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2020.1

v1n

A Cidade e o
Isolamento Social

Eng Urb em Debate


PPGEU | UFSCar
A Engenharia Urbana em Debate é um periódico online de caráter
acadêmico e científico, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Urbana - PPGEU da Universidade Federal de São Carlos
- UFSCar e tem como objetivo publicar, de forma gratuita, pesquisas
voltadas ao conhecimento e práticas sobre a gestão e atuação técnico-
profissional no território.

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Engenharia Urbana em Debate / Universidade Federal de São


Carlos. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana -
PPGEU. v.1, n.1 (2020). São Carlos: 2020.

v.1, n.1 Fluxo contínuo com 2 números por ano


Sumários em Português
ISSN: 2675-830X digital

1. 1. Saneamento. 2. Urbanismo. 3. Geotécnica e


Geoprocessamento. 4. Transportes. Universidade Federal de
São Carlos II. Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Urbana.

CDD – 628

Periodicidade: Fluxo Contínuo com 2 números por ano

Suporte: Eletrônico

PPGEU - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana


Universidade Federal de São Carlos
Rodovia Washington Luis, km 235 - São Carlos - SP - BR
CEP: 13565-905
Telefone: (16) 3351-8295

Engenharia Urbana em Debare


engurbdebate@gmail.com

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Sumário

Corpo Editorial
Profa. Dra. Katia Sakihama Ventura
Profa. Dra. Denise Balestrero Menezes
Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves
Profa. Dra. Thais Martinelli Guerreiro
Profa. Dra. Elza Luli Miyasaka

Coordenação do Programa de Pós- Editorial.............................................................6


Graduação em Engenharia Urbana
Prof. Dr. Erich Keller Katia Sakihama Ventura, Denise Balestrero Menezes, Luciana Márcia
Prof. Dr. Érico Masiero Gonçalves, Thais de Cassia Martinelli Guerreiro, Elza Luli Miyasaka
Alex Rogério Silva (Assistente Adm.)
Cidade e Cidadãos Resilientes................................9
Conselho Editorial Erich Kellner
• Prof. Dr. Rodrigo Melo Porto | EESC-USP
• Prof. Dr. Valdir Schalch | EESC-USP Desafios metodológicos da pesquisa sobre os efeitos
• Prof. Dr. Paulo Scalize | UFG da legislação urbanística na distribuição espacial da
• Profa. Dra. Regina Mambelli | UNIFEI -
população: Conselheiro Lafaiete como estudo de caso
Itajubá
.......................................................................11
• Prof. Dr. Maurício Pinto | UnCuyo - AR Tiago Augusto da Cunha, Cecília Miranda Silva, Victor Barroso Rosado
• Prof. Dr. Rodrigo Firmino | PUCPR
• Prof. Dr. Tiago Cunha | UFVMG Geotecnologias no Contexto das Cidades mais
• Prof. Dr. Ricardo de Souza Moretti | UFABC Resilientes: Zoneamento De Áreas De Risco A
UFRN
Inundações Como Ferramenta De Planejamento
• Profa. Dra.Gisela Cunha Viana Leonelli |
Urbano.............................................................30
UNICAMP Sabrina Deconti Bruski, Francisco Manoel Wohnrath Tognoli, Thiago
• Profa Dra. Leticia Peña Barrera | Univ. Peixoto de Araújo
Autónoma de Ciudad de Juárez _ México
• Prof. Dr. Cláudio César de Paiva | UNESP Estudo da geração de energia elétrica de biogás a
Araraquara partir da vinhaça de uma usina de cana de açúcar..58
• Prof. Dr. José Augusto di Lollo | UNESP Fabrício Tadeu Pereira, Ivan Felipe Silva dos Santos, Regina Mambeli
Ilha Solteira Barros, Geraldo Lúcio Tiago Filho, Thayla Francisca Vilas Bôas,
• Prof. Dr. Eduardo Augusto Werneck Ribeiro
| Instituto Federal Catarinense Impactos da Pandemia de COVID-19 no Município de
• Profa. Dra. Amarilis Lucia Casteli São Paulo: A Desigualdade Mata até 100 Vezes mais
Figueiredo Gallardo | Poli/USP e Uninove em Diferentes Distritos.......................................75
• Prof. Dr. José Luiz Albuquerque Filho | IPT Pedro Moreira de Mello, Luciana Gonçalves, Elza Luli Miyasaka
• Prof. Dr. Edmur Azevedo Pugliesi | UNESP
Presidente Prudente Geotecnologias como subsídio na gestão pública da
• Prof. Dr. Marco Musso | UniLaR - Uruguay pandemia de COVID-19: o caso de Araraquara-SP ..
• Prof. Dr. Antonio Nelson Rodrigues da Silva
.......................................................................90
| EESC-USP Tatiane Ferreira Olivatto, João Mateus Marão Domingues, Bruno
• Prof. Dr. Licinio da Silva Portugal | UFRJ Joaquim Lima
• Profa Dra. Magaly Natalia Pazzian
Vasconcellos Romão | Fac. de Tec. de Jahu Sistemas de medição hídrica com eliminação dos
• Prof. Dr. Rui António Rodrigues Ramos | efeitos de submedição de vazão para uso em
Escola de Engenharia - Univ. do Minho edificações e dessedentação animal....................103

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Bene Eloi M. Camargo, Daniel Jadyr L. Costa, Julio Cesar Pascale
Palhares, Jorge Akutsu

Abordagem sistêmica para elaboração de modelo


conceitual do sistema de abastecimento de água da
Região Metropolitana de São Paulo.....................119
Sthéfanny Sanchez Frizzarim, Marcelo Montaño

Geotecnologias como ferramentas de auxílio


regularização fundiária.....................................131
Alessandra C. Corsi, Eduardo S. de Macedo, Marcela Penha Pereira
Guimarães

Perfil de interessadas/os em participar de um projeto


comunitário de compostagem urbana.................146
Bruna Aparecida Silva de Aquino, Anna Carolina Espósito Sanchez,
Valéria Ghisloti Iared

Avaliação da qualidade dos espaços urbanos para


pedestre no entorno de escolas: Estudo de caso de
Ribeirão Preto e Serrana...................................160
José da Costa Marques Neto, Gustavo Henrique Vital Gonçalves,
Marcelo Augusto Amâncio

Avaliação dos Planos Diretores de Araraquara Pós


Estatuto da Cidade: Em 2014 houve Revisão ou
dequação?......................................................172
Priscila Kauana Barelli Forcel, Aderson Passos Neto, Joel Venceslau de
Oliveira Junior

Planos diretores municipais: bases para avaliação


Ambiental estratégica.......................................184
Jacqueline Priscila Olmedo, emésio Neves Batista Salvador

Terra, moradia e alimento: O assentamento


humano contemporâneo e a produção biodinâmica
de alimentos como agentes transubstanciados da
paisagem.......................................................202
Kelly Cristina Magalhães, Cristina G. Mendes Brasileira

Estudos de Tráfego para Tomada de Decisão


Referentes à Implantação de um Novo Polo Gerador
de Viagem - pgv em São João da Boa Vista-SP.....214
Geisa Aparecida da Silva Gontijo , Raphael Bassi Filho

Sustentável, digital ou inteligente: paradoxo e


paradigma das tecnologias na mobilidade urbana.230
Ivan Damasco Menzori, Luciana Márcia Gonçalves

Aplicação dos conceitos e ferramentas de IoT à

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gestão da Fração Orgânica de Resíduos Sólidos
Urbanos: uma exploração inicial.........................242
Marco Aurélio Soares de Castro, Jacqueline Mazini Lafratta

Arborização urbana como um corredor ecológico .257


Antonio Carlos Pries Devide, Frederico Lúcio de Almeida Gama, Renata
Egydio de C. C. Manço

A regularização dos assentamentos informais como


produto da modificação da paisagem urbana na
cidade em isolamento social...............................269
Taisa Cintra Dosso, Jonathas Magalhães Pereira da Silva

Comissão Editorial............................................278

A Enenharia Urbana em
Debate é registrada no
Creative Commons

O conteúdo dos
artigos é de inteira
responsabilidade dos
autores.

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Editorial

CORPO EDITORIAL Em 2019, o Programa de Pós-Graduação em Engenharia


Urbana (PPGEU) da Universidade Federal de São Carlos
Profa. Dra. Katia (UFSCar) lançou o E-book comemorativo à trajetória
Sakihama Ventura histórica do programa e intitulado 25 anos Programa de
Pós-Graduação Engenharia em Urbana.
Profa. Dra. Denise
Balestrero Menezes Ao longo destes anos o PPGEU amadureceu e aprimorou
suas pesquisas dentro da perspectiva da gestão urbana,
Profa. Dra. Luciana garantindo o pioneirismo da visão integradora entre os
Márcia Gonçalves eixos temáticos (urbanismo, saneamento, geotecnia/
geoprocessamento e transportes) e fornecendo subsídio à
Profa. Dra. Thais de tomada de decisão dos gestores do serviço público.
Cassia Martinelli
Guerreiro Neste momento, o Programa acompanha as transformações
socioambientais e de saúde pública, sob a análise holística
Profa. Dra. Elza Luli dos desafios vivenciados pela humanidade, tais como a
Miyasaka inclusão e participação social, uso da tecnologia digital,
implementação de mecanismos de gestão, valorização e
Maiores informações, respeito ao meio ambiente, entre outras.
acesse: https://www.
engurbdebate.ufscar. Em 2020 o PPGEU inovou ao realizar o I Simpósio Brasileiro
br/ Cidades + Resilientes, 1º evento no modalidade on-line
vinculado ao programa. Contou com a participação de ilustres
personalidades vinculadas aos eixos temáticos abordados,
como o Prof. Dr. Paulo Hilário Nascimento Saldiva, médico
patologista com vasta experiência profissional e acadêmica
em doenças respiratórias, saúde ambiental, cidade e
resiliência.

Os eixos temáticos do evento foram:

• Tópico Especial: A Cidade e o Isolamento Social


• Cidades Inovadoras
• Mobilidade Urbana Sustentável
• Geotecnologias e Investigação Geotécnica das Cidades
• Gestão e Tecnologias Aplicadas aos Sistemas de
Saneamento

A pandemia Covid-19 trouxe mudanças à vida urbana e

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exigiu adaptações da sociedade, de forma preventiva,
para garantir os serviços essenciais à saúde pública. Neste
contexto, padrões de consumo, geração de resíduos sólidos,
revisão de valores, conscientização sobre o aspecto coletivo,
planejamento de infraestrutura urbana, uso sustentável de
recursos e uma mudança na mobilidade urbana surgiram
para expor novas demandas socioculturais e econômicas.

A taxa de adesão ao isolamento social foi uma medida,


entre outras adotadas pelos governos no mundo todo,
a fim de minimizar a disseminação e o registro de casos
contaminados pela doença, especialmente no Brasil.

O avanço da Covid-19, a partir de março de 2020, foi registrado


em escala exponencial, visto pelo desconhecimento do
contágio e da incredulidade da gravidade da doença.

Nestas circunstâncias, em dezembro de 2020, o PPGEU


lançou o 1º número do periódico Engenharia Urbana
em Debate, com acesso livre e gratuito, com o tema
Isolamento Social.

Este volume contou com a participação de 14 instituições,


das quais destacam-se instituto de pesquisa, fundações
e universidades públicas, instituições privadas de ensino
e prefeitura municipal. Tais instituições localizam-se nos
estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Quanto ao objeto de estudo, em sua grande maioria, os


artigos selecionados e convidados apresentaram análises
em cidades de porte médio do interior paulista, tais como
Araraquara, Itapevi, Pindamonhangaba, Ribeirão Preto,
Serrana, São João da Boa Vista.

A seleção considerou as maiores pontuações do evento


on-line por eixo temático, de acordo com a avaliação dos
pareceristas da comissão científica, todos com título de
doutor. De modo geral, os temas dos artigos selecionados e
convidados abordaram os seguintes tópicos:

• Isolamento social: desigualdade de infraestrutura e


equipamentos urbanos na pandemia, Geotecnologias como
subsídio na gestão pública da pandemia, assentamento
informais e alteração da paisagem;
• Cidades inovadoras: participação popular e instrumentos
urbanísticos em cidades resilientes, compostagem
urbana, plano diretor municipal, assentamento humano/
bioeconomia e paisagem, estudo de tráfego;
• Mobilidade urbana sustentável: Tecnologias aplicadas
à mobilidade urbana e cidades inteligentes, arborização

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urbana, espaço urbano para pedestres;
• Geotecnologias e Investigação Geotécnica das Cidades:
SIG para mapeamento de risco em Área de Preservação
Permanente, geotecnologias para inundação e planejamento
urbano;
• Gestão e tecnologia aplicadas ao sistema de saneamento:
monitoramento de vazão para controle do uso racional da
água, sistema de abastecimento de água, plano diretor
urbanístico e resíduos sólidos orgânicos.

Neste universo, outras pesquisas foram desenvolvidas no


município de São Paulo, na Região Metropolitana de São
Paulo, na Região Administrativa do estado de São Paulo,
Palotina (PR), e, alguns países além do Brasil.

Desta forma, torna evidente que a Revista Engenharia em


Debate é o espaço mais recente de divulgação e debate
das investigações cientificas de alto nível produzidas por
pesquisadores brasileiros no âmbito da Engenharia Urbana.
A perspectiva é ampliar em número de universidades e
entidades participantes, abrindo espaços para investigadores
inclusive estrangeiros.

O universo de pesquisas aqui apresentados não visa


somente o âmbito acadêmico, os artigos reproduzidos
neste periódico retratam materiais produzidos por esses
docentes e seus grupos de pesquisas e propõe colaborar
com empresas públicas, autarquias, concessionárias e
muitas empresas que trabalham com e para os serviços
urbanos.

Este, portanto, será um novo periódico com abordagens


bem claras e objetivas de temas como inovação, gestão,
sustentabilidade, tecnologia, entre outros que buscam
aprimoramento dos espaços urbanos construídos,
ambiental e socialmente justos, explorando, apresentando
e analisando ferramentas desenvolvidas para a cidade do
século XXI.

O conteúdo dos artigos veiculados por este periódico é de


responsabilidade dos seus autores, com plena liberdade de
opinião e de crítica.

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Cidade e Cidadãos Resilientes

Prof. Dr. Erich Kellner O ano de 2020 será um ano memorável, não somente pela
Coordenadordor do pandemia de COVID-19 e que nos obrigou ao isolamento
Programa de Pós-Graduação social, como também por testar nossa resiliência.
em Engenharia Urbana da
Universidade Federal de São E foi em meio a esse distanciamento social que um
Carlos | PPGEU-UFSCar grupo de professoras do Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Urbana – PPGEU, propôs a criação de uma
Revista de divulgação científica, aproximando técnicos e
pesquisadores que trabalham com essa obra inacabada e
inconclusa chamada cidade.

Essa proposta iniciou-se com a elaboração do livro


comemorativo dos 25 anos do PPGEU, o qual semeou o
I Simpósio Brasileiro Cidades +Resilientes, dando início a
esta revista Engenharia Urbana em Debate.

Coube a coordenação do PPGEU a grata e honrosa missão


de apresentar este periódico científico que, assim como o
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, agrega
e dissemina os resultados das pesquisas com a temática
urbana.

O PPGEU – Programa de Pós-Graduação em Engenharia


Urbana teve suas atividades iniciadas com o Programa de
Mestrado no ano de 1994, propondo uma abordagem em
Engenharia aplicada no território urbanizado e pautada
pelo entendimento da cidade em sua essência, na qual
existe a necessidade de intervenção técnica, estética e o
compromisso social.

Dessa maneira, o PPGEU vem resgatar o papel social que os


mais diversos pesquisadores têm com o comprometimento
da melhora da qualidade de vida nas cidades.

Passados 26 anos, a temática para criação do PPGEU


continua atual, já que os desafios que se apresentam ainda
ocorrem pela desigualdade social, pela deficiência da gestão
em lidar com mudanças de paradigmas e renovada pelos
impactos das novas tecnologias nos vários subsistemas, na

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paisagem e na governança urbana.

Considero que estamos vivendo um momento histórico e


com profundas transformações, no qual devemos estar
conscientes e comprometidos com as decisões que poderão
afetar as futuras gerações.

A revista Engenharia Urbana em Debate traz à tona tais


questões, imprimindo um olhar mais atento derivado do
debate e da produção científica.

O ano de 2020 será memorável. Nós somos resilientes.

Boa leitura.

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Desafios metodológicos da pesquisa sobre os efeitos
da legislação urbanística na distribuição espacial da
população: Conselheiro Lafaiete como estudo de caso
Methodological challenges in the research about the effects of urban
legislation over the spatial distribution of the population: Conselheiro
Lafaiete as a case of study

Desafíos metodológicos en la investigación de los efectos del reglamiento


urbanístico sobre la distribución espacial de la población: Conselheiro
Lafaiete como estudio de caso

Tiago Augusto da Cunha Resumo


Doutor em Demografia - O objetivo principal da presente investigação é compreender se a legislação urbanística pode
provocar concentrações espaciais de grupos populacionais segundo suas características.
UNICAMP
Elegemos o município de Conselheiro Lafaiete como estudo de caso. Mapeamos os estratos
Prof. Dep. Arq. Urb - UFV segundo a idade de seus indivíduos – em realidade, de acordo com o estágio do ciclo vital em
tiagoac@ufv.br que as famílias se encontram –, do formato que os arranjos domiciliares e, por último, das suas
rendas. Manejamos os microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010, além de
termos compilado as informações do Plano Diretor Municipal (PDM) e da Lei de Uso e Ocupação
Cecília Miranda Silva do Solo (LUOS). Limitamos a investigação ao intervalo 1999-2018. Os resultados sugerem
Mestre pelo Prog. de Pós- que as simples legalizações e regulamentações proporcionadas pelo Plano Diretor de parte do
graduação em Arquitetura e território municipal se desdobram em diferenciais de oportunidades em acessá-las, ao torná-las
Urbanismo - PPGAU | UFV intangíveis às famílias mais carentes e em estágios iniciais do seu ciclo vital familiar.
Palavras-chave: Legislação urbanística; Perfil sociodemográfico; Concentração espacial da
ceciliams26@gmail.com
população; Ciclo de vida; Planos Diretores

Victor Barroso Rosado Abstract


Mestre pelo Programa de Pós- The main objective of the present investigation is to understand if urbanistic legislation can
cause spatial concentrations of population groups according to their characteristics. We map the
graduação em Arquitetura e
strata according to the age of their individuals - in fact, according to the stage of the life cycle in
Urbanismo - PPGAU | UFV which families are -, the format that home arrangements assume and, finally, of their incomes.
vbrrosado@gmail.com Also, we handled the microdata from the Demographic Census 2000 and 2010 sample, as well as
compiling information from the Municipal Master Plan (MMP) and the Land Use and Occupation
Law (LUOL) by Conselheiro Lafaiete. We limited the investigation to the 1999-2018 interval. The
results suggest that the simple legalizations and regulations provided by the Master Plan of part
of the municipal territory unfold in differentials of opportunities to access them, making them
intangible to the neediest families and in the early stages of their family life cycle.
Keywords: Urban legislation; Sociodemographic profile; Spatial concentration of the population;
Life cycle; Master Plans

Resumen
El objetivo principal de la presente investigación es comprender si los cambios en los reglamentos
urbanísticos de los Planes Maestros suelen provocar diferenciales de concentración espacial según
las particularidades de los colectivos. Elegimos como estudio de caso la alcaldía de “Conselheiro
Lafaiete”, en el Departamento de Minas Gerais, Brasil. Describimos los colectivos, sobre todo,
en función de sus edades - en realidad, según la etapa del ciclo vital familiar - del formato de
los arreglos domiciliares y, por último, de sus rentas. Utilizamos los microdatos de los Censos
Demográficos de 2000 y 2010, del Plan Maestro y de la Ley de Uso y Ocupación del Suelo.
Limitamos la investigación al período 1999-2018. Los resultados sugieren que modificaciones
en las leyes de ordenamiento territorial implican en probables impedimentos de algunas zonas
por algunos perfiles poblacionales. En otras palabras, nos parece que los Planos Maestros están
obstaculizando la ocupación de determinadas regiones al tornarlas intangibles a las familias más
carentes y, además, en etapas iniciales de su ciclo de vida familiar.
Palabras clave: legislación urbanística; perfiles poblacionales; concentración espacial de la
población, ciclo de vida familiar; estructura de los hogares

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1. INTRODUÇÃO
assim como famílias e indivíduos
Partimos da assertiva de Maricato podem ascender socialmente
(2000) sobre a inequívoca dicotomia e, não poucas vezes, ambos os
urbana entre cidade “legal” e “ilegal” processos evolutivos coincidem. O
e das oportunidades tangíveis, tempo físico e social – inclusive o
fossem elas físicas (infraestruturais) demográfico – interagem. Dessa
ou imateriais, aos grupos sociais maneira, certamente a pobreza e a
inerentes de cada uma das áreas. A carência para muitos e para várias
simples legalização de determinados partes do território são condições
territórios oferece possibilidades momentâneas, conjunturais ou
para alguns, enquanto aqueles que não, e não situações atemporais
vivem sob a pecha da ilegalidade – ou imutáveis. Enfim, a localização
simplesmente da não regulamentação espacial dos grupos, inclusive
fundiária – são privados das mesmas segundo as características das
chances, reproduzindo processos famílias (formatos), o acúmulo de
de marginalização, exclusão e infraestruturas e serviços urbanos
segregação socioespaciais. Em segundo zonas e os estágios do
outras palavras, presumimos que ciclo vital guardam algum grau de
a legislação urbanística, ao definir correspondência.
quais áreas são legais e, logo, seus
parâmetros de uso e ocupação – Apesar de encontrarmos no
em resumo, a natureza urbana das arcabouço teórico um extenso
zonas –, influencia os processos panorama de associações entre a
de redistribuição e concentração criação ou a alteração de marcos
espacial dos grupos populacionais na legais e valorização fundiária, os
cidade. efeitos da legislação urbanística na
redistribuição espacial da população,
Ao supor a relevância da legislação de acordo com suas características
na distribuição da população sociodemográficas, ainda são pouco
no território intraurbano, não investigados, ao menos de forma
estamos afirmando que ela atua quantitativa.
exclusivamente como elemento de
atração de grupos, mas, quiçá, como Outro objetivo da pesquisa foi,
empecilho/barreira para alguns portanto, elaborar, aplicar e discutir
estratos residirem em determinadas uma metodologia de cruzamento
zonas. Tampouco somos ingênuos de variáveis urbanísticas e
ou queremos fazer crer que a populacionais. De modo resumido,
legislação é o único fator que explica trata-se do manejo de métodos
a localização geográfica dos grupos mistos voltados à interpretação das
sociais no espaço intraurbano, porém relações entre os fenômenos. Para
acreditamos que ela é uma das suas tanto, foi necessário versarmos
causas e influencia quem reside aqui sobre as diferentes escalas espaciais
ou acolá. (ruas, setores censitários e bairros).
Esforçamo-nos em sincronizá-
Por último, partimos do pressuposto las sempre que possível, evitando
de que as temporalidades tanto quaisquer vieses, como falácias
de territórios quanto de famílias ecológicas, embora tenha sido difícil
e indivíduos, em alguma medida, evitar algumas simplificações que
dialogam. Porções da cidade se certamente influenciam os resultados
infraestruturam ao longo do tempo, finais.

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Optamos por utilizar o conceito de A estruturação territorial e social da
Ciclo de Vida em consonância com cidade, segundo Costa & Mendonça
as variações de rendimento. Assim, (2008), vem sendo desenvolvida de
podemos dizer que a unidade básica forma segregada e hierarquizada,
de análise social e demográfica é, em uma vez que os recursos urbanos
realidade, o domicílio. são colocados de forma desigual
nas regiões e, outrossim, não são
Valemo-nos, sobretudo, de fontes uniformemente apropriados pelos
secundárias de dados, tais como os estratos populacionais igualmente
microdados da amostra dos Censos segregados socialmente. Sob o
Demográficos de 2000 e 2010. rótulo da localização, produz-se
Ademais, levantamos, compilamos ainda o que as autoras chamam
e mapeamos espacialmente o Plano de uma “diferenciação social”
Diretor, e posteriormente a Lei de Uso naturalizada nas “estruturas
e Ocupação de Solo do município. Por mentais”, determinando a oferta do
último, realizamos um levantamento mercado imobiliário e, ao mesmo
de campo, levado a cabo em 2018, tempo, a preferência das pessoas
para verificar empiricamente a por determinadas regiões. Villaça
acurácia das interpretações dos (1998, p. 24) complementa este
dados secundários. raciocínio ao afirmar: “A localização
é, ela própria, também um produto
É importante salientar que o Plano do trabalho e é ela que especifica o
Diretor, apesar de cobrir todo o espaço intraurbano”.
município, elenca um seleto número
de ruas como centro, hipercentro e Nesse sentido, quando uma área
centro regional e prevê apenas para urbana tem seu padrão de usos e
estas áreas investimentos públicos parâmetros construtivos alterados,
em projetos e obras de infraestrutura. alteram-se mais do que as tipologias
Dentro dessa perspectiva construtivas que lhe serão próprias,
dicotomizamos a cobertura territorial senão seu valor da terra e, logo,
do Plano Diretor, atribuindo 1 às áreas a capacidade físico-financeira de
sob sua influência e 0 para setores adquiri-la. Esse processo, ainda
sem esse tipo de classificação. que indiretamente, altera o perfil
sociodemográfico da região, pois
Apesar de boa parte do esforço mantém estreita relação com
de investigação ter se reduzido à variáveis individuais como renda,
engenharia e à técnica para lograr escolaridade, idade, sexo e etnia/cor,
compatibilizar os tempos, os territórios ou seja, impede que determinados
e os dados, os resultados obtidos grupos acessem-na mediante
nos parecem promissores, sugerindo inúmeros constrangimentos,
que, de fato, a legislação pode especialmente os financeiros.
constranger–limitar a localização dos
grupos, especialmente das famílias Nesse contexto, Carlos (2008, p. 54)
economicamente mais carentes e em assevera:
momentos iniciais de sua formação.
O processo de formação do preço
2. REFERENCIAL TEÓRICO: da terra, enquanto manifestação
TERRITÓRIO, POPULAÇÃO E do valor das parcelas, leva em
LEGISLAÇÃO conta desde processos cíclicos da
conjuntura nacional (que incluem

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a forma de manifestação de avançados do ciclo vital e, assim,
processos econômicos mundiais) com mais recursos, mudam-se em
até aspectos políticos e sociais direção às localizações com maiores
específicos de determinado lugar. amenidades e infraestruturas
Todos esses fatores vinculam-se (MODENES CABRERIZO e LOPES
ao processo do desenvolvimento COLÁS, 2004).
urbano, que, ao realizar-se,
redefine a divisão espacial e, Lograr las aspiraciones
com isso, o valor das parcelas. residenciales ligadas al ciclo de
(CARLOS, 2008, p. 54) vida del hogar, en muchos casos
depende de la evolución positiva de
Sendo assim, valores fundiários, la carrera laboral. Generalmente,
frutos diretos dos zoneamentos e los adultos en situación de
dos parâmetros urbanísticos, ao eventualidad tienen una mayor
serem estabelecidos, condicionam inestabilidad residencial, por
a localização urbana dos grupos su mayor recurso al sector de
populacionais. Desse modo, a escolha alquiler… (MODENES CABRERIZO
do local de moradia é consequência e LOPES COLÁS, 2004, p. 5-6)
do montante (ou da inexistência
completa de economias) que pode Partindo, contudo, da perspectiva
ser despendido na compra do da imobilidade espacial, ou seja,
imóvel. Isto é, trata-se de uma lógica tendo-se em vista as famílias que
mercantilista, contrária à função não se mudam dentro do urbano,
social da propriedade, apartando ainda assim não é atípico haver
grupos e concentrando-os, muitas correspondência entre ciclo de vida,
vezes, em regiões desprovidas progresso econômico individual
de equipamentos, infraestruturas (embora incipiente) e melhorias no
e amenidades e, por sua vez, sistema de serviços públicos urbanos
reproduzindo, e talvez intensificando, (RAMÍREZ e MAYER-FOULKES,
a pobreza e a desigualdade social 2011). Certamente, não queremos
(MARICATO, 2000; ROLNIK, 2017; ser taxativos quanto à causalidade
KOWARICK, 1980). entre os fatores, tampouco
acreditamos que sejam os únicos
Além da correlação entre localização elementos que explicam a qualidade
e renda, estudos (NAKANO, CAMPOS da infraestrutura urbana ou a
e ROLNIK, 2004; METZGER, 2002) concentração espacial da população,
sugerem uma associação entre porém supomos que os componentes
localização e estágios do ciclo vital dialogam, em certa medida.
familiar, posto que o formato do
arranjo domiciliar e o momento Nakano (2016) explora a relação
em que eles se encontram podem dos movimentos de adensamento ou
significar diferenciais na capacidade diminuição populacional nos distritos
de poupança e, consequentemente, do município de São Paulo em função
na capacidade de compra de imóveis. da oferta de empreendimentos
A temporalidade das famílias, residenciais verticais. Observa, para
em não poucos casos, guarda isso, as áreas que ganharam e as que
correspondência com a localização perderam moradores, a localização
dos imóveis de um ponto de vista dos distritos analisados em relação
da mobilidade residencial. Em outras ao município de São Paulo e os perfis
palavras, famílias em estágios mais sociodemográficos condicionados

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à oferta dos empreendimentos isto é, para a reprodução, para a
habitacionais, demonstrando, assim, perpetuação das desigualdades
o impacto da produção imobiliária físico-territoriais e socioterritoriais.
na (re)organização territorial e na
redistribuição espacial da população, 3. METODOLOGIA
seja na escala municipal, seja na
regional. 3.1. ANÁLISE FÍSICO-TERRITORIAL E
CARTOGRAFIA DA LEGISLAÇÃO
De qualquer forma, o Estado
desempenha um papel central na Cabe mencionar que o zoneamento
distribuição espacial da população, do solo urbano de Conselheiro
malgadro acredite-se que não. Ribeiro Lafaiete é dado por ruas a partir
(1997) explica que o Estado deveria da Lei de Uso e Ocupação do Solo
atuar para combater as questões (LUOS). Portanto, a escolha dos
de sobrelucro do mercado do solo, bairros para investigação reflete as
de modo que a distribuição social áreas nas quais um maior número
da riqueza ocorresse de forma mais de ruas teve seus usos e parâmetros
igualitária. No entanto, a suspeita é construtivos alterados segundo a
que o Estado, mediante a instituição mesma LUOS, o que corresponde aos
ou atualização de leis, especialmente bairros de: Arcádia, Campo Alegre,
as de ordenamento territorial (no Jardim América, Oscar Corrêa,
que tange à escala intraurbana), Museu, Santa Rosa (Figura 1).
vem contribuindo para o oposto,
Figura 1- Localização e delimitação dos bairros pesquisados. Conselheiro
Lafaiete, 2018.

Fonte: Imagens de satélite. Google Earth. Elaboração própria (2018).

15
Em suma, não investigamos toda Entendemos como componentes do
a área urbana de Conselheiro perfil sociodemográfico a idade, a
Lafaiete, tampouco toda a área escolaridade, a etnia/cor e a renda1.
urbana regulamentada; apenas nos Decerto, há outras características
limitamos às áreas de maior ebulição sociodemográficas relevantes às
legal, de maneira a controlar os investigações sobre a localização
efeitos dessas modificações na dos grupos, porém limitamo-
redistribuição e na concentração nos a estas e, particularmente, à
espacial da população segundo o idade e à renda, comparando-as
perfil de seus residentes. Admitimos espacialmente ao longo da década.
que o ideal seria estudar todo o Para tornar a avaliação possível,
perímetro urbano. Investigá-lo onde recorremos aos microdados dos
o zoneamento é dado por segmento Censos Demográficos de 2000 e
1 Para o Censo 2000: 6.4 de rua e fachada é, no entanto, uma 2010; ora os dados do universo, ora
Arquivo de responsável tarefa hercúlea. Consideramos que os da amostra – ou, ainda, por meio
pelo domicílio particular a indução, nesse caso, não será um das tabelas de dados agregados
permanente (planilha problema. segundo setores censitários.
R e s p o n s a v e l 1 _ U F. x l s ) –
Variável V0623 – Total do Talvez o maior desafio de Elegemos a renda por acreditarmos
rendimento nominal mensal operacionalização da pesquisa ser a mais representativa variável
das pessoas responsáveis tenha sido a sincronização entre para indicar enriquecimento ou
por domicílios particulares legislação, como dito, dada por ruas empobrecimento de indivíduos e
permanentes. E: 6.4 e seu cruzamento com variáveis famílias.
Arquivo de responsável cujo mapeamento é de superfície
pelo domicílio particular (especialmente setores censitários). A variação da idade, nos setores
permanente (planilha Desde já alertamos que fomos censitários, por si só sugere
R e s p o n s a v e l 1 _ U F. x l s ) forçados a algumas simplificações. mudanças na estrutura etária da
– Variável V0402: Desse modo, há, dentro da mesma população e, logo, já poderia indiciar
Responsáveis por domicílios área, com os mesmos atributos mudanças não esperadas–naturais2
particulares permanentes. médios de estágios familiares –idade do perfil dos residentes. No entanto,
Para o Censo 2010: 6.20 dos responsáveis pelos domicílios e optamos por analisar a idade em
Arquivo Renda da Pessoa renda –, tanto ruas valoradas como função do Índice de Ciclo de Vida
Responsável (planilha 0 como ruas categorizadas como (ICV). A escolha se justifica por ele
ResponsavelRenda_UF.xls 1. Certamente as correspondências concatenar formatos dos arranjos
ou ResponsavelRenda_ entre a variável independente (áreas familiares e estágios e/ou etapas
UF.csv)– Variável V022: sob influência do Plano Diretor) e em que estes mesmos arranjos
Total do rendimento as variáveis dependentes (arranjo se encontram (OLIVEIRA, 1982).
nominal mensal das pessoas domiciliar, ciclo vital familiar e renda) Dessa maneira, não nos limitamos
responsáveis. E: Arquivo são influenciadas pelas assincronias a analisar de modo univariado e
Responsável pelo domicílio, entre escalas. Uma medida corretiva individualizado os fenômenos. Além
total e homens (planilha seria transformarmos ambas as disso, presumimos que o processo de
Responsável02_UF.xls ou classes territoriais (ruas = vetores consolidação dos territórios dialoga
Responsavel02_UF.csv)– e setores = polígonos) em matrizes com a temporalidade das famílias e dos
Variável V001: Pessoas de mesma escala; este também domicílios. Em outras palavras, zonas
Responsáveis. um exercício demasiado trabalhoso, mais consolidadas, infraestruturadas
2 Aqui entendidas como tendo em vista nossos recursos. e servidas provavelmente são o
aquelas que não são o local de residência de arranjos
resultado do processo 3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL domiciliares que se encontram em
natural de envelhecimento SOCIODEMOGRÁFICO E DE SUAS estágios mais avançados do ciclo de
populacional. TEMPORALIDADES vida familiar e, provavelmente, estes

16
últimos acumularam mais meios, e domiciliares, ou, simplesmente,
patrimônios e bens no decurso de é o resultado de processos físico-
suas vidas (RAMÍREZ e MAYER- biológicos que combinam indivíduos
FOULKES, 2011). Recapitulando, e famílias, como a morte dos pais do
acreditamos que as modificações domicílio original (Tabela 1). Como
legais influenciarão as condições a variação da idade dos membros
infraestruturais, desdobrando-se dentro dos domicílios é manifestada
em valores fundiários e imobiliários por meio de um valor numérico,
condizentes à natureza e à qualidade é possível sintetizar o estágio no
do espaço, fatores que são qual se encontra determinado
tangíveis apenas por alguns grupos arranjo domiciliar, também de modo
socioeconômicos em determinados discreto. Desse modo, podemos
momentos de suas vidas. imputar valores médios de ciclo
vital familiar aos setores censitários,
Formulamos, para esta pesquisa, classificando-os segundo os estágios
três estágios do Ciclo de Vida de Formação, Consolidação ou
familiar, são eles: 1) Formação, que Desconstrução/Reagrupamento das
corresponde à fase mais jovem, famílias ali residentes. A avaliação
etapa inicial da composição da das transições ou permanência
família; 2) Consolidação, ou seja, dos estágios, manifestada nos
fase adulta, caracterizada pela setores censitários, indica padrões
expansão da família, e, por último, comportamentais ligados ao estilo
3) Desconstrução/Reagrupamento, de vida e, possivelmente, ao padrão
que pode indicar a saída dos de consumo dos residentes de cada
filhos do domicílio de origem para área.
formar novos núcleos familiares

Tabela 1 – Classificação dos estágios de Ciclo de Vida

c Estágio
–5,69 a –3,01 Formação
–3,00 a –0, 33 Consolidação

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).


Censos Demográficos 2000 e 2010. Microdados da amostra.
Elaboração própria (2019).

Vale dizer que os intervalos do os limites inferiores e superiores de


ciclo de vida são o produto de uma cada faixa de ICV.
análise discriminante que agrupou os
arranjos domiciliares segundo suas Bussab e Wagner (1994)
semelhanças, nesse caso, de acordo operacionalizam o conceito de Ciclo
com as similitudes entre as idades de Vida de modo singular e, para
dos seus integrantes (responsáveis calculá-lo, utilizam uma função
por domicílios e/ou cônjuges e/ou logarítmica, na base 10, entre a idade
filhos). Realizamos, em seguida, uma dos cônjuges e dos filhos (Equação
análise convencional de estatística 1).
descritiva para cada grupo, definindo

17
Equação 1 – Fórmula para o cálculo do Índice do Ciclo de Vida (ICV)

ICV = Índice do Ciclo de Vida; IDMC = idade média dos cônjuges; IDMF = idade média dos
filhos; DCNFV = diferença entre a idade do cônjuge mais novo e a idade do filho mais velho;
Média (IDMC) = média das idades médias dos cônjuges de todas as famílias; Média (IDMF) =
média das idades médias dos filhos de todas as famílias; Média (DCNFV) = média da diferença
entre as idades do cônjuge mais novo e do filho mais velho, de todas as famílias.
Fonte: Adaptado de Bussab e Wagner, 1994.

Por conta dessa associação entre Queremos, desde já, apontar para
arranjos domiciliares e as idades dos as limitações teórico-metodológicas
responsáveis pelos domicílios, seus do procedimento. Talvez a maior
cônjuges e filhos, antes mesmo de delas seja assumir que o ciclo vital é
obtermos o produto do ciclo de vida resultado, quase que exclusivo, de um
familiar, foi necessário arquitetarmos formato de família, qual seja: casal
e classificarmos os arranjos com filhos. Afinal, a equação demanda
domiciliares. Optamos por uma idades de integrantes específicos:
pequena quantidade de categorias, o cônjuge e filho(a)s. Isto é, não há
que significa fundir o imenso espectro modo de computarmos, ao menos
de arranjos domiciliares possíveis inicialmente, o ciclo vital familiar para
em apenas algumas poucas classes, arranjos domiciliares unipessoais,
assegurando a comparabilidade casal sem filhos e monoparentais,
temporal. por exemplo. Da mesma maneira, o
ciclo vital é impreciso para as famílias
Utilizamos cinco agrupamentos: estendidas, dada a complexidade das
a) domicílios unipessoais; b) casal unidades familiares compartilhando
sem filhos; c) casal com filhos; a mesma unidade doméstica e
d) monoparentais; e) famílias suas temporalidades em jogo. Em
estendidas (com ou sem vínculos suma, estamos padronizando o
de parentesco, fossem de aliança ou comportamento dos demais arranjos
consanguinidade). em função das características dos
casais com filhos, o que é, decerto,
Por certo, essa estratégia de temerário. No entanto, o método
agrupamento empobrece a análise Bussab e Wagner (1994) permite
ao nos descuidarmos dos grupos imputar o ICV às famílias que
familiares e domiciliares de menor possuam, pelo menos, uma das
expressão. Esses grupos sui generis variáveis da equação. Consideramos,
poderiam fornecer insumos para portanto, a simplicidade a principal
novas interpretações sobre os vantagem dessa técnica, dado que é
fenômenos sociais, sobretudo acerca possível calculá-la por meio apenas da
da problemática da localização idade do responsável pelo domicílio,
espacial dos grupos, contudo a aplicando-a a todos os indivíduos de
redução parece ser a opção prudente, uma determinada população.
haja vista que o corolário de arranjos
será padronizado segundo as É importante esclarecer que o ICV
características do arranjo “casal com foi calculado em duas escalas,
filhos”. primeiramente de forma global,

18
para todo o município a partir dos Por fim, apesar de utilizarmos a Lei de
microdados da amostra dos Censos Uso e Ocupação do Solo para captar
Demográficos; em realidade, para as modificações nas regulações
cada residente de Conselheiro urbanísticas das áreas de estudo,
Lafaiete. Posteriormente, o ICV foi as análises de alteração de perfil
imputado aos setores censitários da sociodemográfico ficaram restritas
pesquisa a partir da idade média dos à década 2000-2010, visto que
responsáveis por domicílio daquele elas provêm de fontes secundárias
setor censitário. Neste segundo convencionais de dados (Figura 2).
momento, usamos os microdados do
universo agregados por setor.

Figura 2 – Bases de dados segundo recorte temporal. Conselheiro


Lafaiete, 1999-2017.

Fonte: Elaboração própria (2018).

Assim, com efeito, desconhecemos Como dito anteriormente, em


as consequências demográficas da Conselheiro Lafaiete, o zoneamento
segunda versão da LUOS (de 2015). e os parâmetros urbanísticos são
Sem dúvida, os dados do Censo dados por segmento de rua e,
Demográfico 2020 serão de grande algumas vezes, inclusive por fachada.
valia para averiguarmos a localização Assim, notamos consideráveis
dos grupos como definidos nesse fragmentações e descontinuidades
momento da investigação. físico-espaciais (Figura 3) nas
definições legais sobre o uso do solo
4. RESULTADOS municipal.

4.1. PERFIL DEMOGRÁFICO


LAFAIETENSE, 2000-2010
19
Figura 3 – Zoneamento municipal segundo segmentos de ruas, Plano
Diretor Municipal, Lei de Usos de Ocupação do Solo. Conselheiro Lafaiete,
1999-2017.

Fonte: Prefeitura do Município de Conselheiro Lafaiete. Mapa cadastral municipal, Plano


Diretor Municipal, Lei de Usos e Ocupação do Solo. Elaboração própria (2019).

Antes, porém, de correlacionarmos encontram, acreditamos que o ideal


as duas dimensões em questão, quais é retratar, neste momento ainda de
sejam: a) territórios que passaram maneira geral, o perfil e as tendências
a ser legislados ou que tiveram sua de comportamento da população
regulamentação alterada e aqueles lafaietense conforme as composições
que permanecem descobertos, de dos arranjos domiciliares que
um lado, e, de outro, b) os estágios assumem e o índice de ciclo de vida
do ciclo vital em que as famílias se geral da população (Figura 4).

Figura 4 – Arranjos domiciliares. Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010. Fonte:


IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos
2000 e 2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Elaboração própria
(2018).

20
De modo geral, podemos notar que arranjos monoparentais diminuiu
boa parte das famílias lafaietenses no decurso dos 10 anos estudados.
segue o padrão hegemônico “casal Esse último dado nos provoca
com filhos”, tanto em 2000 quanto estranhamento, pois a tendência
em 2010, embora o somatório das brasileira (e mundial) é oposta
outras categorias em 2010 supere-o. (MACHADO, 2001; MEDEIROS e
A persistência dessa tipologia era OSÓRIO, 2001). Em suma, ainda que
algo esperado, dado o contexto haja uma inclinação ao aumento da
nacional e regional (MONTALI e participação de outras configurações
WAJNMAN, 2015; WAJNMAN, TURRA domiciliares, a ínfima redução
e AGOSTINHO, 2007). Vale destacar da participação dos domicílios
a fração de famílias estendidas no monoparentais nos intriga, pois é
município, que, em 2010, apresenta deveras singular. Basta lembrarmos
um ligeiro aumento. Também em da crescente taxa de divórcios.
2010, outras categorias de arranjos Uma hipótese é que o arranjo
aumentaram sua participação em monoparental tem um caráter
face das demais; é o caso dos transitório/efêmero (LÓPEZ-GAY
domicílios unipessoais e casais e PALÓS, 2014). Isto é, ainda que
sem filhos (CAMARANO, 2013). Em a taxa de divórcios seja elevada, a
realidade, trata-se de um efeito taxa de casamento e “recasamento”
combinado e compensatório: os também é, equivalendo a saldo
arranjos “casais com filhos” perdem zero ou próximo disso. De qualquer
participação relativa, enquanto os maneira, a queda na participação
formatos “unipessoal” e “casal sem dos domicílios monoparentais pode
filhos” ganham importância relativa. relativizar as explicações sobre as
Esse era também um resultado razões clássicas das alterações nos
aguardado (CAMARGOS, RODRIGUES arranjos domiciliares decorrentes
e MACHADO, 2011; WAJNMAN, da Segunda Transição Demográfica,
TURRA e AGOSTINHO, 2007; BILAC, sobretudo em contextos latino-
1991), embora valha lembrar que se americanos.
trata de um comportamento deveras
distinto daquele manifestado Havíamos inferido que há algum grau
em países europeus, em que os de relação entre arranjos domiciliares
domicílios unipessoais, casal sem e estágios do ciclo vital familiar. Ou
filhos e monoparentais são a tônica seja, a emergência, ainda que sutil,
(OGDEN e HALL, 2004). de alguns arranjos pode repercutir
sobre o ICV global de Conselheiro
Curiosamente, a porcentagem de Lafaiete (Figura 5).

21
Figura 5 – Indicadores de Ciclo de Vida, Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000 e


2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Elaboração própria (2018).

Visualmente, os gráficos demonstram 2010, coincidindo com as limitadas


que os estágios em que se alterações nos formatos das famílias,
encontram os arranjos domiciliares como já havíamos alertado. A Tabela
de Conselheiro Lafaiete pouco se 2, por sua vez, nos traz dados mais
alteraram ao longo da década 2000- precisos.

Tabela 2 – Estatística descritiva do Indicador de Ciclo de Vida (ICV).


Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.
Mínimo Máximo Média Desvio Padrão
ICVPADR 2000 -5,69 2,37 -0,4924 1,19
ICVPADR 2010 -5,83 2,11 -0,5537 1,18

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000 e


2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Elaboração própria (2018).

Diferentemente da Figura 5, embora trata-se de um novo processo. Melhor


de maneira ainda tênue, é possível dizendo, as famílias se alteram
notar que o ICV de Conselheiro pouco, entretanto encontram-se em
Lafaiete se desloca em direção a momentos do ciclo vital distintos das
valores negativos, característicos de famílias da década passada. Afinal,
estágios iniciais do ciclo vital familiar. a predominância de famílias em
Pode-se dizer que um conjunto estágios iniciais de ICV não tem relação
maior de arranjos domiciliares – direta com “rejuvenescimento”
independentemente do formato populacional; pelo contrário. Há
que assumem (unipessoais, casais diversas conjecturas demográficas
com ou sem filhos, estendidos etc.) para tanto, todavia nos parece,
– encontra-se em momentos de ao menos neste momento, que as
formação ou consolidação, conforme mais verossímeis giram em torno
a classificação elaborada para dos processos de adiamento do
esta pesquisa. Não conseguimos casamento, de recasamento e de
afirmar se a diminuição do ICV é, adiamento na concepção dos filhos.
de fato, resultado das diferenças No caso de Conselheiro Lafaiete,
nas participações dos arranjos aparentemente os valores indicam
domiciliares ou se, simplesmente, que os indivíduos, embora mais

22
envelhecidos, estão formando formação e consolidação, a despeito
suas famílias mais tardiamente, da idade dos seus integrantes ou das
aumentando, por conseguinte, a composições que assumem (Tabela
proporção de famílias nos estágios de 3).

Tabela 3 – Arranjos domiciliares segundo estágios do ciclo vital familiar.


Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.
ICV
Consolidação/ Desconstrução/
Arranjos domiciliares Formação Crescimento Reagrupamento
2000 2010 2000 2010 2000 2010
Unipessoal 36,90% 39,50% 30,60% 37,30% 32,40% 23,10%
Casal sem filhos 51,10% 52,90% 28,90% 36,30% 20,00% 10,90%
Casal com filhos 65,60% 64,00% 29,40% 33,00% 5,10% 3,00%
Monoparental 45,70% 44,00% 37,10% 44,80% 17,20% 11,20%
Família estendida 37,20% 36,20% 35,40% 44,70% 27,40% 19,00%
Total 53,90% 51,60% 31,60% 37,80% 14,50% 10,60%

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000 e


2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Elaboração própria (2018).

Talvez, no futuro, e com valores mais censitário original.


elevados da razão de dependência,
boa parte dos arranjos se encontre Atribuímos valor 1 para setores que
em momentos de desconstrução/ apresentavam pelo menos uma rua
reagrupamento, o que poderá sob a influência do Plano Diretor e 0
retroalimentar a participação de para aqueles que, em 2000 e 2010,
domicílios unipessoais e estendidos. não estavam sob a influência de
Cabe, agora, compreender os alguma legislação urbanística, isto
pormenores da localização das é, trata-se de uma dicotomização da
famílias. variável, transformando-a de uma
variável categórica noutra discreta.
4.2 ASSOCIAÇÕES ENTRE PERFIL Estamos cientes do reducionismo
POPULACIONAL E MODIFICAÇÕES envolvido no procedimento, porém
LEGAIS é um artifício que garante alguma
comparabilidade dos efeitos legais
Cabe destacar que, para cada bairro, sobre a concentração espacial dos
elaboramos uma tabela-resumo grupos segundo os tipos de família
comparando os setores censitários e o estágio do ciclo vital em que eles
em 2000 e 2010, reagrupando-os se encontram.
de acordo com suas subdivisões
naturais, segundo o aumento Por último, queremos alertar que
esperado de domicílios e residentes tomamos o cuidado de aplicar
ao longo da década. É importante um deflator, corrigindo os valores
ressaltar que quase a totalidade de renda segundo a inflação do
dos setores censitários passou por período. Trouxemos, assim, um
um processo de subdivisão do setor exemplo aplicado ao Bairro Arcádia

23
(Tabela 4). Queremos esclarecer, logramos calcular as médias por
contudo, que aplicamos o mesmo bairro e, por conseguinte, para toda
procedimento em todos os bairros a região de estudo.
investigados. Foi desse modo que

Tabela 4 – Renda e Índices de Ciclo de Vida segundo Setores Censitários.


Bairro Arcádia, Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.

2000 2010 Média 2010


Setor Renda ICV Setor Renda ICV PD Renda ICV
311830405000002 2138,01 0,0207 1
311830405000002 970,84 0,0758 1444,32 -0,0119
311830405000003 750,63 -0,0445 1
311830405000013 466,10 -0,5959 311830405000016 758,15 -0,5005 0 758,15 -0,5005
311830405000017 869,31 -0,5734 0
311830405000014 1054,02 0,0956 798,03 -0,4154
311830405000127 726,75 -0,2574 0
311830405000042 600,96 -0,1139 1
311830405000035 468,75 -0,1093 442,60 -0,27665
311830405000133 284,24 -0,4394 0
311830405000036 482,20 0,0127 311830405000043 612,20 -0,0813 1 612,20 -0,0813

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000 e


2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Elaboração própria (2019).

Após a análise feita bairro a bairro, pretendíamos obter uma relação


isolamos os setores segundo as mais direta entre a legislação, ou a
classificações do Plano Diretor: ausência dela, e o comportamento
modificado e não modificado, já que sociodemográfico (Tabela 5).

Tabela 5 – Setores sob a influência do Plano Diretor.

2000 2010
Plano Diretor
Renda ICV Renda ICV
Modificado 840,67 -0,1 1015,17 -0,0952
Não Modificado 636,38 -0,2711 608 -0,3694
Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos
Demográficos 2000 e 2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas.
Elaboração própria (2019).

Após a análise estatística dos setores 4 e em verde Zonas Residenciais


censitários, segundo a dicotomia 1,2,3. Os resultados mostram
sobre a influência ou não do Plano médias de renda e ICV distintas
Diretor, resolvemos espacializar as em função das transfigurações
ruas caracterizadas como Centro, legais. Primeiramente, nos
Hipercentro e Centro Regional e, setores censitários nos quais os
no mesmo mapeamento, revelar zoneamentos foram modificados, o
os zoneamentos da LUOS. Em azul, perfil populacional é mais enriquecido
Zonas comerciais e Zona Residencial (Figura 6).

24
Figura 6 – Renda segundo classes de zoneamento, arruamento, setores
censitários. Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000


e 2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Bases digitais: Prefeitura do Município
de Conselheiro Lafaiete. Mapa cadastral municipal. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística). Base digital dos setores censitários urbanos 2000 e 2010. Sistemas de
Coordenadas: Sirgas 2000 e 2010. Sistema de Projeção: UTM. Elaboração própria (2019).

Não estamos afirmando que o Plano consequentes da natureza do espaço


Diretor enriqueceu famílias, senão em questão através, por exemplo,
que há predisposições de localização de mobilidade residencial (TEMKIN
segundo renda e, sobretudo, e ROHE, 1996; TEMKIN, 2000;
mudanças nas regulamentações do MODENES CABRERIZO e LOPES
solo urbano. As razões para a maior COLÁS, 2004). De uma maneira ou
proporção de famílias em melhores de outra, interessa-nos lembrar que
situações econômicas podem os territórios regulamentados não
ser inúmeras, desde processos são os locais de residência de grupos
evolutivos esperados de acumulação de menor renda, tampouco são os
de bens até por alteração do perfil locais de residência das famílias que
populacional decorrente de atrações estão se formando (Figura 7).

25
Figura 7 – ICV segundo classes de zoneamento, arruamento, setores
censitários. Conselheiro Lafaiete, 2000, 2010.

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censos Demográficos 2000


e 2010. Microdados da amostra. Arquivo pessoas. Bases digitais: Prefeitura do Município
de Conselheiro Lafaiete. Mapa cadastral municipal. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística). Base digital dos setores censitários urbanos 2000 e 2010. Sistemas de
Coordenadas: Sirgas 2000 e 2010. Sistema de Projeção: UTM. Elaboração própria (2019).

Depreendemos do mapa que há de algumas áreas influenciam onde


correspondência entre as áreas os grupos residirão. Acreditamos
nas quais o Plano Diretor incide e que os Planos Diretores são mais um
arranjos domiciliares em momentos dos elementos do imenso leque de
de desconstrução/reagrupamento. fatores que condicionam a localização
Em resumo, observamos maior espacial da população segundo suas
participação de famílias mais características sociodemográficas.
abastadas e em momentos mais A razão para tanto talvez pouco
avançados do ciclo vital nas regiões se refira à atração que ele, Plano
regulamentadas da cidade e, Diretor, provoca sobre alguns
ademais, onde o zoneamento foi coletivos, senão que ele impede que
mais alterado, é mais permissivo determinadas zonas urbanas sejam
e, por último, mais diversificado tangíveis aos estratos sociais mais
(STAPLETON, 1980). carentes. Resta, então, às famílias
mais pobres e que estão apenas se
Em outras palavras, a legalização, a formando – independentemente da
regulamentação e/ou a formalização configuração que assumem – buscar

26
regiões mais baratas para residir e recasamento, pode explicar a
(MARICATO, 2000). Fica claro ainda diminuição do ICV, o que indica
pelas Figuras 4 e 5, a fragmentação que, embora os indivíduos tenham
e descontinuidade dos zoneamentos envelhecido, as famílias estão em
propostos pela LUOS, espaciamente momentos iniciais de formação.
as classificações parecem seguir um
padrão aleatório, sem uma aparente Além disso, há indícios de
explicação técnica para tal arranjo. predisposições locacionais dos
grupos em função da legalização
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS do território. Trouxemos evidências
de que as regiões da cidade nas
Esforçamo-nos para harmonizar quais incide o Plano Diretor são
e concatenar diferentes bases de preferencialmente ocupadas por
dados e escalas. Consideramos que famílias economicamente mais
os métodos mistos de investigação abastadas e em estágios mais
podem conduzir a novas reflexões avançados do ciclo vital (MODENES
sobre fenômenos e processos CABRERIZO e LOPES COLÁS, 2004).
urbanos clássicos. Ainda assim, Reforçamos que não queremos dizer
estamos cientes das simplificações que os Planos Diretores simplesmente
a que nos vimos forçados a fazer. atraiam residentes com tais
Reducionismos que, decerto, características para essas zonas;
implicam em vieses interpretativos. entretanto, inferimos que eles podem
ser barreiras, constrangendo o acesso
Feito este primeiro senão, acreditamos de famílias em momentos iniciais de
que componentes socialmente formação e, logo, que provavelmente
construídos, tais como as leis de não experimentaram o acúmulo de
ordenamento territorial, assumem bens; a essas famílias cabem as
uma importância ímpar ao estimular, zonas à margem da lei, restando-
tolher ou ratificar o processo de lhes a esperança de que, no futuro,
ocupação espacial do ambiente as regiões sejam regularizadas,
urbano, reproduzindo ou rompendo normatizadas, parametrizadas etc.
com os ciclos de marginalização, Não queremos, contudo, passar
exclusão e segregação socioespacial a impressão de que advogamos
ao garantir – ou não – acesso às contra os Planos Diretores, e sim
benesses e às amenidades urbanas. o contrário. Acreditamos na sua
importância, porém eles devem ter
Constatamos que os arranjos cobertura universal e ser, sobretudo,
domiciliares de Conselheiro Lafaiete socialmente transformadores,
são caracterizados, sobretudo, pela objetivando a diminuição das
formação “casal com filhos”, embora, desigualdades socioterritoriais. De
mais recentemente, ela tenha outra maneira, arriscamos dizer que
perdido participação relativa em face os Planos têm sido sequestrados –
das outras composições. Ademais, a muitas vezes sob o verniz-discurso
despeito do processo generalizado desenvolvimentista de conciliar
de envelhecimento populacional, o interesses. Em realidade, ousamos
índice de ciclo de vida das famílias dizer que eles têm se transformado
lafaietenses caiu ligeiramente em instrumentos de poder e
durante a década. O adiamento do dominação de uma pequena elite
casamento e da concepção dos filhos, política e econômica que busca
combinado às altas taxas de divórcio perpetuar seu poder e seus lucros

27
por meio da terra urbana. América Latina. In: WONG, L. R.,
et al. Cairo +20: perspectivas de
AGRADECIMENTOS la agenda de población y desarrollo
sostenible después de 2014.
Queremos agradecer o apoio Santiago: ALAP, 2014. p. 113-125.
financeiro oferecido pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento MACHADO, L. Z. Famílias e
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29
GEOTECNOLOGIAS NO CONTEXTO DAS CIDADES MAIS
RESILIENTES: ZONEAMENTO DE ÁREAS DE RISCO A
INUNDAÇÕES COMO FERRAMENTA DE PLANEJAMENTO
URBANO
GEOTECHNOLOGY IN THE CONTEXT OF MORE RESILIENT CITIES:
FLOOD RISK ZONING FOR URBAN PLANNING

GEOTECNOLOGÍAS EN EL CONTEXTO DE LAS CIUDADES MÁS


RESILIENTES: ZONACIÓN DE ÁREAS DE RIESGO A INUNDACIONES
COMO HERRAMIENTA PARA EL PLANEJAMIENTO URBANO

Sabrina Deconti Bruski RESUMO


Curso de Geologia, Escola As inundações são processos naturais que historicamente afetam as populações que se
desenvolvem próximo a cursos hídricos, ocupando suas margens e sua planície de inundação. A
Politécnica, Universidade
migração crescente da população das zonas rurais para as cidades tem causado problemas de
do Vale do Rio dos Sinos urbanização que potencializam os danos relacionados aos desastres naturais, como inundações
(UNISINOS) e movimentos de massa. O conceito de cidades mais resilientes contribui para que as cidades
possam se planejar e se adaptar frente a eventos de qualquer natureza, em especial desastres
naturais e desastres humanos, permitindo que a recuperação e a retomada da rotina ocorram
Francisco Manoel de forma rápida. Nesse sentido, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)
Wohnrath Tognoli propõe 17 objetivos visando o desenvolvimento sustentável. Esse trabalho está diretamente
Curso de Geologia, Escola relacionado ao objetivo 11, que tem por meta reduzir o número de perdas e atingidos pelos
Politécnica, Universidade desastres relacionados à água até 2030. O estudo de caso aqui apresentado refere-se ao
município de Encantado, situado no Vale do Rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul. Os
do Vale do Rio dos Sinos
objetivos do trabalho foram analisar a série histórica de dados pluviométricos (1941-2020)
(UNISINOS) da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas (BHTA), identificando as condições determinantes para
Programa de Pós-Graduação as inundações recorrentes nessa região, e determinar a relação entre as cotas de inundação
em Geologia, Escola e as áreas atingidas, propondo um zoneamento de risco à inundação para a área urbana. As
condições determinantes para as inundações incluem o mês do ano, a quantidade de dias
Politécnica, Universidade
chuvosos consecutivos, os picos de precipitação na BHTA, a ocorrência de picos de precipitação
do Vale do Rio dos Sinos maiores de 30 mm e o tempo de retorno (TR). A análise dos dados identificou 44 eventos de
(UNISINOS) inundação desde 1941, com crescimento acentuado do número de eventos nos últimos 10
ftognoli@unisinos.br anos. Para 29 eventos registrados, obteve-se TR de 2 anos, indicando alta probabilidade de
ocorrência. O zoneamento de risco delimitou uma mancha de inundação equivalente a 10% da
área do município. A comparação dos polígonos de crescimento da área urbana nos últimos 46
Thiago Peixoto de Araújo anos mostrou que a cidade continua crescendo em direção às cotas altimétricas mais baixas,
Curso de Geologia, Escola portanto com maior risco de inundação, mesmo com as restrições definidas no Plano Diretor
Politécnica, Universidade Municipal.
Palavras-chave: Gestão territorial. Série histórica. Cobertura superficial. Risco Geológico.
do Vale do Rio dos Sinos
Zoneamento de risco
(UNISINOS)
A&T Geotecnia e Meio ABSTRACT
Ambiente Floodings are natural processes that historically affect people living near rivers or other water
bodies. The increase of the population in cities has caused serious urbanization problems
that potentialize dangers related to a disaster, such as flooding and mass movements. The
concept of resilient cities helps cities plan and adapt strategies against natural and human
disasters, recovering their daily activities rapidly. ONU´s Agenda 2030 proposed 17 Sustainable
Development Goals. This work is directly related to the goal11, which intends to develop
Sustainable Cities and Communities, reducing of natural disasters´ adverse effects. The study
case presented here approach the municipality of Encantado, southern Brazil. We analyzed the
historical data series of the Taquari-Antas River Basin to identify the controls of floodings in
this region between 1941 and 2020 and different zones affected by increasing flooding levels in
Encantado´s urban area. We identified 44 flooding events since 1941. The number of floodings
in the last ten years also increased, and the year 2020 recorded the maximum flooding of the
Rio Taquari River at Encantado, with 20,27 meters. Ten percent of the municipality are in areas
potentially affected by floodings.
Palavras-chave: Territorial management. Historical data series. Geological Risk. Risk Zoning.

30
RESUMEN
Inundaciones son procesos naturales que afectan las comunidades y personas que viven y se
desarrollan cerca de las márgenes y planicies asociadas a ríos y otros cuerpos de agua. La
migración de la población mundial de las zonas rurales hacía los centros urbanos ha causado
problemas crecientes de urbanización, potencializando los daños de los desastres naturales,
como inundaciones y derrumbes. El concepto de ciudades más resilientes contribuye para que
las comunidades urbanas puedan desarrollar planes y estratégias adaptativas para enfrentar
desastres naturales y antrópicos, permitiendo una rápida recuperación. En este sentido, la Agenda
2030 de las Naciones Unidas propuso un total de 17 objetivos para el Desarrollo Sostenible. Este
trabajo está directamente relacionado com el objetivo número 11.5, cuya propuesta es lograr
que las ciudades y comunidades humanas sean inclusivas, seguras, resilientes y sostenibles.
El estudio de caso presentado acá es de la ciudad de Encantado (Valle del Río Taquari, sur de
Brasil). El análisis de los datos pluviométricos (1941-2020) de la Cuenca Hidrográfica Taquari-
Antas permitió identificar las condiciones para que inundaciones ocurran en el área urbana,
determinar la relación entre el nivel de río y las zonas afectadas en la ciudad
y proponer una zonación de riesgo a inundaciones en dicha ciudad. Un total de 44 eventos de
inundación fueron identificados desde 1941. El número de inundaciones en los últimos 10 años
ha aumentado y el 2020 se registró la máxima inundación del Río Taquari (20,27m). Además, se
determino que el diez por ciento del área de la ciudad se encuentra en zona de riesgo y puede
ser afectada por futuras inundaciones.
Palabras-clave: Manejo territorial. Datos históricos. Cobertura superficial. Riesgo geológico.
Zonación de riesgo.

INTRODUÇÃO funções básicas essenciais (Berlanga


et al., 2016).
O aumento do número de pessoas e o
aumento da densidade populacional O conceito de cidades mais resilientes
nos centros urbanos são uma está integrado à Agenda 2030 da
tendência permanente registrada Organização das Nações Unidas
mundialmente nos últimos 100 anos. (ONU), que abrange 17 Objetivos
Estima-se que 75% dos habitantes de Desenvolvimento Sustentável
do planeta viverão em centros (ODS) e propõe atividades ousadas
urbanos em 2050. Os dados sobre em âmbito global até 2030,
desastres naturais, especialmente como a Campanha MCR “Making
aqueles relacionados a ameaças Cities Resilient” (UNDRR, 2010).
climáticas, registram um aumento Esses objetivos visam “erradicar
considerável no número de eventos a pobreza, proteger o planeta e
(incluindo eventos extremos) e no garantir que as pessoas alcancem
número de pessoas afetadas nas a paz e a prosperidade”. (ONU,
últimas décadas, em grande parte 2020). Os 17 objetivos consideram
atribuídos aos efeitos das mudanças um desenvolvimento de forma
climáticas globais (UNDRR, 2012). sustentável e que integrem três áreas
Por esta razão, o conceito de cidades fundamentais: econômica, social e
e comunidades mais resilientes vem ambiental. O objetivo número 11.5
ganhando destaque e sendo adotado está diretamente ligado ao tema do
por várias cidades do mundo. presente trabalho, que prevê a gestão
Cidades mais resilientes são cidades dos espaços urbanos, planejamento
que, expostas a ameaças e situações e implantação do conceito de
de perigo e desastres são capazes resiliência urbana e tem como uma
de absorver, adaptar e recuperar- das metas: “Até 2030, reduzir o
se dos desastres de maneira número de mortes e afetados por
eficaz, preservando e restaurando catástrofes incluindo os desastres
rapidamente suas estruturas e relacionados à água e diminuir as

31
perdas econômicas com o foco em e regiões nos próximos 10 anos.
proteger os pobres e as pessoas Além disso, a disseminação recente
em situação de vulnerabilidade” de sensores portáteis, especialmente
(UNDRR, 2020). em smartphones e veículos aéreos
não-tripulados, a incorporação
No Brasil, o crescimento da Internet of Things (IoT) no
desordenado e sem planejamento cotidiano e o desenvolvimento de
das áreas urbanas ocorre desde a sistemas de transmissão online e
década de 1950, intensificada pelo armazenamento em nuvem criaram
desenvolvimento da indústria e a estrutura necessária para que a
pela migração permanente da zona base de dados do meio físico cresça
rural para as cidades (IBGE, 2006). exponencialmente. Isso, aliado à
A falta de planejamento para o disponibilidade de plataformas e
desenvolvimento urbano e a omissão ferramentas de análises de dados,
do poder público em relação à ocupação permite gerar modelos e simulações
de áreas impróprias permite que a de diversos cenários, alimentar a
população socioeconomicamente base de dados em tempo real e
mais vulnerável se estabeleça embasar a tomada de decisões de
em áreas de risco e exponha-se forma rápida.
a situações de risco natural (e.g.,
inundações, movimentos de massa, Apesar das possibilidades
radiação natural) e antrópico (e.g., tecnológicas disponíveis, com
contaminação por metais pesados, potencial ilimitado de aplicação, o
esgoto) etc. panorama atual do planejamento
urbano e da gestão territorial
O meio físico é o elemento enfrenta problemas básicos. Esse
primordial para o planejamento das trabalho apresentará um estudo de
ações de mitigação de desastres caso relacionado às áreas inundáveis
naturais e impactos ambientais. Os do Vale do Rio Taquari no município
geocientistas, como profissionais de Encantado-RS. O problema
habilitados a entender a dinâmica é recorrente na cidade e tem se
do planeta e dotados de ferramental agravado nas últimas décadas. No
tecnológico para a aquisição, ano de 2020, o município registrou a
processamento, visualização e maior inundação desde que o nível do
interpretação de dados espaciais, Rio Taquari começou a ser monitorado
possuem papel fundamental na de forma permanente, em 1941.
caracterização do meio físico e A população foi surpreendida pela
na tomada de decisões em ações inundação, apesar da existência de
estratégicas de planejamento urbano um sistema de monitoramento ativo
e implementação de ações efetivas e de dados disponíveis que poderiam
de gestão territorial. Esta atuação ter sido usados para emitir alertas e
tende a se intensificar rapidamente evitar perdas materiais.
nos próximos anos em razão da
adoção das melhores práticas DESASTRES NATURAIS e POLÍTICAS
resilientes pelas cerca de 4300 PÚBLICAS
cidades e regiões que compõem
a Campanha MCR2030 (Young et Os desastres naturais são eventos
al., 2019; UNDRR, 2020) e pela que causam danos ao espaço físico
expectativa de adesão rápida para e social e cujas consequências se
um número muito maior de cidades estendem além do momento do

32
evento. Seus efeitos são imediatos, movimentos de massa, inundações,
mas os impactos posteriores gerados secas) (Bertone & Marinho, 2013;
na sociedade comumente são mais Riffel et al. 2016). Mas, apesar do
danosos. Muitas vezes excedem histórico de pesquisas de mais de
a capacidade da sociedade em se 50 anos em cartografia geotécnica,
reorganizar e exigem ação efetiva o Brasil intensificou investimentos
do poder público para reestabelecer na área de resposta aos desastres
seu funcionamento e mitigar as somente depois dos eventos com
consequências das perdas humanas, dezenas de vítimas fatais ocorridos
materiais e ambientais. Os impactos em Santa Catarina em 2008
dos desastres naturais têm relação (Blumenau) e na região serrana
direta tanto com a localização do Rio de Janeiro em 2011 (Nova
geográfica e as características Friburgo, Petrópolis). Apenas em
geológico-geomorfológicas quanto 2011 o governo brasileiro incorporou
com as condições econômicas, a política de prevenção de desastres
sociais, políticas e culturais dos locais à sua agenda permanente, por
onde ocorrem (Alcántara-Ayala, ocasião do Seminário Internacional
2002). sobre Gestão Integrada de Riscos
e Desastres, ocorrido em Brasília
O aumento do número de eventos (Alheiros, 2011).
verificado nas últimas décadas
e o número maior de pessoas A Lei Federal nº 12.608, de 10 de
atingidas reflete o aumento das abril de 2012, instituiu a Política
vulnerabilidades natural e humana. Nacional de Proteção e Defesa
Dentre as causas do aumento da Civil (PNPDEC), com o objetivo de
vulnerabilidade natural, destacam- implementar a gestão de riscos de
se as mudanças climáticas globais desastres e a gestão de desastres
e o aumento dos eventos extremos como forma de garantir a dignidade
(Lacerda & Nobre, 2010, Molion, da população e garantir a promoção
2008; Tominaga et al., 2015, Alves do desenvolvimento sustentável
et al., 2020; Lincoln et al., 2020; (BRASIL, 2012). As ações incluem a
Marengo et al., 2020). Dentre as implantação do Sistema Nacional de
causas de aumento da vulnerabilidade Proteção e Defesa Civil (SINPDEC),
humana, tem destaque o aumento da constituído por órgãos e entidades
população e o aumento da densidade dos governos federal, estadual e
populacional nos centros urbanos municipal e de entidades públicas e
nas últimas décadas. O aumento privadas com atuação na proteção
da exposição da população ao risco e defesa civil, e coordenados pela
natural (vulnerabilidade x perigo) Secretaria Nacional de Proteção e
e a diminuição da capacidade de Defesa Civil, órgão do Ministério do
enfrentamento de problemas em Desenvolvimento Regional (BRASIL,
virtude do aumento da população nos 2012). Outros órgãos, como o
centros urbanos explica o aumento Sistema Nacional de Informações
crescente de pessoas afetadas pelos e Monitoramento de Desastres
desastres naturais em todo o mundo. (SINIDE), o Conselho Nacional de
Proteção e Defesa Civil (CONPDEC) e
No Brasil, a maioria dos desastres o Centro Nacional de Monitoramento
naturais está historicamente e Alertas de Desastres Naturais
associada a fenômenos de origem (CEMADEN) integram uma rede
atmosférica relacionados à água (e.g., de informações, monitoramento e

33
alerta que atendem o Plano Nacional permitiu que a cartografia geológico-
de Gestão de Riscos e Resposta a geotécnica fosse aceita e adotada
Desastres Naturais, que tem ações amplamente como instrumento de
em quatro esferas e incluem obras de planejamento e gestão territorial a
prevenção, resposta e mapeamento, partir da década de 1960 (Zuquette
monitoramento e alertas. Mais & Gandolfi, 2004). Existem diferentes
recentemente, a Portaria nº 2, de 3 escolas e métodos de trabalho
de janeiro de 2020 “criou e instituiu em todo o mundo que utilizam
o Grupo de Resposta a Desastres os atributos do meio físico e suas
(GRD)” (BRASIL, 2020). propriedades para gerar diferentes
produtos cartográficos (e.g., cartas,
O Brasil gastava até sete vezes mapas) úteis para a caracterização
mais com remediação do que com e planejamento do uso e ocupação
prevenção (Alheiros, 2011). A do solo, avaliações de áreas frágeis,
implantação progressiva de políticas avaliação de aquíferos e prevenção
de monitoramento e alerta de de desastres naturais (Prandini et al.
desastres tem reduzido essa proporção (1995), Zuquette & Gandolfi, 2004,
e tem sido muito mais efetiva para Bitar, 2014).
reduzir perdas econômicas, sociais
e de vidas humanas. Entre 2013 e A cartografia geológico-geotécnica
2018, utilizou-se R$ 239 milhões consiste em um método sistemático
de recursos federais com ações de de aquisição, análise e avaliação de
prevenção e R$ 1 bilhão em ações de características do meio físico que
remediação das áreas afetadas por interfiram direta ou indiretamente
desastres segundo a Confederação no planejamento urbano e na gestão
Nacional de Municípios (CNM, 2018). territorial regional (Zuquette, 1987).
A prevenção está associada à análise, A disposição espacial dos dados
avaliação e mapeamento de risco e a parametrização das variáveis
como subsídio à criação de políticas de interesse constituem a base
voltadas à redução dos desastres. fundamental para a elaboração de
Conhecer e caracterizar os atributos produtos específicos, a exemplo das
do meio físico é fundamental para cartas que identificam e delimitam
um planejamento urbano em escala áreas de risco. Segundo a Agência
local e regional, visto que é no meio das Nações Unidas para Redução de
físico que se desenvolvem as ações Risco de Desastres (UNDRR, 2009),
antrópicas que podem desencadear o conceito de risco está relacionado
os desastres naturais. (Zuquette, com a possibilidade de ocorrência de
1987). O entendimento dos um evento com resultados negativos
processos geológicos e da interação decorrente da interação entre
do ser humano com o meio físico é perigo e vulnerabilidade. Os riscos
fundamental para entender e avaliar naturais são classificados de acordo
os diferentes riscos naturais que com sua origem e divididos em: a)
podem desencadear os desastres atmosféricos (e.g., tempestades,
(Alcántara-Ayala, 2002). furacões), b) geológicos endógenos
(e.g., terremotos, vulcanismo)
MEIO FÍSICO, ÁREAS DE RISCO E e c) geológicos exógenos (e.g.,
GESTÃO TERRITORIAL inundações, movimentos de massa)
(Augusto Filho et al. 1992; Reckziegel,
A caracterização do meio físico, 2007). Os riscos antrópicos incluem
aliada à sua representação gráfica, todas as situações passíveis de

34
afetar negativamente a dinâmica da (Zuquette, 1987; Alheiros, 2011).
sociedade e o bem-estar das pessoas, Nesse sentido, com base no estado
determinadas por ações humanas da arte sobre análise do meio físico,
deliberadas, omissas ou negligentes. uso e ocupação do solo, cartografia
geológico-geotécnica e planejamento
E as áreas de risco, sendo os e gestão territorial, faz-se necessário
locais potenciais para a ocorrência destacar a necessidade de
de desastres, tem em seus investimento financeiro e intelectual
elementos do meio físico os no tema Coberturas Superficiais.
fatores condicionantes para a Trata-se de um termo vago em
classificação das áreas em termos termos de definição, inicialmente
de suscetibilidade, vulnerabilidade, proposto aqui como: “qualquer
perigo e risco. A suscetibilidade depósito de origem natural ou
representa a predisposição natural antrópica que recobre a superfície
de uma área para desenvolver um do planeta e está sujeito à dinâmica
evento de alteração do meio físico dos processos intempéricos”. A
desencadeado por um processo gestão territorial deve considerar
geológico ou por uma ação antrópica que os aspectos geomorfológicos
(Lima, 2010; Sobreira & Souza, e geológicos de qualquer área são
2012; Bitar, 2014; Riffel et al., 2016). passíveis de influência ou modificação
A vulnerabilidade é determinada por de origem antrópica ao longo da
atributos específicos do meio físico e história. Sendo assim, a harmonia
biótico, preexistentes em uma área entre o uso do território e práticas
suscetível a ser atingida ou a sofrer de desenvolvimento planejado e
consequências negativas, com grau de sustentável garantirão uma gestão
perdas e danos humanos e materiais eficiente das áreas de risco e das
variáveis (Zuquette, 1993; Bertone & ações mitigadoras.
Marinho, 2013, Bitar, 2014; Tominaga
et al., 2015). Perigo refere-se a um CIDADES MAIS RESILIENTES
fenômeno, natural ou antrópico,
responsável por danos materiais, Existem variadas definições para
econômicos e sociais e caracterizado o termo resiliência, mas o termo
pela localização, intensidade, originalmente vem do latim resilio,
frequência e probabilidade que significa recuperar-se. O
(Zuquette, 1993; UNDRR, 2009; significado mais amplo é: “capacidade
Bitar, 2014; Santos et al., 2018). de algo ou alguém enfrentar uma
O risco refere-se à possibilidade adversidade decorrente de evento/
de ocorrência de um evento com ameaça anormal, muitas vezes
perdas humanas e materiais e está inesperada, de se recuperar e
diretamente relacionada com perigo depois retornar à normalidade”. O
e vulnerabilidade (Zuquette, 1993; termo tem sido constantemente
Bombassaro & Robaina, 2010; Bitar, associado ao desenvolvimento e ao
2014). crescimento urbano (Günter et al.,
2017). A conceituação de resiliência
O conhecimento do meio físico e sua urbana é recente e está em constante
representação adequada por meio aperfeiçoamento, sendo relacionado
do diagnóstico ambiental auxiliam às realidades locais. Por isso, é
na redução de desastres e subsidiam importante entender a realidade
ações de planejamento e de da sociedade para trazer soluções
gestão territorial urbana e regional que não interfiram na cultura nem

35
na identidade local, tornando as proteger os pobres e as pessoas
cidades mais resiliente e melhorando em situação de vulnerabilidade”
a qualidade de vida de todos (Meotti (BRASIL, 2017)
& Chiarelli, 2019). Outro conceito
fundamental associado à resiliência De acordo com UNITED NATIONS
urbana é a Estratégia Internacional [2020?], o número de pessoas vivendo
para a Redução de Riscos de em áreas urbanas é cada vez maior
Desastres (EIRD), que define e o crescimento dos centros urbanos
resiliência relacionada aos desastres sem planejamento levará as pessoas
como uma competência da sociedade a habitar áreas inadequadas, sem
em enfrentar, assimilar e se adequar infraestrutura e de risco, tornando os
frente aos eventos extremos como centros urbanos mais vulneráveis às
mudanças climáticas, físicas e sociais mudanças climáticas e a desastres
em tempo ágil e de maneira eficaz naturais e/ou antrópicos. Por essa
(UNISDR, 2009). razão, a disseminação e implantação
do conceito de resiliência urbana
O termo cidades mais resilientes é fundamental para evitar perdas
está diretamente ligado ao projeto humanas, sociais e econômicas.
da ONU denominado Agenda 2030,
firmada em 2015 por líderes mundiais INUNDAÇÕES
na sede da ONU localizada em Nova
Iorque (EUA). A Agenda 2030 propôs As inundações, enchentes e enxurradas
17 Objetivos de Desenvolvimento são os desastres relacionados à
Sustentável (ODS) e 169 metas. dinâmica da água que acontecem
Este é um plano de ação mundial com mais frequência no Brasil
com discussão sobre assuntos como (Reckziegel, 2007). Ocorrem devido
proteção do planeta, erradicação da a índices elevados de precipitação
pobreza, justiça social, saneamento, pluviométrica e representam
urbanização entre outras questões eventos naturais e recorrentes que
ligadas ao desenvolvimento afetam especialmente áreas fluviais
sustentável e à vida nos centros (Oliveira et al., 2018). As inundações
urbanos, sempre prezando pelos ocorrem pelo aumento do nível de
cinco P: Pessoas, Prosperidade, água, quando ultrapassa o limite
Paz, Parcerias, Planeta. (UNITED de transbordamento dos canais,
NATIONS, [2020?]); BRASIL, extravasando para além das margens
[2017]). e alagando as planícies próximas
(Bitar, 2014). São eventos naturais
O objetivo número 11 recomenda: ocasionados pela precipitação
“Tornar as cidades e os assentamentos pluviométrica acentuada e contínua
humanos inclusivos, seguros, (Reckziegel, 2007). No entanto, cabe
resilientes e sustentáveis”. E como destacar que descargas de água de
meta número 11.5, conforme temos: natureza antrópica também podem
“Até 2030, reduzir significativamente causar inundações.
o número de mortes e o número de
pessoas afetadas por catástrofes e As inundações são classificadas,
diminuir substancialmente as perdas segundo sua evolução, em
econômicas diretas causadas por enchentes ou inundações graduais e
elas em relação ao produto interno enxurradas ou inundações bruscas.
bruto global, incluindo os desastres As enchentes ou inundações graduais
relacionados à água, com o foco em são caracterizadas pela elevação

36
contínua e prognosticável da água, Críticos (SACE), desenvolvido pelo
que pode permanecer em estado de Serviço Geológico do Brasil, dispõe
cheia ao longo de um tempo e escoar de um sistema que prevê as cotas
gradativamente de montante para de inundação e emite alertas com
jusante. Geralmente possuem caráter 12 horas de antecedência para o
periódico e sazonal e são relacionadas município (SERVIÇO GEOLÓGICO
principalmente aos períodos com DO BRASIL, 2020). O sistema emite
chuvas constantes e com períodos estado de atenção quando o rio atinge
de chuvas acentuadas e localizadas a cota de 5,00 m e estado de alerta
(Castro, 2003). Quando as chuvas em 9,00 m. Conforme dados Agência
ocorrem localizadas e acentuadas Nacional de Águas ANA (2020), em
em um tempo pequeno, a inundação Encantado, o Rio Taquari atinge o
será classificada como enxurrada e ponto de transbordamento do leito
se as chuvas ocorrerem localizadas principal e inundação da planície
e acentuadas por um tempo maior fluvial adjacente na marca de 11,0
a inundação será classificada como metros, e atinge as primeiras ruas e
enchente (Reckziegel, 2007). Existem residências a partir de 14,00 metros
dois tipos de inundações que podem (Kurek, 2012; Peixoto & Lamberty,
acontecer de maneira composta ou 2019; ANA, 2020). Os boletins com
separada, as inundações ribeirinhas as previsões são encaminhados para
e as inundações em virtude da o Centro Nacional de Monitoramento
urbanização (Tucci, 2012). O excesso e Alertas de Desastres Naturais
de chuva muitas vezes não pode ser (Cemaden), Agência Nacional de
drenado de forma eficiente e inunda Águas (ANA), Centro Nacional de
áreas ribeirinhas, que podem estar Gerenciamento de Riscos e Desastres
localizadas tanto na área urbana (CENAD) e Defesa Civil (municipal e
quanto na área rural do município. estadual), que adotam as medidas
Em zonas rurais, essas áreas são necessárias para minimizar as perdas
destinadas a agricultura e pecuária, (SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL,
com poucas moradias e potencial [2020?].
de danos baixo. Em zonas urbanas,
o problema se agrava em função da ÁREA DE ESTUDO E MEIO FÍSICO
ocupação das margens e planície da
inundação e da impermeabilização O Vale do Taquari está localizado
dos solos, que diminui a capacidade na área baixa da Bacia Hidrográfica
de infiltração, ocasiona acúmulo de do Taquari-Antas (BHTA) e
água no sistema de drenagem e constantemente registra volumes de
resulta em inundações recorrentes chuvas concentrados nas áreas mais
(Tucci & Bertoni, 2003). elevadas da bacia, que condicionam
vazões altas e ocasionam inundações
A estação fluviométrica e no Vale do Rio Taquari (Ferri, 2012;
pluviométrica de Encantado foi Kurek, 2012). Esta bacia engloba uma
inaugurada em outubro de 1941 área de 26.491,82 km² e localiza-se
e já registrou mais de 65 eventos sobre as províncias geomorfológicas
de inundação (Peixoto & Lamberty, do Planalto Meridional e Depressão
2019). Desde 2013, o município conta Central, abrangendo parte dos
com um sistema de monitoramento Campos de Cima da Serra e parte
em tempo real dos dados de vazão na região do Vale do Taquari. As
e dos níveis dos rios que compõe a sub-bacias que compõe a BHTA são
BHTA. O Sistema de Alerta de Eventos divididas em Alto, Médio e Baixo

37
Taquari-Antas, Rio Turvo, Rio Carreiro, Rio Guaporé e Rio Forqueta (Fig.
1). As sub-bacias dos rios Antas, Carreiro, Guaporé e Jacaré influenciam
a quantidade de água que deságua no município de Encantado com uma
área de contribuição de 19.300 km², onde grande parcela da cidade se situa
sobre a planície de inundação. A área urbana situa-se próximo da foz do
arroio Jacaré e da foz do rio Taquari (Brubacher et al., 2015).

Figura 1 - Mapa de localização da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas.


Observar a posição do município de Encantado na BHTA em relação às sub-
bacias a montante.

Cento e dezenove municípios do Rio Grande do Sul, no Vale do Rio


integram a BHTA, correspondendo Taquari (Fig. 2). É um município com
a 23,99% do território do Estado 22.880 habitantes (IBGE, 2020) e
do Rio Grande do Sul (Ferri, 2012). que, nas últimas décadas, apresenta
Dez municípios, incluindo Encantado, expansão territorial crescente para
pertencem ao Vale do Taquari e zonas suscetíveis aos processos
situam-se adjacentes ao curso do hidrológicos e gravitacionais. Possui
Rio Taquari. Condições naturais da histórico de desastres relacionados a
BHTA relacionadas à geomorfologia, inundações, com prejuízos públicos
pedologia, clima e vegetação e privados recorrentes. Entre 1980 e
contribuem para a ocorrência de 2007, 55% dos eventos de inundação
inundações (Ferreira & Both, 2001). resultaram em decreto de Situação
de Emergência Municipal, com
O município de Encantado localiza-se prejuízos econômicos significativos
na porção centro-oriental do estado (Bombassaro & Robaina, 2010).

38
Em setembro de 2012, as chuvas Encantado, esse evento obrigou 24
provocaram erosão da margem do famílias a se abrigar em abrigos
rio, perda total de 3 residências seguros. Os bairros mais atingidos
e inundação no bairro Lajeadinho foram Lago Azul, Barra do Jacaré, Vila
(Copello, 2012). Nos último 5 anos, Moça e Centro. Em julho de 2020, o
houve um aumento significativo de nível do rio atingiu a marca recorde
eventos de inundação de grande de 20,27 metros, com cerca de
magnitude. Em outubro de 2016, o 700 residências e estabelecimentos
rio atingiu a marca de 17,34 metros. comerciais e industriais inundados
Segundo a Prefeitura Municipal de (Fig. 3).

Figura 2 - Mapa de localização da área de estudo, com limites do município


e posição da mancha urbana adjacente ao curso do Rio Taquari.

Em relação à caracterização do meio rochas da Formação Serra Geral


físico, em Encantado ocorrem duas desenvolvem relevo com escarpas e
unidades geológicas, os basaltos declividades variando de 25° a 60°
da Formação Serra Geral (Fácies com predomínio de colinas e morros,
Gramado), que aflora na maior enquanto os depósitos aluvionares
parte do município, e os depósitos ocorrem em vales fluviais com forte
aluvionares das margens do Rio controle estrutural. O tipo de solo
Taquari, formados por depósitos predominante na área é o Neossolo
sedimentares com granulometria Litólico (Figura 10), solo pouco
variando de argila a cascalho (CPRM, evoluído, pouco espesso e pedregoso,
2008). Geomorfologicamente, as que ocorre em áreas de relevos mais

39
acidentados e dissecados. Ocorrem segundo Köppen como Cfa,
de forma subordinada Luvissolo subtropical com verão quente,
crômico pouco profundo e Argissolo caracterizado pelas temperaturas
Vermelho alumínico, característico médias superiores a 22ºC no verão e
dos terrenos basálticos. O clima com precipitação acima de 30 mm no
na região de estudo é classificado mês mais seco.

Figura 3. Inundação do Rio Taquari em Encantado em julho de 2020, que


atingiu o nível recorde de 20,27 metros. A) Vista aérea da área afetada.
Fonte: ENCANTADO (2020). Disponível em: shorturl.at/mpBVW. Acesso em
10 jul. 2020. B) Registro da inundação no bairro Navegantes, no dia 08 de
julho de 2020. C) Bairro Navegantes no dia 09 de julho de 2020.

7. MATERIAL E MÉTODOS

Material e Métodos verde ao infravermelho próximo),


para confeccionar as cartas de uso e
O desenvolvimento do trabalho se ocupação de solo, após testes com
baseou na geração de cartas temáticas os diferentes sensores em termos
em ambiente SIG e na análise de de resolução espectral, resolução
dados das estações pluviométricas da temporal, resolução radiométrica e
BHTA. Utilizou-se imagens do satélite resolução espacial.
CBERS-4, equipado com câmera PAN
de resolução espacial de 5 metros As imagens foram obtidas
para a banda 1 (pancromática) e diretamente do site do Instituto
10 metros para as bandas 2, 3 e 4 Nacional de Pesquisas Espaciais
(correspondente aos intervalos do (INPE), referentes à órbita-ponto

40
158/133, do dia 14 de março de de Geoprocessamento do Centro
2020. A resolução espacial da câmera de Ecologia da UFRGS (LABGEO). A
pancromática e multiespectral (PAN) bases de geologia e a geomorfologia
das bandas espectrais utilizadas é de foram obtidas pelo GeoSGB (CPRM),
10 metros e resolução temporal de 26 escala 1:750.000. O mapa de
dias. O satélite possui 60 km de faixa localização da BHTA utilizou os dados
imageada a uma altitude de 778 km de Marcuzzo (2018).
e órbita do tipo heliossíncrona (INPE,
2018). Foi realizada a composição colorida
RGB 3/4/2, sendo a composição
O modelo digital de elevação (MDE) colorida resultante da combinação
foi obtido a partir de dados do das bandas 3 (Vermelho), 4
portal Earthdata, que armazenam e (Infravermelho Próximo) e 2 (Verde)
disponibilizam os produtos espaciais no software QGIS, versão 3.10.5. Em
da Alaska Satellite Facility (UAF/ seguida, foi feita a classificação do uso
NASA), geridos pela NASA. Foi e ocupação do solo com a ferramenta
selecionado o produto do ALOS “Semi-Automatic Classification
Palsar com resolução espacial de Plugin”, que gera uma classificação
12,5 metros para gerar o MDE, obter semiautomática a partir de amostras
as curvas de nível, gerar o relevo de treinamento definidas na própria
sombreado e calcular a declividade imagem-base.
da área de estudo. Os valores
da declividade foram obtidos em Segundo o Serviço Geológico do Brasil
porcentagem para posterior aplicação (CPRM, 2020), a BHTA é monitorada
da divisão em classes de declividade por 10 estações. Entretanto, para
estabelecida pela EMBRAPA (1979). as análises comparativas das
As manchas de inundação foram precipitações foram utilizados dados
definidas a partir das curvas de nível de 6 estações, Encantado, Passo
e observações de campo. Tainhas, Vacaria, Ibiraiaras, Serafina
Corrêa e Linha José Júlio (Quadro 1),
As cartas temáticas foram geradas sendo as cinco últimas localizadas a
no software QGIS versão 3.10.5 montante da cidade de Encantado. As
‘A Coruña’, utilizando o sistema estações de Passo Tainhas, Serafina
geodésico de referência oficial Corrêa, Ibiraiaras e Vacaria possuem
adotado no Brasil, SIRGAS 2000 dados disponíveis no site da ANA a
(Sistema de Referência Geocêntrico partir de junho de 1943. A estação
para as Américas), com a projeção Linha José Júlio tem dados somente
UTM fuso 22, conforme determinação a partir de janeiro de 2017. A coleta
da Resolução Nº 1/2005 de de dados da rede de monitoramento
25/02/2005 do IBGE e WGS-84 hidrológica presente na BHTA foi
(World Geodetic System), projeção realizada a partir de medições
22 S. Para geração do mapa de pluviométricos e fluviométricos
localização utilizou-se os limites disponíveis publicamente no site
municipais e estaduais disponíveis da ANA, no portal HidroWeb Séries
na base cartográfica do Instituto Históricas, no portal Hidrotelemetria
Brasileiro de Geografia e Estatística e junto ao Serviço Geológico do
(IBGE, 2010). A base hidrográfica da Brasil. Os dados pluviométricos são
BHTA foi obtida no Serviço Geológico coletados por meio de pluviômetros
do Brasil (CPRM) e o sistema viário convencionais e/ou automáticos e
foi disponibilizado pelo Laboratório os dados fluviométricos por leitura

41
manual da régua e/ou por telemetria, neste trabalho foram usados dados
sendo que os últimos possibilitam o brutos, em função de inconsistências
monitoramento diário em tempo real. observadas entre os valores dos
Os dados obtidos foram organizados dados brutos e dos dados consistidos,
em planilhas Microsoft Excel para cujos relatórios finais ainda não estão
posterior análise e representação disponíveis para análise e verificação.
gráfica. Para todas as análises feitas
Quadro 1 - Localização das Estações Pluviométricas/Fluviométricas na
BHTA.

Nome Tipo Código Município Coordenadas


Encantado Pluviométrica/ 02951010/ Encantado 416990.81 m E
6765768.07 m S
Fluviométrica 86720000
Passo Tainhas Pluviométrica 02850009 Jaquirana 553042.72 m E
68065733.14 m S
Vacaria Pluviométrica 02850045 Vacaria 504215.58 m E
6846287.47 m S
Ibiraiaras Pluviométrica 02851072 Ibiraiaras 438480.61 m E
6862156.94 m S
Serafina Corrêa Pluviométrica 02851073 Serafina 408563.26 m E
Corrêa 6823521.59 m S
Linha José Júlio Pluviométrica/ 02951092/ Cotiporã 432321.94 m E
6781110.73 m S
Fluviométrica 86472000

Para as análises dos dados da entre elas considerando 48 horas


estação pluviométrica/fluviométrica antes e 48 horas após o registro do
Encantado, foram consideradas pico principal de precipitação em
os anos que apresentaram, no cada estação, tendo como referência
mínimo, o registro completo de precipitação igual ou maior que 30
8 meses no período de um ano, mm. Isso permitiu estimar a relação
como forma de garantir dados e o tempo médio entre os picos de
com representatividade anual. Os precipitação a montante e o eventos
dados da estação Encantado foram de inundação em Encantado.
utilizados também para análise
da série histórica, elaboração Para avaliação da recorrência dos
dos gráficos mensais e anuais e eventos de inundação em Encantado
identificação das cotas máximas de foram considerados os dados
inundação. Os picos de precipitação de Kurek (2016), que utilizou a
registrados nas 6 estações foram distribuição probabilística Pearson
analisados e plotados em gráfico no tipo III para relacionar os tempos
intervalo entre janeiro de 2015 e de recorrência para diferentes
15 de agosto de 2020. Em seguida, cotas (Quadro 2). Para avaliar o
foram analisados os picos de cada impacto potencial de inundações de
estação e realizada a comparação diferentes magnitudes em relação

42
ao tempo de retorno, foram geradas na Resolução CONAMA Nº 303, de 20
cartas temáticas associando esses de março de 2002 e na Lei Nº 12.651,
elementos ao crescimento da cidade de 25 de maio de 2012, gerou-se uma
de Encantado nas últimas décadas. carta temática com uma proposta de
Com base em imagens disponíveis zoneamento de áreas aptas para a
no Google Earth, foram traçados e futura expansão municipal. Foram
sobrepostos polígonos delimitando consideradas as áreas delimitadas no
a mancha urbana entre os anos de trabalho atingidas pela inundação, a
1984 e 2020. declividade e as áreas de preservação
permanente (APPs) do município.
Com base no Plano Diretor Municipal,

Quadro 2 – Relação entre o tempo de retorno (TR) e as cotas de inundação


do Rio Taquari em Encantado. Observar que o tempo de retorno é de 5
anos para a cota de 15,00 metros, que se enquadra em inundações de
grande magnitude.

TR Cota de inundação (m) TR Cota de inundação (m)

2 11,74 50 22,11

3 13,37 60 23,32

5 15,07 70 23,78

8 16,97 80 24,17

10 17,27 90 24,51

20 19,97 100 25,16

25 20,05 150 25,35

30 21,23 200 26,2

40 22,10 250 26,85


Fonte: Adaptado de Kurek (2016).

RESULTADOS de 2020 (Quadro 3). Salienta-se a


presença de 3 picos com valores de
Os resultados obtidos a partir da chuva superiores a 1800 mm nos anos
análise da série histórica no período de 1966, 1984 e 2002, que denotam
entre 1941 e 2020 revelou que o que os maiores eventos de inundação
valor médio da precipitação anual da cidade têm caráter cíclico, com
no município é de 1367,22 mm (Fig. intervalo de aproximadamente
4). Dentre os 5 maiores eventos de 18 anos. Além disso, picos de
registrados na cidade, 4 foram de precipitação acima da média ocorrem
magnitude grande e 1 de magnitude em intervalos menores, de 7 a 12
extrema, ocorrido em 8 de julho anos, aproximadamente.

43
Quadro 3 - Maiores eventos de inundação registrados em Encantado entre
1941 e 2020. Notar a magnitude extrema do evento de 8 de julho de 2020.

Ano do Evento Maior cota registrada (m)


2020 20,27
2001 19,58
2011 19,50
1941 19,48
1956 19,33

Figura 4. Série histórica de precipitações em Encantado entre 1941 e 2019.


A linha laranja representa o valor médio da precipitação anual no intervalo
analisado.

Os eventos de inundação ocorrem foi agrupada de 5 em 5 anos para


preferencialmente nos meses de facilitar a comparação no intervalo
inverno (julho) e de primavera da série histórica dos 44 eventos e
(setembro e outubro), historicamente evidenciar que o número de eventos
os meses mais chuvosos na área de aumentou consideravelmente nos
estudo (Fig. 5). O mês de setembro últimos 10 anos, com 15 eventos
registra 11 eventos de inundação, registrados (Fig. 5B). Vemos que em
seguido pelos meses de julho (8 um período de aproximadamente
eventos) e outubro (7 eventos) 30 anos ocorre o número máximo
(Fig.5A). Os meses de verão são de eventos e que a recorrência dos
tipicamente secos e possuem apenas eventos está crescendo, sendo que
dois eventos de inundações no 15 eventos ocorreram no período
intervalo da série histórica analisada. entre 2011 e 2020 (Fig. 5B).
A distribuição anual dos eventos

44
Figura 5. Dados sobre a frequência de ocorrência de eventos de inundação
em Encantado. A) número de eventos por mês no intervalo da série histórica.
B) número de eventos a cada 5 anos no intervalo da série histórica. Os
intervalos de tempo sem ocorrência de eventos referem-se a período
sem dados mínimos registrados na estação Encantado. Notar o aumento
expressivo do número de eventos nos últimos 10 anos.

A análise dos registros dos 44 de inundação e o tempo de retorno


eventos no intervalo de 20 em 20 (TR) calculado por Kurek (2016).
anos indica que entre os anos de Apesar da ausência de registro de
1941 e 1960 ocorreram 12 registros dados em 22 dos 79 anos da série
(27,2%), com o maior evento histórica, constata-se que 29 dos 44
registrando o nível de 19,33 m. Entre eventos registrados apresentaram
os anos de 1961 e 1980 obteve-se tempo de retorno de 2 anos, com
7 registros (15,9%), com o maior magnitude reduzida, totalizando
evento alcançando a cota de 18,46 65,9 % dos eventos e alta
m. Nos anos compreendidos entre probabilidade de ocorrência. Cinco
1981 e 2000 ocorreram 8 eventos eventos têm tempo de retorno de 5
(18,2%), no qual o maior evento anos (11,4%), 9 eventos têm tempo
alcançou 18,45 m. O período entre de retorno de 10 anos (20,4%) e 1
2001 e 2020 registrou 17 eventos evento alcançou magnitude extrema,
(38,7%), com a marca recorde de com tempo de retorno de 20 anos.
20,27 metros atingida no evento de Determinar o tempo de retorno para
8 de julho de 2020. Cabe destacar as diferentes cotas de inundação é
que o número de eventos pode ser fundamental para o planejamento
maior, pois não há registro de dados municipal, gestão territorial, ações
entre 1971 e 1982 e entre 2000 e de enquadramento do município no
2010. contexto das cidades mais resilientes,
prevenção de desastres, minimização
A figura 6 relaciona a série histórica dos efeitos das inundações e
com os valores máximos das cotas otimização dos gastos públicos.

45
Figura 6. Série histórica das cotas máximas de inundação em comparação
ao tempo de retorno (TR). Notar que a maioria dos eventos tem TR de 2 a
10 anos.

A comparação dos dados de as estações registraram chuvas no


precipitações dos últimos 5 anos nas período de dois dias antes do dia
6 estações a montante de Encantado 08 de julho; porém, não atingindo
é mostrada na figura 7. Os picos de 5 picos de 30 mm ou mais. O pico de
estações apresentam comportamento precipitação na Estação Encantado
semelhante, sendo que apenas a ocorreu no dia 07 de julho, com
Estação Linha José Júlio não exibe um registro de 77.6 mm, às 23 horas
pico de chuva no dia 08 de julho. Os e 30 minutos; portanto, anterior ao
dados da última inundação mostram evento de inundação de 8 de julho.
um pico de precipitação na Estação O monitoramento do Rio Taquari em
Passo Tainhas, de 45 mm, às 3:00 Encantado indicou o nível de 5,00
horas a.m, e outro pico de 40.8 mm metros da cota de atenção no dia
às 5 horas a.m do dia 08 de julho de 06 de julho. Em 07 de julho, o rio
2020. Na estação Vacaria, observa- atingiu a cota de alerta, marcando
se um pico de 54.2 mm às 5 horas 9,00 metros por volta das 20:30h.
a.m do dia 06 de julho e um pico E apenas três horas depois, o rio
de 96 mm às 19 horas do dia 08 de registrou 12,63 metros, já tendo
julho de 2020. Verifica-se que todas ultrapassado a cota de inundação.

46
Figura 7 - Comparação dos dados de chuvas das 6 estações estudadas da
Bacia Hidrográfica Taquari-Antas considerando os últimos 5 anos. Destaque
para os picos de precipitação em 5 das 6 estações em julho de 2020.

47
O crescimento da cidade de em 1991. Isso potencializou os
Encantado a partir de 2020 é danos referentes às inundações, seja
mostrada pela sobreposição de pela maior quantidade de pessoas
polígonos da mancha urbana para habitando quanto pela quantidade
os anos de 1984, 1994, 2004, 2014 maior de bens materiais instalados
e 2020 (Fig. 8). Fica evidente que nessas áreas, mas também pelo
a cidade teve uma expansão para fato do número de eventos de
áreas de cotas altimétricas mais grande magnitude terem aumentado
baixas situadas próximas à margem significativamente nesse intervalo de
do Rio Taquari, mesmo após a tempo.
criação do Plano Diretor Municipal

Figura 8. Mapa comparativo do crescimento da mancha urbana no período


entre 1984 e 2020. Atentar para o crescimento urbano para áreas de cotas
topográficas mais baixas próximas às margens do Rio Taquari

A projeção das cotas de inundação de 20,27 metros, é de 12,604 Km2


em uma carta temática de áreas (Fig. 9). Ou seja, aproximadamente
propícias a inundação em Encantado 10% da área total do município está
mostra que a mancha de inundação situada em área de risco de inundação
máxima, relativa ao nível recorde conforme os dados da série histórica.

48
Figura 9. Projeção de inundação em Encantado para diferentes cotas de
inundação. A) Cota de 11,00 m. B) Cota de 15,00 m. C) Cota de 17,00 m.
D) Cota de 20,27 m (maior evento registrado até hoje).

A partir do cenário de projeção das considerou a área máxima de


manchas de inundação apresentado inundação com base na cota de 25,16
na figura 9 foi possível propor áreas metros (relativa à TR de 100 anos),
apropriadas para a expansão da as áreas de proteção permanente
mancha urbana de Encantado (Fig. (APP), como topos de morros e relevo
10). Esse zoneamento territorial com declividades maiores que 45%.

49
Figura 10. Proposta de zoneamento territorial para a expansão urbana de
Encantado, considerando as áreas impróprias(vermelho), restritas (laranja)
e aptas (verde).

DISCUSSÃO e CONSIDERAÇÕES do escoamento superficial. No Rio


FINAIS Grande do Sul, há predominância
de eventos de inundação nos meses
A dinâmica fluvial pressupõe de inverno e primavera, os mais
inundação periódica das planícies chuvosos do ano, apesar de sua
adjacentes aos canais nos meses posição geográfica ser propícia ao
e anos com volume maior de encontro de massas de ar quente
precipitação. As características do e fria em todas as estações do
meio físico e os condicionantes ano. O município de Encantado
climáticos da área determinam a situa-se no baixo curso do Rio
frequência dos eventos e a dinâmica Taquari e sofre influência da chuva

50
precipitada a montante, que escoam desde 1984, portanto mais sujeitas
superficialmente em grandes volumes aos efeitos das inundações, mesmo
em razão da saturação do solo e das com as diretrizes estabelecidas no
características de declividade. plano diretor municipal de 1991.

Considerando as características do Um aspecto relevante no evento


solo na área de estudo, verifica-se a de inundação de 08 de julho de
predominância de solos jovens e rasos, 2020 foi a ineficácia do Sistema de
com rocha sã ou saprolito próximo Alerta (SACE), que não previu o
ao nível do solo, de permeabilidade evento e, consequentemente, não
baixa e, portanto, com capacidade emitiu os alertas hidrológicos. Com
de armazenamento de água limitada. isso, a Defesa Civil e demais órgãos
Solos mais profundos, com maior competentes não conseguiram
permeabilidade e maior capacidade alertar a população e tomar as
de armazenamento de água ocorrem ações preventivas e mitigadoras
em áreas restritas, o que aumenta necessárias para a preservação de
a suscetibilidade aos eventos de vidas e redução de perdas materiais.
inundação. A simples observação dos dados
históricos e a recorrência de eventos
Segundo os critérios adotados no a intervalos regulares de 18 a 20
trabalho, a ocorrência de 44 eventos anos indica que havia grandes
de inundação ao longo de 79 anos possibilidades de ocorrência de um
de registros de dados na série evento de grande magnitude entre
histórica indica aumento do número 2020 e 2021. Destacam-se também
de eventos e tendência de aumento a ocorrência de um ciclone-bomba
nas cotas máximas de inundação dias antes na região sul do Brasil,
nos últimos 20 anos. O aumento que provocou chuvas localizadas e
do número de desastres em todo intensas; o período do ano propenso
o mundo e o número crescente de a grande volumes de precipitação;
pessoas atingidas, especialmente nos o registro de dados de precipitação
centros urbanos, impõe que as ações em todas estações pluviométricas a
de planejamento e gestão territorial montante, disponível online no site
sejam urgentes. As mudanças da Agência Nacional de Águas; o grau
climáticas globais têm aumentado de saturação de água no solo, que
a frequência e a magnitude dos favorecia o escoamento superficial
eventos extremos, o que indica a e os picos de chuvas elevados nas
necessidade de reclassificação das estações Passo Tainhas e Vacaria. A
áreas de risco em relação aos cálculos análise integrada desses dados pode
projetados com dados antigos. Por ser feita de maneira rápida e simples
outro lado, percebe-se nitidamente o e indicaria a iminência de um evento
descumprimento das ações previstas de inundação de magnitude grande
nos instrumentos de gestão territorial, ou extrema.
a exemplo das leis ambientais e dos
planos diretores municipais, o que Constatou-se ainda que o plano
causa perdas sociais e econômicas diretor do município precisa ser
aos municípios e expõe as pessoas revisto e atualizado, pois prevê
a situações iminentes de risco. Um cotas de inundação desatualizadas
exemplo disso foi a constatação do em relação aos impactos gerados
crescimento de Encantado em regiões pelos últimos eventos de inundação.
de cotas altimétricas mais baixas Esse trabalho apresenta uma carta

51
de áreas propícias para a futura ÁGUAS (ANA) (Brasil). Rede
expansão da mancha urbana Hidrometeorológica Nacional.
baseada em características do meio Sistema HIDRO – Telemetria.
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uma classificação baseada em áreas em: http://www.snirh.gov.br/
impróprias, restritas e aptas. O hidrotelemetria/gerarGrafico.aspx.
município de Encantado necessita Acesso em: 12 ago. 2020.
estudos permanentes para ter o
diagnóstico ambiental como suporte ALCÁNTARA-AYALA, I.
às ações de planejamento e gestão Geomorphology, natural hazards,
territorial integradas ao conceito de vulnerability and prevention of natural
cidades mais resilientes. Assim, será disasters in developing countries.
possível instrumentalizar o poder Geomorphology, Massachusetts,
público e a defesa civil para monitorar USA. v. 47, n. 2-4, p. 107-124, 2002.
e emitir alertas à população,
promover ações de evacuação das ALHEIROS, M. M. Gestão de riscos
áreas atingidas e diminuir as perdas geológicos no Brasil. Revista
sociais e econômicas causadas pela Brasileira de Geologia de Engenharia
recorrência histórica dos eventos de e Ambiental, São Paulo, v. 1, n. 1,
inundação. Essas medidas são de p.109-122, nov. 2011.
natureza não-estrutural e, portanto,
de custo mais baixo e com resultados ALVES, L.M.; CHADWICK, R.; MOISE,
satisfatórios na prevenção de A.; BROWN, J.; MARENGO, J.A.
desastres. Assessment of rainfall variability
and future change in brazil across
AGRADECIMENTOS multiple timescales. International
Journal of Climatology, v. 32, p.
Os autores agradecem ao Serviço joc.6818, 2020.
Geológico do Brasil (CPRM), à
Agência Nacional de Águas (ANA) AUGUSTO FILHO, O. Caracterização
e à Defesa Civil de Encantado geológico-geotécnica voltada
pela disponibilização de dados e à estabilização de encostas:
informações sobre as inundações. uma proposta metodológica. In:
SDB agradece a todos os moradores CONFERÊNCIA BRASILEIRA SOBRE
de Encantado que se dispuseram ESTABILIDADE DE ENCOSTAS, 1.,
a conversar e relatar o histórico 1992, Rio de Janeiro. Anais... Rio de
de eventos de inundação no Janeiro: ABMS; ABGE; PMRJ; SMO;
município. FMWT agrade o suporte GEORIO, 1992. v. 2, p. 721-733.
financeiro do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico BERLANGA, R. R.; TIBURCIO, E. G.;
e Tecnológico (CNPq – proc. FLORES, A. S.; TANUS, C. F. U. Guía
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Estudo da geração de energia elétrica de biogás a partir da
vinhaça de uma usina de cana de açúcar
Study on generation of electric energy by biogas from the vinasse of a
sugar cane plant

Estudio de la generación de energía eléctrica a partir de biogás de la


vinaza de una planta de caña de azúcar

Fabrício Tadeu Pereira Resumo


Eng Ambiental - Univ. Fed. A digestão anaeróbia é uma importante rota para tratamento de resíduos sólidos orgânicos que
resulta na produção do biogás, gás combustível com elevado potencial energético. O presente
Itajubá,
trabalho visou à obtenção das características e condições para a geração de energia elétrica do
fbricio0848@gmail.com biogás a partir da digestão anaeróbia de vinhaça, tendo sido estudada em usina açucareira do
interior do estado de São Paulo. A geração de biogás do caso da vinhaça foi estudada levando-se
Ivan Felipe Silva dos em consideração os valores da literatura. O potencial energético para a produção de vinhaça de
uma safra na usina de estudo com 21 milhões de toneladas, foi estimado o potencial energético
Santos de 12.526,19 kWh/dia. Foram simulados 4 cenários em uma combinação entre Resoluções
Eng. Hídrico. Doutor Eng. Mec. da ANEEL de micro e mini geração distribuída e no âmbito da Portaria MME nº 65/2018 com
UNIFEI, dois valores de investimento pela Potência. Há viabilidade econômica para o empreendimento
Mestre em Ciências Eng de de 5MW de Potência estudado com payback a partir do 4º ano de operação no âmbito das
Resoluções ANEEL 482/2012 e 687/2015 (Cenários 1 e 2), e no âmbito da Portaria MME nº
Energia - Univ. Federal de
65/2018, após o 7º ano de operação (Cenário 3) e 7º ano de operação (Cenário 4).
Itajubá Palavras-chave: energia renovável, vinhaça, digestão anaeróbia
ivanfelipedeice@hotmail.com
Abstract
Regina Mambeli Barros Anaerobic digestion is an important route for the treatment of solid organic waste that results
in the production of biogas, a fuel gas with high energy potential. The present study aimed at
Profa. do Instituto de Recursos
obtaining the characteristics and conditions for the generation of electric energy from biogas
Naturais, Univ. Fed. Itajubá from anaerobic digestion of vinasse, having been studied in a sugar plant in the interior of
remambeli@hotmail.com the state of São Paulo. The biogas generation in the case of vinasse was studied taking into
account the values in the literature. The energy potential for the production of vinasse from a
harvest in the study plant with 21 million tons, the energy potential of 12,526.19 kWh / day
Geraldo Lúcio Tiago Filho was estimated. Four scenarios were simulated in a combination of ANEEL Resolutions of micro
Prof. Instituto de Recursos and mini generation distributed and within the scope of MME Ordinance No. 65/2018 with two
Naturais, Univ. Fed. Itajubá, investment values by Power. There is economic viability for the 5MW Power project studied
tiagounifei@hotmail.com with payback from the 4th year of operation under ANEEL Resolutions 482/2012 and 687/2015
(Scenarios 1 and 2), and within the scope of MME Ordinance 65/2018, after the 7th year of
operation (Scenario 3) and the 7th year of operation (Scenario 4).
Thayla Francisca Vilas Key-words: renewable energy, vinasse, anaerobic digestion,
Bôas
Graduanda Eng. Ambiental, Resumen
Instituto de Recursos Naturais, La digestión anaeróbica es una ruta importante para el tratamiento de residuos orgánicos
sólidos que da como resultado la producción de biogás, un gas combustible con alto potencial
Univ. Fed. Itajubá
energético. El presente trabajo tuvo como objetivo obtener las características y condiciones
thaylavilasboas@unifei.edu.br para la generación de energía eléctrica a partir de biogás a partir de la digestión anaeróbica de
vinaza, habiendo sido estudiadas en una planta azucarera del interior del estado de São Paulo.
La generación de biogás en el caso de la vinaza se estudió teniendo en cuenta los valores de
la literatura. El potencial energético para la producción de vinaza a partir de una cosecha en la
planta de estudio con 21 millones de toneladas, se estimó el potencial energético de 12.526,19
kWh / día. Se simularon cuatro escenarios en una combinación de Resoluciones ANEEL de
micro y mini generación distribuidas y en el alcance de la Ordenanza MME No. 65/2018 con
dos valores de inversión por Energía. Existe viabilidad económica para el proyecto de 5MW

58
de Energía estudiado con amortización a partir del 4º año de operación bajo las Resoluciones
ANEEL 482/2012 y 687/2015 (Escenarios 1 y 2), y dentro del alcance de la Ordenanza MME
65/2018, después del séptimo año de operación (Escenario 3) y el séptimo año de operación
(Escenario 4).
Palabra-clave: energía renovable, vinaza, digestión anaeróbica

1. INTRODUÇÃO
impróprios para serem aplicados no
De acordo com dados sobre a matriz solo.
de energia elétrica, do Sistema de
Informações de Geração da ANEEL Como a vinhaça apresenta um
(SIGA), da Agencia Nacional de Energia elevado potencial de matéria
Elétrica (ANEEL), o Brasil possui no orgânica em sua composição, o uso
total 3.065 empreendimentos de da digestão anaeróbia (DA) para
Usinas Térmicas (UTE) em operação, a geração de biogás e em seguida,
totalizando 44.196.682,29 kW de energia, torne-se uma opção bastante
potência instalada. Quando avaliada atraente às usinas sucroalcooleiras
a matriz por fonte e combustível (BERNAL et al., 2017). O papel da
final (Biogás-RU, Resíduos Sólidos vinhaça de cana-de-açúcar, como
Urbanos-RU, Biogás-Floresta, Biogás- fonte de energia alternativa, atraiu
AGR e Biogás-RA), há uma potência recentemente a atenção na indústria
outorgada de 220.066,80 kW em 41 sucroenergética brasileira devido ao
empreendimentos, correspondendo a fato de que a recuperação de energia
0,5% da matriz energética relativa às através do biogás a partir da DA de
UTEs (SIGA-ANEEL, 2020). vinhaça mostra grande potencial
para expandir a quota de fontes
De acordo com Cortez et al. (1992), de energia renováveis na matriz
os subprodutos da produção de energética (FUESS et al., 2014;
açúcar começaram a surgir com os FUESS et al., 2017).
processos voltados a um alto grau
de pureza e alto padrão. Alguns O biogás é uma versátil fonte
subprodutos gerados na produção de de energia renovável, que pode
açúcar e etanol são destacados pela ser usado para a substituição de
importância comercial ou redução de combustíveis fósseis na produção
custos pela usina. Os subprodutos de energia e calor, e pode ser usado
mais importantes são: o bagaço, a também como combustível gasoso
vinhaça, a torta de filtro e a levedura. de veículos. O biogás é rico em
A vinhaça é gerada pela atividade metano e pode substituir também
sucroalcooleira no processamento o gás natural, após a adequada
de cana-de-açúcar (CETESB, 2015). purificação e adequação, como
Atualmente, a maior parte das usinas uma matéria-prima para produzir
destinam a vinhaça à fertirrigação do produtos químicos e outros materiais.
solo. Entretanto, Penatti e Donzelli A produção de biogás por meio da
(2000) relatam que o excesso de DA oferece vantagens significativas
sódio é uma das características sobre outras formas de bioenergia
utilizadas para definir a qualidade da (WEILAND, 2010).
água, em se tratando de irrigação.
Como a vinhaça, resíduos ou águas Segundo Osorio e Torres (2009), o
de irrigação com altos teores de sódio biogás é composto por vários tipos de
em relação ao cálcio e magnésio são gases, tais como o metano, dióxido

59
de carbono, nitrogênio e o sulfeto de e compostos halogenados, mas
hidrogênio, estes dois últimos, entre os montantes destes vestígios
outros gases, aparecem apenas na compostos são muito baixos em
forma de traços. No entanto, o biogás comparação com os gases CH4 e CO2.
gerado é, principalmente, composto (KHAN, 2017). A European Biomass
de metano, possibilitando a geração Association – AEBIOM (2009),
de energia. Além disso, o biogás mostra a composição comumente
típico é saturado com água, partículas encontrada no biogás de DA na
de poeira, siloxanos, aromáticos Tabela 1.

Tabela 1: Composição do Biogás comumente encontrada no biogás


proveniente da Digestão Anaeróbia

Gás Porcentagem (%)

Metano 50 – 75

Dióxido de Carbono 24 – 45

Vapor d’água 1–2

Monóxido de Carbono 0 – 0.3

Nitrogênio 1–5

Sulfeto de Hidrogênio 0.1 –0.5

Hidrogênio 0–3

Oxigênio Traços

* Nota: Tradução do autor. Fonte: AEBIOM, 2009

Para que o biogás possa ser utilizado econômica apenas para cidades
como combustível, seja em motores, com população superior a 300.000
turbinas a gás ou microturbinas, habitantes e mostraram que este
é necessário identificar sua tipo de energia renovável poderia
vazão, composição química e fornecer potencialmente cerca de
poder calorífico, parâmetros que 0,25% de os combustíveis residuais
determinam o real potencial de brasileiros.
geração de energia elétrica (COELHO
et al., 2006). Santos et al. (2016a) Dessa maneira, esse trabalho
analisaram a viabilidade econômica visa a conduzir um estudo de
e o potencial energético da geração aproveitamento energético da
de energia a partir do biogás das produção de biogás a partir da
ETEs anaeróbias brasileiras e seus vinhaça proveniente de usinas
resultados indicaram viabilidade açucareiras. Esse aproveitamento

60
energético é proposto para se dar Ainda, de acordo com o IBGE (2020),
mediante o processo da DA e calcular o rendimento médio foi de 74.278
os potenciais energéticos dos três kg/ha em 2019 e de 76.609 kg/ha
tipos de substratos supracitados. em 2020 (variação de 3,1%).

2. Cana de Açúcar O principal produto derivado da


cana-de-açúcar é o açúcar. Existem
2.1 Produção da cana de açúcar no diversos tipos de açúcar, os quais
Brasil são divididos em três categorias,
quais sejam: açúcar bruto, açúcar
De acordo com o levantamento branco ou refinado e açúcar líquido
sistemático da produção agrícola - (IBGE, 2017). O Brasil produziu em
outubro 2020, do Instituto Brasileiro 2015 produziu mais de 37 milhões
de Geografia e Estatística (IBGE, de toneladas de açúcar, dos quais
2020), a produção de safra de cana- mais de 53% era do tipo very high
de-açúcar foi de 667.532.475 ton em polarization - VHP (polarização muito
2019 e de 690.832.317 ton em 2020, alta). O VHP é usado como matéria-
com uma variação de 3,5% entre prima para a produção de açúcar
estes anos. A área plantada para refinado ou em outros processos
os anos de 2019 e 2020 foram de industriais, produzido sobretudo,
respectivamente de 9.627.539 ha e ao comércio exterior. Os gráfico da
de 9.711.918 ha (variação de 0,9%) Figura 1 mostra o crescimento da
e a área colhida para os anos de 2019 produção de VHP e a redução dos
e 2020 foram de respectivamente outros tipos de açúcar no período
de 8.986.925 ha e de 9.017.593 ha representado.
(variação de 0,3%). (IBGE, 2020).

Figura 1: Produção de açúcar por tipo, segundo as Grandes Regiões -


2006/2015.

Fonte: IBGE, Pesquisa Industrial Anual - Produto 2006/2015 apud IBGE (2017)

61
Em IBGE (2017), ressalta-se a Resolução Normativa nº 687/2015
que dados da PIA-Produto 2015 (ANEEL, 2015). Conforme esta
demonstram que o Estado de São resolução, é permitido a utilização
Paulo é o maior produtor de açúcar de qualquer fonte renovável, além
do Brasil, uma vez que é responsável da cogeração qualificada. Denomina-
por mais de 62% da produção se microgeração distribuída a central
de açúcar do País, sendo um dos geradora com potência instalada até
fatores que podem explicar é a alta 75 quilowatts (KW) e minigeração
produtividade das lavouras de cana- distribuída, aquela com 75kW <
de-açúcar em São Paulo. Este estado P ≤ 5MW, conectadas na rede de
vem implementando desde os anos distribuição por meio de instalações
de 1970, aprimoramentos contínuos, de unidades consumidoras. No caso
incentivados pelas políticas públicas em que a quantidade de energia
voltadas a incentivar este setor. gerada em determinado mês for
maior àquela consumida naquele
O valor bruto que é movimentado pela período, o consumidor fica com
cadeia sucroenergética, de acordo créditos passíveis de serem usados
com Neves1 et al. (2014 apud ÚNICA, para redução da fatura dos meses
s.d.) é superior a US$ 100 bilhões, seguintes (ANEEL, 2018).
com um Produto Interno Bruto (PIB)
de aproximadamente US$ 40bilhões, Em relação ao saneamento, há que
ou seja, um montante equivalente a se mencionar a Política Nacional de
cerca de 2% do PIB brasileiro. Resíduos Sólidos (PNRS), instituída
pela lei no. 12305/2010 (BRASIL,
2.2 Principais Políticas e Resoluções 2010a) e regulamentada pelo Decreto
7404/2010 (BRASIL, 2010b).
No tocante à micro e mini geração
distribuída, é importante ressaltar Também, são mencionadas pela
a Resolução Normativa ANEEL nº ÚNICA (s.d.), a RenovaBio, em que
482/2012 (ANEEL, 2012), em que o foram aprovados em 2018, vários
consumidor brasileiro pode efetuar dispositivos de regulamentação do
a geração de sua própria energia programa, dentre os quais menciona-
elétrica a partir de fontes renováveis se a meta decenal de redução das
1. Neves, M. et ou ainda, a cogeração qualificada e emissões em mais de 10% até 2030,
al. Mapeamento e inclusive, pode fornecer o excedente majorando em aproximadamente
quantificação da cadeia para a rede de distribuição de sua 70% o consumo de etanol em um
sucroenergética na safra localidade (ANEEL, 2018). Ainda período de 12 anos. Ainda, a ÚNICA
2013/2014. Mimeo, segundo a ANEEL (2018), visando (s.d.) ressalta o acréscimo do limiar
2014. apud União da à redução dos custos e tempo de injeção de bioeletricidade com a
Indústria de Cana-de- para a conexão da microgeração preservação do desconto na Tarifa
Açúcar - ÚNICA. Balanço e minigeração, tornar compatível de Uso dos Sistemas Elétricos de
de atividades 2012/2013 o Sistema de Compensação de Distribuição (TUSD) para projetos
a 2018/2019. Disponível Energia Elétrica com as Condições existentes. A publicação artigo na Lei
em: https://www.unica. Gerais de Fornecimento (Resolução 13.299/2016, possibilitou-se que os
com.br/wp-content/ Normativa nº 414/2010; ANEEL, empreendimentos à biomassa com
uploads/2019/06/ 2010), incrementar o público alvo e potência injetada maior que 30MW
Re l a t o r i o -At i v i d a d e s - finalmente, aprimorar as informações continuassem (ou passassem) a ter
201213-a-201819.pdf. na fatura, a ANEEL publicou a direito ao desconto da TUSD até os
Acesso em 24 de nov. de revisão da Resolução Normativa nº 30MW (desde que não superem o
2020. p. 13. 482/2012 (ANEEL, 2012), ou seja, limite máximo de 50MW). Finalmente,

62
2 Pinheiro, J. C. Análise dentre as políticas mencionadas Segundo Pinheiro2 (2015 apud
da dinâmica das áreas pela ÚNICA (s.d.), há menção à IBGE, 2017), após a chegada à
ocupadas pela cultura aprovação pelo Congresso Nacional unidade industrial, a cana-de-
canavieira no Brasil da MP 688/2015, que alterou a Lei açúcar segue por uma esteira cuja
entre 1990 e 2013: uma 9.427/1996, e tornou possível a função é a retirada das impurezas
contribuição ao estudo manutenção do desconto na TUSD passíveis de os equipamentos ou
do circuito espacial (mesmo para os agentes que injetem ainda de contaminação do caldo.
produtivo do setor acima de 30MW, com limite superior No caso em que a cana-de-açúcar
sucroenergético. 2015. de até 300MW). Entretanto, a referida seja manualmente colhida, há uma
Dissertação (Mestrado)– medida passou a valer somente para lavagem da planta com água. Por
Instituto de Geociências, novas outorgas de projetos que outro lado, em caso de colheita
Universidade Estadual entrassem em operação a partir de mecânica, tal limpeza é efetuada
de Campinas - 2016. A medida foi transformada na com jato de ar a fim de evitar perda
Unicamp, Campinas, Lei 13.203/2015, e contribui para de sacarose. O caldo é separado
2015. Disponível em: a viabilidade econômica de novas do bagaço, que segue, geralmente,
<http://repositorio. outorgas de geração à biomassa, para as caldeiras, local em que é
unicamp.br/bitstream/ sobretudo envolvendo greenfields transformado em energia elétrica.
REPOSIP/286588/1/ (ÚNICA, s.d.). O esquema da Figura 2 apresenta
Pinheiro_ resumidamente, o processo produtivo
JuniorCesar_M. 2.3 Produção de açúcar e de açúcar, etanol e energia.
pdf>. Acesso em: subprodutos
out. 2017. apud
INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA – IBGE.
A Geografia da cana-
de-açúcar / IBGE,
Coordenação de Figura 2: Ciclo produtivo do açúcar, etanol e energia.
Geografia. - Rio de
Janeiro : IBGE, 2017.
172p. Acima do título:
Dinâmica territorial da
produção agropecuária.
ISBN 978-85-240-
4443-4. Disponível
em: https://biblioteca.
ibge.gov.br/index.php/
biblioteca-catalogo?view
=detalhes&id=2101436
Acesso em: 24 de nov.
de 2020. p. 68.

3 Pinheiro, J. C. Análise
da dinâmica das áreas
ocupadas pela cultura
canavieira no Brasil
entre 1990 e 2013: uma
contribuição ao estudo Fonte: Pinheiro3 (2015 apud IBGE, 2017).
do circuito espacial
produtivo do setor

63
sucroenergético. 2015. Alguns subprodutos gerados na além de energia, ração e adubo,
Dissertação (Mestrado)– produção de açúcar e etanol são outros subprodutos estão sendo
Instituto de Geociências, destacados pela importância comercial desenvolvidos a partir do bagaço.
Universidade Estadual ou redução de custos pela usina. Os Exemplos são o etanol de segunda
de Campinas - subprodutos mais importantes são: o geração, o plástico verde e um tipo
Unicamp, Campinas, bagaço, a vinhaça, a torta de filtro e de fibra para fabricação de tecido.
2015. Disponível em: a levedura. Conforme IBGE (2017), Ainda, outro resíduo da cadeia
<http://repositorio. a vinhaça é um líquido marrom- canavieira (palha), pode-se produzir
unicamp.br/bitstream/ escuro que exala forte odor com as papel (IBGE, 2017).
REPOSIP/286588/1/ seguintes características químicas:
Pinheiro_ baixo pH, elevado teor de potássio e 3. Materiais e métodos
elevada carga de matéria orgânica,
JuniorCesar_M.pdf>. sendo mais utilizada nos campos 3.1 Produção de vinhaça
Acesso em: out. 2017. rebrotados.
apud INSTITUTO De acordo com Bernal et al. (2017),
BRASILEIRO DE O uso de resíduos da indústria (a o volume de vinhaça produzido, pode
GEOGRAFIA E exemplo da vinhaça), já consiste ser obtido multiplicando-se a massa
ESTATÍSTICA – em atividade rotineira em muitas de cana-de-açúcar moída (em kg)
IBGE. A Geografia regiões canavieiras do Brasil, com pela produção específica de vinhaça
da cana-de-açúcar / os evidentes aumentos na produção (Equação 1).
IBGE, Coordenação de cana-de-açúcar (ORLANDO FILHO
de Geografia. - Rio e LEME, 1983). De acordo com 𝑉𝑣=𝑃𝑣 𝑥 𝑇𝑐 (1)
de Janeiro : IBGE, IBGE (2017), como subproduto da
2017. 172p. Acima fabricação de açúcar e etanol, a partir
do título: Dinâmica da queima do bagaço de cana-de- Onde:
territorial da produção açúcar, é possível efetuar a geração Vv = Volume de vinhaça produzido
agropecuária. ISBN de energia elétrica de biomassa. (m3);
978-85-240-4443- Pv = Produção de vinhaça por quilo
4. Disponível em: Conforme dados de 2018, da Câmara de cana (m3/kg);
https://biblioteca. de Comercialização de Energia Tc = tonelada de cana convertida
i b g e . g o v. b r / i n d e x . Elétrica CCEE (2018) relatados pela para quilogramas (kg).
php/biblioteca-catal ÚNICA (s.d), a biomassa da cana
ogo?view=detalhes& entregou para a rede do Sistema 3.2. Estudos energéticos
id=2101436 Acesso Interligado Nacional (SIN), 21,44
em: 24 de nov. de TWh em 2017, ou seja, 84% do total Aplicando a Equação 2 (LIMA
2020. p. 68. de geração da biomassa. Este valor E PASSAMANI, 2012), pôde-se
foi apenas inferior àquela produzida encontrar a energia térmica para
pelas hidrelétricas, térmicas a gás todos os casos estudados.
e eólicas, que entregaram ao SIN
respectivamente, 380,91 TWh, 56,45
TWh e 33,49 TWh. A energia elétrica (2)
gerada pelo setor sucroenergético
para o SIN foi equivalente a ter
atendido mais de 11 milhões de Onde:
residências, além de uma redução Et= Energia térmica disponível no
nas emissões de Gases de Efeito biogás (kcal/dia);
Estufa (GEE) de 6,3 milhões de Qbiogás= produção volumétrica de
tonCO2 (ÚNICA, s.d.) biogás (m3/dia); e
PCIbiogás=Poder calorífico inferior do
Ainda, conforme IBGE (2017), biogás (kcal/m³).

64
Seguindo-se a literatura pertinente, DQOtotal : DQO contida no volume de
o biogás possui um Poder Calorífico vinhaça gerado (kg);
Inferior (PCI) que se encontra entre Ef : eficiência de tratamento do
4,95 e 7,92 kWh/m3, levando-se em reator UASB.
consideração a proporção de metano
presente na mistura de 50 e 80%, Finalmente, pode-se encontrar a
respectivamente. Para o estudo, foi quantidade de biogás gerada pela
utilizado o valor apresentado por vinhaça, de acordo com a Equação 5.
Costa (2006), sendo o PCI do metano
igual a 8500 kcal/m³ o que equivale 𝐷𝑄𝑂𝑟𝑒𝑚 . 𝑓𝑝 (5)
a 6,5 kWh/m3 de gás.
Onde:
Com a Energia Térmica calcula- Qbiogás : vazão de biogás gerado em
se a Energia Elétrica que pode ser um ano (m3/ano);
gerada a partir do biogás produzido, DQOrem : DQO removida por digestão
porém dependendo da eficiência da anaeróbia (kg);
tecnologia de conversão utilizado fp : fator de produção ou produção
(LIMA e PASSAMANI, 2012). de biogás específica, que equivale
à produção de biogás por massa de
3.2.1 Energia elétrica da DA da DQO consumida.
vinhaça
A partir da vazão de biogás, a
Segundo Bernal et al. (2017), com potência e a energia (definida como
os dados de vinhaça produzida, a potência gerada multiplicada pelo
utilizando-se a DQO típica da vinhaça tempo de funcionamento) geradas
da usina em estudo, prossegue-se pelo processo são calculadas pelas
calculando a carga de DQO total de equações 6 e 7.
todo o volume de vinhaça gerado
(Equação 3). 𝑃= . . (6)

𝐷𝑄𝑂𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙=𝑉𝑣 . 𝐷𝑄𝑂𝑡í𝑝𝑖𝑐𝑎 (3)


𝐸𝑎𝑛𝑜=𝑃 . Δ𝑡 (7)
Onde:
DQOtotal : carga total de DQO contida Onde:
em todo o volume de vinhaça gerado Qbiogás: vazão de biogás (m3/s);
(kg); PCH4 : percentual de metano no
Vv : volume de vinhaça (m3); biogás (%);
DQOtípica : valor típico para a vinhaça. ɳ𝑚𝑜𝑡𝑜𝑟 : eficiência ou rendimento do motor de
combustão interna;
Em seguida foi realizado o cálculo da PCICH4 : poder calorífico do metano;
DQO removida no processo de DA Eano : energia gerada em um ano
que dará origem ao biogás (Equação (GW/h);
4). P = Potência gerada (kW);
Δ𝑡 = tempo de funcionamento da usina (horas
𝐷𝑄𝑂𝑟𝑒𝑚=𝐷𝑄𝑂𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 . 𝐸𝑓 (4) por ano).

Onde: 3.3 Estudos econômicos


DQOrem : carga total de DQO
removida pelo processo de digestão Os modelos de avaliação econômico-
anaeróbia (kg); financeira constituem-se em

65
importantes instrumentos para cálculos energéticos e respectivo
avaliação da viabilidade econômica investimento para geração de energia
de um empreendimento. Dentre os elétrica, como receitas, pela venda
diversos modelos, o índice de Valor da energia elétrica (Equação 8), os
Presente Líquido (VPL) pode ser respectivos créditos de carbono pela
usado como índice de decisão. queima do biogás e pela geração
de energia elétrica. A Equação 9
3.3.1 Valor Presente Líquido (VPL) apresenta o cálculo do VPL, com
base em uma função f(x) descrita
Para o presente estudo, utilizou- pela Equação (9). Os valores de VPL
se a consideração de que o índice foram avaliados para os primeiros
de decisão foi o VPL. A utilização 20 anos de implementação do
do VPL abarcou, os resultados dos empreendimento para cada cenário.

𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝑚𝑒𝑛𝑠𝑎𝑙 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑎 𝑑𝑎 𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎

(8)

(9)

(10)

onde:
i: taxa de juros, assumida como sendo 12% a.a.;
n: ano avaliado;
f(x)acum: valores acumulados de f(x);
FC0: Investimento para geração de energia elétrica (R$);
FC: receita anual total (R$); e
O&M: Operação & Manutenção, considerado como sendo 5% do
investimento, conforme Brasil/Probiogas (2015).

Os valores de investimento foram das resoluções ANEEL 482/2012 e


consultados tanto considerando 687/2015 (ANEEL, 2012; 2015). A
os resultados de investimento de Equação 11 foi extraída deste gráfico
Silva et al. (2017) na Figura 3, e de e utilizada no presente estudo.
Tolmasquim (2016), ambas no âmbito

66
Figura 3: valores para investimento em usinas termelétricas a biogás.

Fonte: Silva et al. (2017)

De acordo com estudos realizados na Ministério de Minas e Energia (MME),


Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Portaria MME nº 65/2018, em que
o custo de investimento para geração foram estabelecidos os novos Valores
elétrica a partir de biodigestores Anuais de Referência Específicos
anaeróbios com motogeradores (VRES), para os Sistemas de
(motores de combustão interna + Geração Distribuída, no âmbito da Lei
grupo gerador) são de cerca de US$ 10.848/2004. A UNICA (s.d.) relatou
2.402/kW (Tolmasquim, 2016). Para que desde 2015, por intermédio
a planta de biodigestão anaeróbia da Portaria MME 538/2015, havia
com motogerador também pode somente o VRES4 para a fonte Solar
ser utilizado o valor de 5% por ano Fotovoltaica (R$454,00/MWh) e o
do custo de investimento conforme VRES COGEN GN (R$ 329,00/MWh).
Brasil/Probiogás (2015) e também Conforme a Portaria MME nº 65/2018,
mencionado em Tolmasquim (2016). biomassa e biogás passaram a ter os
O valor de cotação do dólar foi VRES seguintes (vigentes a partir de
4 O Valor de Referência consultado no site do banco central 1º de março de 2018):
Específico para cada do Brasil (BCB, 2020) para o dia
fonte (VREs) consiste 23/11/2020, como de 5,3822 R$ I. Biomassa Residual - R$ 349,00/
no valor limitar para cada 1,00 US$. MWh;
permitido de repasse II. Biogás - R$ 390,00/MWh; e
das distribuidoras às O valor utilizado por Silva et al. III. Biomassa Dedicada - R$ 537,00/
tarifas do consumidor (2017) de 509,74R$/kWh foi MWh.
final, na ocasião em que utilizado, no âmbito das Resoluções
compram bioeletricidade ANEEL 482/2012 e 687/2015 (ANEEL, Portanto, foi simulada a viabilidade
na modalidade de 2012; 2015). Também, conforme econômica também para o valor
Geração Distribuída preconizado pela ÚNICA (s.d.), em VRES de R$ 390,00/MWh, conforme a
(ÚNICA, s.d.). fevereiro de 2018 foi publicada pelo Portaria MME nº 65/2018 mencionada

67
pela ÚNICA (s.d.). fim, levou-se em consideração a meta
de moagem para safra 2016/17, no
Desse modo, foram produzidos 4 caso de 21 milhões de toneladas.
cenários, quais sejam: Dessa maneira, foi possível obter a
DQO total = 168000 t.
• Cenário 1: Valor de R$ 509,74R$/
MWh, conforme a Silva et al. (2017). Segundo Moraes et al., a média dos
Investimento conforme Equação (11) valores de eficiência dos reatores
• Cenário 2: Valor de R$ 509,74R$/ UASB mesofílicos consiste em cerca
MWh, conforme a Silva et al. de 74% de remoção de DQO. Dessa
(2017). Investimento de 2.402/kW maneira, a DQO removida pode ser
(Tolmasquim, 2016). calculada de acordo com a Equação
• Cenário 3: VRES de R$ 390,00/ 13, sendo igual a 48484 t.
MWh, conforme a Portaria MME nº
65/2018. Investimento conforme A partir da DQO removida, foi possível
Equação (11) calcular a vazão de metano gerada
• Cenário 4: VRES de R$ 390,00/ pela vinhaça da usina estudo de
MWh, conforme a Portaria MME nº caso. O fator de produção de metano
65/2018 Investimento de 2.402/kW específico, de acordo com Granato e
(Tolmasquim, 2016). Silva (2002), Silva (2016) e Santos et
al. (2016b), é de 0,33 l/gDQO. Assim,
4. Resultados e análises a vazão de metano obtida por meio
da digestão anaeróbia da vinhaça foi
4.1 Produção da vinhaça de 1,3 m³/s.

Com relação ao cálculo do volume Para o cálculo da potência energética


de vinhaça produzido, e fazendo-se foram consultados os dados da
uso dos dados da usina em questão, literatura pertinente. Considerando
considerou-se a meta de moagem da o percentual médio de 90% de
safra 2017/18, que é de 21 milhões metano no biogás (AEBIOM, 2009),
de toneladas. De acordo com Lora o rendimento de 33% de um motor a
(2002), para usinas que produzam combustão interna (CETESB, 2006) e
açúcar e etanol, o valor médio de o PCI do metano com a concentração
produção de vinhaça por tonelada de metano supracitado de 3,5 MJ/
de cana é de 156 litros por tonelada m3 (QASIN, 1999), pode-se calcular
moída. Dessa maneira fazendo-se a potência derivada da energia do
uso da Equação 1, tem-se um volume biogás, sendo igual a 5349,31 kW.
de vinhaça de 3,276.106 m³.
Considerando o tempo de
4.2. Produção de energia da vinhaça funcionamento de 8000 horas/
safra, pode-se calcular o potencial
Para o cálculo da DQO total, foi energético da usina em estudo.
utilizada dados de DQO típica média Assim, foi possível obter: E =
realizada por medições na usina, que 125626,19 kWh/d.
no caso foi de 20 kg/m3. Também, foi
considerado a proporção de geração Os resultados estão compilados na
de geração de 400 litros de vinhaça Tabela 2.
a cada tonelada de cana moída. Por

68
Tabela 2: Resumo das variáveis e resultados

Parâmetros Quantidade Unidade

Meta de Moagem Safra 2017/18 21.000.000,00 t

DQO típica da Vinhaça da Usina 20 kg/m³

Produção de Vinhaça por t 156 l/t

Capacidade de Moagem na safra 21.000.000,00 t

3.276.000.000,00 l

Volume de Vinhaça 3.276.000,00 m³

DQO total 65.520.000,00 kg

Eficiência UASB mesofílico 0,74

DQO removida 48.484.800,00 kg

Fp CH4 0,33 l/gDQO

DQO removida 48.484.800.000,00 g

QCH4 15.999.984.000,00 l/d

Rendimento do Motor 0,33

PCICH4 35.500.000,00 J/m³

Teor de Metano no Biogás 0,6

5.349,31 kW

Potência 5,35 MW

Tempo de Funcionamento Usina de Cana-


8000
de-Açúcar horas

Energia 42.794.477,75 kWh/Safra(ano)

Horas Anuais 8760 h/ano

Energia horária 117.245,14 kWh/h

4.3. Resultados de cálculos


nos requisitos das resoluções ANEEL
econômicos
482/2012 e 687/2015 (ANEEL, 2012;
Como a potência resultou em 2015). Os resultados de cálculos
5.349,31 kW, foi considerado para econômicos estão demonstrados no
os cálculos econômicos, o valor de gráfico da Figura 4 para os cenários
Potência de 5MW, para que se encaixe 1 e 2.

69
Figura 4: Resultados de VPL para os custos de investimento de Silva et al.
(2017) e Tolmasquim (2016)

Do gráfico da Figura 4, é possível payback de ambos após o 4º ano de


verificar que, tanto considerando os operação (Cenários 1 e 2).
resultados de investimento de Silva et
al. (2017) e de Tolmasquim (2016), Para os cenários 3 e 4, os resultados
no âmbito das resoluções ANEEL de VPL estão apresentados no gráfico
482/2012 e 687/2015 (ANEEL, 2012; da Figura 5.
2015) há viabilidade financeira, com

Figura 5: Resultados de VPL para os custos de investimento de Silva et al.


(2017) e EPE (2016)

70
Do gráfico da Figura 4, é possível (Cenário 4).
verificar que, tanto considerando
os resultados de investimento de 6. REFERÊNCIAS
Silva et al. (2017) e de Tolmasquim
(2016), no âmbito da Portaria MME AEBIOM. A Biogas road map
nº 65/2018, em que a VRES é de for Europe. European Biomass
R$ 390,00/MWh, há viabilidade Association, 2009.
financeira, com payback de ambos
após o 7º ano de operação (Cenário AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA
3) e 7º ano de operação (Cenário 4). ELÉTRICA - ANEEL. Resolução
Normativa nº 414, de 09 de
5. CONCLUSÕES setembro de 2010. Estabelece as
Condições Gerais de Fornecimento de
No presente estudo, foram avaliados Energia Elétrica de forma atualizada
substratos comumente encontrados e consolidada. Disponível em:
próximos aos centros urbanos, que http://www2.aneel.gov.br/cedoc/
podem representar combustíveis ren2010414.pdf. Acesso em: 24 de
em potencial para aproveitamento nov. de 2020.
energético. O substrato foi a vinhaça.
Foi efetuada uma análise de geração AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA
de energia elétrica a partir do biogás ELÉTRICA - ANEEL. Resolução
da DA. Normativa nº 482, de 17 de abril de
2012. Estabelece as condições gerais
Nota-se que a vinhaça possui um para o acesso da microgeração e
potencial bastante significativo para minigeração distribuída aos sistemas
a produção energética, superando de distribuição de energia elétrica, ao
a energia gerada por lodos UASB, sistema de compensação de energia
devido à seu rico teor de matéria elétrica, e dá outras medidas.
orgânica. Não se pode esquecer, Disponível em: http://www2.aneel.
entretanto, as dificuldades da DA gov.br/cedoc/ren2012482.pdf .
inerentes a esse substrato. Acesso em: 16 de out. de 2017.

Entretanto, a DA da vinhaça AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA


ainda se apresenta como uma ELÉTRICA - ANEEL. Resolução
alternativa bastante interessante Normativa nº 687, de 24 de novembro
para as usinas açucareiras. Além de 2015. Altera a Resolução Normativa
disso, as usinas geralmente já nº 482, de 17 de abril de 2012, e
trabalham com geração energética Módulos 1 e 3 dos Procedimentos de
a partir do bagaço, gerando mais Distribuição - PRODIST. Disponível
um subproduto, a energia elétrica, em: http://www2.aneel.gov.br/
sobretudo em locais próximos ao cedoc/ren2015687.pdf . Acesso em:
centro consumidor. 22 de out. de 2017.

Há viabilidade econômica para o AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA


empreendimento de 5MW de Potência ELÉTRICA - ANEEL. Geração
estudado com payback a partir do Distribuída. Publicado: 28/09/2015
4º ano de operação (Cenários 1 e 10:48, última modificação:
2), e no âmbito da Portaria MME nº 15/08/2018 14:11. Disponível
65/2018, após o 7º ano de operação em: https://www.aneel.gov.
(Cenário 3) e 7º ano de operação br/geracao-distribuida?p_p_

71
id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_ BRASIL. Secretaria Nacional de
state=maximized&_101_ Saneamento Ambiental. Probiogas.
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assetEntryId=14461914&_101_ metanização seca) / Tecnologia de
t y p e = c o n t e n t & _ 1 0 1 _ probiogás; organizadores, Ministério
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74
Impactos da Pandemia de COVID-19 no Município de
São Paulo: A Desigualdade Mata até 100 Vezes mais em
Diferentes Distritos
Impact of COVID-19 Pandemic in Municipalities of São Paulo: Inequality
Kills up to 100 Times More in Different Districts

Impactos de la Pandemia COVID-19 en el Municipio de São Paulo: La


Desigualdad Mata hasta 100 Veces más en Diferentes Distritos

Pedro Moreira de Mello RESUMO


Graduando, UFSCar, Brasil O objetivo desta pesquisa é comparar os diferentes impactos da Pandemia de Coronavírus
(COVID-19) até meados de agosto de 2020, em dois distritos do município de São Paulo.
pedromoreirademello@gmail.
A doença, causada pelo vírus SARS-CoV-2, tornou-se rapidamente um evento de proporções
com globais e afetou todo o planeta em diferentes aspectos e escalas. O estudo de caso contemplará
os distritos de Itaquera e Jardim Paulista, na periferia da Zona Leste e na Zona Oeste,
Luciana Gonçalves respectivamente. Serão expostos parâmetros de infraestrutura domiciliar, disponibilidade de
equipamentos de saúde, características das populações e, posteriormente, das consequências
Professora UFSCar, Brasil.
diretas da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) – complicação grave da COVID-19.
lucianamg@ufscar.br Dados de portais da Prefeitura, Governo do estado, meios de comunicação de massa e
artigos serão levantados para realização de comparações, que levarão em conta as condições
Elza Luli Miyasaka socioeconômicas, espaciais e os danos da doença. Até o momento, os impactos são de
proporções assustadoramente diferentes para distritos que distam apenas 20km entre si e se
Professora UFSCar, Brasil.
localizam no mesmo município.
elza.miyasaka@ufscar.br
PALAVRAS-CHAVE: Espacialidade. COVID-19. São Paulo.

ABSTRACT
This research aims to compare the distinct impacts of the Coronavirus Pandemic (COVID-19)
until mid-August 2020 in two districts of the municipality of São Paulo. The disease, caused
by the SARS-CoV-2 virus, quickly became an event of global proportions and affected the
entire planet on different aspects and scales. The case study will contemplate the districts of
Itaquera and Jardim Paulista, on the periphery of the East Zone and the West Zone respectively.
Parameters of home infrastructure, availability of health equipment, characteristics of populations
and, after, the direct consequences of Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS), a serious
complication of COVID-19, will be exposed. Data from portals of the municipal Government,
the state Government, mass media, and articles will be collected for comparisons, which will
take into account the socioeconomic and spatial conditions as well as the damage caused by
the disease. So far, the impacts are of alarmingly different proportions for districts that are only
20km apart and located in the same municipality.
KEYWORDS: Spatiality. COVID-19. São Paulo.

RESUMEN
Esta investigación tiene como objetivo comparar los diferentes impactos de la Pandemia de
Coronavirus (COVID-19) hasta mediados de agosto de 2020 en dos distritos del municipio de São
Paulo. La enfermedad, causada por el virus SARS-CoV-2, se convirtió rápidamente en un evento
de proporciones globales y afectó a todo el planeta en diferentes aspectos y escalas. El estudio
de caso contemplará los distritos de Itaquera y Jardim Paulista, en la periferia de la Zona Este
y la Zona Oeste, respectivamente. Se expondrán parámetros de la infraestructura domiciliaria,
disponibilidad de equipamiento de salud, características de las poblaciones y, posteriormente,
las consecuencias directas del Síndrome Respiratorio Agudo Severo (SARS), una complicación
grave de COVID-19. Se recolectarán datos de portales del Gobierno municipal, Gobierno del
estado, medios de comunicación y artículos para realizar comparaciones, que tendrán en cuenta
las condiciones socioeconómicas y espaciales, así como los daños que ocasiona la enfermedad.
Hasta ahora, los impactos son de proporciones alarmantemente diferentes para los distritos que
están a solo 20 km de distancia y ubicados en el mismo municipio.
PALABRAS CLAVE: Espacialidad. COVID-19. São Paulo.

75
1. INTRODUÇÃO
No dia 26 de fevereiro de 2020,
A COVID-19, doença causada o Ministério da Saúde do Brasil
pelo vírus Sars-CoV-2, tornou- confirmou o primeiro caso no país, em
se um problema de saúde pública São Paulo. Até o dia 09 de setembro
devido à alta transmissibilidade e de 2020, quase sete meses depois,
considerável letalidade, ainda pior a doença já havia afetado 4.162.073
em caso de colapso no sistema de pessoas, sendo que 127.464 delas
saúde (devido à grande proporção de viriam a falecer (SÃO PAULO, 2020a).
acometidos que depende de UTIs).
Pouco depois de surgir – na cidade A partir de meados de maio e começo
de Wuhan, China – em dezembro de de junho de 2020, boa parte dos
2019, espalhou-se atingindo todos países, principalmente os mais ricos e
os continentes (exceto a Antártida) aqueles nos quais a doença já estava
e, em questão de poucos meses, de mais avançada (ou controlada),
acordo com a Organização Mundial iniciou suas reaberturas econômicas
da Saúde (OMS) ganhou status de e de fronteiras. Na mesma ocasião,
pandemia (CORONAVÍRUS, 2020). o Brasil também começou, em
algumas regiões como São Paulo,
Boa parte dos países afetados, no o processo de reabertura rumo ao
intuito de frear a doença, que se que é chamado de “novo normal” –
espalha de pessoa para pessoa, por apesar de naquele momento, não
meio de tosse, espirros e gotículas de estar sequer no estágio mais crítico,
saliva, principalmente em ambientes de pico da doença. De acordo com
fechados e com má circulação a dinâmica da doença no território
(BRASIL, 2020), adotou medidas brasileiro, essa fase pode nem vir
de isolamento social em diferentes a existir, uma vez que os óbitos
intensidades. Dentre essas medidas, diários podem ter atingido um
cita-se: quarentenas e lockdowns platô duradouro para, só depois,
, além de fechamento de espaços começarem a decrescer – como
públicos, de fronteiras, proibição aparenta estar se dando. Após uma
de eventos com aglomerações, análise futura, com distanciamento
protocolos sanitários rigorosos para histórico, provavelmente será
estabelecimentos, dentre outras possível observar o pico, mesmo
regras. Tais medidas têm como ele não estando definido agora. Em
objetivo desacelerar a transmissão outras palavras, o ponto de inflexão
do vírus para que os sistemas de da curva epidêmica brasileira pode
saúde sejam capazes de lidar com a não ser tão claro como foi no caso da
demanda durante a onda pandêmica. Itália e de outros territórios. Dinâmica
Em alguns países, a estratégia foi ilustrada no Gráfico 1 a seguir, que
diferente: não se buscou somente evidencia o comportamento da
garantir que os sistemas de saúde média móvel de sete dias do número
fossem capazes de absorver toda a de óbitos reportados diariamente,
demanda, mas também interromper em comparação aos dados da Itália.
totalmente a transmissão do vírus, no Circulado em verde, podemos ver o
intuito de salvar vidas (CHARLEAUX , pico definido na Itália, em comparação
2020). à ausência de pico definido no Brasil.

76
Gráfico 1: Óbitos confirmados por dia no Brasil e Itália X Dias desde 5
óbitos diários

Fonte: OURWORLDINDATA, 2020.

A pandemia de Coronavírus afeta a aglomerações e, consequentemente,


dinâmica global de forma intensa. um contágio maior: nos
Há uma série de impactos globais, transportes, nos ambientes de
mas a ideia não é debatê-los trabalho, nos comércios ou nas
a fundo neste trabalho, que se casas – principalmente aquelas
prenderá principalmente a analisar com más condições sanitárias e/
os diferentes impactos imediatos da ou superlotação. Essa questão é
pandemia em bairros com condições intensificada devido ao fato de,
socioeconômica diferentes, tomando como pontuou Santos (1993), o
como exemplo o município de São processo de urbanização brasileiro
Paulo. ser incompleto, uma vez que não
proveu condições adequadas de
Faz-se necessário debruçar-se sobre infraestrutura urbana e de moradia.
a pandemia, dada sua relevância,
e compreender quais serão suas A pandemia influencia basicamente
implicações a curto, médio e longo todas as variáveis que configuram a
prazo. Praticamente todas as áreas dinâmica das cidades: o transporte,
do conhecimento se dispõem a tal a lida com espaços públicos, a
tarefa porque, afinal, uma pandemia forma com que a informação e
diz respeito a um fenômeno a comunicação se tornam ainda
extremamente multidisciplinar, mais cruciais. Também escancara
que envolve da Microbiologia a desigualdade social, mostrando
à Engenharia de Transportes, índices alarmantes nas periferias,
passando por Matemática Aplicada ou em zonas de vulnerabilidade, em
à Epidemiologia, Medicina, Relações comparação àqueles referentes aos
Internacionais, Sociologia, Política, bairros e regiões mais abastados,
Gestão e incontáveis outras áreas do como será exemplificado adiante.
conhecimento. Há muitos anos, o Urbanismo e a
Engenharia Urbana, à luz do conceito
No que diz respeito à Cidade, de cidades sustentáveis, buscam
pode-se dizer que ela é o palco do compreender o Urbano e encontrar
desastre, uma vez que a doença é soluções no sentido de democratizá-
muito mais problemática quando há lo, de forma a possibilitar o Direito

77
à Cidade para todas as pessoas. meio de dois intentos:
Grande demonstração é que a
Assembleia Geral da Organização • Resgatar conceitos e dados
das Nações Unidas (ONU) definiu sua pertinentes para a análise crítica
Agenda 2030, que estabelece como das cidades no que diz respeito às
uma de suas metas (até 2030), diferentes formas de experimentá-la,
tornar as cidades e os assentamentos de acordo com a distância do centro
humanos inclusivos, seguros, e o poder econômico dos habitantes;
resilientes e sustentáveis. Eis que • Confrontar as situações sociais e
surge a pandemia: atravessando econômicas de localidades centrais
todas essas questões. da cidade de São Paulo e de sua
periferia para ponderar impactos da
Algumas medidas que já eram pandemia nos diferentes espaços.
fomentadas, ou pelo menos Serão comparados os distritos Jardim
deveriam ter sido até então, Paulista (Zona Oeste, mas muito
como, por exemplo, o incentivo ao próximo do centro) e Itaquera (na
transporte cicloviário, provavelmente periferia da Zona Leste).
serão ainda mais. Outras, como por
exemplo o incentivo às calçadas 3. MÉTODO
ativas, terão que ser repensadas, de
modo a respeitar o distanciamento O desenvolvimento deste trabalho
social – ao menos enquanto não consiste essencialmente em
houver uma parcela significativa das pesquisar como a pandemia afetou
populações devidamente vacinadas. diferentes localidades do município
de São Paulo. Serão observados os
Diante das razões expostas, que diferentes efeitos da doença nos dois
mostram a Cidade influenciando e distritos: Jardim Paulista e Itaquera.
sendo influenciada pela COVID-19, Alguns conceitos urbanísticos serão
o presente trabalho propõe-se a correlacionados com os distintos
discutir os efeitos da pandemia, impactos da pandemia nos locais. Os
levando em conta a espacialidade. A dados foram obtidos nos portais da
escolha pelo município de São Paulo Prefeitura de São Paulo, do Governo
como foco das análises se dá pelo do estado, em produções acadêmicas
fato de ser onde a doença chegou e em meios de comunicação de
no país. Além disso, há relativa massa.
facilidade em encontrar informações
desta relevante metrópole da A escolha dos dois distritos
América Latina. mencionados foi feita com base no
número de óbitos observados por mil
2. OBJETIVO habitantes (taxa de mortalidade),
na densidade domiciliar, densidade
O objetivo principal deste trabalho demográfica e população idosa. O
é, portanto, analisar os efeitos distrito Jardim Paulista, mesmo
da pandemia de Coronavírus com 22,5% da população idosa,
(COVID-19), em diferentes territórios e, por esse motivo, com maior
urbanos do município de São Paulo, tendência (proporcional) a óbitos,
para ilustrar as reflexões, à luz dos considerando que mais de 70% dos
conceitos e expectativas relacionados óbitos do município ocorreram entre
às cidades sustentáveis e ao Direito idosos (SÃO PAULO, 2020a), possui
à Cidade. Pretende-se fazê-lo por os menores índices do município,

78
tanto para a taxa de mortalidade, uma vez que, apesar de estar
quanto para o número de casos consideravelmente estabilizada
por mil habitantes para Síndrome no começo de setembro de 2020,
Respiratória Aguda Grave (SRAG) . enquanto este texto está sendo
redigido, a pandemia não está
Já o distrito de Itaquera, na periferia controlada em sua totalidade. Os
da Zona Leste, que conta com 9,7% dados dos dois distritos com relação
da população idosa, tem o sexto à infraestrutura, desigualdades
maior índice de óbitos de SRAG por econômicas, IDH-M, bem como
mil habitantes e o oitavo maior índice os índices que medem o impacto
de casos de SRAG por mil habitantes. da doença nas localidades serão
Optou-se por olhar o distrito de apresentados – e comparados – com
Itaquera, apesar de ele não possuir os maior profundidade.
piores índices, porque sua densidade
domiciliar é consideravelmente maior O panorama brevemente descrito
(3,40) que a dos distritos com índices levanta a reflexão: por que pessoas
piores da doença e, também, porque que vivem em uma mesma cidade
sua densidade demográfica é muito experimentam-na de forma tão
semelhante a do Jardim Paulista, distinta? Esta pesquisa não será
como será mostrado. As densidades capaz de responder a perguntas
demográficas semelhantes tornam a tão complexas, mas trará reflexões
análise mais coerente. acerca desses temas.

A ideia é analisar e discorrer sobre 4. APRESENTAÇÃO DOS


os dados dos distritos e os impactos RESULTADOS: OS DISTRITOS
da pandemia em ambos, para buscar
possíveis relações entre as condições O primeiro passo para que seja
socioeconômicas e o dano causado possível discutir as questões
pela doença. Este trabalho buscará levantadas é conhecer os distritos que
realizar alguns apontamentos a serão estudados. A Figura 1, ao lado,
respeito dos impactos imediatos, mostra a localização dos distritos
já que para inferir a respeito de no município de São Paulo – sendo,
impactos a médio e longo prazo, seria em azul, Itaquera e, em laranja, o
necessário certo distanciamento distrito Jardim Paulista. O Gráfico 2
histórico. A expectativa é que um ilustra a distribuição proporcional da
evento desse porte altere a dinâmica população dos distritos com relação
urbana. à faixa de renda dos habitantes,
e alerta: há muita desigualdade
Por meio da comparação dos entre os espaços! Faz-se necessário
distritos, buscar-se-á respostas observar que para esse gráfico,
para perguntas como: regiões mais os valores não são exatamente do
pobres, independentemente de suas distrito Jardim Paulista, mas do
densidades demográficas, são mais bairro Jardins (o Jd. Paulista é um
afetadas? De que forma? Até que dos territórios que o compõe).
ponto a situação socioeconômica
das comunidades é agravante Como a ideia não é fazer inferências
para a doença? Não serão obtidas profundas sobre os parâmetros,
respostas conclusivas para tais julga-se que essa discordância nas
questionamentos. Todavia, serão referências dos dados não prejudica
realizadas comparações e reflexões, a comparação. Nos Jardins, 85,9%

79
dos entrevistados ganha mais de quase 63,7% dos entrevistados ganha
R$3.800,00, enquanto em Itaquera, entre R$1.908,00 e R$3800,00.
Figura 1: Mapa do município de São Paulo e indicação dos distritos

Fonte: Elaborado pelos autores

Gráfico 2: Distribuição da população dos distritos por renda

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da Pesquisa Origem-Destino de 2017

Já o Gráfico 3 traz os dados dos possui Ensino Superior, enquanto


distritos com relação à proporção apenas 14,5% dos entrevistados
de suas populações, por nível de em Itaquera conta com o mesmo
escolaridade. Mais uma vez, como status – importante no momento
esperado num país tão desigual como de buscar emprego e ser respeitado
o Brasil, fica evidente a disparidade na sociedade brasileira, além de
entre o acesso à educação dos influir diretamente na capacidade de
moradores dos distritos. 60,7% raciocínio e posicionamento dentro
dos entrevistados no Jardins de uma comunidade.

80
Gráfico 3: Distribuição da população dos distritos por nível de instrução

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da Pesquisa Origem-Destino de 2017

As densidades demográficas e o às populações dos distritos, além


número absoluto de idosos dos da densidade domiciliar média.
distritos são bastante similares. Os Observa-se que, em Itaquera, a
gráficos contidos no Diagrama 1 densidade domiciliar é maior, apesar
abaixo mostram esses parâmetros de não ser possível a análise por área
relacionados à espacialidade e de domicílio, o que deixaria a análise
mais clara.

Diagrama 1: Dados sobre populações e sua distribuição no espaço para os


dois distritos

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do Governo do estado e do InfoCidade (Prefeitura)
respectivamente.

Já o Diagrama 2, a seguir, por sua vez, mas não se julgou haver problemas
contém os gráficos que mostram o em realizar as comparações entre
Índice de Desenvolvimento Humano datas distintas, já que, do ponto de
Municipal dos distritos e alguns vista de transformações urbanas, as
dados referentes à infraestrutura. diferenças entre datas de coleta dos
As datas cujos dados dizem respeito dados não são relevantes.
constam nos títulos das colunas,

81
Diagrama 2: IDH-M, Idade média ao morrer e índices de infraestrutura dos
distritos

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da Prefeitura, ObservaSampa e Mapa da
Desigualdade

Nota-se que os valores de IDH- relação à infraestrutura hospitalar,


Municipal (IDH-M) são referentes às há considerável desigualdade entre
subprefeituras e não exatamente aos os distritos. Com relação aos outros
distritos. A subprefeitura de Itaquera dados, ressalta-se a diferença
(no qual está o distrito de Itaquera), nas idades média ao morrer, que
como ilustra o IDH-M, é muito mais também é muito grande: uma pessoa
carente (0,758), comparável a residente do Jardim Paulista vive em
países como Sri Lanka (0,780). Já a média aproximadamente 15 anos a
subprefeitura Pinheiros (onde está mais que uma moradora de Itaquera.
o Jardim Paulista), tem IDH-M que Com relação ao número médio de
quase atinge o valor máximo (1,000), moradores por domicílio, o Gráfico
de 0,942, que é um índice comparável 4, a seguir, mostra a distribuição
a países como Alemanha (0,939) ou da população dos distritos entre os
Japão (0,915). Seja do ponto de vista domicílios com 1; 2; 3 a 5; 6 a 8 e
de infraestrutura domiciliar, seja com 9+ moradores.

Gráfico 4: Porcentagem de domicílios por número de moradores

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do InfoCidade (Prefeitura) - 2010

82
Fica possível observar que os residenciais de baixa renda e as
domicílios no distrito de Itaquera favelas.
possuem muito mais moradores em
média: quase 70% dos domicílios Pode-se dizer que há uma
tem entre 3 e 8 moradores, enquanto desigualdade colossal do ponto de
mais de 65% dos domicílios do vista de infraestrutura entre os dois
Jardim Paulista conta com 1 ou distritos. Ainda no que diz respeito
2 moradores apenas. Apesar dos à infraestrutura de equipamentos
dados não considerarem a área dos de saúde, o Diagrama 3, a seguir,
domicílios, acredita-se que, como mostra de forma mais aprofundada a
apontado por Pasternak (2016), as disparidade com relação ao número
elevadas densidades de ocupação e de hospitais e leitos existentes nos
de pessoas por cômodo, bem como distritos. Os dados contam leitos
a proximidade entre residências SUS e não SUS, conforme a rede,
e a precariedade das edificações, bem como estão indicados os valores
caracterizam os aglomerados totais de cada distrito.

Diagrama 3: Infraestrutura de saúde nos distritos

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do InfoCidade (Prefeitura) - 2019

5. APRESENTAÇÃO DOS epidemias, que por si só, já são muito


prejudiciais às pessoas e à dinâmica
RESULTADOS: A COVID-19 NOS urbana e social.
DISTRITOS
Com relação à COVID-19 e seus
A seguir serão apresentados os dados impactos nos distritos, primeiramente
referentes aos impactos da doença é importante mostrar a curva
COVID-19 nos distritos. Ficará claro epidemiológica do município de São
que as desigualdades anteriormente Paulo, que consta no Gráfico 5, a
elencadas trazem danos materiais seguir. Nas colunas, estão o número
extremamente diferentes, de óbitos diários reportados na
principalmente em situações como cidade; a linha vermelha é a média

83
móvel de 7 dias, que é um parâmetro em dias úteis e nos finais de semana
seguro para entender as tendências (que são muito menores). Os dados
da doença, uma vez que minimiza as são do início dos óbitos até o mês de
diferenças entre os dados reportados agosto corrente.

Gráfico 5: Óbitos confirmados por dia até 31/08 no Município de São Paulo

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Governo do estado de SP

O gráfico esconde o efeito da dos DRS na Fase 4 (verde) ou na


espacialidade sobre a doença, Fase 5 (azul). Nota-se que no Gráfico
que exploraremos neste texto, 5 anterior, abaixo do eixo X, há a
comparando as curvas dos distritos linha do tempo que mostra como o
separadamente. Fica visível que município de São Paulo mudou de
São Paulo, tal qual o Brasil como fases ao longo do tempo, desde a
um todo, não possuiu um pico primeira classificação do Plano SP
claro de óbitos, e até o momento em 03/06/2020, até a atualização do
está em um platô, com oscilações, dia 04/09/2020.
desde aproximadamente o final de
maio. Isso se deve basicamente à A Tabela 1 mostra os valores totais de
estratégia adotada, que ao invés de casos e óbitos, para os dois distritos
buscar cessar a transmissão do vírus; até 15/08/2020.
tenta lidar com ele, flexibilizando
e afrouxando as leis conforme a Tabela 1: Total de casos e óbitos
doença evolui: é o Plano SP (SÃO SRAG nos distritos
PAULO, 2020b). Total de Total de
Distrito Casos Casos
O Plano SP divide o estado em 17 SRAG SRAG
Departamentos Regionais de Saúde
(DRS) e atribui-lhes, semanalmente, Itaquera 2532 547
um, dentre os 5 níveis de restrição.
Vermelho, laranja, amarelo, verde e Jd. 28 5
azul. O vermelho é o nível de atenção Paulista
total, com apenas serviços essenciais
abertos, e o azul, o “novo normal”. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos
Até o momento, não há sequer um dados do Governo de SP

84
No que diz respeito aos óbitos – por curva das mortes no Jardim Paulista
distrito – o Gráfico 6, a seguir, mostra parece ser o próprio eixo X, uma
a diferença gigante entre as mortes vez que houve apenas 5 mortes
acumuladas nos dois distritos. Nota- no distrito, contra 547 mortes em
se que a diferença é tamanha, que a Itaquera.

Gráfico 6: Óbitos acumulados nos dois distritos ao longo do tempo

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Governo de SP

O Diagrama 4, que contém dois Óbitos SRAG para cada mil habitantes
gráficos, ilustra a comparação entre e para cada mil habitantes idosos –
Casos SRAG para cada mil habitantes, para os dois distritos. Mais uma vez,
e para cada mil habitantes idosos; e a diferença é muito significativa.

Diagrama 4: Casos SRAG por mil habitantes e por mil habitantes idosos
nos distritos

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Governo de SP

85
Os valores são de 2,714 óbitos por 100 vezes.
mil habitantes em Itaquera e 0,056
no Jardim Paulista. Quando a relação O Diagrama 5 a seguir, já levando em
é para mil habitantes idosos, os conta a proporção populacional (por
índices são ainda mais chocantes: a mil habitantes), compara – de forma
cada 1000 idosos de Itaquera, mais bastante visual – a discrepância entre
de 27 perderam a vida, enquanto, no os dois distritos. Para 1 óbito/(mil
Jardim Paulista, esse valor é 0,25, ou habitantes) no Jardim Paulista, houve
seja, a cada 4000 idosos do distrito, quase 49 óbitos/(mil habitantes) em
1 faleceu. A diferença é de mais de Itaquera.

Diagrama 5: Proporção entre os distritos para Óbitos SRAG/mil habitantes

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Governo de SP

É necessário relembrar aqui que os de uma SRAG depende somente


dois distritos estão na mesma cidade, de diagnóstico clínico, enquanto a
possuem densidades demográficas notificação de COVID-19 depende
semelhantes, número absoluto de de testes laboratoriais, que
idosos muito parecido e distam 20 podem atrasar e possuem uma
km entre si – distância que para taxa de erro. Devido ao aumento
uma cidade como São Paulo não é espantoso dos índices de SRAG, em
tão grande – ou pelo menos não tão comparação a anos anteriores, muito
grande quanto a diferença abissal provavelmente a maioria desses
entre seus índices que mensuram os casos é de COVID-19. Há dentre
diferentes impactos da pandemia. os números, certamente, alguns
que não o são (OBSERVATÓRIO
O diagnóstico de Síndrome COVID-19, 2020) mas, para
Respiratória Aguda Grave (SRAG), efeitos deste trabalho, só reforça o
ao invés de diagnóstico exato argumento de que a pobreza mata
de COVID-19, foi utilizado no no Brasil. Atualmente, mais do que
intuito de amenizar o efeito das nunca. E a dinâmica urbana, elitista
subnotificações. A complicação e excludente, é instrumento claro de
da COVID-19 é, na maioria das perpetuação destas desigualdades!
vezes, uma SRAG. A notificação

86
6. CONCLUSÕES
idosos (mais de 60 anos) nos locais
Uma vez expostos os resultados é muito similar. Portanto, apesar de
da pesquisa, ficam claras as os idosos possuírem maiores riscos
diferenças de infraestrutura e de de desenvolver o quadro grave da
equipamentos urbanos, com enfoque COVID-19, fica demonstrado que
nos equipamentos de saúde, entre essa variável não é a única que influi
os distritos. Devem ser reforçadas no poder destrutivo da doença. Não
algumas questões. Comparando há como garantir que os parâmetros
os dois distritos, chega-se a de infraestrutura dos distritos são de
alguns fatos: Itaquera possui uma fato a causa de as taxas epidêmicas
população com escolaridade menor, serem tão diferentes, mas não
renda menor, há mais favelas, há se pode ignorar que distritos tão
mais domicílios sem ligação à rede desiguais, apesar de próximos, foram
de água e esgoto, os domicílios são afetados de formas tão distintas. Há
muito mais povoados, não há tantos certa segurança em afirmar que a
leitos e hospitais à disposição, e a disponibilidade do sistema de saúde
idade média ao morrer é quase 15 – tão desigual nas duas localidades –
anos menor. pode ser um fator determinante para
a doença ser tão mais desoladora em
Os IDH-M’s das subprefeituras, onde Itaquera.
estão os distritos ilustram: Pinheiros
quase atinge o valor máximo (1,000), Outra questão que merece maior
enquanto Itaquera tem um IDH-M atenção é o impacto da doença no
de 0,758; que é considerado alto, Campo. Não há muitos comunicados
mas muito diferente de Pinheiros, e manifestações, principalmente por
que está próximo, na mesma parte dos gestores, que conversem
cidade. O número de leitos por mil diretamente com essa parcela tão
habitantes é mais de 36 vezes maior grande da população brasileira.
no Jd. Paulista. Não curiosamente,
as taxas referentes aos impactos A pandemia de COVID-19 traz a
da pandemia nas duas localidades presença da morte diariamente.
são extremamente diferentes. Em Nunca se falou neste tema tão
números absolutos, há mais de rotineiramente. Entretanto,
109 vezes o número de mortes a presença do assunto não
em Itaquera, se comparado ao Jd. necessariamente faz com que
Paulista. Com relação aos casos, o todos sintam na pele as mesmas
valor é mais de 90 vezes maior. consequências. Há quem diga que
o vírus não faz distinções de classe,
Proporcionalmente à população, gênero e cor, por ser uma estrutura
o número de casos é 40,3 vezes proteica simples e que é capaz de
maior e o de óbitos mais de 48 vezes infectar quaisquer seres humanos.
maior em Itaquera. Os valores mais Sua dispersão, porém, devido a uma
impressionantes, porém, são em série de fatores, é muito variável. Até
proporção ao número de idosos – ou agora, pode-se dizer que a periferia de
seja, óbitos e casos para cada mil São Paulo, que é mais carente, sente
idosos nos distritos: em Itaquera, o mais intensamente os impactos da
número de óbitos por mil idosos é doença, independentemente de suas
110 vezes maior e o de casos por mil densidades demográficas, tanto do
idosos é em torno de 91 vezes maior. ponto de vista do número de casos,
Como dito, o número absoluto de como de óbitos. A pesquisa sugere

87
que a situação socioeconômica das achatar-a-curva-do-v%C3%ADrus-
comunidades é sim agravante para pode-n%C3%A3o-ser-suficiente.
a doença. Para delinear exatamente Acesso em: 15 jul. 2020.
até que ponto essa influência se dá,
são necessários mais estudos. CORONAVÍRUS: OMS declara
pandemia. BBC BRASIL. 11 mar.
Nesse sentido, é importante que os 2020. Disponível em: https://
dados fornecidos pelas Secretarias www.bbc.com/portuguese/
de Saúde e outros órgãos geral-51842518. Acesso em: 15
relacionados sejam mais detalhados: maio 2020.
trazendo, por exemplo, o CEP dos
infectados e falecidos, para que seja MARICATO, Ermínia. Para Entender
possível realizar análises espaciais a Crise Urbana. São Paulo: Editora
e regionalizadas com ainda mais Expressão Popular, 2015.
qualidade (ROLNIK, 2020) – de modo
a expor (e transformar), pouco a OBSERVATÓRIO COVID.
pouco, nossa configuração urbana – Informações Técnicas. Brasil.
extremamente desigual. Como bem Disponível em: https://covid19br.
sintetizou Maricato (2015, p. 108, github.io/informacoes.html. Acesso
comentário meu): em: 12 set. 2020.

[...] há luta de classes na cidade. OURWORLDINDATA. Coronavirus


Ou se remunera os capitais [...] Pandemic (COVID-19).
- ou se investe na reprodução do Oxford. Disponível em: https://
trabalhador: saúde, educação, ourworldindata.org/coronavirus.
transporte, moradia, saneamento... Acesso em: 01 set. 2020.
Nós temos epidemias de dengue
[ou de COVID-19] nas cidades e, PASTERNAK, S. Habitação e saúde.
ao mesmo tempo investimos em Estudos Avançados. 2016, v. 30,
túneis, estádios, pontes, viadutos n. 86. Disponível em: https://www.
para os carros. E já não há mais scielo.br/scielo.php?script=sci_
espaço para colocar esses carros pid=S0103-40142016000100051.
(MARICATO, 2015. p. 108). Acesso em: 20 ago. 2020.

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88
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SÃO PAULO. Governo do Estado. gov.br/coronavirus/. Acesso em: 10
Pacientes internados por set. 2020.
Síndrome Respiratória Aguda

89
Geotecnologias como subsídio na gestão pública da
pandemia de COVID-19: o caso de Araraquara-SP
Geotechnologies as a subsidy in the public management of the COVID-19
pandemic: the case of Araraquara-SP

Las geotecnologías como subvención en la gestión pública de la


pandemia COVID-19: el caso de Araraquara-SP

Tatiane Ferreira Olivatto RESUMO


Mestranda, UFSCar, Brasil Desde o surgimento do novo Coronavírus em dezembro de 2019, as geotecnologias vêm
sendo incorporadas no monitoramento do avanço do vírus. Apesar de evidência do emprego
tatianeolivatto@yahoo.com.br
das geotecnologias para fins epidemiológicos desde meados do século XIX, muitos municípios
brasileiros ainda não possuem recursos para implementá-los. Neste contexto, este presente
João Mateus Marão trabalho descreve o mapeamento interativo desenvolvido pelo Grupo de Inovação e Extensão
Domingues em Engenharia Urbana (Urbie) como subsídio para a gestão pública transparente da pandemia
de COVID-19 no município de Araraquara-SP. Como produtos cartográficos, foram elaboradas
Mestrando, UFSCar, Brasil
as séries temporais de mapas de número de casos confirmados de COVID-19 por bairro e
jmmarao@gmai.com concentração de casos (mapa de calor). Destacou-se o método proposto para a geocodificação
dos bairros e tratamento dos dados brutos recebidos, bem como a inclusão dos municípios
Bruno Joaquim Lima contíguos que se integram ao município em questão. Além disso, foram explorados o uso de
recursos gratuitos da ferramenta online de mapas AcrGIS, como personalização de simbologia,
Mestrando, UFSCar, Brasil
ferramentas de interatividade e incorporação de pop-ups detalhando as informações no mapa.
bjoaquimlima@gmail.com Os produtos resultantes possibilitaram o monitoramento contínuo da situação epidemiológica no
município, viabilizando a gestão e planejamento direcionado das ações. O fato do mapeamento
ficar acessível para a população e de estar integrado à universidade através de um projeto de
extensão, enfatiza o potencial de fortalecimento da resiliência nas cidades a partir da integração
entre a comunidade, meio acadêmico e gestão pública.
PALAVRAS-CHAVE: Novo Coronavírus, COVID-19, Mapeamento Interativo.

ABSTRACT
Since the emergence of the new Coronavirus in December 2019, geotechnologies have been
incorporated into the virus progress monitoring. Despite evidence of the use of geotechnologies
for epidemiological purposes since the middle of the 19th century, many Brazilian municipalities
do not have yet the resources to implement them. In this context, this paper describes the
interactive mapping developed by the Urban Engineering Innovation and Extension Group
(Urbie) as a subsidy for the transparent public management of the COVID-19 pandemic in
the municipality of Araraquara-SP. As cartographic products, time series maps of number of
confirmed COVID-19 cases by districts and cases concentration (heat map) were elaborated.
The proposed method for districts geocoding and raw data processing, as well as the inclusion
of the contiguous municipalities which are integrated with the municipality in question, were
highlighted. In addition, the use of the free tools of the online map platform AcrGIS was explored,
such as symbology customization, interactivity tools and incorporation of pop-ups detailing the
information on the map. The resulting products made possible the continuous monitoring of
the epidemiological situation in the municipality, enabling management and targeted action
planning. The fact of the mapping to be accessible to the population and be linked to the
university through an extension project emphasizes the potential for strengthening resilience in
cities from community, academia and public management integration.
PALAVRAS-CHAVE: New Coronavirus, COVID-19, Interactive Mapping.

RESUMEN
Desde la aparición del nuevo Coronavirus en diciembre de 2019, se han incorporado geotecnologías
para monitorear el progreso del virus. A pesar de la evidencia del uso de geotecnologías con
fines epidemiológicos desde mediados del siglo XIX, muchos municipios brasileños aún no

90
cuentan con los recursos para implementarlas. En este contexto, este trabajo describe el mapeo
interactivo desarrollado por el Grupo de Extensión e Innovación en Ingeniería Urbana (Urbie)
como un subsidio para la gestión pública transparente de la pandemia COVID-19 en el municipio
de Araraquara-SP. Como productos cartográficos, se prepararon series temporales de mapas
del número de casos confirmados de COVID-19 por vecindario y concentración de casos (mapa
de calor). Se destacó el método propuesto para la geocodificación de los barrios y tratamiento
de los datos brutos recibidos, así como la inclusión de los municipios contiguos que integran el
municipio en cuestión. Además, se exploró el uso de recursos gratuitos de la herramienta de
mapas online ArcGIS, como la personalización de simbología, herramientas de interactividad
e incorporación de pop-ups detallando la información en el mapa. Los productos resultantes
permitieron realizar un seguimiento continuo de la situación epidemiológica del municipio,
posibilitando la gestión y planificación focalizada de acciones. El hecho de que el mapeo sea
accesible a la población y que esté integrado a la universidad a través de un proyecto de
extensión, enfatiza el potencial de fortalecimiento de la resiliencia en las ciudades a través de
la integración entre la comunidad, la academia y la gestión pública.
PALAVRAS-CLAVE: Nuevo Coronavirus, COVID- 19, Mapeo Interactivo.

1. INTRODUÇÃO compreender a distribuição espacial


dos fenômenos pode constituir outra
Em dezembro de 2019, o surgimento importante ferramenta (DRUCK et
de um novo vírus, denominado al., 2004). Neste sentido, exemplos
SARS-CoV-2 (COVID-19 ou novo de aplicações de Sistemas de
Coronavírus) reacendeu as discussões Informações Geográficas (SIGs)
acerca do uso de geotecnologias para para investigar epidemiologias
monitorar o avanço do vírus ao redor podem ser encontradas desde
do mundo (KAMEL E GERAGHTY, meados do século XIX, num dos
2020). estudos mais conhecidos neste
campo de conhecimento, no qual o
Num contexto epidemiológico, mapeamento de casos de cólera e de
que trata de uma emergência em pontos de coleta de água possibilitou
Saúde Pública (CARMO, 2008), é correlacionar a contaminação de água
esperado que essas ferramentas de na ocorrência da doença (CARVALHO
subsídio sejam bastante exploradas, E NOBRE, 2001).
principalmente na composição de
uma gestão transparente, que integre Partindo deste princípio de
todos os setores de um município compreensão da distribuição
ou região. Contudo, acompanhar espacial dos fenômenos, as
a situação epidemiológica ainda ferramentas de subsídio à gestão
representa um desafio para diversos de saúde pública passaram então
municípios brasileiros, pois esta a utilizar as geotecnologias,
tarefa demanda disponibilidade incorporando aspectos de coleta,
de dados e recursos (humanos, geoprocessamento, análise e
financeiros, tecnológicos) (BEZERRA compartilhamento de informação
et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2013). com referência geográfica (ROSA,
2011). Um exemplo é o modelo
O desenvolvimento de indicadores, desenvolvido por Buczak et al.
índices e taxas a partir de dados (2014), capaz de predizer a
estatísticos são tradicionalmente ocorrência de novos casos de dengue
as principais ferramentas utilizadas nas Filipinas com base no histórico de
para monitorar e avaliar a situação dados socioeconômicos, ambientais,
de saúde (MERCHÁN-HAMANN, climáticos e epidemiológicos.
2000). Por outro lado, além de
observar padrões estatísticos, Outro exemplo foi o trabalho

91
desenvolvido pela Fundação Bill e mesmos autores, subsidiam métodos
Melinda Gates, que identificaram de análise espacial na saúde
que a erradicação da poliomielite coletiva, monitoramento ambiental e
em alguns locais estava sendo planejamento de serviços de saúde.
inviabilizada devido ao fato do Este monitoramento temporal se
não mapeamento de todas as vilas torna ainda mais importante em casos
existentes e, consequentemente, como o novo Coronavírus, em que
falta de planejamento quanto aos ainda não há vacina ou medicamento
locais em que as crianças ainda não específico para tratamento da
haviam sido vacinadas. Esta mesma doença, exigindo monitoramento
base de dados de mapeamento foi contínuo.
utilizada na gestão epidemiológica
do Ebola, em 2018 (WHO, 2019). Rizzatti et al. (2020) atentam ainda
para a importância do mapeamento
No caso específico da COVID-19, intraurbano para a compreensão da
a Organização Mundial da Saúde espacialização dos casos confirmados
mantém uma plataforma de de COVID-19 numa escala local.
mapeamento interativo global dos Este tipo de mapeamento possibilita
casos e óbitos de coronavírus, o a identificação de áreas de maior
mesmo acontece com diversos ocorrência de casos e, no caso de
governos ao redor do mundo (WHO, séries temporais, áreas de maior
2020). No Brasil, a referência crescimento de casos, fornecendo
oficial é o “Painel Coronavírus”, o subsídios para a identificação de
qual contém dados, estatísticas e contextos vulneráveis. Boulos e
mapeamentos. Estes mapeamentos Geraghty (2020) reforçam ainda
vão além do número de casos e óbitos, que este tipo de mapeamento pode
abrangendo mapas de coeficiente direcionar medidas de isolamento
de incidência e de mortalidade. ou flexibilização e atual na
No âmbito nacional é possível conscientização quando publicados
mencionar outras iniciativas de em forma de mapas interativos.
mapeamento como o “Painel Brasil”,
“Painel Conass” e o “SanarMed” e no O objetivo deste estudo foi
âmbito estadual o Governo do Estado apresentar uma iniciativa de subsídio
de São Paulo e do Rio de Janeiro à gestão transparente da pandemia
(CEBES, 2020). Estes exemplos por meio do uso de geotecnologias,
reforçam outro aspecto relacionado especificamente o mapeamento
à facilitação da divulgação de dados interativo, realizada pelo Urbie
e informações de utilidade pública (Grupo de Inovação e Extensão
através destas plataformas (SANTOS em Engenharia Urbana) através do
E MOTA, 2020). projeto Urbie Maps, no município de
Araraquara-SP, Brasil.
Tratando-se de propagação de
epidemias e transmissão de doenças, 2. MATERIAIS E MÉTODOS
Carvalho e Souza-Santos (2005)
destacam a importância de uma O mapeamento interativo proposto
abordagem que considere espaço foi desenvolvido pelo Urbie1, grupo
e tempo. Logo, mapeamentos que de extensão vinculado à Universidade
1 Inscrito no Edital contemplem séries temporais de Federal de São Carlos, o qual busca
ProEx Atividades com no dados mostram-se promissores a aproximação junto à comunidade
23112.108357/2019-91. nesta tarefa e, de acordo com os externa à universidade através de

92
ações de intervenção pautadas frequente com Araraquara (por
nas pesquisas desenvolvidas no exemplo, trabalham ou estudam
PPGEU (Programa de Pós-Graduação em Araraquara). A Figura 1
em Engenharia Urbana). Uma apresenta a localização do município
destas ações resultou no projeto de Araraquara, bem como dos
denominado Urbie Maps2, visando outros municípios incorporados ao
oferecer estatísticas e mapeamentos mapeamento.
para subsidiar a elaboração e
planejamento de políticas públicas Os dados para mapeamento são
na área da Engenharia Urbana. enviados semanalmente pela
Vigilância Epidemiológica do
O trabalho aqui descrito refere-se à Município de Araraquara, contendo
parceria específica para mapeamento as seguintes informações:
de casos de coronavírus firmada
junto à ao município de Araraquara, • Nomenclatura do bairro;
localizado na região central do Estado • Número de casos por bairro.
de São Paulo, Brasil, estando à
aproximadamente 273 km da capital Uma vez recebidos pelo Urbie,
São Paulo. A população estimada é os dados passam pela etapa de
de 238.339 habitantes, com uma tratamento de dados, viabilizando
densidade demográfica de 237.62 assim a elaboração do banco de dados
hab./km2 (IBGE, 2020). geográfico que, após processado,
resultará nos produtos para
Visando garantir uma maior subsidiar a gestão da pandemia de
efetividade no monitoramento, COVID-19 no município em questão.
foram incluídos no mapeamento os O fluxograma da Figura 2 resume
casos registrados de moradores que as etapas desenvolvidas desde o
residem em municípios contíguos recebimento até a disponibilização
e que, de alguma forma, mantém final dos mapas.
um relacionamento de integração

2 Inscrito no Edital
ProEx COVID-19 com no
23112.009332/2020-40.

93
Figura 1: Identificação da área de abrangência do mapeamento

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020

Figura 2: Fluxograma das etapas do método adotado

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020.

94
2.1. TRATAMENTO DOS DADOS
termos e abreviaturas, além de erros
Esta etapa se justifica pela de digitação e variações com e sem
necessidade de padronização da acentuação. Visando automatizar
nomenclatura dos bairros contida nos esta etapa, foi elaborada uma
dados recebidos, os quais nem sempre Planilha Macro (do Microsoft Visual
se apresentam de forma regular. Basic), conforme ilustrado na Figura
Foram identificadas alternâncias de 3.

Figura 3: Layout da Planilha Macro de Padronização dos Bairros

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020.

2.2. ELABORAÇÃO DO BANCO DE


tipo pontual, sendo que foi alocado
DADOS GEOGRÁFICO um ponto na região central de cada
bairro, com base em informações
Um dos procedimentos necessários coletadas em diversas fonte de
para se determinar os bairros dados, dentre as quais destacam-se:
de ocorrência de COVID-19 é o
georreferenciamento das ocorrências, • Google Maps;
para tal é necessária uma base • OpenStreetMap;
de dados que contenha os dados • WikiMapia;
georreferenciados do município. • Outros (como sites de imobiliárias,
Considerando que não foi fornecido estabelecimentos comerciais e CEP
nenhum mapa base contendo os Correios).
bairros do município de Araraquara e
que não foi possível encontrar esta A edição da camada vetorial de
informação concentrada em nenhum pontos foi realizada no software
banco de dados geográfico específico, QGIS3, utilizando o sistema de
optou-se pela elaboração do mesmo. coordenadas geográficas WGS84,
3 QGIS é um Sistema de uma vez que este é compatível com
Informação Geográfica De forma bem simplificada, as fontes de informações descritas
livre e aberto, disponível georreferenciar é o ato de associar acima, bem como com a ferramenta
para download em as coordenadas geográficas de um que será utilizada para exibição final
<https://qgis.org/en/ evento (RIZZATTI et al., 2020). Para dos mapas. Por se tratar de uma
site/forusers/download. o georreferenciamento dos bairros, camada de pontos com referência
html>. optou-se pela feição vetorial do em coordenadas geográficas, cada

95
ponto é identificado pelo respectivo menor densidade de casos).
nome do bairro e relacionado à uma
latitude e uma longitude. No Mapa de Número de Casos por
Bairro a simbologia adotada foi a
Semanalmente, os dados resultantes classificação dos dados em intervalos
da etapa de tratamento de dados - os quais foram representados por
contendo o número de casos por círculos com diâmetros variados,
bairro - são então associados aos sendo que os menores se referem
dados que contém a localização aos bairros com menos casos e os
geográfica dos bairros, resultando no maiores aos bairros com mais casos.
produto final da etapa de elaboração Para facilitar a diferenciação entre os
do banco de dados georreferenciado: intervalos, foram utilizados círculos
um arquivo de dados contendo “nome de cores diferentes. Neste mapa
do bairro”, “latitude”, “longitude” e também foi habilitada a exibição
“número de casos”. de pop-ups, exibindo os atributos
“Número de Casos” e “Bairro” para
2.3. PROCESSAMENTO E determinado círculo quando o mesmo
DISPONIBILIZAÇÃO DOS MAPAS é selecionado.

A plataforma escolhida para Uma vez que as simbologias e


disponibilização dos mapas foi o legendas foram configuradas no Web
ArcGIS Online. Esta plataforma Map, os mapas foram organizados no
permite a criação de mapas StoryMap de forma a manter a série
interativos a partir da importação histórica dos dois produtos propostos.
de planilhas e dados vetoriais num Em outras palavras, um mapa
ambiente preparado com mapas novo é adicionado semanalmente,
base pré-definidos, ferramentas de contudo, todos os outros mapas das
processamento para tornar os dados semanas epidemiológicas anteriores
interessantes visualmente, incluindo ficam disponíveis para consulta na
desde configuração da simbologia plataforma.
à personalização de pop-ups
(Imagem, 2020). Foram utilizadas 3. RESULTADOS
duas ferramentas que compõem
a opção gratuita da plataforma, A primeira etapa do método
denominadas: proposto, tratamento de dados, se
mostrou essencial para viabilizar a
• Web Map (para elaboração dos elaboração do banco de dados do
mapas); projeto, evitando, principalmente, a
• StoryMap (para a exibição e duplicidade de dados. A ocorrência
compartilhamento com o público). de termos como “Jardim”, “Jd.”,
“Parque”, “Pq.”, “Vila”, “Condomínio”
Semanalmente foram elaborados dois e “Residencial”, que frequentemente
produtos: Mapa de Concentração de se alternavam entre os dados
Casos e Mapa de Número de Casos recebidos a cada semana, acarretava
por Bairro. No Mapa de Concentração o registro segregado de casos que se
de Casos foi desenvolvido um referiam a um mesmo bairro. Caso
mapa de calor, visando facilitar a a etapa de tratamento de dados não
visualização dos locais com maior fosse executada, estes dados seriam
ou menor concentração de casos representados separadamente,
confirmados de COVID-19 (maior ou impactando o resultado final do

96
mapeamento. Além disso, esta etapa de novos bairros, o que exige
evita inconsistência na série temporal atualização contínua por conta da
dos dados, como por exemplo, equipe de trabalho. Por outro lado,
bairros que apresentavam casos esta decisão antecipou a divulgação
em uma determinada semana e, na dos primeiros resultados.
semana seguinte, não apareciam
na lista com casos confirmados, ou A Figura 3 apresenta o mapa de
então apresentavam um número Número de Casos por Bairro em
menor de casos. fase de desenvolvimento no Web
Map. À esquerda, pode-se verificar
Na etapa de elaboração do banco de a lista de mapas adicionados à
dados geográfico, uma das primeiras plataforma ao longo das semanas. À
limitações enfrentadas foi a escassez direita consta a simbologia escolhida
de informações quanto ao limite de para representação dos dados,
cada bairro, dificuldade esta superada com círculos de tamanhos e cores
ao escolher o uso de pontos no lugar diferentes de acordo com a faixa de
de polígonos para representação dos número de casos. No centro da Figura
mesmos. Quanto ao procedimento 4, os dados são exibidos conforme o
de localização do bairro, no início usuário final terá acesso.
no desenvolvimento do projeto, não
se tinha conhecimento de todos os Devido ao rápido crescimento
bairros existentes no município, do número de casos ao longo
bem como o tempo necessário para das semanas epidemiológicas, é
levantar esta informação poderia necessário alterar periodicamente
atrasar a disponibilização dos os intervalos de representação do
primeiros resultados. Logo, tratando- número de casos da simbologia
se da natureza emergencial do adotada, visto que plataforma Web
mapeamento de casos de COVID-19, Map permite o número máximo de
optou-se pela localização dos bairros 11 intervalos por camada de dados
de acordo com a demanda semanal adicionada.
Figura 4: Layout de edição do Mapa de Número de Casos por Bairro no Web
Map

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020.

97
A Figura 5 apresenta o mapa de ferramentas de manipulação dos
Concentração de Casos em fase dados, inclusive, conforme exibida
de desenvolvimento no Web Map. na janela ilustrada na figura,
À esquerda, pode-se verificar ferramentas de configuração de
a lista de mapas adicionados à pop-up, transparência da camada e
plataforma ao longo das semanas, simbologia.
bem como a simbologia escolhida
para representação dos dados, com O acesso aos mapas resultantes
variação de cores de acordo com a é livre aos gestores públicos e à
concentração de número de casos população através do endereço
(mapa de calor). Na parte inferior da eletrônico <https://arcg.is/neO5H>.
figura é exibida a tabela de atributos A Figura 6 apresenta o layout inicial
dos dados. Na barra em destaque, da página.
ficam alocadas as principais

Figura 5: Layout de edição do Mapa de Concentração de Casos no Web Map

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020.

98
Figura 6: Layout básico de acesso público ao mapeamento

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020.

A página disponibiliza estatísticas de Casos por Bairro e Concentração


sobre a situação epidemiológica de Casos. Ambos os mapas são
no município de Araraquara e, em contemplados com ferramentas de
seguida, exibe os mapas de Número interatividade (vide Figura 7).
Figura 7: Ferramentas de interatividade utilizadas

Fonte: ELABORADO PELOS AUTORES, 2020

Na Figura 7, em “a”, destaca-se a bairro e em “e” pode-se utilizar a


data a que o mapeamento se refere, função de localização do dispositivo
sendo que o botão “b” possibilita a de acesso para encontrar o local que
navegação através da série histórica, o mesmo se encontra. Os botões em
recuando para datas das semanas “f” viabilizam a navegação através do
anteriores. Em “c” o usuário mapa pela aproximação (zoom in) e
consegue visualizar os dados em tela afastamento (zoom out), bem como
cheia, em “d” é possível fazer uma em “g” retorna-se à visualização
busca por um endereço ou nome de inicial. Em “h” é exibida a legenda

99
referente aos dados exibidos na tela. para a população compactua com o
processo de gestão transparente e,
Nesta mesma figura, é exemplificada adicionalmente, o fato do projeto
a ferramenta de pop-up, através da estar integrado à universidade
qual tem-se acesso às informações através de um projeto de extensão,
detalhadas de um bairro específico, agrega credibilidade à informação
a partir do clique em tela. No caso no que está sendo transmitida e
mapa de Número de Casos por Bairro, compõe, portanto, uma interessante
ao clicar num círculo na tela (Figura ferramenta de conscientização. Neste
7, “i”), surge uma janela exibindo o contexto, os mapas interativos têm
nome do bairro e o número de casos papel fundamental, pois permitem ao
referente àquele bairro. Nesta janela usuário interagir com a informação
de pop-up o botão “zoom” aproxima de forma a compreendê-la mais
para o local de ocorrência dos casos. facilmente.

4. CONCLUSÃO Considerando que o projeto


foi desenvolvido por um grupo
De forma geral, o mapeamento da de extensão vinculado a uma
situação epidemiológica, como no universidade federal, observa-se
caso do mapa de número de casos também a supressão da demanda
por bairro e mapa de concentração emergencial por recursos humanos
de casos, podem ser importantes especializados, os quais não exigiram
ferramentas para subsidiar a gestão recursos financeiros adicionais, uma
da saúde pública no município. Cabe vez que a iniciativa do projeto é
ressaltar que o acompanhamento voluntária e utiliza recursos gratuitos
semanal da localização da ocorrência de uma ferramenta online. Esta
dos casos confirmados permite característica fortalece a importância
identificar regiões críticas de da interação entre instituições de
aumento nos casos, possibilitando o ensino e pesquisa e gestores e
planejamento direcionado de ações formuladores de políticas públicas,
específicas de conscientização, contribuindo para a efetiva aplicação
testagem, fiscalização e/ou reforço do conhecimento nas ações visando
das unidades de pronto atendimento cidades mais resilientes.
locais.
As próximas etapas do projeto
A série temporal de mapas envolvem análises espaciais visando
também tem função relevante no compreender a correlação entre a
acompanhamento da evolução ocorrência e localidade de casos de
epidemiológica no município, COVID-19 e outras características
podendo indicar regiões em que as socioeconômicas e de infraestrutura
ações de gestão de saúde pública não urbana.
têm alcance ou não estão produzindo
os efeitos esperados. Outro aspecto AGRADECIMENTO
interessante é o monitoramento dos
casos de trânsito com municípios O presente trabalho foi realizado
contíguos que, eventualmente, com apoio da Coordenação de
buscam atendimento nas unidades Aperfeiçoamento de Pessoal de
de saúde de Araraquara. Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001 e
O fato do mapeamento ficar acessível com o apoio do Conselho Nacional

100
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102
Sistemas de medição hídrica com eliminação dos efeitos
de submedição de vazão para uso em edificações e
dessedentação animal
Water measurement systems with elimination of the effects of flow sub-
measurement for use in buildings and livestock watering

Sistemas de medición de agua con eliminación de los efectos de la


submedición del flujo para uso en edificios y agua de animales

Bene Eloi M. Camargo RESUMO


Bacharel em Gestão e Análise A medição individualizada em instalações hidráulicas prediais se caracteriza com um dos
principais instrumentos de controle e uso racional da água. Medidores inadequadamente
Ambiental, UFSCar, Brasil
dimensionados podem resultar na submedição do consumo, o que ocorre quando as vazões
bn.camargo@gmail.com no ramal de alimentação são inferiores à vazão mínima dos hidrômetros e, portanto, não
detectadas. Alguns autores apontam a existência de submedição nos valores de consumo de
Daniel Jadyr L. Costa água de mais de 60%, a depender da faixa de consumo, do tipo de hidrômetro empregado e da
idade da instalação. É neste contexto em que estão apresentados neste trabalho os resultados
Professor do Departamento
encontrados sobre o desenvolvimento de dois sistemas de medição hídrica, denominados de
de Engenharia Civil protótipos, como alternativas ao sistema de medição convencional utilizados em reservatórios
e do Programa de Pós- de abastecimento de água. A principal motivação para o desenvolvimento dos protótipos foi
Graduação em Engenharia a busca por um sistema de medição hídrica com eliminação dos efeitos de submedição de
vazões. De acordo com os resultados obtidos, e em conjunto com as verificações de erros
Urbana – PPGEU, UFSCar,
admissíveis considerados na legislação metrológica, foi possível atingir os objetivos propostos,
Brasil e desenvolver dois sistemas de medição hídrica com possibilidade de aplicação em edificações,
danielcosta.geo@gmail.com dessedentação animal e áreas correlatas.
PALAVRAS-CHAVE: submedição de vazão; micromedição hídrica; tecnologias de medição do
consumo hídrico.
Julio Cesar Pascale
Palhares ABSTRACT
Pesquisador da Embrapa The individualized measurement in building hydraulic installations is characterized by one of
the main instruments of control and rational use of water. Inadequately dimensioned water
Pecuária Sudeste, Brasil
meters can result in undermeasuring consumption, which occurs when flow rates in the supply
julio.palhares@embrapa.br branch are lower than the minimum flow of hydrometers and, therefore, not detected. Some
authors point to the existence of under-measured in the water consumption values of more
Jorge Akutsu than 60%, depending on the consumption range of the type of hydrometer and the age of
the installation. It is in this context that the results found on the development of two water
Professor do Departamento
measurement systems, called prototypes, are present in this work as alternatives to the
de Engenharia Civil, UFSCar conventional measurement system used in water supply reservoirs. The main motivation for
akutsu@ufscar.br the development of the prototypes is the search for a water measurement system with the
elimination of the effects of flow undermeasurement. According to the results obtained, and in
conjunction with the verification of admissible errors in metrological legislation, it was possible
to achieve the proposed objectives, and to develop two water measurement systems with the
possibility of application in buildings, watering livestock and related areas.
KEYWORDS: flow undermeasuring; water micromeasuring; technologies for measuring water
consumption.
RESUMEN
La medición individualizada en instalaciones hidráulicas de edificios se caracteriza por ser uno
de los principales instrumentos de control y uso racional del agua.Los medidores de dimensiones
inadecuadas pueden dar lugar a una submedición del consumo, que se produce cuando el flujo
en el ramal de suministro son inferiores al flujo mínimo de los hidrómetros y, por tanto, no se
detectan. Algunos autores apuntan a la existencia de submediciones en los valores de consumo
de agua superiores al 60%, dependiente del rango de consumo del tipo de hidrómetro y de la
antigüedad de la instalación. Es en este contexto que los resultados encontrados en el desarrollo
de dos sistemas de abastecimiento de agua, denominados prototipos, están presentes en este

103
trabajo como alternativas al sistema de medición convencional utilizado en los reservorios de
abastecimiento de agua. La principal motivación para el desarrollo de los prototipos fue la
búsqueda de un sistema de medición de agua con la eliminación de los efectos de la medición
de subflujo. De acuerdo con los resultados obtenidos, y en conjunto con la verificación de
errores admisibles en la legislación metrológica, se logró alcanzar los objetivos propuestos, y
desarrollar dos sistemas de medición de agua con posibilidad de aplicación en edificios, agua de
animales y áreas afines.
PALABRAS CLAVE: submedición del flujo; micromedición de agua; tecnologías de medición
del consumo de agua.

1 INTRODUÇÃO hídrico nas novas edificações
condominiais. Essa obrigatoriedade,
A medição individualizada em a qual foi incluída na Lei Federal
instalações hidráulicas prediais se 14.026/2020 (BRASIL, 2020),
caracteriza como um dos principais passará a ter validade no âmbito
instrumentos de controle e uso nacional, por meio da primeira
racional da água. A micromedição legislação mencionada, a partir de 12
hídrica é um instrumento que existe de julho de 2021.
na Europa desde o século passado,
tendo surgido na década de 1950 O dimensionamento de hidrômetros
na Alemanha, com a preocupação tem sido tarefa das concessionárias
em se controlar o consumo de água. de água no Brasil. Disso decorre,
No Brasil, a preocupação com o em geral, um desconhecimento dos
uso racional da água, por meio da projetistas de sistemas hidráulicos
utilização de sistemas de medição prediais sobre os diferentes aspectos
individualizada, iniciou-se na década envolvidos nessa tarefa. Medidores
de 1970 (VÉROL et al 2019). inadequadamente dimensionados
podem resultar na submedição do
A medição individualizada, consumo, o que ocorre quando as
ou micromedição, está sendo vazões no ramal de alimentação são,
gradativamente implementada nos em sua maioria, inferiores à vazão
1 O sistema de sistemas de abastecimento prediais, mínima dos hidrômetros e, portanto,
abastecimento indireto e constitui sinônimo de economia não detectadas (PEREIRA, 2007).
ocorre quando é utilizado de água e justiça social. Dentre
um reservatório de água outras vantagens, há a redução do Além disso, essa situação é bastante
no local do abastecimento consumo de energia elétrica em frequente em sistemas indiretos1 de
ou consumo. O sistema decorrência da redução do volume abastecimento de edificações, em
de abastecimento direto bombeado no sistema como um que o controle do abastecimento de
ocorre quando não há todo e a identificação de vazamentos água para o reservatório é efetuado
um reservatório no local anteriormente imperceptíveis por uma torneira de boia. As vazões
do abastecimento, e (CARVALHO JÚNIOR, 2018). ocorridas com o deslocamento do
a distribuição de água flutuador da torneira de boia são, em
é feita diretamente Desde a década de 1970 até os dias alguns momentos, extremamente
pela pressão da rede atuais, houveram muitas ações em baixas, e não detectadas pelos
de abastecimento termos de programas e eventos de medidores empregados (ILHA, et al
(CARVALHO JÚNIOR, conscientização para o uso racional, 2010). Devido a isso, verifica-se que
2018). Os protótipos através do incentivo à prática da a não-medição ou submedição de
desenvolvidos nesse medição individualizada (VÉROL et al toda água potável consumida pela
trabalho reproduzem as 2019), mas somente com a aprovação população brasileira pode chegar até
condições hidráulicas da Lei Federal 13.312/2016 (BRASIL, 23% do valor total (PEREIRA & ILHA,
dos sistemas de 2016) é que tornou-se obrigatória a 2008; SILVA, 2008; SOUZA, 2015).
abastecimento indireto. medição individualizada do consumo

104
No mais, sob o ponto de vista de ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO),
desempenho metrológico, tomando- disponibilizam dados de demanda de
se como referência os critérios de água para a dessedentação animal,
erros máximos admissíveis em por meio de tabelas de consumo
verificações periódicas da Portaria n° hídrico por grupo ou tipo de animal,
246/2000 do INMETRO (INSTITUTO como proposto em ANA (2013),
NACIONAL DE METROLOGIA, porém são valores genéricos e, por
NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE isso, muito imprecisos (PALHARES
INDUSTRIAL) (INMETRO, 2000), 2019).
alguns autores apontam a existência
de submedição nos valores de O monitoramento do consumo
consumo de água de mais de 60%, hídrico para dessedentação animal
a depender da faixa de consumo, do através da instalação de hidrômetros
tipo de hidrômetro empregado e da nos bebedouros consiste na forma
idade da instalação (SCALIZE et al mais precisa para obtenção desses
2014). valores. No entanto, tem-se que
o comportamento hidráulico do
Além da ocorrência da submedição em bebedouro aplicado na bovinocultura
sistemas de abastecimento prediais, é semelhante ao comportamento
o mesmo efeito tem sido observado dos reservatórios de abastecimento
em sistemas de abastecimento hídrico predial, onde o controle do
para a produção animal, que utilizam abastecimento de água para o
o sistema de abastecimento indireto, reservatório é efetuado através de
por intermédio de um reservatório. uma torneira de boia.
No caso da produção animal de
bovinos, são dispostos reservatórios Há ainda um agravante no caso dos
de água no campo para os animais bebedouros animais: a vazão de
realizarem a dessedentação, os quais saída de água do reservatório para o
são conhecidos como bebedouros. ato da dessedentação é muito baixa,
pois considerando as proporções
O conhecimento do consumo hídrico de armazenamento líquido dos
na produção animal oferece inúmeras reservatórios (em torno de 400
vantagens ao produtor como a litros), a taxa de ingestão líquida
melhoria no desempenho produtivo por animal durante um evento de
animal, melhorias ambientais sobre dessedentação é insuficiente para
o manejo hídrico da propriedade movimentar de maneira significativa
e da atividade, além de subsidiar a torneira boia, e consequentemente,
o cumprimento de medidas legais durante o consumo animal ela se
devido ao levantamento de dados mantém na condição de quase
essenciais para o dimensionamento obstrução total de entrada de água
do porte da atividade (PALHARES no bebedouro, ocasionando vazões
2013 e 2019). na tubulação de entrada abaixo
dos valores mínimos de medição
Na falta de condições de dos hidrômetros convencionais. A
monitoramento do consumo consequência desse conjunto de
hídrico através da micromedição eventos será a não medição de vazão,
é possível recorrer a medidas pois a velocidade do escoamento da
indiretas para estimar esses água na tubulação é muito baixa
valores. Órgãos outorgantes como e a mesma, geralmente, não tem
a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE força suficiente para girar a turbina

105
3 METODOLOGIA E MÉTODOS DE
velocimétrica que compõe o interior
do hidrômetro, a qual é responsável ANÁLISE
pela aferição do volume da passagem
líquida. Os protótipos desenvolvidos estão
identificados nesse texto como
É neste contexto em que estão Protótipo 1 e Protótipos 2 e 2aux.
apresentados neste trabalho os
resultados encontrados sobre o 3.1 Protótipo 1
desenvolvimento de dois sistemas
de medição hídrica, denominados Esse protótipo se refere a um modelo
de protótipos, como formas de medição hídrica utilizado em
alternativas de uso do sistema de sistemas de abastecimento indireto
medição convencional utilizados em para edificações. É composto por um
reservatórios de abastecimento de reservatório do tipo caixa d´água,
água. A principal motivação para o e neste caso possui capacidade de
desenvolvimento dos protótipos foi armazenamento de 100 litros.
a busca por um sistema de medição
hídrica com eliminação dos efeitos de Esse sistema de medição é composto
submedição de vazões. pelos seguintes componentes: a.
Válvula solenóide; b. Hidrômetro
2 OBJETIVOS 1: tipo unijato velocimétrico
Classe C; c. Hidrômetro 2: tipo
Desenvolvimento de dois protótipos unijato velocimétrico Classe B; d.
de sistemas de medição hídrica com Reservatório de nível variável (caixa
eliminação dos efeitos de submedição d´água); e e. Boia elétrica. Na Figura
de vazões, e com condições de 1 está apresentado o esquema
medição em situações de consumo de montagem do sistema com a
extremamente baixas. localização dos componentes.

Figura 1: Esquema de montagem do Protótipo 1.

Fonte: Autoria própria.

3.2 Protótipo 2 e Protótipo 2aux


A construção desse sistema foi variável, denominado de bebedouro,
realizada de maneira alternativa ao foi realizada a instalação de um vaso
uso de hidrômetro, sendo utilizado comunicante para a leitura do nível
um mecanismo de aferição de de água. As leituras instantâneas
vazão através da leitura da variação dos níveis de água no vaso foram
do nível de água no reservatório. realizadas através do uso de um
Assim, em um reservatório de nível sensor a laser.

106
O Protótipo 2 é composto pelos comunicante; e f. Sensor a laser.
seguintes componentes: a. Válvula
solenóide; b. Boia elétrica; c. Inversor Na Figura 2 está apresentado o
de corrente elétrica alternada para esquema de montagem do sistema
contínua; d. Reservatório de nível com a localização de alguns dos
variável (bebedouro); e. Vaso componentes do Protótipo 2.

Figura 2: Esquema de montagem do Protótipo 2.

Fonte: Autoria própria.

Considerando o protótipo 2, foi comunicante idêntico ao que foi


desenvolvido um protótipo auxiliar utilizado no Protótipo 2. O esquema
para o mesmo, denominado de de montagem do Protótipo 2aux está
Protótipo 2 auxiliar (ou Protótipo apresentado na Figura 3.
2aux), o qual contém um vaso
Figura 3: Esquema de montagem do Protótipo 2aux.

Fonte: Autoria própria.

107
A principal justificativa e vantagem Em que: E = erro relativo em
da construção do Protótipo 2aux se percentagem (%); Li = leitura inicial
refere à economia de água durante de volume do hidrômetro (m³); Lf =
o seu uso. Ao utilizar o Protótipo 2aux leitura final de volume do hidrômetro
para execução dos experimentos, (m³); e Ve = volume escoado
em substituição ao Protótipo 2, foi verdadeiro (m³).
possível economizar quantidades
significavas de água, pois o Protótipo O volume escoado considerado como
2 possui um reservatório de 400 verdadeiro ou de referência foi obtido
litros (L) e o Protótipo 2aux possui um por meio do método volumétrico, com
microreservatório de 350 mililitros uso de proveta e frascos graduados.
(mL). O consumo de água em cada As vazões (Q) foram calculadas pela
experimento é proporcional ao variação do volume (∆V) no decorrer
volume dos reservatórios. de um período de tempo (∆t), através
da expressão: Q=∆V/∆t.
Além disso, devido aos vasos
comunicantes possuírem as mesmas Analogamente ao Protótipo 1, para
dimensões em ambos os protótipos o cálculo do erro relativo sobre os
(altura (h) de 250 mm e diâmetro resultados de uso dos Protótipos
(Ø) de 75 mm), não haverá 2 e 2aux, foi utilizada a seguinte
divergências quanto ao desempenho expressão:
de funcionamento do sensor a laser
quando utilizado em um ou outro
protótipo, e essa condição possibilita (2)
a realização do aumento de escala do
Protótipo 2aux para o Protótipo 2 com
facilidade e condições metodológicas Em que: E = erro relativo em
semelhantes. Os resultados percentagem (%); hi = leitura inicial
apresentados neste trabalho se do nível de água no reservatório (h);
referem aos encontrados com o uso hf = leitura final do nível de água
do Protótipo 2aux. no reservatório (h); e Ve = volume
escoado verdadeiro (m³).
3.3 Validação dos protótipos
Da mesma maneira que nos testes
Para a validação dos protótipos realizados para o Protótipo 1 o volume
foram realizados testes comparativos escoado verdadeiro foi aferido
de medição de vazões, tomando- pelo método volumétrico. Para os
se como referência os critérios de parâmetros hi e hf, os volumes (m³)
erros máximos admissíveis para correspondentes aos níveis de água
verificações periódicas e eventuais (h) aferidos foram obtidos por uma
presentes nas Portarias nº 246/2000 curva de calibração referente ao
e 436/2011 do INMETRO (INMETRO, volume (V) em função do nível de
2000 e 2011). água (h), ou seja, foi necessário
encontrar a relação de dependência
Para o cálculo do erro relativo do entre variáveis, por meio da função
Protótipo 1, foi utilizada a seguinte matemática: V = f(h).
expressão:
A obtenção da curva de calibração
(1) foi realizada através da calibração
da função matemática aos dados

108
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
experimentais, e para isso utilizou-
se o Método dos Mínimos Quadrados 4.1 Protótipo 1
através da ferramenta Solver do
Excel (GIORGETTI, 2008; COSTA, A construção do esquema idealizado
2015; COSTA et al., 2018). na Figura 1 foi realizada conforme
apresentado na Fig. 4.

Figura 4: Apresentação do Protótipo 1.

Fonte: Autoria própria.

A execução do Protótipo 1 foi realizada de economia de água foi realizado


com uso de uma caixa d’água armazenamento e recirculação de
azul em polietileno e tubulações água, sempre que possível.
em PVC de 25mm de diâmetro.
Quanto ao circuito hidráulico do 4.1.1 Limitações dos hidrômetros
escoamento, a água que vem da utilizados no Protótipo 1
rede pública de abastecimento
percorreu, consecutivamente, a As vazões mínimas de trabalho
válvula solenóide, os hidrômetros (QMÍNIMA) dos hidrômetros foram
Classe C e Classe B, e caixa d´água. identificadas de acordo com o manual
A válvula solenóide foi conectada à do fabricante e estão apresentadas
boia elétrica. na Tabela 1. Tomando-se como
referência a QMÍNIMA, deve haver
Foi possível observar que a boia a preocupação em produzir uma
elétrica funcionou com uma vazão de funcionamento do sistema
amplitude vertical de 17±2cm, o que com valor acima deste, para garantir
correspondeu a, aproximadamente, a aferição do escoamento pelo
64±8L de água para cada equipamento.
acionamento da mesma. Para efeito

109
Tabela 1: Características metrológicas dos hidrômetros.

Tipo de QMÍNIMA QMÍNIMA


Condições de trabalho
hidrômetro (m³/h) (L/min)
Equipamento mais sensível. Situação mais
HIDRÔMETRO
0,015 0,25 confortável e comumente com menor chance de
CLASSE C
ocasionar submedição ou não medição.
Equipamento menos sensível. Situação menos
HIDRÔMETRO
0,03 0,5 confortável e comumente com maior chance de
CLASSE B
ocasionar submedição ou não medição.
Fonte: Autoria própria.

Considerando as condições limitantes 4.1.2 Condições hidráulicas do


dos hidrômetros utilizados verifica- Protótipo 1: vazão padrão produzida
se, na Tabela 1, que o hidrômetro e verificação dos erros
Classe B é o equipamento com
menor sensibilidade e, portanto, Na Tabela 2 estão apresentados os
mais propício à submedição ou não resultados da vazão padrão produzida
medição de vazão. Desta maneira pelo Protótipo 1 (QPADRÃO), aferidas
a vazão produzida com o uso do com uso do método volumétrico. A
Protótipo 1 precisa ser igual ou maior vazão padrão se refere a vazão típica
do que 0.03 m3/h, quando fizer uso que ocorre quando o sistema está em
do hidrômetro Classe B, e pode ser funcionamento, a qual é dependente
igual ou maior do que 0.015 m3/h, das características hidráulicas e
quando fizer uso do hidrômetro construtivas do sistema, como tipo e
Classe C. Importante mencionar quantidade de acessórios utilizados
que os hidrômetros do tipo Classe C (cotovelos, curvas, diâmetro a
são equipamentos com custos mais tubulação, etc), e da pressão da rede
elevados quando comparados aos disponível no local. A vantagem em
hidrômetros do tipo Classe B. construir um sistema de medição
que proporcione vazões típicas (com
padrão no valor de ocorrência) é
que haverá a garantia da medição
hídrica, e eliminação dos efeitos de
submedição.

Tabela 2: Características metrológicas dos hidrômetros.

QAFERIDA Erro máximo admissível (%) Atende a


Erro
QPADRÃO Protótipo 1 (m³/h) Hidrômetros (Portaria 246/2000 Portaria
Hidrômetros (%)
(m³/h) INMETRO) INMETRO?
0.567 (Hidr.
0.7 5 Sim
Classe C)
0.563±0.001
0.568 (Hidr.
2.2 5 Sim
Classe B)

Fonte: Autoria própria.

Para o presente caso são considerados no Protótipo 1. O valor máximo de


como adequados os valores iguais vazão no Protótipo 1 deve seguir
ou acima de 0.03 m3/h, para a recomendação do fabricante do
permitir o uso hidrômetro Classe B hidrômetro, a partir de consulta ao

110
certificado de calibração ou portaria estabelecidos na Portaria 246/2000
de aprovação do INMETRO que é do INMETRO, quando utilizados
emitida especificamente para o como instrumento de medição do
equipamento. Protótipo 1. O hidrômetro Classe C
apresentou erro da ordem de 0.7%,
Na Tabela 2, além da vazão padrão e o hidrômetro Classe B apresentou
produzida pelo Protótipo 1, também erro da ordem de 2.2%. O erro
estão apresentados os resultados máximo admissível na portaria é de
das vazões aferidas (QAFERIDA) 5%. Portanto, na prática, poderão
com o uso dos hidrômetros Classe ser construídas instalações similares
C e Classe B, a indicação dos erros as que estão presentes no Protótipo
associados a cada hidrômetro, 1, inclusive com o uso de apenas um
e o erro máximo admissível de dos hidrômetros, sendo o hidrômetro
acordo com a Portaria 246/2000 do Classe B apontado como o de menor
INMETRO. Considerando a vazão custo.
padrão típica do Protótipo 1 é possível
verificar por meio dos resultados 4.2 Protótipo 2 e Protótipo 2aux
apresentados na Tabela 2 que ambos
os hidrômetros, Classe C e Classe B, A construção do esquema idealizado
foram capazes de atender os critérios pela Figura 2 foi realizada conforme
de erros de avaliações periódicas apresentado na Fig. 5.

Figura 5: Apresentação do Protótipo 2.

Fonte: Autoria própria.

A construção do esquema de observada no Protótipo 1, de


montagem idealizado do Protótipo 17±2cm, o consumo de água para
2aux, pela Figura 3, foi realizada cada experimento no Protótipo 2aux,
conforme apresentado na Figura 6. é de aproximadamente 200mL. No
Protótipo 2 (Bebedouro em escala
Considerando a mesma amplitude real, apresentado na Figura 5), o
de funcionamento da boia elétrica consumo de água proporcional a essa

111
Figura 6: Apresentação do Protótipo 2aux.
Estão indicados na Figura 6
os seguintes componentes
do Protótipo 2aux: i. Funil de
entrada de água no protótipo;
ii. Registro 1; iii. Vaso
comunicante; iv. Mangueira
incolor conectada ao vaso
comunicante; v. Registro 3;
vi. Registro 2; vii. Sensor
a laser apoiado em suporte
azul, direcionado para o
interior do vaso comunicante;
viii. Microprocessador, e; ix.
Suporte para sustentação do
microprocessador e sensor a
laser.

Fonte: Autoria própria.

mesma amplitude de variação da posição do sensor e o objeto alvo.


boia elétrica é de aproximadamente
200L. Para os experimentos realizados
neste trabalho optou-se por
Os experimentos foram realizados programar o sensor para realizar
com uso do sensor a laser VL53L0X leituras de distância com uma
da ST Microeletronics, o qual possui frequência amostral de 1s, ou seja,
dois modos de operação. O primeiro 60 aferições por minuto, praticando-
modo é utilizado quando deseja-se se a condição de maior acurácia na
realizar aferições com uma frequência obtenção dos resultados.
elevada, em que as medições são
repetidamente registradas o mais 4.2.1 Testes preliminares para
rápido possível (modo de alta definição da superfície alvo
velocidade). O segundo modo é
utilizado quando pretende-se ler Como etapa preliminar à obtenção
as medidas com a maior acurácia da curva de calibração, foi realizada
possível, porém com uma frequência uma checagem quanto a precisão
amostral menor. Para o modo em de leitura sobre diferentes tipos de
alta velocidade de registro de superfície do objeto alvo. Para essa
aferições, são tomadas medidas em finalidade, foram realizados testes
uma frequência temporal de 20ms em superfícies alvo com materiais
2 1 milisegundo (ms) é (milisegundos)2, com a acurácia líquidos e sólidos, a partir das
a unidade de medida de de ±5%. Quando deseja-se obter seguintes superfícies: água limpa,
tempo que corresponde a maior acurácia, as medidas devem água turva e anteparo físico flutuante
10-3 segundos (s), sendo ser tomadas em intervalos a partir composto por um bloco de isopor. O
também chamado de 1 de 200ms, com a acurácia de ±3%. bloco de isopor foi a superfície que
milésimo de segundo. Em termos de leitura de distância, a apresentou os melhores resultados.
Deste modo, temos que: sua amplitude de trabalho engloba a O mesmo está indicado na Figura 3
1ms = 0,001s. faixa de 30 a 2000mm, sendo estas como “Anteparo para leitura do nível
as distâncias mínima e máxima, de água”.
respectivamente, considerando a

112
Na Tabela 3 estão apresentados os de 10 minutos, portanto havendo
resultados da análise estatística ao menos 600 aferições da distância
aplicada sobre os testes preliminares. entre o sensor a laser e a superfície
Os ensaios tiveram duração mínima do objeto alvo em cada ensaio.

Tabela 3: Parâmetros estatísticos dos testes preliminares utilizando três


tipos de superfícies.

Água Água Bloco de


Parâmetros
limpa turva Isopor
Erro padrão (mm) 0,05 0,05 0,03
Desvio padrão
(mm) 1,4 1,33 0,81
Variância da
amostra (mm) 1,97 1,77 0,66
Amplitude (mm) 11 18 4
N° de aferições 679 645 679
Fonte: Autoria própria.

É possível observar, através dos estáveis e com maior precisão.


resultados do desvio padrão e da
variância da amostra, que o uso de Na Figura 7 estão apresentados os
um isopor flutuante na superfície resultados dos testes preliminares
líquida proporcionou os menores na forma gráfica, considerando a
valores para esses parâmetros primeira metade do intervalo de
estatísticos, o que significa que a medição, que corresponde a um
utilização desse tipo de superfície período de 5 min ou 300 s.
fornece resultados de medição mais
Figura 7: Gráficos dos testes preliminares utilizando três tipos de
superfícies.

Fonte: Autoria própria.

A partir do gráfico da Figura 7, e sobre um valor médio arbitrário


considerando a visualização dos nessas condições, com uso de água
picos gerados nas linhas vermelha turva e água limpa. Por outro lado, foi
(água turva) e azul (água limpa), é proporcionada menor instabilidade
possível notar maior instabilidade para as leituras sobre o anteparo de

113
isopor. Este comportamento ocorreu com uso do sensor a laser e de uma
devido às características do sensor, régua milimétrica. Considerando que
que opera com maior precisão eventualmente havia movimentação
quando incide sobre anteparos com da água no interior do vaso
maior reflectância. comunicante, durante a realização
dos ensaios, devido ao manuseio do
4.2.2 Curva de calibração para o vaso protótipo, a leitura com uso do sensor
comunicante a partir do Protótipo e da régua era efetivada somente
2aux após a estabilização do fluido. As
medidas da régua foram tomadas
A curva de calibração foi obtida como valor verdadeiro, e serviram
adicionando-se alíquotas de de referência para checar o quão
volumes de água previamente distante da realidade foram efetuadas
conhecidos (60mL) no interior do as leituras através do uso do sensor.
vaso comunicante, a partir de um Na Figura 8 estão apresentadas as
nível inicial previamente definido. curvas de calibração obtidas com o
Foram comparados os valores de uso da régua (em azul) e do sensor a
leitura a variação do nível de água laser (em vermelho).
a partir dos resultados encontrados
Figura 8: Curva de calibração obtida com uso do Protótipo 2aux.

Fonte: Autoria própria.

No gráfico apresentado na Figura 8 32 unidades da escala de leitura


é possível observar comportamento (mm), 247,72 mm – 215,54 mm, o
análogo de taxa de variação entre que é possível corrigir essa diferença
as duas formas de medida. Os matematicamente, subtraindo as
coeficientes angulares das equações 32 unidades de leitura da equação
obtidas apresentaram valores muito do sensor, ou fisicamente, por meio
próximos, sendo aproximadamente da correção da posição relativa do
-0,53 (mm/mL), com uso da régua, sensor, reduzindo a sua altura em
e -0,57 (mm/mL), com uso do 32 mm. A equação geral obtida foi
sensor. Os coeficientes lineares de a seguinte: y = -0,5695x + 247,72,
distanciaram em aproximadamente com R² = 0,998.

114
4.2.3 Resultados experimentais com
a partir do uso do Protótipo 2aux,
uso do Protótipo 2aux devido a 6 ensaios executados
com vazões diferentes, e todas
Na Tabela 4 estão apresentados os consideravelmente baixas.
resultados experimentais obtidos

Tabela 4: Resultados experimentais obtidos com o uso do Protótipo 2aux.


Erro máximo
Método Volumétrico Sensor a Laser: Protótipo Erro no Protótipo admisível (%) Atende a Portaria
Ensaio
(L/min) 2aux (L/min) 2aux (%) (Portaria 246/2000 INMETRO?
INMETRO)
1 0,2200 0,2230 1,3 10 Sim
2 0,0160 0,0170 5,9 10 Sim
3 0,0070 0,0064 9,4 10 Sim
4 0,0057 0,0055 3,6 10 Sim
5 0,0028 0,0026 7,7 10 Sim
6 0,0022 0,0021 4,8 10 Sim
Fonte: Autoria própria.

Nota-se que: todas as vazões aplicadas foram consideravelmente


aferidas estão abaixo da capacidade baixas ao ponto de o escoamento
de vazão mínima de aferição dos de água sair através do tubo de
hidrômetros Classe B e Classe C, que PVC na forma de gotejamento. Na
são, respectivamente, 0,5 L/min e Figura 9 está apresentado o registro
0,25 L/min. fotográfico do momento de saída
de uma gota de água do protótipo,
Considerando os ensaios durante a execução do Ensaio 2 nas
apresentados na Tabela 4, as vazões condições apresentadas na Tabela 4.

Figura 9: Registro fotográfico da saída de uma gota de água do protótipo


durante execução de ensaio.

Fonte: Autoria própria.

115
O evento de gotejamento consumo for realizado no campo, em
apresentado na Figura 9 foi bebedouros que possuem em torno
fotografado pelos autores para de 1,5m de diâmetro, como é o caso
evidenciar que essa é uma situação do bebedouro apresentado na Figura
de escoamento pouco favorável 5 (Protótipo 2), a variação do nível
para a medição de vazão, sendo de água no interior do mesmo será
inclusive não passível de medição de aproximadamente 1,89 mm/min.
através dos métodos convencionais,
como por exemplo, através do uso A partir deste valor de variação
de hidrômetros velocimétricos. do nível de água (1,89 mm/
Caracteriza-se como uma condição min), e considerando a relação de
desafiadora e atípica quando deseja- equivalência geométrica que há entre
se realizar a sua aferição, mas que o Protótipo 2 e o Protótipo 2exp,
teve o objetivo alcançado nesse para checar se o sensor a laser teria
trabalho com o desenvolvimento e sensibilidade suficiente para aferir
uso do Protótipo 2aux, com condições essa variação, foi necessário calcular
de erros metrológicos abaixo de a vazão equivalente que ocorreria
10% em todos os ensaios, conforme no Protótipo 2aux, para a mesma
apresentado na Tabela 4. variação de nível. Após o cálculo, foi
consultado a Tabela 4 (Resultados
4.2.4 Análise da aplicação dos experimentais obtidos com o uso
Protótipos 2 e 2aux para condições de do Protótipo 2aux) para verificar se
campo a vazão resultante foi contemplada
dentro das condições dos ensaios 1 a
Devido a dificuldade, ainda presente 6 desta tabela.
no meio técnico, em se obter dados
de medição instantânea e contínua Deste modo, considerando as
de água durante um evento de características construtivas do
dessedentação animal em um Protótipo 2aux, que possui vaso
bebedouro, foi necessário fazer uma comunicante de 75mm de diâmetro,
estimativa média e teórica do volume a vazão resultante numa ocorrência
ingerido de água pelo animal durante de variação de nível de água de 1,89
esse evento. Para isso, nesta seção mm/min, seria de aproximadamente
foi estimado o volume que pode ser 0,0083 L/min. Na Tabela 4, essa é
consumido durante um intervalo uma condição de vazão presente
hipotético de tempo da ingestão entre os ensaios 2 e 3 e, portanto, isso
hídrica. significa que o método de medição de
vazão proposto, com uso do sensor a
Considerando que um gado de médio laser, possui sensibilidade suficiente
porte consome cerca de 40 litros de para aferir taxas de ingestão líquida
água por dia, e realiza em torno de 4 animal, a partir das considerações
visitas ao bebedouro/dia, ele realiza realizadas.
o consumo de aproximadamente 10
litros de água para cada visita ao É importante mencionar que todas
bebedouro. No caso de considerar as vazões utilizadas nos ensaios
que o tempo necessário para apresentados na Tabela 4 estão
realização deste consumo é de abaixo da capacidade de vazão
aproximadamente 3 minutos, há a mínima de aferição dos hidrômetros
ocorrência de uma vazão de 3,3L/ Classe B e Classe C, o que significa
min durante o evento. Quando este que esses equipamentos (os

116
hidrômetros) não seriam capazes E SANEAMENTO BÁSICO (BRASIL).
de realizar essas aferições, mas as Manual de procedimentos
mesmas foram aferidas com o uso do técnicos e administrativos de
Protótipo 2aux, dentro das condições outorga de direito de uso de
de erros admissíveis na legislação recursos hídricos da Agência
metrológica. Nacional de Águas, 2013. --
Brasília, DF, 2013.
5 CONCLUSÕES
CARVALHO JÚNIOR, R. Instalações
Através do comportamento hidráulico prediais hidráulico-sanitárias:
do Protótipo 1, desenvolvido para uso princípios básicos para
em edificações, é possível verificar elaboração de projetos. 3ª ed. rev.
que foi eliminada a possibilidade e ampl. – São Paulo: Blucher, 2018.
de ocorrências de submedições
de vazões, pois foi possível atingir BRASIL. Lei 13.312/2016. Altera
uma vazão padrão de trabalho a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro
acima da capacidade mínima de de 2007, que estabelece diretrizes
aferição dos hidrômetros Classe nacionais para o saneamento básico,
B e C (0,563±0,001 m³/h). Esse para tornar obrigatória a medição
objetivo foi possível de ser alcançado individualizada do consumo hídrico
principalmente devido a substituição nas novas edificações condominiais.
da torneira boia por boia elétrica,
como mecanismo de controle de BRASIL. Lei 14.026/2020. Atualiza
entrada de água no interior do o marco legal do saneamento básico
reservatório. e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho
de 2000, para atribuir à Agência
Além disso, o desenvolvimento de Nacional de Águas e Saneamento
um mecanismo de medição de vazão Básico (ANA) competência para
através da aferição da variação do editar normas de referência sobre
nível da água, como implementado o serviço de saneamento, além de
nos Protótipos 2 e 2aux, permitiu outras providências.
aferir vazões muito baixas, inclusive
com sensibilidade para medir a COSTA, D. J. L. Modelo Matemático
taxa de consumo de água para para Avaliação Hidrodinâmica de
dessedentação animal, nas condições Escoamentos em Regime Não-
mencionadas, em específico para o permanente. Tese (Doutorado em
rebanho de gado. Hidráulica e Saneamento) – Escola
de Engenharia de São Carlos,
AGRADECIMENTOS Universidade de São Paulo, São
Carlos, 2015.
Os autores agradecem a bolsa
PIBITI/CNPq concedida ao primeiro COSTA D. J. L. et al. Hydrodynamic
autor para o desenvolvimento deste evaluation of retention time in
trabalho de pesquisa e a Rede non-steady state reactors using
Integração Lavoura Pecuária Floresta the N-CSTR model and numerical
pelo financiamento da pesquisa. simulation. Desalination and Water
Treatment, v.132, p.30-41, 2018.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANA - AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS fenômenos de transporte para

117
estudantes de engenharia. São de Engenharia Civil, Arquitetura e
Carlos: Suprema, 2008. Urbanismo da Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2007.
ILHA, M. S. O. et al. Sistemas de
medição individualizada de água: PEREIRA, L. G. & ILHA, M. S. O.
como determinar as vazões de Avaliação da submedição de
projeto para a especificação dos água em edificações residenciais
hidrômetros? Eng. Sanit. Ambient., unifamiliares: o caso das unidades
v.15, n.2, p.177-186, 2010. de interesse social localizadas
em Campinas, no estado de São
INMETRO - INSTITUTO NACIONAL Paulo. Ambiente Construído, Porto
DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E Alegre, v.8, n.2, p.7-21, 2008.
QUALIDADE INDUSTRIAL (BRASIL).
Portaria Nº 246 de 17 de outubro SCALIZE, P. S. et al. Substituição
de 2000. racional de hidrômetros em
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118
Abordagem sistêmica para elaboração de modelo
conceitual do sistema de abastecimento de água da Região
Metropolitana de São Paulo
Systemic approach for the elaboration of a conceptual model of the water
supply system of the Metropolitan Region of São Paulo

Enfoque sistémico para la elaboración de un modelo conceptual del


sistema de suministro de agua de la Región Metropolitana de São Paulo

Sthéfanny Sanchez
Frizzarim RESUMO
Mestranda, USP, Brasil Este trabalho discute o potencial da abordagem sistêmica para análise da resiliência do sistema
de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo através do desenvolvimento de um
fanysanchez@usp.br
modelo dinâmico conceitual. Para a obtenção de informações, a metodologia utilizada foi baseada
em um processo exploratório e interativo, enquanto que para a construção do modelo conceitual
Marcelo Montaño foi utilizado o programa Vensim® PLE. Por permitir a identificação das inter-relações e interações
Professor Doutor, USP, Brasil. entre os diferentes elementos do sistema, a abordagem sistêmica mostrou-se adequada para a
identificação dos aspectos intervenientes na resiliência do sistema de abastecimento, tendo sido
minduim@sc.usp.br
identificadas as interações entre os diversos elementos pertencentes ao sistema e as alças de
retroalimentação que configuram o seu comportamento dinâmico e complexo.
PALAVRAS-CHAVE: Abordagem sistêmica, Modelo conceitual, Comportamento complexo.

ABSTRACT
This paper discusses the potential of the systemic approach to analyze the resilience of the supply
system in the Metropolitan Region of São Paulo by the development of a dynamic conceptual
model. For obtaining information, the methodology used was based on an exploratory and
interactive process, meanwhile, the conceptual model was constructed using the Vensim®
PLE program. By allowing the identification of the inter-relationships and interactions among
the different elements of the water supply system, the systemic approach was shown to be
adequate for the identification of the intervening aspects in the resilience of the supply system,
allowing the identification for the interactions among the different elements of the system and
for the feedback loops, which configure the dynamic and complex behavior of the system.
KEY-WORDS: Systemic approach, Conceptual model, Complex behavior.

RESUMEN
Este documento discute el potencial del enfoque sistémico para analizar la resiliencia del
sistema de suministro en la Región Metropolitana de São Paulo, por medio del desarrollo
de un modelo conceptual dinámico. Para obtener la información, la metodología utilizada se
basó en un proceso exploratorio e interactivo, mientras que para la construcción del modelo
conceptual se utilizó el programa Vensim® PLE. Al permitir la identificación de las interrelaciones
e interacciones entre los diferentes elementos del sistema, el enfoque sistémico demostró ser
adecuado para la identificación de los aspectos que intervienen en la resiliencia del sistema
de suministro, habiéndose identificado las interacciones entre los diferentes elementos
pertenecientes al sistema y los bucles de retroalimentación que configuran su comportamiento
dinámico y complejo.
Palabras clave: Enfoque sistémico, Modelo conceptual, Comportamiento complejo.

119
1 INTRODUÇÃO
O’BYRNE, 2015), oferecendo suporte
A água é um elemento imprescindível para a compreensão dos aspectos
à manutenção da vida da biosfera e relacionados à vulnerabilidade e
para o desenvolvimento humano (LI; resiliência dos sistemas hídricos1.
LI; WANG; PENG; CAI; HUANG, 2018) Mais recentemente, a abordagem
e, sendo assim, pode ser entendida sistêmica tem sido aplicada em
como um recurso estratégico e de estudos transdisciplinares baseados
bem comum a todos os seres. Devido no conceito de nexus water-food-
ao rápido crescimento populacional energy (GIATTI; JACOBI; FAVARO;
e da constante expansão das EMPINOTTI, 2016; ZHANG; TAN;
atividades industriais, aliados a um YU; ZHANG, 2020) e também na
padrão de consumo cada vez mais construção de cenários para análise
voraz e obsolescente, a demanda de performance e risco (GOHARI;
pelos múltiplos usos da água tem MADANI; MIRCHI; BAVANI, 2014;
sido intensificada e agravada pelas LIU, 2019). Sua aplicação também
mudanças climáticas (ZOMORODIAN; é feita em estudos que objetivam
LAI; HOMAYOUNFAR; IBRAHIM; uma a compreensão sistêmica entre
FATEMI; EL-SHAFIE, 2018). a infraestrutura urbana e variações
climáticas (FRIEND; THINPHANGA,
Comportamentos hidrológicos 2018); no monitoramento e
extremos, tais como períodos de análise da qualidade de água (LIU;
seca e inundações, aliados ao BENOIT; LIU; LIU; GUO, 2015); na
planejamento estratégico e gestão gestão de reservatórios (MEREU;
ineficazes, tem feito com que SUŁNIK; TRABUCCO; DACCACHE;
diversas regiões vivenciem o limite V A M V A K E R I D O U - LY R O U D I A ;
de seus recursos hídricos e sofram RENOLDI; VIRDIS; SAVIĆ;
prejuízos de ordem econômica, ASSIMACOPOULOS, 2016); ou até
ambiental e social (MILLINGTON, mesmo no desenvolvimento de uma
2018; EMPINOTTI; BUDDS; AVERSA, ferramenta de aprendizagem para
2019). Esta situação denota a auxiliar o processo de tomada de
complexidade inerente à água decisão (KOTIR; SMITH; BROWN;
enquanto recurso comum e tem MARSHALL; JOHNSTONE, 2016).
suscitado uma necessidade cada
vez maior de ações sustentáveis, Ao permitir o entendimento do sistema
integradas e responsivas de gestão hídrico como algo de dimensão
(SAHIN; BERTONE; BEAL; STEWART, mais ampla e dotado de diversos
2018). elementos possuidores de dinâmicas
próprias, variadas e multidisciplinares
Neste contexto, a abordagem (FRIEND; THINPHANGA, 2018),
1 Sob a perspectiva sistêmica tem sido aplicada em a abordagem sistêmica permite a
de sustentabilidade, diversos estudos permitindo tanto identificação e análise das inter-
o termo recursos que as relações hierárquicas relações de dependência entre as
hídricos foi substituído sejam consideradas sob diferentes diferentes partes que o constituem,
majoritariamente por níveis de organização, função e mesmo quando estão sob diferentes
sistemas hídricos, para natureza dos subsistemas; como escalas de organização (ROMESÍN E
que a sua monetização, a investigação das relações de GARCÍA, 1998; FENZL; MACHADO,
e, portanto, o seu valor e causa e efeito existentes entre os 2009). Desta maneira, permite a
a sua função econômica, diferentes elementos que compõem descrição das interações complexas
não se sobreponha às estes subsistemas (OLSSON; e não lineares que fazem parte da
demais. JERNECK; THOREN; PERSSON; sua constituição, considerando as

120
sinergias e compensações entre as e imprevisibilidade e, portanto,
diferentes partes que o compõem dependente da performance
(ZHANG; TAN; YU; ZHANG, 2020). dos diversos subsistemas que o
compõe, e somado à complexidade
Esta não linearidade de sua estrutura socioeconômica, ambiental e político-
é consequência das interações e infraestrutural que caracteriza o
inter-relações estabelecidas entre sistema de abastecimento da Região
os elementos que o compõe e entre Metropolitana de São Paulo (RMSP),
o próprio sistema e o ambiente, o presente trabalho é voltado para
resultando tanto em uma relação o desenvolvimento de um modelo
de causalidade não-linear como conceitual preliminar que permita a
em recursividade, e viabilizando identificação dos principais fatores
uma auto-organização imprevisível intervenientes em sua resiliência.
(FENZL; MACHADO, 2009; VON
BERTALANFFY, 2010; FURTADO; 2 METODOLOGIA
SAKOWSKI; TÓVOLLI, 2015;
FOLLONI, 2016; DIETZ et al., 2020). A metodologia aplicada no
Sendo assim, a complexidade de desenvolvimento do trabalho
um sistema pode ser entendida envolveu um processo interativo
como uma característica inerente que inclui revisão de literatura
ao próprio sistema, que reflete os e levantamento de informações
padrões complexos gerados pelas documentais sobre o sistema de
interações e inter-relações existentes abastecimento da RMSP, a fim de
entre as diferentes partes do sistema permitir a identificação dos principais
(FOLLONI, 2016). elementos que o constituem,
conforme sintetizado na Figura 1.
Assim, a partir da compreensão que Para aplicação sobre o objeto de
a resiliência de um sistema dinâmico estudo selecionado, foi elaborado
e complexo guarda relação com um Diagrama de Causalidade com
o fato de que o seu desempenho o auxílio do software Vensim® PLE
é estruturado na não-linearidade 8.0.9.

Figura 1- Quadro geral do processo metodológico

Fonte: Autores, 2020.

121
A elaboração do diagrama foi baseada escolhido para nortear esta busca
inicialmente no reconhecimento de informações por se tratar de
de um conjunto de características um evento crítico, onde os efeitos
consideradas essenciais, relacionadas do déficit de água estimularam o
ao elemento fundamental do sistema: debate em torno dos aspectos de
a disponibilidade quali-quantitativa ordem econômica, social, ambiental
de água para abastecimento. e política associados ao sistema
Este primeiro levantamento de de abastecimento da RMSP. Com
informações foi realizado por meio da base no estudo de Buckeridge e
consulta de noticiários, entrevistas Ribeiro (2018), foram delimitados os
com especialistas disponíveis online, principais subsistemas dependentes
reportagens e documentários do sistema hídrico e capazes de
norteados principalmente pelo altera-lo: Demanda; Infraestrutura;
quadro de escassez vivenciado pela Planejamento Estratégico e Gestão;
região durante o período de 2013- e Condições Ambientais; conforme
2015. O cenário da crise hídrica foi mostrado na Figura 2.

Figura 2- Principais subsistemas identificados

Fonte: Autores, 2020.

A partir do reconhecimento dos a visualização de relações de causa-


principais subsistemas, a revisão efeito entre os diversos componentes
de literatura e da documentação que integram o sistema, tendo-se
reunida passou a ser orientada para adotado uma forma de notação usual
a identificação dos elementos que para esta abordagem: setas positivas
integram cada um dos subsistemas, (+) descrevem uma intensificação
assim como de suas respectivas desta segunda variável a partir
relações, o que possibilitou a da ação da primeira, ao passo que
elaboração de um modelo conceitual setas negativas (-) descrevem uma
para o sistema de abastecimento da atenuação. Quando combinadas,
RMSP. estas setas permitem a identificação
de alças de retroalimentação
3 RESULTADOS positivas (ciclos de reforço) ou
negativas (ciclos de balanceamento).
O modelo proposto (Figura 3) permite

122
Figura 3-Modelo conceitual preliminar do sistema de abastecimento da RMSP

Fonte: Autores, 2020.

O modelo conceitual preliminar verificou-se a existência de 98 alças


definido para o sistema de de retroalimentação relacionadas
abastecimento de água da RMSP diretamente a esta variável,
é composto por 56 variáveis, incluindo ciclos de reforço (R) e ciclos
interligadas por 111 links que de balanceamento (B) (Figura 4), o
estabelecem as interações entre as que denota a complexidade na qual a
mesmas. disponibilidade hídrica está inserida,
assim como a maior ou menor
Considerando que a função essencial sinergia entre os elementos que a
do sistema de abastecimento da caracterizam como função essencial
RMSP está relacionada à variável do sistema.
água disponível para abastecimento,

123
Figura 4 - Alças de retroalimentação em torno da variável água disponível
para abastecimento

Fonte: Autores, 2020.

Os ciclos de reforço (alças de da população resulta em números


retroalimentação positiva) indicam cada vez maiores de nascidos.
a potencialidade das variáveis Ainda, seguindo esta mesma lógica:
pertencentes ao sistema hídrico em o aumento populacional aumenta
provocarem mudanças capazes de a demanda por alimento, que
acarretar tanto no aumento da sua resulta no aumento da produção
disponibilidade como na sua redução. agrícola e, consequentemente, no
Como pode ser observado na Figura aumento da produção de alimentos,
5, em uma condição em que os e que propicia condições favoráveis
demais elementos estão em estado para o crescimento populacional.
constante, o aumento do número Em consequência, o aumento
de nascidos resulta em um aumento populacional resulta no aumento da
populacional, ao passo que o aumento demanda de água.
Figura 5- Exemplo de Ciclos de Reforço

Fonte: Autores, 2020

124
Já os ciclos de balanceamento A capacidade de auto-organização do
(alças de retroalimentação sistema hídrico, enquanto um sistema
negativa) indicam as variáveis que dinâmico, de maneira imprevisível
conduzem o sistema hídrico para e descentralizada, é resultado das
o estado de equilíbrio atual, sem relações de causalidade não-linear
que haja mudanças bruscas na sua associadas a recursividade, em uma
performance relacionada aos diversos imensa troca de interações entre suas
papéis e funções exercidos pela partes, e sendo intensificadas pelas
água. Mesmo que o sistema hídrico relações estabelecidas pelos ciclos
sofra algumas pequenas variações, de reforço (MILLER; PAGE, 2007).
os ciclos de balanceamento atuam Portanto, a sua complexidade consiste
de maneira contrária aos ciclos de no fato de que o seu desempenho
reforço, opondo-se às mudanças, é totalmente estruturado tanto na
permitindo que o sistema se performance dos seus subsistemas
mantenha no seu estado de equilíbrio como na nas relações de causalidade
atual. Desta maneira, como pode que os caracterizam (FOLLONI,
ser observado na Figura 6, observa- 2016). Assim, cada subsistema
se uma relação positiva entre o identificado e relacionado ao sistema
aumento da população e o número hídrico exerce uma função distinta
absoluto de mortes que, por sua entre a que é exercida pelo próprio
vez, irá atuar no sentido de atenuar subsistema e a que influencia os
o aumento da população para um outros subsistemas nas relações de
determinado período, atenuando causalidade.
também a parcela da demanda sobre
a água associada ao crescimento Os principais subsistemas apontados
populacional. como principais subsistemas de
complexidade do sistema hídrico da
RMSP, e, portanto, capazes de deixa-lo
Figura 6- Exemplo de Ciclo de
em uma situação de vulnerabilidade,
Balanceamento
são: a demanda, a infraestrutura
e às condições ambientais. Estes
subsistemas, quando entram em
uma situação fora do seu estado
de equilíbrio, são capazes de gerar
efeitos imprevisíveis no sistema de
abastecimento de água.

Dentre os principais fatores que


demandam pelos múltiplos usos da
água, a variável população exerce a
função de força motriz no consumo e,
consequentemente, no aumento da
demanda de água na RMSP (SABESP,
2020), seguido do setor industrial
que, além de ser responsável pela
segunda maior demanda, é o maior
responsável pela água exportada
para outras regiões (água virtual)
Fonte: Autores, 2020. (USSAMI; GUILHOTO, 2018). A
variável população está envolvida em

125
224 ciclos de retroalimentação (Figura exercida por inúmeras outras
7) o que denota sua complexidade variáveis (conforme apresentado,
enquanto subsistema e a influência inicialmente, na Figura 3).

Figura 7-Alças de retroalimentação em torno da variável população

Fonte: Autores, 2020.

Dentre as variáveis das condições a evapotranspiração potencial na


ambientais, a precipitação é a área de influência do sistema de
principal via de entrada de água abastecimento). Neste sentido, as
no sistema hídrico (Figura 8), mudanças climáticas aparecem como
estando envolvida em 102 alças uma nova força motriz no sistema,
de retroalimentação no modelo uma vez que aumenta a pressão
preliminar. Esta variável é fator de sobre a precipitação (APOSTOLAKI;
grande relevância e influência na KOUNDOURI; PITTIS, 2019) e pode
entrada de água no sistema hídrico, acarretar em eventos climáticos
sendo responsável tanto pela recarga extremados na RMSP; ao passo que
dos corpos da água superficiais como potencializa a ocorrência de períodos
subterrâneos, além de diversos chuvosos intensos e pontuais,
outros processos associados ao viabiliza períodos de estiagem mais
ciclo hidrológico (como por exemplo prolongados (ALVES, 2019).

126
Figura 8- Alças de retroalimentação em torno da variável precipitação

Fonte: Autores, 2020.


O somatório das alças de caracterizar a complexidade inerente
retroalimentação é o que ao próprio sistema.
configura o arquétipo do sistema
e, consequentemente, o seu A identificação e indicação das inter-
comportamento dinâmico e complexo relações existentes entre os diversos
(MIRCHI; MADANI; WATKINS; fatores que exercem, direta ou
AHMAD, 2012). Desta maneira, o indiretamente, efeitos sobre o sistema
modelo conceitual permitiu revelar os hídrico, permitiu a determinação dos
elementos associados à capacidade fluxos destas relações e das alças
do sistema de abastecimento de água de retroalimentação, responsáveis
da RMSP de desempenhar as suas pela configuração e potencialização
funções e adaptar-se as modificações da complexidade deste sistema.
ou perturbações em suas condições Deste modo, entende-se que uma
de contorno, por meio da identificação das principais contribuições da
das inter-relações e interações abordagem sistêmica adotada, ainda
entre os múltiplos elementos que o que de modo preliminar, é o seu
constituem e que influem direta ou potencial enquanto instrumento de
indiretamente nos ciclos de reforço e compreensão do engendramento
balanço identificados. dos elementos pertencentes ao
sistema de abastecimento e que são
A capacidade de visualizar responsáveis por sua complexidade.
todos os fatores relacionados ao
abastecimento de água, considerada Todavia, como limitação, este
um recurso comum, oferece uma nova modelo conceitual pressupõe um
perspectiva com potencial de auxiliar conhecimento básico das inter-
no processo de tomada de decisão relações existentes entre as diferentes
(APOSTOLAKI; KOUNDOURI; PITTIS, variáveis para a sua elaboração e,
2019), por permitir a análise das a depender da expertise requerida,
relações de causa-e-efeito existentes se faz necessário consulta com
entre os fatores ambientais, sociais, especialistas dos respectivos setores
econômicos e infraestruturais, e envolvidos no estudo.

127
4 CONCLUSÃO
O presente trabalho foi realizado
É incontestável a complexidade com apoio financeiro do Conselho
inerente ao sistema de abastecimento Nacional de Desenvolvimento
de água da Região Metropolitana Científico e Tecnológico (CNPq), sob
de São Paulo, onde toda a sua processo de número 130863/2019-0
estruturação está interligada e a
água acaba exercendo diversos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
papéis e funções de natureza social,
ecossistêmica e econômica. ALVES, Fabiano José Lopes.
Escassez, segurança hídrica e os
A utilização de um modelo dinâmico negócios com a água na Região
conceitual na investigação e Metropolitana de São Paulo. 2019.
identificação dos principais fatores 186 f. Tese (Doutorado) - Curso de
de complexidade do sistema de Programa de Pós-Graduação em
abastecimento da RMSP permitiu Geografia Humana, Departamento
a compreensão qualitativa do seu de Geografia, Universidade de São
comportamento e da sua estruturação, Paulo, São Paulo, 2019.
por meio da identificação das suas
alças de retroalimentação. APOSTOLAKI, Stella; KOUNDOURI,
Phoebe; PITTIS, Nikittas. Using a
Desta maneira, os resultados obtidos systemic approach to address the
pelo modelo dinâmico conceitual requirement for Integrated Water
denotam o seu potencial enquanto Resource Management within the
um instrumento facilitador de Water Framework Directive. Science
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se, também, a possibilidade de scitotenv.2019.05.077.
uma hibridização entre o modelo
qualitativo apresentado com a sua BUCKERIDGE, Marcos; RIBEIRO,
modelagem matemática, e, portanto, Wagner Costa. Livro branco da
quantitativa. Sendo assim, este água: A crise hídrica na Região
modelo é passível de ser aplicado Metropolitana de São Paulo.
na gestão dos sistemas hídricos, São Paulo: Instituto de Estudos
com o intuito de auxiliar o processo Avançados, 2018. 175 p.
de tomada de decisão, por meio da
identificação e indicação da relação DIETZ, Tobias et al. Introducing
de interdependência entre seus multiobjective complex systems.
diversos fatores, incluindo-se as European Journal of Operational
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negativa. Ressalta-se, todavia, que p.581-596, jan. 2020. Elsevier
assim como qualquer outro modelo, BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.
seja numérico ou conceitual, este ejor.2019.07.027
é um modelo possuidor de falhas
e limites e, portanto, este deve EMPINOTTI, Vanessa Lucena;
ser interpretado dentro de suas BUDDS, Jessica; AVERSA, Marcelo.
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ROMESÍN, Humberto M.; GARCÍA, SHAFIE, Ahmed. The state-of-the-
Francisco J. V. De máquinas y seres art system dynamics application in
vivos: Autopoiesis: la organización integrated water resources modeling.
de lo vivo. 5. ed. Santiago de Chile: Journal of Environmental
Universitaria, 1998. Management, [S.L.], v. 227,
p. 294-304, dez. 2018. Elsevier
SABESP. Transparência pública. BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.
2020. Disponível em: http://www. jenvman.2018.08.097.

130
Geotecnologias como ferramentas de auxílio regularização
fundiária
Geotecnologies as a tools for land regularization

Las geotecnologías como instrumentos para la regularización de la tierra

Alessandra C. Corsi RESUMO


Doutora, IPT, Brasil. A regularização fundiária é um processo que inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e
sociais com a finalidade de incorporar os núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial
accorsi@ipt.br
urbano e à titulação de seus ocupantes. Uma das etapas do processo de regularização fundiária
trata dos Estudos Técnicos para Situações de Risco, no caso de áreas de risco de escorregamento
Eduardo S. de Macedo de terra nos assentamentos; e o Estudo Técnico Ambiental, sempre que o núcleo, ou parte dele,
Doutor, IPT, Brasil. estiver em área de preservação permanente (APP), em área de conservação de uso sustentável,
ou de proteção de nascentes. A utilização das geotecnologias se apresenta como uma ferramenta
esmacedo@ipt.br
importante para os estudos ambientais. Desse modo o objetivo principal deste trabalho é
apresentar a utilização de Sistema de Informações Geográficas, Drone e imagens de satélite no
Marcela Penha Pereira auxilio para a delimitação dos setores de risco, indicação de alternativas de intervenções para
Guimarães redução do grau de risco e delimitação das áreas de preservação permanente. No município
de Itapevi (SP) foram mapeadas 15 áreas para regularização fundiária. Foram delimitados 40
Mestre, IPT, Brasil.
setores de escorregamentos, 03 de solapamento de margem e 11 de inundação. Assim, 17
marcelappg@ipt.br (dezessete) setores de risco foram classificados como Alto e Muito Alto para escorregamentos,
02 (dois) setores com Risco Alto para solapamento de margens e 01 (um) setor de risco Alto
para inundação. No mapeamento de APP foram delimitados 17 setores em cursos d’água e 3
setores em nascentes.
PALAVRAS-CHAVE: Geotecnologia. Sistema de informações geográficas. Regularização
fundiária.

Abstract
Land regularization is a process that includes legal, urbanistic, environmental and, social
measures with the purpose of incorporating informal urban centers into urban planning and
the ownership of the land. One of the stages of the land regularization process deals with
Technical Studies for Risk Situations, in the case of landslide risk areas in settlements; and
the Environmental Technical Study, whenever the nucleus, or part of it, is in a Permanent
Preservation Area (APP), in a sustainable use conservation area, or in a spring protection
area. The use of geotechnologies is an important tool for environmental studies. Thus, the
main objective of this work is to present the use of Geographic Information System, Drone
and Satellite Images to assist in the delimitation of risk sectors, indication of alternatives for
interventions to reduce the degree of risk and delimitation of permanent preservation areas. In
the municipality of Itapevi (SP) 15 areas were mapped for land regularization. Forty sectors
were delimited for landslides, 03 for margin erosion and, 11 for floods. There were 40 sectors
of landslides, 03 of margin erosion and, 11 of flooding. Then 17 (seventeen) risk sectors were
classified as High and Very High for landslides, the 02 (two) sectors with High Risk for margin
erosion and, 01 (one) sector with High Risk for floods. In the APP mapping 17 sectors were
delimited in water courses and 3 sectors in springs.
KEYWORDS: Geotechnology. Geographic information system. Land regularization.

RESUMEN
La regularización de tierras es un proceso que incluye medidas legales, urbanísticas, ambientales
y sociales con el propósito de incorporar los centros urbanos informales a la planificación
urbana y a la titulación de propriedade para sus ocupantes. Una de las etapas del proceso de
regularización de tierras se refiere a los Estudios Técnicos para Situaciones de Riesgo, en el

131
caso de las zonas de riesgo de deslizamiento de tierras en asentamientos; y el Estudio Técnico
Ambiental, siempre que el núcleo, o parte de él, se encuentre en una Zona de Preservación
Permanente (APP), en una zona de conservación de uso sostenible o en una zona de protección
de manantiales. El uso de las geotecnologías es una herramienta importante para los estudios
ambientales. Así pues, el principal objetivo deste articulo es presentar la utilización de imágenes
del Sistema de Información Geográfica, del veículo aéreo teledirigido (drone) y de los satélites
para contribuir a la delimitación de los sectores de riesgo, la indicación de alternativas de
intervención para reducir el grado de riesgo y la delimitación de las zonas de preservación
permanente. En el municipio de Itapevi (SP) se cartografiaron 15 zonas para la regularización
de tierras. Se delimitaron 40 sectores para los deslizamientos, 03 para el socavamiento de los
márgenes y 11 para las inundaciones. Donde 17 (diecisiete) sectores de riesgo se clasificaron
como Alto y Muy Alto para los deslizamientos, los 02 (dos) sectores con Alto Riesgo para el
socavamiento del margen y 01 (uno) sector con Alto Riesgo para inundaciones. En el mapa de
APP se delimitaron 17 sectores en los cursos de agua y 3 sectores en los manantiales.
PALABRAS CLAVE: Geotecnología. Sistema de información geográfica. Regularización de la
tierra.

1. INTRODUÇÃO
O acesso e a gestão de conhecimentos mercado, seja pela via das políticas
espaciais contextuais relevantes públicas, sempre foram insuficientes,
são cruciais para a governação do atendendo, quando muito, apenas
desenvolvimento urbano sustentável parte das necessidades reais da
e inclusivo. Geotecnologias tais como população e, usualmente, por
sistemas de informação geográfica, meio de soluções habitacionais de
aplicações online e modelos de baixa qualidade e com um escasso
simulação espacial estão cada vez grau de acesso e de integração à
mais incorporados nos processos de infraestrutura e aos equipamentos
governança urbana para produzir, urbanos. Nesse contexto, o acesso
utilizar, trocar e monitorizar o à habitação só se viabilizou por
conhecimento contextual e criar meio de processos de ocupação de
cenários para o futuro (PFEFFER, terras ociosas, e da autoconstrução
2015). da moradia, gerando assentamentos
insalubres, frequentemente
Principalmente na última ocupando áreas de risco e com a sua
década, os avanços feitos no segurança física comprometida pela
Brasil, principalmente na área ausência de técnicas e de materiais
de geotecnologia, aliada à adequados para a construção
disponibilidade gratuita de produtos (CARDOSO, 2016).
de sensoriamento remoto, têm
impulsionado fortemente o O conceito de moradia nos
desenvolvimento de diagnósticos últimos anos sofreu importantes
ambientais e prognósticos (ABRAO transformações, na medida em que
et. al, 2015). não mais se restringe às edificações,
inserindo a habitação em seu
As cidades brasileiras mostram de contexto mais amplo, abrangendo
forma eloquente as desigualdades as condições de habitabilidade e
e as precárias condições de vida de salubridade (PAGANI; ALVES;
da população de baixa renda. Os CORDEIRO, 2016).
mecanismos formais de acesso à
terra e à moradia, seja pela via do A regularização fundiária é um

132
processo que inclui medidas problemas urbanos com informações
jurídicas, urbanísticas, ambientais e físicas, demográficas, geográficas,
sociais com a finalidade de incorporar topográficas ou de infraestrutura.
os núcleos urbanos informais ao
ordenamento territorial urbano e Em mapeamentos urbanos, os
à titulação de seus ocupantes, de drones têm se mostrado como uma
acordo com a Lei nº 13.465/2017 boa alternativa por permitirem a
(BRASIL, 2017) e dos Decretos nº obtenção de fotografias aéreas em
9.310/2018 (BRASIL, 2018a) e nº alta resolução, com ótima relação
9.597/2018 (BRASIL, 2018b). custo x benefício quando se compara
o preço destas aeronaves ao de
O objetivo da regulação fundiária VANT´s ou serviços convencionais
urbana de interesse social é de aerofotogrametria. Ainda,
a garantia de um dos direitos apresentam rapidez na captura
fundamentais do cidadão para uma de imagens e um processamento
vida digna, qual seja: o direito à relativamente fácil, permitindo
moradia. Acrescentam-se, ainda, as o estabelecimento de planos de
condições urbanas às oportunidades vôo em aplicativos gratuitos para
econômicas, educacionais e culturais smartphones (COSTA et. al, 2019).
que a cidade oferece (NUNES;
FIGUEIREDO JUNIOR, 2018). A utilização de SIG, imagens de
satélite e drones no auxílio do
O mapeamento de áreas densamente mapeamento de risco e das áreas
urbanizadas é um desafio constante de preservação permanente tem-
para cartógrafos e profissionais se mostrado como ferramentas
de Geociências que dependem de importantes para o desenvolvimento
técnicas de Cartografia Digital e dos produtos para o auxilio na
Sistemas de Informação Geográfica regularização fundiária.
(SIG), principalmente devido à alta
concentração de edifícios e à presença Uma das etapas do processo de
de ocupação urbana variada, regularização fundiária trata dos
abrigando pessoas de diferentes Estudos Técnicos para Situações
manifestações sociais em espaços de Risco, no caso de áreas de
urbanos confinados e reduzidos, risco de escorregamento de terra
o que dificulta o mapeamento. nos assentamentos; e o Estudo
Atualmente, existem muitos estudos Técnico Ambiental, sempre que o
que tratam da vulnerabilidade e dos núcleo, ou parte dele, estiver em
riscos suportados pela geotecnologia área de preservação permanente
(DE FREITAS; ROSSETTI; DE (APP), em área de conservação de
OLIVEIRA, 2015). uso sustentável, ou de proteção
de nascentes definidas pela União,
Segundo Cordovez (2012) o Estados ou Cidades, conforme
estágio atual das geotecnologias determinado pelo Código Florestal
permite fazer uma análise espacial (Brasil 2012a) (Figura 1).
que combine o mapeamento dos

133
Figura 1: Fluxograma das etapas para regularização fundiária.

De acordo, com o Artigo 4, Parágrafos • Especificação dos sistemas de


4, 5 e 6 do Decreto nº 9.310/2018 saneamento básico;
(BRASIL, 2018a), o estudo técnico • Proposição de intervenções para
ambiental será obrigatório somente a prevenção e o controle de riscos
para as parcelas dos núcleos urbanos geotécnicos e de inundações;
informais situados nas áreas de • Recuperação de áreas degradadas
preservação permanente, nas e daquelas não passíveis de
unidade de conservação de usos regularização;
sustentável ou nas áreas de proteção • Comprovação da melhoria das
de mananciais e poderá ser feito em condições de sustentabilidade
fases ou etapas e a parte do núcleo urbano-ambiental, considerados o
urbano informal não afetada pelo uso adequado dos recursos hídricos,
estudo poderá ter seu projeto de a não ocupação das áreas de risco
regularização fundiária aprovado e e a proteção das unidades de
levado a registro separadamente. conservação e das suas áreas de
amortecimento, quando for o caso;
No caso de Reurbanização de • Comprovação da melhoria da
Interesse Social – Reurb-S, quando habitabilidade dos moradores
houver estudo técnico ambiental, propiciada pela regularização
este deverá comprovar que as proposta; e
intervenções da regularização • Demonstração de garantia de
fundiária implicam a melhoria das acesso livre e gratuito pela população
condições ambientais em relação às praias e aos corpos d’água, quando
à situação de ocupação informal couber.
anterior com a adoção das medidas
nele preconizadas e deverá conter, As áreas mapeadas no presente
no mínimo, os seguintes elementos artigo foram classificadas como
previstos no Artigo 64 da Lei nº Reurb-S, dessa maneira o estudo
12.651/2012 (Brasil 2012): compreendeu ao mapeamento dos
riscos escorregamento e também
• Caracterização da situação a proposição de intervenções para
ambiental da área a ser regularizada; a prevenção e o controlo de riscos

134
geotécnicos e de inundações; e drone;
também a delimitação das áreas de d) Caracterização das feições
preservação permanente conforme e processos geológico-
Artigo 64 da Lei nº 12.651/2012 geomorfológicos ocorrentes na área;
(Brasil 2012). e) Vistoria, em cada área, por
meio de investigações geológico-
2. OBJETIVO geotécnicas de superfície, visando
identificar os condicionantes
O objetivo deste artigo é apresentar dos processos de instabilização,
o uso potencial de Sistema de evidências de instabilidade, indícios
Informações Geográficas, imagens do desenvolvimento de processos
de satélite e ortofotos e fotos oblíquas destrutivos, e a gravidade do
produzidas por drones no contexto processo que afeta, ou pode
da regularização fundiária para o afetar, os elementos sob risco para
mapeamento das áreas de risco a escorregamentos;
escorregamentos e inundação e das f) Vistoria, em cada área, visando
áreas de preservação permanentes identificar os condicionantes e
(APP) no município de Itapevi, possíveis deflagradores do processo
localizado na Região Metropolitana de inundação, as evidências e indícios
de São Paulo, no estado de São de atingimento, as evidências do
Paulo. raio de alcance do processo, e a
gravidade do processo que afeta, ou
3. MÉTODO pode afetar, os elementos sob risco;
g) Registro, em fichas de campo,
O método adotado para o trabalho das características de cada setor
por ser dividido em duas partes: mapeado e dos resultados das
mapeamento de áreas de risco investigações geológico-geotécnicos
de escorregamento e inundação e relativos aos processos de
mapeamento de áreas de preservação escorregamentos e inundações;
permanente (APP). h) Delimitação dos setores de
risco relativos aos processos de
3.1. MAPEAMENTO DE ÁREAS DE escorregamentos e inundações,
RISCO representando-os nas fotografias
aéreas oblíquas obtidas por drone,
Nas áreas mapeadas para riscos foram e nas ortofotos, em ambiente de
analisadas as situações potenciais de Sistema de Informações Geográficas
escorregamentos, solapamentos de - SIG;
margem de córrego, e inundações, i) Estimativa das consequências
sendo adotados os seguintes potenciais do processo esperado,
procedimentos: por meio da avaliação das possíveis
formas de desenvolvimento do
a) Levantamento dos materiais processo destrutivo atuante (por
bibliográficos e técnicos referentes a exemplo, volumes mobilizados,
trabalhos realizados anteriormente trajetórias dos detritos, áreas de
na região; alcance, nível máximo da inundação,
b) Identificação preliminar das etc.), e do número de moradias
áreas e dos problemas potenciais ou ameaçadas em cada setor de risco;
ocorridos; j) Avaliação e definição do grau de
c) Obtenção de fotos oblíquas e risco de ocorrência de processo de
ortofotos por meio de sobrevoo de instabilização (escorregamento,

135
queda de blocos solapamento de que estão sob a influência dos
margens de córrego, etc.), e de processos, o que normalmente se
inundação, válidos pelo período entende como a ocupação humana.
de 1 (um) ano, segundo critérios Simplificadamente, o Risco pode ser
da metodologia para mapeamento definido como:
de áreas de risco (Ministério das
Cidades, Instituto de Pesquisas R = P x C
Tecnológicas, 2007); e Equação 1
k) Indicação das alternativas de
intervenção para os setores com Onde:
grau de risco alto (R3) e Muito Alto R = risco;
(R4) para escorregamentos, com P = probabilidade ou possibilidade
suas respectivas estimativas de de ocorrência do processo; e
custo. C = consequência (danos,
prejuízos), também entendida como
Os setores de risco foram delimitados a vulnerabilidade dos elementos sob
em campo sobre fotografias risco.
aéreas obtidas com uso de drone e
classificadas segundo os seus graus Os critérios de julgamento da
de risco. probabilidade de ocorrência dos
processos de instabilização do tipo
As definições mais usuais da escorregamentos em encostas
palavra Risco mencionam a relação, ocupadas, bem como os parâmetros
não obrigatoriamente de forma analisados para o desenvolvimento
matemática, entre a possibilidade ou dos trabalhos, são apresentados
probabilidade de ocorrência de um no Quadro 1, a partir de Ministério
processo, e os prejuízos ou danos daí das Cidades; Instituto de Pesquisas
advindos, causados aos elementos Tecnológicas (2007).
Quadro 1: Critérios utilizados para determinação dos graus de
probabilidade de risco.
GRAU DE PROBABILIDADE DESCRIÇÃO
Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes e o nível de intervenção no setor são de BAIXA POTENCIALIDADE para o
R1 desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. NÃO HÁ INDÍCIOS de desenvolvimento de processos de instabilização
Baixo de encostas e de margens de drenagens. É a condição menos crítica. Mantidas as condições existentes, NÃO SE ESPERA a ocorrência de
eventos destrutivos no período de 1 ano.
Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes e o nível de intervenção no setor são de MÉDIA POTENCIALIDADE para o
R2 desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. Observa-se a presença de ALGUMA(S) EVIDÊNCIA(S) de instabilidade,
Médio porém incipiente(s).Mantidas as condições existentes, É REDUZIDA a possibilidade de ocorrência de eventos destrutivos durante episódios
de chuvas intensas e prolongadas, no período de 1 ano.
Os condicionantes geológico-geotécnicos e o nível de intervenção no setor são de ALTA POTENCIALIDADE para o desenvolvimento de
R3 processos de escorregamentos e solapamentos. Observa-se a presença de SIGNIFICATIVA(S) EVIDÊNCIA(S) de instabilidade. Mantidas as
Alto condições existentes, é PERFEITAMENTE POSSÍVEL a ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e
prolongadas, no período de 1 ano.
Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes e o nível de intervenção no setor são de MUITO ALTA POTENCIALIDADE para o
desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. As evidências de instabilidade SÃO EXPRESSIVAS E ESTÃO PRESENTES
R4
EM GRANDE NÚMERO E/OU MAGNITUDE.
Muito Alto
É a condição mais crítica. Mantidas as condições existentes, é MUITO PROVÁVEL a ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de
chuvas intensas e prolongadas, no período de 1 ano.

3.2. MAPEAMENTO DE ÁREAS DE


em softwares de Sistema de
PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP)
Informação Geográfica (SIG) e em
A delimitação das APP na área de visitas de campo. A utilização dessas
estudo foi realizada com base em ferramentas é a melhor alternativa
funções matemáticas disponíveis quando se trabalha com um número

136
grande de áreas, apresentando permite a geração das APPs da
maior agilidade e padronização nas feição enquadrada como perene, no
delimitações, auxiliando a gestão raio de 50m ao seu redor, conforme
territorial. estabelece o inciso IV do Art. 4
da Lei Federal nº 12.651/2012
A base cartográfica utilizada foi a da (BRASIL, 2012a). O diagnóstico
Empresa Paulista de Planejamento de nascentes deve abarcar, dentre
Metropolitano S/A (EMPLSA), na outros parâmetros, o conjunto
escala 1:10.000 (EMPLASA, 1980), geomorfológico de conformação das
adquirida inicialmente no formato nascentes e da rede de drenagem,
raster e convertida posteriormente o tipo de exfiltração (nascentes
para o formato vetorial (shapefile). pontuais, difusas ou múltiplas), a
Os resultados foram verificados mobilidade do local de surgência
por meio de trabalhos de campo de (nascentes fixas ou móveis) e a
reconhecimento visual das áreas, e sazonalidade (nascentes perenes,
pela coleta de pontos com o GPS. intermitentes ou efêmeras), em
razão da grande heterogeneidade
3.2.1 APP DE CURSO D´AGUA dessa feição.

No caso de cursos d’água, a faixa de 3.2.3 APP DE ENCOSTAS


proteção estabelecida pela legislação
varia de acordo com a largura do Para verificação da ocorrência de
rio, ribeirão ou córrego, conforme APP de encosta, primeiramente
Art. 4º inciso I da Lei Federal nº foi elaborado um Modelo Digital de
12.651/2012 (BRASIL, 2012). Terreno Hidrologicamente Consistente
(MDEHC), a partir da função Topo to
A avaliação da largura média foi Raster no ArcGIS 10.5 (ESRI, 2015),
verificada por meio de técnicas utilizando-se como base as curvas de
indiretas (em escritório), e nível das cartas na escala 1:10.000.
confirmada em campo. No caso dos Em seguida, com a função Slope, do
cursos d’água existentes verificou- mesmo software, gerou-se a carta
se que todos têm menos de 10m de de declividade, conforme exposto em
largura média e, nessas condições, Peluzio et al. (2010). Todas as áreas
deve-se preservar uma faixa de 30 que apresentam inclinação maior
m nas áreas não ocupadas, 5m nas que 45° (equivalentes a 100% de
situações de loteamentos legalmente declividade) devem ser consideradas
autorizados anteriores a 1986 e 15m como APP de acordo com o inciso V do
nos casos de regularização fundiária Art. 4º da Lei Federal nº 12.651/2012
de interesse específico. A faixa de (BRASIL, 2012a).
proteção foi cartografada por meio
da ferramenta Buffer do ArcGIS 10.5 3.2.4 APP DE TOPO DE MORRO
(ESRI, 2015).
A análise das APPs de topo de morro
3.2.2 APP DE NASCENTES foi feita com base nas indicações de
Cortizo (2007), Oliveira e Fernandes
Para as APPs das nascentes e dos Filho (2013) e Peluzio et al. (2010),
olhos d’água perenes, devem ser também por meio da utilização dos
mapeados os pontos de origem de comandos e funções matemáticas
cada drenagem na área de estudo. disponíveis no ArcGIS 10.5 (ESRI,
Em seguida, o recurso Buffer 2015). Primeiramente, o modelo

137
gerado anteriormente (MDEHC) foi as funções Zonal Statistics, Raster
corrigido adotando-se os comandos Calculator, Reclassify, Raster to
Flow Direction, Sink e Fill, visando Features e Clip para selecionar as
eliminar os valores que geram áreas com altura mínima de 100m,
descontinuidade da drenagem inclinação média maior que 25º e
(células com cota de menor valor que estejam no terço superior das
quando comparadas com as cotas elevações.
vizinhas). Na sequência, o layer
de cumes foi gerado a partir do 4. RESULTADO
modelo digital de elevação invertido
(função Raster Calculator, que utiliza Em núcleos urbanos informais, ou de
o modelo criado e o multiplica por parcelas deles, situados em áreas de
-1 para invertê-lo); da direção do risco geológico-geotécnicos, somente
fluxo de água invertido (função é admitida a regularização fundiária
Flow Direction, alimentada com o por meio de aprovação do projeto,
modelo invertido); de uma máscara contendo estudos técnicos que
(background ou fundo) para recorte possibilitem a eliminação, correção
dos cumes (função Sink, empregando ou administração de riscos.
o fluxo de água invertido); e, por
fim, foi recortado o modelo corrigido A implantação das medidas indicadas
com a máscara de cumes. No passo nos estudos técnicos é condição
subsequente, determinaram-se as indispensável à aprovação da
regiões de domínio das elevações por regularização fundiária, nos casos
meio da função Basin, com entrada que não sejam possíveis a redução
da direção de fluxos invertida. A do grau de risco por meio de medidas
partir dessa informação e do modelo estruturais, os municípios deverão
corrigido, foi criado um layer com proceder à realocação dos ocupantes
os valores da altitude da base. do núcleo urbano informal a ser
Depois foram separados os valores regularizado.
máximos dos cumes gerados por
meio das funções Zonal Statistics e O Município de Itapevi localiza-se na
Raster Calculator. Para determinar a Microregião de Osasco, situado na
inclinação máxima, foi empregada Região Metropolitana de São Paulo.
a função Slope (em percentual), Localiza-se a 35 km da capital e
depois a função Zonal Statistics para tem como principal via de acesso a
selecionar o valor máximo em cada Rodovia Castelo Branco (SP-280).
região de domínio das elevações. Possui uma área de 82,658km²,
Na sequência foi utilizada a função com uma população de 200.769
Raster Calculator para separar as habitantes, segundo o censo do
elevações que se enquadrem como IBGE de 2010, e uma densidade
morros e montanhas. Depois foi populacional de 2.428,88 hab/
necessário agrupar os morros ou km². Limita-se com os municípios
montanhas com proximidade inferior de Santana de Parnaíba ao norte e
a 500m e atribuir a altitude da menor noroeste, Barueri a nordeste, Jandira
elevação de cada região. Para isso a leste, Cotia ao sul e sudeste,
foi utilizada as funções Int, Raster Vargem Grande Paulista a sudoeste,
to Features, Buffer, Join, Features to e São Roque a oeste (Figura 2).
Raster. Finalmente, foram aplicadas

138
Figura 2: Localização do município de Itapevi, no estado de São Paulo.

A equipe do IPT realizou os trabalhos 4.1 MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE


contando com o apoio da equipe da RISCO
Prefeitura Municipal de Itapevi, a qual
acompanhou os trabalhos de campo No município de Itapevi foram
para o mapeamento das áreas de mapeadas 15 áreas de risco, onde
risco de escorregamento, inundação foram delimitados 40 setores de
e APP. escorregamentos, 03 de solapamento
de margem e 11 de inundação
O Quadro 1 apresenta a lista das (Tabela 1). Os custos das indicações
áreas indicadas pela prefeitura para das intervenções estruturais para os
o mapeamento, contendo o nome 17 (dezessete) setores de risco Alto e
adotado pela equipe e a correlação Muito Alto para escorregamentos, os
com a denominação utilizada pelo 02 (dois) setores com Risco Alto para
programa Cidade Legal. A Figura 3 solapamento de margens e 01 (um)
apresenta a distribuição das áreas no setor de risco Alto para inundação
município. totalizaram 4.892.496,81 (quatro
milhões, oitocentos e noventa e dois
mil, quatrocentos e noventa e seis
reais e oitenta e um centavos).

139
Quadro 2: Nomenclatura das áreas indicadas para o mapeamento e
delimitação de APP.

Local Nome Núcleo – Programa Cidade Legal

Cohab Setor D – Av. Pedro Paulino Vila Sena

Cohab A – Rua Japi Comunidade Macaúba


Jardim Julieta Comunidade Malú
Jardim Ruth Comunidade Nova Canaã
Jardim São Carlos Comunidade São Carlos I
Recanto Paulistano I e II Comunidade Maria Rosa
Vale do Sol Comunidade Paulo de Abreu
Vila Gióia Comunidade Recanto Viver
Vila Santa Rita Comunidade Ferroviário
Jardim Rio Preto, Jardim Nova Aliança e Jardim
Amador Bueno
Camargo
Jardim Marina II Comunidade do Atlético
Colinas de São José Residencial Colinas de São José
Jardim São Luiz – Área Pública I Vila Carlos Gomes
Jardim São Luíz – Área Pública II Comunidade São Luíz 2
Fonte: IPT (2018).

Figura 3: Distribuição das áreas selecionadas para o mapeamento no


município de Itapevi.

140
A Figura 4 apresenta um exemplo das intervenções estruturais, em
de uma das áreas mapeadas, com imagens oblíquas obtidas pelo drone,
a delimitação dos setores de risco que se executadas irão reduzir o grau
e a indicação do grau de risco em de risco da área. Vale destacar que
imagem de satélite disponível no as intervenções estruturais indicadas
software ArcMap da empresa Esri. visam à redução do grau de risco e
Na Figura 5 temos a indicação não a urbanização da área.

Tabela 1: Número de setores e subsetores por tipo de processo e por grau


de risco.
GRAUS DE RISCO
Total de setores
PROCESSOS Setor de R-3 Risco por processo
R-4 Risco
Monitoramento SM Alto Muito Alto
Escorregamento 23 16 01 40
Solapamento de
01 02 -- 03
margens
Inundação 10 01 -- 11
Total de setores por
34 19 01 54
grau de risco
Fonte: IPT (2018)

Figura 4: Delimitação dos setores de risco em imagem de satélite.

Fonte: IPT (2018).

Figura 5: Indicação das alternativas de intervenções em imagem oblíqua


obtidas com o VANT.

Fonte: (IPT, 2018)

141
4.2 MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE
3 áreas em nascentes.
PROTEÇÃO PERMANENTE (APP)
A Figura 6 apresenta a delimitação
Após processamentos em SIG e cartográfica dos buffers de curso
análise das bases cartográficas d’água e de nascentes que foram
verificou-se que ocorrem nas áreas mapeadas em uma das áreas com
indicadas apenas APP de cursos d’água o auxilio de imagens de satélite e
e de nascentes. Foram delimitados funções em SIG.
17 áreas com APP de cursos d’água e

Figura 6: Delimitação das áreas de APP de cursos d’água e de nascentes.

A delimitação da APP de curso d’água (Figura 7). A ocupação é anterior a


passa por uma discussão importante, essa alteração conforme pode ser
sendo esta balizada pelas imagens visto na Figura 9. Conforme pode ser
de satélite e a ortofoto obtida pelo visualizado na Figura 8 as ocupações
sobrevôo com o drone. O córrego são anteriores a alteração do traçado
sofreu uma alteração de seu traçado, do curso d’água, situando-se fora da
em função da construção de um faixa de APP de curso d’água.
condomínio. A alteração do curso
d’água ocorreu no ano de 2013

142
Figura 7 – Posição do córrego Sapiantã em 2010 com relação à ocupação.

Figura 8: Posição atual do córrego Sapiantã com relação a ocupação.

5. CONCLUSÃO áreas consolidadas.

A utilização do SIG nas análises Considera-se que os objetivos foram


ambientais para os procedimentos alcançados quanto à utilização de
da regularização fundiária verifica-se geotecnologias no processo de
que as técnicas disponíveis em SIG regularização fundiária para os
permitem agilidade ao processo. estudos ambientais requeridos pela
legislação.
A utilização das imagens de satélite
de alta resolução permite a análise No mapeamento de risco de
temporal da ocupação nas áreas escorregamento, solapamento
indicadas para a regularização de margem e inundação foram
fundiária. delimitados 19 setores de risco
alto com a indicação das medidas
A partir da pesquisa desenvolvida, fica estruturais para 17 setores e não
clara a importância e a potencialidade estruturais para que o grau de risco
do uso de drones como ferramenta possa ser reduzido e dessa forma a
para a regularização fundiária de regularização fundiária poderá ser

143
realizada. Brasil urbano e suas interfaces.

No mapeamento realizado as CORDOVEZ, J. C. G.


APP identificadas relacionam-se Geoprocessamento como
diretamente com os cursos d’água ferramenta de gestão urbana.
e nascentes em área urbana In SIMPÓSIO REGIONAL
consolidada, onde há forte alteração DE GEOPROCESSAMENTO E
do meio natural e também das SENSORIAMENTO REMOTO,
funções ambientais estabelecidas 2002, Aracajú. Anais...Aracaju:
pela legislação. Das quinze áreas GEONORDESTE, 2002.
indicadas, cinco delas não estão em
área de APP. COSTA, L. S. da; OLIVEIRA, B. J. S.
de; SILVA, L. T. da; DAMASCENO,
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS C. E.; SANTOS, M. A.S.; MARTINS,
A. P. Análise experimental do
Abrão, C. M. R., Fernandes, E. uso de drones para atualização
F. de L., Bacani, V. M., Silva, J. de cadastro urbano: estudo de
F. da Geotechnologies applied dois setores na cidade Jataí/GO.
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river basin, MS. GEOGRAFIA, Rio 978-85-7282-778-2.
Claro, v. 40, Número Especial, p.
9-26, ago. 2015 DE FREITAS, M. I. C.; ROSSETTI,
L. A. F. G.; DE OLIVEIRA, R. B. N.
BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de Risk mapping in urban areas:
setembro de 1965. Institui o novo methodological essay for sample
Código Florestal. Revogada pela Lei area of Santos, São Paulo - Brazil.
nº 12.651, de 2012. Brasília, 15 de Revista Brasileira de Cartografia, v.
setembro de 1965. 67, n. 5, 1 set. 2015.

BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 IPT – INSTITUTO DE PESQUISAS


de julho de 2017. Dispõem sobre TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO
a regularização fundiária rural e PAULO Mapeamento de Áreas de
urbana.. Diário Oficial da União, Risco de Escorregamentos e Áreas
Brasília, 09 setembro de 2017 de Preservação Permanente
(2017). (APP) no município de Itapevi,
SP. Relatório Técnico nº Nº 154.250-
BRASIL. Decreto nº 9.310, de 15 205. 2018.
de março de 2018. Institui as normas
gerais e os procedimentos aplicáveis MINISTÉRIO DAS CIDADES,
à Regularização Fundiária Urbana e INSTITUTO DE PESQUISAS
estabelece os procedimentos para TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO
a avaliação e alienação dos imóveis PAULO. Mapeamento de riscos em
da União.. Diário Oficial da União, encostas e margem de rios. Org.:
Brasília, 16 março de 2018 (2018). Celso Santos Carvalho, Eduardo
Soares de Macedo, Agostinho Tadashi
CARDOSO, A. L. Assentamentos Ogura. Brasília: Min. das Cidades;
Precários no Brasil: Discutindo Instituto de Pesquisas Tecnológicas,
conceitos. Capitulo 1. A problemática 2007.
dos assentamentos precários no

144
NUNES, M. A. da C.; FIGUEIREDO PFEFFER K., MARTINEZ J., O’SULLIVAN
JUNIOR, C. M. A. Regularização D., SCOTT D. Geo-Technologies for
fundiária urbana: estudo de caso Spatial Knowledge: Challenges
do bairro Nova Conquista, São for Inclusive and Sustainable
Mateus-ES. Revista de Direito da Urban Development. In: Gupta
Cidade, vol 10, nº 2, ISSN 2317- J., Pfeffer K., Verrest H., Ros-Tonen
7721 p. 887-9156. 2018. M. (eds) Geographies of Urban
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PAGANI, E. B. S.; ALVES, J. de M; https://doi.org/10.1007/978-3-319-
CORDEIRO, S. M. A. Politica de 21272-2_8
regularização fundiária urbana
de interesse social em Londrina,
Paraná. Revista Katalysis, v. 19, nº
2, p. 184-193. 2016.

145
Perfil de interessadas/os em participar de um projeto
comunitário de compostagem urbana

Profile of those interested in participating in a community urban


composting project

Perfil de las/os interessadas/os en participar en un proyecto comunitario


de compostaje urbano

Bruna Aparecida Silva de RESUMO


Aquino O presente estudo buscou mapear o perfil dos cidadãos do município que apresentaram
interesse em fazer parte do projeto Palotina recicla o orgânico. O consumo e a destinação
Graduada em Ciências
correta dos resíduos sólidos estão entre as problemáticas socioambientais que mais influenciam
Biológicas, UFPR, Brasil. as sociedades atuais, e a educação ambiental possui uma importante atuação nesses campos.
brunaaquino@ufpr.br Desse modo, o projeto Palotina recicla o orgânico tem o intuito de sensibilizar a comunidade
quanto a segregação dos resíduos em três frações (orgânico, reciclável e rejeito) bem como
implementar a compostagem domiciliar e comunitária, visando a construção e consolidação
Anna Carolina Espósito de uma política pública municipal de resíduos orgânicos. A presente pesquisa tem caráter
Sanchez documental e analisou 634 fichas de interesse preenchidas por residentes do município de
Graduanda em Ciências Palotina (Paraná) interessados em participar da proposta. Essas fichas foram elaboradas pela
Biológicas, UFPR, Brasil. equipe executora do projeto e foram utilizadas para selecionar os participantes que receberiam
as composteiras domésticas. As respostas dessas questões foram sistematizadas em planilhas,
anna.esanchez@ufpr.br
agrupadas e categorizadas, compondo o corpus de análise do estudo. A análise dos resultados
identificou uma presença maior do público feminino e a pouca mobilização em relação a
Valéria Ghisloti Iared problemática do resíduo orgânico, apesar do reconhecimento do problema. O presente estudo
Professora Adjunta, reforça a importância da educação ambiental na transformação e emancipação do indivíduo e
coletivo. Além disso, são necessários mais estudos para compreender e aprofundar o perfil dos
Departamento de
participantes e como suas percepções estão sendo construídas ao longo do projeto.
Biodiversidade, UFPR, Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Consumo sustentável. Resíduo orgânico.
valeria.iared@ufpr.br
RESUME
The present study sought to map the profile of the citizens of the municipality who were
interested in being part of the Palotina Recycle the Organic project. The consumption and correct
disposal of solid waste are among the socio-environmental issues that most influence today’s
societies, and environmental education has an important role in these fields. In this way, the
Palotina Recycle the Organic project aims to sensitize the community regarding the segregation
of waste into three fractions (organic, recyclable and tailings) as well as to implement home
and community composting, pointing to the construction and consolidation of a public policy
municipal organic waste. This research has a documentary character and analyzed 634 interest
sheet completed by residents of the municipality of Palotina (Paraná) concerned to adhere the
proposal. These forms were prepared by the project’s executive team and were used to select
the participants who would receive the domestic composters. The answers to these questions
were systematized in spreadsheets, grouped and categorized, making up the corpus of analysis
of the study. The analysis of the results identified a greater presence of the female public
and little mobilization in relation to the problem of organic waste, despite the recognition of
the problem. The present study reinforces the importance of environmental education in the
transformation and emancipation of the individual and collective. In addition, further studies are
needed to understand and deepen the profile of the participants and how their perceptions are
being constructed throughout the project
KEYWORDS: Environmental Education. Sustainable consumption. Organic waste.

RESUMEN
El presente estudio buscó mapear el perfil de los ciudadanos del municipio interesados en

146
ser parte del proyecto Palotina recicla lo orgánico. El consumo y la correcta disposición de
los residuos sólidos se encuentran entre los temas socioambientales que más influyen en las
sociedades actuales, y la educación ambiental tiene un papel importante en estos campos.
De esta forma, el proyecto Palotina recicla lo orgânico tiene como objetivo sensibilizar a la
comunidad sobre la segregación de residuos en tres fracciones (orgánicos, reciclables y relaves)
así como implementar el compostaje doméstico y comunitario, con el objetivo de la construcción
y consolidación de una política pública municipal de residuos orgánicos. Esta investigación
tiene carácter documental y analizó 634 formularios de interés cumplimentados por vecinos
del municipio de Palotina (Paraná) interesados en participar en la propuesta. Estos formularios
fueron preparados por el equipo ejecutivo del proyecto y se utilizaron para seleccionar a los
participantes que recibirían los compostadores domésticos. Las respuestas a estas preguntas
fueron sistematizadas en hojas de cálculo, agrupadas y categorizadas, conformando el corpus
de análisis del estudio. El análisis de los resultados identificó una mayor presencia del público
femenino y poca movilización en relación al problema de los residuos orgánicos, a pesar del
reconocimiento del problema. El presente estudio refuerza la importancia de la educación
ambiental en la transformación y emancipación del individuo y el colectivo. Además, se
necesitan más estudios para comprender y profundizar el perfil de los participantes y cómo se
están construyendo sus percepciones a lo largo del proyecto.
PALABRAS CLAVE: Educación Ambiental. Consumo sustentable. Residuo orgánico.

1. INTRODUÇÃO
como “processos por meio dos quais o
O consumo e a destinação correta indivíduo e a coletividade constroem
dos resíduos sólidos estão entre as valores sociais, conhecimentos,
problemáticas socioambientais que habilidades, atitudes e competências
mais influenciam as sociedades atuais voltadas para a conservação do meio
e a educação ambiental possui uma ambiente, bem como uso comum do
importante atuação nesses campos, povo, essencial à sadia qualidade de
tendo papel na construção da inter- vida e sua sustentabilidade” (BRASIL,
relação entre sociedade e meio 1999). Desse modo, entende-se
ambiente. De acordo com Carvalho a educação ambiental como um
(1999), dentre as possibilidades e movimento individual e coletivo
alternativas políticas para atuar no para a construção de significados
quadro de degradação ambiental e valores socioambientais, e de
da atualidade, a educação tem sido uma aprendizagem participativa e
apontada como uma das práticas emancipatória, no sentido de tornar
sociais mais importantes a serem o indivíduo capaz de identificar a
desenvolvidas. complexidade e ser crítico acerca
das questões socioambientais
Segundo o Tratado de Educação (CARVALHO, 2011).
Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade A educação ambiental é tida pela
global (RIO DE JANEIRO, 1992), a Política Nacional de Resíduos
educação ambiental é um processo de Sólidos (PNRS - Lei nº 12305/10)
aprendizagem permanente, baseada como um instrumento de atuação
no respeito a todas as formas de vida (BRASIL, 2010) a ser implementado
e que afirma valores e ações para a paralelamente a gestão de resíduos.
transformação humana e social e para Visto que muitos municípios
a preservação do meio ambiente. apresentam dificuldades em relação
No Brasil, a educação ambiental é a adequada gestão dos resíduos
amparada pela Política Nacional de sólidos urbanos (MAIELLO; BRITTO;
Educação Ambiental (PNEA), definida VALL, 2018), vários acordos setoriais

147
e iniciativas públicas e privadas a Prefeitura Municipal de Palotina,
têm incentivado políticas públicas a UESPAR-FACITEC e o Rotary Club
locais. No Paraná, o gerenciamento de Palotina Pioneiro. Desse modo,
dos resíduos é amparado pela Lei o projeto está sendo desenvolvido
Estadual 12.493 (PARANÁ, 1999), no município de Palotina e tem o
sendo os orgânicos, especificamente, intuito de sensibilizar a comunidade
pela Resolução CEMA 90/2013, a quanto a segregação dos resíduos
qual estabelece a obrigatoriedade em três frações (orgânico, reciclável
“existência de programa municipal de e rejeito) bem como implementar
coleta seletiva que contemple metas a compostagem domiciliar e
progressivas para a separação” comunitária, em instituições como
(CEMA, 2013). De acordo com essas escolas, universidades e prédios de
legislações, os resíduos sólidos serviços públicos. E, a longo prazo,
urbanos devem ser separados em visa, o projeto visa a construção e
três frações: orgânicos, recicláveis consolidação de uma política pública
e rejeitos, sendo apenas o último municipal de resíduos orgânicos.
passível de ir para o aterro sanitário. Portanto, o presente estudo buscou
mapear o perfil dos cidadãos
De acordo com a minuta do Plano do município que apresentaram
Nacional de Resíduos Sólidos (MMA, interesse em fazer parte do projeto
2020), dentre a composição dos Palotina recicla o orgânico.
resíduos sólidos urbanos no Brasil, a
matéria orgânica corresponde a uma 2. PROCEDIMENTOS
fração de 50%, seguida da fração METODOLÓGICOS
reciclável em 32%. No entanto,
apesar de orgânicos corresponderem O município de Palotina está
a maior fração dos resíduos sólidos localizado na região oeste do estado
urbanos coletados no Brasil, tem- do Paraná, com aproximadamente
se que os mesmos são descartados 28.683, segundo o último censo
de forma misturada, inviabilizando (IBGE, 2010). Para a realização do
o reaproveitamento de tal fração presente estudo, foram utilizadas
(MMA, 2020). Na esfera municipal, as fichas de interesse composta
a Lei Complementar 166/2019 por campos de identificação (nome,
instituiu a Política Municipal de endereço, bairro, e-mail e telefone),
Gestão Integrada de Resíduos 12 questões fechadas e 1 aberta
Sólidos de Palotina (PMGIRS) e prevê (Anexo 1). A duração média de
a compostagem como reciclagem da preenchimento de cada ficha foi de
fração orgânica dos resíduos, bem 5 minutos.
como a educação ambiental como
instrumento da PMGIRS (PALOTINA, Durante os meses de setembro,
2019). outubro e novembro de 2019, as
fichas de interesse foram divulgadas
Dentro desse cenário, foi criado o para os moradores de Palotina que
projeto Palotina Recicla o Orgânico, desejassem adquirir uma caixa de
o qual foi contemplado pelo edital nº composteira. A distribuição das
001/2017 do Fundo Nacional do Meio fichas se deu através das instituições
Ambiente/ Fundo Socioambiental parceiras, por reuniões, participação
Caixa (FNMA/FSA), sendo resultado em eventos e também através da
de uma parceria entre a Universidade Secretaria Municipal de Agricultura e
Federal do Paraná - Setor Palotina, Gestão Ambiental. Foram realizadas

148
oficinas de formação e eventos de amostral deste trabalho. Para análise
divulgação do projeto com o intuito das respostas, as informações
de sensibilizar a população em foram sistematizadas em planilhas,
relação à problemática dos resíduos agrupadas e categorizadas. Dentre
sólidos e mobilizar a comunidade todas as questões que compõem
para a implantação de composteiras a ficha de interesse, selecionamos
domésticas, atuando em diferentes algumas devido a extensão
segmentos da sociedade, como: do manuscrito: o gênero da/o
Clube de Mães, Agentes Comunitários interessado, e as questões: a) como
de Saúde (ACS), enfermeiros, ficou sabendo do projeto? b) você
professores, membros do Rotary, costuma separar o reciclável para a
Núcleo de Apoio a Saúde da Família coleta seletiva? c) você sabe como
(NASF), universidades e ações na funciona a compostagem? d) você
praça central. sabe os benefícios da compostagem?
d) o que faz com os resíduos
Dessa forma, no total, foram orgânicos da cozinha? e) Por que
impressas e distribuídas 1500 fichas você gostaria de receber uma
de interesse, das quais 634 foram caixa de composteira? Tal escolha
devolvidas. A equipe proponente do se justifica por representar os
projeto realizou a seleção das fichas hábitos e a percepção ambiental do
em janeiro de 2020 com base em universo amostral, permitindo assim,
quatro critérios: a-) localização do identificar o perfil dos interessados
domicílio (o projeto prevê a entrega no projeto.
das composteiras apenas para a sede
do município); b-) preenchimento 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
correto dos contatos constantes nas
fichas de interesse; c-) priorizar Como visão geral do perfil dos
os interessados que já realizam a interessados no projeto, o Gráfico
separação entre orgânico e material 1 apresenta o interesse pelo tema
reciclável e d-) resposta afirmativa mais presente nas mulheres, que
para a assinatura de um termo de corresponde a 73% dos interessados.
responsabilidade e aceite em fazer Vale ressaltar que 19 fichas não
parte do monitoramento e avaliação entraram nessa contagem por se
do projeto. tratar de cadastros institucionais,
mais especificamente, escolas.
As 634 fichas compuseram o universo
Gráfico 1: Gênero
3%

24%

Feminino
Masculino
Não identificado
73%

Fonte: AUTOR, 2020.

149
Apesar das mulheres serem as presentes com a comunidade em
participantes mais assíduas dos momentos do seu cotidiano. Ou seja,
grupos nos quais o projeto realizou esses dados nos indicam o quão
alguma intervenção, esse fato tem mais proveitoso é nos adequarmos à
sido observado ao longo dos anos em sua rotina ao invés de optarmos por
outros trabalhos desenvolvidos em reuniões ou eventos específicos para
educação ambiental. Estudos com a divulgação.
compostagem escolar e comunitária
e consumo sustentável indicam a Subsequente a essa alternativa, a
maior participação de mulheres indicação de um amigo ressalta a
(BRENTANO; PODEWILS; PEDRUZZI, influência da divulgação dita boca a
2020; OLIVEIRA et al., 2019; GORNI; boca e o alcance do diálogo entre os
GOMES; DREHER, 2012). As mulheres munícipes. Esse tipo de divulgação é
são as tomadoras de decisão quando uma das formas mais antigas de se
o assunto é o consumo da família promover um produto e demonstra a
e organização dos hábitos na casa. repercussão do projeto em Palotina
Além disso, influenciam as outras (TINEU; FRAGOSO, 2009). Por ser
mulheres a aderirem tais atitudes considerada uma fonte confiável, já
(MMA, 2012a; ONU, 2012). que vem de um amigo ou familiar,
os munícipes foram motivados por
No Gráfico 2, observou-se o impacto conhecidos que os apresentaram a
das reuniões em grupos comunitários proposta. Tal feito acaba por ampliar
durante a divulgação do projeto. o alcance do projeto e fortalece
Diversos projetos de educação a implantação de hábitos mais
ambiental comunitária relatam a sustentáveis e a participação em
importância de estarmos, de fato, políticas públicas.

Gráfico 2: Como ficou sabendo do projeto?

1%
8%

31%
Reportagem de jornal
Reunião
Facebook
Não respondeu
5% Por um amigo
4% 51% Outro

Fonte: AUTOR, 2020.

A disposição dos brasileiros em separar pela AMBEV, com o objetivo de saber


o lixo vem crescendo ao longo dos a relação do brasileiro com o lixo,
anos, assim como, comportamentos aponta que 39% dos brasileiros não
a favor do meio ambiente. Uma separam os materiais reciclados
pesquisa realizada em 2018 pelo dos resíduos destinados ao aterro
Instituto Brasileiro de Opinião Pública sanitário, embora 95% afirmem que
e Estatística (IBOPE), encomendado a reciclagem é importante para a

150
preservação do planeta (G1, 2018; 20 anos, dos quais apontam um
IBOPE, 2018a). A mesma pesquisa aumento gradativo na disposição e
ainda aponta que o Paraná está acima separação dos resíduos. No presente
da média nacional com 70% dos trabalho, observamos que 99% dos
paranaenses realizando a separação interessados (GRÁFICO 3), separam
do reciclável (IBOPE, 2018b). O MMA a fração reciclável, recolhida pela
(2012b), em sua série histórica, Associação dos Agentes Ambientais
O que o brasileiro pensa do meio e Reciclados Palotina Preserva
ambiente e do consumo sustentável, (A-Pava).
traz estudos compreendidos em

Gráfico 3: Você costuma separar o lixo reciclável para a coleta seletiva?

1%

Sim

Não

99%

Fonte: AUTOR, 2020.

O processo de compostagem consiste 78% das/os munícipes interessadas/


na degradação da matéria orgânica, os em adquirir uma composteira
por meio de organismos, mediante doméstica declararam conhecer o
um meio aeróbico e termofílico, processo de compostagem e destes
resultando em um composto 90% sabem dos seus benefícios
estabilizado e distinto da matéria (GRÁFICOS 4 e 5).
prima (CONAMA, 2017). Cerca de

Gráfico 4 - Você sabe como funciona a compostagem?

1%
21%

Sim
Não
Não respondeu
78%

Fonte: AUTOR, 2020.

151
Gráfico 5 - Você sabe os benefícios da compostagem?

1%
9%

Sim
Não
Não respondeu
90%

Fonte: AUTOR, 2020.

Vale lembrar que algumas fichas sanitário. Pinto, Pires e Georges


distribuídas foram entregues após (2020), em seu estudo, verificaram
uma explanação do projeto e/ ou que a/o brasileira/o evidencia
uma oficina sobre a compostagem. disposição de receptividade para
Todavia, percebemos o quanto a aprofundar a compreensão de
compostagem é um processo que fenômenos ambientais como
vem se popularizando em vários as mudanças do clima, abrindo
meios informais de comunicação. perspectiva para a construção de
Esse ponto é fundamental para debates e do processo educacional
efetividade do projeto e nos reforça emancipatório. No entanto, os
a importância de uma educação autores constataram que não existem
ambiental permanente e contínua nos ações sistemáticas para a expansão
mais diversos níveis de escolaridade do processo de sensibilização seja no
e modalidades de ensino formal, não nível do cotidiano como no âmbito
formal e informal (BRASIL, 1999). cultural e político, sendo substituído
pelo imediatismo e pela simplificação
Apesar dos dados demostrarem da realidade. Desse modo, pode-
que as pessoas conhecem e sabem se entender que a/o brasileira/o
os benefícios da compostagem, a reconhece os problemas ambientais,
separação dos resíduos em três frações mas não se mobiliza em relação a
não é uma prática comum dentre os eles. Isso corrobora com os dados
interessados já que 56% descartam obtidos no presente estudo, visto
os resíduos orgânicos no lixo comum, que, apesar do município contar
inviabilizando sua reciclagem. Dentre com a coleta seletiva e uma parcela
os 20% correspondente a parcela de significativa das/os participantes
participantes que afirmam dar outra afirmarem segregar seus resíduos e
destinação aos resíduos orgânicos, ter conhecimento sobre a importância
21%, acabam por encaminhá-lo do processo de compostagem, foi
a coleta seletiva (GRÁFICO 6), ou constatada a destinação inadequada
seja, tal resposta remete ao aterro dos mesmos.

152
Gráfico 6: O que faz com os resíduos orgânicos da cozinha?

Fonte: AUTOR, 2020.

O Gráfico 7 aborda um panorama O estudo realizado pelo MMA (2012b)


geral dos motivos que levaram o traz a evolução da consciência cidadã
interesse à adesão do projeto. Os em reconhecer a questão ambiental
apontamentos correspondem ao como um dos principais problemas
número de vezes que apareceram brasileiros e, ainda, sugere que tal
como resposta na questão discursiva. aumento se deve a empatia sobre a
degradação dos recursos naturais.

Gráfico 7: Por que você gostaria de receber uma caixa de composteira?

2% 4% Não respondeu
2% 3%
3% Para fazer adubo
5%
Diminuir o orgânico no aterro sanitário
30%
Para contribuir com o meio ambiente

Destino correto dos resíduos

Ensinar/ Incentivar crianças e adultos

Para participar do projeto


23%
Qualidade de vida e Bem estar
13% Preocupação com o municipio
15%
Outros
Fonte: AUTOR, 2020.

Os dados revelaram que 30% orgânico no aterro sanitário/ para


dos apontamentos demonstraram contribuir com o meio ambiente/
interesse na produção de adubo, o destino correto dos resíduos/ para
qual seria voltado para atender uma participar do projeto/ qualidade de
demanda pessoal. Outras categorias vida e bem-estar/ preocupação com
identificadas estão bastante município. O agrupamento dessas
associadas entre si e representam, categorias aponta para uma tendência
cada uma delas, uma preocupação de empatia coletiva com a questão
mais ampla com o meio ambiente. ambiental e é correspondente a uma
Foram nomeadas como: diminuir o parcela de 58% dos apontamentos.

153
Os dados obtidos identificaram uma potencial participativo e também
preocupação com o ambiente em reforça a prática da compostagem
diferentes aspectos e é consonante como instrumento de educação
com os dados levantados na literatura ambiental e a relevância do projeto.
(MMA, 2012b; PINTO; PIRES;
GEORGES, 2020). Todos esses Os dados obtidos nessa investigação
estudos reconhecem o aumento reforçam a educação como pilar na
da constatação dos problemas garantia de um ambiente saudável
ambientais, porém ainda falta e na qualidade de vida das pessoas,
mobilização para o enfrentamento. no entanto, precisa ser construída
pelos indivíduos e a sua coletividade
Dentro das preocupações ambientais, (BEZERRA et al., 2018). Para Carvalho
foi verificado que 28% dos (2011), o processo educativo tem
entrevistados consideram o aumento como objetivo formar o sujeito
dos resíduos como o principal ecológico enquanto ser social e
problema ambiental do país (MMA, historicamente situado, constituindo
2012b). Esse estudo ressaltou que uma intervenção pensada na relação
esse percentual aumentou quando com o mundo em que vive e pelo qual
comparado às edições anteriores o indivíduo é responsável, incluindo
ao lançamento da PNRS em 2010. nessa tomada de responsabilidade os
Ainda, quando os entrevistados outros e o ambiente. A autora ainda
foram questionados acerca dos elenca que a educação ambiental
problemas ambientais do seu bairro, tem a especificidade de construir
o aumento dos resíduos caracteriza a compreensão das relações entre
a maior preocupação da população, sociedade e natureza, contribuindo
com 47%. para uma mudança de valores e
atitudes, formando um sujeito capaz
A pesquisa da GlobeScan e o Instituto de identificar e problematizar as
Akatu (2019) relata que cerca de questões socioambientais, bem como
65% dos consumidores declaram ser participativo e agir ativamente
estar buscando uma melhoria na sobre elas. Essa construção de uma
saúde e no bem-estar, assim como nova visão pode contribuir para
reduzir seu impacto negativo ao meio sensibilização e mobilização social
ambiente. Em Palotina, observamos dos indivíduos.
que 2% dos apontamentos explicitam
preocupação com Qualidade de Um forte exemplo de construção
Vida e Bem-estar, porém outras social e políticas públicas é o Projeto
categorias (preocupação com o meio Composta São Paulo, que atuou em
ambiente, com o município, destino 2014, em parceria com a Prefeitura
correto dos resíduos) associam-se Municipal de São Paulo e com as
implicitamente a essa preocupação. empresas concessionárias Loga e
Ecourbis e entregou composteiras
Outro ponto importante a ser domésticas para 2.000 famílias
destacado é o apontamento da cidade, contribuindo com
elencado pelos participantes em a compostagem de mais de 2
ensinar/incentivar outras pessoas toneladas/dia de resíduos orgânicos
através do projeto e da prática da nas casas dessas famílias, sendo
compostagem, demonstrado em 5% um projeto referência quando se
dos participantes. Esta é um aspecto fala em compostagem doméstica no
interessante, pois demonstra um país (PASSOS; XAVIER; BARBOSA,

154
5. AGRADECIMENTO
2016). Além disso, de acordo com
os autores, o projeto também Gostaríamos de agradecer aos
influenciou a elaboração do Plano munícipes participantes do projeto,
de Gestão Integrada de Resíduos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente/
Sólidos da cidade de São Paulo e na Fundo Socioambiental Caixa (FNMA/
construção de subsídios, através da FSA) pelo financiamento do projeto, à
mobilização social e conhecimento, Prefeitura Municipal de Palotina e aos
para fomentar a elaboração de parceiros, Universidade Federal do
uma política pública que estimule a Paraná - Setor Palotina, a UESPAR-
prática da compostagem doméstica FACITEC e o Rotary Club de Palotina
no município. É esse o anseio do Pioneiro pelo trabalho em equipe.
Projeto Palotina recicla o orgânico.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
4. CONCLUSÃO
BEZERRA, F. C. et al. Educação
O perfil dos interessados em participar Ambiental para a Sustentabilidade:
do projeto corrobora com a literatura, a redução do lixo orgânico na
evidenciando alguns pontos como: comunidade acadêmica por meio do
mulheres são mais atuantes em processo de compostagem. Id On
questões de consumo sustentável e Line Revista de Psicologia, [S.L.],
práticas ambientais, o potencial da v. 13, n. 43, p. 1121-1131, nov.
divulgação nos grupos comunitários, 2018.
a percepção e reconhecimento dos
problemas ambientais e dificuldade BRASIL. Lei n°9.795, de 27 de
na mobilização para solucioná-los. abril de 1999. Política Nacional de
Educação Ambiental.
Através deste estudo, salientamos a
importância da educação ambiental BRASIL. Lei nº 12305, de 2 de
na transformação e emancipação agosto de 2010. Política Nacional de
do indivíduo e coletivo. Isso se dá Resíduos Sólidos.
através do diálogo, da construção
do senso crítico e da participação do BRENTANO, C.; PODEWILS, T. L.;
indivíduo em relação ao meio em que PEDRUZZI, A. das N. Promovendo
vive, sua responsabilidade com os a Educação Ambiental através da
outros e o ambiente e na importância compostagem domiciliar. Revista
em ser ativo na tomada de decisões. Latino-Americana de Estudos em
Cultura e Sociedade, [S.L.], v. 6,
Ao traçar o perfil, algumas dificuldades edição especial, maio 2020.
foram encontradas, como o uso de
questionários, que são ferramentas CARVALHO, L. M. Educação e Meio
limitantes, por ser uma técnica de Ambiente na Escola Fundamental.
análise superficial e engessada. Projeto Revista de Educação,
Desse modo, são necessários mais Porto Alegre, v. 2, 9-18, 1999.
estudos para compreender o perfil
dos participantes e como suas CARVALHO, I. C. de M. Educação
percepções são construídas, para ambiental: a formação do sujeito
uma posterior estratégia de educação ecológico. 5. ed. São Paulo: Cortez,
ambiental capaz de atingir as mais 2011.
diferentes realidades.
Conselho Estadual do Meio Ambiente

155
(CEMA). Resolução nº 90, de 03 27 de jul 2020.
de dezembro de 2013. Estabelece
condições, critérios e dá outras INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO
providências, para empreendimentos PÚBLICA E ESTATÍSTICA (IBOPE),
de compostagem de resíduos sólidos Inteligência. Desinformação
de origem urbana e de grandes é maior dificuldade para a
geradores e para o uso do composto reciclagem no Brasil. [S.l], 2018a.
gerado. Curitiba, 03 dez. 2013. Disponível em: <https://www.
ibopeinteligencia.com/noticias-e-
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critérios e procedimentos para 2020
garantir o controle e a qualidade
ambiental do processo de INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO
compostagem de resíduos orgânicos, PÚBLICA E ESTATÍSTICA (IBOPE),
e dá outras providências. Brasília, 03 Inteligência. Paraná apresenta
out. 2017. melhores índices de reciclagem
do país. [S.l], 2018b. Disponível
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do Meio Ambiente: 4 em cada 10 com/noticias-e-pesquisas/parana-
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Rio de Janeiro: Overview, p. 82, PARANÁ. Lei estadual nº 12.493,
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PALOTINA. Lei Complementar
nº 166/2019. Institui o Plano TINEU, R.; FRAGOSO, N. D.
de Gestão Integrada de Resíduos Estratégias de comunicação boca
Sólidos (PMGIRS) de Palotina, a boca para o turismo. Revista
institui a Política Municipal de Gestão Brasileira de Marketing, São
Integrada de Resíduos Sólidos. Paulo, v. 8, n. 2, p. 116-145, Jun-
Dec 2009.

157
158
159
Avaliação da qualidade dos espaços urbanos para
pedestre no entorno de escolas: Estudo de caso de
Ribeirão Preto e Serrana
Evaluation of the quality of urban spaces for pedestrians around schools:
Case study of Ribeirão Preto and Serrana

Evaluación de la calidad de los espacios urbanos para peatones alrededor


de las escuelas: estudio de caso de Ribeirão Preto y Serrana

José da Costa Marques RESUMO


Neto A circulação de pedestres constitui situação de conflito com os veículos e ao se observar o
espaço destinado ao pedestre, é fácil encontrar diversas situações que podem comprometer
Professor Doutor, UFSCar,
sua segurança. As travessias necessitam ser organizadas e concentradas de tal forma que
Brasil. diminua os riscos, evitando a dispersão da atenção dos condutores. Devido à grande circulação
joseneto@ufscar.br de pedestres, a sinalização do entorno das escolas devem ser uma prioridade dos órgãos de
trânsito. O presente trabalho tem por objetivo, avaliar a qualidade dos espaços urbanos em
áreas escolares de duas cidades, por meio de um instrumento para auditoria. As duas cidades
Gustavo Henrique Vital aqui envolvidas, estão em diferentes estágios de desenvolvimento, sendo uma de pequeno
Gonçalves porte, e uma de grande porte, podendo-se, assim, avaliar e comparar os dois cenários distintos
Professor Mestre, Unifafibe, dentro desta temática aqui abordada. Como forma de avaliação, foram analisados 5 requisitos
Brasil. de 11 categorias da calçada em sua forma física e também a exposição do usuário ao tráfego,
sendo este elemento diretamente ligado à qualidade de espaços urbanos da via em prol dos
Gustavovital@hotmail.com.br
pedestres. Os resultados mostraram que a cidade de menor porte possui melhor qualidade
destes espaços (média geral de todos os segmentos de vias de 3,345), frente a cidade de maior
Marcelo Augusto porte (média geral de todos os segmentos de vias de 3,085). Além disso, o entorno, o tamanho
Amâncio e a abrangência da escola são aspectos que influenciam nas características de cada caso.
PALAVRAS-CHAVE: Pedestre. Áreas escolares. Mobilidade Urbana
Professor Doutor, Unip, Brasil.
marcelo.amancio@docente. ABSTRACT
unip.br Pedestrian circulation is a conflict situation with vehicles and when observing the space for
pedestrians, it is easy to find several situations that can compromise their safety. Crossings
need to be organized and concentrated in such a way as to reduce risks, avoiding the dispersion
of drivers' attention. Due to the large circulation of pedestrians, signaling around schools should
be a priority for traffic agencies. This paper aims to assess the quality of urban spaces in
school areas in two cities, using an instrument for auditing. The two cities involved here are in
different stages of development, one being small, and one large, and one can thus evaluate and
compare the two different scenarios within this theme addressed here. As a form of evaluation,
5 requirements of 11 categories of the sidewalk in its physical form were evaluated, as well as
the user's exposure to traffic, which is directly linked to the quality of urban spaces on the road
in favor of pedestrians. The results showed that the smallest city has the best quality of these
spaces (general average for all road segments of 3.345), compared to the largest city (general
average for all road segments of 3.085). In addition, the surroundings, size and scope of the
school are aspects that influence the characteristics of each case.
KEYWORDS: Pedestrian. School areas. Urban mobility

RESUMEN
La circulación peatonal es una situación conflictiva con los vehículos y al observar el espacio para
los peatones, es fácil encontrar varias situaciones que pueden comprometer su seguridad. Los
cruces deben organizarse y concentrarse de tal manera que se reduzcan los riesgos, evitando
la dispersión de la atención de los conductores. Debido a la gran circulación de peatones, la
señalización alrededor de las escuelas debe ser una prioridad para las agencias de tránsito.
Este artículo tiene como objetivo evaluar la calidad de los espacios urbanos en áreas escolares
de dos ciudades, utilizando un instrumento de auditoría. Las dos ciudades aquí involucradas
se encuentran en diferentes etapas de desarrollo, una pequeña y otra grande, por lo que se

160
pueden evaluar y comparar los dos escenarios diferentes dentro de este tema aquí abordado.
Como forma de evaluación, se evaluaron 5 requisitos de 11 categorías de la acera en su forma
física, así como la exposición del usuario al tráfico, este elemento está directamente vinculado
a la calidad de los espacios urbanos en la vía a favor de los peatones. Los resultados mostraron
que la ciudad más pequeña tiene la mejor calidad de estos espacios (promedio general para
todos los tramos de carreteras de 3.345), en comparación con la ciudad más grande (promedio
general para todos los tramos de carreteras de 3.085). Además, el entorno, tamaño y alcance
de la escuela son aspectos que influyen en las características de cada caso.
PALABRAS CLAVE: Peatón. Áreas escolares. Mobilidad urbana.

1. INTRODUÇÃO
do aprimoramento da mobilidade
A urbanização dos centros urbanos urbana (BRASIL, 2012).
é um fenômeno mundial que se
intensificou desde as primeiras O planejamento da mobilidade
aglomerações como Roma e Grécia urbana deve contemplar estratégias
até os grandes centros atuais, que possibilitem o movimento de
entretanto esse fenômeno foi pessoas e cargas nas áreas urbanas
intensificado na metade do século e rurais dos municípios (BRASIL,
XX com os grandes êxodos rurais. 2012).
O desenvolvimento acelerado e
desprovido de planejamento colocou A infraestrutura de pedestre é
recentemente, não só as metrópoles, considerada como a malha de calçadas
mas também as cidades de médio e travessias das cidades e, tais
porte, “em estado de risco”, quanto calçadas podem ser caracterizadas
à mobilidade da sua população, por também como calçadas de escola
valorizar o transporte individual nas quais estão locados os pontos
deixando sucatear o transporte de ônibus do sistema de transporte
coletivo e por negligenciar a público da cidade. Assim, a qualidade
necessidade dos transportes não da infraestrutura para os pedestres
motorizados. nas cidades é importante para
facilitar a mobilidade nos trajetos
No Brasil, a partir de 2003, foi criada diários, necessários para que seus
a Secretaria Nacional de Transportes moradores exerçam suas atividades
e da Mobilidade Urbana – SeMob que cotidianas (GHIDINI, 2011; RIBEIRO
estabelece as diretrizes da Política et al., 2014; RUBIM E LEITÃO, 2013;
Nacional de Mobilidade Urbana. Com SILVA E ROMERO, 2015).
relação às diretrizes relacionadas
à mobilidade urbana merecem Sabendo então da necessidade de
destaque: a prioridade dos modos reestruturação dessa nova era, faz-
de transportes não motorizados se necessário a valorização dos
sobre os motorizados e dos serviços transportes não motorizados, (a pé
de transporte público coletivo sobre e bicicletas). No início do milênio
o transporte individual motorizado. pesquisas já apontavam a necessidade
Os objetivos são: a redução das de políticas de planejamento urbano
desigualdades e promoção da inclusão voltadas à melhoria e qualidade
social; proporcionar melhoria nas dos espaços urbanos em prol
condições urbanas da população dos modais não motorizados ou
no que se refere à acessibilidade e também chamados transporte
à mobilidade; e consolidar a gestão ativo. Alguns destes estudos,
democrática como instrumento e podemos citar: Amâncio (2005),
garantia da construção contínua Cervero (2002); Handy (2002), em

161
que destacaram a importância de sobre a necessidade de alterações
políticas e planejamentos voltados da estrutura urbana, ainda é
aos transportes não motorizados e possível observar “a perda de muitas
a qualidade dos espaços urbanos, qualidades urbanas”, ou seja, a
valorizando então o pedestre e o forma urbana ainda continua a
ciclista. castigar o pedestre e desestimula-lo
na sua possível adoção pelo andar
Assim sendo, conhecer os ambientes a pé como modo de transporte. Em
escolares ajuda-nos a observar outras palavras, apesar dos avanços
as dificuldades enfrentadas pelos literários, ainda se encontra muitas
alunos, conhecer a escola como dificuldades nas aplicações práticas
geradora de viagens e auxilia-nos a dos estudos realizados. (HENDRIGAN
E NEWMAN, 2017).
entender a intensidade de conflitos
que podem ocorrer entre veículos A literatura nos aponta que a estrutura
e pedestres. Isso porque o urbana é constituída por inúmeras
conhecimento das necessidades dos variáveis podendo ser definida por
ambientes estudados contribui para características físicas (o desenho
a elaboração de ambientes escolares das cidades) e pela disposição
propícios para os estudantes se dos elementos urbanos, seguindo
locomoverem ativamente (ROSA, por características qualitativas,
2010). qualidade de transportes, modelos de
usos e quantidades de pessoas nos
Por muitos anos, no Brasil, observou- ambientes, qualidade dos espaços
se que o tipo de desenvolvimento de utilização pública; e chegando
urbano condicionou os espaços até as características de transportes
a influenciar especialmente os fornecidos aos usuários, portanto,
transportes motorizados, ou seja, a estrutura urbana se relaciona
toda a estrutura urbana se modelou com aspectos físicos e não físicos
para facilitar a adoção desse tipo (EWING; CERVERO, 2010).
de transporte. Entretanto esse
incentivo prioritário aparentemente Os parâmentros “Ds” da estrutura
vem perdendo forças, uma urbana se referem a um número
vez que a maioria dos planos de conceitos que iniciam com a
diretores se conscientizaram que o letra “D”, esses conceitos têm
desenvolvimento até então apoiado credibilidade no meio acadêmico
trouxe inúmeros problemas como, por dividirem a estrutura urbana
por exemplo, os congestionamentos em pilares que satisfazem grande
e altas taxas de acidentes de parte dos problemas que as cidades
trânsito, poluição entre outros. Assim enfrentam. Originalmente eram
foi possível entender que outras 3ds, introduzidos inicialmente por
formas de transportes precisam ser (CERVERO E KOCKELMAN, 1997) os
incentivadas, em especial o andar a conceitos são: densidade, diversidade
pé, o que reduziria, a dependência e desenho. Posteriormente em
dos automóveis e a degradação do (EWING et al., 2009), foram
ambiente urbano (AMANCIO, 2005; introduzidos mais dois elementos:
EWING e CERVERO, 2010; SOUZA, acessibilidade de destino e distância
2015). ao trânsito, constituindo assim o que
transita no meio acadêmico como
Apesar da conscientização mundial 5Ds da estrutura urbana. Contudo

162
estudos posteriores ainda indicam Muitos são os componentes do
o possível acréscimo de outros 2 desenho urbano que influenciam
elementos, que ainda que não tenha no andar a pé como transporte
a mesma ênfase que os outros, ativo nas viagens escolares, como
são abordados em determinados por exemplo, a infraestrutura e
estudos: gerenciamento de demanda qualidade das calçadas, a exposição
e a demografia (RODRIGUES, 2013). da integridade física do indivíduo
em relação ao tráfego e a segurança
O desenho urbano possibilita a (ITDP, 2016; NACTO, 2012; NANYA
construção de ambientes confortáveis E SANCHES, 2016; WRI, 2016).
e seguros para a realização das Contudo existem fatores sociais
viagens, com isso é possível a que também influenciam nessa
construção de cidades seguras tomada de decisão, dentre eles o
que promovam uma urbanização que mais se destaca é a preocupação
consciente de forma a incentivar os dos pais quanto a exposição dos
modais de viagens mais sustentáveis filhos ao tráfego e criminalidade
e consequentemente produzindo (MENDONZA et al., 2010). Portanto,
um ambiente que proporcione uma pode-se observar que em uma
interação entre pessoas, ambiente escala ampla o desenho urbano
viário e veículos. Conseguindo isso, o influencia efetivamente na opção por
desenho urbano transforma a cidade se locomover a pé como modo de
em um local que se possa obter maior transporte escolar (REZASOLTANIA
qualidade de vida. Incluso nesse et al 2015).
contexto, o desenho da cidade tem
um papel importante ao influenciar a Os estudantes realizam a atividade
adoção do pedestre pelo andar a pé de andar a pé cotidianamente.
como modo de transporte, e sabendo Medo, insegurança e desconforto
disso, faz-se necessário apontar são sentimentos que assolam os
definições satisfatórias sobre o que estudantes no caminho casa-escola,
é o desenho urbano. (NACTO, 2012; o aumento constante dos índices de
RODRIGUES, 2013; WRI, 2016). acidentes, grandes fluxos de veículos,
calçadas estreitas, ambientes
Inicialmente, o desenho urbano pode degradados e mal iluminados,
ser definido como a disposição dos presença de pedintes, entre outros
elementos físicos nos espaços das fatores, contribuem ainda mais para
cidades, os múltiplos formatos e que seja criado um sentimento de
características que esses elementos repudia quanto a andar a pé ou de
possam ter e a quantidade desses bicicleta. Sendo assim, a circulação
elementos que estão dispostos em de pessoas no entorno das escolas
uma determinada área investigada. cria um ambiente coabitado por
De forma mais clara, o desenho pessoas de diferentes idades e opções
urbano será definido de acordo modais, que em outras palavras, os
com: as dimensões dos quarteirões, estudantes, em especial os pedestres,
a quantidade de intersecções, os estão constantemente em contato
formatos da rede viária, largura das com motoristas e a circulação de seus
ruas e calçadas, números de árvores veículos, estando assim vulneráveis
e de outros elementos físicos. Todos aos riscos decorrentes do contato
esses elementos afetam diretamente entre automóveis e estudantes
na ocorrência das viagens a pé (KNEIBE et al., 2010).
(JENKS E JONES, 2010).

163
2. OBJETIVO
Efetuando a coleta de dados
O presente trabalho tem por objetivo, conseguir-se-á não somente realizar
avaliar a qualidade dos espaços a avaliação das áreas escolares, mas
urbanos para pedestres no entorno também efetuar uma comparação
de escolas de duas cidades por meio entre uma cidade de grande e de
de um instrumento para auditoria. pequeno porte apontando assim as
As duas cidades aqui envolvidas, possíveis semelhanças e diferenças
estão em estágios diferentes de entre elas.
desenvolvimento, sendo uma de
pequeno porte, e uma de grande A avaliação da calçada é essencial
porte, podendo-se, assim, avaliar e neste estudo, pois a calçada está
comparar os cenários distintos dentro ligada diretamente a caminhabilidade
desta temática aqui abordada. da via (ITDP, 2016). São avaliadas
tanto as características físicas da
3. MATERIAIS E MÉTODOS calçada quanto as características
de exposição tráfego onde ela está
O presente trabalho utilizará o método localizada.
proposto por Luciana Mayumi Nanya
e Suely da Penha Sanches e estudará A seguir são apresentadas as 11
um segmento da via, que se constitui categorias que serão avaliadas
por calçada e a interseção, sendo (NANYA ; SANCHES, 2016):
essa com semáforo ou não.
1. Infraestrutura desenvolvida para
O método de auditoria utilizado pedestres
tem como o intuito de ser uma 2. Largura considerável da Calçada;
ferramenta que seja utilizada para 3. Barreiras sobre a calçada (mesas
analisar características físicas que e cadeiras de bares, veículos
se relacionem com a qualidade do estacionados, postes, árvores,
andar a pé dos estudantes, a revisão lixeiras, etc);
de literaturas recentes aponta 4. Conservação da pavimentação
outros modelos de auditorias que da calçada (defeitos, desníveis,
foram realizadas por outros países buracos, etc.);
que serviram como referência para 5. Abrigo contra calor e chuva
confecção do modelo que será (árvores e fachadas que protegem
utilizado na presente pesquisa (ITDP, os pedestres);
2016). 6. Seguridade - segurança
pessoal (presença de pedintes e
Serão avaliados os entornos escolares desocupados, iluminação, outros
de duas instituições de ensino em pedestres, vida noturna ativa - bares
duas cidades diferentes. Serrana é e restaurantes);
uma das cidades avaliadas, a cidade 7. Conflitos com veículos sobre a
é de pequeno porte constando com calçada (guias rebaixadas);
aproximadamente 50.000 habitantes, 8. Atração do ambiente (arborização,
a segunda cidade que terá uma jardins, prédios atraentes, prédios
instituição avaliada é Ribeirão-Preto, em ruínas, lixo);
uma cidade de grande porte que 9. Inclinação Longitudinal;
abriga aproximadamente 700.000 10. Acesso para pessoas com
habitantes, ambas as cidades deficiência;
localizadas no interior do estado de 11. Exposição ao tráfego (velocidade
São Paulo. e fluxo de veículos na via).

164
Sendo avaliadas em 5 níveis de (raio de 400 metros) das cidades da
qualidade: Região Metropolitana de Ribeirão
Preto, (Serrana e Ribeirão Preto).
1. Péssimo;
2. Ruim; Para se realizar a avaliação, foi
3. Regular; utilizado o AutoCad, e através deste
4. Bom; programa foi feito um Cluster, com
5. Ótimo. raio de 400 metros, que compreendeu
168 trechos na cidade de Serrana, e
Após demonstrar o método de 171 trechos na cidade de Ribeirão
pesquisa utilizado, foi feita a coleta Preto (Figuras 1 e 2).
de dados em campo, em duas escolas

Figura 1: Área demarcada em Ribeirão Preto e determinação dos trechos

Para a caracterização do uso solo entre 35 e 40km/h e fluxo moderado),


da escola localizada na cidade de e com uma avenida tecnicamente
Ribeirão Preto, pode-se dizer que próxima à área escolar. A maioria
é uma região cuja a maior parte das ruas são planas, e levam o fluxo
do solo é utilizada para moradias para a avenida que passa pelo local.
unifamiliares isoladas, praças e A escola Época, está localizada no
alguns comércios. O bairro (Vila bairro Boa Vista na cidade de Serrana
Tibério) onde se localiza a escola e possui as mesmas características
Colégio Viktor Frankl, é um bairro da escola de Ribeirão preto, a
que contém pessoas de classe média diferença será apenas no porte da
e média baixa, possui traçado em cidade, sendo Ribeirão Preto grande
malha, com a maioria das ruas sendo porte e, Serrana pequeno porte.
coletoras (com velocidade de tráfego

165
Figura 2: Área demarcada em Serrana e determinação dos trechos

A tabela 1 apresenta a avaliação escola, podendo ser classificados de


de alguns trechos do Colégio Viktor “regular” a “bom”.
Frankl de Ribeirão Preto sendo
esses trechos localizados próximos a

Tabela 1: Avaliação segmentos de vias do Colégio Viktor Frankl


Características Número de Seguimento

311 312 313 314


Infraestrutura 5 5 5 5
Largura da calçada 4 4 4 4
Barreiras sobre a calçada 3 3 3 3
Conservação pavimento da calçada 4 3 4 3
Abrigo contra calor e chuva 3 2 2 2
Seguridade 2 2 2 2
Conflitos 2 3 3 2
Atração do ambiente 3 3 3 3
Inclinação 4 4 3 4
Tráfego 4 4 4 4
Acesso para pessoas com deficiência 1 1 1 1
Média 31,455 31,455 31,55 31,545

Já na tabela 2, são demonstrados trechos da escola Época, de Serrana.

166
Tabela 2: Avaliação segmentos de vias da Escola Época

Características Número de Seguimento

271 272 273 274


Infraestrutura 5 5 5 5
Largura da calçada 4 4 4 4
Barreiras sobre a calçada 5 5 5 5
Conservação pavimento da calçada 5 4 4 4
Abrigo contra calor e chuva 1 1 1 1
Seguridade 4 4 4 4
Conflitos 3 5 5 5
Atração do ambiente 3 3 3 3
Inclinação 3 5 5 3
Tráfego 3 3 3 3
Acesso para pessoas com deficiência 1 2 3 3
Média 28,182 39,091 40,000 29,090

4. RESULTADOS todos os segmentos de vias, nas


escolas Época (de Serrana) e Colégio
A partir da coleta de dados pode-se Viktor Frankl (de Ribeirão Preto).
calcular a média para cada escola, a Pode-se observar que a média da
média de cada segmento e a média escola Época é maior que a média
de todos os segmentos de vias, do Colégio Viktor Frankl. Isso
conforme apresentadas nas Tabelas significa que a qualidade dos espaços
5 e 6. urbanos na cidade de pequeno porte
(Serrana) é melhor que na cidade de
As tabelas 3 e 4 apresentam a média grande porte (Ribeirão Preto).
referente a cada pesquisa feita em

Tabela 3: Avaliação de Ribeirão Preto

Pesquisa Características Média da Pesquisa


1 Infraestrutura desenvolvida para pedestre 4,81
2 Largura considerável da calçada 4,00
3 Barreiras sobre a calçada 3,40
4 Conservação do pavimento da calçada 3,30
5 Abrigo contra calor e chuva 2,39
6 Seguridade 2,35
7 Conflitos 2,94
8 Atração 2,85
9 Inclinação longitudinal 3,27
10 Acesos para pessoas com deficiência 1,35
11 Exposição ao tráfego 3,82

167
Os menores valores foram devidos determinou as menores notas das
às notas baixas obtidas na avaliação interseções.
das interseções. A área central foi
a única a apresentar interseções Toda a região possui boa infraestrutura
semaforizadas, sem rampas de para pedestres (calçadas), a
acessibilidade, sem botoeira para declividade longitudinal é acentuada
pedestres e com maiores velocidades nas vias coletoras, existem poucos
nas vias transversais, fato este que desníveis e obstáculos nas calçadas.

Tabela 4: Avaliação de Serrana


Pesquisa Características Média da Pesquisa
1 Infraestrutura desenvolvida para pedestre 4,88
2 Largura considerável da calçada 4,42
3 Barreiras sobre a calçada 3,51
4 Conservação do pavimento da calçada 3,97
5 Abrigo contra calor e chuva 1,91
6 Seguridade 2,99
7 Conflitos 3,17
8 Atração 3,36
9 Inclinação longitudinal 3,66
10 Acesos para pessoas com deficiência 2,03
11 Exposição ao tráfego 3,00

A região desta escola é bem adensada em contrapartida, foram identificadas


com uso do solo predominante de faixa de pedestres com manutenção
habitações unifamiliares isoladas, variada (situações com boa condição
com pouca arborização urbana e de manutenção da faixa de pedestres
alguns segmentos sem nenhuma e situações com falhas na pintura da
arborização. Parte do entorno avaliado faixa de pedestres). Identificou-se
está inserido em um novo loteamento rampas de acessibilidade inadequada
que está sendo implantado e ainda na avaliação do Colégio Viktor Frankl.
não possui infraestrutura para
pedestre (calçadas). Nas interseções não semaforizadas da
cidade de Serrana a implantação de
As interseções próximas à escola não dispositivos redutores de velocidades
possuem faixa de pedestre e rampa nas vias e implantação de faixas de
de acessibilidade. Foram observados travessia elevada de pedestres nas
trechos com obstáculos que impedem interseções semaforizadas podem
a passagem do pedestre e desníveis aumentar a segurança de trânsito
na calçada que tornam o segmento na região e melhorar a qualidade do
intransitável para cadeirantes. espaço para pedestres.

A característica acessibilidade avalia Na tabelas 5 são exemplificadas as


presença de travessia elevada, médias gerais de todos os segmentos
manutenção da faixa de pesdestres e de vias, confirmando mais uma vez
rampas de acessibilidade. Não foram a melhor qualidade dos espaços
identificadas em nenhuma das 2 urbanos na cidade de pequeno porte.
áreas avaliadas travessias elevadas,

168
Tabela 5: Avaliação da Média geral de todos os segmentos das cidades
estudadas
Avaliação do Entorno
Cidade
Escolar

3,085
Ribeirão Preto

Serrana 3,345

Analisando as médias finais, conclui- obtiveram médias inferiores a 3,00.


se que, apesar de Serrana ter melhor Já o item “Acessibilidade”, obteve
qualidade dos espaços urbanos que média inferior a 2,00, por esta região
Ribeirão Preto nesses segmentos apresentar degraus nas calçadas
de vias estudados, as duas cidades impossibilitando a mobilidade de um
ainda possuem uma nota baixa de cadeirante.
qualidade, sendo classificadas com
a maioria das notas em 3, ou seja, A região da escola Época apresentou
sendo consideradas como segmentos uma largura considerável de calçada
de vias com avaliação regular. (cerca de 1,5m), além de apresentar
segmento plano (declividade <1%).
Sendo assim, é preciso que
intervenções sejam realizadas nos A avaliação proporcionada através
trechos referentes às duas escolas, deste estudo, demonstrou a grande
para que a qualidade dos espaços necessidade de intervenção nesses
urbanos nesses segmentos de vias segmentos de vias, para uma
seja adequada, contribuindo para melhor utilização, destes espaços,
uma melhor qualidade de vida das pelos estudantes dessas escolas.
crianças e adolescentes que estudam Medidas como melhoramento da
nessas escolas e até mesmo das seguridade, principalmente na escola
pessoas que moram nesses bairros. Colégio Viktor Frankl, da cidade de
Ribeirão Preto, acesso para pessoas
5. CONCLUSÕES com deficiência, e intervenções
utilizando guardas de trânsito
Através desse estudo foi possível para auxiliar na travessia das vias
avaliar segmentos de vias de próximas as escolas, irão promover
duas escolas com as mesmas maior comodidade e segurança
especificações (alunos do ensino desses estudantes, incentivando os
médio, bairro de classe média baixa), deslocamentos pelo modal a pé.
porém em cidades distintas, além de
possível observação das carências e A partir dos resultados é possível
compara-las entre as escolas. afirmar que, apesar do grau de
importância que legislações e
As menores médias obtidas normativas técnicas atribuem
das auditorias dos segmentos e à sinalização, à segurança, à
observadas na escola de Ribeirão seguridade, à acessibilidade, e
Preto são referentes ao item ao conforto no entorno das áreas
“Proteção contra calor e/ou chuva” escolares, nas escolas estudadas
(representado por arborização essas regras não foram totalmente
urbana e fachadas que protegem os consideradas.
pedestres contra sol e chuva), que

169
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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171
Avaliação dos Planos Diretores de Araraquara Pós Estatuto
da Cidade: Em 2014 houve Revisão ou Adequação?
Evaluation of the Master Plans of Araraquara After the City Statute: Was
there a Review or Adequacy in 2014?

Evaluación de los Planes Maestros de Araraquara Después del Estatuto


de la Ciudad: ¿En 2014 hubo uma revisión o adecuación?

Priscila Kauana Barelli RESUMO


Forcel O Estatuto da Cidade no ano de 2001 institui o marco de obrigatoriedade da elaboração de
Planos Diretores para cidades que vinham a cumprir alguns dos requisitos impostos em lei,
Arquiteta e Urbanista, UNIP,
tornando-se um importante instrumento do planejamento municipal. O município de Araraquara
Brasil. contava com uma população acima do limite regulamentado, portanto, precisaria se submeter
pk.arqeurb@gmail.com diante da legislação. Porém, desde a década de 60 a urbanização de Araraquara já vinha se
familiarizando em ter seu desenvolvimento e expansão orientada por planos diretores. Tratava-
se, então de se adequar aos parâmetros estabelecidos pelo estatuto, que incluía novos conceitos
Aderson Passos Neto e instrumentos para sua elaboração. Araraquara aprova o primeiro plano desta nova era em
Arquiteto e Urbanista, 2005, trazendo consigo uma data prévia de revisão, que teve sua corroboração em 2014. O
Mackenzie, Brasil. objetivo deste artigo se funde da análise comparativa dos planos diretores após a aprovação
arq_ader@hotmail.com do estatuto da cidade, obtendo um pano de fundo para sistematizar se houve evolução ou
regressão nas condicionantes urbanas do município. A partir dessa leitura é possível perceber
alguns avanços, porém com muitas perdas, bem como o fato de que muitos dos instrumentos
Joel Venceslau de introduzidos pelo Estatuto da Cidade, apesar de presentes, nunca foram regulamentados,
Oliveira Junior resultando a uma reflexão para as futuras revisões.
Professor Especialista, PALAVRAS-CHAVE: planejamento urbano; expansão territorial; regressão da legislação.
UNIARA, Brasil. ABSTRACT
joelvenc@gmail.com The City Statute in 2001 establishes the mandatory framework for the elaboration of Master
Plans for cities that came to meet some of the requirements imposed by law, becoming an
important instrument of municipal planning. The municipality of Araraquara had a population
above the regulated limit, so it would need to submit to the legislation. However, since the
1960s, the urbanization of Araraquara had already become familiar with having its development
and expansion guided by master plans. It was then a question of adapting to the parameters
established by the statute, which included new concepts and instruments for its elaboration.
Araraquara approves the first plan of this new era in 2005, bringing with it a previous revision
date, which was corroborated in 2014. The objective of this article is based on the comparative
analysis of the master plans after the approval of the city statute, obtaining a fund to systematize
if there was evolution or regression in the urban conditions of the municipality. From this reading
it is possible to notice some advances, but with many losses, as well as the fact that many of the
instruments introduced by the City Statute, although present, were never regulated, resulting
in reflection for future revisions.
KEYWORDS: urban planning; territorial expansion; regression of legislation.

RESUMEN
El Estatuto de la Ciudad de 2001 establece el marco obligatorio para la elaboración de Planes
Directores para las ciudades que llegaron a cumplir con algunos de los requisitos impuestos por
la ley, convirtiéndose en un importante instrumento de planificación municipal. El municipio de
Araraquara tenía una población por encima del límite regulado, por lo que tendría que someterse
a la legislación. Sin embargo, desde la década de 1960, la urbanización de Araraquara ya
se había familiarizado con tener su desarrollo y expansión guiados por planes maestros. Se
trataba entonces de adecuarse a los parámetros establecidos por el estatuto, que incluía nuevos
conceptos e instrumentos para su elaboración. Araraquara aprueba el primer plano de esta
nueva era en 2005, trayendo consigo una fecha de revisión previa, la cual fue corroborada en

172
2014. El propósito de este artículo se basa en el análisis comparativo de los planes maestros
luego de la aprobación del estatuto de la ciudad, obteniendo un Fondo para sistematizar si
hubo una evolución o regresión en las condiciones urbanas del municipio. De esta lectura es
posible notar algunos avances, pero con muchas pérdidas, así como el hecho de que muchos
de los instrumentos introducidos por el Estatuto de la Ciudad, aunque presentes, nunca fueron
regulados, lo que se traduce en una reflexión para futuras revisiones.
PALABRAS CLAVE: planificación urbana; expansión territorial; regresión de la legislación.

1. INTRODUÇÃO
com a Lei Complementar n° 350.
O processo de mudanças na Posteriormente, em 11 de fevereiro
urbanização brasileira tem início em de 2014 aprovou-se a revisão do
meados da década de 1950, quando Plano Diretor de Araraquara, com a
se intensificou uma crescente Lei n° 850. A partir desse cenário de
transposição da população rural para dez anos que distanciam as duas leis e
o ambiente urbano. Esse processo dos cincos anos recentes posteriores
acelerado e caótico se caracterizou a última “revisão”, esse artigo se põe
por produzir aglomerações a analisar e comparar os dois planos,
urbanas expandidas e propiciar identificando quais ganhos e perdas
segregação espacial, resultando ocorreram nesse processo.
diversos problemas de diferentes
características, os quais vieram se 2. ÁREA E MÉTODOS
agravar nos anos posteriores. O
cenário nacional e estadual se repete Araraquara
ao município de Araraquara, com
ocupações sucedendo desde meados O município de Araraquara está
dos anos 1930 até o surgimento dos localizado na região central
primeiros planejamentos urbanos administrativa do estado de
datados da década de 60 e início dos São Paulo, a 270 km da capital.
anos 70. Porém, estes evidenciaram Com área de 1.003,625 km² e
uma urbanização esparsa, geradora população estimada em 236.072
de vazios urbanos e segregação, (IBGE, 2019), cerca de 97% da
com peculiaridades ainda presentes população reside na área urbana do
no cenário atual, criando situações município (SEADE, 2020), com um
de difícil solução para o gestor na crescimento populacional de 0,88%
formulação de políticas públicas, ao ano (SEADE, 2020). O município
principalmente nas áreas de ganha destaque no alto nível de
mobilidade, habitação, atendimento desenvolvimento humano 0,815
aos princípios da sustentabilidade, (IBGE, 2010), ocupando a décima
ambiental, econômica e social. quarta posição do Brasil, esses dados
são baseados na renda, longevidade
Nesse cenário fortemente propicio e educação. O índice FIRJAN de
a uma urbanização marcada por desenvolvimento municipal também
irregularidades, a Lei n° 10.257 de 10 é apresentado em um número
de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, elevado no ano de 2016, ocupando a
vem para impor demarcações e quadragésima sexta posição – nível
melhorias, com a regulamentação de Brasil, com 0,851 (firjan.com, 2016).
Planos Diretores em cidades com mais Quanto ao índice de desigualdade
de vinte mil habitantes. Araraquara de renda, é considerado moderado
se punha a normatizar seu primeiro com o valor 0,50 no ano de 2010,
plano em 27 de dezembro de 2005, anteriormente em 2000 esse índice

173
era de 0,52 (atlasbrasil, 2013). do município de Araraquara referente
à região central administrativa do
A figura abaixo ilustra a localização Estado.

Figura 1: Localização da Cidade estudada e sua inserção regional, segundo


o mapa da Região Administrativa Central.

Fonte: Base IGC, adaptado pelos autores.

Figura 2: Localização da Cidade estudada e sua inserção regional, segundo


o mapa da Região de Governo de Araraquara.

Fonte: os autores.

174
A urbanização do município tem momento ocorre um movimento para
início no final do século XIX com a a diversificação da agricultura e o
chegada de imigrantes europeus, surgimento de pequenas indústrias,
principalmente vindos da Itália. inclusive incentivada pelo governo
Partes desses imigrantes vieram para local. Esta urbanização se inicia
substituir os escravos na lavoura, segundo um modelo de urbanismo
outros já traziam em seus costumes moderno e culturalista das cidades
hábitos urbanos. Esta urbanização se jardins e se intensifica nos anos
acentua no início do século XX, quando seguintes crescendo de maneira
a lavoura de café, até então principal constante até os dias de hoje.
atividade econômica, começa a
apresentar desgastes na produção, As imagens abaixo representam
em função do enfraquecimento do o inicio da evolução urbana de
solo das lavouras, além da queda Araraquara, datados de 1870, 1890
do valor comercial para exportação e 1929.
em meados dos anos 1930. Nesse

Figura 3: À esquerda: Malha urbana de Araraquara 1870, enfatizando a


elevação à comarca em 1865. Ao centro: Malha urbana de 1890, enfatizando
que em 1885 ocorreu a inauguração da Ferrovia (destacada em vermelho),
e em 1890 a comarca se torna cidade. À esquerda: Malha urbana de 1929,
ferrovia com destaque em vermelho.

Fonte: arquivo municipal, adaptado pelos autores.

Já no final dos anos 1960 se índices urbanístico como recuos,


estabelece o “Plano Diretor” (Lei nº de ocupação e aproveitamento,
1.632/1968) e no início dos anos entre outros. A expansão urbana
1970, por força da “Lei Orgânica do município a partir dos anos 1960
dos Municípios de São Paulo” a pode ser observada nas figuras a
prefeitura lança o Plano Diretor seguir, analisando a maneira que
de Desenvolvimento Integrado, se estabelece essa expansão até
que já ordenava o solo urbano por os anos de 2006, um ano após a
meio de mapa de zoneamento, aprovação do primeiro Plano Diretor
normas de uso e ocupação do solo, instituído posteriormente ao Estatuto
da Cidade.

175
Figura 4: Expansão urbana de Araraquara da década de 1960 até o ano de
2006.

Fonte: Menzori (2018), adaptado pelos autores.

A territorialização do município entre manchas em cinza representam quais


a aprovação do primeiro plano até são as novas ocupações posteriores
sua “revisão” pode ser observada na a 2005, a utilização de uma base
imagem abaixo, que conta com uma datada de 2019 enfatiza os cinco
base de estudo do ano de 2019 e as anos posteriores à data da “revisão”.
Figura 5: Expansão urbana de Araraquara, base de 2019 com a
sobreposição da expansão urbana desde os anos de 2005.

Fonte: Prefeitura municipal, adaptado pelos autores.

176
Métodos
Diretor, devendo ser o detalhamento
Interessa-nos quantificar os usos das diretrizes na criação de políticas
e aplicações das leis municipais de públicas específicas. Se por um
planejamento urbano no período lado isso proporciona um melhor
de 2005 a 2014, salientando entendimento e exequibilidade
possíveis evoluções ou retrocessos daquilo que é previsto, por
dessas normativas, considerando outro aumenta a chance do não
nosso ponto de vista situado cinco cumprimento, pois muitas vezes não
anos após a “revisão”. A partir dos são consultados na implementação
levantamentos, buscou-se sintetizar das ações públicas. Algumas medidas
medidas aprimoradas durante a deveriam ser previstas no sentido
“revisão” e a análise dos mapas de um eficiente monitoramento e
que se contrapõem aos textos de regulamentação dos planos setoriais,
lei. Destacando-se os assuntos que providências não observadas.
apresentaram maiores mudanças.
Em 2014 percebe-se um desmonte
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO da estrutura de participação
popular, com a diminuição no
Em Araraquara temos a análise de número de conselhos e também na
dois planos diretores – pós Estatuto sua formação. Importante fórum
da Cidade, a saber, Lei Complementar de discussão e esclarecimentos
n° 350 de 27 de dezembro de 2005 necessários para a implementação
e sua “revisão” - Lei Complementar de políticas públicas como previsto
n° 850 de 11 de fevereiro de 2014. no plano original. Essa redução de
Ao confrontar os dois textos obtêm- participação é representativa do
se algumas análises pontuais, que diferente foco entre as Gestões do
apresentam algum desfecho, seja ele Governo Edinho Silva e do Governo
positivo ou negativo ao município. Marcelo Barbieri, verifica-se cerca
Primeiro devemos destacar a clareza de 22,5% de participação popular
com que fora apresentado o plano a menos na gestão Barbieri, a
de 2005, clareza esta que não se participação técnica e política ocupam
encontra na “revisão” do plano em esse espaço, com cerca de 7,5% e
2014. Porém o que chama a atenção 15% respectivamente a mais do que
são as supressões de artigos, os na gestão Edinho (SANTOS, 2018). O
quais poderiam ter sido revistos ou conselho da cidade não é mencionado
reformulados, buscando assim textos no texto de “revisão”, dessa forma
mais leves e de fácil entendimento, extinto, inviabilizando ainda mais a
mas o que surge é a criação de novas participação popular. Esse problema
leis e planos, ocasionando a facilidade não se restringe a redução e alteração
do descumprimento. Seguindo essa dos conselhos, mas também pela
observação destacamos as questões forma como é apresentado o texto
ligadas à habitação, onde são quando determinam que algumas
retirados todos os planos, programas medidas devam ser decididas através
e transformados em uma política de discussões com a população
habitacional, referindo-se ao Plano interessada ou ainda em audiências
Habitacional, o qual não teve seu públicas, tais procedimentos que
cumprimento. em alguns casos não ocorrem, pois
carecem de divulgação eficiente ou
Os planos setoriais assumem uma inexistência. Os conselhos poderiam
função complementar a do Plano garantir a representatividade da

177
população como um todo quando maior parte, o que não acontece
trabalhados de forma igualitária, com os mapas de uso e ocupação
logo, deveriam ser revistos e bem como nos índices urbanísticos
analisados pontualmente buscando aplicados. A mancha apresentada
aperfeiçoa-los. no mapa (figura 6) se sobrepõe as
áreas já ocupadas não apresentando
Quando tratados os assuntos no medidas de recuperação dessas
campo da preservação ambiental áreas degradadas, nem no conteúdo
são observados retrocessos, pois do plano diretor e muito menos nos
os textos se mantêm iguais na instrumentos urbanísticos.
Figura 6: Localização das áreas de preservação ambiental, base plano
diretor de 2005, sobreposição das manchas em cinza das medidas tomadas
no plano de 2014.

Fonte: Prefeitura Municipal, adaptado pelos autores.

Um condicionante natural importante entanto na “revisão” de 2014 verifica-


levado em conta no plano de 2005 se um grande descuido no proceder
é a presença do Aquífero Guarani no das alterações de usos nas áreas de
território e seu afloramento em vários afloramento do referido aquífero.
pontos da cidade, o que determinou Nessa mesma linha de alterações
algumas medidas de proteção e descuidadas com relação ao que o
cuidados como a apropriação do solo plano original previa embasado em
urbano e rural com a intenção de estudos, destaca-se alterações de
mitigar e preservar essas áreas. No índices que provocaram o aumento

178
do adensamento (Zona Norte) em premissa de lei própria. Ressalvo
áreas de alimentação do principal do “Outorga Onerosa do Direito de
manancial superficial, não apenas Construir, de Alteração de Uso e
de importância ambiental, mas Utilização do Solo, Subsolo e Espaço
também de abastecimento de água Aéreo” que é regulamentado pelo
para a cidade. Destacamos ainda a Decreto n° 10.666 de 2014, porém,
diminuição nas dimensões do CIECO, a determinação é somente sobre os
em 2005 era de 70 metros e em valores recebidos, que passam a ser
2014 passa a ser de 50 metros, fato reservados ao “Fundo Municipal de
que não trouxe nenhum benefício, ao Desenvolvimento Urbano” – FMDU
contrário, se mostra ineficiente ao (figura 7). O “Direito de Preempção”
que se propõe indo contra o conceito possui diferença entre os dois planos,
original do Plano Diretor de viés sócio como exemplo, a exclusão do valor
ambiental. da multa diária. Os instrumentos
apresentados nos anexos das leis
Os instrumentos se mantêm, demonstram uma redução de área
entretanto, como no original não ou do não mapeamento, dificultando
há regulamentação, apenas a a viabilidade e sua visualização.

Figura 7: Localização das áreas de outorga onerosa do direito de uso do


solo; parcelamento, edificação ou utilização compulsória; preempção, base
plano diretor de 2005, sobreposição das manchas em cinza das medidas
tomadas no plano de 2014.

Fonte: Prefeitura Municipal, adaptado pelos autores.

179
Quanto as “Operações Urbanas encontramos mudança na descrição
Consorciadas” estão condicionadas a dos textos, sem regulamentação, e os
criação de lei específica e de plano de mapas correspondentes apresentam
operação urbana consorciada, porém uma diminuição de áreas a serem
não regulamentado. Já em “Áreas implementados tais instrumentos
Especiais de Intervenção Urbana” (figura 8).
Figura 8: Localização das áreas de interesse social de regularização
fundiária e vazios urbanos, base plano diretor de 2005, sobreposição das
manchas em cinza das medidas tomadas no plano de 2014.

Fonte: Prefeitura Municipal, adaptado pelos autores.

Ainda na questão de habitação de qualificação dos funcionários, de


ressaltamos que é apresentado um divulgação de projetos e a criação
aprofundamento da segregação sócio do conselho e do fundo municipal,
espacial, principalmente pelo fato das porém o que é observado no
ZEIS estarem localizadas nos limites Plano Diretor de 2014 é que todos
do perímetro urbano, incluindo a área esses mecanismos anteriormente
de proteção ambiental, contradizendo bem elaborados são excluídos e
as normativas previstas de transformados na elaboração de
preservação. No Plano Diretor de Plano Diretor Regulador de Habitação
2005 observam-se orientações sobre e Regularização Fundiária que norteia
as premissas de criação de políticas a Política Habitacional do Município,
habitacionais, como por exemplo, a na qual as benfeitorias apresentadas
realização de conferencias, planos, devem ser analisadas e votadas
monitoramento, instrumentos, em plenárias com participação da
criação de AEIS, programas sociedade interessada.
de apoio, de regularização, de
reassentamento, de ajuda mútua, Os planos não apresentam inclusão

180
do território rural e nem integram instrumento de planejamento, não
as questões regionais, algumas contribuindo para a construção da
menções são feitas, porém muito cidade da forma como estabelecida
superficialmente. Quanto à pelo Plano Diretor.
preservação do patrimônio histórico
apesar de manterem o COMPPHARA Esse artigo se pautou na análise
(Conselho Municipal de Preservação do municipal, porém, poderiam
Patrimônio Histórico, Arquitetônico, ser levantadas algumas outras
Paleontológico, Etnográfico, questões intermunicipais elevando
Arquivístico, Bibliográfico, Artístico, a um nível de maior abrangência,
Paisagístico, Cultural e Ambiental atingindo uma rota comparativa
do Município de Araraquara), sua entre municípios localizados
composição e formação conforme próximos à cidade de estudo e que
mencionado acima, bem como a apresentam população e expansão
condução dos procedimentos em urbana presumida aos indicadores
relação às discussões e ações, deixa de Araraquara, poderíamos destacar
bem claro a falta de compromisso algumas cidades, como por
com a participação da sociedade exemplo, São Carlos e Rio Claro.
comum ou técnica. Não apresentando Pois, os três municípios se fundem
variações na gestão de recursos dos a uma distancia de 108 km entre
fundos municipais. A única melhoria si (Araraquara - São Carlos - Rio
construtiva e ambiental no espaço Claro), ressaltando que Araraquara
urbano previsto na “revisão” de e São Carlos pertencem a Região
2014 é a criação do Programa de Administrativa Central do Estado
Edificações Mais Sustentáveis – e Rio Claro é pertencente à Região
PEMS. Administrativa e Metropolitana de
Campinas – dados IGC. Salientando
4. CONCLUSÕES a quantidade de população próxima,
sendo, 221.950 habitantes em
Ao analisarmos os planos diretores e São Carlos (IBGE, 2010), 186.253
suas possíveis evoluções, concluímos habitantes em Rio Claro (IBGE,
que os textos e os anexos não devem 2010), Araraquara se posiciona
somente atender aos parâmetros entre esses números com 208.662
estabelecidos no Estatuto da habitantes (IBGE, 2010). Os índices
Cidade, mas que se enquadrem as Firjan são de 0,865 e 0,825 – São
reais necessidades do município. Carlos e Rio Claro respectivamente,
Evidenciamos ainda que diversos ganhando destaque na educação
conceitos e diretrizes podem ser e saúde com o topo desse ranking,
facilmente distorcidos quando não assim como em Araraquara. Ou
há uma correspondência entre o seja, relativamente, Araraquara
texto e os anexos – mapas e tabelas, possui uma boa localização e bons
o plano de 2014 apresenta grande índices quando comparados às
dissonância nesse quesito. Outro cidades adjacentes, esse paradigma
fator considerado nessa análise é deveria se repetir aos das políticas
que a consulta ao plano diretor, públicas, evidenciando ganhos
tanto pelos profissionais como pelos com o esparso crescimento entres
analistas, muitas vezes se limita a esses municípios, porém nenhum
poucos mapas, ocasionando o não dos planos apresentam questões
atendimento de muitos dos princípios regionais. Os três municípios
e diretrizes estabelecidas neste poderiam integrar-se a uma análise

181
regional e intermunicipal, não só por de São Paulo, Araraquara, 2014.
suas localizações, mas também por Institui o Plano Diretor. Disponível
apresentarem índices aproximados em: <https://www.legislacaodigital.
de urbanização e uma relevância com.br/Araraquara-SP/
regional muito benéfica por si só, LeisComplementares/858>. Acesso
porém essas questões são ignoradas. em 27 de abril de 2020.
Araraquara ainda posterga as
questões de conurbação presente em FALCOSKI, L.A.N. O Plano Diretor
seu território, referidos ao município Participativo da LC 350/2005 e
de Américo Brasiliense. Porém, a Cidade-Jardim de Araraquara:
essas análises precisariam ser feitas contra um processo de revisão
mais minuciosamente para ter uma tradicional para um futuro
emblemática maior, ficando a cargo insustentável. Abril de 2013.
de uma próxima análise. Acesso em 18 de maio de 2020.

5. REFERÊNCIAS PASSOS NETO, A. O Poder


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182
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handle/11449/100929>. Acesso em maio de 2020.
18 de maio de 2020.

COSTA, LUIZ FLÁVIO DE CARVALHO,


Fotografia e memória em
Araraquara: 1ed - Edição bilíngue
- São Paulo: Cultura Acadêmica
editora, 2015.

183
Planos diretores municipais: bases para avaliação
Ambiental estratégica
Municipal master plans: basis for strategic environmental Assessment

Planes maestros municipales: bases para la evaluación ambiental


estratégica

Jacqueline Priscila RESUMO


Olmedo No processo de planejamento urbano é fundamental a inclusão da variável ambiental visando
melhores tomadas de decisão e o desenvolvimento sustentável. As tomadas de decisão
Mestre, UNIARA, Brasil
em políticas, planos e programas (PPPs) podem ser auxiliadas, de modo estratégico, pelo
arquitetura.olmedo@gmail. instrumento Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), de grande utilidade na identificação,
com prevenção e mitigação de impactos ambientais, particularmente os impactos cumulativos e
sistêmicos. Neste trabalho é analisada a aplicação da AAE a planos diretores municipais (PDMs) e
feito um estudo de caso do Plano Diretor do Município de Araraquara (PDMA), a partir de revisão
Nemésio Neves Batista de literatura e leitura crítica do mesmo, a fim de verificar a integração da AAE ao processo de
Salvador planejamento urbano e constatar se o PMDA considera questões ambientais estratégicas para
Professor Doutor, UNIARA, Araraquara, visando o seu desenvolvimento urbano sustentável. Como resultado, são também
Brasil. propostos subsídios e diretrizes para a AAE de PDMs e do PDMA.
PALAVRAS-CHAVE: Avaliação Ambiental Estratégica, Planejamento Urbano, Planos Diretores
nemesio.salvador@gmail.com
Municipais.

ABSTRACT
In the urban planning process the inclusion of the environmental variable aiming at better
decision-making and sustainable development is essential. Decision-making in policies,
plans and programs (PPPs) can be helped, in a strategic way, by the Strategic Environmental
Assessment (SEA), an instrument very useful in identifying, preventing and mitigating
environmental impacts, particularly cumulative and systemic impacts. In this paper is analyzed
the application of the SEA to municipal master plans (MMPs) and made a case study of the
Master Plan of the Municipality of Araraquara (PDMA), based on literature review and critical
reading of the PDMA, in order to verify the integration of SEA to the urban planning process
and whether the PMDA considers strategic environmental issues for Araraquara, aiming at
sustainable urban development. As a result, subsidies and guidelines for SEA of MMPs and the
PDMA are also proposed.
KEYWORDS: Strategic Environmental Assessment, Urban Planning, Municipal Master Plans

RESUMEN
En el proceso de planificación urbana es esencial la inclusión de la variable medioambiental
destinada a una mejor toma de decisiones y al desarrollo sostenible. La toma de decisiones
en políticas, planes y programas (PPPs) puede ser auxiliada, de manera estratégica, por el
instrumento Evaluación Ambiental Estratégica (EAE), que es muy útil para identificar, prevenir
y mitigar los impactos ambientales, en particular los impactos acumulativos y sistémicos. Este
trabajo analiza la aplicación de la EAE a planes maestros municipales (PMM) y realizado un caso
de estudio del Plan Maestro del Municipio de Araraquara (PMMA), basado en una revisión de
literatura y en la lectura crítica del PMMA, con el fin de verificar la integración de la EAE al proceso
de planificación urbana y verificar si el PMMA considera cuestiones ambientales estratégicas
para Araraquara, con el objetivo de un desarrollo urbano sostenible. Como resultado, también
se proponen subvenciones y directrices para la EAE de los PMMs y del PMMA.
PALAVRAS-CLAVE: Evaluación Ambiental Estratégica, Planificación Urbana, Planos Maestros
Municipales.

184
1. OBJETIVO
abordagem ambiental na fase de
O objetivo do presente trabalho planejamento é ser preventivo e
é analisar como o planejamento assegurar alterações minimizadas,
urbano pode incorporar a Avaliação trazendo percepções ambientais
Ambiental Estratégica (AAE), focando da sociedade a partir de iniciativas
o uso e a ocupação do solo, e propor políticas ambientais para agregarem
bases para a AAE de planos diretores ao processo de planejamento
municipais (PDMs), com os devidos urbano. Desta forma, é intrínseca
subsídios para tal. Para isso, foi a compreensão da cidade como um
elaborado um estudo de caso tendo metabolismo urbano, onde deve
como objeto os Planos Diretores de haver harmonia dos ambientes
Araraquara de 2005 e 2014. naturais e construídos e equilíbrio na
esfera socioeconômica.
2. PLANEJAMENTO URBANO,
PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS No Brasil, o parcelamento do solo foi
E AVALIAÇÃO AMBIENTAL regulamentado pela Lei Federal nº
6.766/79 (BRASIL, 1979), a qual,
ESTRATÉGICA conforme Barreiros e Abiko (1998),
De acordo com Santos Junior e prevê o desenvolvimento da cidade de
Montandon (2011), o crescimento forma a costurar o novo tecido urbano
de uma cidade não significa um à estrutura já existente. De acordo
crescimento da qualidade de vida. com o Estatuto da Cidade (BRASIL,
É preciso ter em mente que em 2001), o planejamento urbano
muitas situações tal crescimento deve voltar-se ao direito de cidades
pode ressaltar carências e problemas sustentáveis com participação social.
sócio espaciais urbanos, sendo que o Baseado no Estatuto da Cidade,
modo em que o território se estrutura Falcoski (2007) ressalta aspectos a
não compreende de um instrumento serem considerados para uma cidade
que avalie os impactos ambientais sustentável: movimento social ativo
relevantes das PPPs nos PDMs. e condições de debate, visando
planejar a gestão e incorporar
Em função do crescimento princípios técnicos e políticos;
desordenado, as cidades começaram reorientar o plano diretor com base
a ter a sua qualidade ambiental nas ferramentas do Estatuto da
questionada mediante os inúmeros Cidade para administrar o plano
problemas e impactos que surgiram diretor democraticamente; rever
com o inchaço das mesmas, afetando a metodologia do plano de acordo
tanto os ambientes construídos com os instrumentos urbanísticos
quanto os naturais, tendo como do Estatuto e realizar operações
consequência a baixa qualidade de estritas entre a gestão regional e
vida dos cidadãos (VASQUES, 2015). a gestão ambiental; e a partir dos
impactos das cidades e das agendas
Segundo Correia (2009), a ambientais, propor novos métodos
necessidade de pensar em um urbanos e inovações na gestão
processo de urbanização mais ambiental.
sustentável ganhou força com os
impactos negativos ocasionados pela De acordo com Silva e Vargas (2010),
falta de um ordenamento territorial a não sustentabilidade acontece pela
que se adeque as necessidades má distribuição da população e suas
do momento e futuras. Integrar a atividades no território. Conforme

185
Grostein (2001), a força para o seu processo ligado à PPPs, com o
desenvolvimento se dá a partir intuito de reconhecer e avaliar os
da descentralização de políticas impactos significativos no ambiente
urbanas, tornando-as democráticas, urbano, podendo prevê-los,
de modo a se compreender que a minimizá-los ou mitigá-los.
mobilidade da população, a forma
de ocupar o território e as demandas Na AAE, o sentido estratégico se
habitacionais são aspectos da dá a partir da compreensão real
componente físico-urbanística que se do problema, não tentar entender
relaciona com a sustentabilidade. os sintomas, como ruído, poluição,
perda da biodiversidade etc., mas
Moraes et al. (2008) mostram a avaliar o que leva a tais fatores
importância de um instrumento ocorrentes, onde na maior parte dos
que auxilie os PDMs, pois estes casos, tais causas se dão a partir
têm habilidade em minimizar de políticas e estruturas urbanas
as dificuldades e diversidades (PARTIDÁRIO, 2012). A AAE não
exclusivas que cada cidade carrega, tem uma metodologia exclusiva e
tendo a visão de diversidade cultural, nem é uma técnica unitária, mas
econômica e social como parte de uma matriz de ferramentas que
sua característica, possibilitando compõe diferentes tipos de estágios
inclusão e participação social nas da elaboração de PPPs, sendo útil
políticas públicas e voltando-se ao para desemprenhar a necessidade
desenvolvimento sustentável. de cada particularidade e uma ótima
ferramenta para nortear o Plano
A Política Nacional do Meio Ambiente Diretor nas tomadas de decisão
(BRASIL, 1981) dispõe sobre o (BROWN e THERIVEL, 2012).
processo de licenciamento ambiental
de projetos e empreendimentos, o Com o propósito de prevenir os
qual prevê a avaliação de impacto possíveis impactos negativos que
ambiental destes. Entretanto, PPPs – ou a falta delas pode causar,
segundo Egler (2011), no que diz é recomendado que a AAE seja
respeito ao planejamento, sua ação realizada ao longo do processo
é tardia. de tomada de decisão, de acordo
com Partidário (2012). Contudo,
A Avaliação Ambiental Estratégica Oppermann (2012) defende que
(AAE) aplica-se a PPPs e não a projetos mesmo quando a tomada de decisão
de empreendimentos, que são objeto já ocorreu é válido e ainda em tempo
de Estudo de Impacto Ambiental considerar as contribuições da AAE a
(EIA). A AAE foi regulamentada posteriori, com o intuito de avaliar as
na Comunidade Europeia através decisões e verificar se precisam ser
da Diretiva No. 85/337/CEE adequadas, fornecendo suporte para
(PARLAMENTO EUROPEU, 1985) e, decisões futuras.
segundo Muller et al. (2015), vem
sendo cada vez mais utilizada como 3. METODOLOGIA
um instrumento auxiliar que visa os
impactos cumulativos e sinérgicos O estudo de caso teve como
com uma visão macro, voltando-se objeto o Plano Diretor Municipal
para o desenvolvimento territorial, de Araraquara, devido a sua ampla
podendo ser um grande aliado dos abordagem de questões ambientais
Planos Diretores Municipais, por ter – ver Lei Complementar nº 350/2005

186
(ARARAQUARA, 2005), que sofreu aspectos e atividades relevantes/
alterações que implicaram na principais visando a AAE do
perda considerável destas questões PDMA e PDMs. Esses aspectos e
em sua Revisão de 2014 – ver atividades, relacionados aos temas
Lei Complementar nº 850/2014 estratégicos e envolvendo questões
(ARARAQUARA, 2014). de planejamento e desenvolvimento
urbano, gestão urbana, gestão
A proposição de subsídios para ambiental e sustentabilidade,
AAE no processo de planejamento foram sistematizados por tema e
urbano, desenvolvida no presente relacionados também em um quadro;
trabalho, foi desenvolvida conforme e) análise e discussão, à luz da
as etapas seguintes a) síntese literatura e dos autores pesquisados,
de conceitos e recomendações dos resultados obtidos nas etapas
de autores, a partir de revisão anteriores; f) formulação, a partir
de literatura sobre planejamento da revisão de literatura e da análise
urbano, sustentabilidade, PDMs e e discussão dos resultados, de
AAE, sistematizados em um quadro, propostas/subsídios para atividades
por autor e em ordem cronológica; b) norteadoras da AAE de PDMs e do
leitura e análise dos PDMAs de 2005 e PDMA.
de 2014 e levantamento de aspectos
ambientais relevantes relacionados 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
ao uso e ocupação do solo, passíveis
de serem objeto de AAE; c) As sínteses dos conceitos e
identificação de temas estratégicos recomendações obtidas da revisão
nos PDMs - uso e ocupação do solo, de literatura encontram-se
habitação, infraestrutura, meio apresentadas no Quadro 1 seguinte,
ambiente, socioeconomia e políticas sistematizadas por autor e ordem
e ações públicas; d) identificação de cronológica.

Quadro 1 – Síntese de conceitos e recomendações dos autores


pesquisados.

187
188
189
Fonte: Elaborado pelos Autores (2020), modificado de Olmedo (2020).

Observa-se por meio do Quadro 1 Portanto, o Quadro 2 resulta de


que os conceitos e recomendações revisão de literatura e recomendações
elencados envolvem inúmeros (Quadro 1), que embasa a proposta
aspectos, de grande diversidade, de temas estratégicos a fim de
abrangendo várias áreas do possibilitar a análise. Os aspectos
conhecimento e de atuação no principais/ relevantes apresentados
planejamento urbano e gestão das são produtos viáveis aos Planos
cidades. Praticamente todos os Diretores Municipais em relação
conceitos e recomendações remetem ao uso e ocupação do solo para
para a questão da qualidade de vida, se tratar sua AAE em direção ao
que é o princípio fundamental de uma desenvolvimento urbano sustentável.
cidade que se desenvolve segundo o
processo de sustentabilidade. O Quadro 2, resultante da revisão
de literatura e dos conceitos
A Conferencia Habitat III da e recomendações (Quadro 1),
Organização das Nações Unidas, apresenta os temas estratégicos,
visando a sustentabilidade urbana, os aspectos principais/relevantes e
se baseou em três aspectos atividades identificados, pertinentes
inseparáveis: sociedade, economia e a PDMs e ao PDMA, em relação ao uso
meio ambiente (ONU, 2017), objeto e ocupação do solo, visando a sua AAE
dos conceitos e recomendações para prevenir e mitigar de impactos,
apresentados no Quadro 1. no sentido de um desenvolvimento
urbano sustentável.
Quadro 2 – Aspectos principais/relevantes para o PDMA.

190
191
192
Fonte: Autores (2020), modificado de Olmedo (2020).

193
A partir do Quadro 2 verifica-se Segundo Menzori, Gonçalves e Kellner
no PDMA 2014, que para o tema (2019), Araraquara possui cerca
Saneamento a maior parte das de 845 hectares de lotes e glebas
questões elencadas é recomendada urbanos vazios, sendo que 65%
pela Organização das Nações Unidas são glebas que ultrapassam 10.000
(ONU, 2015) e são estruturantes para a km². Os autores também concluem
governança das atividades propostas, que essa fragmentação da malha
incluindo as de infraestrutura. Tal urbana é de estratégia especulativa
fato é positivo, uma vez que os do mercado imobiliário. Isso acaba
problemas de infraestrutura anulam por sobrecarregar o sistema viário
a sustentabilidade, segundo Costa urbano, sendo que tais ações
et al. (2013) e Vasques (2015). permanecem ativas até o momento
Essa governança foi incentivada oportuno para quem as pratica e, por
pela previsão de um cinturão isso, a sustentabilidade da cidade e a
verde no Plano, antevendo a qualidade de vida de seus moradores
de minimização de conflitos e a acabam sendo prejudicadas.
proteção de cursos d’água, faltando
apenas o controle de vetores, mas Em relação ao tema Paisagem
agregando positivamente em termos Urbana podem ser ressaltados os
hidrológicos e na qualidade de vida. aspectos relacionados à renovação
Isso vai ao encontro do conceito de de áreas abandonadas, tema
Howard (2002) sobre cidades-jardim defendido por Kanashiro (2004).
e à proposta da AAE, de acordo Há necessidade de se posicionar
com Loyaza (2013), de promover contra a deterioração do tecido
crescimento inteligente em nível urbano, preservando a identidade da
setorial, local, regional e/ou nacional cidade, sendo isto um aspecto pouco
(LOYAZA, 2013). abordado no PDMA 2014, no sentido
de promover novos usos aos vazios
Quanto à Mobilidade Urbana, nota- urbanos e a reabilitação e ocupação
se uma menor abordagem em seus de edifícios degradados. Como fato
vários aspectos, influenciados por um positivo, foi abordada a inclusão de
zoneamento rígido e monofuncional, áreas verdes em bairros periféricos
sendo que quando ajustados, têm a e próximos a residências, diminuindo
abrangência da diversidade e inclusão a necessidade de deslocamento para
de toada a comunidade, apresentando se ter visibilidade e acesso a essas
alternativas sustentáveis, segundo áreas, sendo ressaltado por Cullen
ressalta Rogers (2001) apud Silva (2008) que esses são objetivos
e Romero (2010). Para o PDMA importantes a qualidade de vida dos
2014 esses aspectos foram também habitantes de uma cidade.
influenciados pela exclusão de outros,
ocorrida na revisão do PMDA 2005, Os aspectos relacionados ao tema
no sentido da cidade fragmentada, Recursos Ambientais tiveram
que Harvey (2000) critica. Ele propõe pela leitura do PDMA 2014 uma
o conceito de comunidades urbanas abordagem adequada no tocante a
finitas, para deter a expansão conservação ambiental e promoção
territorial desnecessária, assim de biodiversidade, em função do
como Muller et al. (2015) também cinturão verde proposto. Por outro
o defendem, com base nas boas lado, segundo Menzori, Gonçalves
práticas da AAE, que visam evitar e Kellner (2019), é visto a partir de
os efeitos das mudanças no espaço. elaboração de mapas com Sistemas

194
de Informação Geográfica uma da cidade considerando a inserção
grande e crescente ocupação do solo de tais habitações, que devem
na direção das nascentes do Ribeirão ser amparadas por equipamentos
das Cruzes e do Ribeirão de Ouro, urbanos comunitários e adequada
reforçando a questão de interesses infraestrutura. Silva e Vargas (2010)
especulativos do mercado imobiliário, também mencionam sobre as favelas
em detrimento da conservação não estarem inseridas legalmente
ambiental. De acordo com e Costa na cidade, ficando sem auxilio
et al. (2013), as mudanças do técnico e jurídico e investimentos
solo podem resultar em aspectos urbanísticos, contrariando os três
negativos na hidrologia, morfologia R urbanísticos da cidade-jardim
e vegetação, o que não ocorre neste citados por Fernandes (2007) -
caso. Embora tenha sido abordado, redução do espaço urbanizável,
o estímulo a outras atividades reciclagem da cidade e reutilização
sustentáveis e à pesquisa cientifica das heranças naturais, sendo as
em meio ambiente não foram habitações um excelente fator para
pautados devidamente, tampouco se colocar em prática este conceito
o aproveitamento sustentável de ao escolher suas localizações na
recursos naturais, como por exemplo, morfologia urbana. Sobre isso, a AAE
o incentivo ao plantio de árvores na se posiciona em suas boas práticas
cidade faltando integrar elementos como alternativa para processos de
naturais e culturais, o que vai ao decisão mais democráticas (BROWN e
encontro boas práticas da AAE, as THERRIVEL, 2012), podendo prevenir
quais, segundo Partidário (2012), desocupações forçadas e sendo
tratam de questões ambientais, hábil na adequação das políticas
políticas, econômicas e sociais para o habitacionais ao contexto em que
desenvolvimento sustentável, e não se inserem, por ser, segundo esses
apenas efeitos ambientais. autores, uma ferramenta criativa de
formulação e reformulação de PPPs.
O tema Habitação apresenta aspectos
voltados ao atendimento das O tema Sociedade é deficiente no
demandas habitacionais; no entanto, PDMA 2014 quanto a motivação e
não condizem totalmente com os participação social sem distinção nas
Objetivos de Desenvolvimento tomadas de decisão, transferindo
Sustentável da Agenda 2030 da ONU, parte do poder decisório ao público
que recomenda a inclusão e foco e tornando o planejamento urbano
em grupos vulneráveis, tornando os democrático, assim como se
assentamentos seguros, resilientes posiciona a AAE, conforme Partidário
e sustentáveis (ONU, 2015). A (2012). Santos (1999) afirma que
norma NBR 9284/86 (ABNT, 1986) é crucial para uma cidade saudável
estabelece o suporte que este tipo de que a sociedade se reconheça como
moradia deve ter, sendo fundamental parte da identidade dela, ampliando
a existência de equipamentos o sentimento de zelo e minimizando
urbanos e infraestrutura e aponta a insegurança. Esses aspectos foram
para a insuficiente abordagem em parcialmente abordados pelo PDMA,
relação a eles nos programas de devido a relação que um tema possui
unidades habitacionais. Moraes com outro; por exemplo, se o tema
et al. (2008) e a ABNT (1986) Habitação se encontra prejudicado,
ressaltam que atender as demandas como consequência o tema Sociedade
habitacionais é focar na morfologia carecerá de motivação e coesão

195
social. adequadamente seus respectivos
aspectos, mas falha quanto a
No tema Economia, a deficiente estruturá-los estrategicamente, a
abordagem no PDMA é quanto fim de correlacioná-los e integrá-los
ao estímulo da variedade de e promovendo, consequentemente, a
atividades no tecido urbano, o correlação e a integração também dos
que, segundo Kanashiro (2004), diversos temas. São estabelecidas
proporciona um envolvimento real no PDMA políticas e ações de cunho
e desenha a cidade para todos. ambiental, fato essencial, segundo
Em contrapartida, o crescimento Willeman (2007), como um direito de
horizontal de empreendimentos terceira geração. Outras deficiências
que não são contidos causa de abordagem do Plano são a não
segregação social, desestruturando consideração de sua própria AAE
a identidade da cidade através de e a ausência de previsão de ações
um cenário de contraste hostil. de governança para algumas das
Silva e Vargas (2010) reportam questões e ações ambientais e de
sobre este cenário do mercado monitoramento e avaliação das
imobiliário, onde são impostos mesmas. O desconhecimento e a
lugares carentes de infraestrutura falta de informação do que consiste
para parcela da população, privando- uma AAE e do seu potencial em
as de equipamentos que garantem planejamento urbano (MULLER et
uma melhor qualidade de vida. al., 2015), afetam sua integração aos
Em Araraquara, o crescimento da PDMs, fato explicado ou agravado
quantidade de imóveis e grande por ela não se encontrar ainda
número de lotes produzidos trouxe regulamentada no Brasil.
uma alta concentração de áreas
novas loteadas distantes do centro Em suma, a revisão de 2014 do
urbano, implicando diretamente na PDMA excluiu uma parcela de
economia da cidade e resultando tópicos relevantes que norteavam
em desequilíbrio econômico e o Plano Diretor no sentido do
custos elevados de infraestrutura desenvolvimento sustentável. De
(GONÇALVES e CARVALHO, 2020). acordo com Gonçalves e Carvalho
A AAE pode contribuir no tocante à (2020), as alterações sofridas no
economia, pois fomenta, de acordo PDMA tiveram o intuito de alterar
com Sánchez (2008) e Partidário o zoneamento urbano a fim de
(2012), a cooperação institucional favorecer a especulação imobiliária,
e diálogos que evitam conflitos, determinando um processo de
influenciando na formulação e produção espacial segregativo e
reformulação de PPPs, quando negativo à população e ao meio
necessário. A boa abordagem ambiente.
do PDMA 2014 neste tema se
deve a proposições de ações de 5. BASES PARA A AVALIAÇÃO
cooperativismo e de pesquisas AMBIENTAL ESTRATÉGICA DO
e métodos que fortaleçam o PLANO DIRETOR MUNICIPAL
desenvolvimento em diversos setores
da economia e barateiem materiais e
DE ARARAQUARA E DE PLANOS
obras públicas. DIRETORES MUNICIPAIS

Políticas e Ações é um tema A seguir, são apresentadas as bases


que, em linhas gerais, abordou recomendadas para a AAE, tanto

196
para a revisão do PDMA quanto de AAE, no tocante ao uso e ocupação
para PDMs em geral quanto ao uso do solo, adicionalmente a avaliação
e ocupação do solo, com subsídios e de impactos.
atividades definidos em função dos
resultados anteriores. Recomenda- 6. CONCLUSÕES
se, portanto:
Por se tratar de um estudo de caso
• No tocante ao uso e ocupação do que foi utilizado como exemplo para
solo do PDM, contar políticas e planos a aplicação da AAE em PDMs, pode-
correlatos, bem como embasamento se dividir as conclusões sob dois
legal, posturas e regulamentos; pontos de vista – geral e pontual.
• Considerar Zoneamento Ambiental
ou Zoneamento Econômico- Do ponto de vista geral, conclui-
Ecológico, estudos de biodiversidade, se que a metodologia utilizada é
hidrológicos, sociais etc., como bases adequada para aplicação em PDMs,
de referência; sendo possível a utilização dos temas
• Gestão e condições do Saneamento tratados neste trabalho para a AAE
no município, como abastecimento, de PPPs e impactos relacionados
uso racional e reaproveitamento da ao uso e ocupação do solo. Infere-
água, drenagem urbana, tratamento se também que por a AAE atuar de
de esgotos e resíduos sólidos; forma ampla, não se atendo em
• Habitações acessíveis e supridas questões pontuais, mas sim de forma
as demandas, de suporte técnico mais abrangente, como em PPPs, a
jurídico para autoconstruções e de qualidade de vida, a sustentabilidade
viés sustentável; e o embasamento legal são aspectos
• Inibição de especulação imobiliária que perpassam todos os temas
com regulação e mecanismos; objeto de AAE, devendo ser tratados
• Inclusão das habitações de de forma sistêmica e integrada aos
interesse social no desenho urbano e demais aspectos.
apoio aos grupos vulneráveis;
• Mobilidade urbana incentivada Pontualmente, é constatado que
pelos transportes alternativos, o PDMA de 2005 seguia para um
sustentáveis, com adoção de processo de urbanização mais
tecnologias limpas e sistemas sustentável e que a exclusão
operacionais inovadores, bem como no PDMA de 2014 de parcela de
vias peatonais com tratamento aspectos ambientais importantes,
adequado; faz com que os aspectos mantidos
• Participação social e inclusão percam força em razão da falta de
de todas as classes facilitada por conexão com aqueles excluídos,
mecanismos de representação; reduzindo a visão da cidade como
• Revitalização e inovação da cidade, um organismo, que atua de modo
redescobrindo o centro e suprindo orgânico e fluído. Para o PDMA, bem
a demanda dos equipamentos como para todos os PDMs que forem
comunitários; objeto de AAE, é necessário que haja
• Patrimônio cultural valorizado sem um monitoramento dos mesmos, a
perder a modernidade da cidade, fim de atingir os objetivos e metas
reabilitando áreas degradadas e intencionados e permitir a correção
incentivando uso dos vazios urbanos; de rotas na condução dos Planos.
• Verificação quanto a abordagem Para os PDMs já estabelecidos, o
da sustentabilidade nos PDMS objeto de Araraquara, a AAE tem a função

197
de nortear o processo decisório BRASIL. Lei Federal nº 6.766/79,
futuro, sendo hábil em apontar as de 19 de dezembro de 1979: Dispõe
oportunidades e riscos ambientais, sobre o Parcelamento do Solo Urbano
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Sustentabilidade urbana: raízes,

201
Terra, moradia e alimento: O assentamento humano
contemporâneo e a produção biodinâmica de alimentos
como agentes transubstanciados da paisagem.
Land, housing and food: The contemporary human settlement and
the biodynamic production of food as transubstantiated agents of the
landscape.

Tierra, vivienda y alimentación: El asentamiento humano contemporáneo y


la producción biodinámica de alimentos como agentes transubstanciados
del paisaje.

Kelly Cristina Magalhães RESUMO


Professora Doutora, UNESP, Atualmente, as pessoas em todo o mundo se organizam em cidades. Hoje, passamos de seis
milhões para seis bilhões de exploradores de uma biosfera cuja resiliência da paisagem não
Brasil
pode mais ser presumida. É preciso, então, nas cidades, tentar satisfazer os múltiplos interesses
kelly.magalhaes@unesp.br humanos das mais variadas formas. Como uma das questões indutoras da investigação,
delimitamos premissas para o projeto da paisagem, partindo da discussão sobre a polêmica
Cristina G. Mendes da ausência de políticas públicas inclusivas de acesso à moradia. Efeito dessa escassez está
o afastamento do Estado, e o consequente fortalecimento de movimentos sociais de luta por
Brasileira moradia transforma o cenário de pequenas no interior do país, como o caso de Bauru-SP. Temos
itacgm@yahoo.com.br como exemplo o Movimento Social de Luta dos Trabalhadores (MSLT), que defende o direito
à moradia para famílias de baixa renda e busca promover o direito ao acesso à terra para a
população mais vulnerável no município em questão, bem como em localidades vizinhas.
Analisam-se, fundamentalmente, três aspectos, quando possível:
1. O acesso à terra como dimensão da noção de território, premissa que possibilitou uma
investigação sobre as condições de acesso à moradia como espaço para a produção de alimento
a partir da aproximação com assentamentos dos movimentos sociais, 2. Na mesma escala
crescente é a demanda de literaturas referente a produção de alimentos associada a nutrição
para o desenvolvimento humano, 3. Em última instância a aproximação dos entes cidade e
floresta para compreensão dos problemas em torno da imersão da cidade na mata de cerrado
e tirar alimento.
PALAVRAS CHAVE: 1. Terra pública, 2. Movimentos sociais, 3. Produção de alimento, 4.
Projeto da Paisagem.
RESUMEN
Hoy en día, la gente de todo el mundo se organiza en ciudades. Hoy, hemos pasado de seis
millones a seis mil millones de exploradores en una biosfera cuya resiliencia del paisaje ya no
se puede asumir. Es necesario, entonces, en las ciudades, tratar de satisfacer los múltiples
intereses humanos de las más variadas formas. Como una de las preguntas que condujeron
a la investigación, definimos premisas para el proyecto de paisaje, a partir de la discusión
sobre la polémica sobre la ausencia de políticas públicas inclusivas en el acceso a la vivienda.
El efecto de esta escasez es la destitución del Estado, y el consiguiente fortalecimiento de los
movimientos sociales que luchan por la vivienda transforma el escenario de los niños pequeños
en el interior del país, como es el caso de Bauru-SP. Tenemos como ejemplo al Movimiento
Social por la Lucha de los Trabajadores (MSLT), que defiende el derecho a la vivienda de las
familias de escasos recursos y busca promover el derecho al acceso a la tierra de la población
más vulnerable del municipio en cuestión, así como en localidades aledañas.
Fundamentalmente, se analizan tres aspectos, cuando es posible:
1. El acceso a la tierra como dimensión de la noción de territorio, premisa que permitió investigar
las condiciones de acceso a la vivienda como espacio para la producción de alimentos desde
el abordaje de asentamientos de los movimientos sociales, 2. En la misma escala creciente se
encuentra el demanda de literatura referida a la producción de alimentos asociada a la nutrición
para el desarrollo humano, 3. En definitiva, reunir a las entidades de la ciudad y el bosque para
comprender los problemas que rodean la inmersión de la ciudad en el bosque de sabana y la
toma de alimentos.
PALABRAS CLAVES: 1. Territorio público, 2. Movimientos sociales, 3. Producción alimentaria,

202
4. Proyecto de paisaje.

RESUME
Today, people around the world organize themselves into cities. Today, we have grown from six
million to six billion explorers in a biosphere whose resilience of the landscape can no longer
be assumed. It is necessary, then, in cities, to try to satisfy the multiple human interests in the
most varied ways. As one of the questions that led to the investigation, we defined premises for
the landscape project, starting from the discussion about the controversy regarding the absence
of inclusive public policies on access to housing. The effect of this scarcity is the removal of the
State, and the consequent strengthening of social movements fighting for housing transforms
the scenario of small children in the interior of the country, as in the case of Bauru-SP. We have
as an example the Social Movement for the Struggle of Workers (MSLT), which defends the
right to housing for low-income families and seeks to promote the right to access to land for the
most vulnerable population in the municipality in question, as well as in neighboring locations.
Fundamentally, three aspects are analyzed, when possible:
1. Access to land as a dimension of the notion of territory, a premise that enabled an investigation
into the conditions of access to housing as a space for the production of food from the approach
to settlements of social movements, 2. On the same growing scale is the demand for literature
referring to food production associated with nutrition for human development, 3. Ultimately,
bringing together city and forest entities to understand the problems surrounding the immersion
of the city in the savannah forest and taking food.
KEYWORDS: 1. Public land, 2. Social movements, 3. Food production, 4. Landscape project.

1. INTRODUÇÃO deste artigo apresentar elementos


para dar complexidade ao projeto da
A cidade contemporânea brasileira, paisagem, no âmbito do exercício de
na perspectiva do novo ordenamento disciplina do Curso de Arquitetura,
democrático colocado pelo Estatuto Urbanismo e Paisagismo, articulando
da Cidade (Lei 10.257, de 21 de a urgência da destinação de terras
dezembro de 2001), passa pela públicas, a partir da definição de
necessidade da discussão da parâmetros projetuais.
destinação de terras urbanas até o
momento sem uso. Como se sabe, Ante a esse debate, tomamos o
o Estatuto incide diretamente sobre termo paisagem como base teórica
terras particulares fazendo com que para delimitação dos temas de
essas exerçam a sua função social, projeto considerando que paisagem
preconizada pelo movimento de é o termo polissêmico que congrega
Reforma Urbana dos anos 1970 e as ferramentas necessárias para
1980. As terras públicas formam uma nova práxis urbana no âmbito
um acervo de áreas que estão sob a do caráter planificador do pensar
tutela da Secretaria de Patrimônio da a cidade. Apoiar-se no estudo da
União- SPU e outros órgãos federais, paisagem implica considerar que os
sendo estes órgãos responsáveis objetos sobre o meio físico estão
pela administração de terrenos em constante transformação. Assim,
e bens imóveis, sem, contudo a partir de um novo olhar sobre o
responsabilizar se pelo destino par cidade-natureza poderá render
dessas áreas. Por ser pública, a às ciências urbanas uma nova ética
propriedade tem na sua essência a e uma nova maneira de se pensar
função social e assim, a função social a paisagem primando por sua
não precisa ser reafirmada. Deste resiliência (MAGALHÃES, 2016, p.
ponto, coloca-se como objetivo 34).

203
Conceber um projeto da paisagem novas formas de legitimidade da
implica em considerar que está em ação. Para Sampieri (2008), “a força
transformação a postura do principal da paisagem é a capacidade de
mediador, portanto a revisão das gerenciar a heterogeneidade através
formas de conceber esse projeto uma espécie de nebulosa envolvente,
também devem ser alterados. No capaz de tornar inofensiva a
primeiro momento, o mediador é o pluralidade, para expurgar o conflito.
Observador, considerado como um “Dentro da paisagem cada um
expectador, mas imprescindível para encontra o seu lugar” (SAMPIERI,
ser detectada a paisagem como 2008, p. 58).
objeto de estudos. Posteriormente,
o mediador assume a postura do Em outra escala, opta-se pela análise
transformador, porque passa a da sobreposição e justaposição dos
dotar-se de meios e modos de elementos morfotipológicos da cidade
transformá-la constantemente. Com e da sua relação com os elementos
a emergência das inovações das constituintes das áreas protegidas
técnicas de transformação, exige- localizadas nas imediações do núcleo
se uma espécie de Jardineiro, apto urbano. De certa forma, invoca-
à transformação dessa paisagem, se uma pauta para protocolar o
é aquele que detém conhecimento assentamento humano, na escala
para modificar de maneira, cada vez da comunidade e de uma freguesia
mais veloz, esse jardim. A cidade sustentável. Como ordem geral,
moderna, sua forma e seu conteúdo, incubar um modelo de residência
é resultante deste estágio de artística-bioeconomia, uma casa auto
concepção da paisagem. A velocidade suficiente e que produz monetização.
de transformação é requisito Promover a aproximação da realidade
fundamental para entendermos do assentamento com Política
como esse conhecimento acelera Públicas de quintais verdes, como
e oferece elementos para o Gestor programa renda mínima, a partir da
da paisagem tomar medidas apresentação de uma área urbana de
fundamentais para o projeto da 12 m².
cidade na contemporaneidade
A paisagem é, em última instância,
Neste sentido, a emergência de a forma que melhor responde
uma nova concepção da cidade. a interpretação das constantes
Porém, uma cidade não mais apta mudanças do espaço social construído
a constantes renovações, mais e edificado. Assim entende-se que
espalhada no território, e inerte pelas ela pode ser pensada e organizada
aporias aos modelos ecológicos, tem para que tais forças se equilibrem no
a paisagem como a novidade, e sentido de melhor extrair do espaço
torná-la como ferramenta no modo natural formas de vida. E para isto
novo de pensar/organizar/gerir a deve ser projetada. Que projeto
cidade é objeto de interesse para um da paisagem queremos? Como é
projeto da paisagem. possível associar terra, moradia e
produção biodinâmica de alimentos
A paisagem torna-se o instrumento em assentamentos humanos na
através do qual podemos abordar cidade contemporânea?
a complexidade da cidade
contemporânea, encontrando em
categorias aparentemente obsoletas,

204
2. TERRA E TERRITÓRIO:
anos 1980. O parcelamento feito
MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA POR nesta época era feito com o desbaste
MORADIA NO INTERIOR DO ESTADO excessivo de áreas vegetadas. A
DE SÃO PAULO lógica de oferta desses lotes é a
disponibilidade dessas terras para
2.1 LUTAS POR TERRA E LUTAS POR famílias de baixíssima renda e em
TERRITÓRIO lugares muito distantes da área
central da cidade, bem como da oferta
Na atualidade, em resposta ao de bens e serviços. Os lotes têm
processo de consolidação de políticas facilidade de acesso pelo baixo custo
públicas que exclui as classes mais e ficam à espera das benfeitorias.
baixas do acesso à políticas de
habitação, os movimentos sociais No caso da ocupação do assentamento
de luta por moradia se espalharam Nova Canaã, que teve seu início no
pelo Brasil, em consonância com os ano de 2013 com a chegada de cerca
movimentos de luta pela terra. Dentre de 300 famílias, em sua maioria
esses movimentos, podemos citar o desempregados ou trabalhadores do
MST (Movimento dos Trabalhadores mercado informal e permaneceu nas
Sem Terra) que enfrenta um embate terras até janeiro de 2019.
para o acesso à terra pela Reforma
Agrária, ao mesmo tempo que A ocupação foi paulatina e, ao final de
movimentos sociais propagados em 2018, o acampamento contava com
meados do século XX, assumiram 670 famílias. O número de acampados
a pauta nas cidades. Atuando no e as condições precárias do
interior do Estado de São Paulo, mais acampamento forçaram o Ministério
especificamente na cidade de Bauru, Público a elaborar um Termo de ajuste
o MSLT (Movimento Social de Luta de conduta (TAC), que permitiria a
dos trabalhadores Campo e Cidade) permanência destas famílias por
tornou-se elo entre os excluídos dos até três anos. O período do acordo
sistemas de habitação de interesse refere-se ao tempo necessário, que
social e a vida urbana. o município considerou suficiente,
para produzir programas de moradia
O modus operandi do MSLT tem e finalmente atender às demandas
sido através de ocupações de terras da população de baixa renda,
públicas, a fim de possibilitar a contados da data de assinatura
imediata regularização de uso e do documento. Nele constavam as
ocupação dessas áreas. Nestes casos, obrigações da prefeitura para com
a viabilidade de sua Regularização as famílias, tais como fornecimento
Fundiária, bem como a permanência de caminhões pipa com 5000 litros
dessas famílias nas áreas ocupadas, de água, transporte das crianças até
é facilitada e se torna um estímulo à as escolas, transporte público até o
ocupação. acampamento. Antes de uma decisão
judicial, as famílias não poderiam
A implantação se deu em área já construir casas de alvenaria, pois a
parcelada aproximadamente nos permanência não estava certa.

205
Figura 1: Casas construídas em madeira para abrigar famílias no Nova
Canaã.

Fonte: os autores, julho de 2018.

Deste momento, iniciou-se uma que se quer alcançar: a comunidade


luta para dar visibilidade à situação de habitantes do assentamento,
enfrentada por essas famílias e as lideranças, a comunidade em
a Universidade Estadual Paulista a comunidade de habitantes do
(UNESP) – se envolveu de diversas assentamento geral e uma equipe de
formas através dos cursos de proponentes, alunos e professores.
Jornalismo, Educação física e a
Arquitetura. A junção das pautas terra, moradia
uniram desde o ano de 2017
No caso do curso de Arquitetura, lideranças e famílias pertencentes
urbanismo e Paisagismo que tinha aos movimentos sociais e o poder
como objetivo desenvolver uma público, àquela época disposto a
proposta projetual, em nível de estabelecer níveis de negociação de
extensão universitária para prestar regularização fundiária de inúmeras
atendimento à uma comunidade em famílias em busca de moradia
situação de risco. Coloca-se assim,
uma alternativa do projeto aos A terra pública, aquela que não foi
processos convencionais da lógica incorporada a esse processo de
de produção do espaço urbano e urbanização, pode ser entendida
da moradia, que historicamente como o acervo de patrimônio público
se fundamenta na especulação que facilmente dará condições de
imobiliária, na degradação ambiental famílias, que hoje não tem onde
e exclusão sócio territorial, presente morar, se instalarem. Assim como
nas cidades brasileiras (Increase, seu destino, em razão da ineficiência
2019). gerada pelo mau uso, por suas
dimensões e pelas oportunidades
Com o intuito de garantir uma que oferecem para a consecução
devolutiva, mediante a entrega dos de objetivos específicos, podem ser
projetos ao líder do movimento, aferidos e melhor geridos. Sendo
pois entendemos que o projeto assim, é fundamental para garantir
assume o status de instrumento de o acesso à terra e o desenvolvimento
politização, para que através dele a de grandes projetos de urbanização,
comunidade possa exigir melhorias apreender os seguintes aspectos:
no seu ambiente, isto acarreta a Como se dão as reservas de terra para
maior proximidade com os atores o uso público e se informam sobre

206
o uso da paisagem? De que forma da reforma agrária e sobre a
ocorre a oferta do verde nesse espaço? regularização fundiária no âmbito
Quais os elementos mais marcantes da Amazônia Legal” bem como
e suas formas espaciais, bem como “institui mecanismos para aprimorar
a diversidade desses componentes a eficiência dos procedimentos de
estruturantes da paisagem? Quais as alienação de imóveis da União; e dá
dinâmicas entre esses elementos e outras providências”.
as continuidades possíveis de serem
apreendidas entre eles no espaço? Assim também, vale a pena
Como as dinâmicas estabelecem a mencionar o acervo imobiliário do
mecânica da preservação e proteção Instituto Nacional de Colonização
dos recursos naturais e como e Reforma Agrária (INCRA), que
consideram a sustentabilidade da detém inúmeros imóveis em meio ao
sócio biodiversidade e a cultura da ambiente urbano em várias regiões
autonomia permanente? do país, concentra terras oriundas
dos terrenos. Como afirma Maricato
2.2 NOVO DESENHO DAS LUTAS (2008) Essa concentração fundiária
SOCIAIS E A QUESTÃO DA é catalisadora de processos que
DISPONIBILIDADE DE TERRAS PARA desencadeiam o verdadeiro abismo,
de renda e desigualdade, existente
PRODUÇÃO DE ALIMENTO entre ricos e pobres; é também
De ordem das diretivas de entidades um dos obstáculos para a reforma
que regulam a profissão do urbana e para a implementação de
Arquiteto Urbanista, cria-se assim uma política inclusiva de acesso à
uma plataforma de interlocução da terra “seja no campo ou na cidade,
população com os técnicos, no âmbito a propriedade da terra continua a
da formação do curso de arquitetura ser um nó na sociedade brasileira”.
e urbanismo, ao tomarmos a terra Vale ressaltar que a concentração da
pública como importante meio de propriedade privada da terra no Brasil
debate urbano e de acesso à moradia. se situa no centro do conflito social,
Tais discussões são alicerçadas pelas alimenta processos de desigualdade
ações em ATHIS- Assistência Técnica entre ricos e pobres e a tradicional
em habitação de Interesse Social, relação entre propriedade, poder
previstas na Lei 11.888 de 24 de político e poder econômico.
novembro de 2008, que em seu artigo
1° “assegura o direito das famílias A notícia é alarmante e dá destaque
de baixa renda à assistência técnica à região de Bauru como “o novo
pública e gratuita para o projeto e a Pontal do Paranapanema” em 2017,
construção de habitação de interesse “denominação que foi dada por conta
social, como parte integrante do da dimensão de áreas improdutivas
direito social à moradia previsto n°6 e devolutas e pelo fato de a região
da Constituição Federal”. ser considerada o principal foco
de conflitos de posses em todo o
Quanto à orientações de abordagem Estado” (JCNET, acesso 15/10/2019),
da Lei de Regularização fundiária, e que possibilitou inserção destas
toma-se os ditames da Lei 13.465, terras na agenda de debates sobre
de 11 de julho de 2017 que “dispõe a disponibilidade de terras para
sobre a regularização fundiária rural o assentamento de populações e
e urbana” e “sobre a liquidação de fortalecimento dos movimentos de
créditos concedidos aos assentados luta por moradia.

207
A cidade de Bauru está localizada Entendendo que a agricultura
na franja de conquista do oeste do determina a organização dos recursos
Estado de São Paulo, ocupação que naturais, a começar pela fronteira
se deu tardiamente em meados do dos recursos hídricos e a ocupação do
século XIX. Por um longo período, a solo, estes por sua vez determinam
região ficou conhecida como Sertão a construção e gestão da paisagem.
de Bauru, onde pioneiros mineiros, O avassalador crescimento da
desinteressados de participar da demanda por alimento estabeleceu
Guerra do Paraguai, se embrenhavam “a questão das relações entre os
na conquista de terras, porém os indivíduos, as sociedades e os meios
habitantes indígenas da região eram ecológicos”. Naturalmente confronta
temidos e isto dificultou o acesso de a cultura da chamada “psicologia
exploradores. bandeirante” com a cultura natural
da organização social da paisagem.
Logo, a questão do crescimento E não menos adiante, esse sistema
urbano poderá ser compreendida agrícola projetado para sustentar as
pelo crescimento do interesse fronteiras, frutos de tal “psicologia”,
em parcelar terras e inseri-las no contém o risco (in)sustentável para a
mercado imobiliário, bem como o permanência da vida entre os reinos.
meio legal estabelecido por bases Dissociando o sentido da sócio
políticas para implementação de biodiversidade funcional da base
instrumentos e técnicas de controle da sustentabilidade e do progresso,
do uso do solo urbano. Tais formas rompendo com os sentidos da
de controle, em geral, tratavam-se educação, da produção de alimentos,
ditames estaduais ou federais, que nutrição e da moradia. Da ecologia
pouco compreendem características do assentamento humano associada
locais e possíveis parâmetros para a transubstanciação da paisagem
o desenho urbano. Assim, as formas construída. Cultura do progresso
tradicionais de incorporação de pautada na produção da indústria
novas áreas às áreas urbanizadas da desnutrição. A doença como
foram sempre acompanhadas por mecânica da sobrevivência. As
um conjunto de regras sem qualquer fronteiras estabelecidas nutrindo a
indicativo de se discutir qualidade cultura à miséria, do saneamento. O
espacial e estética, questões agronegócio e a crise da soberania
ambientais, melhora adequação alimentar, a monetização perante a
das áreas livres de edificação, entre cultura de desproteção da natureza,
outros aspectos. através dos programas políticos para
alteração das Leis de preservação,
Embora não haja, entre os milhares em detrimento da qualidade de
de municípios brasileiros, um cenário vida e hábitos sociais. A saúde e a
único quanto à gestão das terras alimentação. A paisagem associada
públicas municipais, destacam-se a sócio biodiversidade, a cultura de
algumas características comuns. proteção à natureza. A saúde pública
As terras públicas municipais foram embasando a gestão sistêmica de
originadas, principalmente, por resíduos, a preservação dos corpos
terras devolutas existentes nas áreas hídricos, a ocupação e uso do solo. A
urbanas e pela doação de áreas política de resíduos como base para a
públicas por ocasião do parcelamento irrigação, nutrição e a monetização.
do solo para fins urbanos. A vertigem democrática da ganância
verticalizada.

208
2.3 O QUINTAL COMO ATRIBUTO DO
função do seu envenenamento por
TERRITÓRIO PARA O PROJETO DA meio de agrotóxicos e de adubação
PAISAGEM balanceada em três elementos, a
saber, Nitrogênio, Fósforo e Potássio
A partir da observação analítica e (NPK). Daí a declaração que aponta
propositiva, coloca-se a hipótese para uma forma de agricultura que
de projeto para a criação de células não envenena a Terra e seus frutos e
agroecológicas urbanas, os “quintais que pode se associar ao saneamento
verdes”. Pensar o Quintal como das águas (wetlands construídas) e
unidade mínima de recuperação a recuperação de áreas degradadas,
das características do bioma, bem como gerir a produção de
associado ao uso do espaço da insumos e resíduos.
cidade. Os quintais verdes podem
ser considerados como a menor A agroecologia pode erradicar a fome
parte da presença de uma Reserva oculta no sentido de que traz uma
de natureza na cidade, atribuindo produção de alimento norteada por
novos valores à esta unidade e esta um plano de manejo que considera a
por sua vez construindo a paisagem, nutrição e o desenvolvimento humano
pode-se favorecer a observação dos para balancear a fertilidade do solo.
fenômenos naturais e também os Além disso, o sistema é pautado pela
sociais, fomentando novos impulsos preservação do patrimônio natural,
de organização e entretecimento da favorecendo a natureza regenerativa
trama social e ambiental, contribuindo da terra, especialmente no tocante
na construção de uma paisagem ao solo e à água (ALTIERI, 1989, pág.
onde o ser humano e a natureza 240; CAPORAL, F.R., COSTABEBER,
atuam associadamente. Edificando J. A., PAULUS, G., 2006).
a ecologia da sustentabilidade e da
preservação aos recursos naturais. O manejo agroecológico, além
de significar o fortalecimento do
Apresenta-se aqui uma sequência de trabalhador do campo, é o que
ações, como estratégias, combinando podemos nos referir como sendo
a produção de alimentos à áreas de uma salvação para a lavoura, e
moradia, ativando a cultura agrícola abre a perspectiva da cultura dos
urbana relacionada com a dinâmica quintais verdes, quando estes
doméstica – daí a ideia defendida espaços domésticos, rurais ou
de “quintais verdes” ou, em outras urbanos, sejam recompostos como
palavras, da conversão desse espaço células biodinâmicas produtoras
tão enraizado na cultura brasileira de alimentos, áreas de refúgios e
em uma célula produtiva, adotando zonas de conforto térmico e estético.
princípios agroecológicos como Um equipamento da paisagem
eficaz produção e recuperação de organizada.
solos poluídos e esgotados em meio
ao ambiente urbano. Nessa revisão conceitual, o habitat
humano urbano pode se tornar o
Representar uma possibilidade para centro responsável pela nutrição
erradicação da fome oculta, ou seja, familiar, fomentando saúde, bem-
cada quintal permitir o abastecimento estar e qualidade de vida em função
dos nutrientes funcionais - uma das desse uso combinado da moradia.
faces da fome atual, não em função
da ausência do alimento, mas em Sendo a moradia a célula que compõe

209
a cidade, entendemos que é possível, Defender a cultura dos quintais
a partir de sua gestão renovada, verdes é contribuir para a promoção
avançar para uma governança no da paisagem produtiva, uma
sentido de erradicar a fome oculta inversão na jornada de produzir
e uma de suas consequências - a alimentos. A partir de saberes
miséria, permitindo que se descortine ancestrais, propor a recriação do
um sistema economicamente viável, desenho do assentamento humano,
social e justo. numa linguagem bio arquitetônica,
que propõe no centro da morada
3. CULTURA DOS QUINTAIS, RUAS, a produção de alimentos. Essa
BAIRROS, CIDADES E VERDES linguagem fomenta o cultivo dos
quintais freguesias, produzindo e
O organismo urbano faz da cidade um criando um lastro para nutrir uma
ser doente, ou em estado constante de feira agroecológica de economia
constipação, dependente de insumos solidária.
externos como água, energia,
alimento, materiais para a construção 4. CONCLUSÕES
civil e manutenção, estruturas para
possibilitar o saneamento básico, Aqui propõem se uma intensa
num ciclo de dependência que gera reflexão sobre o uso da terra pública
mais dependência. Observando de para fins de habitação e melhoria na
forma atenta, percebe-se que, para qualidade de vida em acampamentos
construir a morada contemporânea de uma população a margem das
lida com a terra através de uma políticas de acesso a moradia. Nesta
cultura de degradação, à custas de atividade, a proposta dedica-se a
imensos prejuízos não incluídos no pensar ecologicamente o desenho
cômputo econômico e debitados a do bairro, de maneira que possibilite
posteriori (futuro das gerações), um entrelaçamento da estrutura
provocando um ciclo de erosões em construída com os elementos da
série, afetando o solo, a água e a natureza. A aproximação dos entes
biodiversidade. cidade e floresta para compreensão
dos problemas em torno da imersão
Esse modelo já explorou os recursos da cidade na mata de cerrado e
naturais de tal forma que colocou a relação das populações com os
em risco sua matriz energética – fragmentos remanescentes da
propiciando uma erosão genética vegetação predominante no sítio
em larga escala e por consequência onde se instalou a cidade de Bauru.
desfavorecendo a diversidade dos
alimentos, além disso, esgotando A cultura de agrofloresta urbana
suas bases, conduzindo-as para um através dos quintais verdes possibilita
ponto de saturação e levando um produção de alimentos e a gestão
grupo de especialistas e governos, sistêmica de resíduos; o manejo
representantes de 193 nações, a agroecológico biodinâmico favorece
propor uma agenda global, assentada a sustentabilidade e a qualidade de
em princípios sustentáveis - vida, a partir do costume de aplicação
documento esse chamado de Agenda dos preparados, incorporando as
21. O que deve entrar em jogo é uma estruturas de vivificação permanente.
matriz enérgica que inverte esse
processo de degradação e assente a Espaços públicos da cidade poderão
humanidade de maneira sustentável. passar por uma revisão conceitual e

210
serem entendidos como lugares de BESSE, Jean-Marc. Ver a Terra:
produção de alimentos e energia, de Seis ensaios sobre a paisagem e
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213
ESTUDOS DE TRÁFEGO PARA TOMADA DE DECISÃO
REFERENTES À IMPLANTAÇÃO DE UM NOVO POLO
GERADOR DE VIAGEM - PGV EM SÃO JOÃO DA BOA
VISTA-SP
STUDY OF TRAFFIC FOR DECISION MAKING REGARD THE
IMPLEMENTATION OF A TRIP GENERATION CENTER IN SÃO JOÃO
DA BOA VISTA-SP

ESTUDIOS DE TRÁNSITO PARA LA DECISIÓN DE IMPLANTACIÓN DE


UM NUEVO POLO GENERADOR DE VIAJE - PGV EN SÃO JOÃO DA
BOA VISTA-SP

Geisa Aparecida da Silva RESUMO


Gontijo Este trabalho apresenta um estudo de impacto de trânsito relacionado à implantação de um
novo Polo Gerador de Viagem – PGV - Supermercado, em São João da Boa Vista – SP, Brasil.
Geógrafa, Mestre em
Seu principal objetivo é realizar uma análise baseada em simulações de tráfego, geração de
Transportes, Dra Engenharia viagens e variáveis socioespaciais, com a finalidade de subsidiar decisões de gerenciamento
Urbana viário referentes à instalação desse novo PGV. A metodologia adotada foi baseada na análise
geisaapgontijo@gmail.com do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, na caracterização do projeto arquitetônico, nas
análises das características físico-operacionais e socioeconômicas da área de influência, na
caracterização das condições físico-operacionais do sistema viário, na análise dos serviços de
Raphael Bassi Filho transporte, na geração de viagens e nas simulações de tráfego. Como resultados, obtiveram-
Engenheiro Civil, Mestre em se as análises das simulações de tráfego e as sugestões de melhorias. Dessa forma, em outra
Engenharia urbana, etapa, por meio de reuniões, uma junta profissional da prefeitura analisou todas as propostas
sugeridas pela consultoria e tomaram as decisões mais condizentes ao local. Nesse sentido,
raphaelbassi@uol.com.br
concluiu-se que, este trabalho facilitou a tomada de decisão relacionada às melhorias viárias,
tais como, a sinalização horizontal e vertical, a geometria viária e ao fluxo de veículos no local
da implantação.

ABSTRACT
This work presents a traffic impact study related to the implementation of a Supermarket as
a Trip Generation Center – TGC in the city of São João da Boa Vista – Brazil. It’s main goal
is to make na analysis based on traffic simulation, trip generation and socio-spatial variables
with the purpose of assist on the decisions of road manegement regarding the implementation
of this new TGC. The adopted methodology was based on the analysis of the Neighborhood
Impact Study, on the architectural project, on the physical-operational and the socioeconomic
characteristics of the area of interest, on the physical-operational characteristics of the road
system, on the analysis of the public transportation services, on the trip generation and on the
traffic simulations. The results obtained from the study was the traffic simulation analysis and
the improvement suggestions of the project. Thus, in other stage, through reunions, a group
of professionals of the city hall analyzed all the options suggested on the study and make the
decisions that would better fit in the local. Therefore, it was concluded that this work made the
decision-making about road system improvements easier, such as the horizontal and vertical
signalization, as the road geometry and as the vehicle flow on the supermarket implementation
site.

RESUMEN
Este trabajo está relacionado con la implementación de un nuevo Polo Generador de Viajes -
PGV - Supermercado, en São João da Boa Vista – SP, Brasil. Teniendo como principal objetivo
realizar estudios de generación de viajes, mediante simulaciones de tránsito, con el objetivo
de auxiliar las decisiones técnicas de la implantación de la nueva instalación. La metodología
incluye el análisis de Estudios de Impactos, la caracterización del proyecto arquitectónico de la
instalación, los análisis de las características físico-operacionales y socioeconómicas del area
de influencia, la caracterización de las condiciones físico-operacionales de la red vial, el análisis
de los servicios de transportes, la generación de viajes y las simulaciones de tránsito. Como
resultado se obtuvieron relatorios de simulaciones de tránsito y sugestiones de mejora. Así, en

214
otra etapa, a través de una reunión, los profesionales del Ayuntamiento analizaron todas las
propuestas y tomaron las decisiones que mejor se adecuaban a la zona estudiada. Se concluyó
que este trabajo facilitó la toma de decisiones relacionadas con los adelantos viales, como
la señalización horizontal y vertical, la geometría vial y el flujo de vehículos en el sitio de la
implantación.
PALAVRAS-CHAVE: Estudos e simulações de tráfego, geração de viagens e tomadas de decisão

1. INTRODUÇÃO meio de trabalhos técnicos, somente


a partir de 1970, e sua a principal
Atualmente, as cidades brasileiras vêm referência são os estudos realizados
passando por mudanças acentuadas pelo Institute of Transportation
em seus perfis socioespaciais e de Engeneers -ITE nos EUA. Portugal
infraestrutura urbana. Gontijo (2012) (2012) complementa esse histórico
expõe que, devido às dinâmicas destacando que anteriormente os
intraurbanas - a modernização dos PGVs eram chamados de PGTs, como
sistemas produtivos, os progressos por exemplo, os estudos realizados
tecnológicos e as facilidades de em CET-SP (1983) e DENATRAN
transportes, as cidades passam (2001).
por intensos problemas, entre
eles, acidentes de trânsito e Nesses trabalhos as análises
congestionamentos. Assim, estudos sobre os PGTs consideravam
como este, são cada vez mais apenas os impactos mais diretos
comuns e necessários para contribuir e visíveis associados à circulação e
com o planejamento urbano. estacionamentos de veículos. Porém,
à medida que passou a integrar outros
Nesse sentido, este trabalho trata-se modos de transportes, tais como, o
de um estudo de tráfego relacionado transporte coletivo, o transporte de
com a instalação de um novo cargas e descargas e os pedestres,
Polo Gerador de Viagem – PGV - a nomenclatura passou a ser
Supermercado em São João da Boa considerada como PGVs, incluindo
Vista-SP, com objetivo principal de assim, as questões ambientais, de
desenvolver um estudo baseado em sustentabilidade e de qualidade de
simulações de tráfego, geração de vida.
viagens e variáveis socioespaciais
para auxiliar os processos de decisão Dessa forma, este trabalho insere-
referente ao funcionamento do futuro se nesse contexto, pois ele analisa
PGV. diversas variáveis socioespaciais, de
transportes e de fluxo de tráfego,
Segundo Portugal e Goldner subsidiando assim as decisões a
(2003) os PGVs são edificações serem tomadas frente à instalação
que exercem grande atratividade de um novo empreendimento
sobre a população, mediante a considerado como Polo Gerador de
oferta de bens ou serviços, gerando Viagem – PGV na cidade de São João
um elevado número de viagens, da Boa Vista-SP.
sendo os exemplos mais comuns os
shopping centers, supermercados, 2. OBJETIVO
universidades, hospitais e escolas.
O objetivo deste trabalho é realizar
Esses empreendimentos vêm sendo um estudo baseado em simulações
estudados desde os anos de 1950, de tráfego, geração de viagens e
porém, de forma mais sistemática por variáveis socioespaciais, com a

215
finalidade de oferecer subsídios segundo o Plano Diretor (2019)
ao processo de decisão referente como ZR3 – lotes estritamente
à implantação de um novo PGV- residenciais, considerados como
supermercado em São João da Boa zona exclusivamente residencial de
Vista-SP. baixa densidade.

3. METODOLOGIA De acordo com Souza (2019) o


empreendimento projetado se
A metodologia utilizada por este caracteriza por ser um multiuso
trabalho baseou-se em, inicialmente, comercial com o funcionamento de um
nas análises do Estudo de Impacto de supermercado e lojas diversas. IBGE
Vizinhança – EIV, na caracterização (2002) traz a Classificação Nacional
da cidade e do projeto arquitetônico, de Atividades Econômicas – CNAE,
nas análises das características físico- sendo uma forma de padronizar, em
operacionais e socioespaciais da área todo o território nacional, os códigos
de influência, nas condições físico- de atividades econômicas do Brasil.
operacionais do sistema viário e dos Dessa forma, as atividades previstas
serviços de transporte do entorno e, para o empreendimento em questão
finalmente, nas análises da geração enquadram-se nas seguintes
de viagens, nas simulações de especificações: a) Comércio
tráfego e nos processos de decisão. varejista de mercadorias em geral,
com predominância de produtos
3.1. Caracterização da cidade e do alimentícios - hipermercados e
empreendimento futuro supermercado (código 47.11-3) e
b) Lojas de variedades, exceto lojas
De acordo com dados apresentados de departamentos ou magazines
em IBGE-cidades (2020), São João da (código 4713-0/02). Além dessas
Boa Vista -SP possui uma população especificidades, tem-se como dado
estimada de 91.211 pessoas e importante o funcionamento do
uma frota total de 66.496 veículos, supermercado, que de acordo com
com uma taxa de motorização de Souza (2019), dar-se-á da seguinte
aproximadamente 1,37 pessoas por maneira: a) Segunda a Sábado das
veículos. São João da Boa Vista, 8:00 às 22:00 horas, b) Domingos
apesar de ser considerada uma cidade das 8:00 às 21:00 horas, c) Feriados
de pequeno porte, já apresenta das 8:00 às 20:00 horas.
diversos problemas de trânsito
semelhantes às cidades médio a 3.2. Delimitação e análise da área
grande porte. As diretrizes viárias da de influência
cidade, segundo descreve Gimenez
e Ferraz (2014) apresentam vários A análise da área de influência
pontos de entraves no trânsito. é importante para delimitar e
quantificar os possíveis impactos de
O PGV a ser implantado trata- tráfego decorrentes da implantação
se de um Supermercado de porte de um novo PGV. Diante disso,
médio que será inserido na Zona Silva (2006) expõe que essa área
de Chácaras (Jd. Santarém) em pode ser dividida em três partes
São João da Boa Vista- SP, com - primária, secundária e terciária.
Área Total Construída de 12.378,93 Segundo o autor a área de influência
m2. O local é cercado por vários primária é a região mais próxima ao
bairros residenciais, classificados, empreendimento, onde se concentra

216
a maioria da sua demanda, cerca de do empreendimento; e c) Área
55%. A área de influência secundária de Influência Indireta (AII) que
é uma região onde a população possui corresponde a área potencialmente
mais opções de viagem, pois recebe a sujeita aos impactos indiretos da
atração do empreendimento estudado implantação do empreendimento.
e de outros empreendimentos e
representa 20% da demanda. A Verifica-se que a área de influência
área de influência terciária já é uma pode variar dependendo das
região em que não sofre grande características do local, do número
atração pelo empreendimento de concorrentes próximos, da área
estudado com 15% da demanda. total construída etc. Nesse sentido,
Outra maneira de análise de área para a delimitar da área de influência
de influência é entendê-la como do empreendimento estudado, foram
sendo a extensão geográfica a ser utilizados os modelos matemáticos
direta e indiretamente afetada pelos desenvolvidos em Freitas e Raia Jr
impactos gerados durante as fases (2011) e Silva (2006), conforme a
de planejamento, implantação e Tabela 1. E, ao comparar a área do
funcionamento da nova instalação, PGV estudado com as áreas dos PGVs
podendo ser categorizada em: a) desses modelos, foi observado que
Área Diretamente Afetada (ADA) os modelos 03, 04 e 05 têm áreas
como sendo a área que sofrerá mais parecidas ao do PGV estudado,
a ação direta da operação e por isso, esses modelos foram os
implantação do empreendimento; escolhidos para a delimitação das
b) Área de Influência Direta (AID) áreas de influência do presente
como a área que sofrerá os impactos estudo.
diretos da operação e implantação

Tabela 1: Modelos para delimitar a área de influência de supermercados

Modelos Área de Inf. R² Fórmulas Diâmetro Raio

01
Freitas&Raia (I1) 0,974 Y1= 295+0,42*AV+169*N 1935 967,5

02
Freitas&Raia (I2) 0,904 Y2= 515+0,64*AV-323*N 1853 926,5

03
Freitas&Raia (I3) 0,899 Y3=1000+0,75*AV-400*N 2525 1262,5

04
Silva (2006) (I1) 0,919 Y1=1,414+1,989e-4*AV-0,446*N 1138,59 569,3

05
Silva (2006) (I2) 0,816 Y2=2,197+2,423e-4*ATC-0,777*N 3642,41 1821,2
06 Silva (2006) (I3) 0,7429 Y3=2,159+0,0003*ATC 5872,68 2936,3
I1 – Isócota 1, I2 - Isócota 1,I3 - Isócota 1, ATC = Área Total Construída, AV = Área de Vendas, N = Número de
concorrentes num raio de 1000 metros. Y1, Y2 e Y3 = Raio da Área de influência

Assim, para delimitar a área de 2 supermercados.


influência foram consideradas as
variáveis Área de Vendas (AV) de 3.2.1. Caracterização
3100 m2, Área Total Construída – socioeconômica da área de influência
ATC de 12.378,93 m e o número de (AI)
concorrentes num raio de 1000 m de

217
Entender os aspectos tem um percentual de 27,4%. Isso
socioeconômicos da área de mostra que a maioria da população
influência (AI) do empreendimento economicamente ativa da cidade
é importante para estimar e analisar está trabalhando, portanto, possui
a demanda futura, porque ela pode rendas. Esse, também é um fator
influenciar o padrão das viagens importante para a implantação de um
no local. Diante disso, este estudo supermercado, pois a sua demanda
buscou traçar o perfil socioeconômico depende do poder de compra da
da região por meio de dados e população da sua Área de Influência
informações apresentados no Atlas (AI).
de Desenvolvimento Humano - ADH
(2013), considerando as variáveis: Diante do exposto, pode-se traçar um
Índice de Desenvolvimento Humano perfil socioeconômico da população
- IDH, trabalho e renda, demografia dentro da área de influência do
e educação. empreendimento. Começando pelo
IDH, podemos inferir que a população
De acordo com os estudos realizados mais próxima ao empreendimento
em ADH (2013) São João da Boa Vista tem um IDH de 0,797. Em relação
- SP apresenta um IDH de 0,797, a renda per capita verifica-se um
que é um índice composto por renda, aumento desde o ano de 1991
educação e longevidade. Desde 1991 de 596,99 para 998,31 em 2010.
a cidade vem apresentando uma Porém, sabe-se que o local em que
melhora em relação a esse índice, e o empreendimento será implantado
isso é expresso nas características essa renda é bem maior do que o
sociais da cidade. O IDH passou valor de 998,31, é só observar o
de 0,722 em 2000 para 0,797 em padrão das residências próximas.
2010, com uma taxa de crescimento Além disso, considerando esse
de 10,39%. Em relação à variável padrão e a renda per capta elevada,
trabalho e renda o estudo ADH pode-se deduzir que, a maioria
(2013) aponta que a desigualdade das famílias da região, possui no
social em São João da Boa Vista vem mínimo 2 carros. Esses aspectos
diminuindo, pois em 1991 havia 2,32 são de extrema importância nos
% de extremamente pobres e já em estudos de geração de viagens, pois
2010 esse dado caiu para 0,32%. Por as características socioeconômicas
outro lado, o coeficiente de Gini que da população podem determinar,
mede a concentração de renda teve significantemente, o padrão de
um leve aumento no ano de 2000 e viagens. Considerando que, nas
voltou com o mesmo valor de 1991 classes altas, o uso do veículo
no ano de 2010, isso quer dizer que particular é maior, a região estudada
a concentração de renda não teve apresenta forte tendência ao uso
muitas mudanças ao longo desse desse modo. No entanto, se houver
período. a promoção da acessibilidade, da
infraestrutura para o transporte
Segundo destaca o ADH coletivo e para o ciclismo na região,
(2013) 67,4% da população é provável que esse padrão mude,
economicamente ativa está ocupada pois assim, mais pessoas poderiam
contra 5,2% de desocupados. A acessar o empreendimento a pé, por
população inativa, ou seja, aquela ônibus ou por bicicletas.
que não estão trabalhando por serem
crianças, idosos e aposentados, Outro aspecto importante nessa

218
análise é a densidade demográfica, com parte a central destinada a uma
que é a número de habitantes pista para caminhada. A Avenida
por área. Segundo exposto em possui tráfego intenso ao longo da
Plano Diretor (2019), a densidade semana, especialmente, por ligar as
demográfica de São João da Boa Vista duas regiões mencionadas acima e
é de 24, 71 hab/ha e a densidade na possuir vários PGVs ao longo de sua
região estudada (Jd Santarém) é de extensão. Identifica-se também uma
14, 2 hab/ha. Observa-se que o local ciclofaixa junto ao canteiro central,
apresenta uma baixa densidade, que funciona somente aos domingos/
coincidindo com o zoneamento feriados e no decorrer da semana, os
urbano para o local, com terrenos poucos ciclistas que passam pela a
grandes e casas térreas. avenida, utilizam a faixa comum.

Em relação aos dados de educação, As calçadas nas proximidades


segundo o estudo de ADH (2013) do local são descontínuas, com
tem-se no município, a proporção de pavimentos irregulares e ausência de
crianças de 5 a 6 anos na escola é de calçamento. Praticamente em toda a
97,32%, em 2010. No mesmo ano, extensão do Clube Mantiqueira, que
a proporção de crianças de 11 a 13 fica em frente a obra, não possui
anos frequentando os anos finais do nenhum tipo de calçamento.
ensino fundamental é de 94,47%, a
proporção de jovens de 15 a 17 anos 3.3.2. Caracterização da sinalização
com ensino fundamental completo é viária
de 80,40% e a proporção de jovens
de 18 a 20 anos com ensino médio Os principais cruzamentos em estudo
completo é de 56,03%. Isso indica - a Avenida Dr. Durval Nicolau com
que a cidade possui bons índices Rua Noêmia Quaresma e a mesma
educacionais ao ser comparado com Avenida com Rua Orlando Fracari,
outras cidades brasileiras. operam com ordem de prioridade e
sua sinalização viária é composta,
3.3. Caracterização das condições basicamente, por sinalização vertical
físico-operacionais do sistema viário indicativa e de advertência (R1 e A18)
e sinalização horizontal (Legenda
As vias principais que fazem parte Pare e ciclofaixa). A avenida principal
do local de implantação do PGV são: Dr. Durval Nicolau possui mão dupla
a Avenida Dr. Durval Nicolau e a com a presença de canteiro central e
Rua Noêmia Quaresma. Segundo o as ruas Noêmia Quaresma e Orlando
Plano Diretor (2019) a primeira se Fracari são constituídas também por
classificada como Via Arterial (VA) mão dupla, porém sem a presença
e a segunda como via local (VL). A de canteiro central e faixa divisória
avenida Dr. Durval Nicolau liga dois de fluxo. Em relação aos movimentos
principais pontos da cidade, a rotatória permitidos e pontos de conflitos no
do Supermercado FortMix de um lado local foi elaborado um estudo com o
e o Bairro Alegre no outro extremo. objetivo de quantificá-los e analisá-
Ela mede cerca de 25 metros de los, conforme podem ser visualizados
largura, com 5 metros é de canteiro na Figura 1.
central. O canteiro é arborizado,

219
Figura 1: Possibilidades de fluxos no local

Fonte: PRÓPRIO AUTOR, 2020

3.3.3. Sistema viário e fluxo de


resumo (Tabela 2), a fim facilitar o
tráfego entendimento das informações e
seu aproveitamento no processo de
Para as análises do fluxo de tráfego simulação de tráfego, com destaque
foram utilizadas as contagens para as variáveis Volume Diário (VD),
volumétricas realizadas em Souza Volume Hora-pico (VHP) e densidade
(2019) durante a elaboração do média da via por sentido.
Estudo de Impacto de Vizinhança
- EIV, especialmente, porque em Por meio dessa Tabela verifica-se que
2020, época da realização do o maior fluxo diário ocorre na quarta-
presente trabalho, o Brasil passa por feira nos dois sentidos, sendo 6.558
uma grande pandemia (Covid-19) e veículos no sentido bairro e 6653
a realização de uma nova contagem veículos no sentido centro, incluindo
volumétrica seria inviável. carros motos, ônibus, caminhão e
utilitários, todos convertidos em
O autor realizou uma contagem Unidades de Carros de Passeio
volumétrica por 7 dias da semana, - UCP. Observou-se ainda que a
compreendendo de domingo, dia terça-feira apresentou um volume
30/06/2019 até na segunda-feira, bastante considerável no sentido
dia 01/07/2019. O levantamento centro de 872 ucps/hora dentro do
ocorreu das 8:00 à 22:00 horas em intervalo de 17:00 às 18:00 horas.
frente ao local de implantação do Por esse motivo optou-se por esse
empreendimento nos dois sentidos dia e horário para a realização dos
(bairro/centro e centro/bairro). estudos de geração de viagens, de
Com os dados do EIV em mãos, capacidade e de simulação de tráfego
eles foram organizados uma tabela apresentados posteriormente.

220
Tabela 2: Fluxo de veículos de domingo a segunda Sentido Bairro

Dia/horários Horário Fluxo Hora pico Fluxo diário Horário Fluxo Fluxo diário

Hora pico
Sentido Sentido Sentido Sentido
Bairro Bairro Centro centro

Segunda 17:00 -18:00 653 17:00 -18:00 547


5297 5460
Terça 17:00 - 18:00 626 17:00 - 18:00 872
5390 6507
Quarta 17:00 - 18:00 649 17:00 - 18:00 601
6558 6653
Quinta 17:00 -18:00 588 17:00 -18:00 572
5867 6059
Sexta 17:00 -18:00 587 17:00 -18:00 544
5867 6520
Sábado 11:00 -12:00 364 11:00 -12:00 548
6032 4884
Domingo 11:00 -12:00 411 11:00 -12:00 272
4749 3554

Ucp/h = Unidade de carros de passeio

Fonte: PRÓPRIO AUTOR, 2020

3.4.4. Definição da geometria viária e da via e do tráfego foram analisadas


condições de tráfego existentes seguindo os parâmetros apresentados
no Quadro 1.
As condições físicas e operacionais
Quadro 1: Condições físico-operacionais via
Parâmetros Condições da via em estudo
Quantidade de faixas de fluxo por sentido 2 faixas

Largura das faixas Aproximadamente 5 metros


Presença de canteiro central Sim
Condições do pavimento O pavimento apresenta algumas irregularidades

Velocidade permitida e largura das faixas 40 km/h; 25 metros, variando em determinados pontos.

Presença de ciclofaixas Sim, porém pouco utilizada com essa função.


Presença de pontos de parada – transporte coletivo Sim
Fonte: PRÓPRIO AUTOR, 2020

No Quadro 1 verifica-se alguns tempo e de visibilidade e localização


dados sobre as características urbana). No decorrer das análises
geométricas da via, a quantidade de in loco verificou-se que, apesar de
faixas de fluxo, a largura das faixas, não se permitir estacionamento no
a largura da via e as condições de local, havendo presença constante
pavimentação. de veículos estacionados interferindo
no fluxo da via principal. Em relação
Em relação às condições de tráfego, à classificação geométrica do
os parâmetros foram analisados a cruzamento, ele se classifica como
partir de dois grupos, sendo eles, as interseção em T.
condições de operação (condições
do fluxo, modos de transportes) e as 3.4.5. Análise de capacidade da
condições ambientais (condições do interseção
221
Segundo Silva e Gasparini (2001) sendo eles, A, B, C, D, E, F. Assim,
a capacidade viária é a máxima os níveis de serviços verificados para
taxa de fluxo permitida em uma a Av. Dr. Durval Nicolau ficaram entre
seção de via durante um período de os níveis A e C, com fluxo estável,
tempo, sob condições prevalecentes porém com velocidade de operação
da via, do tráfego e do controle de começando a ser restringidas pelas
tráfego. Além disso, é necessário condições de tráfego, condutores
considerar as condições de operação possuem razoáveis condições de
da via e, para medir essas condições, liberdade para escolher a velocidade
desenvolveu-se o conceito de nível e faixa para circulação.
de serviço, que é uma medida
qualitativa que expressa as condições Em relação à classificação dos
de uma corrente de tráfego e o modo fluxos, de acordo com os conceitos
como são percebidos pelo usuário. apresentados em DER (2000), os
Nesse contexto, de cordo com TRB fluxos de 1º ordem é o fluxo principal,
(2000) os níveis de serviço são abrangendo o fluxo em frente e à
categorizados para as condições direita. Os fluxos de 2 º ordem são
operacionais de uma via de fluxo os fluxos que viram à esquerda na
ininterrupto. É incluído na análise via principal e curvas a direita na
a velocidade e o tempo de viagem, via secundária. Os fluxos de 3 º
segundo os seguintes fatores: ordem são os fluxos que cruzam a
interrupções do tráfego, liberdade via principal e os fluxos de 4 º ordem
de manobra, conforto e conveniência são os fluxos da via secundária que
do motorista, segurança e custos viram à esquerda. Assim, a partir
operacionais. dessa descrição, organizaram-se os
fluxos de 1º ordem até a 4º ordem
O nível de serviço pode ser aplicado em relação ao cruzamento estudado,
para trechos de vias ou interseções conforme mostra a Tabela 3.
e são classificados em 6 níveis,

Tabela 3: Volumes em unidades de carros de passeio/hora (ucp/h).


Ordem Movimentos Cálculos Fluxos ucp/h
1º 2 626*0,95 594
1º 3 626* 0,05 31
3º 4 626*0,05 31
2º 6 626* 0,05 31
2º 7 872*0,05 43
1º 8 872 *0,95 828
Fonte: PRÓPRIO AUTOR, 2020

Os fluxos mostrados na Tabela 3 Souza (2019), pois esse estudo não


foram calculados com base nos abarcava o fluxo de todos esses
dados de 626 veículos/hora sentido movimentos.
bairro e 872 veículos/hora sentido
centro. Assim, os fluxos dessa Assim, segundo a Tabela 3 os fluxos
Tabela considerados no estudo de de 1º ordem são os movimentos 2,
geração de viagens, de capacidade 3, 8 (Fluxo da Av. Dr. Durval Nicolau
e nas simulações de tráfego foram sentidos sento/bairro, bairro/
estimados a partir do trabalho de centro e saída à direita da Av. Dr.

222
Durval Nicolau para a Rua Noêmia De acordo com o previsto no Plano
Quaresma), os fluxos de 2º ordem Diretor (2019) o transporte de
são os movimentos 7, 6 (Fluxo de passageiros em São João da Boa
saída à esquerda da Av. Dr. Durval Vista é dividido em duas modalidades
Nicolau para rua Noêmia Quaresma básicas, o transporte público
e Entrada à direita da Rua Noêmia coletivo e o transporte público
Quaresma para Av. Dr. Durval individual. A primeira modalidade
Nicolau e os fluxos de 3º ordem é o é de responsabilidade da empresa
movimento 4 (Entrada à esquerda da concessionária Rápido Sumaré Ltda,
Rua Noêmia Quaresma para Av. Dr. cuja operacionalização, é realizada
Durval Nicolau). por órgão municipal, que define os
itinerários, as paradas em locais
O método utilizado para análise predeterminados, com frequência
da capacidade deste trabalho foi definida em função da demanda. A
baseado em três etapas, segundo segunda modalidade é operada por
descreve DER (2000), sendo elas, a) veículos de aluguel, que realizam
A verificação da Capacidade Básica viagens individualizadas, por rotas
(Gi) que resulta na quantidade variáveis de acordo com a solicitação
máxima de veículos nos fluxos do passageiro.
secundários que poderão realizar
suas manobras na interseção; b) Segundo as análises contidas
As reais Capacidades Máximas nesse Plano, a baixa densidade dos
(Li) que consideram que fluxos novos bairros e a concentração de
subordinados somente poderão emprego na área central e distrito
realizar suas manobras quando nos industrial, condicionam um desenho
fluxos preferenciais obrigados a dar a de itinerários deficitário, atendendo
preferência não existir represamento poucos usuários do transporte
e c) A Capacidade Prática (Pi) coletivo. No local de implantação do
que garantirá a manutenção de novo PGV identificaram-se poucas
uma Reserva de Capacidade Ri linhas de transportes coletivo, sendo
e, com isto, a manutenção de apenas duas linhas que atendem a
uma determinada qualidade do Avenida Dr. Durval Nicolau próximo
desenrolar do tráfego. Dessa forma, ao empreendimento, a Linha 09-0 –
a capacidade da interseção somente Bairro Alegre / Sto. André / Terminal e
será garantida quando em todos os a Linha 07-0 – Sto. André / Terminal.
fluxos secundários i e a intensidade Verifica-se assim que, na região
existente de tráfego qi (fluxos estudada possui poucas linhas de
subordinados) não forem maiores do transporte coletivo, sendo a principal
que a capacidade prática Pi. Assim, a modalidade, o transporte individual.
partir desses conceitos e dos cálculos
de capacidade aplicados neste estudo, 3.5. Estudo de Geração de viagens
verificou- se que o cruzamento da
Av. Dr. Durval Nicolau e Rua Noêmia A análise de geração de viagem
Quaresma, opera atualmente dentro baseou-se na aplicação dos modelos
da sua capacidade prática (Pi). matemáticos vistos na Tabela 4
para o caso do Supermercado em
3.4. Caracterização das condições questão. No processo de escolha
físico-operacionais do sistema de desses modelos foram consideradas
transporte variáveis, tais como, a quantidade
de casos verificados, a variação

223
temporal, o fator de ajuste e o geração de viagens e de simulações
país onde esses modelos foram de tráfego deste estudo, optou-se
elaborados. pelo modelo CET (1983), resultando
em 184 viagens hora-pico atraídos
Percebe-se que os resultados dessas pelo empreendimento. As variáveis
aplicações variaram muito de um usadas foram a Área Total Construída
modelo para o outro (ver Tabela 4). – ATC e Área de Venda – AV, conforme
Assim, para efeito dos estudos de Tabela 4.

Tabela 4: Modelos matemáticos utilizados para a previsão de viagens

Modelos G. V. R² Fórmulas Unidades Viagens

01 ITE (dia útil) 0,54 Ln(Y)=1,35Ln (ATC)+2,11 ATC [1000pes²] 6082


02 ITE (Sábado) 0,55 Ln(Y)=1,45Ln(ATC)+1,74 ATC [1000pes²] 6851
03 ITE (Domingo) 0,63 Ln(Y)=1,74Ln(ATC)+0,09 ATC [1000pes²] 5435
Sem desconto

04 ITE (Tarde d. útil) 0,52 Ln(Y)=0,61Ln(ATC)+3,95 ATC [1000pes²] 1026


05 CET (Hora-Pico) - Vv= (0,4*ACo+600)*Ph AV [m²] 221
06 Freitas&Raia (dia útil) 0,859 Y= 0,632ATC-1635 ATC [m²] 6188
ATC[m²] e
07 Freitas&Raia (dia útil) 0,958 Y=0,364X+49,4DM-1658 6867
DM[hab/ha]
08 ITE (Tarde Sábado) 0,56 Y=6,91*X+295,03 ATC [1000pes²] 1215
C. Desconto.

09 Galarraga (H.Pico dia.útil) 0,71 Ln(Y)=1,0681Ln(AV)-3,001 AV [m²] 267

10 Galarraga (H.Pico Sab.) 0,71 Ln(Y)=1,0799Ln(AV)-2,75 AV [m²] 377


11 ITE (Tarde d. útil) 0,93 Ln(Y)=0,90Ln(ATC)+2,59 ATC [1000pes²] 1088
12 CET (Hora-Pico) - Vv= (0,4*ACo+600)*Ph AV [m²] 184

ITE = Intitute of Transportation Enginners/CET= Companhia de engenharia de Tráfego/DM= Densidade


demográfica dentro da área de influência primária (hab/ha)/Vv= Estimação da quantidade média de veículos
atraídos pelo PGV na hora-pico/Ph = coeficiente de porcentagem correspondente à hora de pico (tabela
CET)/Foram usados dois índices 0,12 e 0,10. ATC=Área total construída

Fonte: ORGANIZADO PELO AUTOR, 2020

Ainda no processo de estudo de Mobility, que é um software gratuito


geração de viagem foi organizada usado para simular e testar uma
uma matriz de Origem e Destino modificação viária antes dela ser
(O/D), com base nos estudos de implantada. Ele se constitui de um
Souza (2019), para visualizar de conjunto de simulação de tráfego
onde os fluxos partiam e para onde disponível desde 2001, que permite
eles iam (De/Para) e, dessa forma, modelagem de sistemas de tráfego
dar subsídios à etapa posterior, as intermodal, incluindo veículos
simulações de tráfego. rodoviários, transportes públicos e
pedestres. Como todo software de
3.6. Simulações de tráfego simulação, há necessidade que ele
seja alimentado corretamente para
Para a realização das simulações garantir bons resultados.
de tráfego utilizou-se o software
SUMO (2020) - Simulation of urban Assim, durante as simulações de

224
tráfego, foram utilizados alguns dos possíveis impactos de trânsito.
parâmetros básicos para alimentação Essas simulações foram organizadas
do programa, entre eles, o tempo de em diversos cenários, sendo que, no
permanência no estacionamento, primeiro cenário, realizou-se uma
visto em Portugal e Goldner (2003) simulação da situação atual da via,
e o número de viagens atraídas na com a finalidade de verificar sua
hora- pico, de acordo com os modelos operacionalização atual e, assim,
apresentados em CET (1983) de calibrar o sistema. Posteriormente,
184 viagens hora-pico, conforme foram elaborados os outros cenários
mostrado anteriormente. Embora, contendo as melhorias sugeridas,
tenha sido utilizado outros índices conforme abaixo:
mais recentes nas simulações,
optou-se por considerar somente a) Cenário 1 – Via atual: Por
esse índice, por ser considerado um meio das análises da simulação da
número mais apropriado ao porte via atual, verificou-se que há certa
da cidade e do empreendimento fluidez no trânsito, coincidindo com
considerados neste estudo. os parâmetros de nível de serviço
apresentados anteriormente. Essa
4. ANÁLISES E RESULTADOS simulação pode ser visualizada em:
https://youtu.be/2q7M0LmTlTs.
Este tópico contempla os resultados b) Cenário 2 – Mão inglesa
das simulações de tráfego e mão dupla na Rua Noêmia
referentes à fase de operação do Quaresma: As principais sugestões
empreendimento, considerando desse cenário foram, o fechamento
a geração de viagens, o trânsito do canteiro central em frente ao
e os transportes. Neste estudo, clube da Mantiqueira, com o intuito
considerou-se que os outros impactos de diminuir os pontos de conflitos,
referentes à fase de implantação, a implantação de mão inglesa nos
sendo eles, os ambientais, cruzamentos da Av. Durval Nicolau
morfológicos e de infraestrutura, já com rua José Martins Amorin e
foram considerados e mitigados no com Antônio C. Farnetani. Essa
EIV realizado por Souza (2019). simulação pode ser visualizada no
link: (https://www.youtube.com/
Para a simulação ser condizente watch?v=5x8vNV511_8).
com a realidade, necessitou-se do c) Cenário 3 - Mão inglesa e mão
fluxo de dois períodos antes do única na Rua Noêmia Quaresma:
horário de pico, sendo das 15:00 Nessa simulação optou-se por colocar
às 16:00 e das 16:00 às 17:00. mão única na Rua Noêmia Quaresma
Assim, por meio de um cálculo com a finalidade de observar o
de proporção relativo à contagem comportamento do tráfego. Assim,
volumétrica e os 184 veículos diante da impossibilidade de manter
como sendo as viagens geradas a Rua Noêmia Quaresma com
pelo supermercado, resultaram- Mão dupla, tem-se essa opção de
se nos fluxos proporcionais para melhoria. No entanto, por meio das
os dois horários anteriores. Assim, simulações, observou-se que o fato
como resultados deste trabalho, inverter a mão dessa rua, não traz
apresenta-se neste tópico, as grandes benefícios ao tráfego local,
simulações de tráfego, suas análises portanto, recomenda-se deixá-
e as possíveis medidas de melhorias la com mão dupla, conforme ela é
a serem adotadas na minimização operada atualmente. Essa simulação

225
pode ser vista em: (https://youtu. 6- Implantar uma faixa elevada e três
be/lLXKgITKLl8). faixas de pedestre nas proximidades
d) Cenário 4 – Sem mão inglesa do empreendimento para facilitar a
e mão dupla na Rua Noêmia acessibilidade;
Quaresma: Essa simulação foi 7- Replanejar a sinalização vertical
realizada, porque, caso não haja e horizontal na área em função das
possibilidade de implantar mão novas melhorias;
inglesa, principalmente, por causa 8-Fazer uma melhoria com o
dos raios de giro, tem-se essa aproveitamento do canteiro que há
opção de melhoria. Essa simulação em frente ao empreendimento;
é a mesma da anterior, exceto, no 9-Implantar mão inglesa (em
que diz respeito à mão inglesa. dois cruzamentos), sendo eles,
Observou-se que sem a presença os cruzamentos da Av. Dr. Durval
da mão inglesa, o trânsito torna-se Nicolau com Rua Antônio C. Farnetani
mais lento e congestionado. Mas, e com rua José Martins Amorin para
ainda assim, não se observa grandes diminuir os pontos de conflitos.
formações de filas, pois o fato de
fechar o canteiro central em frente 4.2. Tomadas de decisões
ao empreendimento, já garante
uma boa redução dos conflitos. De acordo com a análise das
Para visualização desta simulação simulações de tráfego, do relatório
basta clicar no link: (https://youtu. contendo as sugestões de melhorias,
be/537XAA2a8c4). de reuniões com os membros da
Comissão Técnica de Planejamento
4.1. Possíveis medidas a serem Urbano e Ambiental – CTPUrbam de
adotadas São João da Boa Vista, tomaram-se
as seguintes decisões em relação à
Após as análises das simulações implantação do empreendimento em
mostradas na etapa anterior, foram questão:
propostas as seguintes sugestões de
melhorias: 1 -Faixa de pedestre proposta de
frente ao empreendimento deve
1-Mudança do canteiro central do ser relocada para próximo ao
cruzamento da Av. Dr. Durval Nicolau cruzamento da Av. Durval com a Rua
com a rua Antônio C. Farnetani para Orlando Fracari;
facilitar a conversão na mão inglesa; 2- Para que seja adotada a mão
2-Proibição do retorno da Av. inglesa conforme propostas nas
Dr. Durval Nicolau na altura do simulações do Estudo devem ser
cruzamento da Av. Dr. Durval Nicolau adequados os canteiros centrais da
e Rua Olando Fracari; Av. Dr. Durval Nicolau;
3-Deslocamento do redutor de 3- Na Rua Noêmia Quaresma deve
velocidade em frente ao clube para ser mantida a mão dupla;
antes do cruzamento da Av. Durval d) As mudanças no canteiro central
Nicolau e Rua Olando Fracari; nas proximidades da Entrada do
4-Fechamento do canteiro central Clube Mantiqueira devem seguir
em frente ao clube da Mantiqueira; o proposto no estudo (fechar o
5- Implantar ponto de ônibus com canteiro);
abrigo próximo ao empreendimento 4- Os veículos que estão saindo
no terreno vizinho do lado direito do do empreendimento devem ser
empreendimento; direcionados para o próximo retorno

226
na Av. Durval, evitando o conflito no a respeito das obras de melhorias
entroncamento com a Rua Orlando viárias necessárias para minimização
Fracari; dos impactos de trânsito futuros. A
5- A proposta de instalar redutor de implantação de um novo PGV pode
velocidade na Av. Durval Nicolau na gerar impactos negativos no trânsito,
faixa sentido Bairro-Centro antes da trazendo conflitos no sistema viário
Rua Orlando Fracari foi aprovada, no qual ele se localiza. Por isso,
essa deve ser executada em formato estudo como este, pode auxiliar
de lombo-faixa considerando o o planejador tomar decisões mais
grande fluxo de pedestre nessa apropriadas e mais econômicas para
região; cada situação.
6- Ponto de ônibus coberto deve ser
instalado na Avenida Durval Nicolau, Dessa forma, este trabalho conclui-
quadra antes do empreendimento; se que, para que ocorra um melhor
7- Os caminhões para carga e gerenciamento dos impactos de
descarga deverão ter comprimento tráfego, devidos à implantação
máximo de 14 metros e capacidade de novos PGVs, é importante que
máxima de carga de 14 toneladas as análises de tráfego, ocorram
(Caminhão Truck), sendo vedada conjuntamente com as decisões a
a circulação de veículos maiores, respeito do projeto arquitetônico e
dadas as características residenciais os Estudos de Impacto de Vizinhança
do entorno; - EIVs, facilitando, os processos
8- Os retornos da Avenida Dr. Durval decisórios e o gerenciamento do
Nicolau próximos a Rua Antônio C. tráfego futuro. No entanto, mesmo
Farnetani e Rua José Martins Amorin que este estudo tenha sido solicitado
devem ser realocados, com novos após a aprovação do projeto
traçados e geometrias para atender arquitetônico e o andamento do
a proposta de retorno em mão EIV, ele foi de extrema importância
inglesa; para os gerenciadores avaliarem os
9- Todas as adequações devem ser impactos futuros relativos ao trânsito
executadas pelo empreendedor e transportes, colaborando assim,
com garantia de qualidade dos com a tomada de decisão relacionada
serviços conforme padrões adotados ao Supermercado Consentine de São
pelo Departamento de Gestão e J. da B. Vista.
Planejamento - DGP.
6. AGRADECIMENTOS
5. CONCLUSÕES
Agradecemos a todos os envolvidos
Este trabalho, por meio de sua neste trabalho, em especial, a
proposta, conseguiu entregar um Comissão Técnica de Planejamento
estudo baseado em simulações Urbano e Ambiental – CTPURBAM da
de tráfego, em análises de Prefeitura Municipal de São João da
geração de viagens e em variáveis Boa Vista-SP.
socioespaciais, dando subsídios
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229
SUSTENTÁVEL, DIGITAL OU INTELIGENTE: PARADOXO
E PARADIGMA DAS TECNOLOGIAS NA MOBILIDADE
URBANA
SUSTAINABLE, DIGITAL OR SMART: PARADOX AND PARADIGM OF
TECHNOLOGIES IN URBAN MOBILITY

SOSTENIBLE, DIGITAL O INTELIGENTE: PARADOJA Y PARADIGMA


DE LAS TECNOLOGÍAS EN LA MOVILIDAD URBANA

Ivan Damasco Menzori RESUMO


Discente de Pós-Graduação, As abordagens que antes remetiam à noção de mobilidade sustentável têm, cada vez
mais, expandido seus conceitos para a mobilidade inteligente, que incorpora, também, as
UFSCar, Brasil
possibilidades da era digital, das Geotecnologias e Tecnologias da Informação e Comunicação.
menzori@ufscar.br Nesta temática e contexto, objetiva-se ponderar sobre qual o panorama em que as tecnologias
estão inseridas no âmbito da mobilidade inteligente, e se representam benefícios em prol da
Luciana Márcia mobilidade urbana sustentável, ou apenas limitam-se a um viés tecnocentrista. Na atual era das
tecnologias, são notórios os exemplos em que interesses econômicos da indústria tecnológica
Gonçalves e as necessidades de transporte apresentam-se justapostos, colaborando ou competindo para
Professora Doutora, UFSCar, cenários de acessibilidade como produto, ao invés de um direito fundamental. A partir das
Brasil análises apresentadas, é possível considerar que a inserção da componente tecnológica na
lucianamg@ufscar.br mobilidade urbana sustentável, no âmbito da mobilidade inteligente, está atrelada à uma
articulação equilibrada entre componentes relacionadas a infraestruturas e serviços de transporte
(dimensão física), assim como desenhos urbanos e usos mais inteligentes que favoreçam uma
mudança cultural (dimensão social) com relação ao modos de transporte.
PALAVRAS-CHAVE: Mobilidade inteligente. Mobilidade sustentável. Tecnologias.

ABSTRACT
Approaches that previously referred to the notion of sustainable mobility have increasingly
expanded their concepts towards smart mobility, which also incorporates the possibilities of
the digital era, Geotechnologies, and Information and Communication Technologies. In this
context, we consider the panorama in which technologies are inserted in the scope of smart
mobility, and whether they represent benefits in favor of sustainable urban mobility, or only
limit themselves to a technocentric bias. In today’s age of technology, there are notorious
examples in which economic interests of the technology industry and transportation needs are
juxtaposed, collaborating or competing for urban mobility scenarios as a product, rather than
a fundamental right. From the analyses presented, it is possible to consider that the insertion
of the technological component in sustainable urban mobility, in the context of smart mobility,
is linked to a balanced articulation between components related to transport infrastructure and
services (physical dimension), as well as urban designs and smarter land-uses that favor a
cultural change (social dimension) concerning modes of transport.
KEYWORDS: Smart mobility. Sustainable mobility. Technologies.

RESUMEN
Los enfoques que antes se referían a la noción de movilidad sostenible han ampliado cada vez
más sus conceptos a la movilidad inteligente, que también incorpora las posibilidades de la
era digital, de las Geotecnologías y las Tecnologías de la Información y la Comunicación. En
esta temática y contexto, el objetivo es reflexionar sobre el panorama en que las tecnologías
se insertan en el ámbito de la movilidad inteligente, y si representan beneficios a favor de la
movilidad urbana sostenible, o se limitan a un sesgo tecnocéntrico. En la actual era de las
tecnologías, hay ejemplos notables en que los intereses económicos de la industria tecnológica
y las necesidades de transporte se yuxtaponen, colaborando o compitiendo por escenarios
de movilidad urbana como un producto, en lugar de un derecho fundamental. A partir de los

230
análisis presentados, se puede considerar que la inserción del componente tecnológico en la
movilidad urbana sostenible, en el ámbito de la movilidad inteligente, está vinculada a una
articulación equilibrada entre componentes relacionados con la infraestructura y los servicios
de transporte (dimensión física), así como los diseños urbanos. y usos más inteligentes que
favorezcan un cambio cultural (dimensión social) en relación a los modos de transporte.
PALAVRAS CLAVE: Movilidad inteligente. Movilidad sostenible. Tecnologías.

1. INTRODUÇÃO econômico e do bem-estar social, sem


desatentar aos impactos ambientais
A consolidação de uma população (LYONS, 2018), principalmente
mundial predominantemente aqueles decorrentes da degradação
urbanizada representa demandas das funções ecossistêmicas (JAEGER
por recursos naturais sem et al., 2010; JIA et al., 2020).
precedentes, e um enorme impasse
para o planejamento urbano A conversão de áreas naturais ou
(THAKURIAH, TILAHUN e ZELLNER, aráveis em novas áreas urbanas
2015). Nesse contexto, o conceito de agrava processos de poluição e
desenvolvimento urbano sustentável contaminação do solo, eleva o
(JABAREEN, 2008; FIORETTI et al., consumo de combustíveis fósseis,
2020) está estreitamente relacionado a poluição atmosférica e a emissão
à consolidação da compacidade e de gases de efeito estufa (EWIG,
maior densidade urbana (LEHMANN, 2008), exercendo significativa
2016), com redução das distâncias, influência nas mudanças climáticas
necessidades e tempos de (OKE, 1989; ROCKSTRÖM et al.,
deslocamento (CALTHORPE, 1993), 2009; GUNAWARDENA et al., 2017).
por meio da inovação e adaptação Além disso, existem evidências que
dos instrumentos de planejamento relacionam processos de expansão
urbano nas cidades (ONU, 2012; urbana e mudanças no uso do
2017). solo com a ocorrência de doenças
infecciosas (PATZ et al., 2004),
Não obstante, o rápido crescimento inclusive as de caráter zoonótico
populacional nas últimas três décadas (JONES et al., 2008).
evidenciou um declínio global nas
densidades urbanas (ONU, 2012), Nesta temática e contexto, a
em que a expansão territorial das mobilidade urbana – especialmente
áreas urbanas superou o crescimento relacionada aos deslocamentos de
populacional no mundo inteiro (SETO pessoas –, tem papel de destaque
et al., 2012). Mas essa relação foi neste processo, com enormes
mais evidente em cidades de países implicações no consumo energético
menos desenvolvidos, em que a e nas emissões atmosféricas. E
população urbana dobrou entre as abordagens de planejadores e
1990 e 2015, e suas áreas urbanas técnicos de transporte, que antes
se expandiram na proporção de 3,5 recorriam ao conceito de “mobilidade
vezes (ANGEL et al., 2016). sustentável” – com forte apelo a
desenhos urbanos e usos do solo
Isso corresponde a um enorme que favorecessem os modo ativos
desafio em termos de concentração e reduzissem a dependência dos
demográfica associada aos fluxos modos motorizados de transporte
de recursos (naturais, humanos, –, expandiram essa noção para
econômicos, etc.) necessários para “mobilidade inteligente”, que
sustentação do desenvolvimento incorpora, também, as possibilidades

231
da era digital, das Geotecnologias com orientações em azimutes
e Tecnologias da Informação e astronômicos. Concomitantemente,
Comunicação – TICs (LYONS, 2018) operações de rastreio de
na infraestrutura e planejamento satélites artificiais estavam em
urbanos. desenvolvimento pela Marinha dos
Estados Unidos da América (EUA)
Assim sendo, objetiva-se ponderar desde a década de 1960, por meio
sobre qual o panorama em que as do Sistema Navy Navigation Satellite
tecnologias estão inseridas no âmbito System (NNSS), também conhecido
da mobilidade inteligente, e se estas como TRANSIT (IBGE, 2018).
tecnologias representam benefícios
em prol da mobilidade urbana Em 1978, o Departamento de
sustentável, ou apenas limitam-se a Defesa Americano iniciou o projeto
um viés tecnocentrista. NAVSTAR, que deu origem ao GPS.
Até o início dos anos 2000, o sinal
2. ANÁLISE E SÍNTESE DOS da constelação GPS era condicionado
CONCEITOS à “disponibilidade seletiva” – uma
degradação intencional do sinal
A ideia de uma cidade inteligente público (Código CA) – mas este
(Smart City) foi inicialmente erro não é mais induzido no sinal da
proposta em 1987 pela World Health constelação GPS1, e a precisão em
Organization (WHO), no âmbito de posicionamentos absolutos para uso
um programa denominado Healthy civil pode ser estimada em 10 metros,
Cities (SHEN et al., 2018). Com aproximadamente (ALBUQUERQUE e
o avanço das TICs, o conceito de SANTOS, 2003).
Smart Cities incorpora definições
1 Ainda há possibilidade cada vez mais abrangentes. Dentre as diversas finalidades
de reintrodução da Comunidades inteligentes, tráfego proporcionadas pelos sistemas de
disponibilidade seletiva inteligente, energia inteligente, posicionamento e navegação, estão
no sinal GPS público, casas inteligentes, entre outros, incluídos os Sistemas de Informações
preservando o sinal são exemplos de funções de uma Geográficas (Geographic Information
protegido (Código P) Smart City com forte amparo não System – GIS), e também as técnicas
para fins militares apenas nas TICs, mas também nas Sensoriamento Remoto (Remote
do Departamento de Geotecnologias. Sensing – RS) – integrantes,
Defesa Americano. também, da estrutura de uma Smart
Entretanto, além do GPS, 2.1. Geotecnologias City.
atualmente existem
sistemas alternativos Representadas pelos 3S (Remote Assim como o GPS, as tecnologias
de posicionamento Sensing – RS, Geographic Information de RS e GIS evoluíram
que compõem o Global System – GIS, e Global Positioning consideravelmente, e foram
Navigation Satellite System – GPS), as Geotecnologias, incorporadas tanto para fins técnicos
System (GNSS), alguns assim como as TICs, sofreram de planejamento urbano (cadastros
mais consolidados como grandes avanços desde a primeira técnicos multifinalitários, cartas
Galileo (União Europeia) concepção de Smart City. topográficas, mapas estratégicos
e Glonass (Rússia), para planejamento, etc.), quanto
outros bem recentes que Até meados dos anos 1990, a em atividades do cotidiano. Bases
buscam espaço, como determinação de coordenadas espaciais GIS como Google Maps,
BeiDou (China), e outros georreferenciadas ao Sistema Strava, Waze, Open Street Maps
regionais como QZSS Geodésico Brasileiro (SGB) era (OSM), etc., estão amplamente
(Japão) e IRNSS (Índia). realizada por métodos “clássicos” popularizadas, contemplando

232
milhões de usuários atualmente. decisões dos cidadãos, planejadores
e prestadores de serviços de
E com a popularização dos transporte;
smartphones, estas bases vêm 3) Infraestrutura inteligente:
sendo cada vez mais aplicadas nos capaz de processar vastas gamas de
detalhamentos e orientações de informações coletadas por múltiplos
rotas, e incorporadas no cotidiano da sensores, adaptando as dinâmicas
mobilidade urbana dos cidadãos – à das redes de transporte, em tempo
exemplo dos sistemas inteligentes real, para proporcionar serviços
de transportes (Intelligent mais eficientes; e
Transportation Systems – ITS), e 4) Uso inteligente da
redes de transporte por aplicativo infraestrutura: que contribui
(Transportation Network Companies em mudanças de posturas e
– TNC) (SHEN et al., 2018). comportamentos quanto à
mobilidade, por parte da população,
2.2. Sustentável, Inteligente ou em prol de cenários mais sustentáveis
Digital: Paradoxo e Paradigma da de mobilidade urbana.
Mobilidade Urbana
E a partir de análises mais recentes,
Dentre as diversas definições de Lyons (2018, p.7, tradução) sumariza
“cidades inteligentes”, desde os a mobilidade inteligente em três
anos 2000 até 2014, Lyons (2018) aspectos principais:
observa que as interpretações mais
contemporâneas excedem o enfoque 1) Uso da tecnologia para gerar e
exclusivo nas TICs (tecnocentrismo), compartilhar dados, informações
passando a considerar as e conhecimento que influenciam
necessidades sociais e comunitárias nas tomadas de decisão;
e, comumente, referindo-se à 2) Uso da tecnologia
sustentabilidade como componente para aprimorar veículos,
intrínseca. infraestruturas e serviços; e
3) Obter melhorias para
No que tange à mobilidade operadores e usuários dos
inteligente, um relatório do Office of sistemas de transporte.
Science and Technology de Londres
(OST, 2006), apresentou diretrizes É perceptível a grande importância
para sua implementação no contexto das TICs e Geotecnologias no que
urbano, representadas por quatro diz respeito à mobilidade inteligente,
níveis, sendo: todavia, destaca-se que digital não
é sinônimo de inteligente. O cerne
1) Design inteligente: minimizar da mobilidade inteligente está
as necessidades de deslocamentos intrinsecamente relacionado ao
por meio do desenho urbano. conceito da mobilidade sustentável,
Integração e gerenciamento no âmbito do design e uso do solo
eficientes dos transportes via planejamento urbano, e das
públicos, estimulando provisões de mudanças culturais da população
produtos e serviços ao nível local quanto aos modos de transporte
(descentralizados); (OST, 2006).
2) Sistemas inteligentes: que
provêm, por meio de sensores e data Banister (2005, 2006 apud BANISTER,
mining, informações para embasar 2008), sintetiza que cenários

233
de mobilidade sustentável são Isso representa desenhos urbanos e
proeminentemente representados usos do solo que favoreçam modos
por cidades com mais de 25 mil ativos e coletivos de transporte,
habitantes (preferencialmente acima por meio do encurtamento de
de 50 mil), de médias densidades distâncias, redução das necessidades
(acima de 40 hab./ha), com de deslocamento e promoção da
multiplicidade de usos do solo, e multiplicidade de usos do solo e
primazia do desenvolvimento urbano demais aspectos da dimensão física
junto a corredores de transporte, e da cidade (forma urbana e fluxos),
próximo de estações de integração do equilibrados pela dimensão social
transporte público – desenvolvimento da cidade (pessoas e proximidade)
orientado ao transporte (CALTHORPE, (BANISTER, 2008), conforme
1993). ilustrado na Tabela 1.

Tabela 1: Abordagens contrastantes no planejamento de transporte


Abordagem convencional Abordagem alternativa
(planejamento de transporte) (mobilidade sustentável)
Dimensão física Dimensão social
Mobilidade Acessibilidade
Orientado ao tráfego, em especial no automóvel Orientado às pessoas, tanto em veículos quanto a pé
Ampla escala Escala local
Rua como Estrada Rua como Espaço Público
Transporte motorizado Todos os modos de transportes em hierarquia
(pedestres e ciclistas no topo, automóveis na base da
pirâmide)
Previsão de congestionamentos Visão holística da cidade
Viagem como derivada de demanda Viagem como atividade valorizada e derivada de
demanda
Baseada em demanda Baseada em gestão
Aumento das velocidades Redução das velocidades
Minimização dos tempos de deslocamento Tempos de deslocamento razoáveis e confiabilidade
de itinerários
Segregação de pessoas e tráfego Integração entre pessoas e tráfego

Fonte: Adaptado de Banister (2008, p.75)

Logo, é possível deduzir que o dimensão social da cidade, mas


viés da mobilidade urbana pode também do panorama em que as TICs
ser inteligente, sustentável ou estão inseridas em sua dimensão
simplesmente digital, dependendo física, como mostrado na Figura 1.
não apenas da consideração da

234
Figura 1 – Diagrama de Venn da mobilidade urbana

Fonte: Elaboração própria.

De modo sumário, subentende-se necessidades de viagens utilitárias,


que a aplicação de TICs estritamente reduzir distâncias entre os atrativos
direcionadas para infraestruturas e da cidade e estimular os transportes
sistemas de transporte (GPS, ITS) é ativos, e que pode ser aprimorado
definida como mobilidade digital, mas com a aplicação das TICs para
não necessariamente inteligente. otimização das infraestruturas e
Já a aplicação de tecnologias (RS, sistemas de transporte.
GIS) em prol do aprimoramento do
design e mix de usos do solo via Todavia, a pragmática das cidades
planejamento e projetos urbanos, inteligentes revela uma certa
não necessariamente caracteriza disposição por cenários menos
uma mobilidade inteligente, mas ideais, estritamente tecnocentristas,
apresenta grande aporte e potencial atrelados a interesses econômicos de
em prol da mobilidade sustentável. grandes corporações de tecnologia
que “seduzem” gestores urbanos que
Um cenário ideal pode ser buscam deixar sua marca no mapa
considerado como a conjunção entre das smart cities (LYONS, 2018).
os três quesitos, caracterizando a
mobilidade urbana inteligente, que Esta perspectiva de mobilidade
contempla as TICs como aporte para inteligente dissociada da
tomadas de decisão de planejamento, sustentabilidade, atrelada às
visando minimizar as necessidades influências corporativas e interesses
de deslocamentos, assim como comerciais, sem considerar o
proporcionar infraestruturas e desenvolvimento urbano socialmente
sistemas eficientes, inteligentes e inclusivo, revelam a primazia deste
conectados que estimulam o uso tecnocentrismo em detrimento das
do transporte público e dos modos questões sociais, ambientais e de
ativos de transporte. políticas públicas.

Não obstante, o cerne da mobilidade Por outro lado, mesmo soluções


inteligente permanece representado inteligentes que não são
pela mobilidade sustentável, que explicitamente atreladas ao
contempla estratégias para reduzir tecnocentrismo corporativo, podem

235
representar, simultaneamente, caminhado, utilizado bicicleta ou
paradigmas e paradoxos no âmbito sequer teriam se deslocado, se não
da mobilidade urbana. fosse a praticidade proporcionada
por estes serviços.
3. EXEMPLOS DE SOLUÇÕES
INTELIGENTES E SEUS RESULTADOS Esta absorção de passageiros de
outros meios de transporte, assim
3.1. Transportation Network como os deslocamentos realizados
Companies sem passageiros, foram responsáveis
por um aumento de 180% nas
Fonzone, Saleh e Rye (2018) viagens por automóvel nas cidades.
dissertam que, atualmente, a
proposta mais proeminente e evidente 3.2. Intelligent Transportation
na mobilidade urbana inteligente Systems
é representada por Transportation
Network Companies (TNCs) – Os transportes públicos são serviços
opções de viagens compartilhadas essenciais na mobilidade urbana.
por aplicativos. Estas surgiram com Entretanto, são recorrentes os
propostas simples e muito atrativas: cenários de ineficiência dos serviços,
serviço de transporte particular, em que a irregularidade de horários,
parecido com táxi, com preços elevadas tarifas e reduzida prioridade
atrativos e acessível a um toque no na hierarquia da mobilidade urbana,
smartphone – também conhecidas estimulam a (e são decorrentes
como e-hailing. da) habitual primazia dos modos
individuais motorizados de
À primeira vista, pode parecer transporte.
uma solução de mobilidade
urbana sustentável. Entretanto, a Assim, a democratização dos sistemas
comodidade dos TNCs não apenas viários, na qualidade de espaços
continua introduzindo viagens públicos, é primordial para alcançar
individuais motorizadas nas cidades maior eficiência e sustentabilidade
(que, por sua vez, demandam na mobilidade urbana, e é nesse
investimentos públicos cada vez contexto que os ITS contribuem
maiores para manutenção do sistema para uma melhor eficiência da
viário), como também contribuem infraestrutura urbana. Neste sistema
ainda mais para a precarização dos inteligente de transporte público, por
sistemas de transporte público. ônibus por exemplo, a organização
das TICs proporciona a interação
O relatório The New Automobility: entre os veículos e o sistema viário,
Lyft, Uber and the Future of American e relaciona-se com as TICs de outros
Cities (SCHALLER CONSULTING, modos de transporte (como metrô,
2018), por exemplo, evidenciou que, bicicletas compartilhadas, etc.)
nas cidades americanas estudadas, (APTA, 2010), de modo a organizar
houve um crescimento acentuado no faixas preferenciais intermitentes
uso das TNCs em função da absorção para o transporte público,
de passageiros de outros modos de aproveitando faixa(s) de rolamento
transporte. Mais do que isso, 60% existente(s).
dos usuários, que fizeram viagens
utilizando TNCs, afirmaram que A Figura 2 exemplifica a aplicação de
teriam utilizado transporte coletivo, TICs para esta destinação de faixas

236
para ônibus. Na ilustração 1 não há geral não podem adentrar à faixa;
aproximação de ônibus, a iluminação a ilustração 3 mostra o ônibus
longitudinal permanece desligada, circulando e a iluminação piscando; e
então os veículos podem circular na a ilustração 4 representa a invasão
faixa da direita; na ilustração 2 há da faixa por um automóvel durante
uma aproximação do ônibus detectada a aproximação do ônibus, com as
por sensores localizados junto à via, luzes piscando indicando a postura
a iluminação longitudinal começa a incorreta do motorista.
piscar indicando que os veículos em
Figura 2: TICs em faixas dinâmicas e intermitentes para ônibus

Fonte: APTA (2010, p.12)

Exemplos deste sistema são um projeto experimental em Lisboa,


encontrados na Dynamic Fairway, Portugal, como mostrado na Figura
em Melbourne na Austrália, e em 3.

Figura 3: Fotos do Corredor Bus Intermitente em Lisboa, Portugal

Fonte: Viegas et al. (2006, p.244)

A Figura 4 representa um sistema utiliza comunicação entre o ônibus


inteligente de priorização do e as cabines controladoras dos
transporte coletivo nas interseções semáforos, em que a prioridade
com semáforos. Denominada Transit pode ser implementada dentre dois
Signal Priority (TSP), esta tecnologia tipos: condicional e incondicional.

237
A prioridade incondicional implica mesmo, desde que certas condições
da priorização do deslocamento do de tráfego e congestionamento
ônibus em todas as oportunidades. sejam atendidas.
Já a prioridade condicional fará o
Figura 4: TICs na priorização do ônibus nas fases dos semáforos

Fonte: APTA (2010, p.12)

Os benefícios das TICs nas econômicos da indústria tecnológica


componentes supracitadas foram e as necessidades de transporte
evidentes, principalmente na redução apresentam-se justapostos,
dos tempos de deslocamento (de colaborando ou competindo para
até 18% nas durações e eliminando cenários de acessibilidade como
até 80% dos atrasos, em cidades produto – ao invés de um direito
da Europa e América do Norte), fundamental.
dos custos operacionais (com uma
economia estimada em $ 3,3 milhões Sem dúvida, a consideração das
por ano na cidade de Los Angeles) dimensões física e social, juntamente
e melhoria da confiabilidade dos com o aporte das tecnologias,
serviços de transporte público é preceito fundamental para a
(reduzindo em até 40% as variações concepção de mobilidade urbana
de tempo de deslocamento nas sustentável e inteligente. Entretanto,
cidades de Seattle e Vancouver), as inúmeras possibilidades
segundo APTA (2010). proporcionadas pelo conceito
smart, se dominadas por interesses
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS estritamente comerciais, podem
representar um tecnocentrismo
Aprimorar a mobilidade urbana, alinhado exclusivamente a interesses
seja ela inteligente ou sustentável, econômicos.
inevitavelmente, estimulará novas
demandas por deslocamentos. E A interpretação de mobilidade
na atual era das TICs, são notórios inteligente, a partir das análises
os exemplos em que interesses apresentadas, está atrelada

238
à uma articulação equilibrada das TICs na mobilidade urbana
entre componentes relacionadas apresenta um grande potencial
à infraestruturas e serviços de de contribuição para a mobilidade
transporte, assim como desenhos sustentável, por outro, um enfoque
urbanos e usos mais inteligentes – estritamente tecnocentrista,
pois de nada adianta aprimorar o pode desprezar componentes
sistema viário e de transporte com essenciais para implementação de
tecnologias inteligentes, se o uso cidades inteligentes e inclusivas,
deste não for inteligente. que proporcionem infraestruturas
intermodais conectadas em prol de
Por meio de tecnologias que deslocamentos eficientes, acessíveis,
auxiliam na interação entre usuários, atrativos e sustentáveis.
infraestrutura e frota (componentes
humana, de veículos e operacional), 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
a exemplo dos ITS, são perceptíveis
as potenciais aplicações para ALBUQUERQUE, P. C. G.; SANTOS, C.
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241
Aplicação dos conceitos e ferramentas de IoT à gestão
da Fração Orgânica de Resíduos Sólidos Urbanos: uma
exploração inicial
Application of IoT concepts and tools for managing the organic fraction of
Municipal Solid Waste: an initial exploration

Aplicación de los conceptos e herramientas de IoT a la gestión de la


fracción orgánica de los residuos sólidos urbanos: una investigación inicial

Marco Aurélio Soares de RESUMO


Castro Em virtude de maciços processos urbanizatórios, prevê-se a maioria absoluta da população
mundial residirá em cidades até o ano de 2050. Em face das mudanças no ambiente urbano,
Professor Doutor, UNICAMP,
impõe-se o desafio de não apenas manter como ampliar e aperfeiçoar os serviços prestados
Brasil à população como um todo, o que levou à definição do conceito de resiliência urbana. O uso
marcocastro@ft.unicamp.br de Tecnologias de Informação e Comunicação tem sido investigado como uma possibilidade de
atender a esse desafio, notadamente no contexto das cidades inteligentes, que preveem uso
maciço da chamada Internet das Coisas (Internet of Things – IoT). Este trabalho visa identificar
Jacqueline Mazini as possiblidades de aplicação do conceito e de ferramentas de IoT para aperfeiçoar processos e
Lafratta estratégias de gestão de resíduos sólidos urbanos, sobretudo de suas frações orgânicas. Após
Mestranda, UNICAMP, Brasil. uma revisão de literatura inicial, uma pesquisa em bases digitais revelou artigos focados na
J044150@dac.unicamp.br aplicação de IoT no desenvolvimento de lixeiras inteligentes, na otimização de rotas de coleta de
resíduos urbanos e no monitoramento de alguns parâmetros de processos de compostagem. A
quantidade de trabalhos identificados sinaliza um amplo campo de pesquisas sobre tecnologias
aplicadas à gestão de resíduos e outros serviços de saneamento, todos eles fundamentais para
garantir qualidade de vida às pessoas residentes no ambiente urbano, cada vez mais povoado
e populoso.
PALAVRAS-CHAVE: Resíduos Sólidos Urbanos. Compostagem. IoT.

ABSTRACT
Due to massive urbanization processes, it is expected that the majority of the world’s population
will be living in cities by 2050. In face of these changes in urban areas, the challenge will
not only be maintaining but also expanding and improving urban services provided to the
population, which has given rise to the concept of urban resilience. The use of communication
and information technologies has been presented as a possibility for achieving these challenges,
particularly in the context of smart cities, which predicts a heavily use of the so called Internet
of Things or IoT. Thus, this study aimed to identify the possibilities of IoT applications for
improving municipal solid waste management processes and strategies with a focus on its
organic fractions. A preliminary literature review revealed that current publications have
focused on IoT applications for integrated waste collection systems using smart bins and vehicle
route optimization and for monitoring a few parameters on composting processes. Overall, the
number of studies identified by the present study shows that a broad field of research still needs
to be explored on applied technologies for waste management and other sanitation services.
Such technologies will be crucial to ensure quality of life for city dwellers living in an increasingly
inhabited and crowded world.
KEYWORDS: Solid Waste. Composting. IoT
RESUMEN
Debido a los procesos de urbanización masiva, se espera que la mayoría de la población mundial
viva en ciudades para 2050. Frente a estos cambios en las zonas urbanas, el reto no sólo será
mantener, sino también ampliar y mejorar los servicios urbanos que se prestan a la población,
lo que ha dado lugar al concepto de resiliencia urbana. La utilización de las tecnologías de la
comunicación y la información se ha presentado como una posibilidad para lograr esos retos, en
particular en el contexto de las ciudades inteligentes, que prevén un uso intensivo del llamado
Internet de las cosas (Internet of Things – IoT) . Así pues, este estudio tenía por objetivo
determinar las posibilidades de las aplicaciones de IoT para mejorar los procesos y estrategias

242
de gestión de los desechos sólidos municipales, centrándose en sus fracciones orgánicas. Un
examen preliminar de la bibliografía reveló que las publicaciones actuales se han centrado
en las aplicaciones de IoT para los sistemas integrados de recogida de desechos mediante
la optimización de las rutas de los vehículos y la vigilancia de sólo unos pocos parámetros
de los procesos de compostaje. En general, el escaso número de estudios identificados por
el presente estudio muestra que aún queda por explorar un amplio campo de investigación
sobre las tecnologías aplicadas a la gestión de desechos y otros servicios de saneamiento. Esas
tecnologías serán cruciales para garantizar la calidad de vida de los habitantes de las ciudades
que viven en un mundo cada vez más poblado.
PALABRAS CLAVE: Residuos sólidos. Compostaje. IoT

1 INTRODUÇÃO
(WILSON et al., 2015; KAZA et al.,
1.1 RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS 2018) . Em uma visão mais ampla,
a geração de resíduos, incluindo
O desenvolvimento econômico, o resíduos industriais, comerciais, de
crescimento populacional, que deve demolição e construção civil pode
aumentar em 2 bilhões de pessoas chegar a 10 bilhões de toneladas por
até 2050 (WILSON et al., 2015), ano (WILSON et al., 2015)
aliados ao aumento de até 70% na
taxa de urbanização nos próximos 30 Um sistema de gestão e gerenciamento
anos (RICCI-JÜRGENSEN; GILBERT; de RSU devidamente fundamentado
RAMOLA, 2020), implicarão no é essencial para o tratamento
aumento do consumo de recursos e disposição ambientalmente
naturais e, consequentemente, na adequada dos mesmos, porém,
geração de resíduos, tornando ainda este paradigma está muito longe da
mais complexo todo planejamento realidade vivida em muitos países,
e implantação de um sistema de principalmente, os de baixa renda. As
gestão de resíduos ambientalmente taxas de coleta de RSU variam muito
adequado, o que por sua vez, pode de um país para outro. Enquanto,
trazer grandes impactos econômicos, os países desenvolvidos atingem
sociais e ambientais (KAZA et al., níveis de coleta de mais de 90%,
2018). Desta forma, garantir a os países de renda baixa coletam
correta caracterização, segregação em torno de 48% dos resíduos que
e tratamento adequado de resíduos geram (KAZA et al., 2018). Outros
sólidos urbanos (RSU) permanece pontos preocupantes entre os países
um grande desafio para qualquer país em desenvolvimento são as taxas de
ou cidade pelo mundo. A geração de tratamento e disposição dos RSU.
resíduos cresce em uma velocidade Cerca de 33% dos rejeitos gerados são
que o mundo ainda não está descartados em áreas a céu aberto
preparado para lidar adequadamente sem tratamento algum, e quase 40%
com o problema. A população são dispostos em alguma forma de
mundial gera anualmente mais de aterro, sem a garantia de qualquer
dois bilhões de toneladas de RSU, atendimento as normas ambientais
com previsão de aumento de 70% existentes (KAZA et al., 2018). A
(ou seja, 3,4 bilhões de toneladas) realidade de países desenvolvidos e
em 30 anos. Os países de renda países em desenvolvimento diferem
baixa e média contribuirão com 40% também quanto aos tipos e volumes
ou mais da geração de RSU prevista de RSU gerados (Figura 1).

243
Figura 1: Variação da Composição dos RSU por nível de renda do país

Fonte:WILSON et al (2015), adapt.

1.2 FRAÇÃO ORGÂNICA DE RESÍDUOS utilizados, ao passo que os países


SÓLIDOS URBANOS (FORSU) subdesenvolvidos e emergentes
tendem a descartar alimentos que
Os países subdesenvolvidos e não podem mais ser ingeridos,
emergentes geram uma significativa aqueles que sobram depois do
fração de resíduos sólidos orgânicos preparo de uma refeição (WILSON
devido a fatores culturais, nível et al., 2015). Além disso, nos países
de desenvolvimento econômico e mais ricos a perda ocorre nos níveis
hábitos de consumo. Em países de de varejo e consumo. Já nos países
maior renda, 30% em média dos emergentes e subdesenvolvidos,
RSU gerados corresponde à fração a perda acontece nos níveis de
orgânica, enquanto os países mais pós-colheita e de processamento
pobres são responsáveis por uma (GUSTAVSSON et al., 2011).
fração maior, entre 50% a 70%.
Portanto, quanto maior o nível 1.2.1 COMPOSTAGEM: ALTERNATIVA
econômico do país, menor é a PARA O TRATAMENTO DA FORSU
fração orgânica gerada (WILSON
et al., 2015; KAZA et al., 2018). A Os resíduos sólidos orgânicos são
porcentagem de geração de resíduos constituídos por quaisquer materiais
sólidos orgânicos anual no mundo orgânicos de origem vegetal ou
está entre 44 a 46% do total de animal como restos de alimentos e
RSU gerado (RICCI-JÜRGENSEN; resíduos de limpeza de áreas verdes
GILBERT; RAMOLA, 2020). como folhas e podas de jardim
(LIM; LEE; WU, 2016). Portanto,
Outro fator de diferença entre os o tratamento e aproveitamento da
países é a origem desses resíduos fração orgânica dos resíduos através
sólidos orgânicos (RSO). Países do processo de compostagem é
desenvolvidos tendem a desperdiçar uma alternativa plausível para
alimentos que ainda poderiam ser reduzir significativamente a fração

244
de resíduos orgânicos dispostos eliminação da maioria dos patógenos.
em aterros ou mesmo de forma
inadequada; própria Lei Federal - Fase de maturação: Fase
12305/10, que a instituiu a Política caracterizada pela queda da atividade
Nacional de Resíduos Sólidos, microbiana, declínio da temperatura
preconiza a não geração; na entre 25-30°C e estabilização do
impossibilidade desta, porém, os composto, que pode então ser
resíduos gerados devem ser alvo de utilizado (DIAZ et al., 2007; CASAS
medidas de redução, reutilização, et al., 2014).
reciclagem e tratamento, antes de se
cogitar a disposição ambientalmente Os parâmetros que influenciam no
adequada em aterros sanitários controle do processo de compostagem
(BRASIL, 2010). são: temperatura, teor de umidade,
pH, aeração, relação C / N e tamanho
A compostagem consiste na de partícula (DIAZ et al., 2002) e,
decomposição da matéria orgânica devem portanto, ser monitorados:
por diferentes microrganismos que
convertem o resíduo em um composto - Aeração: sendo a compostagem
estável, livre de patógenos que um processo aeróbio, a aeração é
pode ser utilizado como adubo para necessária para suprir a demanda
plantas (HAUG, 1993). O processo de oxigênio exigida pela atividade
também pode gerar um líquido microbiológica, além de atuar no
biofertilizante, a partir da umidade controle de temperatura; A ausência
natural dos resíduos compostados, e de oxigênio pode levar à morte dos
ao mesmo tempo tem potencial para organismos aeróbios e à proliferação
reduzir significativamente o envio de organismos anaeróbios, causando
de resíduos para aterros sanitários, maus odores, e retardar o processo
dadas as significativas frações decomposição e maturação da
orgânicas mencionadas no item matéria orgânica.
anterior.
- Temperatura: o aquecimento das
Três etapas de decomposição são pilhas de compostagem ocorre
identificadas no processo: mesofílica, naturalmente devido ao metabolismo
termofílica e de maturação exotérmico dos microrganismos.
(humificação): Baixa temperatura inibi o crescimento
de microrganismo termofílicos que
- Fase mesofílica: Fase curta de são responsáveis pela segunda
crescimento de microrganismos, etapa de decomposição da matéria
principalmente de bactérias, que orgânica. Além disso, a alta
irão metabolizar as moléculas temperatura ajuda na eliminação de
mais simples da matéria orgânica patógenos. Temperatura muita alta
durante aproximadamente 15 dias. A pode eliminar toda a flora mesófila
temperatura pode chegar até 40 °C. prejudicando a fase de maturação e,
consequentemente, a estabilidade
- Fase termofílica: Fase mais do substrato.
longa, com duração de pelo menos
dois meses. O material orgânico - Umidade: o teor de umidade deve
é submetido aos microrganismos ficar em torno de 40-60% para
termófilos, que sobrevivem a que não interfira na oxigenação do
temperatura de até 70°C; ocorre a processo, e nem retarde o tempo

245
de compostagem. Umidade em necessário.
excesso causa o preenchimento
dos espaços vazios do substrato, 1.3. CIDADES INTELIGENTES (SMART
reduzindo o fornecimento de oxigênio CITIES) E INTERNET DAS COISAS
para os microrganismos, que por (INTERNET OF THINGS)
consequência, acabam morrendo.
Baixa umidade prejudica a atividade O uso do termo smart começou na
microbiana, pois a falta de água década de 1990 como uma maneira
prejudica a absorção dos nutrientes de apresentar as infraestruturas
pelos microrganismos através de necessárias para suportar a tecnologia
suas paredes celulares (SOUZA et da informação e comunicação
al., 2020). necessárias no meio urbano e que
estavam surgindo nas cidades. A
- Dimensões da partícula: devem partir de 2008, a cidade passa a ser
variar entre 1 a 5 cm; abaixo dessa considerada como um ecossistema
faixa, podem causar a compactação de prestação de serviços para sua
do material; acima, fazem com que a população, que espera melhorias
decomposição seja mais lenta; nos serviços prestados; a tecnologia
ainda é vista como um dos meios
- Relação C/N: o carbono e o para se alcançar a eficiência e não
nitrogênio são elementos essenciais como o “ponto chave” (ALBINO et
para o crescimento e a divisão das al., 2015).
células dos micro-organismos. O
Carbono é fonte de energia, enquanto No ano de 2010 percebe-se um
o nitrogênio é essencial para a síntese enfoque na otimização no consumo
de proteínas. Portanto, a relação de recursos como água e energia
ideal de C/N para a metabolização da para reduzir e evitar o desperdício. A
matéria orgânica está na proporção cidade é percebida como uma conexão
30:1(SOUZA et al., 2020) entre infraestruturas (meio físico),
população (meio social) e negócios
- pH: a compostagem ocorre na e serviços (meio econômico). Em
faixa de pH entre 4,5 e 9,5; O pH 2011 iniciativas buscam atingir a
do composto já estabilizado deve ser qualidade de vida plena nas cidades,
maior de 7,8. O pH elevado reduz mantendo um ambiente saudável,
a atividade microbiana, retardando inclusivo e competitivo, inclusive
o tempo de reação de início do por meio de políticas públicas para
processo de compostagem. pH abaixo garantir o desenvolvimento urbano
do desejado impede o crescimento sustentável para a população como
microbiano do organismos termófilos, um todo (ALBINO et al., 2015).
tornando o aumento de temperatura
mais vagarosa (SOUZA et al., 2020). Em 2013, Albino et al. (2015)
identificaram iniciativas pioneiras
Portanto, é fundamental o no monitoramento de aspectos de
monitoramento sistemático do sustentabilidade, qualidade de vida,
processo, o que convencionalmente índices de felicidade da população,
ocorre com a atuação presencial crescimento econômico, entre
frequente de uma ou mais pessoas, outros, chegando-se ao conceito de
munidas de equipamentos de cidades inteligentes que buscam a
medições manuais e capacidade melhoria contínua do desempenho
técnica para intervir no processo, se urbano através da utilização de

246
dados e tecnologias da informação, adesão ao conceito de Internet das
para prestar serviços de maior Coisas.
qualidade e eficiência, otimizar
infraestrutura, incentivar modelos de O conceito básico da Internet das
negócios inovadores no setor público coisas ou Internet of Things (IoT)
ou privado. é conectar quaisquer dispositivos/
objetos entre si (coisa-coisa) ou ao
No mundo todo, mais de cinquenta usuário (humano-coisa), através da
conceitos diferentes são aceitos internet, para que seja possível a
para o termo Cidade Inteligente. interação e comunicação entre eles
Por exemplo, para Lazaroiu e Roscia (EUROPEAN TECHNOLOGY PLATFORM
(2012), Smart City consiste em “uma ON SMART SYSTEMS INTEGRATION,
nova forma de viver e considerar a 2008), em qualquer parte do mundo
cidade, apoiada em TICs (Tecnologias à qualquer hora (DINIZ, 2006).
da Informação e Comunicação) que Portanto, qualquer equipamento
podem ser integradas em soluções utilizado no cotidiano das pessoas
para gestão da energia, água, desenvolvido com o conceito IoT é
segurança pública, mobilidade e capaz de monitorar, controlar e trocar
gestão de resíduos”. Já segundo informação remotamente (SURESH
o Consórcio Ambiente Smart City et al., 2014), isto é, são dispositivos
(2017), Cidade Inteligente é desenvolvidos para que atuem de
forma autônoma (KEVIN, 2010),
“aquela que, por meio da ou com o mínimo de intervenção
absorção de soluções inovadoras, humana, possibilitando assim
especialmente ligadas às TICs, ao tomadas de decisão mais rápidas
movimento da Internet das Coisas e inteligentes, proporcionando
(..) [e] otimiza o atendimento comodidade e maior eficiência nas
às suas demandas públicas (as atividades humanas.
quais variam de acordo com a
Cidade em estudo), aproximando- O termo “IoT” foi primeiramente
se, tanto quanto possível, do empregado em 1999, ao relacionar
estágio tecnológico vigente da identificação por radiofrequência
humanidade. (CONSÓRCIO (RFID) em rede, tecnologia de
AMBIENTE SMART CITY, 2017) sensores e internet (KEVIN, 2010).
Porém, o conceito, do que mais tarde
As diferentes abordagens viria a ser conhecido como IoT, já
demonstram que não há uma tinha sido apresentado por Mark
unanimidade a respeito da definição Weiser alguns anos antes, quando
de cidades inteligentes, ainda mais descreveu o conceito de computação
quando elas são observadas sob obíqua. O Quadro 1 apresenta
diferentes domínios do conhecimento os principais fatos históricos no
(MEIJER e BOLÍVAR, 2016). Porém, desenvolvimento do termo “Internet
há um ponto em comum entre todas das coisas”.
as definições: o uso das TICs, com a

247
Quadro 1: Histórico de desenvolvimento da Internet das coisas (IoT)
Ano Fatos
Mark Weiser publica o artigo "The Computer for the 21st Century", que descreve a computação obíqua,
1991
dando início, ao que mais tarde se tornaria o conceito da IoT.
Kevin Aston pela primeira vez emprega o termo IoT, ao relacionar RFID em rede, tecnologia de sensores
1999
e internet.
Lançamento da EPC - Network Electronic Product code (código eletrônico do produto) pela Auto - ID
2003
Center.
Exigências do uso de etiquetas RFID pelos fornecedores da cadeia de suprimentos do Wall Mart e do
2005 Departamento de Defesa Americano. Este ano é o marco inicial da IoT devido à utilização em massa do
sistema RFID na cadeia de abastecimento.
Cisco IBSG (Internet Business Solutions Group) informa que o número de dispositivos conectados à
2008/2009
internet ultrapassou o número de pessoas no mundo. Ano de nascimento da IoT.
Fonte: FREITAS DIAS (2016), adapt.

Atualmente, a IoT já pode ser se incorporado aos hábitos das


compreendida como uma rede pessoas sem que muitas percebam
composta por três principais seu rápido crescimento. Para se ter
componentes: hardware (sensores, uma ideia da velocidade de expansão
atuadores e chips), software e adoção do conceito, em 2003
(armazenamento e análise de havia 500 milhões de dispositivos
dados), e rede de comunicação, conectados no mundo todo. Ou seja,
sobretudo, sem fio (bluetooth, wi-fi e a população estimada para aquele
infravermelho) (GUBBI et al., 2013); ano era de aproximadamente 6,5
(KNUD e LUETH, 2015); (ALBERTIN bilhões de pessoas sendo menos
e ALBERTIN, 2017). McEwen e de um dispositivo conectado à
Cassimally (2014) resumem o internet por pessoa no mundo. Já em
conceito de IoT em uma equação 2020 a quantidade de dispositivos
simplificada: conectados à internet é de 50 bilhões,
100 vezes maior em menos de 20
objeto físico + (sensores, atuadores e anos; contabilizando mais de 6,5
controladores) + internet = IoT dispositivos conectados à internet
por pessoa (IBSG; DAVE EVANS,
2011). Portanto, o mercado de IoT
Assim sendo, ao proporcionar acesso continuará a crescer a medida suas
e interconexões inteligentes entre oportunidades são reconhecidas e
uma diversidade de dispositivos absorvidas pelos setores econômicos
(KHARE; KHARE, 2018), a IoT tem universais (MEHMOOD et al., 2017).
permitido vislumbrar e desenvolver
inúmeros tipos de aplicações e Neste ponto, cabe citar De Jong et
serviços no campo social, ambiental al (2015), que apontam que termos
(GUBBI et al., 2013), industrial, como ‘sustentável’, ‘inteligente’ e
agrícola, transporte e da saúde ‘resiliente’ muitas vezes chegam a ser
(ATZORI; IERA; MORABITO, 2010). usados como sinônimos por ocasião
do planejamento e da tomada de
Com a expansão de hardwares e decisões referentes às cidades; o
softwares conectados através de termo ‘inteligentes’, em especial,
redes de transmissão, a IoT tem tem predominado na área de

248
modernização urbana. Para Meerow de cidade inteligente. A seguir,
et al (2016), ainda que resiliência a metodologia compreendeu a
possa ser definida como a capacidade pesquisa e leitura de livros, relatórios
de, após uma perturbação, retornar e outros documentos sobre os temas
a um estado inicial – e que este não IoT e gestão de resíduos sólidos
seja o mais desejável –, admite-se orgânicos. Por fim, realizou-se uma
frequentemente o conceito como revisão em artigos especificamente
positivo, identificando-se uma ênfase voltados para aplicações de
crescente na valorização da resiliência princípios de IoT à gestão deste
das cidades diante da urbanização tipo de resíduo; foram consultadas
e das alterações climáticas sem as bases de dados digitais Science
precedentes na história humana. Direct, Web of Science (WOS),
Scopus, Google Scholar e portal dos
Destaca-se que a presente pesquisa, periódicos CAPES utilizando-se as
sem pretender esgotar a discussão, palavras-chaves IoT, composting,
visa destacar a contribuição de compost monitoring, food waste,
tecnologias de informação e waste management, restaurant food
comunicação – elemento marcante waste, biowaste e organic waste. Os
do conceito de cidades inteligentes artigos obtidos foram analisados,
– no aperfeiçoamento de serviços destacando-se as informações
urbanos básicos, entre os quais a relativas ao ano de publicação, local
gestão de resíduos sólidos urbanos de realização e objetivo da pesquisa,
deve ter papel de destaque. tipo de instalação estudada, resíduo
analisado, e os dispositivos e
2 OBJETIVOS estrutura utilizados.

Este trabalho teve como objetivo 4 RESULTADOS


principal apresentar uma análise
preliminar das possibilidades de Da análise realizada via Google
aplicação do conceito de IoT à Trends (Figura 1), observou-se que o
gestão de resíduos sólidos urbanos, interesse pelos temas “IoT” e “smart
sobretudo de sua fração orgânica. cities” evoluiu de forma similiar no
mesmo período de tempo analisado,
3 METODOLOGIA crescendo de forma mais significativa
a partir de 2013. Exatamente no
Inicialmente, para contextualizar o ano em que Albino et al (2015)
assunto e identificar a evolução no identificaram iniciativas pioneiras
interesse pelo tema, uma análise no monitoramento de aspectos de
(via Google Trends) verificou a sustentabilidade, qualidade de vida,
quantidade de buscas pelos termos índices de felicidade da população,
“IoT” e “Smart Cities”. Além disso, crescimento econômico, entre
uma busca em artigos científicos outros, através da utilização de
apontou os diferentes campos dados e tecnologias da informação.
de aplicação da IoT na condição

249
Figura 1: Pesquisas pelos termos “IoT” (Internet das Coisas) e “Smart City”
(Cidade Inteligente)

FONTE: Adaptado do Google Trends (2020)

Com efeito, são inúmeras as et al., 2013), industrial, agrícola,


aplicações oferecidas pela IoT dentro transporte e da saúde (ATZORI et al,
do contexto de Cidades Inteligentes, 2010) (Quadro 2).
nos campos social, ambiental (GUBBI

Quadro 2: Exemplos de aplicações da IoT por campo de atuação

Campo Função Exemplos Fonte


Knud e
Casas Inteligentes Controle de travamento das portas, portões e janelas,
Lueth
(smart homes) climatização da casa, detectores de fumaça, etc.
(2015)
Eletrônicos Controle de equipamentos domésticos (refrigeradores, Gubbi et
Inteligentes máquinas de lavar, TV, etc.) al. (2013)
Direção autônoma ou apenas com auxílio do motorista; Knud e
Carros inteligentes
conectividade com outros carros, serviços de Lueth
(smart cars)
mapeamento ou controle de tráfego. (2015)
Monitoramento de vibrações e condições dos
Social materiais em edifícios, pontes e monumentos;
iluminação inteligente, adaptável conforme a
necessidade; monitoramento de sinistros por vídeo
Cidades digital, gerenciamento de controle de incêndio e
Mancini
inteligentes eventos naturais; estradas inteligentes com alertas de
(2017)
(smart cities) acidentes ou engarrafamentos; monitoramento da
ocupação de vagas em estacionamentos, possibilidade
de reservar vagas disponíveis; detecção da ocupação
das lixeiras para otimização da rota de coleta de
resíduos.
Gubbi et
Detecção de níveis de poluição, vazamentos de água e al.
Ambiental Recursos naturais consumo de energia; monitoramento de qualidade da (2013);
água, ar e solo. Suresh et
al. (2014)
250
Monitoramento de condições ambientais e controle de
processos de produção; economia de energia,
Fábricas Mancini
Mancini
inteligentes eventos naturais; estradas inteligentes com alertas de
(2017)
(smart cities) acidentes ou engarrafamentos; monitoramento da
ocupação de vagas em estacionamentos, possibilidade
de reservar vagas disponíveis; detecção da ocupação
das lixeiras para otimização da rota de coleta de
resíduos.
Gubbi et
Detecção de níveis de poluição, vazamentos de água e al.
Ambiental Recursos naturais consumo de energia; monitoramento de qualidade da (2013);
água, ar e solo. Suresh et
al. (2014)
Monitoramento de condições ambientais e controle de
processos de produção; economia de energia,
Fábricas Mancini
segurança na manufatura, monitoramento do ciclo de
inteligentes (2017)
vida dos produtos, rastreamento ao longo da cadeia de
suprimento,
Publicidade baseada em proximidade, medição do Knud e
Industrial
Varejo inteligente comportamento de compra na loja e soluções de Lueth
e varejista
pagamento inteligentes. (2015)
Suresh et
Monitoramento e gerenciamento do consumo de al.
Rede inteligente
energia, distribuição automática de energia, medições (2014);
(smart grid)
remotas de relógios residenciais. Mancini
(2017)
Segurança e rastreabilidade de produtos agrícolas,
gerenciamento de qualidade, monitoramento
Agricultura Mancini
ambiental para produção e cultivo, gerenciamento no
inteligente (2017)
Agrícola processo de produção, utilização de recursos para a
agricultura.
Suresh et
Irrigação seletiva Otimização e redução no uso de recursos hídricos.
al. (2014)
Monitoramento de tempos de viagem e Gubbi et
Meios de
Transport engarrafamentos, análise da melhor rota, al.
transportes mais
ee monitoramento de ruído e poluentes atmosféricos; (2013);
eficientes e
logística monitoramento dos itens sendo transportados; Suresh et
inteligentes
rastreamento de frota. al. (2014)
Knud e
Dispositivos Monitoramento e controle da frequência cardíaca Lueth
Saúde médicos durante exercícios; monitoramento das condições dos (2015);
inteligentes pacientes em hospitais e casas de idosos. Mancini
(2017)
Europea
n
Technolo
Identificação da origem dos produtos e recolhimentos gy
Segurança Identidades
seletivos de itens infectados, garantindo a segurança Platform
alimentar rastreáveis
alimentar e evitando o desperdício on Smart
Systems
Integrati
on (2008)

O estudo mais antigo encontrado forma independente em vários


sobre monitoramento remoto foi pontos da pilha de compostagem,
Casas et al (2014). Os pesquisadores sem necessidade de uma fonte de
utilizaram sensores de temperatura alimentação externa. Os sensores
e umidade encapsulados em um apresentaram bom desempenho,
material inerte; cada um destes porém, a densidade e composição
dispositivos, chamados sensoballs, do material sendo compostado
foi projetado para funcionar de possivelmente interferiu na

251
comunicação entre os sensores e temperatura; a pesquisa foi realizada
o ‘hub receptor; as baterias dos em uma pilha de compostagem com
dispositivos também duraram menos aeração passiva com capacidade para
que o esperado, aparentemente processar mensalmente 1 tonelada
devido às temperaturas mais altas de resíduos de alimentos, aparas de
da pilha de composto. madeira e de grama. Foi observado
que a entrada em operação do
O sistema de coleta baseado em sistema contribui para a redução de
IoT proposto e avaliado por Hong et visitas do operador à instalação.
al (2014) era composto de lixeiras
inteligentes, roteadores e servidores. Finalmente, Wen et al (2018)
Cada uma das lixeiras usadas para discutiram o projeto, implementação
coletar resíduos de alimentos era e avaliação de uma rede IoT baseada
alimentada por baterias e conectada em sensores para aperfeiçoar a
via rede sem fio a um servidor; este gestão de resíduos de alimentos
coletava e analisava a situação de provenientes de restaurantes. O
todas as lixeiras e as informações sistema desenvolvido abrangia as
dos moradores por meio de leitores fases de geração, coleta, transporte
RFID. Um sistema de cobrança e disposição final dos resíduos.
calculava e realizava a cobrança de Os dispositivos de coleta também
um valor baseado na quantidade contavam com etiquetas RFID para
de resíduo descartado na lixeira. comunicar informações referentes
Os coletores podiam verificar as à massa de resíduos de alimentos
quantidades coletadas, recebendo e ao restaurante de origem. Os
notificações sempre que uma lixeira caminhões de coleta e transporte
atingia 90% de sua capacidade, o de resíduos receberam sensores
que ajudou a otimizar o processo para acompanhar variações de peso,
de coleta. O sistema gerou dois e informações de localização em
benefícios: a política de cobrança tempo real eram coletadas via GPS,
por descarte motivou os moradores ajudando no monitoramento e ajuste
a reduzir a geração, tendo sido das rotas de caminhões, permitindo
identificada uma redução de 33% otimizar a alocação da frota. Outros
na quantidade coletada de resíduos sensores também monitoraram as
de alimentos; observou-se também produções de biodiesel, biogás e
uma eficiência maior na coleta de fertilizante orgânico ocorrendo na
resíduos, tendo havido uma redução instalação que recebia os resíduos.
de 16% no consumo de energia. Toda a informação gerada ao longo
Dois problemas foram identificados: das etapas era enviada para uma
a necessidade de aumentar a vida plataforma integrada de gestão para
útil das baterias e os custos mais visualização do sistema tempo real,
altos de manutenção das lixeiras para monitoramento e identificação de
inteligentes; a geração fotovoltaica possíveis gargalos. Os pesquisadores
de energia e o uso de plásticos mais destacaram sobretudo a melhoria na
resistentes, respectivamente, estão supervisão e controle da geração de
sendo considerados para resolver resíduos, coibindo-se práticas ilegais
estas questões. de transporte e descarte de resíduos.
Os pontos a melhorar consistiram
Jordão et al (2017) desenvolveram na dificuldade de remover das
um sistema automático de baixo lixeiras as etiquetas RFID que eram
custo para monitoramento remoto de danificadas e na necessidade de

252
melhorar a precisão dos sensores de os tipos de resíduos, objeto de
peso utilizados nos caminhões. estudo e dispositivos dos sistemas,
estão sintetizados no Quadro 3.
Alguns destes aspectos, bem como

Quadro 3: Artigos sobre IoT aplicada à gestão de resíduos sólidos orgânicos

Proposta /
Local da
Artigo Instalação Resíduo Dispositivo/Estrutura Funcionamento
pesquisa
Estudada
Sistema remoto de
controle e
Testado em vários
Holanda, monitoramento de Sensor de temperatura;
Casas et Resíduos locais de compostagem
Áustria e temperatura e sensor de umidade;
al. (2014) orgânicos na Holanda, Áustria e
Espanha umidade em comunicação wireless
Espanha
processos de
compostagem
Sistema instalado
Rede mesh (rede malha
Sistema de lixeira próximo a condomínios
sem fio); bateria;
inteligente baseado Resíduos e casas residenciais.
identificação por
Hong et Coréia do em IoT para reduzir orgânicos Moradores utilizam
radiofrequência;
al.(2014) sul o desperdício de (descarte cartão de identificação
roteador; servidor;
alimentos na cidade domiciliar) para o descarte do
lixeiras inteligentes;
de Seul resíduo. Valor pago por
comunicação wireless
volume gerado.
O teste de campo
Sistema automático Resíduos
consistiu em um sensor
de baixo-custo de orgânicos
Jordão et Placa arduíno; sensor para monitorar a
monitoramento de (restaurante,
al. (2017) Brasil de temperatura; temperatura do ar
temperatura aparas de
bateria; data logger externo e outros dois
aplicado à madeira e
para monitorar a pilha.
compostagem grama)
Coletores com etiqueta
RFID e sensor de peso;
Sistema de gestão caminhão de coleta
Plataforma de
e gerenciamento de com leitor RFID, sensor
gerenciamento de
resíduos de Resíduos de peso, GPS, GIS e
Wen et dados e estatísticas em
China alimentos baseado orgânicos câmera de vigilância;
al. (2018) tempo real, vigilância
em IoT ( geração, (restaurante) monitoramento
local e emissão de
coleta, transporte, e automático da
alertas do processo.
disposição final). produção de biodiesel,
biogás e fertilizantes
orgânicos

Observou-se assim que dois dos do conceito de IoT no processo de


artigos são fruto de pesquisas visando compostagem:
sobretudo ao aperfeiçoamento de
procedimentos de coleta e disposição a. geração de dados para auxiliar
final de resíduos orgânicos, enquanto no controle e gerenciamento do
que os outros dois analisam processo;
possibilidades de aperfeiçoar o
monitoramento de parâmetros b.tempo de resposta mais rápida
do processo de compostagem. quando o sistema é monitorado em
Estes artigos relacionaram quatro tempo real;
principais vantagens da aplicação

253
c. melhoria das condições de trabalho de resposta mais rápida quando o
aos operadores, pela redução à sistema é monitorado em tempo
exposição e contaminação por real, na melhoria das condições de
agentes patogênicos trabalho aos operadores, e otimização
do desempenho do processo e das
d. otimização do desempenho do
processo e das instalações como um instalações como um todo.
todo.
Pesquisas mais aprofundadas sobre
5 CONCLUSÃO esta interface das Tecnologias de
Informação e comunicação e gestão
O processo de urbanização de resíduos são evidentemente
crescente impõe a necessidade necessárias, porém percebe-se
de repensar inúmeros aspectos que a melhoria e ampliação destes
do cotidiano, em destaque, na serviços, que consistem um dos
geração de resíduos sólidos urbanos chamados ‘pilares do saneamento
e, consequentemente, na gestão básico’, é fundamental para que as
desses resíduos. Além disso, a busca cidades possam efetivamente serem
por cidades inteligentes pressiona o capazes de se adaptar, transformar
desenvolvimento e aprimoramento de - e, caso necessário resistir – a
várias atividades e serviços prestados determinadas mudanças, sempre de
à comunidade com a utilização modo a garantir condições adequadas
das tecnologias de informação e de vida para todas as pessoas que
comunicação disponíveis. nelas habitem.

A análise inicial via Google Trends 6 AGRADECIMENTO


identificou que a evolução no
interesse pelos temas “IoT” e “smart O presente trabalho foi realizado
cities” foram similares no mesmo com apoio da Coordenação de
período de tempo analisado com Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
crescimento mais significativo a Superior – Brasil (CAPES) – Código
partir de 2013. Já o conceito de IoT de Financiamento 001.
no contexto de cidades inteligentes
se mostrou presente em diferentes
campos de atuação: ambiental, 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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na otimização do processo de ALBINO, V.; BERARDI, U.;
coleta e disposição final de resíduos DANGELICO, R. M. Smart
sólidos orgânicos, mas também no Cities: Definitions, Dimensions,
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256
Arborização urbana como um corredor ecológico

Urban afforestation as an ecological corridor

La forestación urbana como corredor ecológico

Antonio Carlos Pries RESUMO


Devide A arborização urbana beneficia o meio ambiente e promove o bem estar humano. As árvores
abrigam e alimentam a fauna, que promovem o equilíbrio biológico e a polinização. Em termos
Pesquisador Doutor, APTA/
ambientais, reduzem a temperatura do ar, os ruídos e os efeitos dos fortes ventos. Além
SAA, Brasil disso, convertem energia luminosa em carbono, reduzindo os gases de efeito estufa (GEE) na
antonio.devide@sp.gov.br atmosfera. As árvores interceptam a água da chuva e reforçam a recarga hídrica, combatem
enchentes e fortalecem a produção de água subterrânea. Este trabalho registra a adequação
da arborização urbana no bairro Residencial Dr. Lessa, em Pindamonhangaba (SP), Brasil.
Frederico Lúcio de Inicialmente, caracterizou-se a situação em relação aos confrontantes, áreas de relevante
Almeida Gama interesse ecológico e levantamento quanti-qualitativo da arborização (fitossociologia) em
Professor Mestre, Prefeitura de uma área teste. Em seguida, realizou-se visita ao viveiro municipal e elaboração de memorial
Pindamonhangaba, Brasil descritivo. Por último, a ação executiva de plantio. O bairro se localiza na fronteira agrícola,
com nascente e ribeirão em seus limites e áreas verdes parcialmente arborizadas. Em uma
fredypinda@gmail.com
área de 4mil m² de um canteiro central as falhas na arborização e a baixa conectividade, com
predomínio de 65% de espécies exóticas, prejudicam a ligação entre corpos d’água. A ação
Renata Egydio de C. C. executiva para adequação da arborização com fins ecológicos e paisagísticos consistiu de um
Manço plantio de espécies nativas floríferas perenifólias de médio porte em contorno do passeio e, na
porção central, entre palmeiras de grande porte adultas, foram introduzidas mudas nativas de
Jornalista, Fundação de Apoio
frutíferas e madeiras de grande porte. Esta adequação da arborização serve de experiência para
à Pesquisa Tecnológica da novas intervenções.
UNITAU, Brasil PALAVRAS-CHAVE: Paisagismo ecológico. Agrofloresta urbana. Myrtaceae.
regydio.doc@gmail.com
ABSTRACT
Urban afforestation benefits the environment and promotes human well-being. The trees
shelter and feed fauna, which favors biological balance and pollination. In environmental terms,
they reduce air temperature, noise and the effects of strong winds. In addition, they convert
light energy into carbon, reducing greenhouse gases (GHG) in the atmosphere. The trees
intercept rainwater and reinforce water recharge, fight floods, and strengthen groundwater
production. This work records the adequacy of urban afforestation in the Dr. Lessa Residential
neighborhood, in Pindamonhangaba (SP), Brazil. Initially, the situation was characterized in
relation to the confrontations, areas of relevant ecological interest and quantitative-qualitative
survey of afforestation (phytosociology) in a test area. Then, a visit to the municipal nursery
was made and a descriptive memorial was drawn up. Finally, the executive planting action.
The neighborhood is located on the agricultural frontier, with a spring and stream in its
limits and partially wooded green areas. In an area of 4,000 m² of central garden, failures
in afforestation and low connectivity, with a 65% predominance of exotic species, impair the
connection between small strems. The executive action to adapt afforestation for ecological and
landscaping purposes consisted of planting medium-sized perennial native flowering species
around the sidewalk and, in the central portion, between large adult palm trees, native fruits
and wood seedlings were introduced. great bearing. This adaptation of the afforestation serves
as an experience for new interventions.
KEYWORDS: Ecological landscaping. Urban agroforestry. Myrtaceae.

257
RESUMEN
La forestación urbana beneficia al medio ambiente y promueve el bienestar humano. Los
árboles cobijan y alimentan a la fauna, lo que favorece el equilibrio biológico y la polinización.
En términos medioambientales, reducen la temperatura del aire, el ruido y los efectos de los
fuertes vientos. Además, convierten la energía luminosa en carbono, reduciendo los gases de
efecto invernadero (GEI) en la atmósfera. Los árboles interceptan el agua de lluvia y refuerzan
la recarga de agua, combaten las inundaciones y fortalecen la producción de agua subterránea.
Este trabajo registra la adecuación de la forestación urbana en el Barrio Residencial Dr. Lessa,
en Pindamonhangaba (SP), Brasil. Inicialmente, la situación se caracterizó en relación a los
enfrentamientos, áreas de interés ecológico relevante y levantamiento cuantitativo-cualitativo
de forestación (fitosociología) en un área de prueba. Luego, se realizó una visita a la guardería
municipal y la elaboración de un memorial descriptivo. Finalmente, la acción de plantación
ejecutiva. El barrio está ubicado en la frontera agrícola, con un manantial y arroyo en sus
límites y áreas verdes parcialmente arboladas. En un área de 4.000 m² de obra central, fallas
en la forestación y baja conectividad, con predominio del 65% de especies exóticas, perjudican
la conexión entre cuerpos de agua. La acción ejecutiva para adecuar la forestación con fines
ecológicos y paisajísticos consistió en plantar especies de floración nativa perenne de tamaño
mediano alrededor de la acera y, en la porción central, entre grandes palmeras adultas, se
introdujeron frutos nativos y plantones de madera. gran porte. Esta adecuación de la forestación
sirve como experiencia para nuevas intervenciones.
PALABRAS CLAVE: Paisagismo ecológico. Agrofloresta urbana. Myrtaceae.

1. INTRODUÇÃO animais confinados em larga escala


(ALTIERI; NICHOLLS, 2020).
No mundo todo os centros urbanos
concentram a maior parte da No Vale do Paraíba, a ocupação
população (FAO, 2016) e no Brasil, urbana se concentra ao longo do
na maioria das vezes, a expansão eixo da Rodovia Presidente Dutra
urbana é acompanhada da falta de (BR-116) que liga os estados de São
planejamento no uso do solo, o que Paulo e Rio de Janeiro. Este vale,
acarreta em déficit de áreas verdes e que recebe o nome do principal rio
desequilíbrio ambiental com bolsões da região Sudeste do Brasil, está
de calor em função de alterações compartimentalizado entre a Serra
térmicas (ESTÊVEZ; NUCCI, 2015). do Mar e a Serra da Mantiqueira, que
são duas importantes formações
Para mitigar os problemas ambientais de relevante interesse ecológico para
na área urbana, é necessário a biogeografia e conservação de Mata
promover uma agenda pública de Atlântica (DEVIDE et al., 2020).
gestão socioambiental (e cultural)
para reduzir a vulnerabilidade de Nas principais cidades do vale, as
populações urbanas, principalmente, áreas de expansão urbana têm como
no advento das mudanças do clima. confrontantes áreas industriais e
a planície aluvial inundável, onde
O Programa das Nações Unidas para se cultiva o arroz e se pratica a
o Meio Ambiente (PNUMA) alerta que mineração de areia.
a destruição de habitats naturais
fez emergir pandemias de doenças Realizar o planejamento da
transmitidas de animais para arborização urbana de áreas verdes
humanos, como o COVID-19 (PNUMA, e praças deve levar em consideração
2020). Essas doenças refletem os a importância ecológica de
desequilíbrios ambientais gerados conectar esses espaços com o meio
com a degradação da matriz florestal urbano, seja na formação de ilhas
para o cultivo de monoculturas e (trampolins ecológicos), adequado

258
para espécies que são capazes de O estudo foi realizado no bairro
fazer movimentos curtos, através de Residencial Dr. Lessa (22°56’32.23’’S
ambientes perturbados; na proteção 45°28’51.75’’O, 540 m), município
e reforço de fragmentos de mata e de Pindamonhangaba (SP) no Vale
na formação de conexões contínuas do Paraíba, região Sudeste do Brasil.
em corredores ecológicos, que pode
acontecer através da vegetação A caracterização do perímetro da
ao longo de rios ou por meio de área dos bairros que apresentam
processos antrópicos, como o plantio conexões com as áreas verdes
ou replantio em forma de quebra- do Lessa foi realizada a partir de
ventos, que são bastante recorrentes imagem Google Earth Pro. Em visitas
no desenvolvimento de determinadas nas áreas limítrofes e internas do
culturas agrícolas ou por meio de bairro, com interface com a natureza,
mosaicos (contorno e ampliação de realizou-se a análise descritiva das
fragmentos em mosaico) (PEREIRA; condições dos corpos d’água, das
CESTARO, 2016). matas ciliares, da arborização de
praças e áreas verdes.
A arborização modifica a paisagem
urbana e contribui na conservação da Em subsídio ao projeto de arborização
biodiversidade ao abrigar e alimentar urbana com fins ecológicos em fase
a fauna (aves, morcegos, animais de elaboração, realizou-se o estudo
herbívoros e polinizadores), melhora fitossociológico dos componentes
o conforto térmico ao tornar o ar mais arbóreos de uma área verde de um
úmido o que reduz a necessidade de canteiro central (‘Quadra1’) com
climatização artificial no ambiente, 4.400 m² (20 x 220 m), situado
combate à poluição do ar e reduz o entre as ruas mais importantes
ruído em áreas urbanas (DUARTE et do bairro para a conservação da
al. 2018). biodiversidade. Identificou-se, ao
nível de gênero, família botânica, se
O inventário da arborização nativos ou exóticos, todas as árvores
urbana é uma medida importante com mais de 5,0 cm de diâmetro
para promover a readequação da basal e altura acima de 1,0 m. A
arborização de áreas de lazer, de posição de cada indivíduo arbóreo foi
ruas e avenidas, para promover o indicada na imagem de satélite.
bem estar da população residente
e fornecer serviços ecossistêmicos A seleção das espécies levou em
(SILVA; SOUZA, 2020). consideração as características de
cada local – em alinhamento paralelo
O objetivo deste estudo foi promover ao passeio e ao centro do canteiro
o planejamento ambiental como – e as mudas disponíveis no viveiro
subsídio às medidas executivas, municipal. Em subsídio à ação
partindo da caracterização da executiva de plantio a ser realizado
situação atual para um cenário de por empresa contratada (MetaFlora)
readequação da arborização de um pela Prefeitura, elaborou-se um
trecho do bairro residencial Lessa em memorial descritivo com a indicação
Pindamonhangaba (SP). da espécie e o local de plantio.
Novas vistorias foram realizadas
2. MATERIAL E MÉTODOS para verificar se as recomendações
estavam sendo atendidas.
Local do estudo

259
Para obter apoio dos moradores, e obter o apoio ao projeto.
realizou-se a sensibilização por meio
de aplicativo de celular. A percepção 3. RESULTADOS
sobre a importância das áreas verdes
para a conservação da biodiversidade Situação das áreas verdes
foi analisada a partir dos relatos
que fizeram de imagens de animais O bairro Lessa se conecta aos bairros
silvestres fotografados em trabalho Vila Rica e Mombaça por meio de áreas
de campo e postadas em rede social sensíveis que deveriam ser protegidas
de amigos do bairro. Em resposta para cumprir funções ecológicas e
aos comentários e relatos de animais trazer benefícios à sociedade. Na
silvestres em áreas particulares figura 1, se observa os limites desses
feitos pelos próprios moradores, foi bairros na mancha urbana, uma área
apresentada a proposta de plantio de de expansão contornada em preto
espécies nativas para o adensamento redefini o uso do solo na área de
e readequação da arborização com atividade agropecuária tradicional.
fins paisagísticos e ecológicos. Assim, Nota-se o déficit de vegetação,
um conjunto de cinco canteiros tanto na área urbana quanto na área
centrais do bairro seria utilizado rural. À espera de valorização, as
para formar um corredor ecológico terras aptas à expansão urbana na
conectando a nascente situada ao área agropecuária sofrem ações que
final do bairro com o córrego no lado descaracterizam a cobertura florestal
oposto. Essa via de comunicação em nas áreas ciliares vizinhas ou internas
tempos de pandemia de Covid-19 da área rural.
possibilitou sensibilizar os moradores

Figura 1: Perímetro em amarelo dos bairros Lessa (rosa), Vila Rica e Mombaça, área de expansão
urbana (preto), fronteira agropecuária e marcadores do local desse estudo e nascente em
Pindamonhangaba (SP), Brasil.

Fonte Google Earth (Abril, 2020).

260
O bairro Lessa difere dos demais a ser criado por meio de projeto de
por constituir de terrenos com área paisagismo ecológico. A área focal
superior a 650 m² e áreas arborizáveis deste estudo se situada no corredor
de relevante importância ecológica. central do canteiro contornado em
Na figura 1, na área do bairro Lessa amarelo. O contínuo de canteiros
em rosa, a indicação da nascente centrais (são cinco ao todo) compõe
no limite da mancha urbana e início uma área importante de lazer e
fronteira agropecuária indica a praticantes de esporte. Um projeto de
necessidade de ações na proteção da adequação da arborização se justifica
vegetação ciliar remanescente e no na necessidade de conexão de áreas
plantio de recomposição. verdes, no reforço da vegetação
que protege os mananciais hídricos
A figura 2A destaca em azul os (áreas de proteção permanente) e
recursos hídricos e a figura 2B, como meio de educação ambiental
em verde, áreas com potencial para a população.
contribuição como corredor ecológico

Figura 2: Recursos hídricos em azul (A) e corredores ecológicos em verde


(B) nos bairros Lessa (rosa), Vila Rica e Mombaça em Pindamonhangaba
(SP), Brasil.

Fonte Google Earth (Abril, 2020).

Arborização urbana no Residencial


Lessa central do paisagismo o cultivo
de palmeiras-imperial (Roystonea
A arborização na Quadra1 do bairro oleracea), que são exóticas e de
Lessa (Figura 3) tem como elemento grande porte, alinhadas no canteiro

261
central. Posterior ao plantio, os do total de todos os indivíduos
moradores iniciaram a ocupação amostrados. A International Society
dos espaços vazios com o plantio of Arboriculture (2015) sugere como
de certa diversidade de árvores com adequado a homogeneidade máxima
diferentes características, a maioria de 15% em relação à abundância de
recuada a 2,5 m da guia, mas, em cada espécie, pois, com a dominância
muitos casos, espécies de grande de algumas espécies, esses vegetais
porte foram plantadas a menos de se tornam mais vulneráveis ao
0,5 m da guia. ataque de pragas e doenças.

No local, foram avaliados 72 Das espécies inventariadas, oito


vegetais; 45 exóticos e apenas 27 apresentaram apenas um indivíduo
espécies nativas. Sem um projeto cada (8% do total), os quais são
de arborização, o plantio resultou plantios irregulares, possivelmente
em falhas, baixa conectividade nas realizados pelos próprios moradores,
associações de espécies (Figura 3) nas proximidades de suas
e o predomínio de árvores exóticas residências. Isso está de acordo com
(63%) (Tabela 1). As famílias mais estudos de Damo et al. (2015), que
representativas foram Fabaceae também verificou dominância de
(cinco espécies), Myrtaceae (três) exóticas na arborização urbana em
e Bignoniaceae (duas). Os ipês Rio Grande – RS. Historicamente,
(Bignoniaceae) foram agrupados por a introdução de espécies exóticas
gênero, devido à ausência de folhas promoveu alterações nas
(árvores caducifólias), que dificultou características paisagísticas locais,
a caracterização ao nível de espécie. levando ao esquecimento da flora
Dentre as exóticas abundantes, a nativa (D’ELBOUX, 2006). Isto pode
palmeira-imperial representa 26% explicar os motivos da referência
e o plátano 14%, perfazendo 40% popular por espécies exóticas.
Quadro 1: Total e percentual de espécies ocorrentes e proporção de exóticas e nativas da Mata
Atlântica na quadra 1 do canteiro central do Residencial Lessa, Pindamonhangaba (SP), Brasil.
Nome científico Nome popular Família Total Percentual Habitat
Roystonea oleracea  (N. J. Jacquin) O. F. Cook palmeira-imperial Arecacea 19 26 E
Handroanthus sp. ipê Bignoniaceae 10 14 N
Platanus x acerifolia (Aiton) Willd. plátano Platanaceae 10 14 E
Mangifera indica  L mangueira Anacardiacea 5 7 E
Terminalia catappa L. chapeu de sol Combretaceae 5 7 E
Eucalyptus grandis W. Hill eucalipto Myrtaceae 4 6 E
Peltophorum dubium (Spreng.) Taub. canafístula Fabaceae 4 6 N
Ceiba speciosa (St. -Hill.) Ravenna paineira Bombacaceae 3 4 N
Senna pendula (Humb. & Bonpl. ex Willd.) H. S. Irwin & Barneby pau cigarra Fabaceae 2 3 N
Jacaranda sp. jacarandá-mimoso Bignoniaceae 2 3 N
Paubrasilia echinata  Lam. — Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis pau brasil Fabaceae 1 1 N
Syzygium cumini (L.) Skeels jambolão Myrtaceae 1 1 E
Hymenaea courbaril  L. jatobá Fabaceae 1 1 N
Eugenia uniflora L. pitangueira Myrtaceae 1 1 N
Morus nigra L amoreira Moraceae 1 1 E
Schefflera sp. cheflera Araliaceae 1 1 N
Bauhinia sp. pata de vaca Fabaceae 1 1 N
Triplaris americana L pau formiga Polygonaceae 1 1 N
Total 12 72 100 -
Exóticas - 45 63 -
Nativas - 27 38 -

262
As palmeiras remetem à ideia de a caminhada nesses trechos é
nobreza e classe e aproximação com realizada não mais próximo da pista
a arquitetura neoclássica trazida de rolamento, mas, entre renques de
pela Missão Francesa de 1816. árvores e palmeiras. Em outro caso
A difusão de sua utilização como recente, foi necessária a supressão
recurso paisagístico de espaços de uma árvore nativa de grande porte
públicos, desde a Corte até a capital (orelha-de-nego - Enterolobium
paulista no Segundo Império, contortisiliquum), porque o sistema
é historicamente registrada em radicular superficial estava confinado,
diversas cidades do Vale do Paraíba deformando o passeio e o pavimento,
paulista, especialmente em Taubaté gerando medo aos moradores, pois,
(1881) e Lorena (1884) (D’ELBOUX, tratava-se de árvore emergente
2006). isolada suscetível à queda por fortes
ventos.
Já as árvores de plátano, foram
plantadas muito próximas umas Adequação da arborização urbana
das outras e apesar de tolerar a
poda, foram mantidas com livre No Novo Manual de Arborização
crescimento. Registros indicam que Urbana de São Paulo (município), que
essa espécie interfere nas instalações serve de referência para o serviço
urbanas, principalmente no conflito público de diversas prefeituras em
com as calçadas, na forma de todo o Brasil, recomenda-se plantar
rupturas, elevações e deformações na árvores nativas para aumentar a
pavimentação (DAMO et al., 2015). permeabilidade do solo e controlar
Porém, isso ainda não aconteceu no a temperatura e a umidade do
local. Apesar de plantadas próximas ar, interceptar a água da chuva e
à guia, quando foi realizado o proporcionar sombra. Neste manual,
calçamento recente do passeio, em a arborização de calçadas pode ser
concreto, no entorno do canteiro realizada com as espécies pata-de-
central, havia mais de 15 anos do vaca e quaresmeira e para áreas
plantio dos plátanos. Enquanto o internas, a aroeira-rosa, para atrair
calçamento seguiu paralelo à pista a fauna além de diversas espécies
de rolamento, nos casos em que as frutíferas nativas (SÃO PAULO,
árvores de grande porte estavam 2005).
plantadas, foi feito um recuo de 1,5
m de distância da guia, preservando Na figura 3 são indicados em
os vegetais adultos em ilhas. Esse semicírculos em vermelho os locais
“arranjo” casual interrompeu a para o plantio de árvores nativas.
linearidade do calçamento e criou A tabela 1 contém a relação e a
ambientes que integram o humano quantidade de espécies plantadas.
à natureza, considerando que

263
Figura 3: Arborização da quadra 1 do bairro Lessa com a indicação em
vermelho dos locais para o plantio de árvores nativas, Pindamonhangaba
(SP), Brasil.

Fonte: Google Earth Pro (Agosto, 2020).

As espécies frutíferas nativas e Foram plantadas 42 árvores de 12


árvores de grande porte produtoras famílias botânicas; a mais frequente
de madeira foram plantadas na foi a quaresmeira e a família
porção central do canteiro, alinhadas dominante Myrtaceae, contribuindo
e intercaladas com palmeiras (Figuras com seis espécies, seguida de
3 e 4). Para recompor as falhas da Fabaceae com cinco espécies.
arborização ao lado do passeio, Myrtaceae abrange um importante
utilizou-se espécies nativas de médio grupo ecológico de frutíferas nativas
porte: pata-de-vaca, quaresmeira, em situação vulnerável, ou seja,
aroeira pimenteira e pau-formiga em risco de extinção conforme
(Figuras 3 e 4), plantadas International Union for Conservation
alternadamente. A adequação da of Nature Red List of Threatened
arborização buscou produzir um Species (IUCN). Assim, o pau-
sentimento de segurança e bem estar mulato, peroba-rosa dentre outras
nos moradores, reduzir o sentimento espécies se destacam por fortalecer
de vulnerabilidade aos problemas a conservação da biodiversidade
ambientais e atrair a fauna, como no (Tabela 1).
caso da aroeira pimenteira.

264
Tabela 1: Relação das espécies plantas no canteiro central do bairro Lessa
em Pindamonhangaba (SP).

Família Nome popular Nome científico Quantidade


Fabaceae aldrago Pterocarpus violaceous 1
Anacardiaceae aroeira pimenteira Schinus terebinthifolius  Raddi. 4
Annonaceae pinha Rollinia mucosa (Jacq.) 2
Apocynaceae peroba Aspidosperma polyneuron Muell. Arg 1
Fabaceae guapuruvú Schizolobium parahyba  (Vell.) S.F. Blake 1
Fabaceae ingá Inga vera  Willd 2
Fabaceae jatobá Hymenaea courbaril  L 2
Fabaceae pau-brasil Paubrasilia echinata  Lam. — Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis 1
Fabaceae pata-de-vaca Bauhinia forficata  Link  4
Lauraceae canela amarela Nectandra lanceolata Nees 1
Lecythidaceae jequitibá Cariniana legalis Kuntze. 1
Melastomataceae quaresmeira Tibouchina granulosa (Desr.) Cogn 5
Meliaceae mirindiba Lafoensia glyptocarpa Koehne. 1
Myrtaceae araçá amarelo Psidium cattleianum  Sabine 2
Myrtaceae cambucá Plinia edulis  (Vell.) Sobral  2
Myrtaceae cambuci Campomanesia phaea  (O.Berg) Landrum 2
Myrtaceae cereja do rio grande Eugenia involucrata DC 1
Myrtaceae gabiroba Campomanesia xanthocarpa O. Berg 2
Myrtaceae pitangueira Eugenia uniflora L. 2
Polygonaceae pau-formiga Triplaris americana L.  4
Rubiaceae pau-mulato Calycophyllum spruceanum (Benth.) K. Schum 1
Total 42

A seleção das espécies foi baseada para atuar no plantio e conservação


no padrão das mudas disponíveis no de áreas verdes urbanas (DUARTE
viveiro municipal, com altura mínima et al., 2018). A adição de matéria
de 2,0 m. Porém, no plantio, árvores orgânica no entorno das mudas
como o cambucá e o pau-pólvora evita a necessidade de roçadas e
foram plantadas com mudas de 0,50 capinas, possibilitando banir o uso
m de altura. de roçadeira costal no entorno das
árvores uma vez que a cobertura
O alinhamento manteve distância de morta, além de manter o solo úmido
1,5 m do passeio. Os berços foram e vivo, reduz a infestação de plantas
abertos manualmente com cerca indesejáveis, como as braquiárias,
de 50 cm de largura por 60 cm de no colo das árvores. O tutoramento
profundidade, o solo destorroado, das mudas com bambu e amarração
adubado com formulação sintética com fitilho em oito (ao menos duas
N-P-K e hidrogel. Recomendou-se o amarrações, terço médio e alto) evita
uso de cobertura morta de resíduos com que as plantas se quebrem. Mas,
de poda de árvores, a ser depositado não foi realizado e algumas arbóreas
no entorno das mudas, para evitar alongadas penderam a parte aérea
o ressecamento do solo e reduzir o e encurvaram o caule. O pegamento
crescimento de mato no colo. Mas, das árvores foi de 96%, apenas
essa prática não faz parte da rotina dois ingazeiros declinaram e serão
de trabalho da equipe contratada. repostos.
São necessários investimentos na
requalificação dos recursos humanos

265
Figura 4: Localização do plantio das espécies arbóreas em vermelho no
Residencial Lessa, Pindamonhangaba – SP.

Fonte: Autores, 2020.

266
Os moradores do Lessa registraram ecológicos deve criar um ambiente
a ocorrência de aves raras, tais mais adequado para espécies que
como jacus, papagaios, tucanos, demandam mais recursos para fins
as tradicionais maritacas, corujas de forrageio e nidificação.
buraqueiras, mamíferos marsupiais
(gambás) e outros. Isso fez com que 4. CONCLUSÕES
mais moradores se sensibilizassem
e apoiassem o projeto paisagístico O levantamento fitossociológico é
ecológico de recomposição e um valioso subsídio ao planejamento
adensamento da arborização urbana. da arborização urbana.
A ocorrência desses animais silvestres
no bairro pode estar relacionada à O domínio de espécies exóticas,
proximidade da área agrícola vizinha, a fragmentação da arborização, a
à redução de áreas de refúgio e baixa conectividade entre áreas de
alimento para a fauna em decorrência relevante interesse ecológico, são
dos incêndios que deterioram problemas que podem ser revertidos
progressivamente a vegetação com um projeto de arborização
arbórea remanescente nesta área paisagístico ecológico.
vizinha; à presença de vegetação
arbórea, ainda que fragmentada, nas A execução do projeto com apoio dos
áreas de nascente e cursos d’água moradores trouxe benefícios para a
que serve para abrigo, alimento e conservação da biodiversidade por
dessedentação dos animais e à boa meio do plantio de diversidade de
quantidade de árvores frutíferas em espécies frutíferas e madeiras nativas
áreas particulares do Lessa, o que raras ameaçadas de extinção.
é favorecido pelo bom tamanho dos
terrenos. Esses relatos reforçam Para melhorar a qualidade do
a importância de um projeto de trabalho, é desejável que as mudas
arborização com fins ecológicos que obtidas pelo viveiro municipal e
reforce a proteção das matas ciliares. disponibilizadas para o plantio
sejam nativas da Floresta Estacional
Em um levantamento quantitativo Semidecidual, que representa a
em uma área ciliar urbana de formação dominante nas terras
Sorocaba (SP), foram registradas 65 baixas do Vale do Paraíba.
espécies de aves, com a categoria
trófica mais representativa os AGRADECIMENTO
insetívoros, piscívoros e onívoros
(CRUZ; PIRATELLI, 2011), o que Aos administradores da Associação
denota importante contribuição das Amigos do Lessa, aos profissionais
aves para o controle de ‘pragas do Viveiro Municipal da Secretaria de
urbanas’, dentre elas, o mosquito Meio Ambiente de Pindamonhangaba
da dengue. Para estes autores, a e funcionários da empresa MetaFlora
presença humana implica em ruídos pelo apoio ao projeto de plantio de
acentuados com o trânsito de veículos mudas nativas.
e pessoas, o que resulta na presença
de espécies de aves mais generalistas 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e menos exigentes quanto à oferta
de recursos. Assim, o aumento da ALTIERI, Miguel Angel, NICHOLLS,
complexidade estrutural e funcional Clara Inés. A agroecologia em tempos
da vegetação da arborização com fins de Covid-19. Centro Latinoamericano

267
de Investigaciones Agroecologicas: serem superados para o incremento
Associação Brasileira de da arborização urbana no Brasil.
Agroecologia. 2020. Disponível em Rev. Agro. Amb. v. 11, n. 1: p. 327-
< https://aba-agroecologia.org.br/a- 341, 2018.
agroecologia-em-tempos-de-covid-19/
>. Acesso em: 23 Jul 2020. FOOD AND AGRICULTURE
ORGANIZATION OF THE UNITED
CRUZ, B.B.; PIRATELLI, A.J. Avifauna NATIONS. Building greener cities:
associada a um trecho urbano do Rio nine benefits of urban trees. 2016.
Sorocaba, Sudeste do Brasil. Biota
Neotrop., vol. 11, no. 4. 2011. INTERNATIONAL SOCIETY OF
ARBORICULTURE. Disponível em:
DAMO, A.; HEFLER, S. M.; JACOBI, http://www.isaarbor.com/
U. S. Diagnóstico da arborização em
vias públicas dos bairros Cidade Nova PEREIRA, V. H. C.; CESTARO, L. A.
e Centro da Cidade de Rio Grande – Corredores Ecológicos no Brasil:
RS. REVSBAU, v.10, n.1, p. 43-60, avaliação sobre os principais critérios
2015. para definição de áreas potenciais.
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promenade nos trópicos: os barões
do café sob as palmeiras-imperiais, PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
entre o Rio de Janeiro e São Paulo. PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA).
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ESTÊVEZ, L.F.; NUCCI, J.C. A questão 2020. Disponível em: <https://
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sociedade e o ambiente: ações da SÃO PAULO (município), Secretaria do
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de São José dos Campos – SP, Brasil. 124p.
In: Anais... Simpósio Brasileiro de
Biogeografia, 1ed., ANAP, UNESP – SILVA, Pedro Henrique Souza;
Programa de Pós Graduação Recursos SOUZA, Danilo Diego de. Diagnóstico
Hídricos e Meio Ambiente – FCT/ quantitativo da vegetação arbóreo-
UNESP, v.1, n.1, p. 458-479, 2020. arbustiva de duas praças localizadas
no bairro José e Maria no município de
DUARTE, Taíse Ernestina Prestes Petrolina-PE. REVSBAU, Curitiba –PR,
Nogueira et al. Reflexões sobre v.15, n.3, p.70-81, 2020.
arborização urbana: desafios a

268
A regularização dos assentamentos informais como
produto da modificação da paisagem urbana na cidade em
isolamento social
The regularization of informal settlements as a product of the modification
of the urban landscape in the city in social isolation

La regularización de los asentamientos informales como producto de la


modificación del paisaje urbano en la ciudad en aislamiento social

Taisa Cintra Dosso RESUMO


Doutoranda, PUCampinas, O presente trabalho contribui para o debate referente à regularização dos assentamentos
informais como produto da modificação da paisagem urbana na cidade em isolamento
Brasil
social. A paisagem, como produto e processo de ocupação do território, revela os conflitos
taisacintradossoo@gmail.com sociais do espaço. O objetivo do trabalho é verificar, através da análise da situação, como as
consequências advindas da pandemia deflagrada pela COVID-19 contribui para a modificação da
Jonathas Magalhães paisagem urbana nos assentamentos informais, através de políticas de regularização fundiária
e urbanística. A pesquisa realizada pode ser caracterizada como interdisciplinar e sociojurídica.
Pereira da Silva O método de abordagem utilizado é indutivo, uma vez que a partir de premissas discutidas,
Professor Doutor, se busca uma conclusão que acrescentará às premissas analisadas, qual seja, a modificação
PUCampinas, Brasil da paisagem urbana na cidade em isolamento social, a qual, em decorrência da pandemia
jonathas.silva@puc-campinas. desnuda a fragilidade sanitária dos assentamentos informais, caracterizados por uma densidade
pouco sustentável e desprovida de infraestrutura e saneamento satisfatórios às exigências
edu.br
médicas determinadas. Ficou evidenciado que é preciso melhorar o acesso à moradia e ao
espaço público, como a qualificação de assentamentos informais. É importante considerar que
os impactos da pandemia causada pela COVID-19 no urbanismo e na informalidade urbana
tornam a vulnerabilidade habitacional mais aparente e colocam, no centro das discussões, as
políticas públicas de reurbanização e regularização fundiária e urbanística, os vazios urbanos e
a sua destinação à moradia social. Os assentamentos regularizados são refletidos na paisagem
em mutação, na paisagem transformada pelo processo.
PALAVRAS-CHAVE: Paisagem. Isolamento. Moradia

ABSTRACT
The present work contributes to the debate regarding the regularization of informal settlements
as a product of the modification of the urban landscape in the city in social isolation. The
landscape, as a product and process of occupation of the territory, reveals the social conflicts of
the space. The objective of the work is to verify, through the analysis of the situation, how the
consequences arising from the pandemic triggered by COVID-19 contribute to the modification
of the urban landscape in informal settlements, through land and urban regularization policies.
The research carried out can be characterized as interdisciplinary and socio-legal. The approach
method used is inductive, since based on the premises discussed, a conclusion is sought that
will add to the premises analyzed, that is, the modification of the urban landscape in the city in
social isolation, which, due to the pandemic strips the health fragility of informal settlements,
characterized by an unsustainable density and lacking infrastructure and sanitation satisfactory
to the determined medical requirements. It became evident that it is necessary to improve
access to housing and public space, such as the qualification of informal settlements. It is
important to consider that the impacts of the pandemic caused by COVID-19 on urbanism and
urban informality make housing vulnerability more apparent and place, at the center of the
discussions, public policies for land and urban redevelopment and regularization, urban voids
and their destination for social housing. Regularized settlements are reflected in the changing
landscape, in the landscape transformed by the process.
KEY WORDS: Landscape. Isolation. Home

269
RESUMEN
El presente trabajo contribuye al debate sobre la regularización de los asentamientos informales
como producto de la modificación del paisaje urbano en la ciudad en aislamiento social. El
paisaje, como producto y proceso de ocupación del territorio, revela los conflictos sociales
del espacio. El objetivo del trabajo es verificar, a través del análisis de la situación, cómo
las consecuencias derivadas de la pandemia desencadenada por COVID-19 contribuyen
a la modificación del paisaje urbano en asentamientos informales, a través de políticas de
regularización territorial y urbanística. La investigación realizada se puede caracterizar como
interdisciplinar y sociojurídica. El método de abordaje utilizado es inductivo, ya que a partir
de las premisas comentadas se busca una conclusión que se sume a las premisas analizadas,
es decir, la modificación del paisaje urbano en la ciudad en aislamiento social, que, debido a
la pandemia, despoja al fragilidad sanitaria de los asentamientos informales, caracterizados
por una densidad insostenible y carentes de infraestructura y saneamiento satisfactorio a los
requerimientos médicos determinados. Se hizo evidente que es necesario mejorar el acceso
a la vivienda y al espacio público, como la calificación de los asentamientos informales. Es
importante considerar que los impactos de la pandemia provocada por el COVID-19 sobre el
urbanismo y la informalidad urbana hacen más evidente la vulnerabilidad habitacional y sitúan
en el centro de las discusiones las políticas públicas de ordenamiento y reurbanización territorial
y urbana, los vacíos urbanos y sus consecuencias. Destino de vivienda social. Los asentamientos
regularizados se reflejan en el paisaje cambiante, en el paisaje transformado por el proceso.
PALABRAS CLAVE: Paisaje. Aislamiento. Hogar.

1. INTRODUÇÃO
geografia”, busca contribuir para
O presente trabalho busca contribuir essa perspectiva de transformação
para o debate referente à regularização da paisagem.
dos assentamentos informais
como produto da modificação da Através da análise de textos que
paisagem urbana na cidade em compreendem a paisagem desde
isolamento social. A paisagem, como a experiência de Petrarca de sua
produto e processo de ocupação ascensão ao monte Ventoux, ou
do território, revela os conflitos seja, a paisagem como algo que
sociais do espaço. O isolamento conduz, antes de tudo, à experiência
social em decorrência da pandemia de uma alteridade interior (BESSE,
da COVID-19 desnuda a fragilidade 2014, p. 6), passando pela paisagem
sanitária dos assentamentos italiana na viagem de Goethe, que ao
informais, caracterizados por contrário, entende que a harmonia
uma densidade pouco sustentável do mundo como paisagem desperta
e desprovida de infraestrutura no sujeito a harmonia de suas
e saneamento satisfatórios às faculdades internas (BESSE, 2014,
exigências médicas determinadas. p. 47), além de outras experiências
Políticas de regularização fundiária e como Brueghel, Alexander Von
urbanística desses espaços ganham Humboldt, La Blache, Éric Dardel e
força, e a paisagem reflete essa nova Péguy, o livro evidencia a mutação
forma de ocupação do território, conceitual de paisagem no tempo.
transformando-se em seus aspectos
morfológicos. Um aspecto que merece ser destacado
refere-se à concepção de paisagem
O conceito de paisagem foi mudando segundo a geografia fenomenológica
ao longo do tempo. Jean-Marc Besse de Eric Dardel. A partir de Dardel,
(2014), em seu livro “Ver a terra: Besse aponta que a paisagem é
seis ensaios sobre a paisagem e a expressão, e, mais precisamente,

270
expressão da existência, ela é o suporte físico ambiental e, portanto,
mundo humano (BESSE, 2014, p. não se trata de algo estático (SILVA,
92). E sendo a ética uma maneira de 2015, p. 53). Entende-se, pois,
tornar o mundo habitável, a geografia que a paisagem está em constante
fenomenológica, segundo Dardel, transformação. Embora as ações
que se coloca nesta perspectiva da antrópicas tenham um enorme
“habitabilidade” do mundo, contribui poder em alterá-la, é necessário
para esta destinação ética do agir compreender que essa atuação
humano sobre a Terra” (BESSE, sobre a paisagem não recebe forças
2014, p. 95). consensuais; ela resulta de interesses
e esforços bastante contraditórios
É nesse contexto de Dardel que e, além disso, não é apenas a
a concepção atual de paisagem sociedade humana que atua nessa
repousa. Ou seja, a paisagem é a transformação (SILVA, 2015, p. 53).
manifestação dinâmica dos processos
sociais do lugar. Vai além da simples A paisagem da cidade retrata, pois a
representação, externando um interação da sociedade e o suporte
produto decorrente de um processo. físico ambiental, o espaço urbano,
A paisagem é produto e processo estando, portanto, em constante
de ocupação do território. Nos transformação. Sobre a relação
assentamentos informais, como no espaço-tempo, Ana Fani Alessandri
restante da cidade, a paisagem é Carlos (2004, p. 62) em “O espaço
resultante de um pacto. urbano” leciona que a mudança nas
relações espaço-tempo revela a
Tomando a paisagem como profunda mudança nos costumes e
resultante de pactos sociais, visando hábitos sem que as pessoas parecem
enfrentamentos contraditórios de se dar conta, pois as inovações são
diferentes grupos sociais, a paisagem aceitas de modo gradual, quase
é entendida como processo e produto despercebidas embrulhadas pela
de interação entre a sociedade e o ideologia que aponta a degradação
do cotidiano.
Figura 1: Pequim – China – transformação da paisagam

Fonte: Hipertextual, 2016.


271
A transformação da paisagem na Menos carros nas ruas também
cidade revela a profunda mudança resultam na diminuição de ruídos
nos costumes e hábitos nas relações e acidentes. Pesquisadores da
espaço-tempo. Com o esvaziamento Bélgica indicaram que o isolamento
das ruas das cidades em plena social vem reduzindo os tremores
pandemia de Covid-19, as cidades sísmicos provocados pela circulação
brasileiras ganharam nova feição. de pessoas e veículos na crosta
Nos últimos meses, surgem novas terrestre entre 30% e 50%. Além
reflexões acerca do modo de viver dos benefícios para a saúde humana
e produzir. Dados da Companhia de cidades mais silenciosas, os
Ambiental do Estado de São Paulo sismólogos estão conseguindo
(Cetesb) mostram redução de 50% detectar pequenos terremotos até
de monóxido de carbono e óxidos então imperceptíveis (PAULO, 2020).
de nitrogênio durante a quarentena
na capital paulista (PAULO, 2020). A Agência Estadual do Meio Ambiente
Pesquisadores da Universidade da de Pernambuco também compilou
Columbia revelaram a BBC dados registros de capivaras e pássaros
que demonstram que, à medida que encontrados no ambiente urbano,
a pandemia tem se espalhado, o ar demonstrando transformações na
tem se tornado menos poluído, e há natureza e na percepção do homem
menor emissão de CO2 (McGRATH, sobre ela (AGÊNCIA ESTADUAL DE
2020) MEIO AMBIENTE, [2020]).

Figura 2: ruas vazias durante a quarentena

Fonte: Mundo Conectado, 2020.

272
A pandemia em decorrência da compulsória de imóveis, regulares
Covid-19 colocou em questão e ou não, utilizados para a moradia
ressaltou a importância das áreas de pessoas de baixa renda no
verdes e dos espaços públicos Brasil (INSTITUTO BRASILEIRO DE
urbanos, fazendo necessário DIREITO URBANÍSTICO; FEDERAÇÃO
buscar ampliar as oportunidades NACIONAL DOS ARQUITETOS E
de acesso a áreas verdes para URBANISTAS, 2020).
todos os segmentos sociais. Gehl
(2013) ressalta a importância do A reflexão sobre os ambientes
planejamento urbano e o resgate da trouxe para a discussão as questões
dimensão humana das cidades para de saúde e qualidade de vida. Ao
acomodar as pessoas em espaços entender a necessidade de atender
públicos suficientes e projetados as determinações solicitadas pelos
na escala do homem, de forma especialistas da área da saúde
agradável e segura, sustentável e pública de distanciamento social
saudável. ou isolamento de uma pessoa que
contraiu o vírus, percebe-se que
A falta de acesso a serviços as residências, principalmente as
essenciais, como água, habitação populares, não têm a devida estrutura
e saúde exacerbou o desafio para a demanda (MIRANDA; FARIAS,
de responder efetivamente à 2020, p. 288). Os tamanhos dos
velocidade da transmissão na ambientes são inadequados para
carga viral em muitas cidades. O o conforto e no padrão atual de
acesso deficiente impossibilitou o isolamento social por causa da
cumprimento de pedidos de bloqueio COVID -19, essas habitações não
em alguns lugares. A redução dessa atendem as necessidades das
desigualdade no acesso a serviços famílias, principalmente as com mais
e infraestruturas urbanas deve ser de 3 habitantes (MIRANDA; FARIAS,
uma prioridade para as cidades no 2020, p. 290).
futuro.
Ficou evidenciado que é preciso
Cumpre acrescentar que, com a crise melhorar o acesso à moradia e ao
sanitária causada pela pandemia espaço público, como a qualificação
da COVID-19, a preocupação de assentamentos informais. É
com a moradia da população em importante considerar que os
situação de vulnerabilidade social impactos da pandemia da COVID-19
restou acentuada, como se observa no urbanismo e na informalidade
na Recomendação da Federação urbana tornam a vulnerabilidade
Nacional dos Arquitetos e Urbanistas habitacional mais aparente e
(FNA) e do Instituto Brasileiro colocam, no centro das discussões, as
de Direito Urbanístico (IBDU), às políticas públicas de reurbanização e
autoridades judiciárias, para que regularização fundiária e urbanística,
suspendam todo e qualquer conflito os vazios urbanos e a sua destinação
fundiário que culmine na retomada à moradia social.

273
Figura 3: homem de máscara na favela da Rocinha-Rio de Janeiro

Fonte: Nexojornal, 2020.

Nessa perspectiva, a regularização que, prioritariamente, objetiva


fundiária e urbanística de interesse legalizar a permanência de
social é uma proposta que precisa moradores de áreas urbanas
ser incluída nas agendas políticas, ocupadas irregularmente para fim
como forma de se garantir o direito de moradia e, acessoriamente,
fundamental à moradia, previsto na promove melhorias no ambiente
Constituição Federal, em seu artigo urbano e na qualidade de vida do
6º. assentamento, bem como incentiva
o pleno exercício da cidadania pela
Ao reconhecer a sua concepção comunidade sujeito do projeto
pluridimensional e a sua incidência (ALFONSIN, 2007, p. 79).
sobre o problema da segregação,
Betânia de Moraes Alfonsin (2007) É cediço, pois, que a regularização
traz um conceito consagrado na fundiária e urbanística é
doutrina sobre essa política pública: um instrumento complexo e
multidisciplinar, que exige, de todos
Regularização fundiária é um os envolvidos, além do conhecimento
processo conduzido em parceria técnico, sensibilidade e senso
pelo Poder Público e população estratégico para que o seu processo
beneficiária, envolvendo as seja exitoso. A crise sanitária
dimensões jurídica, urbanística evidenciou que a crise de moradia
e social de uma intervenção no Brasil seja efetivamente pensada,

274
de forma a mitigar a vulnerabilidade destacar elementos e discussões que
social da população de baixa renda. coloquem no centro dos debates a
E, nessa esteira, regularizar os necessidade de atenção à moradia
assentamentos informais é uma da população de baixa renda, mais
política pública que se faz cada vez vulnerável aos efeitos sanitários e
mais necessária e fundamental nas sociais decorrentes da pandemia.
cidades.
2. METODOLOGIA / MÉTODO DE
Nesse contexto, na cidade em ANÁLISE
isolamento social, a paisagem
urbana é transformada pelo processo A pesquisa realizada pode ser
resultado do fenômeno pandêmico, caracterizada como interdisciplinar
em que a fragilidade não apenas e sociojurídica. O ponto de vista
social, mas sanitária também adotado distancia-se do discurso
dos assentamentos informais, fechado, almejando-se um diálogo
caracterizados por uma densidade entre os campos do saber, com o
pouco sustentável e desprovidos intuito de realizar uma abordagem
de infraestrutura e saneamento interdisciplinar entre o Urbanismo e
satisfatórios às exigências médicas o Direito.
determinadas, é regularizado sob o
aspecto urbanístico e jurídico. O método de abordagem utilizado
é indutivo, uma vez que a partir
Objetivos de premissas discutidas como a
modificação da paisagem e as
O presente trabalho busca contribuir consequências advindas de uma
para o debate referente à regularização sociedade em isolamento social,
dos assentamentos informais como se buscará uma conclusão que
produto da modificação da paisagem acrescentará às premissas analisadas,
urbana na cidade em isolamento qual seja, a regularização fundiária
social. A paisagem, como produto e e urbanística dos assentamentos
processo de ocupação do território, informais como produto da
revela os conflitos sociais do espaço. modificação da paisagem urbana na
O isolamento social em decorrência cidade em isolamento social.
da pandemia da COVID-19
desnuda a fragilidade sanitária A pesquisa é qualitativa, pois
dos assentamentos informais, se investigará o uno, a unidade
caracterizados por uma densidade representada pelos desdobramentos
pouco sustentável e desprovida da transformação da paisagem
de infraestrutura e saneamento urbana nos assentamentos informais,
satisfatórios às exigências médicas a partir dos reflexos advindos da
determinadas. sociedade em isolamento social em
decorrência da pandemia deflagrada
O objetivo do trabalho é verificar, pela COVId-19.
portanto, como as consequências
advindas da pandemia deflagrada Resultados e Conclusão
pela COVID-19 contribui para a
modificação da paisagem urbana nos A conceituação a respeito da paisagem
assentamentos informais, através de se alterou ao longo dos séculos,
políticas de regularização fundiária mudando a forma de se ver a terra.
e urbanística. O estudo se propõe a Os assentamentos informais, num

275
espectro menor de tempo, também futuro.
passam por uma ressignificação e
consequentemente por necessitar de Ficou evidenciado que é preciso
um novo olhar onde a regularização melhorar o acesso à moradia e ao
urbanística cumpre um papel nessa espaço público, como a qualificação
transformação. de assentamentos informais. É
importante considerar que os
A pandemia em decorrência da impactos da pandemia da COVID-19
Covid-19 ressaltou que falta de no urbanismo e na informalidade
acesso a serviços essenciais, como urbana tornam a vulnerabilidade
água, habitação e saúde exacerbou habitacional mais aparente e
o desafio de responder efetivamente colocam, no centro das discussões, as
à velocidade da transmissão na políticas públicas de reurbanização e
carga viral em muitas cidades. O regularização fundiária e urbanística,
acesso deficiente impossibilitou o os vazios urbanos e a sua destinação
cumprimento de pedidos de bloqueio à moradia social. Os assentamentos
em alguns lugares. A redução dessa regularizados são refletidos na
desigualdade no acesso a serviços paisagem em mutação, na paisagem
e infraestruturas urbanas deve ser transformada pelo processo.
uma prioridade para as cidades no

Figura 4: Urbanização de favelas no Rio de Janeiro

Fonte: Culturalrio, 2013.

276
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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br/wpcontent/uploads/2020/04/ Books, 2015. p. 53-65.

277
Comissão Editorial

Saneamento:
Prof. Dr. Ademir Paceli Barbassa
Prof. Dr. Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira
Profª Drª Cali Laguna Achon
Prof. Dr. Daniel Jadyr Leite Costa
Prof. Dr. Erich Kellner
Profª Drª Katia Sakihama Ventura

Urbanismo:
Profª Drª Carolina Maria Pozzi de Castro
Profª Drª Cristiane Bueno
Profa Dra Elza Luli Miyasaka
Prof. Dr. Érico Masiero
Profª Drª Luciana Márcia Gonçalves
Prof. Dr. Luiz Antonio Nigro Falcoski
Prof. Dr. Ricardo Augusto Souza Fernandes

Geotecnia e Geoprocessamento:
Profª Drª Denise Balestrero Menezes
Prof. Dr. Edson Augusto Melanda
Prof. Dr. José Augusto de Lollo
Profª Drª Marcilene Dantas Ferreira
Prof. Dr. Reinaldo Lorandi
Prof. Dr. Fábio Noel Stanganini

Transportes:
Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Junior
Prof. Dr. Marcos Antonio Garcia Ferreira
Profª Drª Rochele Amorim Ribeiro
Profª Drª Suely da Penha Sanches
Profª Drª Thais de Cassia Martinelli Guerreiro

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