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É doutor em Ciências pelo programa de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH‑USP) desde 2008; mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (FCT‑Unesp) desde 1994; e graduou‑se em Geografia pela USP em 1990. Foi professor titular na
Universidade Paulista (UNIP) e na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em cursos de graduação e pós‑graduação.
Tem experiência em estudos socioambientais municipais e regionais. Atua principalmente nas linhas de pesquisa ligadas
à epistemologia das ciências sociais, às metodologias de planejamento, qualificação territorial, econômica, política
e ecológica dos usos territoriais do ambiente (diagnóstico e prognóstico dos impactos socioambientais), associada à
adequação das políticas públicas às demandas locais.
CDU 301
U516.34 – 22
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quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Unip Interativa
Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Giovanna Oliveira
Kleber Souza
Sumário
Sociologia Rural e Urbana
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 SITUAÇÕES: FAZERES E CONCEITOS SITUADOS............................................................................................. 13
1.1 O caminho do estudioso, da confecção teórica....................................................................... 14
1.2 O caminho que se volta para entender a si mesmo, estudando o
próprio pertencimento ao fazer parte da prática investigada................................................... 15
2 SOCIOLOGIA RURAL: DAS LOCALIZAÇÕES INCONFUNDÍVEIS AOS DEBATES
SOBRE SUA EXISTÊNCIA (ANIQUILAMENTO EPISTEMOLÓGICO)....................................................... 19
2.1 As críticas.................................................................................................................................................. 24
3 SOCIOLOGIA URBANA: DE LOCALIZAÇÕES INCONTESTES À UBIQUIDADE............................... 27
3.1 Movimento crítico................................................................................................................................ 36
3.2 Mais questões e conceitos................................................................................................................. 37
4 RURAL E URBANO PELAS EXPERIÊNCIAS ORIGINAIS........................................................................ 41
4.1 Experiências............................................................................................................................................. 50
4.1.1 Cidades e campos seguem diminuindo a evidência de suas marcas distintivas........... 58
4.1.2 A leitura antropológica da cidade..................................................................................................... 68
Unidade II
5 ESTRUTURAS SOCIAIS E FUNDIÁRIAS: ONDE ESTÁ O RURAL?...................................................... 75
5.1 O mapa do texto.................................................................................................................................... 75
5.2 Procurando as pessoas e seus modos de vida........................................................................... 76
5.3 Cultivando e criando o mundo: além da coleta....................................................................... 77
5.4 Cidades gigantes.................................................................................................................................... 81
5.5 Rural agrário e os horizontes do urbano..................................................................................... 84
5.6 Modelos agrários atuais de produção.......................................................................................... 87
5.7 Formas de exploração da terra........................................................................................................ 87
5.8 Tipos de lavouras................................................................................................................................... 89
5.9 Relações de trabalho............................................................................................................................ 89
5.10 Principais produtos agrícolas......................................................................................................... 90
5.10.1 Principais lavouras................................................................................................................................ 90
5.10.2 Culturas permanentes......................................................................................................................... 91
5.10.3 Cana‑de‑açúcar..................................................................................................................................... 92
5.10.4 Café............................................................................................................................................................. 93
5.10.5 Cacau.......................................................................................................................................................... 94
5.11 Atividade pecuária.............................................................................................................................. 96
5.12 Trabalho, institutos e instrumentos de controle social: estado e
demais agentes.............................................................................................................................................. 98
5.12.1 Criar e/ou produzir.............................................................................................................................100
5.12.2 Políticas de manutenção da força de trabalho.......................................................................102
5.12.3 Estado: figura de poder e política consolidada historicamente......................................102
6 CIDADANIA SELETIVA: DIVISÃO E DETERMINAÇÃO DO TRABALHO...........................................106
6.1 Alfabetização finalitária: atalhos da redução..........................................................................110
6.2 As mãos no trabalho esfacelado...................................................................................................115
6.3 Campos do capital, da urbanização disruptiva.......................................................................117
6.4 Cidades esfaceladas: bairros e distritos......................................................................................125
6.5 Problemas urbanos: a vida na cidade.........................................................................................127
6.5.1 Habitação................................................................................................................................................. 127
6.5.2 Especulação imobiliária...................................................................................................................... 128
6.5.3 Violência, insegurança e medo........................................................................................................ 129
6.5.4 Desemprego e precarização do trabalho..................................................................................... 129
6.5.5 Os circuitos da economia e a informalidade............................................................................. 130
6.5.6 Sistema viário..........................................................................................................................................131
6.5.7 Transporte coletivo, individual e o trânsito............................................................................... 134
6.5.8 Saneamento e saúde........................................................................................................................... 135
6.5.9 Educação.................................................................................................................................................. 135
6.5.10 Sistemas condutores de energia e alimentação das cidades........................................... 136
6.5.11 Fronteiras urbanas.............................................................................................................................. 136
6.6 A sociedade determinada: mensagem e vozes da normatização....................................138
6.6.1 Cidadania seletiva para os habitantes dos espaços rural e urbano:
o peso da norma.............................................................................................................................................. 143
6.6.2 Ações sobre o mundo rural............................................................................................................... 145
6.6.3 Ações sobre o meio urbano.............................................................................................................. 145
6.6.4 A fenomenologia do mercado......................................................................................................... 146
6.6.5 Sensação das perdas............................................................................................................................ 148
Unidade III
7 TENSÕES ENTRE DIREITOS E NORMAS: PERDAS E GANHOS........................................................157
7.1 Diferenças, contrariedades ao modelo único de inserção no
movimento global......................................................................................................................................170
7.2 Campos e cidades rebeldes, movimentos sociais urbanos.................................................173
8 SOLUÇÕES, APONTAMENTOS E PERSPECTIVAS..................................................................................182
8.1 Visão ou percepção intencionada................................................................................................183
8.2 Urbanização, modernização e ambiente como recurso......................................................183
8.2.1 Escopo dos estudos de impactos ambientais............................................................................ 185
8.3 Abordagem estrutural com registro cartográfico..................................................................186
8.4 Algumas considerações sobre o campo que queremos.......................................................190
8.5 Algumas considerações sobre a cidade, o novo urbano que temos hoje.....................199
8.6 Vida humana, que transforma necessidades e matéria em vida, em sentido............205
APRESENTAÇÃO
Este livro‑texto procura trazer a natureza da sociologia rural e urbana, seu alcance e
complementaridade às demais áreas do curso de sociologia. O objeto de interesse, a vida rural e urbana,
é caminhável, sensível, comestível, tomável, e dá‑se com o desenrolar da existência das pessoas que
compõem a sociedade, bem como de seus projetos. Somos moldados e moldamos o nosso entorno,
sendo dobrados pelas regras, quando de fora, incoerentes, com virtuais opções de liberdade.
A sociologia, no geral, dá conta dos fenômenos sociais, das associações humanas, tais quais
fossem, onde estivessem. Não havendo a necessidade de parcelar ainda mais o conhecimento; pelo
contrário, seria a sede de articulação disciplinar para apreender e estudar a vida social. A sociologia
rural e urbana apresenta‑se como referência positiva a esferas específicas da vida social; há modos
de vida marcantemente distintos, com usos ambientais correspondentes: há a vida no campo e há
a vida urbana, normalmente nas cidades.
Ao denominarmos nossos objetivos, dos mais gerais aos mais específicos, temos, então que
os mais genéricos vão desde identificar e conceituar a realidade social, com suas especificidades
econômicas (organização e normalização do trabalho), políticas (poder, autonomia e emancipação),
culturais (expressão) que nos puderem auxiliar na empreitada de encontrar o que há de rural e onde;
bem como delinear o que é urbano nas cidades e o que há de urbano nas áreas tradicionalmente
tidas como rurais.
Essa busca sociológica dá‑se em meio às interfaces disciplinares com lida das questões rurais
e urbanas, além da antropologia e das ciências políticas: tais são as ciências humanas e sociais,
como a geografia, a história, a ecologia, o urbanismo; conhecer e refletir sobre os principais
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processos sociais, direta ou indiretamente associados à vida social nos espaços rurais e urbanos,
suas particularidades e universalidades, organizações e conexões e diferenças; compreender
a urbanização em países dependentes (para alguns, emergentes); além de analisar concepções
teóricas de sociólogos mais afeitos às questões rurais e urbanas.
Ainda do ponto de vista dos objetivos gerais, apontamos as abordagens teóricas e metodológicas
das ciências sociais que definem espaços e sociedades rurais e urbanos, juntamente com o rol
de conceitos daí advindos, como: região, modo de vida (tipicamente rural e urbano), produção
(tipicamente agrária e urbana) e reprodução social (cultural e normativa), circuitos produtivos
e produtividade. É também fundamental relacionar as estruturas e organizações da vida social
no campo e na cidade, bem como as especificidades produtivas e interdependências mercantis
entre os espaços agrários (áreas de agricultura, extrativismos e de pecuária) e as cidades (áreas,
que, desde a Revolução Industrial, são associadas à industrialização e a serviços). A produção e o
consumo são atividades‑chave tanto agrárias como urbanas.
Dentre os objetivos mais específicos, temos o exercício de diferentes versões teóricas da sociologia
(sempre que possível consideradas em suas relações com as demais ciências sociais: antropologia,
geografia, ciências políticas), discutindo os modelos explicativos das tais realidades rurais e
urbanas estudadas. As disciplinas do curso de sociologia (sociologia do desenvolvimento, Estado
e sociedade, ciência política, geopolítica, teoria antropológica, entre outras) estão entrelaçadas
tanto pelo objeto de interesse de sociologia rural e urbana quanto pelo seu instrumental.
E, por fim, aprender a reconhecer os interesses subjacentes à realidade social, urbana e rural;
interesses expressos em projetos, teorias, conceituações, experimentos, ações tanto privadas
quanto públicas. Aprendizagem que implica identificar o Estado (institucionalização do poder
social), nele reconhecendo sua composição e perfil; o papel estrutural do modelo de propriedade
da terra (estrutura fundiária emparelhada da própria sociedade); os agentes envolvidos em sua
manutenção; o cerne dos movimentos políticos, seja com ênfase econômico ou cultural, nas áreas
rurais e nas cidades, considerados com base nas referências às transformações das tradições.
8
INTRODUÇÃO
Caminharemos juntos por palavras e realidades sociais que, por vezes, parecerão fundidas, outras
vezes, confundidas: estamos nos referindo aos universos comumente associados ao modo de vida rural
e ao modo de vida urbano, seus conteúdos e suas formas, procurando a lógica do baralhamento sofrido
pelas realidades do rural e do urbano até há pouco, aparentemente cristalizadas em suas localizações,
por análises clássicas e percepções da superfície.
Para falarmos desse assunto, seguiremos um plano! Cada parte do texto é um jeito de ser do corpo
humano, corpo‑sujeito. A metáfora de comunicação do percurso analítico é a do corpo, suas partes e
unidade; o método é baseado nas experiências, de pensamento e de percepção, recolhendo os pedaços
que encontrarmos pessoalmente, em estudos e pesquisas, juntando tanto quanto possível nesse trajeto;
indo, portanto, das questões concretas às alternativas.
O percurso segue em dois níveis: por uma trilha que leva pela percepção mais imediata e por outra, cujas
mediações a tornam mais teórica, ambas tornando‑se texto. Imediaticidade, e até concretude, conferidas
pelo caráter existencial do corpo que tem experiências de campo e cidade; uma história vivida. Trata‑se
de caminho ontológico, indo em direção ao que se fala e reflete, com as pessoas que encontramos nas
ocupações reais, muito além das noções e conceitos (sempre datados, atávicos) que também traremos, de
pessoas, supostamente, vivendo e trabalhando na agricultura e na pecuária de paisagens nitidamente rurais
e agrárias (vivendo em aldeias e povoados) ou na indústria e serviços (em vilas, cidades e metrópoles), com
suas paisagens características. Este, nosso segundo movimento delineado pela aproximação de inspiração
epistemológica, ocupado com as atribuições conceituais ao real.
Como anunciado, colocamo‑nos a percorrer tanto o rural e o urbano (objeto de nosso interesse)
quanto as sociologias do rural e do urbano (corpos teóricos que por eles se interessam). Passearemos
pelas coisas, nela pensaremos apoiados nos grandes estudiosos do assunto, as classificaremos, e o
faremos com crítica.
Richard Sennett considera duas imagens de objetos simulacros do corpo humano, tão arquetípicos
e caros à contemporaneidade, propondo reflexão importante para o nosso trabalho, ao cotejar o antigo
desejo de imitar o ser humano e de reproduzi‑lo, mecanicamente; é aí que fala na categoria dos objetos
de imitação do humano (os replicantes, de Blade Runner, por exemplo) e aqueles que o superariam
(os robôs de todo tipo), Para ele, ambos seriam “ferramentas‑espelho” (2009, 101‑102).
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Os pés no chão marcam nosso início, pois toda existência é situada, partimos da situação deste observador,
autor, que segue por entradas disciplinares, mas ainda sediados na sociologia, com entrecruzamentos
necessários (interdisciplinares), obrigando que nos acerquemos dos fenômenos do habitar, tanto daqueles
tipicamente rurais quanto daqueles tipicamente urbanos. Seguimos tomando consciência de nós mesmos
e dos demais sujeitos e organizações estudados, enquanto deles estivermos tratando.
Os pés nos levam, assim, para um lugar primitivo do humano, do predomínio do labor e da dimensão
de nosso “organismo”, isto é, procuramos pelo labor do corpo como movimento independente do
organismo, das cadeias energéticas e de nossa realidade metabólica no centro de tudo. Com esse espírito,
o que tocamos foi o núcleo de nossos usos materiais e espirituais do mundo (da revolução neolítica,
ferramentas e mitos na sua base, aos voláteis dias de hoje). Esse ponto apresenta nossas experiências
sociais agrárias e “proto‑urbanas” mais elementares, construções comuns e respostas de inspiração mítica.
Maurice Merleau‑Ponty (2005; 2006) nos convida a não abandonar as dimensões que tragam ambiguidade
aos estudos; como desafios a serem considerados no combate às reduções excessivas do real.
Dando continuidade ao conteúdo, vamos aos problemas da existência, com as soluções reflexivas,
mais elaboradas do que os impulsos de base laborais das primeiras experiências, considerando as
primeiras soluções (técnicas) em medida humana, vitais (MERLEAU‑PONTY, 2006). Encaminhamento
político, próprio às preocupações sobre dominação, propriedade e a liberdade. Escolhemos a cabeça
para representar as soluções corporais (de corpo inteiro, o corpo‑sujeito da fenomenologia), portanto,
a um só tempo intelectuais e práticas, trata‑se da viabilização da vida social por meio das inteligências
práticas de criação e soluções imediatas de problemas da existência, como criar, cultivar, coletar etc.
Cabeças e pés constituem corpos coletivos, espécie de amarração das ações particulares às instituições
ou essas, como uma mente generalizada ou coletiva, várias mentes agindo e pensando, torna‑se síntese
(complexa) das relações vitais, estamos agora no plano das instituições sociais: abstrações concretas,
construções comuns e institucionais dos saberes, também das crenças e demais respostas religiosas
e míticas às científicas; das técnicas às tecnologias, ao controle/gestão social e da natureza (redução
sistêmica), nível que tende ao abstrato, político e econômico – circuitos econômicos com divisão do
trabalho Karl Marx e Max Weber. Aqui há lugar para o reconhecimento da unidade, das possibilidades
de sínteses.
11
Olhos, ouvidos e narizes como instrumentos privilegiados nesse momento. Rebeldia no olhar;
ocupamos um ponto de vista crítico. Procurando as falhas, crescente concentração de poder privado;
Estado instrumentalizado, com suas razões. Lugar do corpo indócil, das subversões... É o espaço dos
movimentos sociais: nos campos ou áreas de vida rural, aplanamento das desigualdades promovidas
pelo capitalismo; questão rural‑agrária (sem‑terra, desemprego, paradoxo do “preço baixo demais” dos
alimentos em oposição ao alto custo da vida do pequeno produtor, determinado pela lógica contraditória
do mercado capitalista (no caso, de bens agrários, como afirma Mazoyer, 2010);
Agora, o privilégio é o da visão, intuição, intenção. Experiência inteira. Esperança em ver, enxergar,
voltando o olhar para o horizonte das utopias motoras da realidade, onde está principalmente o
humano que buscamos desde o alvorecer do sapiens sapiens, procurando alternativas e possibilidades
de melhoria da vida social.
Queremos que esse texto chegue até você, aluno, como uma conversa; então, esperamos que, ao
ler, pense a respeito e responda, por meio de exercícios, fóruns e provas, trazendo esses resultados
para nossa comunicação baseada na perspectiva sociológica da vida social rural‑urbana.
12
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Unidade I
1 SITUAÇÕES: FAZERES E CONCEITOS SITUADOS
[…]
O foco nas questões próprias à vida rural e à vida urbana nos levam às suas especificidades e, em
seguida, às suas ramificações (inter‑relações/interações) e interdisciplinaridade. De específico, temos as
práticas sociais: culturais, econômicas, políticas e territoriais.
A vida, com a relativa universalização técnica e simbólica, transborda os lugares, pois os núcleos de
convívio vão se mesclando e conectando lugares, por isso não podemos tratar apenas de loci como se as
ações estudadas fossem a eles circunscritas (atividades estritamente rurais ou urbanas); estas tendem a
ligações em diferentes combinações e escalas, por fios visíveis e invisíveis.
As tais conexões entre grupos e lugares nem sempre se traduzem em comunicação e comunidade;
o que tem havido está mais para costuras comerciais e informacionais de áreas, atravessadas por
13
Unidade I
circuitos econômicos que lhes impingirão a tônica dos conteúdos sociais por eles requeridos; essa é
parte importante de nossa temática.
Fazemos essa incursão a partir do lugar no qual nos situamos, autor e pessoas das quais estamos
falando. Assim, estamos com os pés no chão, no lugar (o corpo todo nos espaços que ocupa); a existência
situada nos lugares e regiões; nas cidades e nos campos.
A experiência de estar no mundo embasa as experiências da vida e permite que nos situemos como
seres sociais. O ser social espacializa‑se, isto é, as pessoas vivem nos diferentes âmbitos e formações
socioespaciais em inúmeras combinações específicas; daí decorrem as mais variadas estruturas sociais,
como familiares, burocráticas, recreativas, entre outras. Estamos falando de organizações sociais da
vida humana, compostas pelas dimensões econômicas, cujos movimentos requerem produzir, extrair,
criar, transformar, para satisfação das necessidades; dimensões políticas, sustentadas pelo exercício
do poder em diversas combinações e domínios; dimensões culturais, que contemplam a esfera das
idealizações e ideologias. Todas essas atividades podem nos parecer rurais, agrárias ou urbanas,
citadinas, estando, no entanto, conjugadas e impossíveis de serem consideradas separadamente.
Seguimos dois caminhos que levam à vida social. Nas trilhas de uma ontologia do ser vivente,
o pensamento científico procura pelas entradas, as mais diretas, da situação de quem vive e
trabalha; situação que, de outro modo, é buscada por aquele que fala sobre si mesmo, por fazer
parte do ser social, sempre da realidade estudada; o discurso como possibilidade de conhecimento,
epistemologia sobre o vivente. Se na primeira via a palavra é, ela própria, coisa do mundo, na
segunda é representação.
É assim que nossa condição de estar no mundo, com os pés firmados no chão, numa posição
no espaço geográfico e na estrutura social, supõe nossos atributos de seres percipientes‑percebidos
(percebemos e somos percebidos). A realidade que se abre nessas duas frentes (a do pesquisador
que conhece, como sujeito, e que é também o pesquisado, o objeto), leva‑nos por essas duas sendas
mencionadas: o caminho do estudioso sobre o mundo objetivo, num esforço para deixá‑lo “externo”,
e o caminho dos estudos sobre o mundo consigo, identificação entre sujeito e objeto, empreitada que
traz os maiores desafios.
Estabelecemos os fundamentos racionais clássicos da sociologia rural – como em José Arthur Rios –
e urbana – de acordo com a Escola de Chicago, Park, Wirths ou M. Delle Donne etc. –, apresentando‑as de
modo desde as origens, periodizações, contextos e organizações, além de correntes, classificações e conexões,
bem como suas rupturas – analisadas por J. J. Martins, J. E. Veiga, R. Abramovay, Otávio e Gilberto Velho,
R. Sennet, Henri Lefebvre, M. Castells. No primeiro caso, a epistemologia é a do sujeito que vê algo fora
de si, enquanto no segundo, as rupturas trariam objetos de estudo e sujeitos indissociados.
Aqui, a história por dentro das coisas é procurada nos processos sociais identificados (além daqueles
trazidos por terceiros), procurada nas intenções das ações dos sujeitos, constituindo‑se em corpo
14
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
teórico e institucional (no caso, a sede disciplinar do pensamento sociológico) que se põe a elucidar
a realidade que lhe dá sentido. Tal corpo teórico supõe sua própria história (mudanças profundas no
objeto de interesse da disciplina e em seu corpo teórico e fundamentos) nas transformações internas
e externas das porções da realidade estudada; desse modo, a sociologia urbana e a sociologia rural
devem se transformar com os campos e as cidades, e o ser social deve ser o objeto de ambos; o que
torna, ao longo dos séculos, as áreas confinadas e estritamente reconhecidas por suas funções, uma
quimera acadêmica.
O que se procura é uma sociologia em pleno senso comum, emaranhada na própria vida, seu
objeto de interesse, sua vocação, aquém do plano disciplinar. Dessa maneira, procuramos pela
dinâmica social que demanda instrumentos conceituais e procedimentos de captura adequados,
tanto ao método quanto aos acontecimentos. Pensamento mais livre que o científico, entretanto,
nele ancorado – afinal, quanto pode o senso comum ser livre? –, traremos vida e lugares de que se
fala, campos e cidades, do modo como são percebidos, vividos e sentidos. Estamos no terreno da
ontologia, os sentidos das experiências dos contatos com a realidade buscada.
Observação
Segue um esquema simplista do pensamento de Durkheim, para iniciarmos uma certa história
das classificações:
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Unidade I
Fisiologia social
Moral Religião
Sagrado
Representações
Consciência coletiva coletivas
Profano
tipo Direito
Mecânica repressivo
Solidariedade social
Sociedade
(complexo integrado de
Anomia
fatos sociais)
tipo
Orgânica Direito
restritivo
ão
erç
Co
ico
Co
erç
fu
m
ã
n
anô
çõ
es
Coerção
Indivíduo Grupos e instituições altruís
ta
Divisão do egoísta
trabalho Suicídio
Morfologia social
Figura 1
O esquema apresentado por Rodrigues (2000) a fim de facilitar a visualização da teoria sociológica
de Durkheim, embora represente certa violência, é um esforço de simplificação didática dessa teoria.
Desse modo, o esquema é um roteiro de leitura da obra durkheimiana.
O esquema pretende ser tanto diacrônico como sincrônico, por se supor que ambas as diretivas possam
ser encontradas na teoria sociológica de Durkheim. A diacronia é representada horizontalmente, tendo a
solidariedade social – ponto de partida da teoria durkheimiana ao iniciar seus cursos em Bordeaux – como
ponto de partida também da organização social; e a anomia como fim, melhor dito, quando ela afrouxa seus
laços e permite a desorganização individual, ou ausência dos liames e normas da solidariedade. A sincronia
é simultaneamente representada na vertical – tal como uma estrutura –, a partir de um fundamento
concreto e objetivo, que é a morfologia social, até atingir a fisiologia social (2000).
Todas essas questões ou pedaços da realidade poderiam tornar‑se pontos de partida de muitas
pesquisas, desde que correspondam àquelas ideias associadas nos esquemas, que ajudam a ganhar
sentido, algo como um mapa para nos guiar em meio aos objetos do mundo.
As ciências sociais afirmam‑se de acordo com as ciências físicas ou da natureza: uma determinada
observação na raiz do conhecimento. De tanta ênfase na observação em meio ao pensamento positivista,
ao negá‑lo, passamos a viver em sociedades de abstração; de sentidos extrínsecos, isto é, não gerados
por toda coletividade, mas a ela atribuídos externamente. Os exemplos são abundantes da antropologia
(valores absolutos) à geografia (arranjos socioespaciais padronizados para localidades diferentes),
economia (desenvolvimento exógeno), entre outros.
O positivismo, desde sua fundação por Auguste Comte, mudou muito e foi se adaptando às críticas
que sofria. Porém, alguns aspectos são essenciais, tais como:
Observação
Feitos tais adendos sobre as bases da sociologia, segue uma enumeração que se baseia em classificação
do campo de estudos da sociologia, elaborada por Florestan Fernandes (1972a), expandindo a de
Karl Mannheim, e indica seis áreas básicas:
• Sociologia sistemática: plano de ordenamento, nexos das relações, assim como nas frentes da
“sociologia sistemática estática” (estruturas e funções, como nas ações sociais, por exemplo), e da
“sociologia sistemática dinâmica” (processos de competição e de cooperação, por exemplo).
• Sociologia descritiva: afeita à observação da realidade a ser recomposta sensorial e
intelectualmente, portanto dependente de trabalhos de campo, que dá sua configuração
presumidamente acabada (pesquisa participante em comunidades, por exemplo).
17
Unidade I
• Sociologia comparada: procura tanto o que há em comum como o que há de particular nos
agrupamentos estudados, com objetivos prescritivos; além da evolução de determinados aspectos
ou comportamento de indivíduos e grupos, focalizando‑os como processos (comportamento e
adaptação simbólica de rituais aos diferentes contextos históricos, como aqueles do judaísmo
transformados pelo catolicismo, por exemplo).
• Sociologia diferencial: procura a individualidade de cada grupamento estudado; sua alma, ou
psique (carnaval brasileiro, os quilombos, por exemplo).
• Sociologia aplicada: prescritiva, normativa, estabelece as melhores condições para implantar e
planejar (pesquisa participante em comunidades, por exemplo).
• Sociologia geral ou teórica: encampa as demais, verificando sua facticidade e alcance (discussão
sobre a validade, consistência e coerência dos instrumentos de pesquisa, por exemplo).
Saiba mais
Segue, nesse sentido, mais um registro, agora baseado em Fernando de Azevedo (apud LAKATOS,
1990, p. 26), na forma de esquema relacionado às regras de estudo da sociologia, ao modo de uma
abordagem sistemática ou taxonômica:
Sociologia especial
1. Sociologia Antropológica
(estudo de categorias 2. Sociologia do Direito
específicas de fatos sociais) 3. Sociologia Econômica
Sociologia
18
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Agora, voltamos ao núcleo de nossa questão: as sociologias especiais, conforme Lakatos (1990).
Para Lakatos, são exemplos dessas áreas de estudos específicos, “as relações de vizinhança; as
resistências às mudanças no meio rural; a desumanização do homem na grande cidade” (1990, p. 28). É claro
que a abordagem de tais temas tornou‑se extremamente complexa, o que veremos mais adiante.
Almejamos tratar dessas práticas a partir do que se convencionou chamar de campo ou espaço
rural em oposição ao espaço urbano, com suas formas típicas de cidade, lançando mão ora da
morfologia social de Durkheim, ora das interações sociais de Simmel, e até mesmo das regiões de Vidal
de La Blache (apud FEBVRE, 1954). Tais visões, como a de Rios (1979) não trarão as cidades e as áreas
rurais atuais, em sua complexidade, mas ajudarão a entender as transformações pelas quais passaram e
no que estão se tornando.
• Onde estão e sob quais condições existem os objetos (as sociedades rurais e urbanas) de que
falamos e em meio aos quais andamos?
As pistas para enfrentá‑las estão na aproximação das relações reais entre sociologia e a vida rural
e urbana. Mesmo com suas falhas de contextualização (era seu ponto fraco a aproximação relacional,
interdisciplinar), a Escola de Chicago Nos Estados Unidos da América representa um certo tipo de reação,
resposta às transformações ou modernizações opressoras (capitalistas) das cidades que, no jargão do
planejamento e ciências sociais, passam a ser chamadas de metropolizações […].
Pomos os estudos rurais, primeiramente sob a ótica clássica, com foco mais rígido, fixo, no objeto de
interesse científico; então seguimos Rios (1979) em suas explanações sobre a sociologia rural em momento
de consolidação da disciplina nos Estados Unidos da América e na Europa, para tratar do Brasil. Para ele,
três são as fases mais importantes na evolução da sociologia rural nos Estados Unidos.
A primeira fase (1916‑1920) foi marcada pelo estudo de Charles J. Galpin (RIOS, 1979), “sobre a
anatomia social de uma comunidade agrícola” (p. 90). Esse estudo teve o mérito de revelar a importância
da comunidade e as linhas essenciais de sua estrutura.
19
Unidade I
Um grupo de educadores cria em 1917 a Comissão da Vida Rural, que se desdobra em Associação
Nacional de Vida Rural, cujas atividades de 1920 a 1930 também estão intimamente ligadas ao avanço
da disciplina. Nessa fase, são iniciados os primeiros cursos ministrados (junto com os de sociologia).
Desses cursos, ministrados em universidades, resultou o primeiro acervo de estudos oriundos de notas
de aulas, programas e bibliografias. Esses só foram sendo sistematizados depois de 1920; tal material
refere‑se ao estudo de comunidades rurais. Estudos e pesquisas em sociologia rural passam a motivar
eventos acadêmicos; além de surgirem os primeiros livros didáticos da disciplina (RIOS, 1979, p. 91‑92).
Foi essa ajuda financeira que alimentou a maior parte dos estudos realizados em universidades americanas
até 1932. Graças ainda aos esforços de Galpin introduziu‑se a categoria rural‑agrícola nas tabulações do
censo demográfico norte‑americano de 1930, permitindo análises posteriores (RIOS, 1979, p. 91‑92).
Para Rios (1979, p. 91‑92), nessa fase, além dos esforços de Galpin, tem reconhecida importância
Edmund S. Brunner (diretor do Instituto de Pesquisas Sociais e Religiosas, personagem fundamental nesse
período), que emprega recursos do Movimento Mundial de Igrejas para realizar estudos de sociologia
rural, orientados, principalmente, para 140 comunidades agrícolas. Em 1930, aproximadamente, esses
estudos já estavam quase todos concluídos e constituem, com a segunda análise efetuada em 1936, a
mais ampla pesquisa até hoje realizada sobre mudança social rural.
De 1925 é também a Lei Purnell, votada pelo Congresso Americano e que teve grande importância
no desenvolvimento dos estudos rurais. Reforçando os recursos distribuídos às estações agrícolas
experimentais, veio destiná‑los não só à sociologia rural como à economia agrícola, ao estudo de
mercado e à economia doméstica. A singularidade desse instrumento legal é que, pela primeira vez,
autorizava‑se a utilização desses recursos não só para a aplicação de técnicas agrícolas, mas para estudos
sociológicos. Por outro lado, isso tornou possível que as estações agrícolas empregassem sociólogos
rurais, o que representava o reconhecimento nacional da sociologia rural como instrumento importante
do desenvolvimento agrícola norte‑americano (RIOS, 1979, p. 92).
A Lei Purnell, entretanto, teve efeitos bastante desiguais, territorialmente. Rios constata que
“houve Estados em que os estudos da vida rural sofreram retrocesso, o que merece reflexão”,
pois havia despreparo na aplicação desses recursos, o que só melhorou em 1927, quando “o
Conselho de Pesquisas de Ciências Sociais iniciou um programa de bolsas destinadas à formação
de sociólogos rurais e economistas agrícolas para que ocupassem os postos criados nas estações
experimentais”. Rios afirma que “dessas bolsas surgiram os nomes mais significativos da sociologia
rural no período seguinte”; e segue denominando‑os (RIOS, 1979, p. 92).
20
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
A terceira fase de Rios (1930‑1945) apresenta a “maturidade da disciplina e sua expansão universal,
que ocorre principalmente entre 1930 e 1945”. Maturidade, expansão e adensamento de trabalhos de
pesquisa, que contribui à rápida implantação do New Deal de Roosevelt no meio rural. Foram elaborados
programas de ajuda ao campo, confiados aos sociólogos de enfoque rural dos diversos Estados, aos quais
foram fornecidos amplos recursos. Almejava‑se, assim, duas linhas de pesquisa em escalas diferentes
de ação: “a execução, nas áreas escolhidas, dos planos traçados a nível nacional; e projetos locais
previamente aprovados”. Rios aponta a importância desses programas que se constituíram na espinha
dorsal dos estudos de sociologia rural de 1933 a 1936 (RIOS, 1979, p. 93).
Ao mesmo tempo, verifica‑se um deslocamento de interesses nos estudos sobre a Igreja e a família,
bem como os de níveis e padrões de vida para preocupações com a organização social rural, sobretudo
a comunidade de vizinhança, população, estratificação social, relações entre o homem e a terra,
participação social e mudança social (RIOS, 1979, p. 93).
Seguindo a explanação de Rios (1979), há “novos campos de estudo que se abrem depois da Segunda
Guerra”, como aqueles ligados
Segundo Rios (1979), é preciso que os grandes mestres da sociologia rural ofereçam novas sínteses
da realidade mutável. O autor passa a analisar a sociologia rural europeia da seguinte maneira:
Rios (1979) pensa que, talvez motivados por essa singularidade, os sociólogos europeus integraram
a vida rural à sociedade mais ampla, além de promover visões interdisciplinares em conjunto com “a
economia agrária, o direito, a geografia, a psicologia, a demografia e a etnologia” (RIOS, 1979, p. 96).
O autor frisa que a citada interdisciplinaridade “é muito importante para a América Latina, onde a
introdução de uma sociologia agrícola especializada representa uma tentativa artificial e ‘importada’”
(RIOS, 1979, p. 96).
Ao que parece, aquilo que se apresenta como preocupação de Mendras já dá indícios da grande
abertura à interdisciplinaridade antevista por Jollivet (1998), como benéfica ou necessária. A indicação de
22
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
uma dupla tarefa emerge como espécie de mínimo metodológico: a necessária atenção do pesquisador
ao plano de seu interesse imediato e à integração com os contextos pertinentes.
Rios (1979) tenta estabelecer as fronteiras entre o modo estadunidense e o europeu de trabalhar
sociologia rural, e ao analisar a produção de ambos como se fossem duas escolas homogêneas, divisa
aspectos essenciais de ambas as produções: atribui à sociologia estadunidense características de pesquisa
de fronteira do conhecimento (vertente normalmente associada à instrumentalização da história pela
premência da tecnologia), enquanto caberia aos europeus certa tradição em estudos monográficos,
com principado de estudos históricos. Tal constatação é verdadeira para as demais ciências sociais,
principalmente na França.
Rios (1979) oferece uma lista de temas da década de 1970, que é de onde ele fala:
Para Rios (1979), haveria dois problemas fundamentais no estabelecimento da sociologia rural: um
deles ligado à própria ideia de ciência, posto que estudos monográficos não se propõem a universalizar
23
Unidade I
Este é um lugar importante do texto, no que diz respeito ao quadro em que estamos fazendo aparecer
figuras: se expusermos a vertente sob inspiração positivista da sociologia rural, há que complementá‑la
com alguma concepção crítica. Trazemos, com essa finalidade, José de Souza Martins e Margarida Maria
Moura, além de outros pensadores, como Regina Sader e Ariovaldo Umbelino de Oliveira, entre outros.
Ao reunir suas ideias, é preciso esclarecer alguns pontos teóricos importantes, elencados como
questões:
• O que nós vemos quando olhamos relações sociais diversas, em lugares e regiões diversas, é ainda
objeto de muitas discussões acaloradas; afinal, qual é a verdade?
• Se alguns veem camponeses trabalhando onde outros não veem nada ou veem feixes diferentes
de forças se exercendo, como elucidar aquilo que é visto?
• De que são feitas as lentes que nos permitem ver melhor quem trabalha a terra e de que maneira
o fazem; e, ainda, como poli‑las?
2.1 As críticas
A malha ou a trama das peneiras teóricas não são apenas recursos técnicos e neutros, não, pois são
essencialmente políticos. No que tange à verdade do que se declara visível, há debates sobre lentes boas
e ruins, adequadas e inadequadas; sobre peneiras que trazem, ou não, o que de fato existe, isto é, se
servem para algo.
Esse solilóquio quer afirmar o que todo cientista sabe: o quão movediças são a realidade (estudada,
pesquisada) e as imagens que dela fazemos para representá-la; as teorias! Não é por menos que
Adam Smith (em seu arrazoado metódico) afirmava que o principal papel das teorias era apaziguar
(psicologicamente) os investigadores ou estudiosos.
Decerto que em meio a estas questões, sabemos que o quadro será colorido, mas continuará como
esboço, em processo. A angústia de pesquisador não diminui ao assumirmos a precariedade de nossa
apropriação intelectual da realidade nos termos de “ruralidade” e de “urbanidade” (quer sejam precários
linguagens, concepções, instrumentos), procurando relações no mínimo polissêmicas.
O maior problema, encabeçando essa lista, é que estamos vivendo em meio à banalidade de tudo e
ao conhecimento tácito, agora, sem pudores, declarados nas redes. “Banal” porque tudo parece óbvio na
boca de todos; “tácito” porque não há mais dúvidas, apenas certezas. Esse sempre foi o sonho de poder
do empirismo, do positivismo ingênuos, puros. É assim que, para muitos, rural é rural e cidade é cidade,
como sempre foram.
Nunca foi fácil designar aspectos da realidade com nítido delineamento, os contornos sempre foram
sombreados e generalizamos porque é aceitável metodologicamente. O problema é aceitar o genérico e
24
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
impreciso como verdadeiros, como já apontava Maurice Merleau‑Ponty, como parte de nossos problemas
com a fé perceptiva ou crença no conhecimento tácito, que não requer averiguação.
A sociologia (como de resto, as ciências que se pensam) descobre‑se em fins do século XX, nos limites
das explicações da realidade; tendo que se contentar, como pensamento maduro, com as interpretações
sobre raras constatações por evidências...
Se nas malhas e lentes de Rios (e mais um time imenso de intelectuais) o camponês não aparece,
ele está ao alcance dos olhos de muitos outros respeitáveis intelectuais. No primeiro grupo temos
desde positivistas que não aceitam o possível, somente o provável, até a nata do marxismo (Henri
Lefebvre, entre eles) que acredita na “realização plena da urbanização capitalista”, que se completaria
com a subsunção do modo de vida originário do campo e dos seus habitantes (o modo camponês, por
exemplo), todos rendidos, incorporados pela vida urbana. O camponês e seu trabalho familiar seriam,
quando muito, residuais, vestigiais, a expressão do velho que não se digna a perecer para se tornar outra
coisa, mais moderna!
O que querem ver aqueles se dedicam a olhar para o campo e que olham para as cidades? Essa deve
ser nossa pergunta, antes de saber o que veem!
Do ponto de vista crítico, José de Souza Martins traz sua contribuição sobre o papel não cumprido
da sociologia rural e de seu próprio desencantamento:
José de Souza Martins é acompanhado por aquele time de antropólogos (Margarida Maria Moura),
geógrafos (Regina Sader, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes) e economistas
(José Eli Veiga, Ricardo Abramovay).
25
Unidade I
Saiba mais
José de Souza Martins terá seu trabalho e suas concepções criticados por Bertero (2007), não
quanto ao método, mas quanto ao objeto concebido, percebido. O lugar de observação de Bertero,
também com lentes marxistas, não parece ser o lugar do etnógrafo ou antropólogo, do pesquisador
de campo, cuja realidade lhe chega por todos os poros, a qual se vai tentando compreender enquanto
fluxo dos vividos.
Por muito tempo e para muitos, a sociologia rural foi mais uma sociologia da
ocupação agrícola e da produtividade do que uma sociologia propriamente
rural. Mais uma sociologia das perturbações do agrícola pelo rural do que
uma sociologia de um modo de ser e de um modo de viver mediados por uma
maneira singular de inserção nos processos sociais e no processo histórico.
Não raro, o mundo rural tornou‑se objeto de estudo e de interesse dos
sociólogos rurais pelo “lado negativo”, por aquilo que parecia incongruente
com as fantasias da modernidade. Não por aquilo que as populações rurais
eram e sim pelo que os sociólogos gostariam que elas fossem.
26
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
populações rurais, porque, de fato, para estas não raro ela tem representado
desemprego, desenraizamento, desagregação da família e da comunidade,
dor e sofrimento (MARTINS, 2001).
O material trazido pelos pesquisadores de campo, que fizeram ou ainda fazem trabalho de campo, é
para nós o de maior valor, pois traz gente viva, que fala sobre o modo como vive, requerendo interpretação.
Observação
Além dos questionamentos básicos que são feitos sobre a existência desse camponês e se a
modernização expropriou ou expropria o camponês, Jollivet (1998) encaminha sua reflexão por meio de
três referências básicas:
Assim como caminhamos um pouco sobre o pensamento clássico ou classificatório sobre o corpo
teórico da sociologia rural e seu objeto de estudo; passaremos agora por preocupações semelhantes
sobre a sociologia urbana e seu objeto, as cidades, o espaço urbano e a urbanização.
Se antes rural e urbano apareciam de modo nítido, com seus conteúdos, limites e fronteiras, tornaram‑se
objeto de disputas intermináveis já há algum tempo (a globalização do capital, dos anos 1970 para cá,
acentuou tais dificuldades classificatórias), passando a haver muita controvérsia entre os estudiosos e
pesquisadores do fenômeno urbano, de historiadores a geógrafos, politólogos, antropólogos e urbanistas.
Começaremos por aqueles que têm visão clara do objeto, passando para a conturbada
contemporaneidade. Faremos o mesmo painel para a sociologia urbana, trazendo‑a como objeto de
estudo e pesquisa nítido, plenamente visível e previsível, bem ao gosto dos modelos positivistas e
afins, assim como traremos a cidade e o espaço urbano como incerteza, como voláteis, de contornos
borrados e conteúdos que estão além da captação científica, sem as lentes da arte, as malhas da
reflexão de uma ciência mais comprometida com os erros e as dúvidas, como ensinava Descartes.
27
Unidade I
Apoiemo‑nos na obra Sociologia urbana, de Ângelo Silva (2009), para trazer os clássicos do
pensamento sociológico sobre a cidade. Faremos algumas considerações simplificadas dos autores
clássicos da disciplina conforme o manual de Ângelo.
Georg Simmel, sociólogo de grande interesse, trata da afetação mental das pessoas pelas metrópoles
(SILVA, 2009). Procura as soluções individuais entre a normalização, normatização e desejo de liberdade.
Preocupa‑se com as tensões, os desgastes das relações indivíduo‑sociedade
Georg Simmel relaciona liberdade individual, limites da cidade e população, categorias que estão na
base da vida urbana:
Simmel toca nos pontos mais importantes das teorias dos conhecimentos, quais sejam, a tensão
constante entre a aceitação da complexidade (por vezes idiografia) e a nossa busca redutora por padrões
e regularidades (questão comumente envolta na quase mística singularidade (difíceis reflexões sobre
identidade individuais e coletivas) em face da experiência da teia da vida, na qual estaríamos indivisos);
28
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Toca no ponto nodal da sociedade capitalista do apego à propriedade (filosofia ou doutrina do ter,
do apego ao consumo e à propriedade dos bens):
Para que o habitante da grande metrópole consiga construir sua própria identidade ele necessita ver
e ser visto (SILVA, 2009, p. 52).
Simmel nos deixa muitas questões; seu encaminhamento é aberto, portanto contribui, essencialmente,
para a reflexão!
entre sujeito e objeto” (WAIZBORT, 2000 apud SILVA, 2009, p. 52). Essa
relação sujeito/objeto pode ser compreendida, também, como uma relação
entre sujeitos e objetos sob o olhar do pesquisador. Para Simmel, muitas
vezes, a sutileza diz mais do que o explícito.
O segundo aspecto a ser destacado é que esse autor nos coloca diante de
questões e de respostas com uma naturalidade muito grande. Em várias
oportunidades temos a sensação de que chegaríamos àquelas conclusões
naturalmente, sem a ‘ajuda’ da leitura do texto. Em outros momentos
notamos certa lentidão do nosso raciocínio para acompanhá‑lo.
As cidades seriam tipos mistos e requereriam concepção interdisciplinar para reconhecê‑las como
conjunto de geografias complexas.
Tratemos um pouco da Escola de Chicago, que é muito importante, por suas forças e por
suas fragilidades.
Devemos valorizar tanto a pesquisa quanto o exercício prático das disciplinas; assim, sociologia deve
ser praticada, em âmbito acadêmico de experimentação e provas, além de sua expressão pública, que se
estende desde as concepções até as aplicações dos conceitos e de seus resultados na vida das pessoas.
A política deve chegar às raízes das iniciativas de políticas públicas. As experiências universitárias
são, a um só tempo, ricas de possibilidades e restritivas como bitolas, gabaritos, diretivas por meio de
regras e conceitos ordenadores da realidade. Assim, a ordem de nosso texto deverá ser prescrita pelas
aproximações ontológicas, alimentada pelo real circundante, que nos conduz imediata e diretamente às
próprias coisas.
30
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Passemos às bases sociológicas da análise do rural e do urbano, por Marcella Delle Donne, para
contextualizar essa espécie de estudo e, assim, prosseguirmos em nosso percurso por esses lugares.
No que diz respeito ao nascimento da sociologia urbana, Donne (1983) afirma a importância dos
Estados Unidos como modelo, seguido, aprimorado ou mesmo negado.
Segundo Eufrásio (1995), o desenvolvimento da sociologia nos Estados Unidos da América pode ser
dividido em cinco fases: surgimento, difusão, consolidação, funcionalista e diversificação:
• Surgimento: durante as duas últimas décadas do século XIX, introduziram‑se cursos de sociologia
em diversas universidades.
• Difusão: entre 1900 e 1920, a sociologia se difundiu entre as universidades e faculdades dirigidas
às humanidades e às letras e, em 1905, foi criada a American Sociological Society.
• Consolidação: entre 1920 e 1935, foram criadas linhas originais de trabalho nos mais importantes
centros de ensino e pesquisa de sociologia no país, que se firmaram em tradições próprias, e
paralelamente à ampliação do ensino de graduação e de pós‑graduação. Multiplicaram‑se as
revistas especializadas e os contatos internacionais, ocorreu o desenvolvimento de subdisciplinas
especializadas e a formação de equipes de pesquisa. Nesse período, predominou a orientação
que se desenvolveu em Chicago, caracterizada por uma ecologia humana e uma psicologia
social, ambas sociológicas e, secundariamente, a orientação surgida em Colúmbia, na década
de 1930. Pelo prestígio e pela importância que ganhou dentro e fora dos círculos acadêmicos,
a sociologia tornou‑se conhecida como “a ciência americana”, difundindo‑se e influenciando a
de outros países.
• Funcionalismo: período de maior diversificação inicial, mas no qual acabaria por vir a exercer
a influência mais importante, o funcionalismo de Harvard, secundado pelo interacionismo
simbólico, surgido em parte em Chicago. Na década de 1960, emergiu o movimento da chamada
“sociologia crítica”.
A figura a seguir exemplifica boa parte desse desenvolvimento numa aplicação de Burgess, notável
da Escola de Chicago.
31
Unidade I
Área urbana
es
ular
e s sing ncias
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Hab otéis re
H
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L II
Zona de III
Ghettos I transição Zona de
Deutschland Centro habitações
operárias
CHINA BAS-FONDS
TOWN
VIZIO
Casas com
apartamentos
Black belt
IV
Zona residencial
Hotéis iais
nc
nocturnos V
Zona dos
Bairros altos trabalhadores
pendulares
Área dos Bungalow
Na figura anterior, temos o modelo de organização das cidades, de Burgess, segundo o qual estas
se desenvolvem por círculos concêntricos, muito presentes no imaginário urbanístico de sociólogos,
arquitetos e de geógrafos ao pensarem a cidade. Burgess é expoente da Escola de Chicago e assim se
expressa sobre a realidade urbana estudada.
Saiba mais
Teoria crítica:
Saiba mais
Lembrete
33
Unidade I
Passemos a Robert Park, que coteja as formas físicas da cidade às condutas morais dos habitantes, o
que torna seu trabalho de grande interesse, apesar de esvaziar o valor dos sentimentos e das emoções
como motivadores das ações, embora sejam cofundantes da personalidade e do comportamento humanos,
reconhecer tal dimensão inviabilizaria a reflexão e o planejamento da ação racional (SILVA, 2009, p. 70).
Park desenvolve o conceito de regiões morais, conectada a regras e costumes, papéis e status quo.
Louis Wirth faz grandes esforços para colocar‑se no cenário acadêmico dos estudos urbanos, e embora
tenha pouco cuidado com os conceitos de urbanismo e urbanização, utiliza muito os termos; assim,
urbanismo parece ser uma urbanologia. Contudo, traz questões importantes, como as necessárias
camadas de códigos e máscaras para as interações sociais.
Raciocina por quantidades (que levariam a novas qualidades). Na verdade, parece confundir política
com burocracia, aproximando‑as, perigosamente; vê qualidade política onde as massas provocam
mediações normativas ou organizações burocráticas.
Para Wirth, tanto o tamanho como a densidade devem ser encarados como
relativos ao contexto cultural geral no qual as cidades surgem e existem, e somente
são sociologicamente relevantes até o ponto em que operam como fatores
condicionantes da vida social. O mesmo se aplica à profissão dos habitantes, às
instalações, instituições e formas de organização política (SILVA, 2009, p. 80).
Faz apologia do gigantismo e da diversificação das grandes cidades, tomadas por ele como âmbito
de promessas não cumpridas, a serem cumpridas; seu maior trunfo seria igualmente sua ruína, pois
ao tornar‑se lugar de excedentes progressivos, as cidades mal conseguem se alimentar como sistema;
também como sistema não dão conta de se manterem limpas, alocarem e reutilizarem os recursos (e seus
produtos) que importam.
Park incorpora boa parte dos ensinamentos de Weber e Simmel quanto aos problemas de degradação
do conhecimento interpessoal da aglomeração (perda das relações de vizinhança). De Simmel, o autor
traz as considerações de superestimulação das emoções e dos sentidos. Além de considerar a noção de
atitude blasé do homem metropolitano, teorizada por Simmel:
Quanto aos nós das polêmicas relações urbano‑rurais, sai do lugar‑comum de negá‑las, enfocando
sua interpenetração.
Assim, reconhece boa parte do esgarçamento do tecido social, pois a cidade explode, se
estilhaça, desafia:
Complexidade assumida, mas não liquidada, posto que acabamos por amparar a análise nas ciências
ou nos saberes parcelares. Como superar, de fato, o perfil analítico que só sabe fragmentar? Muitas
construções teóricas puseram‑se à obra para resolver tal problema: desde a teoria crítica de Karl Marx
(David Harvey, Henri Lefebvre), até a fenomenologia (Maurice Merleau‑Ponty) e o niilismo nietzschiano.
Na esteira de Karl Marx, Paul Singer, fazendo uma economia política da cidade, e Henri Lefebvre,
refletindo sobre a produção e reprodução social do espaço, corroboram em suas análises o fim do
camponês, ou ao menos do rural agrícola. Nessa vertente de interpretações sobre o espaço urbano e a
cidade, a urbanização (como conjunto contraditório de projetos sociais diversos) se alastra, incorpora e
remodela todos os lugares segundo as formas e as medidas típicas das cidades; trata‑se do que chamam
de urbanização completa.
Como ficariam as relações dialéticas, dialógicas entre os modos de vida urbanos e rurais? Para Henri
Lefebvre não teria lugar uma ciência da cidade (sociologia urbana, economia urbana etc.), mas sim um
conhecimento em fase de elaboração do processo global, bem como de seu limite (objetivo e sentido).
Queremos dizer com isso que o autor posiciona‑se contra a denominação de sociologia urbana por
entender que não é possível uma ciência (sociologia) da cidade (urbana). Para ele O urbano não se
definiria como realidade consumada (embora incorporasse o campo), situada no tempo como reflexo
da realidade atual, mas pelo contrário, como horizonte e como virtualidade classificadora. Trata‑se do
possível, definido por uma direção que, ao término do trajeto, se chega até ele. Henri Lefebvre concebe
tal horizonte de possiblidades como projeto social.
Manuel Castells define espaço urbano como “certa parte da força de trabalho, por um mercado de
emprego e por uma unidade relativa do seu cotidiano, ou seja, o urbano é a conotação do processo
de reprodução da força de trabalho” (apud SILVA, 2009, p. 122). Para ele, o avanço capitalista produziria
sociedades e a estruturação do espaço está fundada na “reprodução simples e ampliada da força de
trabalho”; e aponta que “o conjunto das práticas ditas urbanas conotam a articulação do processo
ao conjunto da estrutura social”, e no que concerne ao nosso enfoque dos estatutos, das expressões
históricas do campo e da cidade, Castells
dirá ser possível analisar a cidade, não como uma variável independente
como fizeram na Escola de Chicago, mas como resultante das relações entre
os elementos da estrutura social. Assim, o urbano conota uma unidade definida,
seja na instância ideológica, seja na jurídico‑político, seja na econômica.
Observação
Alguns autores, de maneiras diferentes, buscam a superação das dicotomias entre rural e urbano
que, convencionalmente, aparecem como em terras extremas, antípodas. É o caso de Ray Oldenburg,
Richard Sennett, Olivier Mongin, Peter Hall, James Holston e Marcelo Lopes de Souza.
Sem perdermos de vista o mapa de nosso percurso, estamos situados, com os pés no chão,
perguntando‑nos e aos demais sobre o assunto, sobre o que é vida rural e vida urbana; é preciso dizer
de onde ele vem, como chegou até aqui e de que forma se espera que se comporte.
37
Unidade I
Estimulamos sua percepção – que deve atentar‑se de que uma parte da realidade está sendo
destacada para seus estudos: a sociedade, em sua clássica divisão (social e territorial), em rural e
urbana – e seus questionamentos, para que você se pergunte frequentemente:
• O que vejo?
• Quais são os significados dos modos como os habitantes desse meio se casam, do tipo de música
que ouvem, das festas que frequentam, dos valores locais, dos valores de uso e de troca da terra
e dos imóveis, em geral?
E o mesmo pode ser dito para os hábitos, costumes, comportamentos urbanos, sobre os significados
da velocidade, do valor de uso de troca da terra e dos imóveis, do isolamento, das gangues e guetos, das
áreas de submoradia, entre outras questões.
• Como as pessoas vivem no campo? Podemos chamá‑las de camponesas? São trabalhadoras rurais?
São empregadas? Podemos opô‑las ao homem da cidade, ao homem urbano?
• sociedade;
• comunidade;
• Estado;
• urbanização;
38
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
A seguir, faremos uma breve apresentação dos conceitos da lista antecedente, bem como das formas
sociais correspondentes.
Por ora, registremos que sociedade é tipo ideal weberiano com vínculos teóricos e concretos dos
mais diversos graus de coesão entre os agentes sociais, e cuja existência se manifesta na trama de ações
das diversas relações que despontam para os próprios agentes que as engendram.
Comunidade baseia‑se em laços e vizinhança; comunidade é “o que essa palavra evoca, é tudo
aquilo de que sentimos falta e de que precisamos para viver seguros e confiantes” (BAUMAN, 2003, p. 9).
O Estado, para Bobbio, era mais fácil de ser definido negativamente (como sociedade política em
oposição à sociedade civil) do que positivamente, isto é, mais fácil afirmar o que ele não é. Haveria,
assim, três variantes principais:
Armando Corrêa da Silva (1984) afirma que, para Ratzel, não só a sociedade e o Estado têm uma base
territorial, mas com estes se relacionam. Por isso, diz Ratzel: “A sociedade é o intermediário pelo qual o
Estado se une ao solo. Segue‑se que as relações da sociedade com o solo afetam a natureza do Estado em
qualquer fase do seu desenvolvimento que se considere” (RATZEL, 1983 apud SILVA, 1984, p. 105).
As apresentações e as visões das cidades são muitas. Na figura a seguir, temos um quadro de
elementos distribuídos de acordo com a organização territorial do modo de produção capitalista. As
classes sociais, o regime de propriedade e a segregação derivada da concentração de capital e poder são
conceitos destacados dessa visão. Os expoentes dessa tradição, aqui trabalhados, são Karl Marx, Henri
Lefebvre e David Harvey.
39
Unidade I
Nessa tradição cultural, porém com mais elementos do pensamento de Marx, Raymond Williams traz
o campo, a cidade e os fios que os unem e os misturam; muito além dos modelos eficazes até por volta
da década de 1970, como podemos verificar na figura a seguir, de Roberto Lobato Corrêa.
Urbano e cidade são, respectivamente, conteúdo (modo de vida urbano) e forma‑cidade (conjunto
das construções, instituições municipais, ela própria, a cidade, conjunto de negócios). A legitimidade da
formação e dos vínculos de vizinhança e compartilhamento dos lugares, fortalecidos no dia a dia, vem,
ao longo das últimas décadas (pós‑anos 1970 com o acirramento da globalização capitalista), cedendo
lugar à crescente institucionalização e mercantilização das relações sociais.
Rural e agrário são, respectivamente, conteúdo (modos de vida) e formas agrárias (expressões
econômicas do trato com a terra, atividades agropecuárias, em geral).
Estamos caminhando e entramos, agora, nos lugares com o objetivo de observar neles a vida
acontecendo; pessoas trabalhando, comendo, dormindo, circulando. Nesse momento, nossa preocupação
é com o que há de primário, quase estritamente orgânico em nossas atividades garantidoras da existência;
ocupamo‑nos com essa ordem de necessidades e impulsos.
41
Unidade I
Vimos grande proveito e aceitamos fazer algumas paradas pela arqueologia, pela história e pela
antropologia (MAZOYER, 2010; PISKY, 2011; HAVILAND, 2011) em busca de relações originárias, assim
como de propostas de pesquisa em etnociências (CARVALHO; BERGAMASCO, 2010), além da menção ao
tema por um economista e ambientalista como José Eli Veiga (2004).
Observação
Os impulsos de sobrevivência instauram uma espécie de economia natural: satisfação das necessidades
pelo acesso e, no início, controle mínimo de recursos.
Também é preciso referir o labor impedido, afastado, os obstáculos ao labor; trata‑se do corpo
negado e do labor sem sentido, quando não, impossível, em decorrência da concentração dos meios,
de comer por comer – comer como ato desqualificado pelo deslocamento das comidas originais dos
povos (constituídas ao longo de milhares de anos em conjuntos de culturas e ecologias, que incluem
os corpos). Labor impedido pela fome, inconsciência e distorções nos hábitos alimentares e obesidade.
Autores como Mazoyer (2010, p. 25) falam da gravidade e do paradoxo da desnutrição e/ou subnutrição
no campo, problemas para os quais concorrem práticas culturais “excêntricas”, com perdas inconscientes
e descartes de saberes extrativos, produtivos e alimentares construídos nas relações ambientais.
O labor, reafirmando Hannah Arendt, está nas bases do estabelecimento dos fatos sociais, como
relações campo‑cidade; rural‑urbano. Assim como labor é a motivação de ocupações “originais” ou
vernáculas; territorialização em função dos recursos, com “pouca” margem para manobras, em virtude
de nossa dependência direta das fontes de alimentação ambiental de nosso ecossistema corporal.
Trata‑se de uma dimensão pré‑histórica, velha como o mundo, que vive para a busca de alimentos,
abrigo, fugindo de predadores. E se as conquistas “humanas” da Terra, de boa parte dos processos
42
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
naturais, data de milhares de anos; boa parte disso tudo expresso nos casos de domesticação ambiental,
principalmente de plantas e animais. Para Jaime Pinsky:
Por isso, especialistas como Gordon Childe costumam dizer que, na história
humana, roupas, ferramentas, armas e tradições tomam o lugar de pelos,
garras, presas e instintos na busca de alimentos e abrigos.
Por meio da história, o conhecimento sobre o ser humano chega até nós de maneira elaborada,
em formas que reduzem (racionalizam) essa experiência toda em compreensão. Queremos o vivido em
suas manifestações orgânicas, nos planos físico, biológico, procurando as razões culturais. Mais um
acréscimo de J. Pinsky quanto às interpretações acerca do ser humano em sua trajetória existencial, cujo
enunciado costuma se dar nesses termos: de caçador a criador, de coletor a agricultor:
quem acabamos atribuindo inseguranças que são nossas e de hoje). Para ele,
raízes e frutas lá estão para serem colhidas e não como um acidente, uma
eventualidade. O domínio que os coletores tinham do seu ambiente lhes dava
um grau de segurança bastante grande para saberem, nas diferentes épocas
do ano, quais os locais que ofereciam determinados alimentos.
Pinsky questiona as visões lineares desse percurso, de cunho positivista, apresentando algo da
complexidade que envolve os temas. E falando da Revolução Agrícola, faz considerações sobre as
dificuldades no estabelecimento das primeiras áreas de cultivo.
A variedade de cultivares era regional, “com a natural predominância de espécies nativas, como
os cereais (trigo e cevada), o milho, raízes (batata‑doce e mandioca) e o arroz, principalmente”. O ser
humano submeteu espécies, domesticando‑as, “foi aprendendo a selecionar as melhores plantas para a
semeadura e a promover o enxerto de variedades, de modo a produzir grãos maiores e mais nutritivos
do que os selvagens” (PINSKY, 2011, p. 48).
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Jaime Pinsky segue falando das frentes da coleta, de aprendizado da caça, da agropecuária. Apresenta
conjecturas sobre as descobertas e os manejos acidentais de recursos; “de todo modo, a transformação
da economia coletora em uma economia produtora (mesmo que uma economia simples, de produção
de alimentos) provocará grande transformação no grupo” (PINSKY, 2011, p. 54‑55).
Saiba mais
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Unidade I
Nosso objeto de interesse constitui‑se de modos de vida e atividades específicas sobre aquilo
que se convencionou chamar de campo e de cidade; contudo, aqui é o labor do organismo, diante
de suas necessidades (alimentação, energia; abrigo; sentido e significado). As conjecturas de Hannah
Arendt sobre o labor seguem o esteio linguístico, na qualidade de pista histórica, desembocando em
considerações consistentes:
Hannah Arendt segue indagando sobre as razões históricas da subestima tecendo suas considerações
sobre o labor (lavor; trabalho; faina), as necessidades do corpo exigem o labor (ARENDT, 2007).
A autora evoca o percurso etimológico dos termos, demonstrando que as atividades rurais ou laborais
se organizam e se denominam em torno do significado de labor:
Hannah Arendt persiste na inquirição dos porquês do discurso (e a prática) ter secundado o homo
laborans e adotado na plenitude o de homo faber (ou artífice, que será explorado por Richard Sennett
em livro homônimo):
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Excluir, esconder o labor, assim como para as “peneiras de malhas modernas”, para as “lentes
progressistas” todo o universo rural não coexiste, não se lhe reconhece como contemporâneo; sendo‑lhe,
portanto, como já dissemos, negado, política ou metodologicamente, lugar histórico no presente.
E passamos décadas perguntando-nos e fazendo afirmações acerca da existência do camponês.
Trabalhar diretamente a terra, na lavoura, era tido pelo que havia de mais arcaico. Campo, interior,
bosques, matas e mesmo a vegetação na cidade era sinal de atraso! Tudo tem que parecer urbano,
cimentado, asfaltado, viabilizando a circulação moderna e veloz.
Chegamos ao que mais interessa quanto ao propósito deste livro‑texto: a aproximação das sociedades
rurais e urbanas; os nomes das coisas como decorrências das associações e soluções humanas, isto é, no
caso, as atividades rurais, as lavouras.
E ainda no quesito distância, labor, lavor, rural, foi sendo, estrategicamente, integrado ao mercado,
na frente das políticas econômicas com fins de convertê‑lo ao mercado de trabalho, o que lhe retirava
acesso aos meios de produção; ao passo que também não fazia parte dos planos políticos, era e é
ignorado por outros. Hannah Arendt continua, de modo crítico:
À primeira vista, porém, é surpreendente que a era moderna […] não tenha
produzido uma única teoria que distinguisse claramente entre o animal
laborans e o homo faber, entre ‘o labor do nosso corpo e o trabalho de
nossas mãos’. Ao invés disso, encontramos primeiro a distinção entre
trabalho produtivo e improdutivo […]. O próprio motivo da promoção do
labor como trabalho na era moderna foi a sua “produtividade”; e a noção
aparentemente blasfema de Marx de que o trabalho (e não Deus) criou o
homem, ou de que o trabalho (e não a razão) distingue o homem dos outros
animais, era apenas a formulação mais radical e coerente de algo com que
toda a era moderna concordava (ARENDT, 2007, p. 96).
Capitaneada por Adam Smith e Karl Marx, Arendt aponta que todos “menosprezavam o trabalho
improdutivo”, algo como certa “perversão do trabalho”, e comenta a ojeriza dirigida aos “criados
servis”, pois antes da modernidade trabalho era equiparado à escravidão, posto que o associassem
a “esses criados servis, esses caseiros, oiketai ou familiares cujo trabalho era exigido pela mera
subsistência e que eram necessários para o consumo isento de esforço, e não para a produção”
(ARENDT, 2007, p. 97).
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Unidade I
4.1 Experiências
Pensamos haver qualidade tanto nas práticas sociais quanto nos estudos e pesquisas desde que
assumamos as “misturas” das experiências rurais e urbanas – espaços rurbanos, na síntese de Graziano
da Silva, Miller (2018); Carneiro (1998); Schneider (2003); Froehlich (2000) –, e reconheçamos os fluxos
(de migrantes) pelas redes de “fuga” e os “destinos”, tanto dos que encontram lugares para recriar
suas relações quanto dos que não conseguem refazer‑se, sendo apenas depositados em localidades nas
quais lhes são negados direitos de existência. As diversas figuras de uma demografia viva são: lugares
de nascimento, de saída, de chegada, posse, desposse, controle, descontrole dos meios de produção
e de sua própria identidade; controle dos lugares e de seus recursos simbólicos e materiais para a
manutenção da existência.
Então, olhemos para os espaços rural e urbano como âmbitos típicos, até mesmo estereotipados, para
facilitar a imaginação do desconhecido que temos como estrangeiros: no caso de citadinos nas áreas
rurais, e do pessoal do campo, na cidade. Reiteramos que as diferenças vão‑se desvanecendo, o que é
motivado por processos sociais internacionais de motor único; desvanecendo, mas não se apagando,
apenas vão‑se fundindo os elementos, antes únicos em cada âmbito.
Sauer (1956; 1992) também nos ajuda sobre a importância e a diversidade da vida e da produção do
homem na Terra.
Ao falar das formas de vida camponesa e pastoril, Sauer (1992) trata das sucessivas intervenções
revolucionárias do ser humano sobre a natureza, apontando como a principal delas a que veio quando
ele selecionou certas plantas e animais, tomando‑os sob seus cuidados para serem reproduzidos, criados e
domesticados cada vez mais de modo dependente dele para sobrevivência. A adaptação dessas formas para
servir às necessidades humanas é contrária, como regra, ao processo de seleção natural. Com isso, foram
introduzidas novas linhas e processos da evolução orgânica, ampliando o fosso entre as formas selvagens e
domésticas. A biota, a superfície e o solo natural foram deformados, gerando paisagens culturais instáveis.
• Esse novo estilo de vida era sedentário, surgiu a partir de uma sociedade sedentária anterior. Na
maior parte das condições, especialmente entre agricultores primitivos, a terra plantada deve ser
vigiada continuamente contra predadores dos cultivares.
• A atividade de plantio e domesticação não foi desenvolvida a partir de fome, mas de fartura e
de tempo livre. As pessoas vítimas de fome não têm oportunidade e incentivos para a seleção
lenta e contínua de formas domésticas. Comunidades aldeãs são as que oferecem circunstâncias
favoráveis a tais progressos.
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
A mais antiga forma de agricultura envolve fazer furos, muitas vezes, chamado – geralmente, de
maneira imprópria – de “cultivo de enxada”. Esta era a única maneira conhecida no Novo Mundo, na
África Negra e nas ilhas do Pacífico. Em um nível avançado, levou aos jardins e horticultura de monções,
na Ásia e, talvez, no Mediterrâneo. Suas ferramentas modernas são a pá, o forcado e a enxada, todos
derivados de formas antigas. Na América tropical, este tipo de cultura é conhecida como conuco; no
México, como milharal, sendo esta última um plantio de sementes de milho, abóbora, feijão e talvez
outras espécies anuais. O conuco é composto principalmente por raízes e videiras, em um terreno de
jardim perene. Recentemente, foi proposto o renascimento da antiga palavra norueguesa swithe, ou
“roça” (SAUER, 1992).
Este horto começa detendo o crescimento das árvores, seguindo com a queima no final do período
seco, de modo que as cinzas sirvam como um fertilizante imediato. No espaço “clareado”, planta‑se
um conjunto diversificado de plantas úteis, cultivadas em linhas, se a fertilidade e a umidade forem
adequadas. No complexo de milho, feijão e abóbora, os caules e folhas desta última estendem‑se
pelo terreno; talos de milho crescem em altura e são enrodilhados por feijões. Assim, o solo está bem
protegido por um dossel, com uma boa intercepção de chuva. Cada conuco pode conter uma variedade
de plantas, a partir de gramíneas de arbustos como o algodão e mandioca, e as árvores cultivadas
cobertas de vinhas.
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Unidade I
Os sistemas agrícolas realmente não merecem os nomes degradantes que lhes forem impingidos,
tais como “corte e queima” ou “a agricultura itinerante”. O abandono dos cultivos depois de um tempo
antes dos novos rebentos de plantas selvagens lenhosas é uma forma de rotação através do qual o solo
é restaurado para nutrientes extraídos por árvores e arbustos com raízes profundas, a serem espalhados
sobre a superfície como resíduos. Tal uso da terra é livre das limitações do terreno ao campo arado. Poder
oferecer bons retornos em declives íngremes e ravinas não é um bom argumento contra o método,
que oferece uma melhor proteção contra a erosão do solo do que qualquer forma de recuperação.
Também, nesta cultura, são estabelecidos sistemas de terraceamento em encostas (SAUER, 1992).
Alguns dos problemas atribuídos ao sistema resultam do impacto tardio de nossos próprios métodos
de cultura, tais como o acesso a machadadas e facões, através da qual é possível eliminar focos de ervas
daninhas, em vez de deixar a terra descansar sob o novo crescimento das plantas; a substituição de
culturas de subsistência para as culturas de rendimento; o rápido crescimento da população mundial; e
a demanda por bens industriais, associado a melhores padrões de vida. Não argumentam que sob este
primitivo sistema de cultura, o homem poderia melhor satisfazer as suas necessidades, sem esgotar o
solo. Em vez disso, em seus procedimentos básicos e suas plantações, este sistema nos permite manter
um alto grau de fertilidade do solo, com altos níveis de desempenho. Sendo protetor e intensivo,
podemos considerar totalmente adequado às condições físicas e culturais das áreas onde ela existe.
O nosso conhecimento ocidental é orientado para o uso da terra para uma curta série de anos e não
equivalente à sabedoria do camponês primitivo enraizada em suas terras ancestrais (SAUER, 1992).
Nossas atitudes em relação ao cultivo vêm de outro tronco antigo, do qual brotam agricultores,
colheitadeiros e os ceifeiros; homens do arado, que dependem de criadores de gado leiteiro e pastores
de rebanhos. Este é o complexo que já está bem representado nos primeiros sítios neolíticos no Oriente
Próximo. O interesse dessa cultura é especificamente voltado para a produção de mudas anuais,
especialmente gramas de cereal. A semente é cuidadosamente preparada com antecedência para
minimizar o crescimento de plantas daninhas e fornecer uma luz na bem trabalhada superfície do
solo em que as pequenas sementes germinam. A superfície lisa e bem trabalhada contrasta com pilhas
dispersas de terra – “colinas” na fala do camponês americano – característica do conuco e do milharal.
Em vez de uma variedade de plantas, o solo é preparado para receber sementes de um único tipo.
O Oeste da Índia é uma exceção significativa. As plantas não recebem cultivo adicional, desenvolvendo‑se
até a maturidade, quando são colhidas uma vez. Após a colheita, o campo pode ficar em pousio até
a temporada seguinte. O instrumento do cultivo é em primeiro lugar o arado; em segundo lugar, as
grelhas, ambos usados para preparar o solo para o plantio. Este é tradicionalmente feito lançando‑a aos
punhados, e da colheita, utilizando lâminas afiadas (SAUER, 1992).
Rebanhos de animais, gado de corte, ovinos, caprinos, cavalos, jumentos e camelos são raros ou
têm uma presença recente neste sistema. Cuidar de animais pastando ou ruminando é básico. Eles
são ordenhados, ou eram no passado. Segundo Sauer (1992), a ordenha é uma atividade original e um
elemento qualitativo de domesticação e, em muitos casos, se manteve sua principal utilidade econômica,
enquanto a carne e couro foram apenas os produtos de origem animal.
Este complexo espalhou‑se de seu berço no Oriente Médio, especialmente em três direções, mudando
seu caráter diante das mudanças ambientais e devido ao crescimento populacional:
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
• Difusão para as estepes da Eurásia: a cultura perdeu preparo e tornou‑se plenamente pastoral,
com o nomadismo real.
• Dispersão dos celtas, germânicos e eslavos para o oeste: parece ter tomado seus assentamentos
históricos principalmente como criadores de gado e cavalos.
• Dispersão das culturas de plantio e pastagem para o oeste ao longo de ambos os lados do
clima mediterrânico: não é necessário um ajuste significativo, o trigo e a cevada continuam os cereais
de colheita; ovinos e caprinos têm maior importância do que gado e cavalos (SAUER, 1992).
A descrição das transformações nas concepções e nas técnicas agropecuárias leva Sauer (1992)
à identificação de problemas, como os mais diversos tipos de erosões, de desertificação, alterações
climáticas, rupturas da biodiversidade, gerados por nossas atividades agrárias em larga escala para
o crescente mercado. Trata da importância de um saudoso manejo que promovia integração entre
plantas e animais, o que era comum nesses modelos antigos. Defende um aprofundamento dos estudos
arqueológicos para entender os papéis dos ambientes e das culturas no desenvolvimento das práticas
agrícolas menos impactantes e mais inteligentes do ponto de vista da ecologia.
A retomada histórica de nossos primórdios produtivos deve‑se à importância das origens da questão
ambiental, isto é, da problemática tão antiga quanto nosso manuseio da terra para plantar. Sempre há
impactos, de grande ou pequena extensão, diretos ou indiretos, mas sempre haverá.
Nossa jornada do neolítico para cá pode ser identificada por grandes transformações, que implicam
perdas e ganhos na qualidade de vida, de um modo geral. Essas transformações aparecem de muitas
maneiras como uma crescente desumanização da natureza do ser humano, conferindo uma ideia da
base subjetiva que compõe o assunto.
O caminho segue pelo tratamento da natureza, mesmo sem considerá‑la em toda a variedade cultural
de concepções, assumimos serem elas construídas como relações próprias aos povos; cada cultura
conforma sua própria ideia de natureza de acordo com suas influências e condições físico‑químicas e
biológicas. Reiteramos, desse modo, a dificuldade de trabalhar com tal conceito.
Se natureza é tudo, apresenta o presente e o passado, é interna e externa ao ser humano, sendo
condição da cultura e por esta também transformada. É o ponto de partida da Filosofia, dela continuamente
escapando em virtude de sua complexidade. Reiteramos que, por razões de método científico, não
nos deteremos nesse nível de complexidade. Prova de que esse plano está além de nossa percepção,
entendimento e cálculo, são as doenças, as cadeias energéticas e mesmo todas as ligações promovidas
pelos impactos e poluições, que indicam nosso desconhecimento dos demais seres (estruturas orgânicas
e inorgânicas), com os quais nos relacionamos em profunda ignorância. Esta parece ser a causa maior
dos tais desequilíbrios.
Registramos que é atribuição do método unir sujeito e objeto do conhecimento, no ambiente que é
a natureza conhecida, atribuindo sentido à prática, aproximando‑nos da realidade possível por meio de
roteiro e de instrumentos mais modestos.
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Unidade I
Observação
Na linha de raciocínio que estamos empreendendo, Claval, em Espaço e Poder (1979), ensaia uma
gênese organizacional das associações e de suas racionalidades espaciais na configuração de paisagens
e de territórios, conforme a estrutura de poder dos grupos sociais.
A ocupação do espaço e os usos de recursos como fenômeno territorial estão na origem, razões
e características dos povoamentos, desenvolvimento, dinâmica demográfica (crescimento, migração,
envelhecimento etc.).
Desdobramentos das práticas socioespaciais, nas escalas locais (horizontais) e verticais (espaços
heterótopos ou hierárquicos) – a vida nos lugares, “rurais” e “urbanos” (rurbanos) e em fluxos pelas
redes (migrações).
Também isso é diferente agora, mas sempre que penso nas relações campo
e cidade, e entre berço e instrução, constato que se de uma história ativa e
contínua: as relações não são apenas ideias e experiências, mas também de
aluguéis e juros, situação e poder – um sistema mais amplo.
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Williams (1989) expõe a trama que liga os espaços rural e urbano de modo multidimensional, provocando
muitas reflexões sobre as ligações entre a vida nos campos e a vida nas cidades, principalmente quando
aponta para “os fios da natureza” (WILLIAMS, 1989, p. 102‑103) persistentes, apesar da urbanização
devastadora. Seu intento é desmitificar as várias visões simplistas das relações entre a cidade e os campos,
a mais comum sendo aquelas que atrelam a vida rural à dinâmica das cidades.
As atividades agrárias (agropecuárias) estão ligadas ao que há de mais característico nas paisagens
rurais. Dito isso, Andrade (2004) mostra que a pecuária e a produção de alimentos no Período
Colonial seguem uma lógica que se movimenta entre as determinantes econômicas da empresa colonial
portuguesa na América.
O sentido da colonização,
55
Unidade I
Para isso, importaram em larga escala escravos negros, africanos, que eram aqui vendidos
aos senhores de engenho. A intensificação da escravidão e o crescimento populacional
decorrente da expansão dos canaviais provocaram sérios impactos e a necessidade de se
produzir, na área povoada, alimentos que se adaptassem ao clima e ao solo da colônia,
para esta população em crescimento. Daí a importação de animais e vegetais da própria
Europa, assim como da África, da Ásia e da Oceania, terras por onde se estendia a influência
comercial portuguesa.
Da Europa foram trazidos, desde a primeira metade do século XVI, os animais domésticos,
sobretudo bovinos, caprinos, suínos, equinos; da África, vieram vegetais como o sorgo, o
inhame, o cará; da Ásia, fruteiras como a bananeira, a mangueira, a jaqueira e o arroz; e
da Oceania, a fruta‑pão e o coqueiro. Muitos vegetais cultivados pelos indígenas, como o
algodão, a mandioca e o milho, passaram também a ser cultivados pelos colonizadores.
Este fato é comprovado pelo depoimento dos cronistas coloniais, no século XVII, que
testemunharam haver nos engenhos de açúcar áreas cultivadas como produtos alimentícios
que garantiam a fartura das casas‑grandes e a abundância de alimentos.
A cana‑de‑açúcar só era cultivada nas terras baixas de massapê e nas encostas de “barro
vermelho”, ao passo que os solos silicosos dos interflúvios eram utilizados para a plantação
de tubérculos e de fruteiras. Daí o desenvolvimento do chamado “sistema do Brasil”, no qual
o senhor de engenho permitia que escravos cultivassem lavouras de mantimentos em áreas
marginais aos engenhos, nos dias santos, feriados e domingos, a fim de que contribuíssem
para o seu próprio sustento.
A penetração dos criadores de gado para o interior foi determinada por uma série de
fatores, como a necessidade de manter o gado afastado das áreas agrícolas litorâneas; a
ocupação holandesa, que acelerou ainda mais a transferência de criadores de gado das áreas
próximas à costa para o Sertão, utilizando os rios, sobretudo o São Francisco, como condutos
da penetração. Com a expulsão dos holandeses, já era expressivo o povoamento do Sertão, e
grupos organizados já haviam derrotado indígenas e conquistado áreas de pastagem.
Esta expansão foi muito favorecida pelas condições naturais e econômicas. Do ponto
de vista natural, o clima semiárido dificultava a proliferação de verminoses e de epizootias;
além disso, havia uma pastagem natural boa para o gado, no período das chuvas, e “ilhas”
úmidas nas margens dos rios e nas serras para onde ele poderia ser levado no período
seco. Do ponto de vista econômico, contavam os pecuaristas com um mercado certo na
área agrícola, que seria abastecido de carne, de couro e de animais de trabalho; tinham
facilmente derrotado as tribos indígenas, depois de verdadeiro genocídio, e confinado os
vencidos em aldeamentos administrados por missionários que procuravam sedentarizá‑los.
Os índios sedentarizados tornavam‑se produtores de alimentos e formavam uma reserva de
força de trabalho que podia ser recrutada pelos sesmeiros nas ocasiões em que necessitavam
de braços para os trabalhos agrícolas ou de auxiliares para combater outras tribos.
As terras conquistadas aos índios eram doadas em sesmarias a pessoas influentes com o
governador‑geral da Bahia ou com o capitão‑mor de Pernambuco, fazendo com que algumas
famílias se apossassem de grandes extensões, verdadeiros latifúndios que compreendiam
dezenas de léguas, obrigando os verdadeiros povoadores, homens humildes que haviam
enfrentado os indígenas e implantado pequenos currais, a se tornarem seus foreiros.
[…]
com que se formassem não só caminhos de gado como que se conquistassem terras aos
índios com a finalidade de criar gado para a área mineradora. A demanda de alimentos
nas Minas foi bem superior à oferta, fazendo os preços se elevarem, tornando numerosos
migrantes agricultores de mantimentos, como mandioca, milho, cana‑de‑açúcar, frutas, ou
criadores de médios e pequenos animais que eram facilmente comercializados. A pecuária
foi acompanhando, nas áreas de caatingas e de cerrados, o trajeto dos mineradores,
aproximando‑se sempre dos arraiais de garimpagem.
Daí a continuidade dos currais nordestinos por territórios, hoje de Minas Gerais, de Goiás
e do próprio Mato Grosso.
Abramovay (2007) e Silva (1997) propõem que se olhe para as regiões rurais de outra maneira, diferente
do que se vinha fazendo, pois tendemos a ver nas transformações, progressões lineares, absolutas.
Abramovay conta que o intuito inicial no Projeto Rurbano “[…] era identificar a dispersão geográfica
das formas familiares e patronais, a maior ou menor incidência de certos produtos agropecuários, e com
isso subsidiar minimamente a definição de diretrizes de políticas públicas” (ABRAMOVAY, 2007, p. 13).
Essa pesquisa não só atingiu seu intento inicial como colocou uma hipótese bastante inovadora na
época: as melhores configurações territoriais encontradas eram aquelas que combinavam uma agricultura
de base familiar forte com um entorno socioeconômico diversificado e dotado de infraestrutura. Um
desenho que permitia aos espaços urbanos e rurais dessas regiões, de um lado, abrigar o trabalho
excedente que deixa a atividade agrícola e, de outro, inversamente, absorver nas unidades familiares
o trabalho que é descartado nas cidades em decorrência do avanço tecnológico e do correspondente
desemprego característico dos anos 1990.
Tal pesquisa mostrou um campo novo de preocupações que viria a se delinear melhor no Brasil na
virada para a década atual: a necessidade de se entender as articulações entre formas de produção,
características morfológicas dos tecidos sociais locais e dinâmicas territoriais de desenvolvimento; ou,
na mesma direção, as articulações entre os espaços considerados rurais e urbanos. Mais do que nas injunções
setoriais, o que se sugeria é que nas dinâmicas territoriais – ainda sem usar esta denominação – e
em suas estruturas sociais é que se poderiam encontrar as respostas para as causas do dinamismo e da
incidência de bons indicadores de desenvolvimento.
58
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Segundo Silva (1997), é cada vez mais difícil a delimitação geográfica do que é rural e do que é
urbano, mas isso não é o mais importante. Na prática, o rural hoje só pode ser entendido como um
continuum do urbano do ponto de vista espacial, e do ponto de vista da economia, as cidades não
podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, do mesmo modo que os campos
não podem sê‑lo com a agricultura e a pecuária. E, como segue:
Alguns caminhos para enfrentar a desigualdade na base dos problemas a serem enfrentados por
qualquer projeto que se ponha como sustentável são:
• quanto à legitimidade da gestão empresarial do ambiente que utiliza como recurso, isto é, qual é
o papel do Estado regulador nessa questão;
• quanto às perdas de qualidade alimentar (com inserção química não regulada ou mal gerenciada),
das condições de trabalho (com maquinário que não diminui universalmente o risco), entre outras
dimensões, quando confrontadas com modelos de integridade ou sustentabilidade;
• quanto às possibilidades reais de alternativas ao modo da racionalidade ambiental de Leff (2001), por
exemplo, rumo a um saber ambiental que aprenda com as formas ecologicamente mais inteligentes.
Saiba mais
O extenso Projeto Rurbano do professor José Graziano da Silva (1997; 2001a), sobre o campo
contemporâneo, coloca muitas luzes diferentes ao longo dos anos; sua grande e variada equipe trazia
dados e informações novas sobre as transformações na estrutura agrária brasileira. Acaba por mostrar
que as visões sobre esse espaço agrário são carregadas de preconceitos, chamados de mitos, que
encobrem os significados reais das estruturas fundiária, familiar, produtiva, ocupacional (do trabalho),
comercial e logística dessas regiões. Os mitos são os seguintes (SILVA, 1997):
• O campo é atrasado/é próprio do campo, o atraso: sim e não, indica a pesquisa, pois tanto
há relações de trabalho escravo, além de péssimas condições sanitárias difusas, o que é inegável,
porém há amplas áreas com riqueza e excelentes condições de vida para a população local.
• Êxodo rural como inerente ao trabalho no campo: a população volta a crescer, e as atividades
do espaço agrário não são somente agrícolas, mas também parte da cadeia produtiva que enreda
essas áreas, aumentando as chances de absorção de mão de obra e promoção de melhoria de vida.
Há o fenômeno muito interessante que é a migração de retorno, isto é, as pessoas que um dia
saíram do campo estão voltando para suas regiões; este é um processo de imensa importância
quando se considera o planejamento global do país. Por planejamento global entende‑se o conjunto
dos setores econômicos. Quanto ao planejamento, o autor observa que não são dispositivos de
mercado que estão fazendo as correções nos rumos.
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Unidade I
• Outro mito é de que o desenvolvimento agrícola leva ao rural: o desenvolvimento social não
é só responsabilidade da esfera econômica, aliás, essa é inclusive a diferença entre crescimento
econômico e desenvolvimento.
• Ocupações Rurais Não Agrícolas (Ornas): pode ser considerado o motor do desenvolvimento
nas regiões atrasadas: as novas atividades não rurais vêm se expandindo; enquanto aquelas
especificamente agrárias têm decrescida sua participação no total de empregos. Para Silva (1997),
as Ornas têm maiores condições de avançarem “justamente naquelas áreas rurais que têm uma
agricultura desenvolvida e/ou estão mais próximas de grandes concentrações urbanas” e “nas
regiões mais atrasadas, não há emprego agrícola e muito menos ocupações não agrícolas”.
E conclui que “a falta de desenvolvimento rural na maioria das regiões ‘atrasadas’ do país
se deve fundamentalmente à falta de desenvolvimento das atividades não agrícolas” (SILVA,
1997, p. 43).
• A reforma agrária não é mais viável: é preciso entender que uma reforma agrária deve
contemplar quaisquer atividades passíveis de inserir os contingentes de desempregados no
mercado de trabalho. “Assim, é possível, e cada vez mais necessária, uma reforma agrária que crie
novas formas de inserção produtiva para as famílias rurais, seja nas ‘novas atividades agrícolas’,
seja nas Ornas” (SILVA, 1997, p. 45).
• O novo rural não precisa de regulação pública: algo como uma institucionalização ou
governança, pois a diversidade de atividades é imensa e pode “envelhecer prematuramente”, se
não houver normatização (SILVA, 1997, 45‑46).
A globalização requer organização para extrair mais recursos e, para isso, necessita que tanto a
configuração territorial quanto a estrutura social estejam aptas a remunerar e a receber os investimentos
dos agentes econômicos.
62
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Nesse sentido, podemos dizer que o desenvolvimento local sustentável precisa ser também
entendido como desenvolvimento político no sentido de permitir uma melhor representação dos
diversos atores, especialmente daqueles segmentos majoritários e que quase sempre são excluídos
do processo pelas elites locais. No caso brasileiro, por exemplo, as ações voltadas exclusivamente
para o desenvolvimento agrícola, se bem tivessem logrado invejável modernização da base
técnico‑produtiva em algumas regiões do Centro‑Sul do país, não se fizeram acompanhar pelo
tão esperado desenvolvimento rural. Uma das principais razões para tanto foi a de privilegiar as
dimensões tecnológicas e econômicas do processo de desenvolvimento rural, relegando ao segundo
plano as mudanças sociais e políticas, como a organização sindical dos trabalhadores rurais sem terra
e dos pequenos produtores. Com a globalização, as disparidades hoje existentes em nosso país, seja
em termos regionais, seja em relação à agricultura familiar vis‑à‑vis o agrobusiness, tendem a se
acentuar ainda mais.
Eram preocupações e objetivos do Projeto Rurbano, liderado por José Graziano da Silva:
64
SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
Saiba mais
Recomendamos os textos de José Graziano da Silva, que prefere ver as
novas dinâmicas rurais como uma espécie de fusão de atividades urbanas
e rurais, a falar de fim do modo de vida rural. Ele liderou por quase duas
décadas uma linha de pesquisa multidisciplinar e com múltiplas equipes,
chamada Rurbano.
SILVA, J. G. da. Quem precisa de uma estratégia de desenvolvimento?
In: SILVA. J. G.; WEID, J. M. Von der; BIANCHINI, V. José Graziano, Jean
Marc e Bianchini debatem: o Brasil rural precisa de uma estratégia de
desenvolvimento. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2001b.
p. 5‑52. (Série Textos para Discussão n. 2).
SILVA, J. G. da. O novo rural brasileiro. Nova economia, Belo Horizonte,
v. 1, n. 7, p. 43-81, maio 1997. Disponível em: https://bit.ly/3IK4mq6. Acesso
em: 21 maio 2019.
Lembrete
Passemos, agora, aos apontamentos sobre a cidade do texto de Sposito (1994), ao modo
de perguntas e considerações didáticas sobre a cidade.
Sociologia, geografia e economia urbanas abordam o espaço, com seus lugares, paisagens
e conflitos sociais, que adquirem sentido no território.
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Unidade I
A história ocupa‑se das diferentes funções que atribuídas às formas. Trata‑se dos
diferentes conteúdos sociais destas ao longo do tempo, a exemplo do que chamamos
praça, hoje, e na Antiguidade clássica grega; ou mesmo os significados do próprio habitar,
historicamente e para os diferentes povos.
O governo na cidade
• infraestrutura;
• produção;
• construção;
O poder público também é responsável por algumas medidas para melhorar as condições
de vida nas cidades e nas áreas sob sua influência
É preciso morar?
As atividades de transformação
A indústria é responsável pela produção de bens e da própria cidade, bem como pela
conurbação; apresenta‑se como fabricação, manufatura, meio de produção de diversos
portes e nos vários setores – o que implica outra questão fundamental: a do (des)emprego
e mercado de trabalho.
De quem é a cidade?
A modernidade na cidade
O território e o ambiente
O mau uso do solo acarreta impactos no meio, exigindo uma série de medidas e emprego
de recursos técnicos (saneamento, abastecimento de água e captação de esgotos etc.), em
correções de processos nocivos à sociedade e ao meio.
O futuro na cidade
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Unidade I
A leitura antropológica da cidade ocupa‑se dos modos culturais de apropriação dos espaços urbanos
com seus recursos simbólicos. Logo, no primeiro capítulo de seu livro, Gilberto Velho fala do antropólogo
pesquisando em sua cidade sobre conhecimento e heresia, abordando questão crucial nos estudos de
campo com observação e levantamento para pesquisa: a distância e a proximidade que o sujeito tem
daquilo que estuda. Segue trecho de seu livro sobre o assunto:
[…]
[…]
Neste sentido, sua tarefa consiste em captar o arbitrário cultural que define
toda e qualquer sociedade. O problema teórico com que nos defrontamos
é perceber a abrangência destes sistemas de classificação a representações.
Interpretar o arbitrário que caracteriza e distingue experiências culturais
é tarefa complexa em qualquer investigação antropológica, seja qual for
a distância envolvida. Mas com isso não nego a existência de problemas
metodológicos particulares de que deve estar consciente o antropólogo
de sua própria sociedade. De qualquer forma, ele partilha representações
com círculos mais amplos. Volta‑se à questão clássica mannheimiana
sobre as possibilidades do intelectual alçar‑se, desprender‑se de suas
determinações sociológicas mais imediatas, atingindo uma visão mais
globalizadora e abrangente. Talvez a posição do antropólogo seja muito
específica, mas é possível que, de certa maneira, constitua um caso limite
dentro da intelligentsia. Isto porque para realizar seu trabalho precisa
permanentemente manter uma atitude de estranhamento diante do que se
passa não só à sua volta como com ele mesmo (VELHO, 1980, p. 18).
É por isso que a questão ambiental, tornada acessível pela sua dimensão territorial, já está no nível
do conhecido (plano que nos permite a reprodução e a produção de artefatos), a partir da sistematização
da realidade visível e intervenção. Assumem‑se, portanto, os limites da razão para poder em seguida
expandir o conhecimento que se pode ter. Reduz‑se para, em seguida, expandir‑se.
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Unidade I
Resumo
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SOCIOLOGIA RURAL E URBANA
linear simples.
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Unidade I
Exercícios
Questão 1. (Enade 2017, adaptada) O fato é que, dentro da grande metrópole, seja Nova York, Paris
ou Rio de Janeiro, há descontinuidades vigorosas entre o “mundo” do pesquisador e outros mundos,
fazendo com que ele, mesmo nova‑iorquino, parisiense, ou carioca, possa ter experiência de estranheza,
não reconhecimento ou até choque cultural.
I – Por estar familiarizado com a cidade, o pesquisador que deseja estudá‑la deve adotar
metodologias objetivas.
A) I e lI.
B) I e IV.
C) IlI e IV.
D) I, lI e III.
I – Afirmativa incorreta.
II – Afirmativa incorreta.
IV – Afirmativa correta.
Justificativa: como diz o enunciado, sempre haverá descontinuidades entre os sujeitos, o que se
confirma com aqueles tornados objetos.
Questão 2. (Enade 2017, adaptada) Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura de 2014, a agricultura familiar produz cerca de 80% dos alimentos no
mundo e é guardiã de aproximadamente 75% de todos os recursos agrícolas do planeta. Nesse sentido,
a agricultura familiar é fundamental para a melhoria da sustentabilidade ecológica.
III – A maioria das propriedades agrícolas no mundo tem caráter familiar, entretanto o trabalho
realizado nessas propriedades é majoritariamente resultante da contratação de mão de obra assalariada.
A) I, apenas.
B) III, apenas.
C) I e II, apenas.
D) II e IlI, apenas.
E) I, II e III.
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Unidade I
I – Afirmativa correta.
II – Afirmativa correta.
Justificativa: está correta, pois são os princípios de quaisquer políticas e programas que aceitem as
condições originais, culturais e produtivas, das organizações de trabalho familiares; sem descaracterizá‑las.
Justificativa: a mão de obra não é predominantemente assalariada. Há, aqui, muito debate sobre o
estatuto desse trabalho, mas em sua maior parte, o trabalho é por conta da própria família, em diversos
graus de inserção na economia capitalista; assumindo as formas do camponês (o parceiro, meeiro) em
relações normalmente pré-capitalistas.
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