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do Adolescente e
da Pessoa Idosa
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Luciana Helena Mariano Lopes Mattos
Profa. Silmara Cristina Ramos Quintana
Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella
Profa. Christiane Mazur Doi
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago /
Luciana Helena Mariano Lopes Mattos / Silmara Cristina Ramos Quintana
Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). É docente na Universidade Paulista (UNIP).
Graduada em Serviço Social pela Pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), especialista em direitos sociais e
competências profissionais pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em políticas sociais pela Unicsul. Tem ampla
experiência na área de Serviço Social, com ênfase em política social e políticas públicas, assistência social, territorialidade,
sociojurídico e terceiro setor. Atualmente, trabalha no terceiro setor como assistente social no sistema sociojurídico,
junto a um serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. É docente na Universidade Paulista (UNIP).
Graduada em Serviço Social (1983) e em Pedagogia (2018), especialista em psiquiatria e psicologia de adolescentes,
psicodrama pedagógico, psicopedagogia, orientação educacional e para o mundo do trabalho. Mestre em políticas
públicas para adolescentes em conflito com a lei. Experiência na política de assistência social, proteção social básica e
especial de média complexidade. Facilitadora de práticas restaurativas. Atuou em conselhos municipal dos direitos da
criança e do adolescente, da pessoa com deficiência, Conselho da Assistência Social. Docente no Ensino Superior nas
modalidades presencial e a distância, com experiência na gestão de cursos nas duas modalidades.
CDU 362
U519.72 – 24
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Profa. Sandra Miessa
Reitora
UNIP EaD
Profa. Elisabete Brihy
Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto
Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO SUJEITO
SOCIAL DE DIREITO.................................................................................................................................................9
1.1 A infância em civilizações antigas................................................................................................. 10
1.2 A infância no Renascimento – séculos XIV‑XVI........................................................................ 11
1.3 A infância no período de colonização pelos portugueses.................................................... 12
1.4 A infância no período filantrópico‑higienista (1874‑1924)................................................ 13
1.5 A infância no período assistencial (1924‑1964) ..................................................................... 21
1.6 A infância na fase institucional (1964‑2000)............................................................................ 27
2 AS ESPECIFICIDADES DA ATENÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE......................................... 34
2.1 A proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.......................................... 34
2.1.1 A primazia da proteção integral – medidas protetivas e socioeducativas....................... 40
2.2 CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SUAS DIVERSIDADES............................................................. 48
2.2.1 Crianças e adolescentes com deficiência....................................................................................... 48
2.2.2 Crianças e adolescentes indígenas................................................................................................... 49
2.2.3 Crianças e adolescentes em situação de rua................................................................................ 49
2.2.4 Crianças e adolescentes com um de seus pais privados de liberdade .............................. 50
2.2.5 Crianças e adolescentes negras......................................................................................................... 51
2.2.6 Crianças e adolescentes quilombolas.............................................................................................. 51
3 A COMPREENSÃO HISTÓRICA DA PESSOA IDOSA.............................................................................. 52
3.1 Envelhecimento..................................................................................................................................... 52
3.2 Envelhecimento ativo.......................................................................................................................... 61
3.3 Envelhecimento no Brasil.................................................................................................................. 65
3.4 A população brasileira e a dinâmica demográfica ................................................................. 68
3.5 Direitos conquistados pelas pessoas idosas a partir da Constituição de 1988............ 78
3.5.1 Política Nacional da Pessoa Idosa..................................................................................................... 93
3.5.2 Estatuto da Pessoa Idosa...................................................................................................................... 96
4 A SINGULARIDADE DA PROTEÇÃO FRENTE A SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE...............................................................................................................102
4.1 Violação de direitos e violências contra criança e adolescente.......................................102
4.2 Demandas por atendimento: violência e maus‑tratos contra a pessoa idosa...........107
Unidade II
5 REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL......................................................................................................................116
5.1 Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA)......................119
6 A INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA ATENÇÃO À CRIANÇA E
AO ADOLESCENTE..............................................................................................................................................126
6.1 Política de assistência social...........................................................................................................129
6.2 Política de educação..........................................................................................................................133
6.3 Política de saúde..................................................................................................................................136
6.3.1 Saúde da criança e do adolescente ...............................................................................................141
6.3.2 Saúde mental ........................................................................................................................................ 142
7 INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS DE ATENDIMENTOS PARA PESSOA IDOSA
NO BRASIL.............................................................................................................................................................144
8 INTERDISCIPLINARIDADE PARA ATENÇÃO A CRIANÇA, ADOLESCENTE E
PESSOA IDOSA ..................................................................................................................................................148
8.1 O papel do assistente com a criança, adolescente e a pessoa idosa..............................148
8.2 O papel do psicólogo com a criança, adolescente e a pessoa idosa..............................150
8.3 A intervenção interdisciplinar .......................................................................................................153
8.3.1 O papel do assistente social na alta complexidade ............................................................... 155
APRESENTAÇÃO
A trajetória da proteção social no Brasil está intimamente ligada à da formação das políticas sociais
e seus inúmeros desdobramentos.
Proteger crianças e adolescentes cujos direitos estejam ameaçados, de forma que possam desfrutar
do direito a viver junto à sua família e à comunidade, é um grande desafio.
Pensando nos ciclos de vida, há também uma nova trajetória a ser traçada, que separa segmentos
extremos, como é o caso de pessoas idosas. O envelhecimento é parte desse processo de vivência e pode
ser conceituado como um conjunto de modificações morfológicas, bioquímicas, fisiológicas e psicológicas,
as quais determinam a perda progressiva da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente.
Para tal, o estudo deste livro‑texto será iniciado a partir da evolução sócio‑histórica da criança
e do adolescente, avaliando‑se a trajetória de uma teoria da situação irregular a uma teoria da
proteção integral.
Nesse sentido, será enfatizada a condição peculiar de desenvolvimento, bem como a garantia de
proteção integral ofertada pelas medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes.
Serão examinadas as questões do cuidado e da proteção para a pessoa idosa. E, por fim, a atuação em
rede de proteção intersetorial e interdisciplinar.
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INTRODUÇÃO
As políticas intersetoriais serão exploradas a partir dos marcos da Constituição Federal (CF) de 1988
e das legislações subsequentes. Após acentuar as bases que fundamentam a origem da formação da
criança como sujeitos sociais de direito será abordada a trajetória específica da proteção social junto
de crianças, adolescentes e pessoas idosas. Essa análise será feira a partir de uma revisão sócio‑histórica
até a contemporaneidade.
Serão destacadas a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para a criança e para o
adolescente, as legislações que atendem esse segmento e a primazia da proteção integral prevista pelo
ECA. Subsequentemente, serão elencadas as legislações, a exemplo do Plano Nacional de Convivência
Familiar e Comunitária.
Trataremos de políticas de proteção social para pessoas idosas, destacando a ação intersetorial
das políticas públicas na efetivação da proteção social para a pessoa idosa. Os desdobramentos do
envelhecimento no aspecto biopsicossocial e a demanda por direitos, o atendimento e os cuidados
também serão ponderados.
Bons estudos!
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Unidade I
1 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA COMO
SUJEITO SOCIAL DE DIREITO
Segundo Magalhães,
A infância é considerada um período importante na vida do ser humano para a qual há várias definições,
com modos específicos de sentimentos, ações e comportamentos que devem ser compreendidos
respeitando as diferentes culturas de determinado tempo e espaço, mencionando, ainda, a troca de
conhecimentos que se estabelecem entre crianças, adolescentes e adultos.
Historicamente, verifica‑se que a evolução tanto da concepção da infância quanto de sua legislação
pertinente é a ligação entre o desenvolvimento infantil e o modo de tratar a criança e o espaço que ela
ocupa em âmbito familiar e social.
No Brasil, foi no começo do século XX que a infância passou a ser conhecida e construída como um
período da vida em que o ser humano tem necessidades específicas dessa fase.
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Unidade I
No sistema social grego, apenas os meninos poderiam alcançar o título de cidadão. As mulheres,
independentemente da idade, deveriam, sob o comando do chefe da família, ocupar‑se apenas das
atividades domésticas, do culto ao lar.
Em razão das guerras e conquistas militares que marcaram a civilização grega, os meninos,
quando atingiam a puberdade, eram separados de suas famílias para ingressar em um rígido sistema
de educação. Eram‑lhes ministradas atividades que cultuavam o corpo e a mente, quase sempre com
intenções militares. Os jovens tinham uma relação de submissão ao seu mestre (este, um cidadão
grego, muito mais velho), com quem mantinham relações íntimas.
No Império Romano, o pátrio poder era absoluto. O filho não emancipado poderia, pela simples
vontade de seu pai, ser vendido, ou mesmo morto, uma vez que era sua propriedade.
Na Idade Média, o modo de produção era o feudalismo, no qual a família era, igualmente,
comandada pelo pai, o chefe da família. Observou‑se, num primeiro momento, que a figura da criança e
do adolescente não estava presente na estrutura social medieval, ou seja, não havia distinção clara das
peculiaridades da criança e do adulto, reservando‑lhes a posição de “adultos em miniatura”. Não havia
sentimento quanto à infância, ou seja, as crianças não eram consideradas.
O destino das crianças estava traçado de acordo com a sua casta social. Aos filhos dos servos, era
certa a função de dar continuidade dos serviços dos pais em atendimento aos mesmos senhores feudais.
Os filhos dos senhores, por sua vez, deveriam passar por um austero sistema religioso e educacional,
para, em seguida, concretizarem o casamento comercializado pelos pais. Os jovens que não observassem
os costumes eram recriminados socialmente e tidos como cristãos infiéis.
A Idade Moderna ficou marcada pelo fim do sistema feudal e o início do mercantilismo. As mudanças
sociais desse período permitiram maior espaço para a infância na sociedade.
Enquanto durante toda a Idade Média apenas o filho primogênito herdava nomes e títulos, carregando
sozinho a responsabilidade de perpetuação da família, e as filhas eram destinadas aos conventos ou ao
casamento; ao longo da Idade Moderna, a situação dos demais filhos foi, aos poucos, sendo equilibrada.
Nessa sociedade a educação tornou‑se um dos pontos importantes na vida da criança, pois ela
prorroga a duração da infância. Todavia, até o século XVII, a escolarização foi monopólio do sexo
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
masculino. Às meninas eram destinados os ensinamentos domésticos, e até mesmo aquelas de famílias
nobres eram semianalfabetas (Aries, 1981, p. 189‑190).
Assim, o destino das meninas era o casamento, e a infância feminina era mais curta em relação
à masculina.
A Idade Moderna se iniciou com a Tomada da Bastilha (1789) e está presente até hoje. A partir dessa
época, a criança e o adolescente ficaram em destaque na sociedade, ocupando, de um lado, a posição
de mão de obra barata e, de outro, o de impulsionadores da economia, na medida em que compreendem
importante público de consumo.
A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma
infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX
resultou no enclausuramento total no internato. A solicitude da família, da Igreja, dos moralistas
e dos administradores privou a criança da liberdade que ela gozava entre os adultos. Infligiu‑lhe o
chicote, a prisão, em suma, as correções reservadas aos condenados das condições mais baixas
(Aries, 1981, p. 277‑278).
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra após a segunda metade do século XVIII, teve como
grande reflexo social a exploração do trabalho operário, em especial o trabalho infantil. Crianças muito
novas eram submetidas a extensas jornadas de trabalho, mais de quinze horas diárias, sendo expostas a
inúmeros acidentes.
No Renascimento (meados do século XIV e fim do século XVI), não havia o conceito específico de
infância, ela era considerada um período de transição sem importância, não havia instituições escolares
e os educadores ministravam aulas em lugares públicos, igrejas, mercados, praças etc. para grupos de
estudantes que não se dividiam por idade.
No decorrer do século XVII, a escolarização foi iniciada devido ao surgimento da escola, o processo
era caracterizado em turma ou série, as crianças foram separadas dos adultos e enclausuradas em
espaços chamados de quarentena. Entretanto o conceito de infância ainda não era claro, somente no
final do século começou a mudar em decorrência da Igreja, da família no processo de escolarização, das
descobertas sobre as práticas de higiene e de vacinação, que aumentaram a expectativa de vida.
11
Unidade I
A evolução na percepção da criança foi adquirindo sentido devido à preocupação relativa à saúde
física e à higiene, reduzindo a mortalidade infantil. Com isso, ela se torna destaque e é reconhecida
merecedora de orientação e educação.
Segundo Melo (2020), oficialmente, a história do Brasil começa com o seu “descobrimento” em 1500,
apenas 30 anos depois se iniciaria o processo de colonização pelos portugueses, no qual um número
majoritário de homens e algumas mulheres se dispuseram a aventurar‑se nas águas do Atlântico rumo
ao “Novo Mundo”, entretanto muitos desconhecem que:
Nesse período era evidente que essas crianças tinham fragilidades. Apesar de necessitarem de
cuidados e proteção, já enfrentavam o inverso do tratamento merecido, pois não eram vistas como
crianças, e sim adultos em corpos infantis, caracterizando um retrato real da ausência da percepção do
adulto sobre a infância no mundo ocidental.
Durante o período de colonização, tivemos uma realidade um tanto diferente, com novos personagens
históricos, agora não pajens ou grumetes, mas as crianças autóctones e os missionários jesuítas que,
sob a ideologia missionária, evangelizadora, educacional e assistencialista, dedicavam‑se à infância
indígena. Nos primeiros anos da chegada dos jesuítas ao Brasil, o ensino das crianças era uma das
primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus.
De acordo com o Melo (2020), a instrução a crianças e adolescentes “da terra” veio acompanhada de
inúmeros desafios, haja vista que os processos que envolviam a instrução aos indígenas encontrariam
primeiramente dificuldades de comunicação e alteridade cultural.
Assim, os jesuítas enxergaram nas crianças indígenas uma espécie de tábula rasa capazes de
aprender os conceitos cristãos mais facilmente que os índios adultos, visavam tirá‑las do paganismo e
discipliná‑las, inculcando‑lhes normas e costumes cristãos, como o casamento monogâmico, a confissão
dos pecados, o medo do inferno. Convertendo‑as e disciplinando‑as, haveria “futuros súditos dóceis” do
Estado português e que ainda influenciariam a conversão dos adultos às estruturas sociais e culturais
recém‑importadas.
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Desenvolveram‑se novos olhares para a criança, eram um papel em branco, fruto das novas
concepções de infância que surgiam na Europa, construindo também o conceito de infância no Brasil,
que viria acompanhado das influências do velho mundo. Tais influências atuavam fortemente nas
políticas educacionais e assistencialistas da Igreja para a infância ameríndia e portuguesa.
Nos primeiros anos do período colonial, apesar de um dos marcos ser a implantação da educação
(embora de cunho cristão), durante muito tempo, foram percebidas disparidades gritantes no tratamento
direcionado a crianças de dois grupos sociais distintos: as de famílias de elite e as de origem pobre.
Na República Velha, os asilos mantiveram‑se e ainda foram criados outros, conforme destacado
no excerto:
Couto et al. (2010) relatam que a República Velha demarca mais de uma mudança na organização
política. Ela funda também alterações na organização econômica do Brasil.
Em sua análise, Couto et al. (2010) dizem que, com o avanço das forças produtivas em nosso país,
relacionadas ao desenvolvimento capitalista, já não havia mais como o Estado ser representado pelo
Império. Note‑se que o fato de vivenciar a organização política imperial ainda deixava o Brasil com uma
vinculação direta a Portugal, o que dificultava o livre‑comércio da produção capitalista. Assim, a República
era condição imprescindível para dar sequência ao desenvolvimento capitalista brasileiro.
Desse modo, partindo das definições de Couto et al. (2010), pode‑se concluir que temos na República
Velha a instituição do sistema capitalista de produção. Ainda nesse período, as atividades agrícolas eram
referência na economia do país. A adesão ao sistema capitalista de produção não resultou, no entanto,
13
Unidade I
na superação das atividades agrícolas. Mas foi a partir de então que a imagem do burguês, gestada
durante o Império, assumiu relevância na sociedade brasileira. Como nesse período foram criadas as bases
iniciais do processo de industrialização, a figura do industriário ou burguês assumiu grande destaque.
Em relação à organização política, foi nesse aspecto que ocorreram mais mudanças, pois, a partir
da República, não haveria mais a figura do imperador, da Corte e dos representantes do Estado, tão
comuns no período antecessor. O comum é que também na República Velha o poder seria privilégio dos
segmentos mais abastados economicamente; depois, haveria a figura do presidente.
Durante a República Velha, houve ausência por parte do Estado quanto à intervenção organizada
junto aos segmentos sociais empobrecidos. Assim, a ação propriamente dita ocorreu pela caridade
privada e a ação da Igreja Católica, sendo mantida a prática que já vinha sendo executada durante os
períodos da Colônia e do Império. Nesse momento houve significativa ampliação das Rodas dos Expostos
e também das Santas Casas, que se tornaram instituições hegemônicas (Araújo; Souza; Faro, 2010).
As Rodas assim como as Santas Casas foram mantidas durante muitos anos em nosso país. Como
exemplo de acolhimento, instaura‑se no período colonial um asilo para atender pessoas idosas, criado por
indicação do conde Resende, com o objetivo de acolher apenas aqueles que tinham servido na chamada
Guarda Nacional, similar ao Exército. Essa instituição localizava‑se no Rio de Janeiro, que no momento
era a capital do país, e recebeu o nome de Casa dos Inválidos. Com o tempo, essa instituição começou
a atender outras pessoas idosas e também a cobrar pelos serviços. Existe até hoje e é especialmente
destinada a atender pessoas idosas ricas, dado o valor cobrado (Araújo; Souza; Faro, 2010).
Saiba mais
14
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Veja o texto. Trata‑se de uma descrição da intervenção nas Rodas dos Expostos:
Destaque
O diagnóstico, porém, não era novo: há mais de trezentos anos, desde o início do
período colonial, meninos e meninas de diferentes raças e idades já vinham sendo
colocados à margem da sociedade. As circunstâncias variavam, mas os motivos eram
quase sempre os mesmos, isto é, abandono e orfandade vinculados à pobreza, à
escravidão ou aos códigos morais, que não admitiam mães solteiras. O histórico da
assistência ao “problema da infância” no país é, portanto, tão antigo como o próprio
problema – e, de certa forma, como o próprio Brasil.
Os jesuítas não recebiam apenas índios, mas também os filhos e as filhas de colonos,
bem como mestiços pobres. Todos eram alvo da catequese jesuítica e, eventualmente,
do ensino do idioma escrito e de ofícios considerados condizentes a sua condição social.
Segundo a lei, as crianças abandonadas, incluídas nesse contingente, deveriam ser
acolhidas pela municipalidade, mas essa difícil tarefa foi em grande parte assumida pela
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.
“Nos séculos XVI e XVII, tanto as câmaras municipais como as misericórdias prestaram
alguma assistência a crianças abandonadas e enjeitadas, adotando ambas a ‘colocação’
destes em casa particulares, onde deveriam ser cuidados e amamentados por amas de
leite até 3 anos, mediante pagamento”, afirma a mestra em Serviço Social, Eva Faleiros.
O século XVIII, porém, iria assistir não apenas ao grande crescimento das cidades – mas
também, em paralelo, ao aumento no número de crianças abandonadas, superando em
muito a assistência que as câmaras ou Casas De Misericórdia podiam oferecer. Começava,
15
Unidade I
Era uma questão de “sorte”: cronistas da época contam que muitas crianças
abandonadas nas ruas e estradas, e não assistidas a tempo, morriam até mesmo devoradas
por animais.
Em 1726, o vice‑rei Vasco Meneses determinou que todas as crianças expostas fossem
abrigadas em asilos. Foi a partir daí que a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro
adotou o sistema da Roda, já utilizado na Europa desde a Idade Média, que iria funcionar
por mais de duzentos anos. Outras rodas seriam instaladas nas casas de assistência do
Rio, Salvador e do Recife nas décadas seguintes. Até o fim do segundo reinado, seriam
treze em funcionamento em todo o país.
O Rio chegou a ter até mesmo uma “Casa da Roda”, depois chamada “Casa dos
Expostos”, hoje Educandário Romão de Mattos Duarte, uma homenagem ao seu fundador.
Frequentemente, era deixado um bilhete junto à criança, em geral escrito pela mãe,
no qual constavam algumas informações: nome do bebê, se foi ou não batizado e data
de nascimento. “Nos bilhetinhos, os familiares da criança expunham os motivos que os
levaram a procurar o hospital; neles, o abandono é apresentado como um paradoxal
gesto de amor, uma maneira de proteger o menino ou a menina que corria risco de
vida”, afirma Renato Pinto Venâncio, doutor em História do Brasil Colônia e historiador
especialista na Roda dos expostos. Algumas vezes, esses dados eram acompanhados de
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
pedidos de perdão – reforçando que a prática, embora comum, também podia ser um
peso na consciência.
Machado de Assis, na crônica “Pai contra mãe”, expressa esse sentimento a partir
da literatura, quando conta a história de um jovem casal que aguarda ansiosamente
a chegada de um filho, mas a difícil situação financeira apresenta um futuro diferente
do esperado: “Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o
conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia
haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para
beijá‑la, guardá‑la, vê‑la rir, crescer, engordar, pular...”.
“Às duas horas da tarde lançaram na Roda uma menina crioula, que tinha dois meses
de idade, muito enferma, com as orelhas furadas; no pescoço, uma enfiadura (espécie de
colar) de missangas, com duas figas de pau”.
“Às nove horas da noite lançaram na Roda uma menina que parece branca,
recém‑nascida, com dois dedos na mão esquerda, outros dois no pé direito” (1843).
E às vezes eram depositados na Roda dos falecidos, não chegando a sobreviver para
receber a assistência:
“Às nove horas da noite foi lançado na Roda o cadáver de um menino de cor parda,
que parece ter três dias de nascido. Sendo examinado pelo doutor, diz este que é falecido
de desvaído (não socorrido). Veio vestido com uma camisa de cambrainha” (1864).
“A Roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou
e multiplicou‑se no período imperial, conseguiu manter‑se durante a República e só
foi extinta definitivamente na década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a
chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da Roda
dos enjeitados”, afirma Marcos Freitas, doutor em História e Filosofia da Educação pela
PUC‑SP e professor do Departamento de Educação da Unifesp. Ainda assim, avalia o
pesquisador, “essa instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a Roda
dos expostos foi praticamente a última instituição de assistência à criança abandonada
em todo o Brasil”.
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Unidade I
Exemplo de aplicação
Esse texto foi propositalmente escolhido porque as Rodas foram as instituições que mais se
expandiram em nosso país. Hoje temos alguns lugares que querem recuperar essa prática.
Como você compreende o suposto desejo de reviver essa instituição? Repense, reflita e argumente
sobre o assunto.
Lembrete
Esse período foi marcado por omissão, repressão e paternalismo na proteção à infância, e as iniciativas
ficavam por conta do setor privado.
No que se refere ao trabalho infantil, o Estado o apoiava, qualificando‑o como mão de obra útil
nessa época. Em 1891 foi criada uma lei referente ao trabalho de menores que impedia esse tipo de
trabalho; embora não tenha sido regulamentada na época, permitia o trabalho de crianças, limitando
apenas a idade e a carga horária.
Observação
No século XX, entraram em cena com toda a força os higienistas e os filantropos frente à necessidade
incontestável dos preceitos higiênicos e da importância dos médicos nas instituições. Inicialmente, esse
período foi marcado pela distinção entre filantropia e caridade, porém, com o passar dos anos, os
seus discursos foram afinados e os conflitos superados, visto que ambas tinham o mesmo objetivo: a
preservação da ordem social.
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
família o alvo a ser atingido na profilaxia das doenças, a criança representava a ponte ideal de acesso
a ela (Rizzini, 1995, p. 108).
Em torno da metade do século XIX, os médicos brasileiros já mostravam nítida preocupação com
a infância. Atentavam para os altos índices de mortalidade infantil dos asilos e das casas da Roda,
procurando descobrir os motivos do fenômeno na tentativa de minimizá‑lo. Nessa época, fundaram‑se
as bases da puericultura no Brasil. Apesar disso, a necessidade de um reordenamento político e social
na nascente República somado ao recrudescimento das mazelas da infância abandonada fizeram
oscilar os discursos políticos entre a defesa da criança e a defesa da sociedade contra a criança, vista
como uma ameaça à ordem pública.
Foi nessa época que a sociedade iniciou as discussões sistemáticas sobre a responsabilidade do poder
público na formulação de políticas sociais voltadas para a infância.
Assim, a judicialização da infância nesse período foi notória, baseando‑se na ideia da necessidade
do Estado de intervir para educar e corrigir as crianças, a fim de se transformarem em cidadãos úteis
e produtivos, tudo em nome da paz social. Foi nesse tempo que nasceu o termo menor, referindo‑se
“à criança em risco social e normalmente acompanhada de outro adjetivo, que podia ser: delinquente,
abandonado, desvalido, vicioso etc.” (Rizzini, 1995, p. 115).
No fim do século XIX, era crescente o número de crianças abandonadas no Rio de Janeiro e a
criminalidade infantojuvenil era cada vez maior. Embora os avanços científicos e sociais destacassem a
necessidade da oferta da educação infantil no lugar da repressão, mesmo assim, foi promulgado às pressas
o Código Criminal de 1890, o qual rebaixou a idade penal de 14 para 9 anos, reduzindo em 5 anos a fixada
pelo Código Criminal de 1830. Tal medida foi justificada como sendo necessária para “salvar o menor” e
atuava através de ações coercitivas e correcionais, aparentemente de aplicação mais fácil, rápida e eficaz
que as educacionais.
Segundo o Código de 1890, não eram considerados criminosos os menores de 9 anos completos
e os maiores de 9 e menores de 14 anos que “obrassem sem discernimento”. Dessa maneira, o
discernimento, tal como poderia ser entendido a partir da lei, enquanto idade da razão, levou à prisão
muitas crianças, as quais cumpriram pena de prisão disciplinar em estabelecimentos industriais.
Conforme o art. 49, nesses estabelecimentos deveriam ser recolhidos os menores de até 21 anos
de idade; o art. 400, por sua vez, anunciou a intenção e a necessidade de criar novas colônias penais
em ilhas marítimas ou nas fronteiras do território nacional. A recuperação desses jovens dar‑se‑ia pela
disciplina de uma instituição de caráter industrial, no qual o trabalho seria o principal recurso para
enquadrar, no regime produtivo vigente, aqueles menores (Brasil, 1890).
19
Unidade I
Na verdade, o que havia por trás disso era uma tentativa de fazer trabalhar o ex‑escravo ou imigrante
numa época de transição para o capitalismo, e as novas relações de produção assumiam uma conotação
utilitarista e civilizadora. Para pôr em prática essa visão, era necessário reprimir a ociosidade, o que
significava a condenação de crianças que perambulavam nas ruas. Assim, elas eram recolhidas na Casa
de Detenção do Rio de Janeiro e colocadas junto de presos adultos. Embora o Código de 1830 já previsse
a separação entre jovens delinquentes e adultos nas prisões, isso não era observado porque não havia
instituições com essa finalidade, misturando‑se ali presos adultos, crianças delinquentes e também
aquelas que eram simplesmente abandonadas.
No início do século XX, era clara a demanda para que se aprovasse legislação voltada especificamente
para o menor de idade e que o Estado assumisse a responsabilidade na proteção e defesa da criança.
O tema tornou‑se objeto de preocupação em diversos países, tendo sido amplamente discutido nos
congressos internacionais sobre direito criminal.
Pesquisas dessa época revelaram que era preciso definir critérios para classificar os menores a fim de
dar‑lhes o tratamento adequado. Acreditando ser o internamento a medida mais coerente e que salvaria
a dignidade social, era necessário que houvesse uma lei que atendesse a questão de regulamentação a
partir das seguintes fases: classificar, recolher e internar as crianças. Surgiram então alguns projetos de
lei que tratavam da criança sob essa nova abordagem dicotomizadora: a abandonada e a delinquente;
projetos esses que, durante as duas primeiras décadas do século XX, iriam desdobrar‑se em inúmeras
leis e decretos.
Em 1903, foi criada a Escola Correcional. Essa instituição, os asilos e os orfanatos tinham o objetivo
de treinar os “menores” abandonados e recolhidos para encaminhá‑los ao trabalho. Os “delinquentes”
eram tratados com repressão, “integrar pelo trabalho ou dominar pela repressão eram as estratégias
dominantes” (Faleiros, apud Rizzini; Pilotti, 2009, p. 43). Os juristas lutavam para suprimir o critério do
discernimento na aplicação de penas a menores que definia a inimputabilidade até os 9 anos de idade.
20
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
o XX, trouxe a ideia de um “novo direito”, pautando‑se numa justiça que “revelasse a reeducação, em
detrimento da punição”.
Embora esses projetos procurassem tratar de múltiplos aspectos da assistência à infância, a legislação
efetivamente promulgada em 1927 parece ter aproveitado “recortes” desses projetos, por exemplo:
nova regulamentação da casa de detenção; reorganização do ensino da Escola Quinze de Novembro
(internato de referência da época); criação de patronatos agrícolas; regulamentação da assistência a
menores abandonados e delinquentes; e reorganização da Justiça Federal.
Em 5 de janeiro de 1921, foi promulgada a Lei n. 4.242, que tratava da assistência e proteção de
“menores abandonados” e “menores delinquentes”, sendo regulamentada em 1923 por um decreto. Para a
lei, os jovens autores ou cúmplices de crime ou contravenção eram considerados “menores delinquentes”,
se tornaram imputáveis até os 14 anos, não valendo mais a teoria do discernimento, de 1890.
Desse modo, a idade mínima para responder criminalmente passou a ser de 14 anos.
Nessa época, o uso do termo menor já estava estabelecido, designava aquela criança cuja família
mostrava‑se incapaz de educá‑la segundo os padrões vigentes, tornando‑a por isso passível de sofrer
intervenção judiciária. Assim, infere‑se que a ideologia do Estado tutelar surgiu com esse emaranhado
legal, cuja cultura atualmente ainda permeia a ideologia de técnicos e juristas.
A partir de 1923, houve um aumento no volume de leis que procuravam cobrir o máximo possível
todos os pontos relativos à assistência à infância.
Em 1923, bojo da reorganização do Poder Judiciário, surgiu a figura do juiz de menores, cuja
atribuição seria administrar o problema do menor.
21
Unidade I
O Código de Menores apresentava amplo espectro de assuntos, pois sua intenção era resolver o
problema dos menores, embora com dispositivos de marcante tutela sobre eles. Assim, embora os
menores de 14 anos estivessem imunes a qualquer tipo de processo penal, sua vida e a de sua família
seriam devassadas, conforme fosse julgado necessário.
Um ponto interessante a observar nesse código é o dispositivo que tratava da internação de menores
abandonados, pervertidos ou que estivessem “em perigo de o ser”, o que se baseava nas eventuais
desconfianças ou suspeitas de alguma autoridade para que o menor fosse privado de sua liberdade
(Rizzini, 1995).
Observação
Estudiosos como Behring, Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entendem que a única
legislação mais voltada para a assistência social foi o Código de Menores, aprovado em 1927. Esse
documento propunha ações e intervenções junto a crianças e adolescentes, na época conhecidos
com a denominação “menor”, sendo marcadas pelo caráter extremamente punitivo, ou seja: “[...]
o famoso Código de Menores, de conteúdo claramente punitivo da chamada delinquência juvenil”
(Behring; Boschetti, 2010, p. 80).
Durante a República Velha, houve uma série de eventos, mudanças econômicas e culturais que
prepararam o país para o surgimento de uma nova ordem econômica e política, que influenciou
substancialmente a política social, inclusive a de assistência social.
22
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Durante os anos 1930, todas as medidas corretivas e educativas aplicadas à criminalidade infantil
estavam ligadas à pobreza, apontada como a principal causa desse mal por alguns juristas. Nesse sentido,
a questão acabou sendo redirecionada de um enfoque jurídico para outro, agora social. Em 1938,
fundou‑se o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), cujo objetivo era “suprimir os sofrimentos
causados pela pobreza e pela miséria” (Rizzini, 1995, p. 137).
Assim, em 1941, foi criado o Serviço de Assistência a Menores (SAM), com a finalidade de assistir aos
menores desvalidos, transviados e delinquentes. Os adolescentes transviados, segundo a compreensão
da época, eram aqueles considerados como tendo problemas que os levariam a cometer algo que
contrariasse os valores da sociedade; eram também denominados delinquentes. Acreditava‑se que o
pobre, ou o desvalido, era uma criança ou um adolescente propenso a cometer algum ato ilícito. Então
foi fixada uma forma de compreensão que relacionava a prática tida como assistencial à possibilidade
de moldar as pessoas conforme a ordem social estabelecida (Rizzini, 2004).
Devido a essa prática, no SAM, tanto havia crianças e adolescentes que cometiam atos infracionais
como os pertencentes a famílias pobres. Isso porque se acreditava que o pobre era propenso a cometer
atos infracionais. Os atendidos nesse sistema eram penalizados com uma política pautada na agressão
e em práticas extremamente severas. Rizzini (2004) intitula a expressão “o famigerado SAM” por
causa do grau de penalização comum nas práticas desse serviço. No caso, imaginava‑se que, por meio
dessa prática, seria possível moldar a personalidade dos atendidos.
Rizzini (2004) relata que havia ainda pais e mães que acreditavam que seria melhor deixar os filhos
nessas instituições, assim como era comum em relação às Rodas dos Expostos. Entende‑se que isso
era potencializado porque o SAM criou uma série de educandários. Neles, os atendidos permaneciam
segregados e sem qualquer atividade educativa. O SAM acabou sendo um depósito de crianças e
adolescentes, já que nesses espaços, como vimos, eram atendidos tanto os que cometiam atos infracionais
23
Unidade I
quanto os que eram pobres, sem qualquer metodologia específica de ação. Os atendidos simplesmente
eram deixados aos cuidados do SAM.
Em 1944, o SAM já contava com trinta e três educandários, sendo quatro oficiais, estes somente
para o sexo masculino. Uma década depois, pelo processo de expansão nacional, os estabelecimentos
particulares articulados com o SAM eram em número de 300.
Após duas décadas de sua fundação, o SAM foi considerado uma fábrica de delinquentes por alguns
juízes, sendo altamente criticado, visto como um sistema desumano, ineficaz e perverso por permanecer
com superlotação, falta de higiene e falta de cuidados. Contudo, o Supremo Tribunal Federal se
pronunciou contra a situação e nomeou em 1963 uma comissão para reformular o SAM. Entretanto tal
medida não funcionou e foi criada uma comissão para encaminhar à Câmara um projeto que propunha
a extinção do SAM e a criação de um novo órgão que tivesse autonomia.
Lembrete
A situação da infância abandonada continuava crescente. No início dos anos 1940, diagnosticou‑se
(novamente) o problema dos menores como sendo de cunho basicamente assistencial e a delinquência
infantil como consequência do abandono material e moral das crianças. No entanto, embora o discurso
permanecesse o mesmo, os tempos estavam mudando: o novo Código Penal de 1940, ao estender a
idade penal para 18 anos, acabou criando uma situação de fato, em que urgiam medidas mais rápidas
e práticas.
Assim, promulgou‑se um decreto em 1944 para efetivar uma reorganização jurídico‑social do sistema
de assistência, atribuindo novas funções ao SAM e subordinando‑o ao Executivo, porém articulado com
o juiz de menores. Isso foi o estopim para que até o fim dos anos 1950, fossem travadas intermináveis
discussões entre juristas: uns defendiam o juizado judicial, outros, o juizado executivo. Houve uma
extenuante querela sobre a concepção de menor: se objeto de direito ou sujeito de direito.
Por conta dessas questões, foi promulgada em 1957 uma lei que atualizava o instituto da adoção,
criando instrumentos de administração de subsídios à família, programas de colocação familiar,
legitimação adotiva e de adoção. O espírito da lei parecia finalmente caminhar na direção de uma maior
justiça social para a infância e as ideias sobre como tratá‑la eram muitas.
Em 1959, uma portaria passou a dispor sobre a colaboração da sociedade civil na assistência social
prestada pelo SAM, tratando da criação de uma rede de creches, escolas maternais e parques infantis.
No entanto havia um consenso no seio da sociedade: a necessidade da extinção do SAM, dado o alarde
que a imprensa fazia sobre a criminalidade envolvendo menores egressos daquela instituição.
Em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), cujo estatuto previa o amparo a vários
aspectos da miserabilidade social, como a educação popular, a saúde, a alimentação e a habitação.
24
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Seu maior intuito foi de oferecer viabilidade concreta ao que era posto na Constituição de 1937 e no
Decreto n. 525 (1938). Inicialmente, foi presidida por Darcy Vargas, esposa do então presidente. Isso
trouxe uma carga histórica à instituição, que desde então foi presidida pelas esposas dos presidentes.
Para tal, deve‑se destacar o patrocínio da Confederação Nacional da Indústria e da Associação Comercial
do Brasil, o apoio das senhoras da caridade, mulheres pertencentes às classes sociais mais abastadas da
sociedade e que atuavam em práticas caritativas junto à sociedade.
A LBA, em suas protoformas iniciais, buscava atender as famílias dos pracinhas (soldados)
envolvidos com a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo declarado era “[...] promover as necessidades
das famílias cujos chefes hajam sido mobilizados, e, ainda, prestar decidido concurso ao governo em
tudo que se relaciona ao esforço da guerra” (Iamamoto; Carvalho, 2001, p. 257).
Esses autores relatam que essa entidade, na verdade, era usada como um mecanismo para justificar
a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, ou seja, um mecanismo que possibilita mostrar que o
país cuidava de seus soldados e de suas famílias. Os soldados envolvidos diretamente com a guerra,
quando retornavam, eram atendidos com programas de lazer, como cantinas e espetáculos, já as
famílias tinham atendimento por meio de benefícios, por exemplo, a concessão de cestas básicas.
A prática voltada aos soldados e a seus familiares fez com que a LBA montasse uma quantidade
enorme de escritórios em todo o país. Consta que no ano de sua criação, só no Rio de Janeiro, tenham
sido montados mais de 100 postos de atendimento.
A LBA, desde a sua origem, sempre teve pés nos dois campos, público e privado, e assim se afirmou
no território das atenções dirigidas à criança e à pobreza das classes populares, destinatários centrais de
suas ações, tanto em termos estaduais quanto nacionalmente.
Na Segunda Guerra Mundial, a mulher brasileira se sacrificava em nome da pátria, cedendo seus
pais, seus filhos, seus maridos, seus noivos e, ainda, disponibilizando‑se para trabalhar pela vitória
do país na LBA, compondo o batalhão feminino, onde se alistaram no serviço de costura, na defesa
25
Unidade I
Assim, trabalhavam para a instituição, transformando‑se numa das modas no período da guerra,
criada pelas e para as mulheres, aumentando consideravelmente o número de madrinhas conquistadas
pela LBA. Conduzindo condutas, comportamentos e formas de atuação e de participação, passaram a
ter o papel de madrinhas dos e para os soldados, sendo escritoras de cartas, de modo a ampará‑los no
front com palavras de conforto e apoio.
Segundo Fonseca (2016), vê‑se claramente pelos cartazes os mecanismos criados pela LBA em
função da guerra para a participação feminina e que teve nos ideais de cooperação, no conceito de luta
pela vitória do país, os ingredientes para o surgimento de educação e moda na Segunda Guerra Mundial,
novos comportamentos, novas atitudes e condutas femininas. Inseridas na luta, na LBA, em nome da
guerra, as mulheres aprenderam que o conflito mundial é uma questão de gênero, que envolve tanto o
masculino quanto o feminino e, para ambos, significa aprendizado.
Segundo Simili (2007), a história da assistência foi da LBA ao Suas por meio da Carta Magna de 88,
saindo da característica esmolada para histórias de lutas, grandes conquistas, para um sistema único no
país, o Suas‑Sistema Único de Assistência Social, que garante proteção social para os cidadãos que dele
precisarem.
Assim, muitas mudanças contribuíram para que os municípios brasileiros tivessem acesso aos serviços
da assistência social e para que milhares de pessoas saíssem da linha de pobreza. Entretanto sabemos
que melhorias ainda são necessárias, como a definição de um percentual mínimo de repasse para o Suas
e educação das pessoas para o entendimento da importância dessas políticas públicas.
Ao analisarmos a extinção da LBA, podemos ver que fora criada por Darcy Vargas, esposa de Getúlio
Vargas, para dar suporte às famílias dos brasileiros que foram para a guerra. Ela foi a grande mentora da
Legião, por isso o assistencialismo da época é comumente chamado de primeiro‑damismo.
Portanto a Assistência era vista como um Estado de benevolência, e não de direito, por ser
associado na época aos pobres, à caridade, e não a formar pautas políticas. Distribuíam de tudo, desde
próteses à comida.
Segundo Portábilis (2024), depois de certo tempo, a LBA passou a atender as expressões da pobreza,
buscando assim contemplar os objetivos para os quais fora criada. A mudança motivou a ampliação
das unidades em todo o território nacional, fazendo com que a organização recorresse a comandos
nos estados e nos municípios, firmando parcerias com instituições particulares e públicas, por meio de
convênios conseguiam verbas vultosas para o desenvolvimento das ações.
A Legião da Boa Vontade (LBV) foi a grande instituição executora de assistência social no Brasil
durante muitos anos, sendo extinta em meados da década de 1990, quando a então primeira‑dama,
Rosane Collor, foi acusada de mau uso do recurso destinado a essa entidade.
26
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
A década de 1960 inaugurou‑se sob o impacto causado pela Declaração dos Direitos da Criança,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959. Confrontando as disputas jurídicas havidas
até então, a Declaração passou a considerar a criança como sendo sujeito de direitos, atribuindo ao
Estado e à sociedade o dever de garanti‑los, quais sejam: direito à saúde, educação, profissionalização,
ao lazer e à segurança social. O Brasil parecia direcionar‑se a uma política de bem‑estar social, pois
nesse período estavam sendo discutidas amplas reformas de base.
Frente a isso, criou‑se a Funabem e a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM). Tais
instâncias mantiveram e aprimoraram o modelo carcerário e repressivo do início da década anterior,
entrando em crise somente quando os militares cederam lugar aos primeiros governos democráticos.
Saiba mais
A Funabem tinha o trabalho orientado para atender crianças e adolescentes que cometessem
algum ato infracional e que tivessem vivenciado situação de vulnerabilidade social. Eram considerados
como tais os moradores em situação de rua, tidos como pessoas com risco potencial para cometer atos
infracionais, e crianças e adolescentes pertencentes a famílias pobres. De acordo com Rizzini (2004),
após o primeiro ano de funcionamento da instituição, apenas 5% dos atendidos tinham cometido atos
infracionais, e a grande demanda provinha de moradores em situação de rua e de famílias pobres.
27
Unidade I
Assim, apesar das boas intenções das diretrizes norteadoras da Funabem, postergou‑se a implantação
desse novo modelo de política social: em vez de normas que regulamentassem as prioridades eleitas
como finalidades pela fundação, a legislação trataria de assuntos que inibissem a conduta antissocial
do menor, por exemplo: proibição de elaboração e circulação de publicações que tratassem de temas de
crimes, terror ou violência, além da incitação à prática autoritária, com medidas de adoção de castigos
físicos aos internados.
As práticas internas da instituição reproduziam a lógica do regime militar vigente na época: repressão,
confinamento e violência. A internação mostrou‑se mais uma vez como um sistema degradante e que
agravou a situação de milhares de crianças/adolescentes brasileiros, produzindo e reproduzindo entre
eles a marginalidade.
Rizzini (2004) relata que a Funabem foi criada para substituir o SAM, do qual herdou todos os bens
móveis e imóveis, e a utilização de práticas punitivas e coercitivas, além da combinação de atendimento
em um mesmo espaço de adolescentes pobres, moradores de rua e de envolvidos com ato infracional.
28
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
O serviço foi executado, sobretudo, por meio do acolhimento dos atendidos em instituições, na maioria
das vezes de regime fechado.
Becher (2011), analisando de forma crítica a Funabem, revela que essa instituição foi organizada
pelo Estado apenas para poder atender aos objetivos do regime militar, à frente do poder na época. A
prática de recolhimento de crianças e de adolescentes que haviam cometido ato infracional e dos que
eram tidos como propensos a isso, como crianças e adolescentes pobres e ainda aqueles que residiam
na rua, era analisada como uma medida de segurança nacional, aliás, palavra comum nos governos de
ditadura política.
Observação
Muitas famílias buscavam internar seus filhos em idade escolar na Funabem, desejando um local
seguro, onde eles pudessem estudar, se alimentar, serem educados. A preocupação era garantir a
formação escolar e profissional dos filhos, e o uso da instituição para controle dos filhos rebeldes era de
incidência muito pequena.
Se o Estado brasileiro conseguiu ou não manter a ordem esperada? Pode‑se responder que não, visto
que seus mecanismos de controle começaram a dar sinais de esgotamento a partir de meados da década
de 1970. Mas o fato é que essa instituição foi marcada pela prática agressiva e extremamente coercitiva.
Após a criação dessas entidades, somente a partir da Constituição de 1969 que o Estado brasileiro
voltou a pensar e a refletir sobre a assistência social, quando foi determinado que o Estado devia prestar
assistência à maternidade, à infância, à adolescência e à pessoa com deficiência. Contudo, isso só se
consolidou no âmbito legal, porque não houve ações que colocassem em prática o que estava disposto
na Constituição.
29
Unidade I
Observação
A CPI apresentou em 1976 um diagnóstico revelando que havia no Brasil cerca de 25 milhões de
menores carentes e/ou abandonados, ou seja, um terço da população infantojuvenil. Diante desse quadro,
cabia ao órgão competente, nesse caso, a Funabem, a implementação da PNBEM. No entanto, até aquele
momento, a entidade não apresentava condições para solucionar essa questão, que encontrava as suas
raízes na péssima distribuição da riqueza produzida socialmente.
O relatório ainda constatou que as Febems também não dispunham de recursos suficientes para
enfrentar a questão, o que confirma o caráter de descaso que foi dado às políticas sociais brasileiras
(Rizzini; Pilotti, 2009).
Ao fim da CPI, foi recomendada ao presidente da República a criação do Sistema de Proteção do Menor,
o que implicaria a criação de um ministério extraordinário, coordenando os demais órgãos envolvidos, e
que teria apoio financeiro de um Fundo Nacional de Proteção do Menor, com autonomia administrativa
e financeira cuja função seria mobilizar a comunidade em relação ao assunto. Estimulava‑se, assim,
uma ação integrada entre governo‑empresa‑comunidade no sentido de promover “o recolhimento dos
menores abandonados que perambulam pelas ruas das nossas principais cidades – principalmente nas
regiões metropolitanas, densas de marginalização social” (Rizzini; Pilotti, 2009, p. 315).
No entanto, esse projeto não foi concretizado. A Funabem permaneceu no atendimento à “questão
do menor” e, após a reforma ocorrida em 1974, a entidade passou a ser subordinada ao Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS).
Em 1967, a Lei n. 5.258 estabeleceu o Sistema de Recolhimento Provisório, que abrigava os menores de
18 anos que cometiam infrações penais. Também havia uma lei que dispunha sobre as condições
para o trabalho de menores entre 12 e 14 anos, os quais não poderiam receber menos que um salário
mínimo mensal.
Durante os anos 1970, travaram‑se intensos debates jurídicos entre juristas do Rio de Janeiro e de
São Paulo sobre a definição das bases do direito do menor.
Em 1973, o estado de São Paulo resolveu criar a Fundação Paulista de Promoção Social do Menor
(Promenor), trazendo a importância da participação comunitária, ou seja, ações que setores organizados
da sociedade poderiam empreender a fim de complementar as iniciativas governamentais, assim como
a sua mobilização para a formulação e a execução de políticas públicas.
Em 1979, foi aprovada a revisão do Código de Menores, que era configurado na doutrina da situação
irregular, mas que trazia em seu bojo uma roupagem doutrinária de proteção aos direitos da criança
para que fosse assegurada a ela a satisfação de todas as suas necessidades, em seus aspectos gerais,
incluindo aqueles já relacionados no documento da ONU.
30
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
De acordo ao art. 1º do Código de Menores de 1979, essa legislação dispunha sobre assistência,
proteção e vigilância a menores até 18 anos que se encontrassem em situação irregular e, em casos
expressos, a menores entre 18 e 21 anos. As medidas de caráter preventivo, no entanto, poderiam se
aplicar a quaisquer menores de 18 anos de idade, independentemente de sua situação (Brasil, 1979).
Por um lado, tal legislação mantinha a idade penal em 18 anos, por outro, dispunha de mecanismos
nos quais o menor acusado de delitos, mesmo sem provas, era passível de detenção, a não ser que
sua família designasse um advogado para defendê‑lo. Seguiu‑se a mesma política filantrópica e
assistencialista das legislações anteriores, com quase nenhuma modificação no Código de 1927, o que
mostra que não houve à época mudança expressiva quanto ao conceito de infância.
I – advertência;
É no Título II, capítulo II, “Da apuração da infração penal”, que se encontram as orientações sobre a
aplicabilidade de medidas aos autores de infração penal. Uma vez apresentado à autoridade competente
um menor de 10 anos, a lei pareceria sugerir a não determinação de penalidade.
O novo Código de Menores (1979) e o menor em situação de risco ganharam visibilidade no início dos
anos 1980. Com isso, a concentração do poder de decisão sobre os destinos dos menores nas mãos
dos juízes teve vida curta.
Frente às estatísticas sociais, que retratavam uma realidade alarmante – revelando cerca de
30 milhões de abandonados e marginalizados –, novos atores políticos entraram em cena nesse período.
Houve reivindicação dos direitos de cidadania para as crianças e os adolescentes por parte de
movimentos sociais.
Os anos 1980 tornaram‑se mais pródigos em relação à política social, tendo em vista que foi
promulgada a Constituição Federal (CF). Por meio da carta constitucional, definiu‑se que as políticas
sociais de saúde, educação, assistência social e previdência social seriam de responsabilidade do
Estado e direito de todo cidadão brasileiro.
A partir da CF, delimitou‑se a composição da seguridade social, composta de uma série de ações e
serviços integralizados entre as políticas sociais de saúde, assistência social e previdência social. Essas
políticas passaram, então, a integrar o rol de serviços que são de primazia do Estado, e não dependeriam
apenas da caridade de grupos particulares.
A CF incorporou vários dispositivos que garantiram a defesa dos direitos do cidadão, por isso ficou
conhecida como a Constituição Cidadã. Em seu art. 227, conseguiu regulamentar a proteção dos direitos
da criança e do adolescente, designando‑os como sujeitos de direitos e com absoluta prioridade, não
menores, protegendo‑os de qualquer forma de abuso.
O art. 227 ainda promoveu o ECA, abrigando sob sua tutela não mais apenas a criança em situação
social de risco, mas toda “pessoa em fase de desenvolvimento [...]” (Silva, 1997, p. 34‑35).
Os direitos das crianças foram fixados nos arts. 227, 228, 229 da CF. Nessa década houve vários
projetos de atendimento à criança, os quais articulavam as instâncias estatal e pública, que iam contra
a estratégia de internação e repressão.
Em 1989 foi redigida a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, adotada pela
Resolução n. L 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo em vista a necessidade de
garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica em todos os ciclos de vida,
em virtude de sua condição de hipossuficiente, imaturidade física e mental, e ponderando que em todos
os países do mundo existiam crianças vivendo em condições extremamente adversas e necessitando
de proteção.
32
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Essa convenção foi ratificada pelo Brasil. Nesse contexto, as pressões sociais pela democratização
e pelo reconhecimento dos direitos das crianças promoveram, em julho de 1990, a criação do Estatuto
da Criança de do Adolescente (ECA), que revogou o Código de Menores de 1979, rompendo com seus
paradigmas e a lei de criação da Funabem, adotando a doutrina de proteção integral, que reconhece a
criança e o adolescente como sujeitos de direitos, cidadãos, e não mais objeto de intervenção do Estado.
Dois anos mais tarde, sob um novo paradigma jurídico, político e administrativo, o ECA (Brasil, 1990)
vem reafirmando essa defesa, considerando o atendimento a esses sujeitos como parte integrante das
políticas sociais, muito embora ainda hoje sua aceitação esteja longe de ser uma unanimidade. Após o
ECA, surgiram os conselhos municipais de direito (CMDCA) e os conselhos tutelares (CT) e, com eles, a
necessidade de revisão de princípios relativos às políticas de assistência.
Nos anos 1980, o foco foi a problemática da construção de uma concepção de infância com
novos paradigmas que completassem em todas as áreas o atendimento da criança e do adolescente,
o que resultou no art. 227 da CF e os princípios básicos da Declaração dos Direitos da Criança,
conteúdo que foi ratificado pelo ECA. Assim, substituiu‑se a doutrina da situação irregular pela
doutrina da proteção integral, inserindo a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado
dentro da garantia de direitos da infância.
Saiba mais
Para ter uma visão geral sobre esses períodos, assista ao filme:
O MENINO que não queria nascer. Direção: Estela Renner. Brasil: Maria
Farinha Filmes, 2013. 8 min.
Em 2006, com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), a palavra sujeito
traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de
personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres
passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo
ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento.
33
Unidade I
Entretanto, de acordo com o PNCFC (BRASIL, [s.d.]), o fato de terem direitos significa que são
beneficiários de obrigações por parte de terceiros. A família, a sociedade e o Estado, dessa forma, precisam
propiciar condições para o seu pleno desenvolvimento no seio de uma família e de uma comunidade.
Eles são, antes de tudo e na sua essência, para além de meros atos de generosidade, beneficência,
caridade ou piedade, o cumprimento de deveres para com a criança e o adolescente e o exercício da
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado.
Segundo Oliva (2009), no Brasil, o tratamento destinado às crianças e aos jovens só encontrou
grandes modificações no final da década de 1980 com o fim da ditadura militar e o grande movimento
envolvendo a sociedade civil organizada na mobilização pelo reconhecimento dos direitos da criança e
do adolescente, reflexo de um movimento internacional.
De acordo com Oliva (2009), houve muitos avanços com o ECA, o que ficou demonstrado em algumas
das capitais brasileiras analisadas que incorporaram seus princípios ao seu planejamento. Porém, num
país com tantas diferenças e contrastes culturais, o gestor municipal deve estar atento para perceber
as peculiaridades locais, adequando estratégias e ações adaptadas à realidade da infanto‑adolescência,
reconhecendo‑os, no lugar que merecem, como novos sujeitos de direitos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de
1990, teve um papel importante na construção e na efetivação da proteção à criança e ao adolescente,
a qual trouxe o embasamento legal para a criação e a reforma de toda e qualquer norma reguladora,
no campo da família e no embasamento de processos de reforma administrativa, de execução de
políticas, programas, serviços e ações públicas. A Convenção assegura as duas prerrogativas maiores que
a sociedade e o Estado devem conferir à criança e ao adolescente, para operacionalizar a proteção dos
seus direitos humanos: cuidados e responsabilidades.
Em seu preâmbulo, a Convenção define os direitos da criança num sentido realmente próximo
da Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1959), apenas como direito a uma proteção especial:
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
“a criança tem necessidade de uma proteção especial e de cuidados especiais, notadamente de uma
proteção jurídica, antes e depois de seu nascimento” (ONU, 1989).
Todavia, em outros pontos, a Convenção (ONU, 1989) avançou e acresceu a esse direito à proteção
especial outros tipos de direitos que só podem ser exercidos pelos próprios beneficiários: o direito à liberdade
de opinião (art. 12), à liberdade de expressão (art. 13), à liberdade de pensamento, de consciência e de religião
(art. 14), à liberdade de associação (art. 15). Trata‑se de direitos que pressupõem certo grau de capacidade,
de responsabilidade, isto é, que implicam sujeitos de direitos como titulares. As crianças e os adolescentes
são seres essencialmente autônomos, mas com capacidade limitada de exercício da sua liberdade e dos seus
direitos (Brasil, 1990).
Como vimos, o ECA revogou o antigo Código de Menores, que era centrado na repressão e na
discriminação da infância pobre, e trouxe inovações, introduzindo a doutrina da proteção integral.
A CF, em seu art. 227, trata do segmento infantojuvenil, acentuando que é “[...] dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança os seus direitos com absoluta prioridade” (Brasil, 1988).
O ECA reforçou o papel da família na vida da criança e do adolescente como elemento primordial
no processo de proteção integral e como um dos objetivos vitais do sistema de promoção e defesa
dos direitos da criança e do adolescente. Reforçou, ainda, que cabe ao poder público e à sociedade a
complexa tarefa de governar suas crianças.
O Estatuto também introduziu algumas mudanças no conteúdo, no método e na gestão das ações
destinadas à criança e ao adolescente. Criou‑se, portanto, a doutrina da proteção integral, prevendo‑se
nova perspectiva ao tratamento dispensado a crianças e adolescentes, significando reconhecer que,
perante a lei, todo e qualquer jovem merece atenção especial do Estado, da família e da sociedade,
sendo dever de todos observar a legislação, especificamente voltada à garantia do bem‑estar e do
desenvolvimento saudável desse público.
de natureza jurídica. O conjunto articulado dessas ações configura o que denominamos sistema de
garantias de direitos.
Entende‑se que todo trabalho social destinado a essa população deve estar baseado na noção de
cidadania e emancipação. Isso significa que a criança e o adolescente não poderão mais ser tratados
como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. As ações devem ter
caráter emancipatório, capazes de transformar crianças e adolescentes em sujeitos históricos, capazes
de manejar seu próprio destino, respeitando suas potencialidades e limitações em cada fase de seu
desenvolvimento pessoal e social.
Com a adoção da nova doutrina da proteção integral, que repercutiu tanto na CF como na criação do
ECA (Brasil, 1990), o Poder Judiciário considerou por bem implantar varas especializadas no atendimento
à garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Essa doutrina incorporada pelo ECA tem como princípio que todas as crianças e os adolescentes
desfrutem dos mesmos direitos, com obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento,
rompendo definitivamente as ideias preceituadas pelos Juizados de Menores e pelo Código de Menores
a respeito da noção de direito e justiça.
O direito à vida e à saúde tem como objetivo eliminar ou diminuir a mortalidade infantil e envolve o
desenvolvimento biopsicossocial, de modo a dar à criança e ao adolescente uma oportunidade de vida.
Por conta dos dispositivos tratados, criaram‑se ações para garantir a efetivação desses direitos,
como acompanhamento pré‑natal pelo SUS; possibilidade de o mesmo médico acompanhar o parto;
a alimentação do recém‑nascido; a oportunidade de alimentação do recém‑nascido por presidiárias
ou mesmo por mães no mercado de trabalho. Os direitos fundamentais devem ser acessados desde
o pré‑natal (direito à vida). Assegura‑se, também, o direito pós‑parto como inerente ao processo da
primeira infância.
O Estatuto da Primeira Infância, criado em 2016, reafirma a prioridade absoluta nas atenções
e a responsabilidade do Estado em estabelecer políticas, planos, programas, projetos e serviços que
assegurem a proteção integral. Nas disposições preliminares, dispõe para quem essa lei se aplica,
explicitando quanto aos direitos fundamentais inerentes à pessoa, sem prejuízos da proteção integral.
Fomenta a participação da criança na formulação de políticas públicas e nas ações que lhe dizem
respeito. Destaca‑se que as políticas também devem incluir o apoio à família (orientações). Elucida
a preocupação com a criança desde a gestação, devendo a gravidez ser devidamente acompanhada,
garantindo o direito a um acompanhante no período pós‑parto (Brasil, 2016).
Houve algumas mudanças ligadas à condição de sujeitos de direitos, podendo‑se exemplificar duas
situações: uma relacionada à idade da infância, quando foi definida a fase de criança (0 a 12 anos
incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos incompletos), o que foi baseado em estudos biológico e
sociais, respeitando sempre seu desenvolvimento; e outra relacionada à substituição do termo menor,
que se ligava à questão do abandono e da delinquência na infância, por criança e adolescente, em
âmbito geral.
No que se referia às garantias básicas de crianças e adolescentes, o ECA estabeleceu três: respeito aos
direitos e garantias fundamentais; proteção integral; acesso aos instrumentos necessários para a efetivação
de direitos.
A proteção integral da criança e do adolescente tem por escopo garantir que uma pessoa, com
menos de 18 anos, possa exigir e ter assegurados quaisquer direitos inerentes do ser, ou seja, mesmo que
não atingido seu desenvolvimento mental e psíquico completamente, essa pessoa tem direito à vida, à
saúde, à educação, à liberdade, ao respeito, à cultura e a viver com dignidade (Brasil, 1990).
O ECA enfatiza a importância dos vínculos familiares e comunitários – diferentes dos grandes
internatos –, prevendo uma série de medidas, que, articuladas, visam principalmente à manutenção
e ao fortalecimento desses vínculos. Prima pelo direito à convivência familiar e comunitária e, dentro
dessa perspectiva, tem‑se como exemplo o fato de a carência de recursos materiais não constituir causa
de perda ou suspensão do poder familiar.
A lei é clara quando explicita que o atendimento em instituição deve ser realizado de forma
individualizada e em pequenos grupos, com características familiares. Fixa o direito à convivência
familiar como um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, determinando que os esforços
das políticas devem visar ao fortalecimento dos vínculos com a família de origem (Brasil, 1990).
Tais medidas devem ser aplicadas em ordem crescente, conforme a gravidade da infração e da
capacidade do adolescente em cumprir a proferida medida socioeducativa. Pode‑se ainda aplicar as
seguintes ações protetivas, de maneira prévia, complementar ou substitutiva às anteriores.
37
Unidade I
Art. 101.
Quanto ao acolhimento institucional, tal medida de proteção, juntamente com o acolhimento familiar,
são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para a reintegração familiar ou,
não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
Assim, a pobreza não é motivo para o afastamento entre pais e filhos, devendo o Estado incluir a
família em programas sociais que garantam a sobrevivência e a manutenção desta sem que os direitos
das crianças e dos adolescentes sejam abdicados.
Considera‑se para fins jurídicos e sociais a criança e o adolescente autores de ato infracional como
em situação de conflito com a lei. Houve importante mudança também a respeito da confusão com o
público adulto, pois a criança e o adolescente não devem ser considerados criminosos, vetando‑se sua
permanência em instituições penitenciárias ou policiais voltadas à população adulta.
38
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
O art. 112 do ECA define como medidas socioeducativas a advertência, a obrigação de reparar o dano;
a prestação de serviços à comunidade; a liberdade assistida; a inserção em regime de semiliberdade; a
internação em estabelecimento educacional, além de outras medidas de proteção (Brasil, 1990).
A advertência consiste em uma repreensão verbal ao adolescente, que será lavrada em um termo
próprio, podendo ser aplicada sempre que o ato infracional for de menor gravidade.
A reparação dos danos causados apenas será imposta nas situações de atos infracionais que
ocasionarem prejuízos materiais. Essa reparação pode se dar a partir da restituição da coisa, do
ressarcimento do dano ou da compensação do prejuízo de outra forma.
Por sua vez, a semiliberdade funciona como um regime de transição da medida de internação e
autoriza que o adolescente pratique atividades em ambiente externo. Não possui um prazo específico
de duração e deve ser revista a cada seis meses.
Finalmente, a internação é a medida socioeducativa mais grave, por isso considerada excepcional e
breve, e conduz o adolescente à custódia em estabelecimento próprio. O prazo máximo dessa medida é
de três anos, que, assim que concluídos, determinam a imediata colocação do adolescente em liberdade.
Independentemente da medida aplicada, é sempre possível a remissão (perdão), que pode ser
autorizada pelo Ministério Público, antes de iniciado o processo, ou pelo juiz de direito, quando o
processo já estiver em curso.
Segundo o art. 106 do ECA, “nenhum adolescente autor de ato infracional será privado de sua
liberdade senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade jurídica
competente”. O art. 110 acentua que fica “impossibilitada a apreensão de adolescente senão mediante o
devido processo legal” (Brasil, 1990).
Observação
De fato, o ECA representa uma inovação no campo da proteção infantojuvenil. Em sintonia com o
marco regulatório internacional, o ECA e os esforços que vêm sendo empreendidos por sua regulação,
expressos no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e no Plano Nacional de
Convivência Familiar e Comunitária, constituem um significativo passo na proposição dos diversos planos
e programas em várias frentes de direitos ameaçados ou violados, como trabalho infantil, exploração
sexual e violência doméstica. Contudo, ainda há contradição, porque os tempos difíceis em que vivemos
são de profundo ataque aos direitos no país.
Segundo Marques (2019), o sistema de garantias de direitos consiste num importante instrumento
capaz de transformar a realidade social de crianças e adolescentes. Entretanto é absolutamente
necessário, a partir de uma nova consciência, perseguir ações e tratamentos que levem à ressocialização
em vez de seguir com práticas que visem unicamente a repressão e punição.
As medidas socioeducativas previstas no ECA são aplicáveis aos adolescentes que cometerem atos
infracionais, ou seja, atos análogos ao crime e à contravenção penal.
Com a CF de 1988 iniciou‑se uma nova fase política no Brasil, pautada pela democracia e o respeito
à dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o tratamento dispensado às crianças e aos adolescentes
sofreu profundas mudanças, agora tendo por fundamento a doutrina da proteção integral.
O ECA prevê em seu bojo diversas medidas socioeducativas, expressas no art. 112: a advertência, a
obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a inserção em regime de semiliberdade,
a internação em estabelecimento educacional e a liberdade assistida.
De acordo Veronese (apud Marques, 2019), o verdadeiro desafio enfrentado pelo ECA é regulamentar
e efetivar as normas constitucionais a fim de garantir que as premissas e princípios da doutrina da
proteção integral não sejam simplesmente “letra morta”.
Desse modo, não há que se falar em reduzir a maioridade penal tendo em vista o encarceramento
em massa de adolescentes. A diminuição da violência passa pela implementação de um conjunto de
atividades pedagógicas prescritas pelo ECA, que têm o condão de reeducar o jovem infrator em vez
de simplesmente apartá‑lo da sociedade, punindo‑o com o encarceramento.
40
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Em sua pesquisa, Marques (2019) traz à luz, por meio da Constituição e do ECA, a maioridade penal,
em que considerou que a redução vai em contrário à prioridade absoluta concedida às crianças e aos
adolescentes pelo art. 227 da CF, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e na doutrina
da proteção integral.
Salienta que as medidas socioeducativas são instrumentos mais aptos e dignos para promover a
ressocialização de adolescentes autores de ato infracional, não devendo sair de seu alcance os maiores
de 14 e menores de 18 anos de idade pela falha do Estado em acompanhar os avanços legislativos,
implementando políticas que assegurem a efetivação dos direitos conquistados pelos adolescentes,
conforme disposto no ECA (1990).
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do
adolescente à data do fato.
I ‑ advertência;
IV ‑ liberdade assistida;
41
Unidade I
Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112
pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade
da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.
Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova
da materialidade e indícios suficientes da autoria (Brasil, 1990).
O PNCFC constitui um marco nas políticas públicas no Brasil ao romper com a cultura da
institucionalização de crianças e adolescentes e ao fortalecer o paradigma da proteção integral e da
preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo ECA.
A manutenção dos vínculos familiares e comunitários, como abordado no ECA, reforça o papel
da família na vida da criança e do adolescente como elemento imprescindível dentro do processo
de proteção integral e fundamenta para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e
cidadãos, está diretamente relacionada ao investimento nas políticas públicas de atenção à família.
O PNCFC
Rememorando os avanços percorridos após a CF, o plano se constitui como um marco nas
políticas públicas brasileiras, pois foi a partir dele que se rompeu com a cultura da institucionalização
de crianças e adolescentes, fortalecendo a proteção integral e a preservação de vínculos familiares
e comunitários preconizados pelo ECA. A manutenção desses vínculos são elementos vitais para a
estruturação de crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos, muito relacionada ao investimento
nas políticas públicas de atenção à família.
O PNCFC se consolidou como um grande instrumento para o planejamento de ações para a reversão
do quadro de violações do direito à convivência familiar e comunitária, determinando que estados e
municípios elaborem planos próprios de atendimento a fim de planejar suas ações e estratégias para a
efetivação dos direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária.
42
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Observação
O direito à convivência familiar e comunitária é tão importante quanto o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade.
A CF diz que a “família é a base da sociedade” e que compete a ela, ao Estado, à sociedade em geral
e às comunidades “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais”
(Brasil, 1988, arts. 226‑227).
A família é evidenciada como base nos novos aparatos legais, entendida como sendo a “entidade
familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes” (Brasil, 1988, art. 226, § 4).
43
Unidade I
Tais definições colocam a ênfase na existência de vínculos de filiação legal, de origem natural ou adotiva,
independentemente do tipo de arranjo familiar onde essa relação de parentalidade e filiação estiver
inserida. Em outras palavras, não há uma caracterização específica para família, não importando o tipo
de família, nuclear, monoparental, reconstituída etc.
Lembrete
A família se apresenta como núcleo de referência e de proteção social, sendo, desde o seu
nascimento, o principal núcleo de socialização da criança. Diante de sua condição social e de existência,
esta pode expor seus membros a situações de vulnerabilidade social e imaturidade, protegendo‑os
ou desprotegendo‑os.
Como a família é a referência para seus membros, a relação entre os pais ou substitutos é vital para a
constituição do sujeito, seu desenvolvimento afetivo, aquisições, condição de saúde e desenvolvimento
físico e psicológico. A família é o melhor lugar para o desenvolvimento da criança e do adolescente.
Mesmo sendo um núcleo de proteção e cuidado, nem sempre as famílias possuem recursos (sociais,
materiais, afetivos, protetivos), pode se tornar um espaço de conflito, abusos e de violação de direitos.
Nessas situações, medidas de apoio à família deverão ser tomadas para assegurar o direito da criança e do
adolescente de se desenvolver no seio de uma família, prioritariamente a de origem e, excepcionalmente,
a substituta.
O § 8º do art. 226 da CF também determina que o Estado deve dar assistência aos membros da
família e impedir a violência dentro dela. O art. 229 diz que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade” (Brasil, 1988).
Quando a família, em vez de proteger a criança e o adolescente, violar seus direitos, uma das medidas
previstas no ECA (Brasil, 1990, art. 101) para impedir a violência e a negligência contra eles é o
acolhimento institucional. Essa decisão é aplicada pelo Conselho Tutelar por determinação judicial e
implica a suspensão temporária do poder familiar sobre crianças e adolescentes em situação de risco
e no seu afastamento de casa.
De acordo com os arts. 22 e 24 do ECA (Brasil, 1990), a medida extrema de suspensão do poder
familiar deverá ser aplicada apenas nos casos em que, injustificadamente, os pais ou responsáveis
deixarem de cumprir os deveres de sustentar e proteger seus filhos, quando crianças e adolescentes
forem submetidos a abusos ou maus‑tratos ou devido ao descumprimento de determinações judiciais.
Nos casos de violação, aplicam‑se medidas de proteção especial, prevista no ECA e definida como
“provisória e excepcional” (Brasil, 1990, art. 101, § único).
44
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
O acolhimento institucional deve ser uma medida excepcional e provisória, e o ECA obriga que se
assegurem a “preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta quando esgotados
os recursos de manutenção na família de origem” (arts. 92 a 100). Nessa hipótese, a lei prevê que a
colocação em família substituta se dê em definitivo, por meio da adoção ou, provisoriamente, via tutela
ou guarda (arts. 28 a 52), sempre por decisão judicial (Brasil, 1990).
Os serviços de acolhimento institucional são descritos pela tipificação nacional dos serviços
socioassistenciais – CNAS, 2009 e 2014 –, a qual promoveu importantes avanços para a política
de assistência social como um todo, redefinindo suas competências, descrevendo os serviços, o
público‑alvo e seus objetivos.
Fundamentando‑se nas diferentes legislações, normativas e resoluções que regem a proteção social
especial de alta complexidade e a oferta de serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, foram
fixados princípios a serem prezados na execução das ações:
Tais princípios são essenciais para garantir a crianças e adolescentes o direito de viver em um
ambiente que lhes ofereça suporte, proteção, cuidado, viabilizando o desenvolvimento pleno de
seus potenciais.
Observação
46
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Eixo 2 – Atendimento
47
Unidade I
O Eixo 4 envolve:
• Realização de seis estudos que permitiram identificar avanços no período, desafios e perspectivas
futuras, com o objetivo de subsidiar os trabalhos para sua atualização, etapa em curso. Os estudos
foram apresentados ao Conanda, ao CNAS, outras Secretarias Nacionais de diversos Ministérios,
Organizações da Sociedade Civil e de instituições com expertise na área, além de serem amplamente
divulgados em lives realizadas no Canal da Rede Suas no Youtube.
• Aprimoramento dos resultados dos trabalhos nas oficinas colaborativas. Os próximos passos
envolvem a atualização do documento do PNCFC como um todo, seu encaminhamento ao
Conanda e ao CNAS e sua disponibilização para consulta pública.
Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, publicada pelo Ministério da
Saúde (Brasil, 2018), ao se analisarem os dados da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
pelo menos 10% das crianças nascem ou adquirem algum tipo de deficiência de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial – com repercussão no desenvolvimento neuropsicomotor. Por outro lado, cerca
48
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
de 70% a 80% das sequelas podem ser evitadas ou minimizadas por meio de condutas e procedimentos
simples de baixo custo e de possível operacionalização com diagnóstico oportuno e medidas preventivas
adequadas em todos os níveis de atenção à saúde.
A introdução dessas medidas preventivas deve ser compromisso prioritário dos gestores estaduais e
municipais, a começar pela garantia da oferta das triagens neonatais universais: teste do pezinho (triagens
biológicas), orelhinha (triagem auditiva neonatal), olhinho (triagem ocular neonatal – teste do reflexo
vermelho) e teste do coraçãozinho (triagem de cardiopatias congênitas críticas – oximetria de pulso).
A Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas tem como propósito garantir o acesso à atenção
integral à saúde, de acordo com os princípios e as diretrizes do SUS, contemplando a diversidade
social, cultural, geográfica, histórica e política, de modo a favorecer a superação dos fatores que
tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e transcendência
entre os brasileiros, reconhecendo o direito desses povos à sua cultura (Brasil, 2018).
Entre os principais agravos que acometem a população infantil indígena, se encontram as doenças
respiratórias, desnutrição e outras deficiências nutricionais, saúde bucal, doenças diarreicas e
doenças infectoparasitárias (DIP).
Essas crianças enfrentam dificuldades para acessar os serviços de saúde, entre os quais se destacam a
vergonha de procurar ajuda, dificuldades em relação ao autocuidado e em relação à adesão aos
tratamentos, mesmo tendo os serviços disponíveis na saúde: Consultório na Rua, Caps, Capsad e Capsi
e da Assistência Social, o Creas Pop têm como característica o atendimento da população adulta em
situação de rua (Brasil, 2018). E muitas vezes há resistências em atender crianças e adolescentes.
Portanto, a saída da rua é um processo a ser construído que envolve o restabelecimento de laços
familiares fragilizados ou rompidos. Porém, a alternativa, em última instância, pode ser os serviços de
acolhimento. Enquanto isso ocorre, a criança deve ter a saúde e a dignidade asseguradas.
Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), as crianças em
situação de rua estão mais expostas a traumas e violências em geral, ao consumo de álcool e outras
drogas, a relações sexuais precoces e às doenças sexualmente transmissíveis.
49
Unidade I
Assim, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm importante papel na prevenção de novos casos
de crianças e adolescentes nas ruas antes do rompimento dos laços familiares, por meio da equipe de
Saúde da Família (ESF), que está mais próxima das comunidades, podendo identificar (busca ativa)
famílias com crianças ou adolescentes que começam a passar dias na rua, seja no próprio bairro de
moradia, seja na região central da cidade.
É importante destacar que a família também merece cuidados, portanto a escuta sem julgamento é
fundamental, considerando que, em geral, essas famílias também podem estar enfrentando dificuldades,
como desemprego, uso abusivo de álcool, drogas, ou doença grave na família etc. (Brasil, 2018).
Assim, é importante contar com o envolvimento de outros membros da família ampliada, avós,
irmãos, colegas, tios, padrinhos, vizinhos, e outros atores que tenham algum vínculo com a família, para
que ela se sinta envolvida pela rede de apoio social de cuidado e proteção.
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicados em março de 2020 são de
221.869 como número estimado de pessoas que vivem hoje nas ruas no Brasil, com aumento de 139%
quando comparado com os de setembro de 2012 (SBC, [s.d.]).
De acordo com os dados disponibilizados por Natalino (2020) da ONG Visão Mundial, organização
que atua no Brasil desde 1975, são mais de 70 mil crianças em situação de rua no país. Segundo o
estudo, 51% das crianças têm seus direitos bruscamente violados.
Assim, investir no cuidado infantil e no seu acesso de forma qualificada é o passo mais importante
para gerar oportunidades de sair da pobreza.
A situação de crianças cujos pais se encontram privados de liberdade tem sido foco de preocupação,
considerando o crescente número de crianças acompanhando suas mães nos estabelecimentos
prisionais, submetidas a um ambiente inadequado e insalubre ou em sofrimento devido ao rompimento
do vínculo de convivência familiar de forma brusca com a mãe ou pai que cometeu delito.
Assim, é direito da criança, em qualquer idade, a proteção à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito e
dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, ao esporte e lazer, ao pleno desenvolvimento
como sujeito de diretos e pessoa em condição peculiar de formação para a cidadania (Brasil, 2018).
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
Prisional (Pnaisp), mediante a Portaria Interministerial n. 1, de 2 de janeiro de 2014 (Brasil, 2014c), prevê
a inclusão das unidades prisionais no território da Rede de Atenção à Saúde e a implantação de UBS nos
estabelecimentos penais, com a inserção de uma equipe multiprofissional composta minimamente por
cinco profissionais de nível superior: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e cirurgião‑dentista;
e um profissional de nível médio: técnico de enfermagem.
50
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a população
negra apresenta indicadores socioeconômicos desfavoráveis em relação às outras. Reconhecidamente
é a mais suscetível a algumas doenças e agravos prevalentes, estas podem ser adquiridas em condições
desfavoráveis, como a desnutrição, a anemia ferropriva, o sofrimento psíquico, o estresse, a depressão,
entre outros.
Portanto, observa‑se que as iniquidades vividas pela população negra causam impactos negativos na
saúde e no desenvolvimento saudável da criança, daí a importância de investir em ações intersetoriais
no território, articuladas com as demais políticas públicas sociais, além da atenção integral à saúde, na
Atenção Básica, complementada na Rede de Atenção à Saúde e da formação e educação permanente
para trabalhadores de saúde, incorporando as reivindicações dos movimentos sociais, dos fóruns de
participação popular e controle social.
De acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Brasil, 2018), a
população quilombola é reconhecida como remanescentes das comunidades dos quilombos. “Os grupos
étnico‑raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida” (Brasil, 2003, art. 2º). Estima‑se que há, aproximadamente, 3 mil comunidades
quilombolas em todo o território nacional.
Em pesquisa realizada (Brasil, 2008), existem aproximadamente 200 mil crianças quilombolas com
idade entre 0 a 5 anos. Trata‑se de universo significativo de meninos e meninas em desenvolvimento,
que necessitam de inclusão nas políticas sociais.
Assim, apesar dos esforços governamentais por meio do Programa Brasil Quilombola, Decreto n. 4.887,
de 20 de novembro de 2003, para garantir sua participação nos programas federais, crianças e famílias
quilombolas ainda encontram dificuldades de acesso e discriminação positiva nas políticas públicas
integrais (Brasil, 2018). Sua condição de invisibilidade social gera grande preocupação, principalmente
pelo alto índice de mortalidade infantil, de prematuridade, de desnutrição e de doenças infecciosas.
51
Unidade I
Destaque
A percepção da idade é subjetiva. Para muitos, ter 50 anos é já ter “virado a curva”, gíria que significa
estar próximo ou a caminho da morte, sem direito a emoções positivas. Para outros, é iniciar uma fase
nova da vida; e há quem diga que se trata de um período para continuar a vida de forma tranquila,
buscando viver da melhor forma possível.
A seguir, será traçado um panorama geral da pessoa idosa, inclusive no Brasil, a fim de elucidar os
avanços legais para esse segmento.
3.1 Envelhecimento
O ser humano, como todo o ser vivo, nasce, cresce, envelhece e morre, trata‑se de um processo
natural de sua vivência.
O termo velhice é um conceito que surgiu após as revoluções burguesas e a Revolução Industrial,
época em que só havia interesse pela população economicamente ativa, que dispusesse de vigor
físico para trabalhar. Quando essas pessoas não podiam mais exercer suas funções com o avançar da
idade, passavam a ser consideradas velhas pela sociedade, em especial para o mercado de trabalho.
Esse momento, associado à chegada da aposentadoria, faz com que muitas vezes o indivíduo, com a
perda do papel de trabalhador, deixe ou reduza os seus relacionamentos com a comunidade, já que
passa boa parte de seu tempo no ambiente de trabalho.
52
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Ao longo da história, a velhice foi vista de diferentes maneiras, conforme a cultura e os hábitos de
vida de cada povo. Há algumas sociedades em que os velhos não são apreciados, porém há outras em
que são muito valorizados.
As pessoas idosas na Grécia antiga eram muito respeitadas. Naquela época, homenageava‑se a
pessoa idosa, com o neto recebendo o nome do avô. Todavia, no atual sistema capitalista, o que se
vê é o preconceito e desrespeito à pessoa idosa, que é considerada inútil, incapaz. Esse fato acaba
influenciando a negação da velhice e o culto à juventude.
Para Oliveira (1999, p. 23), terceira idade é uma fase na qual se encontra “toda pessoa que esteja
numa alta faixa etária, em que se evidenciam mudanças naturais e específicas de ordem física e psíquica”.
Observação
Bee (1997, p. 516) afirma não existir um consenso para determinar a faixa etária que compõe a
terceira idade; considera que terceira idade estará situada acima dos 60 anos. “O período da velhice é o
último período da fase de vida humana”. A autora deixa claro que a velhice existe, apesar de ser vista e
percebida de forma diferente por cada indivíduo.
Lembrete
53
Unidade I
O termo velho estava fortemente associado aos sinais de decadência física e incapacidade produtiva,
sendo utilizado para designar, de modo pejorativo, sobretudo, os velhos pobres.
Na década de 1960, o termo começou a desaparecer da redação dos documentos oficiais franceses,
que o substituíram por pessoa idosa, menos estereotipado. Ao mesmo tempo, o estilo de vida das camadas
médias começou a se disseminar para todas as classes de aposentados, que passaram a assimilar as
imagens de uma velhice associada à arte do bem viver; então, apareceu o termo terceira idade, que
tornou pública e legitimou a nova sensibilidade investida sobre os jovens e respeitados aposentados.
O termo velho está associado a designações de negatividade, como o indivíduo que não tinha um
estatuto social. Neri (2002), por sua vez, relata que os velhos são quase sempre vistos como consumidores
de verbas públicas. Envelhecer é considerado um processo universal, dinâmico, progressivo, lento e
gradual, sendo atrelado a fatores genéticos, biológicos, sociais, ambientais, psicológicos e culturais.
Observação
Pode‑se dizer que ser velho é tornar‑se velho, ou melhor, que envelhecer significa tornar‑se mais
velho. Com essa expressão, entende‑se que a pessoa viveu ou está vivendo há muitos anos, já que só
envelhece aquele que vive.
Desse modo, coexistem diferentes imagens de velhos na sociedade contemporânea. Nesse contexto,
a teoria das representações sociais, cuja contribuição tem sido significativa para compreender
diversos fenômenos, apresenta‑se como um referencial importante para o estudo dos significados
atribuídos ao envelhecimento e à pessoa idosa. Essa teoria foi elaborada pelo psicólogo romeno Serge
Moscovici, com o intuito de explicar e compreender a realidade social, considerando a dimensão
histórico‑crítica‑indissociação entre o individual e o social.
Ao explorar as representações sociais de uma pessoa idosa, promove‑se o contato com imagens e
conteúdo, e elas expressam, de certa forma, suas necessidades psicossociais, aspectos determinantes
na construção de um planejamento de ações em prol de um envelhecimento saudável e bem‑sucedido.
54
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Santos (2010), ao conceituar pessoa idosa, defende que ela pode ser vista sob dois prismas, a depender
do país em que está localizada. O autor ainda acentua:
não existe um ser “pessoa idosa” [...] é apenas um termo social que não
tem realidade humana. O que não impede que descrevam com seus usos
e costumes, seu temperamento, seus defeitos. Tudo isso projeta, para os
mais jovens, uma imagem de velhice bastante ameaçadora, incapaz de
corresponder a um ideal atingível, como acontece em outras civilizações e
em outras culturas. Esse ideal de ego que envelhece adquire um aspecto de
bicho‑papão do ego, contra o qual vai se quebrar mais de um espelho.
• Queda de mortalidade.
55
Unidade I
• Melhoria nutricional.
• Elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental, tanto em residências como no trabalho.
• Avanços tecnológicos.
O crescimento da população idosa está intimamente ligado a dois processos: à alta fecundidade no
passado, ocorrida sobretudo nos anos 1950 e 1960, e à redução da mortalidade.
A vida da pessoa idosa faz parte de um processo natural de seu envelhecimento, por fatores genéticos,
fragilização (natural com o avanço da idade), levando‑o a um estado de incapacidade e dependência de
outrem para os cuidados de atividades simples, do cotidiano.
Em processos de envelhecimento, a família se torna partícipe e tem um papel vital para proteger
e assegurar o direito da pessoa idosa, sendo uma alternativa no sistema de suporte informal às
pessoas idosas.
A família, como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento; há diferenças
quanto aos parâmetros culturais, mas as raízes são universais. A qualidade de vida e o suporte familiar
são essenciais. Não importa se a pessoa idosa mora sozinha ou divide o espaço com um familiar, sempre
deve‑se considerar seu bem‑estar, além de questões como economia, lazer, educação e saúde.
Assim, Duarte e Alencar (2008) acentua que a família é a centralidade no âmbito da sobrevivência
material, uma vez que há a ausência de direitos sociais. É nessa instituição que os indivíduos tendem a
buscar recursos para lidar com as situações adversas, como desemprego, doença e velhice.
Destaca‑se a relação do Estado, da família e da pessoa idosa conforme a visão de Mioto (apud
Rezende, 2012, p. 53), que compreende haver três interpretações:
56
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
O aspecto cronológico está ligado à passagem do tempo, e este explicita a transição do novo para o
velho, marcada pelo desgaste, por mudanças de comportamentos e expectativas. Portanto, a infância, a
adolescência, a maturidade e a velhice constituem diferentes momentos, que supõem formas e dimensões
distintas de encarar e interpretar os acontecimentos que ocorrem ao longo da vida do indivíduo.
Observação
Assim, é possível afirmar que as pessoas envelhecem de forma coerente com a história de sua vida.
Lembrete
Por sua vez, o aspecto biológico está ligado ao envelhecimento físico, formado pelos três estágios
vivenciados pelos indivíduos. O primeiro deles é a juventude, época de progresso, desenvolvimento e
evolução; o segundo é a fase adulta e de maturidade, período de estabilização e equilíbrio; e o terceiro
é a velhice, época de regressão.
57
Unidade I
Uma vez que o organismo passa por mudanças caracterizadas por crescimento, desenvolvimento,
maturidade e, por fim, senilidade, o envelhecer representa um amplo problema biológico. Ou seja,
esse processo é marcado pela perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo.
Nesse aspecto, destaca‑se que há uma série de preconceitos sociais marginalizando a pessoa
idosa e afastando‑a do convívio social, não valorizando sua experiência, o que gera a incapacidade de
reconhecimento do valor de sua própria velhice.
Quanto aos aspectos psicológicos, a etapa de vida velhice é marcada por mudanças no sistema
nervoso central, na capacidade sensorial e perceptual e na habilidade de organizar e utilizar
informações. Existem influências externas, como expectativas culturais e fatores ambientais, que vão
refletir sobre a inteligência e a aprendizagem.
A dimensão social refere‑se aos papéis e aos hábitos que a pessoa, ao longo do seu ciclo vital,
assume na sociedade e na família, a partir de um padrão culturalmente estabelecido. O envelhecimento
agregado à vulnerabilidade social pode, muitas vezes, manifestar‑se pela diminuição ou perda do papel
desempenhado por longos anos, na esfera familiar, social e profissional.
Na Europa, por exemplo, o aumento na expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial
à época em que ocorreram importantes conquistas do conhecimento médico em meados do século
passado. Um excelente exemplo é a redução da mortalidade por tuberculose. Nos Estados Unidos, no
início do século anterior, a taxa de mortalidade por essa doença era de 194 mortes para cada 100 mil
indivíduos em um ano.
Em países do terceiro mundo, por outro lado, o aumento substancial na expectativa de vida ao
nascimento foi ser observado a partir de 1960. Desse período até 2020, as estimativas são de um
crescimento bastante acentuado; “a expectativa média de vida ao nascimento no terceiro mundo nesses
60 anos terá aumentado mais de 23 anos, atingindo 68,9 anos em 2020” (Hoover; Siegel, 1986, p. 133).
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), caso o processo de envelhecimento da população
mundial permaneça num ritmo acelerado, a previsão para 2050 é que a quantidade de pessoas idosas
supere a de menores de 14 anos, fato que seria inédito.
59
Unidade I
A Organização Mundial de Saúde (OMS) evidencia que nas próximas décadas a “população mundial
com mais de 60 anos vai passar dos atuais 841 milhões para 2 bilhões até 2050, tornando as doenças
crônicas e o bem‑estar da terceira idade novos desafios de saúde pública global” (ONU, 2014).
Segundo a OMS,
Observação
60
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Em termos de regiões, mais da metade da população de pessoas mais velhas vive na Ásia. Esse
percentual da Ásia aumentará ainda mais, enquanto a participação da Europa na população mundial
mais velha diminuirá.
Para a OMS (2005), é necessário interpretar o envelhecimento ativo para obter êxito.
O envelhecimento ativo aplica‑se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Permite que
as pessoas percebam o seu potencial para o bem‑estar físico, social e mental ao longo do curso da vida,
e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades;
ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessário.
Com esse cenário, as políticas sociais de saúde, o mercado de trabalho e a educação entenderam a
necessidade de apoiar a questão a fim de diminuir mortes prematuras em estágios da vida altamente
produtivos, bem como subtrair as deficiências associadas às doenças crônicas na terceira idade. Se os
61
Unidade I
O emprego, que é um fator determinante por toda a vida adulta, tem grande influência sobre a
preparação, sob o aspecto financeiro, do indivíduo para a velhice.
Observação
A cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela nossa forma de envelhecer, pois
influencia todos os outros fatores determinantes do envelhecimento ativo.
Os valores culturais e as tradições interferem muito no modo como uma sociedade encara as pessoas
idosas e o processo de envelhecimento. Quando as sociedades atribuem sintomas de doença ao processo
de envelhecimento, elas têm menor probabilidade de oferecer serviços de prevenção, detecção precoce e
tratamento apropriado.
A cultura também é determinante no modo como as demais gerações convivem com a pessoa em
processo de envelhecimento.
No tocante à questão de saúde e serviço social enquanto fatores determinantes, são necessárias
ações integradas a fim promover a saúde, prevenir doenças e proporcionar o acesso equitativo e de
qualidade ao cuidado primário e de longo prazo.
62
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Para tal, são efetivadas ações de promoção em saúde e prevenção de doenças, pois, na medida em
que a população envelhece, a demanda por medicamentos que retardem e tratem doenças crônicas,
aliviem a dor e melhorem a qualidade de vida vai continuar a aumentar.
São ações de promoção em saúde e prevenção de doenças ações coletivas como prevenção primária,
a exemplo de campanhas contra o tabagismo; secundária, como é o caso de constatação precoce de
doenças; terciária, que já é o próprio tratamento.
Portanto, a assistência em longo prazo abrange sistemas de apoio informais e formais. Estes podem
incluir uma ampla variedade de serviços comunitários (saúde pública, cuidados básicos, tratamento
domiciliar, serviços de reabilitação e tratamento paliativo), assim como tratamento institucional em
asilos e hospitais para doentes terminais. Os sistemas formais referem‑se também aos tratamentos que
interrompem ou revertem o curso da doença e da deficiência.
Por sua vez, os fatores determinantes associados a aspectos pessoais se relacionam a questões
biológicas e de genética por causa de sua grande influência sobre o processo de envelhecimento. Este
representa um conjunto de processos geneticamente determinados e pode ser definido como uma
deterioração funcional progressiva e generalizada, resultando em uma perda de resposta adaptativa às
situações de estresse e em um aumento no risco de doenças ligadas à velhice.
Os fatores psicológicos, que incluem a inteligência e a capacidade cognitiva (por exemplo, a aptidão
de resolver problemas e de se adaptar a mudanças e perdas), são indícios fortes de envelhecimento
ativo e longevidade. Durante o processo de envelhecimento normal, algumas capacidades cognitivas
63
Unidade I
(inclusive a rapidez de aprendizagem e memória) diminuem, naturalmente, com a idade. Contudo, essas
perdas podem ser compensadas por ganhos em sabedoria, conhecimento e experiência. O declínio no
funcionamento cognitivo é provocado por desuso (falta de prática), doenças (como depressão), fatores
comportamentais (como consumo de álcool e medicamentos), psicológicos (falta de motivação, de
confiança e baixas expectativas) e fatores sociais (solidão e o isolamento) mais do que o envelhecimento
em si. Nesse quesito, destacam‑se fatores psicológicos como autossuficiência, autoeficiência e superação
de adversidade.
Observação
As pessoas idosas apresentam maior probabilidade de serem expostas a perdas, são mais vulneráveis
à solidão, ao isolamento social e a ter um menor grupo social. O isolamento social e a solidão na
velhice estão ligados a um declínio de saúde tanto física como mental.
Quanto aos fatores econômicos, três aspectos têm um efeito particularmente relevante sobre o
envelhecimento ativo: a renda, o trabalho e a proteção social.
As políticas de envelhecimento ativo precisam se cruzar com projetos mais amplos para reduzir
a pobreza em todas as idades. Os pobres de todas as idades apresentam um risco maior de doenças
e deficiências e as pessoas idosas estão particularmente vulneráveis. A ausência de renda ou
renda hipossuficiente afetam seriamente o acesso a alimentos nutritivos, à moradia adequada e a
cuidados de saúde.
Enquanto proteção social, a família se coloca com uma via de proteção, provendo parte do auxílio
para as pessoas idosas. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência
64
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
entre as gerações no mesmo ambiente muda, exige‑se cada vez mais que os países desenvolvam
mecanismos de proteção social às pessoas idosas incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhas
e vulneráveis. Em países em desenvolvimento, as pessoas idosas que precisam de assistência tendem a
confiar na ajuda da família, em transferências de serviços informais e em economias pessoais.
Observação
Todavia, ainda em alguns países menos desenvolvidos, as pessoas idosas tendem a se manter
economicamente ativas na velhice pela necessidade, responsabilizam‑se pela administração do lar e
pelo cuidado com crianças, de forma que os adultos jovens possam trabalhar fora de casa.
No Brasil, pode‑se dizer que o marco inicial da construção da categoria social velhice remonta ao ano
de 1890, quando foi fundado no Rio de Janeiro o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada. Em 1909,
foi inaugurado nessa instituição um pavilhão para velhos não desamparados (Groissman, 1999). Esses
eventos assinalaram uma desvinculação da noção de velhice das noções de mendicância, vadiagem,
pobreza e desamparo, o que ocorria desde a abolição da escravatura.
Segundo Lima (2005, p. 26), a primeira instituição destinada as pessoas idosas Brasil foi uma
65
Unidade I
As instituições de longa permanência tinham o objetivo de cuidar de pessoas com idade avançada,
dignas de um envelhecimento saudável e com cuidados. Nesse aspecto, destaca‑se o papel de cuidado
da Casa de Santa Misericórdia, que se refere a uma forma de serviço de hospitalização que ocorria ainda
na época colonial.
Os asilos, como eram chamadas as instituições nesse período, tinham por objetivo prevenir as
situações de mendicância, pois o número de pessoas envelhecidas das ruas aumentava.
Em 1961, foi fundada a primeira sociedade científica brasileira no campo da velhice, a Sociedade
Brasileira de Geriatria. Esta, em 1978, começou a acolher também os não médicos, por isso passou a se
chamar Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
No fim dos anos 1960, o Serviço Social do Comércio (Sesc) começou a desenvolver um trabalho
pioneiro com pessoa idosa por meio de programas de preparação para a aposentadoria, de
divulgação científica sobre cuidados com a saúde no envelhecimento, de lazer, de atividades físicas
e de educação para pessoas da terceira idade nos mesmos moldes dos que existiam na Europa.
Em 1982, foi fundada a Associação Nacional de Gerontologia (ANG), congregando principalmente
profissionais da área social.
Diante dos avanços dos processos de envelhecimento, num contexto contemporâneo, o Brasil
vem ganhando o título de um país com uma população jovem que está passando por um processo de
envelhecimento nos últimos anos.
No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de
vida ao nascer é de 68 anos (Veras, 2003).
Tal condição era justificada por conta de precariedade das condições sanitárias, alta taxa de
mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. Com o avanço da medicina e a melhoria da qualidade
de vida, a mortalidade infantil diminuiu e, consequentemente, a expectativa de vida aumentou. Assim,
o envelhecimento populacional atingiu vários países, exigindo políticas para cuidar e abrir espaço para
esse novo contingente populacional.
Desde os anos 1940, é entre a população idosa que são observadas as taxas mais altas de crescimento
populacional, e, já na década de 1950, esse crescimento superou 3% ao ano, chegando a 3,4% entre
1991 e 2000 (Veras, 2003).
De acordo com Santos e Silva (2013, p. 362), o crescimento da população idosa no Brasil, portanto,
foi uma consequência da “diminuição da fecundidade, da redução da mortalidade da população e do
aumento da expectativa de vida”.
Segundo Rodrigues (2001, p. 149), foi no início da década de 1970 que “começou a surgir um número
significativo de idosos em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do
setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso”.
66
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Em decorrência,
No Brasil,
O Estatuto assegura o direito de todas as pessoas envelhecerem com dignidade e respeito. Dispõe
sobre a responsabilidade do Estado na garantia de segurança, saúde e a obrigação de formulação de
novas políticas públicas:
Envelhecer em nossa sociedade é uma expressão da questão social a ser discutida com muito cuidado,
dado o momento em que vivemos.
O processo de envelhecimento é algo comum a todos e com ele surgem as complicações biológicas.
Esse processo torna a pessoa idosa um sujeito em situação de risco, portanto, um cidadão com
necessidade de atenção especial.
O Brasil é um país que envelhece a passos largos. Apesar de iniciativas do governo federal nos anos
1970 voltadas para pessoas idosas, apenas em 1994 foi instituída uma política nacional que atende esse
grupo. Antes, as ações governamentais tinham cunho caritativo e filantrópico. Nos anos 1970, foram
criados benefícios não contributivos, como as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda
mensal vitalícia para os necessitados urbanos e rurais com mais de 70 anos que não recebiam benefício
da Previdência Social (Teixeira, 2008).
67
Unidade I
Como observa Neri (2007), diante do crescimento do segmento da pessoa idosa no Brasil e do
consequente surgimento de suas demandas em diversas esferas, foram fixados os instrumentos legais
de proteção às pessoas idosas com o objetivo de garantir, por exemplo, o direito à igualdade e superar a
marginalização da pessoa idosa na sociedade.
Especialmente nas décadas de 1980 e 1990, o envelhecimento em nosso país acarretou uma
inversão na pirâmide etária brasileira. Antes, a base da pirâmide era representada pela população
jovem, considerada a mais numerosa. Passando a assumir uma nova forma, a população adulta vem
aumentando gradativamente para a população mais velha. Há alguns anos, o Brasil era caracterizado
como um país de jovens, mas hoje o cenário é outro.
De acordo com a síntese de indicadores sociais divulgada pelo IBGE, a esperança de vida ao nascer,
no Brasil, cresceu três anos no período entre 1999 e 2009. Em 1999, a esperança de vida do brasileiro
correspondia a 70 anos, em 2009, subiu para 73,1 anos (IBGE, 2010).
No que se refere à esperança de vida ao nascer, para as mulheres, o índice passou de 73, 9 para
77 anos. Já para os homens, a evolução foi de 66,3 para 69,4, confirmando maior esperança de vida
para o sexo feminino (IBGE, 2010).
A população de pessoas idosas é a que mais cresce no Brasil, configurando um fenômeno novo e
desafiador para a sociedade, para as famílias e para os governos. Para ilustrar, no início do século XX, a
esperança de vida do brasileiro não passava dos 33,5 anos, chegando aos 50 na metade desse mesmo
século. Em 2011, o nível de idade chegou a 74,8 anos, sendo que as mulheres estão vivendo sete anos a
mais do que os homens (IBGE, 2010).
Camarano (2023) aborda as mudanças demográficas no mundo, pois elas precisam ser exploradas
para melhor entendimento do fenômeno e de suas implicações em outros fenômenos sociais (pressões
trazidas pelo avanço da digitalização e da pandemia de Covid‑19).
Para compreender a evolução demográfica atual, é preciso racionalizar o que está ocorrendo e
também como as teorias estruturam o pensamento sobre o objeto de análise.
Para além, entre outros fenômenos, é possível observar a formação de diferentes formatos de
família, o crescimento de mães e pais solteiros e uniões homoafetivas, sintomas da sociedade atual.
A estruturação, a regularidade no comportamento dos indivíduos e nas relações que mantemos é tratada
como estrutura social (Camarano, 2023, p. 5). Em outra visão, mais detalhada, o que nós fazemos é
considerado estrutura.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com Dourado et al. (2021), foi idealizado
para enfatizar que as pessoas e suas capacidades devem ser o melhor critério a fim de avaliar o
desenvolvimento de um país, estado ou município, não apenas o crescimento econômico. Ele é aferido
a partir da média geométrica entre índices que medem cada um dos seguintes fatores considerados
68
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
pontos‑chave no desenvolvimento humano: ter uma vida longa e saudável, adquirir conhecimentos e
ter um padrão de vida decente (Rodrigues; Lima, 2020).
Pandemias, a mais recente vivenciada no período de 2020 até 2022, o Covid‑19, raramente afetam
as pessoas de forma uniforme. A maior incidência se dá junto às populações mais pobres e de maneira
mais drástica. Considerando que as populações mais pobres são mais propensas a ter condições crônicas,
isso as coloca em maior risco de mortalidade.
Como os países com IDH mais elevado têm uma maior expectativa de vida, a população idosa
dessas nações é maior. Uma vez que o grupo das pessoas idosas é o mais vulnerável às formas
graves da infecção pelo SARS‑CoV‑2. Esse fato faz com que a mortalidade seja maior onde o IDH for
mais elevado.
De acordo com Marcolin (2022), o objetivo da pesquisa realizada era explanar e discutir a importância
dos direitos e das políticas públicas no enfrentamento das vulnerabilidades da população idosa,
particularizando o contexto da pandemia da Covid‑19. Para tanto, inicialmente, contextualiza‑se o
processo de envelhecimento, demarcando os direitos da pessoa idosa, para, na sequência, explicitar a
pandemia da Covid‑19, seus impactos na vida da pessoa idosa, discutindo a importância dos direitos
e das políticas públicas sociais no enfrentamento das vulnerabilidades.
Por meio dos gráficos seguintes, analisados por Marcolin (2022), é possível observar
comparativamente em duas projeções (anos 2020 e 2060) a quantidade de pessoas por gênero e por
idade, em três faixas subdivididas em 0 a 19 anos, 20 a 59 anos e acima dos 60 anos, denotando uma
alteração significativa da pirâmide etária no Brasil devido ao crescimento da população idosa.
69
Unidade I
Gráfico 1 Gráfico 2
Figura 3 – Pirâmide etária do Brasil em 2020 (com % da população total, por sexo – gráfico 1);
pirâmide etária do Brasil em 2060 (com % da população total, por sexo – gráfico 2)
Em outra demonstração gráfica, Marcolin (2022) observa que o crescimento registrado e projetado
é impressionante no período de 150 anos, sendo que o ritmo do envelhecimento na segunda metade
do século XX, que ainda se dava de forma lenta, se transformou em crescimento acelerado ao longo do
século XXI, conforme dados do IBGE.
Com base nas reflexões apresentadas, podemos inferir que o envelhecimento global causa um
aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo. Ao mesmo tempo que o envelhecimento
da população é um dos maiores triunfos da humanidade, traz consigo grandes desafios.
De acordo Marcolin (2022), é importante refletir que, embora os direitos tenham sido instituídos
em prol da proteção à pessoa idosa, ainda persistem várias violações nessa parcela da população, como
assinala Marcolin (2022, p. 30):
70
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Porém pode‑se evidenciar com base no exposto que o Estatuto da Pessoa Idosa é uma grande
conquista na esfera dos direitos à pessoa idosa, mas a sua implementação precisa avançar para que
de fato seja concretizado o sistema de garantias proposto. Há muitos desafios ao olhar o modelo de
sociedade que se pauta pela primazia dos interesses econômicos, já que a população idosa está:
Os óbitos pela Covid‑19 têm afetado o tempo vivido pelos brasileiros e o crescimento da população
idosa em curto e médio prazo.
Embora os óbitos estejam concentrados nas idades avançadas, o aumento das taxas de mortalidade
da população idosa já está provocando um impacto tanto na expectativa de vida ao nascer como na das
demais idades.
71
Unidade I
Marcolin (2022) observa outras consequências, entre elas as causadas pelo isolamento social no que
diz respeito à saúde física e mental da população idosa devido à limitação da liberdade e do convívio
social. Com isso, os períodos de distanciamento social, mudanças na rotina e a diminuição da prática de
atividades físicas e atividades da vida diária também foram comprometidas, causando grande impacto
na saúde mental.
E diante do isolamento social, muitos se viram solitários, considerando que nem todas as pessoas
idosas têm acesso à tecnologia digital, que, para alguns, pode minimizar a falta ou ausência de
convivência social.
Assim, de acordo com Marcolin (2022), com base nesses breves apontamentos acerca da pandemia,
pode‑se concluir que a crise do coronavírus potencializou vulnerabilidades e desigualdades já existentes,
além de desencadear novas situações e desafios, particularmente no que concerne a populações e
grupos mais suscetíveis, como é o caso das pessoas idosas.
Por outro lado, o total de crianças com até 14 anos de idade decresceu 12,6%, mudando de
45,9 milhões (24,1%) em 2010 para 40,1 milhões (19,8%) em 2022 (IBGE Educa, 2024).
72
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
5 4 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5
2022 - Homens 2022 - Mulheres
2010 - Homens 2010 - Mulheres
Figura 4 – População residente no Brasil (%) segundo sexo e grupo de idade, em 2010 e 2022
Em 1980, a população brasileira com 65 anos ou mais representava 4,0%. Em 2022, esse grupo
atingiu 10,9%, o maior registro nos Censos Demográficos. Já a proporção de crianças com até 14 anos,
que era de 38,2% em 1980, caiu para 19,8% em 2022 (IBGE Educa, 2024).
Segundo a gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, Izabel Marri, ao longo do
tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos
no Brasil. Essa mudança no formato da pirâmide etária passa a ser visível a partir dos anos 1990 e a
pirâmide etária do Brasil perde, claramente, seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao
longo dos anos é a redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta e também
do topo da pirâmide até 2022 (Gomes; Britto, 2023).
73
Unidade I
Ao avaliar as proporções desses grupos etários específicos por grandes regiões, a região Norte é a
mais jovem entre as demais, com 25,2% de sua população com até 14 anos, seguida pelo Nordeste, com
21,1%. O Sudeste e o Sul têm estruturas mais envelhecidas, com 18% e 18,2% de jovens de 0 a 14 anos,
e 12,2% e 12,1% de pessoas com 65 anos ou mais, respectivamente (Gomes; Britto, 2023).
A região Centro‑Oeste apresenta uma estrutura intermediária, sendo a sua distribuição etária
próxima da média do país.
A idade mediana divide uma população em 50% mais jovens e 50% mais velhos. No Brasil, de 2010
a 2022, a idade mediana aumentou de 29 para 35 anos, refletindo o envelhecimento da população.
Nas cinco grandes regiões, houve crescimento: Norte (de 24 para 29 anos), Nordeste (de 27 para
33 anos), Sudeste (de 31 para 37 anos), Sul (de 31 para 36 anos) e Centro‑Oeste (de 28 para 33 anos)
(Gomes; Britto, 2023).
74
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
AP AP
RR 22 RR
23 26 27
AM CE 27 AM CE 33
23 PA MA 27 PA MA RN 34
24 RN 28 29
24 PB 28 20
PB 34
PI 27
RO TO
PE 28
RO TO PI 34 PE 34
26 BA AL 25 31 AL 32
25 32 BA
AC MT 28 SE 26 AC MT 35 SE 33
22 27 27 32
GO DF 28 GO DF 34
Brasil 29 29 MG Brasil 35 34 MG
MS 30 ES 29 MS 36 ES 36
28 SP 33 SP
PR 31 RJ 32 RJ 37
PR 36
30 35
SC 30 SC 35
RS RS
32 38
Idade mediana
2010 22 anos 38 anos 2022
Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população,
com alta de 57,4% frente a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população. É
o que revelam os resultados do universo da população do Brasil desagregada por idade e sexo, do Censo
Demográfico 2022. Essa segunda apuração do Censo mostra uma população de 203.080.756 habitantes,
com 18.244 pessoas a mais do que na primeira apuração (Gomes; Britto, 2023).
250 M
Área: 8.51.418 km2
200 M
150 M Densidade demográfica:
100 M 23.86 hab/km2
50 M Mais de 20 milhões de pessoas
10 milhões a 20 milhões de pessoas
1872 18901900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2022
5 milhões a 10 milhões de pessoas
1 milhão a 5 milhões de pessoas
Menos de 1 milhão de pessoas
75
Unidade I
Do total da população residente no país, 51,5% (104.548.325) eram mulheres e 48,5% (98.532.431)
eram homens, ou seja, havia cerca de 6 milhões de mulheres a mais do que homens em 2022, como
explica Izabel Marri, gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, em reportagem
para a Agência IBGE de Notícias (Gomes; Britto, 2023):
Observação
O envelhecimento atinge principalmente a parcela da população que vive de modo muito vulnerável.
O impacto dessa nova “ordem demográfica” no Brasil, associado a fatores como subdesenvolvimento,
falta de assistência, condições de saúde e lazer, são aspectos necessários para o bem viver de uma
população e exigem que os aparatos de atenção e proteção social sejam repensados.
Cada vez mais as pessoas mais velhas têm sido vistas como contribuintes para o desenvolvimento.
Assim, as habilidades para melhorar suas vidas e sua sociedade devem ser transformadas em políticas e
programas em todos os níveis.
Diante desse quadro, as necessidades da população da pessoa idosa, cujo contingente populacional
cresce em ritmo bastante acelerado no Brasil, passam a ser compreendidas como uma das expressões da
questão social contemporânea.
Ficar velho no século XXI não será semelhante a envelhecer no século XX. Por um lado, os direitos
já adquiridos são questionados diante do processo de transição demográfica, da política neoliberal de
redução dos direitos sociais e da mudança nas condições de vida da família e da sociedade. Por outro,
há organizações e mobilização para assegurar direitos e pô‑los em prática e uma presença ativa da
pessoa idosa na família e na sociedade.
76
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Tal situação denota que o processo de envelhecimento brasileiro vem passando por profundas
desigualdades sociais, com diferentes formas de envelhecer. Estão presentes nesse processo os aspectos
culturais, sociais, econômicos e políticos, fatores determinantes de acesso a bens e serviços sociais
disponibilizados, revelando uma situação de exclusão de grande parte da população idosa dos bens
essenciais à existência humana (Silva, 2016).
A satisfação das necessidades individuais de homens e mulheres idosas representa um dos grandes
desafios da agenda pública, pois supõe considerar as especificidades de cada gênero. A conquista da
longevidade traz um importante dado quanto ao envelhecimento, sobretudo o processo de feminização
do envelhecimento, uma vez que as mulheres estão em maioria em todas as regiões do mundo
(Silva, 2016).
Observação
Mesmo sendo as mulheres que vivem mais, elas estão mais expostas a
situações de violências, discriminações, salários inferiores (em comparação
aos dos homens) e dupla jornada de trabalho, além da solidão.
Todo cidadão tem direito ao envelhecimento, e a proteção desse direito engloba o compartilhamento
de responsabilidades entre a família, o Estado e a sociedade.
Lembrete
77
Unidade I
Segundo Silva (2016), a existência de um instrumento legal no Brasil vem confirmar esses direitos
retratados neste livro‑texto. De fato, trata‑se de um grande avanço para uma sociedade que se
desenvolveu sem atentar para a importância de um princípio básico de civilidade, que é valorizar a
sabedoria dos mais velhos e proteger as suas necessidades. No entanto, apesar do marco legal e suas
medidas de efetivação, há muito o que percorrer para que tais ações sejam concretizadas.
No Brasil, o sistema de proteção social destinado ao segmento social da pessoa idosa se encontra
estruturado em termos de mecanismos legais que visam garantir proteção social básica e especial, através
de políticas de seguridade social, além de outras políticas setoriais que visam assegurar bem‑estar aos
cidadãos que atingem a velhice.
Os direitos das pessoas idosas já estão estabelecidos no sistema legal e os avanços já alcançados
em relação à proteção da pessoa idosa são frutos de pressões sociais nacionais e internacionais. Tais
direitos foram consubstanciados na legislação brasileira, na Constituição Federal (CF), reafirmados na Lei
Orgânica de Assistência Social (Loas), reforçados na Política Nacional do Pessoa Idosa (PNI) e no Estatuto
da Pessoa Idosa.
78
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
No entanto, são grandes os desafios para fazer frente à mudança no perfil demográfico brasileiro,
que, como em todo o mundo, se depara com um crescimento acelerado no número de pessoas idosas.
Estudos em diversos países indicam que até o século XIX, quando o trabalhador chegava na velhice,
era expulso do seu local de trabalho, ou seja, abandonado à própria sorte, pois não possuía um amparo
devido para prover a sua subsistência em idade mais avançada (Beauvoir apud Ottoni, 2012).
Sobre o início do sistema de proteção brasileiro das pessoas idosas, existem relatos durante o período
colonial de que o Estado patrimonial português incorporou ao seu projeto de colonização práticas
assistencialistas através da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que era uma instituição assistencial
a pessoas idosas, e somente em 1888 (Decreto n. 9.912‑A), os trabalhadores dos Correios passaram a
ter direito à aposentadoria. Para isso, deveriam ter 30 anos de trabalho e, no mínimo, 60 anos de idade
(Brasil, 1888).
No século XX, foram iniciadas as políticas previdenciárias estatais para trabalhadores privados. Em
1919, criou‑se o seguro de acidentes do trabalho e, em 1923, a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs),
a qual foi regulamentada pela Lei Eloy Chaves (Brasil, 1923).
À época, foram garantidas novas conquistas para a classe trabalhadora, como autorização de
pensões e férias no período, ao menos no que concerne ao aspecto legal. Em 1891, criou‑se a lei que
regulamentava o trabalho infantil e, em 1911, a lei que reduzia a jornada de trabalho para 12 horas
diárias. Por fim, no ano de 1919, inaugurou‑se a lei que regulamentava os acidentes de trabalho cuja
responsabilidade passou a ser do empregador.
Observação
79
Unidade I
Behring e Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entenderam que esse seria o primeiro estágio da
política social brasileira, compreendido pelas autoras como o período de introdução da política social
no Brasil. Todavia, essa política social não seria extensiva a todos os que dela necessitavam (como é
esperado hoje), mas especialmente idealizada para atender a classe trabalhadora brasileira.
Assim, em 1930, temos a criação do Ministério do Trabalho e, em 1932, da Carteira de Trabalho (CTPS).
Então, consolidou‑se uma série de direitos e proteções para a classe trabalhadora: regulação dos
acidentes de trabalho; ampliação das aposentadorias e pensões; auxílio‑doença; auxílio‑maternidade;
auxílio‑família; seguro‑desemprego.
Entretanto, grande parte da população brasileira não trabalhadora ou sem registro em carteira
permanecia à margem do acesso aos direitos.
Cabe destacar que a partir da Era Vargas, houve uma ampliação significativa das CAPs, o que
motivou a consolidação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões Sociais (IAPs). Por meio das CAPs,
o empregado contribuía com uma parcela mensal do seu salário enquanto estava na ativa, como
acontece na aposentadoria privada.
Os IAPs eram a congregação de várias CAPs de acordo com a categoria de trabalhadores. O primeiro
IAP criado foi o dos marítimos, em 1933. Esses institutos não estavam restritos a prestar cuidado
aos segmentos de trabalhadores desvalidos por meio da concessão de pensões sociais, mas também
prestando cuidados à saúde e empréstimos para a classe trabalhadora alcançar a casa própria.
O Estado não possuía uma política social de saúde, logo, tinha acesso à saúde apenas quem contribuía
com algum instituto. O Estado apenas organizava campanhas sanitárias para conter endemias e epidemias,
portanto, atuava de forma pontual e residual. Quem tinha necessidade de atendimento médico e não
estava vinculado a nenhum instituto deveria procurar as Santas Casas, instituições mantidas pela Igreja
Católica que prestavam atenção a doentes e pessoas em situação de rua.
Em 1930, o país já possuía uma política de bem‑estar social, com previdência, educação, saúde
e habitação. Nesse ano, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as Caixas foram
substituídas pelos Institutos de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas);
nestes, estados e sindicatos detinham maior autonomia na gestão de recursos (Simões apud Ottoni, 2012).
80
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
No ano de 1934, foi instituída uma constituição cujo art. 121 se referia à categoria idosa, “[...]
instituição de previdência, mediante atribuição igual da União, do empregador e do empregado,
a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos campos de acidente de trabalho ou por morte”,
e assegurava alguns direitos para esta categoria (Brasil, 1934).
Na Constituição de 1934, encontramos a expressão dessa pactuação social no que se refere à velhice
e à infância como uma situação que merecia favor, com apoio das instituições de caridade para a
pessoa idosa e entidades de filantropia. No entanto, os direitos das pessoas idosas só foram claramente
mencionados quando houve inserção produtiva da pessoa no trabalho industrial.
Os direitos da pessoa idosa foram inscritos na Constituição de 1934 (Brasil, 1934, art. 121, item h)
como direitos trabalhistas, na implementação da Previdência Social “a favor da velhice”, com contribuição
tripartite do empregador, do empregado e da União, numa clara referência à transição industrial. Ao se
tornar improdutivo, o sujeito era considerado velho a partir do pressuposto de sua exclusão da esfera
do trabalho, como operário.
Naquela época, o trabalhador rural não tinha direitos trabalhistas, pois ficava na esfera do “aluguel
de mão de obra”, sob a tutela da oligarquia rural (Faleiros, 2008). Reafirma‑se na Constituição de 1937
(art. 137) o seguro de velhice para o trabalhador, na lógica do seguro pré‑pago, mas garantido pelo Estado.
Em 1960 foi promulgada a Lei n. 3.807, a chamada Lei Orgânica da Previdência Social, que previa
35 anos de contribuição para obter a aposentadoria integral aos 55 anos de idade (Brasil, 1960). Grandes
pressões sindicais conseguiram a aposentadoria por tempo de serviço em 1962, sem limite de idade.
Já durante o período de redemocratização, entre 1946 e 1964, foi definido o perfil das políticas
públicas de assistência social para as pessoas idosas (Escobar, 2010). Depois do golpe militar de 1964,
a política econômica favoreceu o tripé (Estado, multinacionais e burguesia nacional), com forte
participação do Estado na economia, mas com repressão aos movimentos sociais e sindicais e arrocho
salarial, conforme relata Faleiros (1995).
81
Unidade I
Com a publicação do Livro branco da previdência social, o governo criticou a pluralidade dos
institutos e forçou a unificação da Previdência Social, já prevista na Lei Orgânica. Assim, a Constituição
de 1967 já falava de previdência social “nos casos de velhice” (Brasil, 1960, art. 158).
Nesse contexto, destaca‑se o Sesc, uma entidade patronal, financiada pelos trabalhadores e
consumidores, com atividades iniciadas em 1963, através de centros de convivência abertos as pessoas
idosas, fora do âmbito filantrópico, religioso ou estatal. Essa atividade com pessoa idosa representou, no
entanto, um espaço de consideração da velhice como um momento da vida, como uma esfera especial,
embora destinada a trabalhadores e seus dependentes, e não à população em geral (Faleiros, 1995).
A primeira foi a criação da SBGG, em 1961. Um de seus objetivos era estimular iniciativas e
obras sociais de amparo à velhice e cooperar com outras organizações interessadas em atividades
educacionais, assistenciais e de pesquisas relacionadas com geriatria e gerontologia.
A segunda teve início em 1963, por iniciativa do Sesc, dada a sua preocupação com o desamparo
e a solidão entre as pessoas idosas. Consistiu de um trabalho com um pequeno grupo de comerciários
na cidade de São Paulo. A ação do Sesc revolucionou o trabalho de assistência social à pessoa idosa,
sendo decisiva na deflagração de uma política dirigida a esse segmento.
Lembrete
Em 1966, ocorreu a unificação do regime previdenciário por meio da congregação dos IAPs, com
a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Desde então, os trabalhadores perderam
totalmente a capacidade de gestão de sua aposentadoria, o que passou a ser controlado pelo Estado.
Em 1967, o INPS assumiu também as intervenções necessárias para os casos de trabalhadores que se
envolviam em acidentes de trabalho. No mesmo ano foi ampliada a possibilidade de aposentadoria
para os trabalhadores rurais, com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
82
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Este, no entanto, exigia dos trabalhadores apenas algumas taxas provenientes do preço do que cada um
comercializava (Behring; Boschetti, 2010; Couto et al., 2010).
Nos anos 1970, em plena ditadura, a Lei n. 6.119 instituiu a Renda Mensal Vitalícia, que fixava o
valor de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído, ao menos um
ano, para a Previdência. Acentua‑se que havia críticas ao sistema, guerrilha e perda de legitimidade do
modelo autoritário.
O período da ditadura militar foi uma época de expansão do Estado na área social; o governo
procurava ter apoio social da população, por isso adotou certas medidas sociais nas áreas de saúde,
educação, habitação e também conferiu nova configuração às tradicionais políticas de segurança,
justiça e promoção humanas.
Saiba mais
Na mesma década, por meio da Portaria n. 82, foi assinada pelo Ministério do Trabalho e da
Previdência Social a primeira medida de assistência às pessoas idosas, sendo restrita aos beneficiários
do sistema previdenciário.
A velhice despossuída, dependente historicamente da ação caritativa dos indivíduos, das Santas
Casas de Misericórdia, foi contemplada, alguns meses após, com a renda mensal vitalícia pela Lei
n. 6.179/1974. No mesmo ano, houve a separação da Previdência do Trabalho pelo Estado, criando‑se
o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) – Lei n. 6062/74 (Haddad apud Escobar, 2010).
Portanto, foi no início da década de 1970 que começou a surgir um número significativo de pessoas
idosas em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o
que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social da pessoa idosa.
Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência Social, composto pela Legião Brasileira de Assistência
Social, pela Funabem e pela Central de Medicamentos. Esse Ministério também incorporou a Empresa de
83
Unidade I
Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Essa estrutura foi transmutada e, em 1977,
foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas). Assim, houve a agregação de
ações relacionadas à saúde, à previdência social e à assistência social por meio do Sinpas e dos serviços
prestados na área de abrangência desse sistema.
Não havia ações definidas e específicas, mas sim uma série de ações combinadas e organizadas por
meio do Sinpas.
O INPS, em 1974, uma das primeiras iniciativas do governo federal na prestação de assistência à
pessoa idosa, consistiu em ações preventivas realizadas em centros sociais do INPS e da sociedade civil,
bem como de internação custodial dos aposentados e pensionistas do INPS. No fim dos anos 1970, as
pessoas idosas começaram a se organizar em associações, chamando a atenção de outras instâncias,
como foi o caso do Ministério da Saúde.
O primeiro programa de assistência a pessoa idosa surgiu em 1975 por iniciativa do INPS. Intitulado
PAPI (Programa de Assistência à Pessoa Idosa), visava à organização e formação de “grupos de
convivência” para pessoas idosas vinculadas ao sistema previdenciário. Esses encontros aconteciam nos
postos de serviços do INPS e se desenvolveram por todo o Brasil nos dois anos seguintes.
Em 1979, a Portaria n. 82/1974 foi revogada pela Portaria n. 25, de 9 de novembro de 1979, quando,
então, as pessoas idosas não previdenciárias passaram também a contar com a assistência social.
Em 1982, surgiram as primeiras universidades da terceira idade. Durante a década, houve a expansão
dos grupos de convivência articulados a várias organizações, mas somente em 1990, no contexto
democrático, foi organizada a Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap), que se lançou na luta
pelos valores das aposentadorias, pelos direitos sociais e pela cidadania da pessoa idosa (Rodrigues, 2006).
84
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Observação
Até meados da década de 1980, as políticas do governo federal para a população idosa consistiam
apenas no provimento de renda e serviços médicos especializados, predominando a visão de
vulnerabilidade e dependência desse segmento da população. Quanto à questão do cuidado com
a pessoa idosa frágil, os esforços eram no sentido de enfatizar que o cuidado deveria ser feito pela
família. Mudanças paulatinas na visão da pessoa idosa como um indivíduo frágil ocorreram ao longo
dos anos 1980, por influência de um debate internacional.
Observação
Ainda em 1982, foi realizada a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, organizada pela ONU,
a qual ocorreu em Viena, marcando um importante momento de atenção à pessoa idosa, pois nesse
encontro foram traçadas as diretrizes acerca do Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, sendo
o teor do texto publicado em 1983, na cidade de Nova Iorque.
O grande avanço em políticas de proteção social às pessoas idosas brasileiras ocorreu apenas com
a CF. Assim, introduziu‑se o conceito de seguridade social e foi criada uma rede de proteção social,
que deixaria de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social‑trabalhista e assistencialista,
passando a adquirir uma conotação de direito de cidadania.
85
Unidade I
A CF pondera sobre a proteção jurídica à pessoa idosa, a qual impõe à família, à sociedade e ao
Estado o dever de amparar as pessoas idosas. Também fixou a denominação de seguridade social, um
conceito amplo de proteção social, compreendendo “um conjunto integrado de iniciativas dos poderes
públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social” (Brasil, 1988, art. 194).
Observação
No capítulo da “Seguridade Social”, são tratadas questões específicas a respeito da “maior idade”, o
que constitucionalmente favoreceu e incentivou a elaboração de legislação complementar a respeito de
pessoa idosa e melhorias em sua condição de vida (Brasil, 1988).
Os direitos da pessoa idosa estão presentes nos vários capítulos da CF, considerando a mudança de
paradigma da pessoa idosa assistido para o ativo, da pessoa idosa improdutiva, excluída do mercado
de trabalho, para o sujeito de direitos como pessoa. Antes, os cuidados com as pessoas idosas eram
exclusivamente voltados para a família; depois, a pessoa idosa passou a ser protegida pelo Estado e
pela sociedade, e a pessoa idosa marginalizada passou a ser a pessoa participante. Esses direitos se
fazem presentes nos capítulos da assistência, da família, do trabalho e da previdência, considerando
tanto a cobertura de necessidades (de forma não contributiva) como em decorrência da contribuição e
do trabalho.
O direito à vida não engloba apenas a longevidade, mas envelhecer com dignidade, respeito, proteção
e assistência social.
86
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
No que se refere ao direito à liberdade, ele deve ser propiciado à pessoa idosa por meio de
providências reais por parte do Estado e da sociedade, principalmente a independência familiar
e social, através de prestações previdenciárias e assistenciais eficazes.
O direito à igualdade deve ser garantido às pessoas idosas nas mesmas condições de outras pessoas.
Quanto ao direito à cidadania, sua importância está em permitir à pessoa idosa a capacidade de analisar
e compreender a realidade política e social, criticar e atuar sobre ela.
A pessoa idosa deve ser contemplada com todas as demais garantias constitucionais, em especial
aquele que não tem condições econômicas para se manter, (Brasil, 1988, art. 201). A legislação isenta
as pessoas idosas do imposto sobre a renda recebida, garante a ele o direito ao seguro social, ou
aposentadoria, de acordo idade, sexo e tipo de trabalho que exerce (urbano rural).
Observação
A CF assegura ainda a prestação de assistência social às pessoas idosas, art. 203, V, e art. 204. Garante
ainda um salário mínimo mensal à pessoa idosa que comprove não possuir meios de prover a própria
manutenção ou por sua família. O benefício é concedido e pago pelo INSS, é pessoal, intransferível, não
podendo ser acumulado a qualquer outro benefício concedido pela Previdência Social. Inicialmente, o
benefício era vitalício, mas com a entrada em vigor da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social – 1993),
o direito a ele termina se a família adquire condições de cuidar do assistido ou se ele próprio passa a ser
capaz de prover o seu sustento. Por essa razão, tal benefício deve ser revisto a cada dois anos, podendo
ser suspenso.
A pessoa idosa abrigada em asilo, mesmo sem qualquer custo para ela, tem direito ao benefício de
prestação continuada, e os dirigentes de tais instituições podem atuar como procuradores com o INSS.
A CF trouxe o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteção social alterasse o seu
enfoque estritamente assistencialista, passando a ter uma conotação ampliada de cidadania.
A CF prevê que a assistência social deve ser descentralizada e participativa, com coordenação
e normas gerais de competência da esfera federal, mas com “a coordenação e a execução dos
respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a doze entidades beneficentes e de
assistência social”. Está clara a “participação da população por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”, ou seja, as pessoas idosas
também são protagonistas da política de assistência. São sujeitos políticos, portanto, cidadãos
politicamente ativos (Brasil, 1988, art. 204).
87
Unidade I
Por falta de recursos financeiros, impedindo a contratação de cuidadores especializados para atender
no ambiente familiar, os cuidados da pessoa idosa geralmente são realizados por um membro da família;
em sua grande maioria, uma mulher que reside no mesmo domicílio ou próximo do domicílio das
pessoas idosas é quem fica responsável por essa tarefa (Kuchemann, 2012).
No Brasil, é possível identificar vários marcos legais que transformaram o cenário sobre a questão do
envelhecimento: a CF e a PNI (1994). Na década de 1990, no âmbito do governo federal, instituíram‑se
programas de benefícios que foram ampliados significativamente pelo Programa Bolsa‑Família,
expandido em 2004, com uma cobertura social que atende, com pelo menos um benefício, oito de cada
dez pessoas idosas no Brasil.
Após a CF, criaram‑se várias políticas e programas nacionais de saúde e direito das pessoas idosas,
além de políticas e programas internacionais, conforme destacado a seguir.
• Política Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994). Segundo seu art. 1º, é
preciso “[...] assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade“ (Brasil, 1994).
• Redes estaduais de assistência à saúde da pessoa idosa (Portaria MS/GM n. 702, de 16 de abril de
2002). Cria mecanismos para organização e implantação de redes estaduais de assistência à saúde
da pessoa idosa.
88
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
• Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento (ONU, 2002). Criado com o objetivo de
garantir que, em todas as partes, a população possa envelhecer com segurança e dignidade.
• Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003). Além de assegurar os direitos à
população idosa, garantindo prioridades e proporcionando seu bem‑estar, determina penas para
crimes realizados contra as pessoas idosas.
• Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (Decreto n. 5.109, de 17 de junho de 2004). Dispõe
sobre a composição, a estruturação, as competências e o funcionamento desse conselho (CNDI).
• Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004). Estipula princípios e diretrizes
para promover a atenção à saúde da mulher na terceira idade.
• Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa. Criado pela Subsecretaria
de Direitos Humanos (2005), fixa ações de prevenção e enfrentamento da violência contra a
pessoa idosa.
• Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria n. 2.528/2006). Objetiva recuperar, manter
e promover a autonomia e a independência da pessoa idosa, direcionando medidas coletivas e
individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS.
• Pacto pela Saúde 2006 (Portaria MS/GM n. 399, de 23 de fevereiro de 2006). Nesse documento,
a saúde da pessoa idosa aparece como uma das seis prioridades pactuadas entre as três esferas
de governo.
• Política Nacional de Atenção Básica – PNAB (Portaria MS/GM n. 648, de 29 de março de 2006).
Dispõe a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa
de Saúde da Família. A saúde da pessoa idosa é uma das áreas definidas como estratégicas para a
operacionalização da Atenção Básica no que se refere à atuação em todo o território nacional.
• Dia Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 11.433, de 28 de dezembro de 2006). Institui o dia 1º de
outubro como o Dia Nacional da Pessoa Idosa.
89
Unidade I
• Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (Portaria MS/SAS
n. 221, de 18 de abril de 2008). Na lista, constam doenças comuns em pessoas idosas, tais como
pneumonia, hipertensão e diabetes.
• Plano de Ação sobre a Saúde das Pessoas Idosas, incluindo o envelhecimento ativo e saudável,
promovido pela Organização Pan‑Americana da Saúde (Opas), Washington, 2009. Nesse plano,
abordam‑se as necessidades de saúde cada vez maiores da população, que está envelhecendo
rapidamente na América Latina e no Caribe.
• Fundo Nacional da Pessoa Idosa (Lei n. 12.213, de 20 de janeiro de 2010). Institui o financiamento
de programas e as ações relativas à pessoa idosa.
• Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a Doença de Parkinson (Portaria MS/SAS n. 228,
de 11 de maio de 2010). O protocolo contém o conceito geral da doença e os critérios de
inclusão/exclusão de pacientes no tratamento.
A CF e suas revisões posteriores representam um pacto de direitos para os idosos. Por um lado, há
pressão do neoliberalismo e da longevidade, por outro, ascensão dos movimentos sociais, da aliança
de vários setores do Estado com esses movimentos e das representações de um envelhecimento ativo,
digno e participativo.
O Brasil está vivenciando uma transição para o reconhecimento, no contexto democrático, dos
direitos da pessoa idosa enquanto sujeito de direitos à cobertura das necessidades, à dignidade, à
velhice, à proteção e ao protagonismo (Faleiros, 2008). A CF foi consolidada, rompendo‑se com uma
representação de velhice sem produção e incapaz, com um dispositivo filantrópico para as pessoas idosas.
Lembrete
90
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
É preciso destacar que a CF evidenciou a cobertura das necessidades por meio da proteção social,
exposta pela seguridade social. A seguridade, na própria legislação, está definida como direito à
assistência, à previdência e à saúde, com ações dos poderes públicos e da sociedade, que devem
conformar um conjunto integrado (Brasil, 1988, art. 194).
De acordo com a Loas, em seu art. 2º, a assistência social tem entre seus objetivos a proteção
“à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (inciso I) e “a garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e à pessoa idosa que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família” (Brasil, 2017).
Entre os benefícios mais importantes proporcionados pela CF, destaca‑se o BPC, regulamentado
em seu art. 20, que consiste no repasse de um salário mínimo mensal dirigido às pessoas idosas e às
portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central
de elegibilidade a incapacidade para o trabalho com o objetivo da universalização dos benefícios, a
inclusão social (Gomes, 2011).
A proteção se efetiva pela garantia de renda às pessoas idosas mais pobres. No entanto, o
conceito de proteção envolve não somente a renda, como serviços, que devem ser prestados de
forma integrada, descentralizada e participativa, não só para o enfrentamento da pobreza como para
“provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais”
(Brasil, 1988, art. 2º).
não estar vinculado a nenhum regime de Previdência Social e não receber benefício de espécie alguma,
salvo o de assistência médica, e comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem
de tê‑la provida por sua família (Brasil, 1993).
No art. 23 da Loas (Brasil, 1993), reafirma‑se a proteção, por meio de serviços que nada mais são do
que “atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para
as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nesta lei”, inclusive
“programas de amparo às pessoas que vivem em situação de rua” (incluído pela Lei n. 11.258, de 2005).
Observação
A proteção se dispõe em rede e supõe um sistema, embora sistema e rede sejam formas distintas de
organização, como já estudamos neste livro‑texto.
A Loas assinala ainda que “os programas serão definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência
Social, obedecidos os objetivos e princípios que regem esta lei, com prioridade para a inserção profissional
e social” (Brasil, 1993, art. 24).
Entre 2006 e 2011, foram realizadas no Brasil três conferências nacionais de direitos da pessoa idosa,
que contaram, de forma progressiva, com uma expressiva participação da sociedade civil e do governo.
Em relação à definição de políticas públicas e planos setoriais propostos de forma conjunta (governo
e sociedade), destacam‑se:
Conforme Silva (2007), o direito da pessoa idosa deve ser compreendido de forma abrangente, não
apenas como políticas para os maiores de 60 ou 65 anos, mas de maneira que todos possam ter direitos,
sendo que a pessoa idosa deve ter o direito de envelhecer, de manter‑se vivo, o direito à integração e
à independência, os direitos a novos padrões de mercado, consumo, trabalho e também direitos que
devem ser gozados antes da velhice e para que cada indivíduo tenha a capacidade de preparar‑se para
o futuro com dignidade e respeito.
A CF, em seu art. 230, inovou ao exigir a efetiva proteção à pessoa idosa por parte do Estado, da
sociedade e da família. A velhice digna é um direito humano fundamental, trata‑se de expressão do
direito à vida com dignidade.
Instituída pela Lei n. 8.842/1994 (Brasil, 1994) e regulamentada pelo Decreto n. 1948/1996, a
PNI ampliou significativamente os direitos das pessoas idosas, já que, desde a Loas, as prerrogativas
de atenção a esse segmento haviam sido garantidas de forma restrita. De fato, surgiu num cenário de
crise no atendimento à pessoa idosa, exigindo uma reformulação em toda estrutura disponível
de responsabilidade do governo e da sociedade civil (Costa, 1996).
Ao analisar os princípios, pode‑se afirmar que a lei atende à moderna concepção de assistência
social como política de direito, o que implica não apenas a garantia de uma renda, mas também vínculos
relacionais e de pertencimento que assegurem mínimos de proteção social, visando à participação, à
emancipação e à construção da cidadania e de um novo conceito social para a velhice.
Portanto, a PNI veio normatizar os direitos sociais das pessoas idosas, garantindo autonomia,
integração e participação efetiva como instrumento de cidadania. Tem como objetivo criar condições
para promover a longevidade com qualidade de vida, colocando em prática ações voltadas não
apenas para os que estão velhos, mas também para aqueles que vão envelhecer, procurando impedir
qualquer forma de discriminação contra a pessoa idosa, pois ela é a principal agente e a destinatária das
transformações a serem efetivadas através dessa política.
A finalidade da lei é assegurar os direitos sociais da pessoa idosa, criando condições para promover
sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (Brasil, 1994, art. 1º).
Para a PNI, é considerada idosa a pessoa maior de 60 anos de idade (art. 2º). Ela reafirma os preceitos
elencados pela CF, elegendo a família, a sociedade e o Estado como responsáveis pela efetiva participação
da pessoa idosa na comunidade, bem como na defesa de sua dignidade e bem‑estar e direito à vida
(Brasil, 1994, art. 3º, I).
A PNI é explícita quanto ao processo de envelhecimento como um fenômeno social. Assim, todos
devem ter informações sobre esse processo (Brasil, 1994, art. 3º, II).
94
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Leia a seguir as diretrizes a serem observadas pelos responsáveis (família, sociedade e Estado):
Art. 4º.
IV – descentralização político‑administrativa;
A PNI foi publicada no governo Itamar Franco e regulamentada pelo Decreto n. 1.948. Nesse
decreto, foram estabelecidas as funções de cada órgão implicado na PNI, numa ótica de competências
gerenciais, cabendo ao então MPAS coordenar essa política.
95
Unidade I
O Decreto n. 1.948/1996 (Brasil, 1996a) esvazia, de certo modo, importantes diretrizes de participação
previstas na PNI, como se destaca a seguir, assinalando‑se aquelas presentes na lei e não contempladas
no referido decreto:
• A descentralização político‑administrativa.
• A execução dos conselhos da pessoa idosa (o decreto remete‑se apenas ao Conselho Nacional
da Seguridade Social e aos conselhos setoriais, aos quais compete, no âmbito da seguridade, a
formulação, a coordenação, a supervisão e a avaliação da PNI).
A proteção social se coloca como direito e garantia da longevidade e da dignidade, mas entra em
contradição com o desmonte neoliberal do Estado de direito. A adequação das instituições à realidade
do envelhecimento está ocorrendo de forma muito lenta e ainda faltam condições para a aplicação da
legislação. Essa legislação possibilita a consciência da cidadania em todas as idades, mas precisa ser
efetivada no pacto federativo e na intersetorialidade com trabalhos em rede.
Criado pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, estabelece prioridade absoluta às normas
protetivas à pessoa idosa, elencando novos direitos e definindo vários mecanismos específicos
de proteção, que vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas
condições de vida até a inviolabilidade física, psíquica e moral.
O Estatuto assegura e regulamenta os direitos a todos os cidadãos a partir dos 60 anos de idade,
fixando deveres e medidas de punição. É a forma legal de maior potencial da perspectiva de proteção e
regulamentação dos direitos da pessoa idosa.
96
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
No art. 4º, ressalta‑se que é proibido qualquer tipo de discriminação, violência, negligência ou
crueldade que atinja ou afronte os direitos da pessoa idosa, seja por ação, seja por omissão, e, se isso
acontecer, há punição prevista em lei. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão responsabilizados,
sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas; essa responsabilidade não é apenas criminal, mas também
civil (Brasil, 1993).
De acordo com Freitas (2006), após a promulgação do Estatuto, passou a ser mandatória pelos
profissionais de saúde a comunicação à autoridade competente de qualquer suspeição ou confirmação de
97
Unidade I
maus‑tratos testemunhados (art. 19) por eles, com consequências judiciais e administrativas em caso de
não prestarem as devidas informações.
O Estatuto busca, portanto, a promoção e a regularização dos direitos da pessoa idosa em seus
desdobramentos, tais como a saúde, a assistência e a educação, que passam a ser consideradas prioridade
diante desse segmento.
No art. 10 são assegurados à pessoa idosa, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos,
individuais e sociais, contidos na CF e demais leis, a liberdade, o respeito e a dignidade (Brasil, 2003).
O Estatuto destaca a participação na vida familiar, comunitária e política como uma dimensão do
direito à liberdade, mas é preciso considerar que a experiência e o exercício da política implicam o direito
de votar e de ser votado, de ser politicamente ativo, de intervir nas organizações e nas manifestações
políticas. Fica evidente nessa lei a descentralização das políticas para o envelhecimento, com maior peso
para as municipalidades, inclusive na criação dos conselhos de direitos da pessoa idosa.
O Estatuto veio priorizar tanto seu atendimento de um modo geral, como também aquela clientela
que já apresenta algum grau de dependência. É com essas ações fundamentais de prevenção secundária,
de reabilitação, de promoção da saúde, além do cuidado e do tratamento, que é possível garantir melhor
qualidade de vida para pessoas idosas na vida em família e em sociedade.
• Autoridade policial.
• Ministério Público.
98
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 anos, que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê‑la provida por sua família, é assegurado
o benefício mensal de um salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da
Assistência Social (Loas).
O resultado imediato desse artigo foi a redução da idade mínima para o requerimento do benefício
assistencial de 67 para 65 anos, o que foi implantado já em 2004. Em resumo, o BPC tem a função de
repor renda para os que perderam a capacidade laborativa.
Segundo Veras, “A questão social da pessoa idosa, face à sua dimensão, exige uma política ampla
e articulada entre os vários órgãos de governo e organização não governamental” (Veras, 2003, p. 14).
Assim, com o aumento da expectativa de vida, criaram‑se novas demandas para as políticas públicas.
No que diz respeito à saúde, podem surgir algumas doenças crônicas, tornando‑se necessário mais
atenção e cuidados no âmbito familiar. É preciso haver investimentos e políticas públicas na área da saúde.
Diante das limitações das políticas sociais e de sua deficiência em garantir os direitos estabelecidos,
grande parte da atenção à pessoa idosa recai sobre a família, que também tem suas limitações pela
redução do número de filhos, pela inserção de seus membros no trabalho ou no estudo, e, ainda,
pelo desemprego.
Apesar das mudanças na família, as pessoas idosas com 60 anos ou mais ainda são pessoas de
referência em 64,1% dos domicílios, sendo cônjuges em 23,8% e em outra condição em 12,1%
(IBGE, 2010). A longevidade junto à família e os novos papéis a serem exercidos pelos seus membros
implicam maior atenção à fragilidade e à dependência do segmento pessoa idosa e, por consequência,
o aumento do estresse. Assim, as famílias se apresentam com menos possibilidade de cuidado, em
contradição às expectativas dos textos legais.
99
Unidade I
Quanto ao direito, em especial os direitos específicos das pessoas idosas, pode‑se relacionar o
atendimento preferencial, imediato e individualizado em órgãos públicos e privados prestadores de
serviços à população; o direito de ser bem cuidado e atendido por sua própria família, em detrimento
à internação em asilos; o direito de receber pensão alimentícia de seus familiares e, na ausência
destes, de ter suas necessidades básicas satisfeitas pelo governo; o direito de receber do poder público,
gratuitamente, medicamentos e outros recursos relativos ao tratamento de saúde; o direito de não ser
discriminado nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade etc.
O direito das pessoas idosas depende das políticas públicas, que têm por finalidade estabelecer
metas e encaminhar soluções para resolver problemas sociais nas mais diversas áreas, como educação,
saúde, assistência social, habitação, lazer, transporte, segurança e meio ambiente. Tais atividades devem
relacionar o diagnóstico e o planejamento, bem como a execução e a avaliação de ações e políticas
fixadas pelo governo nas esferas federal, estadual e municipal, de prestação de serviços para a sociedade
em geral e para as pessoas idosas.
A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, sendo‑lhe asseguradas
todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social.
No que tange às questões ao seu direito à saúde, a pessoa idosa tem direito a atendimento
preferencial no SUS e acesso à distribuição gratuita de próteses e remédios, principalmente os de uso
contínuo. Quanto à saúde privada, os planos de saúde não podem ajustar as mensalidades utilizando
como critério a idade.
Em situações específicas como a internação, a pessoa idosa tem direito à acompanhante, pelo tempo
determinado pelo profissional de saúde que o atende. Toda pessoa idosa goza do direito a tratamento
sem violência ou abandono. Para tal, o Estatuto torna claro que nenhuma pessoa idosa poderá ser
objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão (Brasil, 2003).
Lembrete
O Estatuto inicia um diálogo no tocante às instituições de longa permanência como uma estratégia
de atendimento à pessoa idosa.
§ 3º. Se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu representante legal firmar
o contrato a que se refere o caput deste artigo (Brasil, 2003).
O art. 46 do Estatuto (Brasil, 2003) acentua que o acolhimento de pessoas idosas em situação de
risco social, por adultos ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica, para os efeitos legais.
Para a pessoa idosa em condição de institucionalizado, as entidades deverão primar pelo acesso
e pleno gozo dos direitos das pessoas idosas. Os dirigentes das instituições de atendimento serão
responsáveis civil e criminalmente pelos atos praticados contra as pessoas idosas sob seus cuidados,
sendo sujeitos a penalidades.
O Estatuto também garante à pessoa idosa o direito à moradia digna, no âmbito de sua família, ou
desacompanhado desta, quando ele assim desejar, ou em instituição pública ou privada. Estabelece
regras de funcionamento e outros direitos no tocante à habitação nos arts. 37 e 38. Descreve que
101
Unidade I
Diante desse prisma, é obrigatória a reserva de 30% das unidades residenciais para pessoas idosas
nos programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos.
É assegurado a pessoa idosa o acesso à justiça, com prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos de diligências judiciais em que configure como parte ou
interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 anos em qualquer instância; a prioridade não
cessará com a morte do beneficiário, estendendo‑se em favor do cônjuge ou companheiro (Brasil, 2003).
Apesar da importância dos aspectos explícitos no Estatuto, Neri (2007), ao analisar as políticas
de atendimento aos direitos da pessoa idosa expressos nesse marco legal, concluiu que o documento
é revelador de uma ideologia negativa da velhice, na qual o envelhecimento é compreendido por perdas
físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica, dependendo, principalmente, do estilo de vida e
do ambiente ao qual a pessoa idosa foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e de sua maturidade.
Assim, Neri (2007) ressalta que políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações
indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos
e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação às pessoas idosas. A consideração
dos direitos das pessoas idosas deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de
cidadãos de todas as idades à proteção social quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade.
O Estatuto representa uma mudança, pois amplia o sistema protetivo dessa camada da sociedade,
caracterizando verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material, tendo em vista a
sua relevância para a sociedade atual e para a futura, sendo extremamente necessária a conscientização
da população no sentido de respeitar os direitos, a dignidade e a sabedoria de vida desse público tão
vulnerável e até bem pouco tempo desprezado pela sociedade (Mendonça, 2008).
Em julho de 2022, o Estatuto do Idoso alterou a nomenclatura para Estatuto da Pessoa Idosa, pela
Lei n. 14.423 de 2022. Seu conteúdo se manteve, mas todos os serviços, programas, projetos, benefícios
e o atendimento passaram a ser realizados considerando a nova nomenclatura – Pessoa Idosa.
A Unicef visa a proteção de crianças e adolescentes contra as violências. Dando visibilidade ao tema,
influencia mudanças na legislação e nas políticas públicas e apoia serviços de prevenção e resposta
à violência.
102
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Analisa que as violências contra crianças e adolescentes são um fenômeno complexo e multifacetado,
ligado a fatores culturais, sociais e econômicos. São praticadas em qualquer contexto geográfico, em
qualquer classe social, em qualquer idade, e podem partir de pessoas próximas e da confiança das
crianças e adolescentes.
Os tipos de violências contra crianças e adolescentes são variados e muitas vezes apresentam
conceitos diversos. Para facilitar a compreensão do que constitui uma violência, costumamos nos basear
pelo que diz a legislação nacional, em especial a Lei n. 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida). Assim, a
área de proteção de crianças e adolescentes contra as violências da Unicef trabalha para:
Na área de proteção contra as violências, essas ações incluem a realização de ações e/ou campanhas
para a prevenção das violências, a criação de um mecanismo de coordenação intersetorial para o
atendimento integrado de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e de seus
documentos norteadores, e a promoção do uso do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência
(Sipia) pelos conselheiros tutelares.
Para que os municípios tenham condições de realizar essas ações e alcançar o resultado de prevenção
e resposta às violências, a Unicef oferta apoio técnico por meio de capacitações, produção de materiais,
disseminação de informações, ações de mobilização e tira dúvidas.
A proposta é que os municípios construam uma agenda positiva ancorada em ações de educação,
de saúde integral e bem‑estar de crianças e adolescentes, de participação cidadã de adolescentes, de
fortalecimento de mecanismos de proteção e de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens com
o intuito de quebrar o ciclo da pobreza, exclusão, racismo e violência.
103
Unidade I
Para contribuir com essas ações, é preciso que todos façam a sua parte, assim é importante
reconhecer a multidimensionalidade e a multifatoriedade das situações de vulnerabilidade e violência,
compreendendo como fatores pessoais, sociais, econômicos, culturais e territoriais influenciam
essas situações.
Isso é fundamental para desnaturalizar a violência contra crianças e adolescentes e para promover
ações de prevenção que sejam eficazes. Além disso, é preciso fortalecer o SGD para responder às
violências contra crianças e adolescentes de maneira eficiente.
Conclui que a prevenção deve andar lado a lado com a resposta às violências contra crianças
e adolescentes, uma vez que uma visa coibir que novos casos aconteçam, enquanto a outra busca
solucionar incidentes já ocorridos. Logo, prevenção e resposta se complementam e mostram‑se
igualmente importantes na proteção de crianças e adolescentes contra as violências.
Com a pandemia do Covid‑19, houve um aumento nos casos de violação dos direitos da criança
e do adolescente. Quem geralmente denuncia essas violações são professores e cuidadores, mas com
escolas e creches fechadas, as crianças e os adolescentes passaram a ficar em casa trancados com seus
agressores, sendo necessárias redes comunitárias e vizinhos para ajudarem nas denúncias.
Em 2020, o Governo Federal mostrou alguns desses dados: a maioria das vítimas são do sexo
feminino e cerca de 55% negras e 42% brancas. A negligência é o maior fator de violação desses
direitos, em 39% dos casos. A proporção de denúncias é de 41,3 por 100 mil habitantes. Os estados
mais populosos estavam no topo da lista: São Paulo com 20,4 mil denúncias, Minas Gerais com
10,6 mil, Rio de Janeiro com 9 mil e Bahia com 4,5 mil, constaram os maiores números de denúncias
feitas (Marketing amigos do HC, 2023).
Segundo o Instituto Alana (2022), os dois anos de pandemia de Covid‑19 impactaram a vida de
crianças e dos adolescentes, muitas foram afetadas em diversas escalas, gerando inúmeros desafios no
que diz respeito à garantia de seus direitos. Vimos o aumento da pobreza, da fome e de questões de
saúde mental.
Os dados apresentados pelo Instituto Alana e o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário
(Cepedisa) mostraram que os impactos para essa população poderiam ter sido minimizados não fosse a
má gestão da pandemia.
104
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
As implicações dessa gestão ineficiente estão reunidas no Dossiê Infâncias e Covid‑19, em que
é possível compreender quais foram as medidas efetivas adotadas para proteger esse público com
absoluta prioridade durante a pandemia, os resultados apresentados estão a seguir.
Segundo Pedro Hantung, diretor de políticas e direitos das crianças do Instituto Alana, os dados
apresentados não são inéditos, mas, observados em conjunto, buscam oferecer um panorama
dos impactos da pandemia nos direitos das crianças e adolescente. Assim, o registro do que ocorreu
nesses cerca de 18 meses de pandemia é valioso para a reflexão presente e futura (Alana, 2022).
Já os dados do governo federal, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio
do Disque 100, registram mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro
primeiros meses de 2023. O aumento é de 68% em relação ao mesmo período do ano passado, há
maior participação da sociedade na mobilização e denúncia. Sendo a casa da vítima, do suspeito ou
de familiares o pior cenário, com quase 14 mil violações (Brasil, 2023a).
A divulgação dos números integra as ações da campanha do 18 de maio – Dia Nacional de Combate
ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, do Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania (MDHC). Com o tema “Faça bonito. Proteja nossas crianças e adolescentes”, o objetivo da
iniciativa é promover a data e sensibilizar a sociedade para ações preventivas e pedagógicas (Brasil, 2023a).
Assim, é necessária a contribuição de toda a sociedade para prevenir e enfrentar os crimes que
assolam a infância e a adolescência.
O pedido de colaboração feito pelos profissionais da Segurança Pública com atuação em Sergipe é
compartilhado pelo Governo Federal:
105
Unidade I
Outra iniciativa é a Campanha Faça Bonito, que ocorre de forma digital e divulga postagens sobre
como identificar abusos por meio de mudanças de comportamentos, incentivo ao diálogo e como as
crianças e os adolescentes podem se proteger de possíveis ameaças.
Tem‑se assim um universo de violação de direitos e violência contra criança e adolescente, tais como
(PÊGO, 2014):
• Negligência: tipo de violência doméstica que pode se manifestar pela ausência dos cuidados
físicos, emocionais e sociais em função da condição de desassistência da qual a família é vítima.
Pode ser expressão de um desleixo.
• Abuso/violência física: atos de agressão praticados pelos pais e/ou responsáveis que podem ir de
uma palmada até o espancamento.
• Abuso/violência sexual: geralmente praticados por adultos que gozam da confiança da criança
ou do adolescente, tendo também a característica de, em sua maioria, serem incestuosos.
• Trabalho infantil: imbuído à condição de pobreza em que vivem suas famílias, necessitam da
participação dos filhos para complementar a renda familiar, resultando no processo de vitimização.
Os dados apresentados mostram que a casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os
piores cenários, com quase 14 mil violações. Ainda nos quatro primeiros meses do ano, foram registradas
763 denúncias e 1,4 mil violações sexuais ocorridas na internet. Em todo o ambiente virtual, houve
registros de exploração sexual, com 316 denúncias e 319 violações; estupro, com 375 denúncias e
378 violações; abuso sexual físico, com 73 denúncias e 74 violações; e violência sexual psíquica, com
480 denúncias e 631 violações (Albuquerque, 2023).
Na casa da vítima ou na casa onde reside a vítima e o suspeito, os números são ainda maiores.
Houve 837 denúncias e 856 violações de exploração sexual; de estupro, sendo 4,3 mil denúncias e
4,4 mil violações; 1,4 mil denúncias e 1,4 mil violações de abuso sexual físico; e 2,7 mil denúncias
e 3,5 mil violações de violência sexual psíquica. No total, 5,7 mil denúncias e 10,3 mil violações
(Fraga, 2023).
abuso sexual físico, 480 denúncias e 487 violações; e violência sexual psíquica, com 898 denúncias e
1,1 mil violações. O total é de 1,8 mil denúncias e 3,5 mil violações (Fraga, 2023).
Também constam entre os cenários das violações sexuais: berçário e creche; instituições de
ensino; estabelecimentos comerciais; de saúde; órgãos públicos; transportes públicos; vias públicas;
instituições financeiras; eventos e ambientes de lazer, esporte e entretenimento; local de trabalho da
vítima ou do agressor; táxi; transporte de aplicativo.
Os dados mostram que ainda há muito para fazer na prática, apesar de existirem legislações que
asseguram a proteção e os direitos da criança e do adolescente e que todas as ações e divulgações
contribuem para prevenir e sanar a violência contra as crianças e adolescentes.
A fragilidade da pessoa idosa pode piorar em situações de abandono ou quando vive sozinha, ficando
exposta a agressões e a crimes como furto.
Uma forma bastante comum de violência (especialmente contra mulheres) é o abuso da pessoa
idosa, cometido por membros da família ou por acompanhantes formais conhecidos da vítima.
Os maus‑tratos contra pessoas idosas ocorrem em famílias de todos os níveis econômicos. Sua
escala aumenta com mais frequência em sociedades que experimentam problemas econômicos e
desorganização social, quando a taxa de crime e de exploração tendem a crescer.
As pessoas idosas tornam‑se mais vulneráveis à violência quando precisam de mais cuidados
físicos ou apresentam dependência física ou mental. Quanto maior a dependência, maior o grau de
vulnerabilidade. O convívio familiar estressante e cuidadores despreparados agravam essa situação.
Apenas recentemente os maus‑tratos contra as pessoas idosas passaram a ser reconhecidos como
violência doméstica.
Conforme a Rede Internacional para a Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, esse abuso é “um ato
único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento
em que haja uma expectativa de confiança, que cause danos ou angústia a uma pessoa mais velha”
(AEA, 1995).
Ainda de acordo com a Rede Internacional de Prevenção do Abuso a Pessoa Idosa, a OMS elencou
alguns tipos de violências: abuso físico ou maus‑tratos físicos, em que há o uso da força física para
obrigar as pessoas idosas a fazer algo que não desejam, para feri‑los, provocar dor, incapacidade ou
morte; abuso ou maus‑tratos psicológicos, representando agressões verbais ou gestuais com o intuito
de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar do convívio social (AEA, 1995).
107
Unidade I
Os maus‑tratos contra pessoas idosas incluem abuso físico, sexual, psicológico, financeiro, inclusive
negligência. Por exemplo: negligência (exclusão social e abandono); violação (de direitos humanos,
legais e médicos); privação (de escolhas, decisões, status, dinheiro e respeito) (OMS, 2005).
O abuso a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos e uma causa relevante de lesões, doenças,
perda de produtividade, isolamento e desespero. Em geral, em todas as culturas, é pouco denunciado.
Combater e reduzir os maus‑tratos contra pessoa idosa demandam uma abordagem multisetorial,
multidisciplinar, que envolve vários atores sociais e instâncias governamentais, órgãos de defesa.
• Negligência: recusa de cuidados necessários as pessoas idosas por parte de responsáveis familiares
ou institucionais.
• Autonegligência: conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela
recusa de prover cuidados necessários a si mesmo.
• Abuso financeiro: exploração imprópria ou ilegal ou ao uso não consentido pela pessoa idosa de
seus recursos financeiros e patrimoniais.
Lembrete
108
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Para Minayo (2005, p. 48), “o maltrato à pessoa idosa é um ato (único ou repetido) ou omissão que
lhe cause danos ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.
Para a autora, a violência contra a pessoa idosa é um dilema universal e as pessoas idosas mais
vulneráveis à violência são os dependentes física e mentalmente, em especial aqueles que apresentam
agravantes como esquecimento, confusão mental, incontinência e dificuldades de locomoção
(Minayo, 2005).
A violência contra pessoas idosas é uma violação aos direitos humanos e é uma das causas mais
importantes de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e desesperança.
109
Unidade I
Essa violência pode ser visível ou invisível: a primeira envolve mortes e lesões; a segunda abrange
lesões que não machucam o corpo, mas provocam sofrimento, desesperança, depressão e medo.
Os custos da violência contra pessoas idosas, ainda que não estejam suficientemente documentados,
têm implicações diretas e indiretas.
Os custos diretos podem estar associados a prevenção e intervenção, assim como a prestação de
serviços, processos jurídicos, assistência institucional e programas de prevenção, educação e intervenção.
Os custos indiretos referem‑se a questões como menor produtividade, baixa qualidade de vida, dor e
sofrimento emocional, perda de confiança e autoestima, incapacidades e morte prematura.
Observação
Há múltiplas situações, condutas, sintomas e sinais que podem levar a suspeitas da existência de
violência. A própria queixa por parte da pessoa idosa é um dos indicadores mais sensíveis e específicos,
comum a todos os tipos de violências.
O Brasil começou a tratar do assunto apenas nas duas últimas décadas devido ao aumento do
número da população idosa no país, que tornou irreversível a sua presença em todos os âmbitos da
sociedade. Houve crescimento no protagonismo de movimentos realizados pela própria população
idosa ou por instituições aliadas, seja em associações de aposentados, nos conselhos específicos ou em
movimentos políticos, sociais e de direitos.
Essas ações repercutiram tanto na promulgação da Política Nacional da Pessoa Idosas (1994) como
no Estatuto da Pessoa Idosa (2003), os quais serão estudados a seguir.
A Lei n. 12.461 (Brasil, 2011), que reformulou o art. 19 do Estatuto, Lei n. 10.741 (Brasil, 2003),
ressaltou a obrigatoriedade da notificação dos profissionais de saúde, de instituições públicas
ou privadas, às autoridades sanitárias quando constatarem casos de suspeita ou confirmação de
violência contra pessoas idosas, bem como a sua comunicação aos seguintes órgãos: autoridade
policial; Ministério Público; Conselho Municipal da Pessoa Idosa; Conselho Estadual da Pessoa
Idosas; Conselho Nacional da Pessoa Idosa.
110
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Resumo
111
Unidade I
112
DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
Exercícios
I – O período assistencial caracterizou‑se pelo aumento do número de leis que tinham como
finalidade abranger a maioria dos aspectos da assistência à infância, sob o bojo da Declaração dos
Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959.
porque
II – Nesse período, foram criadas a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem,
que tinham seus objetivos voltados exclusivamente para o atendimento de crianças e de
adolescentes que cometessem atos infracionais.
Análise da questão
A primeira asserção é falsa. Apesar de o início do período assistencial (1924) ter sido caracterizado
pelo aumento no volume de leis que tinham por objetivo cobrir o máximo possível dos aspectos ligados
à assistência à infância, a Declaração dos Direitos da Criança foi subscrita pela Assembleia Geral das
Nações Unidas somente 35 anos depois (1959).
A segunda asserção é falsa, pois a Política Nacional do Bem‑Estar do Menor (PNBEM) e a Funabem
foram criadas no período institucional (1964‑1990); seus objetivos não se limitavam ao atendimento
de crianças e adolescentes que cometessem atos infracionais, eles também eram voltados às crianças e
adolescentes que vivenciassem situação de vulnerabilidade social.
113
Unidade I
Acolhimento Institucional
Todas as entidades que desenvolvem programas de abrigo devem prestar plena assistência à criança
e ao adolescente, ofertando‑lhes acolhida, cuidado e espaço para socialização e desenvolvimento.
Com base no termo “Acolhimento Institucional” adotado pelo Plano Nacional de Convivência Familiar
e Comunitária (PNCFC) para denominar os programas de abrigo em entidades e nas modalidades e
características dos serviços de acolhimento para crianças, adolescentes e jovens, assinale com V as
afirmativas verdadeiras e com F as afirmativas falsas:
( ) Para que o serviço “Casa‑lar” possa ser oferecido em unidades residenciais, é necessário que pelo
menos uma pessoa ou um casal trabalhe como educador ou cuidador residente.
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DIREITOS DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DA PESSOA IDOSA
A) V – F – V – V – F.
B) F – V – F – V – F.
C) V – F – V – F – F.
D) F – F – V – V – F.
E) V – V – F – V – F.
De acordo com a tipificação nacional dos serviços socioassistenciais (CNAS, 2009), o serviço de
acolhimento institucional denominado “República” é previsto para o público de jovens de 18 a 21 anos
e deve ter capacidade de atendimento de até seis jovens por unidade.
Fonte: CNAS. Resolução Conjunta n. 1, de 18 de junho de 2009. Aprova o documento Orientações Técnicas:
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, 2009.
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