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Tópicos de Atuação

Profissional
Autoras: Profa. Márcia Alves Oliveira
Profa. Daniela Emilena Santiago
Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Maria Francisca S. Vignoli
Profa. Karina Dala Pola
Professoras conteudistas: Márcia Alves Oliveira/Daniela Emilena Santiago

Márcia Alves Oliveira

A professora Márcia Oliveira Alves é assistente social graduada pela Universidade de Marília – UNIMAR, especialista
em Recursos Humanos e mestre em Direito. Atualmente é professora do curso de Serviço Social da Universidade
Paulista – UNIP campus de Assis‑SP. Atua como assessora e avaliadora de políticas públicas no município de Marília‑SP,
é docente em cursos de capacitação para concursos públicos e docente de pós‑graduação em gestão pública.

Daniela Emilena Santiago

A professora Daniela Emilena Santiago é assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL),
especialista em Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre
em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis/SP. Atualmente
é funcionária pública do município de Quatá/SP, atuando como assistente social junto à Secretaria Municipal de
Promoção Social. Exerce também a função de docente e líder junto ao curso de Serviço Social da Universidade Paulista
(UNIP), campus de Assis/SP.

Também atua no curso de graduação de Serviço Social na modalidade SEI, oferecida pela UNIP Interativa, o que
lhe proporcionou a oportunidade de ministrar aulas de diversas disciplinas nessa modalidade de ensino. Além dessa
inserção, também ministrou, na modalidade SEPI, aulas da disciplina Política Social de Saúde no curso de pós‑graduação
de Gestão em Políticas Sociais, oferecido pela UNIP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S235t Santiago, Daniela Emilena

Tópicos de atuação profissional / Daniela Emilena Santiago,


Márcia Alves Oliveira. - São Paulo: Editora Sol, 2015.

172 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-011/15, ISSN 1517-9230

1. Serviço social. 2. Atuação profissional. 3. Políticas sociais.


I. Título.

CDU 36

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
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Prof. Fábio Romeu de Carvalho


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Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Cristina Z. Fraracio
Geraldo Teixeira Júnior
Sumário
Tópicos de Atuação Profissional

Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 As teorias explicativas das políticas sociais.......................................................................... 11
1.1 Funcionalismo, Idealismo e Marxismo: diversidade na forma de compreensão
sobre a Política Social................................................................................................................................. 11
1.2 Liberalismo, Keynesianismo, Neoliberalismo: a política social sob diversos
ângulos.............................................................................................................................................................. 24
1.2.1 Liberalismo.................................................................................................................................................. 24
1.2.2 Keynesianismo.......................................................................................................................................... 32
1.2.3 Neoliberalismo.......................................................................................................................................... 38
2 A questão social e a consolidação das políticas sociais............................................. 49
3 TENDÊNCIAS CONTEMPORâNEAS QUE CONDICIONAM AS INTERVENÇÕES EM
POLÍTICAS PÚBLICAS........................................................................................................................................... 58
3.1 A Gestão das políticas públicas e as possibilidades de controle social........................... 59
3.1.1 Participação e controle social: o caso da política da assistência social............................ 68
3.2 A gestão do fundo público, como consolidação da gestão pública................................. 88
3.2.1 O Financiamento da Assistência Social.......................................................................................... 95
3.2.2 Da responsabilidade do administrador público na gestão das políticas públicas......... 97
4 Público e o Privado.................................................................................................................................100

Unidade II
5 As novas formas de regulação social e as transformações no mundo
do trabalho.....................................................................................................................................................109
6 As mudanças societárias e as transformações no mundo do trabalho.......113
7 Regulação social: algumas considerações.........................................................................122
8 Estado e Sociedade: o cenário das politicas sociais na
contemporaneidade...................................................................................................................................133
8.1 Os processos de trabalho em horizontes de precarização: o assistente
social e a profissão.....................................................................................................................................150
Apresentação

Figura 1

A imagem anterior representa uma das muitas expressões das questões sociais. Neste caso, temos a
falta de acesso à moradia, que pode ser uma situação extremamente precária para o desenvolvimento
dos seres humanos e que pode, infelizmente, vir acompanhada de outras situações igualmente graves,
como o rompimento dos vínculos familiares e sociais, a exploração sexual, incitação à mendicância e
ainda a utilização de entorpecentes.

Para intervir nessas expressões e em outras que vão se desenvolvendo na contemporaneidade


faz‑se necessária a atuação do Estado ou de grupos privados. Quando empreendidas pelo Estado, o
usual é que tais intervenções recebam a denominação de políticas sociais ou então políticas públicas,
conforme asseveram uma série de autores. Nessa disciplina, pretendemos realizar uma reflexão sobre
tais intervenções.

Assim sendo, por meio do presente material nos reaproximaremos de alguns conceitos que foram
sendo tratados no desenvolvimento de nossa graduação e que estarão relacionados ao desenvolvimento
das políticas sociais, especialmente as que integram o sistema de Seguridade Social Brasileiro.

Nos termos postos, elegemos como objetivo geral da presente disciplina, conforme consta em seu
Plano de Ensino:

Realizar um estudo sobre as teorias explicativas da constituição das políticas


sociais e sobre a influência da ampliação da questão social nesse processo,
bem como identificar aspectos relacionados à organização e à gestão das
políticas sociais na contemporaneidade da realidade brasileira.

Tendo em vista que nossa atuação como Assistentes Sociais se dá predominantemente de forma
vinculada às políticas sociais.

Desse modo, é urgente e necessária a retomada de conceitos já trabalhados durante a formação


e de outros que ainda não foram suficientemente discutidos, visto que é no âmbito da gestão, da
implementação e da execução das políticas sociais que a grande maioria dos assistentes sociais encontra
seu espaço sócio‑ocupacional.

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Para que seja possível discutir os conceitos afeitos às políticas sociais, foi elaborado o presente
material e ele será “dividido” em duas unidades, apenas com finalidade didática. No entanto, os
conteúdos aqui tratados possuem uma relação de interdependência e de dialética, ou seja, todos os
conhecimentos aqui tratados são importantes e relevantes, independentemente da unidade em que as
informações estejam alocadas.

Assim sendo, na unidade 1 estaremos realizando uma aproximação à discussão das principais teorias
explicativas sobre as políticas sociais desenvolvidas. Estudaremos assim compreensões de natureza
filosófica e também de natureza econômica, como se poderá observar. Ainda nessa unidade, realizaremos
uma reflexão sobre a relevância que a ampliação da questão social apresenta para a consolidação das
ações em política social, considerando‑se a sociedade burguesa madura e consolidada.

Já na unidade 2 orientaremos nossos estudos à compreensão das tendências contemporâneas


que condicionam as políticas sociais na atualidade. Dentre essas tendências, discutiremos aspectos
relacionados à gestão das políticas sociais, com especial atenção para as alternativas de controle social
que são postas a partir da Constituição de 1988. Também nessa unidade será realizado um estudo sobre
a consolidação da esfera pública e sobre o debate entre as iniciativas de natureza público‑privada. Isso
porque são fenômenos que condicionam as políticas sociais atualmente e, por conseguinte, trazem
influências à prática dos assistentes sociais que atuam vinculados às políticas sociais.

Ainda no que diz respeito às tendências contemporâneas que influenciam as políticas sociais,
discutiremos acerca das transformações societárias acontecidas em todo mundo a partir da década de
1970. Isso porque tais mudanças condicionam também as políticas sociais desenvolvidas pelo Estado
brasileiro, sendo que dentre essas “mudanças” podemos elencar a ampliação significativa da demanda
para as políticas sociais, em decorrência do elevado quadro de desempregados e subempregados que
são resultado de tais alterações.

Como é possível compreender, esse livro‑texto é uma possibilidade de realizar um aprofundamento


nos conceitos relacionados à política social, em especial à política social brasileira. Para isso, é
fundamental que você realize a leitura com muita atenção, busque fazer os exercícios recomendados e
recorra também às indicações contidas no decurso do texto para ampliar seus conhecimentos.

Bons estudos!

Introdução

Prezado aluno, agora você já está a um passo de sua graduação em Serviço Social, restando apenas
um semestre para a conclusão deste longo processo formativo. Desse modo, você deve lembrar de
uma série de conceitos que foram tratados, inclusive dos que foram relacionados à constituição e ao
desenvolvimento das políticas sociais no Brasil.

Mesmo assim, é sempre bom recordar que no Brasil tivemos a consolidação da política social como
responsabilidade do Estado somente a partir da Constituição de 1988. Antes desse período, também
como estudamos, tivemos ações específicas empreendidas pelo Estado brasileiro, sobretudo nas décadas
8
de 1930 e 1960, e tais ações na grande maioria dos casos, considerando esses períodos históricos, eram
orientadas apenas aos trabalhadores e não a toda a população brasileira.

De forma que podemos considerar a Constituição de 1988 como um divisor de águas no que diz
respeito à consolidação da política social brasileira. E, partindo dessa carta constitucional, muitos esforços
foram sendo empreendidos para que a política social brasileira se efetivasse da forma que foi idealizada
pelo texto constitucional. Nos termos postos, várias políticas sociais foram sendo regulamentadas,
por meio de legislações específicas, tendo em vista a necessidade de fazer valer o disposto na carta
constitucional brasileira.

Apesar disso, vemos que nem sempre as intervenções acontecem da forma idealizada na
Constituição Federal, sendo sintomática nesse sentido a crescente tentativa do Estado brasileiro em se
desresponsabilizar pela gestão e organização de serviços sociais públicos, o que possibilita, por outro
lado, a organização da sociedade civil para atender às mazelas geradas pela sociedade capitalista madura
e consolidada.

E, para compreender os fenômenos citados, é fundamental a leitura dos conteúdos tratados no


presente material. Iniciaremos com a discussão sobre as diferentes formas de compreensão sobre a
política social, uma reflexão que demanda especial atenção por também trazer influências à política
social brasileira.

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Tópicos de Atuação Profissional

Unidade I
Prezado aluno, conforme sumariamos anteriormente, nesta unidade iniciamos nossas incursões sobre
a política social e nossas primeiras reflexões estarão orientadas a compreender as principais teorias que
explicam as políticas sociais. Também focaremos o papel que a ampliação da questão social adquire no
sentido de constituição das políticas sociais no Brasil.

1 As teorias explicativas das políticas sociais

Quando nos referimos às teorias explicativas das políticas sociais, fazemos referência a formas de
compreensão sobre as políticas sociais. De certa forma, também nos referimos à forma de compreender
os problemas sociais e de intervir neles.

Nessa parte inicial de nosso material, estudaremos algumas compreensões, dentre as quais
indicaremos: o funcionalismo, o idealismo e o marxismo. Isso nos permitirá compreender como tais
correntes filosóficas compreendem a política social, sem esgotar nelas os nossos estudos.

Assim sendo, também voltaremos nosso olhar para a compreensão de como correntes econômicas
entendem o desenvolvimento das políticas sociais. O olhar estará orientado para a compreensão sobre
as políticas sociais propostas pelas correntes: Liberalismo, Keynesianismo e Neoliberalismo.

Dessa forma, esperamos que seja possível a você, prezado aluno, compreender que há diferentes
leituras sobre a política social. Vamos a nossos estudos.

1.1 Funcionalismo, Idealismo e Marxismo: diversidade na forma de


compreensão sobre a Política Social

Prezado aluno, optamos por discutir as correntes teóricas mencionadas por serem essas, de acordo
com Behring e Boschetti (2010), as mais relevantes dentro do pensamento social contemporâneo.
Assim, daremos início a nossos estudos sobre o tema partindo do funcionalismo. O Funcionalismo
é um tema já estudado por você, assim como as demais correntes, mas, mesmo assim, temos a
necessidade de retomar tais conceitos para, em seguida, discutir sobre a compreensão de tal corrente
acerca das políticas sociais.

O Funcionalismo é uma corrente teórica que teve uma série de autores a ela vinculados. O mais
notável dentre esses teóricos, considerado o idealizador do Funcionalismo, foi Émile Durkheim. Possuidor
de muitos escritos, tem como o mais célebre “Regras do Método Sociológico”, publicado em 1895, e
conhecido como a expressão mais latente do autor em relação ao Funcionalismo. Rendeu a Durkheim o
título de “pai da sociologia” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 27).

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Unidade I

Figura 2 – Durkheim

Destacaremos algumas informações sobre a forma de conhecer a realidade proposta por Durkheim,
bem como as colocações de tal autor sobre os fatos sociais e sobre a realidade social para que, enfim,
possamos discutir a política social.

Segundo a concepção desse autor, para que seja possível se conhecer uma realidade, é fundamental
que, no processo de conhecimento, o objeto a ser conhecido se sobreponha ao sujeito que busca
conhecê‑lo. Isso significa que, nesse processo de conhecimento, o objeto é mais importante do que o
sujeito que pretende conhecê‑lo (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Com relação ao sujeito que realiza a pesquisa, Durkheim assevera que ele deve colocar‑se frente ao
seu objeto de pesquisa em uma perspectiva de exterioridade, ou melhor dizendo, deve observar o objeto
de uma maneira distante dele. No caso, o objeto não deve influenciar o pesquisador, que também deve
apresentar‑se despido de todos os seus pré‑conceitos, para que a pesquisa não receba suas influências.
Deve‑se então “suspender todas as suas pré‑noções” (BHERING; BOSCHETTI, 2010, p. 27) e ir ao processo
de conhecimento despido de convicções.

Esse processo de conhecimento, por sua vez, deveria acontecer de uma forma sistemática e
organizada. Aliás, para Durkheim, o conhecimento não poderia basear‑se apenas no senso comum,
sendo essa forma de conhecimento considerada pelo autor como vulgar, algo que não inspirava
confiança e não deveria servir de respaldo para as pessoas. Para o autor, era necessário dar
visibilidade ao conhecimento racional, defendendo, assim, o primado da razão na produção de
conhecimento.

Behring e Boschetti (2010) afirmam que Durkheim até chegou a propor a utilização de um método
de conhecimento, sendo que para o autor esse método deveria ser desenvolvido por meio da observação
e também da experimentação. Tal método teria sido elaborado por Durkheim com base no Empirismo de
Bacon e no Positivismo de Comte.

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Tópicos de Atuação Profissional

Empirismo: ênfase na experiência sensível

Ainda recorrendo ao que se afirma em relação ao método de conhecimento, Durkheim (apud


BEHRING; BOSCHETTI, 2010) acredita que a produção de conhecimento demanda a organização prévia
de provas sobre tudo o que for afirmado nesse processo. Desse modo, essas provas devem ser organizadas
para que seja possível verificar‑se a veracidade do que fora produzido. De acordo com esse método, seria
necessário checar e comprovar o conhecimento produzido.

A seguir, observe a figura que representa o método de conhecimento, de acordo com Durkheim, ou
melhor dizendo, de acordo com o Funcionalismo.

Baseado na
experimentação

Objeto se sobrepõe
ao sujeito

Demanda a
Método de observação
conhecimento

Sujeito sem Necessidade de


pré‑conceitos comprovação

Figura 3 – Método de conhecimento proposto por Durkheim

Durkheim (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010) também afirmava que esse método deveria ser
igualmente aplicado ao conhecimento dos fatos sociais que, para o autor, seriam uma forma de coação
que induziria os indivíduos a adotarem determinadas posturas. Segundo o mesmo autor, a partir do
momento em que os fatos sociais perdem a conotação de coação, se transmutam em hábitos (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010).

Para Durkheim (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010) os fatos sociais possuem uma natureza exterior
em relação aos indivíduos. Essa natureza provém de uma suposta coletividade que é inerente aos fatos
sociais, que, por sua vez, vêm da sociedade como um todo e não do indivíduo especificamente. Sendo
assim, é importante conhecer os fatos sociais de uma forma profunda.

Esse estudo dos fatos sociais remetia ainda a um estudo das instituições sociais, sobretudo a gênese
de tais instituições e dos mesmos fatos sociais. Sobre esses fatos e de acordo com Durkheim (apud
BEHRING; BOSCHETTI, 2010) era necessário compreender o que influenciaria a ocorrência de fatos
normais e de fatos patológicos. Os fatos normais, segundo o autor, seriam aqueles que estivessem
adequados ao padrão imposto pela sociedade, ao passo que os fatos anormais poderiam ser considerados
como tudo aquilo que fugisse às regras estabelecidas, ao que era delimitado como padrão para uma
determinada sociedade.
13
Unidade I

Behring e Boschetti (2010) nos dizem ainda que, segundo Durkheim, as pesquisas e o conhecimento
junto aos fatos sociais também poderiam auxiliar para a definição do que pode ser compreendido como
normal, como padrão e o que deveria ser entendido como anormal, diferente e, inclusive, o que deveria
ser entendido como um fato social patológico.

Para analisar os fatos sociais, Durkheim elaborou um método denominado “método de


variações concomitantes”, derivando do método para a produção de conhecimento elaborado
previamente (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 31). Esse método deveria, nos termos do autor,
observar os fatos sociais coletando nesse processo de observação o maior número de provas que
fosse possível.

Para o autor, tendo coletado as provas sobre os fatos sociais, era necessário ainda considerar a
concomitância das provas, ou seja, a sobreposição das provas que foram obtidas. E deveria ainda ser
considerada a variação das provas que foram obtidas. Dessa forma, seria possível aproximar‑se da
realidade vivenciada pelos fatos sociais.

Todavia, para que essa aproximação em relação aos fatos sociais se operacionalizasse era
importante que o pesquisador rompesse com o individualismo e, sobretudo, que buscasse romper
também com algumas doutrinas como o individualismo e também o comunismo (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010).

Pois, o autor defende que é a partir da noção de desigualdade social que podemos compreender
a função da política social. Assim, para o autor, a desigualdade social era entendida como sendo
algo inerente à sociedade, algo que deve ser tido como natural dentro de uma organização social.
Além da noção de naturalidade para o sociólogo em questão, a desigualdade social era algo que
deveria ser considerada “imutável” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 31), ou seja, não deveria ser
empreendido qualquer esforço em prol da alteração da realidade que se apresentava. Aliás, as
pessoas que não concordassem com a norma social eram compreendidas como anormais, como
problemas sociais.

Saiba mais

Veja o filme:

LARANJA mecânica. Dir. Stanley Kubrick. Reino Unido: Warner Bros,


1971. 136 minutos.

Este filme demonstra uma série de intervenções para “corrigir” uma


patologia social.

E recomendamos ainda a leitura dos textos a seguir para conhecer um


pouco mais sobre a teoria de Durkheim:

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Tópicos de Atuação Profissional

RIBEIRO, P. S. Durkheim e o fato social. 2002‑2013. Disponível em:


<http://www.brasilescola.com/sociologia/durkheim‑fato‑social.htm>.
Acesso em: 15 jan. 2013.

MENDES, J. Durkheim e a sociologia. [s.d.]. Disponível em: <http://www.


consciencia.org/durkheim‑e‑a‑sociologia>. Acesso em: 15 jan. 2013.

No entanto, as desigualdades sociais poderiam ser controladas, de forma a evitar confrontos sociais.
Para que fosse possível exercer o controle sobre os fatos sociais, seriam necessárias corporações ou
instituições que se encarregariam em operacionalizar a coesão social, mesmo com as gritantes diferenças
sociais. Sob esse aspecto, segundo Behring e Boschetti (2010), as políticas sociais se enquadrariam como
uma alternativa de manter a coesão social, a paz social, digamos assim.

Assim sendo, as políticas sociais seriam necessárias apenas como uma forma de controle para
minimizar as possibilidades de manifestação contrárias à ordem social estabelecida. Apesar das
políticas sociais, especificamente, não terem sido discutidas por Durkheim, tais conclusões são possíveis
partindo‑se de uma análise da obra do referido autor.

Antes de iniciarmos nossas considerações sobre o Idealismo, observe o texto seguinte, que faz uma
reflexão sobre as concepções de Durkheim.

Exemplo de aplicação

Artigos Filipe Zau

Os recursos de que necessitamos

Começo por situar as políticas de formação de recursos humanos, na perspectiva do “ser social
universal”, inserida na corrente filosófica educacional da cultura humanista, “de que o sociólogo Emile
Durkheim foi um digno representante” e onde reside um amplo e harmônico sentido de educação
multifacetada. Analiso também, sob a perspectiva neoliberal de uma hipotética corrente do “ser econômico
global”, para enquadrá‑la nas reflexões de natureza econômica relacionada com a chamada “teologia do
mercado”, onde se consubstancia um sentido restrito de educação, voltado, quase exclusivamente, para
o consumismo e para a “descerebração” das atuais e futuras gerações [...].

Fonte: Zau (2012).

A matéria demonstra a aceitação dos ideais de Durkheim. Diante disso, considerando a proposta
do autor sobre os fenômenos sociais, reflita sobre o seguinte quesito: “é possível compreender a
desigualdade social como algo natural?”

Agora, passaremos a discutir o Idealismo. O Idealismo foi também uma importante corrente teórica
e filosófica que trouxe influências para o pensamento social e para a forma de compreender a política
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Unidade I

social. Vinculados a essa corrente teórica teremos pensadores como Kant, Hegel e Max Weber, sendo
esse último um dos mais relevantes no sentido de influenciar o pensamento social no que diz respeito
às políticas sociais.

Mas, iniciaremos com Kant. Immanuel Kant nasceu em 1804, na cidade de Konigsberg, na Prússia.
Kant ficou conhecido como o principal filósofo da corrente idealista, tendo em vista que foi esse pensador
que refletiu inicialmente sobre conceitos sobre os quais passaremos a discorrer.

Figura 4 – Immanuel Kant

De uma forma genérica podemos dizer que, para a corrente idealista, durante o processo de
conhecimento, o sujeito deve sobrepor‑se ao objeto que pretende conhecer. Assim, podemos compreender
que para essa perspectiva de conhecimento o sujeito precisa assumir uma perspectiva de destaque, ao
invés do objeto. Também podemos concluir que se trata de uma perspectiva diferenciada da que fora
apresentada antes, ou melhor dizendo, a perspectiva defendida por Kant, difere‑se da proposta por
Durkheim.

Sendo assim, a realidade observada não provém de condições reais e concretas, mas, sim, apresenta‑se
como sendo o resultado do pensamento dos seres humanos. Desse modo, não há influência das
condições e determinações reais e objetivas na definição da realidade, mas, sim, do pensamento dos
seres humanos. Ou seja, há um primado da consciência no processo de definição da realidade, do que é
real e também durante a aproximação entre sujeito que pesquisa e objeto de conhecimento (BEHRING;
BOSSCHETTI, 2010).

O conhecimento, por sua vez, é compreendido como algo que precisa ser racional. Razão, por sua vez
é intelecção, é entendimento, compreensão. O processo de conhecimento é essencialmente um processo
intelectivo, que demanda a utilização das capacidades intelectivas do ser humano.

O processo de conhecimento da realidade acontece por meio desse processo intelectivo do ser
humano, porém, para Kant só é possível conhecer a realidade por meio de suas manifestações, de suas

16
Tópicos de Atuação Profissional

expressões. Para Kant é impossível o conhecimento da essência do ser humano, esse descrito como ser
social. Em Kant vemos que se torna impossível conhecer plenamente a essência do ser social.

Como é impossível apreender o ser humano em sua totalidade, o conhecimento torna‑se, segundo
essa perspectiva, relativo, pois depende de que nível será possível aproximar‑se do sujeito, do ser social.
Assim:

Como não se pode conhecer a coisa em si, o conhecimento sempre é relativo


e produto racional do sujeito que conhece, quando este submete sensações
e experiências aos esquemas e regras apriorísticas do pensamento à razão
teórica (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 32).

Lembrete

É necessário recordar que Hegel, mesmo derivando de Kant, entendia


que o ser humano podia, sim, ser compreendido em sua totalidade. Segundo
Hegel, era possível apreender o ser humano de uma forma completa.

Para Kant, era então necessária a compreensão dos fenômenos da realidade e, assim, seria possível
uma aproximação à realidade da experiência humana. Desse modo, no processo de conhecimento seria
preciso “[...] compreender o sentido dos processos vivos da experiência humana” (BEHRING; BOSCHETTI,
2010, p. 33).

Vejamos a seguir uma imagem, elaborada por nós, onde temos a representação dos conteúdos
tratados por Kant.

Impossibilidade de
conhecer o
ser social

Sujeito se sobrepõe
ao objeto

Conhecimento
Método de é variável
conhecimento

É necessário
Realidade resulta apreender a
do pensamento realidade

Figura 5 – Método de conhecimento em Kant

Derivando dessas concepções de Kant, tivemos outros teóricos vinculados à corrente idealista, dentre
os quais podemos citar Dilthey, Rickert, Hegel e Max Weber. Dentre esses filósofos, mencionamos Hegel
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Unidade I

anteriormente e agora estudaremos um pouco algumas das considerações de Weber, que orientou as
discussões sobre os fenômenos sociais, permitindo, assim, uma compreensão sobre a política social.

As teorias de Weber derivam das concepções de Kant, porém, sua obra apresenta algumas variações
em relação ao pensamento kantiano. Para Weber, durante o processo de conhecimento, é necessário que
se compreendam as intencionalidades e ações dos sujeitos como algo que se sobrepõe às condições reais
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Ou seja, o pensamento de Weber deriva do de Kant por destacar que no processo de conhecimento
precisamos compreender que todos os atos dos sujeitos definem a realidade e não o oposto, ou seja,
não é a realidade concreta que determina os atos que serão adotados pelos sujeitos, mas, sim, o inverso.

Weber nos diz que todo o conhecimento obtido deve submeter‑se à comprovação, à prova e à
validação objetiva. Weber compreende que para o conhecimento ser tido de fato como real, precisa ser
checado, comprovado. E faz‑se necessário ainda que esse conhecimento a ser produzido siga a ótica da
neutralidade científica, ou seja, não são permitidas interferências no processo de conhecimento.

Dessa premissa decorre o imperativo categórico da separação rigorosa


entre fatos e valores, presente também em Weber, que afirmava que
a interferência dos valores impede a compreensão integral dos fatos
e que os dados não podem ser pedestais para os julgamentos de valor
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 34).

Não podendo, assim, haver a interferência do pesquisador no processo de conhecimento, de acordo


com o pensamento weberiano.

A análise de Weber ainda destaca uma série de considerações sobre os fenômenos sociais. Segundo
o autor, todos os fenômenos sociais são históricos e também estão relacionados à vida cultural de uma
dada sociedade. A vida cultural, por sua vez, só existe porque provém de um ponto de vista, de algo que
é idealizado pela sociedade.

Sob a premissa de que o idealizado é mais relevante, Weber se coloca contrário à concepção marxista
de que o fator econômico é que determinada a realidade, inclusive que determina o ser social. Para
Weber o que determina a realidade, inclusive econômica, é o pensamento do ser humano, e não o
inverso (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

No âmbito da política, segundo Behring e Boschetti, (2010) Weber postula que haveria a necessidade
de um Estado forte para que, por meio de sua autoridade, pudesse gerir a vida em sociedade. O Estado
estaria apoiado em uma autoridade e exerceria suas ações com base em critérios de justiça e com base
em um corpo administrativo eficaz.

A política social, dentro desse aspecto seria um dos mecanismos para que o Estado pudesse exercer
suas funções. Seria um mecanismo burocrático, porém, permitido ao Estado, para a administração
da sociedade. “A política social seria um mecanismo institucional típico da racionalidade legal
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Tópicos de Atuação Profissional

contemporânea” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 36), ou seja, seria um mecanismo de manter a


autoridade estatal.

Essas seriam as principais ideias, de uma forma bem resumida, que orientavam a compreensão
denominada Idealismo e que trouxeram e trazem influências à organização das políticas sociais. Na
sequência passaremos a tratar da concepção posta pelo Marxismo, em relação a determinados fenômenos
sociais e também em relação à questão da política social.

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre os autores aqui tratados e que


discorrem sobre o idealismo, recomendamos o acesso ao site:

<http://www.maxweberstudies.org/>.

E a leitura do texto:

GUYER, P. Kant, Immanuel (1724‑1804). In: CRAIG, E. (Ed.). Routledge


Encyclopedia of Philosophy. London: Routledge, 1998‑2013. Disponível em:
<http://www.rep.routledge.com/article/DB047>. Acesso em: 1 mar. 2013.

Assim sendo, de acordo com Behring e Boschetti (2010) o marxismo apresenta uma análise
totalmente diferenciada das postas pelo funcionalismo e pelo idealismo. Para compreender
minimamente essa análise precisamos entender sobre quais bases é analisada a realidade sob o
embasamento marxista. Ou melhor dizendo, como o conhecimento da realidade se operacionaliza
sob o embasamento marxista.

No caso é importante situar que o marxismo tanto pode ser compreendido como uma
doutrina filosófica, quanto como uma doutrina econômica. Isso porque Marx compreendeu o
funcionamento da sociedade sob a análise do desenvolvimento do capitalismo, ou seja, com forte
apelo à compreensão do desenvolvimento econômico da sociedade, especificamente da sociedade
capitalista.

Saiba mais

Para um conhecimento sobre a teoria marxista recomendamos também


os filmes:

CAPITALISMO: uma história de amor. Estados Unidos: Overture Films,


2009. Direção: Michael Moore. Duração: 127 min.

19
Unidade I

Sob essa questão, nos dizem Behring e Boschetti (2010) que, de acordo com a perspectiva marxista,
para a compreensão da realidade há necessidade de uma relação de conhecimento embasada por uma
perspectiva relacional a ser estabelecida entre o sujeito e o objeto. Assim, essa perspectiva não evoca
a prevalência do sujeito sobre o objeto ou vice‑versa como nas perspectivas indicadas anteriormente.
Antes, apregoa a produção do conhecimento que rompa com essa prevalência.

E essa relação estabelecida entre o sujeito e o objeto acontece em um determinado momento ou


período histórico. Assim, tanto sujeito quanto objeto precisam ser considerados como integrantes e,
portanto, influenciados pelo processo de desenvolvimento histórico.

A perspectiva marxista ainda compreende que no processo de conhecimento da realidade o


pesquisador, o sujeito que se aproxima da realidade, é um sujeito ativo, e não passivo e alheio. Nesse
sentido, segundo essa visão, tanto o sujeito é alterado pela pesquisa quanto o objeto também é alterado
por ele. Segundo tal perspectiva não há “neutralidade” na produção de conhecimento (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010, p. 39).

De acordo com a perspectiva marxista, para apreensão da realidade precisamos analisar os fenômenos
sociais, sendo que a verdade de tais fatos encontra‑se oculta, ou seja, não há verdades imediatas e
aparentes. Para a compreensão de tal realidade, dos fenômenos que estão ocultos, é necessário que
se compreenda a realidade como sendo síntese de múltiplas causalidades, ou seja, resultado do
relacionamento estabelecido entre diversos fatores.

Assim, a compreensão da realidade demanda essencialmente uma compreensão da totalidade. A


realidade é, em tese, resultado da totalidade de fenômenos e, portanto, não pode ser compreendida sob
uma ótica segmentada, setorizada. “Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético,
no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente
compreendido” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 41).

E a totalidade aqui demanda também ser entendida como concreta, ou seja, refere‑se a uma realidade
dada e não está apenas no plano das ideias, do imaginário. Assim, a realidade concreta determinaria
o pensamento, as ideias, e não o contrário, conforme o defendido pela corrente idealista, a qual o
marxismo se contrapõe.

Além disso, a realidade seria composta de forma dialética, ou seja, estaria em constante construção,
em constante devir. Assim sendo, a realidade nunca estará pronta e acabada e, para apreendê‑la em sua
totalidade, faz‑se necessário um método que também seja dialético, que também permita a realização
de sucessivas aproximações, de construção continuada do conhecimento (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

O método de conhecimento para a perspectiva marxista deve ser composto por alguns elementos.
Dentre os elementos citados por Behring e Boschetti (2010), podemos apontar: a destruição da
pseudoconcreticidade, o caráter histórico e o significado do fenômeno e de sua função.

Vejamos o que precisamos entender: a pseudoconcreticidade é uma falsa realidade, ou seja, uma
realidade por nós percebida, mas que não corresponde à realidade em tese. É uma realidade fetichizada
20
Tópicos de Atuação Profissional

e não conhecida objetivamente. Portanto, essa falsa concreticidade precisa ser rechaçada, destruída,
para que a realidade, de fato seja conhecida. O método de conhecimento, de base marxista, precisa
considerar esse elemento para que possa conhecer de fato a realidade.

Além do fim da pseudoconcreticidade, o método de conhecimento, de base marxista, precisa considerar


a realidade como possuidora de caráter histórico, portanto, condicionada ao que é experimentado pelo
gênero humano no decurso de seu desenvolvimento. E disso decorre o terceiro elemento, ao qual faz
menção, conforme citamos: a compreensão do significado do fenômeno e de sua função. De sorte que,
todos os fenômenos possuem um significado, além do aparente, do imediato e possuem também uma
finalidade, uma função social.

Vejamos a seguir a figura que retrata o método de conhecimento, de acordo com a perspectiva
marxista.

Múltipla
causalidade

Método dialético

Totalidade
Método do
conhecimento

Realidade oculta Concreticidade

Figura 6 – Método de conhecimento no Marxismo

Para a compreensão da realidade, com base no conhecimento marxista, faz‑se necessário que o
sujeito que conhece possa ir do conhecimento abstrato ao conhecimento concreto, real, ou seja, “[...]
elevar‑se do abstrato ao concreto” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 41).

O que Behring e Boschetti (2010) fazem é aplicar os conhecimentos trazidos pelo método marxista
à análise das políticas sociais. Nesse sentido, demonstram as incoerências que há em pensamentos
supostamente de base marxista bem como indicam algumas pistas para se repensar a produção de
conhecimento sobre as políticas sociais de referência marxista.

Segundo Behring e Boschetti (2010), para a compreensão da política social, devemos evitar as
análises unilaterais, ou seja, análises em que as políticas sociais são compreendidas sob apenas
um prisma. No caso, as autoras exemplificam descrevendo teorias em que as políticas sociais são
compreendidas apenas como mecanismos do Estado para garantir hegemonia, ou, então, apenas em
decorrência da luta de classes, em virtude da pressão exercida pela classe trabalhadora frente às crises
capitalistas.
21
Unidade I

As autoras ainda destacam que são também exemplos de análises unilaterais aquelas que
compreendem as políticas sociais como mecanismos que são funcionais à acumulação capitalista, ou
melhor dizendo, aquelas análises que compreendem as políticas sociais apenas como responsáveis
para garantir a reprodução econômica e política da classe trabalhadora. No caso, a política social ora
é compreendida como uma alternativa para reduzir os custos da reprodução da força de trabalho e
também como um mecanismo para manter o nível de consumo, ora é compreendida apenas como um
aparato ideológico usado de forma a cooptar a população e legitimar a ordem capitalista vigente.

Segundo afirmam as mesmas teóricas, essas análises não estão incorretas, mas, como são unilaterais,
conseguem perceber apenas um dos aspectos que condicionam a constituição e consolidação das
políticas sociais na sociedade burguesa. As autoras conseguem ir além dessa análise unilateral e, dessa
forma, conseguem apreender outras peculiaridades da constituição e da consolidação das políticas
sociais em nossa sociedade, tais como as que passaremos a descrever.

A primeira consideração feita por Behring e Boschetti (2010) é que para a concepção apoiada no
Marxismo, a política social pode ser sim compreendida como uma forma de legitimação do Estado,
de legitimação do capital e é também uma alternativa de reprodução material e ideológica dos seres
humanos. Todavia, a política social precisa também ser compreendida como um ganho, como uma
conquista, sobretudo para os segmentos mais empobrecidos e que são, via de regra, beneficiados por
esses serviços.

As autoras ainda afirmam que a análise em política social por esse motivo não pode ser realizada
de forma desprendida da sociedade burguesa, ou seja, toda a compreensão relacionada à política social
precisa essencialmente estar vinculada à noção da sociedade burguesa capitalista em sua fase consolidada.

Para essa apreensão da realidade é necessário, segundo as autoras, ir além do senso comum,
do conhecimento pautado apenas na observação empírica dos fenômenos sociais. Para ir além do
conhecimento do senso comum, ainda seria necessário que a apreensão da realidade se efetivasse por
meio do método dialético‑materialista. Para as autoras:

[...] o método dialético materialista que permite compreender e revelar que as


formas reificadas se diluem, perdem sua rigidez e naturalidade para mostrar
como fenômenos complexos, contraditórios e mediados, como produtos da
práxis social da humanidade (BEHRING; BOSCHETTI, p. 43).

Observação

Para o conhecimento, segundo o Marxismo, é necessário recorrer ao


método dialético materialista.

Essa compreensão pautada no método dialético materialista considera fenômenos como os seguintes:
histórico, econômico e político, sendo eles importantes na definição da realidade e do conhecimento
possuído sobre essa realidade.
22
Tópicos de Atuação Profissional

Assim, realizando uma análise da política social, considerando o componente histórico, precisamos
compreender que a política social surge e se consolida em decorrência da ampliação das expressões
da questão social. Já a compreensão do aspecto econômico nos remete a pensar a política social,
relacionando‑a às questões estruturais que influenciam o desenvolvimento econômico, sendo que, em
nosso caso, temos de considerar o desenvolvimento da sociedade capitalista.

E, por fim, o aspecto político está relacionado à compreensão das posições políticas que são adotadas
pelo Estado, tendo em vista que as posturas políticas adotadas tendem a influenciar a constituição das
políticas sociais. Sintetizando tais colocações, as autoras afirmam que o método dialético materialista
reconhece que os fenômenos sociais estão condicionados e “[...] sob a influência da história, economia,
política e cultura”(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 43).

E, concluindo as argumentações, Behring e Boschetti (2010) asseguram que todas as análises


realizadas precisam considerar três elementos no que concerne ao conhecimento da política social,
sendo eles: a natureza do capitalismo, devendo‑se compreender o estágio de desenvolvimento capitalista
apresentado e as estratégias de acumulação constituídas; o papel adotado pelo Estado no sentido de
regulamentar as políticas sociais; e o papel das classes sociais no sentido de estimular a organização das
políticas sociais.

Desse modo, trata‑se de uma concepção que vem balizada pela compreensão do desenvolvimento
capitalista, do papel assumido pelo Estado e também sobre o papel das classes sociais no sentido de
estimular a constituição das políticas sociais.

Como podemos visualizar, estudamos até aqui concepções diferenciadas sobre as políticas
sociais, derivadas de argumentos filosóficos. Na sequência, veremos outras concepções, essas com
uma referência mais econômica e que destacam compreensões distintas sobre a constituição das
políticas sociais.

Saiba mais

Recorra aos textos a seguir, para maiores informações sobre os conteúdos


relacionados ao método marxista de produção de conhecimento:

ASSUMPÇÃO, M. C. M. A. O método em Marx: relação com a categoria


práxis. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO, 5.,
Florianópolis, SC, 2011. Disponível em: <http://www.5ebem.ufsc.br/
trabalhos/eixo_01/e01c_t002.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2012.

YAMAUTI, N. N. A aplicação do método dialético de produção do


conhecimento no ensino de ciências sociais. Acta Sci. Human Soc. Sci.,
Maringá, v. 28, n. 1, pp. 111‑120, 2006.

23
Unidade I

1.2 Liberalismo, Keynesianismo, Neoliberalismo: a política social sob


diversos ângulos

Como enunciamos, neste momento, estudaremos as concepções de doutrinas tidas como econômicas,
ou seja, compreensões mais pautadas em análises econômicas da sociedade. Começaremos assim pelo
Liberalismo, para, em seguida, tratarmos das demais compreensões. No caso, faremos ainda um recorte
sobre a perspectiva marxista de compreensão das políticas sociais.

De tal forma, esperamos que seja possível a você entender as diferentes perspectivas econômicas
que discutem as políticas sociais. Realizaremos uma aproximação entre os ideais de tais doutrinas e
também em relação às expressões da questão social e sobre o papel conferido ao Estado.

1.2.1 Liberalismo

Saiba mais

Recomendamos os textos a seguir relacionados para obter mais


informações sobre os teóricos estudados:

HENRIQUES, M. C.; COSTA, M. A. Teoria política: John Locke. O segundo


tratado sobre o governo civil. 2000‑2010. Disponível em: <http://www.
arqnet.pt/portal/teoria/mch_locke.html>. Acesso em: 11 mar. 2013.

JEAN‑Jacques Rousseau:(1712‑1778). 1997‑2011. Disponível em: <http://


www.philosophypages.com/ph/rous.htm>. Acesso em 25 fev. 2013.

RIBEIRO, P. S. Maquiavel e a autonomia da política. 2002‑2013. Disponível


em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/ciencia‑politica‑maquiavel.
htm>. Acesso em: 1 mar. 2013.

Para uma compreensão do Liberalismo, iniciaremos com uma breve discussão sobre o que Behring
e Boschetti (2010, p. 57) denominam como “Pré‑liberalismo”. A discussão sobre o Pré‑liberalismo nos
remete a pensadores como Maquiavel, Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau. Por meio das
argumentações desses teóricos teremos uma noção do que as autoras entendem como Pré‑liberalismo.

Os ideais desses teóricos nasceram durante meados do século XVI e início do século XVIII, sendo
que nesse momento também experimentamos no mundo uma série de mudanças em relação às
compreensões antes hegemônicas sobre a vida em sociedade. É nesse período que o mundo assiste ao
declínio da doutrina da lei divina, que era uma forma de compreender o mundo, a vida social, como
vontade de Deus e difundida por muitas religiões, sobretudo a Católica. Com essa mudança, abre‑se a
possibilidade para que o ser humano busque outras explicações sobre o mundo que o circunda e sobre
os fenômenos cotidianos de sua vida (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

24
Tópicos de Atuação Profissional

Observação

Regime feudal: assentado na produção nos feudos e sociedade


estratificada em senhores feudais, servos e representantes da Igreja.

Regime capitalista: assentado no comércio de produtos e sociedade


dividida entre burgueses e trabalhadores.

Também nesse período temos o declínio da ordem feudal, antes hegemônica como modo de produção.
Agora, surge e se consolida o sistema capitalista de produção, ainda em sua forma mais rudimentar: o
capitalismo mercantilista, ou, conforme nos dizem as autoras, o estágio de “acumulação primitiva do
capital” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57).

Ou seja, é um período de muitas mudanças, inclusive no pensamento de determinados teóricos.


Comecemos por Maquiavel, famoso por ter escrito O Príncipe, em 1513, um verdadeiro tratado sobre o
papel do Estado.

Em seus escritos, Maquiavel propunha que o Estado fosse tido apenas como um mediador, um ente
necessário para garantir a civilização dos homens, a repressão dos indivíduos, seu controle, o controle de
suas paixões, que poderiam conduzi‑lo a atitudes negativas e que trariam prejuízo para o ser humano e
para toda a sociedade. Assim sendo, segundo Maquiavel, ao Estado “[...] caberia o controle das paixões,
ou seja, do desejo insaciável de vantagens materiais, próprias dos homens em estado de natureza”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57).

Para Maquiavel o Estado deveria centralizar o poder político, sendo permitido ao Estado tomar todas
as decisões, sem consultar o povo se elas fossem tidas como ações em prol do bem-estar da sociedade
como um todo. Apesar disso, Maquiavel defendia a república, mas isso não era necessário se o Estado
não julgasse como tal.

Partilhando dos ideais de Maquiavel, sobretudo no que concerne à necessidade de controle das
vontades individuais, temos também o trabalho de Hobbes. Grande parte dos postulados de Hobbes está
contida em seu famoso livro Leviathan, publicado em sua primeira edição nos idos dos anos de 1651
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Hobbes também defendia que o estado deveria ser constituído para que fosse possível controlar os homens.
Segundo sua visão, todos os seres humanos eram dotados de “apetites e aversões” (BEHRING; BOSCHETTI,
2010), que deveriam ser controlados porque o homem não poderia ser controlado apenas por suas vontades.

No caso, para Hobbes, em prol do bem comum, o indivíduo deveria abrir mão de sua individualidade
e submetê‑la ao controle irrestrito do Estado, descrito pelo autor como sendo o “soberano” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010). Assim, “[...] a sujeição seria uma opção racional para que os homens refreassem suas
paixões, num contexto em que o homem é o lobo do homem” (ibidem, p. 57).

25
Unidade I

Já para John Locke a sociedade era composta por homens que se agrupavam para se defender,
sobretudo contra a guerra. Locke se contrapunha à monarquia absoluta e propunha que o poder político
estivesse diluído na sociedade. Assim, o poder político deveria estar nas mãos dos homens, sujeitos
coletivos de uma determinada sociedade e não apenas do Estado.

No entanto, para que os sujeitos pudessem ter o poder político era necessário deter também a
propriedade privada, ou seja, havia uma perspectiva relacional entre o poder político e a propriedade
privada. Portanto, quem não detinha a propriedade privada não tinha acesso também ao poder político.
Aliás, a propriedade privada era compreendida por Locke como algo necessário para se oferecer uma
base sólida à sociedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Para Locke era necessário que os homens estabelecessem um pacto para que o bem comum fosse
alcançado. E esse bem comum, segundo Locke, só seria alcançado se todos os seres humanos o buscassem,
de forma igualitária. Cabia, portanto, ao indivíduo esforçar‑se para alcançar esse bem comum proposto.

E, por fim, chegamos ao pensamento de Jean‑Jacques Rousseau, que deriva dos demais acima
elencados, com algumas particularidades as quais trataremos no decurso desses escritos. Rousseau
tornou‑se especialmente popular ao buscar discorrer sobre o papel do Estado em seu célebre livro
Contrato Social, publicado em 1762, em sua primeira versão.

Behring e Boschetti (2010, p. 58) explicam que, para Rousseau, o homem era tabula rasa, ou seja, era
despido de maldades. Segundo esse filósofo, o homem era essencialmente bom, ou como o ele mesmo
afirmava, era o “bom selvagem”. Porém, para ser assim tão selvagem, necessitava do auxílio do Estado,
apenas para controlar esse homem para que não desenvolvesse um lado negativo.

Para Rousseau a sociedade fora corrompida pela propriedade privada, em decorrência de sua
supervalorização. O Estado, de acordo com essa perspectiva, fora criado apenas para garantir a propriedade
privada, atuando como um ente que buscava proteger os ricos e a sua propriedade. Rousseau propõe
uma inversão desses valores, sobre os quais a sociedade estava assentada.

Rousseau sugere que o Estado partilhe o poder com o povo e, nesse formato, o Estado deveria
representar a vontade de todos, a vontade geral, sendo que isso seria o “contrato social”, ou seja, “[...]
um Estado cujo poder reside no povo, na cidadania, por meio da vontade geral. Este é o contrato social”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 58).

Assim, para que fosse possível que a população escolhesse, deliberasse em conjunto, era necessário
que o Estado investisse na educação pública, na educação voltada para toda a população.

Para Rousseau o Estado era um “mal necessário” (apud BEHRING; BOCHETTI, 2010, p. 59), apenas
para regular a vida em sociedade, já que, segundo sua perspectiva, todo poder deveria emanar do povo.

Podemos dizer que esses teóricos seriam os principais idealizadores do Pré‑liberalismo, ou seja, dos ideais do
Liberalismo, que começou a desenvolver‑se apenas nos séculos XIX e XX. Antes de adentrarmos aos conceitos
do Liberalismo, vejamos a seguir a representação fotográfica de alguns dos teóricos por nós estudados.
26
Tópicos de Atuação Profissional

Figura 7 – Hobbes

Figura 8 – Locke

Figura 9 – Rousseau

27
Unidade I

Podemos realizar uma síntese, exposta na figura a seguir sobre os principais conceitos tratados por
esses teóricos. Vejamos:

Hobbes Locke Rousseau

Estado como Poder político Contrato Social


controlador das era relacionado à pautado na
vontades individuais propriedade privada vontade geral

Ser humano deveria Os homens


abdicar de sua Estado como
deveriam se agrupar
individualidade um mal necessário
pelo bem comum
em prol do Estado

Figura 10 – Síntese dos conceitos relacionados ao Pré‑liberalismo

Tendo tais colocações arroladas, passaremos agora a discorrer sobre o Liberalismo. Como já
mencionamos, o Liberalismo foi uma doutrina econômica que teve seu desenvolvimento a partir de
meados do século XIX e ganhou grande aceitação a partir dos primeiros anos do século XX. Nesse período
assistimos ao declínio dos governos autocráticos, do poder do clero e também do Estado absolutista.

Segundo essa doutrina econômica, o mercado deve ser capaz de atender a todas as necessidades
dos seres humanos. Essas necessidades podem ser contempladas pelo trabalho. Sendo assim, o trabalho
passa a ser compreendido como mercadoria e sua regulamentação deve ser determinada pelo livre
mercado (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Grandes teóricos que representaram o ideal liberal são David Ricardo e Adam Smith e grande parte das
contribuições desses autores derivaram dos estudiosos que vimos nos conteúdos relativos ao pré‑liberalismo.

Para Adam Smith (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010), cada indivíduo precisa agir em prol de seu
próprio interesse e assim buscar alcançar o seu bem‑estar. Somente quando cada indivíduo buscar sua
própria satisfação, será possível alcançar o bem‑estar de toda a sociedade. Esse bem‑estar individual
seria alcançado apenas no mercado, por meio do trabalho.

O Estado, por sua vez, de acordo com Smith, deveria fazer com que o funcionamento livre e ilimitado
do mercado fosse garantido. Seria uma intervenção específica, ou conforme destaca o autor, uma
intervenção por meio da “mão invisível do Estado” (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 56), que deveria
apenas fornecer a base legal para que o mercado se desenvolva e se expanda cada vez mais. Quando o
Estado desempenhar essas intervenções será possível ampliar os benefícios aos homens.

Smith propunha que o Estado não realizasse uma intervenção junto à vida dos indivíduos, mas
somente junto ao mercado. Assim, o autor não propunha a extinção do Estado. “Ao contrário, reafirmava
28
Tópicos de Atuação Profissional

a necessidade da existência de um corpo de leis e a ação do Estado que garantisse maior liberdade ao
mercado livre” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57).

Smith recomenda então um “Estado mínimo” interferindo na vida dos seres humanos, sendo que o
Estado deveria ser controlado pelos indivíduos e pela sociedade como um todo. “Trata‑se, portanto, de
um Estado mínimo, sob forte controle dos indivíduos que compõe a sociedade civil, na qual se localiza
a virtude” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 59).

Segundo a perspectiva de Smith, o Estado mínimo possuía apenas três funções a desempenhar, sendo
essas: “[...] a defesa contra os inimigos externos; a proteção de todo o indivíduo de ofensas dirigidas
por outros indivíduos; e o provimento de obras públicas, que não possam ser executadas pela iniciativa
privada” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 60). Ou seja, não se recomenda a intervenção do Estado junto
aos problemas sociais, mas apenas junto a funções básicas que instrumentalizem o mercado a produzir.

Competia assim ao indivíduo buscar desenvolver‑se e ter suas necessidades atendidas e não ao Estado.
Para esse autor, quando o indivíduo busca atender suas necessidades, o faz movido por sentimentos
éticos e morais, que seriam também uma forma de controle dos seres humanos. Assim, os sentimentos
morais e éticos orientariam o indivíduo a ter suas necessidades atendidas por meio do mercado.

Portanto Adam Smith percebe como um grande mérito o fato de os indivíduos, movidos por
sentimentos morais e éticos, buscarem atender suas necessidades por meio do mercado. Para ele,
é inerente ao ser humano a possibilidade de cada ser humano usar em seu próprio benefício suas
capacidades individuais, suas potencialidades. Portanto, competiria ao mercado também regular as
relações sociais, relações que eram estabelecidas entre os homens.

Behring e Boschetti (2010) afirmam ainda que para Smith há uma seleção natural do mercado
no sentido de escolher aqueles que serão a ele incorporados e aqueles que não conseguirão ter suas
necessidades contempladas por meio do mercado.

Ainda, segundo os mesmos autores (p. 61), o Liberalismo, proposto por Adam Smith, se peculiariza
por um intenso “darwinismo social”, no qual cada ser humano precisa mostrar‑se capaz de atender suas
necessidades sociais. Como se isso fosse natural à sociedade, algo inerente a ela e que não pudesse ser
mudado. No caso, os que não conseguem ter suas necessidades atendidas estão condicionados pela
seleção natural, onde apenas os mais fortes possuem condição de sobreviver.

Saiba mais

Sobre Adam Smith, recomendamos o texto:

LIBERALISMO econômico. 2002‑2013. Disponível em: <http://www.brasile


scola.com/economia/liberalismo‑economico.htm>. Acesso em: 20 fev. 2013.

29
Unidade I

Esse darwinismo social deriva também do pensamento de Malthus (apud BEHRING; BOSCHETTI,
2010). Para ele, havia mais pobres do que o normal, sendo que o autor até chega a propor o extermínio
desse segmento e propunha também que os pobres fossem vigiados, controlados e punidos, sendo que
isso deveria ser algo comum nas sociedades segundo o referido autor.

Para Malthus, o fato de haver uma quantidade elevada de pobres não deveria demandar uma ação do
Estado frente a tal situação. O Estado, segundo tal teórico, também não deveria interferir na regulação
do trabalho, ou seja, expressa, em grande medida, o ideal liberal. “Trata‑se da negação da política e,
em consequência, da política social que se realiza invadindo as relações de mercado [...]” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010, p. 61).

De forma que, apontando as principais características do Liberalismo, Behring e Boschetti (2010, pp.
61‑62), indicam as seguintes:

[...] predomínio do individualismo, o bem‑estar individual maximiza


o bem‑estar coletivo, predomínio da liberdade e da competitividade,
naturalização da miséria, predomínio da lei da necessidade, manutenção de
um Estado mínimo, as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício e a
política social deve ser um paliativo.

Mas, vejamos como podemos compreender cada um dos aspectos citados.

O predomínio do individualismo faz referência à crença de que o indivíduo, sendo ele um sujeito
que alcançou os direitos civis, tem liberdade de ir e vir, de adquirir e comercializar produtos, sendo
que sua liberdade individual é um componente essencial para o seu desenvolvimento na sociedade
capitalista. Como tal, o indivíduo tem a possibilidade de buscar alcançar o seu bem‑estar individual
e esse seria um requisito para que seja alcançado também o bem‑estar coletivo. No caso, depende de
cada indivíduo alcançar seu bem‑estar e colaborar assim para o bem‑estar da coletividade.

Os liberais ainda defendem que há um predomínio da liberdade e da competitividade,


compreendidas como forma de autonomia do indivíduo e de possibilidade de escolha frente às
possibilidades que lhes são postas. A competitividade é percebida como algo necessário para estimular
o comércio.

Figura ainda como compreensão liberal, a naturalização da miséria, ou seja, a miséria e a pobreza
são tidas pelos liberais como algo natural, inerente à nossa sociedade. A miséria é compreendida ainda
como resultado da amoralidade que perpassa a raça humana e não como uma desigualdade que é
gerada na sociedade capitalista consolidada. Atrelada a essa concepção temos o predomínio da lei
de necessidade, que corresponde à crença de que as necessidades humanas básicas não devem ser
totalmente contempladas visto que dessa forma será possível controlar o crescimento populacional e,
por conseguinte, colaborará com o controle da miséria.

A manutenção do Estado mínimo, tal como já apontamos, corresponde à compreensão de que o


Estado deve ser neutro, e desenvolver apenas ações que não possam ser empreendidas pelo mercado
30
Tópicos de Atuação Profissional

ou pela iniciativa privada. Por sua vez, as políticas sociais não devem ser empreendidas pelo Estado,
visto que tais ações estimulam o ócio e o desperdício, pois, para os liberais, as políticas sociais
desestimulam o indivíduo a trabalhar, e, por isso, são um risco à sociedade do mercado. Assim, as
políticas sociais deveriam ser ações paliativas destinadas apenas aos seres humanos que não teriam
condição de ingressar no mercado de trabalho por exemplo, crianças, idosos e pessoas com deficiência.
A pobreza, por sua vez, deveria ser administrada pela caridade privada e não pelo Estado.

Assim sendo, caberia a cada ser humano buscar atender as suas necessidades, e não ao Estado. Os
casos mais graves, no entanto, ficariam resignados à intervenção da caridade privada.

Com tais colocações chegamos ao fim de nossos estudos sobre o Liberalismo. Passaremos a discutir
sobre o Keynesianismo, que será uma forma diferenciada de compreender a política social. Antes disso,
observemos o texto a seguir e as questões a ele atribuídas.

Exemplo de aplicação

As políticas sociais do liberalismo

André Abrantes Amaral – Fev. 2009.

Anda por aí em voga a ideia de que é preciso mais Estado para proteger os cidadãos da crise.
Mais regulamentação da atividade laboral, mais proteção do trabalhador, maior controle das decisões
tomadas pelos empresários, da forma como estes devem gerir a sua empresa, como os bancos devem
conceder créditos. São inúmeros os exemplos, significativos dos ventos que correm e que tanta coragem
têm dado à esquerda para que volte a desejar, sem receio de parecer ridícula, o fim do capitalismo.

Junte‑se, a esta euforia, a ideia alicerçada até ao fundo da nossa consciência cívica de que os liberais
não cuidam dos mais desfavorecidos. Não se preocupam com as situações mais gritantes da miséria
humana, acreditando que toda a vida do homem é um percurso natural na evolução da condição
humana. Que basta o trabalho, o esforço e a fé no mercado para que tudo corra pelo melhor.

Não há, no entanto, nada mais errado. Ao contrário do que tem sido ponto assente, quanto maiores
as dificuldades para o despedimento, e que as forças de esquerda tanto preconizam, maior a dificuldade
na obtenção de emprego. Se tais medidas protegem quem tem trabalho, já prejudica quem não trabalha.
Qualquer homem e qualquer mulher que fique em casa sem nada fazer e desconhece como vai pagar
as contas no final desse mês. Da mesma forma, as licenças de maternidade/paternidade podem ter um
efeito contrário ao pretendido. Se protegem a mãe com emprego e que tem um filho, prejudica aquela
que, estando desempregada, engravida e dificilmente encontrará alguém disposta a contratá‑la. É, pois,
uma medida que também pode desincentivar à constituição de família e contribui, à sua maneira, para a
redução da natalidade. A desregulamentação é, pois e muitas vezes, a melhor forma de não discriminar
e, não discriminando, não prejudicar os cidadãos [...]

Fonte: Amaral (2009).

31
Unidade I

Após a leitura do texto, construa um texto argumentando em que medida o ideal liberal propõe ou
não uma redução nas intervenções relacionadas à pobreza.

1.2.2 Keynesianismo

Para compreender o que é proposto por essa doutrina econômica, será fundamental realizar também
uma incursão sobre o desenvolvimento econômico de um determinado momento histórico. Assim sendo,
todas as informações aqui tratadas serão de suma importância para a compreensão do keynesianismo.

Figura 11 – Keynes

A doutrina keynesianista foi idealizada por Keynes e grande expressão do seu pensamento encontra‑se
no livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que foi publicado no ano de 1936. Antes de
prosseguirmos na descrição das concepções de Keynes, precisamos retomar alguns acontecimentos
desse período e que condicionaram os postulados e recomendações desse autor.

Retomemos alguns fenômenos econômicos que se desenharam em todo mundo antes de 1936, ou
seja, antes da publicação da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Nesse momento vivenciamos
dois grandes fenômenos que irão influenciar sobremaneira o pensamento de Keynes, sendo um deles de
natureza política e outro de natureza econômica.

Segundo Couto (2010), no período em questão, temos a ampliação significativa de muitos movimentos
revolucionários europeus, em decorrência das precárias condições de vida que afetam grande parcela da
população, desde a classe trabalhadora até a população em geral. Esses movimentos foram organizados
na verdade no fim de 1848, sendo que o mais expressivo deles seria a Comuna Francesa, com grande
expressão a partir de 1871. Tais fenômenos de reivindicação tornam‑se ainda mais latentes no começo de
1900 e a pressão imposta por movimentos dessa natureza promoveu uma reflexão sobre a importância
do Estado, que será, como veremos, a pedra de toque do pensamento de Keynes.
32
Tópicos de Atuação Profissional

Vivenciamos também nesse momento um contexto de crise econômica que se inicia em meados da
década de 1920 e que vai ter seu grande apogeu no final da década de 1930. Grande expressão dessa
crise econômica foi a quebra da bolsa de Nova York, no ano de 1929 (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

No contexto da crise econômica de 1929 e do crescimento das desigualdades


e das tensões sociais inerentes ao capitalismo na sua fase monopolista,
surgiu no âmbito mundial a proposta do Estado social, que alcança sua
consolidação e desenvolvimento no pós‑guerra, notadamente nas décadas
de 1950 e 1960 (COUTO, 2010, p. 64).

A crise, segundo Behring e Boschetti (2010), é uma realidade que integra o sistema capitalista, ou
seja, as autoras nos dizem que faz parte desse sistema a ocorrência de crise. A crise é expressa por
meio da queda da taxa de extração do lucro, pela escassez de consumo e por uma série de fenômenos.
A crise acontece, no entanto, em momentos alternados, ou seja, o sistema capitalista não se mantém
somente com crises, mas, sim, com períodos alternados de expansão, desenvolvimento e estagnação.
Assim, durante a expansão temos altas taxas de lucro e elevados ganhos de produtividade, porém, nos
momentos de crise o quadro de expansão não se mantém.

As autoras nos dizem que as crises se tornam mais constantes no capitalismo em sua fase madura
e consolidada. O capitalismo em sua fase madura é descrito como aquele em que observamos um
intenso processo de monopolização que é subsidiado por intervenções do Estado para fazer com que o
capitalismo consiga produzir e alcançar as taxas de lucro. Essa fase de desenvolvimento do capitalismo
se consolida, sobretudo, após a Segunda Grande Guerra Mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

A crise que motivou Keynes a tecer suas considerações foi a de 1929. Para ele, em decorrência da
crise, seria necessária a intervenção do Estado para que fosse possível reativar a produção econômica.
Essa intervenção, conforme nos mostra Couto (2010, p. 65) deveria acontecer de uma forma planejada
previamente e, dessa forma, apenas a produção econômica seria reativada para que “condições de
acumulação capitalista [fossem] reestabelecidas”. Apesar de defender a liberdade individual e a
independência da produção do mercado, Keynes, delega uma grande responsabilidade ao Estado no
sentido de recuperar o desenvolvimento econômico.

Segundo Keynes, vivenciamos uma ineficiência por parte do mercado em escoar a produção. Assim,
não há pagamentos em circulação e isso amplia a crise. “Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando
tal insuficiência” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 85).

Para que essa intervenção do Estado acontecesse era recomendado que o referido ente federado
empreendesse uma regulação da política fiscal, creditícia e de gastos por meio de investimentos que
possam atuar nos períodos de crise e também em períodos de desenvolvimento capitalista buscando,
assim, conter o declínio da taxa de lucros.

Segundo as autoras, o Keynesianismo se assentava no princípio de que o Estado deveria gerar


empregos e proporcionar também serviços sociais públicos por meio das políticas sociais. No caso,
figura como recomendação keynesiana a possibilidade de se gerar o pleno emprego, ou emprego para
33
Unidade I

todos aqueles que tivessem em condição de trabalhar. Dessa forma, com grande parte da população
trabalhando, o consumo seria reativado.

No entanto, para os segmentos como idosos, deficientes e crianças, tidos por Keynes como
“incapazes para o trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 86), deveria ser constituída a política
social, sobretudo por meio de uma política de Assistência Social que atendesse as necessidades
desses segmentos. Dessa forma, mesmo os segmentos que não pudessem trabalhar, ou seja,
que não pudessem ter suas necessidades atendidas por meio do trabalho, poderiam tê‑las
contempladas por meio das políticas sociais. No sentido em questão, isso também tenderia a
ativar o consumo.

Saiba mais

Para conhecer melhor o assunto, recomendamos a leitura do texto:

PARALELO entre doutrina Keynesiana, Neoliberalismo, questões sociais


geradas pela transferência das responsabilidades do Estado à Sociedade Civil
e o Neokeynesianismo. Disponível em: <http://www1.univap.br/~gpaiva/
Pol_arquivos/POL‑02.htm>. Acesso em: 1 mar. 2013.

Keynes defendia que o ser humano deveria buscar atender suas necessidades por meio do mercado,
do trabalho, porém, quando isso não pudesse ser alcançado e, priorizando‑se sempre os segmentos
mais vulneráveis, é que o Estado deveria intervir por meio das políticas sociais. No caso é relevante
destacar que essa intervenção proposta por Keynes não tinha como foco atender esses segmentos em
decorrência da situação de vulnerabilidade social vivenciada e, sim, constituir uma série de mecanismos
para que o sistema capitalista recuperasse a extração do lucro e, portanto, superasse a crise que abalava
substancialmente tal sistema.

O objetivo era apenas modificar, reorientar o mercado para que ele mesmo se recuperasse e voltasse
a oferecer lucratividade. Couto (2010, p. 66) nos mostra que para isso o Estado deveria intervir:

— garantindo aos indivíduos e às famílias uma renda mínima,


independente do valor do trabalho ou de sua propriedade;

— restringindo o arco de insegurança, colocando os indivíduos e as


famílias em condições de fazer frente a certas contingências (por
exemplo, a doença, a velhice e a desocupação), que, de outra forma,
produziram as crises individuais e familiares;

— assegurando que a todos os cidadãos, sem distinção de status ou


classe, seja oferecida uma gama de serviços sociais.

34
Tópicos de Atuação Profissional

Dessa forma, seria possível que o sistema capitalista saísse da crise agora vivenciada. Para Keynes,
todas as ações deveriam considerar o limite da capacidade do Estado, ou seja, deveriam extrair ao
máximo, toda a capacidade estatal para se alcançar o que era esperado.

Behring e Boschetti (2010) afirmam que os postulados de Keynes sustentavam o modo de produção
capitalista que, na época, estava assentado no formato de produção Fordista. O Fordismo, de acordo com
Behring e Boschetti (2010) se caracteriza por um formato de produção em que a produção acontece
em massa, para um consumo também em massa. Também se assenta na afirmação de acordos coletivos
com os trabalhadores que possuem como enfoque a ampliação da produtividade.

As autoras afirmam ainda que o modo de produção Fordista também se peculiariza pela introdução da
linha de montagem e da eletricidade, o que tendeu a influenciar no sentido de ampliar significativamente
a produção. Elas apontam que, a partir do Fordismo, também com o objetivo de ampliar a produção, as
empresas começam a exercer um controle sobre o modo de vida e consumo dos trabalhadores, além do
momento de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

O Fordismo foi idealizado por Henry Ford, e, apesar de ter sido pensado nas primeiras décadas do
século XX, somente a partir do segundo pós‑guerra é que essa forma de produção foi intensificada em
todas as partes do globo. Conjuntamente, no mesmo período, os ideais de Keynes ganharam grande
aceitação no mundo.

Lembrete

Keynesianismo: doutrina econômica e social idealizada por Keynes.

Fordismo: formato de produção desenvolvido por Henry Ford.

De forma que o Keynesianismo associado ao Fordismo resultou, durante muito tempo, em um


crescimento econômico considerável. Contudo, esse crescimento não se sustentou e, em breve, esse
formato de produção foi sendo substituído por outro, assim como a perspectiva sobre as políticas sociais
também foi sendo substituída por outra. Mas isso será objeto de discussão em um próximo item, visto
que ainda temos considerações a traçar sobre o Keynesianismo.

Cabe destacar que, por meio dos serviços que são constituídos – as políticas sociais –, com o objetivo
de reativar o comércio, também se consegue manter, segundo Behring e Boschetti (2010), o pacto social
entre a classe burguesa e o Estado. Segundo esse pacto social, digamos assim, a classe trabalhadora e a
classe empobrecida precisam ter acesso a determinados serviços, proporcionados pelo Estado, para que
não se coloquem contrários à dominação capitalista e ao poder do Estado. Deste modo, a política social
é uma forma de coação e garante o pacto social, tornando possível manter a acumulação capitalista.

Behring e Boschetti (2010) também afirmam que o Keynesianismo só se mostra exequível em


decorrência de alguns fatores, dentre os quais apontam: o estabelecimento de políticas para gerar o
pleno emprego e o crescimento econômico em um mercado liberal; a constituição de serviços sociais,
35
Unidade I

para assim criar a demanda e ampliar o mercado de consumo; e o estabelecimento do chamado pacto
social, ou seja, um acordo estabelecido entre as classes sociais com o Estado.

Apesar de não ter havido um formato idêntico de aplicação dos postulados de Keynes pelo mundo,
convencionou‑se que esse formato de regulação estatal seria denominado pela terminologia de Welfare
State, ou Estado de Bem‑Estar Social. Em geral, esse formato foi adotado em vários países, mas, em que
pesem as diferenciações adotadas em cada formato de Welfare State, há algumas características que
são comuns nesse formato de gestão estatal.

Como não é objetivo de nossos estudos discutir exaustivamente os modelos adotados, descreveremos
apenas alguns, os mais comuns para que você possa compreender melhor de que tipo de Estado
estamos falando. É importante antes atentarmos ao fato de que esse padrão de Estado implantou‑se
primeiramente na Europa e depois foi sendo implantado também em outras partes do mundo.

Couto (2010) nos diz que foram os modelos adotados na Europa os mais próximos das recomendações
de Keynes, mas vejamos algumas das experiências.

A autora nos diz que nos Estados Unidos, Canadá e na Austrália o mais comum foi a adoção da
assistência, conferida pelo Estado, apenas às pessoas que fossem comprovadamente pobres. Grande
parte das intervenções, no entanto, ainda eram mantidas por meio de ações empreendidas por parte da
iniciativa privada.

Já na Austrália, França, Alemanha e Itália o que teria predominado é um Estado de Bem‑Estar Social
corporativista. O padrão corporativista figura como aquele em que os direitos sociais só são concedidos
para as famílias que não conseguem, por si mesmas, atender as necessidades básicas de seus membros,
ou seja, apenas em casos de extrema necessidade.

E tivemos ainda o formato social‑democrata, adotado em muitos países escandinavos, tais como a
Noruega, a Suécia e a Dinamarca. Nesse formato as intervenções eram organizadas por meio de serviços
sociais universais, pautados na igualdade, na desmercadorização dos direitos sociais e na busca por
alcançar‑se o pleno emprego, conforme o que era recomendado por Keynes em suas argumentações
(COUTO, 2010).

Em que pesem todos os modelos diferenciados organizados, podemos dizer que o Welfare State
se manifesta por meio de uma ampliação do orçamento social, pela ampliação da população idosa
economicamente ativa, o que resulta também na elevação de gastos com aposentadorias e também
com pensões. Também observamos que os Estados de tal natureza se peculiarizam por um crescimento
substancial dos programas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Porém, o Welfare State não se esgota
nessas manifestações.

A grande expressão do Welfare State está expressa no Plano Beveridge, que foi um documento
publicado na Inglaterra em 1942. Esse documento, que se propôs a realizar uma crítica ao padrão
adotado pelo Estado Inglês no que concerne aos seguros sociais, teceu ainda uma série de orientações
sobre a Seguridade Social.
36
Tópicos de Atuação Profissional

O Plano Beveridge destacava que caberia ao Estado a responsabilidade por manter as condições de
vida dignas por meio da regulação econômica e por meio da viabilização do acesso ao pleno emprego
por uma grande parcela da população brasileira.

De acordo com o Plano Beveridge, caberia também ao Estado a prestação de serviços sociais básicos
e universais, ou seja, extensivos a toda a população, cabendo‑lhe ainda a implantação de uma rede
de segurança, de proteção social, na qual a política de Assistência Social adquiriu especial destaque e
relevância (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Sintetizando nossas argumentações, observe a seguir a figura sobre os conteúdos tratados,


relacionados ao Keynesianismo:

Intervenção do
Estado na Economia

Idealizado
por Keynes

Intervenção por meio


de políticas sociais
Keynesianismo

Difundido
sobretudo no Subsidia o fordismo
segundo pós‑guerra

Figura 12 – Síntese dos conhecimentos sobre o Keynesianismo

Conforme podemos concluir, o Keynesianismo é uma doutrina econômica que defende a intervenção
estatal na regulação da economia e também na regulação da vida dos seres humanos, sendo que o
principal mecanismo que operacionaliza essa regulação é por meio dos serviços sociais, das políticas
sociais. Essa argumentação mostra‑se, no entanto, diferenciada em relação à concepção liberal por nós
já estudada.

Vejamos a seguir um texto onde a discussão sobre o Keynesianismo é trazida à baila na atualidade.

Exemplo de aplicação

Pensamento econômico

Keynes não defendia estado forte, destaca pesquisador. Essa é a ideia apresentada pelo economista
José Roberto Afonso em livro lançado neste mês. “Pensamento keynesiano foi mal interpretado”, diz autor

A crise financeira que estourou nos Estados Unidos em setembro de 2008 e as atuais turbulências por
que passa a Europa – que implicaram trilhões de dólares despejados pelo poder público no salvamento
37
Unidade I

de bancos, seguradoras e, no caso europeu, países – reacenderam as discussões sobre o papel do Estado
na economia. O debate está mais vivo que nunca. Na semana passada, milhares de pessoas foram às
ruas de cidades espanholas e gregas para pedir por “mais governo”. Dizeres em cartazes e hinos cantados
pela multidão criticaram cortes no orçamento e a redução de subvenções estatais. Como pano de fundo,
acadêmicos e alguns líderes políticos têm feito coro à população e clamam por mais John Maynard
Keynes [...] na condução da economia – em referência ao brilhante pensador que um dia ousou atribuir
ao Estado um papel fundamental em momentos de crise. A lembrança é pertinente – mas infelizmente
a maneira como Keynes é invocado distorce muitas de suas principais ideias.

Em 1936, Keynes escreveu uma de suas obras mais conhecidas, a Teoria Geral do Emprego, do Juro e
da Moeda. Em vez de repetir o mantra de que o Estado não deveria interferir na atividade em hipótese
alguma, o economista britânico afirmou que naqueles momentos em que a economia está à beira de
um colapso deveriam contribuir como indutores do investimento [...]

Fonte: Fernandes (2012).

Refletindo sobre o texto, à luz dos conteúdos tratados até o presente momento, construa uma
argumentação sobre a relevância da intervenção estatal na economia e também junto às expressões da
questão social.

No entanto, as concepções de Keynes entraram em declínio a partir de meados da década de 1970,


quando assistimos também a muitas mudanças na organização da produção capitalista. Behring e
Boschetti (2010) nos dizem que na verdade o que vivenciamos é o fim da possibilidade de combinar
acumulação capitalista, equidade e democracia. Isso nos conduz ao tema que debateremos no próximo
item de nosso material, e nos demonstra uma outra concepção possuída sobre as políticas sociais.

Saiba mais

Para apropriar‑se melhor de informações sobre o declínio do Welfare


State recomendamos o seguinte filme:

O ÓDIO. Dir. Mathieu Kassovitz. França: Canal +, 1995. 97 min.

1.2.3 Neoliberalismo

Nesse item estudaremos sobre o Neoliberalismo que será, como enunciamos, uma forma diferenciada
de compreender uma série de fenômenos, dentre os quais o papel assumido pelo Estado no que diz
respeito à política social e no que concerne à regulação econômica. Tal doutrina constitui uma série de
orientações sobre a necessidade de alteração na regulação econômica até então desempenhada pelo
Estado. Couto (2010, p. 69), no entanto, afirma que o Neoliberalismo não se esgota em discutir aspectos
econômicos, mas se configura como sendo um projeto “[...] ideológico, político e econômico [...]” que
traz influências para a vida em sociedade como um todo.
38
Tópicos de Atuação Profissional

Assim sendo, cabe destacar que o Neoliberalismo emerge a partir de meados da década de 1970, mas,
é na década de 1980 que essa doutrina ganha grande aceitação em todo o mundo, chegando inclusive a
ser difundida em grande parte dos meios de comunicação social. Grosseiramente, podemos dizer que o
Neoliberalismo nada mais é do que uma nova roupagem conferida aos ideais liberais, os quais também
já estudamos no início desse material. “Trata‑se do que ficou conhecido como Neoliberalismo por ser, de
fato, o liberalismo econômico revisitado e adaptado aos tempos atuais do capitalismo globalizado e da
produção flexível” (PEREIRA, 2008a, pp. 35‑36).

Porém, o Neoliberalismo surge em 1944, quando Friedrick Hayek publicou o Caminho da Servidão.
Nessa obra – e em outros escritos do autor –, era realizada uma forte campanha contrária ao Estado
de Bem‑Estar Social. No entanto, naquele período, as argumentações de Hayek não foram aceitas,
visto que naquele momento o keynesianismo havia proporcionado o crescimento econômico (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010).

Quando passou a ser aceito, os primeiros países a incorporarem a ótica neoliberal foram os Estados
Unidos, seguidos pela Inglaterra e pelo Chile, o primeiro país latino‑americano a aderir aos postulados
neoliberais. Behring e Boschetti (2010) precisam que a adesão ao Neoliberalismo teria acontecido de
acordo com a seguinte cronologia: Thatcher na Inglaterra em 1979; Reagan nos Estados Unidos em
1980; Khol na Alemanhã em 1982; e Schutter em 1983, na Dinamarca. Desses, o que mais colocou em
prática os ideais conforme postulado pela escola neoliberal foi o governo inglês.

Lembrete

Liberalismo: doutrina econômica que propõe a não intervenção do


Estado nas expressões da questão social

De forma que, precisamos entender o momento capitalista vivenciado e levar em conta que no
período em questão observamos outra crise desse sistema, ocorrida na década de 1970. Essa crise foi
comparada à experimentada na década de 1930, porém, nesse caso, o grande responsável pela situação
de crise era o comércio do petróleo. Nesse momento, observamos ainda a ampliação massiva do
desemprego, o que conduz uma situação que já estava ruim a limites de precariedade, ou seja, torna‑se
uma crise com maiores prejuízos a uma parcela significativa da população mundial.

Na verdade, a partir daí, o desemprego passa a ser crescente, numa dinâmica


na qual em cada recessão ele aumenta, sem ser revertido na retomada,
considerando pequenos ciclos dentro da onda longa depressiva (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010, p. 117).

Isso porque, conforme já mencionamos, as crises capitalistas eram alternadas com processos
de desenvolvimento. Até a década de 1970, quando essas crises aconteciam, nos períodos de
desenvolvimento, de crescimento econômico, o emprego era reestabelecido, ao menos para
uma parcela da população. A partir dessa crise, no entanto, cada vez mais se torna difícil o
reestabelecimento dos níveis de emprego.
39
Unidade I

Couto (2010) afirma que essa crise no modo de produção capitalista evidencia, mais uma vez, a
tendência na queda da extração do lucro. A autora também nos indica que partindo dessa mudança no
padrão de extração do lucro, há também uma alteração no formato da produção, em que o fordismo vai
sendo substituído pelo toyotismo.

A esse respeito, Antunes (2003) esclarece que essa nova forma de produzir veio da fábrica da Toyota,
no Japão, por volta de 1945. Esse formato de produção propunha que se produzisse de acordo com a
demanda e não em massa, como era empreendido sobre as bases fordistas.

Além disso, a partir de então, tanto a produção se torna flexível quanto o trabalho, e todo o processo
produtivo passa a ser fortemente influenciado pela introdução da tecnologia de base microeletrônica
e robótica. Já não há mais a necessidade de que um produto seja desenvolvido em sua totalidade em
uma fábrica, pois ele pode ser produzido em várias partes do globo terrestre, desde que isso represente
alguma possibilidade capitalista de extração de lucros. É necessário ainda observar que o trabalho
também se torna flexível, ou seja, são criadas novas formas de trabalho, para além do emprego formal
tal como conhecemos.

Saiba mais

Para saber mais sobre o assunto, é interessante recorrer ao filme:

OU TUDO ou nada. Dir. Peter Cattaneo. Reino Unido: Redwave Films,


1997. 96 minutos.

O processo produtivo, de acordo com o Toyotismo passa ainda a enfatizar a necessidade de adesão
dos trabalhadores aos objetivos das empresas, fazendo com que tais trabalhadores sejam subjetivamente
cooptados sem perceberem de fato o que estaria acontecendo com eles. Há ainda grande valorização
para o trabalho em equipe e para o trabalhador que consegue se adequar nesses processos de trabalho
diferentes. Emerge ainda o profissional polivalente, popular “faz tudo”, tido como um profissional
inovador para o mercado (ANTUNES, 2003).

A ótica do trabalho no Toyotismo passa a ser comandada pela perspectiva do melhor aproveitamento
do tempo para a produção, evitando‑se desperdícios, ou melhor dizendo, sob a influência do conceito
do Just‑in‑time. O aproveitamento do tempo na produção é também influenciado pelos conceitos de
qualidade total, ou seja, não basta fazer muito e em pouco tempo, também é necessário fazer um
produto com qualidade e, portanto, com condições de competir no mercado.

Antunes (2003), no entanto, nos chama a atenção para as consequências que esse novo formato
de produção traz para a classe trabalhadora: temos uma redução significativa dos postos de trabalho
formais. O trabalho torna‑se então informal, sendo agora mais comuns o subemprego, a prestação de
serviços e a terceirização. São adotadas novas modalidades de emprego em lugar do emprego formal,
tendo como foco a redução de custos no processo de trabalho. Essa redução de custos é operacionalizada,

40
Tópicos de Atuação Profissional

sobretudo, por meio da redução e do fim dos direitos trabalhistas, que haviam sido conquistados com
muita luta e que agora só são garantidos aos trabalhadores que possuem um emprego formal.

O trabalho feminino, por sua vez, tende a crescer, mas o salário pago às mulheres ainda se mantém
inferior se comparado ao dos homens e continua apresentando condições extremamente precárias. Já
os jovens e os idosos passam a ser excluídos do mercado de trabalho, já que não apresentam condições
para produzir, um em decorrência de sua inexperiência e outro em virtude das dificuldades que lhes são
apresentadas pela idade. Por outro lado, há uma inclusão precoce de crianças no mercado informal de
trabalho, restaurando formas de trabalho muitas vezes já proibidas, segundo a legislação vigente em
nosso país (ANTUNES, 2003).

Portanto, esse novo formato do processo produtivo tende a resultar no desemprego massivo de
grandes parcelas da população ou então em sua colocação em subempregos ou na prestação de serviços.
Com isso, para aqueles que continuam trabalhando, há uma tendência no declínio dos salários e para
os que se encaixam nos subempregos e na prestação de serviços não há garantia de salário algum, além
de serem obrigados a abrir mão dos direitos trabalhistas. Os únicos cargos que são mantidos com bons
salários e direitos trabalhistas são aqueles vinculados aos gestores das empresas capitalistas ou então
dos burgueses proprietários dessas mesmas empresas.

Veja a seguir uma notícia em que uma das expressões nocivas desse novo formato de produção é
representada.

Exemplo de aplicação

Demissão em massa de funcionários de banco provoca manifestação

06/12/2012

O Santander em Teresina não funcionará das 8 às 12h nesta sexta‑feira (7).

O protesto acontece nas agências instaladas na Rua Álvaro Mendes.

Funcionários do banco Santander em Teresina irão interromper as atividades nesta sexta‑feira (7)
para protestar contra uma possível demissão em massa. Segundo informações de Edvaldo Cunha, diretor
regional do sindicato dos bancários, as duas agências do Santander instaladas na Rua Álvaro Mendes
ficarão fechadas das 8 às 12h.

Conforme o sindicalista, na segunda‑feira (3), o Santander de Teresina demitiu de uma só vez cinco
funcionários, que segundo ele são pessoas que dedicaram de 24 a 28 anos de suas vidas ao banco.

“Foram demitidos os bancários mais antigos, entre 45 e 50 anos de idade, pais de família, inclusive
um deles com enfermidade. Além disso, tivemos informação de que o banco prosseguirá as demissões
nesta sexta‑feira (7) e que pode atingir cerca de 5 mil funcionários em todo país. Isso é um absurdo,
pois os trabalhadores brasileiros são os principais responsáveis pela maior fatia do resultado global da
41
Unidade I

empresa (26%). O banco não demite na Espanha onde há crise, nem em outros países da América Latina.
Não aceitamos que dispensem os funcionários daqui”, disse Edvaldo.

Ainda de acordo com diretor, as demissões estão acontecendo sem justa causa e a empresa não
informa os motivos dos desligamentos. “Estas demissões estão acontecendo em todos os estados. Eles
não informam os motivos pelos quais as pessoas estão encerrando os contratos apenas desligam sem
prestar nenhum esclarecimento ao funcionário”.

O G1 Piauí entrou em contato com duas agências na capital e foi informado de que somente a
direção nacional do banco poderá comentar sobre as demissões e paralisação. Ninguém da assessoria de
imprensa foi encontrada para falar sobre o caso.

Fonte: Araújo (2012).

Essa notícia é representativa da retração dos postos de trabalho na contemporaneidade. Como você
percebe a redução dos postos de trabalho, sobretudo dos relacionados aos trabalhadores com grande
tempo de trabalho e possivelmente com uma idade já avançada? Há uma relação entre os conteúdos
tratados por Antunes (2003) e a realidade observada na notícia transcrita anteriormente? Argumente.

Cabe destacar que todas essas alterações no processo produtivo são operacionalizadas em decorrência
da necessidade gerada pelo sistema capitalista de recuperar o lucro, recuperar o crescimento econômico
e assim consequentemente superar a crise econômica que havia sido constituída.

No entanto, quando essa crise se torna latente muitos teóricos começam a se perguntar sobre
os possíveis motivos da crise capitalista. Encontram como resposta a possível pergunta sobre a
responsabilização do Estado. Assim, o Estado interventor, recomendado por Keynes passa a ser
compreendido como sendo o grande responsável pela instauração da crise capitalista vivenciada
(PEREIRA, 2008a), ou, conforme nos diz Couto (2010), a crise é decorrente do excesso de poder, de
controle que é exercido pelo Estado.

De tal forma, constroem uma série de argumentos para sustentar essa responsabilização por parte
do Estado, no sentido de atribuir‑lhe a crise capitalista vivenciada. Dentre os argumentos, segundo
Pereira (2008a), destacam‑se aqueles de natureza econômica e os de natureza ética, digamos assim. Os
de natureza econômica estão vinculados a explicações sobre a insuficiência econômica que o Estado
pode causar se intervier na regulação da vida social por meio das políticas sociais. Já os argumentos
éticos buscam destacar que a intervenção estatal por meio das políticas sociais tem um caráter antiético
ou amoral. Mas, vejamos de uma forma mais detalhada tais argumentos.

Os argumentos relacionados à questão econômica, segundo Pereira (2008a), sustentam que o


Estado, ao investir em política social, tem gastos elevados e isso seria ruim para a economia, para
o mercado. Assim sendo, seria necessário que o Estado reduzisse a sua intervenção na política
social, ou melhor dizendo, seria necessário “[...] cortar substancialmente o gasto público” (PEREIRA,
2008a, p. 36).

42
Tópicos de Atuação Profissional

De acordo com essa perspectiva, a regulação do Estado cercearia o livre mercado e, dessa forma,
impediria o desenvolvimento econômico da sociedade capitalista, além de provocar uma diminuição na
criação de empregos, o que por sua vez tenderia a deixar a crise mais aguda.

E, além disso, segundo essa perspectiva, a proteção social, por meio das políticas sociais, estimularia
o consumo da classe trabalhadora e isso não seria recomendado, visto que o ideal seria que essa classe
poupasse e não que passasse a consumir e a gastar tudo o que ganhasse.

Assim sendo, todos os problemas econômicos só poderiam ser minimizados se a intervenção estatal,
por meio das políticas sociais, fosse minimizada.

Já os argumentos éticos deslocam a explicação para os resultados prejudiciais para a economia, mas
orientam sua análise para uma dimensão diferenciada, conforme poderemos demonstrar em nossas
explicações no decurso desse texto.

Segundo essa visão, o Estado, ao intervir por meio das políticas sociais, estaria negando aos usuários
dos serviços sociais as oportunidades de escolha, já que os beneficiados por intervenções de tal natureza,
via de regra, são atendidos por benefícios que possuem o mesmo formato para todos (PEREIRA, 2008a).

Asseveram ainda que o Estado Social, ou seja, o Estado que intervém por meio das políticas sociais
conforme fora idealizado por Keynes, mostra‑se insuficiente para atender a demanda que lhe é imposta.
De acordo com essa concepção, o Estado é tido como incapaz de atender a demanda posta a ele.

Pereira (2008a) afirma que se acredita também que o Estado Social torna‑se excessivamente
paternalista e, devido a isso, estaria estimulando o ócio daqueles a quem atende. Dessa forma, não
seria possível que os seres humanos buscassem satisfazer suas necessidades por meio do mercado, do
trabalho, já que se acostumariam a ter suas necessidades atendidas pelo Estado.

Estado este que, ao transgredir o princípio da liberdade individual, teria


criado condições objetivas de desestímulo aos homens para o trabalho
produtivo, uma vez que acabavam escolhendo viver sob as benesses do
aparelho estatal do que trabalhar (COUTO, 2010, p. 69).

As políticas sociais deixam de ser compreendidas como um direito social dos seres humanos, visto
que são tratadas como se fossem algo prejudicial ao desenvolvimento do indivíduo. Somente quando
a pessoa conseguisse atender suas necessidades por meio do mercado é que seu desenvolvimento
aconteceria de uma forma não prejudicial.

Além disso, segundo a autora, os argumentos dessa perspectiva ainda defendem que o Estado Social
gastaria demais com políticas sociais, o que tenderia a onerar o orçamento e que o Estado de Bem‑Estar
Social é tido como um órgão extremamente corrupto.

Behring (2008, p. 58), por sua vez, afirma que o argumento neoliberal busca enfocar os “perigosos
efeitos” que o Estado de Bem‑Estar Social ou Welfare State, causam na organização econômica e
43
Unidade I

também na organização social. No caso, indica que sob o argumento neoliberal, o Estado de Bem‑Estar
Social provocaria “[...] a desmotivação, a concorrência desleal (porque protegida), a baixa produtividade,
a burocratização, a sobrecarga de demandas, o excesso de expectativas” (BEHRING, 2008, p. 58).

Iamamoto (2001) propõe que há um processo de “satanização” do Estado, visto que tudo que é
relacionado ao Estado é tido como de qualidade precária, ao passo que o que é ligado ao mercado e
à esfera privada é compreendido como algo de qualidade superior. Iamamoto (2001) afirma que esse
argumento sustenta tanto a retração estatal como a privatização de uma série de empresas públicas,
porém, empresas públicas que podem oferecer lucro ao mercado privado. Podemos citar, a título de
exemplo, a privatização do banco Banespa, hoje Santander, e do sistema de telefonia nos mais diferentes
estados brasileiros.

Segundo o argumento neoliberal, na sociedade contemporânea se mostra necessário que


exista “mais mercado livre e menos Estado Social” (BEHRING, 2008, p. 58), sendo que a ótica dessa
argumentação confere um destaque, uma supremacia ao mercado e às iniciativas que figuram na
ótica do privado.

O resultado disso seria a:

[...] retirada do Estado como agente econômico, dissolução do coletivo e do


público em nome da liberdade econômica e do individualismo, corte dos
benefícios sociais, degradação dos serviços públicos, desregulamentação do
mercado de trabalho, desaparição dos direitos históricos dos trabalhadores;
estes são os componentes regressivos das posições neoliberais no campo
social, que alguns se atrevem a propugnar com traços de pós‑modernidade
(MONTES, 1996, p. 38, apud BEHRING, 2008, p. 56).

Para o neoliberalismo, somente dessa forma seria possível uma reorganização social e econômica de
nossa sociedade.

Há assim uma proposta pela reforma do Estado. Argumenta‑se que o Estado no formato proposto
pelo Welfare State torne os países ingovernáveis e, por isso, se faz necessária a operacionalização de
uma reforma. Iamamoto (2001) nos diz que a partir das reformas, o Estado deve deixar uma gestão
tida como burocrática e assumir uma gestão gerencial, que seria uma administração de modo “[...]
descentralizado, voltado para a eficiência, o controle dos resultados com ênfase na redução dos custos,
na qualidade e na produtividade” (IAMAMOTO, 2001, p. 120).

Figura como padrão nesse formato gerencial de Estado o estímulo aos processos de
descentralização político‑administrativa, a ênfase conferida à sociedade civil e uma série de
processos que buscam retirar do Estado suas responsabilidades no tratamento conferido às
expressões da questão social, ou seja, sobretudo no que diz respeito à execução de políticas sociais
universais. O Estado passa a atuar apenas como um promotor do desenvolvimento e atua nos
setores em que o mercado não tem interesse em atuar. As atividades rentáveis, por sua vez, são
transferidas para o mercado (IAMAMOTO, 2001).
44
Tópicos de Atuação Profissional

No caso, deixa de importar agora o sentido das reformas e tampouco seria importante se houvesse
ou não consequências sociais, sobretudo no que diz respeito à minimização das políticas sociais. O
importante seria adequar o Estado às necessidades capitalistas do momento. Behring (2008) afirma que
essa reforma seria, na verdade, uma necessidade eminente para que os países adentrassem na nova fase
do capitalismo, sendo essa fase pautada na reestruturação produtiva e na mundialização do capital, ou
seja, na globalização econômica.

Behring (2008) denomina esse processo com o termo “contrarreforma”, já que, segundo a
autora, há uma busca por retomar o passado do pensamento neoliberal, que é como sabemos,
o pensamento liberal. Argumenta‑se que o Estado vivencia a chamada crise fiscal, que seria
resultado do elevado custo da manutenção do sistema de proteção social, ou seja, do montante
de recurso, do fundo público, destinado à manutenção desse sistema. Porém, como o Estado
investe na infraestrutura para o mercado privado, o que temos na verdade é uma destinação do
fundo público para a esfera privada.

A grande expressão do ideal neoliberal é o chamado Consenso de Washington, que foi um


documento elaborado em uma reunião ocorrida nos idos de 1989, em Washington, e na qual estavam
presentes representantes dos países mais desenvolvidos economicamente, além de emissários de
importantes órgãos de créditos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID).

Tal reunião fora organizada para discutir mecanismos de superação da crise econômica, sendo
que umas das alternativas apontadas pelos que estavam ali reunidos era a redução da intervenção
estatal, sobretudo no que diz respeito à intervenção junto às políticas sociais. É importante destacar
que essa redução da intervenção estatal passou a ser algo esperado de todos os países ali reunidos
e mais: os países em desenvolvimento também precisariam aderir ao receituário do Consenso
de Washington. Caso esses países não aderissem aos postulados do Consenso e se futuramente
desejassem empréstimos dos organismos como o FMI e o BID, poderiam ter a recusa por parte
desses organismos.

Assim, de acordo com essa perspectiva, não há necessidade de uma política social. Aliás, não é sequer
permitido que o Estado intervenha nesse sentido. Por isso, a política social conquistada nos anos do
Welfare State perde aos poucos seu direito universal e passa a ser novamente uma intervenção, residual
e específica (COUTO, 2010).

Passa ainda a ser destinada, dentre os pobres, aos mais pobres e pautada sobretudo em intervenções
empreendidas pela caridade privada ou por ações levadas a cabo pelas chamadas organizações não
governamentais.

Retoma‑se a política da meritocracia, onde ser pobre é atributo de acesso a programas sociais,
que devem ser estruturados na lógica da concessão e das dádivas, contrapondo‑se ao direito
(COUTO, 2010, p. 71).

45
Unidade I

Saiba mais

Recomendamos a leitura do texto indicado a seguir, a fim de conhecer


mais sobre as mudanças nas políticas sociais a partir da influência neoliberal.

PEREIRA, J. D.; SILVA, S. S. S.; PATRIOTA, L. M. Políticas sociais no


contexto neoliberal: focalização e desmonte dos direitos. Qualit@s –
Revista Eletrônica – ed. esp., 2012. Disponível em: <http://revista.uepb.edu.
br/index.php/qualitas/article/viewFile/64/56>. Acesso em: 27 dez. 2012.

Couto (2010) ainda descreve que o Neoliberalismo encampa três propostas principais, e tais propostas
são implementadas pelos Estados, dentre os quais o Estado brasileiro. As propostas descritas pelo autor
referem‑se a uma busca excessiva pela reversão das nacionalizações organizadas no segundo pós‑guerra
pelo Estado, além de uma desregulamentação das atividades econômicas e sobretudo das sociais, que antes
eram desenvolvidas predominantemente pelo Estado, e a transformação dos serviços sociais universais em
serviços sociais particulares, por meio dos benefícios sociais pautados em uma série de critérios seletivos.

Behring (2008), explicando o mesmo processo, nos diz que se busca, sob a ótica neoliberal, a promoção
de uma dissolução do Estado e do capital nacional, o que resulta, por sua vez, na privatização dos serviços
sociais e das empresas públicas rentáveis. Behring e Boschetti (2010) afirmam que na ótica de privatização
dos serviços e políticas sociais o que temos é a privatização apenas na área da saúde e da previdência
social, pois, ao serem administradas pela iniciativa privada, podem vir a oferecer lucro ao mercado.

No entanto, para os serviços sociais que ainda permanecem sendo executados pelo Estado, a ótica
que prevalece é a da seleção, da triagem, tendo em vista a retração dos recursos do orçamento social.

O fato é que essa reversão às nacionalizações descrita por Couto (2010) e por Behring (2008) resulta
em uma incapacidade, por parte do Estado, em manter empresas nacionais lucrativas. Desse modo,
“Os Estados nacionais têm dificuldade em desenvolver políticas industriais, restringindo‑se a tornar os
territórios nacionais mais atrativos às inversões estrangeiras” (BEHRING, 2008, p. 59).

Para isso, os Estados passam a investir em uma série de mecanismos que tornem o país e as empresas
nacionais interessantes ao mercado, sobretudo ao mercado internacional. No caso, o Estado torna‑se
mínimo para as políticas sociais, mas máximo para o capital investido, que assume uma série de funções
econômicas para garantir a lucratividade do mercado, sendo uma delas a garantia de infraestrutura
mínima necessária às empresas capitalistas.

Dentro disso, os Estados nacionais restringem‑se a: cobrir o custo de


algumas infraestruturas (sobre as quais não há interesse de investimento
privado), aplicar incentivos fiscais, garantir escoamentos suficientes e
institucionalizar processos de liberalização e desregulamentação, em nome
da competitividade (BEHRING, 2008,p. 59).

46
Tópicos de Atuação Profissional

O Estado precisa ainda ser forte, enfatizando a necessidade de manutenção da lei e da ordem,
buscando assim afastar as possibilidades de expressões populares contrárias à ordem vigente ou
estabelecida.

Vimos que os ideais neoliberais foram rapidamente aceitos em grande parte dos Estados. No Brasil,
de acordo com Couto (2010), foi a partir do governo de Fernando Collor de Mello que esses ideais
ganharam terreno e durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso grande parte deles foram
implantados.

Couto (2010) afirma que, além da privatização dos serviços sociais e do seu sucateamento, temos
uma intensa privatização das empresas públicas rentáveis, sobretudo na gestão de Fernando Henrique
Cardoso.

Concluindo, o que percebemos é que sob influência de postulados neoliberais a política social perde
sua relevância e importância e, aliás, passa a ser compreendida como um mecanismo que não deve ser
utilizado pelo Estado sob o argumento de trazer prejuízos ao mercado e também aos indivíduos que são
beneficiários dos serviços. Instaura‑se a ótica da política social “focalizada, centralizada e privatizada”
(IAMAMOTO, 2001, p. 36), desenvolvida agora segundo a “ótica do contador” (IAMAMOTO, 2001, p. 37) em
que se importa apenas a viabilidade financeira no desenvolvimento das ações e não o seu alcance social.

Essa é a lógica contábil, da “ entrada” e “saída” de dinheiro, do balanço que se


erige como exemplar, em detrimento da lógica dos direitos, da democracia,
da defesa dos interesses coletivos da sociedade, a que as prioridades
orçamentárias deveriam submeter‑se (IAMAMOTO, 2001, p. 37).

Ou seja, interessa apenas a atenção da necessidade capitalista.

A seguir, uma figura por nós elaborada a fim de sistematizar os conhecimentos tratados até o
presente momento. Vejamos:

Política social
específica

Contrário à
intervenção estatal
na economia

Privatizações de
empresas públicas
Neoliberalismo

Contrário à Recuperação da
intervenção estatal caridade privada
na política social

Figura 13 – Síntese dos conhecimentos sobre Neoliberalismo

47
Unidade I

Concluindo nossas considerações, na sequência realize uma reflexão sobre o texto que segue:

Exemplo de aplicação

Corte de gastos para conter crise internacional tem afetado conquistas sociais, diz Dilma –
11/12/2012

Danilo Macedo
Repórter da AgênciaBrasil

Brasília – A presidenta Dilma Rousseff disse hoje (11) que “o corte radical de gastos” feito pelos
governos de países desenvolvidos tem afetado as conquistas sociais alcançadas pela população após a
2ª Grande Guerra Mundial. Segundo a presidenta, a melhor saída para a crise é o caminho que busca
aliar os necessários ajustes fiscais e o estímulo ao investimento e ao consumo.

“Nós, países emergentes, demonstramos maior capacidade de recuperação, pois temos hoje uma
maior estabilidade macroeconômica e não vacilamos em lançar mão de incentivos fiscais para reduzir
os impactos da crise”, disse Dilma na abertura do Fórum pelo Progresso Social – O Crescimento como
Saída para a Crise, em Paris. O evento foi organizado pelo Instituto Lula e pela Fundação Jean Jaurès.

A presidenta destacou a experiência latino‑americana. “Todos nós, da América Latina, que fomos
submetidos a um grave ajuste ao longo de duas décadas, sabemos que o corte radical de gastos afeta
não só a economia, mas, sobretudo, compromete o futuro de nossa gente”. Para ela, na Europa, os
cortes “têm afetado igualmente uma das maiores obras políticas do mundo, que foi a criação da União
Europeia e da zona do euro”.

Para Dilma, a superação da crise pela União Europeia passa por muita cooperação, diálogo e
compromisso dos governos – como defendeu o presidente da França, François Hollande, antes do
discurso da colega brasileira –, e também por uma união bancária, com um Banco Central com poderes
para defender o euro, emitir títulos e emprestar recursos em última instância.

A presidenta disse que a superação da crise também passa, necessariamente, pela construção de um
novo mundo e que, dificilmente, haverá uma oportunidade para se tomar um caminho com ações mais
progressistas e menos ortodoxas.

Apesar de os países emergentes estarem superando de forma menos traumática a crise, Dilma
ressaltou que todos vivem em um mundo interconectado e entrelaçado e que as decisões tomadas em
qualquer parte afetam a todos. “Diante disso concordamos com o fato de que a opção preferencial por
política ortodoxa, na maioria dos países desenvolvidos, não tem resolvido o problema da crise: nem seu
aspecto fiscal nem seu aspecto financeiro. Pelo contrário, o que nós vemos é o agravamento da recessão,
o aumento do desemprego, o aumento do desemprego entre os jovens, a desesperança e o desalento”.

Fonte: Macedo (2012).

48
Tópicos de Atuação Profissional

Reflita e argumente sobre a questão: há uma ética em reduzir gastos sociais para atender à
necessidade do sistema econômico?

Concluímos assim nossos estudos sobre as diferentes concepções sobre a política social. Na sequência
passaremos a discutir sobre a questão social e sobre a consolidação das políticas sociais.

2 A questão social e a consolidação das políticas sociais

Prezado aluno, tal como enunciamos diversas vezes nessa unidade inicial, buscaremos agora a
compreensão acerca da relação estabelecida entre a questão social, em suas múltiplas formas de expressão,
e a consolidação das políticas sociais. Reforçamos que a noção de questão social é fundamental para
nós, assistentes sociais, já que, conforme sabemos, ela constitui a matéria‑prima de nossa intervenção,
conforme as definições de Iamamoto (2001).

Antes de prosseguirmos com nossos estudos, no entanto, recomendamos a observação da imagem


a seguir:

Figura 14

Ela é representativa de uma das muitas expressões da questão social, mas não a única. Aliás, no início
desse material apresentamos outra imagem que traz também uma representação da questão social,
de forma que podemos definir grosseiramente a questão social como sendo uma série de fenômenos
prejudiciais ao ser humano e que são ampliados a partir do desenvolvimento da sociedade capitalista.

Com tal colocação poderemos dar andamento aos nossos estudos. Nesse subitem realizaremos uma
discussão sobre a questão social, tal como enunciamos e sobre as políticas sociais, mas será necessário
também retomar alguns conteúdos relacionados ao desenvolvimento da sociedade capitalista, a fim de
que possamos, de fato, discutir o assunto a que nos propomos. Iniciemos com algumas reflexões sobre
a questão social.

De acordo com Netto (2001), o termo questão social surgiu no século XIX, na Europa Ocidental,
utilizado inicialmente para designar o pauperismo que se tornava latente durante a organização do
capitalismo industrial. Segundo o autor, embora a pobreza sempre tenha existido, com a aglomeração
49
Unidade I

das pessoas nos centros urbanos ela se tornou mais visível – antes aparecia, de certa forma, dissolvida.
As pessoas, a partir desse momento, em virtude do trabalho nas indústrias, estavam obrigadas a conviver
de uma forma mais próxima, diferentemente do que acontecia quando a produção e o trabalho estavam
concentrados no feudo.

As definições propostas por Netto (2001) são importantes porque conferem historicidade às
expressões da questão social. Behring e Boschetti (2010) nos dizem que compreender a historicidade
da questão social, ou seja, seu desenvolvimento histórico‑social é condição fundamental para sua
interpretação. No caso, as autoras, ao discutirem tais conceitos, nos dizem que as grandes expressões da
questão social aconteceram no século XIX, com as lutas dos trabalhadores reivindicando melhorias nas
condições laborais, assim como fora exposto por Netto (2001).

Porém, para a autora o surgimento da questão social está na sociedade capitalista, ou seja,
compreendendo a dimensão histórica de origem da questão social precisamos entender que está
diretamente relacionada às desigualdades que são produzidas pela sociedade capitalista. Sua ampliação,
no entanto, está condicionada ao estágio monopolista do capitalismo.

Contudo, sua gênese está na maneira com que os homens se organizaram


para produzir num determinado momento histórico, como vimos, o de
constituição das relações sociais capitalistas‑ e que tem continuidade na
esfera da reprodução social (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 52).

No entanto, inicialmente, com o surgimento do termo, esperava‑se esconder os problemas sociais


que resultavam do desenvolvimento capitalista (tal como compreendemos atualmente) e, sendo
assim, o termo foi utilizado pelo pensamento conservador. Não se compreendida a gênese da questão
social como relacionada ao desenvolvimento capitalista. No caso, a questão social era compreendida
como se fosse algo natural, algo que não podia ser alterado ou mudado, ou então como se fosse falta
de caráter ou moral. No sentido em voga, a única possibilidade de superação da questão social, de
acordo com o pensamento conservador, seria a mudança de caráter dos que eram acometidos por ela
(NETTO, 2001).

Entretanto, com o tempo, foi sendo atribuída uma nova conceituação à questão social, aos problemas
sociais. Isso porque se começou a compreender que a questão social é apenas o resultado das mazelas
que são geradas pela sociedade capitalista e que tais “mazelas” são potencializadas quando esse sistema
adentra sua fase monopolista, da qual também trataremos no decurso desse material. Mas cabe a nós
aqui reiterar que essa nova compreensão sobre fenômenos expostos foi viabilizada pelo movimento
operário europeu que, recorreu aos estudos de Marx para aprofundar suas reflexões.

Lembrete

Conforme já estudamos, é na década de 1970 que o mundo vivencia


outra grande crise capitalista.

50
Tópicos de Atuação Profissional

Todavia, essa reflexão não foi de imediato extensiva a toda a população. Ainda na década de 1970,
segundo Netto (2001), a pobreza era compreendida de uma forma incorreta. Nesse período, a pobreza ora
era interpretada como um fenômeno que afetava apenas os países subdesenvolvidos – ou emergentes
como poderíamos dizer para recorrer a um tema um pouco mais atual –, ora era compreendida como
um novo fenômeno social.

Netto (2001), entretanto, afirma que não há uma nova questão social, ou um novo fenômeno
de degradação da vida humana. Para ele, assim como para nós, o que há, realmente, é a gestação
de novas expressões da questão social, sendo que tais expressões são influenciadas pelas
particularidades de cada momento: o período histórico, a questão cultural e os aspectos da
realidade nacional.

Desse modo, somente a partir do aporte do Marxismo, é que a questão social passou a ser apreendida
de uma forma relacionada à sociedade capitalista. Podemos dizer que a questão social pode ser
compreendida como:

[...] o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista


madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva,
o trabalho torna‑se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos
seus frutos mantém‑se privada, monopolizada por uma parte da sociedade
(IAMAMATO, 2001, p. 27).

Mas, vejamos quantas definições podem e precisam ser extraídas da citação anterior. A
primeira delas refere‑se ao termo “conjunto das expressões”, sendo que por meio dela precisamos
compreender uma série de situações que são experimentadas pelos seres humanos em sua vida,
que trarão resultados ruins a seu desenvolvimento. No caso, é importante lembrar que a questão
social não pode reduzida à pobreza, ou seja, a pobreza é mais uma das expressões da questão social,
mas não a única.

Seguindo esse raciocínio, podemos afirmar que as expressões da questão social podem ser
observadas junto aos mais variados segmentos, que vão desde a “[...] criança [...] ao adolescente, ao
idoso, a situações de violência contra a mulher, a luta pela terra etc.” (IAMAMOTO, 2001, p. 62) e podem
estar presentes também em questões que “[...] os indivíduos as experimentam no trabalho, na família,
na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc.” (IAMAMOTO, 1997, p. 14), em suas
vivências rotineiras, cotidianas.

Assim, há muitas formas de expressão da chamada questão social e, questão social não é apenas
um conceito, mas algo que é real, que se manifesta cotidianamente na vida e experiência dos seres
humanos. A compreensão da totalidade da questão social demanda um exercício de aproximação com
as expressões expostas na realidade, ou seja, é fundamental “[...] apreender as várias expressões que
assumem, na atualidade, as desigualdades sociais” (IAMAMOTO, 2001, p. 31).

51
Unidade I

Saiba mais

Para compreender mais sobre o assunto, recomendamos a leitura do


texto:

MONTAÑO, C. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. Serviço


Social & Sociedade, n. 110, São Paulo, abr./jun. 2012. Disponível para acesso
em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101‑66282012000200004&sc
ript=sci_arttext>. Acesso em: 29 nov. 2012.

Indicamos também o curta a seguir, como uma representação desse


fenômeno que tanto afeta a vida dos seres humanos atualmente.

REVERSO. Dir. Francisco Colombo. Brasil, 2009. 35 minutos.

Hoje, no entanto, para Iamamoto (2001, p. 116), uma das grandes expressões da questão social é o
“desemprego e a ampliação da precarização da relações de trabalho” e ela não é a única. O desemprego
e precarização das relações de trabalho podem conduzir as pessoas a outras situações de exclusão, como
as que destacamos anteriormente. Ou seja, a pessoa que não tem renda ou que possui uma baixa renda,
fatalmente não conseguirá acessar os serviços sociais básicos e necessários para sua sobrevivência e
para o seu desenvolvimento.

A título de exemplo, vejamos os dados levantados por Iamamoto no ano de 2001. Naquela época, o
desemprego:

[...] incide sobre 35% da população economicamente ativa mundial (2


bilhões e 500 mil pessoas), que estão desempregadas ou subempregadas. A
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – tem
35 milhões de pessoas desempregadas, o que equivale a 8% da população
economicamente ativa (IAMAMOTO, 2001, p. 116).

Ou seja, naquele momento havia um contingente populacional elevadíssimo de desempregados ou


subempregados. E hoje como o desemprego se manifesta pelo mundo e pelo Brasil?

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou uma análise em 2011 e constatou


que em 2012 o número de desempregados chegaria a 200 milhões. Para reverter esse quadro,
a única alternativa seria a criação de novos postos de trabalho. O estudo ainda demonstra que os
jovens foram os segmentos mais afetados pela expulsão do mercado de trabalho, comprovando
assim o que fora dito por Ricardo Antunes em sua análise sobre o trabalho e aqui por nós
também já afirmado (Informações disponíveis em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/
oit‑numero‑de‑desempregados‑no‑mundo‑em‑2012‑chegara‑a‑200‑milhoes>. Acesso em: 28 dez.
2012). Segundo dados do IBGE, no ano de 2011, o desemprego afetou 6% da população economicamente
52
Tópicos de Atuação Profissional

ativa no Brasil, ou seja, não temos um bom prognóstico e vemos que a situação observada por Iamamoto
no ano de 2001 ainda se mantém.

No entanto, segundo a mesma autora, a questão social incorpora também as possibilidades


de rebeldia, ou seja, as vivências cotidianas das pessoas podem motivá‑las a se colocarem de
forma contrária à dominação constituída por esse sistema que é pautado na desigualdade por
natureza. Essa rebeldia, que pode ser gerada pela questão social precisa ser captada, percebida
para que seja convertida em projetos alternativos de resistência. Para ela, cabe a nós, assistentes
sociais, compreender essas possibilidades que nos são oferecidas em decorrência de nossa atuação
e assim buscar orientar esses projetos alternativos em prol da classe trabalhadora e da classe mais
empobrecida de nossa sociedade.

Além do fato de destacar que a questão social é composta por múltiplas formas ou expressões,
a definição a relaciona ao desenvolvimento capitalista, sendo que destaca com especial atenção
o capitalismo em sua fase monopolista. Vejamos assim, os principais aspectos desse estágio de
desenvolvimento do sistema capitalista que trouxe e traz incidências à configuração da questão social.

Observação

Capitalismo monopolista: assentado do monopólio dos mercados.

Netto (2001, p. 19) afirma que em meados do século XIX, o capitalismo sofre uma série de mudanças e
essas mudanças provocam, por sua vez, alterações nas instâncias políticas e também na estrutura social.
A mudança apontada pelo autor refere‑se à configuração do capitalismo, agora como monopolista ou
imperialista, deixando para trás sua fase industrial.

Segundo esse novo formato de produção, que passa a ser assentado no monopólio, busca‑se “[...] o
acréscimo dos lucros capitalistas por meio do controle dos mercados” (NETTO, 2001, p.20), ou seja, cada
vez mais se busca eliminar a concorrência.

Observação

Pool, Cartel e Truste são formas de fusões entre as empresas capitalistas


e que buscam garantir o monopólio.

Para que o monopólio seja alcançado, várias possibilidades de compra, venda e associações são
organizadas. Netto (2001) indica como possibilidades as fusões de pool, cartel e truste. Podemos
diferenciar essas formas de associação de uma maneira simples, já que não é objeto desse material
realizar uma discussão profunda sobre esses temas. Assim sendo, o pool é um agrupamento de empresas,
que nem sempre possuem o mesmo ramo de atuação, com objetivos comuns. O cartel, por sua vez, é
uma associação de empresas concorrentes mas que se unem com o objetivo de controlar o mercado e,
por fim, o truste seria a união, fusão de empresas, além do simples acordo de cavalheiros.
53
Unidade I

Essas formas de associação, porém, são organizadas para que as empresas minimizem os
impactos da concorrência. Netto (2001, p. 23) nos diz que na idade do monopólio a concorrência é
convertida em uma “luta de vida ou morte” pelo controle dos mercados. A seguir, veja um exemplo
de uma fusão.

Exemplo de aplicação

Grupo Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart encabeçam lista dos maiores varejistas do País –
Eduardo Gonçalves

SÃO PAULO – O Grupo Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart encabeçaram nesta quarta‑feira (5), a
lista das 100 maiores empresas do varejo brasileiro em faturamento no ano de 2012. Em contraposição,
Makro e Lojas Pernambucanas perderam espaço no ranking, divulgado pelo Instituto Brasileiro de
Executivos do Varejo e do Mercado de Consumo (IBEVAR). Em 2011, o segmento cresceu 8% e as 100
gigantes do setor movimentaram pouco mais de R$ 260 bilhões. A estimativa de crescimento para 2012
é de 7,5%.

Algumas novidades trazidas à tona com a pesquisa foram a entrada do Grupo Boticário, de
cosméticos, e a C&A Modas Ltda, de vestuários, ao top‑15 da lista, e a alavancada da Cencosud e
Máquina de Vendas, de supermercados e eletroeletrônicos, respectivamente, no cenário do mercado de
varejo brasileiro.

Fonte: Gonçalves (2012).

É bom lembrar que essas eram empresas privadas, organizadas umas independentes das outras. Com
a fusão, elas se uniram em prol do controle do mercado. No caso, a notícia enuncia o lucro da empresa.
Cabe de nossa parte uma provocação, sobre a qual esperamos sua reflexão: seria possível que essas
empresas obtivessem esse lucro se não estivessem associadas? Argumente.

Mas o controle do mercado não é o único fenômeno que observamos durante o estágio monopolista
de desenvolvimento do capital. Segundo afirma Netto (2001, pp. 20‑21) é nesse estágio que:

[...] a) os preços das mercadorias (e serviços) produzidos pelos monopólios


tendem a crescer progressivamente; b) as taxas de lucro tendem a ser
mais altas nos setores monopolizados; c) a taxa de acumulação se eleva,
acentuando a tendência descendente da taxa média de lucro (MANDEL,
1969, 3: 99‑103) e a tendência ao subconsumo; d) o investimento se
concentra nos setores de maior concorrência, uma vez que a inversão
nos monopolizados torna‑se progressivamente mais difícil (logo, a taxa
de lucro que determina a opção de investimento se reduz); e) cresce a
tendência a economizar trabalho “vivo”, com a introdução de novas
tecnologias; f) os custos de venda sobem, com um sistema de distribuição
e apoio hipertrofiado [...]

54
Tópicos de Atuação Profissional

Apesar da busca de lucro ser o que movimenta o capitalismo monopolista, é preciso destacar que
o alcance dos lucros não resulta em melhoria da qualidade de vida da população, sendo a extração
do lucro apenas de quem detém os meios de produção: a classe burguesa, no comando desse sistema
capitalista. Assim, na idade do monopólio as contradições que já se faziam presentes se tornam ainda
mais latentes, pois “[...] o capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante
de contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação e
transitoriedade histórica [...]” (NETTO, 2001, p. 19).

No caso, grande parte das contradições são potencializadas porque no monopólio o processo
produtivo depende cada vez mais da inovação tecnológica, conforme afirmado na citação destacada. A
inovação tecnológica, por sua vez, impulsiona o desemprego de uma grande parcela da população, já
que há uma substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto.

Observação

O trabalho vivo está relacionado ao trabalho exercido pelos


trabalhadores e o trabalho morto, ao desenvolvido por equipamentos.

Exército industrial de reserva: pessoas que aguardam a reinserção


laboral.

Desse modo, nesse processo de substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, observamos
uma grande ampliação do desemprego e do subemprego. Assim, “O monopólio faz aumentar a taxa de
afluência de trabalhadores ao exército industrial de reserva” (SWEZZY, 1977, p. 304 apud NETTO, 2001,
p. 21). Não nos deteremos nessa discussão porque já tratamos desse assunto quando estudamos as
mudanças que ocorridas no sistema produtivo na década de 1970.

No entanto, mesmo com a expulsão de muitos trabalhadores para o exército industrial de reserva,
com a introdução de novas tecnologias e com a ampliação das organizações de monopólios, o
capitalismo ainda precisa de outros mecanismos de regulação para que possa extrair o lucro em suas
máximas proporções, ou, conforme postulado por Netto (2001, p. 24), são necessários “[...] mecanismos
de intervenção extraeconômicos” para que consiga sustentar‑se ou então para que seja possível que
suas crises sejam reduzidas de forma a não comprometer a extração do lucro.

Netto (2001) afirma que esses mecanismos de intervenção são gerenciados pelo Estado. Para o autor, o
Estado foi cooptado pela ótica capitalista e, em tese, esse ente representava apenas os interesses da classe
burguesa, motivo pelo qual o autor o denomina como “comitê executivo da burguesia” (NETTO, 2001, p. 26).

Apesar de estar sob influência neoliberal, que, conforme vimos, postula a não intervenção estatal
junto às expressões da questão social e também em relação à regulação econômica, o que assistimos, na
idade do monopólio é uma intervenção por parte do Estado para garantir a reprodução do capitalismo.
Portanto, Netto (2001, p. 24) argumenta que o Estado atua como sendo um “[...] cioso guardião das
condições externas da reprodução capitalista”.
55
Unidade I

O autor sustenta que o Estado busca exercer uma intervenção de forma contínua e sistemática junto
ao capitalismo, sendo tal intervenção realizada por meio de funções de natureza política e de natureza
econômica. As funções de natureza econômica podem ser tipificadas como sendo intervenções diretas
e indiretas.

Ainda de acordo com Netto (2001), as funções diretas são extremamente amplas, podendo ser
compreendidas como as intervenções em que o Estado busca conceder auxílio a empresas privadas,
assim como socorro para empresas capitalistas em dificuldade, privatizações de empresas públicas
lucrativas, subsídios para os monopólios e uma série de outras intervenções e ações voltadas para a
garantia do lucro.

Antes de prosseguirmos em nossas discussões sobre as funções econômicas adotadas pelo Estado
em prol do capitalismo, vejamos a seguir um exemplo de privatização de empresas públicas.

Exemplo de aplicação

Governo ultrapassa meta das privatizações com venda da ANA

Por Ana Suspiro

Com esta operação, o governo já encaixou 6400 milhões de euros e superou meta até 2014, mas
falta vender as empresas mais difíceis

Foi uma privatização que superou as expectativas: quer em número de concorrentes, quer no encaixe
financeiro do Estado. O preço de venda de 95% da ANA – Aeroportos de Portugal aos franceses da Vinci
– 3080 milhões de euros – fazem desta a maior privatização realizada em Portugal em receita. Não só
no quadro do programa de assistência financeira, mas também em mais de uma década.

Com esta operação, a receita com as privatizações atinge os 6400 milhões de euros, segundo
números avançados ontem pela secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, e
permitem ultrapassar a meta de 5,5 mil milhões de euros inscrita no programa da troika até 2014.
Mas estes números generosos refletem, ainda e apenas, a venda dos ativos mais apetecíveis do
Estado: EDP, REN (Redes Energéticas Nacionais) e ANA. Para 2013 e 2014 ficaram as privatizações
mais delicadas, não só pelo menor interesse dos investidos privados, visível no caso da TAP, mas
também pelo eventual impacto negativo que podem ter nas contas pública, como os Estaleiros
Navais de Viana do Castelo.

Por outro lado, e no caso da ANA, a maior fatia da receita com a venda não terá o destino que
a troika preferia e que é um dos objetivos do programa de privatizações em curso: o abate à dívida
pública. Dos 3080 milhões que o grupo francês Vinci concordou pagar, sem condições, sublinhou o
secretário de Estado das Obras Públicas, Sérgio Monteiro, apenas 39% terá como destino a redução da
dívida portuguesa, em 2013, o que corresponderá a cerca de 1200 milhões de euros. Nas contas ontem
explicadas por Maria Luís Albuquerque, os 1200 milhões pagos em troca do contrato de concessão dos
aeroportos nacionais deverão ser usados para abater ao défice público deste ano, operação que ainda
56
Tópicos de Atuação Profissional

não recebeu luz verde do Eurostat. Há ainda 700 milhões de euros que correspondem à dívida financeira
actual da ANA [...]

Fonte: Suspiro (2012).

Tomando como base nossos estudos e a matéria anterior, reflita sobre o processo de privatizações
encampado pelo Estado brasileiro e pense acerca do tema: para qual classe social essas intervenções
têm trazido benefícios?

As funções indiretas, por sua vez estariam relacionadas a compras que o Estado realiza para beneficiar
determinados monopólios, investimento em meios de transporte, gastos com a pesquisa e estudo,
e ações que busquem ainda manter a força de trabalho vivo. Figura ainda como funções indiretas
desempenhadas pelo Estado a regulação do acesso a níveis de consumo por parte de determinadas
classes sociais e sua disponibilização aos projetos do monopólio.

Essas seriam as funções econômicas, porém, conforme dissemos, há ainda as funções políticas. Elas
estarão relacionadas a mecanismos que o Estado utiliza para que suas ações, assim como a realidade
econômica presente, sejam aceitas, ou seja, não sejam questionadas. Netto (2001) afirma que o Estado
consegue alcançar o consenso por meio de uma coerção sublime, sendo que tal coerção acontece via
reconhecimento dos direitos sociais e por meio de garantias cívicas e sociais.

Assim, por meio dessas funções, o Estado busca oferecer ao capitalismo possibilidades de sobreviver.
Netto (2001) sustenta que os direitos sociais são constituídos para atender as sequelas da questão
social, as expressões da questão social. Isso porque as expressões da questão social podem comprometer
o desenvolvimento capitalista.

Assim sendo, a intervenção nas expressões da questão social, que são geradas e ampliadas pelo
sistema capitalista demandam a constituição de políticas sociais. Apesar de considerarmos que as
políticas sociais precisam ser compreendidas como um ganho para a classe trabalhadora e para a classe
empobrecida, precisamos entender que essas ações só são constituídas pelo Estado para atender a uma
necessidade capitalista.

Por meio da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista


procura administrar as expressões da questão social de forma a atender
às demandas da ordem monopólica conformando, pela adesão que recebe
de categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de consenso
variáveis, mas operantes (NETTO, 2001, p. 30).

Para o autor, as políticas sociais são essenciais No caso, as políticas de previdências e educacionais
seriam as mais relevantes no sentido de auxiliar o capitalismo. Nos termos postos, as políticas
previdenciárias deveriam constituir mecanismos que proporcionassem o consumo para aquelas pessoas
que, em decorrência das intercorrências da vida, não pudessem mais trabalhar. As políticas educacionais,
por sua vez, estariam encarregadas de oferecer qualificação técnico‑científica necessária para a produção.

57
Unidade I

Netto (2001) nos indica que além dessas políticas, seriam constituídas as que denomina de setoriais,
que estariam orientadas à garantia do acesso à moradia, saúde, saneamento para a população, sobretudo
para a classe trabalhadora, colaborando assim com o processo produtivo capitalista.

Todavia, essa intervenção por meio das políticas sociais não é algo que acontece apenas na fase
monopolista do capitalismo. Em tese essa relação entre questão social e política social começou no século
XIX. Como também já vimos, foi nesse período que tivemos grandes pressões da classe trabalhadora em
decorrência das precárias condições de vida e de trabalho que afetavam grande parcela da população
europeia e da população mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

Foi nesse momento que as pressões dos trabalhadores começaram a ser atendidas. Nessa época,
o que temos é a busca de regulamentação das condições de trabalho numa tentativa de minimizar a
precariedade da qualidade laboral. Assim, no século XIX o que temos é o disciplinamento da jornada de
trabalho, um ganho para a categoria trabalhadora. Ou seja, uma política social para atender uma das
expressões da questão social. No Brasil, coincidentemente, temos a ampliação das políticas sociais nos
períodos de 1930 e 1960, onde era necessário conter as expressões da pressão popular que se levantava
frente às condições precárias de vida da população brasileira (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

A intervenção por meio de políticas sociais, junto às expressões da questão social, portanto, também
busca minimizar possíveis organizações populares contrárias à ordem social estabelecida.

Vejamos a imagem seguinte, onde os principais conteúdos aqui tratados encontram‑se dispostos de
uma maneira sintetizada. A figura foi elaborada por nós apenas com o objetivo de facilitar os seus estudos.

Desempenha
funções econômicas
e políticas

Demanda
intervenção estatal

Regulação
Capitalismo econômica e social
monopolista

Intervenção
Ampliação da por meio de
questão social políticas sociais

Figura 15 – Síntese dos conhecimentos sobre o capitalismo monopolista

3 TENDÊNCIAS CONTEMPORâNEAS QUE CONDICIONAM AS INTERVENÇÕES


EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Sabe‑se que não é possível entender política social sem compreender a sua relação com a sociedade.
Compartilhando esta linha de raciocínio, neste estudo também se buscará a descentralização e a
58
Tópicos de Atuação Profissional

gestão pública para o entendimento da relação do Estado, da sociedade e das políticas públicas na
contemporaneidade.

Nesse estudo a descentralização é tratada como princípio político, como base para a compreensão
do controle social, da participação social e na discussão do público e do privado, na gestão das políticas
sociais, principalmente da assistência social.

Também buscamos enfatizar o controle social e a participação social na gestão do orçamento púbico
da assistência social e, por fim, uma análise desses elementos na discussão público/privado.

3.1 A Gestão das políticas públicas e as possibilidades de controle social

A‑ Descentralização

A descentralização, a partir dos anos de 1980, constitui‑se num princípio ordenador da reforma
do setor público, com abrangência nos países de capitalismo avançado e sendo difundida nos países
em desenvolvimento. Sua bandeira foi levantada por países social‑democratas e conservadores,
principalmente aqueles com experiências autoritárias, como os da América Latina.

A descentralização, como princípio político, tem no pensamento liberal uma longa trajetória, sendo
enaltecida por liberais e economistas conservadores, quando ligada à ideia de mercado.

Essa modernização se daria pela eliminação da centralização administrativa


– que promove ineficiência e capacidade gerencial, especialmente nas
atividades de prestação de serviços e gestão pela promoção de mecanismos
geradores de um maior controle democrático sobre o Estado (DUIGUETTO;
DEBORTOLOP, 2008, p. 7).

Na tradição social‑democrata, a ideia da descentralização também foi acolhida. A respeito, destaca‑se


como:

A ideia de socialismo municipal se constitui numa estratégia importante


no início do século nos países europeus, da mesma forma que as
virtudes de modelos autogestionáveis também foram apontadas por
teóricos importantes do movimento socialista, sobretudo no contexto
das críticas ao modelo soviético. Em seu conjunto, no entanto, a
esquerda sempre privilegiou a centralização e não a descentralização
(MELLO, 2009, p. 12).

Contemporaneamente, a descentralização vem sendo advogada como forma de democracia direta e


de mecanismos de controle social, conforme Mello:

A descentralização é um princípio importante no quadro da renovação do


pensamento político de esquerda, sobretudo da chamada nova esquerda
59
Unidade I

pós‑industrial, além de ser consistente com a ideia de fragmentação


social que informa o chamado pós‑modernismo na teoria política
(MELLO, 2009, p. 12).

O processo de redemocratização que o Brasil tem vivido nos últimos anos provocou um novo modelo
de Estado e um novo desenho do sistema federalista “cujo vetor aponta para a descentralização e para
o fortalecimento da capacidade decisória das instâncias de governo subnacionais, caracterizadas pelo
federalismo cooperativo” (STEIN, 1999, p. 73).

Há pesquisadores que defendem a tese de que a descentralização teve destaque especialmente


pelas inovações e regras estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, principalmente a
descentralização fiscal, a extensão dos direitos sociais e da sua materialidade em forma de políticas
públicas.

Figura 16 – Seminário Movimentos Sociais e Democratização do Estado,


realizado pela Secretaria Geral da Presidência da República, o qual buscou
discutir e redefinir a participação social na administração pública

Figura 17 – Comemoração da elaboração da Constituição


Federal de 1988, marcando o processo de democratização no Brasil

60
Tópicos de Atuação Profissional

Figura 18 – Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau,


participa do Fórum Brasileiro de Direito Constitucional,
comemorativo dos 20 anos de promulgação da Constituição de 1988

A Constituição de 1988 trouxe o debate a respeito dos direitos sociais e com ele o repúdio dos
conservadores por entenderem que este modelo de Estado seria inadequado ao desenvolvimento pelo
chamado “custo Brasil”, em função dos benefícios previstos.

Contribui para fazer emergir a consciência dos direitos do trabalho


no bojo das lutas sociais. Contribui também para a construção de um
novo pacto federativo, com a descentralização das responsabilidades
para os níveis estadual e municipal e maior aporte de recursos para eles
(FALEIROS, 1999, p. 49).

De acordo com Faleiros (1999), a ala conservadora do congresso criou um bloco, a que foi dado
o nome de “Centrão”. Este bloco se colocou em oposição aos direitos sociais que foram objeto de
muitas lutas entre forças políticas. E, em linhas gerais, sabe‑se que a Constituição se apresentou como
liberal‑democrática‑universalista, o que obriga a sociedade brasileira a um convívio contraditório entre
políticas sociais e políticas de mercado.

Sobre a descentralização das Políticas Sociais Públicas, sabe‑se que ela foi consagrada como objetivo
da organização do sistema de proteção social, antes mesmo da Constituição Federal de 1988. O governo
militar utilizou, como uma das estratégias para atingir este objetivo, a criação de Comissões Setoriais.

As referidas comissões eram organizadas em cada Ministério e sua


composição contemplava tanto a representação governamental, quanto
os membros da sociedade civil, acrescida ainda de especialistas acadêmicos
(GESTÃO DE SAÚDE, 1998, p. 76).

O presidente manifestou sua adesão à política de descentralização, entendendo a sua urgência


diante do sofrimento do povo brasileiro. Todavia, a efetividade desse processo não foi homogênea. Ela
configurou‑se de formas particulares e diferentes, principalmente por não haver uma política nacional
de descentralização que orientasse a reforma das políticas sociais públicas.
61
Unidade I

As análises de Stein (1999) a respeito da descentralização são, ainda, bastante complexas. Os problemas
relacionados ao tema centralização‑descentralização não podem ser tratados com a simplicidade que
o termo apresenta. Sendo a centralização a concentração de poder por parte da instancia federal, a
descentralização, por outro lado, não é simplesmente uma relação inversa. A descentralização total seria
o rompimento com a noção de Estado.

Mesmo diante da complexidade sobre a descentralização, para Stein:

Sem dúvida, há consenso quanto à importância de se ampliar e consolidar


a descentralização; contudo, são grandes as divergências sobre o seu
significado, alcance e limites, como também as formas e instrumentos para
concretizá‑la (STEIN, 1999, p. 74).

Para Duriguetto e Debórtoli (2008, p. 7), “[...] uma das razões centrais da proposta de descentralização
é a busca da racionalidade administrativa e da eficiência na formação e operacionalização das
políticas sociais”.

Acredita‑se que, para compreender melhor este processo, há de se inserir o debate em um novo
paradigma da administração pública, orientado segundo o Consenso de Washington, como diretrizes
para a reforma do Estado.

As proposições e implementações de processos de descentralização


administrativa e também dos formatos de gestão pública para a área
social passam a inserir‑se nos debates referentes a alterações do
paradigma da administração pública do modelo burocrático werberiano
para o modelo gerencial. Essas diretrizes vão começar a ser materializadas
nos processos que envolvem uma reforma geral do Estado, orientada
segundo os postulados do Consenso de Washington (DUIGUETTO;
DEBORTOLI, 2008, p. 7).

A Descentralização pode ocorrer de diferentes formas, segundo Stein (1999), ela pode ser dividida
em duas categorias: a primeira categoria, definida como descentralização intragovernamental, é aquela
que ocorre na mesma esfera de governo, “entre os diferentes níveis hierárquicos, com delegação de
competência e responsabilidades” (STEIN, 1999, p. 73) e a descentralização intergovernamental,
a que ocorre de uma esfera de governo para outra. Pode ocorrer a transferência da União para os
Estados e Municípios, como dos governos Estaduais para os Municipais. Já a segunda categoria de
descentralização, aqui classificada como a descentralização do aparelho do Estado para a sociedade,
ocorre de dentro para fora da estrutura do Estado. Ganham destaque, nesta forma, alternativas como
privatizações; transferência de exploração de serviço público para a iniciativa privada; terceirização de
serviços da Administração Pública e a participação da sociedade no planejamento, nas decisões e gestão
dos serviços públicos.

No final do século passado buscou‑se definir o papel do Estado e um novo contorno administrativo
descentralizador. Esta visão adota estratégias como a privatização, terceirização e publicização, bem como
62
Tópicos de Atuação Profissional

sua função reguladora, fiscalizatória e de desmonte do Estado protetor. Para o Direito, todas as estratégias
tomadas com objetivo de diminuir o Estado são privatizações no sentido amplo (GROTTI, 2006).

Atribui‑se a estas reformas a necessidade de tornar o Estado mais eficiente, menos burocrático, o
combate à corrupção, entre outros. Como forma de solução destes problemas temos o gerencialismo,
ou seja, um Estado gerencial.

Para Grotti (2006, p. 2),

[...] a redefinição do papel do estado provoca necessidades de definir


também a administração pública, e para tanto recomenda‑se adotar os
seguintes princípios: – desburocratização, transparência, accoutability,
ética, profissionalismo, competência e enfoque no cidadão.

A redefinição do papel da administração pública buscou substituir o modelo de Estado centralizador


e autoritário por outro mais democrático que também fosse mais eficiente.

Essa estratégia, aqui, refere‑se tanto ao processo administrativo –


transferência da responsabilidade das decisões, funções e ações federais
para as instanciais estaduais e municipais – sendo sinônimo de eficiência
e redução de custos, quanto ao de descentralização na área social, em que
se destacam as proposições relativas à transferência de responsabilidades
e funções estatais que podem ser simultaneamente realizadas, geridas
e executadas pelo Estado, por organizações públicas não estatais e por
organizações privadas, que celebrem com o Estado “contratos de gestão”,
“parcerias” (DUIGUETTO, 2008, p. 8).

Também ganham vida, nos anos 1980, os ideais democráticos, colocados em destaque por visíveis
mudanças no protagonismo dos chamados novos sujeitos sociais, nas decisões e na gestão das políticas
públicas. Os novos sujeitos sociais são provenientes das lutas pela reprodução social e transformaram‑se
em interlocutores no campo de definições das políticas públicas. Tais sujeitos entraram na cena política e
foram responsáveis pela redefinição do cenário das lutas sociais no Brasil, contribuindo para importantes
desdobramentos das ações coletivas nos anos de 1990.

O processo que mobilizou a aprovação da Constituição de 1988 deu novos contornos e dimensão à
coisa pública, contrapondo‑se à forma centralizadora e autoritária que prevaleceu por duas décadas na
estrutura política do Brasil.

Destacou‑se nesse processo o então político Ulysses Guimarães, que exerceu grande influência para
que a Constituição fosse aprovada.

63
Unidade I

Figura 19 – Uma imagem histórica: a foto do deputado


Ulysses Guimarães durante a promulgação da Constituição de 1988,
em exposição no Congresso Nacional

Figura 20

As novas formas de atuação do Estado definem‑no como regulador, a partir de uma perspectiva
de mobilização comunitária. Sabe‑se que a mobilização comunitária na solução de problemas não
é nova no Brasil, basta pensar nas propostas realizadas nos anos de 1950 como marco da ideologia
desenvolvimentista.

Nessa conjuntura, as ONGs e um conjunto diversificado de organizações


sociais têm sido convocados pelo Estado e pelo empresariado para o
estabelecimento de diferentes parcerias, como operadores de programas de
combate à pobreza (RAICHELIS, 2007, p. 80).

Para Behring e Boschetti (2010), os avanços da Constituição Federal de 1988, de natureza reformista,
foram possíveis numa conjuntura de radicalização democrática, após 20 anos de ditadura militar.

O movimento de união e de participação da sociedade foi vivido na Assembleia Nacional Constituinte,


em 5 de outubro de 1988. Nessa data promulgou‑se a Constituição Cidadã, resultante da mobilização da
sociedade e daqueles que lutaram e desejaram um novo Brasil, com igualdade.
64
Tópicos de Atuação Profissional

B‑ Controle e participação social

Para darmos inicio a essa discussão, partimos de um pouco da história do nosso país, o qual foi
construído dentro de uma tradição autoritária e excludente. Sabe‑se, que esse processo se deu desde a
colonização portuguesa e se manteve até o momento em que os brasileiros se uniram e lutaram por um
país democrático, bem como por um Estado democrático de direito e pelo fim do regime militar.

Sabemos que um processo democrático e a efetivação de direitos requerem a participação da


população e do controle social. Embora a passos lentos e com muita dívida social, o Brasil tem caminhado
para o acesso a direitos e para a ampliação da participação na gestão pública.

Para um melhor entendimento da participação e do controle social, buscamos conceituá‑los:

Participação social (ou participação popular) pode ser entendida como


formas de expressão da vontade individual e coletiva da sociedade com
o objetivo de contribuir com propostas de mudança e de intervenção
nas tomadas de decisão do poder público. Nesse sentido, os conselhos
e as conferências são espaços privilegiados de participação popular
(CAPACITAÇÃO PARA O CONTROLE SOCIAL NOS MUNICIPIOS, 2010, p. 29).

Controle social é a participação na gestão pública que garante aos


cidadãos espaços para influir nas políticas públicas, além de possibilitar
o acompanhamento, a avaliação e a fiscalização das instituições públicas
e organizações não governamentais, visando assegurar os interesses da
sociedade (CAPACITAÇÃO PARA O CONTROLE SOCIAL NOS MUNICIPIOS,
2010, p. 31).

Controle social são órgãos de caráter permanente e deliberativo, sua composição é paritária e estão
vinculados ao poder executivo da esfera de governo de sua área correspondente. Vale lembrar que são
vinculados e não subordinados.

• 50% – representantes do governo;

• 50% – representantes da sociedade civil.

As funções do controle social são de formulação e controle da política pública. Exemplo: a formulação
e controle da política de assistência social em âmbito nacional cabe ao Conselho Nacional de Assistência
Social – CNAS

65
Unidade I

Controle social

Participa Fiscaliza

Realinha

Figura 21

De acordo com os conceitos de participação e controle social, podemos verificar que ambos dependem
da atuação política da população, com objetivo de contribuir com propostas, mudanças, intervenção social,
acompanhamento, fiscalização e avaliação das políticas públicas. A participação social é um direito de todo
cidadão e o controle social exercido por meios dos conselhos de direito dão aos seus membros a função de
agente público, os quais deverão atuar de acordo com os princípios da gestão pública.

Com relação aos princípios do agente público, é possível afirmar que a Constituição Federal de 1988
inova ao regulamentar, em seu Título III, um capítulo exclusivo para a organização da administração
pública. Nesse capítulo, a administração pública é organizada como estrutura governamental e como
função, determinando, no art. 37 da Constituição Federal, que:

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
(MORAES, 2006, p. 302).

O princípio da legalidade é previsto no art. 5º, inciso II da Constituição Federal. Esse princípio se
aplica normalmente à Administração Pública, de forma rigorosa, pois sabe‑se que o agente público
poderá somente fazer o que está previsto em lei, diferentemente da iniciativa privada que não poderá
fazer somente o que é proibido. Este princípio coaduna‑se com a função do agente público, que deverá
executar o direito, sem atuar para fins próprios e, sim, para atender às finalidades da lei e da necessidade
da ordem jurídica.

Quando afirmamos que os atos administrativos estão jungidos ao princípio


da legalidade, este deve ser compreendido como observância a todo o
sistema jurídico, partindo da Constituição Federal, que é nossa Lei Maior,
suas normas e princípios, é composta também de leis complementares e
leis ordinárias, mesmo porque a Constituição de 1988 contemplou atos
administrativos infraconstitucionais (OLIVEIRA, 2005, p. 189).

Para Meireles (2002), significa que o agente público está, durante sua atividade funcional, sujeito
às exigências do bem comum e das exigências da lei. O desvio ou o afastamento resultará em pena de
praticar ato inválido e expor‑se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal.

66
Tópicos de Atuação Profissional

Classifica‑se o princípio da impessoalidade no mesmo campo da incidência dos princípios da


igualdade e da legalidade e, por muitas vezes, é chamado de princípio da finalidade administrativa.

Para Moraes (2006), para alcançar a efetivação do princípio da moralidade administrativa não é
suficiente o cumprimento da estrita legalidade. Neste princípio cabe ao administrador público respeitar
os princípios “éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição
Federal de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública” (MORAES, 2006, p. 302).

A conduta do administrador público em desempenho ao principio da moralidade


administrativa enquadra‑se nos denominados atos de improbidade, previstos
pelo art. 37, inciso VI da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens
e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível, permitindo ao Ministério Público a propositura de ação
civil pública por ato de improbidade, com base na Lei 8429/92, para que o
poder Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre lesão ou ameaça de lesão
ao patrimônio público (MORAES, 2006, p. 206).

Outro princípio, não menos importante, é o da publicidade, que diz respeito à publicação de atos
públicos em lugares próprios, como, por exemplo, o diário oficial, para o conhecimento público dos atos da
administração pública de interesse público. Por publicidade, compreende‑se a divulgação oficial do ato para
o conhecimento público e início de seus efeitos externos. A publicidade é requisito de eficácia e moral.

A Constituição Federal de 1988 definiu formas de participação popular:

No Poder Legislativo, os cidadãos podem participar por meio do voto em eleições,


referendos, plebiscitos, da proposição de legislação por iniciativa popular e de
encaminhamento de denúncias de irregularidades ao Tribunal de Contas da União (TCU). Ao
eleger seus representantes, você está confiando a eles o papel de lutar pelos seus direitos de
cidadão, o que não esgota sua participação direta.

No Poder Judiciário, a participação popular pode ocorrer por meio de júri popular com
a finalidade de julgar crimes dolosos contra a vida e pelo direito de proposição de ação
popular para anular atos lesivos ao patrimônio publico.

No Poder Executivo, a participação popular ocorre por meio dos conselhos e comitês
de políticas públicas, bem como da legitimidade de apresentar denúncias de irregularidade
perante a Controladoria Geral da União

Fonte: CAPACITAÇÃO... (2010, p. 29).

Verificamos que o cidadão tem espaço de participação na tomada de decisão, bem como no
acompanhamento das políticas públicas. Esses espaços foram conquistados por movimentos de luta da
sociedade pela democratização do país.
67
Unidade I

O direito à participação também garante que a sociedade seja fiscalizadora do uso dos recursos
públicos, podendo acompanhar como estão sendo gastos, em que são gastos e quem está sendo
atendido. Dessa forma, ampliam as possibilidades de uma política pública efetiva. Para tanto:

Com essa atitude de participação, acompanhamento e fiscalização, o cidadão


exerce o Controle Social, interferindo no direcionamento das políticas públicas,
exigindo e promovendo a transparência e o uso adequado dos recursos públicos.
Esse exercício ocorre em espaços públicos de articulação, entre governo e
sociedade, constituindo importante mecanismo de fortalecimento da cidadania
(BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010, p. 30).

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha impulsionado uma significativa reorganização da


agenda social brasileira, posicionando o cidadão no centro desse processo como sujeito de direitos,
muito ainda há que se caminhar para sua efetividade.

3.1.1 Participação e controle social: o caso da política da assistência social

Nessa luta de ampliação dos espaços sociais, a Lei Orgânica da Assistência Social, trouxe avanços
significativos na legislação. O movimento pelo nascimento da LOAS passa a ser articulado pela presença
da categoria dos assistentes sociais, por meio do então CNAS e CEAS, CRESS e CFESS, movimentos
de defesa de direitos da criança, deficiente, grupos de pesquisadores e outros. Esse movimento foi
articulado em espaços que buscaram discuti‑lo amplamente e fervorosamente em reuniões, debates,
simpósios, propostas, cartas abertas e buscaram outras formas de tencionar o legislativo e conseguir o
apoio da sociedade por uma política social mais justa.

Até a aprovação da LOAS passamos por algumas derrotas, como vemos a seguir, a respeito da
primeira tentativa:

Diretrizes e princípios elaborados por Potyara Pereira – analista de políticas públicas

O projeto aprovado em 1990 foi vetado por Fernando Collor

Justificativa do veto: “a proposição não estava vinculada a uma assistência social responsável”.

Fonte: Sposati (2012, p. 18).

Saiba mais

Leia mais em:

SPOSATI, A. A menina LOAS: um processo de construção da assistência


social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

68
Tópicos de Atuação Profissional

Embora o projeto da LOAS, tenha sido amplamente discutido por categorias representativas e
pesquisadores renomados, sua primeira tentativa de aprovação foi vetada por Fernando Collor, utilizando
um argumento que não convenceu a ninguém, ao contrário demonstrou que estamos diante de um
governo liberal, sem nenhuma preocupação com seu povo. Os especialistas em Políticas Públicas e os
estudiosos que lutaram para a aprovação dessa lei entenderam que o presidente da república Fernando
Collor brincou quando justificou seu veto afirmando que: “a proposição não estava vinculada a uma
assistência social responsável”.

Aprovação da LOAS ocorre em Julho de 1993, após debates e discussões.

Figura 22

Para SPOSATI (2012) foi uma luta onde alguns significativos anéis se foram, e que precisam
ser recuperados: um deles foi a redução de alcance do Beneficio de Prestação Continuada (idade
e renda per capita), questão que foi corrigida, em partes, com o Estatuto do Idoso, dez anos
depois (2003).

Após aprovação da LOAS, buscou‑se instituir o CNAS e eleger seus membros: Aspásia Camargo,
presidente e Carmelita Yasbeck, vice‑presidente.

O CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) foi oficialmente instalado em 4 de fevereiro de


1994, como já tratado anteriormente. Sua criação é resultado de propostas contidas na LOAS, a qual
envolveu lutas de diversos grupos sociais, entidades e agentes sociais que atuam e atuavam na área da
assistência social. Sobre o tema, corrobora Raichelis (2007, p. 123):

A elaboração da LOAS foi produto da mobilização de segmentos sociais que


se organizaram com o objetivo de fortalecer a concepção de assistência social
como função governamental e política pública, envolvendo intrincados

69
Unidade I

processos de negociação e formação de consensos pactuados entre diversos


protagonistas da sociedade civil, do governo federal e da esfera parlamentar.

Essa lei regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, os quais tratam dos objetivos da
assistência social e da prestação de serviços assistenciais.

Para a efetivação dessa política, a formação dos conselhos adquiriu importância particular,
considerando o histórico da política de assistência social brasileira com permanente demonstração de
dificuldade para o reconhecimento social dos usuários dos serviços assistenciais.

Numa tentativa de privilegiar a participação dos segmentos organizados da sociedade na formulação,


na implementação e na gestão da assistência social, bem como na implicação da redistribuição do fundo
público, passou‑se a exigir a presença do controle social para viabilizar e publicizar o uso e a transferência
dos recursos públicos. Essa seria uma das estratégias de efetivação do processo descentralizador,
garantido pela Constituição Federal de 1988.

Para Raichelis, (2007, p. 131):

Nessa ótica, a garantia do acesso a bens e serviços como direitos sociais às


maiorias excluídas aponta, simultaneamente, para a ampliação da esfera
estatal, com a incorporação da sociedade civil organizada na definição das
prioridades e na fiscalização da execução das políticas públicas.

Segundo os autores pesquisados, podemos afirmar que a criação do Conselho Nacional de Assistência
Social – CNAS, proposto pela LOAS, é um mecanismo importante para a perspectiva publicização
defendida pela lei.

Composição e atribuições do CNAS no processo de gestão da assistência social

Como já visto, a constituição Federal de 1988 definiu como diretriz das políticas sociais a
descentralização e a democratização, bem como a participação popular na gestão pública.

Na assistência social o controle social é realizado por meio da participação popular, a qual acompanha,
fiscaliza as entidades socioassistenciais na prestação dos serviços e no uso dos recursos dos programas,
projetos e benefícios.

A constituição do controle social da assistência ocorre a partir da LOAS, que define em seu artigo 16,
o CNAS como instâncias deliberativas do sistema descentralizado, de caráter paritário, entre governo e
sociedade civil e permanente.

De acordo com a LOAS, alterada pela lei 12.435 de 2011:

Conceito: é um órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à


estrutura do órgão da administração pública federal responsável pela
70
Tópicos de Atuação Profissional

coordenação da PNAS, cujos membros, nomeados pelo presidente da


república, têm mandato de 2 anos, permitida uma única recondução por
igual período.

Para Oliveira (2005), os conselhos são importantes meios de acrescentar uma nova vertente aos
processos de formulação, controle e avaliação das políticas públicas, mas que ainda são poucos
estudados. Para a autora:

[...] os conselhos de direito ou de cidadania, também denominados conselhos


de políticas públicas ou conselhos gestores de políticas setoriais. São novas
formas de participação política no processo de tomada de decisão das
políticas públicas e merecem aplausos, pois abrem as possibilidades para um
maior controle dos administradores [...] (OLIVEIRA, 2005, p. 88).

As análises que conceituam os conselhos mostram que sua criação vai além da fiscalização dos
repasses de verbas: por meio deles o Estado contribui para o fortalecimento da cidadania e também da
participação popular. Para que haja sucesso desse processo, precisamos caminhar para um aumento do
número de pessoas envolvidas e a ampliação do conhecimento sobre o assunto.

Ainda utilizando as ideias de Oliveira (2005), é importante destacar que: os conselhos não são
mais um órgão estatal, mas também não são espaços meramente comunitários. Eles têm atividades
autônomas e deliberativas. Os conselhos são vinculados aos interesses públicos e à necessidade de
ampliação dos direitos sociais, os quais não estão atrelados a partidos políticos, nem tampouco ao
governo. São exemplos dessa nova constituição o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente – CONANDA, o Conselho Nacional de Saúde – CNS e o Conselho Deliberativo do Fundo de
Participação ao Trabalhador CODEFAT.

Embora, a legislação garanta que os conselhos se configurem como espaço da gestão descentralizada
e participativa, pareceres oficiais apontam para a ausência de efetividade, ficando suas ações sem poder
de decisão, principalmente em municípios sem tradição organizativa.

Essas afirmações podem ser comprovadas ao analisarmos as deliberações das conferencias municipais,
sendo desconsideradas no momento da formulação do Plano Municipal de Assistência Social – PMAS,
na Lei Orçamentária Anual – LOA, na Lei de diretrizes Orçamentárias – LDO e no Plano Plurianual. Para
os conselhos municipais das áreas sociais, isso pode ocorrer, pois as decisões dos conselhos, embora
tenham caráter deliberativo, não garantem sua implementação, pois não existe uma legislação que
obrigue o executivo a acatá‑las.

A composição do CNAS que tomou posse em 4 de fevereiro de 1994, ficou assim definida:
7 representantes de órgãos da administração pública federal, indicados pela Ministério do Bem
Estar‑Estar Social no governo de Itamar Franco; 1 representante dos Estados e 1 dos municípios,
indicados pelas respectivas instâncias organizativas; 9 representantes da sociedade civil, sendo 3
representantes dos usuários ou organização de usuários; 3 trabalhadores da assistência social e 3
de entidades.
71
Unidade I

Lembrete

CNAS 1994:

— 9 representantes governamentais;

— 9 da sociedade civil;

— total de 18 membros.

Composição atual: LOAS alterada pela lei 12.435

São 18 (9 governamental e 9 sociedade civil) membros e respectivos suplentes. É presidido por 1 de


seus membros e contará com uma secretaria executiva.

A composição do Conselho Nacional de Assistência Social não foi alterada, mas os avanços
são visíveis, com melhorias da infraestrutura, superando em partes as dificuldades vividas no
seu início. De acordo com Raichellis (2007, p. 136): “As relações entre CNAS e o Ministério do
Bem‑Estar Social, espaço de alocação do Conselho durante o governo Itamar Franco, foram
cercadas de tensões”.

A respeito das tensões levantadas pela autora e representantes do Conselho Federal de Serviço Social
– CFESS, a que trouxe maior repercussão nacional foi a de que a ministra titular da pasta da assistência
social não reconheceu o CNAS e realizou atividades paralelas em relação à política da assistência social.

Compete ao CNAS

A respeito da competência do CNAS, podemos afirmar que discussões e avanços vêm ocorrendo. A
primeira tarefa do CNAS em 1994 foi a de discutir o seu regimento interno. Segundo os pesquisadores,
havia muitas dúvidas, visto que as orientações eram poucas e às vezes apresentadas de modo muito
genérico pela LOAS.

Para Raichellis (2007, p. 137):

[...] a maior parte das atribuições dependia do funcionamento do Executivo,


da elaboração da proposta de política para a área, do domínio das
programações que estavam em andamento no Ministério e de uma estrutura
que não existia.

Diante dessa situação, como já destacado anteriormente, a preocupação inicial do CNAS, voltou‑se
para sua estruturação, com a eleição que escolheu, entre outros, presidência e vice‑presidência, trazendo
nomes como da presidente do IPEA e dos trabalhadores da área.

72
Tópicos de Atuação Profissional

Para Raichellis (2007), o que se verificou é que as tarefas e atribuições do conselho demonstraram,
desde seu início a complexidade do trabalho e as implicações conceituais, políticas, normativas e legais
que envolviam a atuação do CNAS. Não podemos deixar de destacar a pesada herança recebida pelo
CNAS do Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS, criado em 1938 com a função de órgão consultivo
do governo, das sociedades privadas e para estudar problemas do Serviço Social.

É sabido que essa herança certamente contribuiu para resistências, dificultando eliminar os velhos
vícios impregnado do CNSS – eliminar esses vícios era quesito necessário para a entrada de um novo
paradigma de conselho, ou seja, a proposta do CNAS definido e almejado pela LOAS.

Sabe‑se que CNSS foi alvo de muitas críticas de corrupção, de apadrinhamento, principalmente no
processo de concessão de certificações, subvenções e isenções fiscais a entidades sociais prestadoras de
serviços assistenciais.

Contemporaneamente o ciclo das ações exercidas pelo Conselho são:

Formulação

Avaliação Controle

Figura 23

Não podemos negar que o ciclo do conselho na formulação e controle das políticas públicas ocorram
com conflitos, considerando que esse é um processo complexo em que estão envolvidos pactuações e
acordos, muitas vezes no próprio interior dos conselhos.

Para melhor esclarecimento, vamos compreender o que é uma instância de pactuação:

Constituem‑se num espaço de debate, negociação e concentração de


diferentes visões e propostas sobre a operacionalização da Política Pública.
Promovem consensos entre os envolvidos, porém não exigem processo
de votação ou de deliberações em suas decisões (BRASIL. Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010, p. 56).

No caso da Assistência Social as instâncias de pactuação são:

• as Comissões Intergestoras Bipartites – CIBs;

• as Comissões Intergestoras Tripartites – CITs.

73
Unidade I

O papel dos conselheiros

Os conselheiros são agentes públicos, os quais devem atuar segundo os princípios da gestão pública:
com impessoalidade, moralidade, publicidade, legalidade e eficiência. Como agentes públicos, realizam
um serviço público relevante, de forma não remunerada. Sua principal atribuição é exercer o controle
social da política pública.

Ser conselheiro ultrapassa a mera formalidade, quem ocupa essa função, deve privilegiar a
participação e fazer desse espaço o verdadeiro exercício da cidadania.

Formas de manifestação das decisões dos conselhos

Ato por meio qual o conselho decide sobre um tema ou questão, após exame
DELIBERAÇÃO e discussão. Por meio de deliberação pode‑se aprovar, por exemplo, o Plano
Municipal de Assistência Social.

RECOMENDAÇÃO Manifestação opinativa pela qual os órgãos da administração expressam seu


entendimento sobre assuntos de cunho técnico ou jurídico.
Ato que tem por finalidade o reconhecimento da legalidade de outro
DILIGÊNCIA ato ou procedimento público. Por isso, é realizada depois que a ação ou
procedimento já ocorreu.
Ato por meio do qual os conselhos manifestam suas decisões. Em termos
RESOLUÇÃO gerais, a resolução é um ATP administrativo editado por órgãos públicos
dotados de capacidade deliberativa.

Fonte: Brasil (2010, p. 76).

Assim, a partilha do poder é inerente aos conselhos, concedendo à população verdadeiros espaços
de participação. Para estudiosos podem ser espaços da verdadeira democracia.

De acordo com a LOAS e a Lei nº 12.435, as atribuições do Conselho Nacional de Assistência social
são:

I – aprovar a Política Nacional de Assistência Social;

II – normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública


e privada no campo da assistência social;

III – acompanhar e fiscalizar o processo de certificação das entidades e


organizações de assistência social no Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome;

IV – apreciar relatório anual que conterá a relação de entidades e organizações


de assistência social certificadas como beneficentes e encaminhá‑lo para
conhecimento dos Conselhos de Assistência Social dos Estados, Municípios
e do Distrito Federal;

74
Tópicos de Atuação Profissional

V‑ zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de


assistência social;

VI – a partir da realização da II Conferência Nacional de Assistência Social


em 1997, convocar ordinariamente a cada quatro anos a Conferência
Nacional de Assistência Social, que terá a atribuição de avaliar a situação
da assistência social e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema;

VIII – apreciar e aprovar a proposta orçamentária da Assistência Social a ser


encaminhada pelo órgão da Administração Pública Federal responsável pela
coordenação da Política Nacional de Assistência Social;

IX – aprovar critérios de transferência de recursos para os Estados,


Municípios e Distrito Federal, considerando, para tanto, indicadores que
informem sua regionalização mais equitativa, tais como: população, renda
per capita, mortalidade infantil e concentração de renda, além de disciplinar
os procedimentos de repasse de recursos para as entidades e organizações
de assistência social, sem prejuízo das disposições da Lei de Diretrizes
Orçamentárias;

X – acompanhar e avaliar a gestão dos recursos, bem como os ganhos sociais


e o desempenho dos programas e projetos aprovados;

XI – estabelecer diretrizes, apreciar e aprovar os programas anuais e


plurianuais do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS);

XII – indicar o representante do Conselho Nacional de Assistência Social


(CNAS) junto ao Conselho Nacional da Seguridade Social;

XIII – elaborar e aprovar seu regimento interno;

XIV – divulgar, no Diário Oficial da União, todas as suas decisões, bem como
as contas do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e os respectivos
pareceres emitidos.

De acordo com a LOAS e a Lei 12.435 é de competência dos Conselhos Municipais e do Distrito Federal,
dentre outras, a inscrição e fiscalização das entidades e organizações de assistência social, cabendo ao gestor
nacional da política de assistência social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS,
junto ao CNAS, a certificação dessas organizações como entidades socioassistenciais, o que implica habilitá‑las
como prestadoras de serviços públicos, sem fins lucrativos, podendo receber recursos públicos.

Art. 7º As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações


de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional
de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei.
75
Unidade I

Art. 9º O funcionamento das entidades e organizações de assistência social


depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência
Social, ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, conforme
o caso.

§ 1º A regulamentação desta lei definirá os critérios de inscrição e


funcionamento das entidades com atuação em mais de um município no
mesmo Estado, ou em mais de um Estado ou Distrito Federal.

§ 2º Cabe ao Conselho Municipal de Assistência Social e ao Conselho de


Assistência Social do Distrito Federal a fiscalização das entidades referidas
no caput na forma prevista em lei ou regulamento.

§ 3º A inscrição da entidade no Conselho Municipal de Assistência Social,


ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, é condição
essencial para o encaminhamento de pedido de registro e de certificado de
entidade de fins filantrópicos junto ao Conselho Nacional de Assistência
Social (CNAS).

Art. 10. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem


celebrar convênios com entidades e organizações de assistência social, em
conformidade com os Planos aprovados pelos respectivos Conselhos.

De acordo com a legislação, as entidades devem ser autorizadas a funcionar, essa autorização
depende dos conselhos e do órgão gestor. Além dessa atividade os conselhos são responsáveis
pela normatização, acompanhamento, monitoramento e avaliação dos programas, projetos e
serviços socioassistenciais.

Além de serem submetidas ao controle social, as ações públicas estão também sujeitas ao controle
interno e externo:

• controle interno: Controladoria Geral da União – CGU;

• ouvidorias públicas;

• controle externo: Tribunal de Contas da União – TCU.

Esses órgãos e instrumentos de controle público têm atribuições e funções próprias, definidos por lei
e certamente são aliados do controle social.

A CGU é um órgão federal e tem como atribuição assistir o Presidente da


República em assuntos de transparência da gestão e defesa do patrimônio
público, por meio de atividades como de controle interno, combate à
corrupção, prevenção e auditoria.
76
Tópicos de Atuação Profissional

Ex: auditoria e fiscalização – nessas atividades a CGU desenvolve auditorias de prestação de contas,
auditorias de contratos e avaliação de programas de governo.

A CGU é o órgão legítimo para a fiscalização da aplicação e da efetividade na gestão


relacionada aos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Por exemplo, pode
sortear municípios a serem auditados no que se refere a ações financiadas com recursos federais,
entre eles, os recursos do FNAS ou IGD/PBF (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, 2010, p. 173).

Como instrumento de controle das políticas públicas, as ouvidorias são relevantes porque possibilitam
a comunicação entre a sociedade e os órgãos públicos, bem como constituem um canal direto entre
governo e cidadão. Esses instrumentos permitem que o cidadão faça a pergunta e obtenha a resposta,
mas nem todos os municípios contam com essa instância.

O TCU é tratado pela Constituição Federal em seus artigos 70 a 75, ele é um órgão que auxilia o
Congresso Nacional no controle das contas, bens e valores que a União responde. Esse órgão controla e
fiscaliza as contas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

Seção IX
DA FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da


União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo
Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a
União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou
pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza
pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio
do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
77
Unidade I

I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante


parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,


bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles
que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao
erário público;

III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal,
a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de
provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas
e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento
legal do ato concessório;

IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de


Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

V – fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a


União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante


convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal
ou a Município;

VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas
Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções
realizadas;

VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade


de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário;

IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao


exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X – sustar, se não atendida, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à


Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.


78
Tópicos de Atuação Profissional

§ 1º – No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso


Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§ 2º – Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não


efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.

§ 3º – As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia


de título executivo.

§ 4º – O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório


de suas atividades.

Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios
de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou
de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que,
no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários.

§ 1º – Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a


Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de
trinta dias.

§ 2º – Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa


causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional
sua sustação.

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito
Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no
que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 1º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros


que satisfaçam os seguintes requisitos:

I – mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II – idoneidade moral e reputação ilibada;

III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de


administração pública;

IV – mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que


exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

79
Unidade I

I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal,


sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao
Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade
e merecimento;

II – dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 3º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias,


prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal
de Justiça e somente poderão aposentar‑se com as vantagens do cargo quando o tiverem
exercido efetivamente por mais de cinco anos.

§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias,


prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal
de Justiça, aplicando‑se‑lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do
art. 40 (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

§ 4º – O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e


impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de
juiz de Tribunal Regional Federal.

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada,


sistema de controle interno com a finalidade de:

I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos


programas de governo e dos orçamentos da União;

II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da


gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração
federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos
e haveres da União;

IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º – Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer


irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena
de responsabilidade solidária.

§ 2º – Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para,


na forma da lei, denúnciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União.

80
Tópicos de Atuação Profissional

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam‑se, no que couber, à organização,
composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem
como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas


respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

Fonte: Brasil (1988).

Principais Funções do TCU:

• exercer o controle e a fiscalização contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial de


todas as unidades administrativas ligadas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário da União
e das fundações e sociedades mantidas pelo poder público federal;

• julgamento das contas dos administradores e dos responsáveis por valores, dinheiro e bens
públicos e as contas daqueles que de alguma forma derem prejuízo ao erário público;

• fiscalização dos recursos repassados pela união por meio de convênios, de acordos, de ajustes e de
repasses (fundo a fundo);

• é importante entender que as decisões do TCU são de caráter administrativo, elas podem ser
questionadas na justiça comum. Também devemos saber que todo cidadão pode denúnciar
irregularidades ou ilegalidades em relação ao uso do dinheiro, dos bens e dos valores públicos.

Exemplo: Denúncia de irregularidade no uso do dinheiro público

Etapa 1 – Um Conselho de Assistência Social recebe uma denúncia de suspeita de irregularidades


ou ilegalidades do uso do recurso público pela prefeitura XXXX, aqueles previstos PMAS, PBF ou do
orçamento em geral.

Etapa 2 – Após discussão e análise da denúncia, o Conselho a encaminha ao TCU.

Etapa 3 – Após receber a denúncia o TCU analisa e comprova a irregularidade – pode responsabilizar
o administrador que a cometeu ou encaminhar ao Ministério Público.

Lembrete

Vale lembrar que o Conselho não tem mecanismos para intervir


em situações de irregularidades (ex: uso irregular do recurso
público). Todavia, cabe a ele o papel de levantar as informações e
encaminhá‑las ao TCU.

81
Unidade I

Figura 24

Atuação do TCU aponta irregularidades em compra de motocicletas do SAMU

18/09/2012

Luana Lourenço
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou desperdício de


dinheiro público na gestão do programa do Ministério da Saúde de compra de motolâncias
usadas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

As motolâncias são motocicletas para atendimento de urgência em locais de difícil acesso


para ambulâncias tradicionais ou em áreas de trânsito intenso. Os veículos são repassados
pelo ministério às coordenações locais do SAMU.

O TCU encontrou erros no planejamento, na aquisição e distribuição de 400 motolâncias,


compradas pelo governo em 2007, por meio de licitação. Entre as falhas apontadas pelo tribunal
estão a falta de consulta às unidades que receberiam os veículos e a ausência de capacitação de
servidores para conduzir os veículos, o que resultou na sua subutilização. Das 288 motocicletas
que estão em unidades do SAMU auditadas pelo TCU, apenas 111 estão em funcionamento.

Para o ministro do TCU Walton Alencar Rodrigues, relator do processo, as irregularidades


levaram a “flagrante desperdício de recursos públicos”, principalmente pelas falhas no
planejamento do programa.

O TCU aplicou multa de R$5 mil para os gestores do programa e deu prazo de 90 dias
para que Ministério da Saúde envie um plano de ações para dar eficiência ao programa e
garantir a utilização efetiva dos veículos.

O ministério já recebeu o acórdão do TCU e responderá dentro do prazo estabelecido.


Em nota, a pasta informou que cumpre a legislação vigente para compra e distribuição
82
Tópicos de Atuação Profissional

dos equipamentos e que vai notificar os municípios que receberam os veículos e cobrar
explicações formais para as motolâncias que estão fora de circulação. O ministério também
avalia a revisão das regras do programa para melhorar o cumprimento dos pré‑requisitos
para recebimento e uso dos veículos.

Fonte: Lourenço (2012).

Como já tratado anteriormente, o Ministério Público deve zelar pelos interesses da sociedade, pelo
respeito aos poderes públicos e pela garantia dos serviços púbicos, ou seja, tem o dever de defender
o que é público.

O MP foi criado pela Constituição Federal nos artigos 127 a 130, constituído como órgão autônomo,
com a finalidade de fiscalizar e defender a aplicação das leis.

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988

CAPÍTULO IV
DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
Seção I
DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional


do Estado, incumbindo‑lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º – São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e


a independência funcional.

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo,


observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus
cargos e serviços auxiliares, provendo‑os por concurso público de provas ou de provas e
títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização
e funcionamento. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

§ 3º – O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites


estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro


do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará,
para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei
83
Unidade I

orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º.


(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

§ 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo


com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes
necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

§ 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização


de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura
de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004).

Art. 128. O Ministério Público abrange:

I – o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II – os Ministérios Públicos dos Estados.

§ 1º – O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador‑Geral da República,


nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e
cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado
Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.

§ 2º – A destituição do Procurador‑Geral da República, por iniciativa do Presidente da


República, deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal.

§ 3º – Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão


lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu
Procurador‑Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois
anos, permitida uma recondução.

§ 4º – Os Procuradores‑Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão


ser destituídos por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei
complementar respectiva.
84
Tópicos de Atuação Profissional

§ 5º – Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos


respectivos Procuradores‑Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto
de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I – as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por
sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do


órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de
seus membros, assegurada ampla defesa; (redação dada pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004).

c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto


nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (redação dada pela Emenda Constitucional
nº 19, de 1998).

II – as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas


processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério;

e) exercer atividade político‑partidária; (redação dada pela Emenda Constitucional nº


45, de 2004).

f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,


entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

§ 6º Aplica‑se aos membros do Ministério Público o disposto no art. 95, parágrafo único,
V. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

85
Unidade I

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção


da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,


requisitando informações e documentos para instruí‑los, na forma da lei complementar
respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar


mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados


os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo‑lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas.

§ 1º – A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não
impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira,


que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da
instituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far‑se‑á mediante concurso público


de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua
realização, exigindo‑se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica
e observando‑se, nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).

§ 4º Aplica‑se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

§ 5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata. (Incluído pela


Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
86
Tópicos de Atuação Profissional

Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam‑se
as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

Art. 130‑A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe‑se de quatorze membros


nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta
do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004):

I o Procurador‑Geral da República, que o preside;

II quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada


uma de suas carreiras;

III três membros do Ministério Público dos Estados;

IV dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal
de Justiça;

V dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara
dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

§ 1º Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelos


respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei.

§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação


administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais
de seus membros, cabendo‑lhe:

I zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir


atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a


legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério
Público da União e dos Estados, podendo desconstituí‑los, revê‑los ou fixar prazo para
que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência dos Tribunais de Contas;

III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União
ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar
e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a
remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
87
Unidade I

IV rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do


Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

V elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a


situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a
mensagem prevista no art. 84, XI.

§ 3º O Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os


membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução, competindo‑lhe,
além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes:

I receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do


Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;

II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral;

III requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando‑lhes atribuições, e


requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.

§ 4º O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiará junto


ao Conselho.

§ 5º Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes


para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos
do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente
ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Fonte: Brasil (1988).

3.2 A gestão do fundo público, como consolidação da gestão pública

Acreditamos ser importante tratar nesse momento do orçamento e do financiamento das políticas
públicas.

Para que os nossos governantes possam executar as políticas públicas, é necessário que eles sigam
o que está na Constituição Federal de 1988, tratado pelos artigos 163 a 169, na Lei nº 4.320/1964 e na
Lei de Responsabilidade Fiscal 101.

Vale lembrar, ainda, que as Constituições anteriores à CF de 1988, notadamente a de 1946 e a de


1967, com suas respectivas alterações e modificações, trataram, a seu modo, dos assuntos relativos às
finanças públicas, boa parte dos quais até hoje estão disciplinados pela Lei 4.320, de 17 de março de
1964, que estatui normas federais de Direito Financeiro para elaboração e controle do orçamento e dos
balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

88
Tópicos de Atuação Profissional

Dentre o alcance das leis, podemos afirmar que a Lei 4.320/64 e a CF de 1988, dentre outros feitos,
representam um marco na implantação das funções de planejamento, de controle e da transparência
na gestão pública. A Constituição Federal de 1988 traz a obrigatoriedade da publicação anual em cada
esfera de governo da Lei de Diretrizes Orçamentárias, dando um caráter mais expressivo ao planejamento,
ao controle e à transparência.

Para uma melhor compreensão vamos buscar na Constituição Federal de 1988 nos artigos 163 a 169,
as principais ferramentas que tratam sobre as finanças e sobre o orçamento público.

Art. 163. Lei complementar disporá sobre:

I – finanças públicas;

(...)

V – fiscalização financeira da administração pública direta e indireta;

Antes de adentrarmos na discussão do orçamento público, consideramos importante definir esse


conceito.

O Orçamento público nada mais é que o compromisso dos governantes com a execução das políticas
públicas, ou seja, o seu compromisso com a sociedade. Espera‑se que por meio dele todos nós possamos
visualizar, onde, como, por quais valores e quando serão realizadas obras ou serviços com os nossos
recursos.

Parece algo fácil e simples, mas os governantes brasileiros não estão acostumados a uma sociedade
democrática. Diante dessa situação, a legislação tem buscado dar limites e disciplinar as ações dos
governantes.

Para estudiosos de políticas públicas o orçamento público reflete os compromissos, as prioridades e


as relações de força da participação social (grupos sociais). Para muitos, é o espelho daquela gestão, pois
reflete também a influência e o poder dos parlamentares eleitos em cada esfera de governo.

Para a construção do orçamento público é necessário que se passe pelo ciclo orçamentário, o qual
é constituído pelo PPA, LDO e LOA. O ciclo orçamentário está diretamente articulado e na Constituição
Federal é tratado no artigo 165.

O Ciclo Orçamentário

• Plano Plurianual;

• Lei de Diretrizes Orçamentária;

• Lei Orçamentária anual.


89
Unidade I

PPA

LDO LOA

Figura 25

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I – o plano plurianual;

II – as diretrizes orçamentárias;

III – os orçamentos anuais.

§ 1º – A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma


regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública
federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as
relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º – A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e


prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de
capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da
lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária
e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de
fomento (BRASIL, 1988).

A Lei Orçamentária Anual – LOA compreenderá, dentre outras coisas:

III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades


e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem
como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público
(BRASIL, 1988).

90
Tópicos de Atuação Profissional

A LOA é um documento que contempla receitas e despesas do Poder Executivo e tem caráter contábil,
econômico, administrativo e político. Por essa razão é chamado de gramática orçamentária, pois possui
os termos necessários para decifrar e compreender os conteúdos do orçamento público.

É importante destacar que em alguns municípios brasileiros foi criado o orçamento participativo
(OP). Essa metodologia permite a participação da população na deliberação dos recursos públicos
orçamentários e possibilita a qualquer cidadão decidir onde, como e quanto será utilizado do recurso
orçamentário.

A respeito dos recursos orçamentários é importante compreende que ele é base para a implantação
de qualquer política pública.

O acesso a esse recurso, por sua vez, exige a inserção da política na LOA, com
a especificação da dotação orçamentária e a ela destinada, e sua vinculação
as diretrizes, objetivos e metas constantes no PPA, bem como as metas e
prioridades na LDO (BRASIL, 2010, p. 111).

As diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal 101 exigem:

• ação planejada e transparente;

• equilíbrio das contas públicas mediante o cumprimento de metas de resultados entre receita e
despesas;

• obediência a limites e condições. Ex.: geração de despesas com pessoal.

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas


para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da
Constituição.

91
Unidade I

§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em


que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas,
mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da
seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive
por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Fonte: Brasil (2000).

A Lei de Responsabilidade Fiscal trata em seu capitulo II, do planejamento, o qual está dividido em 3
seções sendo: 1 do Plano Plurianual Art. 3º vetado, Seção II Da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Seção
II Da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da


Constituição e:

I – disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas;

b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses previstas na


alínea b do inciso II deste artigo, no art. 9o e no inciso II do § 1o do art. 31;

[...]

e) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas


financiados com recursos dos orçamentos;

f) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e


privadas;

§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em


que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas,
despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a
que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2o O Anexo conterá, ainda:

I – avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;

II – demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo


que justifiquem os resultados pretendidos, comparando‑as com as fixadas nos três exercícios
anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política
econômica nacional;
92
Tópicos de Atuação Profissional

III – evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios, destacando a
origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;

IV – avaliação da situação financeira e atuarial:

a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores públicos e do Fundo
de Amparo ao Trabalhador;

b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial;

V – demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de


expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão


avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas,
informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

§ 4o A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em anexo específico,


os objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem como os parâmetros e as
projeções para seus principais agregados e variáveis, e ainda as metas de inflação, para o
exercício subsequente.

Art. 5o O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com


o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei
Complementar:

I – conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos


com os objetivos e metas constantes do documento de que trata o § 1o do art. 4o;

II – será acompanhado do documento a que se refere o § 6o do art. 165 da Constituição,


bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas
obrigatórias de caráter continuado;

III – conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido


com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias,
destinada ao:

b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

§ 1o Todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas


que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual.

§ 2o O refinanciamento da dívida pública constará separadamente na lei orçamentária e


nas de crédito adicional.
93
Unidade I

§ 3o A atualização monetária do principal da dívida mobiliária refinanciada não poderá


superar a variação do índice de preços previsto na lei de diretrizes orçamentárias, ou em
legislação específica.

§ 4o É vedado consignar na lei orçamentária crédito com finalidade imprecisa ou com


dotação ilimitada.

§ 5o A lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração superior
a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize
a sua inclusão, conforme disposto no § 1o do art. 167 da Constituição.

§ 6o Integrarão as despesas da União, e serão incluídas na lei orçamentária, as do Banco


Central do Brasil relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo, inclusive os
destinados a benefícios e assistência aos servidores, e a investimentos.

Art. 7o O resultado do Banco Central do Brasil, apurado após a constituição ou reversão


de reservas, constitui receita do Tesouro Nacional, e será transferido até o décimo dia útil
subsequente à aprovação dos balanços semestrais.

§ 1o O resultado negativo constituirá obrigação do Tesouro para com o Banco Central do


Brasil e será consignado em dotação específica no orçamento.

§ 2o O impacto e o custo fiscal das operações realizadas pelo Banco Central do Brasil
serão demonstrados trimestralmente, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes
orçamentárias da União.

§ 3o Os balanços trimestrais do Banco Central do Brasil conterão notas explicativas sobre os


custos da remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional e da manutenção das reservas
cambiais e a rentabilidade de sua carteira de títulos, destacando os de emissão da União.

Fonte: Brasil (2000).

A Ação Governamental com a 101 traz limitações, tais como: só se poderá implementar ação
governamental que implique a realização de despesas se estiver prevista nos Planos Plurianuais – PPA e
nos orçamentos anuais da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Leis Orçamentária Anual – LOA.

A decisão de realizar uma ação deve transpor o processo, que certamente partiu de um consenso
entre as várias ideias sugeridas pelos gestores de áreas (secretários). A escolha do prefeito deve ser
ratificada pelos vereadores. Sabe‑se que esse é um caminho assegurado na legislação que trata do
orçamento e das finanças públicas.

Por meio desse caminhar ao lado de outras ações selecionadas e aprovadas pelo legislativo municipal,
é possível exprimir uma política fiscal do governo, quando materializada nos planos PPA, LDO e LOA e
efetivadas na prática.
94
Tópicos de Atuação Profissional

As determinações legais do orçamento público estão expressas na Constrição Federal (Finanças


Públicas), na Lei 4.320, de 17 de março de 1964 (institui Normas Gerais de Direito Financeiro para
elaboração e controle do orçamento) e na Lei Complementar 101, de 5 de maio de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal).

Assim, é possível afirmar com segurança que a compreensão da forma e do conteúdo do orçamento
público, a consulta e o entendimento destas leis é certamente obrigatório aos agentes públicos, podemos
ir mais além: é uma obrigatoriedade.

3.2.1 O Financiamento da Assistência Social

O artigo 195 da Constituição Federal definiu que são provenientes de três fontes os recursos da
seguridade social. São elas:

• orçamento da União, Estados e DF;

• contribuições sociais;

• receita de concursos de prognósticos.

Para Behing e Boschetti (2006, p. 172):

Consolidação da seguridade social brasileira – e da política social


brasileira de uma forma geral, já que essa direção atinge também políticas
que estão dentro do orçamento fiscal –, depende da reestruturação do
modelo econômico, com investimentos no crescimento da economia,
geração de empregos estáveis com carteira de trabalho, fortalecimento
das relações formais de trabalho, redução do desemprego, forte combate
à precarização, transformação das relações de trabalho flexibilizadas
em relação a trabalhos estáveis, o que, consequentemente, produzirá
ampliação de contribuições e das receitas da seguridade social e,
sobretudo, acesso aos direitos sociais.

Para as autoras, somente haverá ampliação do acesso a direitos sociais à medida que ocorra aumento
da arrecadação destinada ao financiamento da seguridade social, uma vez que os recursos destinados
ao financiamento dessa política estão intimamente ligados à arrecadação, a qual tem sua origem na
produção, por meio de pagamento dos encargos sociais e impostos.

Nas três esferas de governo, os Fundos de Assistência Social são as instâncias financiadoras da
política da assistência social e a sua gestão cabe ao MDS, sob a orientação e controle do Conselho de
Assistência Social.

95
Unidade I

Observação

Fundo Nacional de Assistência:

Responsável: Ministério do Desenvolvimento Social.

Fiscaliza e controla: Conselho Nacional de Assistência Social.

Fundo Estadual e Distrital de Assistência Social:

Responsável: Governo Estadual e Distrital.

Fiscaliza e controla: Conselhos estaduais e distritais.

Fundo Municipal de Assistência Social:

Responsável: Prefeituras Municipais.

Fiscaliza e controla: conselhos municipais de assistência social.

FNAS: Fundo Nacional de Assistência Social

O financiamento dos benefícios, programas e projetos estabelecidos na Lei far‑se‑á com os recursos
da União, Estados e Municípios, das demais contribuições sociais previstas, além daqueles que compõe
o FNAS.

Cabe ao órgão administrativo, junto com os seus respectivos conselhos, gerir a Política de Assistência
Social nas três esferas de governo.

A LOAS em seu artigo 30 e a lei 12.345 que altera a LOAS diz que é condição para repasses aos
Estados, Municípios e Distrito Federal a instituição e o funcionamento de:

I – conselho de Assistência Social, de composição paritária entre governo e sociedade civil;

II – Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos respectivos Conselhos de Assistência
Social;

III – Plano de Assistência Social (analisar a lei artigo 30 LOAS).

96
Tópicos de Atuação Profissional

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.435, DE 6 DE JULHO DE 2011.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 2o, 3o, 6o, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 28 e 36 da Lei no 8.742,
de 7 de dezembro de 1993, passam a vigorar com a seguinte redação:

[...]

Art. 30‑A. O cofinanciamento dos serviços, programas, projetos e benefícios


eventuais, no que couber, e o aprimoramento da gestão da política de assistência
social no SUAS se efetuam por meio de transferências automáticas entre os fundos de
assistência social e mediante alocação de recursos próprios nesses fundos nas 3 (três)
esferas de governo.

Parágrafo único. As transferências automáticas de recursos entre os fundos de


assistência social efetuadas à conta do orçamento da seguridade social, conforme o art. 204
da Constituição Federal, caracterizam‑se como despesa pública com a seguridade social, na
forma do art. 24 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

Art. 30‑B. Caberá ao ente federado responsável pela utilização dos recursos do respectivo
Fundo de Assistência Social o controle e o acompanhamento dos serviços, programas,
projetos e benefícios, por meio dos respectivos órgãos de controle, independentemente de
ações do órgão repassador dos recursos.

Art. 30‑C. A utilização dos recursos federais descentralizados para os fundos de


assistência social dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal será declarada pelos
entes recebedores ao ente transferidor, anualmente, mediante relatório de gestão submetido
à apreciação do respectivo Conselho de Assistência Social, que comprove a execução das
ações na forma de regulamento.
Fonte: Brasil (1988).

3.2.2 Da responsabilidade do administrador público na gestão das políticas públicas

Subjetivamente, podemos definir administração pública como o conjunto de órgãos e serviços do


Estado e, objetivamente, como a expressão do Estado agindo in concreto para a satisfação de seus fins
de conservação, de bem‑estar individual dos cidadãos e de progresso social.

97
Unidade I

Na amplitude de tal conceito entram não só os órgãos pertencentes ao Poder Público, como também
as instituições e empresas particulares que colaboram com o Estado no desempenho de serviços de
utilidade pública ou de interesse coletivo, ou seja, a Administração centralizada (entidades estatais)
e a descentralizada (entidades autárquicas, fundacionais e empresariais) e os entes de cooperação
(entidades paraestatais).

“Ao administrador caberá o grande papel de reformulador e reorganizador das instituições, especialmente
pela concreção de ideais e metas definidas no texto constitucional” (OLIVEIRA, 2005, p. 125).

Para Oliveira (2005), a forma para se alcançar os ideais e as metas constitucionais da administração
pública pode acontecer somente pela gestão pública eficiente, com vontade e transparência, cabendo
à sociedade a luta e a organização para alcançar investimentos na valorização da vida e da dignidade
humana. Entende a pesquisadora que a administração pública deve ser acompanhada rigidamente por
pessoas com capacidade técnica e moral, que deem atenção às disparidades regionais e à desigualdade
social.

Desse modo, impõe‑se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do


Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação. Finalmente, é importante ressaltar que “o
ato administrativo realizado sem interesse público configura‑se desvio de finalidade” (MEIRELLES, 2002,
p. 102‑103).

A Constituição Federal de 1988 inova ao dedicar, em seu Título III, um capítulo exclusivo para a
organização da administração pública, em que a ordena em termos de estrutura governamental e
função, determinando em seu art. 37 que a administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeça, além de diversos preceitos
expressos, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (MORAES,
2006, p. 302).

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
(BRASIL, 1988).

Para a efetivação do princípio da moralidade administrativa não é suficiente o cumprimento da


estrita legalidade. Neste contexto, cabe ao administrador público respeitar os princípios “éticos de
razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição Federal de 1988, pressuposto
de validade de todo ato da administração pública” (MORAES, 2006, p. 302).

A conduta do administrador público em desempenho ao principio


da moralidade administrativa enquadra‑se nos denominados atos de
improbidade, previstos pelo art. 37, inciso VI da Constituição Federal, e
sancionados com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo
98
Tópicos de Atuação Profissional

ao Ministério Público a propositura de ação civil pública por ato de


improbidade, com base na Lei 8.429/92, para que o poder Judiciário exerça o
controle jurisdicional sobre lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público
(MORAES, 2006, p. 306).

De acordo com Meirelles (2002), o princípio da moralidade, juntamente com os princípios da


legalidade e da finalidade são pressupostos de validade de todo ato da Administração Pública. Neste
sentido, a moralidade do administrador público está ligada diretamente ao bom administrador, que se
determina pelos preceitos legais, pela moral comum e pela ética.

Outro princípio não menos importante do que os já tratados neste estudo é o da publicidade, que
diz respeito à publicação de atos públicos em lugares próprios, como, por exemplo, o diário oficial,
para o conhecimento geral dos atos da administração pública de interesse de todos. Por publicidade,
compreende‑se a divulgação oficial do ato para o conhecimento público e início de seus efeitos externos.
A publicidade é requisito de eficácia e moral.

A Constituição Federal de 1988 trouxe dispositivos para o controle e a punição dos administradores
públicos que não atuarem pelo bem comum, ou seja, atuarem de forma ineficiente. Assim a
emenda constitucional 19/98 passou a pretender garantir maior qualidade nos serviços públicos,
seja na administração direta, indireta ou fundacional dos poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios. A partir deste momento, o administrador público deverá obedecer, além
dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, também a outro
princípio: o da eficiência.

Para Moraes (2006), uma administração pública eficiente significa que ela é capaz de executar as
ações em defesa do bem comum. Sabe‑se que a razão do Estado está justamente neste objetivo. Desse
modo, o princípio da eficiência da administração pública implica a capacidade de efetivação do bem
comum, a imparcialidade, a neutralidade, a transparência, a participação e aproximação dos serviços
públicos à população, a eficiência, a desburocratização e a busca da qualidade dos serviços públicos.

Para Bueno (2009), a ineficácia da administração pública, travestida de não efetividade dos
direitos sociais, está associada à falta de entendimento da sociedade brasileira sobre os direitos sociais
como, propriamente, direitos. As razões que levam a estes fatos estão associadas à ausência de leis
infraconstitucionais, capazes de concretizar os preceitos constitucionais.

Segundo Meirelles (2002) a eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza,
perfeição e rendimento funcional. Este é o mais moderno princípio da função administrativa, advindo da
Emenda Constitucional 45/2004.

Já o poder tem, para o agente público, o significado de dever para com a comunidade e para com
os indivíduos, no sentido de que quem o detém deverá obrigatoriamente exercitá‑lo. Desta forma, no
Direito Público, inversamente ao que ocorre com o Direito Privado, que é uma faculdade, o poder de agir
é um dever para o agente que o detém, pois não se admite a omissão da autoridade diante de situações
que exigem sua atuação.
99
Unidade I

Ainda de acordo com Meirelles (2002), cabe ao administrador público o dever de prestar contas,
de probidade e da eficiência. Eficiência funcional é, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo
não só a produtividade daquele que exerce o cargo ou da função, como a perfeição do trabalho e sua
adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o qual se avaliam resultados, confrontam‑se
os desempenhos e se aperfeiçoa o pessoal por seleção e treinamento. A improbidade, ato administrativo
praticado com lesão aos bens e interesses públicos, caracteriza uma ilegitimidade como as demais que
nulificam a conduta do administrador público.

Embora a Constituição Federal seja clara quanto à responsabilidade do administrador público, são
grandes os argumentos que buscam afastá‑lo da responsabilidade pela efetivação das atuais políticas
públicas. Alguns juristas consideram que estes argumentos estão travestidos de uma roupagem que,
juridicamente, não está correta.

Segundo Oliveira (2005), as políticas públicas visam justamente dirigir a atuação governamental
para um fim constitucionalmente previsto e previamente ordenado, sendo, portanto, finalisticamente
orientadas para o cumprimento de uma determinada tarefa. No caso dos direitos sociais, a tarefa está
erigida em sede constitucional para a concretização de um determinado direito social, como é caso dos
direitos à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia, dentre outros.

Braga (1998) afirma que, analisando os princípios, pode‑se concluir que a primeira finalidade da
administração pública é a prestação de serviços com qualidade, eficiência e democracia. O bem comum
como finalidade deve ocupar papel central na efetividade da política pública. A luta para atingir estes
objetivos é prioridade para o administrador público e quem omitir ou frustrar tais procedimentos fere
os princípios da indisponibilidade do interesse público e da legalidade.

Portanto, não existem dúvidas quanto à responsabilidade do administrador público pela efetividade
das políticas públicas, bem como a finalidade da administração pública pelo atendimento do bem
comum, dos princípios democráticos e da realização da Constituição Federal.

Por fim, cabe à administração pública a democratização como atendimento ao bem comum, uma
vez que a participação encontra‑se no preâmbulo constitucional brasileiro, como forma de acesso à
cidadania. A política pública é compreendida como o Estado em ação e sua efetividade representa a
finalidade primeira do administrador público para o Estado Democrático de Direito.

4 Público e o Privado

O movimento de parcerias público‑privadas exige novas e profundas redefinições nas relações


Estado‑sociedade e diferentes estratégias entre estatal/público/privado.

Para Raichelis (2007), a distinção entre sociedade civil – como espaço do privado, entre sociedade
e poder. A dialética deste processo, no entanto, impõe ao Estado a busca de legitimação da sociedade
e a adoção de formas de regulação social e econômica que envolvem o confronto e a representação
de interesses contraditórios. Isso pressiona o Estado a partir da dinâmica contraditória da sociedade
configurada pela luta de classes e permite a constituição de sujeitos coletivos no interior da esfera pública.
100
Tópicos de Atuação Profissional

A nova esfera pública configura‑se como espaço de disputa, só que agora na


cena pública, lugar de encontro das diferenças e dos sujeitos coletivos, em
que os múltiplos interesses divergentes irão confrontar‑se (DURIGUETTO,
2005, p. 89).

Esse novo espaço público não estatal, ao mesmo tempo em que aumenta o espaço decisório da
sociedade, também contribui para redução da onipotência do Estado. Esta afirmativa é contestada pela
linha crítica. Sabe‑se que as diretrizes da Constituição de 1988 não podem jamais ficar distantes desta
discussão.

Cabe destacar que, no artigo 194, inciso VII, se estabelece, como um dos objetivos na sua organização,
o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da sociedade,
em especial dos trabalhadores, dos empresários e dos aposentados. Reitera‑se, no art. 198 e em seus
incisos e no art. 207, o princípio da gestão democrática para a Educação, a Cultura, Família, a Criança,
o Adolescente e o Idoso.

Verifica‑se intenção constitucional pela busca da gestão democrática e pelo princípio da participação.
Estas intenções, quando efetivadas, contribuem para a justiça social, equidade, universalidade,
democratização das informações e fortalecimento do controle social.

A valorização da participação da sociedade civil passou a ser preocupação dos intelectuais


acadêmicos “que voltam suas reflexões para as experiências de gestão pública com as novas modalidades
de administração popular democrática, ao lado de reflexões que buscaram apreender as relações entre
os movimentos populares e as políticas sociais” (DURIGUETTO, 2005, p. 89). A relação entre movimentos
populares e políticas sociais foi:

[...] redimensionada na CF/88, que introduziria novas modalidades de gestão


e organização das políticas sociais por meio da garantia da participação
da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas em
diferentes níveis político‑administrativos. Dentre os canais institucionais de
participação social conquistados, destacam‑se os Conselhos de Direitos –
órgãos paritários de representação governamental e não governamental,
responsáveis pela fiscalização das políticas públicas em nível da União,
Estados e Municípios (DURIGUETTO, 2005, p. 89).

Sabe‑se que a conjuntura constitucional e seus avanços sobre participação, fiscalização, formulação e
os próprios direitos sociais foram tensionados pelo avanço neoliberal, que busca controle social na gestão
e na implementação de políticas públicas com objetivos meramente filantrópicos e voluntaristas. Nesta
perspectiva neoliberal, verifica‑se a desresponsabilização do Estado e do capital sobre a questão social.

Diante deste contexto surge o que se chamou de Terceiro Setor, compreendendo.

O emprego da negativa não estatal é para defini‑la como uma terceira forma de
propriedade, o público não estatal, ao lado da propriedade privada e da estatal,
101
Unidade I

que passariam a compor o chamado campo do terceiro setor ou da sociedade


civil: associações filantrópicas, grupos e organizações comunitárias, ONGs, ações
voluntárias e a chamada filantropia empresarial (DURIGUETTO, 2005, p. 89).

Nesta relação, a sociedade civil transmuta‑se em uma esfera pública não estatal, em um setor situado
além do mercado e do Estado, em cuja lógica prevalece a filantropia, o voluntariado e a solidariedade. Este
conceito da sociedade civil não é defendido apenas pelo neoliberalismo, mas também por intelectuais,
por ações práticas entre outras.

Como forma de participação da sociedade estão os Conselhos de Direito, os quais têm objetivo de
trazer a participação política da sociedade no processo de tomada de decisão das políticas públicas e na
abertura do controle de sua administração.

A efetivação da participação da comunidade em Conselhos de Direito está vinculada ao repasse de


verbas, por meio das quais o Estado fortalece a participação da sociedade na gestão pública.

Hoje se desenvolve o chamado princípio da participação social nos processos


de controle e de avaliação de políticas públicas, que é inerente à ideia de
Estado Democrático de Direito, adotado já no preâmbulo da Lei Maior de
1988 e reafirmado no art. 1º, além de ter sido reiteradamente expresso
em vários setores da Administração Pública, particularmente na parte que
referente à ordem social (OLIVEIRA, 2005, p. 87).

Os conselhos não são órgãos estatais nem meramente comunitários, sendo definidos, portanto,
como públicos não estatais. Sua necessidade se dá pela implementação dos direitos sociais. A legislação
inclui esses conselhos como parte do processo de gestão descentralizada e participativa, sendo eles
constituídos como novos atores paritários e deliberativos.

Embora os Conselhos de Direito sejam garantidos constitucionalmente, sua implementação e


efetivação sofrem entraves, principalmente, quanto à representatividade e paridade. “Em relação à
primeira deve‑se considerar a probabilidade da manutenção do Conselho pelo executivo dos mandatos
dos conselheiros com o mandato dos prefeitos” (OLIVEIRA, 2005, p. 91).

Há outro conjunto de elaborações sobre o conceito de sociedade civil


após 1980, no entanto “estas elaborações vão na direção da denúncia da
desresponsabilização estatal na área social e da defesa da ampliação das
práticas de interlocução e negociação pública para a criação, reconhecimento,
garantia e consolidação de direitos (DURIGUETTO, 2005, p. 93).

Resumo

Nessa unidade inicial nos detivemos a estudar dois processos, sendo


eles: as diferentes concepções possuídas sobre as políticas sociais e o
102
Tópicos de Atuação Profissional

surgimento das políticas sociais na sociedade capitalista em virtude da


ampliação das expressões da questão social.

De tal forma, iniciamos nossos estudos analisando as correntes


filosóficas e econômicas que, desde os tempos mais remotos, vêm atribuindo
significação ao Estado, à vida social, à pobreza, às questões econômicas
e às políticas sociais. Iniciamos esse processo examinando as principais
correntes filosóficas e, na sequência, estudamos também as correntes
econômicas que foram sendo constituídas.

No estudo das correntes filosóficas tivemos contato com as propostas


do Idealismo, Funcionalismo e Marxismo.

Observamos que, de acordo com a perspectiva idealista, o pensamento


e as ideias são muito importantes. Essa corrente ainda defende o poder
soberano do Estado e é um mecanismo de comparação de tipologias de
políticas sociais, porém, não apreende a totalidade dos fenômenos que
condicionam a realidade dos seres humanos.

A perspectiva funcionalista, tal como vimos, compreende a sociedade


como um todo, em que cada instituição tem uma função social a
desempenhar e, assim sendo, para que exista uma sociedade harmônica
e feliz é necessário apenas que cada instituição desempenhe seu papel
corretamente. Nessa ótica, a desigualdade social é vista como algo natural,
que faz parte da sociedade e, portanto, deve ser apenas aceita. Já a política
social é percebida como uma forma de controlar a miséria. Assim sendo,
não é realizada pela corrente funcionalista uma análise com base nas
questões econômicas.

Já o Marxismo, por sua vez, examina a sociedade por meio de uma análise
do sistema capitalista. Podemos dizer que esta corrente realiza uma análise
com base na totalidade dos fenômenos sociais. Para o Marxismo as políticas
sociais são compreendidas como resultado das desigualdades geradas
pela sociedade capitalista, mas também são tidas como possibilidades de
ganho de direitos para a classe trabalhadora e também para a classe mais
empobrecida de nossa sociedade.

Também estudamos correntes econômicas como: Liberalismo,


Keynesianismo e Neoliberalismo, e observamos que essas correntes possuem
compreensões totalmente diferenciadas sobre as políticas sociais.

Como vimos, o Liberalismo crê que todas as necessidades dos seres


humanos podem e precisam ser atendidas por meio do mercado, sobretudo
pelo trabalho. Assim sendo, não há necessidade de uma intervenção estatal
103
Unidade I

na vida dos cidadãos e também não há demanda pela intervenção, por


parte do Estado, na regulação econômica, já que, segundo essa perspectiva,
o próprio mercado se autorregularia.

Após tal concepção passamos a estudar o Keynesianismo que,


como vimos, propunha uma série de orientações sobre a questão
econômica, sendo que tais foram pensadas como uma alternativa à
crise capitalista que eclodiu em todo mundo em meados dos anos
1900. Segundo o Keynesianismo, a alternativa para a crise capitalista
seria a ampliação da intervenção estatal na regulação econômica e nas
expressões da questão social. Para essa perspectiva, seria necessário
alcançar o pleno emprego e proporcionar o acesso à renda para as
pessoas que não podia trabalhar e, dessa forma, o consumo seria
reativado. Com o consumo sendo reativado, o capitalismo poderia
superar a situação de crise vivenciada.

No entanto, conforme estudamos, os ideais de Keynes não se mantiveram


e foram substituídos na década de 1970 pelo Neoliberalismo que, nada mais
é do que um reavivamento dos ideais do Liberalismo, também estudado por
nós. Todavia, o Neoliberalismo é fortemente influenciado pelas mudanças
do processo produtivo e pela reestruturação produtiva. Para essa corrente,
a crise é responsabilidade do Estado, que interveio sobremaneira na
economia e na vida dos seres humanos, e a alternativa encontrada para
superá‑la seria a retração estatal.

Mais que concepções teóricas, essas orientações trazem implicações ao


formato de Estado e, consequentemente, ao padrão adotado por ele no
desenvolvimento das políticas sociais.

Observamos ainda que a ampliação das ações em política social está


diretamente relacionada ao aumento das expressões da questão social
que se observa, sobretudo, na sociedade capitalista em sua fase madura
e consolidada. Podemos concluir enfatizando que, apesar de serem
constituídas com finalidade de controle da classe trabalhadora e também
como uma alternativa para a reprodução social desta classe, a política social
não deixa de ser um direito conquistado e que, como tal,deve ser mantido.

Partindo das considerações sobre as políticas sociais, passamos a


destacar os mecanismos de participação e controle social que vão sendo
constituídos para realizar uma gestão democrática e participativa destas
políticas. Diante disso, demonstramos quais princípios e mecanismos
devem ser observados e constituídos, para que as políticas sociais sejam
geridas de fato de forma partilhada, sobretudo de modo a viabilizar a
participação dos usuários.
104
Tópicos de Atuação Profissional

Deste modo, conforme demonstramos, a democracia não deve estar


restrita à questão do voto: é necessário incorporar ao cotidiano das pessoas
outras instâncias de participação e controle social.

Recomendamos, no entanto, que você retome os conteúdos tratados,


visto que são fundamentais à sua formação.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2010) O assistente social, tanto em sua prática investigativa para conhecimento
da realidade, quanto em sua atuação junto aos movimentos sociais, necessita do aporte teórico de
autores clássicos. Destes, alguns conceitos teóricos devem ser priorizados, objetivando perceber a
realidade tal qual ela é.

Fonte: GOHN, M. G. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2000 (adaptado).

Assinale a alternativa que apresenta conceitos fundamentais que devem ser considerados pelo
assistente social em sua prática:

A) Classes, estamentos, papéis em Durkheim, função e organização da cultura em Weber e estrutura,


infraestrutura e superestrutura em Marx.

B) Ação social e suicídio em Durkheim, anomia/disnomia em Weber e consciência individual, capital


e trabalho em Marx.

C) Luta de classe em Durkheim, burocracia e aparelhos de Estado em Weber e estratificação social em


Marx.

D) Organização em Durkheim, desorganização em Weber e consciência de classes em Marx.

E) Anomia/disnomia em Durkheim, burocracia em Weber e consciência e luta de classes em Marx.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: Émile Durkheim é um dos mais importantes nomes da Sociologia. Suas ideias, formuladas
no século XIX, ainda são base para o pensamento contemporâneo. Segundo ele, a Sociologia tem o
papel de compreender o funcionamento orgânico da sociedade a fim de formular leis que a expliquem.
Durkheim inspirou-se nas ciências biológicas para propor o estudo da sociedade de forma científica,
acreditando na possibilidade de distanciamento entre o pesquisador e o objeto a ser analisado.
105
Unidade I

Um dos conceitos centrais do seu pensamento é o fato social. Segundo o autor, o fato social consiste
em maneiras de agir, de pensar e de sentir que exercem determinada força sobre os indivíduos e obriga-
os a se adaptarem às regras da sociedade.

Um fato social é caracterizado por três elementos: generalidade, exterioridade e coercitividade. A


generalidade indica que os fatos sociais são gerais, ou coletivos. A exterioridade indica que os fatos
sociais são externos ao indivíduo. A coercitividade está relacionada ao poder, ou seja, à força que
impõe padrões aos indivíduos.

A Igreja, a escola, a família e o Estado são exemplos de instituições que ditam regras de conduta,
aceitas e legitimadas socialmente. Nas sociedades modernas, segundo Durkheim, a coerção social torna-
se mais difusa e é exercida, também, pela divisão do trabalho, devido à interdependência entre indivíduos
e grupos sociais. A coerção social está presente velada ou abertamente.

Durkheim valoriza o papel dessas instituições, afirmando que a ausência delas leva ao estado de anomia.
Na obra O suicídio, ele emprega esse termo para se referir a qualquer elemento em desarmonia com a ordem
social, como se fosse uma patologia. A falta de regras ou do bom funcionamento das instituições sociais
provoca o desequilíbrio do indivíduo, o que pode levá-lo a cometer crimes ou suicídio. A anomia, portanto,
deve ser vista como a grande inimiga da sociedade e cabe ao sociólogo compreendê-la.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: outro grande nome da Sociologia é Max Weber. De acordo com ele, a organização da sociedade
ocorre por meio da ação burocrática do Estado, que regula as ações sociais e estabelece as hierarquias.

Na sua concepção, a burocracia visa a racionalizar e a otimizar os meios de produção, evitando


perda de tempo, excesso de procedimentos e maus atendimentos. A burocracia é, portanto, um aparato
técnico-administrativo, formado por profissionais especializados.

A burocracia possibilita a hierarquização da sociedade e a divisão do trabalho, o que permite que


cada um desempenhe uma função específica e contribua para o funcionamento do todo. Nesse sistema,
destacam-se a competência técnica e a meritocracia para o estabelecimento das funções.

Dessa forma, para Weber, a organização burocrática é condição sine qua non para o desenvolvimento
de uma nação, por ser indispensável ao funcionamento do Estado e de todas as atividades econômicas.

Marx discute a questão da formação da consciência de luta de classes de maneira coletiva, não
individual.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: conforme já pontuado nas justificativas anteriores, Durkheim não discute a questão da
luta de classes. Karl Marx não se propõe a apenas explicar a sociedade, mas também a transformá-la.
Para mudar o mundo, é necessário vincular o pensamento à prática revolucionária.
106
Tópicos de Atuação Profissional

Em sua obra mais famosa, O Capital, Marx expõe os princípios do sistema capitalista e suas
implicações sociais. Nesse sistema, os meios de produção encontram-se nas mãos da classe
dominante (burguesia) e os trabalhadores vendem sua força de trabalho em troca do salário,
suficiente para a sua sobrevivência. A riqueza do capitalista é gerada pelo trabalho realizado e não
pago, o que constitui a mais-valia. Assim, a desigualdade social e a apropriação do trabalho do
operariado são características intrínsecas ao sistema capitalista.

Na concepção marxista, as forças produtivas e econômicas formam a infraestrutura da sociedade, ou


seja, são as relações econômicas que fundamentam as demais relações. Na superestrutura, encontram-
se a política, a cultura, a religião e a educação, por exemplo.

Para Marx, o Estado representa os interesses da classe dominante e procura assegurá-los com sua
política. Na visão marxista, a história pode ser compreendida como o movimento provocado pelas
mudanças nas forças produtivas e pela luta de classes.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: conforme já pontuada, Weber afirma que a organização da sociedade ocorre por meio
da ação burocrática do Estado, que regula as ações sociais e estabelece as hierarquias, sendo assim, a
desorganização não é um conceito defendido por Weber.

E) Alternativa correta.

Justificativa: o assistente social deve ter consciência dos problemas e das disfunções sociais, por isso
precisa conhecer os conceitos de anomia/disnomia de Durkheim. Deve, também, conhecer a estrutura
pública de organização, ou seja, a organização burocrática descrita por Weber. Além disso, deve ter
consciência das desigualdades sociais e da luta de classes, descritas por Marx.

Questão 2. (Enade 2010) O pensamento neoliberal defende uma segmentação entre as esferas
do Estado e do mercado. O neoliberalismo entende a existência e permanência das questões
econômicas no âmbito do mercado, enquanto ao Estado cabem os processos da política formal
e, eventualmente, algumas atividades sociais. Desse modo, trata-se de uma concepção do Estado
como público e de tudo o que não é estatal como privado. Nesse sentido, o modelo de Estado que
mais se aproxima ao ideal do pensamento neoliberal é aquele que:

A) Centraliza o poder de dirigir os interesses particulares de frações da população, não toma


conhecimento da atuação da sociedade civil e tem como meta a luta contra a tirania da maioria.

B) Promove a democracia governada, restringe a participação política ao silencioso ato eleitoral e


assegura a legitimação total da dominação da sociedade.

C) Amplia suas responsabilidades no tratamento da questão social, prioriza a questão econômica


como determinante do sistema e se distancia da sociedade.

107
Unidade I

D) Reduz suas intervenções no campo social, apela à solidariedade e se apresenta como parceiro da
sociedade em suas responsabilidades sociais.

E) Fornece a estrutura necessária para a livre concorrência do mercado, atua de forma descentralizada
e reconhece a universalização dos direitos sociais a todos os cidadãos.

Resolução desta questão na plataforma.

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