Você está na página 1de 115

Direitos da Criança,

do Adolescente e
da Pessoa Idosa
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Luciana Helena Mariano Lopes Mattos
Profa. Silmara Cristina Ramos Quintana
Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella
Profa. Christiane Mazur Doi
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago /
Luciana Helena Mariano Lopes Mattos / Silmara Cristina Ramos Quintana

Daniela Emilena Santiago

Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). É docente na Universidade Paulista (UNIP).

Luciana Helena Mariano Lopes Mattos

Graduada em Serviço Social pela Pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), especialista em direitos sociais e
competências profissionais pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em políticas sociais pela Unicsul. Tem ampla
experiência na área de Serviço Social, com ênfase em política social e políticas públicas, assistência social, territorialidade,
sociojurídico e terceiro setor. Atualmente, trabalha no terceiro setor como assistente social no sistema sociojurídico,
junto a um serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. É docente na Universidade Paulista (UNIP).

Silmara Cristina Ramos Quintana

Graduada em Serviço Social (1983) e em Pedagogia (2018), especialista em psiquiatria e psicologia de adolescentes,
psicodrama pedagógico, psicopedagogia, orientação educacional e para o mundo do trabalho. Mestre em políticas
públicas para adolescentes em conflito com a lei. Experiência na política de assistência social, proteção social básica e
especial de média complexidade. Facilitadora de práticas restaurativas. Atuou em conselhos municipal dos direitos da
criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, Conselho da Assistência Social. Docente no Ensino Superior nas
modalidades presencial e a distância, com experiência na gestão de cursos nas duas modalidades.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S235d Santiago, Daniela Emilena.

Direitos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa. / Daniela


Emilena Santiago; Luciana Helena Mariano Lopes; Silmara Cristina
Ramos Quintana. – São Paulo: Editora Sol, 2024.

180 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Ação social. 2. Política social. 3. Pessoa idosa. I. Mattos, Luciana


Helena Mariano Lopes. II. Quintana, Silmara Cristina Ramos. III. Título.

CDU 362

U519.72 – 24

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Profa. Sandra Miessa
Reitora

Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini


Vice-Reitora de Administração e Finanças

Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia


Vice-Reitor de Extensão

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora das Unidades Universitárias

Profa. Silvia Gomes Miessa


Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal

Profa. Laura Ancona Lee


Vice-Reitora de Relações Internacionais

Prof. Marcus Vinícius Mathias


Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária

UNIP EaD
Profa. Elisabete Brihy
Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto
Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes

Projeto gráfico: Revisão:


Prof. Alexandre Ponzetto Aline Ricciardi
Vera Saad
Sumário
Direitos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO SUJEITO
SOCIAL DE DIREITO.................................................................................................................................................9
1.1 A infância em civilizações antigas................................................................................................. 10
1.2 A infância no Renascimento – séculos XIV‑XVI........................................................................ 11
1.3 A infância no período de colonização pelos portugueses.................................................... 12
1.4 A infância no período filantrópico‑higienista (1874‑1924)................................................ 13
1.5 A infância no período assistencial (1924‑1964) ..................................................................... 21
1.6 A infância na fase institucional (1964‑2000)............................................................................ 27
2 AS ESPECIFICIDADES DA ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE......................................... 34
2.1 A proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.......................................... 34
2.1.1 A primazia da proteção integral – medidas protetivas e socioeducativas....................... 40
2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SUAS DIVERSIDADES............................................................. 48
2.2.1 Crianças e adolescentes com deficiência....................................................................................... 48
2.2.2 Crianças e adolescentes indígenas................................................................................................... 49
2.2.3 Crianças e adolescentes em situação de rua................................................................................ 49
2.2.4 Crianças e adolescentes com um de seus pais privados de liberdade .............................. 50
2.2.5 Crianças e adolescentes negras......................................................................................................... 51
2.2.6 Crianças e adolescentes quilombolas.............................................................................................. 51
3 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA PESSOA IDOSA.............................................................................. 52
3.1 Envelhecimento..................................................................................................................................... 52
3.2 Envelhecimento ativo.......................................................................................................................... 61
3.3 Envelhecimento no Brasil.................................................................................................................. 65
3.4 A população brasileira e a dinâmica demográfica ................................................................. 68
3.5 Direitos conquistados pelas pessoas idosas a partir da Constituição de 1988............ 78
3.5.1 Política Nacional da Pessoa Idosa..................................................................................................... 93
3.5.2 Estatuto da Pessoa Idosa...................................................................................................................... 96
4 A SINGULARIDADE DA PROTEÇÃO FRENTE A SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE...............................................................................................................102
4.1 Violação de direitos e violências contra criança e adolescente.......................................102
4.2 Demandas por atendimento: violência e maus‑tratos contra a pessoa idosa...........107
Unidade II
5 REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL......................................................................................................................116
5.1 Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA)......................119
6 A INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA ATENÇÃO À CRIANÇA E
AO ADOLESCENTE..............................................................................................................................................126
6.1 Política de assistência social...........................................................................................................129
6.2 Política de educação..........................................................................................................................133
6.3 Política de saúde..................................................................................................................................136
6.3.1 Saúde da criança e do adolescente ...............................................................................................141
6.3.2 Saúde mental ........................................................................................................................................ 142
7 INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTOS PARA PESSOA IDOSA
NO BRASIL.............................................................................................................................................................144
8 INTERDISCIPLINARIDADE PARA ATENÇÃO A CRIANÇA, ADOLESCENTE E
PESSOA IDOSA ..................................................................................................................................................148
8.1 O papel do assistente com a criança, adolescente e a pessoa idosa..............................148
8.2 O papel do psicólogo com a criança, adolescente e a pessoa idosa..............................150
8.3 A intervenção interdisciplinar .......................................................................................................153
8.3.1 O papel do assistente social na alta complexidade ............................................................... 155
APRESENTAÇÃO

A trajetória da proteção social no Brasil está intimamente ligada à da formação das políticas sociais
e seus inúmeros desdobramentos.

Proteger crianças e adolescentes cujos direitos estejam ameaçados, de forma que possam desfrutar
do direito a viver junto à sua família e à comunidade, é um grande desafio.

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA), acentuou‑se o quão importante


é apoiar a convivência familiar e comunitária, destacando o caráter de brevidade e excepcionalidade na
aplicação da medida de proteção e, no caso de adolescentes, as medidas socioeducativas.

Pensando nos ciclos de vida, há também uma nova trajetória a ser traçada, que separa segmentos
extremos, como é o caso de pessoas idosas. O envelhecimento é parte desse processo de vivência e pode
ser conceituado como um conjunto de modificações morfológicas, bioquímicas, fisiológicas e psicológicas,
as quais determinam a perda progressiva da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente.

As questões do envelhecimento no Brasil evidenciam um avanço quanto às legislações e à necessidade


de estabelecer políticas de proteção social.

Para tal, o estudo deste livro‑texto será iniciado a partir da evolução sócio‑histórica da criança
e do adolescente, avaliando‑se a trajetória de uma teoria da situação irregular a uma teoria da
proteção integral.

Nesse sentido, será enfatizada a condição peculiar de desenvolvimento, bem como a garantia de
proteção integral ofertada pelas medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes.
Serão examinadas as questões do cuidado e da proteção para a pessoa idosa. E, por fim, a atuação em
rede de proteção intersetorial e interdisciplinar.

7
INTRODUÇÃO

Inicialmente, será estudado o percurso da trajetória da criança e do adolescente como sujeitos


sociais de direitos. Para tal, será feito um panorama geral da trajetória dessa formação, a fim de
subsidiar a compreensão da criação dos sistemas de proteção social e de garantia de direitos destinadas
a segmentos específicos, tais como criança, adolescente e pessoa idosa.

As políticas intersetoriais serão exploradas a partir dos marcos da Constituição Federal (CF) de 1988
e das legislações subsequentes. Após acentuar as bases que fundamentam a origem da formação da
criança como sujeitos sociais de direito será abordada a trajetória específica da proteção social junto
de crianças, adolescentes e pessoas idosas. Essa análise será feira a partir de uma revisão sócio‑histórica
até a contemporaneidade.

Serão destacadas a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para a criança e para o
adolescente, as legislações que atendem esse segmento e a primazia da proteção integral prevista pelo
ECA. Subsequentemente, serão elencadas as legislações, a exemplo do Plano Nacional de Convivência
Familiar e Comunitária.

Trataremos de políticas de proteção social para pessoas idosas, destacando a ação intersetorial
das políticas públicas na efetivação da proteção social para a pessoa idosa. Os desdobramentos do
envelhecimento no aspecto biopsicossocial e a demanda por direitos, o atendimento e os cuidados
também serão ponderados.

Serão analisadas as questões de intersetorialidade das políticas públicas na atenção à criança,


ao adolescente e à pessoa idosa. Nesse contexto, serão abordados os diversos serviços, programas e
projetos correlatos. A proteção contra situações de violação de direitos da criança, do adolescente e
da pessoa idosa receberá atenção especial.

Bons estudos!

8
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Unidade I
1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO
SUJEITO SOCIAL DE DIREITO

Segundo Magalhães,

Quando recolhemos um pequeno ser atiradom sozinho nas tumultuosas


maretas dos refolhos sociais, vítimas de pais indignos ou de taras
profundas, não é ele que nós protegemos, são as pessoas honestas
que defendemos; quando tentamos voltar a saúde física ou moral
seres decadentes e fracos, ameaçados pela contaminação do crime, é a
própria sociedade que defendemos contra agressões das quais, para ela
mesma, o abandono das crianças constitui uma ameaça ou um presságio
(Magalhães apud Rizzini, 1995, p. 133).

É apresentado um panorama geral da infância e da juventude no país. Inicialmente são abordadas


as questões sócio‑históricas da visibilidade e da invisibilidade, os principais fatos de mudanças nesse
segmento e as respostas em forma de políticas sociais ao longo da história.

A infância é considerada um período importante na vida do ser humano para a qual há várias definições,
com modos específicos de sentimentos, ações e comportamentos que devem ser compreendidos
respeitando as diferentes culturas de determinado tempo e espaço, mencionando, ainda, a troca de
conhecimentos que se estabelecem entre crianças, adolescentes e adultos.

Quanto ao tempo e ao espaço da infância, deve‑se considerar as relações históricas, políticas e


culturais de cada sociedade, que acabam por produzir diferentes transformações na construção da visão
da criança e do adolescente e, consequentemente, no modo de tratá‑los.

A infância deve ser desenvolvida, analisada e contextualizada dentro da sociedade na qual


está inserida.

Historicamente, verifica‑se que a evolução tanto da concepção da infância quanto de sua legislação
pertinente é a ligação entre o desenvolvimento infantil e o modo de tratar a criança e o espaço que ela
ocupa em âmbito familiar e social.

No Brasil, foi no começo do século XX que a infância passou a ser conhecida e construída como um
período da vida em que o ser humano tem necessidades específicas dessa fase.

9
Unidade I

1.1 A infância em civilizações antigas

As grandes civilizações de maneira geral compreendiam a infância como propriedade do pai, a


criança era objeto, serva exclusiva da vontade dele.

Na Grécia antiga, era explícito o tratamento de inferioridade aplicado às crianças. “Aristóteles


descreveu a criança como um ser irracional, portador de uma avidez próxima da loucura, com capacidade
natural para adquirir razão do pai ou do educador” (Lima, 2001, p. 11‑12).

No sistema social grego, apenas os meninos poderiam alcançar o título de cidadão. As mulheres,
independentemente da idade, deveriam, sob o comando do chefe da família, ocupar‑se apenas das
atividades domésticas, do culto ao lar.

Em razão das guerras e conquistas militares que marcaram a civilização grega, os meninos,
quando atingiam a puberdade, eram separados de suas famílias para ingressar em um rígido sistema
de educação. Eram‑lhes ministradas atividades que cultuavam o corpo e a mente, quase sempre com
intenções militares. Os jovens tinham uma relação de submissão ao seu mestre (este, um cidadão
grego, muito mais velho), com quem mantinham relações íntimas.

No Império Romano, o pátrio poder era absoluto. O filho não emancipado poderia, pela simples
vontade de seu pai, ser vendido, ou mesmo morto, uma vez que era sua propriedade.

Na Idade Média, o modo de produção era o feudalismo, no qual a família era, igualmente,
comandada pelo pai, o chefe da família. Observou‑se, num primeiro momento, que a figura da criança e
do adolescente não estava presente na estrutura social medieval, ou seja, não havia distinção clara das
peculiaridades da criança e do adulto, reservando‑lhes a posição de “adultos em miniatura”. Não havia
sentimento quanto à infância, ou seja, as crianças não eram consideradas.

O destino das crianças estava traçado de acordo com a sua casta social. Aos filhos dos servos, era
certa a função de dar continuidade dos serviços dos pais em atendimento aos mesmos senhores feudais.
Os filhos dos senhores, por sua vez, deveriam passar por um austero sistema religioso e educacional,
para, em seguida, concretizarem o casamento comercializado pelos pais. Os jovens que não observassem
os costumes eram recriminados socialmente e tidos como cristãos infiéis.

A Idade Moderna ficou marcada pelo fim do sistema feudal e o início do mercantilismo. As mudanças
sociais desse período permitiram maior espaço para a infância na sociedade.

Enquanto durante toda a Idade Média apenas o filho primogênito herdava nomes e títulos, carregando
sozinho a responsabilidade de perpetuação da família, e as filhas eram destinadas aos conventos ou ao
casamento; ao longo da Idade Moderna, a situação dos demais filhos foi, aos poucos, sendo equilibrada.

Nessa sociedade a educação tornou‑se um dos pontos importantes na vida da criança, pois ela
prorroga a duração da infância. Todavia, até o século XVII, a escolarização foi monopólio do sexo

10
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

masculino. Às meninas eram destinados os ensinamentos domésticos, e até mesmo aquelas de famílias
nobres eram semianalfabetas (Aries, 1981, p. 189‑190).

Assim, o destino das meninas era o casamento, e a infância feminina era mais curta em relação
à masculina.

A Idade Moderna se iniciou com a Tomada da Bastilha (1789) e está presente até hoje. A partir dessa
época, a criança e o adolescente ficaram em destaque na sociedade, ocupando, de um lado, a posição
de mão de obra barata e, de outro, o de impulsionadores da economia, na medida em que compreendem
importante público de consumo.

O sistema educacional obtém notoriedade dentro da sociedade contemporânea, porém no início a


escola se assemelhava a um centro de correção de caráter.

A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma
infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX
resultou no enclausuramento total no internato. A solicitude da família, da Igreja, dos moralistas
e dos administradores privou a criança da liberdade que ela gozava entre os adultos. Infligiu‑lhe o
chicote, a prisão, em suma, as correções reservadas aos condenados das condições mais baixas
(Aries, 1981, p. 277‑278).

A divisão e a organização do trabalho, típicas do sistema capitalista, implicaram novas atribuições a


crianças e adolescentes, tornando‑os fontes de exploração e consumo.

A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra após a segunda metade do século XVIII, teve como
grande reflexo social a exploração do trabalho operário, em especial o trabalho infantil. Crianças muito
novas eram submetidas a extensas jornadas de trabalho, mais de quinze horas diárias, sendo expostas a
inúmeros acidentes.

1.2 A infância no Renascimento – séculos XIV‑XVI

No Renascimento (meados do século XIV e fim do século XVI), não havia o conceito específico de
infância, ela era considerada um período de transição sem importância, não havia instituições escolares
e os educadores ministravam aulas em lugares públicos, igrejas, mercados, praças etc. para grupos de
estudantes que não se dividiam por idade.

No decorrer do século XVII, a escolarização foi iniciada devido ao surgimento da escola, o processo
era caracterizado em turma ou série, as crianças foram separadas dos adultos e enclausuradas em
espaços chamados de quarentena. Entretanto o conceito de infância ainda não era claro, somente no
final do século começou a mudar em decorrência da Igreja, da família no processo de escolarização, das
descobertas sobre as práticas de higiene e de vacinação, que aumentaram a expectativa de vida.

11
Unidade I

A evolução na percepção da criança foi adquirindo sentido devido à preocupação relativa à saúde
física e à higiene, reduzindo a mortalidade infantil. Com isso, ela se torna destaque e é reconhecida
merecedora de orientação e educação.

1.3 A infância no período de colonização pelos portugueses

Segundo Melo (2020), oficialmente, a história do Brasil começa com o seu “descobrimento” em 1500,
apenas 30 anos depois se iniciaria o processo de colonização pelos portugueses, no qual um número
majoritário de homens e algumas mulheres se dispuseram a aventurar‑se nas águas do Atlântico rumo
ao “Novo Mundo”, entretanto muitos desconhecem que:

nas embarcações lusitanas do século XVI havia certa quantidade de crianças


na tripulação, as crianças subiam a bordo somente na condição de grumetes
ou pajens, como órfãs do rei enviadas ao Brasil para se casar com os súditos
da Coroa ou como passageiros embarcados em companhia dos pais ou de
algum parente. Essas crianças navegavam em condições extremamente
adversas; ao longo da viagem, sofriam abusos sexuais de marujos rudes
e violentos. Muitas eram levadas como escravas por navios piratas, sendo
entregues à prostituição e, quando não, acabavam morrendo de exaustão.
A viagem era marcada por uma dramática história de violência sexual,
trabalhos forçados e riscos constantes de falecimento, sendo poucas as
crianças que sobreviviam e chegavam ao Brasil (Melo apud Ramos, 2015, p. 19).

Nesse período era evidente que essas crianças tinham fragilidades. Apesar de necessitarem de
cuidados e proteção, já enfrentavam o inverso do tratamento merecido, pois não eram vistas como
crianças, e sim adultos em corpos infantis, caracterizando um retrato real da ausência da percepção do
adulto sobre a infância no mundo ocidental.

Durante o período de colonização, tivemos uma realidade um tanto diferente, com novos personagens
históricos, agora não pajens ou grumetes, mas as crianças autóctones e os missionários jesuítas que,
sob a ideologia missionária, evangelizadora, educacional e assistencialista, dedicavam‑se à infância
indígena. Nos primeiros anos da chegada dos jesuítas ao Brasil, o ensino das crianças era uma das
primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus.

De acordo com o Melo (2020), a instrução a crianças e adolescentes “da terra” veio acompanhada de
inúmeros desafios, haja vista que os processos que envolviam a instrução aos indígenas encontrariam
primeiramente dificuldades de comunicação e alteridade cultural.

Assim, os jesuítas enxergaram nas crianças indígenas uma espécie de tábula rasa capazes de
aprender os conceitos cristãos mais facilmente que os índios adultos, visavam tirá‑las do paganismo e
discipliná‑las, inculcando‑lhes normas e costumes cristãos, como o casamento monogâmico, a confissão
dos pecados, o medo do inferno. Convertendo‑as e disciplinando‑as, haveria “futuros súditos dóceis” do
Estado português e que ainda influenciariam a conversão dos adultos às estruturas sociais e culturais
recém‑importadas.
12
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Desenvolveram‑se novos olhares para a criança, eram um papel em branco, fruto das novas
concepções de infância que surgiam na Europa, construindo também o conceito de infância no Brasil,
que viria acompanhado das influências do velho mundo. Tais influências atuavam fortemente nas
políticas educacionais e assistencialistas da Igreja para a infância ameríndia e portuguesa.

Nos primeiros anos do período colonial, apesar de um dos marcos ser a implantação da educação
(embora de cunho cristão), durante muito tempo, foram percebidas disparidades gritantes no tratamento
direcionado a crianças de dois grupos sociais distintos: as de famílias de elite e as de origem pobre.

1.4 A infância no período filantrópico‑higienista (1874‑1924)

Esse período corresponde ao fim do Brasil Império e à República Velha (1874‑1922):

A intensa imigração estrangeira para o Brasil suscitou a criação de


diversas sociedades científicas, que trabalharam, sobretudo, no controle
das doenças epidêmicas e na ordenação dos espaços públicos e coletivos,
inclusive escolas, internatos e prisões. Nesse período deu‑se a supremacia
do médico sobre o jurista no tratamento dos assuntos referentes ao
amparo à criança [...] (Silva, 1997, p. 34‑35).

Na República Velha, os asilos mantiveram‑se e ainda foram criados outros, conforme destacado
no excerto:

A República herda do Império dezesseis instituições asilares para a


infância no Rio de Janeiro, e entre 1889 e 1930 são criadas quatorze
instituições de tipo asilos, abrigos, orfanatos, escolas para abandonados
e seis instituições ligadas à saúde da criança (dispensários, policlínicas,
instituições de assistência à saúde), sendo do Estado o Abrigo de Menores
e a Escola 15 de Novembro no Rio de Janeiro, o Instituto João Pinheiro, em
Minas Gerais, e o Instituto Disciplinar, em São Paulo (Faleiros apud Rizzini;
Pilotti, 2009, p. 42).

Couto et al. (2010) relatam que a República Velha demarca mais de uma mudança na organização
política. Ela funda também alterações na organização econômica do Brasil.

Em sua análise, Couto et al. (2010) dizem que, com o avanço das forças produtivas em nosso país,
relacionadas ao desenvolvimento capitalista, já não havia mais como o Estado ser representado pelo
Império. Note‑se que o fato de vivenciar a organização política imperial ainda deixava o Brasil com uma
vinculação direta a Portugal, o que dificultava o livre‑comércio da produção capitalista. Assim, a República
era condição imprescindível para dar sequência ao desenvolvimento capitalista brasileiro.

Desse modo, partindo das definições de Couto et al. (2010), pode‑se concluir que temos na República
Velha a instituição do sistema capitalista de produção. Ainda nesse período, as atividades agrícolas eram
referência na economia do país. A adesão ao sistema capitalista de produção não resultou, no entanto,
13
Unidade I

na superação das atividades agrícolas. Mas foi a partir de então que a imagem do burguês, gestada
durante o Império, assumiu relevância na sociedade brasileira. Como nesse período foram criadas as bases
iniciais do processo de industrialização, a figura do industriário ou burguês assumiu grande destaque.

O processo de industrialização estimulou ainda a urbanização de alguns dos principais centros de


comércio. Como as indústrias e os empregos estavam em determinadas regiões centrais, houve grande
trânsito das pessoas para esses locais. Com isso, ocorreu progressiva ampliação da população urbana em
detrimento da que residia na zona rural.

Em relação à organização política, foi nesse aspecto que ocorreram mais mudanças, pois, a partir
da República, não haveria mais a figura do imperador, da Corte e dos representantes do Estado, tão
comuns no período antecessor. O comum é que também na República Velha o poder seria privilégio dos
segmentos mais abastados economicamente; depois, haveria a figura do presidente.

Durante a República Velha, houve ausência por parte do Estado quanto à intervenção organizada
junto aos segmentos sociais empobrecidos. Assim, a ação propriamente dita ocorreu pela caridade
privada e a ação da Igreja Católica, sendo mantida a prática que já vinha sendo executada durante os
períodos da Colônia e do Império. Nesse momento houve significativa ampliação das Rodas dos Expostos
e também das Santas Casas, que se tornaram instituições hegemônicas (Araújo; Souza; Faro, 2010).

As Rodas assim como as Santas Casas foram mantidas durante muitos anos em nosso país. Como
exemplo de acolhimento, instaura‑se no período colonial um asilo para atender pessoas idosas, criado por
indicação do conde Resende, com o objetivo de acolher apenas aqueles que tinham servido na chamada
Guarda Nacional, similar ao Exército. Essa instituição localizava‑se no Rio de Janeiro, que no momento
era a capital do país, e recebeu o nome de Casa dos Inválidos. Com o tempo, essa instituição começou
a atender outras pessoas idosas e também a cobrar pelos serviços. Existe até hoje e é especialmente
destinada a atender pessoas idosas ricas, dado o valor cobrado (Araújo; Souza; Faro, 2010).

Saiba mais

Para ampliar o conhecimento sobre o exposto, recomenda‑se o seguinte


curta‑metragem:

RODAS dos expostos. Direção: Maria Emília Azevedo. Brasil: Synapse


Produções Ltda, 2001. 20 min.

14
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Veja o texto. Trata‑se de uma descrição da intervenção nas Rodas dos Expostos:

Destaque

A infância pobre e estigmatizada na Roda dos Expostos

Há aproximadamente cem anos, autoridades diagnosticaram o “problema da infância”,


uma grave questão social brasileira. Trata‑se do grande número de crianças em estado de
miséria ou abandono, principalmente nas grandes cidades.

O diagnóstico, porém, não era novo: há mais de trezentos anos, desde o início do
período colonial, meninos e meninas de diferentes raças e idades já vinham sendo
colocados à margem da sociedade. As circunstâncias variavam, mas os motivos eram
quase sempre os mesmos, isto é, abandono e orfandade vinculados à pobreza, à
escravidão ou aos códigos morais, que não admitiam mães solteiras. O histórico da
assistência ao “problema da infância” no país é, portanto, tão antigo como o próprio
problema – e, de certa forma, como o próprio Brasil.

Em meados do século XVI, o início do processo colonial europeu na América valia‑se


de dois “argumentos” para submeter populações nativas: a pólvora e a Bíblia. Pela guerra,
soldados e colonos dizimavam as tribos inimigas, onde também obtinham a necessária
mão de obra escrava para suas obras e plantações. Em paralelo, o trabalho de catequese
dos jesuítas ocupava‑se das tribos aliadas – os índios “mansos”, eles próprios já então
também entendidos, de certa forma, como um povo “infantilizado”. Nesse início da
história, foram os padres que primeiro se ocuparam das crianças índias, abandonadas
depois que seus pais haviam sido mortos ou escravizados.

Os jesuítas não recebiam apenas índios, mas também os filhos e as filhas de colonos,
bem como mestiços pobres. Todos eram alvo da catequese jesuítica e, eventualmente,
do ensino do idioma escrito e de ofícios considerados condizentes a sua condição social.
Segundo a lei, as crianças abandonadas, incluídas nesse contingente, deveriam ser
acolhidas pela municipalidade, mas essa difícil tarefa foi em grande parte assumida pela
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.

“Nos séculos XVI e XVII, tanto as câmaras municipais como as misericórdias prestaram
alguma assistência a crianças abandonadas e enjeitadas, adotando ambas a ‘colocação’
destes em casa particulares, onde deveriam ser cuidados e amamentados por amas de
leite até 3 anos, mediante pagamento”, afirma a mestra em Serviço Social, Eva Faleiros.

O século XVIII, porém, iria assistir não apenas ao grande crescimento das cidades – mas
também, em paralelo, ao aumento no número de crianças abandonadas, superando em
muito a assistência que as câmaras ou Casas De Misericórdia podiam oferecer. Começava,

15
Unidade I

então, a prática de abandonar recém‑nascidos em locais públicos – eram os expostos,


que só podiam contar com a compaixão das famílias que os encontravam.

Era uma questão de “sorte”: cronistas da época contam que muitas crianças
abandonadas nas ruas e estradas, e não assistidas a tempo, morriam até mesmo devoradas
por animais.

Em 1726, o vice‑rei Vasco Meneses determinou que todas as crianças expostas fossem
abrigadas em asilos. Foi a partir daí que a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro
adotou o sistema da Roda, já utilizado na Europa desde a Idade Média, que iria funcionar
por mais de duzentos anos. Outras rodas seriam instaladas nas casas de assistência do
Rio, Salvador e do Recife nas décadas seguintes. Até o fim do segundo reinado, seriam
treze em funcionamento em todo o país.

Embora tenha se tornado um mecanismo tristemente famoso, a Roda era a maior


esperança de sobrevivência para os “enjeitados e expostos”. Tratava‑se do “dispositivo
onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida
ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro
interior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava.
A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava‑se uma
cordinha, com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser
abandonado, e o expositor furtivamente se retirava do local sem ser identificado”, explica
a presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, Maria Luiza Marcílio.

O Rio chegou a ter até mesmo uma “Casa da Roda”, depois chamada “Casa dos
Expostos”, hoje Educandário Romão de Mattos Duarte, uma homenagem ao seu fundador.

“O atendimento a números tão elevados de bebês era possibilitado pelo sistema da


criação externa por amas de leite, contratadas pela Santa Casa de cada cidade”, informam
Irma Rizzini – pesquisadora na área de História da Educação – e Irene Rizzini – diretora
do Ciespi. “A criação coletiva de crianças pequenas nas Casas de Expostos, em um período
anterior às descobertas de Pasteur e da microbiologia, resultava em altíssimas taxas de
mortalidade. A amamentação artificial era um risco sério para as crianças, obrigando
as instituições a manterem em seu quadro de pessoal amas de leite, responsáveis pela
amamentação de um grande número de lactentes”, afirmam. Era comum que escravas,
alugadas por seus proprietários, fossem empregadas nesta tarefa.

Frequentemente, era deixado um bilhete junto à criança, em geral escrito pela mãe,
no qual constavam algumas informações: nome do bebê, se foi ou não batizado e data
de nascimento. “Nos bilhetinhos, os familiares da criança expunham os motivos que os
levaram a procurar o hospital; neles, o abandono é apresentado como um paradoxal
gesto de amor, uma maneira de proteger o menino ou a menina que corria risco de
vida”, afirma Renato Pinto Venâncio, doutor em História do Brasil Colônia e historiador
especialista na Roda dos expostos. Algumas vezes, esses dados eram acompanhados de

16
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

pedidos de perdão – reforçando que a prática, embora comum, também podia ser um
peso na consciência.

Machado de Assis, na crônica “Pai contra mãe”, expressa esse sentimento a partir
da literatura, quando conta a história de um jovem casal que aguarda ansiosamente
a chegada de um filho, mas a difícil situação financeira apresenta um futuro diferente
do esperado: “Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o
conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia
haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para
beijá‑la, guardá‑la, vê‑la rir, crescer, engordar, pular...”.

Havendo bilhete acompanhando a criança enjeitada ou não, dados sobre a criança


eram anotados em livros de registros das casas de assistência. Alguns deles ainda existem
e dão uma ideia das condições em que as crianças chegavam. Como neste termo, extraído
do livro Educandário Romão de Mattos Duarte, de Dahas Zarur, de 1843:

“Às duas horas da tarde lançaram na Roda uma menina crioula, que tinha dois meses
de idade, muito enferma, com as orelhas furadas; no pescoço, uma enfiadura (espécie de
colar) de missangas, com duas figas de pau”.

Problemas físicos eram registrados em detalhes:

“Às nove horas da noite lançaram na Roda uma menina que parece branca,
recém‑nascida, com dois dedos na mão esquerda, outros dois no pé direito” (1843).

E às vezes eram depositados na Roda dos falecidos, não chegando a sobreviver para
receber a assistência:

“Às nove horas da noite foi lançado na Roda o cadáver de um menino de cor parda,
que parece ter três dias de nascido. Sendo examinado pelo doutor, diz este que é falecido
de desvaído (não socorrido). Veio vestido com uma camisa de cambrainha” (1864).

“A Roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou
e multiplicou‑se no período imperial, conseguiu manter‑se durante a República e só
foi extinta definitivamente na década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a
chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da Roda
dos enjeitados”, afirma Marcos Freitas, doutor em História e Filosofia da Educação pela
PUC‑SP e professor do Departamento de Educação da Unifesp. Ainda assim, avalia o
pesquisador, “essa instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a Roda
dos expostos foi praticamente a última instituição de assistência à criança abandonada
em todo o Brasil”.

Fonte: Lyra; Oliveira (2010).

17
Unidade I

Exemplo de aplicação

Esse texto foi propositalmente escolhido porque as Rodas foram as instituições que mais se
expandiram em nosso país. Hoje temos alguns lugares que querem recuperar essa prática.

Como você compreende o suposto desejo de reviver essa instituição? Repense, reflita e argumente
sobre o assunto.

Lembrete

Na República Velha, houve uma intervenção voltada à legislação para


regulamentar o trabalho.

Esse período foi marcado por omissão, repressão e paternalismo na proteção à infância, e as iniciativas
ficavam por conta do setor privado.

No que se refere ao trabalho infantil, o Estado o apoiava, qualificando‑o como mão de obra útil
nessa época. Em 1891 foi criada uma lei referente ao trabalho de menores que impedia esse tipo de
trabalho; embora não tenha sido regulamentada na época, permitia o trabalho de crianças, limitando
apenas a idade e a carga horária.

A extinção da escravidão em 1888 trouxe expressiva alteração no panorama social brasileiro: a


crescente onda imigratória – a industrialização e urbanização aceleradas estavam inserindo o país no
cenário mundial como um lugar de grandes possibilidades de realizações econômicas. No entanto,
mesmo com o fim do período escravocrata e do regime monárquico, a sociedade ainda mantinha forte
mentalidade rural e agrária, embora percebendo fazer‑se necessário repensar aquele quadro social, no
qual ainda predominavam os senhores de terras e os escravos.

Observação

A República Velha tem seu início estimado a partir de 1889.

No século XX, entraram em cena com toda a força os higienistas e os filantropos frente à necessidade
incontestável dos preceitos higiênicos e da importância dos médicos nas instituições. Inicialmente, esse
período foi marcado pela distinção entre filantropia e caridade, porém, com o passar dos anos, os
seus discursos foram afinados e os conflitos superados, visto que ambas tinham o mesmo objetivo: a
preservação da ordem social.

Os conhecimentos sobre higiene e o controle sobre doenças infectocontagiosas ganhavam em


todo o mundo a atenção dos médicos, inclusive no Brasil, devido ao aumento das doenças tropicais,
um real perigo às populações que adentravam áreas urbanas. Os higienistas perceberam que, sendo a

18
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

família o alvo a ser atingido na profilaxia das doenças, a criança representava a ponte ideal de acesso
a ela (Rizzini, 1995, p. 108).

Em torno da metade do século XIX, os médicos brasileiros já mostravam nítida preocupação com
a infância. Atentavam para os altos índices de mortalidade infantil dos asilos e das casas da Roda,
procurando descobrir os motivos do fenômeno na tentativa de minimizá‑lo. Nessa época, fundaram‑se
as bases da puericultura no Brasil. Apesar disso, a necessidade de um reordenamento político e social
na nascente República somado ao recrudescimento das mazelas da infância abandonada fizeram
oscilar os discursos políticos entre a defesa da criança e a defesa da sociedade contra a criança, vista
como uma ameaça à ordem pública.

Foi nessa época que a sociedade iniciou as discussões sistemáticas sobre a responsabilidade do poder
público na formulação de políticas sociais voltadas para a infância.

Assim, a judicialização da infância nesse período foi notória, baseando‑se na ideia da necessidade
do Estado de intervir para educar e corrigir as crianças, a fim de se transformarem em cidadãos úteis
e produtivos, tudo em nome da paz social. Foi nesse tempo que nasceu o termo menor, referindo‑se
“à criança em risco social e normalmente acompanhada de outro adjetivo, que podia ser: delinquente,
abandonado, desvalido, vicioso etc.” (Rizzini, 1995, p. 115).

No fim do século XIX, era crescente o número de crianças abandonadas no Rio de Janeiro e a
criminalidade infantojuvenil era cada vez maior. Embora os avanços científicos e sociais destacassem a
necessidade da oferta da educação infantil no lugar da repressão, mesmo assim, foi promulgado às pressas
o Código Criminal de 1890, o qual rebaixou a idade penal de 14 para 9 anos, reduzindo em 5 anos a fixada
pelo Código Criminal de 1830. Tal medida foi justificada como sendo necessária para “salvar o menor” e
atuava através de ações coercitivas e correcionais, aparentemente de aplicação mais fácil, rápida e eficaz
que as educacionais.

Segundo o Código de 1890, não eram considerados criminosos os menores de 9 anos completos
e os maiores de 9 e menores de 14 anos que “obrassem sem discernimento”. Dessa maneira, o
discernimento, tal como poderia ser entendido a partir da lei, enquanto idade da razão, levou à prisão
muitas crianças, as quais cumpriram pena de prisão disciplinar em estabelecimentos industriais.

Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14 que tiverem obrado com


discernimento serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes,
pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda
a idade de 17 anos (Brasil, 1890).

Conforme o art. 49, nesses estabelecimentos deveriam ser recolhidos os menores de até 21 anos
de idade; o art. 400, por sua vez, anunciou a intenção e a necessidade de criar novas colônias penais
em ilhas marítimas ou nas fronteiras do território nacional. A recuperação desses jovens dar‑se‑ia pela
disciplina de uma instituição de caráter industrial, no qual o trabalho seria o principal recurso para
enquadrar, no regime produtivo vigente, aqueles menores (Brasil, 1890).

19
Unidade I

Na verdade, o que havia por trás disso era uma tentativa de fazer trabalhar o ex‑escravo ou imigrante
numa época de transição para o capitalismo, e as novas relações de produção assumiam uma conotação
utilitarista e civilizadora. Para pôr em prática essa visão, era necessário reprimir a ociosidade, o que
significava a condenação de crianças que perambulavam nas ruas. Assim, elas eram recolhidas na Casa
de Detenção do Rio de Janeiro e colocadas junto de presos adultos. Embora o Código de 1830 já previsse
a separação entre jovens delinquentes e adultos nas prisões, isso não era observado porque não havia
instituições com essa finalidade, misturando‑se ali presos adultos, crianças delinquentes e também
aquelas que eram simplesmente abandonadas.

No início do século XX, era clara a demanda para que se aprovasse legislação voltada especificamente
para o menor de idade e que o Estado assumisse a responsabilidade na proteção e defesa da criança.
O tema tornou‑se objeto de preocupação em diversos países, tendo sido amplamente discutido nos
congressos internacionais sobre direito criminal.

Pesquisas dessa época revelaram que era preciso definir critérios para classificar os menores a fim de
dar‑lhes o tratamento adequado. Acreditando ser o internamento a medida mais coerente e que salvaria
a dignidade social, era necessário que houvesse uma lei que atendesse a questão de regulamentação a
partir das seguintes fases: classificar, recolher e internar as crianças. Surgiram então alguns projetos de
lei que tratavam da criança sob essa nova abordagem dicotomizadora: a abandonada e a delinquente;
projetos esses que, durante as duas primeiras décadas do século XX, iriam desdobrar‑se em inúmeras
leis e decretos.

Em 1903, foi criada a Escola Correcional. Essa instituição, os asilos e os orfanatos tinham o objetivo
de treinar os “menores” abandonados e recolhidos para encaminhá‑los ao trabalho. Os “delinquentes”
eram tratados com repressão, “integrar pelo trabalho ou dominar pela repressão eram as estratégias
dominantes” (Faleiros, apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 43). Os juristas lutavam para suprimir o critério do
discernimento na aplicação de penas a menores que definia a inimputabilidade até os 9 anos de idade.

Em 1906, atento ao perigo em potencial que representavam as crianças entregues ao ócio e o


conhecimento de que seria a infância a época ideal para moldar sua personalidade, surgiu o projeto do
senador Alcindo Guanabara, o qual tratava da regulamentação da “infância moralmente abandonada
e delinquente”. Seus principais pontos eram o controle da autoridade judiciária sobre o menor em
situação de abandono, podendo essa autoridade colocá‑lo sob a sua “proteção”; dispositivos para
suspensão/devolução do pátrio poder e medidas de prevenção e tratamento, com a previsão de criação
de instituições de prevenção para os moralmente abandonados e de reforma para os delinquentes.
A idade penal seria alterada de 9 para 12 anos e entre a faixa de 12 a 17 anos, segundo o critério
do discernimento.

Assim, as crianças eram recolhidas, classificadas e encaminhadas para as escolas de prevenção ou de


reforma, conforme a execução do ato praticado, com ou sem discernimento.

Despontaram no cenário brasileiro os reformatórios e as casas de correção, ou seja, a


infância/adolescência desvalida estaria nas mãos dos tribunais, que na passagem do século XIX para

20
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

o XX, trouxe a ideia de um “novo direito”, pautando‑se numa justiça que “revelasse a reeducação, em
detrimento da punição”.

Embora esses projetos procurassem tratar de múltiplos aspectos da assistência à infância, a legislação
efetivamente promulgada em 1927 parece ter aproveitado “recortes” desses projetos, por exemplo:
nova regulamentação da casa de detenção; reorganização do ensino da Escola Quinze de Novembro
(internato de referência da época); criação de patronatos agrícolas; regulamentação da assistência a
menores abandonados e delinquentes; e reorganização da Justiça Federal.

Em 5 de janeiro de 1921, foi promulgada a Lei n. 4.242, que tratava da assistência e proteção de
“menores abandonados” e “menores delinquentes”, sendo regulamentada em 1923 por um decreto. Para a
lei, os jovens autores ou cúmplices de crime ou contravenção eram considerados “menores delinquentes”,
se tornaram imputáveis até os 14 anos, não valendo mais a teoria do discernimento, de 1890.

Desse modo, a idade mínima para responder criminalmente passou a ser de 14 anos.

O art. 24 da Lei n. 4.242 afirmava o seguinte:

O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de fato qualificado


crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de espécie
alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas,
registrando‑as, sobre o fato punível e seus agentes, o estado físico, mental e
moral do menor, e a situação social, moral e econômica dos pais, ou do tutor,
ou de pessoa em cuja guarda viva (Brasil, 1890).

A infância e a adolescência tornaram‑se caso de segurança nacional, competindo à polícia fazer


a “limpeza das ruas”, retirando elementos considerados indesejáveis à sociedade, recolhendo‑os em
delegacias especiais para abrigar menores enquanto aguardavam encaminhamento judicial. Tal prática
também persistiu até a década de 1980, sendo questionada pelo advento da nova legislação.

Nessa época, o uso do termo menor já estava estabelecido, designava aquela criança cuja família
mostrava‑se incapaz de educá‑la segundo os padrões vigentes, tornando‑a por isso passível de sofrer
intervenção judiciária. Assim, infere‑se que a ideologia do Estado tutelar surgiu com esse emaranhado
legal, cuja cultura atualmente ainda permeia a ideologia de técnicos e juristas.

1.5 A infância no período assistencial (1924‑1964)

A partir de 1923, houve um aumento no volume de leis que procuravam cobrir o máximo possível
todos os pontos relativos à assistência à infância.

Em 1923, bojo da reorganização do Poder Judiciário, surgiu a figura do juiz de menores, cuja
atribuição seria administrar o problema do menor.

21
Unidade I

Em 1927, pautando‑se na doutrina da situação irregular, foi instituído o Código de Menores.


Segundo essa mesma doutrina, os menores tornavam‑se sujeitos de direito apenas no momento em
que se encontrassem em estado de patologia social, o que era definido na mesma lei.

O Código de Menores apresentava amplo espectro de assuntos, pois sua intenção era resolver o
problema dos menores, embora com dispositivos de marcante tutela sobre eles. Assim, embora os
menores de 14 anos estivessem imunes a qualquer tipo de processo penal, sua vida e a de sua família
seriam devassadas, conforme fosse julgado necessário.

Um ponto interessante a observar nesse código é o dispositivo que tratava da internação de menores
abandonados, pervertidos ou que estivessem “em perigo de o ser”, o que se baseava nas eventuais
desconfianças ou suspeitas de alguma autoridade para que o menor fosse privado de sua liberdade
(Rizzini, 1995).

Observação

O Código de Menores de 1927 foi a primeira lei brasileira de proteção


para crianças e adolescentes.

Estudiosos como Behring, Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entendem que a única
legislação mais voltada para a assistência social foi o Código de Menores, aprovado em 1927. Esse
documento propunha ações e intervenções junto a crianças e adolescentes, na época conhecidos
com a denominação “menor”, sendo marcadas pelo caráter extremamente punitivo, ou seja: “[...]
o famoso Código de Menores, de conteúdo claramente punitivo da chamada delinquência juvenil”
(Behring; Boschetti, 2010, p. 80).

Durante a República Velha, houve uma série de eventos, mudanças econômicas e culturais que
prepararam o país para o surgimento de uma nova ordem econômica e política, que influenciou
substancialmente a política social, inclusive a de assistência social.

A imagem da criança e do adolescente como potenciais trabalhadores surgiu em meados do


século XIX, mesmo contrariando o Código de Menores, que definia o início do trabalho aos 12 anos.
Diante dessa situação, o governo começou a implantar as escolas de ensino profissionalizante, mas
quem realmente assumiu essa função foram os empresários, em especial, no início dos anos 1940, com
a abertura do Senai e do Senac.

22
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Figura 1 – Crianças trabalhadoras na fábrica de sapatos

Disponível em: http://tinyurl.com/mryfet7t. Acesso em: 10 jan. 2024.

Durante os anos 1930, todas as medidas corretivas e educativas aplicadas à criminalidade infantil
estavam ligadas à pobreza, apontada como a principal causa desse mal por alguns juristas. Nesse sentido,
a questão acabou sendo redirecionada de um enfoque jurídico para outro, agora social. Em 1938,
fundou‑se o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), cujo objetivo era “suprimir os sofrimentos
causados pela pobreza e pela miséria” (Rizzini, 1995, p. 137).

Assim, em 1941, foi criado o Serviço de Assistência a Menores (SAM), com a finalidade de assistir aos
menores desvalidos, transviados e delinquentes. Os adolescentes transviados, segundo a compreensão
da época, eram aqueles considerados como tendo problemas que os levariam a cometer algo que
contrariasse os valores da sociedade; eram também denominados delinquentes. Acreditava‑se que o
pobre, ou o desvalido, era uma criança ou um adolescente propenso a cometer algum ato ilícito. Então
foi fixada uma forma de compreensão que relacionava a prática tida como assistencial à possibilidade
de moldar as pessoas conforme a ordem social estabelecida (Rizzini, 2004).

Devido a essa prática, no SAM, tanto havia crianças e adolescentes que cometiam atos infracionais
como os pertencentes a famílias pobres. Isso porque se acreditava que o pobre era propenso a cometer
atos infracionais. Os atendidos nesse sistema eram penalizados com uma política pautada na agressão
e em práticas extremamente severas. Rizzini (2004) intitula a expressão “o famigerado SAM” por
causa do grau de penalização comum nas práticas desse serviço. No caso, imaginava‑se que, por meio
dessa prática, seria possível moldar a personalidade dos atendidos.

Rizzini (2004) relata que havia ainda pais e mães que acreditavam que seria melhor deixar os filhos
nessas instituições, assim como era comum em relação às Rodas dos Expostos. Entende‑se que isso
era potencializado porque o SAM criou uma série de educandários. Neles, os atendidos permaneciam
segregados e sem qualquer atividade educativa. O SAM acabou sendo um depósito de crianças e
adolescentes, já que nesses espaços, como vimos, eram atendidos tanto os que cometiam atos infracionais
23
Unidade I

quanto os que eram pobres, sem qualquer metodologia específica de ação. Os atendidos simplesmente
eram deixados aos cuidados do SAM.

Em 1944, o SAM já contava com trinta e três educandários, sendo quatro oficiais, estes somente
para o sexo masculino. Uma década depois, pelo processo de expansão nacional, os estabelecimentos
particulares articulados com o SAM eram em número de 300.

Após duas décadas de sua fundação, o SAM foi considerado uma fábrica de delinquentes por alguns
juízes, sendo altamente criticado, visto como um sistema desumano, ineficaz e perverso por permanecer
com superlotação, falta de higiene e falta de cuidados. Contudo, o Supremo Tribunal Federal se
pronunciou contra a situação e nomeou em 1963 uma comissão para reformular o SAM. Entretanto tal
medida não funcionou e foi criada uma comissão para encaminhar à Câmara um projeto que propunha
a extinção do SAM e a criação de um novo órgão que tivesse autonomia.

Lembrete

O SAM foi criado em 1941 pelo então presidente Getúlio Vargas.

A situação da infância abandonada continuava crescente. No início dos anos 1940, diagnosticou‑se
(novamente) o problema dos menores como sendo de cunho basicamente assistencial e a delinquência
infantil como consequência do abandono material e moral das crianças. No entanto, embora o discurso
permanecesse o mesmo, os tempos estavam mudando: o novo Código Penal de 1940, ao estender a
idade penal para 18 anos, acabou criando uma situação de fato, em que urgiam medidas mais rápidas
e práticas.

Assim, promulgou‑se um decreto em 1944 para efetivar uma reorganização jurídico‑social do sistema
de assistência, atribuindo novas funções ao SAM e subordinando‑o ao Executivo, porém articulado com
o juiz de menores. Isso foi o estopim para que até o fim dos anos 1950, fossem travadas intermináveis
discussões entre juristas: uns defendiam o juizado judicial, outros, o juizado executivo. Houve uma
extenuante querela sobre a concepção de menor: se objeto de direito ou sujeito de direito.

Por conta dessas questões, foi promulgada em 1957 uma lei que atualizava o instituto da adoção,
criando instrumentos de administração de subsídios à família, programas de colocação familiar,
legitimação adotiva e de adoção. O espírito da lei parecia finalmente caminhar na direção de uma maior
justiça social para a infância e as ideias sobre como tratá‑la eram muitas.

Em 1959, uma portaria passou a dispor sobre a colaboração da sociedade civil na assistência social
prestada pelo SAM, tratando da criação de uma rede de creches, escolas maternais e parques infantis.
No entanto havia um consenso no seio da sociedade: a necessidade da extinção do SAM, dado o alarde
que a imprensa fazia sobre a criminalidade envolvendo menores egressos daquela instituição.

Em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), cujo estatuto previa o amparo a vários
aspectos da miserabilidade social, como a educação popular, a saúde, a alimentação e a habitação.
24
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Seu maior intuito foi de oferecer viabilidade concreta ao que era posto na Constituição de 1937 e no
Decreto n. 525 (1938). Inicialmente, foi presidida por Darcy Vargas, esposa do então presidente. Isso
trouxe uma carga histórica à instituição, que desde então foi presidida pelas esposas dos presidentes.
Para tal, deve‑se destacar o patrocínio da Confederação Nacional da Indústria e da Associação Comercial
do Brasil, o apoio das senhoras da caridade, mulheres pertencentes às classes sociais mais abastadas da
sociedade e que atuavam em práticas caritativas junto à sociedade.

A LBA, em suas protoformas iniciais, buscava atender as famílias dos pracinhas (soldados)
envolvidos com a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo declarado era “[...] promover as necessidades
das famílias cujos chefes hajam sido mobilizados, e, ainda, prestar decidido concurso ao governo em
tudo que se relaciona ao esforço da guerra” (Iamamoto; Carvalho, 2001, p. 257).

Esses autores relatam que essa entidade, na verdade, era usada como um mecanismo para justificar
a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, ou seja, um mecanismo que possibilita mostrar que o
país cuidava de seus soldados e de suas famílias. Os soldados envolvidos diretamente com a guerra,
quando retornavam, eram atendidos com programas de lazer, como cantinas e espetáculos, já as
famílias tinham atendimento por meio de benefícios, por exemplo, a concessão de cestas básicas.

A prática voltada aos soldados e a seus familiares fez com que a LBA montasse uma quantidade
enorme de escritórios em todo o país. Consta que no ano de sua criação, só no Rio de Janeiro, tenham
sido montados mais de 100 postos de atendimento.

Segundo Fonseca e Almeida (2016), a Divisão de Maternidade e Infância e a Divisão de Serviço


Social eram os braços ativos da LBA no campo assistencial e materno‑infantil porque executoras de
políticas assistenciais, especialmente para a infância, com destaque para aquelas identificadas com a
puericultura e com o combate à desnutrição infantil, no caso da primeira, e o apoio à sopa escolar,
à realização de variadas ações de assistência aos pobres e ao relacionamento com instituições assistenciais
da sociedade civil, sob a responsabilidade e execução da segunda.

A LBA, desde a sua origem, sempre teve pés nos dois campos, público e privado, e assim se afirmou
no território das atenções dirigidas à criança e à pobreza das classes populares, destinatários centrais de
suas ações, tanto em termos estaduais quanto nacionalmente.

Considerando as características estruturais da LBA enquanto organização – concentração de


poder decisório nas instâncias hierárquicas superiores, dirigismo, capilaridade, combinação com as
organizações filantrópicas da sociedade civil e acentuada territorialização de seus escritórios pelo
interior do Estado – as políticas implantadas pela LBA em São Paulo seguiram vias de interiorização
ou foram concebidas para alcançar determinados segmentos da população, compreendidos e
representados como problemas sociais, em áreas urbanas e rurais do interior.

Na Segunda Guerra Mundial, a mulher brasileira se sacrificava em nome da pátria, cedendo seus
pais, seus filhos, seus maridos, seus noivos e, ainda, disponibilizando‑se para trabalhar pela vitória
do país na LBA, compondo o batalhão feminino, onde se alistaram no serviço de costura, na defesa

25
Unidade I

passiva‑antiaérea, na alimentação, são as samaritanas socorristas, as auxiliares e visitadoras sociais e as


educadoras sociais.

Assim, trabalhavam para a instituição, transformando‑se numa das modas no período da guerra,
criada pelas e para as mulheres, aumentando consideravelmente o número de madrinhas conquistadas
pela LBA. Conduzindo condutas, comportamentos e formas de atuação e de participação, passaram a
ter o papel de madrinhas dos e para os soldados, sendo escritoras de cartas, de modo a ampará‑los no
front com palavras de conforto e apoio.

Segundo Fonseca (2016), vê‑se claramente pelos cartazes os mecanismos criados pela LBA em
função da guerra para a participação feminina e que teve nos ideais de cooperação, no conceito de luta
pela vitória do país, os ingredientes para o surgimento de educação e moda na Segunda Guerra Mundial,
novos comportamentos, novas atitudes e condutas femininas. Inseridas na luta, na LBA, em nome da
guerra, as mulheres aprenderam que o conflito mundial é uma questão de gênero, que envolve tanto o
masculino quanto o feminino e, para ambos, significa aprendizado.

Segundo Simili (2007), a história da assistência foi da LBA ao Suas por meio da Carta Magna de 88,
saindo da característica esmolada para histórias de lutas, grandes conquistas, para um sistema único no
país, o Suas‑Sistema Único de Assistência Social, que garante proteção social para os cidadãos que dele
precisarem.

Assim, muitas mudanças contribuíram para que os municípios brasileiros tivessem acesso aos serviços
da assistência social e para que milhares de pessoas saíssem da linha de pobreza. Entretanto sabemos
que melhorias ainda são necessárias, como a definição de um percentual mínimo de repasse para o Suas
e educação das pessoas para o entendimento da importância dessas políticas públicas.

Ao analisarmos a extinção da LBA, podemos ver que fora criada por Darcy Vargas, esposa de Getúlio
Vargas, para dar suporte às famílias dos brasileiros que foram para a guerra. Ela foi a grande mentora da
Legião, por isso o assistencialismo da época é comumente chamado de primeiro‑damismo.

Portanto a Assistência era vista como um Estado de benevolência, e não de direito, por ser
associado na época aos pobres, à caridade, e não a formar pautas políticas. Distribuíam de tudo, desde
próteses à comida.

Segundo Portábilis (2024), depois de certo tempo, a LBA passou a atender as expressões da pobreza,
buscando assim contemplar os objetivos para os quais fora criada. A mudança motivou a ampliação
das unidades em todo o território nacional, fazendo com que a organização recorresse a comandos
nos estados e nos municípios, firmando parcerias com instituições particulares e públicas, por meio de
convênios conseguiam verbas vultosas para o desenvolvimento das ações.

A Legião da Boa Vontade (LBV) foi a grande instituição executora de assistência social no Brasil
durante muitos anos, sendo extinta em meados da década de 1990, quando a então primeira‑dama,
Rosane Collor, foi acusada de mau uso do recurso destinado a essa entidade.

26
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

1.6 A infância na fase institucional (1964‑2000)

A década de 1960 inaugurou‑se sob o impacto causado pela Declaração dos Direitos da Criança,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959. Confrontando as disputas jurídicas havidas
até então, a Declaração passou a considerar a criança como sendo sujeito de direitos, atribuindo ao
Estado e à sociedade o dever de garanti‑los, quais sejam: direito à saúde, educação, profissionalização,
ao lazer e à segurança social. O Brasil parecia direcionar‑se a uma política de bem‑estar social, pois
nesse período estavam sendo discutidas amplas reformas de base.

À época, novamente, crianças e adolescentes foram motivo de segurança nacional, e as Forças


Armadas assumiram a questão da assistência à infância em 1964 (período ditatorial). Competia ao
governo militar a intervenção e normalização da sociedade, para tanto, haveria a necessidade de “velar
para que a massa crescente de menores abandonados não viesse a transformar‑se em presa fácil de
consumismo e das drogas, associados no empreendimento de desmoralização e submissão nacional”
(Rizzini; Pilotti, 2009, p. 126).

Frente a isso, criou‑se a Funabem e a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM). Tais
instâncias mantiveram e aprimoraram o modelo carcerário e repressivo do início da década anterior,
entrando em crise somente quando os militares cederam lugar aos primeiros governos democráticos.

Saiba mais

Para ampliar seus conhecimentos, assista ao seguinte filme:

O CONTADOR de histórias. Direção: Luiz Vilaça. Brasil: Warner Bros,


2009. 110 min.

Nos estados, foram criadas as Fundações Estaduais de Bem‑Estar do Menor (Febems).

A função da instituição era:

Art. 5. Formular e implantar a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor,


mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, a
coordenação e a fiscalização das entidades que executem essa política (Brasil
apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 300).

A Funabem tinha o trabalho orientado para atender crianças e adolescentes que cometessem
algum ato infracional e que tivessem vivenciado situação de vulnerabilidade social. Eram considerados
como tais os moradores em situação de rua, tidos como pessoas com risco potencial para cometer atos
infracionais, e crianças e adolescentes pertencentes a famílias pobres. De acordo com Rizzini (2004),
após o primeiro ano de funcionamento da instituição, apenas 5% dos atendidos tinham cometido atos
infracionais, e a grande demanda provinha de moradores em situação de rua e de famílias pobres.

27
Unidade I

Apesar de a Funabem ter nascido de um movimento de oposição ao sistema


repressivo anterior, ela se integra no sistema repressivo e tecnocrático
da ditadura com um sistema centralizador que se ramifica nos estados
através das Febens [...] (Faleiros apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 90).

Figura 2 – Menores na Febem

Disponível em: http://tinyurl.com/3ej9vmc3. Acesso em: 10 jan. 2024.

Os princípios fixados na política da Funabem eram os seguintes: prioridade para programas de


assistência à família e colocação em lares substitutos; criação de instituições com características de ida
familiar; e respeito às peculiaridades das comunidades das diversas regiões do país. Apesar disso, a Política
de Segurança Nacional elevou o menor à categoria de problema de segurança nacional, alegando que
tal segmento estava pondo em risco a ordem pública, pois estava envolvido em várias ações criminosas.

Assim, apesar das boas intenções das diretrizes norteadoras da Funabem, postergou‑se a implantação
desse novo modelo de política social: em vez de normas que regulamentassem as prioridades eleitas
como finalidades pela fundação, a legislação trataria de assuntos que inibissem a conduta antissocial
do menor, por exemplo: proibição de elaboração e circulação de publicações que tratassem de temas de
crimes, terror ou violência, além da incitação à prática autoritária, com medidas de adoção de castigos
físicos aos internados.

As práticas internas da instituição reproduziam a lógica do regime militar vigente na época: repressão,
confinamento e violência. A internação mostrou‑se mais uma vez como um sistema degradante e que
agravou a situação de milhares de crianças/adolescentes brasileiros, produzindo e reproduzindo entre
eles a marginalidade.

Rizzini (2004) relata que a Funabem foi criada para substituir o SAM, do qual herdou todos os bens
móveis e imóveis, e a utilização de práticas punitivas e coercitivas, além da combinação de atendimento
em um mesmo espaço de adolescentes pobres, moradores de rua e de envolvidos com ato infracional.
28
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

O serviço foi executado, sobretudo, por meio do acolhimento dos atendidos em instituições, na maioria
das vezes de regime fechado.

Becher (2011), analisando de forma crítica a Funabem, revela que essa instituição foi organizada
pelo Estado apenas para poder atender aos objetivos do regime militar, à frente do poder na época. A
prática de recolhimento de crianças e de adolescentes que haviam cometido ato infracional e dos que
eram tidos como propensos a isso, como crianças e adolescentes pobres e ainda aqueles que residiam
na rua, era analisada como uma medida de segurança nacional, aliás, palavra comum nos governos de
ditadura política.

Observação

Havia a culpabilização da família pelo “estado de abandono do menor”,


ou seja, a ideia de proteção à infância era, antes de tudo, proteção
contra a família.

Muitas famílias buscavam internar seus filhos em idade escolar na Funabem, desejando um local
seguro, onde eles pudessem estudar, se alimentar, serem educados. A preocupação era garantir a
formação escolar e profissional dos filhos, e o uso da instituição para controle dos filhos rebeldes era de
incidência muito pequena.

Em síntese, a falta de recursos era um dos elementos determinantes das internações.

A proposta da Funabem de atendimento à criança e ao adolescente considerados menores era pautada


em campanhas preventivas e na descentralização de suas atividades, mas não obteve bons resultados,
aumentando o número de internações. Diante desse quadro, foi instaurada uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI), que ficou conhecida como a CPI do Menor. Esta funcionou como um laboratório de
pesquisas e busca de soluções para os problemas relacionados ao menor (Rizzini; Pilotti, 2009).

Se o Estado brasileiro conseguiu ou não manter a ordem esperada? Pode‑se responder que não, visto
que seus mecanismos de controle começaram a dar sinais de esgotamento a partir de meados da década
de 1970. Mas o fato é que essa instituição foi marcada pela prática agressiva e extremamente coercitiva.

Após a criação dessas entidades, somente a partir da Constituição de 1969 que o Estado brasileiro
voltou a pensar e a refletir sobre a assistência social, quando foi determinado que o Estado devia prestar
assistência à maternidade, à infância, à adolescência e à pessoa com deficiência. Contudo, isso só se
consolidou no âmbito legal, porque não houve ações que colocassem em prática o que estava disposto
na Constituição.

29
Unidade I

Observação

A Funabem foi criada com o objetivo de formular e implantar a Política


Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM).

A CPI apresentou em 1976 um diagnóstico revelando que havia no Brasil cerca de 25 milhões de
menores carentes e/ou abandonados, ou seja, um terço da população infantojuvenil. Diante desse quadro,
cabia ao órgão competente, nesse caso, a Funabem, a implementação da PNBEM. No entanto, até aquele
momento, a entidade não apresentava condições para solucionar essa questão, que encontrava as suas
raízes na péssima distribuição da riqueza produzida socialmente.

O relatório ainda constatou que as Febems também não dispunham de recursos suficientes para
enfrentar a questão, o que confirma o caráter de descaso que foi dado às políticas sociais brasileiras
(Rizzini; Pilotti, 2009).

Ao fim da CPI, foi recomendada ao presidente da República a criação do Sistema de Proteção do Menor,
o que implicaria a criação de um ministério extraordinário, coordenando os demais órgãos envolvidos, e
que teria apoio financeiro de um Fundo Nacional de Proteção do Menor, com autonomia administrativa
e financeira cuja função seria mobilizar a comunidade em relação ao assunto. Estimulava‑se, assim,
uma ação integrada entre governo‑empresa‑comunidade no sentido de promover “o recolhimento dos
menores abandonados que perambulam pelas ruas das nossas principais cidades – principalmente nas
regiões metropolitanas, densas de marginalização social” (Rizzini; Pilotti, 2009, p. 315).

No entanto, esse projeto não foi concretizado. A Funabem permaneceu no atendimento à “questão
do menor” e, após a reforma ocorrida em 1974, a entidade passou a ser subordinada ao Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS).

Em 1967, a Lei n. 5.258 estabeleceu o Sistema de Recolhimento Provisório, que abrigava os menores de
18 anos que cometiam infrações penais. Também havia uma lei que dispunha sobre as condições
para o trabalho de menores entre 12 e 14 anos, os quais não poderiam receber menos que um salário
mínimo mensal.

Durante os anos 1970, travaram‑se intensos debates jurídicos entre juristas do Rio de Janeiro e de
São Paulo sobre a definição das bases do direito do menor.

Em 1973, o estado de São Paulo resolveu criar a Fundação Paulista de Promoção Social do Menor
(Promenor), trazendo a importância da participação comunitária, ou seja, ações que setores organizados
da sociedade poderiam empreender a fim de complementar as iniciativas governamentais, assim como
a sua mobilização para a formulação e a execução de políticas públicas.

Em 1979, foi aprovada a revisão do Código de Menores, que era configurado na doutrina da situação
irregular, mas que trazia em seu bojo uma roupagem doutrinária de proteção aos direitos da criança
para que fosse assegurada a ela a satisfação de todas as suas necessidades, em seus aspectos gerais,
incluindo aqueles já relacionados no documento da ONU.
30
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

De acordo ao art. 1º do Código de Menores de 1979, essa legislação dispunha sobre assistência,
proteção e vigilância a menores até 18 anos que se encontrassem em situação irregular e, em casos
expressos, a menores entre 18 e 21 anos. As medidas de caráter preventivo, no entanto, poderiam se
aplicar a quaisquer menores de 18 anos de idade, independentemente de sua situação (Brasil, 1979).

A lei definia em situação irregular o menor:

I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução


obrigatória, ainda que eventualmente;

Il – vítima de maus‑tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou


pelo responsável;

III – em perigo moral;

IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos


pais ou do responsável;

V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar


ou comunitária;

VI – autor de infração penal (Brasil, 1979).

Por um lado, tal legislação mantinha a idade penal em 18 anos, por outro, dispunha de mecanismos
nos quais o menor acusado de delitos, mesmo sem provas, era passível de detenção, a não ser que
sua família designasse um advogado para defendê‑lo. Seguiu‑se a mesma política filantrópica e
assistencialista das legislações anteriores, com quase nenhuma modificação no Código de 1927, o que
mostra que não houve à época mudança expressiva quanto ao conceito de infância.

Segundo o art. 14, eram medidas aplicáveis aos menores:

I – advertência;

II – entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de


responsabilidade;

III – colocação em lar substituto;

IV – imposição do regime de liberdade assistida;

V – colocação em casa de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico,


hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado (Brasil, 1979).
31
Unidade I

É no Título II, capítulo II, “Da apuração da infração penal”, que se encontram as orientações sobre a
aplicabilidade de medidas aos autores de infração penal. Uma vez apresentado à autoridade competente
um menor de 10 anos, a lei pareceria sugerir a não determinação de penalidade.

O novo Código de Menores (1979) e o menor em situação de risco ganharam visibilidade no início dos
anos 1980. Com isso, a concentração do poder de decisão sobre os destinos dos menores nas mãos
dos juízes teve vida curta.

Frente às estatísticas sociais, que retratavam uma realidade alarmante – revelando cerca de
30 milhões de abandonados e marginalizados –, novos atores políticos entraram em cena nesse período.

Houve reivindicação dos direitos de cidadania para as crianças e os adolescentes por parte de
movimentos sociais.

Os anos 1980 tornaram‑se mais pródigos em relação à política social, tendo em vista que foi
promulgada a Constituição Federal (CF). Por meio da carta constitucional, definiu‑se que as políticas
sociais de saúde, educação, assistência social e previdência social seriam de responsabilidade do
Estado e direito de todo cidadão brasileiro.

A partir da CF, delimitou‑se a composição da seguridade social, composta de uma série de ações e
serviços integralizados entre as políticas sociais de saúde, assistência social e previdência social. Essas
políticas passaram, então, a integrar o rol de serviços que são de primazia do Estado, e não dependeriam
apenas da caridade de grupos particulares.

A CF incorporou vários dispositivos que garantiram a defesa dos direitos do cidadão, por isso ficou
conhecida como a Constituição Cidadã. Em seu art. 227, conseguiu regulamentar a proteção dos direitos
da criança e do adolescente, designando‑os como sujeitos de direitos e com absoluta prioridade, não
menores, protegendo‑os de qualquer forma de abuso.

O art. 227 ainda promoveu o ECA, abrigando sob sua tutela não mais apenas a criança em situação
social de risco, mas toda “pessoa em fase de desenvolvimento [...]” (Silva, 1997, p. 34‑35).

Os direitos das crianças foram fixados nos arts. 227, 228, 229 da CF. Nessa década houve vários
projetos de atendimento à criança, os quais articulavam as instâncias estatal e pública, que iam contra
a estratégia de internação e repressão.

Em 1989 foi redigida a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, adotada pela
Resolução n. L 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo em vista a necessidade de
garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica em todos os ciclos de vida,
em virtude de sua condição de hipossuficiente, imaturidade física e mental, e ponderando que em todos
os países do mundo existiam crianças vivendo em condições extremamente adversas e necessitando
de proteção.

32
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Essa convenção foi ratificada pelo Brasil. Nesse contexto, as pressões sociais pela democratização
e pelo reconhecimento dos direitos das crianças promoveram, em julho de 1990, a criação do Estatuto
da Criança de do Adolescente (ECA), que revogou o Código de Menores de 1979, rompendo com seus
paradigmas e a lei de criação da Funabem, adotando a doutrina de proteção integral, que reconhece a
criança e o adolescente como sujeitos de direitos, cidadãos, e não mais objeto de intervenção do Estado.

Dois anos mais tarde, sob um novo paradigma jurídico, político e administrativo, o ECA (Brasil, 1990)
vem reafirmando essa defesa, considerando o atendimento a esses sujeitos como parte integrante das
políticas sociais, muito embora ainda hoje sua aceitação esteja longe de ser uma unanimidade. Após o
ECA, surgiram os conselhos municipais de direito (CMDCA) e os conselhos tutelares (CT) e, com eles, a
necessidade de revisão de princípios relativos às políticas de assistência.

Nos anos 1980, o foco foi a problemática da construção de uma concepção de infância com
novos paradigmas que completassem em todas as áreas o atendimento da criança e do adolescente,
o que resultou no art. 227 da CF e os princípios básicos da Declaração dos Direitos da Criança,
conteúdo que foi ratificado pelo ECA. Assim, substituiu‑se a doutrina da situação irregular pela
doutrina da proteção integral, inserindo a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado
dentro da garantia de direitos da infância.

Saiba mais

Para ter uma visão geral sobre esses períodos, assista ao filme:

O MENINO que não queria nascer. Direção: Estela Renner. Brasil: Maria
Farinha Filmes, 2013. 8 min.

Com essas perspectivas, a criança e o adolescente passaram da condição de meros destinatários


de ordens dos adultos a sujeitos de direitos, sendo‑lhes atribuídas algumas garantias, prerrogativas e
direitos concernentes aos institutos antes pertencentes a direitos somente de adultos.

A palavra sujeito traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e


íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem
ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar das decisões que
lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau
de desenvolvimento.

Em 2006, com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), a palavra sujeito
traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de
personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres
passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo
ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento.

33
Unidade I

Entretanto, de acordo com o PNCFC (BRASIL, [s.d.]), o fato de terem direitos significa que são
beneficiários de obrigações por parte de terceiros. A família, a sociedade e o Estado, dessa forma, precisam
propiciar condições para o seu pleno desenvolvimento no seio de uma família e de uma comunidade.
Eles são, antes de tudo e na sua essência, para além de meros atos de generosidade, beneficência,
caridade ou piedade, o cumprimento de deveres para com a criança e o adolescente e o exercício da
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado.

Segundo Oliva (2009), no Brasil, o tratamento destinado às crianças e aos jovens só encontrou
grandes modificações no final da década de 1980 com o fim da ditadura militar e o grande movimento
envolvendo a sociedade civil organizada na mobilização pelo reconhecimento dos direitos da criança e
do adolescente, reflexo de um movimento internacional.

As crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos universalmente reconhecidos, não apenas


de direitos comuns aos adultos, mas além destes. Assim, são detentores de direitos especiais,
provenientes de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, consolidado com a adoção
pela ONU, em Assembleia Geral na Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil e pela
quase totalidade dos países hoje existentes no mundo.

De acordo com Oliva (2009), houve muitos avanços com o ECA, o que ficou demonstrado em algumas
das capitais brasileiras analisadas que incorporaram seus princípios ao seu planejamento. Porém, num
país com tantas diferenças e contrastes culturais, o gestor municipal deve estar atento para perceber
as peculiaridades locais, adequando estratégias e ações adaptadas à realidade da infanto‑adolescência,
reconhecendo‑os, no lugar que merecem, como novos sujeitos de direitos.

2 AS ESPECIFICIDADES DA ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

2.1 A proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente

A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de
1990, teve um papel importante na construção e na efetivação da proteção à criança e ao adolescente,
a qual trouxe o embasamento legal para a criação e a reforma de toda e qualquer norma reguladora,
no campo da família e no embasamento de processos de reforma administrativa, de execução de
políticas, programas, serviços e ações públicas. A Convenção assegura as duas prerrogativas maiores que
a sociedade e o Estado devem conferir à criança e ao adolescente, para operacionalizar a proteção dos
seus direitos humanos: cuidados e responsabilidades.

Esse documento destaca os direitos subjetivos de crianças e adolescentes quanto à liberdade,


à dignidade, à integridade física (psíquica e moral), à educação, à saúde, à proteção no trabalho, à
assistência social, à cultura, ao lazer, ao desporto, à habitação, a um meio ambiente de qualidade e traz
outros direitos individuais indisponíveis, sociais, difusos e coletivos (ONU, 1989).

Em seu preâmbulo, a Convenção define os direitos da criança num sentido realmente próximo
da Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1959), apenas como direito a uma proteção especial:

34
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

“a criança tem necessidade de uma proteção especial e de cuidados especiais, notadamente de uma
proteção jurídica, antes e depois de seu nascimento” (ONU, 1989).

Todavia, em outros pontos, a Convenção (ONU, 1989) avançou e acresceu a esse direito à proteção
especial outros tipos de direitos que só podem ser exercidos pelos próprios beneficiários: o direito à liberdade
de opinião (art. 12), à liberdade de expressão (art. 13), à liberdade de pensamento, de consciência e de religião
(art. 14), à liberdade de associação (art. 15). Trata‑se de direitos que pressupõem certo grau de capacidade,
de responsabilidade, isto é, que implicam sujeitos de direitos como titulares. As crianças e os adolescentes
são seres essencialmente autônomos, mas com capacidade limitada de exercício da sua liberdade e dos seus
direitos (Brasil, 1990).

A fim de regulamentar todos os direitos elencados pela Convenção destacada anteriormente, em


13 de julho de 1990, foi promulgada a Lei n. 8.069, conhecida como ECA, já mencionada anteriormente.

Como vimos, o ECA revogou o antigo Código de Menores, que era centrado na repressão e na
discriminação da infância pobre, e trouxe inovações, introduzindo a doutrina da proteção integral.

Dessa maneira, o Estatuto mudou a concepção de criança e de adolescente. A concepção histórica


de menor abandonado e delinquente foi questionada, e este passou a ser considerado sujeito de direitos,
pois vivia em um Estado Democrático de Direito, em condição peculiar de desenvolvimento, já que ainda
estaria em processo de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Assim, passou a ser
tratado com prioridade absoluta.

A CF, em seu art. 227, trata do segmento infantojuvenil, acentuando que é “[...] dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança os seus direitos com absoluta prioridade” (Brasil, 1988).

O ECA reforçou o papel da família na vida da criança e do adolescente como elemento primordial
no processo de proteção integral e como um dos objetivos vitais do sistema de promoção e defesa
dos direitos da criança e do adolescente. Reforçou, ainda, que cabe ao poder público e à sociedade a
complexa tarefa de governar suas crianças.

O Estatuto também introduziu algumas mudanças no conteúdo, no método e na gestão das ações
destinadas à criança e ao adolescente. Criou‑se, portanto, a doutrina da proteção integral, prevendo‑se
nova perspectiva ao tratamento dispensado a crianças e adolescentes, significando reconhecer que,
perante a lei, todo e qualquer jovem merece atenção especial do Estado, da família e da sociedade,
sendo dever de todos observar a legislação, especificamente voltada à garantia do bem‑estar e do
desenvolvimento saudável desse público.

A introdução da doutrina de proteção integral gerou mudanças expressivas na essência da


formulação das políticas sociais, que passaram a abranger as políticas sociais básicas, como educação,
saúde, habitação, lazer, profissionalização e outras, consideradas direito de todos e dever do Estado; as
políticas de assistência social, voltadas para o atendimento compensatório a todos que dela necessitem;
as políticas de proteção especial, que envolvem crianças e adolescentes em situação de risco pessoal
e social; e as políticas de garantias, que atendem a crianças e adolescentes envolvidos em conflitos
35
Unidade I

de natureza jurídica. O conjunto articulado dessas ações configura o que denominamos sistema de
garantias de direitos.

Considerando o postulado, todas as políticas públicas voltadas ao amparo, à assistência e à


inclusão social dessas crianças e adolescentes devem considerar sua condição peculiar de “pessoa em
desenvolvimento”, devendo ser tratadas com absoluta prioridade, como já mencionado.

Entende‑se que todo trabalho social destinado a essa população deve estar baseado na noção de
cidadania e emancipação. Isso significa que a criança e o adolescente não poderão mais ser tratados
como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. As ações devem ter
caráter emancipatório, capazes de transformar crianças e adolescentes em sujeitos históricos, capazes
de manejar seu próprio destino, respeitando suas potencialidades e limitações em cada fase de seu
desenvolvimento pessoal e social.

Com a adoção da nova doutrina da proteção integral, que repercutiu tanto na CF como na criação do
ECA (Brasil, 1990), o Poder Judiciário considerou por bem implantar varas especializadas no atendimento
à garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Essa doutrina incorporada pelo ECA tem como princípio que todas as crianças e os adolescentes
desfrutem dos mesmos direitos, com obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento,
rompendo definitivamente as ideias preceituadas pelos Juizados de Menores e pelo Código de Menores
a respeito da noção de direito e justiça.

O direito à vida e à saúde tem como objetivo eliminar ou diminuir a mortalidade infantil e envolve o
desenvolvimento biopsicossocial, de modo a dar à criança e ao adolescente uma oportunidade de vida.

Por conta dos dispositivos tratados, criaram‑se ações para garantir a efetivação desses direitos,
como acompanhamento pré‑natal pelo SUS; possibilidade de o mesmo médico acompanhar o parto;
a alimentação do recém‑nascido; a oportunidade de alimentação do recém‑nascido por presidiárias
ou mesmo por mães no mercado de trabalho. Os direitos fundamentais devem ser acessados desde
o pré‑natal (direito à vida). Assegura‑se, também, o direito pós‑parto como inerente ao processo da
primeira infância.

O Estatuto da Primeira Infância, criado em 2016, reafirma a prioridade absoluta nas atenções
e a responsabilidade do Estado em estabelecer políticas, planos, programas, projetos e serviços que
assegurem a proteção integral. Nas disposições preliminares, dispõe para quem essa lei se aplica,
explicitando quanto aos direitos fundamentais inerentes à pessoa, sem prejuízos da proteção integral.
Fomenta a participação da criança na formulação de políticas públicas e nas ações que lhe dizem
respeito. Destaca‑se que as políticas também devem incluir o apoio à família (orientações). Elucida
a preocupação com a criança desde a gestação, devendo a gravidez ser devidamente acompanhada,
garantindo o direito a um acompanhante no período pós‑parto (Brasil, 2016).

O ECA traz a corresponsabilidade da família no cuidado, sendo dever da família, da comunidade,


da sociedade em geral e do poder público assegurar a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à
36
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito


e à liberdade de convivência familiar e comunitária.

O direito à dignidade é um dos que atua na proteção da integridade da criança e do adolescente


contra tratamentos desumanos, violentos, aterrorizantes, vexatórios e constrangedores.

Houve algumas mudanças ligadas à condição de sujeitos de direitos, podendo‑se exemplificar duas
situações: uma relacionada à idade da infância, quando foi definida a fase de criança (0 a 12 anos
incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos incompletos), o que foi baseado em estudos biológico e
sociais, respeitando sempre seu desenvolvimento; e outra relacionada à substituição do termo menor,
que se ligava à questão do abandono e da delinquência na infância, por criança e adolescente, em
âmbito geral.

No que se referia às garantias básicas de crianças e adolescentes, o ECA estabeleceu três: respeito aos
direitos e garantias fundamentais; proteção integral; acesso aos instrumentos necessários para a efetivação
de direitos.

A proteção integral da criança e do adolescente tem por escopo garantir que uma pessoa, com
menos de 18 anos, possa exigir e ter assegurados quaisquer direitos inerentes do ser, ou seja, mesmo que
não atingido seu desenvolvimento mental e psíquico completamente, essa pessoa tem direito à vida, à
saúde, à educação, à liberdade, ao respeito, à cultura e a viver com dignidade (Brasil, 1990).

O ECA enfatiza a importância dos vínculos familiares e comunitários – diferentes dos grandes
internatos –, prevendo uma série de medidas, que, articuladas, visam principalmente à manutenção
e ao fortalecimento desses vínculos. Prima pelo direito à convivência familiar e comunitária e, dentro
dessa perspectiva, tem‑se como exemplo o fato de a carência de recursos materiais não constituir causa
de perda ou suspensão do poder familiar.

A lei é clara quando explicita que o atendimento em instituição deve ser realizado de forma
individualizada e em pequenos grupos, com características familiares. Fixa o direito à convivência
familiar como um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, determinando que os esforços
das políticas devem visar ao fortalecimento dos vínculos com a família de origem (Brasil, 1990).

Ao priorizar a convivência familiar, o ECA estabelece políticas de atendimento articuladas, procurando


garantir que toda criança seja criada em sua família e, excepcionalmente, em família substituta. Assim,
as medidas previstas para tal são aquelas que constam no art. 101, cabendo ao Conselho Tutelar garantir
que elas sejam efetivamente aplicadas. Porém, em casos excepcionais e de violação de direitos, é prevista
a aplicação de medidas de proteção de acolhimento institucional.

Tais medidas devem ser aplicadas em ordem crescente, conforme a gravidade da infração e da
capacidade do adolescente em cumprir a proferida medida socioeducativa. Pode‑se ainda aplicar as
seguintes ações protetivas, de maneira prévia, complementar ou substitutiva às anteriores.

37
Unidade I

Art. 101.

I – encaminhamento aos pais ou responsáveis;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de Ensino


Fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à


criança e ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico psicológico ou psiquiátrico, em regime


hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e


tratamento a alcoólatras e taxicômanos;

VII – acolhimento institucional;

VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX – colocação em família substituta (Brasil, 1990).

Quanto ao acolhimento institucional, tal medida de proteção, juntamente com o acolhimento familiar,
são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para a reintegração familiar ou,
não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

A legislação reconhece a importância da família e da comunidade para o desenvolvimento da criança.

Assim, a pobreza não é motivo para o afastamento entre pais e filhos, devendo o Estado incluir a
família em programas sociais que garantam a sobrevivência e a manutenção desta sem que os direitos
das crianças e dos adolescentes sejam abdicados.

A questão da internação, ou seja, do recolhimento de adolescentes em instituições, foi um elemento


importante no rompimento com o estigma de “menor” e da doutrina de situação irregular no ECA. A
partir da concepção da criança e do adolescente como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento,
o ECA instaura um novo paradigma: a partir dele, não se refere ao autor de ato infracional como
delinquente, pervertido ou criminoso, termos presentes em legislações anteriores.

Considera‑se para fins jurídicos e sociais a criança e o adolescente autores de ato infracional como
em situação de conflito com a lei. Houve importante mudança também a respeito da confusão com o
público adulto, pois a criança e o adolescente não devem ser considerados criminosos, vetando‑se sua
permanência em instituições penitenciárias ou policiais voltadas à população adulta.
38
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

O art. 112 do ECA define como medidas socioeducativas a advertência, a obrigação de reparar o dano;
a prestação de serviços à comunidade; a liberdade assistida; a inserção em regime de semiliberdade; a
internação em estabelecimento educacional, além de outras medidas de proteção (Brasil, 1990).

A advertência consiste em uma repreensão verbal ao adolescente, que será lavrada em um termo
próprio, podendo ser aplicada sempre que o ato infracional for de menor gravidade.

A reparação dos danos causados apenas será imposta nas situações de atos infracionais que
ocasionarem prejuízos materiais. Essa reparação pode se dar a partir da restituição da coisa, do
ressarcimento do dano ou da compensação do prejuízo de outra forma.

A prestação de serviços à comunidade pode ser exercida de variadas formas, preferencialmente


junto a entidades assistenciais, e não pode ultrapassar o prazo máximo de seis meses de duração.

A liberdade assistida consiste no acompanhamento do adolescente por pessoa capacitada. Essa


medida, composta pela orientação de um agente, possui o prazo mínimo de seis meses e visa impedir
que o adolescente pratique novos atos infracionais.

Por sua vez, a semiliberdade funciona como um regime de transição da medida de internação e
autoriza que o adolescente pratique atividades em ambiente externo. Não possui um prazo específico
de duração e deve ser revista a cada seis meses.

Finalmente, a internação é a medida socioeducativa mais grave, por isso considerada excepcional e
breve, e conduz o adolescente à custódia em estabelecimento próprio. O prazo máximo dessa medida é
de três anos, que, assim que concluídos, determinam a imediata colocação do adolescente em liberdade.

Independentemente da medida aplicada, é sempre possível a remissão (perdão), que pode ser
autorizada pelo Ministério Público, antes de iniciado o processo, ou pelo juiz de direito, quando o
processo já estiver em curso.

Segundo o art. 106 do ECA, “nenhum adolescente autor de ato infracional será privado de sua
liberdade senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade jurídica
competente”. O art. 110 acentua que fica “impossibilitada a apreensão de adolescente senão mediante o
devido processo legal” (Brasil, 1990).

Observação

A internação antes da sentença só poderá ser determinada pelo prazo


máximo de 45 dias e só deve ser aplicada em extrema necessidade.

Com a promulgação do ECA, superou‑se a situação irregular, promovendo‑se uma doutrina


de proteção integral, colocando a criança como centro das atenções, tornando‑a mais visível para
a sociedade.
39
Unidade I

De fato, o ECA representa uma inovação no campo da proteção infantojuvenil. Em sintonia com o
marco regulatório internacional, o ECA e os esforços que vêm sendo empreendidos por sua regulação,
expressos no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e no Plano Nacional de
Convivência Familiar e Comunitária, constituem um significativo passo na proposição dos diversos planos
e programas em várias frentes de direitos ameaçados ou violados, como trabalho infantil, exploração
sexual e violência doméstica. Contudo, ainda há contradição, porque os tempos difíceis em que vivemos
são de profundo ataque aos direitos no país.

2.1.1 A primazia da proteção integral – medidas protetivas e socioeducativas

Segundo Marques (2019), o sistema de garantias de direitos consiste num importante instrumento
capaz de transformar a realidade social de crianças e adolescentes. Entretanto é absolutamente
necessário, a partir de uma nova consciência, perseguir ações e tratamentos que levem à ressocialização
em vez de seguir com práticas que visem unicamente a repressão e punição.

As medidas socioeducativas previstas no ECA são aplicáveis aos adolescentes que cometerem atos
infracionais, ou seja, atos análogos ao crime e à contravenção penal.

Portanto, deve‑se notar as medidas socioeducativas como resposta do Estado à prática do


ato infracional cometido por adolescentes, visando a não reincidência destes ao cometimento de
novas infrações.

Com a CF de 1988 iniciou‑se uma nova fase política no Brasil, pautada pela democracia e o respeito
à dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o tratamento dispensado às crianças e aos adolescentes
sofreu profundas mudanças, agora tendo por fundamento a doutrina da proteção integral.

O ECA prevê em seu bojo diversas medidas socioeducativas, expressas no art. 112: a advertência, a
obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a inserção em regime de semiliberdade,
a internação em estabelecimento educacional e a liberdade assistida.

O ECA incorpora na prática o conjunto de normas do ornamento jurídico com o objetivo de


proteção integral da criança e do adolescente, considerando que são pessoas em desenvolvimento,
bem como titulares de direitos. Assim, prevê as chamadas medidas socioeducativas aplicadas pelo juiz
aos adolescentes que incidirem na prática de atos infracionais. Possuidoras de caráter pedagógico, tais
medidas não visam punir os jovens, mas reeducá‑los para o convívio em sociedade.

De acordo Veronese (apud Marques, 2019), o verdadeiro desafio enfrentado pelo ECA é regulamentar
e efetivar as normas constitucionais a fim de garantir que as premissas e princípios da doutrina da
proteção integral não sejam simplesmente “letra morta”.

Desse modo, não há que se falar em reduzir a maioridade penal tendo em vista o encarceramento
em massa de adolescentes. A diminuição da violência passa pela implementação de um conjunto de
atividades pedagógicas prescritas pelo ECA, que têm o condão de reeducar o jovem infrator em vez
de simplesmente apartá‑lo da sociedade, punindo‑o com o encarceramento.
40
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Em sua pesquisa, Marques (2019) traz à luz, por meio da Constituição e do ECA, a maioridade penal,
em que considerou que a redução vai em contrário à prioridade absoluta concedida às crianças e aos
adolescentes pelo art. 227 da CF, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e na doutrina
da proteção integral.

Salienta que as medidas socioeducativas são instrumentos mais aptos e dignos para promover a
ressocialização de adolescentes autores de ato infracional, não devendo sair de seu alcance os maiores
de 14 e menores de 18 anos de idade pela falha do Estado em acompanhar os avanços legislativos,
implementando políticas que assegurem a efetivação dos direitos conquistados pelos adolescentes,
conforme disposto no ECA (1990).

Art. 103. Considera‑se ato infracional a conduta descrita como crime ou


contravenção penal.

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos


às medidas previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do
adolescente à data do fato.

Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas


previstas no art. 101.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I ‑ advertência;

II ‑ obrigação de reparar o dano;

III ‑ prestação de serviços à comunidade;

IV ‑ liberdade assistida;

V ‑ inserção em regime de semi‑liberdade;

VI ‑ internação em estabelecimento educacional;

VII ‑ qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade


de cumpri‑la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

41
Unidade I

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação


de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão


tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Art. 113. Aplica‑se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112
pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade
da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova
da materialidade e indícios suficientes da autoria (Brasil, 1990).

O PNCFC constitui um marco nas políticas públicas no Brasil ao romper com a cultura da
institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o paradigma da proteção integral e da
preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo ECA.

A manutenção dos vínculos familiares e comunitários, como abordado no ECA, reforça o papel
da família na vida da criança e do adolescente como elemento imprescindível dentro do processo
de proteção integral e fundamenta para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e
cidadãos, está diretamente relacionada ao investimento nas políticas públicas de atenção à família.

O PNCFC

é resultado de um processo participativo de elaboração conjunta, envolvendo


representantes de todos os poderes e esferas de governo, da sociedade
civil organizada e de organismos internacionais, os quais compuseram
a Comissão Intersetorial que elaborou os subsídios apresentados ao
Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – Conanda e
ao Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS (AEW‑PR, 2024).

Rememorando os avanços percorridos após a CF, o plano se constitui como um marco nas
políticas públicas brasileiras, pois foi a partir dele que se rompeu com a cultura da institucionalização
de crianças e adolescentes, fortalecendo a proteção integral e a preservação de vínculos familiares
e comunitários preconizados pelo ECA. A manutenção desses vínculos são elementos vitais para a
estruturação de crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos, muito relacionada ao investimento
nas políticas públicas de atenção à família.

O PNCFC se consolidou como um grande instrumento para o planejamento de ações para a reversão
do quadro de violações do direito à convivência familiar e comunitária, determinando que estados e
municípios elaborem planos próprios de atendimento a fim de planejar suas ações e estratégias para a
efetivação dos direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária.
42
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Assim, o PNCFC estabelece objetivos gerais, competências e atribuições para a implementação, o


monitoramento e a avaliação de cada um dos entes federativos, além de um plano de ação com previsão
de ações, responsabilidades e tempo previsto para a execução.

O plano traz como diretrizes:

• Centralidade da família nas políticas públicas.

• Primazia da responsabilidade do Estado no fomento de políticas integradas de apoio à família.

• Reconhecimento das competências da família na sua organização interna e na superação de


suas dificuldades.

• Respeito à diversidade étnico‑cultural, à identidade e orientação sexual, à equidade de gênero e


às particularidades das condições físicas, sensoriais e mentais.

• Fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem adulto na elaboração de seu


projeto de vida.

• Garantia dos princípios de excepcionalidade e provisoriedade dos programas de famílias


acolhedoras e de acolhimento institucional de crianças e de adolescentes.

• Reordenamento dos programas de acolhimento institucional, adoção centrada no interesse da


criança e do adolescente.

A convivência familiar e comunitária é um direito fundamental de crianças e adolescentes garantido


pela CF (Brasil, 1988, art. 227) e pelo ECA. Em seu art. 19, o ECA (Brasil, 1990) estabelece que toda criança
e adolescente tem direito a ser criado e educado por sua família e, na falta desta, por família substituta.

Observação

Esgotadas todas as possibilidades, a colocação em família substituta


por meio de decisão judicial é a melhor medida para a proteção e o
desenvolvimento de crianças e adolescentes.

O direito à convivência familiar e comunitária é tão importante quanto o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade.
A CF diz que a “família é a base da sociedade” e que compete a ela, ao Estado, à sociedade em geral
e às comunidades “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais”
(Brasil, 1988, arts. 226‑227).

A família é evidenciada como base nos novos aparatos legais, entendida como sendo a “entidade
familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes” (Brasil, 1988, art. 226, § 4).
43
Unidade I

Tais definições colocam a ênfase na existência de vínculos de filiação legal, de origem natural ou adotiva,
independentemente do tipo de arranjo familiar onde essa relação de parentalidade e filiação estiver
inserida. Em outras palavras, não há uma caracterização específica para família, não importando o tipo
de família, nuclear, monoparental, reconstituída etc.

Lembrete

O vínculo de parentalidade/filiação respeita a igualdade de direitos dos


filhos, independentemente de sua condição de nascimento.

A família se apresenta como núcleo de referência e de proteção social, sendo, desde o seu
nascimento, o principal núcleo de socialização da criança. Diante de sua condição social e de existência,
esta pode expor seus membros a situações de vulnerabilidade social e imaturidade, protegendo‑os
ou desprotegendo‑os.

Como a família é a referência para seus membros, a relação entre os pais ou substitutos é vital para a
constituição do sujeito, seu desenvolvimento afetivo, aquisições, condição de saúde e desenvolvimento
físico e psicológico. A família é o melhor lugar para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Mesmo sendo um núcleo de proteção e cuidado, nem sempre as famílias possuem recursos (sociais,
materiais, afetivos, protetivos), pode se tornar um espaço de conflito, abusos e de violação de direitos.
Nessas situações, medidas de apoio à família deverão ser tomadas para assegurar o direito da criança e do
adolescente de se desenvolver no seio de uma família, prioritariamente a de origem e, excepcionalmente,
a substituta.

O § 8º do art. 226 da CF também determina que o Estado deve dar assistência aos membros da
família e impedir a violência dentro dela. O art. 229 diz que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade” (Brasil, 1988).

Quando a família, em vez de proteger a criança e o adolescente, violar seus direitos, uma das medidas
previstas no ECA (Brasil, 1990, art. 101) para impedir a violência e a negligência contra eles é o
acolhimento institucional. Essa decisão é aplicada pelo Conselho Tutelar por determinação judicial e
implica a suspensão temporária do poder familiar sobre crianças e adolescentes em situação de risco
e no seu afastamento de casa.

De acordo com os arts. 22 e 24 do ECA (Brasil, 1990), a medida extrema de suspensão do poder
familiar deverá ser aplicada apenas nos casos em que, injustificadamente, os pais ou responsáveis
deixarem de cumprir os deveres de sustentar e proteger seus filhos, quando crianças e adolescentes
forem submetidos a abusos ou maus‑tratos ou devido ao descumprimento de determinações judiciais.

Nos casos de violação, aplicam‑se medidas de proteção especial, prevista no ECA e definida como
“provisória e excepcional” (Brasil, 1990, art. 101, § único).
44
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

O PNCFC adotou o termo “acolhimento institucional” para designar os programas de abrigo em


entidade como aqueles que atendem crianças e adolescentes que se encontram sob medida protetiva
de abrigo, aplicadas nas situações dispostas no art. 98 do ECA.

O acolhimento institucional deve ser uma medida excepcional e provisória, e o ECA obriga que se
assegurem a “preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta quando esgotados
os recursos de manutenção na família de origem” (arts. 92 a 100). Nessa hipótese, a lei prevê que a
colocação em família substituta se dê em definitivo, por meio da adoção ou, provisoriamente, via tutela
ou guarda (arts. 28 a 52), sempre por decisão judicial (Brasil, 1990).

Os serviços de acolhimento institucional são descritos pela tipificação nacional dos serviços
socioassistenciais – CNAS, 2009 e 2014 –, a qual promoveu importantes avanços para a política
de assistência social como um todo, redefinindo suas competências, descrevendo os serviços, o
público‑alvo e seus objetivos.

A tipificação nacional estabelece os serviços de acolhimento institucional como proteção social


especial de alta complexidade, dentro da PNAS, que ofertam

Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias


e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de
garantir proteção integral.

A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos


costumes, às tradições e à diversidade: ciclos de vida, arranjos familiares,
raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual (Sigas, 2017).

Entre os serviços de acolhimento institucional, são previstos os equipamentos específicos


para crianças e adolescentes, nas seguintes modalidades: Abrigo Institucional, Casa‑Lar, Família
Acolhedora, República.

O CNAS e o Conanda (2009) aprovaram a Resolução Conjunta n. 1 iniciando a proposta de


regulamentação dos serviços, rompendo com a lógica da institucionalização.

O processo de reordenamento e expansão qualificada dos serviços de acolhimento ganhou força


em 2013 a partir das Resoluções n. 15 e n. 17 da CIT e sua posterior aprovação pelo CNAS, através das
Resoluções CNAS n. 23 e n. 31, de 2013.

Fundamentando‑se nas diferentes legislações, normativas e resoluções que regem a proteção social
especial de alta complexidade e a oferta de serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, foram
fixados princípios a serem prezados na execução das ações:

• Excepcionalidade do afastamento do convívio familiar.

• Provisoriedade do afastamento do convívio familiar.


45
Unidade I

• Preservação e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

• Garantia de acesso, respeito à diversidade e não discriminação.

• Oferta de atendimento personalizado e individualizado.

• Garantia de liberdade de crença e religião.

• Respeito à autonomia da criança, do adolescente e do jovem.

Tais princípios são essenciais para garantir a crianças e adolescentes o direito de viver em um
ambiente que lhes ofereça suporte, proteção, cuidado, viabilizando o desenvolvimento pleno de
seus potenciais.

Crianças e adolescentes em situação de acolhimento muitas vezes provêm de um ambiente familiar


conflituoso e violador. A situação do acolhimento, ainda que para sua proteção, promove o rompimento
de relações familiares, comunitárias e de sua rotina, interrompendo sua vida. Tal rompimento pode
levar a um prejuízo para seu desenvolvimento, sendo necessário um trabalho minucioso do serviço
de acolhimento para atender as especificidades do sujeito em desenvolvimento, a fim de afiançar a
segurança de acolhida e trabalho com as famílias de origem de crianças e adolescentes em situação de
acolhimento.

Observação

Se o acolhimento de uma criança ou um adolescente for resultante de


situação de violência e violação de direitos, o caso deverá ser encaminhado
diretamente ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

As propostas operacionais do PNCFC estão organizadas em quatro eixos estratégicos:

Eixo 1 – Análise da situação e sistemas de informação

O Eixo 1 consiste em:

• Aprofundamento do conhecimento em relação à situação familiar de crianças e adolescentes,


identificando os fatores que favorecem ou ameaçam a convivência familiar e comunitária
(levantamento de dados, realização de pesquisas).

• Mapeamento e análise das iniciativas de apoio sociofamiliar, programas de famílias acolhedoras,


acolhimento institucional e adoção e sua adequação aos marcos legais.

• Aprimoramento e valorização da comunicação entre os sistemas de informação sobre crianças,


adolescentes e família.

46
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Eixo 2 – Atendimento

Já o Eixo 2 é composto por:

• Articulação e integração entre as políticas públicas de atenção a crianças, adolescentes e famílias


para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária.

• Sistematização e difusão de metodologias de trabalho com famílias e comunidades.

• Ampliação e estruturação da oferta de serviços de apoio sociofamiliar que contribuam para o


empoderamento das famílias.

• Reordenamento dos serviços de acolhimento institucional e implementação de programas de


famílias acolhedoras.

• Ampliação e execução de programas e serviços de preparação de adolescentes e jovens, em


acolhimento institucional, para a autonomia.

• Fortalecimento de vínculos familiares de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa,


sobretudo privativas de liberdade, bem como de filhos com pais privados de liberdade.

• Articulação entre os serviços de acolhimento institucional e o SGD, em particular o Judiciário, de


modo a evitar o esquecimento de crianças e adolescentes nessas instituições.

• Aprimoramento dos procedimentos de adoção nacional e internacional, garantindo a prevalência


da adoção nacional em relação à adoção internacional.

• Capacitação e assessoramento aos municípios para a implementação de ações de apoio


sociofamiliar, reordenamento institucional, reintegração familiar, famílias acolhedoras e
alternativas para preparação de adolescentes e jovens para a autonomia.

• Consolidação de uma rede nacional de identificação e localização de crianças e adolescentes


desaparecidos e de pais e responsáveis.

Eixo 3 – Marcos normativos e regulatórios

O Eixo 3 se caracteriza por:

• Parametrização e regulamentação dos programas de apoio sociofamiliar, de acolhimento familiar


e institucional (abrigo em entidade) e de apadrinhamento.

• Regulamentação e aplicação dos conceitos de excepcionalidade e provisoriedade.

• Regulamentação de programas e serviços de acolhimento familiar.

• Aprimoramento de instrumentos legais de proteção social que ofereçam alternativas e a


possibilidade do contraditório à suspensão ou a destituição do poder familiar.

47
Unidade I

Eixo 4 – Mobilização, articulação e participação

O Eixo 4 envolve:

• Estratégias de comunicação social para mobilização da sociedade (adoções necessárias,


acolhimento familiar, direito à convivência familiar, controle social das políticas públicas etc.) e
afirmação de novos valores.

• Mobilização e articulação para a garantia da provisoriedade e excepcionalidade do acolhimento


institucional.

• Produção e divulgação de material de orientação e capacitação.

• Articulação e integração de ações entre as três esferas de Poder.

• Garantia de recursos para viabilização do plano.

• Segundo a consideração do MDS, a previsão de implementação de ações no período 2007‑2015.


Em 2018, a necessidade de atualizar o PNCFC passou a ser enfatizada pelo Movimento Nacional
Pró‑Convivência Familiar e Comunitária e tornou‑se prioridade para os Ministérios e Secretarias.

• Realização de seis estudos que permitiram identificar avanços no período, desafios e perspectivas
futuras, com o objetivo de subsidiar os trabalhos para sua atualização, etapa em curso. Os estudos
foram apresentados ao Conanda, ao CNAS, outras Secretarias Nacionais de diversos Ministérios,
Organizações da Sociedade Civil e de instituições com expertise na área, além de serem amplamente
divulgados em lives realizadas no Canal da Rede Suas no Youtube.

• O objetivo de trabalhar de forma colaborativa na elaboração do Plano de Ação do Plano Nacional


de Convivência Familiar e Comunitária – com objetivos, ações, metas e responsáveis. Para tanto,
foram realizadas 15 oficinas e reuniões preparatórias que contaram com relatos de boas práticas
nacionais e até internacionais.

• Aprimoramento dos resultados dos trabalhos nas oficinas colaborativas. Os próximos passos
envolvem a atualização do documento do PNCFC como um todo, seu encaminhamento ao
Conanda e ao CNAS e sua disponibilização para consulta pública.

2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SUAS DIVERSIDADES

2.2.1 Crianças e adolescentes com deficiência

Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, publicada pelo Ministério da
Saúde (Brasil, 2018), ao se analisarem os dados da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
pelo menos 10% das crianças nascem ou adquirem algum tipo de deficiência de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial – com repercussão no desenvolvimento neuropsicomotor. Por outro lado, cerca
48
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

de 70% a 80% das sequelas podem ser evitadas ou minimizadas por meio de condutas e procedimentos
simples de baixo custo e de possível operacionalização com diagnóstico oportuno e medidas preventivas
adequadas em todos os níveis de atenção à saúde.

A introdução dessas medidas preventivas deve ser compromisso prioritário dos gestores estaduais e
municipais, a começar pela garantia da oferta das triagens neonatais universais: teste do pezinho (triagens
biológicas), orelhinha (triagem auditiva neonatal), olhinho (triagem ocular neonatal – teste do reflexo
vermelho) e teste do coraçãozinho (triagem de cardiopatias congênitas críticas – oximetria de pulso).

2.2.2 Crianças e adolescentes indígenas

A Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas tem como propósito garantir o acesso à atenção
integral à saúde, de acordo com os princípios e as diretrizes do SUS, contemplando a diversidade
social, cultural, geográfica, histórica e política, de modo a favorecer a superação dos fatores que
tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência
entre os brasileiros, reconhecendo o direito desses povos à sua cultura (Brasil, 2018).

Entre os principais agravos que acometem a população infantil indígena, se encontram as doenças
respiratórias, desnutrição e outras deficiências nutricionais, saúde bucal, doenças diarreicas e
doenças infectoparasitárias (DIP).

2.2.3 Crianças e adolescentes em situação de rua

A pesquisa sobre crianças e adolescentes em situação de rua, realizada em 2011, em 17 capitais


brasileiras, aponta que há, aproximadamente, 24 mil crianças e adolescentes dormindo e/ou trabalhando
nas ruas (Brasil, 2018).

Essas crianças enfrentam dificuldades para acessar os serviços de saúde, entre os quais se destacam a
vergonha de procurar ajuda, dificuldades em relação ao autocuidado e em relação à adesão aos
tratamentos, mesmo tendo os serviços disponíveis na saúde: Consultório na Rua, Caps, Capsad e Capsi
e da Assistência Social, o Creas Pop têm como característica o atendimento da população adulta em
situação de rua (Brasil, 2018). E muitas vezes há resistências em atender crianças e adolescentes.

As diretrizes da Atenção Básica convergem com as da atenção psicossocial, com o propósito de


trabalhar a redução de danos, de forma transversal ao cuidado integral de saúde.

Portanto, a saída da rua é um processo a ser construído que envolve o restabelecimento de laços
familiares fragilizados ou rompidos. Porém, a alternativa, em última instância, pode ser os serviços de
acolhimento. Enquanto isso ocorre, a criança deve ter a saúde e a dignidade asseguradas.

Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), as crianças em
situação de rua estão mais expostas a traumas e violências em geral, ao consumo de álcool e outras
drogas, a relações sexuais precoces e às doenças sexualmente transmissíveis.

49
Unidade I

Assim, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm importante papel na prevenção de novos casos
de crianças e adolescentes nas ruas antes do rompimento dos laços familiares, por meio da equipe de
Saúde da Família (ESF), que está mais próxima das comunidades, podendo identificar (busca ativa)
famílias com crianças ou adolescentes que começam a passar dias na rua, seja no próprio bairro de
moradia, seja na região central da cidade.

É importante destacar que a família também merece cuidados, portanto a escuta sem julgamento é
fundamental, considerando que, em geral, essas famílias também podem estar enfrentando dificuldades,
como desemprego, uso abusivo de álcool, drogas, ou doença grave na família etc. (Brasil, 2018).

Assim, é importante contar com o envolvimento de outros membros da família ampliada, avós,
irmãos, colegas, tios, padrinhos, vizinhos, e outros atores que tenham algum vínculo com a família, para
que ela se sinta envolvida pela rede de apoio social de cuidado e proteção.

Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicados em março de 2020 são de
221.869 como número estimado de pessoas que vivem hoje nas ruas no Brasil, com aumento de 139%
quando comparado com os de setembro de 2012 (SBC, [s.d.]).

De acordo com os dados disponibilizados por Natalino (2020) da ONG Visão Mundial, organização
que atua no Brasil desde 1975, são mais de 70 mil crianças em situação de rua no país. Segundo o
estudo, 51% das crianças têm seus direitos bruscamente violados.

Assim, investir no cuidado infantil e no seu acesso de forma qualificada é o passo mais importante
para gerar oportunidades de sair da pobreza.

2.2.4 Crianças e adolescentes com um de seus pais privados de liberdade

A situação de crianças cujos pais se encontram privados de liberdade tem sido foco de preocupação,
considerando o crescente número de crianças acompanhando suas mães nos estabelecimentos
prisionais, submetidas a um ambiente inadequado e insalubre ou em sofrimento devido ao rompimento
do vínculo de convivência familiar de forma brusca com a mãe ou pai que cometeu delito.

Assim, é direito da criança, em qualquer idade, a proteção à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e
dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, ao esporte e lazer, ao pleno desenvolvimento
como sujeito de diretos e pessoa em condição peculiar de formação para a cidadania (Brasil, 2018).

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
Prisional (Pnaisp), mediante a Portaria Interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014 (Brasil, 2014c), prevê
a inclusão das unidades prisionais no território da Rede de Atenção à Saúde e a implantação de UBS nos
estabelecimentos penais, com a inserção de uma equipe multiprofissional composta minimamente por
cinco profissionais de nível superior: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e cirurgião‑dentista;
e um profissional de nível médio: técnico de enfermagem.

50
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Essa equipe desenvolve ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento e recuperação


de doenças e agravos em todos os ciclos de vida, em especial das mães privadas de liberdade e de
suas crianças.

2.2.5 Crianças e adolescentes negras

Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a população
negra apresenta indicadores socioeconômicos desfavoráveis em relação às outras. Reconhecidamente
é a mais suscetível a algumas doenças e agravos prevalentes, estas podem ser adquiridas em condições
desfavoráveis, como a desnutrição, a anemia ferropriva, o sofrimento psíquico, o estresse, a depressão,
entre outros.

Portanto, observa‑se que as iniquidades vividas pela população negra causam impactos negativos na
saúde e no desenvolvimento saudável da criança, daí a importância de investir em ações intersetoriais
no território, articuladas com as demais políticas públicas sociais, além da atenção integral à saúde, na
Atenção Básica, complementada na Rede de Atenção à Saúde e da formação e educação permanente
para trabalhadores de saúde, incorporando as reivindicações dos movimentos sociais, dos fóruns de
participação popular e controle social.

2.2.6 Crianças e adolescentes quilombolas

De acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a
população quilombola é reconhecida como remanescentes das comunidades dos quilombos. “Os grupos
étnico‑raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida” (Brasil, 2003, art. 2º). Estima‑se que há, aproximadamente, 3 mil comunidades
quilombolas em todo o território nacional.

Em pesquisa realizada (Brasil, 2008), existem aproximadamente 200 mil crianças quilombolas com
idade entre 0 a 5 anos. Trata‑se de universo significativo de meninos e meninas em desenvolvimento,
que necessitam de inclusão nas políticas sociais.

Assim, apesar dos esforços governamentais por meio do Programa Brasil Quilombola, Decreto n. 4.887,
de 20 de novembro de 2003, para garantir sua participação nos programas federais, crianças e famílias
quilombolas ainda encontram dificuldades de acesso e discriminação positiva nas políticas públicas
integrais (Brasil, 2018). Sua condição de invisibilidade social gera grande preocupação, principalmente
pelo alto índice de mortalidade infantil, de prematuridade, de desnutrição e de doenças infecciosas.

51
Unidade I

3 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA PESSOA IDOSA

Destacando o poema “Quando eu tiver setenta anos”, de Paulo Leminski (1994):

Destaque

quando eu tiver setenta anos


então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre‑docência
vou fazer o que meu pai quer
Começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que a minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
Quando acabar esta adolescência

A percepção da idade é subjetiva. Para muitos, ter 50 anos é já ter “virado a curva”, gíria que significa
estar próximo ou a caminho da morte, sem direito a emoções positivas. Para outros, é iniciar uma fase
nova da vida; e há quem diga que se trata de um período para continuar a vida de forma tranquila,
buscando viver da melhor forma possível.

A seguir, será traçado um panorama geral da pessoa idosa, inclusive no Brasil, a fim de elucidar os
avanços legais para esse segmento.

3.1 Envelhecimento

O ser humano, como todo o ser vivo, nasce, cresce, envelhece e morre, trata‑se de um processo
natural de sua vivência.

A infância e a adolescência estão relacionadas às questões de produtividade e dependência. Na


juventude e na idade adulta, o ser humano se torna produtivo, gozando de autonomia. Uma última
etapa, antes da morte, é a velhice.

O termo velhice é um conceito que surgiu após as revoluções burguesas e a Revolução Industrial,
época em que só havia interesse pela população economicamente ativa, que dispusesse de vigor
físico para trabalhar. Quando essas pessoas não podiam mais exercer suas funções com o avançar da
idade, passavam a ser consideradas velhas pela sociedade, em especial para o mercado de trabalho.
Esse momento, associado à chegada da aposentadoria, faz com que muitas vezes o indivíduo, com a
perda do papel de trabalhador, deixe ou reduza os seus relacionamentos com a comunidade, já que
passa boa parte de seu tempo no ambiente de trabalho.
52
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Ao longo da história, a velhice foi vista de diferentes maneiras, conforme a cultura e os hábitos de
vida de cada povo. Há algumas sociedades em que os velhos não são apreciados, porém há outras em
que são muito valorizados.

As pessoas idosas na Grécia antiga eram muito respeitadas. Naquela época, homenageava‑se a
pessoa idosa, com o neto recebendo o nome do avô. Todavia, no atual sistema capitalista, o que se
vê é o preconceito e desrespeito à pessoa idosa, que é considerada inútil, incapaz. Esse fato acaba
influenciando a negação da velhice e o culto à juventude.

Para Oliveira (1999, p. 23), terceira idade é uma fase na qual se encontra “toda pessoa que esteja
numa alta faixa etária, em que se evidenciam mudanças naturais e específicas de ordem física e psíquica”.

Observação

A expressão terceira idade surgiu na França em 1962 em virtude da


introdução de uma política de integração social da velhice visando à
transformação da imagem das pessoas envelhecidas.

Bee (1997, p. 516) afirma não existir um consenso para determinar a faixa etária que compõe a
terceira idade; considera que terceira idade estará situada acima dos 60 anos. “O período da velhice é o
último período da fase de vida humana”. A autora deixa claro que a velhice existe, apesar de ser vista e
percebida de forma diferente por cada indivíduo.

O envelhecimento é parte inerente do processo da vida, assim como a infância, a adolescência e a


maturidade, é marcado por mudanças biopsicossociais específicas, associadas à passagem do tempo. No
entanto, esse fenômeno varia de indivíduo para indivíduo; pode ser determinado geneticamente ou ser
influenciado pelo estilo de vida, pelas características do meio ambiente e pela situação social.

A abordagem do conceito de envelhecimento inclui a análise de aspectos culturais, políticos


e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas simbólicos que permanecem na história
da sociedade.

O envelhecimento é compreendido como um processo vitalício, intimamente ligado aos padrões de


vida e saúde. Contudo, vale salientar que fatores socioculturais definem o olhar que a sociedade tem
sobre a pessoa idosa e o tipo de relação que ela estabelece com esse segmento populacional.

Lembrete

O envelhecimento é um processo; a velhice, uma fase da vida; o velho;


a pessoa idosa, o resultado final.

53
Unidade I

O termo velho estava fortemente associado aos sinais de decadência física e incapacidade produtiva,
sendo utilizado para designar, de modo pejorativo, sobretudo, os velhos pobres.

Na década de 1960, o termo começou a desaparecer da redação dos documentos oficiais franceses,
que o substituíram por pessoa idosa, menos estereotipado. Ao mesmo tempo, o estilo de vida das camadas
médias começou a se disseminar para todas as classes de aposentados, que passaram a assimilar as
imagens de uma velhice associada à arte do bem viver; então, apareceu o termo terceira idade, que
tornou pública e legitimou a nova sensibilidade investida sobre os jovens e respeitados aposentados.

O termo velho está associado a designações de negatividade, como o indivíduo que não tinha um
estatuto social. Neri (2002), por sua vez, relata que os velhos são quase sempre vistos como consumidores
de verbas públicas. Envelhecer é considerado um processo universal, dinâmico, progressivo, lento e
gradual, sendo atrelado a fatores genéticos, biológicos, sociais, ambientais, psicológicos e culturais.

Observação

O termo velho pode significar a condição de inválido, mas há raízes


ligadas, por exemplo, à pobreza, à alimentação, à moradia e à saúde durante
as diferentes fases da vida.

Pode‑se dizer que ser velho é tornar‑se velho, ou melhor, que envelhecer significa tornar‑se mais
velho. Com essa expressão, entende‑se que a pessoa viveu ou está vivendo há muitos anos, já que só
envelhece aquele que vive.

Considerando velhice e envelhecimento como realidades heterogêneas, estudiosos afirmam as


possíveis variações em sua concepção e vivência conforme tempos históricos, culturas, classes sociais,
histórias de vida pessoais, condições educacionais, estilos de vida, gêneros, profissões e etnias etc. É
consenso entre os pesquisadores que é vital compreender que tais processos são o acúmulo de fatos
anteriores, em permanente interação com dimensões diversas da vida.

Desse modo, coexistem diferentes imagens de velhos na sociedade contemporânea. Nesse contexto,
a teoria das representações sociais, cuja contribuição tem sido significativa para compreender
diversos fenômenos, apresenta‑se como um referencial importante para o estudo dos significados
atribuídos ao envelhecimento e à pessoa idosa. Essa teoria foi elaborada pelo psicólogo romeno Serge
Moscovici, com o intuito de explicar e compreender a realidade social, considerando a dimensão
histórico‑crítica‑indissociação entre o individual e o social.

Ao explorar as representações sociais de uma pessoa idosa, promove‑se o contato com imagens e
conteúdo, e elas expressam, de certa forma, suas necessidades psicossociais, aspectos determinantes
na construção de um planejamento de ações em prol de um envelhecimento saudável e bem‑sucedido.

54
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

O modo de envelhecer depende de como o curso de vida de cada pessoa,


grupo etário e geração é estruturado pela influência constante e interativa
de suas circunstâncias histórico‑culturais, da incidência de diferentes
patologias durante o processo de desenvolvimento e envelhecimento, de
fatores genéticos e do ambiente ecológico (Neri; Cachione, 1999, p. 121).

Entre as questões que cercam o envelhecimento, agravadas em sociedades excludentes e desiguais,


a saúde ocupa um lugar estratégico pelo seu forte impacto sobre a qualidade de vida das pessoas idosas
e por ser alvo de estigmas e preconceitos em relação à velhice reproduzidos socialmente.

Os fatores determinantes do envelhecimento, em nível da população de um país, são,


fundamentalmente, ditados pelo comportamento de suas taxas de fertilidade e, de modo menos
importante, de suas taxas de mortalidade. Para que uma população envelheça, é necessário, primeiro,
que haja uma queda da fertilidade.

Santos (2010), ao conceituar pessoa idosa, defende que ela pode ser vista sob dois prismas, a depender
do país em que está localizada. O autor ainda acentua:

O conceito de pessoa idosa é diferenciado para países em desenvolvimento


e para países desenvolvidos. Nos primeiros, são consideradas idosas aquelas
pessoas com 60 anos e mais; nos segundos, são idosas as pessoas com 65 anos
e mais. Essa definição foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas,
por meio da Resolução n. 39/125, durante a Primeira Assembleia Mundial das
Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, relacionando‑se com
a expectativa de vida ao nascer e com a qualidade de vida que as nações
propiciam aos seus cidadãos (Santos, 2010, p. 1).

Para Agustini (2003, p. 25),

não existe um ser “pessoa idosa” [...] é apenas um termo social que não
tem realidade humana. O que não impede que descrevam com seus usos
e costumes, seu temperamento, seus defeitos. Tudo isso projeta, para os
mais jovens, uma imagem de velhice bastante ameaçadora, incapaz de
corresponder a um ideal atingível, como acontece em outras civilizações e
em outras culturas. Esse ideal de ego que envelhece adquire um aspecto de
bicho‑papão do ego, contra o qual vai se quebrar mais de um espelho.

O envelhecimento da população é um fenômeno mundial nos países desenvolvidos. Destacam‑se


alguns fatores que contribuem para tal:

• Queda de mortalidade.

• Grandes conquistas do conhecimento médico.

55
Unidade I

• Urbanização adequada das cidades.

• Melhoria nutricional.

• Elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental, tanto em residências como no trabalho.

• Avanços tecnológicos.

O crescimento da população idosa está intimamente ligado a dois processos: à alta fecundidade no
passado, ocorrida sobretudo nos anos 1950 e 1960, e à redução da mortalidade.

A vida da pessoa idosa faz parte de um processo natural de seu envelhecimento, por fatores genéticos,
fragilização (natural com o avanço da idade), levando‑o a um estado de incapacidade e dependência de
outrem para os cuidados de atividades simples, do cotidiano.

O estatuto da velhice é imposto ao ser humano pela sociedade à qual


pertence, sendo influenciado pelos valores culturais, sociais, econômicos e
psicológicos de uma sociedade que determina o papel e o status que o velho
terá (Silva, 2003, p. 96).

Em processos de envelhecimento, a família se torna partícipe e tem um papel vital para proteger
e assegurar o direito da pessoa idosa, sendo uma alternativa no sistema de suporte informal às
pessoas idosas.

A família, como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento; há diferenças
quanto aos parâmetros culturais, mas as raízes são universais. A qualidade de vida e o suporte familiar
são essenciais. Não importa se a pessoa idosa mora sozinha ou divide o espaço com um familiar, sempre
deve‑se considerar seu bem‑estar, além de questões como economia, lazer, educação e saúde.

Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder


público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao
trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária (Brasil, 2003).

Assim, Duarte e Alencar (2008) acentua que a família é a centralidade no âmbito da sobrevivência
material, uma vez que há a ausência de direitos sociais. É nessa instituição que os indivíduos tendem a
buscar recursos para lidar com as situações adversas, como desemprego, doença e velhice.

Destaca‑se a relação do Estado, da família e da pessoa idosa conforme a visão de Mioto (apud
Rezende, 2012, p. 53), que compreende haver três interpretações:

56
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

1. Vê a família numa perspectiva de perda de autonomia, de funções e da


própria capacidade de ação. Em contrapartida, vê um Estado cada vez mais
intrusivo, cada vez mais regulador da vida privada.

2. Pensa que a invasão do Estado na família tem se realizado através não de


uma redução de funções, mas, ao contrário, de uma sobrecarga de funções.

3. Vê o Estado como um recurso para a autonomia da família em referência


à parentela e à comunidade, e autonomia dos indivíduos em relação à
autoridade da família.

Outro aspecto relevante do processo de envelhecimento está relacionado às questões de aspecto


cronológico, biológico, psicológico e social, conforme versa Oliveira (1999).

O aspecto cronológico está ligado à passagem do tempo, e este explicita a transição do novo para o
velho, marcada pelo desgaste, por mudanças de comportamentos e expectativas. Portanto, a infância, a
adolescência, a maturidade e a velhice constituem diferentes momentos, que supõem formas e dimensões
distintas de encarar e interpretar os acontecimentos que ocorrem ao longo da vida do indivíduo.

Observação

A maioria dos conceitos de velhice recai sobre o tempo de vida de cada


indivíduo. Quanto mais se avança em anos, menos tempo se possui para viver.

A perspectiva cronológica da velhice é relativa, devendo ser considerada a partir da individualidade


de cada um, suas características especiais, seus interesses e necessidades, desmistificando o estereótipo
da pessoa idosa apenas segundo a faixa etária. Ainda é marcada por uma série de estágios que se
organizam em torno de características físicas, psicológicas e sociais, os quais se relacionam com o
processo de vivência pessoal e social da vida adulta.

Assim, é possível afirmar que as pessoas envelhecem de forma coerente com a história de sua vida.

Lembrete

A idade cronológica serve apenas como marcador da idade objetiva.

A idade cronológica, portanto, é o tempo transcorrido a partir de um momento específico: a data de


nascimento do indivíduo.

Por sua vez, o aspecto biológico está ligado ao envelhecimento físico, formado pelos três estágios
vivenciados pelos indivíduos. O primeiro deles é a juventude, época de progresso, desenvolvimento e
evolução; o segundo é a fase adulta e de maturidade, período de estabilização e equilíbrio; e o terceiro
é a velhice, época de regressão.

57
Unidade I

O envelhecer biológico compreende progressivas e complexas alterações na composição celular,


na estrutura e na função dos tecidos, no endurecimento do sistema neuromuscular e na redução da
capacidade de integração do sistema orgânico. É processo multifatorial, abrangendo desde o nível
molecular ao morfofisiológico, com importante modulação do meio sobre o conteúdo genético,
influenciado por modificações psicológicas, funcionais e sociais que ocorrem com o passar do tempo.

Uma vez que o organismo passa por mudanças caracterizadas por crescimento, desenvolvimento,
maturidade e, por fim, senilidade, o envelhecer representa um amplo problema biológico. Ou seja,
esse processo é marcado pela perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo.

No aspecto social, evidencia‑se a questão da utilidade social do indivíduo em processo de


envelhecimento. A sociedade confere a esse indivíduo o status de inutilidade, relacionando‑o à questão
econômica e social.

O processo de envelhecimento é marcado, portanto, por fatores socioeconômicos, ambientais e de


saúde, sendo influenciado não apenas pela idade, mas, em grande medida, pelo modo como o indivíduo
vive e as relações que estabelece.

Nesse aspecto, destaca‑se que há uma série de preconceitos sociais marginalizando a pessoa
idosa e afastando‑a do convívio social, não valorizando sua experiência, o que gera a incapacidade de
reconhecimento do valor de sua própria velhice.

Quanto aos aspectos psicológicos, a etapa de vida velhice é marcada por mudanças no sistema
nervoso central, na capacidade sensorial e perceptual e na habilidade de organizar e utilizar
informações. Existem influências externas, como expectativas culturais e fatores ambientais, que vão
refletir sobre a inteligência e a aprendizagem.

O envelhecimento fisiológico, portanto, é definido como um conjunto de alterações que ocorrem no


organismo humano e implica a perda progressiva da reserva funcional, sem comprometer as necessidades
básicas de manutenção da vida. Em contrapartida, o envelhecimento patológico denomina‑se como
conjunto de alterações que ocorrem no organismo por causa de doenças e do estilo de vida que o
indivíduo teve até essa fase.

Entende‑se que as doenças (senilidade) associadas às perdas fisiológicas (senescência) em idade


avançada poderão levar à insuficiência de órgãos, à incapacidade funcional e ao óbito.

Do ponto de vista sociocultural, o envelhecimento reflete uma inter‑relação de fatores individuais,


sociais e econômicos, fruto de educação, trabalho, experiência de vida e cultura. A sociedade determina a
cada idade funções adequadas que o indivíduo deve desempenhar, como estudo, trabalho, matrimônio e
aposentadoria. A forma como o indivíduo se autodefine depende das referências dadas pela cultura
e pela sociedade, isto é, o indivíduo é receptor e emissor de valores que podem ser modificados. Hoje
as pessoas idosas vivenciam um momento de mudança cultural cujas referências transformam‑se: a
pessoa idosa começa a exercer um papel como ator social, e as expectativas do envelhecimento e da
velhice alcançam novas dimensões.
58
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

A dimensão social refere‑se aos papéis e aos hábitos que a pessoa, ao longo do seu ciclo vital,
assume na sociedade e na família, a partir de um padrão culturalmente estabelecido. O envelhecimento
agregado à vulnerabilidade social pode, muitas vezes, manifestar‑se pela diminuição ou perda do papel
desempenhado por longos anos, na esfera familiar, social e profissional.

Sob o prisma do contexto mundial, o envelhecimento tornou‑se um fenômeno novo, e mesmo os


países mais ricos e poderosos não estão preparados ou adaptados para tal realidade. No tocante ao
envelhecimento populacional, os países desenvolvidos diferem substancialmente dos subdesenvolvidos,
já que os mecanismos que levam a tal envelhecimento são distintos.

Na Europa, por exemplo, o aumento na expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial
à época em que ocorreram importantes conquistas do conhecimento médico em meados do século
passado. Um excelente exemplo é a redução da mortalidade por tuberculose. Nos Estados Unidos, no
início do século anterior, a taxa de mortalidade por essa doença era de 194 mortes para cada 100 mil
indivíduos em um ano.

Em países do terceiro mundo, por outro lado, o aumento substancial na expectativa de vida ao
nascimento foi ser observado a partir de 1960. Desse período até 2020, as estimativas são de um
crescimento bastante acentuado; “a expectativa média de vida ao nascimento no terceiro mundo nesses
60 anos terá aumentado mais de 23 anos, atingindo 68,9 anos em 2020” (Hoover; Siegel, 1986, p. 133).

Segundo Berzins (2003, p. 19‑33),

o Japão é o país que possui maior expectativa de vida ao nascer. No período


correspondente entre 2000 a 2005, a expectativa era de 81,5 anos. Estima‑se
que, entre 2045 a 2050, a esperança de vida ao nascer suba para 88 anos. Já
o país com a menor expectativa de vida, no período entre 2000 a 2005, era
Botsuana, localizado ao sul da África, sendo esta de apenas 36,1 anos. Entre
2045 e 2050, estima‑se que o país com menor esperança de vida seja Serra
Leoa, com 61,5 anos.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), caso o processo de envelhecimento da população
mundial permaneça num ritmo acelerado, a previsão para 2050 é que a quantidade de pessoas idosas
supere a de menores de 14 anos, fato que seria inédito.

A ONU (2002) ainda acentua o seguinte:

O número global de pessoas idosas – com 60 ou mais anos de idade – está


projetado para aumentar de 962 milhões em 2017 para 1,4 bilhão em 2030
e 2,1 bilhões em 2050, quando todas as regiões do mundo, exceto a África,
terão quase um quarto ou mais de suas populações com 60 anos de idade
ou mais. Em 2100, o número de pessoas idosas pode alcançar 3,1 bilhões.

59
Unidade I

A população com 60 anos ou mais está crescendo a uma taxa de cerca de


3% por ano. Globalmente, a população com 60 anos ou mais está crescendo
mais rápido que todos os grupos etários mais jovens. Atualmente, a Europa
tem a maior porcentagem de população com 60 anos ou mais (25%).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) evidencia que nas próximas décadas a “população mundial
com mais de 60 anos vai passar dos atuais 841 milhões para 2 bilhões até 2050, tornando as doenças
crônicas e o bem‑estar da terceira idade novos desafios de saúde pública global” (ONU, 2014).

Segundo a OMS,

o aumento da longevidade se deve, especialmente nos países de alta renda,


principalmente ao declínio nas mortes por doenças cardiovasculares – como
acidente vascular cerebral e doença cardíaca isquêmica –, passando por
intervenções simples e de baixo custo para reduzir o uso do tabaco e a
pressão arterial elevada (ONU, 2014).

Observação

Segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 1970 e 2025, espera‑se


um crescimento de 223%, 694 milhões idosos. Em 2025, serão 1,2 bilhões,
e até 2050 haverá 2 bilhões, sendo 80% nos países em desenvolvimento”
(OMS, 2005, p. 8).

No processo de envelhecimento, há várias contribuições, tais como o desenvolvimento tecnológico


e científico, principalmente da medicina, a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade, a
melhoria dos setores de infraestrutura sanitária, a entrada da mulher no mercado de trabalho.

Mesmo esses fatores sendo comuns em várias sociedades, a manifestação do processo de


envelhecimento ocorre de diferentes formas entre os países. Nos países chamados desenvolvidos,
o envelhecimento da população se apresentou de forma lenta e contínua.

No bloco dos chamados países desenvolvidos, tal processo se deu de


forma lenta, ao longo de mais de cem anos. Países como a Inglaterra,
por exemplo, iniciaram o processo de envelhecimento de sua população,
ainda em curso, após a Revolução Industrial, no período áureo do Império
Britânico, dispondo de recursos necessários para fazer frente às mudanças
advindas desta informação demográfica. Atualmente, alguns destes países
apresentam inclusive um crescimento negativo da sua população, com taxas
de natalidade mais baixas que as de mortalidade (Veras, 2003, p. 6).

60
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Observe o trecho a seguir:

Em 2002, quase 400 milhões de pessoas com 60 anos ou mais viviam no


mundo em desenvolvimento. Até 2025, este número terá aumentado para
aproximadamente 840 milhões, o que representa 70% das pessoas na
terceira idade em todo o mundo (OMS, 2005, p. 11).

Em termos de regiões, mais da metade da população de pessoas mais velhas vive na Ásia. Esse
percentual da Ásia aumentará ainda mais, enquanto a participação da Europa na população mundial
mais velha diminuirá.

Na maior parte do mundo desenvolvido, o envelhecimento da população foi um processo gradual


acompanhado de crescimento socioeconômico constante durante muitas décadas e gerações. Já
nos países em desenvolvimento, esse processo de envelhecimento está sendo reduzido há duas ou
três décadas. Assim, enquanto os países desenvolvidos se tornaram ricos antes de envelhecerem, os
países em desenvolvimento envelheceram antes de obterem um aumento substancial em sua riqueza
(Kalache; Keller, 2000).

O envelhecimento nos países em desenvolvimento é acompanhado por mudanças dramáticas


nas estruturas e nos papéis da família, assim como nos padrões de trabalho e na migração. Fatores
como urbanização, migração de jovens para cidades à procura de trabalho, famílias menores e mais
mulheres tornando‑se força de trabalho formal significam que menos pessoas estão disponíveis para
cuidar de pessoas mais velhas quando necessário.

Para a OMS (2005), é necessário interpretar o envelhecimento ativo para obter êxito.

3.2 Envelhecimento ativo

O envelhecimento ativo aplica‑se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Permite que
as pessoas percebam o seu potencial para o bem‑estar físico, social e mental ao longo do curso da vida,
e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades;
ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessário.

O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade


de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente
incapacitadas e que requerem cuidados.

A abordagem do envelhecimento ativo baseia‑se no reconhecimento dos direitos humanos


das pessoas mais velhas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e
autorrealização estabelecidos pela ONU.

Com esse cenário, as políticas sociais de saúde, o mercado de trabalho e a educação entenderam a
necessidade de apoiar a questão a fim de diminuir mortes prematuras em estágios da vida altamente
produtivos, bem como subtrair as deficiências associadas às doenças crônicas na terceira idade. Se os
61
Unidade I

indivíduos participarem ativamente de aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da sociedade,


em atividades remuneradas ou não, e na vida doméstica, familiar e comunitária, os gastos com
tratamentos médicos e serviços de assistência médica diminuiriam substancialmente.

Programas e políticas de envelhecimento ativo reconhecem a necessidade de incentivar e equilibrar


responsabilidade pessoal (cuidado consigo mesmo), ambientes amistosos para a faixa etária e
solidariedade entre gerações. Ainda destacam as famílias e os indivíduos como corresponsáveis em
planejar e auxiliar no preparo para a velhice.

O envelhecimento ativo depende de uma diversidade de fatores determinantes que envolvem


indivíduos, famílias e países. Estes aplicam‑se à saúde de pessoas de todas as idades. Por exemplo,
há evidências de que o estímulo e as relações afetivas seguras na infância influenciam a capacidade
individual de aprendizagem e de convívio em sociedade durante todos os estágios posteriores da vida.

O emprego, que é um fator determinante por toda a vida adulta, tem grande influência sobre a
preparação, sob o aspecto financeiro, do indivíduo para a velhice.

Observação

Os fatores determinantes podem ser transversais, formados pela


cultura e pelo gênero; relacionados aos sistemas de saúde e serviço social,
bem como aos comportamentais; e relacionados a aspectos pessoais, ao
ambiente físico, social e econômico.

A cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela nossa forma de envelhecer, pois
influencia todos os outros fatores determinantes do envelhecimento ativo.

Os valores culturais e as tradições interferem muito no modo como uma sociedade encara as pessoas
idosas e o processo de envelhecimento. Quando as sociedades atribuem sintomas de doença ao processo
de envelhecimento, elas têm menor probabilidade de oferecer serviços de prevenção, detecção precoce e
tratamento apropriado.

A cultura também é determinante no modo como as demais gerações convivem com a pessoa em
processo de envelhecimento.

A questão de gênero é considerada como primordial no entendimento dos determinantes de


envelhecimento e bem‑estar de homens e mulheres. Evidencia o papel que eles ocupam na sociedade,
seu status social.

No tocante à questão de saúde e serviço social enquanto fatores determinantes, são necessárias
ações integradas a fim promover a saúde, prevenir doenças e proporcionar o acesso equitativo e de
qualidade ao cuidado primário e de longo prazo.

62
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Para tal, são efetivadas ações de promoção em saúde e prevenção de doenças, pois, na medida em
que a população envelhece, a demanda por medicamentos que retardem e tratem doenças crônicas,
aliviem a dor e melhorem a qualidade de vida vai continuar a aumentar.

São ações de promoção em saúde e prevenção de doenças ações coletivas como prevenção primária,
a exemplo de campanhas contra o tabagismo; secundária, como é o caso de constatação precoce de
doenças; terciária, que já é o próprio tratamento.

Nesse percurso, enquadram‑se as questões de cuidado e assistência a longo prazo.

Segundo a OMS, a assistência a longo prazo é definida como um

sistema de atividades empreendidas por cuidadores informais (família,


amigos e/ou vizinhos) e/ou profissionais (de serviços sociais e de saúde) a
uma pessoa não plenamente capaz de se cuidar, para que esta tenha a melhor
qualidade de vida possível, de acordo com suas preferências individuais, com
o maior nível possível de independência, autonomia, participação, satisfação
pessoal e dignidade humana (OMS, 2000a).

Portanto, a assistência em longo prazo abrange sistemas de apoio informais e formais. Estes podem
incluir uma ampla variedade de serviços comunitários (saúde pública, cuidados básicos, tratamento
domiciliar, serviços de reabilitação e tratamento paliativo), assim como tratamento institucional em
asilos e hospitais para doentes terminais. Os sistemas formais referem‑se também aos tratamentos que
interrompem ou revertem o curso da doença e da deficiência.

Os fatores determinantes comportamentais se relacionam ao estilo de vida e seus hábitos, como


opção ou não pelo tabagismo, álcool e outras drogas; realização de atividades físicas; opção por
alimentação saudável.

Por sua vez, os fatores determinantes associados a aspectos pessoais se relacionam a questões
biológicas e de genética por causa de sua grande influência sobre o processo de envelhecimento. Este
representa um conjunto de processos geneticamente determinados e pode ser definido como uma
deterioração funcional progressiva e generalizada, resultando em uma perda de resposta adaptativa às
situações de estresse e em um aumento no risco de doenças ligadas à velhice.

Há evidências de que a longevidade humana tende a ocorrer em famílias. Portanto, a influência da


genética no desenvolvimento de problemas crônicos, como diabete, doença cardíaca, mal de Alzheimer
e certos tipos de câncer, varia bastante entre os indivíduos. Para muitas pessoas, comportamentos como
não fumar, habilidade de enfrentar problemas e uma rede de amigos e parentes próximos pode modificar
efetivamente a influência da hereditariedade no declínio funcional e no aparecimento da doença.

Os fatores psicológicos, que incluem a inteligência e a capacidade cognitiva (por exemplo, a aptidão
de resolver problemas e de se adaptar a mudanças e perdas), são indícios fortes de envelhecimento
ativo e longevidade. Durante o processo de envelhecimento normal, algumas capacidades cognitivas
63
Unidade I

(inclusive a rapidez de aprendizagem e memória) diminuem, naturalmente, com a idade. Contudo, essas
perdas podem ser compensadas por ganhos em sabedoria, conhecimento e experiência. O declínio no
funcionamento cognitivo é provocado por desuso (falta de prática), doenças (como depressão), fatores
comportamentais (como consumo de álcool e medicamentos), psicológicos (falta de motivação, de
confiança e baixas expectativas) e fatores sociais (solidão e o isolamento) mais do que o envelhecimento
em si. Nesse quesito, destacam‑se fatores psicológicos como autossuficiência, autoeficiência e superação
de adversidade.

Os fatores determinantes relacionados ao ambiente físico podem representar a diferença entre a


independência e a dependência para todos os indivíduos. Eles envolvem questões de moradia (urbana
ou rural); acessibilidade; moradia segura, que abrange a localização, incluindo a proximidade de
membros da família; serviços e transporte, o que pode significar a diferença entre uma interação
social positiva e o isolamento. Os padrões de construção devem levar em conta as necessidades de
saúde e de segurança da pessoa idosa, como os obstáculos nas residências, que devem ser corrigidos
ou removidos para evitar quedas.

Observação

Em muitos países em desenvolvimento, a proporção de pessoas idosas


vivendo em cortiços e favelas tem aumentado. Pessoas idosas vivem nesses
lugares sob o risco de isolamento social e com saúde precária.

Já os fatores determinantes quanto ao ambiente social, ou seja, a necessidade de apoio social


adequado, são importantes para não aumentar a mortalidade, a morbidade e os problemas psicológicos,
incluindo diminuição da saúde e do bem‑estar em geral. O rompimento de laços pessoais, solidão e
interações conflituosas são as maiores fontes de estresse, enquanto relações sociais animadoras e
próximas são fontes vitais de força emocional.

As pessoas idosas apresentam maior probabilidade de serem expostas a perdas, são mais vulneráveis
à solidão, ao isolamento social e a ter um menor grupo social. O isolamento social e a solidão na
velhice estão ligados a um declínio de saúde tanto física como mental.

Quanto aos fatores econômicos, três aspectos têm um efeito particularmente relevante sobre o
envelhecimento ativo: a renda, o trabalho e a proteção social.

As políticas de envelhecimento ativo precisam se cruzar com projetos mais amplos para reduzir
a pobreza em todas as idades. Os pobres de todas as idades apresentam um risco maior de doenças
e deficiências e as pessoas idosas estão particularmente vulneráveis. A ausência de renda ou
renda hipossuficiente afetam seriamente o acesso a alimentos nutritivos, à moradia adequada e a
cuidados de saúde.

Enquanto proteção social, a família se coloca com uma via de proteção, provendo parte do auxílio
para as pessoas idosas. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência
64
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

entre as gerações no mesmo ambiente muda, exige‑se cada vez mais que os países desenvolvam
mecanismos de proteção social às pessoas idosas incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhas
e vulneráveis. Em países em desenvolvimento, as pessoas idosas que precisam de assistência tendem a
confiar na ajuda da família, em transferências de serviços informais e em economias pessoais.

Observação

Países como a África do Sul e a Namíbia possuem uma pensão nacional


para a velhice, sendo os benefícios fonte de renda de muitas famílias pobres
e das pessoas idosas.

Em países desenvolvidos, as medidas de seguridade social podem incluir pensão para a


velhice, aposentadoria por motivos ocupacionais, incentivos para a poupança voluntária, fundos
compulsórios de poupança e programas de seguro para deficiências, doenças, tratamentos a longo
prazo e desemprego.

Todavia, ainda em alguns países menos desenvolvidos, as pessoas idosas tendem a se manter
economicamente ativas na velhice pela necessidade, responsabilizam‑se pela administração do lar e
pelo cuidado com crianças, de forma que os adultos jovens possam trabalhar fora de casa.

3.3 Envelhecimento no Brasil

No Brasil, pode‑se dizer que o marco inicial da construção da categoria social velhice remonta ao ano
de 1890, quando foi fundado no Rio de Janeiro o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada. Em 1909,
foi inaugurado nessa instituição um pavilhão para velhos não desamparados (Groissman, 1999). Esses
eventos assinalaram uma desvinculação da noção de velhice das noções de mendicância, vadiagem,
pobreza e desamparo, o que ocorria desde a abolição da escravatura.

Em paralelo, se nos remetermos às questões de institucionalização da pessoa idosa, o olhar para o


envelhecimento no Brasil na data de 1790.

Segundo Lima (2005, p. 26), a primeira instituição destinada as pessoas idosas Brasil foi uma

chácara construída em 1790 para acolher soldados portugueses que


participaram da campanha de 1792 e que, naquela ocasião, encontravam‑se
“avançados em anos e cansados de trabalhos”, que, pelos seus serviços
prestados, “se faziam dignos de uma descansada velhice”. A chamada casa dos
inválidos foi construída por decisão do 5º Vice‑Rei, Conde de Resende, que,
contrariando todas as normas da época, cria esta instituição, inspirando‑se
na obra de Luís XIV (Hôtel des Invalides), destinada aos heróis [...]. Como
podemos ver, a primeira instituição criada no Brasil era restrita a soldados
militares, e não à velhice em geral. Com a vinda da Família Real Portuguesa,
em 1808, a casa que abrigava essas pessoas foi “cedida” ao médico particular
do Rei e os internos foram transferidos para a Casa de Santa Misericórdia.

65
Unidade I

As instituições de longa permanência tinham o objetivo de cuidar de pessoas com idade avançada,
dignas de um envelhecimento saudável e com cuidados. Nesse aspecto, destaca‑se o papel de cuidado
da Casa de Santa Misericórdia, que se refere a uma forma de serviço de hospitalização que ocorria ainda
na época colonial.

Os asilos, como eram chamadas as instituições nesse período, tinham por objetivo prevenir as
situações de mendicância, pois o número de pessoas envelhecidas das ruas aumentava.

Em 1961, foi fundada a primeira sociedade científica brasileira no campo da velhice, a Sociedade
Brasileira de Geriatria. Esta, em 1978, começou a acolher também os não médicos, por isso passou a se
chamar Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

No fim dos anos 1960, o Serviço Social do Comércio (Sesc) começou a desenvolver um trabalho
pioneiro com pessoa idosa por meio de programas de preparação para a aposentadoria, de
divulgação científica sobre cuidados com a saúde no envelhecimento, de lazer, de atividades físicas
e de educação para pessoas da terceira idade nos mesmos moldes dos que existiam na Europa.
Em 1982, foi fundada a Associação Nacional de Gerontologia (ANG), congregando principalmente
profissionais da área social.

Diante dos avanços dos processos de envelhecimento, num contexto contemporâneo, o Brasil
vem ganhando o título de um país com uma população jovem que está passando por um processo de
envelhecimento nos últimos anos.

No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de
vida ao nascer é de 68 anos (Veras, 2003).

Tal condição era justificada por conta de precariedade das condições sanitárias, alta taxa de
mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. Com o avanço da medicina e a melhoria da qualidade
de vida, a mortalidade infantil diminuiu e, consequentemente, a expectativa de vida aumentou. Assim,
o envelhecimento populacional atingiu vários países, exigindo políticas para cuidar e abrir espaço para
esse novo contingente populacional.

Desde os anos 1940, é entre a população idosa que são observadas as taxas mais altas de crescimento
populacional, e, já na década de 1950, esse crescimento superou 3% ao ano, chegando a 3,4% entre
1991 e 2000 (Veras, 2003).

De acordo com Santos e Silva (2013, p. 362), o crescimento da população idosa no Brasil, portanto,
foi uma consequência da “diminuição da fecundidade, da redução da mortalidade da população e do
aumento da expectativa de vida”.

Segundo Rodrigues (2001, p. 149), foi no início da década de 1970 que “começou a surgir um número
significativo de idosos em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do
setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso”.

66
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Em decorrência,

na década de 1970, precisamente no ano de 1976, por inspiração e


coordenação do gerontólogo Marcelo Salgado e com o apoio do então
ministro da Previdência e Assistência Social, Luiz Gonzaga do Nascimento e
Silva, realizaram‑se três seminários regionais, em São Paulo, Belo Horizonte
e Fortaleza, e um nacional, em Brasília, [...] buscando um diagnóstico para
a questão da velhice em nosso país e apresentar as linhas básicas de uma
política de assistência e promoção social do idoso (Rodrigues, 2001, p. 150).

No Brasil,

são consideradas pessoas idosas, segundo o marco legal estabelecido na


Política Nacional do Idoso (1994) e no Estatuto da Pessoa Idosa (2003), os
indivíduos de 60 anos ou mais. Esse marco legal abrange uma população que
tem pela frente um intervalo vital maior do que trinta anos. Por exemplo, no
último censo, o IBGE constatou que já temos quase 30 mil pessoas com mais
de 100 anos no país, sendo 2/3 delas mulheres (Brasil, 2004, p. 17).

O Estatuto assegura o direito de todas as pessoas envelhecerem com dignidade e respeito. Dispõe
sobre a responsabilidade do Estado na garantia de segurança, saúde e a obrigação de formulação de
novas políticas públicas:

Art. 8º. O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um


direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.

Art. 9º. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à


saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade (Brasil, 2003).

Envelhecer em nossa sociedade é uma expressão da questão social a ser discutida com muito cuidado,
dado o momento em que vivemos.

O processo de envelhecimento é algo comum a todos e com ele surgem as complicações biológicas.
Esse processo torna a pessoa idosa um sujeito em situação de risco, portanto, um cidadão com
necessidade de atenção especial.

O Brasil é um país que envelhece a passos largos. Apesar de iniciativas do governo federal nos anos
1970 voltadas para pessoas idosas, apenas em 1994 foi instituída uma política nacional que atende esse
grupo. Antes, as ações governamentais tinham cunho caritativo e filantrópico. Nos anos 1970, foram
criados benefícios não contributivos, como as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda
mensal vitalícia para os necessitados urbanos e rurais com mais de 70 anos que não recebiam benefício
da Previdência Social (Teixeira, 2008).

67
Unidade I

Como observa Neri (2007), diante do crescimento do segmento da pessoa idosa no Brasil e do
consequente surgimento de suas demandas em diversas esferas, foram fixados os instrumentos legais
de proteção às pessoas idosas com o objetivo de garantir, por exemplo, o direito à igualdade e superar a
marginalização da pessoa idosa na sociedade.

Especialmente nas décadas de 1980 e 1990, o envelhecimento em nosso país acarretou uma
inversão na pirâmide etária brasileira. Antes, a base da pirâmide era representada pela população
jovem, considerada a mais numerosa. Passando a assumir uma nova forma, a população adulta vem
aumentando gradativamente para a população mais velha. Há alguns anos, o Brasil era caracterizado
como um país de jovens, mas hoje o cenário é outro.

De acordo com a síntese de indicadores sociais divulgada pelo IBGE, a esperança de vida ao nascer,
no Brasil, cresceu três anos no período entre 1999 e 2009. Em 1999, a esperança de vida do brasileiro
correspondia a 70 anos, em 2009, subiu para 73,1 anos (IBGE, 2010).

No que se refere à esperança de vida ao nascer, para as mulheres, o índice passou de 73, 9 para
77 anos. Já para os homens, a evolução foi de 66,3 para 69,4, confirmando maior esperança de vida
para o sexo feminino (IBGE, 2010).

A população de pessoas idosas é a que mais cresce no Brasil, configurando um fenômeno novo e
desafiador para a sociedade, para as famílias e para os governos. Para ilustrar, no início do século XX, a
esperança de vida do brasileiro não passava dos 33,5 anos, chegando aos 50 na metade desse mesmo
século. Em 2011, o nível de idade chegou a 74,8 anos, sendo que as mulheres estão vivendo sete anos a
mais do que os homens (IBGE, 2010).

3.4 A população brasileira e a dinâmica demográfica

Camarano (2023) aborda as mudanças demográficas no mundo, pois elas precisam ser exploradas
para melhor entendimento do fenômeno e de suas implicações em outros fenômenos sociais (pressões
trazidas pelo avanço da digitalização e da pandemia de Covid‑19).

Para compreender a evolução demográfica atual, é preciso racionalizar o que está ocorrendo e
também como as teorias estruturam o pensamento sobre o objeto de análise.

Para além, entre outros fenômenos, é possível observar a formação de diferentes formatos de
família, o crescimento de mães e pais solteiros e uniões homoafetivas, sintomas da sociedade atual.
A estruturação, a regularidade no comportamento dos indivíduos e nas relações que mantemos é tratada
como estrutura social (Camarano, 2023, p. 5). Em outra visão, mais detalhada, o que nós fazemos é
considerado estrutura.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com Dourado et al. (2021), foi idealizado
para enfatizar que as pessoas e suas capacidades devem ser o melhor critério a fim de avaliar o
desenvolvimento de um país, estado ou município, não apenas o crescimento econômico. Ele é aferido
a partir da média geométrica entre índices que medem cada um dos seguintes fatores considerados
68
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

pontos‑chave no desenvolvimento humano: ter uma vida longa e saudável, adquirir conhecimentos e
ter um padrão de vida decente (Rodrigues; Lima, 2020).

Pandemias, a mais recente vivenciada no período de 2020 até 2022, o Covid‑19, raramente afetam
as pessoas de forma uniforme. A maior incidência se dá junto às populações mais pobres e de maneira
mais drástica. Considerando que as populações mais pobres são mais propensas a ter condições crônicas,
isso as coloca em maior risco de mortalidade.

Torkian e colaboradores (2020) afirmam que os resultados obtidos fornecem


evidências limitadas de que o nível de desenvolvimento dos países pode
influenciar diretamente a morbidade e mortalidade por Covid‑19 e que
o motivo de tal associação é difícil de determinar devido à natureza do
estudo desenvolvido (Dourado et al., 2021, p. 2).

Como os países com IDH mais elevado têm uma maior expectativa de vida, a população idosa
dessas nações é maior. Uma vez que o grupo das pessoas idosas é o mais vulnerável às formas
graves da infecção pelo SARS‑CoV‑2. Esse fato faz com que a mortalidade seja maior onde o IDH for
mais elevado.

De acordo com Marcolin (2022), o objetivo da pesquisa realizada era explanar e discutir a importância
dos direitos e das políticas públicas no enfrentamento das vulnerabilidades da população idosa,
particularizando o contexto da pandemia da Covid‑19. Para tanto, inicialmente, contextualiza‑se o
processo de envelhecimento, demarcando os direitos da pessoa idosa, para, na sequência, explicitar a
pandemia da Covid‑19, seus impactos na vida da pessoa idosa, discutindo a importância dos direitos
e das políticas públicas sociais no enfrentamento das vulnerabilidades.

Por meio dos gráficos seguintes, analisados por Marcolin (2022), é possível observar
comparativamente em duas projeções (anos 2020 e 2060) a quantidade de pessoas por gênero e por
idade, em três faixas subdivididas em 0 a 19 anos, 20 a 59 anos e acima dos 60 anos, denotando uma
alteração significativa da pirâmide etária no Brasil devido ao crescimento da população idosa.

69
Unidade I

Gráfico 1 Gráfico 2

90+ anos 0,1% 0,3% 90+ anos 0,7% 1,6%


85 a 89 anos 0,2% 0,4% 85 a 89 anos 1,0% 1,5%
80 a 84 anos 0,4% 0,7% 80 a 84 anos 1,7% 2,3%
75 a 79 anos 0,7% 1,0% 75 a 79 anos 2,4% 3,0%
70 a 74 anos 1,1% 1,4% 70 a 74 anos 2,8% 3,2%
65 a 69 anos 1,6% 1,9% 65 a 69 anos 3,1% 3,4%
60 a 64 anos 2,1% 2,4% 60 a 64 anos 3,4% 3,6%
55 a 59 anos 2,5% 2,8% 55 a 59 anos 3,5% 3,6%
50 a 54 anos 2,9% 3,1% 50 a 54 anos 3,4% 3,4%
45 a 49 anos 3,1% 3,3% 45 a 49 anos 3,2% 3,2%
40 a 44 anos 3,6% 3,8% 40 a 44 anos 3,1% 3,0%
35 a 39 anos 3,9% 4,1% 35 a 39 anos 3,0% 2,9%
30 a 34 anos 4,0% 4,1% 30 a 34 anos 2,8% 2,8%
25 a 29 anos 4,0% 4,0% 25 a 29 anos 2,7% 2,6%
20 a 24 anos 4,1% 4,0% 20 a 24 anos 2,6% 2,5%
15 a 19 anos 3,8% 3,7% 15 a 19 anos 2,5% 2,4%
10 a 14 anos 3,6% 3,4% 10 a 14 anos 2,3% 2,2%
5 a 9 anos 3,5% 3,4% 5 a 9 anos 2,2% 2,1%
0 a 4 anos 3,6% 3,4% 0 a 4 anos 2,1% 2,0%

Homens Mulheres Homens Mulheres

Figura 3 – Pirâmide etária do Brasil em 2020 (com % da população total, por sexo – gráfico 1);
pirâmide etária do Brasil em 2060 (com % da população total, por sexo – gráfico 2)

Fonte: Marcolin (2022, p. 19).

Em outra demonstração gráfica, Marcolin (2022) observa que o crescimento registrado e projetado
é impressionante no período de 150 anos, sendo que o ritmo do envelhecimento na segunda metade
do século XX, que ainda se dava de forma lenta, se transformou em crescimento acelerado ao longo do
século XXI, conforme dados do IBGE.

Entretanto Marcolin (2022) apresenta evidências importantes quanto ao processo do envelhecimento,


considerando que este depende da qualidade de vida (premissas do Envelhecimento Ativo1 formulado
pela OMS). Portanto, para proporcionar melhorias da qualidade de vida da pessoa idosa, é preciso
garantir a otimização das oportunidades de saúde, participação, segurança e aprendizagem.

Com base nas reflexões apresentadas, podemos inferir que o envelhecimento global causa um
aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo. Ao mesmo tempo que o envelhecimento
da população é um dos maiores triunfos da humanidade, traz consigo grandes desafios.

De acordo Marcolin (2022), é importante refletir que, embora os direitos tenham sido instituídos
em prol da proteção à pessoa idosa, ainda persistem várias violações nessa parcela da população, como
assinala Marcolin (2022, p. 30):

70
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Pessoas idosas têm direitos enunciados e definidos, mas a violação desses


direitos é um dos principais obstáculos à inserção social da pessoa idosa, com
destaque para a discriminação e o preconceito. A luta contra a discriminação
é fundamental num processo de educação para o envelhecimento e sobre
o envelhecimento e a velhice. É preciso romper o silêncio sobre a velhice
e abrir espaços na escola, na família, nas pesquisas e na sociedade para se
falar abertamente dessa questão (Marcolin, 2022, p. 30).

Porém pode‑se evidenciar com base no exposto que o Estatuto da Pessoa Idosa é uma grande
conquista na esfera dos direitos à pessoa idosa, mas a sua implementação precisa avançar para que
de fato seja concretizado o sistema de garantias proposto. Há muitos desafios ao olhar o modelo de
sociedade que se pauta pela primazia dos interesses econômicos, já que a população idosa está:

estreitamente vinculada à transformação do nosso modelo de produção


econômica, assim como de criação de aposentadorias recompensadoras,
benefícios sociais adequados, programas de conservação da saúde,
estruturas institucionais compensadoras da perda de sociabilidade, formas
de preservação da autonomia vital e assistência progressiva e evolutiva, na
medida da perda da capacidade e funções biológicas (Marcolin, 2022, p. 30).

Segundo o Marcolin (2022), de acordo com Brasil (2020)

os dados da Covid‑19 no período de julho (2020) apontam que entre as


pessoas com 80 anos ou mais 18,8% dos infectados morreram, comparado
a 12% entre as pessoas idosas de 70 a 79 anos e 10% entre aqueles
de 60 a 69 anos.

Os óbitos pela Covid‑19 têm afetado o tempo vivido pelos brasileiros e o crescimento da população
idosa em curto e médio prazo.

Embora os óbitos estejam concentrados nas idades avançadas, o aumento das taxas de mortalidade
da população idosa já está provocando um impacto tanto na expectativa de vida ao nascer como na das
demais idades.

A pandemia de Covid‑19 determinou centenas de milhares de mortes, trazendo drásticas


consequências para a saúde da população e, principalmente, para as pessoas idosas, que são as mais
afetadas:

tal vulnerabilidade se justifica por alterações decorrentes da senescência


ou senilidade, sendo que aqueles que apresentam comorbidades prévias
têm maior probabilidade de complicações da doença bem como maior
possibilidade de sequelas pós‑infecção (Chen et al., 2020). Também uma
das explicações para as maiores taxas de mortalidade por Covid‑19 entre
idosos diz respeito à própria dificuldade de acesso e disponibilidade

71
Unidade I

de serviços de saúde, além das evidências do alto e desigual impacto


da pandemia na saúde, relacionado às questões de renda e da falta de
cuidados (Marcolin, 2022, p. 30).

Marcolin (2022) observa outras consequências, entre elas as causadas pelo isolamento social no que
diz respeito à saúde física e mental da população idosa devido à limitação da liberdade e do convívio
social. Com isso, os períodos de distanciamento social, mudanças na rotina e a diminuição da prática de
atividades físicas e atividades da vida diária também foram comprometidas, causando grande impacto
na saúde mental.

E diante do isolamento social, muitos se viram solitários, considerando que nem todas as pessoas
idosas têm acesso à tecnologia digital, que, para alguns, pode minimizar a falta ou ausência de
convivência social.

Assim, de acordo com Marcolin (2022), com base nesses breves apontamentos acerca da pandemia,
pode‑se concluir que a crise do coronavírus potencializou vulnerabilidades e desigualdades já existentes,
além de desencadear novas situações e desafios, particularmente no que concerne a populações e
grupos mais suscetíveis, como é o caso das pessoas idosas.

O envelhecimento populacional é a transformação da estrutura etária que acontece em decorrência


do aumento da proporção de pessoa idosa no conjunto da população e a consequente diminuição da
proporção de jovens. Durante mais de 500 anos, o Brasil teve uma estrutura etária rejuvenescida, porém
esse quadro se modificou no decorrer do século XXI.

De acordo com o IBGE (2022), em consonância com os resultados do Censo Demográfico


2022, o número de pessoas com 65 anos cresceu 57,4% na população do país em 12 anos. O total
de pessoas dessa faixa etária chegou a cerca de 22,2 milhões de pessoas (10,9%) em 2022 contra
14 milhões (7,4%) em 2010 (IBGE Educa, 2024).

Por outro lado, o total de crianças com até 14 anos de idade decresceu 12,6%, mudando de
45,9 milhões (24,1%) em 2010 para 40,1 milhões (19,8%) em 2022 (IBGE Educa, 2024).

72
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

100 anos ou mais


95 a 99 anos
90 a 94 anos
85 a 89 anos
80 a 84 anos
75 a 79 anos
70 a 74 anos
65 a 69 anos
60 a 64 anos
55 a 59 anos
50 a 54 anos
45 a 49 anos
40 a 44 anos
35 a 39 anos
30 a 34 anos
25 a 29 anos
20 a 24 anos
15 a 19 anos
10 a 14 anos
5 a 9 anos
0 a 4 anos

5 4 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5
2022 - Homens 2022 - Mulheres
2010 - Homens 2010 - Mulheres

Figura 4 – População residente no Brasil (%) segundo sexo e grupo de idade, em 2010 e 2022

Fonte: IBGE Educa (2024).

Em 1980, a população brasileira com 65 anos ou mais representava 4,0%. Em 2022, esse grupo
atingiu 10,9%, o maior registro nos Censos Demográficos. Já a proporção de crianças com até 14 anos,
que era de 38,2% em 1980, caiu para 19,8% em 2022 (IBGE Educa, 2024).

Segundo a gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, Izabel Marri, ao longo do
tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos
no Brasil. Essa mudança no formato da pirâmide etária passa a ser visível a partir dos anos 1990 e a
pirâmide etária do Brasil perde, claramente, seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao
longo dos anos é a redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta e também
do topo da pirâmide até 2022 (Gomes; Britto, 2023).

73
Unidade I

1980 38,2 57,7 4,0

1991 34,7 60,4 4,8

2000 29,6 64,5 5,9

2010 24,1 68,5 7,4

2022 19,8 69,3 10,9

De 0 a 14 anos De 15 a 64 anos 65 anos ou mais

Figura 5 – Proporção da população residente no Brasil, segundo grupos de idade (%),


por grupos etários específicos, de 1980 a 2022

Fonte: IBGE Educa (2024).

Ao avaliar as proporções desses grupos etários específicos por grandes regiões, a região Norte é a
mais jovem entre as demais, com 25,2% de sua população com até 14 anos, seguida pelo Nordeste, com
21,1%. O Sudeste e o Sul têm estruturas mais envelhecidas, com 18% e 18,2% de jovens de 0 a 14 anos,
e 12,2% e 12,1% de pessoas com 65 anos ou mais, respectivamente (Gomes; Britto, 2023).

A região Centro‑Oeste apresenta uma estrutura intermediária, sendo a sua distribuição etária
próxima da média do país.

A idade mediana divide uma população em 50% mais jovens e 50% mais velhos. No Brasil, de 2010
a 2022, a idade mediana aumentou de 29 para 35 anos, refletindo o envelhecimento da população.
Nas cinco grandes regiões, houve crescimento: Norte (de 24 para 29 anos), Nordeste (de 27 para
33 anos), Sudeste (de 31 para 37 anos), Sul (de 31 para 36 anos) e Centro‑Oeste (de 28 para 33 anos)
(Gomes; Britto, 2023).

74
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

AP AP
RR 22 RR
23 26 27

AM CE 27 AM CE 33
23 PA MA 27 PA MA RN 34
24 RN 28 29
24 PB 28 20
PB 34
PI 27
RO TO
PE 28
RO TO PI 34 PE 34
26 BA AL 25 31 AL 32
25 32 BA
AC MT 28 SE 26 AC MT 35 SE 33
22 27 27 32
GO DF 28 GO DF 34
Brasil 29 29 MG Brasil 35 34 MG
MS 30 ES 29 MS 36 ES 36
28 SP 33 SP
PR 31 RJ 32 RJ 37
PR 36
30 35
SC 30 SC 35
RS RS
32 38
Idade mediana
2010 22 anos 38 anos 2022

Figura 6 – Idade mediana da população residente no Brasil,


por unidades de Federação, em 2010 e 2022

Fonte: IBGE Educa (2024).

Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população,
com alta de 57,4% frente a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população. É
o que revelam os resultados do universo da população do Brasil desagregada por idade e sexo, do Censo
Demográfico 2022. Essa segunda apuração do Censo mostra uma população de 203.080.756 habitantes,
com 18.244 pessoas a mais do que na primeira apuração (Gomes; Britto, 2023).

População: 203.080.756 pessoas

Crescimento populacional Território

250 M
Área: 8.51.418 km2
200 M
150 M Densidade demográfica:
100 M 23.86 hab/km2
50 M Mais de 20 milhões de pessoas
10 milhões a 20 milhões de pessoas
1872 18901900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2022
5 milhões a 10 milhões de pessoas
1 milhão a 5 milhões de pessoas
Menos de 1 milhão de pessoas

Figura 7 – População brasileira em 2022

Disponível em: https://rb.gy/lj1koj. Acesso em: 18 jan. 2024.

75
Unidade I

Do total da população residente no país, 51,5% (104.548.325) eram mulheres e 48,5% (98.532.431)
eram homens, ou seja, havia cerca de 6 milhões de mulheres a mais do que homens em 2022, como
explica Izabel Marri, gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, em reportagem
para a Agência IBGE de Notícias (Gomes; Britto, 2023):

A maior incidência de homens nas primeiras idades é uma consequência


do maior nascimento de crianças do sexo masculino em relação àquelas do
sexo feminino. O maior contingente de homens diminui com a idade devido
à sobremortalidade masculina, mais intensa na juventude devido às mortes
por causas externas (Gomes; Britto, 2023).

Observação

Envelhecimento ativo expressa o processo de otimização das


oportunidades de saúde, participação e segurança, objetivando melhoria
na qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas.

O envelhecimento atinge principalmente a parcela da população que vive de modo muito vulnerável.

O impacto dessa nova “ordem demográfica” no Brasil, associado a fatores como subdesenvolvimento,
falta de assistência, condições de saúde e lazer, são aspectos necessários para o bem viver de uma
população e exigem que os aparatos de atenção e proteção social sejam repensados.

Cada vez mais as pessoas mais velhas têm sido vistas como contribuintes para o desenvolvimento.
Assim, as habilidades para melhorar suas vidas e sua sociedade devem ser transformadas em políticas e
programas em todos os níveis.

A compreensão da longevidade como conquista da humanidade requer um redirecionamento das


ações do Estado destinadas ao segmento social da pessoa idosa e a todas as gerações.

Diante desse quadro, as necessidades da população da pessoa idosa, cujo contingente populacional
cresce em ritmo bastante acelerado no Brasil, passam a ser compreendidas como uma das expressões da
questão social contemporânea.

Isto requer do Estado e governos o redimensionamento da agenda pública


e dos investimentos, de forma a superar ações pontuais e localizadas, por
políticas públicas de alcance social, com demarcação orçamentária concreta,
e diretrizes institucionais nos diversos níveis administrativos que compõem
a República Federativa (Silva, 2012, p. 206).

Ficar velho no século XXI não será semelhante a envelhecer no século XX. Por um lado, os direitos
já adquiridos são questionados diante do processo de transição demográfica, da política neoliberal de
redução dos direitos sociais e da mudança nas condições de vida da família e da sociedade. Por outro,
há organizações e mobilização para assegurar direitos e pô‑los em prática e uma presença ativa da
pessoa idosa na família e na sociedade.

76
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Tal situação denota que o processo de envelhecimento brasileiro vem passando por profundas
desigualdades sociais, com diferentes formas de envelhecer. Estão presentes nesse processo os aspectos
culturais, sociais, econômicos e políticos, fatores determinantes de acesso a bens e serviços sociais
disponibilizados, revelando uma situação de exclusão de grande parte da população idosa dos bens
essenciais à existência humana (Silva, 2016).

A satisfação das necessidades individuais de homens e mulheres idosas representa um dos grandes
desafios da agenda pública, pois supõe considerar as especificidades de cada gênero. A conquista da
longevidade traz um importante dado quanto ao envelhecimento, sobretudo o processo de feminização
do envelhecimento, uma vez que as mulheres estão em maioria em todas as regiões do mundo
(Silva, 2016).

As condições estruturais e econômicas são responsáveis pelas desigualdades entre os sexos,


implicando situações que alteram as condições de renda, saúde e a própria dinâmica familiar, exigindo
demandas por políticas públicas e prestação de serviços de proteção social (Berzins, 2003, p. 28). De
acordo com a autora, viver mais não tem sido necessariamente sinônimo de viver melhor.

Observação

Mesmo sendo as mulheres que vivem mais, elas estão mais expostas a
situações de violências, discriminações, salários inferiores (em comparação
aos dos homens) e dupla jornada de trabalho, além da solidão.

Segundo Veras (2003, p. 8),

as desigualdades sociais não podem ser atribuídas meramente ao sexo,


mas também à classe social e à raça. As pessoas pertencentes às classes
sociais menos aquinhoadas e a certos grupos étnicos e raciais, tanto
mulheres quanto homens, são mais suscetíveis de vivenciar o desemprego,
subemprego, emprego instável de baixos salários, do que as brancas de
classes mais abastadas. Em suma, a classe social e a raça são estratificadores
primários da vida das pessoas, tanto quanto o sexo.

Todo cidadão tem direito ao envelhecimento, e a proteção desse direito engloba o compartilhamento
de responsabilidades entre a família, o Estado e a sociedade.

Lembrete

Envelhecer com cidadania é regra básica no acesso aos direitos humanos


como direitos de cidadania, e esta não tem idade.

77
Unidade I

O direito a envelhecer com dignidade é um direito humano básico que se fundamenta na


compreensão da velhice como uma etapa natural da existência humana, o que requer atenção
prioritária, cuidados e assistência; embora sejam direitos sociais já reconhecidos, ainda não são
necessariamente efetivados.

3.5 Direitos conquistados pelas pessoas idosas a partir da Constituição


de 1988

Segundo Silva (2016), a existência de um instrumento legal no Brasil vem confirmar esses direitos
retratados neste livro‑texto. De fato, trata‑se de um grande avanço para uma sociedade que se
desenvolveu sem atentar para a importância de um princípio básico de civilidade, que é valorizar a
sabedoria dos mais velhos e proteger as suas necessidades. No entanto, apesar do marco legal e suas
medidas de efetivação, há muito o que percorrer para que tais ações sejam concretizadas.

A III Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe,


realizada em 2012, ressalta as obrigações dos Estados com relação ao envelhecimento com dignidade
e direitos, sobretudo na obrigação de procurar erradicar as múltiplas formas de discriminação
baseando‑se no recorte de gênero. Nesse sentido, recomenda‑se:
a. Prevenir, sancionar e erradicar todas as formas de violência contra as
mulheres idosas, incluindo a violência sexual;

b. Promover o reconhecimento do papel que as pessoas idosas desempenham


no desenvolvimento político, social, econômico e cultural de suas comunidades,
destacando as mulheres idosas;

c. Assegurar a incorporação e a participação equitativa de mulheres


e homens idosos no desenho e na aplicação das políticas, dos programas e
planos que lhes dizem respeito;

d. Garantir o acesso equitativo de mulheres e homens idosos na Previdência


Social e em outras medidas de proteção social, principalmente quando eles
não gozem dos benefícios da aposentadoria;

e. Proteger os direitos sucessórios de mulheres viúvas e idosas, em especial


os direitos de propriedade e de posse (Cepal, 2012, p. 16).

No Brasil, o sistema de proteção social destinado ao segmento social da pessoa idosa se encontra
estruturado em termos de mecanismos legais que visam garantir proteção social básica e especial, através
de políticas de seguridade social, além de outras políticas setoriais que visam assegurar bem‑estar aos
cidadãos que atingem a velhice.

Os direitos das pessoas idosas já estão estabelecidos no sistema legal e os avanços já alcançados
em relação à proteção da pessoa idosa são frutos de pressões sociais nacionais e internacionais. Tais
direitos foram consubstanciados na legislação brasileira, na Constituição Federal (CF), reafirmados na Lei
Orgânica de Assistência Social (Loas), reforçados na Política Nacional do Pessoa Idosa (PNI) e no Estatuto
da Pessoa Idosa.
78
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

No entanto, são grandes os desafios para fazer frente à mudança no perfil demográfico brasileiro,
que, como em todo o mundo, se depara com um crescimento acelerado no número de pessoas idosas.

Estudos em diversos países indicam que até o século XIX, quando o trabalhador chegava na velhice,
era expulso do seu local de trabalho, ou seja, abandonado à própria sorte, pois não possuía um amparo
devido para prover a sua subsistência em idade mais avançada (Beauvoir apud Ottoni, 2012).

Em países desenvolvidos, buscou‑se a manutenção do papel social e a reinserção das pessoas


idosas, sendo a questão da renda resolvida por meio de sistemas de seguridade social. Nos países
em desenvolvimento e no Brasil, várias questões ficaram pendentes, como a pobreza e a exclusão da
população anciã; somente após muitas décadas, o Brasil começou a tomar medidas para compensar
a situação de descaso com a população idosa (Beauvoir apud Ottoni, 2012).

Sobre o início do sistema de proteção brasileiro das pessoas idosas, existem relatos durante o período
colonial de que o Estado patrimonial português incorporou ao seu projeto de colonização práticas
assistencialistas através da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que era uma instituição assistencial
a pessoas idosas, e somente em 1888 (Decreto n. 9.912‑A), os trabalhadores dos Correios passaram a
ter direito à aposentadoria. Para isso, deveriam ter 30 anos de trabalho e, no mínimo, 60 anos de idade
(Brasil, 1888).

No século XX, foram iniciadas as políticas previdenciárias estatais para trabalhadores privados. Em
1919, criou‑se o seguro de acidentes do trabalho e, em 1923, a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs),
a qual foi regulamentada pela Lei Eloy Chaves (Brasil, 1923).

A legislação buscava disciplinar o direito à pensão e também a possibilidade de organização das


caixas de socorro para outras categorias de trabalhadores. Assim, a Lei Eloy Chaves obrigou a criação
de CAPs para determinadas categorias de trabalhadores, não apenas caixas de socorro. Nesse novo
formato, as CAPs recebiam a contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e do Estado e buscavam
socorrer os trabalhadores em momentos de dificuldade, como doenças, acidentes ou mesmo pela idade.
As primeiras CAPs criadas foram a de ferroviários e a de marítimos (Behring; Boschetti, 2010).

À época, foram garantidas novas conquistas para a classe trabalhadora, como autorização de
pensões e férias no período, ao menos no que concerne ao aspecto legal. Em 1891, criou‑se a lei que
regulamentava o trabalho infantil e, em 1911, a lei que reduzia a jornada de trabalho para 12 horas
diárias. Por fim, no ano de 1919, inaugurou‑se a lei que regulamentava os acidentes de trabalho cuja
responsabilidade passou a ser do empregador.

Observação

Foi a partir de 1930 que o Estado e também os trabalhadores passaram


a se interessar pelo sistema previdenciário brasileiro.

79
Unidade I

Vargas desenvolveu um governo de regime ditatorial e assentado no militarismo. Contudo, é a partir


de seu governo que tivemos as primeiras ações do Estado compreendidas como política social.

Behring e Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entenderam que esse seria o primeiro estágio da
política social brasileira, compreendido pelas autoras como o período de introdução da política social
no Brasil. Todavia, essa política social não seria extensiva a todos os que dela necessitavam (como é
esperado hoje), mas especialmente idealizada para atender a classe trabalhadora brasileira.

Assim, em 1930, temos a criação do Ministério do Trabalho e, em 1932, da Carteira de Trabalho (CTPS).
Então, consolidou‑se uma série de direitos e proteções para a classe trabalhadora: regulação dos
acidentes de trabalho; ampliação das aposentadorias e pensões; auxílio‑doença; auxílio‑maternidade;
auxílio‑família; seguro‑desemprego.

Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e em 1932, a Carteira


de Trabalho, a qual passa a ser documento da cidadania no Brasil: eram
portadores de alguns direitos aqueles que dispunham de emprego
registrado em carteira. Essa é uma das características do desenvolvimento
do Estado social brasileiro: seu caráter corporativo e fragmentado,
distante da perspectiva da universalização de inspiração beveridgiana
(Behring; Boschetti, 2010, p. 106).

Entretanto, grande parte da população brasileira não trabalhadora ou sem registro em carteira
permanecia à margem do acesso aos direitos.

Cabe destacar que a partir da Era Vargas, houve uma ampliação significativa das CAPs, o que
motivou a consolidação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões Sociais (IAPs). Por meio das CAPs,
o empregado contribuía com uma parcela mensal do seu salário enquanto estava na ativa, como
acontece na aposentadoria privada.

Os IAPs eram a congregação de várias CAPs de acordo com a categoria de trabalhadores. O primeiro
IAP criado foi o dos marítimos, em 1933. Esses institutos não estavam restritos a prestar cuidado
aos segmentos de trabalhadores desvalidos por meio da concessão de pensões sociais, mas também
prestando cuidados à saúde e empréstimos para a classe trabalhadora alcançar a casa própria.

O Estado não possuía uma política social de saúde, logo, tinha acesso à saúde apenas quem contribuía
com algum instituto. O Estado apenas organizava campanhas sanitárias para conter endemias e epidemias,
portanto, atuava de forma pontual e residual. Quem tinha necessidade de atendimento médico e não
estava vinculado a nenhum instituto deveria procurar as Santas Casas, instituições mantidas pela Igreja
Católica que prestavam atenção a doentes e pessoas em situação de rua.

Em 1930, o país já possuía uma política de bem‑estar social, com previdência, educação, saúde
e habitação. Nesse ano, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as Caixas foram
substituídas pelos Institutos de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas);
nestes, estados e sindicatos detinham maior autonomia na gestão de recursos (Simões apud Ottoni, 2012).
80
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

No ano de 1934, foi instituída uma constituição cujo art. 121 se referia à categoria idosa, “[...]
instituição de previdência, mediante atribuição igual da União, do empregador e do empregado,
a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos campos de acidente de trabalho ou por morte”,
e assegurava alguns direitos para esta categoria (Brasil, 1934).

Na Constituição de 1934, encontramos a expressão dessa pactuação social no que se refere à velhice
e à infância como uma situação que merecia favor, com apoio das instituições de caridade para a
pessoa idosa e entidades de filantropia. No entanto, os direitos das pessoas idosas só foram claramente
mencionados quando houve inserção produtiva da pessoa no trabalho industrial.

Os direitos da pessoa idosa foram inscritos na Constituição de 1934 (Brasil, 1934, art. 121, item h)
como direitos trabalhistas, na implementação da Previdência Social “a favor da velhice”, com contribuição
tripartite do empregador, do empregado e da União, numa clara referência à transição industrial. Ao se
tornar improdutivo, o sujeito era considerado velho a partir do pressuposto de sua exclusão da esfera
do trabalho, como operário.

Naquela época, o trabalhador rural não tinha direitos trabalhistas, pois ficava na esfera do “aluguel
de mão de obra”, sob a tutela da oligarquia rural (Faleiros, 2008). Reafirma‑se na Constituição de 1937
(art. 137) o seguro de velhice para o trabalhador, na lógica do seguro pré‑pago, mas garantido pelo Estado.

Na Constituição de 1934, o amparo aos desvalidos previa serviços especializados e “animação de


serviços sociais” (Brasil, 1934, art. 138), dentro da visão eugênica e higienista, de socorro às famílias de
prole numerosa e no combate “aos venenos sociais”.

Em ambas as Constituições, pode‑se invocar a proteção do Estado para a subsistência e educação


de sua prole numerosa, mas a de 1937 assinalou que esse recurso cabia aos “pais miseráveis”
(Brasil, 1937, art. 127).

A Constituição de 1946 não incorporou o conceito de seguridade social, e os trabalhadores rurais


permaneceram excluídos e com continuidade do modelo filantrópico. No art. 157, a Constituição de
1946 (Brasil, 1946) dispõe sobre a formulação de previdência “contra as consequências da velhice”,
ampliando a ideia de um seguro social somente para trabalhadores industriais.

Em 1960 foi promulgada a Lei n. 3.807, a chamada Lei Orgânica da Previdência Social, que previa
35 anos de contribuição para obter a aposentadoria integral aos 55 anos de idade (Brasil, 1960). Grandes
pressões sindicais conseguiram a aposentadoria por tempo de serviço em 1962, sem limite de idade.

Já durante o período de redemocratização, entre 1946 e 1964, foi definido o perfil das políticas
públicas de assistência social para as pessoas idosas (Escobar, 2010). Depois do golpe militar de 1964,
a política econômica favoreceu o tripé (Estado, multinacionais e burguesia nacional), com forte
participação do Estado na economia, mas com repressão aos movimentos sociais e sindicais e arrocho
salarial, conforme relata Faleiros (1995).

81
Unidade I

Com a publicação do Livro branco da previdência social, o governo criticou a pluralidade dos
institutos e forçou a unificação da Previdência Social, já prevista na Lei Orgânica. Assim, a Constituição
de 1967 já falava de previdência social “nos casos de velhice” (Brasil, 1960, art. 158).

Nessas Constituições (de 1934 e 1946), contemplou‑se a assistência à maternidade, à infância e à


adolescência. É no bojo do sistema previdenciário que ficou garantida a assistência à saúde, a alguns
benefícios pecuniários e a pensões, que são regulamentados por lei, mas dentro da esfera contributiva.
Para os não contribuintes, prevaleceu o modelo filantrópico, no qual era exigido o atestado de pobreza
para ser atendido.

Nesse contexto, destaca‑se o Sesc, uma entidade patronal, financiada pelos trabalhadores e
consumidores, com atividades iniciadas em 1963, através de centros de convivência abertos as pessoas
idosas, fora do âmbito filantrópico, religioso ou estatal. Essa atividade com pessoa idosa representou, no
entanto, um espaço de consideração da velhice como um momento da vida, como uma esfera especial,
embora destinada a trabalhadores e seus dependentes, e não à população em geral (Faleiros, 1995).

Nesse mesmo período, vários grupos e movimentos suscitavam o estabelecimento de atenções


diferenciadas ao segmento da pessoa idosa, como era o caso do grupo de convivência do Sesc
na década de 1960. Assim, destacaram‑se duas iniciativas de impacto no desenvolvimento das
políticas brasileiras para a população idosa.

A primeira foi a criação da SBGG, em 1961. Um de seus objetivos era estimular iniciativas e
obras sociais de amparo à velhice e cooperar com outras organizações interessadas em atividades
educacionais, assistenciais e de pesquisas relacionadas com geriatria e gerontologia.

A segunda teve início em 1963, por iniciativa do Sesc, dada a sua preocupação com o desamparo
e a solidão entre as pessoas idosas. Consistiu de um trabalho com um pequeno grupo de comerciários
na cidade de São Paulo. A ação do Sesc revolucionou o trabalho de assistência social à pessoa idosa,
sendo decisiva na deflagração de uma política dirigida a esse segmento.

Lembrete

A velhice passou de questão filantrópica e privada para pública, quando


a inclusão de direitos é feita por meio da incorporação do direito do
trabalhador, e não do direito da pessoa de envelhecer.

Em 1966, ocorreu a unificação do regime previdenciário por meio da congregação dos IAPs, com
a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Desde então, os trabalhadores perderam
totalmente a capacidade de gestão de sua aposentadoria, o que passou a ser controlado pelo Estado.
Em 1967, o INPS assumiu também as intervenções necessárias para os casos de trabalhadores que se
envolviam em acidentes de trabalho. No mesmo ano foi ampliada a possibilidade de aposentadoria
para os trabalhadores rurais, com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).

82
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Este, no entanto, exigia dos trabalhadores apenas algumas taxas provenientes do preço do que cada um
comercializava (Behring; Boschetti, 2010; Couto et al., 2010).

Nos anos 1970, em plena ditadura, a Lei n. 6.119 instituiu a Renda Mensal Vitalícia, que fixava o
valor de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído, ao menos um
ano, para a Previdência. Acentua‑se que havia críticas ao sistema, guerrilha e perda de legitimidade do
modelo autoritário.

O período da ditadura militar foi uma época de expansão do Estado na área social; o governo
procurava ter apoio social da população, por isso adotou certas medidas sociais nas áreas de saúde,
educação, habitação e também conferiu nova configuração às tradicionais políticas de segurança,
justiça e promoção humanas.

Saiba mais

Para saber mais sobre o período estudado, são indicados os


seguintes filmes:

O APITO da panela de pressão. Direção: Sérgio Tufik. Brasil: DCE Livre da


USP; DCE Livre da PUC, 1977. 26 min.

GETÚLIO Vargas. Direção: Nei Sroulevich. Brasil: Zoom Cinematográfica,


1974. 76 min.

JANGO. Direção: Silvio Tendler. Brasil: Caliban Produções


Cinematográficas; Embrafilme, 1984. 117 min.

Na mesma década, por meio da Portaria n. 82, foi assinada pelo Ministério do Trabalho e da
Previdência Social a primeira medida de assistência às pessoas idosas, sendo restrita aos beneficiários
do sistema previdenciário.

A velhice despossuída, dependente historicamente da ação caritativa dos indivíduos, das Santas
Casas de Misericórdia, foi contemplada, alguns meses após, com a renda mensal vitalícia pela Lei
n. 6.179/1974. No mesmo ano, houve a separação da Previdência do Trabalho pelo Estado, criando‑se
o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) – Lei n. 6062/74 (Haddad apud Escobar, 2010).

Portanto, foi no início da década de 1970 que começou a surgir um número significativo de pessoas
idosas em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o
que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social da pessoa idosa.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência Social, composto pela Legião Brasileira de Assistência
Social, pela Funabem e pela Central de Medicamentos. Esse Ministério também incorporou a Empresa de

83
Unidade I

Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Essa estrutura foi transmutada e, em 1977,
foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas). Assim, houve a agregação de
ações relacionadas à saúde, à previdência social e à assistência social por meio do Sinpas e dos serviços
prestados na área de abrangência desse sistema.

Nessa associação entre previdência, assistência e saúde, impôs‑se uma forte


medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e
especializado, em detrimento da saúde pública, em estreita relação com o
incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico‑hospitalares,
orientados pela lucratividade (Behring; Boschetti, 2010, p. 137).

Não havia ações definidas e específicas, mas sim uma série de ações combinadas e organizadas por
meio do Sinpas.

O INPS, em 1974, uma das primeiras iniciativas do governo federal na prestação de assistência à
pessoa idosa, consistiu em ações preventivas realizadas em centros sociais do INPS e da sociedade civil,
bem como de internação custodial dos aposentados e pensionistas do INPS. No fim dos anos 1970, as
pessoas idosas começaram a se organizar em associações, chamando a atenção de outras instâncias,
como foi o caso do Ministério da Saúde.

O primeiro programa de assistência a pessoa idosa surgiu em 1975 por iniciativa do INPS. Intitulado
PAPI (Programa de Assistência à Pessoa Idosa), visava à organização e formação de “grupos de
convivência” para pessoas idosas vinculadas ao sistema previdenciário. Esses encontros aconteciam nos
postos de serviços do INPS e se desenvolveram por todo o Brasil nos dois anos seguintes.

A partir da reforma da Previdência Social em 1977 e da criação do Sinpas, a questão da assistência à


pessoa idosa no Brasil passou a ser de responsabilidade da LBA, que atuava em dois níveis: direto e indireto.
O direto era executado pela equipe técnica da LBA, contando com 2 mil unidades de atendimento em
todo o território brasileiro. Nesses locais, eram distribuídos alimentos e havia a concessão de próteses,
órteses, materiais e documentos. Já no nível indireto, realizavam-se convênios com as instituições
que abrigavam pessoas idosas, pagando um valor per capita por certa quantidade de vagas para essas
pessoas idosas.

Em 1979, a Portaria n. 82/1974 foi revogada pela Portaria n. 25, de 9 de novembro de 1979, quando,
então, as pessoas idosas não previdenciárias passaram também a contar com a assistência social.

Na década de 1980, foram criadas várias associações e federações de aposentados e pensionistas,


as quais ganharam grande visibilidade, despertando em aposentados e pensionistas a consciência de
seus direitos.

Em 1982, surgiram as primeiras universidades da terceira idade. Durante a década, houve a expansão
dos grupos de convivência articulados a várias organizações, mas somente em 1990, no contexto
democrático, foi organizada a Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap), que se lançou na luta
pelos valores das aposentadorias, pelos direitos sociais e pela cidadania da pessoa idosa (Rodrigues, 2006).
84
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Observação

A crise da ditadura, causada pela pressão da Igreja, de movimentos


sociais, intelectuais e empresários que se viam engessados, expressou um
processo de “abertura lenta, gradual e segura” para mudanças estruturais.

Até meados da década de 1980, as políticas do governo federal para a população idosa consistiam
apenas no provimento de renda e serviços médicos especializados, predominando a visão de
vulnerabilidade e dependência desse segmento da população. Quanto à questão do cuidado com
a pessoa idosa frágil, os esforços eram no sentido de enfatizar que o cuidado deveria ser feito pela
família. Mudanças paulatinas na visão da pessoa idosa como um indivíduo frágil ocorreram ao longo
dos anos 1980, por influência de um debate internacional.

O Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento (1982) trouxe mudanças expressivas, e o


Brasil passou a incorporar esse tema de forma mais assertiva em sua agenda política. O momento
coincidiu com o período de redemocratização do país, o que possibilitou um amplo debate por ocasião
do processo constituinte, resultando na incorporação do tema no capítulo referente às questões
sociais do texto constitucional de 1988.

Observação

O Plano (1982) versa sobre saúde e nutrição; proteção de consumidores


de pessoas idosas; habitação e meio ambiente; família, bem‑estar
social; segurança de renda; emprego; educação; e coleta e análise de
dados de pesquisa.

Ainda em 1982, foi realizada a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, organizada pela ONU,
a qual ocorreu em Viena, marcando um importante momento de atenção à pessoa idosa, pois nesse
encontro foram traçadas as diretrizes acerca do Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, sendo
o teor do texto publicado em 1983, na cidade de Nova Iorque.

A partir da década de 1980, as políticas destinadas à população idosa no Brasil se centraram na


garantia de renda e de assistência social para as pessoas em risco social.

O grande avanço em políticas de proteção social às pessoas idosas brasileiras ocorreu apenas com
a CF. Assim, introduziu‑se o conceito de seguridade social e foi criada uma rede de proteção social,
que deixaria de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social‑trabalhista e assistencialista,
passando a adquirir uma conotação de direito de cidadania.

85
Unidade I

A CF instaurou um percurso de mudanças e avanços ao tratar de todos os segmentos sociais.


Estabeleceu‑se uma gama de direitos sociais, os quais dizem respeito à proibição de diferenças de
salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

A CF pondera sobre a proteção jurídica à pessoa idosa, a qual impõe à família, à sociedade e ao
Estado o dever de amparar as pessoas idosas. Também fixou a denominação de seguridade social, um
conceito amplo de proteção social, compreendendo “um conjunto integrado de iniciativas dos poderes
públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social” (Brasil, 1988, art. 194).

Observação

Nas Constituições anteriores, as pessoas idosas só foram reconhecidas


como trabalhadores fora do mercado ou desvalidos.

No capítulo da “Seguridade Social”, são tratadas questões específicas a respeito da “maior idade”, o
que constitucionalmente favoreceu e incentivou a elaboração de legislação complementar a respeito de
pessoa idosa e melhorias em sua condição de vida (Brasil, 1988).

Os direitos da pessoa idosa estão presentes nos vários capítulos da CF, considerando a mudança de
paradigma da pessoa idosa assistido para o ativo, da pessoa idosa improdutiva, excluída do mercado
de trabalho, para o sujeito de direitos como pessoa. Antes, os cuidados com as pessoas idosas eram
exclusivamente voltados para a família; depois, a pessoa idosa passou a ser protegida pelo Estado e
pela sociedade, e a pessoa idosa marginalizada passou a ser a pessoa participante. Esses direitos se
fazem presentes nos capítulos da assistência, da família, do trabalho e da previdência, considerando
tanto a cobertura de necessidades (de forma não contributiva) como em decorrência da contribuição e
do trabalho.

A Constituição Federal de 1988 não se limitou apenas a apresentar


disposições genéricas nas quais pudessem ser incluídos os idosos. Mas,
ao se observar o artigo 229, que estabelece aos filhos maiores o dever
de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, bem
como o artigo 230, que estipula que a família, a sociedade e o Estado têm
o dever de amparar as pessoas idosas. Assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem‑estar e garantindo‑lhes
o direito à vida, surpreende o enorme avanço na área de proteção aos
direitos dos idosos, dado pelo constituinte de 1988 ao contemplar os
idosos, garantindo assim a sua cidadania (Cielo; Vaz, 2009, p. 34).

O direito à vida não engloba apenas a longevidade, mas envelhecer com dignidade, respeito, proteção
e assistência social.

86
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

No que se refere ao direito à liberdade, ele deve ser propiciado à pessoa idosa por meio de
providências reais por parte do Estado e da sociedade, principalmente a independência familiar
e social, através de prestações previdenciárias e assistenciais eficazes.

O direito à igualdade deve ser garantido às pessoas idosas nas mesmas condições de outras pessoas.
Quanto ao direito à cidadania, sua importância está em permitir à pessoa idosa a capacidade de analisar
e compreender a realidade política e social, criticar e atuar sobre ela.

A pessoa idosa deve ser contemplada com todas as demais garantias constitucionais, em especial
aquele que não tem condições econômicas para se manter, (Brasil, 1988, art. 201). A legislação isenta
as pessoas idosas do imposto sobre a renda recebida, garante a ele o direito ao seguro social, ou
aposentadoria, de acordo idade, sexo e tipo de trabalho que exerce (urbano rural).

Observação

Os direitos da pessoa idosa representam uma questão política.

O impacto do envelhecimento está fazendo com que haja um incentivo ao requerimento da


aposentaria numa idade mais avançada, o que está explícito no caput do art. 201. Cada vez mais os
governos estão considerando não o conceito de improdutividade, mas o de idade avançada, ou seja, a
maior longevidade.

A CF assegura ainda a prestação de assistência social às pessoas idosas, art. 203, V, e art. 204. Garante
ainda um salário mínimo mensal à pessoa idosa que comprove não possuir meios de prover a própria
manutenção ou por sua família. O benefício é concedido e pago pelo INSS, é pessoal, intransferível, não
podendo ser acumulado a qualquer outro benefício concedido pela Previdência Social. Inicialmente, o
benefício era vitalício, mas com a entrada em vigor da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social – 1993),
o direito a ele termina se a família adquire condições de cuidar do assistido ou se ele próprio passa a ser
capaz de prover o seu sustento. Por essa razão, tal benefício deve ser revisto a cada dois anos, podendo
ser suspenso.

A pessoa idosa abrigada em asilo, mesmo sem qualquer custo para ela, tem direito ao benefício de
prestação continuada, e os dirigentes de tais instituições podem atuar como procuradores com o INSS.
A CF trouxe o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteção social alterasse o seu
enfoque estritamente assistencialista, passando a ter uma conotação ampliada de cidadania.

A CF prevê que a assistência social deve ser descentralizada e participativa, com coordenação
e normas gerais de competência da esfera federal, mas com “a coordenação e a execução dos
respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a doze entidades beneficentes e de
assistência social”. Está clara a “participação da população por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”, ou seja, as pessoas idosas
também são protagonistas da política de assistência. São sujeitos políticos, portanto, cidadãos
politicamente ativos (Brasil, 1988, art. 204).
87
Unidade I

Por falta de recursos financeiros, impedindo a contratação de cuidadores especializados para atender
no ambiente familiar, os cuidados da pessoa idosa geralmente são realizados por um membro da família;
em sua grande maioria, uma mulher que reside no mesmo domicílio ou próximo do domicílio das
pessoas idosas é quem fica responsável por essa tarefa (Kuchemann, 2012).

No Brasil, é possível identificar vários marcos legais que transformaram o cenário sobre a questão do
envelhecimento: a CF e a PNI (1994). Na década de 1990, no âmbito do governo federal, instituíram‑se
programas de benefícios que foram ampliados significativamente pelo Programa Bolsa‑Família,
expandido em 2004, com uma cobertura social que atende, com pelo menos um benefício, oito de cada
dez pessoas idosas no Brasil.

Após a CF, criaram‑se várias políticas e programas nacionais de saúde e direito das pessoas idosas,
além de políticas e programas internacionais, conforme destacado a seguir.

• Política Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994). Segundo seu art. 1º, é
preciso “[...] assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade“ (Brasil, 1994).

• Programa Nacional de Cuidadores das Pessoas Idosas (Portaria Interministerial MPAS/MS


n. 5.153, de 7 de abril de 1999). Cria alternativas que proporcionem às pessoas idosas melhor
qualidade de vida.

• Advertências e recomendações sobre usos de medicamentos (Lei n. 8.926, de 9 de agosto de 1994).


Esta torna obrigatória a inclusão, nas bulas de medicamento, de advertências e recomendações
sobre seu uso por pessoas com mais de 65 anos.

• Acompanhante hospitalar de pacientes (Portaria MS/GM n. 280, de 8 de abril de 1999). Torna


obrigatória em todos os hospitais a presença do acompanhante de pacientes maiores de 60 anos,
quando internados.

• Normas de funcionamento de serviços de atenção à pessoa idosa no Brasil (Portaria MPAS/Seas


n. 73, de 10 de maio 2001). Estabelece normas de funcionamento de serviços de atenção à pessoa
idosa no Brasil.

• Normas para cadastramento de centros de referência em assistência à saúde da pessoa idosa


(Portaria MS/SAS n. 249, de 16 de abril de 2002). Aprova normas referentes ao cadastramento de
centros de referência em assistência à saúde da pessoa idosa.

• Redes estaduais de assistência à saúde da pessoa idosa (Portaria MS/GM n. 702, de 16 de abril de
2002). Cria mecanismos para organização e implantação de redes estaduais de assistência à saúde
da pessoa idosa.

88
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

• Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o tratamento da osteoporose (Portaria MS/SAS


n. 470, de 24 de julho de 2002). Contém o conceito geral da doença e esquemas terapêuticos
preconizados para o tratamento da osteoporose.

• Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento (ONU, 2002). Criado com o objetivo de
garantir que, em todas as partes, a população possa envelhecer com segurança e dignidade.

• Programa de Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer (Portaria MS/GM n. 703, de 16 de


abril de 2002). Determina que o tratamento da doença de Alzheimer deve ser realizado conforme
o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas publicados pela Secretaria de Assistência à Saúde.

• Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003). Além de assegurar os direitos à
população idosa, garantindo prioridades e proporcionando seu bem‑estar, determina penas para
crimes realizados contra as pessoas idosas.

• Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (Decreto n. 5.109, de 17 de junho de 2004). Dispõe
sobre a composição, a estruturação, as competências e o funcionamento desse conselho (CNDI).

• Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004). Estipula princípios e diretrizes
para promover a atenção à saúde da mulher na terceira idade.

• Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa. Criado pela Subsecretaria
de Direitos Humanos (2005), fixa ações de prevenção e enfrentamento da violência contra a
pessoa idosa.

• Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria n. 2.528/2006). Objetiva recuperar, manter
e promover a autonomia e a independência da pessoa idosa, direcionando medidas coletivas e
individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS.

• Pacto pela Saúde 2006 (Portaria MS/GM n. 399, de 23 de fevereiro de 2006). Nesse documento,
a saúde da pessoa idosa aparece como uma das seis prioridades pactuadas entre as três esferas
de governo.

• Política Nacional de Atenção Básica – PNAB (Portaria MS/GM n. 648, de 29 de março de 2006).
Dispõe a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa
de Saúde da Família. A saúde da pessoa idosa é uma das áreas definidas como estratégicas para a
operacionalização da Atenção Básica no que se refere à atuação em todo o território nacional.

• Dia Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 11.433, de 28 de dezembro de 2006). Institui o dia 1º de
outubro como o Dia Nacional da Pessoa Idosa.

• Benefício de Prestação Continuada – BPC (Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007).


Regulamenta o BPC da assistência social devido à pessoa idosa.

89
Unidade I

• Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (Portaria MS/SAS
n. 221, de 18 de abril de 2008). Na lista, constam doenças comuns em pessoas idosas, tais como
pneumonia, hipertensão e diabetes.

• Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Portaria MS/GM n. 1944, de 28 de


agosto de 2009). Está alinhada com a Política Nacional de Atenção Básica e com as estratégias
de humanização em saúde.

• Plano de Ação sobre a Saúde das Pessoas Idosas, incluindo o envelhecimento ativo e saudável,
promovido pela Organização Pan‑Americana da Saúde (Opas), Washington, 2009. Nesse plano,
abordam‑se as necessidades de saúde cada vez maiores da população, que está envelhecendo
rapidamente na América Latina e no Caribe.

• Fundo Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 12.213, de 20 de janeiro de 2010). Institui o financiamento
de programas e as ações relativas à pessoa idosa.

• Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a Doença de Parkinson (Portaria MS/SAS n. 228,
de 11 de maio de 2010). O protocolo contém o conceito geral da doença e os critérios de
inclusão/exclusão de pacientes no tratamento.

• Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Doença de Alzheimer (Portaria


MS/SAS n. 491, de 24 de setembro de 2010). Traz o conceito geral da doença de Alzheimer, os
critérios de diagnóstico, os critérios de inclusão e de exclusão.

• Programa Nacional de Imunizações (Portaria n. 3.318, de 28 de outubro de 2010). Institui, em


todo o território nacional, os calendários de vacinação da criança, do adolescente, do adulto e da
pessoa idosa.

A CF e suas revisões posteriores representam um pacto de direitos para os idosos. Por um lado, há
pressão do neoliberalismo e da longevidade, por outro, ascensão dos movimentos sociais, da aliança
de vários setores do Estado com esses movimentos e das representações de um envelhecimento ativo,
digno e participativo.

O Brasil está vivenciando uma transição para o reconhecimento, no contexto democrático, dos
direitos da pessoa idosa enquanto sujeito de direitos à cobertura das necessidades, à dignidade, à
velhice, à proteção e ao protagonismo (Faleiros, 2008). A CF foi consolidada, rompendo‑se com uma
representação de velhice sem produção e incapaz, com um dispositivo filantrópico para as pessoas idosas.

Lembrete

A CF 1988 assegurou e regulamentou os direitos da pessoa idosa por


meio da Loas (Brasil, 1993).

90
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

É preciso destacar que a CF evidenciou a cobertura das necessidades por meio da proteção social,
exposta pela seguridade social. A seguridade, na própria legislação, está definida como direito à
assistência, à previdência e à saúde, com ações dos poderes públicos e da sociedade, que devem
conformar um conjunto integrado (Brasil, 1988, art. 194).

A proteção social, no âmbito da assistência social, implica a garantia de renda e de serviços


especializados, conforme a Loas (2003) e a PNAS (2004).

De acordo com a Loas, em seu art. 2º, a assistência social tem entre seus objetivos a proteção
“à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (inciso I) e “a garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e à pessoa idosa que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família” (Brasil, 2017).

Entre os benefícios mais importantes proporcionados pela CF, destaca‑se o BPC, regulamentado
em seu art. 20, que consiste no repasse de um salário mínimo mensal dirigido às pessoas idosas e às
portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central
de elegibilidade a incapacidade para o trabalho com o objetivo da universalização dos benefícios, a
inclusão social (Gomes, 2011).

A proteção se efetiva pela garantia de renda às pessoas idosas mais pobres. No entanto, o
conceito de proteção envolve não somente a renda, como serviços, que devem ser prestados de
forma integrada, descentralizada e participativa, não só para o enfrentamento da pobreza como para
“provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais”
(Brasil, 1988, art. 2º).

De acordo com a Loas, em seu art. 1º:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política


de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais,
realizada através de um conjunto integrado de ações, de iniciativa pública
e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas
(Brasil, 1993).

Assim, a assistência social se coloca no patamar de igualdade, ou seja, sem contrapartidas ou


contribuições prévias. Como política não contributiva, é constituída como uma obrigação do Estado
em prol dos necessitados, que devem alcançar um patamar de vida mais digna. Deve haver estímulo
à integração ao mercado de trabalho e, assim, tentar reduzir as situações de desemprego, a falta de
qualificação profissional, a deficiência e a falta de lazer (Leite, 2011).

Os benefícios de assistência social são um direito de quem dela necessitar, independentemente de


contribuição à seguridade social, conforme prevê o art. 203, V (Brasil, 1988). A regulamentação desse
benefício foi efetivada pela Lei n. 8.742/1993, conhecida como Loas, e pelo Decreto n. 1.744/1995,
dispositivos que fixaram os seguintes requisitos para concessão: ser portador de deficiência ou ter
idade mínima de 65 anos (se a renda familiar mensal for inferior a um quarto do salário mínimo);
91
Unidade I

não estar vinculado a nenhum regime de Previdência Social e não receber benefício de espécie alguma,
salvo o de assistência médica, e comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem
de tê‑la provida por sua família (Brasil, 1993).

No art. 23 da Loas (Brasil, 1993), reafirma‑se a proteção, por meio de serviços que nada mais são do
que “atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para
as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nesta lei”, inclusive
“programas de amparo às pessoas que vivem em situação de rua” (incluído pela Lei n. 11.258, de 2005).

A proteção se vincula a um sistema de garantias de direitos, com participação da sociedade e dos


sujeitos de direitos.

Observação

Na PNAS de 2004, a proteção é definida como segurança de rendimento,


autonomia, convívio ou vivência familiar, cuidados e serviços e de projetos
em rede.

A proteção se dispõe em rede e supõe um sistema, embora sistema e rede sejam formas distintas de
organização, como já estudamos neste livro‑texto.

A Loas assinala ainda que “os programas serão definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência
Social, obedecidos os objetivos e princípios que regem esta lei, com prioridade para a inserção profissional
e social” (Brasil, 1993, art. 24).

Nos últimos anos, as instituições governamentais brasileiras, organismos da sociedade civil e


movimentos sociais conquistaram uma gama de leis, decretos, propostas e medidas que estabeleceram
direitos voltados para a pessoa idosa, referenciados pelas diretrizes internacionais – Plano de Ação
Internacional sobre o Envelhecimento (ONU, 2002). Contabilizam‑se conquistas democráticas
importantes, como a criação do CNDPI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, 2002) e a
elaboração e publicação do Estatuto da Pessoa Idosa (2003), que regulamenta os direitos das pessoas
com idade igual ou superior a 60 anos.

Entre 2006 e 2011, foram realizadas no Brasil três conferências nacionais de direitos da pessoa idosa,
que contaram, de forma progressiva, com uma expressiva participação da sociedade civil e do governo.

Em relação à definição de políticas públicas e planos setoriais propostos de forma conjunta (governo
e sociedade), destacam‑se:

• Política Nacional de Prevenção a Morbimortalidade por Acidentes e Violência (2001).

• Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (2004).

• Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (2006).

• II Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (2007).


92
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

De forma concomitante, busca‑se o fortalecimento da Rede Nacional de Proteção e Defesa dos


Direitos da Pessoa Idosa por meio das seguintes ações: Programa Bolsa‑Família, Programa Brasil Sem
Miséria e Programa Minha Casa Minha Vida. Em resposta às demandas da sociedade civil, o governo
federal propõe uma série de serviços e programas de atendimento às pessoas idosas. A fim de dar voz
às vítimas que tiveram e têm seus direitos violados, foi implantado em 2011 o módulo pessoa idosa do
Disque Direitos Humanos (DDH 100).

Conforme Silva (2007), o direito da pessoa idosa deve ser compreendido de forma abrangente, não
apenas como políticas para os maiores de 60 ou 65 anos, mas de maneira que todos possam ter direitos,
sendo que a pessoa idosa deve ter o direito de envelhecer, de manter‑se vivo, o direito à integração e
à independência, os direitos a novos padrões de mercado, consumo, trabalho e também direitos que
devem ser gozados antes da velhice e para que cada indivíduo tenha a capacidade de preparar‑se para
o futuro com dignidade e respeito.

3.5.1 Política Nacional da Pessoa Idosa

A CF, em seu art. 230, inovou ao exigir a efetiva proteção à pessoa idosa por parte do Estado, da
sociedade e da família. A velhice digna é um direito humano fundamental, trata‑se de expressão do
direito à vida com dignidade.

Instituída pela Lei n. 8.842/1994 (Brasil, 1994) e regulamentada pelo Decreto n. 1948/1996, a
PNI ampliou significativamente os direitos das pessoas idosas, já que, desde a Loas, as prerrogativas
de atenção a esse segmento haviam sido garantidas de forma restrita. De fato, surgiu num cenário de
crise no atendimento à pessoa idosa, exigindo uma reformulação em toda estrutura disponível
de responsabilidade do governo e da sociedade civil (Costa, 1996).

Essa política está norteada por cinco princípios:

I – a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar à pessoa idosa


todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade, bem‑estar e o direito à vida;

II – o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo


ser objetivo de conhecimento e informação para todos;

III – a pessoa idosa não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;

IV – a pessoa idosa deve ser o principal agente e o destinatário das


transformações a serem efetivadas através dessa política;

V – as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as


contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas
pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na aplicação dessa lei
(Brasil, 1994, art. 3º).
93
Unidade I

Ao analisar os princípios, pode‑se afirmar que a lei atende à moderna concepção de assistência
social como política de direito, o que implica não apenas a garantia de uma renda, mas também vínculos
relacionais e de pertencimento que assegurem mínimos de proteção social, visando à participação, à
emancipação e à construção da cidadania e de um novo conceito social para a velhice.

Ainda segundo esses princípios, combinam‑se as dimensões de assegurar direitos e de exercer o


protagonismo ou a participação na definição de políticas de envelhecimento.

Portanto, a PNI veio normatizar os direitos sociais das pessoas idosas, garantindo autonomia,
integração e participação efetiva como instrumento de cidadania. Tem como objetivo criar condições
para promover a longevidade com qualidade de vida, colocando em prática ações voltadas não
apenas para os que estão velhos, mas também para aqueles que vão envelhecer, procurando impedir
qualquer forma de discriminação contra a pessoa idosa, pois ela é a principal agente e a destinatária das
transformações a serem efetivadas através dessa política.

A lei é composta de 22 artigos, estruturados nos seguintes capítulos:

• Capítulo 1 – “Da Finalidade”.

• Capítulo 2 – “Dos Princípios e das Diretrizes”.

• Capítulo 3 – “Da Organização e Gestão”.

• Capítulo 4 – “Das Ações Governamentais”.

• Capítulo 5 – “Do Conselho Nacional”.

• Capítulo 6 – “Das Disposições Gerais”.

A finalidade da lei é assegurar os direitos sociais da pessoa idosa, criando condições para promover
sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (Brasil, 1994, art. 1º).

Para a PNI, é considerada idosa a pessoa maior de 60 anos de idade (art. 2º). Ela reafirma os preceitos
elencados pela CF, elegendo a família, a sociedade e o Estado como responsáveis pela efetiva participação
da pessoa idosa na comunidade, bem como na defesa de sua dignidade e bem‑estar e direito à vida
(Brasil, 1994, art. 3º, I).

A PNI é explícita quanto ao processo de envelhecimento como um fenômeno social. Assim, todos
devem ter informações sobre esse processo (Brasil, 1994, art. 3º, II).

94
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Leia a seguir as diretrizes a serem observadas pelos responsáveis (família, sociedade e Estado):

Art. 4º.

I – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio da


pessoa idosa que proporcionem sua integração às demais gerações;

II – participação da pessoa idosa, através de suas organizações representativas,


na formulação, na implementação e na avaliação de políticas, planos,
programas e projetos a serem desenvolvidos;

III – priorização do atendimento a pessoa idosa através de suas próprias


famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção das pessoas idosas
que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência;

IV – descentralização político‑administrativa;

V – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e


gerontologia e na prestação de serviços;

VI – implementação de sistema de informações que permita a divulgação da


política, dos serviços oferecidos, dos planos, dos programas e dos projetos
em cada nível de governo;

VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de


informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais
do envelhecimento;

VIII – priorização do atendimento a pessoa idosa em órgãos públicos e


privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família;

IX – apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao


envelhecimento.

Parágrafo único. É vedada a permanência de portadores de doenças que


necessitem de assistência médica ou de enfermagem permanente em
instituições asilares de caráter social (BRASIL, 1994).

A PNI foi publicada no governo Itamar Franco e regulamentada pelo Decreto n. 1.948. Nesse
decreto, foram estabelecidas as funções de cada órgão implicado na PNI, numa ótica de competências
gerenciais, cabendo ao então MPAS coordenar essa política.

95
Unidade I

O Decreto n. 1.948/1996 (Brasil, 1996a) esvazia, de certo modo, importantes diretrizes de participação
previstas na PNI, como se destaca a seguir, assinalando‑se aquelas presentes na lei e não contempladas
no referido decreto:

• A participação da pessoa idosa e a integração intergeracional (o decreto menciona apenas o


estímulo ao ingresso na universidade).

• A participação da pessoa idosa, de sua família e de entidades na formulação de políticas (o


decreto menciona apenas o estímulo à participação da pessoa idosa no controle social dos
conselhos de saúde).

• A descentralização político‑administrativa.

• A adequação de currículos (o decreto menciona apenas a inclusão de disciplinas de gerontologia


e geriatria nos currículos dos cursos superiores).

• A implementação de um sistema de informação para divulgar a política para pessoa idosa.

• A execução dos conselhos da pessoa idosa (o decreto remete‑se apenas ao Conselho Nacional
da Seguridade Social e aos conselhos setoriais, aos quais compete, no âmbito da seguridade, a
formulação, a coordenação, a supervisão e a avaliação da PNI).

Assim, o decreto foi, de certa forma, um retrocesso à lei de 1994.

A proteção social se coloca como direito e garantia da longevidade e da dignidade, mas entra em
contradição com o desmonte neoliberal do Estado de direito. A adequação das instituições à realidade
do envelhecimento está ocorrendo de forma muito lenta e ainda faltam condições para a aplicação da
legislação. Essa legislação possibilita a consciência da cidadania em todas as idades, mas precisa ser
efetivada no pacto federativo e na intersetorialidade com trabalhos em rede.

3.5.2 Estatuto da Pessoa Idosa

Criado pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, estabelece prioridade absoluta às normas
protetivas à pessoa idosa, elencando novos direitos e definindo vários mecanismos específicos
de proteção, que vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas
condições de vida até a inviolabilidade física, psíquica e moral.

O Estatuto assegura e regulamenta os direitos a todos os cidadãos a partir dos 60 anos de idade,
fixando deveres e medidas de punição. É a forma legal de maior potencial da perspectiva de proteção e
regulamentação dos direitos da pessoa idosa.

96
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Observe a seguir o que a lei evidencia:

Art. 1º. É instituído o Estatuto da Pessoa Idosa, destinado a regular os direitos


assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.

Art. 2º. A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes


à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei,
assegurando‑se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade (Brasil, 2003).

Em suas normas, encontram‑se preceitos amplamente debatidos pela sociedade, revelando um


caráter protetivo dos direitos fundamentais da parcela da população com idade igual ou superior a
60 anos, cuja situação sempre foi extremamente precária, por exemplo, obtenção de aposentadoria,
dificuldade de transportes ou falta de recursos básicos para sobrevivência, como moradia, saúde, lazer
e educação (Mendonça, 2008).

O Estatuto corrobora os princípios que nortearam as discussões sobre os direitos humanos


da pessoa idosa. Trata‑se de uma conquista para a efetivação de tais direitos, especialmente por
tentar proteger e formar uma base para a reivindicação de atuação de todos (família, sociedade e
Estado) para o amparo e o respeito às pessoas idosas.

No art. 3º, destacam‑se as obrigações familiares e sociais em relação à pessoa idosa.

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Estado


assegurar à pessoa idosa a efetivação dos direitos à vida, à educação,
à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária (Brasil, 2003).

O grande avanço do Estatuto está na previsão do estabelecimento de crimes e sanções


administrativas para o não cumprimento dos ditames legais, cabendo ao Ministério Público agir para
a sua garantia.

No art. 4º, ressalta‑se que é proibido qualquer tipo de discriminação, violência, negligência ou
crueldade que atinja ou afronte os direitos da pessoa idosa, seja por ação, seja por omissão, e, se isso
acontecer, há punição prevista em lei. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão responsabilizados,
sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas; essa responsabilidade não é apenas criminal, mas também
civil (Brasil, 1993).

De acordo com Freitas (2006), após a promulgação do Estatuto, passou a ser mandatória pelos
profissionais de saúde a comunicação à autoridade competente de qualquer suspeição ou confirmação de

97
Unidade I

maus‑tratos testemunhados (art. 19) por eles, com consequências judiciais e administrativas em caso de
não prestarem as devidas informações.

Os arts. 8º e 9º versam sobre o direito à vida, fixando a obrigatoriedade do Estado em garantir


à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde por meio de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e digno: “[...] é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida
e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e
em condições de dignidade” (Brasil, 2003).

O Estatuto busca, portanto, a promoção e a regularização dos direitos da pessoa idosa em seus
desdobramentos, tais como a saúde, a assistência e a educação, que passam a ser consideradas prioridade
diante desse segmento.

No art. 10 são assegurados à pessoa idosa, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos,
individuais e sociais, contidos na CF e demais leis, a liberdade, o respeito e a dignidade (Brasil, 2003).

O Estatuto destaca a participação na vida familiar, comunitária e política como uma dimensão do
direito à liberdade, mas é preciso considerar que a experiência e o exercício da política implicam o direito
de votar e de ser votado, de ser politicamente ativo, de intervir nas organizações e nas manifestações
políticas. Fica evidente nessa lei a descentralização das políticas para o envelhecimento, com maior peso
para as municipalidades, inclusive na criação dos conselhos de direitos da pessoa idosa.

O Estatuto veio priorizar tanto seu atendimento de um modo geral, como também aquela clientela
que já apresenta algum grau de dependência. É com essas ações fundamentais de prevenção secundária,
de reabilitação, de promoção da saúde, além do cuidado e do tratamento, que é possível garantir melhor
qualidade de vida para pessoas idosas na vida em família e em sociedade.

De acordo com Freitas (2006), os casos de suspeita ou de confirmação de maus‑tratos contra a


pessoa idosa serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos
seguintes órgãos:

• Autoridade policial.

• Ministério Público.

• Conselho Municipal da Pessoa Idosa.

• Conselho Estadual da Pessoa Idosa.

• Conselho Nacional da Pessoa Idosa.

98
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

No que diz respeito à assistência social, acentua‑se:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 anos, que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê‑la provida por sua família, é assegurado
o benefício mensal de um salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da
Assistência Social (Loas).

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família


nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita a que se refere a Loas (Brasil, 2003).

O resultado imediato desse artigo foi a redução da idade mínima para o requerimento do benefício
assistencial de 67 para 65 anos, o que foi implantado já em 2004. Em resumo, o BPC tem a função de
repor renda para os que perderam a capacidade laborativa.

Segundo Veras, “A questão social da pessoa idosa, face à sua dimensão, exige uma política ampla
e articulada entre os vários órgãos de governo e organização não governamental” (Veras, 2003, p. 14).

Assim, com o aumento da expectativa de vida, criaram‑se novas demandas para as políticas públicas.
No que diz respeito à saúde, podem surgir algumas doenças crônicas, tornando‑se necessário mais
atenção e cuidados no âmbito familiar. É preciso haver investimentos e políticas públicas na área da saúde.

Conforme a PNAS de 1998, diante do progressivo envelhecimento populacional, pode‑se esperar


uma redução na demanda de serviços de saúde materno‑infantil e um aumento da demanda por
benefícios previdenciários e assistenciais para o segmento da pessoa idosa.

A evolução da taxa de dependência de idosos aponta para a absoluta


necessidade de adequar as políticas sociais a um contexto marcado por
uma população envelhecida. Dentre os problemas a serem inevitavelmente
gerados por esse processo, tem enorme importância aqueles referentes
ao sistema de previdência social e ao benefício de prestação continuada
(PNAS, 1998, p. 35).

Diante das limitações das políticas sociais e de sua deficiência em garantir os direitos estabelecidos,
grande parte da atenção à pessoa idosa recai sobre a família, que também tem suas limitações pela
redução do número de filhos, pela inserção de seus membros no trabalho ou no estudo, e, ainda,
pelo desemprego.

Apesar das mudanças na família, as pessoas idosas com 60 anos ou mais ainda são pessoas de
referência em 64,1% dos domicílios, sendo cônjuges em 23,8% e em outra condição em 12,1%
(IBGE, 2010). A longevidade junto à família e os novos papéis a serem exercidos pelos seus membros
implicam maior atenção à fragilidade e à dependência do segmento pessoa idosa e, por consequência,
o aumento do estresse. Assim, as famílias se apresentam com menos possibilidade de cuidado, em
contradição às expectativas dos textos legais.
99
Unidade I

Quanto ao direito, em especial os direitos específicos das pessoas idosas, pode‑se relacionar o
atendimento preferencial, imediato e individualizado em órgãos públicos e privados prestadores de
serviços à população; o direito de ser bem cuidado e atendido por sua própria família, em detrimento
à internação em asilos; o direito de receber pensão alimentícia de seus familiares e, na ausência
destes, de ter suas necessidades básicas satisfeitas pelo governo; o direito de receber do poder público,
gratuitamente, medicamentos e outros recursos relativos ao tratamento de saúde; o direito de não ser
discriminado nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade etc.

O direito das pessoas idosas depende das políticas públicas, que têm por finalidade estabelecer
metas e encaminhar soluções para resolver problemas sociais nas mais diversas áreas, como educação,
saúde, assistência social, habitação, lazer, transporte, segurança e meio ambiente. Tais atividades devem
relacionar o diagnóstico e o planejamento, bem como a execução e a avaliação de ações e políticas
fixadas pelo governo nas esferas federal, estadual e municipal, de prestação de serviços para a sociedade
em geral e para as pessoas idosas.

A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, sendo‑lhe asseguradas
todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social.

No que tange às questões ao seu direito à saúde, a pessoa idosa tem direito a atendimento
preferencial no SUS e acesso à distribuição gratuita de próteses e remédios, principalmente os de uso
contínuo. Quanto à saúde privada, os planos de saúde não podem ajustar as mensalidades utilizando
como critério a idade.

Em situações específicas como a internação, a pessoa idosa tem direito à acompanhante, pelo tempo
determinado pelo profissional de saúde que o atende. Toda pessoa idosa goza do direito a tratamento
sem violência ou abandono. Para tal, o Estatuto torna claro que nenhuma pessoa idosa poderá ser
objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão (Brasil, 2003).

Lembrete

Nos casos de pessoas idosas submetidas a condições consideradas


desumanas, privação de alimentação e de cuidados indispensáveis, também
há previsão de penalidade.

O Estatuto inicia um diálogo no tocante às instituições de longa permanência como uma estratégia
de atendimento à pessoa idosa.

Art. 35. Todas as entidades de longa permanência, ou casa‑lar, são obrigadas


a firmar contrato de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada.

§ 1º. No caso de entidades filantrópicas, ou casa‑lar, é facultada a cobrança


de participação da pessoa idosa no custeio da entidade.
100
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

§ 2º. O conselho municipal da pessoa idosa ou o conselho municipal da


assistência social estabelecerá a forma de participação prevista no § 1º,
que não poderá exceder a 70% de qualquer benefício previdenciário ou de
assistência social percebido pela pessoa idosa.

§ 3º. Se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu representante legal firmar
o contrato a que se refere o caput deste artigo (Brasil, 2003).

O art. 46 do Estatuto (Brasil, 2003) acentua que o acolhimento de pessoas idosas em situação de
risco social, por adultos ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica, para os efeitos legais.

O Estatuto ainda preceitua:

Art. 49. As entidades que desenvolvam programas de institucionalização de


longa permanência adotarão os seguintes princípios:

I – preservação dos vínculos familiares;

II – atendimento personalizado e em pequenos grupos;

III – manutenção da pessoa idosa na mesma instituição, salvo em caso de


força maior;

IV – participação da pessoa idosa nas atividades comunitárias, de caráter


interno e externo;

V – observância dos direitos e garantias das pessoas idosas;

VI – preservação da identidade da pessoa idosa e oferecimento de ambiente


de respeito e dignidade.

Parágrafo único. O dirigente de instituição prestadora de atendimento


à pessoa idosa responderá civil e criminalmente pelos atos que praticar
em detrimento a pessoa idosa, sem prejuízo das sanções administrativas
(Brasil, 2003).

Para a pessoa idosa em condição de institucionalizado, as entidades deverão primar pelo acesso
e pleno gozo dos direitos das pessoas idosas. Os dirigentes das instituições de atendimento serão
responsáveis civil e criminalmente pelos atos praticados contra as pessoas idosas sob seus cuidados,
sendo sujeitos a penalidades.

O Estatuto também garante à pessoa idosa o direito à moradia digna, no âmbito de sua família, ou
desacompanhado desta, quando ele assim desejar, ou em instituição pública ou privada. Estabelece
regras de funcionamento e outros direitos no tocante à habitação nos arts. 37 e 38. Descreve que
101
Unidade I

programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos deverão conceder‑lhe


prioridade na aquisição de imóvel para moradia, observando a acessibilidade à pessoa idosa,
com reserva de 3% das unidades e critérios de financiamento, de acordo com os rendimentos de
aposentadoria ou pensão (Brasil, 2003).

Diante desse prisma, é obrigatória a reserva de 30% das unidades residenciais para pessoas idosas
nos programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos.

É assegurado a pessoa idosa o acesso à justiça, com prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos de diligências judiciais em que configure como parte ou
interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 anos em qualquer instância; a prioridade não
cessará com a morte do beneficiário, estendendo‑se em favor do cônjuge ou companheiro (Brasil, 2003).

Apesar da importância dos aspectos explícitos no Estatuto, Neri (2007), ao analisar as políticas
de atendimento aos direitos da pessoa idosa expressos nesse marco legal, concluiu que o documento
é revelador de uma ideologia negativa da velhice, na qual o envelhecimento é compreendido por perdas
físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica, dependendo, principalmente, do estilo de vida e
do ambiente ao qual a pessoa idosa foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e de sua maturidade.

Assim, Neri (2007) ressalta que políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações
indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos
e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação às pessoas idosas. A consideração
dos direitos das pessoas idosas deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de
cidadãos de todas as idades à proteção social quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade.

O Estatuto representa uma mudança, pois amplia o sistema protetivo dessa camada da sociedade,
caracterizando verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material, tendo em vista a
sua relevância para a sociedade atual e para a futura, sendo extremamente necessária a conscientização
da população no sentido de respeitar os direitos, a dignidade e a sabedoria de vida desse público tão
vulnerável e até bem pouco tempo desprezado pela sociedade (Mendonça, 2008).

Em julho de 2022, o Estatuto do Idoso alterou a nomenclatura para Estatuto da Pessoa Idosa, pela
Lei n. 14.423 de 2022. Seu conteúdo se manteve, mas todos os serviços, programas, projetos, benefícios
e o atendimento passaram a ser realizados considerando a nova nomenclatura – Pessoa Idosa.

4 A SINGULARIDADE DA PROTEÇÃO FRENTE A SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE


DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

4.1 Violação de direitos e violências contra criança e adolescente

A Unicef visa a proteção de crianças e adolescentes contra as violências. Dando visibilidade ao tema,
influencia mudanças na legislação e nas políticas públicas e apoia serviços de prevenção e resposta
à violência.

102
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Analisa que as violências contra crianças e adolescentes são um fenômeno complexo e multifacetado,
ligado a fatores culturais, sociais e econômicos. São praticadas em qualquer contexto geográfico, em
qualquer classe social, em qualquer idade, e podem partir de pessoas próximas e da confiança das
crianças e adolescentes.

No Brasil, as violências atingem milhares de meninos e meninas cotidianamente, comprometendo sua


qualidade de vida e seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Assim observa‑se a importância
de entender os conceitos de violências contra crianças e adolescentes para conseguir identificá‑las,
preveni‑las e responder a elas.

Os tipos de violências contra crianças e adolescentes são variados e muitas vezes apresentam
conceitos diversos. Para facilitar a compreensão do que constitui uma violência, costumamos nos basear
pelo que diz a legislação nacional, em especial a Lei n. 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida). Assim, a
área de proteção de crianças e adolescentes contra as violências da Unicef trabalha para:

(1) dar visibilidade ao tema da violência, por meio da produção e


disseminação de conteúdo, da realização de diálogos nacionais e locais e
a realização de advocacy e parcerias com diversos setores; (2) ofertar apoio
técnico especializado em nível nacional e local; (3) promover a melhoria
dos serviços públicos de prevenção e resposta às violências por meio do
fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos, por exemplo, em sua
atuação nos municípios inscritos no Selo UNICEF e nas capitais participantes
das #AgendaCidadeUNICEF (UNICEF, [s.d.]).

Na área de proteção contra as violências, essas ações incluem a realização de ações e/ou campanhas
para a prevenção das violências, a criação de um mecanismo de coordenação intersetorial para o
atendimento integrado de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e de seus
documentos norteadores, e a promoção do uso do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência
(Sipia) pelos conselheiros tutelares.

Para que os municípios tenham condições de realizar essas ações e alcançar o resultado de prevenção
e resposta às violências, a Unicef oferta apoio técnico por meio de capacitações, produção de materiais,
disseminação de informações, ações de mobilização e tira dúvidas.

Diante da complexidade das violências que impactam crianças e adolescentes, a proposta da


#AgendaCidadeUNICEF é atuar em grandes cidades brasileiras e construir uma iniciativa que integre
ações e políticas de proteção contra as violências.

A proposta é que os municípios construam uma agenda positiva ancorada em ações de educação,
de saúde integral e bem‑estar de crianças e adolescentes, de participação cidadã de adolescentes, de
fortalecimento de mecanismos de proteção e de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens com
o intuito de quebrar o ciclo da pobreza, exclusão, racismo e violência.

103
Unidade I

Para contribuir com essas ações, é preciso que todos façam a sua parte, assim é importante
reconhecer a multidimensionalidade e a multifatoriedade das situações de vulnerabilidade e violência,
compreendendo como fatores pessoais, sociais, econômicos, culturais e territoriais influenciam
essas situações.

Isso é fundamental para desnaturalizar a violência contra crianças e adolescentes e para promover
ações de prevenção que sejam eficazes. Além disso, é preciso fortalecer o SGD para responder às
violências contra crianças e adolescentes de maneira eficiente.

Conclui que a prevenção deve andar lado a lado com a resposta às violências contra crianças
e adolescentes, uma vez que uma visa coibir que novos casos aconteçam, enquanto a outra busca
solucionar incidentes já ocorridos. Logo, prevenção e resposta se complementam e mostram‑se
igualmente importantes na proteção de crianças e adolescentes contra as violências.

Com a pandemia do Covid‑19, houve um aumento nos casos de violação dos direitos da criança
e do adolescente. Quem geralmente denuncia essas violações são professores e cuidadores, mas com
escolas e creches fechadas, as crianças e os adolescentes passaram a ficar em casa trancados com seus
agressores, sendo necessárias redes comunitárias e vizinhos para ajudarem nas denúncias.

Em 2020, o Governo Federal mostrou alguns desses dados: a maioria das vítimas são do sexo
feminino e cerca de 55% negras e 42% brancas. A negligência é o maior fator de violação desses
direitos, em 39% dos casos. A proporção de denúncias é de 41,3 por 100 mil habitantes. Os estados
mais populosos estavam no topo da lista: São Paulo com 20,4 mil denúncias, Minas Gerais com
10,6 mil, Rio de Janeiro com 9 mil e Bahia com 4,5 mil, constaram os maiores números de denúncias
feitas (Marketing amigos do HC, 2023).

Segundo o Instituto Alana (2022), os dois anos de pandemia de Covid‑19 impactaram a vida de
crianças e dos adolescentes, muitas foram afetadas em diversas escalas, gerando inúmeros desafios no
que diz respeito à garantia de seus direitos. Vimos o aumento da pobreza, da fome e de questões de
saúde mental.

Esse resultado ocasionou o impacto na redução do desempenho escolar e a quebra da convivência


familiar e social. O Brasil entrou negativamente em evidência no cenário mundial da pandemia, sendo
o segundo país com mais mortes por Covid‑19 de crianças na faixa de 0 a 9 anos.

Os dados apresentados pelo Instituto Alana e o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário
(Cepedisa) mostraram que os impactos para essa população poderiam ter sido minimizados não fosse a
má gestão da pandemia.

104
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

As implicações dessa gestão ineficiente estão reunidas no Dossiê Infâncias e Covid‑19, em que
é possível compreender quais foram as medidas efetivas adotadas para proteger esse público com
absoluta prioridade durante a pandemia, os resultados apresentados estão a seguir.

O governo federal deixou ações de enfrentamento à pandemia voltadas para


as crianças por último. Elas tiveram seu direito à saúde negado, quando
deveriam ser a prioridade. Ainda, elas possuem o direito de ser protegidas
contra uma doença que pode levar à morte e deixar sequelas. A saúde
individual e coletiva é uma condição para que elas tenham acesso a outros
direitos, como à educação e à convivência em sociedade”, destaca Ana
Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana (Alana, 2022).

Segundo o instituto, o dossiê, principalmente no que se refere ao desenvolvimento integral de


crianças e adolescentes, demostrou que os impactos atingiram o acesso a serviços de saúde, à proteção
contra outras doenças, à saúde mental, à educação, entre outros destacados na publicação.

Entretanto, os impactos não distribuem por igual as crianças em situação de vulnerabilidade,


especialmente crianças e adolescentes negros, residentes em comunidades periféricas, indígenas e
quilombolas, cujas famílias se encontram em situação de pobreza, foram mais expostos à Covid‑19.

Segundo Pedro Hantung, diretor de políticas e direitos das crianças do Instituto Alana, os dados
apresentados não são inéditos, mas, observados em conjunto, buscam oferecer um panorama
dos impactos da pandemia nos direitos das crianças e adolescente. Assim, o registro do que ocorreu
nesses cerca de 18 meses de pandemia é valioso para a reflexão presente e futura (Alana, 2022).

Já os dados do governo federal, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio
do Disque 100, registram mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro
primeiros meses de 2023. O aumento é de 68% em relação ao mesmo período do ano passado, há
maior participação da sociedade na mobilização e denúncia. Sendo a casa da vítima, do suspeito ou
de familiares o pior cenário, com quase 14 mil violações (Brasil, 2023a).

A divulgação dos números integra as ações da campanha do 18 de maio – Dia Nacional de Combate
ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, do Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania (MDHC). Com o tema “Faça bonito. Proteja nossas crianças e adolescentes”, o objetivo da
iniciativa é promover a data e sensibilizar a sociedade para ações preventivas e pedagógicas (Brasil, 2023a).

Assim, é necessária a contribuição de toda a sociedade para prevenir e enfrentar os crimes que
assolam a infância e a adolescência.

O pedido de colaboração feito pelos profissionais da Segurança Pública com atuação em Sergipe é
compartilhado pelo Governo Federal:

105
Unidade I

Denunciem casos de violações contra crianças e adolescentes. O Disque 100


pode ser acionado por meio de ligação gratuita, WhatsApp (61)99611‑0100,
site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), videochamada
em Língua Brasileira de Sinais (Libras), aplicativo Direitos Humanos Brasil,
Telegram (Alves Júnior, 2023).

Outra iniciativa é a Campanha Faça Bonito, que ocorre de forma digital e divulga postagens sobre
como identificar abusos por meio de mudanças de comportamentos, incentivo ao diálogo e como as
crianças e os adolescentes podem se proteger de possíveis ameaças.

Tem‑se assim um universo de violação de direitos e violência contra criança e adolescente, tais como
(PÊGO, 2014):

• Negligência: tipo de violência doméstica que pode se manifestar pela ausência dos cuidados
físicos, emocionais e sociais em função da condição de desassistência da qual a família é vítima.
Pode ser expressão de um desleixo.

• Abuso/violência física: atos de agressão praticados pelos pais e/ou responsáveis que podem ir de
uma palmada até o espancamento.

• Abuso/violência psicológica: manifestam‑se na depreciação da criança ou do adolescente pelo


adulto, por humilhações, ameaças, impedimentos, ridicularizações, que minam a sua autoestima.

• Abuso/violência sexual: geralmente praticados por adultos que gozam da confiança da criança
ou do adolescente, tendo também a característica de, em sua maioria, serem incestuosos.

• Trabalho infantil: imbuído à condição de pobreza em que vivem suas famílias, necessitam da
participação dos filhos para complementar a renda familiar, resultando no processo de vitimização.

Os dados apresentados mostram que a casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os
piores cenários, com quase 14 mil violações. Ainda nos quatro primeiros meses do ano, foram registradas
763 denúncias e 1,4 mil violações sexuais ocorridas na internet. Em todo o ambiente virtual, houve
registros de exploração sexual, com 316 denúncias e 319 violações; estupro, com 375 denúncias e
378 violações; abuso sexual físico, com 73 denúncias e 74 violações; e violência sexual psíquica, com
480 denúncias e 631 violações (Albuquerque, 2023).

Na casa da vítima ou na casa onde reside a vítima e o suspeito, os números são ainda maiores.
Houve 837 denúncias e 856 violações de exploração sexual; de estupro, sendo 4,3 mil denúncias e
4,4 mil violações; 1,4 mil denúncias e 1,4 mil violações de abuso sexual físico; e 2,7 mil denúncias
e 3,5 mil violações de violência sexual psíquica. No total, 5,7 mil denúncias e 10,3 mil violações
(Fraga, 2023).

Já na casa de familiares, de terceiro ou do suspeito, os casos de exploração sexual tiveram


304 denúncias e 312 violações registradas; sendo de estupro, 1,5 mil denúncias e 1,5 mil violações;
106
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

abuso sexual físico, 480 denúncias e 487 violações; e violência sexual psíquica, com 898 denúncias e
1,1 mil violações. O total é de 1,8 mil denúncias e 3,5 mil violações (Fraga, 2023).

Também constam entre os cenários das violações sexuais: berçário e creche; instituições de
ensino; estabelecimentos comerciais; de saúde; órgãos públicos; transportes públicos; vias públicas;
instituições financeiras; eventos e ambientes de lazer, esporte e entretenimento; local de trabalho da
vítima ou do agressor; táxi; transporte de aplicativo.

Os dados mostram que ainda há muito para fazer na prática, apesar de existirem legislações que
asseguram a proteção e os direitos da criança e do adolescente e que todas as ações e divulgações
contribuem para prevenir e sanar a violência contra as crianças e adolescentes.

4.2 Demandas por atendimento: violência e maus‑tratos contra a pessoa


idosa

A fragilidade da pessoa idosa pode piorar em situações de abandono ou quando vive sozinha, ficando
exposta a agressões e a crimes como furto.

Uma forma bastante comum de violência (especialmente contra mulheres) é o abuso da pessoa
idosa, cometido por membros da família ou por acompanhantes formais conhecidos da vítima.

Os maus‑tratos contra pessoas idosas ocorrem em famílias de todos os níveis econômicos. Sua
escala aumenta com mais frequência em sociedades que experimentam problemas econômicos e
desorganização social, quando a taxa de crime e de exploração tendem a crescer.

As pessoas idosas tornam‑se mais vulneráveis à violência quando precisam de mais cuidados
físicos ou apresentam dependência física ou mental. Quanto maior a dependência, maior o grau de
vulnerabilidade. O convívio familiar estressante e cuidadores despreparados agravam essa situação.
Apenas recentemente os maus‑tratos contra as pessoas idosas passaram a ser reconhecidos como
violência doméstica.

Conforme a Rede Internacional para a Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, esse abuso é “um ato
único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento
em que haja uma expectativa de confiança, que cause danos ou angústia a uma pessoa mais velha”
(AEA, 1995).

Ainda de acordo com a Rede Internacional de Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, a OMS elencou
alguns tipos de violências: abuso físico ou maus‑tratos físicos, em que há o uso da força física para
obrigar as pessoas idosas a fazer algo que não desejam, para feri‑los, provocar dor, incapacidade ou
morte; abuso ou maus‑tratos psicológicos, representando agressões verbais ou gestuais com o intuito
de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar do convívio social (AEA, 1995).

107
Unidade I

Os maus‑tratos contra pessoas idosas incluem abuso físico, sexual, psicológico, financeiro, inclusive
negligência. Por exemplo: negligência (exclusão social e abandono); violação (de direitos humanos,
legais e médicos); privação (de escolhas, decisões, status, dinheiro e respeito) (OMS, 2005).

O abuso a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos e uma causa relevante de lesões, doenças,
perda de produtividade, isolamento e desespero. Em geral, em todas as culturas, é pouco denunciado.
Combater e reduzir os maus‑tratos contra pessoa idosa demandam uma abordagem multisetorial,
multidisciplinar, que envolve vários atores sociais e instâncias governamentais, órgãos de defesa.

Nesse contexto, é importante destacar alguns conceitos.

• Negligência: recusa de cuidados necessários as pessoas idosas por parte de responsáveis familiares
ou institucionais.

• Autonegligência: conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela
recusa de prover cuidados necessários a si mesmo.

• Abandono: ausência ou deserção de responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de


prestarem socorro a uma pessoa idosa que precise de proteção e assistência.

• Abuso financeiro: exploração imprópria ou ilegal ou ao uso não consentido pela pessoa idosa de
seus recursos financeiros e patrimoniais.

• Abuso sexual: ato ou jogo sexual utilizando pessoas idosas.

Lembrete

A violência contra a pessoa idosa se define como qualquer ato, único ou


repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente de
confiança, que cause dano ou incômodo à pessoa idosa.

Conceitualmente, existem três fatores determinantes:

• Um vínculo significativo e pessoal que gera expectativa e confiança.

• O resulto de uma ação, dano ou o risco significativo de dano.

• A intencionalidade ou não intencionalidade.

108
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

A violência é um fenômeno mundial e existe desde o início da civilização.

A violência existe desde os tempos primordiais e assumiu novas formas à


medida que o homem construiu as sociedades. Inicialmente foi entendida
como agressividade instintiva, gerada pelo esforço do homem para sobreviver
na natureza. A organização das primeiras comunidades e, principalmente, a
organização de um modo de pensar coerente, que deu origem às culturas,
gerou também a tentativa de um processo de controle da agressividade
natural do homem (Souza, 2010, p. 1).

A OMS (Brasil, 2014b) define a violência contra a pessoa idosa:

São ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando


a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o
desempenho de seu papel social. A violência acontece como uma quebra
de expectativa positiva por parte das pessoas que a cercam, sobretudo dos
filhos, dos cônjuges, dos parentes, dos cuidadores, da comunidade e da
sociedade em geral.

Para Minayo (2005, p. 48), “o maltrato à pessoa idosa é um ato (único ou repetido) ou omissão que
lhe cause danos ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.

Para a autora, a violência contra a pessoa idosa é um dilema universal e as pessoas idosas mais
vulneráveis à violência são os dependentes física e mentalmente, em especial aqueles que apresentam
agravantes como esquecimento, confusão mental, incontinência e dificuldades de locomoção
(Minayo, 2005).

A pesquisadora define a natureza da violência e a divide da seguinte forma:

As violências contra as pessoas idosas se manifestam de forma:

(a) estrutural, aquela que ocorre pela desigualdade social e é naturalizada


nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação;

(b) interpessoal, nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e

(c) institucional, na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais


pelo Estado e pelas instituições de assistência, maneira privilegiada de
reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo
e de discriminação (Minayo, 2005, p. 48).

A violência contra pessoas idosas é uma violação aos direitos humanos e é uma das causas mais
importantes de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e desesperança.

109
Unidade I

Essa violência pode ser visível ou invisível: a primeira envolve mortes e lesões; a segunda abrange
lesões que não machucam o corpo, mas provocam sofrimento, desesperança, depressão e medo.

Os custos da violência contra pessoas idosas, ainda que não estejam suficientemente documentados,
têm implicações diretas e indiretas.

Os custos diretos podem estar associados a prevenção e intervenção, assim como a prestação de
serviços, processos jurídicos, assistência institucional e programas de prevenção, educação e intervenção.
Os custos indiretos referem‑se a questões como menor produtividade, baixa qualidade de vida, dor e
sofrimento emocional, perda de confiança e autoestima, incapacidades e morte prematura.

Observação

A violência contra a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos.


Enfrentar a violência à pessoa idosa requer um enfoque multidisciplinar.

Há múltiplas situações, condutas, sintomas e sinais que podem levar a suspeitas da existência de
violência. A própria queixa por parte da pessoa idosa é um dos indicadores mais sensíveis e específicos,
comum a todos os tipos de violências.

O Brasil começou a tratar do assunto apenas nas duas últimas décadas devido ao aumento do
número da população idosa no país, que tornou irreversível a sua presença em todos os âmbitos da
sociedade. Houve crescimento no protagonismo de movimentos realizados pela própria população
idosa ou por instituições aliadas, seja em associações de aposentados, nos conselhos específicos ou em
movimentos políticos, sociais e de direitos.

Essas ações repercutiram tanto na promulgação da Política Nacional da Pessoa Idosas (1994) como
no Estatuto da Pessoa Idosa (2003), os quais serão estudados a seguir.

A Lei n. 12.461 (Brasil, 2011), que reformulou o art. 19 do Estatuto, Lei n. 10.741 (Brasil, 2003),
ressaltou a obrigatoriedade da notificação dos profissionais de saúde, de instituições públicas
ou privadas, às autoridades sanitárias quando constatarem casos de suspeita ou confirmação de
violência contra pessoas idosas, bem como a sua comunicação aos seguintes órgãos: autoridade
policial; Ministério Público; Conselho Municipal da Pessoa Idosa; Conselho Estadual da Pessoa
Idosas; Conselho Nacional da Pessoa Idosa.

110
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Resumo

Discutiu‑se a trajetória da construção da doutrina de proteção


integral para crianças e adolescentes e o reconhecimento da criança
e do adolescente enquanto sujeitos de direitos. Assim, foi estudado o
percurso de formação e construção sócio‑histórica da política da criança
e do adolescente.

Posteriormente, abordou‑se a questão da atenção a crianças e


adolescentes por meio dos seguintes períodos: a infância no período
da colonização pelos portugueses; a infância em civilizações antigas;
o século XIV – XVI, marcado pelo Renascimento; o período higienista,
assistencial caritativo (1554‑1874), marcado pelas primeiras iniciativas
de atenção ao “menor”; o filantrópico (1874‑1924), com destaque para
a ação de higienistas e filantropos no controle de doenças; o assistencial
(1924‑1964), acentuado por muitas mudanças legais, como o Código
de Menores de 1927 e instituições de atendimento, a exemplo do SAM
(1941); o institucional (1964‑1990), época de expansão do número de
instituições de atendimento, como a Funabem.

Foi abordada a trajetória da infância e juventude e da proteção social no


Brasil, como também a criança e suas diversidades (pessoa com deficiência,
indígenas, situação de rua, privadas de liberdade, negras, quilombolas).
Além do direito da criança e dos adolescentes na saúde, saúde mental,
educação e assistência social.

A década de 1990 se iniciou com a mudança de paradigma, de


doutrina de situação irregular para doutrina de proteção integral, que foi
promovida pelo ECA. Com o ECA, foram criadas políticas de atendimento
específicas, considerando‑se situações de vivência, medidas de proteção,
ações socioeducativas, planos e programas, todos sendo operacionalizados
através de uma rede de atendimento.

Por meio de uma breve retrospectiva histórica, foram elencadas as


principais formas de intervenção, constituídas para oferecer à população
do país o socorro a suas necessidades básicas, parte da organização
econômica e política do Brasil, desde o regime colonial até os dias atuais.

Por meio das legislações que asseguram os direitos da criança


e adolescentes, foram significativos para mudanças de paradigmas,
consequentemente em atitudes da sociedade, porém ainda estamos

111
Unidade I

caminhando para maior segurança, com a elaboração e efetividade do SGD,


por meio do sistema (SGDCA) e (PNCFC)

Também foi abordada a primazia da proteção integral (medidas


protetivas e socioeducativas), na atenção à criança e ao adolescente,
especialmente a proteção frente à situação de violência.

Conceituaram‑se o envelhecimento e os processos envolvidos nesse


segmento. Ao longo da história humana, a velhice foi vista de diferentes
maneiras, conforme a cultura e os hábitos de vida de cada povo.

Parte inerente do processo da vida, o envelhecimento é marcado por


mudanças biopsicossociais específicas. No entanto, esse fenômeno varia
de indivíduo para indivíduo, podendo ser determinado geneticamente ou
influenciado pelo estilo de vida, pelas características do meio ambiente e
pela situação social.

A abordagem do conceito envelhecimento inclui a análise de aspectos


culturais, políticos e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas
simbólicos da sociedade.

O envelhecimento ativo depende de vários fatores determinantes,


que envolvem indivíduos, famílias e países. Eles podem ser transversais,
formados pela cultura e pelo gênero, envolvendo os sistemas de saúde e de
serviço social, aspectos comportamentais, o ambiente físico, o ambiente
social e o ambiente econômico.

Destacou‑se que o envelhecimento ativo aumenta a expectativa de


uma vida saudável e de qualidade, inclusive para as pessoas que são frágeis,
fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados.

Para estudar o envelhecimento no Brasil, foram analisados dados


estatísticos, que evidenciaram uma inversão da pirâmide etária. Constatou‑se
que houve avanço quanto às legislações e inserção de políticas de proteção
social.

Traçou‑se um panorama da construção de políticas de atenção que


primam pelos direitos das pessoas idosas no Brasil antes e após a Constituição
Federal de 1988.

112
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

Exercícios

Questão 1. Acerca do tema “a trajetória do reconhecimento da criança e do adolescente enquanto


sujeitos de direito”, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.

I – O período assistencial caracterizou‑se pelo aumento do número de leis que tinham como
finalidade abranger a maioria dos aspectos da assistência à infância, sob o bojo da Declaração dos
Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959.

porque

II – Nesse período, foram criadas a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem,
que tinham seus objetivos voltados exclusivamente para o atendimento de crianças e de
adolescentes que cometessem atos infracionais.

É correto afirmar que:

A) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção justifica a primeira.

B) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção não justifica a primeira.

C) A primeira asserção é verdadeira, e a segunda asserção é falsa.

D) A primeira asserção é falsa, e a segunda asserção é verdadeira.

E) As duas asserções são falsas.

Resposta correta: alternativa E.

Análise da questão

A primeira asserção é falsa. Apesar de o início do período assistencial (1924) ter sido caracterizado
pelo aumento no volume de leis que tinham por objetivo cobrir o máximo possível dos aspectos ligados
à assistência à infância, a Declaração dos Direitos da Criança foi subscrita pela Assembleia Geral das
Nações Unidas somente 35 anos depois (1959).

A segunda asserção é falsa, pois a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem
foram criadas no período institucional (1964‑1990); seus objetivos não se limitavam ao atendimento
de crianças e adolescentes que cometessem atos infracionais, eles também eram voltados às crianças e
adolescentes que vivenciassem situação de vulnerabilidade social.

113
Unidade I

Questão 2. Leia o texto a seguir.

Acolhimento Institucional

No PNCFC, adotou‑se o termo Acolhimento Institucional para designar os programas de abrigo em


entidade, definidos no Art. 90, Inciso IV, do ECA, como aqueles que atendem crianças e adolescentes
que se encontram sob medida protetiva de abrigo, aplicadas nas situações dispostas no Art. 98.
Segundo o Art. 101, Parágrafo Único, o abrigo é uma medida provisória e excepcional, não implicando
privação de liberdade. O Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes pode ser oferecido em
diferentes modalidades como: Abrigo Institucional para pequenos grupos, Casa Lar e Casa de Passagem.
Independentemente da nomenclatura, todas estas modalidades de acolhimento constituem “programas
de abrigo”, previstos no artigo 101 do ECA, inciso VII, devendo seguir os parâmetros dos artigos 90, 91,
92, 93 e 94 (no que couber) da referida Lei.

Todas as entidades que desenvolvem programas de abrigo devem prestar plena assistência à criança
e ao adolescente, ofertando‑lhes acolhida, cuidado e espaço para socialização e desenvolvimento.

Disponível em: http://tinyurl.com/3cyyvnfj. Acesso em: 16 dez. 2023 (com adaptações).

Com base no termo “Acolhimento Institucional” adotado pelo Plano Nacional de Convivência Familiar
e Comunitária (PNCFC) para denominar os programas de abrigo em entidades e nas modalidades e
características dos serviços de acolhimento para crianças, adolescentes e jovens, assinale com V as
afirmativas verdadeiras e com F as afirmativas falsas:

( ) O público constituído por jovens de 18 a 21 anos deve ser, em termos de acolhimento,


encaminhado para o serviço intitulado “República”, em número de até seis jovens por unidade.

( ) O serviço denominado “Família acolhedora” prevê, como capacidade de atendimento, até


20 crianças e adolescentes.

( ) Para que o serviço “Casa‑lar” possa ser oferecido em unidades residenciais, é necessário que pelo
menos uma pessoa ou um casal trabalhe como educador ou cuidador residente.

( ) O “Abrigo Institucional” é o serviço oferecido em sistema de autogestão ou cogestão, com


capacidade de atendimento para até seis jovens por unidade, destinado somente a adolescentes.

( ) O serviço destinado prioritariamente a jovens egressos de serviços de acolhimento para crianças


e adolescentes é o “Casa‑lar”, uma vez que permite a gradual autonomia de seus moradores.

114
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA

A sequência correta das marcações, de cima para baixo, é

A) V – F – V – V – F.

B) F – V – F – V – F.

C) V – F – V – F – F.

D) F – F – V – V – F.

E) V – V – F – V – F.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

De acordo com a tipificação nacional dos serviços socioassistenciais (CNAS, 2009), o serviço de
acolhimento institucional denominado “República” é previsto para o público de jovens de 18 a 21 anos
e deve ter capacidade de atendimento de até seis jovens por unidade.

O serviço de acolhimento intitulado “Família Acolhedora”, voltado para crianças e adolescentes


(0 a 18 anos), tem como capacidade de atendimento uma criança ou um adolescente para cada família,
exceto no caso de grupos de irmãos, que devem ficar juntos na mesma família acolhedora.

Os diferenciais do serviço de acolhimento “Casa‑lar” são a presença de um educador ou cuidador


residente e o menor número de crianças e adolescentes acolhidos (até dez crianças e adolescentes
por unidade).

O serviço de acolhimento denominado “Abrigo Institucional” é inserido na comunidade em áreas


residenciais, deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e é voltado para o atendimento de até
20 crianças e adolescentes.

A “República” é o serviço que se destina majoritariamente a jovens egressos de serviços de acolhimento


para crianças e adolescentes, permite a gradual autonomia de seus moradores e funciona em sistema
de autogestão.

Fonte: CNAS. Resolução Conjunta n. 1, de 18 de junho de 2009. Aprova o documento Orientações Técnicas:
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, 2009.

115

Você também pode gostar