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Índices edilícios para uma abordagem climático-energética contemporânea

Chapter · December 2011

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4 authors:

Stela Letícia Bisinotto Juliana Antunes de Azevedo


Universidade Federal de São Carlos University of Birmingham
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SEE PROFILE SEE PROFILE

Luiza Cesar Lea Souza


Universidade Federal de Pelotas Universidade Federal de São Carlos
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ARQUITE TURA
U R BA N I S M O e
PA I S A G I S M O
contexto contemporâneo e desafios
Organizadores
Emília Falcão Pires Renata Cardoso Magagnin
Nilson Ghirardello Rosio Fernandez Basca Salcedo

1ª Edição - 2011
Bauru, SP
Título
Arquitetura, urbanismo e paisagismo:
contexto contemporâneo e desafios

Organizadores
Emília Falcão Pires
Nilson Ghirardello
Renata Cardoso Magagnin
Rosio Fernandez Baca Salcedo

Rua Eng. Alpheu José Ribas Sampaio, 3-40


Jd. Infante Dom Henrique | CEP 17012-631 | Bauru, SP
Fone/fax (14) 3313-7968 | www.canal6.com.br

Conselho Editorial
Dra. Cássia Letícia Carrara Domiciano
Dra. Janira Fainer Bastos
Dr. José Carlos Plácido da Silva
Dr. Luís Carlos Paschoarelli
Dr. Marco Antônio dos Reis Pereira
Dra. Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins

A772 Arquitetura e Urbanismo: novos desafios para o século XXI / Emília Falcão
Pires, Nilson Ghirardello, Renata Cardoso Magagnin, Rosio Fernandez Baca
Salcedo (Orgs.). - - Bauru, SP: Canal 6, 2011.
192p. ; 23 cm.

ISBN 978-85-7917-183-3

1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Paisagismo. I. Pires, Emília Falcão. II. Ghirardello,


Nilson. III. Magagnin, Renata Cardoso. IV. Salcedo, Rosio Fernandez Baca. V. Título.

CDD: 712

Copyright© Canal 6, 2011


Sumário

5 Prefácio

9 Planejamento urbano baseado em cenários de mobilidade sustentável


Marcelo Tadeu Mancini
Antônio Nélson Rodrigues da Silva

25 Cidades sustentáveis:
O planejamento da infraestrutura urbana para a circulação de ciclistas
Renata Cardoso Magagnin

39 Paradoxos à sustentabilidade em São Luiz do Paraitinga (SP):


O rio e a cidade; as águas e a estrutura urbana e da arquitetura;
as águas e as técnicas construtivas do barro
José Xaides de Sampaio Alves

53 Índices edilícios para uma abordagem climático-energética contemporânea


Stela Letícia Bisinotto
Juliana Antunes de Azevedo
Luiza Denardi César
Léa Cristina Lucas de Souza

65 Diretrizes projetuais para biblioteca universitárias a partir da avaliação


pós-ocupação
Samir Hernandes Tenório Gomes
79 Qualidade espacial e conforto térmico em ruas de pedestres
Maria Solange Gurgel de Castro Fontes

91 Experiência pedagógica em ateliê de projetos:


Aplicação no curso de Arquitetura e Urbanismo da Unesp/Campus de Bauru
Cláudio Silveira Amaral
Emilia Falcão Pires

105 Jardins terapêuticos e educativos:


Novos desafios para o paisagismo contemporâneo
Norma Regina Truppel Constantino

117 Niemeyer e o sentido do lugar:


Uma visão bioclimática
Marta Adriana Bustos Romero

131 Breve painel do art déco no interior paulista:


O caso de Bauru
Nilson Ghirardello
Fernanda Almendros

145 Sertão verde, luz dourada:


Voturuna e Santo Antonio
Luiz Cláudio Bittencourt

155 Metodologia do projeto de restauração:


Igreja Nossa Senhora das Dores, do Instituto Lauro de Souza Lima (Bauru)
Rosio Fernández Baca Salcedo

171 Sobre os autores


Prefácio

O livro, Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo: Con- Da mesma forma que nos livros anteriores, conti-
texto Contemporâneo e Desafios, que temos a honra de nuamos com uma política editorial ampla abrigando
organizar é o terceiro produzido pelo Departamento de artigos de temáticas variadas, porém, dentro do campo
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo (DAUP) da Fa- da arquitetura do urbanismo e do paisagismo, vistos de
culdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) forma expandida, abrangendo desde o ensino à preser-
da Unesp, campus de Bauru. O objetivo básico dessas vação do patrimônio, da teoria e história à sustentabili-
publicações tem sido a divulgação da vasta produção dade, e daí por diante.
científica gerada por projetos de pesquisa em sua forma Nesta edição, os artigos que abordam planeja-
mais clássica e também por projetos de extensão que fa- mento urbano e sustentabilidade estão os produzidos
çam parte, resultem ou gerem pesquisa. pelo convidado Marcelo Tadeu Mancini juntamente
5
Há quatro anos, os docentes do DAUP tem feito com Antônio Nélson Rodrigues da Silva, da Escola de
grande esforço para reunir parte da sua produção cien- Engenharia de São Carlos. O texto denominado Pla-
tífica, bem como de colaboradores externos, por meio de nejamento urbano baseado em cenários de mobilida-
convites a pesquisadores relevantes da área. Esta edição de sustentável, tem como propósito principal indicar
também cumpre a regra, contando com trabalhos de co- adaptações da estrutura urbana visando incentivar as
legas professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo viagens por modos sustentáveis.
da FAAC, e também como de convidados. Uma novida- Também com tema aproximado, a mobilidade
de desta edição é a submissão dos artigos à avaliação de urbana, encontra-se o trabalho de Renata Cardoso
especialistas da área antes da publicação, exigência que Magagnin, denominado Cidades sustentáveis: o pla-
certamente contribuirá para melhoria da qualidade dos nejamento da infraestrutura urbana para a circulação
textos publicados, bem como para correção de eventuais de ciclistas, que objetiva apresentar os elementos que
problemas nos mesmos. Para tanto, a Comissão Editorial interferem no planejamento cicloviário, bem como
estruturou um Conselho Consultivo com nomes de rele- problemas e recomendações projetuais, trazendo aos
vância científica e atuação nas áreas temáticas pertinen- planejadores urbanos uma discussão sobre a implanta-
tes: projeto do edifício, urbanismo e paisagismo, planeja- ção da infraestrutura adequada aos modos coletivos e
mento urbano da paisagem, história da arquitetura e do não-motorizados.
urbanismo, patrimônio cultural, tecnologia do ambiente Ainda versando sobre a sustentabilidade, porém
construído e ensino da arquitetura e do urbanismo. dentro de uma perspectiva prática, focado em questões
suscitadas nos trabalhos de gestão e pesquisa do plane- dos conteúdos das disciplinas ministradas no curso de
jamento de reconstrução da cidade de São Luiz do Pa- Arquitetura e Urbanismo e as várias concepções de sín-
raitinga após as chuvas que a destruíram parcialmente teses próprias de metodologias diferentes.
na passagem do ano 2009 para 2010, o texto Paradoxos à A respeito de projeto do paisagismo, inscreve-se um
sustentabilidade em São Luiz do Paraitinga (SP): o rio e a trabalho denominado Jardins terapêuticos e educativos:
cidade; as águas e a estrutura urbana e da arquitetura; as novos desafios para o paisagismo contemporâneo, de
águas e as técnicas construtivas do barro, de José Xaides Norma Regina Truppel Constantino, que apresenta re-
de Sampaio Alves. sultados provenientes de projetos de extensão à comuni-
Sobre o tema tecnologia do ambiente construído, o dade, com enfoque nesse tipo especifico de paisagismo,
livro apresenta o trabalho das convidadas Stela Letícia realizados em espaços livres de escolas, creches e núcle-
Bisinotto, Juliana Antunes de Azevedo, Luiza Denardi os de saúde em Bauru, com a participação de alunos do
César e Léa Cristina Lucas de Souza, da Universidade curso de Arquitetura e Urbanismo.
Federal de São Carlos, denominado Índices edilícios Tomando como base os parâmetros do bioclimatis-
para uma abordagem climático-energética contemporâ- mo e os elementos sensoriais na criação do lugar, temos
nea, que propõe originalmente a aplicação desses índi- o estudo de nossa convidada da Universidade de Bra-
ces, usualmente empregados nas questões urbanas e de sília, Maria Adriana Bustos Romero, sobre a cidade de
edificações, como indicadores térmicos e de consumo Brasília, denominado, Niemeyer e o sentido do lugar:
de energia elétrica. Ainda dentro desta temática, estão uma visão bioclimática.
6 dois trabalhos de Avaliação Pós-Ocupacional, APO. O Versando sobre a história da arquitetura, temos dois
primeiro é de Samir Hernandes Tenório Gomes, deno- trabalhos: um de Nilson Ghirardello juntamente com
minado, Procedimentos metodológicos para avaliação Fernanda Almendros, chamado Breve painel do art déco
pós-ocupação em bibliotecas universitárias, e aborda o no interior paulista: o caso de Bauru, que trata dessa ti-
contexto das análises de desempenho físico e aferição pologia arquitetônica e sua possível particularidade no
de satisfação dos usuários nesses espaços coletivos uni- interior de São Paulo, e o artigo de Luiz Cláudio Bitten-
versitários e o segundo Maria Solange Gurgel de Castro court, denominado Sertão verde, luz dourada: Voturuna
Fontes, chamado, Qualidade espacial e conforto térmico e Santo Antonio que analisa os retábulos de Voturuna
em ruas de pedestres, em que a autora mostra as meto- em Santana do Parnaíba e do Sítio Santo Antonio em
dologias de análise dos aspectos qualitativos dos espaços São Roque, herança da arquitetura sertanista em São
públicos urbanos e também um estudo de caso sobre em Paulo, vista a partir de leituras comparadas, tomando
uma rua de pedestres localizada em Bauru, (SP). como referências levantamento fotográfico in loco e his-
Sobre a pratica do ensino da arquitetura e do urbanis- toriografia da arquitetura e da arte no Brasil.
mo, este livro conta com o trabalho de Cláudio Silveira Também relacionado à história e ao patrimônio cul-
Amaral em parceria com Emília Falcão Pires, chamado tural, porém com vínculo direto na restauração, encon-
Experiência pedageogica em ateliê de projetos: aplicação tra-se o artigo de Rosio Fernandez Baca Salcedo, sobre
no curso de Artquitetura e Urbanismo da Unesp/Campus a Metodologia do projeto de restauração: igreja Nossa
de Bauru, que aborda o ateliê como o espaço da síntese Senhora das Dores - do Instituto Lauro de Souza Lima
(Bauru), trabalho que visou a documentação histórica e
os levantamentos metrológicos de seu sistema constru-
tivo, de acabamentos, do estado de conservação dos ma-
teriais e a elaboração da proposta do projeto de restau-
ração da Igreja de Nossa Senhora das Dores, edificada
nos anos 1930.
Como se percebe, os assuntos são muitos, porém,
inter-relacionados, e pretendem ser mostras relevantes
da produção docente.
Ao leitor interessado só nos resta dizer: bom proveito!!!

Os organizadores

7
Planejamento urbano
baseado em cenários de
mobilidade sustentável
Marcelo Tadeu Mancini
Antônio Nélson Rodrigues da Silva

Resumo

A dimensão poética do processo de criação da arquitetura é o aspecto fantasioso do


qual a imaginação se nutre. A fantasia é o alicerce da imaginação e, por isso, elemen-
to fundamental do processo criativo. Ninguém duvida que o processo de criação, para
inovar, pede socorro à imaginação, caso contrário não haveria o novo, apenas o já visto.
Estamos tratando do processo de criação para o projeto de arquitetura com base nos 9
métodos que a história da arquitetura nos revelou. Essa história nos mostra a lógica de-
dutiva extraída da ciência da matemática como a base de vários métodos utilizados para
projetar a arquitetura. No entanto, o fenômeno da dedução apareceu de várias formas,
como, por exemplo, interno à lógica das proporções com a arquitetura da Grécia Antiga,
ou interno à lógica da Natureza com a arquitetura Gótica, ou interno à lógica da pers-
pectiva exata da arquitetura do Renascimento, ou ainda interno à lógica cartesiana da
arquitetura do século 19 e 20. Entretanto, em todas estas variações da lógica dedutiva, o
fenômeno da imaginação sempre esteve presente. Apesar da lógica dedutiva dispensar
a interpretação, dispensar a manifestação do subjetivo e prescindir do conhecimento
empírico do profissional, ela conviveu de forma contraditória com o subjetivismo psico-
lógico da imaginação do arquiteto. A sua subjetividade se instalou junto à objetividade
dedutiva, resultando projetos originais ao longo da história da humanidade. Uma di-
nâmica difícil de entender, pois é uma contradição, a não ser que haja uma concepção
de lógica que opere com contradições, a dialética. Existiram várias concepções neste
sentido, mas apenas uma considerou a fantasia e a imaginação membro de sua estrutura:
a de Gaston Bachelard, que iremos aqui tratar e propor como base teórica para um novo
método, ainda em formulação, para a criação da arquitetura.
Palavras-chave: Mobilidade sustentável. Planejamento baseado em cenários.
Planejamento urbano.
1. Introdução trutura, tendendo a agravar o quadro inicial do problema.
Como consequência, outros aspectos da cidade acabam
É largamente documentado (como em ORTÚZAR sendo afetados, o que pode tornar qualquer ação bastante
E WILLUMSEN, 1994, por exemplo) o fato de que a de- limitada em termos de desenvolvimento sustentável.
manda por transportes é uma demanda derivada, já que Diante desse quadro, a adoção de métodos para a
está relacionada à satisfação de necessidades como traba- promoção da sustentabilidade na mobilidade urbana tem
lho, estudos, lazer, saúde, movimentação de bens, dentre sido objeto frequente de investigação nas últimas déca-
outras. Como consequência, a mobilidade é uma neces- das. Em um levantamento de medidas de gerenciamento
sidade cotidiana e está ligada à execução de ações que se da demanda de transportes, Balassiano e Real (2001) e
localizam com frequência em diferentes espaços geográfi- Mello (2007) destacaram, entre outras, a Gestão da Mo-
cos. Este é um dos motivos que levaram diversos autores a bilidade ou Mobility Management (MM), que prevê um
enfatizar a influência dos usos do solo urbano na mobili- conjunto de medidas aplicadas em diversos países, com
dade. Segundo Pinho et al. (2010), a distribuição espacial destaque para os europeus, que visam o incentivo aos
dos usos do solo pode aumentar a necessidade de movi- modos sustentáveis, ou seja, modos coletivos e não moto-
mentação com a finalidade de participar de atividades rizados, para a realização de atividades diárias, tais como
urbanas dispersas, enquanto os sistemas de transportes as de trabalho e estudo. Cervero (2008) sugere como me-
podem oferecer condições de satisfação dessas demandas. dida de redução de viagens veiculares o Transit-Oriented
Porém, a provisão de infraestruturas urbanas para Development (TOD), que propõe um adensamento urba-
10
transportes, ao priorizar modos motorizados individuais, no no entorno de estações e a circulação entre as partes
tem ocorrido de tal forma que pode gerar mais problemas da cidade através de corredores de transportes coletivos.
do que soluções, atraindo demandas cada vez maiores Sperry et al. (2009) observaram a importância de criar
para modos não sustentáveis. Esta estratégia tem predo- zonas de uso misto e melhorar as condições de vias de
minado nas últimas décadas, em praticamente todo o pedestres para estimular a redução de viagens utilizando
mundo, através da implantação de novas e grandes vias carros. Schiller et al. (2010) destacam, a partir de experi-
e de um espalhamento do tecido urbano. Isso acaba por ências diversas, que a efetivação de um sistema de trans-
segregar partes das cidades e favorece o uso do automó- portes ambientalmente sustentável somente é possível
vel, o que paradoxalmente ocasiona grandes problemas de com a aplicação de políticas públicas e a participação da
mobilidade urbana, tais como a saturação de capacidade população nas decisões de planejamento.
das vias e os consequentes congestionamentos, poluição Nas cidades brasileiras, tem sido incentivada a aplica-
e altos índices de acidentes. Para Gilbert e Wielderkehr ção de Planos de Mobilidade Urbana, sobretudo através de
(2002), a provisão de infraestrutura privilegiando o trans- iniciativas governamentais (RODRIGUES DA SILVA et
porte individual motorizado pode atenuar alguns proble- al., 2008), resultantes de uma política urbana relativamen-
mas locais, mas agrava os problemas de mobilidade no te recente, iniciada na Constituição de 1988, fortalecida
longo prazo. Isso porque o crescimento no número de pelo Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001) e por recentes
usuários supera os melhoramentos decorrentes de avan- leis específicas. Porém, se observa que “apesar de existirem
ços na tecnologia e de aumento de capacidade na infraes- alguns estudos acadêmicos sobre o tema, bem como ferra-
mentas de avaliação e auxílio à criação de Planos de Mo- urbana sustentável não pode partir apenas do princí-
bilidade Urbana elaboradas pelo próprio Ministério das pio de “prever e prover”, mas deve considerar também a
Cidades (BRASIL, 2006 e 2007), praticamente não existe, possibilidade de “prever e prevenir” (como sugerido por
no Brasil, know-how para elaboração e implementação de Owens, 1995), evitando a implantação de infraestrutu-
Planos de Mobilidade” (MIRANDA et al., 2009). ras que apenas mascaram os problemas a curto e médio
Motivada pela necessidade de auxiliar a implemen- prazo. Para que as mudanças ocorram de fato é preciso
tação de planos de mobilidade, avaliação e planejamento convencer não só a população, mas também técnicos e
baseados em conceitos de sustentabilidade, Costa (2008) gestores, o que não é uma tarefa simples. Nesse sentido,
desenvolveu o IMUS, ou Índice de Mobilidade Urbana é interessante visualizar a priori os possíveis resultados
Sustentável, ferramenta constituída por 87 indicadores, das diferentes alternativas de atuação propostas, o que
agrupados em 37 temas, distribuídos em 9 domínios. pode ser feito através da construção de cenários.
Por abordar relevantes temas para avaliar e adaptar uma De acordo com Banister et al. (2008),
cidade quanto à sustentabilidade na mobilidade urbana,
este índice pode ser uma importante ferramenta para os cenários não objetivam prever o futuro, mas mostrar
fornecer alternativas de ações através dos indicadores como diferentes interpretações das forças de mudanças
cujos escores encontram-se mal avaliados. podem levar a diferentes possibilidades futuras. (...) Os
A intenção de se descobrir essas alternativas para a cenários objetivam auxiliar os gestores no presente sobre
adaptação do espaço urbano é apontar possíveis ações assuntos que terão consequências a longo prazo.
11
que preparem os espaços públicos e privados para rece-
ber viagens ditas “sustentáveis”. O conceito de Geração de Um dos métodos de planejamento por cenários é o
Viagens Sustentáveis, apresentado por Bryans e Nielsen backcasting, definido em Gilbert e Wielderkehr (2002)
(1999), seria uma alternativa para adaptação dos padrões como um trabalho que tem início com a observação da
de viagens a partir de incentivos ao uso do transporte presente conjuntura e do passado. A partir daí é definido
coletivo e não motorizado, sobretudo em atividades roti- o futuro que se quer buscar e são estabelecidas metas
neiras como estudos e trabalho. Os autores destacam que para atingi-lo. O trabalho com cenários por previsão
“determinar uma taxa de viagens sustentáveis não será em (forecasting) se faz interessante quando os objetivos são
si reduzir o número de viagens de carro geradas por novas desconhecidos ou considerados inatingíveis. Já os cená-
habitações, mas se faz necessário o desenvolvimento e o rios baseados em backcasting são preferíveis quando se
planejamento conjunto de serviços e melhorias de infra- deseja iniciar as mudanças por pontos de partida base-
estruturas de forma a atingir a redução no uso do carro”. ados em tendências atuais, porém envolvem mudanças
A partir de tais adaptações do espaço urbano e com maiores e mais radicais (GILBERT E WIELDERKEHR,
a mudança no padrão de geração de viagens, não faz 2002). Estes mesmos autores, bem como Banister et al.
sentido que as edificações que produzem e atraem via- (2008), apresentam em seus trabalhos importantes rea-
gens continuem provendo espaços aptos apenas para lizações baseadas em planejamento por cenários utili-
receber percursos feitos com automóveis particulares. zando backcasting, com objetivos de implementar ações
A aplicação de medidas para atingir uma mobilidade relacionadas a transportes ambientalmente sustentáveis.
O ponto de partida para o planejamento de cenários se deve ao fato dele se basear em um conjunto de indi-
por backcasting consiste em um bom conhecimento da cadores cujos escores podem ser influenciados por ações
atual conjuntura e de intervenções baseadas na solução voltadas à melhoria da mobilidade urbana sustentável.
das situações problemática que tendem a se agravar. Uma vez adotado o índice, e como consequência os
No caso de avaliações da atual situação da mobilidade indicadores que servem de base para a avaliação dos cená-
urbana sustentável, isso pode ser feito através de ins- rios, o passo seguinte da metodologia envolve especialis-
trumentos como o IMUS, conforme será detalhado no tas em mobilidade urbana. Estes são convidados a avaliar,
próximo item, que trata da metodologia aqui aplicada. por meio de um questionário que utiliza uma escala Likert
Alguns dos resultados da aplicação são apresentados na (LIKERT, 1932), qual o grau de dificuldade, o prazo (em
sequência, a partir dos quais são extraídas as principais intervalos de quatro anos, coincidentes com os mandatos
conclusões deste estudo. municipais) e o risco político para que cada um dos escores
dos 87 indicadores chegasse ao máximo (um, em uma es-
cala de zero a um). Esta avaliação baseia-se na situação atu-
2. Metodologia al de cada indicador e nas ações necessárias para atingir a
pontuação máxima. É atribuído então um número de pon-
Como o objetivo geral da metodologia proposta é tos para cada uma das escolhas dos especialistas, segundo
avaliar alternativas de intervenções nas cidades para a tabela 1. As opiniões dos n especialistas são somadas em
adaptá-las a padrões de viagens mais sustentáveis, mas seguida para cada indicador, e assim classificadas em ruim,
12 ainda não necessariamente ali existentes, foi adotado médio ou bom. Isto é exemplificado através da tabela 2, que
um método de planejamento baseado em cenários. Para representa a situação onde n é igual a cinco especialistas
fins deste trabalho, o método foi baseado nos traba- (número adotado na aplicação descrita neste estudo).
lhos de Gilbert e Wielderkehr (2002) e de Banister et al. Para permitir uma avaliação simultânea das três di-
(2008), e complementado por análises conduzidas atra- mensões ou quesitos (custo, prazo e risco político) foi
vés de um cubo de referência (ou benchmarking cube), tal utilizado o cubo de referência da figura 1. Através dele
como adotado por Pinho et al. (2010). Uma vez definida, podem ser feitas 27 combinações entre as avaliações
a metodologia foi aplicada em São Carlos, cidade média “ruim, médio ou bom” para cada dimensão. Como uma
no estado de São Paulo, cuja população aproxima-se de forma de facilitar a interpretação dos resultados, estas
222 mil habitantes (IBGE, 2010). Tal como muitas outras combinações foram agrupadas em dez blocos formados
cidades do mesmo porte no país, São Carlos vem enfren- pelos pequenos cubos internos. Estes exprimem a via-
tando, nas últimas décadas, problemas de planejamento bilidade de execução das ações, variando de “viável em
e de transportes decorrentes do intenso crescimento do todos os quesitos” (obtenção do nível “bom” de avaliação
número de automóveis particulares e do seu tecido urba- nas dimensões custo, prazo e risco político) até “muito
no. Sua seleção para este estudo foi, em grande medida, pouco viável” (ou seja, nível “ruim” de avaliação nas três
influenciada pela existência de uma avaliação recente do dimensões), conforme a tabela 3. Esta tabela contém ain-
Índice de Mobilidade Urbana Sustentável para a cidade. da a associação destes blocos a estágios de mudança nos
O uso do índice como base da metodologia, por sua vez, escores, conforme discutido na sequência.
Tabela 1: Pontuação atribuída a cada indicador conforme o prazo, custo e risco político. A pontuação e avaliação nesta
etapa é atribuída a cada categoria separadamente.

Tabela 2: Avaliação dos critérios conforme a somatória dos pontos para cada categoria, considerando um grupo de cinco
especialistas.

13

Figura 1: Cubo de referência (ou benchmarking cube) que caracteriza simultaneamente as três dimensões: custo, prazo e
risco político. Os agrupamentos de cubos internos com características similares estão descritos na penúltima coluna da
tabela 3.
Tabela 3: Blocos de combinações de custo, prazo e risco político no cubo de referência, obtidos conforme o grau de viabi-
lidade e a variação dos estágios.

*B = Bom, M = Médio, R = Ruim

Com a classificação da viabilidade de cada indicador, mados a partir do escore atual do indicador. A partir
é possível estipular cenários de execução de ações, defi- dessas simulações, os indicadores mais viáveis têm uma
nindo como prioritárias aquelas com maior viabilidade. variação maior de escores e os menos viáveis, pouca ou
14
O cenário examinado neste estudo foi denominado am- nenhuma variação. Isto considerando que a viabilidade
bicioso, pois considera que o gestor executará o máximo foi baseada no julgamento de técnicos que avaliaram, a
de ações possíveis em duas gestões (8 anos) e iniciará as partir da atual situação, cada um dos indicadores nas
consideradas menos viáveis, que devem ser concluídas três dimensões apresentadas.
nas próximas gestões. Para ocorrer variação de escores, através da mudan-
Considerando que a avaliação dos indicadores do ça de estágios, algumas ações devem ser executadas, e
IMUS se dá através de escores situados entre zero e um, estas podem ser discriminadas, inclusive quantitativa-
adotou-se que, para obter uma fração de variação do mente. Com isso, um rol de ações podem ser estipula-
escore entre esses extremos, são necessárias determina- das e apresentadas aos gestores (e aos munícipes), e para
das ações. Estas frações de variação dos escores foram cada uma das quais são conhecidos prazo, custo e risco
aquelas aqui denominadas como “estágios” (conforme político. Através da classificação quanto à viabilidade,
exemplo da tabela 4). Para simular um cenário de oito podem ainda ser simuladas outras situações, conforme a
anos de gestão e obter um índice para o fim desse pe- conjuntura da gestão e a preferência ou priorização por
ríodo admitiu-se uma situação em que a maioria das algum critério. Isso permite gerar diversos cenários de
ações mais viáveis seria executada. O processo foi re- planejamento e a avaliação da efetividade dessas mu-
presentado quantitativamente através de uma “variação danças na mobilidade urbana sustentável ao término de
de estágios” correspondente a cada nível de viabilidade, duas gestões (8 anos), através do índice final a ser obtido
como consta da última coluna da tabela 3, a serem so- em comparação ao atual valor.
Tabela 4: Cinco “estágios” de variação do escore de zero a um do indicador “Vazios urbanos” e ações correspondentes (em
termos de porcentagem da área urbana vazia ou desocupada).

3. Resultados total de 28 % das ações possíveis em 4 anos. Para uma


segunda gestão, 20% das ações podem ser realizadas no
A análise partiu da atual situação da mobilidade primeiro biênio e 22% para o segundo, totalizando 42%
urbana sustentável na cidade de São Carlos, que possui dos indicadores. Além destes, um percentual de 10%
índice 0,568 (numa escala até 1), conforme definido em dos indicadores necessitam de mais que duas gestões
Plaza e Rodrigues da Silva (2010). Cada indicador foi para terem suas ações executadas.
15
avaliado individualmente de forma a obter, a partir da Quanto ao custo de implantação das ações de me-
situação atual, o prazo, o custo e o risco político para lhoria (figura 3), a maioria delas (40%) tem um custo
melhorar este índice no período de oito anos. Um resu- médio. Se somadas, as percentagens de indicadores
mo destas avaliações aparece nas figuras 2, 3 e 4, com de custos baixos (25%) e muito baixos (13%) resultam
relação ao prazo, custo e risco político, respectivamente. em 38%, o segundo maior percentual. Já 22% dos in-
Quanto ao prazo de implantação das ações de me- dicadores têm custo alto (17%) e muito alto (5%) de
lhoria da mobilidade urbana sustentável (figura 2), ob- implantação. Também foi avaliado o risco político de
servou-se que 20% dos indicadores já estão com escore implantação das ações (figura 4). Nesta classificação, a
máximo. Isso indica que devem ser mantidos os servi- grande maioria das ações praticamente não representa
ços oferecidos, variando-os apenas para se adequar a risco político, com percentual de 70% dos indicadores,
eventuais mudanças nas variáveis demográficas. Dentre somados os riscos baixos (33%) e muito baixos (37%).
os indicadores que necessitam ações de melhoria, 7% Uma pequena parte das ações é classificada como me-
deles podem ser realizados no primeiro biênio de uma didas de alto e muito alto risco político, em um percen-
gestão e 21% para o segundo biênio, em um percentual tual agregado de apenas 8 % do total dos indicadores.
Figura 2: Classificação dos indicadores quanto ao prazo de implantação das ações para atingir o escore máximo para a
16 cidade de São Carlos (SP).

Figura 3: Classificação dos indicadores quanto ao custo de implantação das ações para atingir o escore máximo para a
cidade de São Carlos (SP).
Figura 4: Classificação dos indicadores quanto ao risco político de implantação das ações para atingir o escore máximo
17
para a cidade de São Carlos (SP).

Porém, as análises das ações não podem ocorrer ra de transportes” são viáveis em pelo menos um dos
apenas de forma desagregada, mas devem ser avaliadas quesitos (custo, prazo ou risco político). Esta classi-
simultaneamente nas três classificações. Esta avaliação ficação deve ter ocorrido devido à concentração de
ocorreu através do cubo de referência, onde a classifica- indicadores que avaliam a infraestrutura necessária
ção conjunta foi denominada viabilidade. Assim, várias aos modos de transportes motorizados. O domínio
combinações podem ser feitas conforme a prioridade de “Acessibilidade” pode ser destacado quanto às ações
critérios em demanda. viáveis em pelo menos um quesito, em uma somatória
Para verificar a distribuição da viabilidade das de quase 90% dos indicadores. Isso certamente reflete
ações, as mesmas foram analisadas quanto aos domí- os recentes incentivos, legislação e especificações téc-
nios do IMUS (Figura 5). Pode-se destacar que 100% nicas para diminuir ou eliminar barreiras arquitetô-
das ações dos indicadores do domínio “Infraestrutu- nicas nas cidades.
VIÁVEL em TODOS os VIÁVEL em dois quesitos e POUCO VIÁVEL em
VIÁVEL em um quesito e POUCO VIÁVEL em VIÁVEL em um quesito, POUCO e MUITO POUCO VIÁVEL em
VIÁVEL em um quesito e MUITO POUCO VIÁVEL em POUCO VIÁVEL em TODOS os
POUCO VIÁVEL em dois quesitos e MUITO POUCO VIÁVEL em POUCO VIÁVEL em um quesito e MUITO POUCO VIÁVEL em
MUITO POUCO VIÁVEL em TODOS os

Figura 5: Porcentagem de indicadores conforme a viabilidade das ações, agrupadas por domínios do Índice de Mobilidade
Urbana Sustentável.
18

O domínio “Tráfego e circulação urbana” possui o outros domínios, como é o caso dos “Aspectos ambien-
maior número de “ações viáveis em todos os quesitos” tais”, cujos indicadores com pouca viabilidade somam
(quase 45%). Quanto aos aspectos mais voltados à ges- quase 70 %. Estes se relacionam, sobretudo, à emissão de
tão, viabilidade maior ocorre nos domínios “Aspectos poluentes como gases do efeito estufa.
sociais” e “Planejamento integrado”, podendo apontar Buscou-se identificar também se havia relação entre
preferenciais ações para iniciar a adaptação da cidade ao os indicadores hoje com maiores escores e seu grau de
conceito de mobilidade urbana sustentável. No domínio viabilidade para melhoria. Esta avaliação permitiu cons-
“Sistemas de Transporte Urbano”, cujas ações referem-se tatar que, dentre os indicadores menos viáveis, a maior
aos transportes coletivos, quase 80% das ações têm via- parte deles possui escores mais próximos de zero. Já os
bilidade em pelo menos um quesito, porém quase 15% mais viáveis apresentam maior percentual de escores,
de ações são de pouca viabilidade. Devido ao pequeno com índice máximo ou próximo do máximo, compro-
incentivo aos modos não motorizados, avaliados no vando que grande parte dos indicadores bem avaliados
domínio com mesma denominação, uma potencial via- podem possuir ações mais viáveis. Para aprofundar esta
bilidade pôde ser observada, já que pouco mais de 70% análise, foi confrontada também a viabilidade dos indi-
dos indicadores são viáveis em pelo menos um aspecto. cadores por domínios (figura 5) com a atual pontuação
Estas ações podem influenciar na melhoria do escore de no IMUS (figura 6). Observa-se claramente que o domí-
nio “Infraestrutura de Transportes” possui o maior per- maior parte dos indicadores viáveis encontra-se dentre
centual de indicadores com escore máximo (conforme os escores melhor avaliados. Em alguns domínios, po-
figura 6), bem como as ações mais viáveis (ver figura 5). rém, indicadores com escores baixos, mesmo ocorrendo
Por outro lado, os domínios “Sistemas de transportes em percentual pequeno na análise quanto à pontuação,
urbanos” e “Modos não motorizados” não apresentam aparecem em maior percentual dentre os indicadores de
relação tão clara entre viabilidade e altos escores. Em- menor viabilidade.
bora apontados como medidas para melhoria da mo- Para observar estas análises em uma visão mais
bilidade urbana sustentável por ter grande viabilidade, prática, foi simulado um cenário ambicioso, onde os
os dois domínios possuíam quase 60% dos indicadores escores foram alterados em maior ou menor propor-
com escores menores que 0,4. Esta constatação pode, ção, conforme a viabilidade dos indicadores apresen-
no entanto, apontar um potencial para melhoria em tada na metodologia. Como resultado dessa alteração
relação aos indicadores, já que são viáveis e no quadro de escores foi obtida uma lista de ações, que poderiam
atual encontram-se com avaliação ruim, evidenciando a ser interpretadas como metas para uma gestão de oito
priorização do modo motorizado individual pelas atuais anos. Isso facilitaria o processo de tomada de decisão
políticas públicas. dos gestores com o objetivo de melhorar a mobilidade
Já o domínio “Aspectos ambientais”, que possui a urbana sustentável e outros aspectos daí decorrentes.
menor viabilidade (conforme Figura 5), concentra pou- Com a simulação, o IMUS atingiria o escore de 0,749
co mais que 30% dos indicadores com escore abaixo de (aumento de aproximadamente 32% em relação ao valor
0,4, o que revela a maior dificuldade de execução das atual). O quadro 1 mostra uma síntese de algumas des- 19
ações de melhorias para os mesmos (conforme figura sas ações do cenário ambicioso, no caso, as mais viáveis.
6). Situação parecida ocorre também com o domínio A execução de ações menos viáveis é considerada mais
“Aspectos políticos”. Portanto, pode-se observar que a audaciosa, porém apresenta naturalmente dificuldades

Figura 6: Escores atuais dos indicadores distribuídos por domínios.


Quadro 1: Indicadores viáveis em todos os aspectos e ações correspondentes (cenário ambicioso).

20

na execução. As ações “muito pouco viáveis em todos os especulação mobiliária, e o acesso facilitado por modos
quesitos” são aquelas associadas aos indicadores “Cres- motorizados individuais.
cimento urbano” e “Índice de motorização”. Nenhum
dos cenários estudados chega a prever alteração de es- 4. Considerações finais
core, devido à extrema dificuldade para identificação de
ações que possam ser aplicadas para melhoria dos esco- O atual modelo de transportes urbanos baseia-se
res dos indicadores. Isso se explica pela expansão terri- principalmente nos modos de transportes motorizados.
torial e baixo adensamento do tecido urbano, em grande Adaptar o tecido urbano visando incentivar as viagens
medida consequência dos vazios urbanos decorrentes de por modos sustentáveis, bem como a seleção e a implan-
tação de ações com este propósito, ainda é um desafio Outro aspecto em destaque foi a boa viabilidade
a técnicos e gestores devido à falta de know-how e ex- para a melhoria do domínio “Acessibilidade”, com 90%
periências anteriores, sobretudo no Brasil. O Índice de de suas ações classificadas como viáveis. Isso provavel-
Mobilidade Urbana Sustentável (IMUS) foi adotado em mente reflete as políticas de incentivo à acessibilidade
estudo realizado na cidade de São Carlos e aqui apresen- universal, amplamente divulgadas nos últimos anos no
tado de forma resumida, como uma estratégia para con- Brasil, inclusive através de legislação e normas técnicas
tornar essas limitações. Cada um de seus 87 indicado- especificamente elaboradas com o objetivo de reduzir (e,
res foi avaliado por especialistas convidados, tendo em se possível, eliminar) barreiras arquitetônicas. Já os do-
vista a dificuldade de implementação de melhorias, bem mínios “Sistemas de transporte urbano”, “Modos não-
como o prazo e o risco político para tal. Com base nes- -motorizados” e “Aspectos sociais” destacam-se por ter
tas avaliações, foi possível desenvolver, aplicar e avaliar grande parte das ações classificadas como viáveis, apon-
os resultados de um método de planejamento através tando potenciais prioridades para que a cidade passe a
de cenários, com a finalidade de obter alternativas para incentivar padrões de viagens sustentáveis. Por outro
adaptar o espaço público urbano ao conceito de mobili- lado, o maior desafio parece referir-se aos aspectos am-
dade sustentável. bientais, em que quase 70% das ações foram apontadas
Os resultados obtidos com a aplicação apontam o mé- como pouco viáveis e estão relacionadas à diminuição
todo como uma boa alternativa para fins de planejamen- da emissão de poluentes. O quadro pode não ser tão
to urbano, já que se mostrou capaz de indicar diversos negativo, no entanto, dado que a melhoria dos outros
21
possíveis conjuntos de ações práticas com grande poten- aspectos poderá produzir concomitantemente resulta-
cial para levar a cidade à meta de mobilidade urbana sus- dos positivos nos indicadores relacionados aos aspectos
tentável. As ações puderam ser escolhidas com base em ambientais.
critérios claros, tais como: custo de execução, períodos de Os resultados obtidos permitem constatar ainda
tempo (múltiplos de 4 anos, de forma a coincidir com o que a metodologia proposta pode ser importante ferra-
período de gestão dos prefeitos) ou ainda, o risco político menta para avaliar as condições da mobilidade urbana
decorrente da sua execução. Além disso, as análises do e apontar pontos fortes e fracos da situação vigente.
conjunto de dados apresentaram resultados condizentes Nos cenários por backcasting são estabelecidas metas
com a realidade, como uma aparente maior viabilidade que se almeja alcançar dentro de determinado período,
dos domínios relacionados aos transportes motorizados. e assim se definem os objetivos. Por isso, o método aqui
Por exemplo, todos os indicadores e ações do domínio apresentado, que se baseia na atual situação avaliada
“Infraestrutura de transportes” obtiveram classificação pelo índice, se destaca como importante ferramenta
de alta viabilidade, enquanto que no domínio “Tráfego e de planejamento, já que podem ser criados diferentes
circulação urbana” quase 80% das ações foram também cenários de intervenção conforme a prioridade na im-
classificadas como altamente viáveis. O resultado reflete plantação de ações, passíveis de serem descritas quanti-
as boas condições de avaliação dos domínios em questão, tativamente e sugeridas aos gestores para implantação
com a maior parte dos escores de seus indicadores atual- gradual, distribuída em períodos coincidentes com os
mente com nota máxima. mandatos.
Com o planejamento da implementação de ações que 5. Agradecimento
visam auxiliar os gestores na tomada de decisões rela-
cionadas à adaptação do espaço público urbano, a cidade Os autores agradecem à CAPES (Fundação Coor-
estará preparada para estimular padrões de viagens sus- denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
tentáveis, que podem gerar menores impactos ao meio rior), ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-
ambiente, bem como incentivar os cidadãos a aderirem to Científico e Tecnológico) e à FAPESP (Fundação de
a hábitos de deslocamento mais saudáveis. Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por con-
tribuírem para diferentes fases do desenvolvimento da
pesquisa que deu origem a esse trabalho.

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Cidades sustentáveis:
o planejamento da infraestrutura
urbana para a circulação de ciclistas

Renata Cardoso Magagnin

Resumo

As cidades brasileiras, incluindo as de pequeno e médio portes, têm repro-


duzido ao longo dos anos um modelo de circulação que está provocando a 25
redução dos índices de mobilidade e acessibilidade, pois todo o sistema viário
está pautado no transporte individual motorizado. Estudos apontam que as
cidades brasileiras apresentam muita semelhança nos problemas relacionados
à circulação de bicicletas, pois são poucos os municípios que têm adotado me-
didas para melhorar e incentivar a mobilidade e a acessibilidade urbanas deste
veículo. Diante do exposto, este capítulo tem os seguintes objetivos: i) apre-
sentar os elementos que interferem no planejamento cicloviário; ii) apresentar
alguns problemas e recomendações projetuais que podem favorecer a mobili-
dade e a acessibilidade de ciclistas em áreas urbanas, levando em consideração
a interação entre os elementos do sistema de transportes: o homem, a via, o es-
paço urbano e o veículo, nos campos do planejamento e das políticas públicas;
dos projetos de infraestrutura, do projeto operacional, e da legislação (controle
e operação); e iii) impulsionar uma discussão entre os planejadores e decisores
urbanos sobre como implantar em uma cidade a infraestrutura adequada aos
modos coletivos e não-motorizados, em especial o modo por bicicleta.
Palavras-Chave: Mobilidade Urbana. Planejamento Cicloviário. Infraestru-
tura para bicicletas. Ciclovia.
1. Introdução A bicicleta, além de ter preço acessível, possui inú-
meras outras vantagens sobre as demais alternativas de
O rápido processo de crescimento urbano e industrial transporte, tais como: pode contribuir para a melhoria
ocorrido nos países emergentes (em desenvolvimento) da saúde dos usuários, sem acarretar prejuízo ao meio
tem contribuído para o aumento da dependência do uso ambiente; é um meio de transporte e um instrumento
do transporte individual motorizado. Este crescimento de lazer; não requer combustível, por isso é energetica-
associado às políticas governamentais de incentivo a in- mente mais eficiente que os demais veículos; possui fle-
dústria automobilística, tem contribuído para o cresci- xibilidade de uso, sendo a mais elevada entre todos os
mento da utilização do automóvel (DENNIS, 2007). demais modos de transporte, pois mesmo em situações
A justificativa da demanda crescente pelo transporte de congestionamento ou de interrupção de tráfego (em
individual motorizado apoia-se na eficiência de desloca- função de obras, acidentes ou qualquer outro motivo), o
mento que o automóvel traz ao cidadão, no desempenho ciclista encontra outras alternativas para seguir sua via-
de velocidade para atingir o destino com menor tempo gem (GEIPOT, 2001a).
possível, disponibilidade de uso (24 horas por dia), na Com relação ao custo da infraestrutura para bici-
privacidade, na conveniência, no controle de localiza- cletas, este é considerado muito inferior se comparado
ção, na segurança, no conforto e no status do usuário com as outras modalidades de transporte. Nessa relação
(PINDERHUGHES, 2004 apud DENNIS, 2007). estão incluídas a necessidade de espaço viário e a de es-
Diante da ambiguidade que ocorre entre a relação tacionamento, a capacidade de suporte do pavimento e
26 automóvel – usuário – meio ambiente, muitas cidades os requisitos de sinalização e de controle.
do mundo já estão reduzindo a dependência na utiliza- Segundo GEIPOT (2001a):
ção do automóvel, passando a incentivar a utilização de
meios de transportes não motorizados mais sustentáveis numa abordagem política fundamentada na eqüidade e
como a bicicleta e o modo a pé (NEWMAN et. al., 1995; na sustentabilidade, a bicicleta divide com os transpor-
DENNIS, 2007). tes públicos coletivos a prioridade no leque de opções de
No Brasil, a política de mobilidade urbana, em es- transportes urbanos.

pecial a cicloviária, ainda não despertou grande aten-


ção por parte da maioria dos planejadores urbanos, em- Na Europa, os Países Baixos e a Dinamarca são
bora ela seja essencial no processo de estruturação de referência na utilização da bicicleta como meio de lo-
soluções urbanas sustentáveis para as cidades. Segundo comoção. Em Amsterdã, 20% dos deslocamentos são
GEIPOT (2001a): feitos por bicicleta, em Copenhagen, eles representam
52% (PIRES, 2008).
no Brasil, poucos são os profissionais que se interessam Segundo o Ministério das Cidades (BRASIL, 2007b),
em conhecer ou estudar o fenômeno do uso da bicicleta, na Europa, o uso da bicicleta vem sendo estimulado
mesmo sendo ela o único veículo cuja aquisição é acessí- como forma de diminuir os problemas de poluição pro-
vel a todas as classes sociais. vocada pelos veículos motorizados. Diversos órgãos ges-
tores de transporte da Comunidade Europeia conside-
ram de suma importância a implementação de políticas De acordo com os dados do Ministério das Cidades,
que favoreçam o uso da bicicleta, por isso, eles têm des- a maioria dos municípios brasileiros não conhece a sua
tinado recursos para o aumento deste modo como meio real condição das vias para bicicleta, o que comprova
de transporte, assim como sua integração com os modos a baixa prioridade dos governos para com este tipo de
de transporte coletivos. infraestrutura urbana. Ainda segundo dados desta pes-
No continente asiático, culturalmente, há um forte uso quisa, as vias para bicicletas (ciclovias e ciclo-faixas) re-
da bicicleta na China, Índia e Japão. É interessante lembrar presentam aproximadamente 0,15% do total do sistema
que a China ainda possui a maior frota mundial de bicicle- viário brasileiro (BRASIL, 2007a).
tas e o maior número de usuários. Entretanto, nos últimos
anos houve uma diminuição deste equipamento devido à 2. O planejamento cicloviário
expansão da indústria automobilística e ao crescimento da
classe média. Já na América Latina, o país que tem investi- Para discutir a questão da infraestrutura urbana
do mais no transporte cicloviário é a Colômbia que cons- para a implantação de vias para bicicletas, é necessário
truiu em menos de seis anos mais de 300 km de ciclovias. retomar os seguintes conceitos: planejamento urbano,
Ao contrário de outros países em que a bicicleta já é planejamento de transportes e a questão da circulação
um dos maiores meios de locomoção, no Brasil, o modo urbana. Estes três fatores estão intrinsecamente inter-re-
ainda não é tão difundido e, por consequência, não pos- lacionados quando se pretende discutir a estruturação e
sui atenção adequada dos órgãos governamentais. a composição viária numa cidade.
Segundo dados do Ministério das Cidades (BRASIL, 27
2007b), os deslocamentos realizados pelos modos a pé e 2.1. Planejamento da circulação urbana
por bicicleta têm crescido muito no Brasil como conse-
quência da elevação das tarifas de transporte público. Em O planejamento urbano associado ao planejamento
função dessa demanda crescente, há a necessidade que os de transportes e ao planejamento da circulação urbana
planejadores urbanos e de transportes insiram as questões (ou o planejamento da mobilidade urbana) determina
da mobilidade no planejamento das cidades brasileiras. o crescimento das cidades, bem como a divisão e dis-
Embora não existam estudos recentes a respeito da tribuição espacial da sua infraestrutura (VASCON-
quantidade de usuários que utilizam a bicicleta como CELLOS, 2000). Segundo Vasconcellos (2000, 2001), o
principal meio de transporte no país (apenas estudos planejamento da circulação define como a estrutura vi-
localizados), pode-se observar nos principais horários ária será utilizada pelas pessoas e pelos veículos (indivi-
de pico principalmente no início da manhã e fim de duais ou coletivos, e motorizados ou não motorizados)
tarde que muitas pessoas estão utilizando este meio de na cidade.
transporte diariamente para ir ao trabalho e à escola. Historicamente, questões de planejamento urbano
Entretanto, a maioria das cidades brasileiras ainda não encontram-se associadas de forma intrínseca a aspectos
disponibiliza infraestrutura necessária e adequada para de transporte, isto é, o crescimento das cidades influen-
que os usuários tenham um mínimo de segurança no cia e é influenciado pelos meios de transporte disponí-
sistema viário local. veis à sua população. Mais ainda, a forma como se dá o
processo de circulação urbana interfere diretamente na duzindo um círculo vicioso que tem contribuído para a
demanda por transportes, nas áreas destinadas a esta- redução da mobilidade nas cidades, o que gera estratifi-
cionamento, nos congestionamentos, etc. Apesar disso, cação espacial e segregação urbana.
houve no passado períodos em que o planejamento de Atualmente, a maioria das cidades brasileiras tem
transportes foi realizado de forma dissociada do pla- utilizado o modelo tradicional1 para o planejamento da
nejamento urbano ou mesmo de qualquer outro plano circulação urbana, ou seja, as políticas de transportes
(MAGAGNIN, 2008). continuam direcionando seus planos apenas ao trans-
Nos últimos 50 anos, no Brasil, o planejamento de porte motorizado, principalmente ao modo individual
transportes era entendido como sendo sinônimo de motorizado. Os meios não motorizados, em especial o
desenho viário, sendo este o principal elemento estru- planejamento cicloviário, são quase sempre desconside-
turador das funções urbanas. As ações do plano eram rados no planejamento de um sistema viário.
fundamentadas na política de desenvolvimento urbano O Planejamento Cicloviário no Brasil começou a ser
vigente para a época, ou seja, no uso do transporte indi- incentivado pelo governo federal a partir do ano de 2003,
vidual motorizado, na construção de infraestrutura que por meio da instituição da Política Nacional sobre Mobi-
atendesse à demanda vigente (processo acelerado de ur- lidade Urbana, desenvolvida pela Secretaria Nacional de
banização associado a um crescimento populacional in- Transporte e da Mobilidade Urbana (SeMob) subordina-
tenso). Questões como uso do solo e meio ambiente não da ao Ministério das Cidades (MAGAGNIN, 2008).
eram abordadas com profundidade, bem como outros Como ações efetivas da Política Nacional de Mobi-
28 lidade Urbana, a SeMob desenvolveu o Programa Bici-
temas como a acessibilidade e a visão de planejamento
integrado (MAGAGNIN, 2008). cleta Brasil. Este programa tem como objetivos inserir
Segundo Magagnin (2008), a antiga denominação do e ampliar o transporte por bicicleta nos deslocamentos
planejamento de transportes – por não atender mais às urbanos, promover sua integração junto aos sistemas
necessidades urbanas e da população – passa a designar de transportes coletivos, visando reduzir o custo dos
planejamento da mobilidade urbana. Nessa nova designa- deslocamentos, principalmente da população de menor
ção, o conceito de planejamento associado aos transpor- renda, incentivar os governos municipais a implantar
tes é ampliado, incorporando as visões de infraestrutura, sistemas cicloviários e um conjunto de ações que garan-
circulação e transporte público, associados a questões de tam a segurança de ciclistas nos deslocamentos urbanos,
uso do solo, meio ambiente, entre outros aspectos. difundir o conceito de mobilidade urbana sustentável,
A dissociação entre o planejamento urbano e de estimulando os meios não motorizados de transporte,
transportes combinado com um aumento significativo inserindo-os no desenho urbano (BRASIL, 2007b).
nos investimentos em infraestrutura direcionados para 1
O Modelo de Circulação baseado no Planejamento de Trans-
o transporte individual (em função do crescimento de portes Tradicional é denominado de UTPS – Urban Transpor-
veículos na cidade), associado ao crescimento desorde- tation Planning System (Sistema de Planejamento de Transpor-
nado das cidades, ao aumento da população, da poluição te Urbano). Ele foi criado nos Estados Unidos na década de
e do número de acidentes, à distribuição desigual das 1950 e tinha como objetivo otimizar o espaço de circulação,
atividades, entre outros problemas urbanos, estão pro- dando prioridade ao automóvel.
O Ministério das Cidades, representado pela SeMob, contemple a implantação de infraestruturas, bem como
tem incentivado os municípios a adotarem a bicicleta novas reflexões sobre o uso e a ocupação do solo urbano”
como meio de transporte sustentável. Para isso criou al- (BRASIL, 2007c).
guns programas para incentivar e financiar a bicicleta
como meio de transporte, são eles: i) Programa de mobi- 2.2. O Planejamento Cicloviário
lidade urbana, por meio de ações de Apoio a Projetos de
Sistemas de Circulação Não Motorizados; ii) Programa O planejamento cicloviário pode fazer parte de um es-
de infraestrutura para a Mobilidade Urbana – Pró-Mob, tudo de mobilidade urbana mais amplo no município, in-
a partir de modalidades que apoiam a circulação não corporando estudos multimodais e, mais especificamente,
motorizada (bicicleta e pedestre); e iii) Pró-Transporte, o projeto do planejamento cicloviário para a cidade.
para o financiamento de infraestrutura para o transpor- Para a elaboração de um Plano Cicloviário (ou Plano
te coletivo urbano. Os programas citados viabilizam re- de Mobilidade por Bicicleta) é necessário trabalhar com
cursos para o planejamento ou implantação de infraes- itens complementares, tais como conhecimento técnico
trutura para a circulação segura de ciclistas nos espaços e participação da sociedade.
urbanos. Com esses recursos, o governo visa quebrar os O conhecimento técnico dará subsídios técnicos que
paradigmas e tratar as questões dos transportes de for- permitirão implantar a infraestrutura adequada à bicicleta,
ma mais integrada e sustentável. a partir do emprego de metodologias de planejamento de
A inserção da bicicleta nos deslocamentos diários deve transporte, baseadas no levantamento de dados quantita-
ser trabalhada pelos planejadores como um elemento para tivos, no emprego de meios de representação dos atributos 29
implementar o conceito de mobilidade urbana sustentável e relações espaciais (mapas, desenhos, esquemas ilustra-
como um modo de melhorar a qualidade de vida nas cida- tivos), na aplicação de métodos de previsão de demanda
des. De acordo com o Ministério das Cidades (modelos de transporte) e no uso de instrumentos de si-
mulação do desempenho de redes de transporte com base
a integração da bicicleta nos atuais sistemas de cir- em indicadores propostos (ver quadro e figura a seguir). De
culação é possível, mas ela deve ser considerada como posse desses dados, é possível fazer alguns estudos sobre a
elemento integrante de um novo desenho urbano, que inserção de uma rede cicloviária preliminar no município.

Quadro 1: Etapas de estudo para a elaboração do planejamento cicloviário.


Etapas de estudo para a elaboração do planejamento cicloviário
A primeira ação é a definição de como o planejamento cicloviário será realizado: para todo o município ou
Delimitação da área de para uma área específica. A partir dessa definição, é necessário fazer um levantamento sobre a legislação de
estudo uso do solo e transportes do município, bem como das obras em andamento para realizar a compatibilidade
e a coerência das propostas.
Exame das informações Deve ser realizado um levantamento dos projetos cicloviários implantados ou projetados para o município.
disponíveis Este levantamento possibilitará a integração da proposta numa rede cicloviária municipal.
Este item diz respeito às contagens volumétricas classificadas. Esses dados devem estar desagregados dos outros
Estudos de demanda veículos, ou seja, é necessário conhecer o volume de ciclistas em cada trecho a ser projetado para assim definir se
será implantada uma via para ciclista compartilhada ou segregada do fluxo dos demais veículos.
Quadro 1: (Continuação)
Etapas de estudo para a elaboração do planejamento cicloviário
Etapa que corresponde à definição preliminar de rede projetada. Nela devem estar contempladas as possi-
Estudo de alternativas bilidades de vias com potencial de recebimento de ciclovias ou que possam compor rotas para ciclistas. É
necessário definir as áreas com potencial demanda para a instalação de paraciclos e bicicletários.
Detalhamento de projetos Nesta fase são definidos em detalhes os cruzamentos e intersecções viárias, as situações para proteção dos
prioritários ciclistas, os locais de paradas para as bicicletas, a sinalização, bem como os equipamentos de apoio.

Delimitação da área Exame das Estudo de Estudo de Detalhamento dos


de estudo informações Demandas Alternativas projetos prioritários
disponíveis

Reconhecimento
preliminar da área de
estudo

Exame dos planos


urbanísticos e de Planejamento das Concepção das Levantamentos
transportes ou os pesquisas alternativas planialtimétricos
Consulta às
autoridades e Planos de
definição da área Mobilidade Urbana
de estudo Execução das Análise e escolha
Localização dos Elaboração de
pesquisas das alternativas projetos
principais geradores
de viagens de
30 bicicletas
Caracterização da Seleção dos Estimativa de
Consulta as demanda projetos prioritários custos de
lideranças implantação
comunitárias

Levantamento de
mercado

Levantamento de
acidentes
envolvendo ciclistas

Figura 1 – Etapas de estudo para a elaboração do planejamento cicloviário.


Fonte: adaptado de Geipot (2001a)

A participação da sociedade tem como objetivo discu- 2.3. Os elementos estruturantes de um siste-
tir a temática e os estudos técnicos com a sociedade (mu- ma cicloviário
nicípio) e verificar a receptividade dos projetos propostos
para uma aprovação ou reformulação da proposta. Embora os municípios apresentem muitos espaços,
na infraestrutura viária existente, que podem ser utili-
zados para a circulação de bicicletas, os ciclistas correm
riscos quanto à sua integridade física quando comparti-
lham as vias com outros veículos. Por esse motivo é ne- drenagem; viii) iluminação; ix) estacionamentos para
cessário que os municípios implementem infraestrutura as bicicletas; e x) bicicletário (GEIPOT, 2001a; BRASIL,
adequada à circulação exclusiva das bicicletas. 2007b). A seguir, é apresentada a definição de alguns dos
O sistema cicloviário pode ser definido como: principais elementos citados.
O espaço útil do ciclista é composto pelas dimensões
uma rede integrada composta de elementos com caracte- mínimas ocupadas pelos ciclistas tanto no plano hori-
rísticas de vias, terminais, transposições, equipamentos, zontal quanto no vertical, conforme mostra a figura 2.
etc, que atendam à demanda e à conveniência do usuá- Todas as medidas têm como referência as dimensões de
rio da bicicleta em seus deslocamentos em áreas urbanas, uma bicicleta (GEIPOT, 2001a; BRASIL, 2007b).
especialmente em termos de segurança e conforto (GEI- As pistas e faixas de ciclistas podem ser divididas em
POT, 2001a). ciclovias e ciclofaixas.
A ciclovia constitui-se na mais importante infra-
Os elementos básicos que compõem um sistema ci- estrutura que pode ser criada em favor da circulação
cloviário são: i) definição do espaço útil do ciclista; ii) das bicicletas nas áreas urbanas e rurais. Sua estrutu-
definição das pistas e faixas de ciclistas (ciclofaixas ou ra é totalmente segregada do tráfego motorizado, por
ciclovias); iii) definição das interseções e travessias; iv) isso apresenta um maior nível de segurança e conforto
definição dos cruzamentos; v) definição das rotatórias; aos ciclistas. Ela pode ser unidirecional ou bidirecional
vi) definição do tipo de pavimentação; vii) sistema de (GEIPOT, 2001a; BRASIL, 2007b; TERAMOTO, 2008).
31

Largura: 1,00m / Comprimento: 1,75m / Altura: 2,25m

1,50m
Espaço útil de um ciclista
0,25m

1,00m
2,25m

1,75m

Plano Vertical Plano Horizontal 1,75

Figura 2: Estudo para o planejamento cicloviário.


(Fonte: adaptado de GEIPOT (2001a))
Quadro 2: Largura efetiva de ciclovia ou ciclofaixa uni e bidirecional
Largura efetiva de ciclovia uni e bidirecional

até 1.000 de 1,50 a 2,50m


Largura efetiva de uma ciclovia
de 1.000 a 2.500 de 2,50 a 3,20m
unidirecional1, segundo o tráfego
de 2.500 a 5.000 de 3,20 a 4,00m
horário (bicicletas por hora)
mais de 5.000 de 4,00 a 6,00m

até 1.000 de 2,50 a 3,00m


Largura efetiva de uma ciclovia
de 1.000 a 2.500 de 3,00 a 4,00m
bidirecional2, segundo o tráfego
de 2.500 a 5.000 de 4,00 a 6,00m
horário (bicicletas por hora)
mais de 5.000 > 6,00m
Figura 3: Largura de uma via para bicicleta.
(Fonte: adaptado de GEIPOT (2001a))

1 A largura mínima adotada no Brasil para a pista unidirecional (com sentido único) é de 1,50m.
2 A ciclovia bidirecional tem como largura ideal de 3m, mas é aceitável dimensioná-la com, no mínimo, 2,50m.

32

Figura 4: Ciclovia. Figura 5: Ciclofaixa.


Fonte: GEIPOT (2001a). Fonte: GEIPOT (2001a).
Figura 6: Circulação canalizada nos cruzamentos com am- Figura 7 : Circulação canalizada com pouco espaço lateral. 33
plo espaço lateral. Fonte: GEIPOT (2001a)
Fonte: GEIPOT (2001a).

A ciclofaixa é representada por uma faixa da via des- circulação compartilhada nos cruzamentos. Um exem-
tinada para a bicicleta, delimitada do fluxo de veículos plo pode ser visto nas imagens a seguir.
por meio de uma linha separadora, pintada no solo, ou Com relação à pavimentação, é imprescindível que a
ainda com auxílio de outros dispositivos de sinalização superfície de rolamentoda ciclovia seja regular, imper-
delimitadores (“tachas”, “tartarugas” ou “calotas”). Nor- meável, antiderrapante e, se possível, de aspecto agradá-
malmente a ciclofaixa está localizada na borda direita do vel. As ciclovias não são submetidas a grandes esforços,
sistema viário, no mesmo sentido de tráfego (GEIPOT, por isso não necessitam de estrutura maior do que a uti-
2001a; BRASIL, 2007b; TERAMOTO, 2008). lizada para vias de pedestres.
Nas interseções e travessias para que os ciclistas No que se refere aos estacionamentos, atualmente pode-
possam circular com segurança em relação ao tráfego -se encontrar uma variação muito grande de desenhos, en-
é necessário que os cruzamentos das vias tenham sina- caixes e formas, inclinados ou não em relação ao solo, utili-
lização adequada. Essas soluções podem ser agrupadas zando diversos materiais construtivos, tais como: madeira,
em três tipos: A circulação canalizada nos cruzamentos metal, alumínio, concreto, etc. Com ralação à estrutura, os
com amplo espaço lateral, com pouco espaço lateral e estacionamentos para bicicleta podem ser: sem suportes,
nem abrigo com suportes especiais suportes que prendem usuários reduzidos, a sensação de insegurança só au-
as duas rodas e o quadro, suportes com fixação em uma das menta, uma vez que os motoristasnão se acostumam
rodas, blocos de concreto e blocos metálicos, suportes com com a circulação dos transportes alternativos. Além dis-
encaixe de duas rodas, suporte tipo cavalete, suporte tipo so não há investimento para melhorar a situação, que se
gancho, suporte tipo estaca, suporte para pedal. agrava ainda mais (PIRES, 2008).
Os bicicletários são caracterizados como estacio- Deve-se lembrar que o ciclista também acaba sendo
namentos de longa duração, pois possuem um grande um perigo para os pedestres, pois na ausência de vias
número de vagase controle de acesso, sendo peublicos próprias, eles trafegam pelas calçadas tirando a seguran-
ou privados. Uma das diferenças significativas entre os ça dos transeuntes. O contrário também acontece já que
bicicletários e os estacionamentos, além do maior tempo algumas vezes, são os pedestres que caminham nas ciclo-
da guarda das bicicletas, referem-se à movimentação dos vias pela ausência de calçadas em condições adequadas.
ciclistas nos bicicletários nos períodos de pico – horários Segundo o GEIPOT (2001b), os principais fatores
de entradas e saídas de jornadas de trabalho ou, ainda, que têm contribuído para a baixa adesão no uso das
no início e no fim de atividades cotidianas. bicicletas no Brasil são: aumento do volume do tráfego
motorizado aumento do número de acidentes graves
2.4. Os obstáculos que impedem os desloca- com ciclistas nas vias públicas, inexistência de espaços
mentos dos ciclistas e equipamentos para estacionar a bicicleta nos estabele-
cimentos e instituições, maior distância entre os locais
34
A bicicleta é um dos meios de transporte não moto- de moradia e trabalho, falta de respeito com o ciclista e
rizado mais utilizado, tanto para trajetos do cotidiano, impunidade no trânsito, desqualificação da bicicleta pe-
quanto para as atividades de lazer em fins de semana. rante a opinião pública, que a classifica como o veículo
Possui baixo custo de aquisição e manutenção e, por das classes menos favorecidas e publicidades massifican-
isso, é acessível a quase todos os cidadãos, até mesmo te sobre os benefícios do automóvel.
aqueles com algum tipo de deficiência física pois já exis- Pires (2008) afirma que, no Brasil, a bicicleta ain-
tem alguns modelos adaptados no mercado (BRASIL, da é vista como uma brincadeira de criança ou como
2007b). É um ótimo veículo para vencer pequenas dis- instrumento de lazer e esporte para adultos. Quando
tâncias e para fugir do congestionamento frequente em vista como meio de transporte, é para aqueles que não
algumas cidades. possuem condições financeiras de comprar um carro,
Uma das principais desvantagens das bicicletas é a pessoas sem status. Sendo assim, o espaço de circula-
sua vulnerabilidade perante os veículos motorizados, ção também acaba por representar as relações sociais,
ainda mais em cidades onde não há uma política de em que as vias seguem o status que o cidadão do trân-
conscientização para uma convivnência harmônica en- sito exibe. O ciclista, visto como alguém de classe mais
tre os diferentes meios de transporte. Segundo o Banco baixa, parece então não ter direito de ocupar o mesmo
Mundial, a falta de segurança no trânsito urbano atinge espaço que os veículos nas vias de tráfego.
principalmente os pedestres e os ciclistas. Esse perigo Outro problema que desestimula o uso das bicicletas
desestimula o uso das bicicletas e, com um número de são os obstáculos estruturais encontrados no percurso
daqueles que costumam utilizar este meio de transporte, • A adoção das medidas acima citadas pode con-
seja por lazer ou por necessidade. A falta de vias ade- tribuir para aumentar a utilização das bicicletas
quadas não assegura as pessoas a utilizarem o veículo se nas cidades, melhorando a circulação dos veí-
puderem lançar mão de outro mais seguro e com maior culos motorizados, diminuindo os níveis de po-
infraestrutura à disposição. luição ambiental e melhorando a qualidade de
Segundo dados do Ministério das Cidades (BRASIL, vida das pessoas.
2007b), alguns fatores impedem o aumento da quantida- • A questão dos acidentes no planejamento ci-
de de ciclistas no dia-a-dia das cidades. Entres eles estão: cloviário: A realização de um levantamento
sobre a quantidade e o tipo dos acidentes de
• Qualidade da infraestrutura: independente do trânsito envolvendo ciclistas é importante
tipo de via voltada para ciclistas, em geral, elas para o planejamento cicloviário, entretanto,
não possuem largura e piso adequados, boa si- no Brasil, não há muitas informações sobre
nalização, proteção lateral, dispositivos de re- essas ocorrências Segundo levantamento rea-
dução de velocidade dos veículos motorizados lizado pelo GEIPOT (2001b) grande parte dos
próximo aos locais de cruzamentos perigosos, municípios não analisa os dados referente aos
iluminação suficiente, entre outros. acidentes com ciclistas e em alguns casos a in-
• Qualidade ambiental do trajeto: ausência de formação não faz parte dos registros de ocor-
tratamento paisagístico, não deixando o lugar rências, como atropelamentos de pedestres
35
agradável para a circulação. (TERAMOTO, 2008).
• Descontinuidade da infraestrutura: ausência de
uma manutenção homogênea em todo o trajeto, 2.5. Recomendações para a realização de
possibilitando um percurso seguro e falta de tra- um planejamento cicloviário
tamento das intersecções para que a bicicleta pos-
sa ter um espaço adequado e independente para a Antes de projetar uma rota cicloviária é necessário
travessia necessária à continuidade do percurso. um estudo do uso da bicicleta na cidade, assim como os
• Dificuldades para guardar as bicicletas: não há principais fluxos e rotas, observando as características
estacionamentos adequados e seguros em todos dos ciclistas ali presentes, pois há diferentes fluxos de
os locais da cidade, sendo que em alguns seria tráfego em relação às diferentes horas do dia em conse-
necessário um controle rígido de acesso. quência dos diferentes objetivos de viagem. Os pontos
• Integração com outros meios: item importante com maior número de acidentes também devem ser le-
para a ampliação da mobilidade dos ciclistas, vantados para que soluções sejam tomadas com cautela,
porém são necessários locais para guardar a ampliando a segurança e o conforto de todos os usuários
bicicleta de forma segura, assim como equipa- das vias urbanas (PIRES, 2008).
mentos de suporte como sanitários e bebedou- De acordo com Brasil (2007b), para a implantação de
ros, permitindo uma melhor integração do ci- uma ciclovia, alguns estudos indicam que é necessário
clista com os transportes públicos. que essas vias atendam aos seguintes critérios:
• Segurança viária: a ciclovia deve ser pensada de alternativas, trânsito e topografia.
forma a manter a segurança do ciclista e dos ou- • Conforto: para um maior conforto do ciclista
tros usuários das vias de tráfego, promovendo ao pedalar, visto o forte impacto que o veículo
visibilidade e previsibilidade. Deve ser pensada causa para o usuário, o piso é uma importante
sempre em função da velocidade e do volume de escolha para a via, sendo de preferência regu-
tráfego presentes ao redor do local a ser implan- lar, antiderrapante e impermeável. A largura
tada. Projetos geométricos, medidas de modera- constante da via também é importante para o
ção de tráfego, proteção física para os pedestres, conforto do ciclista. Se possível, a via deve ser
sinalização, entre outras, são medidas que con- protegida de chuva, sol e vento.
tribuem para uma convivência harmônica de • Atratividade: infraestrutura integrada ao meio
diferentes tipos de transporte numa mesma via ambiente, proporcionando um caminhar e pe-
e para um menor número de acidentes. dalar agradáveis. O ideal é que a ciclovia passe
• Rotas diretas e rápidas: devido ao esforço físico por lugares atrativos, como parques e áreas ver-
necessário ao usuário para a locomoção com a des, por exemplo, e evite ao máximo cruzamen-
bicicleta e à velocidade baixa do veículo, as rotas to com as vias arteriais.
devem ser claras, diretas e com o mínimo de in-
tervenções e obstáculos. Em resumo, todo planejamento e projeto de infra-
• Coerência: as ciclovias e ciclofaixas devem ter estrutura cicloviária deve atender a quatro condições:
36 um traçado coerente com a topografia do local as redes, as seções, os cruzamentos e o tipo de piso. As
e um percurso fácil de ser reconhecido. É neces- figuras a seguir apresentam dois exemplos de implanta-
sária uma largura constante da via durante todo ção de projeto cicloviário na cidade de Beijing (China).
o percurso, bem como sistemas de informação e Nesses exemplos, a infraestrutura cicloviária atende às
sinalização que informem o ciclista sobre rotas quatro condições mencionadas acima.

a b
Figuras 8 (a e b): Infraestrutura cicloviária na cidade de Beijing – China (2010).
Fonte: Magagnin, 2010.
3. Considerações finais jamento e distribuição equitativa dos espaços de circu-
lação para as bicicletas.
Este capítulo apresentou algumas considerações so- Diante desse quadro, o capítulo buscou apresentar
bre a questão do planejamento da infraestrutura para os os elementos que interferem no planejamento cicloviá-
modos de transportes não motorizados, particularmen- rio, bem como enumerar alguns problemas e recomen-
te o caso das ciclovias. dações projetuais que podem favorecer a mobilidade e
A adoção de políticas públicas que privilegiaram, num a acessibilidade de ciclistas em áreas urbanas, levando
passado recente, o uso do automóvel como o principal meio em consideração a interação entre os elementos do sis-
de transporte têm causado muitos problemas urbanos que tema de transportes: o homem, a via, o espaço urbano
interferem diretamente na qualidade de vida dos cidadãos. e o veículo, nos campos do planejamento e das políticas
O atual desafio dos gestores públicos é de incentivar públicas, dos projetos de infraestrutura, do projeto ope-
os planejadores urbanos a implementarem nas cidades o racional e da legislação (controle e operação).
novo paradigma de planejamento de transportes, o pla-
nejamento da mobilidade urbana sustentável, que tem 4. Agradecimentos
como proposta prover a cidade com infraestrutura ade-
quada aos modos coletivos e não motorizados, em espe- Agradeço aos alunos de Iniciação Científica, por au-
cial o modo por bicicleta. xiliarem nas pesquisas sobre infraestrutura para os mo-
Existem no Brasil e no exterior bons exemplos de dos de transporte não motorizados – ciclovias, a saber:
37
implantação de política urbana e infraestrutura viária Marcela Carolina Gomes de Paula, Lívia Bonagamba
adequada para a mobilidade de ciclistas. Esses mo- Sandrini e Bruna Geromel de Faria. Agradeço à FAPESP
delos mostram que é possível implantar um sistema e a PROEX pelos auxílios concedidos em diversos mo-
cicloviário desde que se tenha vontade política, plane- mentos desta pesquisa.

Referências

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Urbana. Ministério das Cidades. 2007a.
BRASIL. Programa brasileiro de mobilidade por bicicleta – Bicicleta Brasil. Caderno de referência para elaboração
de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas Cidades. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Transporte e da
Mobilidade Urbana. Brasília, 2007b.
BRASIL. Brasil Acessível. Programa brasileiro de acessibilidade urbana. Cadernos 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Ministério das Ci-
dades. Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana. Brasília, 2007c.
DENNIS, K. Cars, Cities, Futures. Department of Sociology. Lancaster University. Lankaster. UK, 2007.
GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes. Manual de planejamento cicloviário. 3. ed. Brasília:
GEIPOT, 2001a.
GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes. Planejamento Cicloviário: Diagnóstico Nacional. Bra-
sília: GEIPOT, 2001b.
MAGAGNIN, R. C. Um Sistema de Suporte à Decisão na internet para o planejamento da Mobilidade Urbana. Tese
(Doutorado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. São Carlos: USP, 2008.
PIRES, C. C. Potencialidades cicloviárias no Plano Piloto. Dissertação (Mestrado). Universidade de Brasília. Brasília: UnB,
2008.
TERAMOTO, T. T. Planejamento de transporte cicloviário urbano: organização da circulação. Dissertação (Mestra-
do). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos: UFSC, 2008.
VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas. São Paulo: Anna-
blume, 2000.
VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume,
2001.

38
Paradoxos à sustentabilidade
em São Luiz do Paraitinga, SP:
o rio e a cidade; as águas e a estrutura
urbana e da arquitetura; as águas e as
técnicas construtivas do barro
José Xaides de Sampaio Alves
Resumo
Este artigo, focado em questões levantadas nos trabalhos de gestão e pesquisa de pla-
nejamento e reconstrução da cidade de São Luiz do Paraitinga (SP), mostrará algumas
questões paradoxais entre a preservação dos elementos ambientais e a preservação do
urbanismo, da arquitetura e da técnica construtiva do barro, sobre as quais recaem
grande parte das discussões básicas e mais polêmicas sobre a sustentabilidade e cujas
concepções e soluções finais para aquela cidade são de importância significativa para a 39
história do urbanismo e arquitetura de São Paulo e do Brasil. Os desafios para o Planeja-
mento Sustentável e Participativo vêm sendo aprofundados e pesquisados pela UNESP
desde o ano de 2005 em São Luiz do Paraitinga (SP) a partir de uma metodologia de
pesquisa-ação. Portanto, antes mesmo das chuvas e da enchente do Rio Paraitinga,
ocorridas na passagem do ano de 2009 para 2010. O fenômeno destruiu inúmeros bens
arquitetônicos tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueoló-
gico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), assim como moradias populares na zona urbana e ru-
ral, desmoronou encostas, destruiu pontes, alagou várzeas, destruiu mobiliário e afetou
drasticamente toda a economia municipal. A enchente de 2010 revelou, por meio dessa
pesquisa, a complexidade da discussão sobre a sustentabilidade e vem colocando em
evidência nacional São Luiz do Paraitinga, toda a região do Alto Vale do Paraíba e o tra-
balho de planejamento que lá está sendo realizado por diferentes órgãos, inclusive pela
UNESP. A integração de diferentes entidades, nos trabalhos de Gestão da Reconstrução,
ainda sem unidade conceitual e metodológica, deixa expostas várias questões impor-
tantes, dentre elas a necessidade do enfrentamento consciente e objetivo revelada por
esses paradoxos, buscando melhores compreensões e soluções técnicas para a sustenta-
bilidade de um dos maiores acervos tombados de arquitetura do Estado de São Paulo.
Palavras-chave: Estrutura Urbana. Planejamento Participativo. Preservação. Susten-
tabilidade. Técnicas Construtivas.
1. Introdução tabilidade urbana e do seu patrimônio cultural material a
médio e longo prazo, caso não se faça grandes obras que
As várias pesquisas, extensões, ensino e publicações gerarão impacto no meio ambiente. As águas e a estrutura
sobre o planejamento urbano brasileiro, especialmente urbana e da arquitetura, que demonstra como e quanto
das experiências concretas realizadas no Grupo de Go- a estrutura urbana e da arquitetura resistiram às forças
vernança para a Administração Municipal – PROGAM das águas e sugere obras contemporâneas para o seu for-
e no Centro de Pesquisa sobre Cidades (CP), Cidades da talecimento em futuras tragédias semelhantes. As águas e
Unesp, em regiões de baixo IDH, a saber: no Alto Vale as técnicas construtivas do barro, que demonstra, por um
do Rio Paraíba do Sul (SP), Alto Vale do Rio Ribeira lado, que as técnicas antigas do barro não devem ser “de-
(SP), Alto Vale do Rio Paranapanema (SP), Alto Vale do monizadas” e, por outro, que elas podem e devem ser de-
Rio Grande (MG), Francisco Morato na Região Metro- senvolvidas tecnologicamente, ao mesmo tempo podem
politana de São Paulo e cidades da região de Bauru (SP), conviver com técnicas mais atuais.
têm comprovado e demonstrado a necessidade do trato
interdisciplinar e intersetorial nas questões relativas ao 2. O rio e a cidade: mudanças da paisa-
planejamento urbano, rural e regional, para de fato se
gem e do meio ambiente, para a pre-
avançar em metas mais generosas de sustentabilidade
(ALVES, 2009a). Sustentabilidade esta que preze por fo- servação da cidade e do patrimônio
car a busca de certo equilíbrio dinâmico que se situe na arquitetônico
40
interface entre a questão ambiental, social, econômica e
de gestão participativa (BRUNDTLAND, 1987), e não Profundos e intensos foram todos os debates e audi-
apenas na fixação radical de uma compreensão mais es- ências públicas ocorridos durante a elaboração do Plano
treita de paradigmas exclusivos de uma dessas questões Diretor Participativo (PDP) e também após a tragédia de
sobre qualquer outra, o que nesse caso tem criado mais 2010. Nesses ocasiões, foram apresentadas constatações
dificuldades de soluções, especialmente técnicas e polí- científicas por especialistas como o Prof. Dr. Aziz Ab’Saber
ticas, que propriamente avanços. (um ilustre luizense) e o Prof. Dr. Kokei Uehara sobre as
Nas partes a seguir intituladas dessa pesquisa, com questões factuais geográficas e hidrológicas, sobre as cau-
parcimônia, evidencia-se alguns elementos necessários, sas dos problemas ambientais das enchentes, do assorea-
paradoxais à priori, sobre uma abordagem das questões mento do Rio Paraitinga e o deslizamento das encostas de
colocadas para a discussão do planejamento sustentável morros naquele município de mesmo nome e em toda a
utilizando-se das conclusões permitidas nas reflexões e es- região de cabeceira dos rios Paraitinga e Paraibuna. Rios
tudos, extensão e ensino, desenvolvidos na experiência de esses que são os principais formadores da montante do rio
pesquisa-ação em São Luiz do Paraitinga (SP). Paraíba do Sul. As constatações científicas desestabiliza-
As questões postas à sustentabilidade serão tratadas doras apresentadas foram de que aquele episódio de 2010,
nas seguintes partes: O rio e a cidade: mudanças da pai- de recorrência aproximada de 300 anos, não só já ocorreu
sagem e do meio ambiente para a preservação da cidade e em escala até maior por inúmeras vezes em eras pregressas
do patrimônio arquitetônico, que demonstra a insusten- (existem recorrências maiores de 500, 1.000, 10.000 anos
etc.), como irá ocorrer de novo no futuro, e talvez em es- vantamento da Serra da Mantiqueira, que fez o rio Paraíba
paços de tempo cada vez menores, dado a aceleração dos dar meia volta e retornar quase paralelo em sentido oposto
impactos entrópicos que vêm alterando os padrões globais ao seu afluente Paraitinga (AB’SABER, 2010b).
de clima na região e em todo o nosso planeta. A ocupação intensa e a exploração econômica desde
Sob o ponto de vista geográfico, se constata que toda a o Brasil Colonial, durante os ciclos das monoculturas do
bacia do rio Paraíba do Sul foi formada por processos anti- café e do gado ao longo de todo o vale do Paraíba, e par-
gos de sedimentação com retirada de solo por erosões, des- ticularmente também pelas “culturas brancas” de arroz,
lizamentos naturais, assoreamento dos leitos dos córregos feijão, algodão, etc., em São Luiz do Paraitinga, obedecen-
e rios, que se comprovam historicamente pela formação de do às políticas de incentivos e exigências governamentais
meandros e lóbulos ao longo destes leitos. O sítio histórico iniciais, foram responsáveis pelas imensas devastações de
e a Igreja Matriz de São Luiz de Toloza, que ruiu com as florestas de mata atlântica situadas entre a Serra da Man-
águas de janeiro, estão assentados entre estes meandros e tiqueira e a cumeada Serra do Mar. Devastações estas que
em um destes lóbulos. Também há a constatação de que a expondo o solo e associadas a processos de compactação
separação entre os rios Paraíba e Tietê só ocorreu após o le- superficial pelo pisoteio do gado e outras práticas degra-

41

Figura 1: Localização do Centro Histórico em um Lóbulo de Meandro do Rio Paraitinga (Foto: arquivo PMSLP).
dantes, aceleram a baixa retenção de água das chuvas, am- poderá também subir devagar em noite quase estrelada e
pliam o transporte de solo erodido a partir das enxurradas enluarada. Certamente, na incerteza, na insustentabilida-
e diminuem o tempo que estas chegam aos córregos e rios, de natural da cidade, cuja praça principal que homenageia
ampliando o assoreamento dos seus leitos e em consequ- o filho ilustre e sanitarista Dr. Oswaldo Cruz e que está
ência, também ampliam as suas enchentes. diante de uma curva linda e ameaçadora do rio Paraitinga,
Por razões de diversas naturezas históricas e eco- haverá mais planejamento e prontidão técnica, sistemas
nômicas, como a necessidade de acesso fácil à água, do de alertas e seguranças de todo tipo. É o que esperamos.
transporte fluvial, a proximidade de rotas indígenas en- Contudo, o sucesso espetacular do salvamento de pessoas,
tre o litoral e o planalto, bem como o encontro de um sí- pelo pessoal do rafting, defesa civil, bombeiros e outros
tio alargado nas margens do rio Paraitinga formado en- colaboradores de 2010, será recorde para a história, afinal,
tre um “lóbulo de meandro do mesmo”, a cidade de São nenhum ser humano morreu diretamente pela enchente.
Luiz do Paraitinga foi ali fixada por seus fundadores. Um dos paradoxos colocados e que vimos discutindo é
que, devido ao desejo social local e a importância coletiva
para São Paulo e para o Brasil pela recuperação do patrimô-
3. A instabilidade ou insustentabilida-
nio histórico destruído e pela sua preservação futura, vá-
de natural urbana de São Luiz do Pa- rias obras provavelmente custosas e bastante impactantes
raitinga da paisagem e do meio ambiente natural deverão ser feitas
na beira-rio urbana, “rio acima e rio abaixo” (AB’SABER,
42 Hoje, conhecido as dimensões da tragédia de 2010, 2010a), para salvaguardar o patrimônio. Segundo o grande
suas consequências devastadoras às construções históri- Geógrafo luizense, em texto ainda no prelo e só divulga-
cas, à economia municipal e à toda a vida das pessoas e do em São Luiz do Paraitinga para membros do Conselho
principalmente as constatações já apontadas pelos espe- Gestor de Patrimônio Cultural em setembro de 2010, ele
cialistas, as pessoas e órgãos responsáveis devem recnhe-
cer, especialmente os responsáveis pela preservação do sugere que para proteger São Luiz no futuro, será necessá-
sítio histórico, do CONDEFHAAT, IPHAN e também os rio planejar três ou quatro pequenas ou médias barragens
gestores locais que existe uma instabilidade ou insusten- em locais bem estudados rio-acima.
tabilidade natural urbana de São Luiz do Paraitinga.
Assim, a relação entre rio e cidade jamais voltará a ser Alerta ainda que
a mesma, amena, tranquila, somente lúdica, apreciativa,
nos próximos oito a dez anos tem que ser feitos peque-
pois será guardado na memória social, documental, paisa-
nos projetos e muitos reparos porque os ciclos de acon-
gística e tecnológica o fato acontecido, de futuros e possí-
tecimentos hidro-climáticos tem uma periodicidade de
veis reencontros, ameaçadores, destruidores. Certamente, onze em onze ou doze em doze anos. E tudo tem que ser
na memória das crianças e jovens, luizenses e turistas, en- previsto e remodelado antes que venha a acontecer no-
tre contos de saci e reencontros de música de marchinhas vos processos catastróficos entre 2021 e 2022, segundo
nos carnavais e réveillons futuros, pairarão muitas incer- a periodicidade previamente e realisticamente prevista.
tezas e medo da sombra de outra grande enchente que Atenção autoridades de São Luiz, de São Paulo e do Bra-
sil, e senhores juízes, que ainda desconhecem o retorno 4. As águas e a estrutura urbana e da
previsto para anos anômalos.
Prever impactos futuros é uma necessidade básica
arquitetura
para todos os verdadeiros planejadores interessados em
colaborar com a pequena e notável cidade de São Luiz Nenhuma cidade ou arquitetura foi feita para ficar
(AB’ SABER, 2010a). debaixo d’água, com certeza o episódio acontecido em
São Luiz do Paraitinga é o maior acidente desta natureza
Por fim além de outras recomendações colocadas acontecido ao patrimônio arquitetônico no Brasil e tal-
numa “seqüência integrada dos procedimentos”, o pro- vez no mundo. (GALEÃO, 2010)
fessor Aziz apresenta uma diretriz urbanística e paisa-
gística para preservar o centro histórico. A frase anterior foi proferida numa das palestras para
o Programa Canteiro Aberto, desenvolvido em parceria
Estimular um projeto de mureta que circunde o ló- entre a Unesp, o IPHAN e gestores locais de São Luiz
bulo interno do meandro embutido entre morros, que do Paraitinga em 2010. A declaração é do arquiteto Pau-
recebeu o ímpeto maior da grande inundação vinda de
lo, Sérgio Galeão do IPHAN, que buscava demonstrar
rio acima e do riozinho do Chapéu. O objetivo dessa mu-
as dificuldades e complexidade do trato do patrimônio
reta, arquitetonicamente bem planejada, é para diminuir
arquitetônico em seu processo de reconstrução naquela
e atrasar o espraiamento das águas em épocas eventuais
de futuras grandes chuvas. Sendo necessário fazer grades cidade tendo em vista a natureza da sua destruição.
ornamentais acima da forte mureta basal, para evitar o O episódio ambiental da enchente, em sua relação 43
caráter de encarceramento da rica porção central de São com as construções históricas, pode ser caracterizado
Luiz. Uma porteira de aço será necessária para o setor da por alguns aspectos fundamentais sobre os quais serão
obra no ponto de cruzamento com a rica ponte de São importantes medidas futuras de mitigação e controle
Luiz (a “ponte nova”) (AB’SABER,2010a). para sanar eventuais recorrências previstas pelos espe-
cialistas. Segundo o professor Dr. Aziz Ab’Saber, essas
Assim, sob o olhar científico de um especialista, com recorrências em anos anômalos acontecem de onze em
o qual concordamos integralmente, a opção pela recons- onze anos ou de doze em doze anos, devido a fatores
trução e preservação adotada pelos cidadãos luizenses e globais de aquecimento do Atlântico Central provocado
por todos os órgãos governamentais estaduais e federais, pelo El Niño (AB’SABER, 2010b).
inclusive do CONDEPHAAT e IPHAN, e que talvez seja
mais cara economicamente do que mudar a cidade para
terrenos mais altos, implica necessariamente em contro-
5. As águas e sua ocupação do centro
lar o rio e o meio ambiente natural, suas áreas de preser- histórico
vação permanentes urbanas, com obras de engenharia,
arquitetura e de mudanças na paisagem, buscando o Uma das conclusões consensuais entre os técnicos
máximo de amenização destes impactos com obras pai- que participaram das audiências realizadas em praça pú-
sagísticas criativas para proteger a cidade e o seu patri- blica em 2010 sobre a enchente, entre eles o professor da
mônio cultural, material e imaterial. USP, Dr. Kokei Uehara, foi que uma das causas problema
foi o fato de ter havido mais de trinta dias de chuvas con- Essa fase da enchente, que durou algumas horas, já
tínuas nas cabeceiras dos rios Paraitinga e do Chapéu, o estava na descendente, segundo o Diretor de Agricultu-
que encharcou demasiadamente o solo de toda a região. ra Donizete José Galhardo. O fato fez com que muitas
Na sequência, nas vésperas do dia 1º de janeiro, houve pessoas inicialmente imaginassem ser o fim do processo
precipitação de chuvas em escala anormal daquelas di- da enchente, quando as águas novamente subiram já na
árias anteriores, chuvas essas que não tendo sido absor- tarde dia 1º de janeiro, chegando a um nível que atingiu
vidas pelo solo, correram rapidamente para os leitos dos toda a praça Oswaldo Cruz, bloqueando a Ponte Princi-
córregos e rios provocando as enormes enchentes. pal de entrada da cidade e inundando os andares térreos
A partir de entrevistas feitas por este autor e pesqui- dos imóveis que possuíam cotas de níveis abaixo da cota
sador com técnicos locais como o Engenheiro Civil Jairo daquela praça (este nível das águas está próximo de 6
Sebastião Burrielo de Andrade, com o pessoal do Rafting metros acima do leito normal do Rio Paraitinga). Pelas
(Luís Augusto, da equipe Montana), além das análises das pesquisas de campo mencionadas, constatou-se que esta
conclusões e organização das discussões das audiências segunda fase deveu-se à elevação do nível das águas do
públicas, das conclusões sobre observações de vídeos e rio Jacuí, situado rio acima da cidade de São Luiz do Pa-
fotos e, principalmente de pesquisa de campo com medi- raitinga e que se elevou a cerca de 7 metros da sua cota
ções feitas rio acima, executado juntamente com o diretor normal no seu encontro com o rio Paraitinga, portanto
de Agricultura, Donizete José Galhardo, com o diretor cerca de duas horas antes da grande vazão que desceu
do Parque Santa Virgínia, Ms. João Paulo Villani e seu também por este rio.
44
assessor Nilson A. Silva, e por fim, observando rio aci- Mais uma vez, houve a sensação de que a enchente,
ma os impactos da mãe de todas as enchentes e os níveis que já era a maior da história recente documentada da
atingidos nas residências rurais e com os depoimentos cidade, tivera chegado ao seu limite. Contudo, após pou-
de seus moradores sobre os horários de picos da mesma; cas horas, que correspondem às diferenças de tempo dos
concluiu-se principalmente que a enchente de 2010, teve e encontros das vazões dos rios mencionados, o rio nova-
foi sentida na cidade, pelo menos, em três fases: mente subiu de forma espetacular e se elevou por cerca
O início se deu no rio do Chapéu, pois como ob- de mais cinco metros acima do nível anterior, atingindo
servou o engenheiro Jario; “pelo fato da grande incli- cerca 12 metros acima de sua cota normal ou de um me-
nação do leito do Rio do Chapéu em seu percurso até
tro e meio acima do segundo pavimento dos sobrados
o encontro com o Rio Paraitinga, suas águas são mais
assentados na rua Barão.
rápidas e perigosas” e, assim como em 1996 (mas em
menor intensidade em 2010), sua confluência com o
rio Paraitinga foi capaz de elevar o nível do segundo 6. As águas e a estrutura urbana e da
rio, causando retorno das águas até a cidade, provo- arquitetura
cando uma enchente com transbordamento a partir
do bairro Várzea dos Passarinhos e em toda a beira-rio A terceira fase da enchente foi a grande responsável
do centro histórico, chegando a se elevar na rua lateral pelas enormes perdas dos imóveis históricos da cidade,
do Mercado Municipal. inclusive das duas igrejas, a Matriz de São Luiz de Tolosa
e da Capela das Mercês, pois trouxe alguns agravantes mou com as construções da cidade, especialmente pe-
físicos, descritos a seguir. los três casarios paralelos e quase ortogonais à chegada
Ao superar a altura da praça, a direção da corren- do rio no centro histórico, um conjunto de elementos
teza do rio passou a entrar também pela rua Barão e a dissipadores (diques) de energia da pressão hidráulica
forçar as paredes do fundo do casario localizado na face que tinha a sua maior força nas paredes das menores
da praça onde situava-se a biblioteca da cidade. Assim, e primeiras construções do casario impactado que la-
no momento em que as águas seelevavam, sua corren- deava a Biblioteca. A partir desse, havia um gradiente
teza provocava mais pressão hidráulica sobre aquelas de diminuição da pressão hidrológica da enchente nos
construções, também atingindo os casarões do outro outros dois casarios paralelos.
lado da praça e todas as demais construções nas ruas Junto com a força e velocidade superficiais das águas,
posteriores. De certa forma, pode-se afirmar que se for- agora suportadas pelo centro histórico, chegavam todo

45

Figura 2: Altura máxima da enchente, destruição da igreja matriz e do casario onde se situava Biblioteca Municipal. (Foto
cedida por Paulo Carvalho dos Reis Alves).
tipo de materiais, como troncos de árvores caídas rio aci- patrimônio, sem o quê a reconstrução dos bens mate-
ma, móveis, geladeiras, botijões de gás, colchões etc., que riais perdidos tornar-se-á apenas temporária à espera de
iam subindo e saindo das casas. Na manhã do dia 2 de outra grande enchente e destruição.
janeiro, quando várias construções ruíram-se, especial- Constata-se que somente por um acaso natural, a
mente as igrejas Matriz e Mercês, depois o casario que la- enchente de 2010 não teve maiores dimensões, pois,
deava a biblioteca, também outros casarões da Praça, seus caso tivessem coincidido no tempo e espaço da cidade
resíduos juntaram-se a esses outros entulhos e todo tipo uma enchente do rio do Chapéu, nos níveis de 1996,
de materiais de construção. Esses objetos foram também com as enchentes do rio Paraitinga de 2010, a situação
grandes responsáveis pelos estragos das fachadas de barro, da tragédia teria sido ainda pior. Portanto, o que dis-
das estruturas de madeira, coberturas de vários prédios, seram os especialistas sobre as possibilidades de repe-
etc. Exemplos notórios desses estragos puderam ser ob- tições futuras das enchentes e de seus níveis deve ser
servados nas edificações que existiam no antigo pátio da objetivamente considerado.
Prefeitura, pois por lá passaram a maioria dos destroços É preciso pensar as obras urbanísticas e arqui-
que boiaram nas águas da enchente. tetônicas contemplando a ampliação das proteções
A travessia que a força e a velocidade da enchente fez ao centro histórico, em toda a beira-rio, mas espe-
pelo centro histórico na última etapa da sua ascensão e cialmente na região do casario onde situava-se a bi-
destruição, tendo como ponto focal de maior força e im- blioteca e que serviu de dique à praça Oswaldo Cruz
pacto o casario que ladeava a biblioteca, tornaram suas e a todo o centro histórico. Valem aqui as observa-
46 águas e todo tipo de objeto em aríetes implacáveis sobre ções do professor Aziz Ab’Saber, e sob as quais nós
as construções. mesmos da Unesp estamos trabalhando para apon-
Assim, constata-se que o casario ao lado da bi- tar alternativas de prevenção aos impactos ambien-
blioteca até a manhã do dia 2, enquanto funcionou tais do rio Paraitinga, em um projeto denominado
como dique e aguentou aqueles impactos, serviu de de Cidade Permeável (ALVES, 2010). O plano prevê
proteção ao centro histórico. Posteriormente à queda a construção de um anfiteatro/dique que possuirá a
da matriz, o que causou grande onda e pressão nega- dupla função de barragem às águas no caso de uma
tiva nas construções, o casario em questão ruiu quase grande enchente, ao mesmo tempo possibilitando um
por completo e a partir daí a maior pressão hidráulica equipamento novo de lazer, artes musicais, turismo
passou as ser exercida nos casarões do outro lado da e de apreciação da paisagem do rio com uma Rua da
praça. Aconteceram outras destruições, mas aí a en- Música. Dentro do projeto Cidade Permeável, esta-
chente já estava no seu topo e passava, felizmente, a mos estudando ainda a construção de uma mureta
entrar na descendente. elevada na borda da beira rio e vários regulamentos
Das pesquisas citadas ficaram algumas lições técni- do uso e ocupação do solo urbano exigindo a amplia-
cas, possibilidades conceituais e práticas para os futu- ção da resistência dos muros das construções, além
ros projetos urbanísticos e arquitetônicos de defesa da da criação de placas de redirecionamento e conten-
cidade e do centro histórico. Essas medidas devem ser ção da força das águas, bem como um plano de uso
cuidadosamente aprofundados pelos órgãos de defesa do e ocupação das edificações lindeiras ao rio e outros
47

Figura 3: Estudo preliminar para um Anfiteatro/Dique contemporâneo, integrado com a Rua da Música e Escola de Música
(Projeto e desenho do autor dentro do conceito urbanístico de Cidade Permeável).

elementos de ampliação da segurança das pessoas em É de importância fundamental a percepção de que


épocas de enchentes. as estruturas de madeira e concreto, do pau-a-pique
É preciso atentar para as recomendações tão exaus- (mais antiga) e do concreto (mais contemporânea),
tivamente postas pelo engenheiro Jairo, e também pelo foram capazes de resistir por um bom tempo aos im-
professor Dr. Manuel Joaquim Duarte da Silva, da Fa- pactos das águas e de todo tipo de objetos, mesmo não
culdade de Engenharia Civil da Unesp de Bauru, so- tendo sido projetadas para tal. Assim, vários edifícios
bre a necessidade de obras rio abaixo, especialmente se comportaram como verdadeiros diques na proteção
no entroncamento dos rios Paraitinga e do Chapéu. do conjunto contra a força das águas e dos objetos que
Nesses locais, tornaram-se elementares as obras de boiaram. Essas observações estruturais, sem quais-
desassoreamento, derrocamento de rochas, retificação quer preconceitos técnicos, poderão ser muito úteis
da geomorfologia do rio, alargamento do leito do rio para o processo de reconstrução e melhoramentos
Paraitinga na extensão urbana tão prejudicado em sua urbanos preventivos, desde que sejam pensados com
vazão pela urbanização das últimas décadas. melhorias estruturais necessárias, principalmente na-
quelas construções que margeiam o rio, como o ca- damento conceitual e metodológico com os cidadãos
sario que se apresenta no caminho do rio em frente à luizenses, com os membros dos conselhos municipais
praça Oswaldo Cruz. e com os responsáveis técnicos das parcerias e órgãos
A reconstrução ou a execução de novas obras arqui- governamentais sobre possíveis formas de reconstruir e
tetônicas em São Luis do Paraitinga devem contemplar intervir nas obras destruídas. Essa observação se deve
em seus aspectos estruturais melhoramentos e cuidados ao fato de que as demandas já foram apontadas por este
para que, numa recorrência prevista, evitasse o máximo autor, representante da Unesp nas primeiras reuniões do
de destruição. Para isso, os técnicos dos órgãos parceiros Conselho Gestor de Patrimônio Cultural de São Luiz do
da reconstrução, e principalmente do CONDEPHAAT e Paraitinga, como uma necessidade fundamental para
IPHAN, devem e estão buscando fazer até mesmo uma esclarecimento de todos que lá trabalham.
revisão metodológica e conceitual de abordagem dos A execução de todas as obras mencionadas, sem os de-
seus princípios para uma adequação mais eficiente às vidos esclarecimentos conceituais e metodológicos dos ór-
condições de São Luiz do Paraitinga. gãos de preservação, apesar das emergências necessárias das
mesmas, revela por um lado certo tecnocratismo e centra-
lismo dos órgãos de defesa do patrimônio cultural federal
7. As águas e as técnicas construtivas
e estadual, o que não possibilita a formação de unidade ou
de barro compreensão crítica mais profunda sobre a questão patri-
monial e assim acaba por deixar a todos com mais dúvidas
48 Não se pode demonizar as técnicas construtivas antigas! que certezas sobre o caráter preservacionistas dessas in-
tervenções. Por outro lado, demonstram também que eles
Essa afirmação, que também foi proferida pelo ar- possuem contradições internas e, principalmente, falta de
quiteto Paulo Sérgio Galeão em palestra para alunos condições momentâneas para lidar com o processo colabo-
da Unesp, evidencia os conflitos conceituais e técnicos rativo já instalado pelo Plano Diretor Participativo, media-
presentes em São Luiz do Paraitinga que, passada a tra- do pela UNESP e tão amplamente assumido pelos gestores e
gédia das águas, encontra-se em pleno canteiro aberto, comunidade local, bem como com a diversidade e a quanti-
com inúmeros órgãos técnicos presentes, desmontando dade tirar de obras necessárias que o canteiro aberto de São
morros, protegendo encostas de acesso à cidade e na Luiz do Paraitinga demandou na emergência.
zona rural, fazendo obras de contenção da beira-rio e de A destruição dos bens arquitetônicos, sobretudo os
áreas de risco, executando obras de habitação popular, tombados pelo CONDEPHAAT e IPHAN, independente-
fazendo projetos de restauros das habitações, discutindo mente das escalas das destruições, de parcial a total, tiveram
questões e demandas emergenciais nos conselhos muni- várias causas relacionadas com as técnicas construtivas do
cipais e nas audiências públicas, como os próprios res- barro, sua falta de manutenção e problemas patológicos das
tauros das igrejas de autêntico interesse e comoção po- construções pré-existentes, indicadas a seguir:
pular. Mas as obras estão sendo executadas entre muitas Historicamente, é sabido que a arquitetura bandeirista
mentes e mãos, sem contudo ter sido promovido pelos da taipa de pilão sempre buscou afastar os alicerceres e as
órgãos de preservação nacional e estadual um aprofun- paredes da umidade, seja utilizando-se de bases construí-
das em pedras ou criando-se beirais largos para a proteção às águas e também à pressão hidráulica causadas pelos
das chuvas nas paredes. A situação limite imposta em São impactos das quedas de prédios o que as levou às ruínas.
Luiz do Paraitinga, em que algumas construções de taipa Outras questões técnicas sobre as obras de taipa de
de pilão como as duas igrejas e a escola mais antiga que ru- pilão estão sendo investigadas por técnicos do IPHAN e
íram, podem ter como uma das causas para seus colapsos da empresa BIAPÓ contratada para fazer a salvaguarda
estruturais o fato de terem ficado com suas bases e partes do patrimônio da cidade. Certamente, levantarão outras
inferiores das paredes submersas por muitas horas, “amo- grandes indagações, como o fato já revelado e possível de
lecendo” o barro que, sob imensa carga superior, teria sua ser visto, de que a igreja matriz foi ao longo da sua histó-
qualidade estrutural prejudicada. Mas não foi a única cau- ria muito mexida, alterada e complementada por outros
sa, pois era conhecido que as obras da cidade possuíam materiais como adobe, pedras e tijolos em suas paredes
problemas de longa data de fissuras e recalques diferen- e também torres foram-lhes acrescentadas. Isso pode ter
ciais, que não foram devidamente cuidados pelos órgãos afetado a integridade da sua estrutura de taipa de pilão.
responsáveis externos e internos. O fato está à exposição Outras hipóteses e revelações técnicas importantes fo-

49

Figura 4: Impactos das águas nas construções de barro – Demolição ou Resistência dependendo das condições de manu-
tenção (foto do autor).
ram pré-anunciadas nas palestras proferidas no canteiro enchentes, tanto estruturalmente, quanto em seus acaba-
aberto pelo arquiteto do IPHAN, como o uso de taipa de mentos, fechamentos e vedações e constituíram-se, tam-
pilão nas próprias fundações, uma maneira diferente de bém, durante as cheias, em autênticos edifícios diques de
se fazer rugosidades em cada camada de taipa construí- proteção ao conjunto edificado ao redor.
da. Não aprofundaremos aqui essas questões por razões Nesse sentido, parece fundamental um estudo apro-
éticas, esperando que os responsáveis desse importante fundado e pormenorizado que envolva, por um lado,
órgão federal possam brevemente revelá-las em trabalhos melhoramentos tecnológicos às técnicas tradicionais, e
científicos e acadêmicos. por outro, a abertura de possibilidades claras no uso de
Da mesma forma, foi notório que muitas construções de materiais e técnicas construtivas mais contemporâneas
pau a pique que ruíram já possuíam problemas patológicos para melhorar as condições de estabilidade e resistência
mal tratados em sua estrutura, como era o caso do casarão das edificações do centro histórico, tendo em vista que
lindeiro ao do atual Banco Santander/Banespa. Assim, por as possibilidades de novas e grandes enchentes já foram
um lado se percebe que, em muitos casos, apenas o barro anunciadas por especialistas no assunto.
foi afetado, amolecido e retirado, deixando as estruturas de
madeira expostas de forma espetacular, fato que comprova a 8. Considerações finais
excelência estrutural da técnica construtiva de madeira em-
pregada, mas por outro revela também a necessidade de me- Parece incrível se pensar que mesmo condenada a
lhoramentos tecnológicos do barro visando que o material sofrer outras grandes enchentes e possíveis destruições,
50
seja capaz de resistir melhor a outras situações de catástrofes a sociedade, por meio do Estado, seja ele o poder pú-
anunciadas. Esses melhoramentos técnicos, com utilizações blico federal, o IPHAN, o poder público Estadual com
da cal virgem, da baba de cupim, etc., já são conhecidos e fo- diferentes órgãos, entre eles o CONDEPHAAT e o poder
ram empregados em outras localidades (UNES, WOLNEY, público municipal, pela da Prefeitura e seus parceiros,
CAVALCANTE & SILVIO, 2008). como o caso da Unesp e de outras universidades como
Deve-se ainda fazer menção ao fato de que algumas a USP e outras entidades públicas e privadas, esteja se
construções que suportaram os impactos das águas e mobilizando com tanto empenho e gastos econômicos
permaneceram intactas eram tidas como mal restaura- e esforços sociais para não só reconstruir uma cidade
das por introduzirem técnicas mistas de concreto e aço praticamente destruída na sua parte mais antiga, mas
em suas estruturas, ou argamassas de cimento em seus também para assegurar o futuro da cidade em relação a
acabamentos. Contudo, suas aprovações junto ao CON- outras catástrofes naturais, tão enfaticamente anuncia-
DEPHAAT causam grande estranheza e geram questio- das por geógrafos e hidrólogos renomados.
namentos e abordagens preconceituosas até hoje. Foram Metaforizando com a própria tragédia, é nadar con-
os casos do Mercado Municipal, dos casarões na esquina tra a correnteza. É estabelecer um paradoxo entre o fluxo
da ponte de entrada da cidade e também do casarão onde natural do meio ambiente e suas forças, com um con-
funciona o Banco Santander/Banespa na praça Oswaldo traponto de soluções entrópicas reafirmando o homem
Cruz. São exemplos de construções com incrementos sobre a natureza, através das tecnologias existentes. É o
técnicos contemporâneos, que resistiram bravamente às que está ocorrendo em São Luiz do Paraitinga, em bus-
ca da reconstrução de um bem material sujeito a outras mas insuficientes para preservar a cidade de novas ocor-
demolições futuras, mas que possui um valor intrínseco, rências naquela escala. Assim, como foi abordado na pes-
abstrato e coletivo que se situa no âmbito da cultura e quisa, seja na escala regional da relação entre rio e cidade,
da memória técnica e social da história de um povo, do na escala e características das estruturas das edificações e
povo paulista, através do que está representado pela ar- ainda das técnicas construtivas do barro, serão necessá-
quitetura, urbanismo, paisagismo e manifestações ima- rias intervenções tecnológicas contemporâneas e bastante
teriais ainda preservadas em São Luiz do Paraitinga. impactantes, não naturais ao meio ambiente e às técnicas
Para todos os cidadãos luizenses e para todos os téc- construtivas do passado para se preservar e recuperar de
nicos lá presentes, como os do Programa Unesp para o forma sustentável a cidade de São Luiz do Paraitinga (SP).
Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga, Essas marcas antrópicas já estão presentes para sempre na
assim como para as demais entidades que lá trabalham, nova paisagem que se reconstrói de acordo com os três
os sacrifícios valem a pena, mas a reconstrução revela e níveis de abordagens pesquisados.
reafirma um paradoxo à sustentabilidade: a preservação Para os arquitetos, urbanistas e outros técnicos pre-
do centro histórico de São Luiz do Paraitinga só é possível ocupados em ver soluções rápidas, duvidando ainda da
a partir da integração com a utilização de meios, obras real capacidade e possibilidades econômicas e políticas
e tecnologias que se imponham acima da ordem natural de se ver rapidamente obras ambientais de grande por-
dos aspectos ambientais. Impõe, de certa forma, um para- te sendo construídas rio acima e rio abaixo, capazes de
doxo entre a preservação cultural e a preservação ambien- prevenir grandes enchentes nos próximos anos, é neces-
tal, ou seja, à plenitude da sustentabilidade e preservação sária uma visão mais pragmática de que se devem fazer 51
de uma dessas categorias são necessárias modificações e intervenções pontuais urbanísticas ao longo do rio na
impactos à outra. Para o geógrafo e hidrólogo, citados e sua passagem pela cidade, criando “elementos diques”
para nossas conclusões nessa pesquisa, não há sustentabi- que minimizem a força e redirecionem as águas para o
lidade da preservação possível em relação ao patrimônio leito do rio, como no exemplo apresentado do projeto
arquitetônico e urbanístico, neste caso, sem obras de ame- para o anfiteatro/dique em conjunto com a Escola de
nização das enchentes naturais do Rio Paraitinga. Nem Música no lugar onde se situava a Biblioteca Municipal.
mesmo a hipótese de longo prazo, defendida pelos am- Também é necessário que se fortaleçam as estruturas
bientalistas mais radicais, em que é necessária a recompo- de cada edificação restaurada e a ser reconstruída, bem
sição de toda a mata ciliar, recuperação de matas nativas como se melhorem as condições técnicas dos materiais
de áreas erodidas do território rural regional e uma polí- de fechamentos e as vedações das construções.
tica preservacionista que incentive todos os agricultores Em São Luiz do Paraitinga, o natural e o antrópico, o
a receberem por preservação e recuperação de florestas, antigo e o novo deverão coexistir em graus de criativida-
será capaz de amenizar as catástrofes na escala da ocorri- de e clareza conceitual, técnica e estética, assunto nunca
da em 2010, pois fatos semelhantes e maiores a esse acon- talvez tão profundamente discutido no Brasil, em favor
teceram inúmeras vezes em eras passadas, quando sequer de uma causa social de valor cultural para o estado de
havia ocorrido o desmatamento da região. Assim, essas São Paulo e para o Brasil.
políticas são importantes para amenização das enchentes,
Referências

AB’SABER , A. O sítio urbano de São Luiz do Paraitinga e a tragédia das grandes cheias do rio. Texto a ser publicado,
divulgado por Rafael Cursino para o Grupo o Gestor Emergencial do Patrimônio Cultural de São Luiz do Paraitinga.
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52 CASTRO, A. M. Caracterização dos Impactos Provocados pelo Turismo na Paisagem do Centro Histórico de São Luiz
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LOBATO, M. Cidades Mortas. São Paulo: Brasiliense, 1996.
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Imagético e Conflito Simbólico. 2001. Dissertação (Mestrado Ciência da Religião). São Paulo: PUC, 2001.
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manejo sustentável dos fragmentos de mata atlântica. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Taubaté, 2007.
Índices edilícios para uma
abordagem climático-
energética contemporânea
Stela Letícia Bisinotto
Juliana Antunes de Azevedo
Luiza Denardi César
Léa Cristina Lucas de Souza

Resumo

Este capítulo propõe a aplicação de índices edilícios usualmente empregados


na análise urbana e de edificações, como indicadores térmicos e de consumo
de energia elétrica. Para isso, apresenta os resultados de pesquisas realizadas
na cidade de São Carlos (SP), considerando duas escalas de abordagem: a me- 53
so-escala e a micro-escala. Para o estudo em meso-escala, através de tratamen-
to de imagem de satélite, aplica-se o índice de vegetação NDVI (Normalized
Difference Vegetation Index). Para a análise em micro-escala determina-se o
índice de aproveitamento (IA) médio das quadras e índices geométricos da
envoltória (áreas de aberturas e fachadas). Os índices são comparados em fun-
ção de parâmetros térmicos e do consumo de energia elétrica. Para a análise
térmica, realiza-se uma campanha de coleta de dados em pontos de controle,
enquanto para o consumo de energia elétrica, dados disponíveis para 3600 do-
micílios são mapeados e interpolados pelo método de krigagem. Os resultados
revelam que os índices podem adquirir um caráter mais abrangente, servindo
como ferramenta importante na tomada de decisões.
Palavras-chave: Índice de vegetação. Índice de aproveitamento. Consumo
de energia.
1. Introdução porâneo, identificar relações entre características do
edifício e o consumo de energia elétrica pode colabo-
A indústria da construção civil é responsável por um rar na tomada de decisões projetuais que visem menor
grande consumo de recursos naturais e poluição am- impacto ambiental.
biental, devendo se reorganizar para contribuir para o Buscando estabelecer algumas dessas relações, este
desenvolvimento sustentável da humanidade (LAUDA- capítulo procura apontar índices edilícios que permi-
RES et al, 2007). tam extrair informações sobre as tendências do consu-
No ambiente construído, o desenvolvimento sus- mo de energia em função das características do ambien-
tentável, de acordo com Glicksman, Norford, e Greden te construído (na escala urbana e do edifício). Para isso,
(2001), envolve várias características, compreendendo é exemplificado um estudo de caso sobre o consumo de
a edificação propriamente dita, a localização e a malha energia elétrica na cidade de São Carlos (SP). Resultados
urbana, o ciclo de vida e o impacto ambiental dos ma- de vários estudos integrados em andamento, baseados
teriais utilizados, o consumo de energia e a poluição nos trabalhos de Azevedo (2010), Bisinotto (2010), Cé-
ambiental da edificação, o conforto e a produtividade sar (2010) e Souza (2010), são apresentados. São con-
dos usuários. Como o consumo de energia elétrica na sideradas a meso-escala (urbano) e a micro-escala (do
fase de operação da edificação continua ao longo de sua edifício) de análise e, para cada uma delas, é apontado
vida útil, este apresenta grande representatividade no o índice edilício que se mostrou mais compatível para
ciclo de vida de uma edificação. análise da relação entre ambiente construído e consu-
54
No Brasil, as edificações residenciais, comerciais e mo de energia elétrica.
públicas representam 44% do consumo de energia elé-
trica do país (BRASIL, BEN, 2009). Para otimizar esse 1.1. Considerações sobre índices edilícios
consumo, ou seja, aproveitar melhor as características
da edificação para diminuir a demanda de energia elé- Índices edilícios são parâmetros do edifício que
trica sem que o usuário se sinta desconfortável, deve-se fornecem informações sobre suas características, uso e
buscar por desenvolvimentos de projetos mais eficientes ocupação do solo, e que são aplicáveis no desenvolvi-
energeticamente (LAMBERTS E TRIANA, 2007). mento de projetos e na implantação de assentamentos
A premissa básica para que se obtenha eficiência e edificações, ou ainda, em regularizações e gerencia-
energética nas consiste em conceber edificações que mento do ambiente construído de uma forma geral. In-
ofereçam conforto aos ocupantes, e isto, segundo John cluem-se nessa categoria alguns parâmetros usualmente
(2008), depende do alinhamento entre variáveis climá- empregados por órgãos públicos para a aprovação e re-
ticas, humanas e arquitetônicas, de modo que as so- gularização de projetos, tais como: a taxa de ocupação,
luções em relação a construção aproveitem da melhor o índice de aproveitamento, o índice de área livre, índice
forma possível as potencialidades climáticas locais, de vegetação, taxa de impermeabilização, etc.
reduzindo a necessidade de equipamentos e, conse- No caso específico deste capítulo, são abordados o
quentemente, reduzindo o consumo de energia para índice de vegetação, o índice de aproveitamento e índi-
obtenção de conforto. Assim, nesse contexto contem- ces geométricos da envoltória (a saber: área de aberturas
voltadas a determinada orientação e a porcentagem de tamento médio simplificado para cada quadra através da
fachadas voltadas a determinada orientação). seguinte relação:
Para Jensen (2009), os índices de vegetação são
medidas radiométricas adimensionais que indicam a
abundância relativa e a atividade da vegetação verde,
incluindo índice de área foliar, porcentagem de cober-
tura verde, teor de clorofila, biomassa verde, radiação Em que:
fotossinteticamente ativa absorvida, entre outros. O ín- IA é o índice de aproveitamento médio da quadra
dice de vegetação mede a densidade e as condições das Hmédioquadra é altura média da quadra em m
superfícies com cobertura verde. Existem vários índices Aconstruída é a área construída da quadra em m2
de vegetação e métodos de determinação por imagem de Atotalquadra é a área total da quadra em m2
satélite, dentre eles, o Normalized Difference Vegetation
Index (NDVI) é um dos mais utilizados. Backes (2010) Aquela mesma pesquisa de Sorano (2009) mostra
esclarece que este índce consiste numa relação entre as relações importantes entre o índice de aproveitamento
medidas espectrais (reflectância) de duas bandas das e alguns parâmetros térmicos, como a temperatura mí-
imagens de satélite – a do infravermelho próximo e a nima e a amplitude térmica. Portanto, pode ser relacio-
do vermelho – e relaciona uma série de estudos para os nado ao consumo de energia elétrica.
quais esse mesmo índice foi aplicado. Além desses índices de interface mais urbana, al-
55
Em termos ambientais e energéticos, a vegetação guns índices do próprio edifício têm sua importância
interfere direta ou indiretamente na temperatura do para as condições energéticas. Aqui chamados de índi-
local, por meio de sombreamento ou evapotranspira- ces geométricos da envoltória, a orientação de paredes e
ção, respectivamente. Por essa razão, pode apresentar de aberturas, são determinantes diretos das condições
também ligação com o consumo de energia, uma vez térmicas e de iluminação natural no ambiente interno
que a eletricidade está relacionada com a temperatura do edifício. As áreas de janela podem influenciar tanto
do ambiente construído. positivamente, como negativamente um ambiente, pois
Outro indicador de interesse climático-energético é aberturas demasiadamente grandes aumentam o consu-
o índice de aproveitamento, que representa a razão entre mo de energia de um edifício por seu ganho térmico,
a área máxima total de construção (incluindo todos os enquanto as áreas pequenas diminuem a entrada de luz
pavimentos) e a área do lote. Normalmente é aplicado natural no interior dos ambientes. É através das abertu-
por órgãos públicos em análises urbanas, porém rara- ras que a luz natural pode ser captada para dentro dos
mente como indicador térmico. Em pesquisas de Giunta ambientes durante o dia, levando ao seu aproveitamento
(2007) e de Sorano (2009), esses índices foram aplicados pelo usuário e colaborando para minimizar o consumo
conferindo-lhe um caráter mais abrangente e conside- de energia que é provocado pela utilização de fontes ar-
rando-se como denominador a área da quadra e não a tificiais de luz. Dessa forma, a maior disponibilidade de
área restrita do lote. Assim, o índice de aproveitamento luz natural pode reduzir a necessidade de serem aciona-
médio da quadra é determinado pelo índice de aprovei- dos os mecanismos de iluminação artificial.
Apontadas por vários autores, as características informações da cobertura do solo da sua área urbana,
geométricas da envoltória podem ser um indicador da extraídas de imagens do satélite Landsat 7 (disponibi-
eficiência energética do edifício. Al-Saadi (2006), por lizadas pelo Instituto de Pesquisa Espaciais – INPE), e
exemplo, verificou a influência da relação entre a área dados de consumo de energia elétrica em reais dispo-
de janela e a área de parede para estudar a melhoria das nibilizados pela pesquisa de Rodrigues da Silva (2008).
condições térmicas internas e aperfeiçoar o consumo Cada uma das bases recebeu tratamento em uma pla-
de energia em edifícios residenciais na Arábia Saudita. taforma SIG (Sistema de Informações Geográficas) para
Gilg e Valentine (2004) demonstraram que a razão en- obtenção de informações específicas.
tre a área de paredes e a área de piso (Aparede/Apiso) é um Paralelamente, outros procedimentos foram neces-
fator capaz de identificar o potencial de consumo de um sários, tais como: o levantamento de características do
edifício, de forma que quanto maior seu valor, maior a entorno urbano, a determinação de índices e a coleta
energia requerida para carga de aquecimento e resfria- de dados térmicos. Esses procedimentos são detalhada-
mento. Ghisi e Tinker (2001), estudando o consumo em mente apresentados nos tópicos subsequentes.
edifícios de escritórios, indicam que a razão entre a área
de fachada e o volume do ambiente pode ser um fator 2.1. Área de estudo e pontos de controle
utilizado para comparar o consumo de energia em am-
bientes de diferentes tamanhos. O mesmo estudo apon- A área de estudo corresponde à cidade de São Car-
ta que, quanto maior o ambiente, menor o consumo de los, que se encontra no interior do estado de São Paulo,
56
energia por área de piso, e também que, quanto menor entre as coordenadas 21º35’45” e 22º09’30” de latitude
o ambiente e menor sua área de fachada, maior sua área Sul e 47º43’04” e 48º05’26”de longitude Oeste (figura 1).
de janela ideal. O município está na borda oeste das Cuestas Basálticas,
próximo ao planalto ocidental. A sua altimetria varia
2. Metodologia cerca de 480 metros, sendo as menores cotas de 520 me-
tros e as maiores 1000 metros.
A metodologia deste estudo baseia-se em duas eta- Inicialmente, foram selecionados três pontos de
pas básicas. A primeira etapa considera a investigação controle dentro da malha urbana e um ponto de con-
em meso-escala, mapeando o índice de vegetação e o trole periférico (estação do Instituto Nacional de Mete-
consumo de energia elétrica para toda a área de estu- orologia – INMET). A seleção dos pontos de controle
do. A segunda etapa corresponde ao estudo em micro- internos à malha urbana baseou-se na proximidade en-
-escala, que tem ênfase tanto na interface urbana (por tre eles, evitando-se a influência da variação topográ-
uma análise térmica por meio do índice de aproveita- fica e das regiões de diferentes classes de renda. Esses
mento), como nas considerações específicas do edifício pontos de controle serviram de base para a coleta de
(por uma análise energética, através de índices geomé- dados térmicos.
tricos da envoltória). Posteriormente, para a segunda etapa da pesquisa
Tomou-se como área de estudo a cidade de São Car- de micro-escala, no estudo mais específico da envol-
los e para o desenvolvimento das etapas foram utilizadas tória dos edifícios, destacaram-se cinco edificações
residenciais em um mesmo bairro. Nesse caso, foram de equipamentos eletroeletrônicos instalados nas resi-
escolhidas residências que pudessem ser comparáveis dências, foram verificadas as semelhanças no número
quanto à tipologia construtiva (alvenaria e cobertura), desses equipamentos. Nesse caso, as residências selecio-
quanto à orientação em relação ao norte e cor externa. nadas possuem: 1 chuveiro elétrico, 1 freezer, 1 aparelho
Além disso, em função do consumo também decorrer de televisão, 1 máquina de lavar roupa, 1 micro-ondas.

57

Figura 1: Imagem da cidade de São Carlos com posicionamento de pontos de controle.


(Fonte: adaptado de Google Earth, 2010)
2.2. Procedimentos e determinação de índices gistrar temperaturas do ar de hora em hora, em pe-
ríodos específicos do ano: 28/04/2010 a 04/05/2010,
Para estabelecer uma relação entre a cobertura ve- 06/06/2010 a 12/06/2010, 22/06/2010 a 28/06/2010. A
getal e o consumo de energia elétrica em meso-escala, partir das temperaturas do ar, foram determinadas as
o NDVI foi aplicado. Para isso, o cálculo foi realizado temperaturas máximas, médias, mínimas e a ampli-
através da aplicação das bandas 3 (vermelho) e 4 (in- tude térmica de cada um desses períodos de medição.
fravermelho) do Landsat 7. A escala desse índice varia Esses parâmetros foram analisados em função do ín-
de -1 a 1. Assim, foi possível estabelecer um mapea- dice de aproveitamento dos pontos de controle. Nesse
mento do índice de vegetação por toda a extensão da caso, para cada um dos três pontos de controle para
área urbana. a coleta de dados térmicos foi realizado um levanta-
Um mapeamento do consumo de energia elétrica mento em campo para estimativa das alturas, áreas
foi também realizado para permitir a sua comparação e e número de pavimentos das edificações do entorno
análise em função daquele índice de vegetação. Os dados dentro das quadras circunvizinhas. Esses dados com-
de consumo de eletricidade baseiam-se no levantamento puseram o banco de dados em SIG, cujas ferramen-
realizado por Rodrigues da Silva (2008) em sua pesqui- tas estatísticas permitiram o cálculo do índice médio
sa Origem-Destino, para São Carlos. São dados de 3600 de aproveitamento (IA) da quadra (conforme cálculo
domicílios, distribuídos homogeneamente pela área ur- mencionado no item 1.1).
bana e que se referem ao consumo de energia elétrica Complementando o estudo em micro-escala, no
58 caso das cinco residências selecionadas para análise do
em reais para o mês do levantamento. Os dados foram
georeferenciados em uma plataforma SIG, ao qual foi papel da envoltória no consumo de energia elétrica, fo-
também inserida uma planta cadastral da área urbana e ram feitos levantamentos de suas dimensões in locco,
possibilitada a visualização do posicionamento de cada determinando-se a área dos lotes, das edificações, das
um dos domicílios em relação à quadra. fachadas e das aberturas. Os dados levantados foram
Esse mapeamento do consumo de energia elétrica inseridos em uma planilha eletrônica, através da qual
foi feito por meio da técnica de interpolação por kriga- foram calculadas: a área total da envoltória, as áreas de
gem. Esta técnica é uma das ferramentas da geoestatís- cada fachada orientada a NE, NO, SE e SO, a porcenta-
tica, utilizadas como um dos principais interpoladores gem de cada fachada em relação ao total de fachadas,
para análise de dependência espacial. Segundo a téc- a área das aberturas e a porcentagem de aberturas em
nica, um grupo de valores está relacionado de alguma relação à porcentagem das fachadas.
forma à sua distribuição espacial, conferindo aos valo-
res observados maior semelhança com aqueles que se 3. Resultados, análises e discussões
encontram a uma distância mais próxima, do que com
os que se encontram mais distantes. Com base no cálculo do índice de vegetação para
Em micro-escala, nos pontos de controle foram toda a área urbana, foi possível o desenvolvimento do
instalados data-loggers a um altura de 3,5 metros do mapa apresentado na figura 2. Enquanto, a partir do mé-
solo. Esses aparelhos foram programados para re- todo de interpolação por krigagem, foi elaborado o mapa
Figura 2: Mapa de índice de vegetação NDVI para a cidade de São Carlos (SP).
(Fonte: Azevedo, 2010)

59

Figura 3: Mapa de consumo de energia elétrica para a cidade de São Carlos (SP).
(Fonte: Azevedo, 2010)
de consumo de energia elétrica, conforme apresentado elétrica. Destaca-se, no entanto, que não foi feita aqui
na figura 3. Observação: na figura 3, as áreas em branco nenhuma relação com o poder aquisitivo ou a forma de
correspondem a pontos para os quais não há dados de ocupação e uso dos espaços, que seriam variáveis rele-
levantamentos do consumo e a interpolação não resulta vantes na determinação do consumo de eletricidade.
em informação útil, por se tratarem de áreas de borda. Estabelecida esta limitação do estudo, desde que regiões
Uma análise em meso-escala, quando comparados apresentem características de fato comparáveis (similari-
os mapas das Figuras 1, 2 e 3, demonstra que os meno- dade no poder aquisitivo, na população, na forma de ocu-
res índices de vegetação tendem a ser encontrados na pação, no uso, etc.), pode-se esperar que quanto maior o
área de maior concentração de consumo de energia, que NDVI, menor será o consumo de energia elétrica.
corresponde também a área de maior concentração de Este índice, no entanto, pelo próprio algoritmo
edificações. Além disso, o mapa de consumo de ener- adotado para tratamento de imagens de satélite, não
gia elétrica demonstra também que, a maior frequência permite boa aderência para análise em micro-escala.
de ocorrência de níveis mais baixos e intermediários de Isso pode ser constatado pelos resultados apresentados
consumo ocorre nas regiões mais periféricas da área ur- na tabela 1.
bana, cujos índices de vegetação tendem a ser menores. Na tabela 1, verifica-se uma inconstância de compor-
Considerando-se que a literatura demonstra existir mi- tamento entre o NDVI e as tendências de ocorrência das
tigação da temperatura do ar em decorrência da presença temperaturas médias, máximas e mínimas, a saber:
de vegetação, pode-se esperar que as regiões de maior ín-
60 dice de vegetação apresentem temperaturas urbanas mais • o ponto 1, que obteve NDVI de valor intermedi-
amenas. Nesse caso, o consumo de energia elétrica acaba ário, apresentou os menores valores de tempera-
por apresentar relação direta com a vegetação, em decor- turas média, máxima e mínima;
rência também da temperatura do ar por ela influenciada. • o ponto 2, que obteve NDVI maior, apresentou
Uma análise mais detalhada dessa relação para a área de maiores temperaturas médias e máximas e me-
estudo pode ser verificada no trabalho de Azevedo (2010). nores temperaturas mínimas;
No caso da meso-escala, o índice de vegetação NDVI • o ponto 3, de menor valor do NDVI, apresen-
mostrou-se, portanto, um parâmetro importante como tou valores intermediários para as temperatu-
ferramenta para o planejamento urbano, que vise uma ras médias e máximas, e os maiores valores das
abordagem energética sob o ponto de vista da energia temperaturas mínimas.

Tabela 1: Tendência de comportamento do índice de vegetação NDVI e dos parâmetros climáticos observados nos pontos
de controle.
Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3
Índice de Vegetação Intermediário Maior Menor
Temperatura Média Menor Média Maior Média Média Intermediária
Temperatura Máxima Menor Máxima Maior Máxima Máxima Intermediária
Temperatura Mínima Menor Mínima Mínima Intermediária Maior Mínima
Figura 4: Relação entre as médias das temperaturas mí- Figura 5: Influência da área de aberturas voltadas para
nimas observadas e o índice de aproveitamento de cada SE no consumo de energia elétrica por metroquadrado
ponto de controle. construído.

A influência térmica do ambiente construído, no caso do pedestre, quando estudado um bairro residencial
da micro-escala, foi aqui melhor indicada pelo índice de na cidade de Bauru.
aproveitamento (IA) médio das quadras. Esse aspecto está Ainda para o estudo em micro-escala com informa-
especialmente em destaque no caso das temperaturas mí- ções sobre o consumo de energia elétrica de edificações
nimas, conforme pode ser constatado na Figura 4. residenciais na cidade de São Carlos, os resultados aqui
A Figura 4 demonstra a correlação existente entre as alcançados revelam também a importância de índices
61
temperaturas mínimas observadas e os índices de apro- que possam servir de parâmetro para a avaliação da en-
veitamento calculados para os pontos de controle. Com voltória do edifício em si. Nas figuras 5 e 6, alguns desses
um alto coeficiente de determinação, (R 2) de 0,87, veri- resultados são demonstrados.
ficou-se que quanto maior o índice de aproveitamento, A Figura 5 permite observar que, dentre as cinco
maior foi a temperatura mínima alcançada. residências analisadas, existe uma tendência de aumen-
Essa é uma informação que demonstra a importân- to do consumo de energia elétrica, quando as casas são
cia desse dado e a sua aplicabilidade no planejamento agrupadas pela porcentagem de aberturas voltadas a SE
urbano. Normalmente, é um índice utilizado por órgãos em relação à área da parede SE tomada em função da
públicos para a análise de projetos e que poderia ter sua área total das paredes da envoltória (porcentagem de ja-
utilização estendida para melhor consideração quanto nelas em relação a porcentagem de fachada SE, se com-
ao ambiente térmico urbano. parada ao total de fachadas).
Esse resultado reforça uma tendência já levanta- A Figura 6, por outro lado, demonstra que a orien-
da por Souza, Nakata e Marques (2010), quando de- tação das fachadas também pode contribuir para a mi-
monstraram que, para as diversas escalas de análise nimização do consumo de energia. Nesse caso, é pos-
(1,80m, 15m e 30m), houve uma tendência de aumento sível verificar que, para as casas analisadas, houve uma
da temperatura do ar na medida em que o IA também contribuição efetiva das paredes voltadas para NE, de
aumentava. No referido estudo, foram encontrados forma que quanto maior a área de paredes NE da edifi-
coeficientes de determinação de até 0,93 para a escala cação estudada, menor foi o consumo verificado.
maior sustentabilidade ambiental. Cada um dos índices
estudados tem sua importância significativa, conforme
a escala de abordagem e podem ser levados em conta de
maneira integrada, facilitando a aplicação de parâme-
tros práticos na tomada de decisões.
Quanto ao índice de vegetação NDVI, verificou-se
que existe uma relação direta com o consumo de energia
da área de estudo e que sua relevância é maior quando se
trata de uma análise em meso-escala. Em micro-escala
Figura 6: Influência da porcentagem de paredes orienta- esse índice, da forma como é previsto o seu cálculo, tem
das a NE no consumo de energia elétrica por metroqua-
drado construído. menor significância. Assim, pode-se recorrer tanto a ín-
dices que permitam examinar a interface entre o urbano
e o edifício, quanto a parâmetros do próprio edifício,
Apesar do pouco número de edificações analisadas, é para que seja efetuada uma análise mais adequada.
possível identificar que a orientação das aberturas e facha- No caso da micro-escala, o índice de aproveitamen-
das influi diretamente no consumo de energia elétrica, seja to demonstrou influência direta na temperatura míni-
por ganho ou perda de calor, seja por possibilitar maior ou ma do ar alcançada nos pontos de análise. A pesquisa
menor iluminação natural do ambiente. Enquanto a pas- revelou que o aumento do índice de aproveitamento
62 sagem de calor determina a condição térmica do ambiente está relacionado ao aumento da temperatura média das
e pode levar ao uso de recursos artificiais para o condicio- mínimas do ar. Além disso, o estudo de índices geomé-
namento do mesmo, a iluminação natural pode evitar o tricos da envoltória indicou que o consumo de energia
acionamento do sistema de iluminação artificial. elétrica é dependente de variáveis como a área de aber-
tura e de fachadas, podendo variar o comportamento,
4. Considerações finais conforme a orientação da fachada.
Estudos dessa natureza permitem evidenciar que
O estudo dos índices edilícios permitiu estabelecer indicadores de fácil determinação e aplicação podem
uma análise climático-energética que colabora, na área ser investigados de forma mais abrangente, permitindo
da construção civil, para a adoção de ferramentas para maior eficácia ambiental desses instrumentos.

Referências

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Portugal, 2010.

64
Diretrizes projetuais para
bibliotecas universitárias a
partir da avaliação
pós-ocupação
Samir Hernandes Tenório Gomes

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar o contexto das análises de desem-
penho físico (medições, vistorias técnicas) e aferição de satisfação dos usuários 65
em ambientes de bibliotecas universitárias. Além disso, visa analisar de que
forma a Avaliação Pós-Ocupação (APO) pode contribuir na compreensão das
bibliotecas universitárias, sob o ponto de vista técnico-funcional, oferecendo
subsídios de avaliação desses espaços. A aplicação de um conjunto de métodos
e técnicas, relacionado às questões do ambiente construído e do comporta-
mento humano, sugere a implementação de melhorias das bibliotecas uni-
versitárias, vislumbrando não só os espaços e os serviços tradicionais desses
edifícios, como também novos recursos e meios no ambiente construído. O
estudo objetiva possibilitar a obtenção de resultados mais precisos e abrangen-
tes no que se refere ao desempenho físico dos edifícios eleitos e na elaboração
de futuros projetos.
Palavras-chave: Bibliotecas acadêmicas. Avaliação pós-ocupação. Avaliação
do ambiente construído.
1. Introdução 2. Contribuição da avaliação pós-ocu-
pação no contexto das bibliotecas
Apesar dos esforços contínuos no entendimento
das operações e dos serviços de bibliotecas universi-
universitárias
tárias no Brasil, poucos exemplos têm se produzido
Na esfera internacional, vários exemplos têm sido
na área da arquitetura que, efetivamente, do ponto de
constatados na avaliação sistemática de ambientes cons-
vista metodológico, contribuam em recomendações
truídos de bibliotecas universitárias, principalmente
sobre problemas técnico-construtivos, funcionais e
buscando a fundamentação científica para a tomada de
comportamentais para a biblioteca universitária. Esse
decisões quanto a alternativas de projetos nesses espa-
fato pode ser explicado, como afirma Ornstein & Ro-
méro (1992), em razão da dificuldade de aplicação de ços, sempre seguindo abordagens e fases metodológicas
avaliações nas atividades cotidianas, como também na semelhantes em pesquisas aplicadas em APO.
recusa ou não aceitação por parte dos agentes envolvi- Um dos principais exemplos dessa área é o National
dos no uso, manutenção e administração dos espaços Clearinghouse for Educational Facilities (NCEF/2006),
estudados. De forma análoga, o caso das bibliotecas localizado na cidade de Washington (EUA) e criado em
universitárias tem refletido essa situação, valorizando 1997. O centro tem como função básica fornecer infor-
principalmente as etapas de planejamento/programa- mações e subsídios no planejamento, na construção e na
ção, projeto e construção, esquecendo-se ou anulando- melhoria dos espaços e equipamentos destinados às ati-
66 vidades escolares. Um dos setores atendidos pelo NCEF
-se importantes esforços de avaliação sistêmica pós-
-ocupação do ambiente construído. é o que se refere aos projetos de bibliotecas universitá-
É relevante entender que as avaliações e recomen- rias, disponibilizando um acervo completo de relatórios,
dações sobre os edifícios de bibliotecas universitárias pesquisas, livros, artigos de jornais e abordagens que ex-
têm como propósito situar-se no contexto do progres- ploram o planejamento, o projeto, a construção e a ope-
sivo interesse dos serviços bibliotecários na socie- ração dessas bibliotecas.
dade, oferecendo também para a universidade, uma A American Library Association (ALA/2004) é outro
ferramenta de melhoria nas atividades desenvolvidas, órgão que vem cooperando nas atividades de avaliações e
na correção de falhas e na anulação das carências análises de bibliotecas universitárias no EUA, disponibi-
dos serviços. Há, entretanto, que se avaliar a situa- lizando importantes padrões voltados ao planejamento e
ção desses ambientes na realidade atual, seus princi- operação física desses edifícios. O relatório Standards for
pais impactos em termos de usos, a satisfação de seus Libraries in Higher Education referenda a importância da
usuários e eventuais demandas existentes. Como em aplicação da avaliação no âmbito da biblioteca universi-
qualquer programa arquitetônico, a biblioteca univer- tária, a fim de promover ajustes aos objetivos propostos e
sitária deve propiciar condições ambientais favoráveis potencializar a interação entre todos os atores envolvidos
de qualidade, com as quais possa desempenhar suas nas atividades cotidianas do ambiente construído. Além
atividades no oferecimento de informação e conheci- disso, a pesquisa enfatiza e recomenda a participação di-
mento à sociedade. reta dos usuários nas decisões relativas aos projetos de
remodelação de espaços e alterações de layouts em am- senho espacial, decorrentes das redes de computadores,
bientes de bibliotecas universitárias. como, por exemplo, internet, bancos de dados e intranet.
Dois autores, Lackneyl, J. A. & Zajfen, P. (2005), Um dos principais exemplos no contexto internacio-
trabalharam o tema da avaliação pós-ocupação na Bi- nal, concernentes à aplicação das metodologias da APO,
blioteca da Universidade de Palm Desert, Califórnia vem sendo desenvolvido na Nova Zelândia. Nesse país,
(EUA). As análises envolveram os aspectos relativos à as avaliações e as análises sistemáticas dos ambientes
funcionalidade espacial, conforto ambiental, disposição construídos visam criar procedimentos que estimulem
do acervo bibliográfico e, principalmente, entrevistas o desenvolvimento de propostas que colaboram com
e questionários aplicados aos usuários, investigando o bem-estar do usuário. O conceito básico desses tra-
o nível de satisfação e as expectativas concernentes ao balhos é o uso dos ambientes construídos entendidos
ambiente construído da biblioteca em questão. O estudo como forma de apropriação dos espaços na operação e
estabeleceu elementos importantes finais de análises e na manutenção, ou seja, formata-se o estabelecimento
recomendações, formatando um importante documen- de programas eficientes de manutenção (preventiva e
to de planejamento para a direção da universidade. corretiva), em todos os segmentos da construção civil,
O estudo de Silver, S. & Nickel, L.T. (2002) descreve arquitetura, engenharia, etc.
uma pesquisa realizada na Biblioteca da Universidade Na Inglaterra, outro importante pais no contexto da
do Sul Flórida (USF/EUA), com a finalidade de avaliar APO, surge no ano de 1995 o Post-Occupancy Review of
o ambiente construído desse edifício em função das Buildings and Their Engineering (PROBE/2006), uma or-
67
atividades e necessidades desenvolvidas pelos usuários. ganização independente que tem a função de fornecer
Foram aplicados questionários e entrevistas para coleta informações e subsídios no planejamento, na cons-
de dados no sentido de aferir o nível de satisfação dos trução e na melhoria de edifícios públicos. O órgão
usuários (funcionários, estudantes e visitantes). Logo a ainda conta com um corpo de profissionais e de
seguir, executou-se a tabulação dos dados com o objeti- técnicos envolvidos em programas de capacitação
vo de determinar quais os pontos positivos e negativos ligados à área da avaliação pós-ocupação, além de
estavam relacionados com os elementos do desempenho disseminar normas, padrões e resultados por meio
do ambiente construído. No fim, o trabalho revela uma do jornal Building Services Journal e pela internet.
descrição sucinta de procedimentos e técnicas adotados, Com a introdução dos métodos e procedimentos
com o intuito de promover recomendações e diretrizes da APO nos edifícios de bibliotecas universitária na
técnicas ao ambientes avaliados. Inglaterra, foi possível conscientizar os principais
Sannwald (2001) enumera em sua pesquisa uma agentes envolvidos no uso, operação e manutenção
completa lista de elementos de verificação projetual, a desses edifícios, além de criar uma cultura associada
partir da avaliação e da análise do ambiente construído ao feedback das operações do bem-estar e à produ-
de projetos de bibliotecas universitárias, por intermédio tividade dos usuários. Outro ponto relevante foi o
da participação dos usuários. O autor denomina essa me- desenvolvimento, por parte do PROBE, de manuais,
todologia como “lista de verificação”, englobando, inclu- diretrizes, padrões e normas para projetos futuros de
sive, a possibilidade de avaliação das novas formas do de- ambientes construídos das bibliotecas acadêmicas.
3. Definição da amostra e caracteriza- Amaro, na cidade de São Paulo (SP) e a (2) Biblioteca
Central da Universidade Estadual Paulista, campus de
ção do estudo de caso
Marília (Unesp/SP).
A pesquisa teve como proposta a utilização de téc-
Este trabalho inseriu-se na tese de doutorado inti-
tulada Edifícios para Bibliotecas Universitárias: perspec- nicas e procedimentos quantitativos e qualitativos no
tivas e diretrizes a partir da Avaliação Pós-Ocupação e sentido de envolver dados representativos. De um lado,
teve como objetivo a utilização de estudos de caso como pretendeu-se estruturar as informações quantitativas
estratégia de pesquisa, de forma que fosse possível res- relacionadas aos índices, perfil dos objetos escolhidos e
ponder por meio de casos práticos e reais às pergun- dados que pudessem estabelecer comparações entre os
tas relacionadas ao espaço da pesquisa. Com base nas resultados obtidos, quando possíveis. E, por outro lado,
respostas obtidas, foi possível investigar a validade das a avaliação qualitativa que visou trabalhar com os valo-
proposições teóricas, cujas questões básicas foram: (1) res, hábitos, crenças, representações, atitudes e opiniões,
Após a realização de análise de desempenho físico dos podendo assim, executar uma abordagem interpretativa
ambientes de bibliotecas universitárias, como seria pos- no sentido de compor o contexto sob o qual se inseriu o
sível determinar intervenções e melhorias nos objetos fenômeno estudado (ORNSTEIN & ROMÉRO, 1992; MI-
analisados? (2) Quais os fatores ambientais e como seria NAYO & SANCHES, 1993).
possível relacioná-los na determinação da satisfação dos
68 usuários em ambientes de bibliotecas universitárias? 3.1. Atualização e cadastro do objeto de estudo
O universo da pesquisa foi composto por dois
edifícios de bibliotecas universitárias, sendo a (1) Bi- Esta etapa teve como objetivo principal executar
blioteca Central do Centro Universitário Senac/Santo o levantamento da “memória” projetual do ambiente

Figuras 01 e 02: Entrada principal/ Biblioteca Senac/ Santo Amaro.


(Fonte: Autor, abril/2006)
construído das bibliotecas universitárias escolhidas, 3.2. Levantamento da população
por meio do resgate do projeto original (plantas, cortes,
fachadas, implantação, etc.), bem como levantar dados O levantamento da população avaliada foi vincula-
e informações visuais (fotos da época da construção e do à elaboração do cadastro dos edifícios das bibliote-
dados cadastrais). Esses procedimentos intentaram cas universitárias escolhidas, para que se fosse possí-
construir um panorama geral das edificações, de forma vel dimensionar quais as amostras representativas dos
a compreender o contexto atual e histórico do objeto diversos extratos que compuseram estes edifícios. No
analisado. Nesta fase, ainda, ocorreram as entrevistas caso do estudo de bibliotecas universitárias, por exem-
com as pessoas-chave envolvidas no processo de projeto plo, priorizaram-se os seguintes extratos: alunos de
e construção das bibliotecas, como por exemplo, arqui- graduação, alunos de pós-graduação, professores por
tetos, engenheiros responsáveis, construtores, etc. tipo de regime de trabalho, funcionários, funcionários
A etapa da coleta de dados relacionada ao objeto em e alunos de outras instituições superiores, visitantes,
questão foi de suma importância nas fases posteriores pessoal da manutenção e limpeza.
ao processo avaliativo-qualitativo proposto. Intitulada
também as built, esta operação teve a função de atua- 3.3. Determinação da amostra
lizar as informações cadastrais das plantas e projetos
complementares dos ambientes selecionados, além de Nesta avaliação, formatou-se a amostra de espaços e
constituir um acervo importante, tanto para a pesquisa ambientes construídos e a amostra da população usuá-
de APO direcionada aos edifícios escolhidos, como para ria deste ambiente como um todo, dividida por extratos. 69
as próprias instituições envolvidas. Ou seja, adotaram-se medidas capazes de controlar as
propriedades da amostra, isto é, instrumentos eficazes

Figuras 03 e 04: Entrada Secundária e Vista Lateral da Biblioteca do Campus da Unesp/Marília.


Fonte: Autor, março/2006.
de aumentar a probabilidade de que os resultados espe- orientação estatística também na Biblioteca da Unesp/
rados da amostra não ficassem muito distantes de como Marília, ou seja, todos os funcionários que trabalhassem
a população de usuários se apresentava. Portanto, para nos ambientes escolhidos deveriam ter seus níveis de sa-
esse fim, foi necessário estabelecer um plano de amos- tisfação avaliados.
tragem representativa que se vincule à menor margem
de erro possível, em função dos objetivos propostos. 3.4. Instrumentos e técnicas utilizadas
À época do levantamento de dados junto ao campus
do Centro Universitário Senac/Santo Amaro (figuras 1 A proposta de procurar sistematizar cientificamen-
e 2), contatou-se que a ocupação do mesmo se caracte- te os métodos possíveis utilizados no entendimento do
rizava por: 324 funcionários no campus universitário, processo projetual de edificações, mais precisamente os
sendo deste total, 44 funcionários atuando diretamen- métodos de avaliação aplicados ao ambiente construído,
te na biblioteca, 273 professores (graduação e pós-gra- vem sendo utilizada já há alguns anos por importantes
duação) e 2671 alunos de graduação e pós-graduação. pesquisadores (PREISER, 1988; SANOFF, 1992; FEDE-
Do total da população do campus universitário, foram RAL FACILITIES COUNCIL, 2001). A sistematização
avaliados 636 usuários, sendo: 187 professores, 355 alu- permanente de metodologias de projeto como forma de
nos e 94 funcionários. No processo de aplicação dos se conceber instrumentos confiáveis, seguros de gerar e
questionários, tivemos que considerar que o único ex- controlar estratégias das equipes multidisciplinares de
trato de usuários que tinha sua permanência efetiva no projeto, tem se mostrado o caminho mais adequado para
70
prédio da biblioteca era o grupo dos 44 funcionários minimizar e reduzir falhas nos níveis de criação, execu-
descritos anteriormente. ção e operação do projeto (PREISER & VISCHER, 2005).
O mesmo procedimento foi realizado no edifício
da Biblioteca da Unesp/Marília (figuras 3 e 4), onde 3.5. Os métodos
foi definida a amostra de 310 usuários, sendo 14,1% do
total. Na aplicação dos questionários direcionados aos Como foi explanado anteriormente, o caminho mais
professores da unidade, além do contato pessoal com os seguro para se obter uma avaliação correta do ambien-
usuários nos departamentos dos cursos de graduação e te construído foi a utilização de métodos adequados, do
pós-graduação, remeteu-se via correio eletrônico a todos ponto de vista tecnológico, que racionalizaram e contro-
os professores os questionários com as perguntas corres- laram todo esse processo. As técnicas aplicadas tiveram
pondentes. Do total da amostra dos 79 professores ava- o objetivo de viabilizar e obter resultados confiáveis e fi-
liados, 38 utilizaram o correio eletrônico como forma de dedignos em relação à avaliação dos ambientes constru-
responder os questionários enviados, ou seja, 48,1% fi- ídos da pesquisa, ou seja, das bibliotecas universitárias
zeram uso dessa tecnologia. Esse procedimento, no âm- escolhidas. Por todas as questões levantadas, são apre-
bito da pesquisa, determinou agilidade na aplicação das sentados, a seguir, os métodos escolhidos e aplicados à
questões e permitiu uma participação mais efetiva des- pesquisa: vistorias técnicas ao edifício (walkthroughs),
se extrato de usuários. Como aconteceu no edifício da registros fotográficos, contatos com os usuários, grupos
Biblioteca do Senac/Santo Amaro, foi adotada a mesma focais, entrevistas e questionários.
71

Figura 05: Vista átrio central da Biblioteca Senac/Santo Amaro.

3.6. Tabulação dos dados 3.7. Levantamento dos elementos de


desempenho físico
Cumpridas as etapas descritas anteriormente, o pró-
ximo passo foi a tabulação dos dados da pesquisa, feita Dessa maneira, a avaliação que se realizou nos am-
a partir das frequências absolutas, das quais se obteve a bientes selecionados para a pesquisa englobou os dados
frequência relativa em percentuais, a moda e o desvio pertinentes ao sistema técnico-construtivo e funcional.
padrão. É necessário salientar que a tabulação dos dados Que, somados aos levantamentos técnicos, foram agre-
teve como base os levantamentos realizados em campo, gados às informações levantadas junto aos usuários,
em que usuários e técnicos atribuíram valor a distin- servindo de base comparativa, portanto, às análises de
tas variáveis e, partir daí, foi executado os diagnósticos critérios de desempenho dos ambientes.
dos principais pontos positivos e negativos do ambiente O principal foco de interesse nesses fatores relaciona
construído. a importância que eles ofereceram para o aumento do de-
sempenho dos edifícios das bibliotecas universitárias no diagnósticos e das recomendações dos estudos de caso,
âmbito da pesquisa. Neste estudo de caso, os fatores fun- foi possível elaborar uma lista de diretrizes aplicadas ao
cionais fixados foram: dimensionamentos mínimos, ar- planejamento e à construção de edifícios de bibliotecas
mazenamento, flexibilidade, circulações, acessibilidade, universitárias no contexto brasileiro. A seguir, relacio-
comunicação visual, ergonomia e conforto ambiental. nam-se as principais propostas de diretrizes para pro-
jetos de bibliotecas universitárias no contexto nacional:
4. Diagnóstico e recomendações
a - Diretrizes relativas quanto ao contexto urbano e
Nesta etapa da pesquisa, os resultados foram con- ao edifício
solidados por meio da análise e da avaliação de todo o
conjunto de dados e informações coletados, frutos do Ao edifício da biblioteca universitária, no contexto
levantamento dos elementos técnico-construtivo-fun- nacional, recomenda-se que se indique não só o respei-
cionais e pelos usuários. A fase do diagnóstico do tra- to claro com os elementos do entorno de sua unidade
balho se procedeu no cruzamento, para cada item, dos educacional, mas também devem ser considerados como
resultados das informações técnicas do estudo de caso lugares especiais, com uma forte identidade brasileira e
(descritos anteriormente) e da opinião dos usuários. Na qualidades amplamente reconhecidas pela população
análise, considerou também todo e qualquer dado co- usuária nas cidades em que se inserem. Além disso, o êxi-
letado desde o início da pesquisa, como as entrevistas to da biblioteca universitária dependerá, em boa medida,
72
efetuadas com pessoas-chave dos edifícios escolhidos, da adequação coerente dos aspectos relacionados à faci-
mapa de descobertas e pessoas envolvidas diretamente lidade de acessos, da adequação às condições climáticas
com a administração, encarregados, chefes de setores, e topográficas do sítio, do respeito ao patrimônio natural
etc. Essas informações foram relevantes na medida em ou construído existente, dos traçados urbanos e limites
que forneceram subsídios nas análises técnicas e funcio- espaciais claramente definidos e a compatibilização acer-
nais quanto à satisfação a partir da confirmação ou não tada com atributos ambientais da paisagem urbana.
das expectativas em relação ao desempenho percebido.
b - Diretrizes relativas quanto ao programa arquitetôni-
4.1. Elaboração final das intervenções e co dos espaços de busca, leitura e pesquisa da informação
dos futuros projetos
• Espaços destinados à busca e à recuperação da
As experiências e as lições aprendidas durante todas informação: recomenda-se que sejam utilizados
as etapas da pesquisa não se limitaram somente aos ca- sistemas digitais de busca, podendo ser implanta-
sos analisados, mas puderam servir de base para o esta- dos em terminais ou em equipamentos portáteis
belecimento de novos programas semelhantes, ou seja, distribuídos ao longo de todos os espaços do edi-
permitiram formular diretrizes para futuros projetos e fício da biblioteca. O objetivo é formatar um con-
possíveis caminhos dos ambientes de bibliotecas uni- junto arquitetônico integrado e articulado com a
versitárias no âmbito nacional. Portanto, a partir dos totalidade dos outros ambientes da biblioteca.
• Espaços destinados às salas de leitura e de pes- nhamento dos fluxos de informações biblio-
quisa: podem ganhar o conceito de flexibilidade gráficas.
espacial, principalmente empregando mecanis- • Espaços destinados à consulta bibliográfica:
mos de articulação entre o mobiliário de mesas/ são ambientes que devem agregar serviços
cadeiras e o conjunto das estantes do acervo bi- direcionados a atender usuários e leitores,
bliográfico. De certa forma, é possível reforçar dando ênfase no recebimento e análise das so-
a própria relação entre informação-usuário por licitações de serviço. Isso implica no desenvol-
meio de uma atmosfera apropriada à leitura, à vimento de espaços que agreguem o conceito
pesquisa e à transmissão de conhecimento. de facilidade na acessibilidade entre o usuário
• Espaços destinados às salas individuais de leitu- e o pessoal da biblioteca.
ra e de pesquisa: esses espaços devem ser defi-
nidos por cabines ou pequenas salas de estudos, c - Diretrizes relativas quanto aos aspectos funcionais
caracterizados por atividades reflexivas, sen-
sação de intimidade e concentração. Nas salas • Adequação do tipo de mobiliário: o projeto
com dimensões mais reduzidas, indica-se que deve direcionar e determinar um padrão de
haja uma preocupação mais apurada no contro- mobiliário adequado às reais necessidades dos
le do conforto acústico e visual, bem como na usuários nas áreas de leitura/pesquisa e o setor
qualidade da temperatura. administrativo.
73
• Espaços destinados a devolução do material bi- • Altura e tipos de regulagens das cadeiras: reco-
bliográfico: esses espaços requerem um cuidado menda-se a utilização de modelos de cadeiras
especial por parte da equipe de projeto das bi- que permitam regulagens de alturas, assentos e
bliotecas universitárias, pois envolvem diversos braços, atendendo aos requisitos estabelecidos
fatores, como o transporte do material, o tipo de pela legislação vigente, além de proporcionar
usuário, as características espaciais do edifício, boas condições de usabilidade por parte dos
o tipo de equipamento, etc. Podem ser executa- usuários, na concentração do indivíduo e no
dos manualmente pelos funcionários, contudo, maior controle de conforto ergonômico.
a utilização de sistemas mecânicos de transpor- • Altura e dimensionamento das mesas nas áreas
te garantem melhor performance. de leitura/pesquisa: sugere-se que os dimensio-
• Espaços destinados ao controle bibliográfico: namentos e as quantidades de mesas nos seto-
em termos espaciais, esses locais devem man- res de leitura, pesquisa e áreas administrativas
ter boa visibilidade e bom posicionamento em respeitem as medidas impostas pela norma,
relação aos usuários e aos responsáveis pelo proporcionando variações nos modelos, com-
serviço, além de serem desenhados em função patibilização do número de mesas de acordo
do próprio tamanho da biblioteca. É impor- com a quantidade de usuários e adequação do
tante que sejam utilizados sistemas digitais de mobiliário às novas tecnologias informacio-
computação, garantindo rapidez no acompa- nais e comunicacionais.
• Dimensionamentos dos arquivos, estantes e ar- sos componentes de distribuição dos ambien-
mários: recomenda-se que já na fase dos estu- tes, evitando, em certa medida, situações de
dos preliminares de arquitetura das bibliotecas circulações tortuosas e desperdício da comu-
universitárias os projetistas ajustem a conexão nicação dos usuários nos espaços. Recomen-
entre a área útil construída, os percentuais de da-se uma averiguação mais aprofundada das
ocupação das estantes e o processo de planeja- medidas relacionadas aos corredores das salas
mento interno do edifício. Esse procedimento é ou nos arranjos dos mobiliários presentes nos
fator decisivo e direto para a qualidade espacial, projetos de bibliotecas universitárias, visando
de modo que as interferências no layout dos am- não só a adequação à legislação, mas também
bientes aconteçam de forma eficiente ao longo a melhoria nas condições de bem-estar e usa-
do ciclo de vida útil da biblioteca. bilidade do espaço.
• Estações de trabalho e áreas destinadas ao ar- • Acesso e adaptação do deficiente físico: como o
mazenamento de uso comum: neste item, deve- intuito da acessibilidade é permitir um ganho
-se perseguir um referencial mínimo de eficiên- de autonomia e de mobilidade a uma gama
cia com relação às estações de trabalho e áreas bem maior de pessoas, até mesmo àquelas que
destinadas ao armazenamento de uso comum, tenham a sua mobilidade reduzida, para que
por meio de medidas e alturas do mobiliário co- usufruam os espaços com maior segurança,
erente com a norma vigente, percentual adequa- confiança e comodidade, este item requer um
74 do do mobiliário destinado ao armazenamento, cuidado especial por parte da equipe de proje-
posicionamento e distribuição correta das pe- tistas e, principalmente, no caso das bibliotecas
ças no ambiente e respeito às normas vigentes universitárias. Recomenda-se que se aplique os
quanto às distâncias e às circulações existentes critérios da NBR – 9050/2004.
do mobiliário de armazenamento. • Espaços para encontros e contatos informais:
• Privacidade e comunicação: como é considerado no planejamento desses ambiente recomenda-se
um dos aspectos-chave para a produtividade nas preservar os quesitos mínimos de privacidade e
atividades desenvolvidas em bibliotecas univer- adequação de níveis de ruído no ambiente. Fora
sitárias. Os problemas ocasionados pela falta de isso, esses ambientes devem estar em fácil visu-
privacidade devem ser avaliados em conjunto alização e permitir o acesso de todos, além de
com o entendimento das diferentes atividades ser agradável esteticamente, servindo como um
exercidas na biblioteca, tentando identificar pos- recurso terapêutico que reduza as tensões e re-
síveis caminhos a se seguir, sejam direcionados vitalize as energias dos usuários ao longo do dia.
às novas configurações espaciais ou aos novos • Áreas destinadas ao armazenamento no acer-
modelos de apropriação do espaço. vo: os procedimentos paras as áreas destinadas
• Largura e localização das escadas e corredo- ao armazenamento do acervo devem buscar
res: o sistema de circulação deve desempenhar mecanismos que tenham a função de promo-
papel estratégico no funcionamento dos diver- ver e de ajustar o sistema, minimizando e via-
bilizando ações concretas na procura, pesquisa zados, orientação solar, ventos dominantes, cli-
e leitura do ambiente da biblioteca. mas, percentuais de vidros nas fachadas, tipos
• Quantidade e tamanho dos sanitários: devem de cobertura, paisagismo, entre outros. Estes
atender a dois elementos básicos. Primeiro, de- elementos, quando equilibrados e equacionados
vem ser bem dimensionados, atendendo à le- acertadamente, devem proporcionar excelentes
gislação e, segundo, devem ser executados com condições de conforto térmico aos usuários.
materiais de acabamento de primeira e, além • Ar-condicionado: nesta questão, o projeto de
disso, em bom estado de conservação. distribuição do ar-condicionado deve ser elabo-
• Sinalização interna: recomenda-se que seja rado antes da ocupação do edifício, bem como
adotado um projeto específico de sinalização o dimensionamento das vazões, tendo em vista
e comunicação visual, no sentido de coope- um layout proposto inicialmente. As operações
rar no oferecimento ao usuário de benefícios do sistema devem ser acompanhadas sistemati-
de localização, de orientação e de acesso aos camente pelos técnicos responsáveis, no sentido
serviços e produtos existentes, além de permi- de promover bem-estar a um número maior de
tir o melhor nível de organização espacial do pessoas, já que operações dessa natureza resul-
acervo bibliográfico, melhorando a qualidade tam em mudanças em condições locais.
do armazenamento e da disseminação de tudo • Iluminação natural: o projeto de iluminação
que for produzido e recebido no âmbito da bi- natural deverá tirar proveito e controlar a luz
blioteca universitária. disponível maximizando suas vantagens e re- 75
• Segurança: o programa de segurança de um duzindo suas desvantagens nas bibliotecas
edifício de biblioteca universitária deve consi- universitárias. A definição da prioridade em
derar a combinação dos elementos tecnológicos, termos de exposição à luz natural, valores de
arquitetônicos e operacionais, com o intuito de iluminâncias e distribuição necessária para as
dissuadir, impedir, atrasar e responder satisfa- atividades em cada ambiente deverão ser esta-
toriamente às ameaças. Com relação à preser- belecidas de maneira que, em alguns ambientes
vação do acervo existente, é recomendável que do acervo bibliográfico, a iluminação uniforme
se inclua diretrizes de prevenção e de extinção seja a mais recomendada e, nos setores de lei-
do incêndio, principalmente nos ambientes de tura, pesquisa e administração aconteça uma
rápida propagação de fogo. maior variação iluminâncias.
• Iluminação artificial: deve-se buscar uma as-
d - Diretrizes relativas quanto ao conforto ambiental sociação do sistema de iluminação artificial,
em conjunto com a contribuição da fonte na-
• Temperatura: as recomendações para as biblio- tural (iluminação natural) e articulado com as
tecas universitárias devem ser dirigidas consi- características construtivas dos edifícios, mas
derando as temperaturas mínimas e máximas também deve ser aplicado ao projeto de insta-
ao longo do dia, tipologia dos materiais utili- lação de forma correta, com objetivo de trazer
qualidade nos ambientes, tanto para os usuá- Não é demais ressaltar que a compreensão do desen-
rios, como para o acervo armazenado. O pla- volvimento de intervenções arquitetônicas dos edifícios
nejamento espacial da biblioteca, no sentido de de bibliotecas universitárias no âmbito brasileiro envol-
melhorar o desempenho luminoso artificial, ve a discussão de novas formas de atuação no espaço
deve ser implementado enfocando os tipos de urbano. Ou seja, esse processo de redefinição – ainda
luminárias, a intensidade de iluminação em de- inconcluso – de novas alternativas de programas, neces-
terminados locais de estudo e até mesmo a re- sidades e realidades no contexto desses edifícios cami-
organização espacial dos ambientes de trabalho. nha paralelo com a variedade e a complexidade das dife-
renças econômicas, culturais e sociais presentes no país.
5. Considerações finais Por outro lado, o tema da biblioteca universitária no
Brasil vem aos poucos ocupando um importante papel
A pesquisa teve como foco a forma com que a arquite- nos processos avaliativos de projetos e nas pesquisas em
tura tem se relacionado com a questão da biblioteca univer- arquitetura e urbanismo, discutindo e revendo a quali-
sitária no contexto brasileiro, identificando suas interven- dade desses ambientes e oferecendo, timidamente, ins-
ções, suas potencialidades e suas espacialidades. Ao mesmo trumentos sistematizados para esses futuros edifícios.
tempo, buscou-se uma melhor compreensão dos proble- Pode-se concluir que, apesar do salto qualitativo nos
mas relacionados à formulação de diretrizes para futuros últimos anos dos modelos direcionados ao planejamento
projetos e possíveis caminhos desse ambientes no âmbito e à construção de edifícios de bibliotecas universitárias
76
nacional. A avaliação do processo se deu pela utilização de brasileiras, grandes problemas estão relacionados na pro-
instrumentos que objetivaram, por meio de análises com- dução de informações e parâmetros de projeto, a partir do
parativas de estudos de caso, buscar quais aspectos dire- conhecimento produzido de avaliações de desempenho
cionariam um plano de realinhamento e reposicionamento desses ambientes. Portanto, entende-se que o aprofunda-
nas operações dos projetos de bibliotecas universitárias. mento das questões relacionadas à utilização de instru-
Além disso, as conclusões sobre os estudos de caso pude- mentos de análises de desempenho físico e aferição de
ram reforçar não só aspectos pontuais, mas também cons- satisfação dos usuários, bem como a análise de diversos
truíram um panorama geral dos elementos significativos, casos conduzida no Brasil e no exterior, pode formular di-
tanto positivos como negativos, dos ambientes construídos retrizes para futuros projetos e possíveis caminhos de am-
de bibliotecas universitárias brasileiras. bientes de bibliotecas universitárias no âmbito nacional.

6. Referências

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Qualidade espacial e
conforto térmico em ruas
de pedestres
Maria Solange Gurgel de Castro Fontes

Resumo

Os espaços públicos urbanos fazem parte do cotidiano das pessoas e seu de-
sempenho depende de vários aspectos, tais como: microclima, acessibilidade,
segurança, imagem, e outros elementos, que contribuem para uma boa quali-
dade ambiental do espaço urbano e, assim, exercem poder de atração dos usu-
ários. O aspecto microclimático, por exemplo, contribui para os usos, formas
de apropriação dos espaços e tempo de permanência dos usuários e a análise
das características microclimáticas e suas influências no conforto térmico dos 79
pedestres torna-se fundamental para o processo de planejamento comprome-
tido com a qualidade de vida urbana. Nesse contexto, este artigo aborda me-
todologias de análise dos aspectos qualitativos dos espaços públicos urbanos
e mostra um estudo de caso sobre a qualidade espacial e conforto térmico em
uma importante rua de pedestres localizada em Bauru (SP). No estudo foram
analisadas as características de uso e ocupação, opinião dos usuários e suas
condições de conforto térmico, com base em monitoramentos microclimáti-
cos e aplicação de questionários em diferentes condições de tempo. Os resulta-
dos evidenciaram um uso intenso do espaço público em função da capacidade
de atração do comércio local, e uma maior sensibilidade térmica dos usuários
às mudanças de tempo e aos diferentes microclimas em cada uma das qua-
dras do calçadão. As características microclimáticas, além de influenciarem
os usos e formas de apropriação do calçadão, também interferem no tempo de
permanência dos usuários. Por isso, a grande insatisfação térmica em condi-
ções de tempo quente (úmido ou seco) ressalta a necessidade de requalificação
do espaço para atender às necessidades de conforto térmico dos usuários.
Palavras-chave: Rua de pedestres. Conforto térmico. Qualidade ambiental
urbana.
1. Introdução Em relação à qualidade térmica, sua análise exige o mo-
nitoramento de dados microclimáticos (temperatura e umi-
Um dos grandes desafios do urbanismo contempo- dade do ar, radiação solar e velocidade dos ventos), e o co-
râneo é a qualidade de vida das cidades, que inclui, entre nhecimento da sensação e percepção térmica dos usuários.
vários aspectos, a criação de espaços urbanos habitáveis, Entretanto, avaliar o conforto em espaços públicos abertos é
correspondentes às necessidades humanas. Em relação uma questão muito complexa e necessita do entendimento
às ruas, a qualidade espacial depende de atributos físicos da interrelação entre numerosos e diferentes parâmetros.
(históricos, culturais ou mesmo projetados) e operacionais Para o pedestre, a percepção de conforto é uma reação emo-
(gestão do espaço), que juntos podem garantir conforto, cional positiva ao ambiente externo em diferentes situações,
segurança, tranquilidade, boa manutenção e limpeza. Es- que inclui reações fisiológicas, físicas, sociais e psicológicas.
ses aspectos podem favorecer uma boa imagem do lugar e A sensação de conforto também é influenciada pela
satisfação do usuário, além de contribuir para tornar o es- expectativa e a experiência anterior. Assim, as experiên-
paço um ambiente de convívio, onde as pessoas se encon- cias recentes dos usuários e suas expectativas possuem
tram ocasionalmente ou não e desejam levar seus amigos. um papel importante e são responsáveis por uma va-
De acordo com Gehl (2001), a qualidade do ambien- riação de até 10°C na temperatura de conforto, que é a
te físico influencia significativamente as atividades ao ar condição térmica em que as pessoas não sentem calor ou
livre, que são classificadas em: necessárias, opcionais e frio (NIKOLOPOULOU & LYKOUDIS, 2006).
sociais. As atividades necessárias independem das condi- A complexidade na avaliação do conforto térmico em
80
ções do ambiente e estão relacionadas com o cotidiano das espaços públicos urbanos contribui para a grande diferen-
pessoas, que precisam usar o espaço público como traje- ça entre os dados de conforto térmico real, obtidos através
tória obrigatória para o trabalho, a escola, entre outras. de aplicação de enquetes sensoriais juntos aos usuários,
Atividades opcionais são influenciadas pelas condições de com o calculado, através de índices preditivos de conforto
tempo e pelas características físicas do local e dependem térmico. Nesse contexto, este artigo aborda os principais
das escolhas dos participantes. Já as atividades sociais, aspectos que influenciam a qualidade espacial dos espaços
também denominadas de resultantes, são consequência públicos urbanos apesenta algumas metodologias de aná-
da presença de pessoas no espaço público. lise da qualidade ambiental desses espaços e mostra um
Ainda segundo o mesmo autor, em espaços públi- estudo de caso desenvolvido por Faustine & Fontes (2010)
cos de baixa qualidade as atividades são reduzidas, em no calçadão da rua Batista de Carvalho, importante rua
contrapartida, a alta qualidade espacial atrai usuários comercial localizada na cidade de Bauru (SP).
e favorece uma maior variedade de atividades, espe-
cialmente as opcionais. Entre os atributos espaciais, as
condições microclimáticas influenciam enfaticamente 2. A qualidade de espaços
os usos e tempo de permanência dos usuários nas ruas. públicos urbanos
Ruas confortáveis produzem espaços públicos vibrantes,
com fortes interações sociais, proporcionados pela cir- O conhecimento de aspectos ambientais de espa-
culação de pessoas. ços bem sucedidos, assim com a identificação da forma
como as pessoas os percebem, os utilizam e se movi- meabilidade, vitalidade, variedade, legibilidade e durabi-
mentam através deles, constituem aspectos importantes lidade e as relacionam com a qualidade microclimática.
no entendimento das relações entre o uso e a qualidade Assim, as características microclimáticas favoráveis ao
dos espaços e são valiosos subsídios projetuais. De acor- conforto humano, aliadas a essas outras cinco qualidades,
do com Fontes et al. (2005), os atributos espaciais po- contribuem para a sustentabilidade do espaço público.
dem ser decisivos para vitalidade dos espaços públicos Shaftoe (2008) discute vários aspectos que tornam
urbanos. Esses autores, ao desenvolver estudos em Bau- o espaço público um local de convivência. Após citar
ru, apontam para os seguintes aspectos, que contribuem diversos autores e exemplificar vários espaços públicos
para o aumento e/ou redução da qualidade de vida em bem sucedidos ou não de cidades europeias, o autor che-
cada espaço: inserção urbana, desenho, presença de mo- ga à conclusão de que não existe fórmula para um espaço
biliário, equipamento, microclima, entre outros. de convívio, mas os espaços de sucesso compartilham
Em relação à inserção urbana, Chrisomallidou et alguns elementos comuns, que podem ser amplamente
al. (2003) concluem que a função dos espaços públicos categorizados nos seus atributos físicos, geográficos, ad-
abertos é afetada principalmente pela sua localização no ministrativos, psicológicos e de sentido do lugar, ou seja,
contexto urbano (centro urbano ou bairros mais afas- como o espaço afeta o espírito, a mente e os sentidos.
tados). Em regiões centrais, a grande porcentagem de Marcus & Francis (1994) também constituem referên-
usuários passa pelo espaço sem fazer qualquer uso dele, cias importantes para avaliação da qualidade dos espa-
enquanto que, em bairros estritamente residenciais, ha- ços urbanos. Os autores sugerem identificar: quem está
81
bitantes locais fazem uso mais racional do espaço. usando o lugar? Como o espaço e as subáreas estão sendo
De acordo com Scudo & Dessí (2006) o interesse por usados? Por que existe o padrão de uso e o de não uso? O
espaços públicos habitáveis tem estimulado a elabora- que de fato funciona bem no lugar? O espaço deixa as pes-
ção de métodos e ferramentas para definir requisitos soas satisfeitas? Quais características de projeto facilitam
ambientais em projeto urbano, focado nas necessidades isso e por quê? E quais são as características das áreas que
de conforto, o que torna a avaliação da qualidade desses parecem sem uso, danificadas ou pobremente mantidas?
espaços fundamental para auxiliar o exercício proje- Ao avaliar diversos espaços públicos ao redor do mun-
tual, comprometido com a qualidade de vida urbana. do o Project for Public Spaces (PPS) – uma organização
Ainda segundo esses autores, os espaços urbanos tam- sem fins lucrativos, dedicada a criar e manter espaços pú-
bém devem ser multisensoriais, em que a forma física, blicos (disponível em http://www.pps.org/) – identifi-
limites e materiais podem contribuir para melhorar a cou algumas questões-chave para avaliar o sucesso desses
qualidade ambiental. espaços, que são: eles são acessíveis? Pessoas são engajadas
Schiller & Evans (2006), reforçam essa questão e di- em atividades? Eles são confortáveis? Eles possuem boa
zem que a melhoria das condições dos espaços urbanos imagem? E, finalmente, eles são lugares sociáveis, onde
está relacionada com os fatores ambientais, que influen- pessoas se encontram e levam outras para visitá-los?
ciam a capacidade desses espaços em proporcionar um Para ajudar no julgamento de qualquer espaço em
melhor conforto térmico. Esses autores apontam cinco bom ou ruim, o PPS desenvolveu uma ferramenta cha-
qualidades urbanas básicas para os espaços públicos: per- mada “o diagrama do lugar” (figura 1), em que o anel in-
terno representa os atributos chaves (sociabilidade, usos e a imagem são fundamentais para saber se um lugar
e atividades, conforto e imagem e acessos e conexões). O será usado. De acordo com o PPS, percepções sobre se-
anel médio apresenta as qualidades intangíveis para cada gurança e limpeza, o contexto de edifícios adjacentes, o
atributo e os dados mensuráveis estão na parte externa. charme e o caráter local são, muitas vezes, mais impor-
Segundo esse diagrama, para avaliar o conforto e a tantes na mente das pessoas, assim como questões mais
imagem do espaço público é necessário mensurar dados tangíveis, como ter um lugar confortável para sentar. A
estatísticos sobre criminalidade, saneamento, condições importância das pessoas terem a opção de sentar onde
dos edifícios do entorno e dados ambientais. O conforto elas querem é geralmente subestimada.

82

Figura 1: Diagrama do lugar.


(Fonte: http//www.pps.org. – acesso em outubro 2010)
Com base nessas referências, é possível perceber a to), através de uma ficha bioclimática que permite regis-
importância da análise da qualidade ambiental dos es- trar, em forma gráfica e discursiva, os dados empíricos
paços públicos como ruas, praças e parques. O compor- que podem ser utilizados no projeto sensível do espaço.
tamento dos usuários nos espaços urbanos é dependente Outra importante referência é o estudo desenvol-
das características espaciais, condições microclimáticas vido por Vasconcellos & Corbella (2009), que, a partir
locais e também é influenciado pela expectativa do tem- de pesquisas em três praças no bairro de Copacabana,
po (condição climática) e das atividades que nele podem buscaram desenvolver um roteiro metodológico para o
ser desenvolvidas. De acordo com Katzschner (2006), projeto bioclimático dos espaços externos. Esse roteiro
o uso desses espaços depende das oportunidades para contempla a análise da influência das variáveis climáti-
adequar as atividades a essa condição térmica. Portanto, cas, em diferentes pontos de cada espaço, e das especifi-
para incrementar o uso dos espaços públicos abertos, as cidades do entorno (malha urbana, uso do solo, gabarito
condições ambientais e o conforto térmico têm que ser em altura das edificações, o fator de visão do céu, a rela-
considerados e melhorados. ção entre as dimensões da praça e altura das edificações,
Essas questões vêm ao encontro das ideias de Len- percentual de área sombreada pelos edifícios do entorno
zholzer (2006), que conceitua os espaços públicos urba- e pela arborização local). Essa análise permite um zone-
nos como uma “quarta pele”, estendendo a ideia de que a amento bioclimático que, juntamente com o programa
roupa seja a segunda pele e o edifício a terceira. De acor- de necessidades e de uso, conduzem ao projeto bioclimá-
do com a autora, os projetos das roupas, dos edifícios e tico dos espaços externos. 83
dos espaços abertos têm aspectos similares que podem Nesse contexto, em que se observa um interesse cres-
ser levados em conta e que deveriam ser balanceados em cente na avaliação da qualidade de espaços públicos aber-
termos da relação inward- outward (proteção interna e tos, influenciada diretamente pelas condições de conforto
externa). O conceito de pele é baseado na necessidade de térmico, é imprescindível conhecer ferramentas de análise
integrar ideias para entender os espaços urbanos, colo- e verificar sua aplicabilidade em diferentes contextos cli-
cando o ser humano no centro da atenção. A partir desse máticos e culturais. Por isso, o entendimento dos princi-
paradigma é possível gerar ferramentas para acessar a pais parâmetros que influenciam a qualidade ambiental
qualidade de espaços públicos abertos. dos espaços públicos torna-se importante para auxiliar o
As pesquisas de Romero (2001) também comungam
exercício projetual comprometido com a vitalidade urbana.
com essas ideias, uma vez que a autora propõe metodo-
logia de análise ambiental de espaços públicos segundo
a concepção da arquitetura bioclimática, que é uma das 3. A qualidade espacial e o conforto
vertentes atuais do movimento climático-energético e térmico em uma rua de pedestre
visa utilizar a própria concepção projetual como media-
dora entre o homem e o meio. Nessa metodologia pro- De acordo com Avdelidi (2004), o plano do conforto
põe a análise da base (espaço onde se assenta o espaço dos espaços públicos é uma forma refinada de projeto ur-
público), da superfície fronteira (espaço que forma o li- bano objetivando promover as condições sociais. Por isso,
mite ou marco do espaço) e do entorno (espaço imedia- discute como conectar as questões sociais vivenciadas na
vida urbana contemporânea, com as propriedades físicas aplicação de questionários para identificar o perfil, sen-
desses espaços. A autora cita as condições espaciais que sação, percepção e satisfação térmica dos usuários; 3ª -
prescrevem, de certa forma, as atividades dentro dos espa- realização de análises do “conforto térmico real”, obtido
ços abertos e propõe uma metodologia para uma análise por meio de questionários, e do “conforto térmico calcu-
social dos espaços públicos abertos, que considera seus lado”, utilizando-se o índice PET (Temperatura Fisioló-
aspectos e impactos em relação ao nível social. gica Equivalente), calculado com o Software RayMan, na
Para isso, sugere a organização das informações do es- versão 1.2, desenvolvido pelo Instituto Meteorológico de
paço público, em que o primeiro passo está relacionado com Freiburg (MATZARAKIS et al., 2000).
o significado urbano o segundo, com o significado comuni-
tário o terceiro com os usos real e efetivo dentro do espaço 3.1. Caracterização do Calçadão da
e sua identidade. O quarto passo descreve as categorias dos rua Batista de Carvalho
usuários, a partir das suas opiniões sobre o espaço, que se-
rão identificadas com a aplicação de questionários. O calçadão da rua Batista de Carvalho (figura 2) é
Com base nessa referência e na pesquisa desenvol- uma importante rua de pedestres, de uso predominan-
vida por Faustini & Fontes (2010), foram analisadas a temente comercial e de prestação de serviços, composto
qualidade espacial e as condições de conforto térmico por sete quadras, cortadas por ruas transversais, loca-
em uma rua de pedestres em Bauru, conhecida como lizada no centro de Bauru. Devido à grande movimen-
o “Calçadão da Batista de Carvalho”. Esta pesquisa foi tação diária e os conflitos gerados entre pedestres e au-
84 realizada no período de maio de 2008 a abril de 2009 e tomóveis, especialmente em vésperas de datas festivas,
seguiu três etapas metodológicas: 1ª - avaliação do de- a Prefeitura Municipal local transformou essa rua em
sempenho socioambiental, como forma de identificar o calçadão, em 1992. Apesar da circulação de automóveis
papel do calçadão no ambiente urbano; 2ª - realização continuar existindo nas ruas transversais, o interior das
de monitoramento microclimático, juntamente com a sete quadras ficou restrito ao uso dos pedestres.

Figura 2: Imagens do Calçadão da rua Batista de Carvalho.


(Fonte - Fabiana Benevenuto Faustini, 2009)
Essa rua (figura 3) tem grande importância histórica jetivo de garantir maior comodidade e conforto aos pedes-
para a cidade, uma vez que já foi o portão de entrada tres. Esses aspectos também podem ser comprovados no
dos passageiros que desembarcavam na “Estação Ferro- calçadão, que foi projetado com piso de pedra portuguesa e
viária Noroeste do Brasil”, um grande entroncamento lajotas de concreto, pórticos em estrutura metálica, alguns
ferroviário, com localização na Praça Machado de Melo. dos quais com cobertura de policarbonato, mobiliário e
Mesmo com a decadência desse tipo de transporte, o equipamentos urbanos (bancos, jardineiras, orelhões, cai-
calçadão, tornou-se um pólo de atração do comércio da xas de correio, lixeiras e postes). Esses atributos contribuem
cidade de Bauru e região, atraindo um grande contigen- para a qualificação espacial do calçadão, que está inserido
te populacional diário e especialmente aos sábados. em política de revitalização na área central, cujo objetivo é
De uma maneira geral, as ruas de pedestres são consti- resgatar a imagem do centro da cidade e a arquitetura local,
tuídas de equipamentos e mobiliários específicos com ob- predominantemente de estilo eclético.

85

Figura 3: Vista superior do Calçadão da Batista de Carvalho.


(Fonte: Google Earth, acessado em setembro de 2008)
3.2. Caracterização de uso e ocupação A quadra 5 também promove grande sombreamen-
to em determinados períodos do dia, porém seu maior
A maioria dos usuários do calçadão é do sexo femi- atrativo são lojas de departamentos de grande porte. Já
nino (56%) e na faixa etária entre 18 a 44 anos (56,5%). a quadra 1, com maior Fator de Visão do Céu, recebe
Contudo, existe outra faixa significativa. A de pessoas maior aporte da radiação solar e é uma quadra pouco
idosas. Os principais motivos de uso do espaço são: fazer frequentada, porém mais utilizada como espaço de pas-
compras, passear e trabalhar. De acordo com os usuários, sagem. Nesse caso, a baixa qualidade microclimática,
a mais importante característica local é o comércio varia- juntamente com carência de lojas de departamentos,
do, mas o grande movimento também atrai pessoas. As contribui para o uso reduzido da quadra.
atividades são diferenciadas de acordo com os períodos
do dia e das características próprias de cada quadra, ou 3.3. Qualidade microclimática do Calçadão
seja, o que cada uma delas pode oferecer aos usuários. da Batista de Carvalho
Os tipos de lojas, os equipamentos urbanos e o som-
breamento causado pelas alturas e marquises dos edi- A análise das condições microclimáticas foi realiza-
fícios exercem maior ou menor poder de atração para da com base em dados monitorados em dois períodos:
“passagem e permanência” em cada quadra. A quadra 1º - durante 2 dias de setembro de 2008, em condições
3, por exemplo, é a mais frequentada, possui um menor de tempo frio e seco pela manhã e quente e seco a tarde;
Fator de Visão do Céu – FVC (tabela 1) – e, consequente- 2º - em 3 dias de março de 2009, com tempo quente e
86
mente, é a mais sombreada. O aspecto microclimático e úmido no período na manhã e quente e seco durante
a presença de mobiliário, como bancos, contribuem para a tarde. No primeiro período, o Instituto de Pesquisas
transformar a quadra em espaço de convívio, um ponto Meteorológicas da Universidade Estadual Paulista Júlio
de encontro, além do habitual uso de passagem. de Mesquita Filho (IPMET/Unesp – Bauru) apresen-

Tabela 1: Fotos hemisféricas das quadras 1, 3 e 5 e seus Fatores de Visão do Céu (FVC).
Quadra1 Quadra3 Quadra5
FVC= 0.403 FVC= 0.259 FVC= 0.313
tou temperaturas médias variando de 18,6 ºC (manhã) a 20°C. Nesse caso, a causa do desconforto térmico foi
a 25,1 ºC (tarde); umidade de 55,35% (manhã) a 32,5% o vento, pois muitos usuários disseram sentir incomo-
(tarde). No segundo período, as temperaturas médias dados por causa do vento frio, cuja velocidade variou de
variaram de 27,9 ºC (manhã) a 30,7 ºC (tarde) e as umi- 0,9 a 2,1 m/s. Assim, o elemento se torna uma variável
dades relativas médias do ar oscilaram entre 63% (ma- climática de grande importância para a avaliação do
nhã) e 44,5% (tarde). conforto dos pedestres.
A análise dos dados levantados no primeiro período Nesse período, a baixa umidade relativa do ar, espe-
de observação (setembro/2008) evidenciou diferenças cialmente durante a tarde, também foi causa de grande
entre as condições de conforto térmico real, por meio desconforto térmico dos usuários. Essa variável climá-
da aplicação dos questionários, e conforto térmico cal- tica possui grande influência no conforto térmico, uma
culado, a partir do índice PET. De uma maneira geral, vez que interfere diretamente nos mecanismos de perda
os dados de conforto térmico calculado revelaram uma de água do corpo humano – na difusão de vapor d’água
maior quantidade de pessoas confortáveis. Já em relação através da pele, na evaporação do suor da pele e na umi-
à análise do conforto real (sensação térmica) as porcen- dificação do ar respirado.
tagens de pessoas confortáveis e desconfortáveis ficaram Já a análise da qualidade microclimática no segun-
muito próximas, refletindo em porcentagens também do período (durante o mês de março de 2009) eviden-
equilibradas na satisfação térmica (respostas sim/não ciou uma grande insatisfação térmica, verificada nas
entre satisfação e insatisfação térmica). figuras 4, 5 e 6, que mostram gráficos comparativos
Esse aspecto pode ser explicado pelo fato do período entre o conforto real (sensação térmica), o conforto 87
apresentar temperaturas amenas, caracterizando tempo calculado (através do índice PET), e a satisfação tér-
frio e seco para a cidade. Assim, uma boa parcela res- mica (respostas entre sim ou não) dos usuários do Cal-
pondeu sentir desconforto por frio, especialmente no çadão da rua Batista de Carvalho nos dias 3, 5 e 17 de
período da manhã, cuja temperatura média foi inferior março de 2009.

Figura 4: Comparação do conforto real e calculado no calça- Figura 5: Comparação do conforto real e calculado no calça-
dão Batista de Carvalho no dia 3 de março de 2009. dão Batista de Carvalho no dia 5 de março de 2009.
4. Cosiderações finais

A análise da qualidade térmica do Calçadão da Ba-


tista de Carvalho, importante rua de pedestres de Bau-
ru, evidenciou que as características microclimáticas
influenciam o conforto térmico e consequentemente os
usos, formas de apropriação e tempo de permanência
dos usuários. Os limites de conforto térmico encontra-
dos foram de 21 a 30 ºC, para 50% dos indivíduos pes-
Figura 6: Comparação do conforto real e calculado no calça-
quisados, que são pouco mais amplos do que os divulga-
dão Batista de Carvalho no dia 17 de março de 2009.
dos por Monteiro & Allucci (2007), entre 18 a 26 ºC, para
a cidade de São Paulo.
Observou-se, ainda, grande sensibilidade térmica dos
usuários às variações do tempo, especialmente no mês
O dia 5 de março se apresentou como o mais críti- de março, que apresentou condições climáticas adver-
co, com temperaturas médias entre 30,5 e 35,2 °C, nos sas, com temperaturas médias acima dos 30 °C, as quais
períodos da manhã e tarde, respectivamente. As umi- refletiram em grande insatisfação térmica dos usuários.
dades relativas do ar estiveram em torno de 56,1%, du- Nesse período, as atividades realizadas foram muito mais
88 rante a manhã, e 36,9% à tarde, evidenciando valores necessárias, que independem das condições do ambiente,
abaixo da média histórica para o mês de março, que é do que opcionais, influenciadas pelas condições de tempo
de 71%. Nesse período, muitos usuários se recusaram a e pelas características físicas do local.
responder os questionários, devido à sensação de des- Além das elevadas temperaturas do mês de março,
conforto por calor. Outros, ao respondê-lo, opinaram os ventos frios pela manhã e as baixas umidades relativa
sobre alternativas para melhorar a qualidade microcli- do ar à tarde, verificadas nas medições de setembro de
mática do local. 2009, também contribuíram para o desconforto térmi-
Nos períodos analisados, o intervalo da temperatura co dos usuários. Assim, devido à importância regional
PET, referente a 50% dos indivíduos que declararam a sen- desse calçadão, é fundamental amenizar as condições
sação térmica “nem frio nem quente”, variou de 21 a 30 ºC. microclimática adversas, a partir de melhorias que pos-
Com estes dados, fica evidente que os limites de conforto sam beneficiar positivamente o conforto térmico dos
térmico de espaços abertos sofrem uma grande variação e usuários e, consequentemente, a qualidade ambiental do
os aspectos microclimáticos são os que mais influenciam o calçadão.
conforto ou desconforto. Entretanto, os aspectos qualitati-
vos locais, além dos atrativos, contribuem para a satisfação
dos usuários com o espaço do calçadão, ampliam seus li-
mites de conforto e contribuem para seu caráter gregário
e, consequentemente, seu desempenho social.
5. Agradecimentos Carvalho e contribuição ao trabalho mais amplo sobre
as condições de conforto térmico em espaços públicos
A aluna Fabiana Benevenuto Faustini do Curso de abertos de Bauru e a FAPESP (Fundação de Amparo a
Arquitetura e Urbanismo da FAAC-Unesp pelo desen- Pesquisa do Estado de São Paulo) pela bolsa de Iniciação
volvimento da pesquisa no Calçadão da rua Batista de Científica concedida à aluna.

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Experiência pedagógica
em ateliê de projetos:
Aplicação no curso de Arquitetura e
Urbanismo da Unesp/Campus de Bauru

Cláudio Silveira Amaral


Emilia Falcão Pires

Resumo

O presente artigo trata da dinâmica interna do ensino-aprendizagem em um


ateliê de projetos de um curso de Arquitetura e Urbanismo. A dinâmica con-
siste em quatro metodologias de projetos ministradas por quatro professores
diferentes. Os alunos, em média 50, perpassam os quatro métodos durante o 91
ano letivo. Os professores, com suas respectivas metodologias, se encontram
apenas durante a apresentação final do processo de avaliação, verificando a
qualidade arquitetônica do projeto apresentado. Neste capítulo, estão expostas
duas das quatro metodologias atualmente utilizadas.
Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Projetos de arquitetura e urbanismo.
Metodologias de projeto.
1. Introdução empregadas. São destinadas 5 semanas para o desenvol-
vimento do projeto com a valorização do resultado final
por meio da apresentação dos trabalhos para toda a classe.
O presente artigo descreve a dinâmica interna da dis-
Uma análise crítica do trabalho é feita por uma banca for-
ciplina Trabalho Projetual Integrado – TPI 4 (4ª série) do
mada pelos professores que avaliam cada um dos projetos
curso de Arquitetura e Urbanismo da Unesp/ campus de
a partir de seus critérios, mesmo não tendo participado da
Bauru, que perpassa todas as séries do curso de Arqui-
orientação naquele momento. As contribuições procuram
tetura e Urbanismo, com exceção do 5º ano. A ideia que
mostrar os diversos aspectos que devem ser atendidos em
norteou a implantação dos TPIs no currículo de 1995,
um projeto de qualquer área, assim, por exemplo, o projeto
cuja estrutura principal se mantém até hoje (2010, data da
do edifício deve atender questões pertinentes a área de pai-
edição deste artigo), foi o consenso entre os professores
sagismo e de urbanismo. As apresentações ocorrem por
da época sobre a necessidade de integração entre as disci-
um período de aproximadamente 16 horas (geralmente 2
plinas do curso, especificamente Urbanismo (ou Desenho
dias consecutivos), momento em que todos os alunos tam-
urbano) e Projeto do edifício e da paisagem.
bém são estimulados a participar da análise dos projetos.
Do primeiro ao quarto, ano o TPI estrutura-se a partir
A nota, no entanto, é dada apenas pelo professor orienta-
das atividades de ateliê (que giram em torno de exercícios
dor. Pretende-se que o momento de avaliação ultrapasse o
projetuais) e de aulas com discussões teórico-conceituais
simples objetivo de obtenção de um conceito para o traba-
de subsídio ao projeto, existindo uma interlocução entre
92 lho e que resulte num continuum da aprendizagem.
esses dois momentos distintos. A carga horária divide-se
No item 2, são apresentados os conceitos e métodos
em 4 horas/aula semanais para o ateliê e 2 horas/aulas se-
desenvolvidos para o exercício projetual de um edifício
manais para as discussões teóricas de cada uma das áreas
(sem desconsiderar a relação paisagística e urbanística
envolvidas: projeto do edifício, da paisagem e do urbano,
envolvida). Sua elaboração surgiu da busca por uma pro-
perfazendo um total de 10 horas/aulas.
posta que substituísse os dogmas do movimento moder-
A ideia do TPI tem como origem as experiências dos
no, tão criticados, mas ao mesmo tempo não erradicados
Ateliês Integrados. No curso de Arquitetura e Urbanismo
na prática do projeto.
da Unesp/Bauru cada TPI apresenta uma forma particular
Já no item 3, os conceitos e métodos do planejamento
de dinâmica interna que depende da metodologia utiliza-
e projeto da paisagem, desenvolvidos desde o século 19
da pelos professores. No caso do TPI-4, aqui analisado, a
até os dias atuais, são assimilados, pois mostram-se ain-
experiência em orientação ao projeto parte da divisão da
da válidos para aplicação, especialmente porque foram
classe (que tem geralmente 50 alunos) em quatro grupos
ignorados na transformação da paisagem sob a égide do
de doze a treze alunos, que por sua vez se articulam em
modernismo. Durante o movimento moderno, a máxi-
equipes menores, idealmente de dois alunos. A sistemáti-
ma da “tábula rasa”1 se fez sentir tanto sobre o patrimô-
ca prevê um rodízio entre os alunos e professores durante
nio construído quanto sobre os recursos naturais.
os quatro bimestres em que se divide o ano, para que ase-
quipes sejam orientadas por todos os professores, em tem- 1 A prática modernista da “tábula rasa” diz respeito à nega-
pos diferentes. Assim, todos passarão pelas metodologias ção do sítio de implantação do novo projeto urbano, de
2. Metodologia aplicada ao projeto subseqüente, que envolveria o desenvolvimento do pro-
jeto, chamada por Ledewitz de síntese. Neste período
do edifício preliminar seria previsto, ainda, o emprego de desenhos
tais como fluxogramas, organogramas e similares. A
2.1. Base conceitual utilização do desenho enquanto expressão de uma idéia
arquitetônica, no entanto, ocorreria no momento poste-
A metodologia que ora se apresenta pretende criticar rior. Nesta primeira aproximação o desenho seria deses-
e superar as orientações das metodologias do ensino de timulado. Basicamente, a etapa de pesquisa ou análise
projetos de origem funcionalista introduzidas pelo Mo- poderia englobar o levantamento dos dados referentes
vimento Moderno da Arquitetura e Urbanismo no sécu- ao meio físico, às informações históricas, à produção de
lo 19. Contraditoriamente, apesar de o TPI ser a junção outros arquitetos sobre o mesmo tema, dentre outras, em
do projeto do edifício com o projeto do urbanismo e do conjunto com a construção dos citados cronogramas, or-
paisagismo, junção feita durante o Movimento Moderno ganogramas e similares. A fase de projeto ou síntese, por
sua vez, abarcaria o desenvolvimento do estudo prelimi-
da Arquitetura e Urbanismo (dentre outros por Le Cor-
nar e outras possíveis etapas de desenho. Considera-se
busier), a metodologia aqui experimentada critica, não a
que devam existir variações na condução desta pesquisa.
junção, mas o método cartesiano por ela utilizado.
Entretanto, imagina-se como provável que elas obede-
Conforme Herkenhoff (1997), os cursos de Arquite-
çam a uma ordem de análise-síntese, ou seja, uma etapa
tura e Urbanismo no Brasil utilizam o modelo funciona- analítica precedendo a uma projetual.2
lista para o ensino do projeto. 93
O modelo descrito por Herkenfoff utiliza a concep-
Supõe-se que a utilização freqüente de alguns pro-
ção de síntese cartesiana na qual o desenho é a sín-
cedimentos didáticos em disciplinas de projetos caracte-
tese (soma) do programa e das técnicas construtivas.
rize um modelo típico. (...) Procura-se aqui caracterizar
Aqui, o importante é chegar no programa, para depois
que, no ateliê, existem procedimentos formais de trans-
missão do conhecimento arquitetônico – exercícios de
desenhá-lo. Este método pretende objetivar o processo
projetos –cujos perfis desejam-se evidenciar. (...) Suas de criação dando ênfase ao desenho técnico e pratica-
etapas básicas seriam o estudo preliminar, o anteprojeto, mente eliminando do desenho de criação aspectos da
e o projeto executivo, em conformidade com o que usu- subjetividade psicológica do projetista. Nesse sentido,
almente compõe um projeto arquitetônico completo. (...) a citação de Rui Gama, ao comentar Villanova Artigas
A característica básica que parece constituir o desenvol- é pertinente:
vimento do referido exercício seria a etapa de coleta e
análise de informações denominada genericamente de
análise, que precederia ao início dos primeiros croquis
e desenhos relativos a um edifício ou similar e a outra, 2 HERKENHOFF, H. L. Ensino de Projeto Arquitetônico:
caracterização e análise de um suposto modelo, segundo
forma a evidenciar uma nova ordem formal. Desse modo, alguns procedimentos didáticos. Dissertação (Mestrado)
durante o movimento modernista foram perdidos diversos pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo:
fragmentos urbanos de valor histórico. USP, 1997. p.117.
Não é demais insistir nos significados da palavra O programa, assim pensado, é a função, e o dese-
desenho. A acepção usual que a reduziu, em português, nho, assim pensado, é a forma, o que substanciou o
quase que à representação gráfica, aos atos de lançar no postulado da Arquitetura Moderna, a forma segue a
papel com maiores ou menores recursos técnicos algo que função. O modelo de síntese é o cartesiano, cuja síntese
já existe, e que, portanto se quer representar passa com significa uma soma.4
exclusividade a denotar desenho. O desenho, em Artigas,
se filia ao étimo desígnio, que é desejo, vontade, tensão, e,
2.1.1. O Resgate do Étimo
a perda da consciência dessa raiz em português associa-se
Designio ao Projeto
a própria perda da condição de decidir, de expor e realizar
a vontade que nos manteve afastados das decisões e da
expressão da vontade.3 A crítica ao modelo funcionalista deseja desfazer a
crença de que a objetivação do processo criativo é uma ne-
A redução do termo desenho a desenho técnico, cessidade, pois elimina o caráter narcisista do projetista.
expressando o programa arquitetônico, deriva de uma Para resgatar o desejo do projetista no desenho arqui-
concepção de estética na qual o belo é tudo aquilo que é tetônico pensou-se num método cujo epicentro fosse o
útil. Despreza o lado subjetivo do projetista do processo próprio desejo e a própria vontade da singularidade subje-
de criação, insinuando ser este nefasto porque é a sua tiva do projetista. Para tanto, o método mais plausível, ao
expressão narcísea. que parece, seria o dialético, pois sua noção de síntese não
O cartesianismo em Le-Duc (primeiro arquiteto a é uma soma, mas o choque entre elementos contraditórios.
94 Ao se utilizar a lógica da dialética, parte-se do en-
explicitar o uso do método de Descartes) é, portanto, a
ideia de que o processo de criação é um processo objeti- tendimento de que o desejo do projetista pertence à sua
vo, está em dissecar o processo de criação para depois, subjetividade psicológica e que se relaciona com a cul-
por meio da soma, juntá-lo, esperando com isso o surgi- tura e a historia de seu tempo assim como aos valores
mento do desenho. éticos universais.
Etapas do processo de projetação segundo Le-Duc:
4 “And further on: in every investigation the best possible
1) Dividir o processo de criação em fases: primeiro method must be employed. Now this method consists in
o programa (a função a ser exercida no edifício) studying the parts of a science in their necessary order, gi-
e depois as técnicas e os materiais construtivos. ving the first rank to that which should really occupy the
first place, putting the easier before the more difficult, the
2) Dispor esses elementos em forma de equação:
general before the particular, the simple before the com-
O programa (P), mais as técnicas e os materiais
pound; we should also select for our study the most useful
construtivos (M), é igual ao desenho arquitetôni-
subjects, in consideration of the shortness of life; lastly, we
co (D). D = P+M.
must expound science with all possible clearness says Des-
cartes, each of the problems I was investigating into as many
portions as possible, or as should be requisite for a complete
3 GAMA, R. A Tecnologia e o Trabalho na História. São Pau- solution.” (VIOLLET-LE-DUC, Discourse on Architecture.
lo: Nobel/Edusp, 1987. p.110. London: George Allen & Unwin, 1959, v. 1, p. 460.
Dizendo de outra forma, é preciso compreender o veria. (...) O homem singular é um ser social, uma síntese
processo ontológico da realidade humana e de como de múltiplas determinações. Em outras palavras: é uma
esse processo tem se efetivado historicamente dentro síntese complexa em que a universalidade se concretiza
das relações sociais de produção. No caso da socieda- histórica e socialmente, através da atividade humana que
de moderna, trata-se das relações sociais que servem ao é uma atividade social – o trabalho –, nas diversas sin-
gularidades, formando aquela essência. Sendo assim, tal
processo de subordinação e domínio, no qual os pólos
essência humana é um produto histórico-social e, portan-
individuo e sociedade se mostram antagônicos. No seu
to, não biológico e que, por isso, precisa ser apropriada e
livro Introdução a uma estética marxista, Lukács (1978),
objetivada por cada homem singular ao longo de sua vida
ao especificar a função da particularidade na esfera da em sociedade. É, portanto, nesse vir-a-ser social e históri-
estética, trata da relação singular-particular já que, no co que é criado o humano no homem singular.6
capitalismo, a categoria de mediação é deixada de lado
para considerarem-se somente os pólos que aparecem, à
primeira vista, como extremos da relação. Isso cerceia
uma real compreensão dessa relação, gerando não só
uma dicotomia entre os pólos, mas também um antago-
nismo (meramente aparente) entre eles.5
Assim pensando, o singular se nutre do universal e
do particular, diferente da lógica cartesiana, que consi-
dera o singular isolado do histórico e do universal tra- 95
tando-o como se fosse algo em si e, portanto passível de
ser narcíseo. O singular, pensado de forma dialética, não
existe isolado das condições econômicas, sociais, histó-
ricas, culturais e éticas de seu tempo.
O particular no desenho acima faz uma mediação
A singularidade se constrói na universalidade, ao
entre o universal e o singular, e o faz na dimensão do
mesmo tempo e do mesmo modo, como a universalida-
devir, ou seja, do tempo: do passado, do presente e do
de se concretiza na singularidade, tendo a particulari-
dade como mediação. Para essa concepção de homem, o futuro. O passado: envolvendo a ideia de historicidade
homem singular (que aqui será chamado de individuo), a marca de tudo aquilo que é reconhecido como tendo
não é um ser que traria já, dentro de si mesmo, ao nascer, realmente existido. O presente opõe-se ao passado e ao
essa essência já delimitada e que, por isso, esse homem futuro, sendo carregado de futuro. Assim, o passado e o
poderia existir isoladamente, sendo a sociedade somente futuro são opostos ao presente, e o futuro é o não ser, a
o ambiente através do qual essa sua essência se desenvol- instância das possibilidades.

5 ABRANTES, A; SILVA, N.; MARTINS, S. Método histó- 6 OLIVEIRA, B. A Dialética do Singular-Particular-Universal


rico-social na psicologia social. São Paulo: Editora Vozes, In: ABRANTES, A,; SILVA, N.; MARTINS, S. Método históri-
2005, p. 36. co-Social na Psicologia Social. São Paulo: Vozes, 2005, p.26.
A lógica dialética considera um movimento ligando tônico e urbanístico, pois se privilegia o lado subjetivo
o passado ao futuro e ao presente, fazendo com que um do projetista sem desconsiderar os aspectos objetivos
nasça da barriga do outro. Assim, o futuro gera um pre- necessário a todo projeto.
sente que gera um passado e um futuro que se liga ao
passado mediado pelo presente. 2.2. Proposta de método para o ateliê de
projeto do edifício

Será aqui descrito um exercício projetual realizado


por um grupo de alunos utilizando um método que pre-
tende questionar o funcionalismo do Movimento Mo-
derno da Arquitetura e do Urbanismo.7
O processo de criação se inicia quando os alunos vi-
venciam a experiência de uma primeira impressão8 no
lote no qual será realizado o projeto.
Da primeira impressão, o aluno realiza um devaneio
(sonho acordado, uma história inventada) fantasiando
com os recursos de sua imaginação as sensações vividas
O tempo, por sua vez, acontece interno à esfera do no lote. O resultado é uma poesia que traduz as sensa-
96 ções em palavras que deverão se transformar em dese-
particular:
nhos e se tornarão as Intenções do Projeto. Um croquis
surge quando estas intenções projetuais se deparam com
as linhas de forças presentes no lote em questão (o lote já
possui um desenho rabiscado pela sua topografia, vege-
tação e edifícios construídos. Estes desenhos sofrem os
desejos ditados pelas intenções projetuais).
Só depois de realizado o croquis é que o projetista
insere no processo de projetação as questões funcionais,
ambientais e técnicas necessárias a todo projeto.
Diferente do método cartesiano que se inicia com
as questões objetivas (programa e técnicas materiais

7 Alunos do quarto ano do curso de Arquitetura e Urbanis-


Ao se considerar o singular envolto no universal mo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da
e mediado pelo particular, contendo o movimento do Unesp: Cássio Abreu Rubio, Luiz Hiroshi Moraes Takaha-
devir, e ao se utilizar essa lógica para o processo de ma, Alícia Beatrice Gomes de Medeiros.
criação da arquitetura e do urbanismo, imagina-se es- 8 Primeira Impressão: conceito do crítico de arte inglês do
tar recuperando o étimo desígnio ao desenho arquite- século 19 John Ruskin.
construtivas), esse método parte da imaginação da sub-
jetividade psicológica do arquiteto para depois chegar às
técnicas construtivas e ao programa, ou seja, depois de
definido o croquis do projeto é que atenta-se para os ele-
mentos programáticos, de estrutura e de acabamentos.

2.2.1. O processo

Inicialmente foi dado a uma equipe de alunos um lote


e um programa (Central de Salas de Aulas) para a criação
de um Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo.
1) O aluno foi ao lote e inventou um devaneio (so-
nho acordado a partir das sensações que o lote
transmitiu).
2) Do devaneio surgiu uma poesia da qual extraí-
ram-se algumas palavras chaves para serem as
intenções do projeto (o desejo do projetista para
aquele projeto).
3) As intenções do projeto foram desenhadas mo- 97
dificando o desenho já existente pelas linhas de Intenções do Projeto:
forças do lote, dando origem a um croquis.
4) Ao croquis foi acrescido as expectativas do pro-
grama (Central de Sala de Aulas), definindo os
elementos estruturais e os materiais de constru-
ção, inserindo também as condições de conforto.
Como os projetistas foram três alunos, surgiram três
poesias para definir as intenções do projeto:
O croquis do desenho das intenções do projeto resul-
tou no desenho de um Ponto, uma Vírgula e dois Pontos.
A Vírgula em cima do Ponto, e os dois Pontos encima da
Vírgula, resultam no seguinte desenho:
O desenvolvimento do croquis acolhendo o progra-
ma deu origem ao anteprojeto de uma Central de Sala
de Aulas.

98

1 2

3 4

Figuras 1 a 4.
5 6

99

7 8

Figuras 5 a 8.

3. Metodologia aplicada ao planejamen- ainda que haja uma apreensão da paisagem pelo aluno
enquanto “espaço total” e também enquanto “objeto” a
to e projeto da paisagem
ser usufruído pelos sentidos humanos.
A ideia de espaço total refere-se
3.1. Base conceitual
ao arranjo e o perfil adquiridos por uma determinada área
A apreensão do espaço como resultante da imbri-
em função da organização humana que lhe foi imposta ao
cação entre o ambiente natural e as transformações longo dos tempos. Nesse sentido, pressupõe um entendi-
operadas pelo homem constitui-se no pano de fundo mento – na conjuntura do presente – de todas as implan-
da disciplina, dando continuidade e ao mesmo tempo tações cumulativas realizadas por ações, construções e ati-
permitindo um fechamento do conhecimento adquiri- vidades antrópicas. A gênese do espaço – considerado de
do sobre paisagismo nos anos anteriores. Pretende-se um modo total – envolve uma análise da estrutura espacial
realizada por ações humanas sobre os atributos remanes- as utilizando máquina fotográfica para registro das pri-
centes de um espaço herdado da natureza. Por essa razão, meiras impressões. O mapa topográfico é fornecido para
há que conhecer o funcionamento dos fluxos vivos da natu- que haja reconhecimento de como se dá a transposição
reza (perturbados, mas não inteiramente eliminados) e de da realidade para o material cartográfico.
toda a história e formas de ocupação dos espaços criados Mais que um registro de cenários, pretende-se que as
pelo homem (Ab’SABER et al., 1998).
fotos sejam manipuladas posteriormente de forma que
seja possível resgatar sensações (táteis, olfativas e visuais)
Nas aulas em ateliê propõe-se que o exercício pro- percebidas durante a visita. As impressões visuais devem
jetual seja estruturado em três eixos (TREIB, 2001). O ser comparadas a sensações de amplitude/expansão e fe-
primeiro prevê a incorporação da hipótese de paisagem chamento/recolhimento, o que facilitará a proposição de
equilibrada, partindo do entendimento da paisagem na- espaços abertos, e ainda, de traçados para deslocamentos.
tural como detentora de fluxos e processos que devem Pretende-se que os elementos perceptíveis nessa etapa pos-
ser reconhecidos e mantidos. O segundo é o cultural, sam contribuir na concepção formal do espaço.
representado pelos valores sociais, comportamentos e O programa de necessidades é definido pelo aluno
história. Esses dois eixos correspondem à ideia de espa- a partir de pesquisa sobre aspectos culturais da cidade
ço total preconizada por Ab’Saber, conforme descrito no e da região. As propostas giram em torno de usos como
parágrafo anterior. O terceiro seria o formal, que refere- hotel-fazenda, escola técnica agrícola, grande parque
-se à qualificação do espaço através do desenho (aqui temático infantil, clube para funcionários públicos mu-
100 entendido como “design”). nicipais, SPA, instituição pública de recuperação para
Conforme Treib (op.cit.), a configuração da paisagem a dependentes químicos, entre outros. A escolha dos
ser proposta deve ser obtida com a somatória de “aspectos programas e a existência de edifícios de caráter histó-
da presença e história humana e natural, elevando-a a uma rico (residências construídas durante o ciclo cafeeiro no
condição poética através da qualificação formal”. O autor Brasil, caso das fazendas São Benedito e Val de Palmas)
entende ainda que “(...) as condições particulares do lugar permitem o debate sobre aspectos históricos/culturais
informam a maneira de se desenhar a paisagem (...)”. do local no contexto regional.
A metodologia de elaboração de cartas temáticas tem
3.2. Método para o ateliê de planejamento e como referencial o livro “Design with Nature” (McHARG,
projeto da paisagem 1971), clássico, que condensa toda a evolução metodológi-
ca e conceitual do planejamento da paisagem.
Sobre essa base conceitual, a proposta colocada para A elaboração de cartas temáticas permite ao aluno
o trabalho em ateliê sugere a criação de um cenário na uma apreensão maior da paisagem, especialmente em
escala territorial (com mais de 300ha). As áreas defini- função da escala. Assim, inicialmente é elaborado o mo-
das para projeto são o Jardim Botânico, a Fazenda Val delo digital de elevação que revela o movimento do rele-
de Palmas (próximos a cidade de Bauru) e a Fazenda São vo, do desenho das encostas (côncavas ou convexas) e da
Benedito, na cidade de Agudos. A aproximação com o hidrografia. As demais cartas elaboradas nessa etapa da
problema colocado é feita através de percurso pelas áre- disciplina são: carta de declividades, vegetação existen-
Figura 9: À esquerda, modelo digital de elevação, à direita carta de declividades (Fazenda São Benedito).

101

Figura 10: Zoneamento ambiental (Fazenda São Benedito).

te, reconfiguração da vegetação a partir do novo Código A evolução no processo de resolução do projeto pas-
Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), carta sa por uma primeira configuração definida pelo zonea-
de visuais e carta de dados referentes à ocupação antró- mento da área. Dessa configuração depende a qualidade
pica (construções como edifícios, vias, contenções para formal e ambiental do local.
formação de lagos, entre outros). Os projetos resultantes apresentam diferenciadas so-
Nesse ponto sugere-se ao aluno uma pesquisa em luções de ocupação sobre uma base comum.
projetos exemplares visando a procura de novas lingua- Como capacidade adquirida na elaboração do plane-
gens formais. jamento e projeto das áreas, os alunos chegam à compre-
102

Figura 11: Proposta para a Fazenda São Benedito.

ensão da importância da aplicação do Código Florestal 4. Considerações finais


como restrição à ocupação e ao desmatamento. O exercí-
cio é particularmente propício para ser desenvolvido em
A integração disciplinar idealizada como parte prin-
Bauru, pois como a cidade é de porte médio, a proximi-
cipal do projeto pedagógico do currículo aprovado em
dade das áreas selecionadas permite constantes visitas
1995 acabou por gerar uma camisa de força que impe-
durante a execução do trabalho, de forma que o aluno
dia a experimentação de outros métodos e iniciativas dos
consiga exercitar o domínio da grande escala e visua-
lizar as transformações idealizadas com maior clareza. professores envolvidos, exigindo a implementação de um
Os conhecimentos adquiridos qualificam o aluno para processo único para o desenvolvimento das disciplinas.
o desenvolvimento de projeto de loteamentos, além de Mais que isso, o processo adotado estruturava-se na me-
áreas de lazer para diversos fins. todologia modernista de processo projetual, que minimi-
zava tanto a liberdade individual quanto o resgate im- pois os professores procuram reduzir o tempo de levan-
portante de elementos telúricos e de outras informações tamento de dados fornecendo o material necessário.
dadas pelo ambiente natural. Tal processo gerava tam- Os alunos, inquiridos no fim de cada ano letivo, ma-
bém distorções e tensões desnecessárias, já que limitava nifestam-se de forma positiva em relação à organização
sobremaneira a prática de cada professor, o que acabava dos trabalhos.
por refletir-se no ensino e no ambiente da aula. Já a pro- Futuros desafios referem-se à possibilidade de me-
posta experimentada no presente, ao contrário, promove lhor articulação entre as três disciplinas (a interdisci-
um intercâmbio e interação entre os diferentes métodos, plinaridade ocorre por meio da avaliação do professor
mostrando aos alunos as diversas possibilidades de apro- de cada área nos dias de apresentação), o que garantiria
ximações possíveis no fazer projetual, seja no âmbito do maior coesão da disciplina como um todo.
projeto do edifício, da paisagem ou do desenho urbano. Finalizando, todo equacionamento apresentado
Os resultados apresentados pelos alunos, na forma parte da constatação que o exercício da docência pres-
de projetos, corroboram para a ideia de que o processo é supõe uma reflexão permanente sobre métodos e di-
válido, pois os trabalhos têm apresentado, em sua maio- nâmicas objetivando a formação adequada e ampla de
ria, grande qualidade sob os diversos aspectos exigidos. profissionais egressos do ensino superior, especialmen-
A relação professor/aluno (12 ou 13 alunos por pro- te considerando-se a complexidade do mundo con-
fessor) também tem se mostrado favorável, de forma que temporâneo e as exigências a que os profissionais são
há um maior contato entre professor e aluno por um pe- submetidos. Desse modo, o exercício da docência em
ríodo definido de tempo. TPI 4 leva à experimentações pedagógicas mostrando 103
Outro dado relevante é o número de projetos de- ao aluno que o ato de criação na arquitetura é um cam-
senvolvidos durante o ano (quatro), o que imprime po aberto e cheio de possibilidades. Hoje, não são mais
uma grande dinâmica na produção dos alunos e na válidas as noções de natureza empregadas na arquite-
atividade didática. tura clássica, ou a noção de utilidade como empregada
Dificuldades esperadas, como a redução do tempo na arquitetura moderna. Há liberdade para pesquisar
para o envolvimento do aluno com a problemática pro- novas formas de projetar o espaço. A experiência ora
jetual apresentada, não têm sido relevantes no processo, descrita é fruto de vários anos de trabalho e de pesqui-
sa, de erros e de acertos.

5. Referências

ABRANTES, A.; SILVA, N.; MARTINS, S. Método histórico-social na psicologia social. São Paulo: Vozes, 2005.

AB’SÁBER, A. N.; MÜLLER- PLANTENBERG, C. Bases Conceituais e Papel do Conhecimento na Previsão de Impac-
tos in Previsão de Impactos. São Paulo: Edusp, 1998.

BACHELARD, G. A Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2006.


BACHELARD. G. Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
FEITOSA, C. Explicando a filosofia com arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
GAMA, R. A Tecnologia e o Trabalho na História. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987.
GEYMONAT, L. Filosofia y Filosofia de la ciencia. Barcelona: Labor, 1965.
HERKENHOFF, H. L. Ensino de Projeto Arquitetônico: caracterização e análise de um suposto modelo, segundo alguns
procedimentos didáticos. 1997. Dissertação (Mestrado) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: USP, 1997.
JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. Porto: Rés edt., 1° vol., s/data.
McHARG, I. L. Design with Nature. Philadelphia: Natural History Press, 1971.
MARTINS, S. Método histórico-Social na Psicologia Social. São Paulo: Vozes, 2005.
OLIVEIRA, B. A Dialética do Singular-Particular-Universal. In: ABRANTES, A.; SILVA, N. Método histórico-social
na psicologia social. São Paulo: Editora Vozes, 2005.
TREIB, M. The Content of Landscape Form (the limits of formalism) in Paisagem e Ambiente: ensaios. São Paulo,
FAUUSP, n. 14, 2001.
104
Jardins terapêuticos
e educativos:
Novos desafios para o
paisagismo contemporâneo

Norma Regina Truppel Constantino

Resumo

Os jardins educativos e terapêuticos podem vir a desempenhar um papel fun-


damental para a qualidade dos espaços livres urbanos, uma vez que possibi- 105
litam a conectividade com o ambiente e atuam como lugares onde a sensa-
ção de conforto e os sentidos são estimulados com o uso de plantas, cores,
sons, texturas e fragrâncias. Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa
mais ampla, provenientes de projetos de extensão à comunidade, realizadas
em espaços livres de escolas, creches e núcleos de saúde na cidade de Bauru
(SP), com a participação de alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo. Os
jardins educativos buscam estimular a aprendizagem e a sociabilidade, além
de introduzir questões ambientais no cotidiano. Já os jardins terapêuticos são
essenciais para contribuir com o bem-estar dos pacientes, acompanhantes e
funcionários, cada um com suas próprias necessidades. Antes de tudo, essa
modalidade de espaços livres não deve ser vista como um novo mercado de
trabalho para os arquitetos, mas sim como um desafio na área de projeto.
Palavras-chave: Paisagismo. Jardins educativos. Jardins terapêuticos.
1. Introdução blicos na cidade de Bauru, com a participação de alunos
do curso de Arquitetura e Urbanismo. Além de ser um
Nossas cidades estão cada vez mais carentes de áreas tema atual e instigante, um novo campo que se abre ao
públicas onde as crianças possam estabelecer relações mais arquiteto que trabalha com a paisagem, foi constatada
naturais e criativas com o meio e com as outras crianças, uma grande dificuldade em se obter material de pesqui-
espaços que levem em conta as suas necessidades do imagi- sa em publicações nacionais. Os espaços livres em cre-
nário e da experiência sensorial. O espaço lúdico possibilita ches, escolas e serviços de saúde não podem ser pensa-
o brincar com um alto nível de interatividade, em que os dos apenas como sobras de áreas construídas, mas sim
próprios objetos e equipamentos suscitam na criança um como elementos essenciais para a qualidade de vida ur-
forte interesse em serem tocados, manipulados, escalados bana, oferecendo condições para experiências que visem
ou percorridos, convidando a um jogo de relação, pois no o bem-estar de seus usuários (CONSTANTINO, 2002).
ato de brincar é revelado o conteúdo do brinquedo. O trabalho com os jardins terapêuticos e espaços livres
O lúdico explora a motricidade, a imaginação, a des- em escolas e creches da cidade de Bauru teve início em
contração e cria situações indutoras de emoção, permitin- 2001 com a pesquisa trienal Novas funções do paisagis-
do que a criança use seus movimentos, os cinco sentidos e a mo: jardins terapêuticos e jardins educativos”, desenvolvi-
intuição para usufruir a liberdade de escolha para brincar, da na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da
constituindo-se um desafio na hora de projetar os espaços Unesp de Bauru. A partir do referencial teórico, buscou-
livres. Para tanto, foram pesquisados materiais e processos -se colocar em prática, através de projetos de extensão à
106 comunidade, envolvendo alunos do curso de graduação
educativos junto à natureza através da estimulação de sen-
tidos e da introdução de questões ambientais no cotidiano. em Arquitetura e Urbanismo. Os locais de intervenção fo-
Já os jardins terapêuticos, em hospitais, clínicas e núcleos ram escolhidos conforme as necessidades elencadas pelas
de saúde, são essenciais para contribuir com o bem-estar secretarias municipais da Prefeitura Municipal de Bauru:
dos pacientes, acompanhantes e funcionários, levando- Planejamento, Educação e Saúde. Alguns projetos desen-
-se em conta que os jardins não são propostos como um volvidos pelos alunos são mostrados nas figuras 1 a 6.
modelo alternativo de terapia, eles não curam. E são de O projeto paisagístico de jardins terapêuticos e de
grande importância para a saúde e para a recuperação de jardins educativos compreendeu as seguintes fases:
doenças, estimulando a sociabilidade, promovendo opor- diagnóstico e análise da área de intervenção, incluin-
tunidades de relaxamento e contemplação e encorajando do a identificação de problemas, potencialidades e no-
o corpo e a mente a restaurarem-se, permitindo aos seus vas necessidades dos espaços livres; a partir dos dados
ocupantes um local onde experimentem uma sensação de colhidos em campo, discussão com a comunidade en-
bem estar (CONSTANTINO, 2004, p.56). volvida a respeito das possibilidades de resolução dos
Nesse contexto, o artigo apresenta resultados de uma problemas, com a elaboração de pequenos anteprojetos;
pesquisa mais ampla Novas funções do paisagismo: jar- elaboração de um anteprojeto paisagístico a partir dos
dins terapêuticos e jardins educativos, obtidos por meio dados e problemas apresentados e discutidos; e comple-
de projetos de extensão à comunidade realizados em mentação do projeto paisagístico com o detalhamento
escolas, creches, núcleos de saúde e espaços livres pú- de equipamentos, paginação de pisos, espécies vegetais
elencadas (mantendo-se a vegetação existente e implan- brincar e das atividades culturais. Portanto, o lúdico
tação de novas espécies, a partir da disponibilidade no explora a motricidade, a imaginação e a descontração e
Viveiro Municipal), além da confecção de uma maquete cria situações indutoras de emoção.
para uma melhor compreensão das medidas adotadas. A criança, muito antes de verbalizar, percebe o espa-
ço que a rodeia. É a partir desta percepção que ela vai or-
2. Jardins educativos ganizando o espaço para então se orientar e futuramente
abstrair espacialmente. O desenvolvimento da orienta-
Pode-se definir como jardim educativo o espaço livre ção espacial está intimamente ligado ao desenvolvimen-
que possibilita a aprendizagem, tirando partido dos ele- to motor e do esquema corporal. A orientação espacial
mentos encontrados na natureza que suscitam a curiosida- acontece a medida que a criança pode se movimentar
de e o interesse, onde o elemento lúdico também é explo- mais livremente. O espaço se estrutura, a princípio, em
rado. Um espaço livre é lúdico quando possibilita brincar referência ao próprio corpo e se organiza por meio dos
com um alto nível de interatividade, conforme Garcia dados proporcionados pelo esquema corporal e pela ex-
(1996, p.29), pois os objetos, as instalações e os brinquedos, periência pessoal, conforme Guiselini (1982, p.32).
já de início, despertam o interesse em serem tocados, ma-
nipulados, escalados ou percorridos, ou seja, um espaço em 2.1. O brinquedo
que a criança é convidada a participar de um jogo de rela-
ção. Um jogo que evidentemente ainda não existe, não está É fundamental compreender que o conteúdo do brin-
quedo não determina a brincadeira da criança. Ao con- 107
desenhado nem estabelecido, mas que a criança percebe
como possível. Como jogo, ele não apresenta muita expli- trário: o ato de brincar (jogar, participar) é que revela o
citude, para que a curiosidade não se desfaça de imediato, conteúdo do brinquedo, segundo Almeida (1998, p.36). A
para que a certeza não elimine a tentativa de experimenta- criança, ao puxar alguma coisa, torna-se cavalo, ao brin-
ção e de interagir ludicamente com ele. car com areia, torna-se padeiro, ao esconder-se, torna-se
O desenvolvimento do jogar com regras se dá no um policial. Nada é mais adequado à criança do que asso-
fim da idade pré-escolar e se aperfeiçoa na idade escolar. ciar em suas construções os materiais mais heterogêneos:
Da mesma forma que uma situação imaginária tem que pedras, bolinhas, folhas, papéis, madeira, pois todos eles
conter regras de comportamento, todo jogo com regras têm muito significado para ela. Para uma criança, quanto
contém uma situação imaginária. Machado (2001, p.26), mais atraente ou sofisticado for o brinquedo, mais dis-
ao citar a importância do brincar e dos materiais, diz tante estará de seu valor como instrumento de “brincar”
que “o meio ambiente facilitador e propício é aquele que – quanto mais aperfeiçoados, à semelhança do real, tanto
permite à criança ser criança, usando seu corpo, seus mais se desviam da brincadeira viva.
movimentos, seus cinco sentidos, sua intuição para usu- Para Benevento (1995, p.128), é através do brinquedo
fruir a liberdade de escolha para brincar.” Além de estar que a criança atinge uma definição funcional de concei-
explorando o mundo ao seu redor, está também comu- tos ou de objetos e as palavras passam a se tornar parte
nicando sentimentos, ideias, fantasias, “intercambiando de algo concreto. No brinquedo, a criança faz o que mais
o real e o imaginário no mesmo espaço”, o espaço do gosta de fazer (porque o brinquedo está unido ao prazer)
e, ao mesmo tempo, aprende a seguir os caminhos mais 1868, inicialmente relacionado com os primeiros recreios
difíceis, subordinando-se a regras. escolares americanos. Depois consolidou-se nos espaços
Na idade escolar, o brinquedo não desaparece, mas públicos de Chicago (1876) e de Boston (onde foi implanta-
permeia a atitude em relação à realidade, tendo sua con- da a primeiro caixa de areia em 1885), sob a influência dos
tinuação interior na instrução escolar e no trabalho, que é kindergaerten alemães (NIEMEYER, 2001, p.43).
baseado em regras e feito com obrigatoriedade. A essência A ideia de incorporar brinquedos aos playgrounds
do brinquedo é a criação de uma nova relação entre situa- foi levada aos Estados Unidos em 1885 pela médica ame-
ções do pensamento e situações reais. Um exemplo é apre- ricana Marie Zakrewska, adaptado do modelo de Parque
sentado na figura 1. Infantil criado pelo alemão Emil Hartwight. A partir de
então, os projetos de espaços lúdicos e equipamentos de
2.2. Playgrounds: os parquinhos infantis brincar têm evoluído bastante, mas nos espaços públicos
atuais falta um convite à brincadeira, à fantasia e à parti-
Os playgrounds surgiram no fim do século 19 na Euro- cipação coletiva. As praças e os parques, na sua maioria,
pa e nos Estados Unidos como uma nova tipologia de equi- não possuem identidade própria. Os brinquedos apre-
pamento recreativo, sob a influência do Movimento dos sentam formas rígidas e estereotipadas que não estimu-
Parques Americanos e do desenvolvimento da pedagogia e lam a curiosidade e a imaginação infantil.
da psicologia moderna (franco-germânica), que salientava Em São Paulo, Nicanor Miranda publicou, em 1937,
a importância do lúdico. O termo playground apareceu em a Origem e Propagação dos Parques Infantis e Parques de
108

Figura 1: Brinquedo desenvolvido pela aluna Fernanda Legatti na disciplina Projetos Paisagísticos, ministrada pela autora
em 2008.
Jogos. Os Parques Infantis surgiram em São Paulo nos -se nos espaços livres. Todos os equipamentos
anos 30, a partir da visão social de Mario de Andrade, devem ser facilmente visualizados por elas. Até
exibindo uma grande variedade de aparelhos recreati- mesmo o tipo e a escala da vegetação escolhida,
vos: balanços, gangorras, passo-gigante, carrossel, desli- cujo tema foi explorado por Fedrizzi (1999, p. 13).
zadores e “taboleiros de areia”, de acordo com Niemeyer iii. Oferecer uma variedade de opções possibilitando
(2001, p.112). Ao seu lado, ficavam equipamentos vol- a oportunidade de escolha: o equipamento deve
tados à prática da educação física: pórtico com cordas, estar aberto a uma variedade de interpretações e
barras paralelas, trapézios, mastros, relacionados aos incluir uma diversidade de desafios, evitando ser
objetivos higiênicos. Nos anos 50, o playground passou muito vago ou apenas escultural. Uma criança
a incorporar objetivos meramente lúdicos. deve, ao mesmo tempo, brincar com um equipa-
Para Almeida (1997, p.124), brincar significa suspender mento e ao seu redor. A proporção de oportuni-
as fronteiras que individualizam e compartimentalizam dades de brincar deve ser de 2:1, conforme Francis
grupos, categorias e pessoas. Para o projeto do Parque da (1990, p.224). Portanto, uma variedade de ativida-
Criança em Santo Amaro (SP), foi apresentada uma proposta des não está relacionada à quantidade de equipa-
de espaço para brincar multisensorial e de usos polivalentes, mentos. A criança deve ser capaz de mudar, de
ao contrário dos espaços despersonalizados e fisioterápicos usar um equipamento de mais de uma maneira,
do parquinho tradicional. Os múltiplos materiais (sucatas de justapondo e manipulando materiais, como apre-
troncos de árvores que caíram, postes de iluminação urbana sentado no exemplo da figura 2.
trombados, pneus, etc.) são devolvidos ao meio ambiente de iv. Estimulação sensorial: os ambientes ao ar livre 109
maneira prática e utilitária, sob a forma de uma escultura provocam naturalmente uma estimulação senso-
lúdica, ou seja, um brinquedo que também é arte. De outra rial. O desafio é aumentar e realçar esses estímu-
forma, eles estariam amontoados nos lixões da cidade. los, a partir do uso das cores, texturas, formas de
objetos e o layout dos espaços externos. Um jardim
2.3. Recomendações projetuais fornece elementos para tocar e cheirar, ou frutas e
legumes para ver, tocar, cheirar e provar. Segun-
Entre as recomendações para o projeto de um espaço do Assmann (1998, p.38), nossos órgãos sensoriais
lúdico, pode-se destacar: são, acima de tudo, criadores de conexões com o
meio ambiente. Os sentidos não são “janelas do
i. Idade e quantidade de crianças: é importante conhecimento”, mas devem ser comparados com
criar diversas áreas separadas para o uso simul- instrumentos para testar hipóteses. É recomen-
tâneo de diferentes grupos de crianças, ou então dado que os alunos utilizem sempre dois ou mais
oferecer apenas um amplo espaço com áreas dife- sentidos simultaneamente: ver e cheirar, ver e ou-
renciadas, acessíveis aos grupos. vir, ver e tatear, para os estudos em que é preciso
ii. Respeitar a escala da criança: quando se projeta memorizar mediante o uso dos sentidos.
para crianças, deve-se dar uma atenção especial v. Manipulação: as crianças usam de maior criativi-
à sua escala: quando anda, corre, sobe ou senta- dade ao manipular materiais que tenham um valor
“de brincar” mais latente – como a areia, árvores 3. Jardins terapêuticos
ou barro – do que com aqueles equipamentos com
um papel definido, como os balanços e escorrega- O jardim terapêutico é uma das variedades de jardim
dores. De fato, as crianças utilizam os objetos que que os homens vêm desenvolvendo desde a descoberta da
estão em seu ambiente de maneiras variadas e com agricultura, há 10.000 anos atrás. Os jardins terapêuticos
diferentes finalidades. Conforme Okamoto (1996,
como um reflexo da emoção individual, formação cultu-
p.104), o contato tátil é dez vezes mais forte do que
ral e suporte social, originaram-se na Pérsia, no Egito e
o contato verbal ou emocional e afeta quase tudo
em outros países Oriente, onde sua existência vem desde
que fazemos. O espaço tátil é percebido por todo o
o nascimento da história. Na Europa, os primeiros jardins
corpo, e só dessa maneira é possível ter a noção de
apareceram durante a Idade Média e suas formas foram
tridimensionalidade, que é a base da experiência
sendo alteradas até a metade do século 18. A luz solar,
arquitetônica e da orientação.
o luar, as plantas e a água dos jardins sempre causaram
Vale salientar que, em agosto de 1999 a Associa- sensações psicológicas significativas nos seres humanos.
ção Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou Cada sentimento pessoal, entretanto, está sempre sendo
a Coletânea de Normas de Segurança em Playgrounds, modificado pelo contexto do jardim e pelo significado
NBR14350-1, tratando das dimensões, recomendações que a cultura corrente impõe à experiência do visitante.
e dos requisitos mínimos necessários para a segurança Um jardim pode significar um retiro familiar ou oferecer
110 dos usuários dos equipamentos, além dos materiais in- um cenário para acontecimentos sociais ou, ainda, servir
dicados para recobrir as superfícies absorventes de im- como um elo religioso entre o usuário e uma entidade.
pactos e áreas de circulação. Em alguns lugares e em tempos remotos, os jardins esti-

Figura 2: Jardim educativo em área pública em Bauru, desenvolvido pela aluna Maria Emilia Soares na disciplina Projetos
Paisagísticos, ministrada pela autora, em 2008.
veram fortemente ligados a experiências emocionais in-
tensas e foram empregados como uma forma de terapia:
como lugares de aliviar a dor ou para assistir às pessoas
com dificuldades de orientação e equilíbrio, podendo ser
rotulados como terapêuticos.
O objetivo dos jardins terapêuticos é o de permitir aos
seus ocupantes um local onde experimentem uma sen-
sação de bem-estar, possibilitando um grau de alívio aos
sintomas físicos, atenuando a dor de doenças crônicas e
aumentando o nível de conforto do indivíduo, reduzindo o
estresse. E são de grande importância para estimular a so-
ciabilidade, promovendo oportunidades de relaxamento e
contemplação, e encorajando o corpo e a mente a se restau-
rarem. Ao visualizar um espaço verde e agradável, a pessoa
sente-se convidada a visitá-lo, podendo realizar atividades Figura 3: Jardim Terapêutico no Hospital de Reabilitação
passivas (observar, ouvir, sentir, explorar) ou ativas (terapia de Anomalias Cranofaciais, em Bauru, desenvolvido pelo
horticultural, exercícios de reabilitação). Na atualidade, ou- aluno Renato Sordi em 2006, na disciplina “ Projetos Pai-
tros significados foram sendo adotados em programas de sagísticos”.

reabilitação, no tratamento do câncer e da AIDS, nas enfer- 111


marias e nos hospitais para tratamento mental.
A arte e a ciência da medicina obtiveram um gran- depressão que acompanha os casos de prolongada estadia
de progresso e cada vez mais é importante a integração nos leitos hospitalares.
entre os espaços internos e externos. Mas os hospitais e Kaplan & Kaplan (1999, p.243) consideram a nature-
clínicas fecharam-se em ambientes climatizados por ar- za como provedora de coerência, legibilidade, comple-
-condicionado, iluminação artificial e seus vários andares xidade e mistério, pois um bom jardim possui todos os
são interligados por elevadores, de maneira semelhante elementos que atraem nosso interesse:
aos grandes edifícios de escritórios. Os jardins terapêu-
ticos não são propostos como um modelo alternativo de coerência, como nossa habilidade de tirar sentido e com-
terapia ,pois eles não curam. Mas os jardins dos hospitais preender a paisagem, complexidade, pela riqueza do ce-
são essenciais para contribuir com o bem-estar dos pa- nário, legibilidade, utilizando nossa habilidade para ler,
cientes, auxiliando a medicina terapêutica. A pesquisa de compreender e decifrar o jardim (em essência, interpretar
a complexidade com coerência).
Roger Ulrich, citada por Gerlach- Spriggs (1998, p.35), de-
monstra que a interação dos convalescentes com o mundo
natural, pela observação de um jardim através de uma ja- Enfim, a promessa de algo a mais a ser descoberto,
nela, tem estatisticamente grande importância na rapidez como pode ser observado no exemplo da figura 3.
de sua cura e no menor uso de analgésicos, reduzindo a
3.1 Recomendações de projeto mas que não se considerem fechados ou vigiados.
Os hospitais infantis devem oferecer a oportuni-
Destacamos algumas características essenciais dos dade de brincar nos espaços livres. As áreas de
jardins terapêuticos baseadas em estudos de caso e na brincar nos hospitais devem ser semelhantes àque-
pesquisa desenvolvida por Francis & Paine (1990, p. 272): las destinadas às crianças saudáveis, só que com
um cuidado maior em relação à acessibilidade de
i. Visibilidade: quando uma pessoa entra no edi- deficientes físicos, ou crianças com gesso.
fício hospitalar, ou se move pelas suas circula- iii. Características de familiaridade: as pessoas nos
ções, é importante que seja capaz de ver o jar- ambientes hospitalares estão estressadas pelo
dim, o pátio interno ou uma área natural que trabalho ou pela doença, portanto necessitam
tenha potencial em ser utilizada. Uma sugestão ter acesso a locais calmos e com elementos fa-
é a instalação de mapas no hall de entrada ou no miliares.
elevador, indicando o jardim, bem como a sua iv. Oportunidades de fazer escolhas: o estresse
proximidade com a lanchonete. provoca descontrole e tem efeitos negativos no
ii. Segurança: é essencial que o corpo clínico, os pa- sistema imunológico e na satisfação profissional
cientes e os visitantes sintam-se seguros no jardim, do corpo clínico. Portanto, a facilidade de aces-

112

Figura 4: Jardim terapêutico desenvolvido pelo aluno Everson Bertazzi, em 2009, para o Núcleo de Saúde Santa Edwirges,
Bauru, na disciplina Projetos Paisagísticos, ministrada pela autora.
so é fundamental, bem como locais com algu-
ma privacidade, com diferentes vistas ou bancos
para sentar ao sol ou à sombra.
v. Oportunidades para contato social: o simples fato
de encontrar pessoas com problemas em comum,
e partilhar de suas preocupações e esperanças, re-
duz o estresse e aumenta o bem-estar dos pacientes
e visitantes, principalmente se o ambiente é agra-
dável e aconchegante. Há três tipos de usuários: os
pacientes, os visitantes e os funcionários do hospi-
tal (composto de corpo clínico e atendentes), cada
grupo com suas necessidades e padrões de uso.
vi. Contato com a natureza: as pesquisas demons-
tram que a visão e o contato com a natureza
resultam em benefícios terapêuticos. Os jardins
devem incluir uma variedade de espécies que Figura 5: Maquete do jardim sensorial desenvolvido pela
floresçam nas diferentes estações, plantas ou ár- aluna Eliane Katayama Amaro para o Projeto Crescer, em
vores que atraiam borboletas e beija-flores, folhas Bauru, em 2008, no Projeto de Extensão Universitária,
orientado pela autora.
113
que se movam com a brisa, elementos que possi-
bilitem a visão e o som da água escorrendo e até
mesmo a visão do céu, permitindo a observação está localizada em terreno doado pela prefeitura ao lado
das nuvens se movendo. Os canteiros para a prá- do condomínio Tivolli II, onde foi realizado o projeto
tica da jardinagem devem ser implantados em al- paisagístico em 2008. Nas primeiras visitas ao local, a
turas apropriadas, para também serem utilizados direção expôs o desejo de desenvolver um projeto que
por portadores de equipamentos, como cadeiras valorizasse a área externa e criasse espaços para aulas
de roda, conforme exemplo da figura 4. e brincadeiras ao ar livre. Após muitas visitas e sempre
priorizando a vontade de diretores, professores e fun-
cionários. Além dos conhecimentos adquiridos sobre
4. Pesquisas aplicadas espaços livres nas escolas, foram apresentadas algumas
sugestões projetuais, chegando-se ao projeto paisagístico
4.1 Projeto crescer final, entregue em planta e em maquete para facilitar seu
entendimento, como pode ser observado na figura 5.
O Projeto Crescer é uma parceria entre a Prefeitura O jardim dos sentidos tem a importância de apro-
Municipal de Bauru com o Grupo Amor e Caridade, e ximação com a realidade, pois, ao cuidar das plantas
atende a crianças carentes de 4 a 14 anos, que permane- e passear no jardim brincando, a criança se relaciona
cem por um período do dia na instituição. A instituição com o tempo, com cores e odores diversos. Neste espaço
tanto a criança quanto o adulto são estimulados a uma Como metodologia para chegar a uma análise mais
busca constante de novas interações pela diversidade, da crítica do ambiente escolar, levou-se em consideração a
constante renovação e multi-sensorialidade oferecida opinião dos usuários do edifício - alunos e funcionários
neste ambiente, estimulando seu desenvolvimento físi- – sendo proposta uma atividade de desenho às crianças,
co, mental e espiritual. evidenciando o que mais gostavam e o que menos gos-
Entre os indicativos de projeto, deu-se especial aten- tavam na escola, além de desenhar como gostariam que
ção à acessibilidade, pois é fundamental a compreensão fosse a escola. A turma selecionada para essa atividade
das restrições ou limitações sofridas por diferentes usuá- apresentava uma faixa etária de 5 a 6 anos, num total de
rios (crianças, idosos, deficientes) nesses espaços. Como, 17 crianças. Aos funcionários da instituição foi distribu-
por exemplo, uma criança que não consegue sentar-se ído um questionário para que eles atribuíssem valores de
em determinados bancos devido à altura inadequada do acordo com as problemáticas abordadas. A proposta de
assento em relação à sua estatura. intervenção foi apresentada aos usuários, discutindo os
Nesse caso não há deficiência, mas sim uma restri- principais pontos a serem revistos.
ção provocada pelo design do banco. As barreiras físicas O terreno da escola ocupa uma quadra comple-
podem ser exemplificadas em casos onde as circulações ta, tendo em frente uma pequena praça. A vegetação
possuam pisos irregulares que impedem o deslocamento de grande porte é suficiente para toda a área livre, no
de uma cadeira de rodas ou de um carrinho de bebê; e as entanto foi necessário um tratamento paisagístico em
barreiras informativas, quando há placas de sinalização escala reduzida, com o uso de gramíneas e arbustos de
114
cuja informação não é percebida por deficientes visuais, pequeno e médio porte. O uso de diferentes escalas foi
ou mesmo compreendida por crianças e analfabetos. importante não apenas na escolha da vegetação, mas
também no emprego de diversos materiais, cores e espa-
4.2. EMEII Garibaldo ços, como pode ser observado na figura 6.
Os resultados apresentados no projeto incluem a re-
Após consulta à Secretaria de Planejamento da Pre- forma de pisos, jardins, proposição de um novo layout
feitura Municipal de Bauru, averiguou-se que a Esco- para o playground e propostas para uma melhor orga-
la Municipal de Educação Infantil Integrada – EMEII nização dos ambientes, buscando dar ênfase à criação
Garibaldo, localizada no Jardim Santana, em Bauru, de uma identidade visual ao espaço, sem perder de vista
fora reinaugurada, havendo interesse na implantação a importância do ato criativo das crianças como parte
do projeto de extensão universitária em 2009. Tendo do ambiente de aprendizagem. Além disso, buscou-se
como ponto de partida o levantamento bibliográfico incentivar as atividades voltadas à sensibilização e cons-
sobre o tema, questionários aplicados aos funcionários, cientização das crianças quanto ao ambiente, estabele-
desenhos elaborados pelos alunos e a análise da edifi- cendo conexões entre horticultura, paisagismo e educa-
cação e de seu funcionamento, chegou-se a uma pro- ção ambiental, com a criação de uma pequena horta, que
posta de intervenção para as áreas livres como também poderá ser abordada em aulas relacionadas à alimenta-
alterações na edificação, depois de realizadas visitas ção, aos sentidos, reciclagem, técnicas agrícolas e preser-
técnicas à escola. vação do ambiente, valorizando “o fazer” dos alunos.
Figura 6: Projeto paisagístico da EMEII Garibaldo em Bauru, desenvolvido por Rafael Sorrigotto no Projeto de Extensão
Universitária, orientado pela autora em 2009.

5. Considerações finais lecer relações mais naturais e criativas com o meio e


com as outras crianças, procuramos levar em conta
A pesquisa vem sendo aplicada em escolas, creches e nos projetos as necessidades do imaginário e da expe-
núcleos de saúde. No entanto, ainda não há dados con- riência sensorial. Antes de tudo, os Jardins Terapêuti-
cretos para saber quais os elementos do projeto de um cos e Educativos não devem ser vistos como um novo
jardim são realmente terapêuticos, ou quais os elementos mercado de trabalho para os arquitetos, mas sim como
mais apropriados para determinados grupos de pacientes, um desafio na área de projeto. Na medida em que bus-
psiquiátricos ou infantis, por exemplo. Primeiramente ca-se reforçar a importância do vínculo Universidade
devemos compreender a rotina diária do estabelecimento – Comunidade, por meio da aplicação de conhecimen-
115
e as necessidades dos usuários. Nesse sentido, o diálogo é tos pesquisados, pretende-se alterar de forma positiva
essencial ao se projetar um espaço livre. As pesquisas so- a paisagem urbana e a qualidade de vida dos cidadãos.
bre o tema são importantes para a criação de um banco de Para tanto, é essencial a participação dos que realmen-
dados sobre a eficiência do jardim como terapia ou como te irão utilizar esses espaços depois de implantada a
estímulo à aprendizagem e à sociabilidade. proposta projetual, com o intuito de realizar um pro-
Como as áreas públicas urbanas são carentes de jeto mais coerente com a real necessidade e compatível
jardins educativos onde as crianças possam estabe- ao contexto sócio-econômico existente.

6. Referências

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Paulo: ABNT, 1996.
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OKAMOTO, J. Percepção Ambiental e Comportamento. São Paulo: Plêiade, 1996.
Niemeyer e o
sentido do lugar:
Uma visão bioclimática

Marta Adriana Bustos Romero

Resumo

Neste trabalho, analisaremos a obra de Oscar Niemeyer e o espaço de Brasília


como forma de expressão e interpretação de arquitetos modelares em relação
a um conjunto de princípios que consideramos essenciais na interpretação do
lugar nos espaços urbanos. Brasília representa a vanguarda do século 20 na 117
tentativa de juntar a cidade socializada do ponto de vista funcional e a cidade
como símbolo de identidade e poderes cívicos nacionais. Ela representa, ao
mesmo tempo, um projeto unitário de criação do urbano como uma entidade
formal homogênea. A sua homogeneidade de linguagem decorre do fato de
serem seus principais monumentos obra de um mesmo arquiteto, Niemeyer.
Levando em conta os parâmetros do bioclimatismo e a relevância dos elemen-
tos sensoriais na criação do lugar, discutiremos a noção de caráter e espíri-
to do lugar, focalizando as características do espaço como ferramenta para
a organização e orientação do homem. Discutiremos, aspectos da integração
da paisagem no espaço, abrangendo o esvaecimento das fronteiras entre a ex-
terioridade e a interioridade no espaço urbano. Em seguida, será abordada a
noção do espaço como elemento identitário e de domínio visual e, por último,
discutiremos a noção de permanência em relação à cidade de Brasília. Con-
cluiremos com uma análise da cidade de Brasília com base nas implicações
desses princípios, focalizando dois aspectos decorrentes dessa aplicação: a
acertada leitura do sítio e o protagonismo do seu espaço.
Palavras-chave: Bioclimática. Lugar. Paisagem. Espaço. Arquitetura.
1. O espaço como organização a absorção e a reflexão dependerão, em boa parte, da for-
ma dessas superfícies. Devemos lembrar, ainda, que as
e orientação do homem
impressões que produzem reações psicológicas e físicas
tais como, dureza, maciez, densidade e leveza estão in-
O protagonismo do lugar na arquitetura se remonta
timamente relacionadas com o caráter da superfície dos
às primeiras construções do homem, já na Antiguidade1.
O lugar incorpora um conteúdo poético que é definido materiais que, sabemos, são destaque na arquitetura de
pelas qualidades dos elementos e pelos valores simbó- Brasília (cf. ROMERO, 2001).
licos e históricos, é o elo que relaciona o ambiental e o A estrutura do lugar deve ser analisada por intermé-
corpo humano. A importância do contexto revitaliza-se dio do espaço e do caráter. O espaço é entendido na con-
pelo desenvolvimento da ideia de lugar, que implica a dição de organização tridimensional dos elementos que
introdução de um conteúdo conceitual maior do que a proporciona a orientação3 do indivíduo. Simplificando,
simples localização espacial, incorporando as formas de o espaço pode ser descrito através de palavras objetivas,
ser desse e nesse lugar. A cultura e o clima de um am- da visualização imediata e impessoal do seu conjunto,
biente têm sido, ao longo de todas as épocas, constantes enquanto o lugar é carregado de percepções individu-
geradoras de ideias originais, de vitalidade, assim como ais, de sensações próprias vindas de um repertório úni-
de preservação dos mais profundos valores humanos2. co. Confirmam-se, assim, as ideias de Norberg-Schulz
Na arquitetura bioclimática, e no bioclimatismo em (1980), para quem compete à arquitetura denotar a visu-
118 geral, há consenso na atribuição de um papel central ao alização do genius loci e criar significados para o espaço,
lugar. Espera-se que ele determine a propriedade e a ade- ajudando assim o homem a morar, desenvolvendo sua
quação de uma resposta arquitetônica às necessidades relação com o ambiente.
do homem. Assim, é princípio do bioclimatismo a in- O caráter é, ao mesmo tempo, um conceito mais con-
corporação de elementos que conduzam a uma arquite- creto e mais abstrato do que o espaço. Por um lado, ele
tura que proporcione sensações prazerosas, muito além denota uma ampla atmosfera geral e, por outro, a forma
das visuais, que seja capaz de despertar os sentidos. Para concreta e material dos elementos definidores do espaço.
tanto, necessita-se de uma concepção sensorial poliva- Sendo assim, qualquer presença real é intimamente rela-
lente, na qual a água, a luz, o som e a cor sejam elemen- cionada com um caráter, que é determinado pelo material
tos que entrem a ordenar o espaço como estímulos di- e pela constituição formal do lugar. O caráter é a atmos-
mensionais, com a possibilidade de modelar o espaço. A fera do lugar, um fenômeno qualitativo que não podemos
resposta do espaço é mais adequada na medida em que reduzir à soma de seus elementos constitutivos. O caráter
os materiais da envoltória não ficam ocultos e respon- é determinado por fatores como proporções, materiais,
dem segundo o solicitado, uma vez que as reverberações,
3 A Acrópole, por exemplo, constitui um rasgo audaz e isolado
1 Uma análise do significado do lugar em alguns relevantes da paisagem que a contém. Hoje o espectador vê a forma total
assentamentos antigos encontra-se em Romero (2006). do Partenon, mas não foi assim na época da realização, quan-
2 O clima cria o cenário, se expressa em dados de temperatura, do o espectador ia sutilmente visualizando o espaço criado e
umidade, chuvas, velocidade e direção do vento e insolação. cada elemento era introduzido após uma expectativa criada.
cores, estratégias de composição e pela forma com a qual sombra, a segunda é um espetáculo de claros e escuros e
os edifícios se encontram com o céu, a Terra e outros edifí- a terceira é um espetáculo verde. Na arquitetura de Nie-
cios. Quer dizer, com a constituição formal do lugar. meyer na Casa das Canoas6, encontramos, como forma
Identificar o caráter de um espaço torna-se impres- de expressão do caráter a integração vital do edificado na
cindível para alcançar a sustentabilidade do ambiente natureza, deixando-a como protagonista a ser sentida em
construído, pois, além da conservação da natureza, te- toda sua plenitude. Segundo Dubois (2000), a vista para
mos também que adotar práticas locais, tradicionais e o mar, a presença do horizonte e o gabarito quase hori-
endógenas. Dito em outras palavras, temos de recuperar zontal da Pedra de Gávea definiram a forma da cobertura
o espírito do lugar, o genius loci4. da Casa das Canoas. O autor também aponta que hoje em
Uma forma de expressão do caráter é a Casa da Cas- dia essa experiência quase sumiu, uma vez que a vegetação
cata, que Frank Lloyd Wright implantou5 em uma posição ao redor da casa cresceu muito. Fotografias da década de
que permitia uma melhor orientação em relação ao sol, 50, relatadas na figura 1 entretanto, revelam essa dimensão
mais que a construção de uma ponte para passar ao outro quase mágica do entorno. Fig.01.
lado. Com esta decisão, diz Muñoz (2000), Wright tenta
fazer sentir intensamente a natureza desde a casa, através
de uma participação extremamente próxima do seu cons-
tante fluir, ampliando nos desníveis da cascata e presente
também no crescimento do bosque recém plantado.
Outros exemplos desta forma de fazer arquitetura, a 119
quais a natureza introduz seus materiais e suas leis forma-
tivas, são fornecidos pela Vila Malaparte, a Fallingwater e
a Casa das Canoas: a primeira é um espetáculo solar, uma
arquitetura banhada permanentemente por uma luz sem
Figura 1: Casa das Canoas. Casa de Canoas, croquis de Nie-
4 O conceito de genius loci surge da ideia de lugar como ele- meyer, 1950.
mento central, mas não um lugar em abstrato e sim cada Fonte: Niemeyer (1986) e Dubois (2000).
lugar com sua própria identidade. O interesse pelo conceito
de lugar está na base da construção de um saber prático que
recomponha a disciplina urbana arquitetônica. Fazer arqui- 6 Santos (2003) analisa a casa num artigo que se intitula
tetura significa visualizar o genius loci e a tarefa do arquiteto Casa das Canoas: fazendo a alma cantar, nele cita Nie-
é criar lugares com sentido. meyer: “Minha preocupação foi projetar minha residência
5 Quando Wright conheceu o lugar, conta Edgar Kaufmann com inteira liberdade, adaptando-a aos desníveis do terreno,
(1978), “apreciou imediatamente o potente ruído das cas- sem o modificar, fazendo-a em curvas, de forma a permitir
catas, a vitalidade do bosque jovem e o dramatismo das que a vegetação nela penetrasse, sem a separação ostensi-
rochas, considerando que estes deveriam ser os elementos va da linha reta. E criei para as salas de estar uma zona em
que tinham que se entretecer com os serenos espaços de sombra, para que a parte envidraçada evitasse cortinas e a
sua estrutura”. casa ficasse transparente como preferia”.
Figura 1: Casa das Canoas (continuação).
Fonte: Niemeyer (1986) e Dubois (2000).

A percepção do sítio revela um modo de eleger, evi- 2. Integração da paisagem: a riqueza


denciar e tomar consciência das qualidades que estão
sensível do entorno
presentes num determinado lugar. O caráter e a identi-
dade possuem um valor de síntese, podem ser confron-
As atuais manifestações do construído tendem a tra-
tados e compreendidos nos tipos genéricos de ideias de
tar o entorno – especialmente a paisagem – como um
120 paisagem. A caracterização do lugar relaciona-se com a território alheio, geralmente povoado por árvores e tipos
vivência do homem, com a relação que um experimenta de vegetação que não se integram com o evento arquite-
com o outro, transformando-o, adaptando-o e absor- tônico ao qual pertencem.
vendo as regras preestabelecidas pela própria natureza. Dado que o projetar não consiste mais em dar for-
Espírito do lugar é o conceito usado para indicar ma aos materiais e sim em coordenar a montagem de
o caráter significativo do lugar que o torna um habitat produtos que seguem regras de produção e atuam por
seguro e amigável psicologicamente. Segundo Norberg- refinamentos sucessivos, a construção é o resultado de
-Schulz (1980, p.23): “quando o ambiente é significante, o uma pequena parte de experiência geral e de uma gran-
homem sente-se em casa”. Heidegger (apud ARANTES, de parte de um unicum, que expressa o conjunto especí-
1993) também destaca o valor do lugar, assinalando que fico criado para um fim, numa localização determinada
o problema da crise da habitação das cidades modernas e cuja combinação dificilmente é transferível. Tanto se
não é uma questão social de moradia, mas uma falha de constrói a linguagem como uma técnica específica da
enraizamento, sendo que a casa que enraíza é aquela que obra (ROMERO, 1999, p.123).
exprime um lugar que a precede. A tendência geral nas culturas ocidentais contem-
O espírito do lugar envolveria, portanto, visualizar o es- porâneas, no entanto, é a de diminuir a importância
paço perspectivo que, segundo Rapoport (1978), é a maneira do tato, do olfato e do sentido “cinestésico”, ou seja, dos
pela qual os indivíduos experimentam o mundo, o meca- sentidos, do movimento e do equilíbrio. O entorno nas
nismo essencial que relaciona a pessoa a seu meio ambiente. nossas culturas atuais tende a especializar-se perigosa-
mente somente na visão, desperdiçando muita riqueza A urbanização excessiva significa, muitas vezes, co-
sensível. Ficam esquecidos os elementos que fazem da locar em segundo plano as características do local. As-
composição arquitetônica um fato único. sim, também, as praças deixam de ser o centro, o pon-
Quotidianamente, a vista isola-se do ouvido, do tato to de referência, passando a ser manchas esparzidas ao
e dos demais sentidos. Ver o que não se pode tocar ou acaso entre as edificações. De fato, acontece o contrário
sentir serve para incrementar a sensação de que o inte- do que esperava Niemeyer na principal praça de Brasília,
rior é inacessível. Assim, a observação à vista de pássa- quando diz que :
ros passa a ser a medida, impedindo que se observem
os detalhes concretos, retirando-se as relações históricas “A Praça dos Três Poderes, em Brasília, caracteriza-
do lugar ao destruir as diferenças acumuladas ao longo -se com tal quando o povo nela se instala para ouvir a
do tempo, eliminando-se a sensualidade que os mate- mensagem de solidariedade e esperança que até hoje não
riais, as texturas e as superfícies, e as infinitas reflexões recebeu” (NIEMEYER, 1986, p.19).
que, poderiam proporcionar.
É nesse contexto que fazem sentido as palavras de
Niemeyer, ao argumentar que

“o espaço arquitetural permite valorizar a arquitetura:


No Palácio do Planalto, por exemplo, afastamos as colunas
com o objetivo de oferecer aos visitantes os pontos de vista 121
mais variados.” (NIEMEYER, 1986, p.14). (Figura 2)

Para Niemeyer (1986, p.8), o “espaço arquitetural é a


própria arquitetura”. Para realizar essa arquitetura, ele
diz, “nele [no espaço] interferimos externa e interna-
mente, integrando-a na paisagem e nos seus interiores,
como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamen- Figura 2: Croqui (17) e (37) de Niemeyer.
Fonte: Niemeyer (1986, p.14).
te se completam.” E continua, especificando:

“o espaço arquitetural apresenta as formas mais diver- 3. As fronteiras mutáveis entre


sas: às vezes pesado – se assim o podemos definir – como
que apoiado nos edifícios; outras, assumindo formas inde-
o exterior e o interior
finidas, neles penetrando; outras, ainda, como que os man-
tendo suspensos, tão leves são suas estruturas. O espaço Considerando que “natureza” sempre significa o
arquitetural faz parte da arquitetura e da própria natureza, princípio fundamental do cosmos, se aceitamos o con-
que também envolve e limita. Entre duas montanhas ele está ceito de que a arquitetura e o espaço urbano não são
presente e nas suas formas se integra como um elemento de independentes da natureza e sim suas prolongações,
composição paisagística.” (NIEMEYER, 1986, p. 9-10). fundindo-se com ela, então os limites entre o interior e o
exterior são indefinidos, ou constantemente redefinidos. cios e a paisagem criam uma grande flexibilidade para a
Estabelece-se, assim, uma relação idealmente confortá- orientação dos abrigos para serviços.
vel entre o homem e a natureza, uma vez que não existi- O antecedente dessa perspectiva pode ser encon-
riam fronteiras entre interior e exterior. trado na concepção do espaço basicamente composto
Nesse sentido, os espaços urbanos devem ser trata- num plano horizontal livre, com fachada transparente,
dos como uma unidade, na qual os elementos ambien- onde o vazio flutua ao redor dos elementos pontuais e
tais, climáticos, históricos, culturais e tecnológicos en- verticais dos pilares de concreto e aço. Nas palavras de
tram na condição de estímulos multidimensionais7. Em Montaner (1997), todo o espaço moderno gira em torno
depoimento dado a Walter Salles, ao falar de Pampulha, de um protagonista estrutural e formal: o pilar, seja ele
Niemeyer reafirma esse princípio ao fazer referência à o de seção quadrada de Le Corbusier ou o circular de
integração de elementos ambientais e climáticos Lucio Costa e Niemeyer no Ministério de Educação de
Rio de Janeiro, ou o de aço de Mies van der Rohe, cuja
Na casa do baile, por exemplo, eu comecei a fazer forma em cruz garante a simetria e obtém a máxima le-
as coberturas em curvas; coberturas que se adaptavam veza e desmaterialização. A fluidez e a mutabilidade são
muitas vezes melhor à paisagem. Nesse caso, por exem- claramente explicitadas por Niemeyer quando, ao falar
plo, nós tínhamos.... tratava-se de uma ilha. E as mesas do espaço fluido, diz que:
do restaurante deviam ser protegidas nos limites da ilha.
Isso explica então a marquise que acompanha os limites
“até as colunas que afastávamos dos edifícios e dese-
122 da ilha protegendo as referidas mesas. Essa solução depois
nhávamos com formas livres e variadas, eles não conse-
eu fiz em outros lugares inclusive na minha casa das Ca-
guiam compreender. Um dia, contei como as projetava,
noas. É uma solução que foi se repetindo várias vezes na
como ao desenhá-las me via circular entre elas e os edifí-
arquitetura brasileira (IAB, 1974, p.3).
cios, imaginando as formas que teriam, os pontos possí-
veis de variar, etc.” (NIEMEYER, 2005, p.32).
As paredes, ao invés de serem essencialmente barrei-
ras, enclausurando os elementos compositivos, podem Nesses exemplos, a fluidez não pode ser atribuída so-
servir como filtros de informação, ou pontos de pas- mente ao método compositivo do espaço, mas também,
sagem, que fundem e dissolvem o tradicional interior/ em grande medida, ao brilho dos materiais utilizados: o
exterior. A interpretação de passagens é infinitamente cristal, a pedra e o aço, que parecem flutuar no espaço,
variável e não obedece a nenhuma fórmula. Essa nova relacionam-se entre si e, ao refletirem-se, criam um es-
perspectiva propõe, basicamente, que as paredes e os pi- paço que harmoniza com o entorno.
sos dos edifícios sejam como fluidos e que respondam Os espaços urbanos poderiam incorporar a ambi-
como membranas. Entendidos como mutáveis, orgâni- guidade e a possibilidade de surpresa e, neste sentido, os
cos e informais, os conjuntos de conexões entre os edifí- limites constituem a questão fundamental no desenho
dos espaços abertos. A fim de permitir que o espaço se
7 Para as civilizações antigas, essa unidade era vital: ter um ressignifique através do tempo, esses limites devem ser
bom relacionamento com o lugar era uma questão de so- frágeis, transponíveis, fluidos, permeáveis. Um espaço
brevivência (ROMERO, 2006).
fluído com essas características disponibiliza os elemen- A cultura do organicismo, desenvolvida por Frank
tos de modo a integrar-se ao meio. Lloyd Wright e por arquitetos nórdicos tais como Al-
É a essa fluidez que remetem as palavras de Niemeyer var Aalto, que perseguem um espaço moderno que
quando atribui maior liberdade e, simultaneamente, maior não seja indiferente ao lugar, reitera definitivamente o
rigorosidade a sua arquitetura em Brasília (2005, p.42): esvaecimento das fronteiras entre a arquitetura e o lu-
gar. A imagem das casas aéreas, no conceito de Bache-
“Livre no sentido da forma plástica, rigorosa, pela preo- lard (1986, p.85), que integram o vento, que aspiram a
cupação de mantê-la em perímetros regulares e definidos.” uma leveza aérea, em que “a casa conquista sua parcela
de céu, possuem todo o céu por terraço”, encontra uma
Essa compreensão o faz constituir o Palácio Itama- imagem semelhante nos projetos da casa moderna de
raty por um volume envidraçado recuado que não chega Niemeyer, que assim a descreve:
até a laje de cobertura, para deixar fluir um jardim sus-
penso, iluminado, que aumenta no observador a sensa- “é possível – o que alias preferimos – projetar uma
ção de que o volume de vidro é independente da estrutu- casa moderna, reduzir os pés direitos e ter fachadas en-
ra e que flutua, desmaterializa-se ao refletir num espelho vidraçadas. Para isso basta adotar elementos protetores,
d’água, com a vegetação amazônica, projetada por Burle uma planta inteligente e evitar que seus moradores fiquem
Marx. Também o arquiteto declara sua sentados diante de um painel de vidro, desprotegido, ou o
cubram com cortinas, uma contradição lamentável (21)”.
“ preferência em Brasília, pelas colunas de ponta fina (....) “Na residência das canoas – a lembramos sempre 123
que adotei desejoso de ter os palácios como que flutuando como exemplo – o local de estar fica em sombra, o que a
no céu do planalto.” (NIEMEYER, 1986, p.57). permite transparente e sem cortinas”. (22) (1986, p. 17).

Retomando o exemplo da Casa das Canoas, desta Para Niemeyer, a iluminação dos espaços interiores
vez da perspectiva de seu uso, a fluidez dos espaços é utiliza a luz da abóbada celeste como principal fonte lu-
obtida pela sua união em harmonia. O piso do interior minosa. Nos espaços de transição, em geral, a luz direta
continua nos dois terraços exteriores e a fachada de vi- do sol é adotada como recurso de composição do am-
dro apresenta um ritmo fluente. Niemeyer consegue li- biente, ressaltando seu aspecto dinâmico, variável em
gar o exterior e o interior da casa a partir da rocha na intensidade e cor. A intimidade e a privacidade, na sala
piscina ao lado da casa das Canoas. O volume da rocha de estar da Casa das Canoas, por exemplo, fica por conta
une solidamente a casa ao chão: a laje de concreto, a ro- da parede fechada e ondulada de madeira, com uma pe-
cha e as esculturas de corpos femininos de Ceschiatti ao quena janela que dá vista ao mar, colocada numa altura
redor da piscina, criam uma relação única. Suas curvas baixa, como um quadro. (Figura 3).
são organicamente acomodadas ao terreno, a vegetação A transição entre exterior e interior fica por conta das
e as pedras, adaptadas aos obstáculos naturais, a ponto características da envoltória do edifício. Quanto mais o
de confundir o observador sobre o que está dentro e o filtro seja transpirável, móvel, praticável, modificável, e
que está fora. transparente, melhor. A prevalência da luz natural, das
vistas, da ventilação natural, evitando-se o tratamen- a luz, com materiais que devem ter qualidades filtrantes
to dos edifícios altos como se fossem subterrâneos, com para deixar passar a luz, mas não ver, para ver, mas não
climatização e iluminação artificiais, são aspectos que ouvir, para ouvir e participar, mas não ser visto, para dei-
contribuem para essa transição. A alta e média tecnologia xar passar o ar, mas não a luz, etc., quer dizer, materiais
fornecem uma grande variedade de tipos de membranas que reforçam ou dão vida ao conceito de fluidez.
que podem ser sobrepostas, permitindo que as fachadas e Nas obras de Niemeyer, a iluminação resulta tanto
divisões internas sejam pensadas como peles de caracte- de recursos pré-determinados em projeto como de efei-
rísticas variáveis, feitas com elementos como brise-soleil, tos variáveis e imprevisíveis surgidos face à natureza
persianas, lâminas, nas quais princípios de repetição e inconstante e indisciplinada da luz na arquitetura. A
modulação de elementos arquitetônicos relacionados à luz, claridade é substituída pela penumbra acentuada pelos
tais como brises, colunas, pilares e aberturas, geram um revestimentos dos ambientes interiores, sendo também
ritmo na modulação da luz, variável no decorrer do tempo. recorrente a adoção de espaços semi-enterrados. A ilu-
Em função do tratamento da envoltória, transparên- minação é pontual, através de pequenas aberturas que,
cia-claridade (uso de grandes áreas de superfície envidra- ao pontuar de claridade os espaços em penumbra, pro-
çadas) e opacidade-penumbra (uso de galerias e arcadas), duzem uma iluminação de ênfase e de contrastes, en-
fatores que, ao mesmo tempo em que atendem às exigên- fatizando ora o objeto, ora o espaço iluminado. O pro-
cias climáticas, conferem monumentalidade as obras de cedimento projetual predominante refere-se à proteção
Niemeyer, é possível identificar as formas de trabalhar e dosagem da intensidade da luz do sol, prevalecendo a
124

Figura 3: Croquis Niemeyer.


Fonte: Niemeyer (1986, p. 17).
harmonia8 e o ritmo. Também são encontrados peque- mas projetadas por um único arquiteto – eram dotadas
nos contrastes, entre espaços mais ou menos ilumina- daquela disciplina de alturas e elementos construtivos,
dos, acentuados pelo tratamento dos revestimentos. Os de cor e volume, que as tornam, até hoje, tão atraentes
recursos da luz utilizados nesta arquitetura servem de para nos (1). A tendência ao discutir esses problemas é
complemento para a qualificação dos projetos. Nas pa- reclamar do arquiteto maior respeito pela unidade ur-
bana, harmonizando seus projetos com os conjuntos
lavras de Souza (1995, p.103), o tratamento da luz é rea-
arquitetônicos aos quais vão se incorporar. Mas, se exa-
lizado “de forma a ultrapassar a simples necessidade de
minarmos com atenção esses conjuntos, sentiremos de
conforto luminoso onde a dimensão plástica, a dimen-
modo diferente sua atuação, convictos de que pouco,
são estética, de conformação tátil dos espaços, impõem
muito pouco, dele podemos reclamar (2) (NIEMEYER,
soluções além das estritamente técnicas”.
1986, p. 45) (Figura 4).

4. O espaço como elemento de expressão Segundo Niemeyer, as obras de Brasília, junta-


mente com o projeto para o Museu de Caracas, mar-
identitária e de domínio visual
cam uma nova etapa no seu trabalho profissional,
Os espaços distinguem-se por suas diferentes qua-
Etapa que se caracteriza por uma procura constante
lidades, tais como limites, centralização, continuidade,
de concisão e pureza, e de maior atenção para com os
direção, proximidade, luz, clima, textura, vegetação,
problemas fundamentais da arquitetura. [...] Estabele-
densidade, topografia, escala, proporção, materiais, co- 125
cendo para os novos projetos uma série de normas que
res, disposição dos edifícios, sentido de orientação e por buscam a simplificação da forma plástica e o seu equilí-
fatores psicológicos. A exemplo dos gregos, situações di- brio com os problemas funcionais e construtivos. Neste
ferentes pedem lugares com caráter diferente. Sobre isso, sentido, passaram a me interessar as soluções compac-
Arantes (2000, p.183) afirma que: “(...) Se se reconhece tas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e
que as pessoas têm identidades múltiplas, pode-se dizer de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e
a mesma coisa dos lugares”. harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais
A ausência de um valor simbólico como referência se exprimam por seus elementos secundários, mas pela
para as edificações acaba por neutralizar os espaços cir- própria estrutura, devidamente integrada na concepção
cundantes, diminuindo a sensação de vizinhança. Esse plástica original (1986, p.45).
valor decorre, em parte, da unidade e da harmonia entre
edifícios e paisagem, como bem aponta Niemeyer, para Nesse contexto de harmonia, diz Niemeyer (1986, p.53),
quem essa harmonia
“o urbanismo garante aos arquitetos, tanto nas qua-
[...] leva ao passado quando a arquitetura urbana dras de habitação como nos setores comerciais, propor-
apresentava exemplar unidade e as velhas praças – algu- ções adequadas, isso, infelizmente, também se verifica, ao
contrário dos primeiros blocos projetados, nos quais, fos-
8 A harmonia relaciona-se à distribuição equilibrada da luz se a fachada de vidro, combongó ou brise soleil, a propor-
nos espaços. ção era respeitada integralmente. Dividi-las com elemen-
126

Figura 4: Croquis (1) e (2) de Niemeyer.


Fonte: Niemeyer (1986,p. 45).

tos verticais, como se tratasse de dois ou três edifícios, é que atendam adequadamente ao sitio, é fundamental
um erro mais grave e irreparável”. que as relações que compõem o espaço como um todo
estejam contempladas, assim como o uso que dele fazem
As soluções arquitetônicas fora do contexto, comu- os indivíduos.
mente encontradas quando as premissas individuais su- Numa clara reação a essa situação, a partir de me-
peram o coletivo, diminuem a unidade de conjunto do ados dos anos 60, diversos profissionais reforçaram a
tecido urbano da cidade. Para construir uma identidade, necessidade de um lugar público bem definido e desta-
sempre dinâmica e que se renove em relação a múltiplos cado, para assim devolver a cidade à coletividade, fato
elementos da cidade, não é suficiente projetar edifícios que Otília Arantes (1993, p.98) percebe como sendo “o
antídoto mais indicado para a patologia da cidade fun- como testemunho, como vestígios e marcas para a aná-
cional”. Na busca do lugar público, vários estudiosos lise, pois nelas podem ser descobertas as mudanças ha-
perceberam a necessidade de devolver o sentido de lugar, vidas. Também nelas podem ser revelados os elementos
ou genius loci, às cidades modernas. constitutivos ou configuradores do lugar. Em geral, po-
A convicção de que a população pode expandir infi- demos dizer que os significados reunidos em um lugar
nitamente os espaços do assentamento humano é a pri- constituem seu genius loci. A noção de tradição aparece
meira forma, falando em termos geográficos, de neutra- como a união entre a história e a identidade do lugar. A
lizar o valor de qualquer espaço determinado. Perde-se tradição é o transmitido, enquanto que o locus represen-
o domínio visual da paisagem, estabelecendo-se, então, ta essa permanência do lugar e seus elementos ao longo
as negações visuais, que aceitam que a negação sensorial da história, permanência que se articula com a mobili-
seja normal na vida cotidiana. dade que o tempo introduz em diversas situações.
Existe uma dificuldade real em captar o permanente, Niemeyer e Brasília se confundem, não podem ser
o característico de cada lugar quando o modelo de cul- analisados em separado. Desde a insistência de Nie-
tura dominante propõe uma contínua transformação e meyer para que o projeto para Brasília fosse objeto de
uma contínua troca de imagens. O significado do lugar concurso público, com uma escolha feita pelo Instituto
está determinado pelo sistema de relações estabelecidos de Arquitetos do Brasil, até a familiaridade explicitada
entre os objetos que pertencem a esse lugar e as pessoas com o sítio para os projetos dos edifícios monumentais,
que o habitam, pelo significado que constroem. Por ex- vemos que o que permanece não é fruto do azar. O locus
tensão, a reunião urbana pode ser entendida como uma 127
põe em relevo as qualidades, as condições que são neces-
interpretação do gênio local, de acordo com os valores e sárias para a compreensão de um fato urbano singular
necessidades da sociedade atual. e dão continuidade ao que a tradição de cada lugar tem
Os espaços urbanos que admiramos por sua bele- configurado como a sua essência.
za e harmonia estão em regiões com um alto grau de O que dá ao “homem de Brasília” a sensação de segu-
adaptabilidade. Assim, verificamos nos tecidos antigos, rança no lugar e no domínio visual sobre a paisagem (céu
facilmente reconhecidos a partir das praças e cidades, e terra) é a facilidade que a paisagem oferece de se fazer
em geral lugares com sentido estético e social, lugares compreender a partir de relações espaciais claras entre os
que, além da dimensão artística, tinham uma forma de seus elementos, ou seja, sua legibilidade. No vocabulário
circunscrever um espaço próprio à vida pública. de Norberg-Schulz, estas características situam Brasília,
enquanto lugar, entre os domínios do cósmico e do clássi-
5. A noção de permanência co, e são essenciais na definição do seu genius loci.
Em Brasília, a “muralha” das chapadas constitui ao
A noção de permanência é fundamental na valo- mesmo tempo um horizonte e um fechamento. Essa du-
ração da história na forma urbana. No que permanece pla função talvez constitua o mais importante elemen-
revela-se a presença do passado, entendendo-se aí a pre- to definidor da relação entre o céu e a terra no sítio de
sença real dos fatos urbanos, nos quais se cristalizam Brasília. O significado da sua estrutura espacial para o
as vivências. As permanências podem ser consideradas caráter do lugar diz que, no sítio que recebeu Brasília, o
mundo protege o homem, ao mesmo tempo em que lhe 6. Algumas implicações: uma acertada
revela sua ordem cósmica.
leitura do sítio e o protagonismo do
A construção do Lago Paranoá também contribuiu
para essa característica “cósmica-classica” atribuída à seu espaço
cidade, pois sintetiza dois dos três modos pelos quais os
lugares criados pelo homem se relacionam com a natu- Lucio Costa fez uma acertada leitura do sítio e aco-
reza, no pensamento de Norberg-Schulz: visualização modou seu projeto à forma do mesmo. Estabeleceu um
e complementaridade9. A configuração do relevo que vínculo com o espaço e escolheu para a localização o
define sua paisagem garante a Brasília a visão de um triângulo contido entre os braços do Lago. Na linha do
horizonte de 360o e da abóbada celeste como um semi- espigão, estabeleceu o eixo Monumental acompanhando
-hemisfério completo. A vista alcança grandes extensões as curvas de nível que descem até o Lago e acomodou o
e a paisagem espraia-se em cerrados distantes. Eixo Rodoviário. Nas próprias palavras do criador:
O Lago Paranoá estabelece uma fronteira para a área
urbana. Se, por um lado, sua superfície reflexiva tem Nasceu de um gesto primário de quem assinala um
lugar ou dele toma posse; dois eixos cruzando-se em an-
um efeito desmaterializador que se contrapõe à estável
gulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz. Procurou-se
estrutura topográfica, por outro, a perenidade de suas
depois a adaptação à topografia local, ao escoamento na-
águas e seu contorno imutável são signos de estabilidade
tural das águas, à melhor orientação, arqueando-se um
128 e permanência que se contrapõem, respectivamente, à
dos eixos a fim de contê-lo no triângulo que define a área
sazonalidade das chuvas e à constante transformação da urbanizada (COSTA, 1995, p.284).
paisagem em processo ininterrupto de urbanização.
Pode-se dizer, também, que as águas do Lago Para- No gesto primário de concepção da cidade, a sua es-
noá oferecem reflexos mágicos da aurora, do crepúsculo trutura fundamenta os dois grandes eixos que se cru-
e da lua cheia, multiplicando o impacto visual desses fe- zam. O primeiro deles atravessa o sítio de leste a oeste,
nômenos tão caros ao habitante de Brasília. Na cidade, repetindo no chão o trajeto do sol no dia mais longo do
existe a experiência diária, quase tangível, de testemu- ano. O segundo, que poderia ter se mantido perpendicu-
nhar pela manhã o nascer do sol atrás de um horizon- lar ao primeiro, prefere curvar-se a acompanhar o per-
te visível, acompanhar seu trajeto ao longo da abóbada fil do relevo. O traço fundador de Lucio Costa assenta
celeste e seu crepúsculo ao fim do dia. assim a cidade na estrutura da paisagem, conectando-a
tanto ao céu quanto à terra.
Ficam delineados os fundamentos para que Nie-
9 Por complementaridade, o autor entende as intervenções
meyer entre com a arquitetura e atenda ao significado
humanas que procuram completar o que está “faltando”.
No caso de Brasília, “faltava” na paisagem um corpo d’água de habitar no Planalto, quer dizer, estar em constante
de porte significativo. Por visualização, o autor entende a contato com o céu e em contemplação do horizonte e da
atitude de tornar visível uma estrutura natural através de paisagem. A leveza que Niemeyer outorga aos edifícios
um “objeto” artificial. que compõem o desenho da Praça dos Três Poderes per-
mite, por exemplo, que o céu continue tendo um papel possibilita o contraste entre o verde escuro das matas de
fundamental em concordância com os princípios biocli- galeria e as cores amareladas dos campos e cerrados res-
máticos e do lugar. Assim, a abóbada celeste é percebida sequidos, destacam-se as impressões que produzem as
quase como uma calota completa e, ao longo do dia, a obras do Niemeyer intimamente relacionadas com o ca-
variação da luz é absolutamente marcante durante o pôr ráter de dureza, maciez, densidade e leveza da superfície
e o nascer do sol, principalmente nas épocas de céu par- dos materiais por ele escolhidos. Somente assim, a partir
cialmente nublado, em que as nuvens tingem-se de tons dessa concepção, é possível incorporar os materiais do
absolutamente surpreendentes, que transformam não só espaço, os espaços do som, da luz e da cor e a resposta do
a região da abóbada celeste em torno do disco solar, mas espaço mostra-se mais adequada.
toda a paisagem. A forma de Niemeyer de “pousar” a ar- No Planalto de Lucio Costa e Niemeyer, as com-
quitetura destaca o céu no cenário de outros fenômenos binações que se escolhem, segundo um plano de cor,
importantes para o “habitar” no planalto central de alti- podem dar lugar a efeitos marcantes da estética da luz,
tude: o nascer da lua cheia, as nuvens de chuva e as tem- destacando ainda mais os atributos da cor, assim como
pestades vistas a grandes distâncias, o arco cintilante da o efeito defi nidor das veredas e campos de murundus,
Via Láctea nas noites sem nuvens. com caráter também muito marcante na paisagem, de-
A visão arquitetônica de Niemeyer, mesmo quando fi nido em grande parte pela presença do buriti, cujo
se trata de uma temática que tradicionalmente é conce- porte e silhueta são valorizados pela ausência de ou-
bida a partir de uma perspectiva urbanística, nas vas- tras espécies vegetais, além dos capins baixos e even-
tidões de “macro-lugares” dos domínios do cerrado, tuais arbustos. 129
destaca a divisão rítmica do tempo entre uma estação Isso nos leva a concluir que a paisagem e as formas
de seca e uma época de chuva. Na seca, o céu, absoluta- naturais do terreno constituem as bases de projeto: so-
mente livre de nuvens, torna-se cinzento e estagnado, na mente assim é possível que exista senso do lugar e sensi-
época das chuvas, o céu varia de azul brilhante a intei- bilidade para o contexto. Se juntarmos esses elementos
ramente coberto por nuvens baixas de chuva e a vegeta- ao fato de o espaço formar-se basicamente a partir do
ção recupera o viço e o verde. Corresponde à concepção conjunto de relações que vinculam um objeto com o ser
sensorial polivalente, onde a água, a luz, o som e a cor humano que o percebe, produz-se, então, a correspon-
entram a ordenar o espaço como estímulos dimensio- dência entre os sentidos e o espaço que define e confere
nais. Quando o cerrado torna-se uma paisagem árida e identidade ao lugar.

Referências

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Breve painel do art déco
no interior paulista o
caso de Bauru

Nilson Ghirardello
Fernanda Almendros

Resumo

O art déco é uma expressão francesa referente à arte decorativa e rapidamente


se tornou modismo internacional, sendo influência na arquitetura, urbanismo, 131
paisagismo, arquitetura de interiores, design, cenografia, publicidade, artes
gráficas, entre outras. Na arquitetura, com a grande variedade de influências,
o art déco foi abrangente à fisionomia das principais cidades brasileiras, princi-
palmente nos anos 1930 e 1940. Seu traçado retilíneo, suas formas geométricas
e o emprego do concreto armado vinham atender às novas preocupações em
tornar as construções mais econômicas e racionais, dialogando com os novos
padrões estéticos e técnicos. Mostrar as características da arquitetura art déco
no oeste paulista, bem como sua extensa produção, tomando como exemplo a
cidade de Bauru, é o objetivo desta pesquisa, na qual pretendemos, também,
entender a sensação de mudança de ares em que se desenvolveu a paisagem
urbana de uma nova época. A partir desse trabalho, que se encontra em an-
damento e de seus desdobramentos, buscaremos averiguar se processos seme-
lhantes também ocorreram em outras cidades do oeste paulista.
Palavras-chave: Art-déco. Arquitetura. História da arquitetura, Interior pau-
lista. Arquitetura Bauru
1. O art déco Tomando por base a análise lançada por Arana,
Mazzini, Ponte & Schelotto (1999), em seu livro Ar-
O déco foi importante expressão da modernidade, quitectura e Diseno Art Déco em el Uruguay, destaca-
oriundo de uma vontade de exteriorizar um espírito -se que o art déco foi uma das principais linguagens
inovador, demonstrando superação e interessado em re- utilizadas na verticalização de diversas cidades. Além
novação dos referenciais estéticos, tendo como base as disso, é inegável seu impacto na paisagem urbana e
noções de progresso e desenvolvimento tecnológico. seu papel nas construções de diversos arranha-céus.
Dessa forma, a “Exposição Internacional de Artes De- Nesse sentido, o movimento buscou uma riqueza es-
corativas e Industriais Modernas”, ocorrida em 1925 na ci- pacial e formal de seus edifícios, por meio de peculiar
dade de Paris, foi a principal e mais emblemática mostra do tratamento de fachadas e dos espaços internos, tradu-
pensamento déco. Autores diversos vinculam a realização zidos em recursos como terraços, marquises, volumes
dessa exposição a fatores distintos, como: reafirmação de ritmados, vão internos, entre outros, apresentado-se
uma identidade nacional francesa, expressão de uma vo- em formas geométricas, ângulos e linhas retas, além
cação internacional, o fim de um processo desde as experi- de imagens estilizadas, dialogando mais diretamente
ências do Art Nouveau; ou surgimento de um novo estilo. com novos padrões estéticos e técnicos da crescen-
Contemporâneo às vanguardas do início do século te produção industrial da época, juntamente com os
20 (Futurismo, Cubismo, Expressionismo...), o art déco movimentos artísticos de vanguarda.
dialogou não somente com uma nova produção tecno-
132 “Outro aspecto inovador desenvolvido por alguns ar-
lógica, incluindo-se a arquitetura racionalista dos anos
1920, mas também com as culturas periféricas redesco- quitetos art déco a partir da influência das vanguardas ar-
tísticas é que a noção de decoração extrapola as fachadas
bertas nos anos 1920 (egípcia, asiática, astecas, maias,
principais do edifício para estender-se à volumetria em
africana...) e com próprios estilos históricos que se de-
si, isto é, a própria volumetria passa a ser considerada um
gradavam. Foi essa integração sincronizada que facilitou
elemento decorativo.” (PINHEIRO, 1997, p.128).
a aceitação e difusão do art déco e acabou por defini-lo
numa linguagem de fácil identificação, caracterizada
O art déco evidenciou-se particularmente por um
pelo abandono do repertório historicista e por recorrer a
maior desprendimento ornamental, caracterizando
determinados temas e padrões formais.
questões como economia e funcionalidade.

“[...] um conceito sedutor perpassava o ambiente so-


“O que pode ser considerado inovador em relação ao
cial da época: modernização, entendida como vontade e
art déco é a diversificação e atualização de suas fontes de
desejo coletivos de recuperar o tempo perdido e escapar
influencia ornamental, e o tratamento homogeneizador a
do atraso, correndo contra o relógio. Metaforicamente,
que são submetidas, através da estilização de seus elemen-
isto significava encurtar caminhos, simplificar, retificar,
tos ornamentais”. (PINHEIRO, 1997, p.127).
racionalizar e geometrizar. Era o que muitos queriam e
que o art déco veio proporcionar.” (CONDE, 1997, p.69).
Dois grandes centros difusores do art déco foram: a
França, possuidora de uma forte tradição no artesanato
de luxo, sobretudo na Exposição Internacional de 1925, cidades. Diante desta nova realidade e a busca por inter-
e, num segundo momento, os Estados Unidos. venções modernizadoras em infraestrutura teve como
referência maior às metrópoles europeias.
“A França sublimou uma noção de moderno de di-
fícil caracterização [...] incapaz de fi xar uma escolha en- “O Brasil procurava ingresso entre as nações desen-
tre uma herança cultural do século XIX e as perspecti- volvidas buscando encontrar formas racionalizadas de
vas industrialistas da era da máquina. Essa ambigüidade uso e manipulação do espaço das cidades, segundo regras
também alimentou os sonhos de uma afluente sociedade de uma das disciplinas instauradoras da modernidade do
norte-americana, que tomou emprestado e multiplicou os século XX: o urbanismo.” (SEGAWA, 2002, p.27).
artifícios decorativos do lado próspero da cultura euro-
péia”. (SEGAWA, 1997, p.170). E foi, sobretudo, por meio das questões urbanas que
o Brasil iniciou uma relação mais próxima com o tema
No panorama americano, a expressão do art déco da modernidade.
deu enfoque especial às ideias de progresso e avanço tec- Apesar da importante vertente neocolonial predo-
nológico, fortemente marcado pelas dominantes linhas minante até então, da inexpressividade das propostas
horizontais e ao processo de verticalização das cidades, arquitetônicas da Semana de 1922, no ano de 1925, dois
com ênfase nos marcantes “arranha-céus”. artigos de influência moderna são escritos por arquitetos
Assim como o art-nouveau, o art déco não se limita e publicados na grande imprensa, iniciando uma tímida,
às chamadas artes nobres, indo além, como cultura de porém promissora, discussão por uma nova arquitetura 133
massas, atinge o mobiliário, as vestimentas, os objetos do no Brasil: A arquitetura e a Estética das cidades de Rino
cotidiano, os cartazes de propaganda, a tipografia, etc. Levi, e Acerca da Arquitetura Moderna, de Gregori War-
O déco teve grande repercussão e foi amplamente chavchik. Ambos defendiam o uso de novos materiais
aceito nos principais países latino-americanos, por abri- e questões como praticidade, economia e racionalidade,
rem espaço para a introdução de uma linguagem moder- ressaltando as vanguardas europeias.
na e por sua postura menos radical em relação às van- Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, fortale-
guardas europeias. Era essencialmente uma linguagem ceram-se os debates por uma identidade nacional, com a
acessivel ao homem médio, aceita por ele, e mais facil- intenção de extinguir os regionalismos, e dentre outras
mente palatável, se comparada à erudição e sofisticação formas artísticas, a arquitetura era também um impor-
do movimento racionalista, ou às ideias revolucionárias tante instrumento nesta discussão. Peralta (2005, p.03-
tanto em relação à abordagem das tecnologias, como aos
04) alerta que:
aspectos políticos contidos na arquitetura moderna.
“A modernização do país exigia uma arquitetura mo-
2. O Art Déco no Brasil derna, de sua época, mas a que assim se denominava era
abstrata demais para expressar uma identidade nacional. A
O Brasil adentrou o século 20 com um elevado cres- opção pelo art déco pode ser considerada como uma tentati-
cimento populacional, resultando em conflitos relacio- va de manifestar o Movimento Moderno entre nós, rescaldo
nados ao espaço urbano e na expansão desordenada das da onda modernizadora européia dos anos de 1910 a 1930”.
O déco então, atendeu a uma necessidade que surge jetando obras déco que hoje são consideradas de gran-
simultaneamente com o nacionalismo, uma vez que os de importância entre eles, o maior símbolo da cidade,
arquitetos encontraram no déco um impulso em direção o Monumento ao Cristo Redentor (1926-31), de Heitor
à modernidade. Era algo de cunho “futurista”, porém, Silva Costa & Paul Landowski.
palatável ao gosto geral. Cabe ressaltar o Plano de Remodelação, Extensão
Deve-se lembrar que é o momento de criação, por e Embelezamento para a cidade do Rio de Janeiro, foi
Getúlio Vargas, da indústria de base, que daria suporte criado o Plano Agache: a primeira proposta de uma in-
à nova linguagem. Trocavam-se os materiais importa- tervenção urbanística baseada em conceitos modernos,
dos utilizados até então, por ferro e cimento, produ- propondo um zoneamento de usos, abordando questões
zidos aqui, o que reforçava sobremaneira o tom na- da localização industrial, da favelização e da habitação
cionalista, não da linguagem em si, mas dos materiais operária, entre outras questões tipicamente modernas.
empregados nela. Apesar da grande maioria de seus ideais terem sido en-
Assim, o art déco foi comum à fisionomia das princi- gavetados pela Revolução de 1930, parte de seus concei-
pais cidades brasileiras, principalmente nos anos 1930 e tos foram mantidos sob o Decreto nº. 6000, que regu-
1940. Seu desenho reto, formas geométricas e o emprego lamentou as normas de construção e obras cariocas ao
do concreto armado vinham atender às novas preocupa- longo período de 1937-1967.
ções em tornar as construções mais econômicas e racio- Em São Paulo, a construção da casa da rua Santa
nais, dialogando os novos padrões estéticos e técnicos Cruz, em 1927, projetada por Gregori Warchavchik, teve
134 mais diretamente com a crescente produção industrial. grande impacto na opinião pública. Considerada a pri-
meira expressão da arquitetura moderna no Brasil,
“Certamente o aspecto que mais contribuiu para a
rápida popularização do Art Déco – principalmente na “por força das circunstancias, as inovações de Warcha-
construção de edifícios verticalizados, como se deu em vchik limitaram-se ao plano estético, entendidas por ele
São Paulo – foi o estabelecimento de uma relação direta como um primeiro passo [...] sua casa apresentava-se como
entre o despojamento de suas linhas e ornamentos e o ba- um manifesto, desta vez de ordem objetiva, a favor de um
rateamento da construção.” (PINHEIRO 1997,p.129) novo estilo” (BRUAND, 2005, P.67).

A estética déco foi suporte formal para inúmeras ti- Muito embora, devido à simetria forçada e à serra-
pologias efetivadas nesse período: cinemas, estações de lheria, poderia se enquadrar perfeitamente na lingua-
rádios, casas de espetáculos, pavilhões de exposições, gem déco, fato não encontrado na arquitetura posterior
clubes, entre outros, facilitado pelo desenvolvimento da produzida por Warchavchik.
técnica do concreto armado, pelo aperfeiçoamento do Dentre algumas obras paulistanas de influencia
elevador e pelo fato do art déco se render perfeitamente a déco, destacamos o Jockey Clube de São Paulo, de Hen-
uma arquitetura integrada à estrutura. ri Sajous e Elisiário da Cunha Bahiana, que projetou o
No Rio de Janeiro, capital federal, diversos profissio- pioneiro edifício-sede da Cia. Paulista de Estradas de
nais inscreveram seus nomes na história da cidade, pro- Ferro (1928), o edifício Saldanha Marinho, o magazine
Mappin e o Viaduto do Chá. Importantes ainda, o edifí- acaba sendo Bauru. No ano de 1906, são inaugurados
cio residencial Columbus (1932) de Rino Levi; a sede do os primeiros 100Km da Estrada de Ferro Noroeste do
Banco do Estado de São Paulo, inspirado no Empire Sta- Brasil (NOB). Em 1910, os trilhos chegam à divisa do
te Building; a Biblioteca Mario de Andrade (1925), pro- estado, junto ao Rio Paraná, e em 1914, a NOB fi naliza
jetada por Jacques Pilon entre outros, o que demonstra seu destino em Porto Esperança, no Mato Grosso (atu-
que a capital paulista começa a verticalizar-se de forma al Mato Grosso do Sul). Tanto a construção da ferrovia
rápida, tanto para uso comercial como residencial, e o como a formação das cidades ao longo da nova estra-
déco, assim como um certo protomodernismo serão as da de ferro dará à cidade de Bauru uma importância
linguagens correntes. especial se a compararmos a outras dentro do estado.
No ano de 1910 chega à cidade a Companhia Paulis-
ta, fazendo com que Bauru fosse um importante nó fer-
3. O déco no interior paulista: o caso
roviário, com três companhias, só comparada a algumas
de Bauru capitais brasileiras.
As terras agriculturáveis do outrora imenso municí-
Bauru é uma das cidades criadas no centro-oeste pio, que chegavam inicialmente até as barrancas do Rio
paulista a partir de um patrimônio religioso, assim Paraná, reduziam-se devido à fragmentação da área ter-
como dezenas de outras surgidas no rastro da expansão ritorial. Os solos nas cercanias da cidade mostravam-se
cafeeira em São Paulo. Tais cidades tiveram uma gran- de má qualidade, arenosos. A economia local, devido às
de influência dos migrantes mineiros, que abriram as ferrovias, e ao solo fraco, volta-se, portanto, para as ati- 135
primeiras fazendas e doaram o solo (patrimônio) para vidades urbanas, particularmente aquelas ligadas ao co-
sua formação urbana, a partir dos meados do século 19 mércio e serviços, facilmente acessíveis por uma grande
(MONBEIG, p.133, 1984). quantidade de pessoas advindas das novas cidades em
O crescimento de Bauru foi modesto no início da formação à oeste. A partir da primeira década, se torna
ocupação de sua área foreira, ocorrida na penúltima dé- um entreposto ligado ao comércio e serviços, com amplo
cada do século 19, e nem mesmo a emancipação política, foco na função ferroviária, aspectos que marcarão pro-
em 1896, alterou significativamente a situação. Tal qua- fundamente a tipologia construtiva local.
dro começa a se modificar apenas no início do século Muito embora três importantes ferrovias estivessem
20, em 1905, quando aporta em seu solo a Estrada de aportadas no solo local, nenhuma delas terá estação com
Ferro Sorocabana. No mesmo período discutia-se, pelo construção relevante. A Sorocabana, bem como a Pau-
governo federal, a construção de uma ferrovia de cunho lista, possuíam edificações, bastante modestas e em ca-
estratégico que partiria do interior paulista em direção ráter provisório. O mesmo se dava em relação à estação
ao Mato Grosso e daí ao Pacífico. central da NOB, em madeira. Essa precariedade geral
O Club de Engenharia do Rio de Janeiro, no ano de se explicava devido aos planos do governo em fazer um
1904, indica duas cidades que poderiam receber a fer- único prédio para abrigar as três companhias, processo
rovia por serem situadas mais a oeste do estado: Bau- lento que só chegou ao fim em 1939, com a inauguração
ru ou Agudos (AZEVEDO, p.108, 1950). A escolhida da grande estação da NOB.
O destaque na cidade, em termos de porte de edifi- RU JORNAL, 26/02/1921), especialmente “caixeiros
cações, ficava por conta das oficinas centrais da NOB, viajantes”, que circulavam pelo interior do estado. No
inauguradas em 1921, imenso complexo formado por momento em que a NOB passa para a União e transfere
galpões cuja atividade principal era a de montagem sua sede administrativa do Rio de Janeiro para Bauru,
de vagões. Os trabalhos se davam de forma setoriza- a cidade recebe uma quantidade enorme de trabalha-
da cada atividade em dos diversos galpões: marcena- dores qualificados que viviam na capital federal, o que
ria, carpintaria, fundição, etc., além de rotunda para transforma a vida cultural e social de Bauru dos anos
manutenção de locomotivas. O complexo, pelo porte e 1920 em diante. O jornalista Brenno Ferraz, em sua
estrutura, possuía uma dimensão significativa na pai- obra Cidades Vivas, de 1924, que se contrapõe Cidades
sagem urbana, ainda acanhada, e dava a ela aspecto ni- Mortas de Monteiro Lobato, reflete claramente esse as-
tidamente industrial. pecto industrial, vivo, de “terra de passagem” de Bauru:
Sob certo aspecto, essa paisagem tinha relaciona-
mento com as características da cidade, que a diferen- “É domingo e mal se póde andar: gente de todos os
ciava daquelas situadas nas regiões mais velhas do esta- feitios trança a rua principal em vae-vens confusos, sobre
do. Nas novas zonas, ocupadas a partir do fim do século o areal fundo de palmo e os maus passeios em ala.
19 e durante o século 20, não reinava a velha aristocra- Desnorteia. As três estações, que são três grandes
cia cafeeira, com origem no império. Mesmo que mui- acampamentos, impressionam como uma só officina.
tos desses antigos fazendeiros aristocratas tenham to- Trabalha-se como trabalham mineiros em sua mina: ma-
136 chinistas, foguistas e mecânicos, carregadores, carrocei-
mado inicialmente as terras, e muitos deles saíram das
regiões mais antigas para formarem novas fazendas ros e operários diversos não descansam. Deve ser assim
junto às regiões mais novas, o certo é que nessas áreas uma das clássicas cidades industriais.” (FERRAZ, 1924)
contava muito pouco o “peso da tradição”, o “nome”,
ou mesmo um passado nobiliárquico. As novas regiões Outro aspecto interessante é que, após a Revolução de
se caracterizaram como “terra de passagem”, em que 1930, mesmo nas zonas velhas e muito mais nas novas, as-
o forasteiro, dependendo de sua habilidade e compe- cende socialmente uma nova classe dirigente, aquela vol-
tência, poderia chegar a ser o coronel local. Portanto, tada exclusivamente às atividades urbanas: comerciantes,
não foram raros os “coronéis” sem tradição, de origem advogados, médicos, engenheiros, muitos deles filhos de
mais modesta, ou mesmo fi lhos de imigrantes. Nesses imigrantes que, acertadamente, viam na educação uma
casos, o poder político estaria muito mais relacionado forma de ascensão social para seus descendentes. Esse
à capacidade de articulação política, e muito menos ao novo grupo social, no poder a partir de então, valorizará
nome de família. o espaço da cidade como o foco das funções cotidianas,
A paisagem urbana da cidade deixava bastante clara fazendo dela o centro das atividades culturais, políticas
essa característica de rotatividade, expressa na quanti- e sociais. Isso fica demonstrado claramente a partir da
dade de hotéis, estimados pela imprensa local entre 40 formação, nesse momento, de boa parte dos clubes espor-
e 50, destinados aos mais de 40 mil viajantes que ha- tivos e sociais, sociedades de auxílio mútuo, sociedades
viam passado por Bauru, apenas no ano de 1920 (BAU- beneficentes, clubes de serviços, associações comerciais,
etc. A cidade passa a ser o grande cenário para as demons-
trações de riqueza, cultura e influência. “Por tras do requinte exhibicionista de um luxo pre-
As novas elites já se fazem sentir nas eleições de 1934. tenso e impróprio, depara-se com a nudez desoladora de
Para as Assembleias Federais e Estaduais, a Coligação umas pareces caiadas, com soalho em que se enfileram
Proletária e Integralismo, representantesdas elites urba- lastimavelmente cabeças de pregos apparentes e interstí-
cios sensíveis entre as táboas emendadas de topo...” (Diá-
nas, conseguem significativa votação, ficando respecti-
rio da Noroeste, 09/071926).
vamente em 3ª e 4ª lugares, logo atrás do Partido Cons-
titucionalista e do P.R.P., partidos das antigas elites.
Pelas imagens que restaram em fotografias, e de
Mesmo que o ecletismo tenha deixado exemplares
acordo com aqueles exemplares sobreviventes, percebe-
significativos em Bauru, o fato é que nunca conseguiu
-se o quanto é correta a observação de Andrada Cam-
um nível assemelhado ao das velhas regiões, e claro, ao
pos. Havia preocupação com o fachadismo devido a
da capital. O dinheiro farto do café, nas zonas mais anti-
uma questão de status, com consequências por vezes de
gas, propiciou a vinda de engenheiros, arquitetos e mes-
gosto bastante duvidoso, porém, as obras eram preca-
tres de obras de prestígio, que colocaram cidades como
riamente executadas e possuíam interiores bastante sim-
Jaú, Mococa, São Carlos, Campinas, Ribeirão Preto em
plórios (GHIRARDELLO, p.149, 1992).
patamar assemelhado ao nível das construções das gran-
Outra matéria do Diário da Noroeste, citando a
des cidades brasileiras. Foram poucas as obras ecléticas
Inspetoria Sanitária local, enfatiza a necessidade de
de expressividade na cidade e quando existiram, como o
melhoria das construções locais, descreve a falta de 137
Grupo Escolar Rodrigues de Abreu, de 1913, e a Sede do
qualidade das obras e indica o passado recente da “ci-
Banco do Brasil, ou do Banco do Comércio e Industria
dade de passagem”:
de São Paulo, ambas dos anos 1920, foram feitas pelo es-
tado ou por empresas de fora.
(...) já longe, vae o tempo em que se poderíamos fazer,
Nas zonas novas, e em Bauru em particular, essa sem prejuízo algum, as construcções mais disparatadas,
mão de obra sofisticada era mais escassa, trazida para pois urgia erguer pardieiros e telheiros para dar rápida
uma ou outra construção especial, ou mesmo obras per- acomodação as levas de trabalhadores e de advenas de
tencentes ao Estado como as citadas acima. Esses não todas as categorias(...) (Diário da Noroeste, 19/08/1925).
chegavam a formar uma paisagem urbana constituída
por edificações ecléticas de excelência e boa parte das A linguagem art déco foi aceita, de forma geral, devido
construções dentro dessa linguagem eram relativamente à possibilidade de ser edificada com materiais mais simples,
modestas e sofrivelmente construídas. pois sua tipologia pedia, essencialmente, jogos de volumes
O engenheiro Heitor de Andrada Campos escreve no e planos, uma ou outra caixilharia geometrizada, facilmen-
Diário da Noroeste, no ano 1926, uma série de cinco ar- te executada por qualquer profissional da área, e alguma
tigos intitulados Melhoramentos Urbanos – Como vamos habilidade nas argamassas de revestimento das superfícies.
em Architectura. Depois de enfatizar em um deles a má Ou seja, o déco era mais simples de ser executado se o com-
qualidade das construções locais, dá exemplos simples paramos à arquitetura eclética, que requeria uma série de
da pouca qualificação da mão de obra: detalhes decorativos que demandavam mão de obra mais
sofisticada e preparada de mestres fachadistas. Mesmo os Nesse momento, ainda, cresce sobremaneira a influ-
elementos agregados à alvenaria, típicos dessa arquitetura, ência da América do Norte em nossa cultura, fato enor-
como capitéis, mascarões, guirlandas, cartelas, volutas, etc., memente acelerado durante e após a Segunda Guerra
poderiam ser substituídos por composições geométricas Mundial. Os jornais, rádio, revistas e particularmente, o
simplificadas executadas na própria obra. cinema, são os meios de difusão mais importantes, com
As considerações anteriores reforçam o fato do custo destaque aos filmes que trazem toda uma nova linguagem
total da obra também ser menor, pois demandaria me- aerodinâmica, rapidamente incorporada à linguagem déco.
nos detalhes e peças agregadas à construção, além da O fim da década de trinta foi pródigo em filmes de ficção
mão de obra mais barata, o que diminuiria o custo do científica, feitos por Hollywood, com destaque para os se-
acabamento. Portanto, o art déco tinha como aspecto riados de Flash Gordon e suas cidades futuristas. A própria
relevante o uma despesa menor para execução. O valor visão das cidades americanas, particularmente Nova York,
da obra representava bastante em uma região carente com seus edifícios culminando em pirâmides escalonadas
de moradias e prédios de serviços, e onde tudo estava devido, principalmente, à “zoning resolution”, e cujos exem-
por ser feito. Nessa década muito se construirá, para uso plares mais famosos são o Empire State, Chrysler e General
próprio e para renda, sendo um dos modos mais popula- Electric Building, entre tantos, fascinavam as plateias e as
res de aplicação financeira para os investidores do perío- “fitas” serão vistas como demonstração de futuro e reforço
do, portanto, o custo final necessitava ser razoável. da cultura e tecnologias americanas.
O déco, ainda, trazia uma imagem mais conectada Entre a década de 1930 e 40, por conta do predomí-
138 ao momento contemporâneo do que o tradicional ecle- nio americano, mas eruditamente amparado em expe-
tismo. Para as novas elites ascendentes, voltadas para riências européias como as do arquiteto austríaco Josef
os negócios urbanos, a imagem “futurista” passada por Hoffmann e, principalmente, as do alemão Erich Men-
essa arquitetura, mesmo que o fosse apenas em sua su- delsohn, incorpora-se ao déco o Strean Line Moderne em
perfície, era fundamental, representava e agregava mo- que a decoração aplicada, como as pilastras e volumes
dernidade aos negócios. Por outro lado, o déco cuidaria escalonados, é menos valorizada em favor de volumes
por distinguir a nova geração no poder da “velha”, que aerodinâmicos, ou jogos de volumes aerodinâmicos,
representava o passado e o crack econômico. que passam a contar por si só como meio decorativo,
Interessante observar que aquela considerada pela transformando-se em “sinônimo norte-americano de
imprensa local como A primeira construcção de cimen- progresso” (MAENZ, p.39, 1974).
to armado de Baurú, conforme manchete do Diário da Mesmo que a nova linguagem fosse apenas reno-
Noroeste de 07/09/1929, data de sua inauguração, tinha vadora, pouco profunda em suas intenções e ainda
características déco. A matéria, inclusive, contava com conservadora, pois não tocava em questões de fundo
fotografia da fachada do prédio, situado na principal da arquitetura, para o “cidadão mediano”, ainda mais
rua de comércio, sede da Companhia Paulista de For- aquele do interior paulista nos anos 1930, tais discus-
ça e Luz, que, pelo tipo de serviço prestado, precisava sões eruditas pouco importavam e não estavam presen-
demonstrar modernidade e tecnologia de ponta e para tes em seu dia a dia. Prevalecia a imagem superficial de
tanto a linguagem déco era bastante apropriada. modernidade e futurismo.
Interessante observar que nas novas cidades, e em obras “modernizantes”, cujo objetivo básico era esconder
Bauru em particular, parecia haver uma divisão clara entre o telhado atrás de altas platibandas, além de receberem
as tipologias de edificação, o velho gosto eclético deixado o conhecido arsenal tipológico da linguagem. Aliás, sig-
para os mais conservadores, somando-se a esses a colônia nificativa parte dos exemplares déco são constituídos de
portuguesa, que devido a motivos óbvios, preferia a lin- reformas, executadas por mestres de obras que utiliza-
guagem neocolonial para suas construções. Um exemplo vam elementos simples da linguagem, como a platiban-
desse “conservadoreiro” é o Hospital da Beneficência Por- da e pilastras escalonadas, o que reforça a noção geral de
tuguesa, projetado por Ricardo Severo em 1928. Ascendia que essa tipologia era econômica para ser construída ou
também, a vasta produção déco utilizada para os novos para ser utilizada em reformas, pois ao mesmo tempo
negócios e conjuntos de edificações para aluguel, tan- que renovava o imóvel, passava a impressão, mesmo que
to para fins comerciais como residenciais. Porém, não se vaga, de “futurismo”. Acreditamos que grande parte de
deve desprezar as muitas vezes em que se construiu, pelo sua popularidade, pois se tornou uma linguagem muito
mesmo proprietário, em linguagem déco para os negócios comum à cidade, se devia a essa característica.
e dentro dos estilos tradicionais para a moradia, como a se Nos anos vinte conectando a cultura e a economia
separar esses dois mundos: o do trabalho e o da família. O dentro do território paulista, reforça-se a interioriza-
exemplo mais claro em Bauru é o da Casa Luzitana, maga- ção do sistema geral de comunicação no estado de São
zine importante que servia uma clientela de elite da região Paulo que cresce surpreendentemente nessa década,
noroeste e a casa de seu proprietário, um imigrante por- particularmente entre 1920 e 24, no governo estadual
tuguês, localizada ao lado, em contrastante tipologia neo- de Washington Luiz e também em seu período como 139
colonial, ambos de autoria do engenheiro Alfredo Fígaro. presidente da república (1926/30). A ferrovia ainda é o
Alguns profissionais não se importavam em fazer ora principal meio de transporte, mas o uso mais frequente
arquitetura com influência eclética, ora exemplares mais de veículos automotores acelera a abertura de rodovias.
ligados à linguagem déco. É o caso daquele considerado Paulatinamente, as cidades mais importantes do estado
o primeiro arquiteto com atividade regular em Bauru, são ligadas à capital por estradas, ainda sem pavimen-
João Cacciola, formado pela Escola de Belas Artes de São tação, numa tentativa de criar outro meio de transporte
Paulo, no ano de 1933. Cacciola é autor de algumas obras geral e também de expandir a ocupação do território
mais acadêmicas como o Automóvel Club, inaugurado paulista, ainda não totalmente povoado. O surto rodo-
em 1939, de estilo neoclássico, além de diversas edifica- viário, capitaneado por Washington Luiz, que possuía
ções art déco de uso comercial e residencial (FERRAZ, como lema: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem
2003). Ressalte-se que o arquiteto deveria ter preferência se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar, é pois,
pela linguagem déco, visto a grande quantidade de obras fazer estradas!”, incentiva a criação de estações rodoviá-
aprovadas na prefeitura dentro dessa linguagem, bem rias, próximas às estações ferroviárias. Isso se dava por-
como de alguns trabalhos posteriores de cunho moder- que, nas novas zonas, quem fazia o papel de ligação entre
no de sua autoria (IDEM, 2003). as cidades dotadas de estradas de ferro com as demais,
Não foram poucas, ainda, as construções ecléticas menores, que não as dispunham, eram as “jardineiras”.
existentes que receberam nova roupagem a partir de Surgem, portanto, edifícios para abrigar a parada desses
veículos coletivos, exemplos interessantes da aplicação novidades a época, assim como os postos de gasolina, pe-
da linguagem art déco destinada aos “novos usos”, as- dirão uma nova tipologia adequada às suas funções.
sim como a tipologia que empregava o ferro e o vidro João Cacciola projeta ao menos um posto de gasoli-
já havia sido para as estações ferroviárias do século 19. na em Bauru, no ano de 1937, com cobertura em telhas
Esses conjuntos, devido à novidade da função, não ti- de barro, inevitáveis platibandas e ornamentação déco
nham ainda forma definida, assemelhando-se a gran- (FERRAZ, p.33, 2003). Os edifícios ligados ao lazer tam-
des pontos de parada que dispunham de um ou outro bém trarão o déco como linguagem de maneira muito
equipamento coletivo, como: marquises de cobertura, frequente. É o caso dos cinemas, nos quais muitos dos
sanitários, guichês de passagens e bares, além do sempre arquitetos optarão por volumes aerodinâmicos devido
presente relógio em torre a pontuar o lugar. às características de isolamento em relação ao exterior,
Em 1934, e após ao menos dois outros estudos eclé- ou ornamentação em planos interseccionados, como no
ticos elaborados e não executados, é aprovado o projeto caso do Cine Bauru, também de autoria de Cacciola.
da nova e imensa estação sede da NOB, em Bauru, com Sobre a importância da linguagem que significava mo-
mais de sete mil metros quadrados de área, inaugurada dernidade e futuro, principalmente para edifícios que
em 1939. É certamente outro conceito, muito mais ba- requeriam esse atributo, houve o caso de outro cinema
seado naquele da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, importante da cidade, o Cine São Paulo, cujos proprietá-
que teve lançamento de sua pedra fundamental no ano rios reformaram sua fachada antiga e eclética, no ano de
de 1936, do que naquele da Estação da Luz, por exemplo. 1937, dotando-o de características déco (FERRAZ, p.51,
140 É abandonado por completo o emprego das tipologias 2003). Mesmo o estado constrói, em 1934, aquele que
historicistas e das estruturas metálicas ornamentadas seria o principal ginásio local, localizado em área de ex-
importadas, em favor do concreto armado, indicando pansão junto a um bairro nobre, o Ernesto Monte, den-
uma nova lógica econômica que remeteria à criação da tro da linguagem. Não podemos deixar de citar as cons-
indústria de base brasileira. E, claro, a linguagem será truções dos correios como divulgadoras da tipologia e as
também, assim como a estação carioca,inaugurada em lojas de venda de veículos, como a agência Ford, da fa-
1943, o art déco. mília Salmen, localizada na principal avenida da cidade,
No mesmo período, são criados aeroportos em várias na época. Esse exemplar, por possuir mais de um andar,
cidades do interior que iniciam intercâmbio por ar, des- sobressaía no conjunto de edificações déco, a implanta-
tinado aos correios e às elites. O “Aeródromo” de Bauru, ção em cruzamento de vias favorecia a composição das
é aberto na década de 30 e inaugurado oficialmente com duas fachadas, bem como no uso dos artifícios estilís-
a vinda de Getulio Vargas, em 1938, também guardando ticos aerodinâmicos para a esquina em curva, como o
traços do déco (GHIRARDELLO, p.158, 1992), coerente, volume cilíndrico do edifício, a marquise pronunciada
portanto, com a modernidade e a novidade dos aviões. e jogos de linhas horizontais, tanto na composição das
As novas funções pediam outra linguagem arquitetô- aberturas como dos frisos.
nica, que deveria corresponder à imagem de futurismo e Outra característica interessante na linguagem decó
modernidade desejada e será o déco a responder de forma será o uso de luminárias geométricas como parte in-
plena à demanda. As estações rodoviárias e aeroportos, tegrante das fachadas, especialmente no arremate das
platibandas, junto às pilastras escalonadas, dando à luz linguagem no contexto urbano tem uma forte relação
uma nova contextualização, não aquela de aplicação à com o momento político e social, assim como com as
fachada, mas sim a de incorporação à arquitetura. Essa bases históricas da cidade. O próximo passo será averi-
característica se observa em um dos primeiros prédios guar em outras regiões, à oeste do estado, se processo
de mais de dois andares de Bauru, o Edifício Abelha, semelhante ocorreu. Acreditamos que sim, devido à
em que as luminárias compõem e complementam a expressiva produção déco ainda visível em cidades “no-
ornamentação escalonada vertical central, junto à pla- vas” como São José do Rio Preto, Marília, Assis, Araça-
tibanda. O mesmo se dá em relação ao relógio, como tuba e Presidente Prudente, para ficarmos em algumas
parte integrante das fachadas das estações ferroviárias poucas delas.
e rodoviárias. O relógio se incorpora, ainda, a algumas Embora possamos citar bons exemplares da arqui-
construções comerciais privadas, indicando que a con- tetura déco em Bauru, e mesmo em outras cidades do
tagem do tempo, e com ele as relações capitalistas no interior paulista, que se igualariam em qualidade às
trabalho, permeariam a vida de todos, como na já cita- das capitais, acreditamos que o destaque maior dessa
da Casa Luzitana. Ressaltamos a caixilharia geometri- arquitetura deve ser creditado ao agrupamento delas.
zada de excelente qualidade em boa parte das portadas Muito embora hoje não tenhamos mais ideia da mag-
de entrada, assim como as janelas-persianas de enrolar, nitude e coerência formal desse conjunto, apenas salvo
bastante populares, bem como as aberturas em formato em velhas imagens fotográficas ou por uma ou outra
circular. Destaque ainda para inventivos jogos de volu- construção ainda existente, é certo que a dimensão e
mes definidos por sacadas arredondadas, sem as antigas a qualidade média era bastante expressiva. Grupos in- 141
mãos-francesas, assim como pequenas lajes de cobertu- teiros, situados nas velhas áreas centrais, junto às ave-
ra ou para composição, em balanço, detalhes utilizados nidas e ruas comerciais, guardavam a tipologia déco,
tanto no interior paulista como nos primeiros arranha devido aos motivos mostrados no decorrer deste texto.
céus da capital. Outro elemento novo dessa arquitetu- Nos parece que a linguagem era extremamente popular
ra será a marquise em concreto junto ao andar inferior e bem aceita nessas cidades.
dos pequenos e grandes prédios, que vem substituir com Longe de uma ideia de “planejamento” prévio, como
grande vantagem para proteção do sol e chuvas os toldos no caso das construções de Goiânia, nova capital de
de lona utilizados até então. Goiás, nessas cidades as edificações foram erguidas es-
pontaneamente pelos inúmeros proprietários, seus ar-
quitetos, engenheiros e mestres de obras que, tomando
4. Considerações finais
referências em São Paulo, Rio de Janeiro, ou por meio
dos filmes americanos forjaram a paisagem urbana de
Esse trabalho, em processo de pesquisa, tenta bus-
uma nova época.
car a importância do déco no interior paulista, toman-
do por base, inicialmente, a cidade de Bauru. Consi-
deramos que os dados indicam que, mesmo sem uma
característica formal especial, a apropriação dessa
Figura 1: Estação da NOB, nos anos 1940. Notar a linguagem art déco, bem como as iniciais de cada uma das três compa-
nhias ocupantes do prédio.
Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.

142

Figura 2: Casa Luzitana, projetada em 1933. Notar outras edificações mais modestas, mas com a mesma linguagem, na
mesma quadra.
Fonte: IHAET.
Figura 3: Edifício Orsolini, localizado na Rua Batista de Carvalho, nos anos 1940. Exemplo da linguagem art déco em um dos
143
primeiros prédios da cidade. Observam-se ainda, duas outras construções, ao lado, dentro da mesma linguagem.
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região da Universidade do Sagrado Coração de Jesus
(NUPHIS – USC).

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Sertão verde, luz dourada:
Voturuna e Santo Antonio

Luiz Cláudio Bittencourt

Resumo

Entre os retábulos de Voturuna, em Santana do Parnaíba, e do Sítio Santo


Antonio, em São Roque, obras únicas que restaram da arquitetura sertanis-
145
ta em São Paulo, Voturuna aparece como objeto enigmático, e talvez, o que
possui melhores atributos de leituras para ajudar na compreensão do período
histórico de poucos testemunhos sobre a arte e os significados do espaço cons-
truído no sertão paulista. Neste estudo preliminar, exploramos possibilidades
de leituras comparadas, tomando como referências levantamento fotográfico
in loco e historiografia da arquitetura e da arte no Brasil.
Palavras-chave: Arquitetura. História. Patrimônio Histórico. Restauro.
Ilustração 1: Capela do Voturuna, Santana do Parnaíba. Ilustração 2: Capela do Sítio Santo Antonio, São Roque.

1. Introdução As duas peças remetem o observador para um período


controverso da história dos sertões paulistas, com limites
A pequena capela de Voturuna (Ibyturuna), em San- imprecisos e modo de vida em que espanhóis, paulistas e
tana do Parnaíba, guarda no seu interior, em descanso jesuítas mesclavam suas culturas e visões sobre a coloniza-
solitário, portentoso, enigmático e raro, um retábulo de ção com as tradições dos tupis e guaranis. Esse território
talha dourada do fim do século 171. Podemos encontrar, de dimensões continentais possibilita o encontro singular
146
no ambiente da história da arte e da arquitetura no Bra- entre a visão colonizadora hispânica e lusitana, tenciona-
sil, algumas formulações sobre as características; origens das pela presença da Cia. de Jesus e seu projeto peculiar de
e morfologia desta peça, ao lado do seu contemporâneo domesticação teológica da natureza e do gentio4.
semelhante, o altar do Sítio Santo Antonio na vizinha Observados em perspectiva tipológica, a morfolo-
São Roque2, sempre em contexto mais amplo sobre estu- gia das peças apontam para talha interrompida 5. Pa-
dos dos retábulos e suas tipologias no Brasil 3.
histórico e morfológico. Rio de Janeiro: Record, 1983. ZANI-
1 HOLANDA, S. B. Capelas antigas de São Paulo. In: Revista NI, W., História geral da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Institu-
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio to Walter Moreira Salles/Fundação Djalma Guimarães, 1983.
de Janeiro, nº 5, 1941. COSTA, L. Arquitetura dos Jesuítas no Brasil. In: Revista do
2 COSTA, L. Arquitetura dos Jesuítas No Brasil. In: Revista Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Ja-
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio neiro, nº 5, 1941. ALVIM, S. Arquitetura religiosa colonial no
de Janeiro, nº 5, 1941. AMARAL, A. A. Hispanidade em São Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1996, 2v. SAN-
Paulo. São Paulo: Nobel, 1977. BAZIN, G. A arquitetura re- TOS, P. F. O barroco e o jesuítico na arquitetura do Brasil. Rio
ligiosa barroca no Brasil – estudo histórico e morfológico. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951.
de Janeiro: Record, 1983. ZANINI, W. História geral da arte 4 CALDEIRA, J. O banqueiro do sertão. São Paulo: Mamelu-
no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Walter Moreira Salles/ co, 2006.
Fundação Djalma Guimarães, 1983. 5 Na composição do de Voturuna, foi simplesmente aprovei-
3 BAZIN, G. A arquitetura religiosa barroca no Brasil – estudo tado o desenho dos frontões de coroamento dos retábulos
rece haver concordância na bibliografia especializada talhadas em sentido contrário, uma voltada para dentro
de que as peças possuem característica de obra ina- e outra para fora, com os arremates das pontas e raios
cabada ou pedaços retirados de conjuntos completos. das curvas diferentes, seguindo a composição geral de
São frontões ou coroamento de estruturas conhecidas cada peça. A voluta da capela de Santo Antonio é mais
aos tipos, correspondentes do período atribuído, so- esguia, apontando para predomínio vertical do espaço, e
bretudo ao maneirismo. Apesar dos nichos colocados a de Voturuna com conjunto horizontal e bojudo.
entre as mísulas, lugar reservado ao painel pictórico, e Os nichos ocupam o espaço reservado ao painel pictó-
do alongado macrocefálico nicho superior, onde des- rico, com arco pleno coroado em concha de nove raios em
cansa o cruzeiro na capela de Santo Antonio, as duas Santo Antonio e treze em Voturuna. Possuem seu contorno
soluções são atípicas ao repertório formal hispânico em frisos que simulam duas pilastras nas laterais, simplifi-
e lusitano. cadas e simétricas, sendo que em Santo Antonio há uma es-
pécie de colar (hipotraquélio) entre a pseudobase e capitel, e
2. Estudo comparativo algumas hipoteses o que podemos denominar com tolerância de uma espécie
de fuste de pilastra em forma de friso, com ornamentação e
È no mínimo intrigante como as peças possuem se- técnica de vazamento das talhas muito semelhantes (baixo
melhanças e discrepâncias na sua forma e no espaço em relevo). Não encontramos o motivo da ornamentação deste
que estão inseridas. friso, mas sua simplicidade geométrica nos remete ao re-
Em sua parte inferior, isto é, no corpo principal, as pertório da arquitetura românica6. Finalmente, há fecha-
mento de cartela em motivo floral no enquadramento dos 147
peças possuem semelhanças morfológicas e de feituras
na disposição dos nichos, mísulas e volutas laterais. As dois nichos, sendo em Santo Antonio toda dourada e em
volutas apresentam formas muito parecidas, apesar de Voturuna dourado e vermelho, em contraste.
As mísulas são mais próximas na ornamentação e
originais, transferindo-se engenhosamente o nicho, do cor- na técnica. As quatro apresentam escamas na volta su-
po inferior do retábulo, corpo este no caso inexistente, para a perior e apenas uma grande folha (acanto modificado
parte central no frontão. COSTA, L. Op. cit., pag. 61. Porém, com pontas arredondadas) na volta inferior, maior que
estou convencido de que esse retábulo não é do altar original a superior (reversa ou invertida). A “contravolta” de
da fazenda. É tão somente um fragmento que representa o transição entre a parte inferior e a superior é bem rude,
arremate de um altar maior. Talvez possamos ver aí um ele- com textura de motivo geométrico em Santo Antonio
mento extraído de um altar abandonado, quando da reedifi- e pequena pintura também geométrica em Voturuna.
cação do colégio jesuíta de São Paulo, no fim do século XVII, Apresentam descanso de transição entre a volta inferior
transferindo para esse fragmento a hipótese formulada por e o friso de fechamento da base do conjunto, apoiado na
Luís Saia a propósito dos altares de Embu. Ele não deixa de rústica mesa de sustentação das peças. No caso de Santo
ter alguma afinidade com o curioso altar-mor de Santo An-
Antonio, podemos observar este descanso também em
tonio de São Roque, o que nos permite captar em parte o que
relação ao friso superior.
foi a talha em São Paulo antes da fundação, por volta de 1700,
das oficinas que iriam executar os altares do novo colégio de
São Paulo. (BAZIN, G. Op. cit. pag. 291) 6 KOCH, W. Estilos de Arquitetura. Lisboa: Presença, 1982, 2v.
Para finalizar, o corpo principal dessa “pseudobase”
de retábulo, verificamos que o fundo é bem diferente,
enquanto em Santo Antonio é carregado de rendilhado
dourado, que se remete ao plateresco junto com duas al-
mofadas simétricas. Em Voturuna prevalece a delicada
pintura de cinza, vermelho, preto e dourados com moti-
vos florais finos e tecidos sobreposta por dois altos-rele-
vos simétricos em “guirnalda” de penca de frutas presas
a um pano.
Deste ponto em diante, as diferenças se acentuam. O
coroamento de Voturuna procura diálogo com o modelo
português, apesar de substituir as mísulas por frisos orna-
dos de guilloché e colocar os pináculos excêntricos à linha
Figura 3: Capela do Sítio Voturuna, Nossa Senhora da Con-
de força das mísulas da base, ainda mantém o coroamento,
ceição.
medalhão, painel pictórico achatado com pintura floral e
friso em talha dourada floral grafada “Maria”, nas laterais
volutas semelhantes à primeira tipologia encontrada no
Rio de Janeiro. Já em Santo Antonio há o enorme nicho
148 com cruzeiro, volutas laterais, friso de contorno pináculos
piramidais também excêntricos à linha de marcação das
mísulas, além dos pináculos superiores “em compoteira”
curiosidade já anotados Aracy Amaral (1981).
As bases destas peças estão suportadas por frisos
clássicos, sem entablamento, talhados em motivo flo-
ral amparados nos extremos superiores e inferiores em
acabamentos de “cima recta”, em Voturuna, e “cima
reversa”7, em Santo Antonio, ambas de talhas ornamen-
tadas, sendo que a primeira utiliza o vermelho em con-
traste com o dourado e a segunda é toda dourada.
Apesar das diferenças morfológicas dos detalhes
de cada peça, prevalece a hipótese de que foram exe-

Figura 4: Capela Sítio Santo Antonio, Santo Antonio. 7 Utilizamos neste caso o termo original do espanhol já que
não encontramos equivalente para o português. PEVSNER,
Nnikolaus. FLEMING, J.; HONOUR, H. Diccionario de Ar-
quitectura. Madrid: Alianza, 1996.
cutadas sob mesma direção, pelos mesmos artesãos e Em Santo Antonio, este efeito não parece tão gra-
mesmo período quando se olha para o conjunto e para ve, com a ajuda do enquadramento do arco-cruzeiro e
o contexto histórico8. teto pintados do altar mor. Mesmo assim, a estreiteza e
Do ponto de vista da arquitetura e dos espaços gera- a verticalidade propostas juntas com enorme nicho su-
dos por cada peça evidencia-se o contraste entre a capela perior arremessam a peça para o alto, não dialogam com
de Santo Antonio e a de Voturuna. Apesar das duas ca- o entorno e com as sobras de paredes desnudas. Em Vo-
pelas saírem do corpo da casa sertanista, gerando espaço turuna, o fechamento da parede de fundo é mais ajusta-
próprio, as diferenças de escala, proporção e programa do, sobrando poucos espaços que acabam realçando em
funcional são grandes. branco o contorno de dourado e vermelho. Contudo, a
Voturuna possui um único corpo com pequeno al- peça é imensa e incrivelmente sofisticada para a pequena
pendre frontal ladeado por duas pilastras colaterais no ali- capelinha de espaço único, lançando-se de forma brusca
nhamento das paredes e mais dois apoios de madeira com sobre o limitado espaço que a envolve.
cachorros muito simples ao centro, delimitando o guarda- As linhas horizontais dos frisos, a projeção das volutas
-corpo, também de madeira, e enquadrando o portal de laterais, a espessura das mísulas, a largura do nicho cen-
entrada. A nave reduzida a um cômodo, a rigor quase tral, o achatamento do coroamento e painel pictórico e a
não existe no sentido basilical tradicional, há apenas duas relação entre a largura e altura denotam evidente horizon-
aberturas laterais de folhas duplas em escuro apoiadas em talidade em Voturuna, projetando ao altar para as laterais
gonzo. O portal de entrada, também em gonzo com duas e para frente, comprimindo o pequeno cômodo. A riqueza
folhas almofadadas também em escuro. O forro de tábuas de detalhes e contrastes entre cores vibrantes com o dou- 149
de saia e camisa, em forma de gamela interrompida nas rado, e o uso da talha em alto e baixo-relevo projetam a
pontas, forma apenas dois painéis laterais levemente incli- peça fortemente em todas as direções, solicitando distan-
nados e um horizontal ao centro, detalhe que aumenta o ciamento e eixo visual de nave alongada, o que não ocorre.
pé-direito ao meio, possibilitando elevação maior do retá- Assim, não é difícil perceber a incompletude e ina-
bulo. Atualmente, não há mais nada. dequação dessas peças, o que obriga a invenção do nicho
Ao entrarmos o interior das duas capelas, o espaço im- central no lugar do painel pictórico, como já anotado
prime a mesma sensação ao observador, apesar das imen- pela literatura especializada. Mas é possível, ainda, ob-
sas diferenças: parece que seus altares não lhe pertencem. servar a inadequação dos espaços por elas gerados ou
Não apenas pela ausência do corpo e da base9 e pelo suporte demandados, principalmente no caso de Voturuna.
precário em forma de mesa de altar, nos dois casos há ape- Confirmadas estas observações quanto à visibili-
nas um aparador que serve de mesa de missa, totalmente dade, restritas às ornamentações arquitetônicas destes
desconectados da linguagem e do acabamento sofisticados exemplos únicos, não verificamos prejuízos à historio-
das peças principais, sobretudo pela desproporção em re- grafia e hipóteses conhecidas que fazem desses retábulos
lação à base, à altura, ao contorno e ao espaço envolvente. obras relativas a caso muito específico e raro da arte e
arquitetura brasileiras10.

8 CALDEIRA, J. Op cit. AMARAL, A. A. Op cit.


9 ALVIM, S. Op. cit. 10 COSTA, L. Op. cit.
momento, além de conviver diretamente com obras dos
mestres arquitetos Luís Dias e Francisco Dias, este último
envolvido com projeto de igrejas que influenciaram tipo-
logias e estruturas espaciais na Corte e na Colônia11.
Sertanistas envolvidos com o financiamento da cam-
panha da Colônia do Sacramento rompem com os limites
dos tratados entre a coroa portuguesa e espanhola, convi-
vem em modo de vida sincrético dentro de território com
limites imprecisos, distante da Coroa e do controle do
Estado Português. De espírito rebelde, elaboram formas
de conduta diante dos interesses pragmáticos de riqueza e
Figura 5: Detalhe do retábulo de Santo Antonio. Acaba- poder local, confundem o modo de vida familiar mescla-
mento do friso inferior em “cima reversa”.
do pela tradição poligâmica indígena e a estrutura mono-
nuclear européia cristã à vida nômade e fixa.12
Moram em sítios e aldeamentos na região dos cam-
pos de Piratininga13, pulverizados de forma estratégica.
Lembram a tradição medieval portuguesa de conquista
e ocupação do território por meio de pequenos postos
150 avançado, com distância controlada para agruparem-se
com facilidade. Assim, como nas reduções jesuíticas es-
panholas, os indígenas domesticados integram as forças
portuguesas sertanistas quando necessário. Como os in-
dígenas não percebem limites geográficos dos tratados
entre as coroas, participam das bandeiras e das expedi-
Figura 6: Detalhe do retábulo em Voturuna. Acabamento ções de conquista de captura, como guerreiros familia-
friso inferior em “cima recta”.
res conquistados, enfrentando outras tribos. Para estes
homens localizados na cunha desenhada pelo limite sul

A historiografia reconhece a importância de Fernão 11 SANTOS, P. F. Contribuição ao estudo da arquitectura da


Pais de Barros (construtor de Santo Antonio) e do Capitão companhia de Jesus em portugal e no Brasil. Coimbra, Atas
Guilherme Pompeu de Almeida (construtor de Voturuna) V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 1966.
como sertanistas poderosos e de destaque no plano po- 12 HOLANDA, S. B. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro:
lítico e econômico. O primeiro teria construído a capela José Olympio, 1957.
para sua esposa, e o segundo para seu filho jesuíta, que se _______. (Org.). História geral da civilização brasileira. Rio
formara com destaque no Colégio de Salvador. Frequen- de Janeiro: Bertrand, 1989, v. 1.
13 PETRONE, P. Aldeamentos paulistas. São Paulo: EDUSP,
tou o melhor da vida cortesã e erudita na Colônia naquele
1995.
do traçado de Tordesilhas, o sertão é um todo aberto, ou colunatas períptras externas, sobrevivência da “ur-
com a proximidade concreta dos espanhóis e a prata do bis”, anexados às primeiras basílicas cristãs. Desenha
Potosi à frente, a distante Coroa Portuguesa e a serra e sempre uma espécie de adro de transição entre a via e
o mar às costas, e os jesuítas entre eles e os espanhóis. o interior de um edifício público. Há intenção plástica
Porém, a rusticidade dessa vida quase militar, prean- pela disposição das colunatas e funcional pelas cobertu-
do e saqueando aldeias, vilas ou reduções jesuíticas com ras que cercam estes espaços, Uma vez que as primeiras
beneplácito informal de Portugal, não se reflete na deli- igrejas paleocristãs eram, utilizadas também como ce-
cadeza e sofisticação destes altares, o de Santo Antonio, mitérios17. Nada disso parece aplicar-se com facilidade
supostamente dedicado à esposa devota, e de Voturuna aos casos das capelas sertanistas, a não ser a ideia de
(Nossa Senhora da Conceição), ao filho jesuíta erudito hierarquização dos espaços, mantendo catecúmenos do
educado na Bahia, padre com uma filha sem casamento14. lado de fora da nave.
Tão enigmático quanto os retábulos são os projetos Anexado às capelas seiscentistas portadoras dos re-
arquitetônicos de restauro destas capelas. A de Nossa tábulos estudados, há sinais da existência destes espaços
Senhora da Conceição estava totalmente em ruínas e foi antes da sua reconstrução por Luís Saía, provavelmen-
reconstruída a partir de restos arqueológicos encontra- te em tempo posterior em Santo Antonio, como atenta
dos15. A bibliografia revela parte das discrepâncias en- Aracy Amaral (1981). Não apenas pela samblagem de
contradas em projeto deste tipo, como o caso das aber- espera que sugere encaixe de madeira aparelhada retan-
turas laterais em gonzo que Jorge Caldeira (2006) relata gular e pela tradição das capelas rurais argentinas, mas
não existir na original, mas que ficaram adequadas à também pelo estranhamento que causa, sobretudo, à vi- 151
visibilidade e valorização atual do altar, e do arco româ- sibilidade interna das diagonais provocada pelas pernas
nico substituído por obreiras e verga reta de madeira. e as águas laterais do telhado do alpendre em contraste
O mesmo acontece com a cobertura destacada à com a luz permitida pela treliça superior.
frente das entradas das duas capelas. O alpendre é tema A complexidade do projeto de restauro em edifícios
explorado por Luís Saía16, Lemos (1984) e Aracy Amaral tão singulares e frágeis obriga a decisões circunscritas
(1981). Acessório arquitetônico conhecido das primeiras à urgência imposta pela conservação, sujeitas a equívo-
igrejas paleocristã e bizantinas, quando incorporado ao cos que, ao longo do tempo, são aderidos ou não como
corpo da igreja é chamado de esonártex, e quando exter- qualidade à nova imagem do bem, é debate de projeto
no, com colunas é conhecido como exonártex, Pevsner arquitetônico que recomenda assimilar as várias contri-
(1996). De origem romana, adaptam-se às novas funções buições, desde que delimitadas com clareza18.
da basílica cristianizada por Constantino. “Peristilos”
17 ROBERTSON, D. S. Arquitetura Grega e Romana. Marins
Fontes: São Paulo, 1997. KRAUTHEIMER, R. Arquitectura
14 CALDEIRA, J. Op. cit. paleocristiana y bizantina. Madrid: Cátedra, 1996.
15 LEMOS, C. A. C. Notas sobre arquitetura tradicional de 18 Carta de Veneza, II Congresso Internacional de Arquitetos
São Paulo. São Paulo: FAU-USP, 1984. e Técnicos dos Monumentos Históricos (ICOMOS), Con-
16 SAÍA, L. O alpendre nas capelas brasileiras. In: Arquitetura selho Internacional de Monumentos e Sítios Históricos,
Religiosa. São Paulo: FAU-USP/MEC-IPHAN, 1978. maio de 1964. www.icomos.org.br.
Ainda assim o alpendre, ou a fachada de Santo Anto- A sintaxe dos elementos de composição formal carrega
nio, aguça a atenção para outro detalhe, na talha do pe- delicadeza geométrica e erudição plástica inadequadas
destal simulado das pilastras. É em guilloché ou Cosma- às limitações do modo de vida rude do sertanista. Com
tesque, de formato idêntico ao friso vertical superior, que fortes traços medievais, volta seus valores para o domí-
enquadra o painel pictórico achatado do retábulo do Vo- nio e ocupação do território a partir da conquista das
turuna, sinalizando, além da contemporaneidade, a forte populações indígenas que povoam as fronteiras espa-
possibilidade do trabalho de mesmo artesão. Mais um ele- nholas e portuguesas, em que o controle demográfico é
mento que associa as duas capelas e seus altares, mesmo ponto de partida para a estratégia de posse do sertão.
descolados entre si, pela composição do delicado portal de Os jesuítas possuem consciência racional dessa estra-
entrada todo em madeira da capela de Santo Antonio. tégia, instalando-se na imensa área que separa espanhóis
O domínio plástico dessas peças transcende o con- de portugueses com projeto doutrinário próprio de con-
texto espacial e arquitetônico em que estão inseridas. quista, enfrentaram encomenderos e a estrutura indígena

152

Figura 7: Detalhe portal de entrada Santo Antonio, guillo- Figura 8: Detalhe coroamento retábulo Voturuna, guillo-
ché ou cosmatesque. ché ou cosmatesque.
da família poligâmica como resultado da conquista entre Entre as dúvidas aqui suscitadas, permanece o tra-
guerreiros, mas, sobretudo, transladaram da Europa valo- balho pioneiro de identificação, tombamento e restauro
res civilizatórios e erudição formal refletidos nas técnicas destas peças magníficas, que ainda encantam olhares
e linguagem arquitetônicas que ainda podem ser obser- atentos de quem procura conhecer melhor a arquitetura
vados no que restou das ruínas dos 30 povos das missões. e a cultura das raízes do enorme sertão verde dos pau-
Os dois retábulos destas rápidas anotações poderiam listas dos primeiros séculos de colonização. A partir de
ter nascido da mão de obra treinada pelos jesuítas e sob então, é possível entender parte do genius loci desta terra
sua orientação? Poderiam ser obra de um grupo de ar- cercada de ambigüidades que fazem do altar de Santo
tesãos transitando entre as colônias espanhola e portu- Antonio e de Nossa Senhora da Conceição, objetos que
guesa? Poderia ser fruto de saques a vilas como de Vila transcendem a materialidade plausível do rito litúrgico,
Rica, transportando apenas o fragmento mais leve de porque parecem pertencer ao desejo do eldorado ainda
uma peça maior, com a inserção posterior do estranho não encontrado, que no século 18 mudara a geografia e
nicho central? o modo de vida construídos pela civilização bandeirista.

Referências

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153
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154
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Metodologia do
projeto de restauração:
Igreja Nossa Senhora das Dores, do
Instituto Lauro de Souza Lima (Bauru)
Rosio Fernández Baca Salcedo
Resumo

O presente artigo refere-se à metodologia do projeto de restauração da Igreja


de Nossa Senhora das Dores, do antigo Asilo Colônia Aimorés (hoje Instituto
Lauro Souza Lima), em Bauru (SP), patrimônio arquitetônico em estudo de
tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT). A igreja foi construída
em 1930, no estilo eclético. Frente à deterioração da sua estrutura física e em 155
uma tentativa de adicionar sustentabilidade do edifício, procurou-se preser-
var e restaurar este patrimônio por meio de uma pesquisa que tem por ob-
jetivos sua documentação histórica e metrológica, do seu sistema construti-
vo e de acabamentos, do estado de conservação dos materiais do edifício e a
elaboração da proposta do projeto de restauração. O projeto foi estruturado
em três etapas, sendo a primeira uma abordagem teórica sobre o patrimônio
arquitetônico, sua restauração, documentação e sustentabilidade. A segunda
dispõe-se sobre a documentação histórica, metrológica, seu sistema constru-
tivo e de acabamentos, bem como o estado de conservação dos materiais do
edifício, com apresentação de desenhos no AutoCad. A terceira já diz respeito
à proposta do projeto de restauração. Com a restauração e a revitalização do
patrimônio arquitetônico da Igreja de Nossa Senhora das Dores, estaremos
colaborando com a preservação da história e da memória dos cidadãos do es-
tado de São Paulo e da nação como um todo, além de contribuirmos com os
estudos sobre a sustentabilidade, a restauração do patrimônio arquitetônico e
sua integração à vida contemporânea a partir da reutilização do edifício.
Palavras-chave: Metodologia. Patrimônio arquitetônico. Projeto. Restaura-
ção. Sustentabilidade.
1. Introdução quase sempre em abrigos, muitas vezes odestos, que pro-
tegiam os asilados das intempéries e canseiras, além de
De acordo com informações contidas no Papiro de abrigá-los quando impossibilitados de se locomoverem
Ebers, datado do ano 1350 a.C. (MONTEIRO, 1995 apud devido às crises agudas causadas pela doença, por outras
COSTA, 2008), a doença hanseníase pode ter sua origem enfermidades comuns, ou mesmo devido ao completo
no Egito, no III milênio a.C. Para Opromolla (2000 apud avanço da lepra, que mutilava e cegava.
COSTA, 2008),
No estado de São Paulo, a escolha do local para a
“textos sagrados indianos escritos por volta do século construção do Asilo Colônia era definida pelos engenhei-
XV a.C. descreviam uma doença semelhante à hansenía- ros que faziam parte da construção do complexo e estava
se. Tal doença possivelmente se disseminou pela China e em virtude “da distribuição territorial da doença, a insta-
Japão em meados do século VI a.C. e chegou à Grécia, por lação do sistema se vinculava à proximidade de estações
meio dos contatos ocorridos na guerra pérsica, por volta ferroviárias, visto que este seria o principal meio de trans-
do ano 480 a.C.” porte utilizado para deslocar os doentes, os servidores e
os médicos” (COSTA, 2008, p. 273).
No Brasil, os indígenas não tinham a hanseníase no
seu vocabulário. Acredita-se que a doença foi trazida pe- O desenho urbano dos Asilos Colônias se baseava
los colonizadores. nos conceitos de:
156
Sobre a influência portuguesa na disseminação da ventilação e insolação higiênicos e no zoneamento
doença, existe uma concordância principalmente quanto definido para a separação segura entre sãos e doentes.
aos relatos sobre a condição de saúde das populações do- Percebe-se uma filiação aos preceitos modernos de seto-
minadas por eles que passaram a apresentar a hanseníase rização do espaço urbano seguindo a distribuição de fun-
a partir de então. [...] Acredita-se também, que a dissemi- ções para as edificações, de valorização dos amplos espa-
nação da doença foi favorecida pela migração e contato ços verdes entre as edificações e de reforma das moradias,
com as populações contaminadas dos países limítrofes ao dos espaços de trabalho e de lazer (COSTA, 2008, p. 396).
Brasil, também ocupados por europeus (COSTA, 2008).
As construções seguiram as especificações presen-
Maurano (1939, apud COSTA, 2008) ressalta que a tes nas legislações sanitárias, por tato foi construído um
hanseníase se disseminado trilhando a rota dos colo- grupo de edificações: “uma central na capital, destinada
nos nas terras brasileiras. A partir do século 18, quando à sede do Departamento de Profilaxia da Lepra, respon-
surgem os primeiros casos documentados da doença, a sável pela direção, inspeção, diagnóstico e registro da
sociedade se mobiliza para tratar os enfermos em enti- hanseníase e seus portadores; os Asilos Colônias Santo
dades não institucionalizadas. Ângelo, Padre Bento, Pirapitingui, Cocaes e o Aymorés”
Só no século 20, em função do grande número de (COSTA, 2008, p. 274).
doentes, foram criados no estado de São Paulo os Asilos Depois da descoberta de que a hanseníase poderia
Colônias para os portadores da hanseníase. Consistiam ser tratada de forma ambulatória, várias ações foram
implementadas nas últimas décadas do século 20, como quê documentar para a elaboração do projeto de restau-
as do grupo Morhan (Movimento de reintegração de ração? Como elaborar um projeto de restauro sustentá-
pessoas atingidas pela hanseníase), criado em 1981, e as vel? Por que e para quem estamos restaurando?
mudanças das campanhas públicas de saúde. Grande Entenda-se que patrimônio arquitetônico “é um ca-
parte das edificações dos Asilos Colônias foram refor- pital espiritual, cultural, econômico e social cujos va-
madas, restauradas, algumas demolidas por não apre- lores são insubstituíveis” (CONSELHO DA EUROPA,
sentarem mais funcionalidade, e outras foram abando- 1975 apud IPHAN, 2004). A Carta de Veneza de 1964 ex-
nados e encontram-se hoje em estado de deterioração. pressa que a restauração:
No antigo Asilo Colônia Aimorés, hoje Instituto
Lauro de Souza Lima, localizado na cidade de Bauru [...] é uma operação que deve ter caráter excepcio-
(estado de São Paulo), existem algumas edificações nal. Tem por objetivo conservar e revelar os valores
como residências coletivas de doentes, tipo Carville, estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se
quadra, cemitério, teatro, Igreja Nossa Senhora das no respeito ao material original e aos documentos au-
tênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das
Dores e coreto. Pela relevância histórica e arquitetô-
reconstituições conjeturais, todo trabalho complemen-
nica, o coreto, o teatro, as residências coletivas tipo
tar reconhecido como indispensável por razões estéticas
Carville de doentes e a igreja estão em estudo de tom-
ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica
bamento pelo CONDEPHAAT.
e deverá ostentar a marca do nosso tempo. A restaura-
Diante do estado de deterioração da Igreja Nossa ção será sempre precedida e acompanhada de um estudo 157
Senhora das Dores, em 2003, o diretor do Instituto arqueológico e histórico do monumento. (CONSELHO
Lauro Souza Lima solicitou à Faculdade de Arquite- INTERNACIONAL DOS MONUMENTOS E SÍTIOS,
tura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade 1964 apud IPHAN, 2004).
Estadual Paulista (Unesp), a elaboração do projeto de
restauração, que foi coordenado por um docente do Além disso, a restauração é uma intervenção diri-
Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagis- gida sobre um bem patrimonial. Seu objetivo é a con-
mo e dois estagiários, alunos do curso de Arquitetura servação de sua autenticidade e sua apropriação pela co-
e Urbanismo. munidade. A autenticidade, entendida como a soma das
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objeti- características substanciais e historicamente determina-
vo abordar a metodologia elaborada para o projeto de das, vai do original até o estado atual, como resultado
restauração da Igreja de Nossa Senhora das Dores: a das varias transformações que aconteceram no tempo
documentação histórica, a documentação metrológica, (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CON-
a documentação fotográfica, o sistema construtivo, bem SERVAÇÃO, 2000 apud BLANCO, 2008).
como de seus acabamentos, o estado de conservação dos Boito (2003, p. 26) fala em três diferentes tipos de
materiais do edifício e a elaboração de uma proposta. restauração. São eles: arqueológica, pictórica e arquite-
Para a identificação das questões: o que do projeto tônica. Além dessas categorias, são estabelecidos prin-
de restauração foi necessária a compreensão: Que é pa- cípios que devem ser considerados na restauração do
trimônio arquitetônico? O que é restauração? Como e o edifício, tais como:
diferença de estilo entre o novo e o velho, diferen- Brandi (2004, p.53-76) indica duas instâncias impor-
ça de materiais de construção; supressão de linhas ou tantes a serem levadas em consideração na restauração de
de ornatos; exposição das velhas partes removidas, nas um edifício: a histórica e a estética. Na restauração, segun-
vizinhanças do monumento; incisão, em cada uma das do a instância da historicidade, apresenta-se a questão da
partes renovadas, da data da restauração ou de um si- conservação ou da eliminação dos acréscimos na constru-
nal convencionado; epígrafe descritiva gravada sobre o
ção ou reconstrução do edifício. Desde o ponto de vista
monumento; descrição e fotografia dos diversos perío-
histórico, os acréscimos sofridos por uma obra de arte não
dos das obras, expostas no edifício ou em local próximo
são mais que novas testemunhas da atividade humana, po-
a ele, ou ainda descrições em publicações; notoriedade
rém, de forma histórica. Nesse sentido, o acréscimo não se
(BOITO, 2003, p.26).
diferencia do núcleo original e tem idêntico direito de con-
servação, pois, sua eliminação, mesmo sendo resultado de
Esses princípios são, até hoje, considerados na res-
uma atuação, e como tal se insere igualmente na história, na
tauração. Também, Brandi (2004) define outros três
realidade destrói um documento e não se documenta em si,
princípios em relação ao restauro:
pelo que conduz à negação e à destruição de um acontecer
O primeiro é que a integração deverá ser sempre e fa- histórico, bem como à falsificação da informação.
cilmente reconhecível; mas sem que por isso venha a in- Para Brandi (2004, p.77-89), na restauração, segun-
fringir a própria unidade que se visa a reconstruir. Desse do a instância estética, o anhadido ou acréscimo deve
modo, a integração deverá ser invisível à distância de que ser eliminado. Se o elemento acrescentado distorcew,
158
a obra de arte deve ser observada, mas reconhecível de desnaturaliza, ofusca em parte a obra de arte, deverá
imediato, e sem necessidade de instrumentos especiais, ser eliminado. Em conclusão, Brandi ressalta: é sempre
quando se chega a uma visão mais aproximada. um juízo de valor o que determina a escolha de uma ou
O segundo principio é relativo à matéria de que re- outra instância na conservação ou na eliminação dos
sulta a imagem que é insubstituível só quando colaborar acréscimos nos edifícios a serem restaurados.
diretamente para a figuratividade da imagem como as- Em relação às técnicas de conservação ou de proteção,
pecto e não para aquilo que é estrutura. Disso deriva, mas elas devem estar estritamente vinculadas à investigação
sempre em harmonia com a instância histórica, a maior
pluridisciplinar e cientifica sobre materiais e tecnologias
liberdade de ação no que se refere aos suportes, às estru-
usadas para a construção, reparação e/ou restauração do
turas importantes e assim por diante.
patrimônio edificado. A intervenção eleita deve possibili-
O terceiro princípio que precede a questão não es-
tar a função original e assegurar a compatibilidade com
taria exaurido, porque permanece sempre em aberto os
os materiais e as estruturas existentes, assim como com
problemas das lacunas, colocada pela própria exigência
que proíbe as integrações fantasiosas. Uma coisa é de- os valores arquitetônicos. Quanto à aplicação de novas
senvolver a figuratividade do fragmento sucessivo, ape- tecnologias, deve-se possibilitar uma eventual reversi-
sar de não contíguo, outra, é substituir o elemento figu- bilidade (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE
rativo desaparecido com uma integração analógica. Por CONSERVAÇÃO, 2000 apud BLANCO, 2008).
isso, o problema da lacuna permanece sempre em aberto Em relação à documentação do edifício, a Carta de
(BRANDI, 2004, p. 47-48). Restauro, de 1972, ressalta:
(...) qualquer intervenção deve ser previamente es- norizadamente, o estado da obra antes e depois da restau-
tudada e justificada por escrito e deverá ser organizado ração (KULH, 1998, p.194).
um diário de seu desenvolvimento, a que se anexará a
documentação fotográfica de antes, durante e depois da Portanto, há a necessidade da documentação histó-
intervenção. Serão documentadas, ainda, todas as even- rica, documentação fotográfica e metrológica porme-
tuais investigações e análises realizadas com o auxílio da norizada do edifício antes e após a restauração. Para a
física, da química, da microbiologia e de outras ciências
documentação metrológica, a representação gráfica se
(GOVERNO DA ITÁLIA, 1972 apud IPHAN, 2004).
torna um instrumento valioso para, identificar as carac-
Vê-se, então, a necessidade de documentar qualquer terísticas físicas da edificação (SALCEDO, 2004).
intervenção no edifício com o objetivo de facilitar futuros A manutenção e a reparação são parte fundamentais do
estudos e intervenções. Também em relação à documen- processo de conservação do patrimônio. Há a necessidade
tação do edifício, a Carta do Restauro de 1972 recomenda: de identificar os possíveis danos no edifício e tomar as ade-
quadas medidas preventivas. A conservação do patrimônio
A realização do projeto para a restauração de uma obra edificado é levada a cabo segundo o projeto de restauração,
arquitetônica deverá ser precedida de um exaustivo estudo que inclui a estratégia para sua conservação em longo pra-
sobre o monumento, elaborado de diversos pontos de vis- zo. Este projeto deveria considerar uma gama de opções de
ta (que estabelecem a análise de sua posição no contexto técnicas apropriadas e preparadas num processo cognitivo
territorial ou no tecido urbano, dos aspectos tipológicos,
que integre a coleta de informação e o conhecimento pro-
das elevações e qualidades formais, dos sistemas e carac- 159
fundo do edifício. O processo inclui o estudo estrutural, a
teres construtivos, etc.), relativos a obra original, assim
análise gráfica e de magnitudes, e também a identificação
como aos eventuais acréscimos ou modificações. Parte
do significado histórico, artístico e sócio-cultural (CON-
integrante desse estudo serão pesquisas bibliográficas, ico-
nográficas e arquivísticas, etc., para obter todos os dados FERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CONSERVA-
históricos possíveis. O projeto se baseará em uma completa ÇÃO, 2000 apud BLANCO, 2008, p. 230-231)
observação gráfica e fotográfica, interpretada também sob Para a sustentabilidade do projeto de restauro deve-se-
o aspecto metrológico, dos traçados reguladores e dos sis- -ao levar em consideração alguns parâmetros projetuais
temas proporcionais e compreenderá um cuidadoso estudo como a acessibilidade de pedestres, o aproveitamento dos
específico para a verificação das condições de estabilidade. materiais da estrutura física, examinando a restauração
(GOVERNO DA ITÁLIA, 1972 apud IPHAN, 2004). dos materiais deteriorados; deve-se evitar a dependência
de recursos artificiais, procurando aproveitar água, sol e
O Congresso Internacional sobre a Proteção de Obras
vento, bem como promover uma longa vida útil por meio
de Arte e dos Monumentos, em junho de 1889, ressalta:
do uso de uma tecnologia adequada ao local. Há que se
(...) no futuro, todas as vezes que se intervier em prever, também, a manutenção e os custos. Quanto ao
uma obra de arte, seja de arquitetura, seja de escultura, acréscimo de elementos novos no edifício, deve-se pos-
ou de pintura, o autor da restauração, assistido de uma sibilitar sua retirada para facilitar futuras intervenções,
comissão composta de arqueólogos, pintores, escultores e além de selecionar materiais que, tanto na produção como
arquitetos, elabore um duplo memorial relatando, porme- na aplicação, promovam qualidade com menor impacto
ambiental. Enfim, é necessária a criação de condições 3. Documentação da Igreja de Nossa
econômicas, ambientais, sociais e culturais no espaço físi-
Senhora das Dores
co para que haja uma melhor qualidade de vida.
Finalmente, para que e para quem restaurar? Res-
3.1. Localização
tauração com o intuito de conservar e revelar os valores
estéticos e históricos do monumento. “A reutilização que
A Igreja de Nossa Senhora das Dores está localizada
consiste em reintegrar um edifício desativado a um uso
no Instituto Lauro de Souza Lima, na Rodovia Coman-
normal” (CHOAY, 2001). Sua integração à vida contem-
dante João Ribeiro de Barros km 225/226, na cidade de
porânea para um uso compatível com sua estrutura físi-
Bauru, estado de São Paulo.
ca e com as necessidades da população.

3.2. Contexto urbano


2. Métodos e procedimentos
A Igreja de Nossa Senhora das Dores está na área
A realização da documentação da Igreja de Nossa
destinada à Antiga Colônia Aimorés, hoje Instituto Lau-
Senhora das Dores teve uma sequência metodológica ca-
ro de Souza Lima, próxima ao teatro, ao coreto, aos pré-
racterizada pelas seguintes fases: documentação histórica,
dios das antigas residências e da praça principal. A igre-
documentação metrológica, documentação fotográfica,
ja destaca-se entre as outras edificações por sua altura e
sistema construtivo e acabamentos, estado de conservação
160 relevância arquitetônica, no estilo eclético, tornando-se
dos materiais, memorial descritivo e projeto de restauro. O
um ícone importante dentro do Instituto.
trabalho de campo foi realizado pelos estagiários, discen-
tes do curso de Arquitetura e Urbanismo, sob orientação,
com início em março e término em outubro de 2003. 3.3. Documentação histórica
Em relação à documentação histórica e metrológica
do edifício foram consultados o CONDEPHAAT (PRO- A construção em estilo eclético da Igreja Nossa Se-
CESSO 28728/1991), Costa (2008), o Instituto Lauro nhora das Dores começou em 1930 e foi inaugurada em
Souza Lima, a planta da Igreja de Nossa Senhora das 13 de abril de 1933. Não existem documentos que indi-
Dores. Como técnicas de estudo, foram utilizadas entre- quem a autoria do projeto, apenas foram encontradas
vistas com indivíduos evoluidos no assunto. as plantas da igreja e um vídeo que corresponde à sua
Para a elaboração do projeto de restauro, foram con- inauguração, que mostra o espaço externo e interno da
sultados CONDEPHAAT (PROCESSO 28728/1991), construção. Além disso, tem-se o depoimento prestado
Congresso Internacional sobre a Proteção de Arte e dos pelo senhor Nivaldo Mercúrio, paciente da antiga Colô-
Monumentos (1889 apud KULH, 1998), Carta de Vene- nia Asilo Aimorés, que foi valioso para a complementa-
za (1964 apud IPHAN, 2004), Carta de Restauro (1972 ção das informações levantadas.
apud IPHAN, 2004), Conferência Internacional sobre Durante o período de internação dos doentes de han-
Conservação (2000 apud BLANCO, 2008), Boito (2003), seníase na Colônia, a igreja foi bastante frequentada pe-
Brandi (2004), Choay (2001). los funcionários, pelas pessoas da cidade, pelos pacientes
e seus parentes. Para os doentes, a igreja teve um grande Estadual 13.426 de 16/03/79, Processo CONDEPHAAT
significado, pois aqueles que habituam o local eram pssoas nº 28.728/91 (CONDEPHAAT: PROCESSO 28728, 1991).
desprovidas de esperança para a cura de seus male. Portan-
to, a igreja atuava como o local de lamentações e busca de Em função da deterioração da igreja, e por ser um
libertação espiritual, tornando-se e o símbolo necessário bem em estudo de tombamento há a necessidade da ela-
para a manutenção da ordem e da conduta do indivíduo. boração de um projeto de restauração.
Foi também um espaço de apoio psicológico para muitos
que viviam entre o limiar do desespero e da racionalidade. 3.4. Documentação metrológica - sistema
Após a descoberta do tratamento ambulatorial dos construtivo e acabamentos do edifício
doentes de hanseníase, a igreja deixou de ser utilizada
pelos seus fiéis e passava ao estado de abandono. A ação A única documentação existente no Instituto Lauro
do tempo e a falta de financiamento para a restauração de Souza Lima é a planta da igreja, que não corresponde à
provocaram sua deterioração. construção existente. Portanto, houve a necessidade de rea-
Pela relevância histórica e arquitetônica da Igreja de lizar elaborados seu levantamento métrico. Os desenhos dos
Nossa Senhora das Dores, o CONDEPHAAT aprovou o cortes e das fachadas foram realizados a partir das plantas,
Estudo de Tombamento em 1997: da medição das esquadrias e do levantamento fotográfico.
A Igreja de Nossa Senhora das Dores contém os es-
Na conformidade do artigo 144 do decreto Estadual paços para as seguintes funções: hall de entrada, acesso à
161
13.426, de 16/03/79, e reportando-nos ao artigo 134 do escada, batistério, nave, presbitério, altar, vestíbulo, dois
mesmo diploma legal, notificamos a todos os interessados banheiros, sacristia, coro e torre (figura 1).
e aqueles que deste venham a tomar conhecimento, que o A tipologia da planta da igreja está caracterizada por
Egrégio Colegiado do Conselho de Defesa do Patrimônio uma forma geométrica. A fachada principal apresenta
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado – uma composição simétrica, com um óculo na parte cen-
CONDEPHAAT, em sua sessão ordinária de 14/04/1997, tral e duas janelas quadradas em ambos os lados da porta
Ata nº 1092, deliberou aprovar o Parecer do Conselhei- principal. As fachadas laterais apresentam portas de duas
ro Relator, favorável ao tombamento das edificações do
folhas e janelas estreitas, dispostas regularmente em tor-
antigo Asilo-Colônia Aimorés, hoje Instituto Lauro de
no de toda a edificação e ao redor da torre. Na fachada dos
Souza Lima, situado no Município de Bauru: 1. Igreja; 2.
fundos tem-se uma porta de acesso à sacristia, sua janela
Coreto; 3. Residências coletivas de doentes tipo carville;
e as janelas dos banheiros. O acesso à igreja se faz a traves
e 4. Cassino, estando preservado o bem até a decisão fi-
de uma escadaria central e duas escadarias laterais. A ti-
nal da autoridade competente, ficando proibida qualquer
intervenção nos imóveis, em termos de modificação ou pologia da igreja e o seu acabamento não foram alterados.
destruição que possam a vir descaracterizá-los, sem pre- A construção foi estruturada com tijolos de barro maciço
via autorização do CONDEPHAAT, além de poder ser e a cobertura está constituída por tesouras de madeira e
punido o descumprimento do acima disposto com as san- telhas de barro tipo francesa. Os pisos dos ambientes são
ções penais previstas no artigo 166 do Código Penal, da variados: ladrilho hidráulico, cimentado liso, granilite e
Lei 7.347, de 27/03/1985 e ex vi”do artigo 147 do decreto cera vermelha. Os forros dos ambientes também são va-
162

Figura 1: Planta da Igreja de Nossa Senhora das Dores.


Fonte: SALCEDO, et al., 2004.

riados: madeira, laje, estuque e alvenaria (figuras 2 e 3). As está conservado; regular, quando parte do material está
esquadrias das portas são de madeira e as das janelas são deteriorado, sendo necessária sua restauração; e ruim,
de ferro, venezianas ou de alvenaria. quando a maior parte do material está bastante deterio-
rada, indicando sua substituição por moldes semelhan-
3.5. Estado de conservação dos materiais tes. (tabela 1, figuras 2 e 3).
As causas da deterioração das peças foram identi-
O estado de conservação dos materiais foi analisado ficadas para possíveis soluções no projeto de restau-
segundo as seguintes escalas de valores: bom, quando ração.
Figura 2: Planta e estado de conservação dos pisos da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Fonte: SALCEDO, et al., 2004.
163

Figura 3: Planta e estado de conservação dos forros da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Fonte: SALCEDO, et al., 2004.
Tabela 1: Estado de conservação dos materiais da Igreja de Nossa Senhora das Dores, 2004.
ESQUADRIAS
CÔMODO PAREDE RODAPÉ PISO FORRO DETALHES
PORTA JANELA
Esquadria metálica com
formato de rosa, vidros nas
Tijolos de Ladrilho Madeira duas Esquadria
1. Hall entrada Com friso Laje cores amarela, azul e verde.
barro maciço hidráulico folhas metálica
Portas de almofadas de duas
folhas.
Esquadria
2. Escada Tijolos de Corrimão de alvenaria e
Com friso Cimento liso Laje --- metálica bascu-
interna barro maciço cimento.
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho
3. Batistério Com friso Laje --- metálica bascu-
barro maciço hidráulico
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Forro de Madeira duas Assoalho liso com faixa de
4. Nave Com friso metálica bascu-
barro maciço hidráulico madeira folhas roda.
lante
Tijolos de Forro de
5. Presbitério Sem friso Granilite --- --- Peitoril em mármore.
barro maciço madeira
Tijolos de Ladrilho
6. Altar Sem friso Laje --- Altar em pedra.
barro maciço hidráulico
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Madeira uma Porta de almofada de uma
7. Vestíbulo Sem friso Estuque metálica bascu-
barro maciço hidráulico folha folha.
164 lante
Esquadria Porta de almofada de uma fo-
Tijolos de Madeira uma
8,9. Banheiro Sem friso Cera vermelha Laje metálica bascu- lha. Equipamentos sanitários
barro maciço folha
lante em metal.
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Madeira uma Porta de almofada de uma
10. Sacristia Sem friso Estuque metálica bascu-
barro maciço hidráulico folha folha.
lante
Esquadria
Tijolos de Ladrilho Peitoril de alvenaria e
11. Coro Sem friso Estuque --- metálica bascu-
barro maciço hidráulico cimento.
lante
Tijolos de Esquadria
12. Torre Sem friso Cimento liso Alvenaria --- Relógio, sino.
barro maciço alvenaria
Cobertura: telha de barro
Cobertura tipo francesa, sobre estrutu-
ras em tesouras de madeira.
Organização: SALCEDO, 2010.

Legenda
ESTADO DE CONSERVAÇÃO
15%BOM: a manter
25%REGULAR: a restaurar
50% RUIM: substituição da peça
3.6. Entrevista com as pessoas envolvidas que poderá ser construída com estruturas metálicas,
com o projeto de modo a facilitar uma possível remoção.
A substituição deve ser realizada conforme moldes
As entrevistas com o Doutor Diltor Vlademir Araújo que copiem os elementos originais da construção, po-
Opromolla, com o senhor Nivaldo Mercúrio (portador rém é necessário diferenciá-los do elemento original a
de hanseníase e atual morador da antiga colônia Aimo- partir da data de restauro, dos materiais de constru-
rés) e com o senhor Celso Pereira nos ajudaram a co- ção, das cores, etc. O elemento novo deve ter a leitura
nhecer as atividades desenvolvidas na antiga colônia e de sua época.
as necessidades e expectativas que se sentiam em relação A reabilitação da igreja se realizará em função das
à igreja. Frente ao avançado estado de deterioração da necessidades de seus usuários, o que assegurará a con-
construção, foi ressaltada a necessidade da realização do tinuidade de sua vida, destinando-os sempre para fina-
projeto de restauração, que seria encaminhado ao CON- lidades que respeitem seu caráter histórico ou artístico.
DEPHAAT, para sua aprovação e posterior execução. A revalorização do edifício, por meio da restauração,
permitirá sua utilização. A maior atração exercida pelo
monumento e a afluência crescente de usuários contri-
4. Projeto de restauração da Igreja de
buirão para afirmar a consciência de sua importância e
Nossa Senhora das Dores de sua significação regional e nacional.

O presente projeto de restauração tem por objetivo 165


4.1. Memorial descritivo do projeto
conservar e revelar os valores estéticos e históricos do de restauração
monumento, fundamentando-se no respeito ao material
original e aos documentos autênticos. A intervenção de A Igreja Nossa Senhora das Dores, localizada no
restauro deverá ser realizada considerando o estilo do Instituto Lauro de Souza Lima, pertence ao instituto
edifício e a sua tipologia. desde a sua construção, em 1930, e desde então foi uti-
Para aplicar sustentabilidade à conservação do lizada somente para fi ns religiosos. Pela tipologia de
patrimônio arquitetônico da Igreja de Nossa Senho- plantas, fachadas e detalhe dos acabamentos, a Igreja
ra das Dores, pretendeu-se a reutilização da estrutura de Nossa Senhora das Dores está caracterizada como
física e dos materiais que estão em bom estado de con- estilo eclético, apresentando vergas curvas e recurvas
servação, bem como a restauração daqueles deteriora- nos vãos, cobertura da torre no estilo gótico, óculo,
dos, a utilização de materiais novos, que não agridam volutas, portas de almofadas de uma e duas folhas, ci-
o patrimônio edificado, nem mesmo o meio ambien- malhas e embasamento. A composição das fachadas é
te, e que sejam facilmente retirados, de modo a auxi- simétrica. A tipologia da planta é retangular e abriga
liar em futuras intervenções. Também se considerou a os espaços para a nave, o altar, o presbitério, a sacristia
adequação do espaço físico para as necessidades atu- e os serviços de higiene. No pavimento superior está o
ais dos usuários, sendo importante a rampa de aces- coro e a torre. As intervenções propostas correspon-
sibilidade para crianças, idosos e deficientes físicos, dem às figuras 4, 5, e 6.
Figura 4: Restauração: planta da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
Fonte: SALCEDO, et al., 2004.

166

Figura 5: Restauração: corte A-A da Igreja de Nossa Senhora das Dores.


Fonte: SALCEDO, et al., 2004.
4.1.1. Fundações mentado, sendo os degraus de acesso ao altar feitos
de mármore. Algumas peças do piso de ladrilho do
As fundações, rachões de pedra argamassa sobre interior da Igreja estão quebradas, necessitando de
as quais se elevam as alvenarias, foram recentemen- substituição por outras iguais ou semelhantes e de
te melhoradas pela Empresa Bauru Estacas Ltda, que limpeza daquelas que podem ser aproveitadas, deta-
constatou a necessidade da implantação de 50 pontos lhe presente apenas nas cores branca e preta. O piso
de estacas, sendo 36 pontos na sacristia e corpo da externo encontra-se descaracterizado e deverão ser
igreja e 14 em sua torre. As estacas foram implanta- refeitos o piso e contrapiso.
das, com macacos hidráulicos. Nos pontos mais crí- O revestimento interno e o externo também sofre-
ticos, onde existiam rachaduras, foram utilizadas es- ram danos ao longo do tempo devido às infiltrações plu-
tacas pré-moldadas. Vale ressaltar que a proposta não viais, fazendo-se necessária e urgente sua recuperação.
incluiu os serviços de substituição da rede de esgoto Por essa razão e pela execução das reformas, a igreja não
e de águas pluviais. Assim, a igreja ainda se encontra se apresenta com suas cores originais de pintura. É pre-
passível de vazamentos, emendas e amarrações das ciso também realizar um processo de prospecção para a
trincas nela existentes. recuperação da pintura original.

4.1.2. Paredes 4.1.5. Esquadrias


167
A construção foi feita utilizando-se tijolo de barro As janelas apresentam esquadrias metálicas bascu-
maciço, com espessura variável de 15 a 30cm. As pare- lantes em a forma de uma rosa, sendo os vidros nas co-
des apresentam infiltrações de águas pluviais e trincas e res amarelo, azul e verde. As peças sofreram, em grande
parte delas está comprometida. Assim, faz-se necessário parte, um processo de oxidação por não se encontrarem
efetuar a amarração das paredes. devidamente protegidas, por isso será necessária a reti-
rada das peças em estado regular, para que possam ser
4.1.3. Cobertura recuperadas por meio da limpeza e da aplicação de pin-
tura anticorrosiva.
A cobertura é composta por tesouras de madeira e Já as esquadrias de madeira das portas também
telha de barro tipo francesa, precisando de reparos nas sofreram ações do tempo e de insetos, como o cupim,
tesouras afetadas pelo cupim e infiltrações das águas o que provocou a sua deterioração. As peças em es-
pluviais, bem como a troca das telhas danificadas. tado regular de conservação deverão ser descupini-
zadas e restauradas; já aquelas que estão em péssimo
4.1.4. Piso e revestimento estado de conservação deverão ser substituídas por
moldes semelhantes que expressem a intervenção. As
O piso da nave, da sacristia, do altar, do presbi- portas são de almofadas de uma e ou de duas folhas.
tério, do vestíbulo e do coro é o ladrilho hidráulico. Os vidros e o vitral estão parcialmente preservados,
Já o da torre e das escadas é de cimento liso ou ci- necessitando apenas de um processo de limpeza.
Figura 6: Restauração: elevações da Igreja de Nossa Senhora das Dores.
168 Fonte: SALCEDO, et al., 2004.

4.1.6. Forro 4.1.8. Instalações elétricas

O forro da nave é de assoalho liso, com faixa de roda, As luminárias originais foram retiradas e substi-
e o dos demais cômodos é de estuque. O forro da nave tuídas por lâmpadas fluorescentes durante uma das
está parcialmente destruído, o que exige a reposição das reformas pela qual passou a igreja. Além disso, as lâm-
peças danificadas. padas originais não são mais fabricadas. Devido ao
péssimo estado de conservação das instalações elétri-
4.1.7. Mobiliário e equipamento cas, houve a necessidade de elaborar um novo projeto
de iluminação para a igreja.
O mobiliário dos banheiros é de metal. Os equipa-
mentos, como o relógio da torre, precisam de grandes 4.1.9. Instalações hidráulicas
reparos e o sino deve ser recolocado, uma vez que o ori-
ginal foi furtado. Todo o mobiliário existente pode ser As instalações hidráulicas estavam em péssimo esta-
restaurado. Vale ressaltar que as imagens dos santos da do de conservação, o que exigiu a elaboaração de um novo
igreja já foram restauradas. projeto para a reparação dessas instalações.
5. Considerações finais Para a sustentabilidade desse patrimônio foram
mantidos os matériais que estavam em bom estado de
Frente à deterioração da estrutura física da Igreja de conservação, restaurados aqueles que estavam em re-
Nossa Senhora das Dores, procurou-se restaurar este gular estado e substituídas as peças que estavam em
patrimônio arquitetônico tendo como base as teorias péssimo estado de conservação por elementos novos
de restauração de Ruskin, Boito, Brandi e as recomen- semelhantes ao original. Para acessibilidade, projetou-
dações internacionais: Carta de Veneza, Carta de Res- -se uma rampa com materiais contemporâneos (aço e
tauro e Carta de Cracovia. Para tal, partiu-se da docu- vidro), de fácil remoção. As instalações elétricas e hi-
mentação histórica, metrológica, sistema construtivo, dráulicas foram refeitas.
acabamentos e do estado de conservação dos materiais. Com a restauração e a reabilitação do patrimônio ar-
O projeto de restauração tem como intuito conservar quitetônico da Igreja de Nossa Senhora das Dores, pre-
e revelar os valores históricos e estéticos do edifício, tende-se preservar a história, a identidade, a reutilização
fundamentando-se no respeito ao material original e da igreja e contribuir com os estudos sobre a sustentabi-
aos documentos autênticos. lidade e a restauração do patrimônio arquitetônico.

Referências
169
BLANCO, J. R. De varia restauratione. Madrid: Abada Editores, 2008.
BOITO, C. Os restauradores. Tradução de Pulo Mugayar Kulh; Beatriz Mugayar Kuhl. Cotia: Ateliê Editorial,
2003.
BRANDI, C. Teoria da restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kulh. Cotia: Ateliê, 2004.
CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CONSERVAÇÃO. Carta de Cracovia, 2000. In: BLANCO, J. R. De
varia restauratione. Madrid: Abada Editores, 2008.
CONSELHO INTERNACIONAL DE MONUMENTOS E SÍTIOS – ICOMOS. Carta de Veneza, 1964. In: IPHAN:
Cartas Patrimoniais. 3 ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, p. 91-95.
CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO
ESTADO. Processo nº 28.728/1991.
COSTA, A. P. S. Asilos Colônias Paulistas. Análise de um modelo espacial de confinamento. 2008. Dissertação (Mes-
trado) Escola de Engenharia de São Carlos. São Carlos: USP, 2008.
GOVERNO DA ITÁLIA. Carta de Restauro, 1972. In: In: IPHAN: Cartas Patrimoniais. 3 ed. Ver. Rio de Janeiro:
IPHAN, 2004, p. 91-95. In: IPHAN: Cartas Patrimoniais. 3ª Ed. Ver. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, p. 147-169.
INSTITUTO LAURO DE SOUZA LIMA. Planta da Igreja de Nossa Senhora das Dores, escala 1/50.
KULH, B. M. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua preservação. São Paulo:
Ateliê; Fapesp: Secretaria da Cultura, 1998.
SALCEDO, R. F. B. et al. A importância da representação gráfica na documentação do patrimônio arquitetônico
como instrumento de análise para o projeto de restauro. Revista Educação Gráfica, ISNN 1414-3895. Bauru, p.95-106,
2004.
SALCEDO, R. F. B. et al. Projeto de Restauração Nossa Senhora das Dores do Instituto Lauro Souza Lima (Bauru),
Patrimônio Cultural do Estado de São Paulo. In: I Conferência Latino-Americana de Construção Sustentável e 10°
Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, claCS´04-ENTAC´04, São Paulo/SP, Brasil, 18 a 21 de julho
de 2004.

170
Sobre os autores

Antonio Nelson Rodrigues da Silva Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia


Universidade Católica de Campinas PUCCAMP (1979).
Mestre, Doutor pela Escola de Engenharia de São Carlos Professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comu-
da Universidade de São Paulo obteve os títulos de Mestre nicação da Universidade Estadual Paulista UNESP. Pes-
e Livre-docente em Transportes. Ao longo destes anos quisa: Pedagogia da Arquitetura, Teoria e História da
em que esteve vinculado à USP realizou três estágios no Arquitetura, Espaço do Escritório. Contato: cs.amaral@
exterior: na Universidade de Wisconsin-Madison, nos faac.unesp.br
Estados Unidos da América (em 1991), na Universidade
de Eindhoven, na Holanda (em 1996), e na Universidade Emília Falcão Pires
do Minho, em Portugal (em 2002). Além de ter publi-
cado de forma intensa em revistas e congressos nacio- Possui doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela 171
nais e internacionais e de ter um número expressivo de Universidade de São Paulo (2005), mestrado pela Uni-
orientações concluídas (de Iniciação Cientifica, Mestra- versidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (1998), pós-
do e Doutorado), tem forte atuação também no campo -graduação “lato sensu” pela Pontifícia Universidade
administrativo. Na Escola de Engenharia de São Carlos Católica (1995) e graduação em Arquitetura e Urbanis-
da Universidade de São Paulo, por exemplo, foi vice- mo pela Universidade Braz Cubas (1980). Atualmente é
-coordenador e coordenador de pós-graduação, vice- professor assistente doutor na Faculdade de Arquitetu-
-diretor e diretor do Centro de Tecnologia Educacional ra, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Pau-
para Engenharia e vice-chefe e chefe do Departamento lista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área
de Transportes, onde é hoje vice-coordenador de pós- de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto e
-graduação. Contato: anelson@sc.usp.br Planejamento da Paisagem, atuando principalmente nos
seguintes temas: paisagismo e meio ambiente urbano.
Claudio Silveira Amaral Contato: emilia@faac.unesp.br

Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo José Xaides Sampaio Alves


da Universidade de São Paulo USP (2005), Mestre pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida- Possui Doutorado (2001), Mestrado(1993) e Gradua-
de de São Paulo USP (1995), Arquiteto e Urbanista pela ção(1983) em Arquitetura e Urbanismo pela USP de São
Paulo. É Membro de dois grupos de pesquisas: CP-Cida- tal pela EESC-USP (em 1996), Mestrado em Arquitetura
des, Centro de Pesquisa Sobre Cidades da FAAC-UNESP e Urbanismo pela EESC-USP (em 1990), Graduação em
de Bauru e do Programa de Governança para a Admi- Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula-Rio de Ja-
nistração Municipal da FCL-UNESP de Araraquara. neiro (em 1984). É professora/orientadora do Programa
Coordena o Projeto de Extensão da UNESP: Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da Universi-
Unesp para o Desenvolvimento Sustentável de São Luiz dade Federal de São Carlos (a partir de 2008),. É também
do Paraitinga SP e Gestão do Plano Diretor Participati- professora/orientadora do Programa de Pós-Graduação
vo de São Luiz do Paraitinga. É professor desde 1985 da em Construção Civil da UFSCar (a partir de 2010). Atua
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como colaboradora/orientadora do Programa de Pós-
nos Curso de Graduação em Arquitetura, Urbanismo e -Graduação em Design da FAAC-UNESP-Bauru. É Bol-
Paisagismo em Bauru SP. Foi Secretário de Planejamento sista de Produtividade do CNPq, desenvolvendo pesqui-
do município de Bauru entre 2003 e 2005 . É pesquisador sas em Conforto Ambiental com enfoque em: conforto
e tem experiência na área de Planejamento Participativo térmico e clima urbano, geometria urbana, fator de vi-
Regional, Urbano e Rural; Direito Urbanístico; Urbanis- são do céu, conforto ambiental, ergonomia ambiental e
mo e Arquitetura. Contato: josexaides@faac.unesp.br urbana. Contato: leacrist@ufscar.br

Luiza Denardi César (Lea)


Juliana Antunes de Azevedo, (Lea)
172 Possui Graduação em Engenharia Civil pela Universi-
É graduada em licenciatura em Geografia e bacharelado dade Federal de Santa Maria (2008). Atualmente é aluna
em Geoprocessamento e Análise Ambiental pelo Insti- do Programa de Pós-Graduação em Construção Civil na
tuto de Geociências e Ciências Exatas, da UNESP de Rio Universidade Federal de São Carlos.
Claro. Mestrado em Climatologia Urbana, Consumo de
Energia Elétrica e Geoprocessamento, na Engenharia
Luiz Cláudio Bittencourt
Urbana, da UFSCar. Atualmente trabalha com geoma-
rketing e inteligência de mercado em uma empresa pri-
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia
vada em São Paulo.
Universidade Católica de Campinas (1980), especialista
em Restauro Critério de Intervenção FUPAM (1986),
Lea Cristina Lucas de Souza especialista em arquivologia Centro de Memória da
UNICAMP (1987), mestre em História Social pela Uni-
Professor Adjunto da Universidade Federal de São versidade de São Paulo (1990), doutor em Arquitetura e
Carlos a partir de agosto de 2009, Livre-Docente em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2000), pós-
Conforto Ambiental pela UNESP-Bauru (em 2006), -doutor pelo Instituto de Geociências da UNICAMP
foi Professor Adjunto da UNESP-Bauru até 2009, Pós- (2007). É professor do Curso de Arquitetura, Urbanis-
-Doutorado na Universidade do Minho-Portugal (2002- mo e Paisagismo da FAAC-UNESP-Bauru. Assessor da
2003), Doutorado em Ciências da Engenharia Ambien- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Universidade de Brasília (1985) e Doutorado em Arqui-
Faculdades Integradas de Ourinhos. Avaliador de Cur- tetura - Universitat Politecnica de Catalunya (1993), Pós
so de Graduação e Institucional do Sistema Nacional de Doutorado em Lanscape Architecture na PSU (2001).
Avaliação da Educação Superior. Coordenador do Insti- Atualmente é professora Associada III da Universidade
tuto de Pesquisas CIVITAS. Contato: lcb@uol.com.br de Brasília. Tem experiência na área de Arquitetura e
Urbanismo, com ênfase em Tecnologia da Arquitetura
e do Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes
Maria Solange Gurgel de Castro Fontes
temas: sustentabilidade, bioclimatismo, desenho urba-
no, espaco público e arquitetura e clima. Lider do Grupo
Professor Assistente Doutor da Universidade Estadu-
de Pesquisa A Sustentabildade em Arquitetura e Ur-
al Paulista Júlio de Mesquita Filho, com doutorado em
banismo, Coordena o Laboratório de Sustentabilidade
Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade
Aplicada - LaSUS. Coordena Curso de Especialização à
de São Paulo (1998) e pós doutorado na Universidade
Distancia, Lato Sensu “Reabilita - Reabilitação Ambien-
de Bath, Reino Unido. Durante o pós doutorado desen-
tal Sustentável Arquitetônica e Urbanistica” e Consórcio
volveu parte da pesquisa “Conforto térmico urbano:
de Cooperação Bilateral USA/Brasil - USBUFC , Capes/
aplicação de uma metodologia em diferentes contextos
Fipse 2008-2012. Contato: romero@unb.br
climáticos e culturais”, com a supervisão da Prof. Dra
Marialena Nikolopoulou. Colaborou com pesquisa so-
bre conforto térmico em espaços públicos abertos em
Nilson Ghirardello 173
cidades do interior paulista, coordenada pela professo-
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-Cam-
ra Lucila C. Labaki, da FEC-UNICAMP, e financiada
pinas (1983) e Engenheiro de Segurança do Trabalho.
pela FAPESP, no período de 2007 a 2009. Tem experi-
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela EESC da Uni-
ência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase
versidade de São Paulo (1992) e Doutor em Arquitetura e
em Tecnologia de Arquitetura e Urbanismo, atuando
Urbanismo pela FAU-USP (1999). É Professor Assistente
principalmente nos seguintes temas: conforto térmico
Doutor lotado no Departamento de Arquitetura, Urba-
urbano, avaliação pós-ocupação, qualidade ambiental
nismo e Paisagismo da Faculdade de Arquitetura, Artes
urbana, projeto de edificações e de espaços públicos ur-
e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio
banos. Membro do Grupo de Pesquisa NUCAM. Conta-
de Mesquita Filho, UNESP-Campus de Bauru. Tem ex-
to: sgfontes@faac.unesp.br
periência na área de Arquitetura e Urbanismo, pesqui-
sando, principalmente, temas relacionados a: História da
Marta Adriana Bustos Romero Cidade, História da Arquitetura e Patrimônio Histórico.
É autor, colaborador e organizador de livros, bem como
Graduação pela Universidad de Chile e pela Pontifícia autor de artigos apresentados em Congressos, Seminá-
Universidade Católica de Campinas (1978), Especializa- rios e Simpósios nacionais e internacionais. Foi membro
ção em Arquitetura na Escola de Engenharia, USP de São do CONDEPHAAT, Conselho de Defesa do Patrimônio
Carlos (1980). Mestrado em Planejamento Urbano pela Histórico, Artistico e Arqueológico do Estado de SP e
Presidente e Vice-Presidente do CODEPAC, Conselho sibilidade, Projeto Arquitetônico e Barreiras Arquitetô-
de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru. Conse- nicas. Contato: magagnin@faac.unesp.br
lheiro do CREA/SP, gestões 2005/2008 e 2009/2012, foi
eleito Coordenador da Câmara Especializada de Arqui- Rosio Fernández Baca Salcedo
tetura nos anos de 2009 e 2010. É o atual Vice-Diretor da
FAAC-UNESP/Bauru. Contato: nghir@faac.unesp.br Possui Pós-Doutorado pela Universidade de Barcelona
(Espanha), Doutor em Integração da América Latina
Norma Regina Truppel Constantino pela Universidade de São Paulo, Mestre em Geografia
pela UNESP, Arquiteta pela Universidad Nacional San
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Antonio Abad de Cusco (Peru). Professor Assistente
Universidade Federal do Paraná (1979), mestrado em Doutor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comuni-
Planejamento Urbano e Regional Assentamentos Hu- cação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
manos pela Universidade Estadual Paulista Júlio de quita Filho, UNESP-Campus de Bauru, membro do
Mesquita Filho (1994) e doutorado em Arquitetura e CONDEPHAAT, Conselho de Defesa do Patrimônio
Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2005). Atu- Histórico, Artístico e Arqueológico do Estado de São
almente é professor assistente doutor da Universidade Paulo. Coordenou a pesquisa “Métodos de Intervenção
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experi- nos Espaços Urbanos dos Centros Históricos. Estudo de
174 ência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase Caso: São Paulo- Programa Morar no Centro” financia-
em Projetos de Espaços Livres Urbanos, atuando princi- do pela FAPESP, no período de 11/2006 a 03/2010. Tem
palmente nos seguintes temas: paisagem urbana, paisa- experiência na área de Arquitetura e Urbanismo com
gismo, espaços livres urbanos e história da cidade e do ênfase em Fundamentos e Projetos de Arquitetura e Ur-
território. Contato: nconst@faac.unesp.br banismo, atuando principalmente nos seguintes temas:
centro histórico, patrimônio cultural, teoria e projeto de
Renata Cardoso Magagnin arquitetura, habitação de interesse social, percepção am-
biental. Contato: rosiofbs@faac.unesp.br
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Samir Hernandes Tenório Gomes
(1993) e mestrado em Engenharia Urbana pela Univer-
sidade Federal de São Carlos (1999). Atualmente é pro- Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
fessora assistente doutora - MS3 da Universidade Esta- Universidade Estadual de Londrina (1989), mestrado
dual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência em Ciência da Informação pela Universidade Estadu-
na área de Engenharia de Transportes, com ênfase em al Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e doutorado
Planejamento e Organização do Sistema de Transporte, em Arquitetura e Urbanismo pela USP - Universidade
atuando principalmente nos seguintes temas: Mobilida- de São Paulo. Atualmente é professor assistente doutor
de Urbana, Acessibilidade, Planejamento Urbano, Aces- pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Campus - Bauru. Atuou como arquiteto da Prefeitura
Municipal de Marília e professor titular da Universida-
de de Marília. Tem experiência na área de Arquitetura e
Urbanismo, com ênfase em Projeto de Edificações, atu-
ando principalmente nos seguintes temas: arquitetura e
urbanismo, computação gráfica, planejamento urbano,
disseminação da informação e projeto arquitetônico.
Contato: samirhtg@faac.unesp.br

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Sobre o livro
Formato 20,5 x 23 cm
Tipologia Minion (texto)
Myriad (títulos)
Papel Papel couché fosco 115g/m2 (miolo)
Projeto Gráfico Canal 6 Projetos Editora
www.canal6.com.br
Capa Daniel Razabone
Revisão Vivian Codogno Ribeiro
Diagramação Anderson Jun Aoyama
Daniel Razabone

Impressão e acabamento

Apoio

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