiza Denardi César
Léa Cristina Lucas de Souza
Resumo
57
59
Figura 3: Mapa de consumo de energia elétrica para a cidade de São Carlos (SP).
(Fonte: Azevedo, 2010)
de consumo de energia elétrica, conforme apresentado elétrica. Destaca-se, no entanto, que não foi feita aqui
na figura 3. Observação: na figura 3, as áreas em branco nenhuma relação com o poder aquisitivo ou a forma de
correspondem a pontos para os quais não há dados de ocupação e uso dos espaços, que seriam variáveis rele-
levantamentos do consumo e a interpolação não resulta vantes na determinação do consumo de eletricidade.
em informação útil, por se tratarem de áreas de borda. Estabelecida esta limitação do estudo, desde que regiões
Uma análise em meso-escala, quando comparados apresentem características de fato comparáveis (similari-
os mapas das Figuras 1, 2 e 3, demonstra que os meno- dade no poder aquisitivo, na população, na forma de ocu-
res índices de vegetação tendem a ser encontrados na pação, no uso, etc.), pode-se esperar que quanto maior o
área de maior concentração de consumo de energia, que NDVI, menor será o consumo de energia elétrica.
corresponde também a área de maior concentração de Este índice, no entanto, pelo próprio algoritmo
edificações. Além disso, o mapa de consumo de ener- adotado para tratamento de imagens de satélite, não
gia elétrica demonstra também que, a maior frequência permite boa aderência para análise em micro-escala.
de ocorrência de níveis mais baixos e intermediários de Isso pode ser constatado pelos resultados apresentados
consumo ocorre nas regiões mais periféricas da área ur- na tabela 1.
bana, cujos índices de vegetação tendem a ser menores. Na tabela 1, verifica-se uma inconstância de compor-
Considerando-se que a literatura demonstra existir mi- tamento entre o NDVI e as tendências de ocorrência das
tigação da temperatura do ar em decorrência da presença temperaturas médias, máximas e mínimas, a saber:
de vegetação, pode-se esperar que as regiões de maior ín-
60 dice de vegetação apresentem temperaturas urbanas mais • o ponto 1, que obteve NDVI de valor intermedi-
amenas. Nesse caso, o consumo de energia elétrica acaba ário, apresentou os menores valores de tempera-
por apresentar relação direta com a vegetação, em decor- turas média, máxima e mínima;
rência também da temperatura do ar por ela influenciada. • o ponto 2, que obteve NDVI maior, apresentou
Uma análise mais detalhada dessa relação para a área de maiores temperaturas médias e máximas e me-
estudo pode ser verificada no trabalho de Azevedo (2010). nores temperaturas mínimas;
No caso da meso-escala, o índice de vegetação NDVI • o ponto 3, de menor valor do NDVI, apresen-
mostrou-se, portanto, um parâmetro importante como tou valores intermediários para as temperatu-
ferramenta para o planejamento urbano, que vise uma ras médias e máximas, e os maiores valores das
abordagem energética sob o ponto de vista da energia temperaturas mínimas.
Tabela 1: Tendência de comportamento do índice de vegetação NDVI e dos parâmetros climáticos observados nos pontos
de controle.
Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3
Índice de Vegetação Intermediário Maior Menor
Temperatura Média Menor Média Maior Média Média Intermediária
Temperatura Máxima Menor Máxima Maior Máxima Máxima Intermediária
Temperatura Mínima Menor Mínima Mínima Intermediária Maior Mínima
Figura 4: Relação entre as médias das temperaturas mí- Figura 5: Influência da área de aberturas voltadas para
nimas observadas e o índice de aproveitamento de cada SE no consumo de energia elétrica por metroquadrado
ponto de controle. construído.
A influência térmica do ambiente construído, no caso do pedestre, quando estudado um bairro residencial
da micro-escala, foi aqui melhor indicada pelo índice de na cidade de Bauru.
aproveitamento (IA) médio das quadras. Esse aspecto está Ainda para o estudo em micro-escala com informa-
especialmente em destaque no caso das temperaturas mí- ções sobre o consumo de energia elétrica de edificações
nimas, conforme pode ser constatado na Figura 4. residenciais na cidade de São Carlos, os resultados aqui
A Figura 4 demonstra a correlação existente entre as alcançados revelam também a importância de índices
61
temperaturas mínimas observadas e os índices de apro- que possam servir de parâmetro para a avaliação da en-
veitamento calculados para os pontos de controle. Com voltória do edifício em si. Nas figuras 5 e 6, alguns desses
um alto coeficiente de determinação, (R 2) de 0,87, veri- resultados são demonstrados.
ficou-se que quanto maior o índice de aproveitamento, A Figura 5 permite observar que, dentre as cinco
maior foi a temperatura mínima alcançada. residências analisadas, existe uma tendência de aumen-
Essa é uma informação que demonstra a importân- to do consumo de energia elétrica, quando as casas são
cia desse dado e a sua aplicabilidade no planejamento agrupadas pela porcentagem de aberturas voltadas a SE
urbano. Normalmente, é um índice utilizado por órgãos em relação à área da parede SE tomada em função da
públicos para a análise de projetos e que poderia ter sua área total das paredes da envoltória (porcentagem de ja-
utilização estendida para melhor consideração quanto nelas em relação a porcentagem de fachada SE, se com-
ao ambiente térmico urbano. parada ao total de fachadas).
Esse resultado reforça uma tendência já levanta- A Figura 6, por outro lado, demonstra que a orien-
da por Souza, Nakata e Marques (2010), quando de- tação das fachadas também pode contribuir para a mi-
monstraram que, para as diversas escalas de análise nimização do consumo de energia. Nesse caso, é pos-
(1,80m, 15m e 30m), houve uma tendência de aumento sível verificar que, para as casas analisadas, houve uma
da temperatura do ar na medida em que o IA também contribuição efetiva das paredes voltadas para NE, de
aumentava. No referido estudo, foram encontrados forma que quanto maior a área de paredes NE da edifi-
coeficientes de determinação de até 0,93 para a escala cação estudada, menor foi o consumo verificado.
maior sustentabilidade ambiental. Cada um dos índices
estudados tem sua importância significativa, conforme
a escala de abordagem e podem ser levados em conta de
maneira integrada, facilitando a aplicação de parâme-
tros práticos na tomada de decisões.
Quanto ao índice de vegetação NDVI, verificou-se
que existe uma relação direta com o consumo de energia
da área de estudo e que sua relevância é maior quando se
trata de uma análise em meso-escala. Em micro-escala
Figura 6: Influência da porcentagem de paredes orienta- esse índice, da forma como é previsto o seu cálculo, tem
das a NE no consumo de energia elétrica por metroqua-
drado construído. menor significância. Assim, pode-se recorrer tanto a ín-
dices que permitam examinar a interface entre o urbano
e o edifício, quanto a parâmetros do próprio edifício,
Apesar do pouco número de edificações analisadas, é para que seja efetuada uma análise mais adequada.
possível identificar que a orientação das aberturas e facha- No caso da micro-escala, o índice de aproveitamen-
das influi diretamente no consumo de energia elétrica, seja to demonstrou influência direta na temperatura míni-
por ganho ou perda de calor, seja por possibilitar maior ou ma do ar alcançada nos pontos de análise. A pesquisa
menor iluminação natural do ambiente. Enquanto a pas- revelou que o aumento do índice de aproveitamento
62 sagem de calor determina a condição térmica do ambiente está relacionado ao aumento da temperatura média das
e pode levar ao uso de recursos artificiais para o condicio- mínimas do ar. Além disso, o estudo de índices geomé-
namento do mesmo, a iluminação natural pode evitar o tricos da envoltória indicou que o consumo de energia
acionamento do sistema de iluminação artificial. elétrica é dependente de variáveis como a área de aber-
tura e de fachadas, podendo variar o comportamento,
4. Considerações finais conforme a orientação da fachada.
Estudos dessa natureza permitem evidenciar que
O estudo dos índices edilícios permitiu estabelecer indicadores de fácil determinação e aplicação podem
uma análise climático-energética que colabora, na área ser investigados de forma mais abrangente, permitindo
da construção civil, para a adoção de ferramentas para maior eficácia ambiental desses instrumentos.
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64
Diretrizes projetuais para
bibliotecas universitárias a
partir da avaliação
pós-ocupação
Samir Hernandes Tenório Gomes
Resumo
Este trabalho tem como objetivo apresentar o contexto das análises de desem-
penho físico (medições, vistorias técnicas) e aferição de satisfação dos usuários 65
em ambientes de bibliotecas universitárias. Além disso, visa analisar de que
forma a Avaliação Pós-Ocupação (APO) pode contribuir na compreensão das
bibliotecas universitárias, sob o ponto de vista técnico-funcional, oferecendo
subsídios de avaliação desses espaços. A aplicação de um conjunto de métodos
e técnicas, relacionado às questões do ambiente construído e do comporta-
mento humano, sugere a implementação de melhorias das bibliotecas uni-
versitárias, vislumbrando não só os espaços e os serviços tradicionais desses
edifícios, como também novos recursos e meios no ambiente construído. O
estudo objetiva possibilitar a obtenção de resultados mais precisos e abrangen-
tes no que se refere ao desempenho físico dos edifícios eleitos e na elaboração
de futuros projetos.
Palavras-chave: Bibliotecas acadêmicas. Avaliação pós-ocupação. Avaliação
do ambiente construído.
1. Introdução 2. Contribuição da avaliação pós-ocu-
pação no contexto das bibliotecas
Apesar dos esforços contínuos no entendimento
das operações e dos serviços de bibliotecas universi-
universitárias
tárias no Brasil, poucos exemplos têm se produzido
Na esfera internacional, vários exemplos têm sido
na área da arquitetura que, efetivamente, do ponto de
constatados na avaliação sistemática de ambientes cons-
vista metodológico, contribuam em recomendações
truídos de bibliotecas universitárias, principalmente
sobre problemas técnico-construtivos, funcionais e
buscando a fundamentação científica para a tomada de
comportamentais para a biblioteca universitária. Esse
decisões quanto a alternativas de projetos nesses espa-
fato pode ser explicado, como afirma Ornstein & Ro-
méro (1992), em razão da dificuldade de aplicação de ços, sempre seguindo abordagens e fases metodológicas
avaliações nas atividades cotidianas, como também na semelhantes em pesquisas aplicadas em APO.
recusa ou não aceitação por parte dos agentes envolvi- Um dos principais exemplos dessa área é o National
dos no uso, manutenção e administração dos espaços Clearinghouse for Educational Facilities (NCEF/2006),
estudados. De forma análoga, o caso das bibliotecas localizado na cidade de Washington (EUA) e criado em
universitárias tem refletido essa situação, valorizando 1997. O centro tem como função básica fornecer infor-
principalmente as etapas de planejamento/programa- mações e subsídios no planejamento, na construção e na
ção, projeto e construção, esquecendo-se ou anulando- melhoria dos espaços e equipamentos destinados às ati-
66 vidades escolares. Um dos setores atendidos pelo NCEF
-se importantes esforços de avaliação sistêmica pós-
-ocupação do ambiente construído. é o que se refere aos projetos de bibliotecas universitá-
É relevante entender que as avaliações e recomen- rias, disponibilizando um acervo completo de relatórios,
dações sobre os edifícios de bibliotecas universitárias pesquisas, livros, artigos de jornais e abordagens que ex-
têm como propósito situar-se no contexto do progres- ploram o planejamento, o projeto, a construção e a ope-
sivo interesse dos serviços bibliotecários na socie- ração dessas bibliotecas.
dade, oferecendo também para a universidade, uma A American Library Association (ALA/2004) é outro
ferramenta de melhoria nas atividades desenvolvidas, órgão que vem cooperando nas atividades de avaliações e
na correção de falhas e na anulação das carências análises de bibliotecas universitárias no EUA, disponibi-
dos serviços. Há, entretanto, que se avaliar a situa- lizando importantes padrões voltados ao planejamento e
ção desses ambientes na realidade atual, seus princi- operação física desses edifícios. O relatório Standards for
pais impactos em termos de usos, a satisfação de seus Libraries in Higher Education referenda a importância da
usuários e eventuais demandas existentes. Como em aplicação da avaliação no âmbito da biblioteca universi-
qualquer programa arquitetônico, a biblioteca univer- tária, a fim de promover ajustes aos objetivos propostos e
sitária deve propiciar condições ambientais favoráveis potencializar a interação entre todos os atores envolvidos
de qualidade, com as quais possa desempenhar suas nas atividades cotidianas do ambiente construído. Além
atividades no oferecimento de informação e conheci- disso, a pesquisa enfatiza e recomenda a participação di-
mento à sociedade. reta dos usuários nas decisões relativas aos projetos de
remodelação de espaços e alterações de layouts em am- senho espacial, decorrentes das redes de computadores,
bientes de bibliotecas universitárias. como, por exemplo, internet, bancos de dados e intranet.
Dois autores, Lackneyl, J. A. & Zajfen, P. (2005), Um dos principais exemplos no contexto internacio-
trabalharam o tema da avaliação pós-ocupação na Bi- nal, concernentes à aplicação das metodologias da APO,
blioteca da Universidade de Palm Desert, Califórnia vem sendo desenvolvido na Nova Zelândia. Nesse país,
(EUA). As análises envolveram os aspectos relativos à as avaliações e as análises sistemáticas dos ambientes
funcionalidade espacial, conforto ambiental, disposição construídos visam criar procedimentos que estimulem
do acervo bibliográfico e, principalmente, entrevistas o desenvolvimento de propostas que colaboram com
e questionários aplicados aos usuários, investigando o bem-estar do usuário. O conceito básico desses tra-
o nível de satisfação e as expectativas concernentes ao balhos é o uso dos ambientes construídos entendidos
ambiente construído da biblioteca em questão. O estudo como forma de apropriação dos espaços na operação e
estabeleceu elementos importantes finais de análises e na manutenção, ou seja, formata-se o estabelecimento
recomendações, formatando um importante documen- de programas eficientes de manutenção (preventiva e
to de planejamento para a direção da universidade. corretiva), em todos os segmentos da construção civil,
O estudo de Silver, S. & Nickel, L.T. (2002) descreve arquitetura, engenharia, etc.
uma pesquisa realizada na Biblioteca da Universidade Na Inglaterra, outro importante pais no contexto da
do Sul Flórida (USF/EUA), com a finalidade de avaliar APO, surge no ano de 1995 o Post-Occupancy Review of
o ambiente construído desse edifício em função das Buildings and Their Engineering (PROBE/2006), uma or-
67
atividades e necessidades desenvolvidas pelos usuários. ganização independente que tem a função de fornecer
Foram aplicados questionários e entrevistas para coleta informações e subsídios no planejamento, na cons-
de dados no sentido de aferir o nível de satisfação dos trução e na melhoria de edifícios públicos. O órgão
usuários (funcionários, estudantes e visitantes). Logo a ainda conta com um corpo de profissionais e de
seguir, executou-se a tabulação dos dados com o objeti- técnicos envolvidos em programas de capacitação
vo de determinar quais os pontos positivos e negativos ligados à área da avaliação pós-ocupação, além de
estavam relacionados com os elementos do desempenho disseminar normas, padrões e resultados por meio
do ambiente construído. No fim, o trabalho revela uma do jornal Building Services Journal e pela internet.
descrição sucinta de procedimentos e técnicas adotados, Com a introdução dos métodos e procedimentos
com o intuito de promover recomendações e diretrizes da APO nos edifícios de bibliotecas universitária na
técnicas ao ambientes avaliados. Inglaterra, foi possível conscientizar os principais
Sannwald (2001) enumera em sua pesquisa uma agentes envolvidos no uso, operação e manutenção
completa lista de elementos de verificação projetual, a desses edifícios, além de criar uma cultura associada
partir da avaliação e da análise do ambiente construído ao feedback das operações do bem-estar e à produ-
de projetos de bibliotecas universitárias, por intermédio tividade dos usuários. Outro ponto relevante foi o
da participação dos usuários. O autor denomina essa me- desenvolvimento, por parte do PROBE, de manuais,
todologia como “lista de verificação”, englobando, inclu- diretrizes, padrões e normas para projetos futuros de
sive, a possibilidade de avaliação das novas formas do de- ambientes construídos das bibliotecas acadêmicas.
3. Definição da amostra e caracteriza- Amaro, na cidade de São Paulo (SP) e a (2) Biblioteca
Central da Universidade Estadual Paulista, campus de
ção do estudo de caso
Marília (Unesp/SP).
A pesquisa teve como proposta a utilização de téc-
Este trabalho inseriu-se na tese de doutorado inti-
tulada Edifícios para Bibliotecas Universitárias: perspec- nicas e procedimentos quantitativos e qualitativos no
tivas e diretrizes a partir da Avaliação Pós-Ocupação e sentido de envolver dados representativos. De um lado,
teve como objetivo a utilização de estudos de caso como pretendeu-se estruturar as informações quantitativas
estratégia de pesquisa, de forma que fosse possível res- relacionadas aos índices, perfil dos objetos escolhidos e
ponder por meio de casos práticos e reais às pergun- dados que pudessem estabelecer comparações entre os
tas relacionadas ao espaço da pesquisa. Com base nas resultados obtidos, quando possíveis. E, por outro lado,
respostas obtidas, foi possível investigar a validade das a avaliação qualitativa que visou trabalhar com os valo-
proposições teóricas, cujas questões básicas foram: (1) res, hábitos, crenças, representações, atitudes e opiniões,
Após a realização de análise de desempenho físico dos podendo assim, executar uma abordagem interpretativa
ambientes de bibliotecas universitárias, como seria pos- no sentido de compor o contexto sob o qual se inseriu o
sível determinar intervenções e melhorias nos objetos fenômeno estudado (ORNSTEIN & ROMÉRO, 1992; MI-
analisados? (2) Quais os fatores ambientais e como seria NAYO & SANCHES, 1993).
possível relacioná-los na determinação da satisfação dos
68 usuários em ambientes de bibliotecas universitárias? 3.1. Atualização e cadastro do objeto de estudo
O universo da pesquisa foi composto por dois
edifícios de bibliotecas universitárias, sendo a (1) Bi- Esta etapa teve como objetivo principal executar
blioteca Central do Centro Universitário Senac/Santo o levantamento da “memória” projetual do ambiente
6. Referências
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Qualidade espacial e
conforto térmico em ruas
de pedestres
Maria Solange Gurgel de Castro Fontes
Resumo
Os espaços públicos urbanos fazem parte do cotidiano das pessoas e seu de-
sempenho depende de vários aspectos, tais como: microclima, acessibilidade,
segurança, imagem, e outros elementos, que contribuem para uma boa quali-
dade ambiental do espaço urbano e, assim, exercem poder de atração dos usu-
ários. O aspecto microclimático, por exemplo, contribui para os usos, formas
de apropriação dos espaços e tempo de permanência dos usuários e a análise
das características microclimáticas e suas influências no conforto térmico dos 79
pedestres torna-se fundamental para o processo de planejamento comprome-
tido com a qualidade de vida urbana. Nesse contexto, este artigo aborda me-
todologias de análise dos aspectos qualitativos dos espaços públicos urbanos
e mostra um estudo de caso sobre a qualidade espacial e conforto térmico em
uma importante rua de pedestres localizada em Bauru (SP). No estudo foram
analisadas as características de uso e ocupação, opinião dos usuários e suas
condições de conforto térmico, com base em monitoramentos microclimáti-
cos e aplicação de questionários em diferentes condições de tempo. Os resulta-
dos evidenciaram um uso intenso do espaço público em função da capacidade
de atração do comércio local, e uma maior sensibilidade térmica dos usuários
às mudanças de tempo e aos diferentes microclimas em cada uma das qua-
dras do calçadão. As características microclimáticas, além de influenciarem
os usos e formas de apropriação do calçadão, também interferem no tempo de
permanência dos usuários. Por isso, a grande insatisfação térmica em condi-
ções de tempo quente (úmido ou seco) ressalta a necessidade de requalificação
do espaço para atender às necessidades de conforto térmico dos usuários.
Palavras-chave: Rua de pedestres. Conforto térmico. Qualidade ambiental
urbana.
1. Introdução Em relação à qualidade térmica, sua análise exige o mo-
nitoramento de dados microclimáticos (temperatura e umi-
Um dos grandes desafios do urbanismo contempo- dade do ar, radiação solar e velocidade dos ventos), e o co-
râneo é a qualidade de vida das cidades, que inclui, entre nhecimento da sensação e percepção térmica dos usuários.
vários aspectos, a criação de espaços urbanos habitáveis, Entretanto, avaliar o conforto em espaços públicos abertos é
correspondentes às necessidades humanas. Em relação uma questão muito complexa e necessita do entendimento
às ruas, a qualidade espacial depende de atributos físicos da interrelação entre numerosos e diferentes parâmetros.
(históricos, culturais ou mesmo projetados) e operacionais Para o pedestre, a percepção de conforto é uma reação emo-
(gestão do espaço), que juntos podem garantir conforto, cional positiva ao ambiente externo em diferentes situações,
segurança, tranquilidade, boa manutenção e limpeza. Es- que inclui reações fisiológicas, físicas, sociais e psicológicas.
ses aspectos podem favorecer uma boa imagem do lugar e A sensação de conforto também é influenciada pela
satisfação do usuário, além de contribuir para tornar o es- expectativa e a experiência anterior. Assim, as experiên-
paço um ambiente de convívio, onde as pessoas se encon- cias recentes dos usuários e suas expectativas possuem
tram ocasionalmente ou não e desejam levar seus amigos. um papel importante e são responsáveis por uma va-
De acordo com Gehl (2001), a qualidade do ambien- riação de até 10°C na temperatura de conforto, que é a
te físico influencia significativamente as atividades ao ar condição térmica em que as pessoas não sentem calor ou
livre, que são classificadas em: necessárias, opcionais e frio (NIKOLOPOULOU & LYKOUDIS, 2006).
sociais. As atividades necessárias independem das condi- A complexidade na avaliação do conforto térmico em
80
ções do ambiente e estão relacionadas com o cotidiano das espaços públicos urbanos contribui para a grande diferen-
pessoas, que precisam usar o espaço público como traje- ça entre os dados de conforto térmico real, obtidos através
tória obrigatória para o trabalho, a escola, entre outras. de aplicação de enquetes sensoriais juntos aos usuários,
Atividades opcionais são influenciadas pelas condições de com o calculado, através de índices preditivos de conforto
tempo e pelas características físicas do local e dependem térmico. Nesse contexto, este artigo aborda os principais
das escolhas dos participantes. Já as atividades sociais, aspectos que influenciam a qualidade espacial dos espaços
também denominadas de resultantes, são consequência públicos urbanos apesenta algumas metodologias de aná-
da presença de pessoas no espaço público. lise da qualidade ambiental desses espaços e mostra um
Ainda segundo o mesmo autor, em espaços públi- estudo de caso desenvolvido por Faustine & Fontes (2010)
cos de baixa qualidade as atividades são reduzidas, em no calçadão da rua Batista de Carvalho, importante rua
contrapartida, a alta qualidade espacial atrai usuários comercial localizada na cidade de Bauru (SP).
e favorece uma maior variedade de atividades, espe-
cialmente as opcionais. Entre os atributos espaciais, as
condições microclimáticas influenciam enfaticamente 2. A qualidade de espaços
os usos e tempo de permanência dos usuários nas ruas. públicos urbanos
Ruas confortáveis produzem espaços públicos vibrantes,
com fortes interações sociais, proporcionados pela cir- O conhecimento de aspectos ambientais de espa-
culação de pessoas. ços bem sucedidos, assim com a identificação da forma
como as pessoas os percebem, os utilizam e se movi- meabilidade, vitalidade, variedade, legibilidade e durabi-
mentam através deles, constituem aspectos importantes lidade e as relacionam com a qualidade microclimática.
no entendimento das relações entre o uso e a qualidade Assim, as características microclimáticas favoráveis ao
dos espaços e são valiosos subsídios projetuais. De acor- conforto humano, aliadas a essas outras cinco qualidades,
do com Fontes et al. (2005), os atributos espaciais po- contribuem para a sustentabilidade do espaço público.
dem ser decisivos para vitalidade dos espaços públicos Shaftoe (2008) discute vários aspectos que tornam
urbanos. Esses autores, ao desenvolver estudos em Bau- o espaço público um local de convivência. Após citar
ru, apontam para os seguintes aspectos, que contribuem diversos autores e exemplificar vários espaços públicos
para o aumento e/ou redução da qualidade de vida em bem sucedidos ou não de cidades europeias, o autor che-
cada espaço: inserção urbana, desenho, presença de mo- ga à conclusão de que não existe fórmula para um espaço
biliário, equipamento, microclima, entre outros. de convívio, mas os espaços de sucesso compartilham
Em relação à inserção urbana, Chrisomallidou et alguns elementos comuns, que podem ser amplamente
al. (2003) concluem que a função dos espaços públicos categorizados nos seus atributos físicos, geográficos, ad-
abertos é afetada principalmente pela sua localização no ministrativos, psicológicos e de sentido do lugar, ou seja,
contexto urbano (centro urbano ou bairros mais afas- como o espaço afeta o espírito, a mente e os sentidos.
tados). Em regiões centrais, a grande porcentagem de Marcus & Francis (1994) também constituem referên-
usuários passa pelo espaço sem fazer qualquer uso dele, cias importantes para avaliação da qualidade dos espa-
enquanto que, em bairros estritamente residenciais, ha- ços urbanos. Os autores sugerem identificar: quem está
81
bitantes locais fazem uso mais racional do espaço. usando o lugar? Como o espaço e as subáreas estão sendo
De acordo com Scudo & Dessí (2006) o interesse por usados? Por que existe o padrão de uso e o de não uso? O
espaços públicos habitáveis tem estimulado a elabora- que de fato funciona bem no lugar? O espaço deixa as pes-
ção de métodos e ferramentas para definir requisitos soas satisfeitas? Quais características de projeto facilitam
ambientais em projeto urbano, focado nas necessidades isso e por quê? E quais são as características das áreas que
de conforto, o que torna a avaliação da qualidade desses parecem sem uso, danificadas ou pobremente mantidas?
espaços fundamental para auxiliar o exercício proje- Ao avaliar diversos espaços públicos ao redor do mun-
tual, comprometido com a qualidade de vida urbana. do o Project for Public Spaces (PPS) – uma organização
Ainda segundo esses autores, os espaços urbanos tam- sem fins lucrativos, dedicada a criar e manter espaços pú-
bém devem ser multisensoriais, em que a forma física, blicos (disponível em http://www.pps.org/) – identifi-
limites e materiais podem contribuir para melhorar a cou algumas questões-chave para avaliar o sucesso desses
qualidade ambiental. espaços, que são: eles são acessíveis? Pessoas são engajadas
Schiller & Evans (2006), reforçam essa questão e di- em atividades? Eles são confortáveis? Eles possuem boa
zem que a melhoria das condições dos espaços urbanos imagem? E, finalmente, eles são lugares sociáveis, onde
está relacionada com os fatores ambientais, que influen- pessoas se encontram e levam outras para visitá-los?
ciam a capacidade desses espaços em proporcionar um Para ajudar no julgamento de qualquer espaço em
melhor conforto térmico. Esses autores apontam cinco bom ou ruim, o PPS desenvolveu uma ferramenta cha-
qualidades urbanas básicas para os espaços públicos: per- mada “o diagrama do lugar” (figura 1), em que o anel in-
terno representa os atributos chaves (sociabilidade, usos e a imagem são fundamentais para saber se um lugar
e atividades, conforto e imagem e acessos e conexões). O será usado. De acordo com o PPS, percepções sobre se-
anel médio apresenta as qualidades intangíveis para cada gurança e limpeza, o contexto de edifícios adjacentes, o
atributo e os dados mensuráveis estão na parte externa. charme e o caráter local são, muitas vezes, mais impor-
Segundo esse diagrama, para avaliar o conforto e a tantes na mente das pessoas, assim como questões mais
imagem do espaço público é necessário mensurar dados tangíveis, como ter um lugar confortável para sentar. A
estatísticos sobre criminalidade, saneamento, condições importância das pessoas terem a opção de sentar onde
dos edifícios do entorno e dados ambientais. O conforto elas querem é geralmente subestimada.
82
85
Tabela 1: Fotos hemisféricas das quadras 1, 3 e 5 e seus Fatores de Visão do Céu (FVC).
Quadra1 Quadra3 Quadra5
FVC= 0.403 FVC= 0.259 FVC= 0.313
tou temperaturas médias variando de 18,6 ºC (manhã) a 20°C. Nesse caso, a causa do desconforto térmico foi
a 25,1 ºC (tarde); umidade de 55,35% (manhã) a 32,5% o vento, pois muitos usuários disseram sentir incomo-
(tarde). No segundo período, as temperaturas médias dados por causa do vento frio, cuja velocidade variou de
variaram de 27,9 ºC (manhã) a 30,7 ºC (tarde) e as umi- 0,9 a 2,1 m/s. Assim, o elemento se torna uma variável
dades relativas médias do ar oscilaram entre 63% (ma- climática de grande importância para a avaliação do
nhã) e 44,5% (tarde). conforto dos pedestres.
A análise dos dados levantados no primeiro período Nesse período, a baixa umidade relativa do ar, espe-
de observação (setembro/2008) evidenciou diferenças cialmente durante a tarde, também foi causa de grande
entre as condições de conforto térmico real, por meio desconforto térmico dos usuários. Essa variável climá-
da aplicação dos questionários, e conforto térmico cal- tica possui grande influência no conforto térmico, uma
culado, a partir do índice PET. De uma maneira geral, vez que interfere diretamente nos mecanismos de perda
os dados de conforto térmico calculado revelaram uma de água do corpo humano – na difusão de vapor d’água
maior quantidade de pessoas confortáveis. Já em relação através da pele, na evaporação do suor da pele e na umi-
à análise do conforto real (sensação térmica) as porcen- dificação do ar respirado.
tagens de pessoas confortáveis e desconfortáveis ficaram Já a análise da qualidade microclimática no segun-
muito próximas, refletindo em porcentagens também do período (durante o mês de março de 2009) eviden-
equilibradas na satisfação térmica (respostas sim/não ciou uma grande insatisfação térmica, verificada nas
entre satisfação e insatisfação térmica). figuras 4, 5 e 6, que mostram gráficos comparativos
Esse aspecto pode ser explicado pelo fato do período entre o conforto real (sensação térmica), o conforto 87
apresentar temperaturas amenas, caracterizando tempo calculado (através do índice PET), e a satisfação tér-
frio e seco para a cidade. Assim, uma boa parcela res- mica (respostas entre sim ou não) dos usuários do Cal-
pondeu sentir desconforto por frio, especialmente no çadão da rua Batista de Carvalho nos dias 3, 5 e 17 de
período da manhã, cuja temperatura média foi inferior março de 2009.
Figura 4: Comparação do conforto real e calculado no calça- Figura 5: Comparação do conforto real e calculado no calça-
dão Batista de Carvalho no dia 3 de março de 2009. dão Batista de Carvalho no dia 5 de março de 2009.
4. Cosiderações finais
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Experiência pedagógica
em ateliê de projetos:
Aplicação no curso de Arquitetura e
Urbanismo da Unesp/Campus de Bauru
Resumo
2.2.1. O processo
98
1 2
3 4
Figuras 1 a 4.
5 6
99
7 8
Figuras 5 a 8.
3. Metodologia aplicada ao planejamen- ainda que haja uma apreensão da paisagem pelo aluno
enquanto “espaço total” e também enquanto “objeto” a
to e projeto da paisagem
ser usufruído pelos sentidos humanos.
A ideia de espaço total refere-se
3.1. Base conceitual
ao arranjo e o perfil adquiridos por uma determinada área
A apreensão do espaço como resultante da imbri-
em função da organização humana que lhe foi imposta ao
cação entre o ambiente natural e as transformações longo dos tempos. Nesse sentido, pressupõe um entendi-
operadas pelo homem constitui-se no pano de fundo mento – na conjuntura do presente – de todas as implan-
da disciplina, dando continuidade e ao mesmo tempo tações cumulativas realizadas por ações, construções e ati-
permitindo um fechamento do conhecimento adquiri- vidades antrópicas. A gênese do espaço – considerado de
do sobre paisagismo nos anos anteriores. Pretende-se um modo total – envolve uma análise da estrutura espacial
realizada por ações humanas sobre os atributos remanes- as utilizando máquina fotográfica para registro das pri-
centes de um espaço herdado da natureza. Por essa razão, meiras impressões. O mapa topográfico é fornecido para
há que conhecer o funcionamento dos fluxos vivos da natu- que haja reconhecimento de como se dá a transposição
reza (perturbados, mas não inteiramente eliminados) e de da realidade para o material cartográfico.
toda a história e formas de ocupação dos espaços criados Mais que um registro de cenários, pretende-se que as
pelo homem (Ab’SABER et al., 1998).
fotos sejam manipuladas posteriormente de forma que
seja possível resgatar sensações (táteis, olfativas e visuais)
Nas aulas em ateliê propõe-se que o exercício pro- percebidas durante a visita. As impressões visuais devem
jetual seja estruturado em três eixos (TREIB, 2001). O ser comparadas a sensações de amplitude/expansão e fe-
primeiro prevê a incorporação da hipótese de paisagem chamento/recolhimento, o que facilitará a proposição de
equilibrada, partindo do entendimento da paisagem na- espaços abertos, e ainda, de traçados para deslocamentos.
tural como detentora de fluxos e processos que devem Pretende-se que os elementos perceptíveis nessa etapa pos-
ser reconhecidos e mantidos. O segundo é o cultural, sam contribuir na concepção formal do espaço.
representado pelos valores sociais, comportamentos e O programa de necessidades é definido pelo aluno
história. Esses dois eixos correspondem à ideia de espa- a partir de pesquisa sobre aspectos culturais da cidade
ço total preconizada por Ab’Saber, conforme descrito no e da região. As propostas giram em torno de usos como
parágrafo anterior. O terceiro seria o formal, que refere- hotel-fazenda, escola técnica agrícola, grande parque
-se à qualificação do espaço através do desenho (aqui temático infantil, clube para funcionários públicos mu-
100 entendido como “design”). nicipais, SPA, instituição pública de recuperação para
Conforme Treib (op.cit.), a configuração da paisagem a dependentes químicos, entre outros. A escolha dos
ser proposta deve ser obtida com a somatória de “aspectos programas e a existência de edifícios de caráter histó-
da presença e história humana e natural, elevando-a a uma rico (residências construídas durante o ciclo cafeeiro no
condição poética através da qualificação formal”. O autor Brasil, caso das fazendas São Benedito e Val de Palmas)
entende ainda que “(...) as condições particulares do lugar permitem o debate sobre aspectos históricos/culturais
informam a maneira de se desenhar a paisagem (...)”. do local no contexto regional.
A metodologia de elaboração de cartas temáticas tem
3.2. Método para o ateliê de planejamento e como referencial o livro “Design with Nature” (McHARG,
projeto da paisagem 1971), clássico, que condensa toda a evolução metodológi-
ca e conceitual do planejamento da paisagem.
Sobre essa base conceitual, a proposta colocada para A elaboração de cartas temáticas permite ao aluno
o trabalho em ateliê sugere a criação de um cenário na uma apreensão maior da paisagem, especialmente em
escala territorial (com mais de 300ha). As áreas defini- função da escala. Assim, inicialmente é elaborado o mo-
das para projeto são o Jardim Botânico, a Fazenda Val delo digital de elevação que revela o movimento do rele-
de Palmas (próximos a cidade de Bauru) e a Fazenda São vo, do desenho das encostas (côncavas ou convexas) e da
Benedito, na cidade de Agudos. A aproximação com o hidrografia. As demais cartas elaboradas nessa etapa da
problema colocado é feita através de percurso pelas áre- disciplina são: carta de declividades, vegetação existen-
Figura 9: À esquerda, modelo digital de elevação, à direita carta de declividades (Fazenda São Benedito).
101
te, reconfiguração da vegetação a partir do novo Código A evolução no processo de resolução do projeto pas-
Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), carta sa por uma primeira configuração definida pelo zonea-
de visuais e carta de dados referentes à ocupação antró- mento da área. Dessa configuração depende a qualidade
pica (construções como edifícios, vias, contenções para formal e ambiental do local.
formação de lagos, entre outros). Os projetos resultantes apresentam diferenciadas so-
Nesse ponto sugere-se ao aluno uma pesquisa em luções de ocupação sobre uma base comum.
projetos exemplares visando a procura de novas lingua- Como capacidade adquirida na elaboração do plane-
gens formais. jamento e projeto das áreas, os alunos chegam à compre-
102
5. Referências
ABRANTES, A.; SILVA, N.; MARTINS, S. Método histórico-social na psicologia social. São Paulo: Vozes, 2005.
AB’SÁBER, A. N.; MÜLLER- PLANTENBERG, C. Bases Conceituais e Papel do Conhecimento na Previsão de Impac-
tos in Previsão de Impactos. São Paulo: Edusp, 1998.
Resumo
Figura 1: Brinquedo desenvolvido pela aluna Fernanda Legatti na disciplina Projetos Paisagísticos, ministrada pela autora
em 2008.
Jogos. Os Parques Infantis surgiram em São Paulo nos -se nos espaços livres. Todos os equipamentos
anos 30, a partir da visão social de Mario de Andrade, devem ser facilmente visualizados por elas. Até
exibindo uma grande variedade de aparelhos recreati- mesmo o tipo e a escala da vegetação escolhida,
vos: balanços, gangorras, passo-gigante, carrossel, desli- cujo tema foi explorado por Fedrizzi (1999, p. 13).
zadores e “taboleiros de areia”, de acordo com Niemeyer iii. Oferecer uma variedade de opções possibilitando
(2001, p.112). Ao seu lado, ficavam equipamentos vol- a oportunidade de escolha: o equipamento deve
tados à prática da educação física: pórtico com cordas, estar aberto a uma variedade de interpretações e
barras paralelas, trapézios, mastros, relacionados aos incluir uma diversidade de desafios, evitando ser
objetivos higiênicos. Nos anos 50, o playground passou muito vago ou apenas escultural. Uma criança
a incorporar objetivos meramente lúdicos. deve, ao mesmo tempo, brincar com um equipa-
Para Almeida (1997, p.124), brincar significa suspender mento e ao seu redor. A proporção de oportuni-
as fronteiras que individualizam e compartimentalizam dades de brincar deve ser de 2:1, conforme Francis
grupos, categorias e pessoas. Para o projeto do Parque da (1990, p.224). Portanto, uma variedade de ativida-
Criança em Santo Amaro (SP), foi apresentada uma proposta des não está relacionada à quantidade de equipa-
de espaço para brincar multisensorial e de usos polivalentes, mentos. A criança deve ser capaz de mudar, de
ao contrário dos espaços despersonalizados e fisioterápicos usar um equipamento de mais de uma maneira,
do parquinho tradicional. Os múltiplos materiais (sucatas de justapondo e manipulando materiais, como apre-
troncos de árvores que caíram, postes de iluminação urbana sentado no exemplo da figura 2.
trombados, pneus, etc.) são devolvidos ao meio ambiente de iv. Estimulação sensorial: os ambientes ao ar livre 109
maneira prática e utilitária, sob a forma de uma escultura provocam naturalmente uma estimulação senso-
lúdica, ou seja, um brinquedo que também é arte. De outra rial. O desafio é aumentar e realçar esses estímu-
forma, eles estariam amontoados nos lixões da cidade. los, a partir do uso das cores, texturas, formas de
objetos e o layout dos espaços externos. Um jardim
2.3. Recomendações projetuais fornece elementos para tocar e cheirar, ou frutas e
legumes para ver, tocar, cheirar e provar. Segun-
Entre as recomendações para o projeto de um espaço do Assmann (1998, p.38), nossos órgãos sensoriais
lúdico, pode-se destacar: são, acima de tudo, criadores de conexões com o
meio ambiente. Os sentidos não são “janelas do
i. Idade e quantidade de crianças: é importante conhecimento”, mas devem ser comparados com
criar diversas áreas separadas para o uso simul- instrumentos para testar hipóteses. É recomen-
tâneo de diferentes grupos de crianças, ou então dado que os alunos utilizem sempre dois ou mais
oferecer apenas um amplo espaço com áreas dife- sentidos simultaneamente: ver e cheirar, ver e ou-
renciadas, acessíveis aos grupos. vir, ver e tatear, para os estudos em que é preciso
ii. Respeitar a escala da criança: quando se projeta memorizar mediante o uso dos sentidos.
para crianças, deve-se dar uma atenção especial v. Manipulação: as crianças usam de maior criativi-
à sua escala: quando anda, corre, sobe ou senta- dade ao manipular materiais que tenham um valor
“de brincar” mais latente – como a areia, árvores 3. Jardins terapêuticos
ou barro – do que com aqueles equipamentos com
um papel definido, como os balanços e escorrega- O jardim terapêutico é uma das variedades de jardim
dores. De fato, as crianças utilizam os objetos que que os homens vêm desenvolvendo desde a descoberta da
estão em seu ambiente de maneiras variadas e com agricultura, há 10.000 anos atrás. Os jardins terapêuticos
diferentes finalidades. Conforme Okamoto (1996,
como um reflexo da emoção individual, formação cultu-
p.104), o contato tátil é dez vezes mais forte do que
ral e suporte social, originaram-se na Pérsia, no Egito e
o contato verbal ou emocional e afeta quase tudo
em outros países Oriente, onde sua existência vem desde
que fazemos. O espaço tátil é percebido por todo o
o nascimento da história. Na Europa, os primeiros jardins
corpo, e só dessa maneira é possível ter a noção de
apareceram durante a Idade Média e suas formas foram
tridimensionalidade, que é a base da experiência
sendo alteradas até a metade do século 18. A luz solar,
arquitetônica e da orientação.
o luar, as plantas e a água dos jardins sempre causaram
Vale salientar que, em agosto de 1999 a Associa- sensações psicológicas significativas nos seres humanos.
ção Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou Cada sentimento pessoal, entretanto, está sempre sendo
a Coletânea de Normas de Segurança em Playgrounds, modificado pelo contexto do jardim e pelo significado
NBR14350-1, tratando das dimensões, recomendações que a cultura corrente impõe à experiência do visitante.
e dos requisitos mínimos necessários para a segurança Um jardim pode significar um retiro familiar ou oferecer
110 dos usuários dos equipamentos, além dos materiais in- um cenário para acontecimentos sociais ou, ainda, servir
dicados para recobrir as superfícies absorventes de im- como um elo religioso entre o usuário e uma entidade.
pactos e áreas de circulação. Em alguns lugares e em tempos remotos, os jardins esti-
Figura 2: Jardim educativo em área pública em Bauru, desenvolvido pela aluna Maria Emilia Soares na disciplina Projetos
Paisagísticos, ministrada pela autora, em 2008.
veram fortemente ligados a experiências emocionais in-
tensas e foram empregados como uma forma de terapia:
como lugares de aliviar a dor ou para assistir às pessoas
com dificuldades de orientação e equilíbrio, podendo ser
rotulados como terapêuticos.
O objetivo dos jardins terapêuticos é o de permitir aos
seus ocupantes um local onde experimentem uma sen-
sação de bem-estar, possibilitando um grau de alívio aos
sintomas físicos, atenuando a dor de doenças crônicas e
aumentando o nível de conforto do indivíduo, reduzindo o
estresse. E são de grande importância para estimular a so-
ciabilidade, promovendo oportunidades de relaxamento e
contemplação, e encorajando o corpo e a mente a se restau-
rarem. Ao visualizar um espaço verde e agradável, a pessoa
sente-se convidada a visitá-lo, podendo realizar atividades Figura 3: Jardim Terapêutico no Hospital de Reabilitação
passivas (observar, ouvir, sentir, explorar) ou ativas (terapia de Anomalias Cranofaciais, em Bauru, desenvolvido pelo
horticultural, exercícios de reabilitação). Na atualidade, ou- aluno Renato Sordi em 2006, na disciplina “ Projetos Pai-
tros significados foram sendo adotados em programas de sagísticos”.
112
Figura 4: Jardim terapêutico desenvolvido pelo aluno Everson Bertazzi, em 2009, para o Núcleo de Saúde Santa Edwirges,
Bauru, na disciplina Projetos Paisagísticos, ministrada pela autora.
so é fundamental, bem como locais com algu-
ma privacidade, com diferentes vistas ou bancos
para sentar ao sol ou à sombra.
v. Oportunidades para contato social: o simples fato
de encontrar pessoas com problemas em comum,
e partilhar de suas preocupações e esperanças, re-
duz o estresse e aumenta o bem-estar dos pacientes
e visitantes, principalmente se o ambiente é agra-
dável e aconchegante. Há três tipos de usuários: os
pacientes, os visitantes e os funcionários do hospi-
tal (composto de corpo clínico e atendentes), cada
grupo com suas necessidades e padrões de uso.
vi. Contato com a natureza: as pesquisas demons-
tram que a visão e o contato com a natureza
resultam em benefícios terapêuticos. Os jardins
devem incluir uma variedade de espécies que Figura 5: Maquete do jardim sensorial desenvolvido pela
floresçam nas diferentes estações, plantas ou ár- aluna Eliane Katayama Amaro para o Projeto Crescer, em
vores que atraiam borboletas e beija-flores, folhas Bauru, em 2008, no Projeto de Extensão Universitária,
orientado pela autora.
113
que se movam com a brisa, elementos que possi-
bilitem a visão e o som da água escorrendo e até
mesmo a visão do céu, permitindo a observação está localizada em terreno doado pela prefeitura ao lado
das nuvens se movendo. Os canteiros para a prá- do condomínio Tivolli II, onde foi realizado o projeto
tica da jardinagem devem ser implantados em al- paisagístico em 2008. Nas primeiras visitas ao local, a
turas apropriadas, para também serem utilizados direção expôs o desejo de desenvolver um projeto que
por portadores de equipamentos, como cadeiras valorizasse a área externa e criasse espaços para aulas
de roda, conforme exemplo da figura 4. e brincadeiras ao ar livre. Após muitas visitas e sempre
priorizando a vontade de diretores, professores e fun-
cionários. Além dos conhecimentos adquiridos sobre
4. Pesquisas aplicadas espaços livres nas escolas, foram apresentadas algumas
sugestões projetuais, chegando-se ao projeto paisagístico
4.1 Projeto crescer final, entregue em planta e em maquete para facilitar seu
entendimento, como pode ser observado na figura 5.
O Projeto Crescer é uma parceria entre a Prefeitura O jardim dos sentidos tem a importância de apro-
Municipal de Bauru com o Grupo Amor e Caridade, e ximação com a realidade, pois, ao cuidar das plantas
atende a crianças carentes de 4 a 14 anos, que permane- e passear no jardim brincando, a criança se relaciona
cem por um período do dia na instituição. A instituição com o tempo, com cores e odores diversos. Neste espaço
tanto a criança quanto o adulto são estimulados a uma Como metodologia para chegar a uma análise mais
busca constante de novas interações pela diversidade, da crítica do ambiente escolar, levou-se em consideração a
constante renovação e multi-sensorialidade oferecida opinião dos usuários do edifício - alunos e funcionários
neste ambiente, estimulando seu desenvolvimento físi- – sendo proposta uma atividade de desenho às crianças,
co, mental e espiritual. evidenciando o que mais gostavam e o que menos gos-
Entre os indicativos de projeto, deu-se especial aten- tavam na escola, além de desenhar como gostariam que
ção à acessibilidade, pois é fundamental a compreensão fosse a escola. A turma selecionada para essa atividade
das restrições ou limitações sofridas por diferentes usuá- apresentava uma faixa etária de 5 a 6 anos, num total de
rios (crianças, idosos, deficientes) nesses espaços. Como, 17 crianças. Aos funcionários da instituição foi distribu-
por exemplo, uma criança que não consegue sentar-se ído um questionário para que eles atribuíssem valores de
em determinados bancos devido à altura inadequada do acordo com as problemáticas abordadas. A proposta de
assento em relação à sua estatura. intervenção foi apresentada aos usuários, discutindo os
Nesse caso não há deficiência, mas sim uma restri- principais pontos a serem revistos.
ção provocada pelo design do banco. As barreiras físicas O terreno da escola ocupa uma quadra comple-
podem ser exemplificadas em casos onde as circulações ta, tendo em frente uma pequena praça. A vegetação
possuam pisos irregulares que impedem o deslocamento de grande porte é suficiente para toda a área livre, no
de uma cadeira de rodas ou de um carrinho de bebê; e as entanto foi necessário um tratamento paisagístico em
barreiras informativas, quando há placas de sinalização escala reduzida, com o uso de gramíneas e arbustos de
114
cuja informação não é percebida por deficientes visuais, pequeno e médio porte. O uso de diferentes escalas foi
ou mesmo compreendida por crianças e analfabetos. importante não apenas na escolha da vegetação, mas
também no emprego de diversos materiais, cores e espa-
4.2. EMEII Garibaldo ços, como pode ser observado na figura 6.
Os resultados apresentados no projeto incluem a re-
Após consulta à Secretaria de Planejamento da Pre- forma de pisos, jardins, proposição de um novo layout
feitura Municipal de Bauru, averiguou-se que a Esco- para o playground e propostas para uma melhor orga-
la Municipal de Educação Infantil Integrada – EMEII nização dos ambientes, buscando dar ênfase à criação
Garibaldo, localizada no Jardim Santana, em Bauru, de uma identidade visual ao espaço, sem perder de vista
fora reinaugurada, havendo interesse na implantação a importância do ato criativo das crianças como parte
do projeto de extensão universitária em 2009. Tendo do ambiente de aprendizagem. Além disso, buscou-se
como ponto de partida o levantamento bibliográfico incentivar as atividades voltadas à sensibilização e cons-
sobre o tema, questionários aplicados aos funcionários, cientização das crianças quanto ao ambiente, estabele-
desenhos elaborados pelos alunos e a análise da edifi- cendo conexões entre horticultura, paisagismo e educa-
cação e de seu funcionamento, chegou-se a uma pro- ção ambiental, com a criação de uma pequena horta, que
posta de intervenção para as áreas livres como também poderá ser abordada em aulas relacionadas à alimenta-
alterações na edificação, depois de realizadas visitas ção, aos sentidos, reciclagem, técnicas agrícolas e preser-
técnicas à escola. vação do ambiente, valorizando “o fazer” dos alunos.
Figura 6: Projeto paisagístico da EMEII Garibaldo em Bauru, desenvolvido por Rafael Sorrigotto no Projeto de Extensão
Universitária, orientado pela autora em 2009.
6. Referências
Resumo
Retomando o exemplo da Casa das Canoas, desta Para Niemeyer, a iluminação dos espaços interiores
vez da perspectiva de seu uso, a fluidez dos espaços é utiliza a luz da abóbada celeste como principal fonte lu-
obtida pela sua união em harmonia. O piso do interior minosa. Nos espaços de transição, em geral, a luz direta
continua nos dois terraços exteriores e a fachada de vi- do sol é adotada como recurso de composição do am-
dro apresenta um ritmo fluente. Niemeyer consegue li- biente, ressaltando seu aspecto dinâmico, variável em
gar o exterior e o interior da casa a partir da rocha na intensidade e cor. A intimidade e a privacidade, na sala
piscina ao lado da casa das Canoas. O volume da rocha de estar da Casa das Canoas, por exemplo, fica por conta
une solidamente a casa ao chão: a laje de concreto, a ro- da parede fechada e ondulada de madeira, com uma pe-
cha e as esculturas de corpos femininos de Ceschiatti ao quena janela que dá vista ao mar, colocada numa altura
redor da piscina, criam uma relação única. Suas curvas baixa, como um quadro. (Figura 3).
são organicamente acomodadas ao terreno, a vegetação A transição entre exterior e interior fica por conta das
e as pedras, adaptadas aos obstáculos naturais, a ponto características da envoltória do edifício. Quanto mais o
de confundir o observador sobre o que está dentro e o filtro seja transpirável, móvel, praticável, modificável, e
que está fora. transparente, melhor. A prevalência da luz natural, das
vistas, da ventilação natural, evitando-se o tratamen- a luz, com materiais que devem ter qualidades filtrantes
to dos edifícios altos como se fossem subterrâneos, com para deixar passar a luz, mas não ver, para ver, mas não
climatização e iluminação artificiais, são aspectos que ouvir, para ouvir e participar, mas não ser visto, para dei-
contribuem para essa transição. A alta e média tecnologia xar passar o ar, mas não a luz, etc., quer dizer, materiais
fornecem uma grande variedade de tipos de membranas que reforçam ou dão vida ao conceito de fluidez.
que podem ser sobrepostas, permitindo que as fachadas e Nas obras de Niemeyer, a iluminação resulta tanto
divisões internas sejam pensadas como peles de caracte- de recursos pré-determinados em projeto como de efei-
rísticas variáveis, feitas com elementos como brise-soleil, tos variáveis e imprevisíveis surgidos face à natureza
persianas, lâminas, nas quais princípios de repetição e inconstante e indisciplinada da luz na arquitetura. A
modulação de elementos arquitetônicos relacionados à luz, claridade é substituída pela penumbra acentuada pelos
tais como brises, colunas, pilares e aberturas, geram um revestimentos dos ambientes interiores, sendo também
ritmo na modulação da luz, variável no decorrer do tempo. recorrente a adoção de espaços semi-enterrados. A ilu-
Em função do tratamento da envoltória, transparên- minação é pontual, através de pequenas aberturas que,
cia-claridade (uso de grandes áreas de superfície envidra- ao pontuar de claridade os espaços em penumbra, pro-
çadas) e opacidade-penumbra (uso de galerias e arcadas), duzem uma iluminação de ênfase e de contrastes, en-
fatores que, ao mesmo tempo em que atendem às exigên- fatizando ora o objeto, ora o espaço iluminado. O pro-
cias climáticas, conferem monumentalidade as obras de cedimento projetual predominante refere-se à proteção
Niemeyer, é possível identificar as formas de trabalhar e dosagem da intensidade da luz do sol, prevalecendo a
124
tos verticais, como se tratasse de dois ou três edifícios, é que atendam adequadamente ao sitio, é fundamental
um erro mais grave e irreparável”. que as relações que compõem o espaço como um todo
estejam contempladas, assim como o uso que dele fazem
As soluções arquitetônicas fora do contexto, comu- os indivíduos.
mente encontradas quando as premissas individuais su- Numa clara reação a essa situação, a partir de me-
peram o coletivo, diminuem a unidade de conjunto do ados dos anos 60, diversos profissionais reforçaram a
tecido urbano da cidade. Para construir uma identidade, necessidade de um lugar público bem definido e desta-
sempre dinâmica e que se renove em relação a múltiplos cado, para assim devolver a cidade à coletividade, fato
elementos da cidade, não é suficiente projetar edifícios que Otília Arantes (1993, p.98) percebe como sendo “o
antídoto mais indicado para a patologia da cidade fun- como testemunho, como vestígios e marcas para a aná-
cional”. Na busca do lugar público, vários estudiosos lise, pois nelas podem ser descobertas as mudanças ha-
perceberam a necessidade de devolver o sentido de lugar, vidas. Também nelas podem ser revelados os elementos
ou genius loci, às cidades modernas. constitutivos ou configuradores do lugar. Em geral, po-
A convicção de que a população pode expandir infi- demos dizer que os significados reunidos em um lugar
nitamente os espaços do assentamento humano é a pri- constituem seu genius loci. A noção de tradição aparece
meira forma, falando em termos geográficos, de neutra- como a união entre a história e a identidade do lugar. A
lizar o valor de qualquer espaço determinado. Perde-se tradição é o transmitido, enquanto que o locus represen-
o domínio visual da paisagem, estabelecendo-se, então, ta essa permanência do lugar e seus elementos ao longo
as negações visuais, que aceitam que a negação sensorial da história, permanência que se articula com a mobili-
seja normal na vida cotidiana. dade que o tempo introduz em diversas situações.
Existe uma dificuldade real em captar o permanente, Niemeyer e Brasília se confundem, não podem ser
o característico de cada lugar quando o modelo de cul- analisados em separado. Desde a insistência de Nie-
tura dominante propõe uma contínua transformação e meyer para que o projeto para Brasília fosse objeto de
uma contínua troca de imagens. O significado do lugar concurso público, com uma escolha feita pelo Instituto
está determinado pelo sistema de relações estabelecidos de Arquitetos do Brasil, até a familiaridade explicitada
entre os objetos que pertencem a esse lugar e as pessoas com o sítio para os projetos dos edifícios monumentais,
que o habitam, pelo significado que constroem. Por ex- vemos que o que permanece não é fruto do azar. O locus
tensão, a reunião urbana pode ser entendida como uma 127
põe em relevo as qualidades, as condições que são neces-
interpretação do gênio local, de acordo com os valores e sárias para a compreensão de um fato urbano singular
necessidades da sociedade atual. e dão continuidade ao que a tradição de cada lugar tem
Os espaços urbanos que admiramos por sua bele- configurado como a sua essência.
za e harmonia estão em regiões com um alto grau de O que dá ao “homem de Brasília” a sensação de segu-
adaptabilidade. Assim, verificamos nos tecidos antigos, rança no lugar e no domínio visual sobre a paisagem (céu
facilmente reconhecidos a partir das praças e cidades, e terra) é a facilidade que a paisagem oferece de se fazer
em geral lugares com sentido estético e social, lugares compreender a partir de relações espaciais claras entre os
que, além da dimensão artística, tinham uma forma de seus elementos, ou seja, sua legibilidade. No vocabulário
circunscrever um espaço próprio à vida pública. de Norberg-Schulz, estas características situam Brasília,
enquanto lugar, entre os domínios do cósmico e do clássi-
5. A noção de permanência co, e são essenciais na definição do seu genius loci.
Em Brasília, a “muralha” das chapadas constitui ao
A noção de permanência é fundamental na valo- mesmo tempo um horizonte e um fechamento. Essa du-
ração da história na forma urbana. No que permanece pla função talvez constitua o mais importante elemen-
revela-se a presença do passado, entendendo-se aí a pre- to definidor da relação entre o céu e a terra no sítio de
sença real dos fatos urbanos, nos quais se cristalizam Brasília. O significado da sua estrutura espacial para o
as vivências. As permanências podem ser consideradas caráter do lugar diz que, no sítio que recebeu Brasília, o
mundo protege o homem, ao mesmo tempo em que lhe 6. Algumas implicações: uma acertada
revela sua ordem cósmica.
leitura do sítio e o protagonismo do
A construção do Lago Paranoá também contribuiu
para essa característica “cósmica-classica” atribuída à seu espaço
cidade, pois sintetiza dois dos três modos pelos quais os
lugares criados pelo homem se relacionam com a natu- Lucio Costa fez uma acertada leitura do sítio e aco-
reza, no pensamento de Norberg-Schulz: visualização modou seu projeto à forma do mesmo. Estabeleceu um
e complementaridade9. A configuração do relevo que vínculo com o espaço e escolheu para a localização o
define sua paisagem garante a Brasília a visão de um triângulo contido entre os braços do Lago. Na linha do
horizonte de 360o e da abóbada celeste como um semi- espigão, estabeleceu o eixo Monumental acompanhando
-hemisfério completo. A vista alcança grandes extensões as curvas de nível que descem até o Lago e acomodou o
e a paisagem espraia-se em cerrados distantes. Eixo Rodoviário. Nas próprias palavras do criador:
O Lago Paranoá estabelece uma fronteira para a área
urbana. Se, por um lado, sua superfície reflexiva tem Nasceu de um gesto primário de quem assinala um
lugar ou dele toma posse; dois eixos cruzando-se em an-
um efeito desmaterializador que se contrapõe à estável
gulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz. Procurou-se
estrutura topográfica, por outro, a perenidade de suas
depois a adaptação à topografia local, ao escoamento na-
águas e seu contorno imutável são signos de estabilidade
tural das águas, à melhor orientação, arqueando-se um
128 e permanência que se contrapõem, respectivamente, à
dos eixos a fim de contê-lo no triângulo que define a área
sazonalidade das chuvas e à constante transformação da urbanizada (COSTA, 1995, p.284).
paisagem em processo ininterrupto de urbanização.
Pode-se dizer, também, que as águas do Lago Para- No gesto primário de concepção da cidade, a sua es-
noá oferecem reflexos mágicos da aurora, do crepúsculo trutura fundamenta os dois grandes eixos que se cru-
e da lua cheia, multiplicando o impacto visual desses fe- zam. O primeiro deles atravessa o sítio de leste a oeste,
nômenos tão caros ao habitante de Brasília. Na cidade, repetindo no chão o trajeto do sol no dia mais longo do
existe a experiência diária, quase tangível, de testemu- ano. O segundo, que poderia ter se mantido perpendicu-
nhar pela manhã o nascer do sol atrás de um horizon- lar ao primeiro, prefere curvar-se a acompanhar o per-
te visível, acompanhar seu trajeto ao longo da abóbada fil do relevo. O traço fundador de Lucio Costa assenta
celeste e seu crepúsculo ao fim do dia. assim a cidade na estrutura da paisagem, conectando-a
tanto ao céu quanto à terra.
Ficam delineados os fundamentos para que Nie-
9 Por complementaridade, o autor entende as intervenções
meyer entre com a arquitetura e atenda ao significado
humanas que procuram completar o que está “faltando”.
No caso de Brasília, “faltava” na paisagem um corpo d’água de habitar no Planalto, quer dizer, estar em constante
de porte significativo. Por visualização, o autor entende a contato com o céu e em contemplação do horizonte e da
atitude de tornar visível uma estrutura natural através de paisagem. A leveza que Niemeyer outorga aos edifícios
um “objeto” artificial. que compõem o desenho da Praça dos Três Poderes per-
mite, por exemplo, que o céu continue tendo um papel possibilita o contraste entre o verde escuro das matas de
fundamental em concordância com os princípios biocli- galeria e as cores amareladas dos campos e cerrados res-
máticos e do lugar. Assim, a abóbada celeste é percebida sequidos, destacam-se as impressões que produzem as
quase como uma calota completa e, ao longo do dia, a obras do Niemeyer intimamente relacionadas com o ca-
variação da luz é absolutamente marcante durante o pôr ráter de dureza, maciez, densidade e leveza da superfície
e o nascer do sol, principalmente nas épocas de céu par- dos materiais por ele escolhidos. Somente assim, a partir
cialmente nublado, em que as nuvens tingem-se de tons dessa concepção, é possível incorporar os materiais do
absolutamente surpreendentes, que transformam não só espaço, os espaços do som, da luz e da cor e a resposta do
a região da abóbada celeste em torno do disco solar, mas espaço mostra-se mais adequada.
toda a paisagem. A forma de Niemeyer de “pousar” a ar- No Planalto de Lucio Costa e Niemeyer, as com-
quitetura destaca o céu no cenário de outros fenômenos binações que se escolhem, segundo um plano de cor,
importantes para o “habitar” no planalto central de alti- podem dar lugar a efeitos marcantes da estética da luz,
tude: o nascer da lua cheia, as nuvens de chuva e as tem- destacando ainda mais os atributos da cor, assim como
pestades vistas a grandes distâncias, o arco cintilante da o efeito defi nidor das veredas e campos de murundus,
Via Láctea nas noites sem nuvens. com caráter também muito marcante na paisagem, de-
A visão arquitetônica de Niemeyer, mesmo quando fi nido em grande parte pela presença do buriti, cujo
se trata de uma temática que tradicionalmente é conce- porte e silhueta são valorizados pela ausência de ou-
bida a partir de uma perspectiva urbanística, nas vas- tras espécies vegetais, além dos capins baixos e even-
tidões de “macro-lugares” dos domínios do cerrado, tuais arbustos. 129
destaca a divisão rítmica do tempo entre uma estação Isso nos leva a concluir que a paisagem e as formas
de seca e uma época de chuva. Na seca, o céu, absoluta- naturais do terreno constituem as bases de projeto: so-
mente livre de nuvens, torna-se cinzento e estagnado, na mente assim é possível que exista senso do lugar e sensi-
época das chuvas, o céu varia de azul brilhante a intei- bilidade para o contexto. Se juntarmos esses elementos
ramente coberto por nuvens baixas de chuva e a vegeta- ao fato de o espaço formar-se basicamente a partir do
ção recupera o viço e o verde. Corresponde à concepção conjunto de relações que vinculam um objeto com o ser
sensorial polivalente, onde a água, a luz, o som e a cor humano que o percebe, produz-se, então, a correspon-
entram a ordenar o espaço como estímulos dimensio- dência entre os sentidos e o espaço que define e confere
nais. Quando o cerrado torna-se uma paisagem árida e identidade ao lugar.
Referências
Nilson Ghirardello
Fernanda Almendros
Resumo
A estética déco foi suporte formal para inúmeras ti- Muito embora, devido à simetria forçada e à serra-
pologias efetivadas nesse período: cinemas, estações de lheria, poderia se enquadrar perfeitamente na lingua-
rádios, casas de espetáculos, pavilhões de exposições, gem déco, fato não encontrado na arquitetura posterior
clubes, entre outros, facilitado pelo desenvolvimento da produzida por Warchavchik.
técnica do concreto armado, pelo aperfeiçoamento do Dentre algumas obras paulistanas de influencia
elevador e pelo fato do art déco se render perfeitamente a déco, destacamos o Jockey Clube de São Paulo, de Hen-
uma arquitetura integrada à estrutura. ri Sajous e Elisiário da Cunha Bahiana, que projetou o
No Rio de Janeiro, capital federal, diversos profissio- pioneiro edifício-sede da Cia. Paulista de Estradas de
nais inscreveram seus nomes na história da cidade, pro- Ferro (1928), o edifício Saldanha Marinho, o magazine
Mappin e o Viaduto do Chá. Importantes ainda, o edifí- acaba sendo Bauru. No ano de 1906, são inaugurados
cio residencial Columbus (1932) de Rino Levi; a sede do os primeiros 100Km da Estrada de Ferro Noroeste do
Banco do Estado de São Paulo, inspirado no Empire Sta- Brasil (NOB). Em 1910, os trilhos chegam à divisa do
te Building; a Biblioteca Mario de Andrade (1925), pro- estado, junto ao Rio Paraná, e em 1914, a NOB fi naliza
jetada por Jacques Pilon entre outros, o que demonstra seu destino em Porto Esperança, no Mato Grosso (atu-
que a capital paulista começa a verticalizar-se de forma al Mato Grosso do Sul). Tanto a construção da ferrovia
rápida, tanto para uso comercial como residencial, e o como a formação das cidades ao longo da nova estra-
déco, assim como um certo protomodernismo serão as da de ferro dará à cidade de Bauru uma importância
linguagens correntes. especial se a compararmos a outras dentro do estado.
No ano de 1910 chega à cidade a Companhia Paulis-
ta, fazendo com que Bauru fosse um importante nó fer-
3. O déco no interior paulista: o caso
roviário, com três companhias, só comparada a algumas
de Bauru capitais brasileiras.
As terras agriculturáveis do outrora imenso municí-
Bauru é uma das cidades criadas no centro-oeste pio, que chegavam inicialmente até as barrancas do Rio
paulista a partir de um patrimônio religioso, assim Paraná, reduziam-se devido à fragmentação da área ter-
como dezenas de outras surgidas no rastro da expansão ritorial. Os solos nas cercanias da cidade mostravam-se
cafeeira em São Paulo. Tais cidades tiveram uma gran- de má qualidade, arenosos. A economia local, devido às
de influência dos migrantes mineiros, que abriram as ferrovias, e ao solo fraco, volta-se, portanto, para as ati- 135
primeiras fazendas e doaram o solo (patrimônio) para vidades urbanas, particularmente aquelas ligadas ao co-
sua formação urbana, a partir dos meados do século 19 mércio e serviços, facilmente acessíveis por uma grande
(MONBEIG, p.133, 1984). quantidade de pessoas advindas das novas cidades em
O crescimento de Bauru foi modesto no início da formação à oeste. A partir da primeira década, se torna
ocupação de sua área foreira, ocorrida na penúltima dé- um entreposto ligado ao comércio e serviços, com amplo
cada do século 19, e nem mesmo a emancipação política, foco na função ferroviária, aspectos que marcarão pro-
em 1896, alterou significativamente a situação. Tal qua- fundamente a tipologia construtiva local.
dro começa a se modificar apenas no início do século Muito embora três importantes ferrovias estivessem
20, em 1905, quando aporta em seu solo a Estrada de aportadas no solo local, nenhuma delas terá estação com
Ferro Sorocabana. No mesmo período discutia-se, pelo construção relevante. A Sorocabana, bem como a Pau-
governo federal, a construção de uma ferrovia de cunho lista, possuíam edificações, bastante modestas e em ca-
estratégico que partiria do interior paulista em direção ráter provisório. O mesmo se dava em relação à estação
ao Mato Grosso e daí ao Pacífico. central da NOB, em madeira. Essa precariedade geral
O Club de Engenharia do Rio de Janeiro, no ano de se explicava devido aos planos do governo em fazer um
1904, indica duas cidades que poderiam receber a fer- único prédio para abrigar as três companhias, processo
rovia por serem situadas mais a oeste do estado: Bau- lento que só chegou ao fim em 1939, com a inauguração
ru ou Agudos (AZEVEDO, p.108, 1950). A escolhida da grande estação da NOB.
O destaque na cidade, em termos de porte de edifi- RU JORNAL, 26/02/1921), especialmente “caixeiros
cações, ficava por conta das oficinas centrais da NOB, viajantes”, que circulavam pelo interior do estado. No
inauguradas em 1921, imenso complexo formado por momento em que a NOB passa para a União e transfere
galpões cuja atividade principal era a de montagem sua sede administrativa do Rio de Janeiro para Bauru,
de vagões. Os trabalhos se davam de forma setoriza- a cidade recebe uma quantidade enorme de trabalha-
da cada atividade em dos diversos galpões: marcena- dores qualificados que viviam na capital federal, o que
ria, carpintaria, fundição, etc., além de rotunda para transforma a vida cultural e social de Bauru dos anos
manutenção de locomotivas. O complexo, pelo porte e 1920 em diante. O jornalista Brenno Ferraz, em sua
estrutura, possuía uma dimensão significativa na pai- obra Cidades Vivas, de 1924, que se contrapõe Cidades
sagem urbana, ainda acanhada, e dava a ela aspecto ni- Mortas de Monteiro Lobato, reflete claramente esse as-
tidamente industrial. pecto industrial, vivo, de “terra de passagem” de Bauru:
Sob certo aspecto, essa paisagem tinha relaciona-
mento com as características da cidade, que a diferen- “É domingo e mal se póde andar: gente de todos os
ciava daquelas situadas nas regiões mais velhas do esta- feitios trança a rua principal em vae-vens confusos, sobre
do. Nas novas zonas, ocupadas a partir do fim do século o areal fundo de palmo e os maus passeios em ala.
19 e durante o século 20, não reinava a velha aristocra- Desnorteia. As três estações, que são três grandes
cia cafeeira, com origem no império. Mesmo que mui- acampamentos, impressionam como uma só officina.
tos desses antigos fazendeiros aristocratas tenham to- Trabalha-se como trabalham mineiros em sua mina: ma-
136 chinistas, foguistas e mecânicos, carregadores, carrocei-
mado inicialmente as terras, e muitos deles saíram das
regiões mais antigas para formarem novas fazendas ros e operários diversos não descansam. Deve ser assim
junto às regiões mais novas, o certo é que nessas áreas uma das clássicas cidades industriais.” (FERRAZ, 1924)
contava muito pouco o “peso da tradição”, o “nome”,
ou mesmo um passado nobiliárquico. As novas regiões Outro aspecto interessante é que, após a Revolução de
se caracterizaram como “terra de passagem”, em que 1930, mesmo nas zonas velhas e muito mais nas novas, as-
o forasteiro, dependendo de sua habilidade e compe- cende socialmente uma nova classe dirigente, aquela vol-
tência, poderia chegar a ser o coronel local. Portanto, tada exclusivamente às atividades urbanas: comerciantes,
não foram raros os “coronéis” sem tradição, de origem advogados, médicos, engenheiros, muitos deles filhos de
mais modesta, ou mesmo fi lhos de imigrantes. Nesses imigrantes que, acertadamente, viam na educação uma
casos, o poder político estaria muito mais relacionado forma de ascensão social para seus descendentes. Esse
à capacidade de articulação política, e muito menos ao novo grupo social, no poder a partir de então, valorizará
nome de família. o espaço da cidade como o foco das funções cotidianas,
A paisagem urbana da cidade deixava bastante clara fazendo dela o centro das atividades culturais, políticas
essa característica de rotatividade, expressa na quanti- e sociais. Isso fica demonstrado claramente a partir da
dade de hotéis, estimados pela imprensa local entre 40 formação, nesse momento, de boa parte dos clubes espor-
e 50, destinados aos mais de 40 mil viajantes que ha- tivos e sociais, sociedades de auxílio mútuo, sociedades
viam passado por Bauru, apenas no ano de 1920 (BAU- beneficentes, clubes de serviços, associações comerciais,
etc. A cidade passa a ser o grande cenário para as demons-
trações de riqueza, cultura e influência. “Por tras do requinte exhibicionista de um luxo pre-
As novas elites já se fazem sentir nas eleições de 1934. tenso e impróprio, depara-se com a nudez desoladora de
Para as Assembleias Federais e Estaduais, a Coligação umas pareces caiadas, com soalho em que se enfileram
Proletária e Integralismo, representantesdas elites urba- lastimavelmente cabeças de pregos apparentes e interstí-
cios sensíveis entre as táboas emendadas de topo...” (Diá-
nas, conseguem significativa votação, ficando respecti-
rio da Noroeste, 09/071926).
vamente em 3ª e 4ª lugares, logo atrás do Partido Cons-
titucionalista e do P.R.P., partidos das antigas elites.
Pelas imagens que restaram em fotografias, e de
Mesmo que o ecletismo tenha deixado exemplares
acordo com aqueles exemplares sobreviventes, percebe-
significativos em Bauru, o fato é que nunca conseguiu
-se o quanto é correta a observação de Andrada Cam-
um nível assemelhado ao das velhas regiões, e claro, ao
pos. Havia preocupação com o fachadismo devido a
da capital. O dinheiro farto do café, nas zonas mais anti-
uma questão de status, com consequências por vezes de
gas, propiciou a vinda de engenheiros, arquitetos e mes-
gosto bastante duvidoso, porém, as obras eram preca-
tres de obras de prestígio, que colocaram cidades como
riamente executadas e possuíam interiores bastante sim-
Jaú, Mococa, São Carlos, Campinas, Ribeirão Preto em
plórios (GHIRARDELLO, p.149, 1992).
patamar assemelhado ao nível das construções das gran-
Outra matéria do Diário da Noroeste, citando a
des cidades brasileiras. Foram poucas as obras ecléticas
Inspetoria Sanitária local, enfatiza a necessidade de
de expressividade na cidade e quando existiram, como o
melhoria das construções locais, descreve a falta de 137
Grupo Escolar Rodrigues de Abreu, de 1913, e a Sede do
qualidade das obras e indica o passado recente da “ci-
Banco do Brasil, ou do Banco do Comércio e Industria
dade de passagem”:
de São Paulo, ambas dos anos 1920, foram feitas pelo es-
tado ou por empresas de fora.
(...) já longe, vae o tempo em que se poderíamos fazer,
Nas zonas novas, e em Bauru em particular, essa sem prejuízo algum, as construcções mais disparatadas,
mão de obra sofisticada era mais escassa, trazida para pois urgia erguer pardieiros e telheiros para dar rápida
uma ou outra construção especial, ou mesmo obras per- acomodação as levas de trabalhadores e de advenas de
tencentes ao Estado como as citadas acima. Esses não todas as categorias(...) (Diário da Noroeste, 19/08/1925).
chegavam a formar uma paisagem urbana constituída
por edificações ecléticas de excelência e boa parte das A linguagem art déco foi aceita, de forma geral, devido
construções dentro dessa linguagem eram relativamente à possibilidade de ser edificada com materiais mais simples,
modestas e sofrivelmente construídas. pois sua tipologia pedia, essencialmente, jogos de volumes
O engenheiro Heitor de Andrada Campos escreve no e planos, uma ou outra caixilharia geometrizada, facilmen-
Diário da Noroeste, no ano 1926, uma série de cinco ar- te executada por qualquer profissional da área, e alguma
tigos intitulados Melhoramentos Urbanos – Como vamos habilidade nas argamassas de revestimento das superfícies.
em Architectura. Depois de enfatizar em um deles a má Ou seja, o déco era mais simples de ser executado se o com-
qualidade das construções locais, dá exemplos simples paramos à arquitetura eclética, que requeria uma série de
da pouca qualificação da mão de obra: detalhes decorativos que demandavam mão de obra mais
sofisticada e preparada de mestres fachadistas. Mesmo os Nesse momento, ainda, cresce sobremaneira a influ-
elementos agregados à alvenaria, típicos dessa arquitetura, ência da América do Norte em nossa cultura, fato enor-
como capitéis, mascarões, guirlandas, cartelas, volutas, etc., memente acelerado durante e após a Segunda Guerra
poderiam ser substituídos por composições geométricas Mundial. Os jornais, rádio, revistas e particularmente, o
simplificadas executadas na própria obra. cinema, são os meios de difusão mais importantes, com
As considerações anteriores reforçam o fato do custo destaque aos filmes que trazem toda uma nova linguagem
total da obra também ser menor, pois demandaria me- aerodinâmica, rapidamente incorporada à linguagem déco.
nos detalhes e peças agregadas à construção, além da O fim da década de trinta foi pródigo em filmes de ficção
mão de obra mais barata, o que diminuiria o custo do científica, feitos por Hollywood, com destaque para os se-
acabamento. Portanto, o art déco tinha como aspecto riados de Flash Gordon e suas cidades futuristas. A própria
relevante o uma despesa menor para execução. O valor visão das cidades americanas, particularmente Nova York,
da obra representava bastante em uma região carente com seus edifícios culminando em pirâmides escalonadas
de moradias e prédios de serviços, e onde tudo estava devido, principalmente, à “zoning resolution”, e cujos exem-
por ser feito. Nessa década muito se construirá, para uso plares mais famosos são o Empire State, Chrysler e General
próprio e para renda, sendo um dos modos mais popula- Electric Building, entre tantos, fascinavam as plateias e as
res de aplicação financeira para os investidores do perío- “fitas” serão vistas como demonstração de futuro e reforço
do, portanto, o custo final necessitava ser razoável. da cultura e tecnologias americanas.
O déco, ainda, trazia uma imagem mais conectada Entre a década de 1930 e 40, por conta do predomí-
138 ao momento contemporâneo do que o tradicional ecle- nio americano, mas eruditamente amparado em expe-
tismo. Para as novas elites ascendentes, voltadas para riências européias como as do arquiteto austríaco Josef
os negócios urbanos, a imagem “futurista” passada por Hoffmann e, principalmente, as do alemão Erich Men-
essa arquitetura, mesmo que o fosse apenas em sua su- delsohn, incorpora-se ao déco o Strean Line Moderne em
perfície, era fundamental, representava e agregava mo- que a decoração aplicada, como as pilastras e volumes
dernidade aos negócios. Por outro lado, o déco cuidaria escalonados, é menos valorizada em favor de volumes
por distinguir a nova geração no poder da “velha”, que aerodinâmicos, ou jogos de volumes aerodinâmicos,
representava o passado e o crack econômico. que passam a contar por si só como meio decorativo,
Interessante observar que aquela considerada pela transformando-se em “sinônimo norte-americano de
imprensa local como A primeira construcção de cimen- progresso” (MAENZ, p.39, 1974).
to armado de Baurú, conforme manchete do Diário da Mesmo que a nova linguagem fosse apenas reno-
Noroeste de 07/09/1929, data de sua inauguração, tinha vadora, pouco profunda em suas intenções e ainda
características déco. A matéria, inclusive, contava com conservadora, pois não tocava em questões de fundo
fotografia da fachada do prédio, situado na principal da arquitetura, para o “cidadão mediano”, ainda mais
rua de comércio, sede da Companhia Paulista de For- aquele do interior paulista nos anos 1930, tais discus-
ça e Luz, que, pelo tipo de serviço prestado, precisava sões eruditas pouco importavam e não estavam presen-
demonstrar modernidade e tecnologia de ponta e para tes em seu dia a dia. Prevalecia a imagem superficial de
tanto a linguagem déco era bastante apropriada. modernidade e futurismo.
Interessante observar que nas novas cidades, e em obras “modernizantes”, cujo objetivo básico era esconder
Bauru em particular, parecia haver uma divisão clara entre o telhado atrás de altas platibandas, além de receberem
as tipologias de edificação, o velho gosto eclético deixado o conhecido arsenal tipológico da linguagem. Aliás, sig-
para os mais conservadores, somando-se a esses a colônia nificativa parte dos exemplares déco são constituídos de
portuguesa, que devido a motivos óbvios, preferia a lin- reformas, executadas por mestres de obras que utiliza-
guagem neocolonial para suas construções. Um exemplo vam elementos simples da linguagem, como a platiban-
desse “conservadoreiro” é o Hospital da Beneficência Por- da e pilastras escalonadas, o que reforça a noção geral de
tuguesa, projetado por Ricardo Severo em 1928. Ascendia que essa tipologia era econômica para ser construída ou
também, a vasta produção déco utilizada para os novos para ser utilizada em reformas, pois ao mesmo tempo
negócios e conjuntos de edificações para aluguel, tan- que renovava o imóvel, passava a impressão, mesmo que
to para fins comerciais como residenciais. Porém, não se vaga, de “futurismo”. Acreditamos que grande parte de
deve desprezar as muitas vezes em que se construiu, pelo sua popularidade, pois se tornou uma linguagem muito
mesmo proprietário, em linguagem déco para os negócios comum à cidade, se devia a essa característica.
e dentro dos estilos tradicionais para a moradia, como a se Nos anos vinte conectando a cultura e a economia
separar esses dois mundos: o do trabalho e o da família. O dentro do território paulista, reforça-se a interioriza-
exemplo mais claro em Bauru é o da Casa Luzitana, maga- ção do sistema geral de comunicação no estado de São
zine importante que servia uma clientela de elite da região Paulo que cresce surpreendentemente nessa década,
noroeste e a casa de seu proprietário, um imigrante por- particularmente entre 1920 e 24, no governo estadual
tuguês, localizada ao lado, em contrastante tipologia neo- de Washington Luiz e também em seu período como 139
colonial, ambos de autoria do engenheiro Alfredo Fígaro. presidente da república (1926/30). A ferrovia ainda é o
Alguns profissionais não se importavam em fazer ora principal meio de transporte, mas o uso mais frequente
arquitetura com influência eclética, ora exemplares mais de veículos automotores acelera a abertura de rodovias.
ligados à linguagem déco. É o caso daquele considerado Paulatinamente, as cidades mais importantes do estado
o primeiro arquiteto com atividade regular em Bauru, são ligadas à capital por estradas, ainda sem pavimen-
João Cacciola, formado pela Escola de Belas Artes de São tação, numa tentativa de criar outro meio de transporte
Paulo, no ano de 1933. Cacciola é autor de algumas obras geral e também de expandir a ocupação do território
mais acadêmicas como o Automóvel Club, inaugurado paulista, ainda não totalmente povoado. O surto rodo-
em 1939, de estilo neoclássico, além de diversas edifica- viário, capitaneado por Washington Luiz, que possuía
ções art déco de uso comercial e residencial (FERRAZ, como lema: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem
2003). Ressalte-se que o arquiteto deveria ter preferência se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar, é pois,
pela linguagem déco, visto a grande quantidade de obras fazer estradas!”, incentiva a criação de estações rodoviá-
aprovadas na prefeitura dentro dessa linguagem, bem rias, próximas às estações ferroviárias. Isso se dava por-
como de alguns trabalhos posteriores de cunho moder- que, nas novas zonas, quem fazia o papel de ligação entre
no de sua autoria (IDEM, 2003). as cidades dotadas de estradas de ferro com as demais,
Não foram poucas, ainda, as construções ecléticas menores, que não as dispunham, eram as “jardineiras”.
existentes que receberam nova roupagem a partir de Surgem, portanto, edifícios para abrigar a parada desses
veículos coletivos, exemplos interessantes da aplicação novidades a época, assim como os postos de gasolina, pe-
da linguagem art déco destinada aos “novos usos”, as- dirão uma nova tipologia adequada às suas funções.
sim como a tipologia que empregava o ferro e o vidro João Cacciola projeta ao menos um posto de gasoli-
já havia sido para as estações ferroviárias do século 19. na em Bauru, no ano de 1937, com cobertura em telhas
Esses conjuntos, devido à novidade da função, não ti- de barro, inevitáveis platibandas e ornamentação déco
nham ainda forma definida, assemelhando-se a gran- (FERRAZ, p.33, 2003). Os edifícios ligados ao lazer tam-
des pontos de parada que dispunham de um ou outro bém trarão o déco como linguagem de maneira muito
equipamento coletivo, como: marquises de cobertura, frequente. É o caso dos cinemas, nos quais muitos dos
sanitários, guichês de passagens e bares, além do sempre arquitetos optarão por volumes aerodinâmicos devido
presente relógio em torre a pontuar o lugar. às características de isolamento em relação ao exterior,
Em 1934, e após ao menos dois outros estudos eclé- ou ornamentação em planos interseccionados, como no
ticos elaborados e não executados, é aprovado o projeto caso do Cine Bauru, também de autoria de Cacciola.
da nova e imensa estação sede da NOB, em Bauru, com Sobre a importância da linguagem que significava mo-
mais de sete mil metros quadrados de área, inaugurada dernidade e futuro, principalmente para edifícios que
em 1939. É certamente outro conceito, muito mais ba- requeriam esse atributo, houve o caso de outro cinema
seado naquele da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, importante da cidade, o Cine São Paulo, cujos proprietá-
que teve lançamento de sua pedra fundamental no ano rios reformaram sua fachada antiga e eclética, no ano de
de 1936, do que naquele da Estação da Luz, por exemplo. 1937, dotando-o de características déco (FERRAZ, p.51,
140 É abandonado por completo o emprego das tipologias 2003). Mesmo o estado constrói, em 1934, aquele que
historicistas e das estruturas metálicas ornamentadas seria o principal ginásio local, localizado em área de ex-
importadas, em favor do concreto armado, indicando pansão junto a um bairro nobre, o Ernesto Monte, den-
uma nova lógica econômica que remeteria à criação da tro da linguagem. Não podemos deixar de citar as cons-
indústria de base brasileira. E, claro, a linguagem será truções dos correios como divulgadoras da tipologia e as
também, assim como a estação carioca,inaugurada em lojas de venda de veículos, como a agência Ford, da fa-
1943, o art déco. mília Salmen, localizada na principal avenida da cidade,
No mesmo período, são criados aeroportos em várias na época. Esse exemplar, por possuir mais de um andar,
cidades do interior que iniciam intercâmbio por ar, des- sobressaía no conjunto de edificações déco, a implanta-
tinado aos correios e às elites. O “Aeródromo” de Bauru, ção em cruzamento de vias favorecia a composição das
é aberto na década de 30 e inaugurado oficialmente com duas fachadas, bem como no uso dos artifícios estilís-
a vinda de Getulio Vargas, em 1938, também guardando ticos aerodinâmicos para a esquina em curva, como o
traços do déco (GHIRARDELLO, p.158, 1992), coerente, volume cilíndrico do edifício, a marquise pronunciada
portanto, com a modernidade e a novidade dos aviões. e jogos de linhas horizontais, tanto na composição das
As novas funções pediam outra linguagem arquitetô- aberturas como dos frisos.
nica, que deveria corresponder à imagem de futurismo e Outra característica interessante na linguagem decó
modernidade desejada e será o déco a responder de forma será o uso de luminárias geométricas como parte in-
plena à demanda. As estações rodoviárias e aeroportos, tegrante das fachadas, especialmente no arremate das
platibandas, junto às pilastras escalonadas, dando à luz linguagem no contexto urbano tem uma forte relação
uma nova contextualização, não aquela de aplicação à com o momento político e social, assim como com as
fachada, mas sim a de incorporação à arquitetura. Essa bases históricas da cidade. O próximo passo será averi-
característica se observa em um dos primeiros prédios guar em outras regiões, à oeste do estado, se processo
de mais de dois andares de Bauru, o Edifício Abelha, semelhante ocorreu. Acreditamos que sim, devido à
em que as luminárias compõem e complementam a expressiva produção déco ainda visível em cidades “no-
ornamentação escalonada vertical central, junto à pla- vas” como São José do Rio Preto, Marília, Assis, Araça-
tibanda. O mesmo se dá em relação ao relógio, como tuba e Presidente Prudente, para ficarmos em algumas
parte integrante das fachadas das estações ferroviárias poucas delas.
e rodoviárias. O relógio se incorpora, ainda, a algumas Embora possamos citar bons exemplares da arqui-
construções comerciais privadas, indicando que a con- tetura déco em Bauru, e mesmo em outras cidades do
tagem do tempo, e com ele as relações capitalistas no interior paulista, que se igualariam em qualidade às
trabalho, permeariam a vida de todos, como na já cita- das capitais, acreditamos que o destaque maior dessa
da Casa Luzitana. Ressaltamos a caixilharia geometri- arquitetura deve ser creditado ao agrupamento delas.
zada de excelente qualidade em boa parte das portadas Muito embora hoje não tenhamos mais ideia da mag-
de entrada, assim como as janelas-persianas de enrolar, nitude e coerência formal desse conjunto, apenas salvo
bastante populares, bem como as aberturas em formato em velhas imagens fotográficas ou por uma ou outra
circular. Destaque ainda para inventivos jogos de volu- construção ainda existente, é certo que a dimensão e
mes definidos por sacadas arredondadas, sem as antigas a qualidade média era bastante expressiva. Grupos in- 141
mãos-francesas, assim como pequenas lajes de cobertu- teiros, situados nas velhas áreas centrais, junto às ave-
ra ou para composição, em balanço, detalhes utilizados nidas e ruas comerciais, guardavam a tipologia déco,
tanto no interior paulista como nos primeiros arranha devido aos motivos mostrados no decorrer deste texto.
céus da capital. Outro elemento novo dessa arquitetu- Nos parece que a linguagem era extremamente popular
ra será a marquise em concreto junto ao andar inferior e bem aceita nessas cidades.
dos pequenos e grandes prédios, que vem substituir com Longe de uma ideia de “planejamento” prévio, como
grande vantagem para proteção do sol e chuvas os toldos no caso das construções de Goiânia, nova capital de
de lona utilizados até então. Goiás, nessas cidades as edificações foram erguidas es-
pontaneamente pelos inúmeros proprietários, seus ar-
quitetos, engenheiros e mestres de obras que, tomando
4. Considerações finais
referências em São Paulo, Rio de Janeiro, ou por meio
dos filmes americanos forjaram a paisagem urbana de
Esse trabalho, em processo de pesquisa, tenta bus-
uma nova época.
car a importância do déco no interior paulista, toman-
do por base, inicialmente, a cidade de Bauru. Consi-
deramos que os dados indicam que, mesmo sem uma
característica formal especial, a apropriação dessa
Figura 1: Estação da NOB, nos anos 1940. Notar a linguagem art déco, bem como as iniciais de cada uma das três compa-
nhias ocupantes do prédio.
Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.
142
Figura 2: Casa Luzitana, projetada em 1933. Notar outras edificações mais modestas, mas com a mesma linguagem, na
mesma quadra.
Fonte: IHAET.
Figura 3: Edifício Orsolini, localizado na Rua Batista de Carvalho, nos anos 1940. Exemplo da linguagem art déco em um dos
143
primeiros prédios da cidade. Observam-se ainda, duas outras construções, ao lado, dentro da mesma linguagem.
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região da Universidade do Sagrado Coração de Jesus
(NUPHIS – USC).
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Sertão verde, luz dourada:
Voturuna e Santo Antonio
Resumo
Figura 4: Capela Sítio Santo Antonio, Santo Antonio. 7 Utilizamos neste caso o termo original do espanhol já que
não encontramos equivalente para o português. PEVSNER,
Nnikolaus. FLEMING, J.; HONOUR, H. Diccionario de Ar-
quitectura. Madrid: Alianza, 1996.
cutadas sob mesma direção, pelos mesmos artesãos e Em Santo Antonio, este efeito não parece tão gra-
mesmo período quando se olha para o conjunto e para ve, com a ajuda do enquadramento do arco-cruzeiro e
o contexto histórico8. teto pintados do altar mor. Mesmo assim, a estreiteza e
Do ponto de vista da arquitetura e dos espaços gera- a verticalidade propostas juntas com enorme nicho su-
dos por cada peça evidencia-se o contraste entre a capela perior arremessam a peça para o alto, não dialogam com
de Santo Antonio e a de Voturuna. Apesar das duas ca- o entorno e com as sobras de paredes desnudas. Em Vo-
pelas saírem do corpo da casa sertanista, gerando espaço turuna, o fechamento da parede de fundo é mais ajusta-
próprio, as diferenças de escala, proporção e programa do, sobrando poucos espaços que acabam realçando em
funcional são grandes. branco o contorno de dourado e vermelho. Contudo, a
Voturuna possui um único corpo com pequeno al- peça é imensa e incrivelmente sofisticada para a pequena
pendre frontal ladeado por duas pilastras colaterais no ali- capelinha de espaço único, lançando-se de forma brusca
nhamento das paredes e mais dois apoios de madeira com sobre o limitado espaço que a envolve.
cachorros muito simples ao centro, delimitando o guarda- As linhas horizontais dos frisos, a projeção das volutas
-corpo, também de madeira, e enquadrando o portal de laterais, a espessura das mísulas, a largura do nicho cen-
entrada. A nave reduzida a um cômodo, a rigor quase tral, o achatamento do coroamento e painel pictórico e a
não existe no sentido basilical tradicional, há apenas duas relação entre a largura e altura denotam evidente horizon-
aberturas laterais de folhas duplas em escuro apoiadas em talidade em Voturuna, projetando ao altar para as laterais
gonzo. O portal de entrada, também em gonzo com duas e para frente, comprimindo o pequeno cômodo. A riqueza
folhas almofadadas também em escuro. O forro de tábuas de detalhes e contrastes entre cores vibrantes com o dou- 149
de saia e camisa, em forma de gamela interrompida nas rado, e o uso da talha em alto e baixo-relevo projetam a
pontas, forma apenas dois painéis laterais levemente incli- peça fortemente em todas as direções, solicitando distan-
nados e um horizontal ao centro, detalhe que aumenta o ciamento e eixo visual de nave alongada, o que não ocorre.
pé-direito ao meio, possibilitando elevação maior do retá- Assim, não é difícil perceber a incompletude e ina-
bulo. Atualmente, não há mais nada. dequação dessas peças, o que obriga a invenção do nicho
Ao entrarmos o interior das duas capelas, o espaço im- central no lugar do painel pictórico, como já anotado
prime a mesma sensação ao observador, apesar das imen- pela literatura especializada. Mas é possível, ainda, ob-
sas diferenças: parece que seus altares não lhe pertencem. servar a inadequação dos espaços por elas gerados ou
Não apenas pela ausência do corpo e da base9 e pelo suporte demandados, principalmente no caso de Voturuna.
precário em forma de mesa de altar, nos dois casos há ape- Confirmadas estas observações quanto à visibili-
nas um aparador que serve de mesa de missa, totalmente dade, restritas às ornamentações arquitetônicas destes
desconectados da linguagem e do acabamento sofisticados exemplos únicos, não verificamos prejuízos à historio-
das peças principais, sobretudo pela desproporção em re- grafia e hipóteses conhecidas que fazem desses retábulos
lação à base, à altura, ao contorno e ao espaço envolvente. obras relativas a caso muito específico e raro da arte e
arquitetura brasileiras10.
152
Figura 7: Detalhe portal de entrada Santo Antonio, guillo- Figura 8: Detalhe coroamento retábulo Voturuna, guillo-
ché ou cosmatesque. ché ou cosmatesque.
da família poligâmica como resultado da conquista entre Entre as dúvidas aqui suscitadas, permanece o tra-
guerreiros, mas, sobretudo, transladaram da Europa valo- balho pioneiro de identificação, tombamento e restauro
res civilizatórios e erudição formal refletidos nas técnicas destas peças magníficas, que ainda encantam olhares
e linguagem arquitetônicas que ainda podem ser obser- atentos de quem procura conhecer melhor a arquitetura
vados no que restou das ruínas dos 30 povos das missões. e a cultura das raízes do enorme sertão verde dos pau-
Os dois retábulos destas rápidas anotações poderiam listas dos primeiros séculos de colonização. A partir de
ter nascido da mão de obra treinada pelos jesuítas e sob então, é possível entender parte do genius loci desta terra
sua orientação? Poderiam ser obra de um grupo de ar- cercada de ambigüidades que fazem do altar de Santo
tesãos transitando entre as colônias espanhola e portu- Antonio e de Nossa Senhora da Conceição, objetos que
guesa? Poderia ser fruto de saques a vilas como de Vila transcendem a materialidade plausível do rito litúrgico,
Rica, transportando apenas o fragmento mais leve de porque parecem pertencer ao desejo do eldorado ainda
uma peça maior, com a inserção posterior do estranho não encontrado, que no século 18 mudara a geografia e
nicho central? o modo de vida construídos pela civilização bandeirista.
Referências
riados: madeira, laje, estuque e alvenaria (figuras 2 e 3). As está conservado; regular, quando parte do material está
esquadrias das portas são de madeira e as das janelas são deteriorado, sendo necessária sua restauração; e ruim,
de ferro, venezianas ou de alvenaria. quando a maior parte do material está bastante deterio-
rada, indicando sua substituição por moldes semelhan-
3.5. Estado de conservação dos materiais tes. (tabela 1, figuras 2 e 3).
As causas da deterioração das peças foram identi-
O estado de conservação dos materiais foi analisado ficadas para possíveis soluções no projeto de restau-
segundo as seguintes escalas de valores: bom, quando ração.
Figura 2: Planta e estado de conservação dos pisos da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Fonte: SALCEDO, et al., 2004.
163
Figura 3: Planta e estado de conservação dos forros da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Fonte: SALCEDO, et al., 2004.
Tabela 1: Estado de conservação dos materiais da Igreja de Nossa Senhora das Dores, 2004.
ESQUADRIAS
CÔMODO PAREDE RODAPÉ PISO FORRO DETALHES
PORTA JANELA
Esquadria metálica com
formato de rosa, vidros nas
Tijolos de Ladrilho Madeira duas Esquadria
1. Hall entrada Com friso Laje cores amarela, azul e verde.
barro maciço hidráulico folhas metálica
Portas de almofadas de duas
folhas.
Esquadria
2. Escada Tijolos de Corrimão de alvenaria e
Com friso Cimento liso Laje --- metálica bascu-
interna barro maciço cimento.
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho
3. Batistério Com friso Laje --- metálica bascu-
barro maciço hidráulico
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Forro de Madeira duas Assoalho liso com faixa de
4. Nave Com friso metálica bascu-
barro maciço hidráulico madeira folhas roda.
lante
Tijolos de Forro de
5. Presbitério Sem friso Granilite --- --- Peitoril em mármore.
barro maciço madeira
Tijolos de Ladrilho
6. Altar Sem friso Laje --- Altar em pedra.
barro maciço hidráulico
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Madeira uma Porta de almofada de uma
7. Vestíbulo Sem friso Estuque metálica bascu-
barro maciço hidráulico folha folha.
164 lante
Esquadria Porta de almofada de uma fo-
Tijolos de Madeira uma
8,9. Banheiro Sem friso Cera vermelha Laje metálica bascu- lha. Equipamentos sanitários
barro maciço folha
lante em metal.
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Madeira uma Porta de almofada de uma
10. Sacristia Sem friso Estuque metálica bascu-
barro maciço hidráulico folha folha.
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Peitoril de alvenaria e
11. Coro Sem friso Estuque --- metálica bascu-
barro maciço hidráulico cimento.
lante
Tijolos de Esquadria
12. Torre Sem friso Cimento liso Alvenaria --- Relógio, sino.
barro maciço alvenaria
Cobertura: telha de barro
Cobertura tipo francesa, sobre estrutu-
ras em tesouras de madeira.
Organização: SALCEDO, 2010.
Legenda
ESTADO DE CONSERVAÇÃO
15%BOM: a manter
25%REGULAR: a restaurar
50% RUIM: substituição da peça
3.6. Entrevista com as pessoas envolvidas que poderá ser construída com estruturas metálicas,
com o projeto de modo a facilitar uma possível remoção.
A substituição deve ser realizada conforme moldes
As entrevistas com o Doutor Diltor Vlademir Araújo que copiem os elementos originais da construção, po-
Opromolla, com o senhor Nivaldo Mercúrio (portador rém é necessário diferenciá-los do elemento original a
de hanseníase e atual morador da antiga colônia Aimo- partir da data de restauro, dos materiais de constru-
rés) e com o senhor Celso Pereira nos ajudaram a co- ção, das cores, etc. O elemento novo deve ter a leitura
nhecer as atividades desenvolvidas na antiga colônia e de sua época.
as necessidades e expectativas que se sentiam em relação A reabilitação da igreja se realizará em função das
à igreja. Frente ao avançado estado de deterioração da necessidades de seus usuários, o que assegurará a con-
construção, foi ressaltada a necessidade da realização do tinuidade de sua vida, destinando-os sempre para fina-
projeto de restauração, que seria encaminhado ao CON- lidades que respeitem seu caráter histórico ou artístico.
DEPHAAT, para sua aprovação e posterior execução. A revalorização do edifício, por meio da restauração,
permitirá sua utilização. A maior atração exercida pelo
monumento e a afluência crescente de usuários contri-
4. Projeto de restauração da Igreja de
buirão para afirmar a consciência de sua importância e
Nossa Senhora das Dores de sua significação regional e nacional.
166
O forro da nave é de assoalho liso, com faixa de roda, As luminárias originais foram retiradas e substi-
e o dos demais cômodos é de estuque. O forro da nave tuídas por lâmpadas fluorescentes durante uma das
está parcialmente destruído, o que exige a reposição das reformas pela qual passou a igreja. Além disso, as lâm-
peças danificadas. padas originais não são mais fabricadas. Devido ao
péssimo estado de conservação das instalações elétri-
4.1.7. Mobiliário e equipamento cas, houve a necessidade de elaborar um novo projeto
de iluminação para a igreja.
O mobiliário dos banheiros é de metal. Os equipa-
mentos, como o relógio da torre, precisam de grandes 4.1.9. Instalações hidráulicas
reparos e o sino deve ser recolocado, uma vez que o ori-
ginal foi furtado. Todo o mobiliário existente pode ser As instalações hidráulicas estavam em péssimo esta-
restaurado. Vale ressaltar que as imagens dos santos da do de conservação, o que exigiu a elaboaração de um novo
igreja já foram restauradas. projeto para a reparação dessas instalações.
5. Considerações finais Para a sustentabilidade desse patrimônio foram
mantidos os matériais que estavam em bom estado de
Frente à deterioração da estrutura física da Igreja de conservação, restaurados aqueles que estavam em re-
Nossa Senhora das Dores, procurou-se restaurar este gular estado e substituídas as peças que estavam em
patrimônio arquitetônico tendo como base as teorias péssimo estado de conservação por elementos novos
de restauração de Ruskin, Boito, Brandi e as recomen- semelhantes ao original. Para acessibilidade, projetou-
dações internacionais: Carta de Veneza, Carta de Res- -se uma rampa com materiais contemporâneos (aço e
tauro e Carta de Cracovia. Para tal, partiu-se da docu- vidro), de fácil remoção. As instalações elétricas e hi-
mentação histórica, metrológica, sistema construtivo, dráulicas foram refeitas.
acabamentos e do estado de conservação dos materiais. Com a restauração e a reabilitação do patrimônio ar-
O projeto de restauração tem como intuito conservar quitetônico da Igreja de Nossa Senhora das Dores, pre-
e revelar os valores históricos e estéticos do edifício, tende-se preservar a história, a identidade, a reutilização
fundamentando-se no respeito ao material original e da igreja e contribuir com os estudos sobre a sustentabi-
aos documentos autênticos. lidade e a restauração do patrimônio arquitetônico.
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Sobre os autores
175
Sobre o livro
Formato 20,5 x 23 cm
Tipologia Minion (texto)
Myriad (títulos)
Papel Papel couché fosco 115g/m2 (miolo)
Projeto Gráfico Canal 6 Projetos Editora
www.canal6.com.br
Capa Daniel Razabone
Revisão Vivian Codogno Ribeiro
Diagramação Anderson Jun Aoyama
Daniel Razabone
Impressão e acabamento
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