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Supervisão de

Intervenção Profissional
Autora: Profa. Renata Christina Leandro
Colaboradores: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Glaucia Aquino
Professora conteudista: Renata Christina Leandro

A professora Renata Christina Leandro graduou-se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, PUCCAMP, em 2002. Especializou-se em Violência doméstica contra criança e adolescente pelo Laboratório
da Criança, LACRI, do Instituto de Psicologia, IP, da Universidade de São Paulo, USP, 2005, e em Sexualidade Humana
pela Faculdade de Educação, FE, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, em 2009. É pós-graduanda em
Formação em EaD pela UNIP.

Possui experiência em Gestão Social, como gestora municipal no município de São Thomé das Letras, Minas Gerais,
e na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro. Atuou também
em Centros de Referências de Assistência Social – CRAS, no atendimento matricial a famílias e, na área de criança
e adolescente e suas respectivas famílias, no município de Campinas, no Programa Municipal de Enfrentamento à
exploração sexual infanto-juvenil de 2003 a 2007.

Atualmente, ministra aulas na UNIP, campi de Sorocaba, e atua como consultora em gestão pública, nos assuntos
de captação de recursos e responsabilidade social.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L437s Leandro, Renata Christina

Supervisão de intervenção profissional / Renata Christina


Leandro. – São Paulo, 2012.

152 p. il.

1. Intervenção profissional. 2. Supervisão profissional. 3.


Projetos de intervenção I. Título.

CDU 658.3

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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Luanne Aline Batista da Silva
Sumário
Supervisão de Intervenção Profissional
Apresentação.......................................................................................................................................................9
Introdução......................................................................................................................................................... 10

Unidade I
1 ANÁLISE DAS PRÁTICAS INSTITUCIONAIS: AS INSTITUIÇÕES E AS ORGANIZAÇÕES
COMO LÓCUS INSTITUCIONAL DO SERVIÇO SOCIAL............................................................................. 13
1.1 As instituições e organizações: política social, burocracia e o assistente social......... 16
1.1.1 O positivismo............................................................................................................................................. 18
1.1.2 A fenomenologia e o Serviço Social................................................................................................ 19
1.1.3 O marxismo e o Serviço Social........................................................................................................... 20
1.1.4 Gramsci e a análise sobre o poder e a hegemonia..................................................................... 20
1.1.5 Foucault: poder disciplinar e microfísica do poder................................................................... 22
1.1.6 Goffman: poder e legitimidade a partir das instituições........................................................ 23
1.1.7 A legitimidade........................................................................................................................................... 23
1.1.8 Táticas e estratégias no exercício do poder e da ideologia.................................................... 24
2 PARTICULARIZAÇÃO DOS CAMPOS DE PRÁTICAS DO SERVIÇO SOCIAL: PODER E
CORRELAÇÃO DE FORÇAS................................................................................................................................ 27
2.1 Contrapoder............................................................................................................................................ 27
2.2 Particularizações dos campos de prática do Serviço Social: conflitos e
contradições.................................................................................................................................................... 31
2.3. Particularização dos campos de práticas do Serviço Social: correlação de
forças e superação....................................................................................................................................... 33
2.4 Particularização dos campos de prática do Serviço Social: hierarquia, legislação,
conjuntura, população social e demandas......................................................................................... 34
2.4.1 Hierarquia institucional......................................................................................................................... 34
2.4.2 Legislação, instituição e prática profissional................................................................................ 35
2.4.3 O que é conjuntura?............................................................................................................................... 36
2.4.4 População usuária do Serviço Social............................................................................................... 37
2.4.5 As instituições, os profissionais e os usuários.............................................................................. 38
2.4.6 As demandas sociais............................................................................................................................... 39
3 PARTICULARIZAÇÃO DOS CAMPOS DE PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL: PROCEDIMENTOS
INTERVENTIVOS, CONHECIMENTO E PRÁTICA.......................................................................................... 40
3.1 Paradigmas metodológicos do trabalho social......................................................................... 40
3.2 Autoimplicação entre conhecimento e prática........................................................................ 42
3.3 Pode-se pensar o conhecimento como instrumento de trabalho do assistente
social?................................................................................................................................................................ 43
4 ANÁLISE DAS PRÁTICAS DO SERVIÇO SOCIAL: ELEMENTOS E PROCESSOS
INSTITUCIONAIS.................................................................................................................................................... 43
4.1 Formas de práticas do Serviço Social............................................................................................ 43
4.2 Repensando a prática profissional nas instituições................................................................ 46
4.3. Ética na dimensão política do Serviço Social........................................................................... 48
4.4 As práticas institucionalizadas: estratégias e técnicas do Serviço Social no
campo de estágio e de atuação profissional..................................................................................... 49
4.4.1. O Serviço Social e a prática institucionalizada........................................................................... 50
4.4.2. Avanço das estratégias e técnicas profissionais........................................................................ 53
4.5 O estágio supervisionado e a prática profissional................................................................... 55
4.5.1 A prática profissional e sua função educativa............................................................................. 57
4.5.2 A prática profissional no estágio e sua relação com o mercado de trabalho................. 59
4.5.3 A prática profissional, o estágio e a sociedade contemporânea.......................................... 60
4.6 A relação teoria e prática no campo de estágio....................................................................... 62
4.6.1 A relação teoria e prática e o saber no estágio supervisionado........................................... 63
4.6.2 A prática profissional e a relação teoria e prática..................................................................... 66
4.7 A legislação de estágio e a atividade de reflexão teórico-prática................................... 68
4.8 A análise institucional no estágio supervisionado.................................................................. 69
4.8.1 Roteiro para a análise institucional................................................................................................. 70

Unidade II
5 A IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO para a FORMAÇÃO PROFISSIONAL............................................ 82
5.1 O campo de estágio como lugar de aprendizado.................................................................... 83
5.3 A análise dos espaços sócio-ocupacionais na contemporaneidade................................. 84
5.4 Os espaços sócio-ocupacionais como lócus de apreensão da prática
profissional...................................................................................................................................................... 87
5.5 O papel dos sujeitos envolvidos no estágio supervisionado do Serviço Social........... 88
6 A ELABORAÇÃO DO PROJETO DE INTERVENÇÃO APLICADO À POLÍTICA SOCIAL
EXECUTADA NOS CAMPOS DE ESTÁGIO..................................................................................................... 89
6.1 O Serviço Social na política social de atenção à criança e ao adolescente.................. 89
6.3 O Serviço Social e a política de atenção ao idoso................................................................... 91
6.4 O Serviço Social e a pessoa com deficiência.............................................................................. 93
6.5 O Serviço Social e o trabalho de geração de renda................................................................. 94
6.6 O Serviço Social e o trabalho na área rural................................................................................ 95
6.6.1 As necessidades do setor rural e o assistente social................................................................. 98
6.7 Habitação, um problema social contemporâneo..................................................................... 98
6.8 A atuação do assistente social na área da saúde...................................................................100
6.9 O Serviço Social, a assistência social e a previdência social..............................................103
6.10 Os assistentes sociais e o Terceiro Setor..................................................................................105
6.11 O trabalho do assistente social nas empresas....................................................................... 107
Unidade III
7 A IMPORTÂNCIA DA SENSIBILIZAÇÃO E DA MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE PARA A
EXECUÇÃO DO PROJETO DE INTERVENÇÃO............................................................................................ 115
7.1 O processo de mobilização para a elaboração e execução de projetos sociais.......... 115
7.2 Roteiro para a elaboração de projeto de intervenção........................................................ 117
7.2.1 Apresentação ..........................................................................................................................................117
7.2.2 Justificativa .............................................................................................................................................117
7.2.3 Objetivos ..................................................................................................................................................117
7.2.4 Público-alvo ............................................................................................................................................118
7.2.5 Metas a atingir ......................................................................................................................................118
7.2.6 Metodologia ...........................................................................................................................................118
7.2.7 Recursos ................................................................................................................................................... 118
7.2.8 Parceiros ou instituições apoiadoras ............................................................................................ 119
7.2.9 Avaliação ..................................................................................................................................................119
7.2.10 Cronograma de execução ............................................................................................................... 119
7.2.11 Orçamento ............................................................................................................................................ 120
7.2.12 Bibliografia .......................................................................................................................................... 120
7.2.13 Anexos ................................................................................................................................................... 120
7.2.14 Apêndice................................................................................................................................................ 120
7.2.15 Modelo de capa...................................................................................................................................121
7.2.16 Modelo de folha de rosto............................................................................................................... 122
7.3 Execução do projeto de intervenção e seus elementos importantes............................122
7.4 Abordagem grupal e atuação do assistente social em formação de grupos..............124
7.4.1 Progênie de grupo................................................................................................................................ 124
7.4.2 Serviço Social e trabalho com grupos.......................................................................................... 126
7.5 Abordagem grupal e a atuação do assistente social em reuniões..................................127
7.6 Técnica de entrevista: componente instrumental da prática cotidiana dos
assistentes sociais.......................................................................................................................................129
7.7 Entrevista domiciliar: técnica imprescindível na prática do assistente social...........133
8 OS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO DOS PROJETOS DE INTERVENÇÃO...........................................135
8.1 Realizando a avaliação......................................................................................................................135
8.1.1 A avaliação participante.................................................................................................................... 137
Apresentação

Prezado aluno, a disciplina Supervisão de Intervenção Profissional soma-se às diversas modalidades


de formação ofertadas pelo ensino de qualidade da Universidade Paulista aos futuros assistentes sociais,
tendo, como as demais, bastante importância em seu processo formativo.

Dedicamo-nos inicialmente neste material à conceituação do que é e vem sendo instituição para
entendermos o histórico das organizações sociais, identificando a relação entre elas, o assistente social
e as políticas sociais. Adentramos em questões tocantes à burocracia e o Serviço Social, destacando as
limitações e as características centrais de poder e contrapoder das instituições sociais.

Refletimos sobre os problemas centrais que envolvem a prática dos assistentes sociais, as contradições,
os dilemas, as perspectivas e as demandas das políticas sociais no contexto de instituições sociais que,
por omissão do Estado neoliberal, devem garantir o bem-estar da maioria da população. Vemos que,
sob uma ótica da classe dominante, os interesses dessas organizações apresentam-se antagônicos em
relação aos da classe trabalhadora, formada pela maioria da população. Investigamos a partir de então a
relação entre instituições e organizações sociais. Nessa direção, buscamos entender o papel da hierarquia
e da legislação específica na ação do Serviço Social, demonstrando a importância do conhecimento
acerca delas por parte do profissional. É conhecendo-as que você, aluno, pode compreender os campos
de estágios que respondem às demandas específicas das políticas sociais implementadas.

Dessa forma, levantamos os indicadores da conjuntura global que interferem nas instituições,
discutindo a relação entre situação conjuntural, demandas de políticas sociais e da população usuária do
Serviço Social, identificando as diferentes formas de práticas do Serviço Social. Analisando-as, discutimos
sobre como também o Serviço social deve reconhecer os elementos conhecimento e intervenção como
instrumentos de trabalho no contexto institucional. Por esse motivo é que também estudamos as
diferentes visões metodológicas em relação à prática do assistente social e a autoimplicação entre teoria
e prática para os procedimentos interventivos da profissão.

Frente a essa conjuntura tratamos da importância do Código de Ética do Assistente Social no


dimensionamento ético-político da profissão, sua abrangência sobre a relação dos sujeitos envolvidos
no processo de estágio: a instituição, o profissional e os usuários.

Assim, a disciplina Supervisão de Intervenção Profissional tem como objetivo possibilitar ao educando
a compreensão crítica da atuação do profissional em suas diferentes realidades de trabalho, visando à
elaboração de um projeto de intervenção em resposta às demandas específicas da política social, de
acordo com a especificidade do campo de estágio (criança e adolescente, idoso, pessoas com deficiência,
geração de renda e área rural, habitação, saúde, assistência social, previdência social), além de possibilitar
a você, aluno, conhecer os elementos da realidade social, algumas demandas específicas do Terceiro
Setor, como também, apreender a importância da sensibilização e mobilização das comunidades e seu
envolvimento nas discussões e na execução dos projetos de intervenção.

Outro ponto a ser debatido é o conhecimento das instituições como espaço de ação do Serviço
Social na implementação das políticas públicas. Torna-se, nesse sentido, imprescindível, ao acadêmico,
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a realização da análise institucional. Você terá, então, contato com um modelo de Roteiro para Análise
Institucional que, mediante as adequações cabíveis, o auxiliará na sua atuação profissional contemporânea.
Para tanto, há a necessidade do seu empenho para apreender os elementos fundamentais acerca das
realidades institucionais em que se inserem os assistentes sociais e como se dão as relações de forças
existentes no campo de estágio.

Discutimos ainda sobre a prática profissional e sua função educativa no espaço de estágio, bem
como a sua relação com o mercado de trabalho e a sociedade contemporânea. Demonstramos que o
profissional de Serviço Social, para tanto, deve se pautar pela ética, questão indispensável a todos os
setores da atividade humana, à conduta cotidiana das pessoas em suas relações com as outras e com
o ambiente onde vivem. Veremos que, nas profissões, a ética configura-se por um conjunto de códigos
próprios, mas que não se restringe a um código específico; ela deve ser mediada por um comprometimento
fixado em projeto político que direciona a intervenção dos profissionais. Você aprenderá, então, sobre a
dimensão ético-política da prática profissional nas instituições e os aspectos relativos ao compromisso
do assistente social com o desenvolvimento da sociedade.

Introdução

Tendo como propósito oferecer subsídios para a reflexão sobre a questão metodológica do Serviço
Social, destacamos nesta disciplina dois paradigmas que vêm orientando a atuação cotidiana dos
assistentes sociais nas instituições: a metodologia da regulação e a metodologia da articulação. Nesse
sentido, a todo momento pontuamos a implicância da relação entre teoria e prática para a evolução
do conhecimento como instrumento do profissional. Para que possa avaliar a significação social das
suas ações, duas questões devem estar sempre presentes: quais atividades realizará no seu cotidiano
e qual significação que elas podem ter para a participação ou desenvolvimento social da população.
Conforme afirma Souza (2004, p. 16), “quando uma ideia ou prática institucionalizada não encontra a
população usuária do Serviço Social que a reconheça como importante, incorporando-a como um dos
seus elementos, ela deixa de existir como instituição”.

As atividades exercidas pelo profissional de Serviço Social e também pelo estagiário expressam um
saber que se torna poder à medida que se articulam institucionalmente, e se realizam como prática.
É, na análise e dimensão da prática do Serviço Social, que as atividades cotidianas do assistente social
apresentam importância e compreensão para a própria redefinição das suas intervenções e para
a obtenção de novos subsídios teóricos. É então que se reconhecem os elementos instrumentais do
trabalho no contexto institucional para o enfrentamento da questão social.

Na atualidade, esse exame destina-se à construção de novas relações e à defesa da justiça social.
Assim, estudamos como a formação profissional contemporânea volta-se para um perfil competente,
criativo e propositivo. Começamos a ver isso desvendando a relação entre o estágio e a prática
profissional, além de pontuarmos algumas legislações que instituem os direitos materializados por meio
das políticas públicas e sociais nas áreas da assistência social, previdência, saúde, criança e adolescente,
Terceiro Setor, habitação, entre outros. Vemos também como o assistente social atua com essas políticas
nas instituições que são campos de estágio para o curso de Serviço Social.

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O estágio supervisionado é obrigatório para o aluno que cursa Serviço Social. Essa etapa de
estudos tem como objetivo possibilitar a você, aluno, relacionar os conhecimentos teóricos adquiridos
na formação ao fazer profissional, rendendo-lhe rico aprendizado de habilidades, conforme assevera
Buriolla: “o estágio prático é essencial à formação do aluno de Serviço Social, enquanto lhe propicia um
momento específico de sua aprendizagem e com situação efetiva de treinamento profissional”. Dessa
forma, você compreenderá que o estágio é um espaço de suma importância para apreender de forma
crítica e reflexiva o cotidiano profissional vivido pelos profissionais inseridos nas instituições e nos
variados campos de atuação do Serviço Social.

Sendo parte integrante e indispensável do conteúdo programático do curso de graduação do Serviço


Social, o processo de estágio deve ser realizado mediante o encaminhamento do aluno pela universidade
aos campos de estágio, que devem, obrigatoriamente, conter em seu quadro funcional um assistente
social. É importante saber que o estágio não poderá ser validado se o estagiário não for acompanhado
por um profissional do Serviço Social.

Para que o estágio contribua para o aprendizado do aluno e possa subsidiá-lo para o exercício
profissional, é necessário o envolvimento e o comprometimento dos supervisores de estágio, os
colaboradores de campo, o aluno e as instituições que abrem seus espaços sócio-ocupacionais para a
realização desse processo.

Segundo Azeredo e Souza (2004), um dos maiores desafios que o assistente social enfrenta é a
articulação entre a profissão e a realidade social, ou seja, conciliar os conhecimentos teóricos com o
desenvolvimento de suas ações práticas na sociedade. Assim, veremos como o Serviço Social, a partir da
sistematização de suas técnicas de trabalhos e a ruptura com um trabalho apenas vocativo e filantrópico,
apropriou-se de um projeto de trabalho como instituição. Tornou-se instituição, pois é um trabalho
que tem um objeto de intervenção e atende um contingente de usuários que utilizam de resultados
produzidos pela categoria de assistentes sociais, necessários à sobrevivência da população usuária das
políticas sociais.

Dessa forma, podemos afirmar que o Serviço Social tem seu firmamento como profissão
e o significado social da sua prática entrelaçado ao próprio funcionamento das instituições
que efetivam os serviços de saúde, lazer, educação, previdência, entre outros. Insere-se como
instrumento de mediação traduzido em um processo que viabiliza os bens e serviços de políticas
procurados pela população usuária.

Veremos que a profissão também atua na orientação e socialização de informações, com vistas a
suscitar a reflexão acerca dos direitos, reivindicações e organização das classes, em busca da efetivação de
conquistas sociais. Segundo Souza (2004, p. 99) assevera ainda, “um mínimo de formulação profissional
sobre todos os elementos que envolvem a profissão pode fazer das normas existentes um meio de
penetração consciente da população na realidade institucional, fazendo desta um canal de expressão
das suas necessidades próprias de participação”.

Voltando-se o exercício profissional dos assistentes sociais para a sensibilização da população no


sentido de participação na luta pela efetivação dos direitos sociais, torna-se necessária a interpretação
11
Unidade I

das instituições, normas e procedimentos adotados, para capacitar o profissional a uma leitura crítica
sobre esses espaços de atuação.

Sendo assim, o estágio supervisionado cumpre a função de propiciar ao aluno a reflexão, a discussão,
a observação e a colaboração para o exercício profissional do assistente social no conhecimento da
realidade e no aprendizado sobre a conjuntura social, sobre as instituições e suas políticas de atendimento
aos usuários, assim como sobre a política pública social brasileira.

Como primeiro momento de estágio acadêmico, você, aluno, deve observar e colaborar com o
assistente social do seu campo de estágio, apreender o seu exercício profissional e ainda qual política
assistencial é implementada pela instituição. Essa análise, ou diagnóstico institucional, para conhecer a
realidade social apresentada deve ser imediata.

No segundo momento, você deve elaborar um projeto de intervenção a partir da demanda


(problemática) atentamente detectada na realidade dos usuários do Serviço Social, em questão. Quando
detectada a situação-problema, você deve planejar e elaborar o projeto de intervenção, articulando
ações e procurando parcerias necessárias. Mais uma vez se acentua a importância do conhecimento da
legislação que fundamenta os direitos sociais dos usuários do Serviço Social.

Detendo-nos nesse ponto crucial do estágio, o projeto de intervenção, que deve ser construído
na segunda etapa desse processo, ressaltamos que o acadêmico deve elaborar um projeto que venha
propor respostas voltadas diretamente para os usuários do Serviço Social da instituição em que estagia.
Você verá que os instrumentos técnico-operativos não podem ser desprezados, uma vez que o trabalho
do assistente social é realizado na dinâmica da sociedade contemporânea.

Veremos que um dos elementos mais importantes do projeto é a avaliação da efetividade do mesmo
ao final da execução, ou seja, a constatação do impacto que as atividades desenvolvidas produziram
sobre o alvo de intervenção social. Assim, no corpo do projeto de intervenção, metodologicamente, o
aluno pode determinar como vai ser a forma de avaliação.

Nossos estudos culminam com a discussão sobre os avanços na atuação profissional do Serviço
Social na utilização de estratégias e técnicas pautadas no reconhecimento da unidade teoria/prática,
conhecimentos estes que contribuem, sobremaneira, para que você apreenda o significado do trabalho
com grupos, a importância das técnicas de reunião, entrevistas e estratégias similares no processo de
Serviço Social.

Comecemos! Empenhe-se para um bom aprendizado.

12
Supervisão de Intervenção Profissional

Unidade I
1 ANÁLISE DAS PRÁTICAS INSTITUCIONAIS: AS INSTITUIÇÕES E AS
ORGANIZAÇÕES COMO LÓCUS INSTITUCIONAL DO SERVIÇO SOCIAL

Conceituamos as instituições e as organizações sociais apoiando-nos no sociólogo positivista


Durkheim, que é considerado um teórico das instituições. Esse rótulo deve-se à sua abordagem
funcionalista da sociedade e sua preocupação em mostrar a necessidade de manutenção da sociedade
como instituição central.

Na perspectiva durkheimiana, as instituições são marcadas por normas, regras e valores para a
garantia da sustentação da sociedade. Sobre esse tema, Sousa (1995, p. 41) afirma:

Para Durkheim, a institucionalização transforma as diferenças


provenientes da divisão social do trabalho em relações estáveis
e previsíveis e, como conjunto articulado de normas e valores
representativos da consciência coletiva, torna-se um fenômeno moral;
esses indicadores de fins a atingir não devem ser fonte de coerção,
mas de respeito. [...] os valores, sentimentos e crenças, para Durkheim,
vêm institucionalizar-se à medida que se interiorizam na consciência
comum das pessoas como formas duradouras.

Temos, portanto, a ideia de instituição a partir de ideais, valores e normas para a existência da
sociedade, que, quando estabelecidos por uma coletividade, dão margem ao surgimento de várias
organizações sociais que passam a atuar para garantir a perpetuidade das instituições.

Observação

A ideia de padrões sociais diz respeito a certa formatação dos indivíduos,


de modo que estes devem viver a partir do que é imposto pela maioria
como normal ou correto.

A vida na sociedade desenvolve-se em torno de padrões que são considerados fundamentais


por parte de pessoas, grupos e organizações. Ocorre, por outro lado, que nem sempre os padrões
estabelecidos são aceitos naturalmente por determinados indivíduos que se veem à frente
da sociedade do seu tempo. Isso significa que o modelo institucional tende a gerar conflitos,
principalmente porque os padrões que são estabelecidos por grupos em determinados contextos
históricos, por vezes, passam a ser ultrapassados para a atualidade.

13
Unidade I

Se você tomar como exemplo o período da escravidão no Brasil, verá que os padrões sociais ignoravam
e desrespeitavam totalmente o negro, o que, em nossa sociedade, já é bastante questionado, de modo
que o racismo é considerado um crime inafiançável.

Veja que, para a sociedade escravocrata estabelecida a partir dos interesses e ideologias da elite
colonizadora, era considerado um absurdo garantir direitos aos negros. A sociedade, entretanto,
felizmente, apesar de lenta, progride também do ponto de vista ético e moral, muito embora ainda falte
muito para ser igualitária, justa e ética.

As instituições sociais também não nascem por acaso, mas são fruto de toda uma contextualização
histórica. Por isso, é fundamental percebermos como determinadas organizações se formaram com seus
valores e ideologias.

Dessa forma, a partir de valores, normas, regras e ideologias, as organizações sociais são criadas para
a garantia da institucionalidade, isto é, as organizações existem a partir das ideologias que permeiam as
instituições consideradas indispensáveis para a permanência da sociedade.

Conforme Sousa (1995, p. 43), as organizações:

são como engrenagens criadas pela sociedade como meio de


operacionalização dos elementos institucionalizados. Como tal, o
conceito de organização tem a ver com o conceito de instituição. Se as
instituições se elaboram na dinâmica social, as organizações são como
que uma aparelhagem para a efetivação das funções institucionais.

Lembrete

A institucionalidade corresponde à forma como as sociedades se


desenvolvem a partir das organizações. Na sociedade institucionalizada,
o individuo é forçado a aceitar a lógica das instituições e toda a sua
formalidade e racionalidade.

Veja que as organizações baseiam-se nas instituições para existirem. A sociedade apresenta uma
diversidade de organizações para garantir sua sobrevivência. Contudo, é importante perceber que os
conflitos surgem em razão da diversidade de ideais e valores que passam a surgir ao longo do tempo,
especialmente com as gerações mais novas.

As organizações modernas, embasadas na lógica industrial e capitalista, apresentam-se de


maneira cada vez mais burocrática, de modo a esconder os conflitos e garantir a ordem social. Por
esse motivo, é frequente a formalidade, a burocracia, a impessoalidade e a pressão para atender a
ideologia dominante.

14
Supervisão de Intervenção Profissional

O funcionalismo, por exemplo, constitui uma forma de percepção da sociedade, a partir das
funções a serem executadas, isto é, o empregado ou trabalhador é arregimentado para servir
ao modelo estabelecido. O assistente social, por exemplo, é contratado para cumprir as ordens
ou função esperada pela empresa, ou seja, para cumprir a sua parte para o desenvolvimento da
sociedade.

Segundo Sousa (1995, p. 43):

Sob o pretexto de conhecimento de recursos sociais da comunidade, já


desde a formação profissional, os futuros assistentes sociais são, por vezes,
levados a conhecer as organizações relacionadas ao bem-estar social. Esse
conhecimento, no entanto, é direcionado sempre para os aspectos formais:
localização, finalidade, âmbito de ação, instalações, funcionamento,
organograma. O conhecimento é direcionado para os aspectos formais, mas
a intervenção profissional é orientada pelo padrão das escolas das relações
humanas.

Observação

A preocupação fundamental das organizações é como produzir melhor,


como realizar melhor suas funções. Isso toca não só as empresas, mas
também as organizações sociopolíticas, afirma Souza (2004, p. 44).

A escola das relações humanas, muito embora trate de aspectos importantes no que
concerne às relações sociais nas organizações, situa-se em uma perspectiva de reprodução
do sistema, ou seja, no enfoque de promover o desenvolvimento das relações de produção do
capitalismo.

O assistente social é empregado em uma determinada organização pública ou privada sob a ótica
da escola das relações humanas, o que o torna um instrumento do Estado ou da empresa privada que
o emprega. Portanto, a prática desse profissional muitas vezes é limitada a atender as demandas da
reprodução do sistema. A esse respeito Sousa afirma:

O assistente social está entre os agentes institucionais e, assim, o produto


da sua ação deve ser entendido também como o produto das inter-relações
entre os demais agentes e atores. Nesse sentido, a dinâmica dessas inter-
relações fala sobre a própria significação da prática do Serviço Social. Uma
prática profissional consciente e responsável, consequentemente só se dá à
medida que o assistente social tenha presente essa realidade (1995, p. 45).

Você percebeu como o ambiente em que, geralmente, o assistente social atua é marcado por
contradições e exige desse profissional uma consciência crítica para não se tornar um mero executor ou
reprodutor do sistema?
15
Unidade I

1.1 As instituições e organizações: política social, burocracia e o assistente


social

O trabalho do assistente social nas instituições é marcado por contradições, em razão da estrutura
da sociedade, forjada sob as bases da elite dominante. Desde o início do Serviço Social, o assistente
social é forçado a atuar para legitimar a estrutura burguesa, o que o leva a uma situação dramática,
especialmente porque é relegado pelo Estado geralmente a um mero instrumento para a reprodução
dessa sociedade.

Sob a ótica das instituições, o profissional é um instrumento a serviço do desenvolvimento da


sociedade. Dessa forma, é-lhe exigido o cumprimento dessa função para a qual foi contratado. No
caso do assistente social, não está isento de todo o aparato burocrático e formal para fazer com que o
trabalho seja realizado conforme os padrões exigidos pela empresa, grupo ou organização social a que
está vinculado, de que, principalmente, recebe seu salário.

Para Faleiros (2001, p. 60)

As normas institucionais são formas de enquadramento dos problemas que


elas mesmas determinam quais sejam, e a atuação profissional passa a ser
uma forma de intervenção nesses problemas institucionalizados em um
esquema já determinado pelas normas.

A atuação do assistente social em um órgão público, por exemplo, muitas vezes acontece por meio
de toda uma burocracia de fichas para preenchimento, entrevistas a bairros, entre outras atividades. Ao
ser designado para uma determinada atividade, em geral o profissional não tem nenhuma autonomia,
até mesmo porque vai atuar a serviço da instituição que o contratou. Essa formalidade impede uma
ação crítica que possibilite mudanças necessárias no sistema, cujo funcionamento garante contradições
e desigualdades na sociedade. Conforme acentua Faleiros (2001, p. 61), “o cumprimento das normas
burocráticas passa a ser a lógica do trabalho profissional, e o objeto do profissional passa a ser não o
problema social, mas a perturbação da ordem institucional”.

Como você pode perceber, a partir das palavras de Faleiros, o profissional ligado a uma instituição
passa a atuar para evitar qualquer perturbação da ordem social. Isso significa não questionar a ordem
vigente, mas fazer com que o indivíduo se adapte a essa ordem. Veja que, para o assistente social,
não é tão simples essa atuação, especialmente quando ele procura meios para modificar a situação.
Exatamente porque está preso ao sistema institucional, essa modificação não se faz facilmente.

A burocracia é o que favorece toda a lógica das instituições, isso porque formaliza tudo e exige uma
atuação profissional totalmente impessoal, formal e focada nos objetivos.

Para Sousa (1995, p. 50):

A política social e a burocracia são canais delimitadores da ação profissional


cujas implicações atuam diretamente sobre a população usuária do
16
Supervisão de Intervenção Profissional

Serviço Social. Esses canais [...] não têm autonomia e funcionam como
impulsionadores das ações dos aparelhos de Estado. A política social
apresenta-se como conjunto sistemático e relativamente organizado de
diretrizes e normas assumidas pelo Estado como orientador das suas ações.
Já a burocracia apresenta-se como sistema de conduta técnica e racional
que deve orientar as ações desenvolvidas nas organizações e, como tal, as
ações implementadoras dessa política social.

A burocracia nasceu com o Estado moderno e tem se tornado instrumento de dominação. Em outros
termos, pode-se afirmar que a burocracia, na sociedade, em vez de servir para transformar as estruturas
injustas, garantir a igualdade social e a justiça, em geral, serve para manter os problemas. O que se
percebe, no máximo, são ações pontuais, focadas nos objetivos, o que não significa a melhoria das
condições de vida para a maioria da população que vive submetida a várias formas de exploração e de
desrespeito.

A burocracia nasce como forma de gestão das ações que o Estado deveria desenvolver. Historicamente,
no entanto, essa forma de gestão se altera, passando a ser instrumento de dominação e exploração dos
grupos privilegiados socialmente, conforme afirma Faleiros (1995, p. 51 apud Sousa).

Nesse contexto de burocratização das instituições, muitas vezes o profissional de Serviço Social vê-
se impotente e incapaz de levar a sério as políticas sociais, até mesmo porque, geralmente, não trazem
nenhuma melhora para a população, especialmente a mais prejudicada e marginalizada. Frente a essa
realidade, Sousa (1995, p. 53) afirma:

O processo de tecnificação do campo, de certo modo assumido pela política


econômica do governo, faz com que se crie uma série de problemas devidos
ao processo de exclusão de mão de obra do campo. A política social deve,
então, dar conta dos problemas daí surgidos por meio de alguns programas
sociais. Esse problema da exclusão da mão de obra, somado aos da chamada
marginalidade urbana já existentes, cria outros tantos problemas para um
Estado cuja prioridade de recursos não se coloca em função das camadas
populares.

No Brasil, especialmente a partir da ditadura militar instalada em 1964, os programas sociais foram
diversos, como forma de conter a população mais fragilizada e de esconder as contradições do sistema
vigente.

Perante essa realidade de burocracia que se faz presente nas instituições sociais e, de certa forma,
deixa o profissional de Serviço Social preso às amarras do Estado, é que se discute bastante sobre quais
estratégias a serem utilizadas pelos assistentes sociais para mudar tal situação.

Você deve estar se perguntando: qual o papel do assistente social nesse contexto? Será que esse
profissional existe somente para manter o sistema e, portanto, garantir os interesses da classe dominante?
Será que há alguma estratégia que permita a ele mudar esse quadro? Certamente essas e outras questões
17
Unidade I

vêm à tona quando se trata do Serviço Social. É então importante sabermos que não existe somente
uma maneira de atuar como assistente social e que também a razão de ser do Serviço Social não deve
se limitar à reprodução do sistema, como se impõe nas instituições e organizações modernas. É por esse
motivo que as teorias que tratam do Serviço Social foram se modificando ao longo do tempo, de modo
que, aos poucos, a visão positivista, filantrópica e tecnicista foi sendo questionada pelos teóricos. Sendo
assim, o assistente social precisa cada vez mais ter um conhecimento crítico da realidade que envolve
a todos, especialmente as populações carentes. Por seu turno, como demonstram as correntes teóricas
mais críticas do sistema institucional, é necessário saber que situações como pobreza, violência, entre
outras, são frutos de toda uma estrutura social, e não obra apenas do indivíduo.

O profissional que tem uma visão crítica e ampla da sociedade não se limita a ser um mero executor
de ordens, posicionamento que leva à manutenção da desigualdade e das injustiças sociais. Quando
o assistente social é munido de conhecimentos e vontade de mudança, é possível contribuir para a
melhoria da sociedade. É pela organização e sensibilidade, não sejam piegas e assistencialistas, que
ele tem condições de criar espaços, estratégias e táticas para garantir uma sociedade mais justa. É
por isso que se encontram profissionais, inclusive junto aos movimentos sociais, às organizações não
governamentais e à sociedade, atuando de maneira a respeitar a voz da população e a construir com
esses segmentos uma sociedade mais digna.

Portanto, faz-se necessário retomar as correntes filosóficas, para compreender melhor qual análise
que o Serviço Social deve realizar em sua atuação nos espaços sócio-ocupacionais, para melhor atuar
em sua legitimidade, estratégia e tática profissional.

1.1.1 O positivismo

Surgido a partir das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais desencadeadas pelas
grandes revoluções do século XVIII, especialmente a Revolução Industrial, o positivismo tem sido uma
das principais formas de concretização da racionalidade e da objetividade na análise e práticas de
indivíduos, profissionais, grupos e instituições sociais. Essa corrente defensora da adoção dos métodos
das ciências naturais na análise e organização da sociedade foi instituída pelo filósofo francês Augusto
Comte (1798-1857).

Com o positivismo, o modelo de sociedade industrial e capitalista adotado até então nos diversos
países encontrou força para se expandir. Essa corrente tornou-se prática comum nas instituições sociais,
uma vez que busca a objetividade para responder as demandas da sociedade. A partir dela, o uso de
técnicas e métodos ou dinâmicas por parte de organizações e representantes de instituições atende as
necessidades de reprodução social, especialmente sob o prisma do capitalismo.

O assistente social, que geralmente pertence a uma instituição social privada ou estatal, atua de
maneira positivista quando se prende a números, estatísticas, formulários e fichas em geral, para o
acompanhamento de um determinado setor ou segmento da sociedade. Para fazer o levantamento
socioeconômico de uma população de um bairro ou para fazer a triagem sobre os menores abandonados,
os idosos, as mulheres, entre outros, o método positivista geralmente é o mais adotado. Em geral, a
postura positivista apresenta-se de maneira técnica, tendo em vista atender as necessidades imediatas
18
Supervisão de Intervenção Profissional

para a reprodução do capital e da força de trabalho. Isso implica a preocupação ou prática do assistente
social centralizada no problema, e não em suas causas estruturais.

A perspectiva positivista e funcionalista portanto “engessa” o assistente social, de modo a fazer com
que as suas ações não passem de enquadramentos a um determinado problema ou a uma consequência.
Assim, esse profissional mantém-se preso a normas e técnicas, sendo mero executor e reprodutor de
uma sociedade injusta.

Conforme Faleiros (2001, p. 60), as normas institucionais são formas de enquadramento dos
problemas determinados pelas próprias instituições. Com isso, a atuação profissional passa a ser
uma forma de intervenção nesses problemas institucionalizados. Nota-se, no modelo funcionalista,
uma vertente positivista, uma forma de acomodação aos problemas focados pelas instituições,
cujas preocupações não se voltam para resolver o problema como um todo, mas, sim, para atender
a demandas isoladas e esconder ou maquiar o problema. A situação do menor abandonado, da
violência contra a mulher, da falta de moradia, entre outras, continuam constantemente nos
vários municípios, sem que haja uma solução. Em outras palavras, pode-se afirmar que o problema
é conservado ou alimentado, por meio de práticas assistenciais imediatistas.

1.1.2 A fenomenologia e o Serviço Social

Segundo Triviños (1987, p. 42-43) “a ideia fundamental, básica, da fenomenologia, é a noção de


intencionalidade. Essa intencionalidade é da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Isto
tende a reconhecer o princípio que não existe o objeto sem sujeito”.

Os estudos fenomenológicos surgiram em contraposição ao positivismo e tiveram como precursor


o filósofo alemão Edmund Hursserl (1859-1938). Esse pensador concebeu a fenomenologia como o
estudo das essências e de todos os problemas. Essa corrente define a essência da percepção, a essência
da consciência, afirma Triviños (1987, p. 43). A fenomenologia nasce do embate entre a filosofia e a
psicologia, tendo como prioridade a descrição do fenômeno, a partir de uma consciência do sujeito. A
perspectiva hursserliana defende a ideia de que a ciência não é algo totalmente neutro, mas parte do
sujeito, de sua visão pessoal e sua experiência. Nota-se, portanto, a preocupação da fenomenologia em
entender de forma diversa a ciência ou o positivismo. Nesse sentido, segundo Merleau-Ponty citado por
Triviños (1987, p. 43):

Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e, se quisermos


pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu
alcance, convém despertarmos primeiramente essa experiência do mundo
da qual ela é a expressão segunda.

Interpretando as palavras de Merleau Ponty, a fenomenologia prioriza o sujeito e o sentido dado por
este ao fenômeno, o que faz com que uma dada realidade apresente-se a partir das consciências em
torno dela. Não se trata de buscarem leis gerais ou causas do fenômeno, mas em compreender a sua
essência, a partir do olhar do sujeito envolvido. Portanto, o olhar é a consciência do sujeito. Segundo
Chauí (1996, p. 237), a consciência a que se refere Merleau Ponty é diferente da perspectiva psicológica,
19
Unidade I

pois a filosofia reconhece a consciência como o sujeito do conhecimento, e não como objeto ou algo
exterior a ele. Para Chauí, essa consciência do homem como sujeito funciona como estrutura e atividade
universal e necessária do saber; é a consciência transcendental ou sujeito transcendental.

No Serviço Social, a fenomenologia exerce sua influência nas décadas de 1970 e 1980, exatamente
no período ditatorial instituído pelos militares. Sendo assim, os assistentes sociais partidários dessa
abordagem fenomenológica procuram atuar motivados a compreender os diversos fenômenos sociais,
especialmente dos segmentos sociais como idosos, doentes, menores de rua, entre outros, a partir da
ótica dos sujeitos. Sob o prisma da fenomenologia, o assistente social mostra-se aberto à reflexão,
levando em conta o sentido dado ao fenômeno. Assim, quando se defronta com os diversos problemas
da sociedade e, consequentemente, com os mais prejudicados, o assistente social busca compreender a
realidade a sua volta, marcada por conflitos e contradições.

1.1.3 O marxismo e o Serviço Social

Conforme você já estudou na disciplina Fundamentos do Serviço Social, o marxismo é uma das
principais abordagens teóricas que fortemente influenciam as teorias do Serviço Social, especialmente
a partir do movimento de reconceituação.

O paradigma marxista, por meio da perspectiva dialética e histórica, oferece ao assistente social a
possibilidade de uma visão ampla e crítica dos fenômenos sociais, dentre eles, o caráter ideológico que
está presente nas instituições, organizações e movimentos sociais, de forma que esse profissional atue
com consciência da situação, conflitos e contradições que envolvem a maioria dos trabalhadores.

A visão marxista influencia grande parte do Serviço Social no Brasil, mais precisamente desde a
década de 1980, momento de avanço das lutas pela democracia e pela cidadania. O assistente social
então já não se prende a uma visão positivista e fenomenológica, mas se coloca mais próximo da
realidade dos trabalhadores, principais vítimas do modelo capitalista.

Com isso, o assistente social é impelido a ter uma visão mais crítica da realidade em que está inserido,
bem como da dos trabalhadores, dos desempregados, das mulheres trabalhadoras, dos menores, dos
favelados, entre outros. Consciente da exploração imposta à maioria da sociedade, seja atuante nas
instituições públicas, seja nas privadas, vê-se conclamado a buscar meios de fazer com que a melhoria
de vida aconteça de forma integral, e não apenas paliativa ou pontual.

É importante ressaltar então que o papel do assistente social, nessa perspectiva, coloca-se em favor
dos mais prejudicados pelo sistema, de forma que a sua mediação junto aos movimentos sociais e às
organizações populares torna-se indispensável. Nesse sentido, o Serviço Social não constitui um mero
instrumento do sistema de exploração, mas um mediador em defesa dos menos favorecidos.

1.1.4 Gramsci e a análise sobre o poder e a hegemonia

Você já teve a oportunidade de estudar, em teorias sociológicas, as principais ideias do pensador


italiano Gramsci (1891-1937) e sua importância na sociedade. É importante que você leve em conta
20
Supervisão de Intervenção Profissional

o aprendizado do primeiro período sobre esse teórico e que considere agora sua influência na prática
institucional das sociedades modernas.

Observação

Adepto do socialismo, esse teórico produziu uma importante obra


literária, além de atuar como militante e político de esquerda, combatendo
o fascismo italiano instituído por Benito Mussolini.

Lembrete

Assim como Karl Marx, Gramsci analisa a sociedade sob a ótica das
classes sociais, em que uma parte exerce o poder sobre a maioria. Para esse
teórico, o poder é exercido e aceito a partir do momento em que as condições
estão estabelecidas, em razão das relações tanto da infraestrutura como da
superestrutura. No caso, o poder econômico tem sua força, mas, por outro,
a cultura e a ideologia são fundamentais para garantir a hegemonia de um
bloco sobre o outro, isto é, a hegemonia não se dá por acaso, mas é fruto
do embate entre a infraestrutura e a superestrutura que separam as classes
sociais: capitalistas e trabalhadores.

A abordagem gramsciana sobre poder e hegemonia é de grande relevância para compreendermos


as práticas institucionais na atualidade. Os estudos de Gramsci sobre o poder consideram a
sociedade marcada por contradições e conflitos. A percepção de Gramsci sobre o poder leva em
conta também o Estado como uma instituição ampla, formada tanto pela sociedade política como
pela sociedade civil.

A partir dessas ideias, o assistente social tem a possibilidade de construir uma visão crítica sobre
o poder institucional e a forma como este é exercido e perpetuado. Conforme Simionato (2004, p.
41), a questão da “hegemonia remete ainda ao esclarecimento das relações entre infraestrutura e
superestrutura, à forma como as classes sociais se relacionam e exercem as suas funções no interior do
bloco histórico”.

Com a ótica gramsciana, o assistente social deve ter então a clareza e a consciência crítica de que
atua em uma sociedade dividida em classes, em que, o tempo todo, a classe que detém o domínio dos
meios de produção sempre busca fazer com que as suas ideias sejam aceitas pela maioria, de forma
que não se criem situações favoráveis à consciência de que outra classe é explorada. Quando a maioria
as aceita, ocorre a hegemonia da classe capitalista. No entendimento de Gramsci, a classe dominada
precisa encontrar meios para garantir a tomada do poder e sua hegemonia.

A influência gramsciana no Serviço Social associa-se ao movimento de reconceituação e à adoção


do paradigma marxista como indispensável para a atuação dos assistentes sociais frente às demandas
21
Unidade I

por democracia e cidadania no contexto da ditadura militar instaurada em 1964. Segundo Simionato
(2004, p. 182),

No final da década de 1970 [...] Gramsci passa a ser um marco teórico


significativo nas elaborações do Serviço Social. O referencial gramsciano
é buscado, inicialmente, como possibilidade para pensar a atuação do
assistente social como intelectual orgânico, marcando o seu compromisso
com as classes subalternas.

Notadamente, a abordagem gramsciana encontra solo fértil no Brasil, dada as condições de repressão
instalada e a necessidade de uma voz que se voltasse às classes menos favorecidas. Com as ideias de
intelectual orgânico, hegemonia, bloco histórico, Estado ampliado e superestrutura, Gramsci torna-se
um referencial para a compreensão das lutas e organizações sociais tanto no Brasil como em toda a
América Latina. No caso do Serviço Social, o papel dos assistentes sociais foi revisto, voltando-se para
uma prática mais compromissada com as causas populares, superadora dos estigmas de uma ação
conservadora, assistencialista, fruto das diretrizes pretendidas pela burguesia, passando, muito pelo
contrário, a atuar como mediadora dos injustiçados.

1.1.5 Foucault: poder disciplinar e microfísica do poder

As ideias de Michel Foucault (1926-1984) são fundamentais para compreendermos a questão do


saber e do poder, mais precisamente como as instituições ou organizações priorizam a disciplina como
elemento fundamental para a garantia da reprodução da sociedade capitalista.

Por meio de estudos sobre instituições como prisões, hospitais e manicômios, Foucault proporciona-
nos importantes reflexões sobre o poder e a dominação na sociedade ao longo do tempo. Ele não
compreende o poder como algo típico da instituição Estado, enxerga-o em todas as relações sociais,
desde a forma mais simples à mais complexa. Assim, vê o poder muito mais desenvolvido e sutilmente
perpetuado nas microrrelações sociais do que na instituição política.

Assim, a forma como a sociedade é organizada, baseada em um modelo disciplinar para garantir a
reprodução do capital, chamou a atenção de Foucault. Para esse teórico, o ambiente das organizações e
instituições revela um lado opressor e contrário à individualidade e subjetividade. As estruturas físicas
e normativas impedem que o indivíduo volte-se para os anseios e interesses pessoais. Dessa forma,
instituições como prisões, hospitais e escolas revelam toda uma estrutura que anula o ser humano
como sujeito de suas ações, moldando-o para pensar e agir em função das necessidades impostas pela
modernidade industrial, isto é, pela ordem estabelecida.

Você deve estar se perguntando sobre o que as ideias de Michel Foucault têm a ver com o
Serviço Social, qual sua influência, qual a importância delas para compreendermos as instituições
sociais. Os estudos de Foucault são indispensáveis para o assistente social, especialmente para
que reflita sobre a forma como atua. Foucault vê de maneira crítica as instituições correcionais,
hospitalares e empresariais, especialmente quando a assistência social volta-se para a parcela
menos favorecida da sociedade.
22
Supervisão de Intervenção Profissional

Apoiados na visão foucaultiana podemos enxergar o poder de diversas formas na lógica burocrática
e empresarial, principalmente por meio da estrutura física e organizacional, com seus padrões, normas
e regras a serem seguidas. Sob essa perspectiva, podemos entender que quando o assistente social atua
simplesmente a partir de sua preocupação com o emprego, em executar ou cumprir regras e normas,
muitas vezes esquece que está sendo mero objeto e reprodutor do sistema desigual e injusto.

A abordagem foulcaultiana, portanto, faz-se necessária para a prática do assistente social, possibilita
uma leitura crítica das organizações da sociedade moderna, ambientes de sua constante atuação
(hospitais, presídios, internatos, escolas etc), e daqueles que nelas atuam.

1.1.6 Goffman: poder e legitimidade a partir das instituições

O pensador canadense Ervin Goffman (1922-1982) segue o pensamento de Foucault, foca também
a disciplina nas instituições, denominando de instituições totais todas aquelas que possuem como
característica central o isolamento da sociedade (manicômios, prisões e conventos). Conforme Benell (
2002), Goffman as descreve como

[...] um local que concentra moradia, lazer, e a realização de algum tipo de


atividade formativa, educativa, correcional ou terapêutica, onde um grupo
relativamente numeroso de internados estão submetidos a uma pequena
equipe dirigente que gerencia a vida institucional.

Goffman destaca nos seus estudos a violência e a conformação às regras adotadas pelas instituições
totais. Para ele, essas instituições, mediante a imposição do cumprimento de modelos e padrões de
comportamento, limitam os indivíduos de tal forma que passam a anular a sua personalidade. Presentes
em toda parte da sociedade, essas instituições totais mostram-se como uma forma de conter as
disfunções sociais, cujos alvos são aqueles excluídos do processo de produção da sociedade capitalista.
Os idosos, os doentes mentais, os presidiários, entre outros internos, são tidos então como uma parcela
da sociedade que necessita do acompanhamento e do controle para que não provoquem nenhum dano
à ordem social estabelecida.

Segundo a visão goffmaniana, nas instituições totais, percorre-se uma carreira moral que
resulta na fragmentação do indivíduo e, consequentemente, na perda de sua identidade social,
visto que esses ambientes estruturam-se de forma a não permitirem a autonomia do indivíduo,
a anularem sua personalidade como interno. Cria-se um processo de identificação automática,
conforme critérios estabelecidos institucionalmente e, de certa forma, aceitos pela sociedade:
tem-se, portanto, o prisioneiro político como traidor; o detento como criminoso; o paciente
psiquiátrico como doente.

1.1.7 A legitimidade

À medida que se determinam regras e normas, embora impostas, estas são acatadas pelos indivíduos,
por meio de vários mecanismos, ou seja, a legitimidade faz-se presente, em geral, como resultado da
aceitação e conformidade por parte do indivíduo frente a uma realidade imposta ou não.
23
Unidade I

Por meio da legitimidade, as instituições totais, como as estudadas por Foucault e Goffman,
continuam presentes na sociedade, até mesmo porque encontram nas pessoas da própria sociedade o
aval para que se tornem uma realidade.

É comum, em diversas localidades, o surgimento de instituições religiosas, militares ou


educacionais, fundamentado e legitimado pela maioria da sociedade, que geralmente as considera
úteis e até indispensáveis para conter os desajustes ou os elementos considerados ameaçadores
ao desenvolvimento normal ou à manutenção da ordem instituída. Como exemplo, determinados
pais, quando não se sentem capacitados para lidar com filhos hiperativos ou considerados rebeldes,
geralmente recorrem a instituições correcionais para que estas “deem-lhes jeito“. Nas sociedades
conservadoras é comum a existência de inúmeras instituições correcionais, melhor dizendo, totais,
conforme as ideias de Goffman.

1.1.8 Táticas e estratégias no exercício do poder e da ideologia

Na compreensão de Weber, o poder refere-se a toda capacidade que alguém tem de exercer influência
sobre o outro. Nessa perspectiva, em qualquer relação social, ninguém escapa da relação de poder.
Assim como percebe Michel Foucault, o poder está presente em todas as relações sociais, isto é, desde
a forma mais simples àquela mais complexa. Para Weber, o poder instituído na sociedade moderna e
capitalista apresenta-se a partir da racionalidade, tendo sua forma mais aprimorada na burocracia. O
teórico também distingue poder e dominação da seguinte forma:

Entende-se por poder a oportunidade existente dentro de uma relação


social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo contra
a resistência e independentemente da base na qual a oportunidade se
fundamenta. Por dominação, entende-se a oportunidade de ter um
comando de um dado conteúdo específico, obedecido por um grupo de
pessoas (WEBER, 1989, p. 107).

Para o exercício da dominação, o poder é instituído por meio de vários mecanismos, ideologias,
práticas e ações. O pensamento do sociólogo Weber remete-nos à percepção do poder e da dominação
também na esfera institucional, especialmente quanto ao comando.

No exercício do poder, encontramos as estratégias e táticas que, por sua vez, têm a ideologia como
suporte. Segundo Faleiros (2001, p. 81), a estratégia refere-se aos objetivos que atingem um período
mais longo e mais geral da história. A tática refere-se a objetivos particulares em um período mais curto,
subordinados à estratégia.

As estratégias e táticas podem ser encontradas nas diversas instituições sociais, tanto na
esfera privada quanto na pública. Conforme afirma Faleiros, “a sociedade política, o Estado, busca
estrategicamente a subordinação dos grupos das classes subalternas à ordem estabelecida nas
condições mínimas necessárias à sua reprodução como indivíduos e como classe” (FALEIROS,
2001, p. 84).

24
Supervisão de Intervenção Profissional

Essa subordinação acontece por meios administrativos, políticos e coercitivos. O modelo


burocratizado do Estado moderno encarrega-se de fazer com que ela se efetue isolando os grupos
populares preocupados com essa realidade falseada pelas instituições, órgãos do Estado ou do setor
privado. A sociedade política, o Estado, estabelece uma relação desigual, quando se trata das classes
fundamentais da sociedade, especialmente os menos favorecidos. Nesse caso: “os pleitos das lutas
populares são enquadrados pelo Estado e suas leis. [...] Em uma relação de forças desiguais, os grupos
devem medir bem suas forças antes de começar a batalha”, acrescenta Faleiros (2001, p. 82).

A fim de romper a barreira institucional e burocrática do Estado, os grupos populares e organizados


articulam-se para pressionar por mudanças, denunciando assim o modelo injusto da sociedade. É
importante considerar que nenhuma forma de poder e de dominação acontece gratuitamente, sem que
haja por trás uma ideologia.

A ideologia tem a ver com nossas ideias, constituídas a partir da nossa condição social e histórica.
Segundo Karl Marx citado por Chauí (1996, p. 416), a nossa “consciência é determinada pelas condições
concretas da nossa existência”. Conforme interpretação de Chauí, a ideologia é então uma representação
da realidade que esconde as contradições estabelecidas ao longo do tempo na sociedade, especialmente
com o surgimento e desenvolvimento do capitalismo. A autora refere-se, portanto, à ideologia como
uma forma de percepção do mundo capitalista que leva a maioria dos trabalhadores a uma situação de
exploração e de alienação. Chauí (1996, p. 417) assevera que:

À medida que, numa formação social, uma forma determinada da divisão


social se estabiliza se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma atividade
determinada e exclusiva, que lhes é atribuída pelo conjunto das relações
sociais, pelo estágio das forças produtivas e pela forma de propriedade. Cada
um, por causa da fixidez e da repetição de seu lugar e de sua atividade,
tende a considerá-los naturais.

Considerar natural aquilo que é fruto da criação humana, como a cultura, leva o indivíduo a justificar
as injustiças sociais como algo natural, por exemplo, justificar a escravidão por ver o negro como inferior
por natureza. Julgar as mulheres como uma criatura inferior ao homem, nascida para cuidar da casa, é
também outra forma de justificar as injustiças e toda forma de preconceito contra a mulher. Quando,
na sociedade, aceita-se esse pensamento, vigora-se uma ideologia criada pelos homens para perpetuar
o domínio sobre as mulheres, consideradas inferiores. Isso é uma falácia, portanto baseada em uma
ideologia, em interesses de uma classe ou grupo.

Observação

Segundo Chauí (1996, p. 417) “a naturalização surge sob a forma


de ideias que afirmam que as coisas são como são porque é natural que
assim sejam. [...] As relações sociais passam, portanto, a serem vistas como
naturais”.

25
Unidade I

Você percebeu como a ideologia pode ser usada para mascarar uma realidade e fundamentar a
exploração? No entanto, representando ela em geral uma concepção de mundo, pode servir para
manter ou para mudar uma situação: os movimentos sociais e os partidos políticos existem a partir de
ideologias que orientam a ação de seus membros e todo o programa partidário. Assim, você encontra
partidos e movimentos sociais de direita e de esquerda, conservadores e progressistas. Há aqueles que
defendem a manutenção da sociedade desigual como está, e, por outro lado, há aqueles que apoiam
causas populares, defendendo a maioria dos trabalhadores e a mudança da estrutura social injusta.
Nada disso teria razão de existir sem que houvesse a ideologia.

Outro teórico que estudou ideologia foi o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), que
tratava de aparelhos ideológicos do Estado, referindo-se à educação, ao Poder Judiciário, aos
meios de comunicação, entre outros, como formas (aparelhos) de disseminar a ideologia para a
manutenção de uma determinada realidade, ou seja, meios de inculcar nas pessoas valores criados
para atender os interesses apenas de um grupo ou classe. De acordo com Aranha e Martins (1993,
p. 40), para Althusser,

O Estado tem um aparelho repressivo (exército, polícia, tribunais, prisões etc.)


que assegura dominação pela violência, mas também se utiliza de outras
instituições pertencentes à sociedade civil (a família, a escola, a igreja, os
meios de comunicação, os sindicatos, os partidos etc.) a fim de estabelecer o
consenso pela ideologia, e que por isso são chamados aparelhos ideológicos
do Estado.

A abordagem althusseriana sobre ideologia tornou-se evidente a partir dos anos 70, período em
que o mundo capitalista passava por transformações e era alvo de críticas pelos que defendiam o
socialismo como forma de conter a exploração e injustiças sociais provocadas por aquele sistema. Na
ótica de Althusser, os aparelhos ideológicos do Estado existiam para reproduzir a ideologia dominante,
especialmente por meio da escola. A partir desse pensamento, as escolas foram alvos de críticas por
muito tempo, especialmente quando outros teóricos, como os sociólogos franceses Bourdieu (1930-
2002) e Passeron (professor da École des hautes études en sciences sociales) destacaram a escola como
simples reprodutora da ideologia capitalista.

Saiba mais

Indicamos a leitura da matéria Pierre Bourdieu, o investigador da


desigualdade, disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/historia/
fundamentos/pierre-bourdieu-428147.shtml. Acesso em 09 maio de 2012.

Mais tarde, as ideias de Althusser e seus seguidores foram alvos de críticas por estudiosos que viam
na escola as duas formas: reprodutora da ideologia da classe dominante, mas também espaço de luta e
de reflexão crítica a partir de novas ideias, como afirma Tomazi (1993, p. 175).

26
Supervisão de Intervenção Profissional

O fato é que, em uma sociedade dominada pela ideologia capitalista, é evidente que as contradições
estejam presentes o tempo todo, uma vez que os adeptos desse sistema utilizam vários recursos e
estratégias para manter a maioria sob o seu domínio. O formato de escola e universidade, que prioriza
o tecnicismo em detrimento da reflexão e da crítica, reproduz o modelo de sociedade em que somente
uma pequena parcela beneficia-se de fato da riqueza produzida pelo capitalismo.

As abordagens sobre ideologia, especialmente as de Althusser e de Chauí (1996), são esclarecedoras


e oportunas, quando se vive em uma sociedade institucionalizada erigida sob a ideologia do capital da
busca constante pelo lucro e pelo consumismo. O olhar desses teóricos, como o de vários marxistas,
tem buscado sensibilizar a maioria da sociedade para o caráter ilusório do capitalismo, que obriga os
trabalhadores a uma condição de vida injusta. Não fossem as abordagens críticas sobre as estratégias da
ideologia dominante para se perpetuar no poder, as pessoas na sociedade ficariam totalmente alheias e
envoltas na lógica da reprodução do capital para o benefício de poucos.

Ao contrário dessas abordagens críticas, o positivismo, o funcionalismo, por exemplo, têm servido
fundamentalmente para reproduzir a lógica do capital, ignorando as injustiças sociais, a exploração e a
desigualdade social. O Serviço Social, quando embasado nessas filosofias, considera os problemas sociais,
no máximo atua com remédios para a cura de uma doença isolada, sem levar em conta a verdadeira
causa das demais doenças. As políticas assistencialistas, de variadas formas, servem assim apenas como
paliativos, não mexem com a estrutura da sociedade. O remédio geralmente traz a cura da doença em
si, mas não a previne. Assim tem sido a prática assistencialista. Em outros termos, podemos afirmar que
enquanto é priorizada a esmola, reproduz-se a miséria e nega-se a cidadania.

2 PARTICULARIZAÇÃO DOS CAMPOS DE PRÁTICAS DO SERVIÇO SOCIAL:


PODER E CORRELAÇÃO DE FORÇAS

2.1 Contrapoder

Você já sabe o que significa poder? O que é então o contrapoder? Como se apresentam nas instituições
sociais? Qual o papel do assistente social nessa realidade bipolar de poder e contrapoder?

O poder relaciona-se a uma capacidade de exercer influência sobre o outro. Quanto ao contrapoder,
esse termo tornou-se mais conhecido a partir das ideias de Gramsci, quando se referia à hegemonia e ao
bloco histórico. Conforme vimos, esse teórico percebia a sociedade formada por conflitos decorrentes da
existência de duas classes sociais fundamentais: a burguesia (capitalistas) e o proletariado (trabalhadores),
cujo domínio pertence à classe capitalista que é a detentora dos meios de produção.

As instituições sociais, em geral, são marcadas por conflitos latentes, devido à forma
imposta pela estrutura de poder burocrática advinda com o desenvolvimento do capitalismo.
A maneira como as instituições são organizadas e dirigidas visam ao controle, até mesmo para
que os resultados esperados sejam atingidos sem o menor problema para a ordem social vigente.
Nesse contexto, o assistente social atua, geralmente, num ambiente profundamente marcado
por interesses diversos, anseios, medos, entre outros fatores que, inevitavelmente, favorecem a
formação de grupos que se “armam” para enfrentar a situação.
27
Unidade I

Segundo Faleiros: “a hegemonia do bloco dominante, por meio do clientelismo, do autoritarismo e da


burocracia, envolve uma constante rearticulação da correlação de forças que perpassam as instituições
como lugar de luta” (2001, p. 53). A correlação de forças demonstra o jogo de poder que se estabelece
especialmente quando se torna evidente a formação de grupos com ideologias e interesses divergentes.

O ambiente das instituições, sob a hegemonia da classe dominante, mostra-se contrário a toda
forma de questionamento, opiniões e ações que permitam a mudança da estrutura estabelecida. Em
outras palavras, as instituições procuram evitar, frente às situações claramente injustas e inaceitáveis
eticamente, a inevitável correlação de forças e a formação de contrapoderes por meio de discursos,
pressões, persuasão, ameaças e silêncio. Contudo, quando os indivíduos são conscientes da situação de
autoritarismo numa determinada instituição, em geral se organizam para o enfrentamento e a tomada
do poder, o que constitui uma grande ameaça para os dirigentes da situação.

Dessa forma, o jogo do poder se dá por meio de guerras de posições. Como afirma Faleiros (2001, p.
53), no âmbito institucional, a “guerra de posições” implica lutas pelo poder de decisão e manipulação
de recursos e manifesta-se claramente no processo de escolha dos nomes para os cargos de chefia, que
exclui o público a quem se dirige a própria instituição, como é o caso dos doentes que não elegem os
médicos administradores dos hospitais.

Observação

O termo guerra de posições tornou-se comum com as ideias de Gramsci,


quando se referia às lutas internas, à questão da hegemonia na relação
entre grupos, o que também vemos nos casos das instituições.

Notadamente, o ambiente institucional apresenta várias características que demonstram a


necessidade de legitimação do poder dominante, o que explica a burocracia, o disciplinamento, a
existência de inúmeras regras e normas como marca das instituições, sejam da esfera pública, sejam
da privada. Essa situação confirma a forma como o capitalismo foi, aos poucos, criando estratégias,
condições e práticas que são verdadeiras amarras para a perpetuação de uma sociedade dividida em
classes.

É importante salientar que, nessa realidade, o assistente social não está isento de toda estrutura.
Esse profissional é, também, um empregado como qualquer outro, inserido no contexto das relações
sociais de produção, também geralmente preso à ideologia das instituições e, consequentemente, a toda
burocracia e racionalidade voltada para a manutenção do status quo. Nas palavras de Faleiros (2001, p.
52):

O assistente social é antes de tudo um funcionário público e ainda não


devidamente classificado na função pública, ao lado de outras profissões
de nível superior, embora atualmente já haja uma luta de categoria para
melhorar sua classificação. [...] a autonomia desse profissional na atribuição

28
Supervisão de Intervenção Profissional

de recursos e na prestação de serviços é limitada pelas condições [...] e pela


concorrência com outros profissionais que disputam o mesmo campo de
ação.

Nota-se que o assistente social atua numa condição incômoda, pois, embora seja formado para
atuar junto à população, buscando mediar os conflitos e tensões, atenuar a situação desigual criada
pelas relações capitalistas de produção, está, da mesma forma, inserido num contexto social, político,
econômico, cultural e ideológico que o torna preso às amarras do sistema. Tal situação conduz a prática
desse profissional como também reprodutora do sistema. A hegemonia da classe dominante leva-a,
inevitavelmente, ao assistencialismo. Nesse sentido, é importante questionarmos como o assistente
social pode conviver com esse quadro, o que pode fazer para mudar essa realidade, que práticas podem
ser percebidas na perspectiva libertadora desse cenário imposto pelo modelo capitalista. Conforme
Faleiros (2001, p. 54)

As instituições onde trabalha o assistente social não são blocos estanques,


mas espaços de luta nos quais a estratégia do bloco dominante passa
pela integração social e pela tutela, mas numa articulação política de
organização, consciência e teoria, que implica ação em longo, médio e
curto prazo.

Para enfrentar essa realidade, o assistente social precisa ter consciência e clareza da situação em
que trabalha, das condições institucionais, dos grupos existentes e, principalmente, da possibilidade
de buscar o apoio de outros profissionais para a execução de estratégias e táticas que garantam uma
prática profissional consistente e comprometida com as questões populares e com a necessidade de
mudança das estruturas injustas.

Essa consciência da prática profissional só é possível a partir do momento em que o assistente


social sente-se motivado a compreender toda realidade na qual está inserido e vai atuar. Como
afirma Faleiros (2001, p. 52), “essa consciência se amplia e aprofunda à medida que é iluminada
por um referencial teórico que fundamente as atividades e canalize problemas”. Sendo assim, a
formação também é um fator importante, pois, dependendo do currículo a que foi submetido
durante todo o período de sua formação, pode ter contribuído para uma consciência crítica ou
para a acomodação.

A formação técnica, quando priorizada, leva a uma prática profissional descomprometida


com a necessidade de mudança das estruturas e ações institucionais. É o que ocorre com
grande parte de profissionais das diferentes áreas. Frente ao poder instituído e à necessidade de
sobrevivência, muitas vezes já se inserem numa perspectiva de acomodação e de aceitação da
ordem estabelecida.

A própria escolha do curso pode ser feita a partir da lógica do mercado: quando o indivíduo faz
um determinado curso visando a uma participação mais rápida possível no mercado e, nesse caso,
escolhe-o em função da oferta, assim o faz já imbuído de uma mentalidade funcionalista, o que leva a
uma preparação para executar ordens.
29
Unidade I

Lembrete

A mentalidade funcionalista relaciona-se às ideias positivistas de Comte


e de Durkheim, conforme vimos. O funcionalismo percebe a sociedade
formada por partes interdependentes, assim como o organismo humano.
Dessa forma, atuar a partir do funcionalismo é cumprir sua função,
considerando apenas a estrutura vigente.

As relações de poder da sociedade organizacional não se apresentam só no ambiente interno das


empresas ou organizações. É importante considerarmos também que a razão de sua existência está na
sociedade, formada por uma diversidade de indivíduos com sua cultura, valores, hábitos e costumes, que
fazem o jeito ou a forma de ser das organizações.

Sendo a sociedade, a partir das instituições e organizações, moldada, de maneira que as pessoas em
geral se adaptem ao modelo imposto, o assistente social geralmente, como vimos pontuando, é forçado
a atuar no sentido de atender somente as demandas institucionais, em detrimento da população,
especialmente os segmentos populares. Conforme Baremblitt (1996),

As relações humanas na sociedade contemporânea tornaram-se


extremamente complexas, e a produção de conhecimento se intensificou
significativamente. Nesse cenário, o conhecimento científico ocupou um
lugar de destaque pela pretensão de garantir uma ação mais objetiva sobre
essa realidade. Tais circunstâncias produziram em nossa sociedade a figura
do expert, ou seja, um indivíduo cuja formação oferece uma condição
privilegiada para falar sobre um determinado assunto. Esse profissional,
pela forma como a sociedade se organiza, está frequentemente a serviço de
grupos, empresas ou instituições que podem pagar pelo seu trabalho.

Como constata Baremblitt, a cientificidade provocada pelo processo de industrialização da


sociedade favoreceu o enrijecimento das relações sociais, tendo como protagonista as instituições
e organizações que se formaram para atender as demandas do modelo capitalista de produção.
Nesse ambiente, o assistente social faz-se presente não imune à lógica estabelecida. A pergunta
que se faz necessária é: como esse profissional deve agir frente às contradições estabelecidas
nessa sociedade das organizações? De que forma o assistente social pode contribuir para que as
classes populares tenham, de fato, vez e voz nesse ambiente institucionalizado?

Há de se levar em consideração que, muito embora seja empregado ou trabalhe numa


organização pública ou privada, o assistente social tem o desafio de ser um mediador entre
a classe dominante e as classes populares, situação que não é das melhores, uma vez que é
colocada à margem da sociedade. Reiteramos que esse profissional, nesse contexto, não deve
apenas executar ordens, como lhe é imposto pela estrutura institucional. Como acentua Faleiros
(2001, p. 63),

30
Supervisão de Intervenção Profissional

Não é a prática do assistente social em si mesma que se encontra privilegiada


nas instituições, e por isso ele coloca-se como ator complementar, atuando
na manutenção da ordem institucional determinada pelos agentes
privilegiados. A relação entre esses atores e o público nas instituições é uma
relação complexa.

Vê-se que não é tão simples como se possa parecer a relação entre o profissional assistente social e
a sociedade, considerando a realidade institucional.

2.2 Particularizações dos campos de prática do Serviço Social: conflitos e


contradições

O Serviço Social apresenta suas particularidades, assim como outra área do conhecimento,
e devem ser consideradas a partir da história da formação da sociedade industrial e capitalista,
principalmente no que concerne às instituições sociais. Conforme você já viu nas disciplinas
anteriores, o Serviço Social surge numa perspectiva conservadora, de modo a ter uma inserção na
sociedade voltada para o assistencialismo propriamente dito. Tal prática reafirmava a legitimação
do status quo.

Essa forma de percepção do Serviço Social, no seu início, amparou-se na política liberal. Conforme
Faleiros, apesar dos discursos sobre a reabilitação e a prevenção, o método era puramente clínico,
ambicionava aplicar os métodos da ciência aos problemas sociais (2001, p. 119). O campo do Serviço
Social voltava-se para o ajustamento social do indivíduo. Dessa forma, não se percebiam as desigualdades
e injustiças sociais como fruto da estrutura social e de interesses diversos. A partir de dessa perspectiva
o assistente social atuava de forma pontual e conforme as regras estabelecidas para ajustar o indivíduo
ao meio social.

Segundo Sousa (1995, p. 60), a autora Mary Richmond foi a formuladora da primeira teoria do
Serviço Social nesse molde:

O Serviço Social de casos, sendo um método genérico do Serviço Social, é


concebido como um conjunto de métodos que desenvolvem a personalidade,
reajustando conscientemente e individualmente o homem ao seu meio
social.

Essa prática inicial estendia-se a todas as atividades sociais: escolas, tribunais, hospitais, fábricas,
usinas e demais organismos. Nesse foco, o assistente social atuaria no sentido formal, percebendo o
problema social como problema de personalidade que não se adaptava à estrutura da sociedade.

Observa-se nesse modelo toda uma influência positivista que se apresenta por meio de técnicas
e normas a serem seguidas para favorecer o desenvolvimento normal da sociedade. Não negando a
preocupação em melhorar as condições de vida dos indivíduos e das massas, os assistentes sociais, em
geral, dedicavam-se a um trabalho individual, tendo como objetivo tornar os indivíduos socialmente
úteis e aproveitáveis, de forma a adaptá-los às situações, como afirma Faleiros (2001, p. 118).
31
Unidade I

No Brasil, o Serviço Social iniciou-se sob as bases da religião e procurava atuar também a partir
dessa ótica de ajustamento social. Sobre esse assunto Sousa afirma que:

Particularmente no Brasil, a literatura sobre o Serviço Social, em sua origem,


guarda certa fidelidade aos autores pioneiros, redefinidas em função das
preocupações religiosas de muitos profissionais. A profissão é um meio
de apostolado. Nesse sentido, não faltam definições acobertadoras de tal
tendência, o que desvia mais ainda o profissional da realidade própria da
população a que atende (1995, p. 62).

Sousa também percebe três características básicas que influenciam decisivamente o modo de agir
do assistente social na América Latina:

• a ação profissional condicionada pela estrutura da obra social;


• a ação profissional por meio de obras públicas mais interessadas no cumprimento das leis e regulamentos;
• a ação profissional que assume como problemas fundamentais a assistência imediata relativa à
sobrevivência da população.

Conforme Bartlett citado por Sousa (1995, p. 94-95), no final dos anos 20, emergiram cinco campos
de prática assistencialista do Serviço Social: o atendimento ao bem-estar da família, o bem-estar do
menor, a atuação nos hospitais, nas escolas e em atividades que não eram específicas do setor.

Observa-se que os campos de prática do Serviço Social colocam-se claramente numa perspectiva do
bem-estar social. Para Sousa (1995, p. 95):

O bem-estar social, como centro da profissão, no entanto, não permite


uma compreensão concreta da sua problemática específica. Definido
como conjunto de medidas que proporcionam ao indivíduo e sua família
condições normais de vida e oportunidades para tornar a vida sempre mais
feliz, perde-se na amplitude de sua própria definição.

Nos Estados Unidos, o Serviço Social surge e se desenvolve atrelado à necessidade de afirmação da
sociedade capitalista, o que acontece a partir de práticas tipicamente filantrópicas ou assistenciais e
técnicas. Em nenhum momento, via-se o Serviço Social mediante uma ótica libertadora e emancipatória,
mas, pelo contrário, pela visão de que os indivíduos deveriam adaptar-se às necessidades das relações
de produção capitalista.

Sobre a forma como os EUA valiam-se do Serviço Social, a partir da crise estabelecida com a depressão
econômica, Faleiros (2001, p. 123) escreve:

Durante a crise dos anos 30, que exigiu uma reformulação da acumulação
capitalista, o governo americano viu-se obrigado a, por pressões econômicas
e sociais, instaurar medidas políticas de segurança de emprego e de
32
Supervisão de Intervenção Profissional

pensão por velhice, inclusive contratando a opinião das organizações de


assistentes sociais. Estes começavam a analisar ou a examinar a pobreza
como um problema social e participavam da distribuição de ajuda direta aos
desempregados e na administração dos trabalhos públicos.

Essas características apontadas por Sousa demonstram um divórcio completo dos princípios e
orientações teóricas da formação profissional do assistente social. Embora apresente particularidades,
o Serviço Social, nos países da América Latina, como o Brasil, por muito tempo adota uma prática de
cunho assistencialista e positivista.

A realidade, demarcada por conflitos e contradições sociais, exige cada vez mais uma prática
profissional desvinculada das orientações iniciais do Serviço Social. A situação de extrema pobreza,
prostituição, violência, favelização, entre outros problemas associados à conjuntura política da década
de 70, conduz ao movimento de reconceituação do Serviço Social, sob inspiração marxista. Nas unidades
seguintes, esse tema será desenvolvido com enfoque para a realidade brasileira.

2.3. Particularização dos campos de práticas do Serviço Social: correlação


de forças e superação

A prática dos assistentes sociais, desde o seu principio, foi objeto de discussão, especialmente por
parte daqueles que não concordam com o mero assistencialismo surgido para atender as necessidades
de perpetuação do sistema capitalista. Aqueles que defendem a prática do Serviço Social pelo prisma
liberal ou do bem-estar social, evidentemente ignoram os questionamentos advindos de correntes
teóricas como a marxista. O campo de prática do Serviço Social, portanto, continua sendo objeto de
bastante discussão e de conflitos, o que, consequentemente, leva a formação de uma correlação de
forças, estratégias e ações diversas.

Você já viu que as primeiras teorias que sustentam a prática dos assistentes sociais voltam-se
para a manutenção da ordem social vigente, visto que embora reconheça os problemas sociais
diversos, a prática do Serviço Social tende a se pautar em ações isoladas, conforme sua origem.
No entanto, Em razão dos diversos problemas sociais que cada vez mais se agravam, tendo em
vista o princípio do modelo capitalista instituído, a questão da prática dos assistentes sociais
torna-se objeto de várias discussões, sendo polemizada até mesmo dentro da esfera institucional.
Conforme Faleiros (2001, p. 16)

A volta para o estudo das políticas sociais por parte dos assistentes
sociais latino-americanos reflete dois tipos de impasses na elaboração
da teoria e na atuação prática: uma referente à concepção de que é por
meio das relações imediatas que atua o assistente social e o segundo
referente à própria metodologia como forma de generalizar a atuação
profissional.

Conforme constatação de Faleiros (2001), os impasses apresentados seguem na mesma linha


conformista da prática do Serviço Social, em que o profissional toma ou julga, por meio de fatores
33
Unidade I

psicossociais inerentes a usa própria personalidade, as decisões pessoais de sua população usuária ou
público-alvo. Segue, portanto, uma perspectiva individualista, sem perceber a conjuntura que leva ao
problema. Em outros termos, o indivíduo é visto como o problema.

2.4 Particularização dos campos de prática do Serviço Social: hierarquia,


legislação, conjuntura, população social e demandas

2.4.1 Hierarquia institucional

Para compreendermos a hierarquia institucional é imprescindível o conhecimento do arranjo dos


elementos que constituem uma organização. Faria citado por Rocha (1983, p. 123) define a estrutura
organizacional como sendo

Um conjunto integrado de elementos suportes que formam as demais partes


componentes de um organismo, sendo representada, em organização, pelo
conjunto de órgãos, suas relações de interdependência e a via hierárquica
existente, assim como as vinculações que devem ser representadas por meio
do organograma.

Percebe-se que a estrutura da instituição pode ser analisada levando em consideração seus aspectos
físicos (espaço e equipamentos etc.) e os seus elementos relativos ao trabalho, operações do processo de
produção (sistema organizacional, organização do trabalho, organização da produção etc.). Isso significa
que compreender a estrutura da instituição pública ou privada vai além das diversas unidades que
a compõem e constam de seu organograma (departamentos, seções etc.), pois envolve também os
funcionários, assim como as relações existentes entre superiores e subordinados, lembrando que ambos
definem o seu sistema hierárquico.

A hierarquia institucional, portanto, diz respeito ao sistema de relações funcionais que implicam
ordem e subordinação entre os seus setores (departamentos, divisões etc.) e entre os funcionários, nas
suas relações de trabalho interno. Vincula autoridade e subordinação, ou seja, as condições de dominante
e subalterno. Essa hierarquia pode também se referir às relações interinstitucionais no contexto da
organização da sociedade.

Na análise de práticas institucionais, é fundamental conhecer a estrutura hierárquica que sustenta


as relações e, consequentemente, determina a qualidade e os interesses dos serviços que a organização
presta à população usuária. Nesse sentido, conforme Lapassade citado por Souza (2004, p. 43),

A preocupação com as organizações suscita interesse teórico e prático a


partir do instante em que funcionam mal. Esse mau funcionamento, no
entanto, relaciona-se com a própria desigualdade da situação e função que
os agentes sociais desempenham nas organizações empresariais.

Dessa forma, é importante verificar a localização do Serviço Social no organograma da organização e,


principalmente, no que se refere à hierarquia funcional da instituição, cuja subordinação, inevitavelmente,
34
Supervisão de Intervenção Profissional

pode facilitar ou dificultar, ou mesmo impedir, as relações e articulações profissionais, tanto interna
quanto externamente (com outras instituições), imprescindíveis ao cotidiano do trabalho social.

As condições hierárquicas institucionais, em geral, mostram a realidade do Serviço Social como


subordinado no processo decisório. Os assistentes sociais, em sua maioria, realizam seu trabalho em
funções de execução, e não de decisão em nível global da organização. Weisshaupt (1985) corrobora
essa situação:

A subordinação institucional do Serviço Social é patente em todas as


empresas e na maioria das organizações prestadoras de serviços sem fins
lucrativos.
De forma mais útil, também se encontra nas instituições que se propõem
desenvolver programas de ação social (WEISSHAUPT, 1985, p. 56).

Observação

No entanto, o profissional de Serviço Social tende em geral a ser agente


privilegiado em outras situações, principalmente nos programas de ação
social. Nas empresas privadas, por exemplo, a problemática da população
usuária é menos burocratizada, o que deixa claro que é o assistente social
quem presta o serviço, e não a empresa. Isso pode explicar o seu aparente
privilégio. Quando, na estrutura organizacional, situa-se num setor
de serviços, não faz parte do Departamento de Pessoal ou de Recursos
Humanos.

2.4.2 Legislação, instituição e prática profissional

Qualquer sociedade que se estrutura na diferenciação entre grupos sociais ou na divisão social do
trabalho, a partir das sociedades capitalistas, progressivamente cria padrões, normas, leis e práticas, com
a finalidade de administrar essa distinção.

Nesse modelo de estrutura social dividido por classes, as instituições constituem-se como organismos
criados para reger essa diferenciação e, para tanto, lançam mão de instrumentos normativos com a
finalidade de estabelecer a ordem social. Nessa perspectiva, as organizações se burocratizam e, cada vez
mais, acentua-se o processo de normatização, impregnado de ideologia, que, na sociedade capitalista, é
direcionada pela classe dominante.

Além da legislação geral, que diz respeito a todo indivíduo, para cada instituição é criada uma
legislação específica, com funções de regular as relações da organização (interna e/ou externa) e os
serviços que prestam à população usuária. Constituem legislação específica com objetivo de exercer a
regulação dos atos e comportamentos dos agentes sociais e afetos à instituição: leis, decretos, portarias,
instruções normativas, regimento interno, estatuto etc.
35
Unidade I

Dessa forma, cumprir as normas pode ser necessário para manter a organização do trabalho, mas,
na maioria das práticas institucionais, afirma Faleiros (1995, p. 61) que “o cumprimento das normas
burocráticas passa a ser a lógica do trabalho profissional e o objeto do profissional passa a ser, não o
problema social, mas a perturbação da ordem institucional”.

Nessa lógica, para manter a ordem social, as instituições cumprem seu papel de dividir a problemática
social em diversos fragmentos (saúde, educação, habitação etc.) e enquadrá-la num processo de
profissionalização e normatização. Faleiros (1995, p. 61) explica ainda que:

Para manter essa ordem, esse controle político institucional, determinado


e variável, conforme as forças presentes, o profissional deve submeter-se
às normas da instituição, criando-se uma hierarquia de subordinação e de
poder numa rede de controle de cima para baixo.

Como se pode perceber, a solução do problema, obrigatoriamente, passa pelas normas institucionais
preestabelecidas, que são formas de enquadramento tanto dos problemas da população quanto da
intervenção institucionalizada do assistente social.

2.4.3 O que é conjuntura?

O conceito de conjuntura originou-se em meados do século XIX, a partir da observação das


periodicidades das crises econômicas. Ao período de frequente queda das condições econômicas,
da produção e do nível de emprego, dos preços e lucros, denominou-se contração ou conjuntura
descendente. Já as épocas de recuperação, com aumento da produção, expansão de emprego e melhoria
dos padrões de vida, foram denominadas de período de expansão ou conjuntura ascendente.

Observação

Uma recuperação muito rápida das condições econômicas pode, no


entanto, gerar inflação e especulação, o que provoca novo período de
contração.

Os indicadores de conjuntura envolvem, portanto, grande número de variáveis econômicas, que se


encontram em relações múltiplas e complexas: produção, estoques, números de pessoas empregadas,
taxas de juros, receitas e despesas do governo, dívida pública, taxa de formação de capital, renda nacional
e índices de preços, entre outros. A análise conjunta desses indicadores e de seus movimentos forma um
quadro da situação econômica do país em determinado momento, ou seja, indica o ponto da economia
dentro do ciclo econômico, se expansão ou contração.

Essa identificação e mensuração permite delinear a evolução futura e fazer previsões para a
elaboração de políticas econômicas mais eficientes. Essas previsões são condicionais e aproximativas,
uma vez que outras variáveis de natureza física (as variações climáticas), política, social etc. também
influem sobre a conjuntura (SANDRONI, 1996).
36
Supervisão de Intervenção Profissional

As instituições são instâncias da sociedade que têm sentido a partir da compreensão da dinâmica
global da realidade. Como tal, longe de serem um componente estático, são essencialmente
dinâmicas nas relações sociais, mudam à medida que ocorrem mudanças nas estruturas que fazem
a ordem social.

Compreender o contexto específico da instituição exige analisar a conjuntura global que


reflete nas políticas sociais. Conforme Faleiros (1995), em momentos de expansão do capitalismo,
as questões sociais encaminham-se de formas diversas que em momentos de recessão, assim
como em períodos de ascensão das lutas políticas ou desmobilização das forças sociais por conta
do crescimento das taxas de desemprego, das profundas mudanças na esfera do Estado e das
transformações no mundo do trabalho, decorrentes da própria organização da população pela
ideologia dominante.

Na observação de Iamamoto (2001, p. 34), podemos compreender a análise de conjuntura


institucional

Em função da crise fiscal do Estado num contexto recessivo, são reduzidas


as possibilidades de financiamento dos serviços públicos; ao mesmo tempo,
preceitua-se o “enxugamento” dos gastos governamentais, segundo os
parâmetros neoliberais.

Perceba, então, que as instituições, como instrumentos de políticas sociais, estruturam-se em função
de categorias especiais da população usuária do serviço social, que variam segundo a conjuntura
econômica, social e política. Segundo Faleiros (1995), a análise de conjuntura institucional é fundamental
para o estabelecimento de estratégias e táticas que visam a fortalecer o polo popular, a mudança da
correlação de forças e suas alternativas de ação; mostra limites e possibilidades de cada tática, em
função das estratégias e políticas em jogo.

Conclui-se que as práticas de classe não são limitadas às relações patrões versus empregados, devem
ser entendidas amplamente, em todo o contexto da sociedade, tornando necessário o conhecimento
tanto da conjuntura global como da institucional.

2.4.4 População usuária do Serviço Social

O estudo da população usuária do Serviço Social passa pela institucionalização de sua


problemática que toca questões relativas a trabalho, educação, habitação, saúde etc. A população
usuária do Serviço Social, em geral, é desprovida de recursos, por isso denominada de carente,
desempregada ou subempregada, não tendo as referências culturais necessárias para viver de
modo “normal e consciente” (WEISSHAUPT, 1985). Entretanto, pergunta-se: a população é usuária
do Serviço Social ou da instituição?

A subordinação da prática do assistente social implica na dissociação entre os objetivos da profissão


e os interesses da organização institucional. Isso significa que a população usuária do Serviço Social não
é o mesmo que a população usuária da instituição, ainda que se trate do mesmo indivíduo ou grupo.
37
Unidade I

Nessas condições, a relação do usuário com o assistente social não se estabelece de forma autônoma, ela
remete inevitavelmente à ação institucional, o que caracteriza o profissional como agente subordinado,
realidade encontrada nas instituições públicas.

Nas empresas, pelo contrário, a relação do assistente social com a população usuária realiza-
se de forma mais autônoma, na medida em que há dupla dependência, ou seja, a relação da
população usuária com a empresa é de trabalhador, diferença daquela que estabelece com
a instituição pública. Na empresa, a população usuária é mais ocasional, emergencial, e sua
problemática não se submete a burocracias complicadas, o que permite a clara percepção de que
o assistente social é quem presta o atendimento, ou seja, a ação é nitidamente entendida como
Serviço Social.

Na ação do Serviço Social, nos programas sociais, o assistente social tanto pode situar-
se como agente privilegiado quanto subordinado, dependendo da relação de autonomia ou
de subordinação da ação profissional com a população usuária. Numa campanha de saúde
na comunidade, por exemplo, se há estreita dependência da ação em relação à instituição
patrocinadora, que sob nenhum aspecto se identifica diretamente com a ação do Serviço Social,
em princípio, o profissional está na condição de subordinado. No entanto, quando nesses
programas sociais há o espaço para o Serviço Social de organização da comunidade, o que é de
sua responsabilidade, sua ação com a população usuária tem autonomia, caracteriza o assistente
social como agente privilegiado.

Para o Serviço Social, a discussão sobre essa questão passa, portanto, pela compreensão do nível de
relação da prática do assistente social com a população usuária, se de autonomia ou de subordinação.
Teoricamente, se o assistente social for agente privilegiado numa determinada organização institucional,
seu objeto profissional identifica-se com o objeto da instituição. De certa forma, pode-se dizer que se
trata de uma “instituição de Serviço Social”, conforme Weisshaupt (1985, p. 66). Por outro lado, o que
caracteriza o assistente social como agente subordinado é a prevalência do objeto da ação institucional,
que não se identifica com o objeto do serviço.

2.4.5 As instituições, os profissionais e os usuários

A formação profissional é um processo que se estende, para além da formação teórica, como um
complexo de fatores multidimensionais que envolvem a leitura da realidade, a investigação e a produção
de conhecimentos e teorias. Alia-se a isso a sistematização da prática profissional com vistas a elaborar
e identificar os instrumentais técnico-operativos. É fundamental conhecer o espaço de trabalho dos
assistentes sociais, como os profissionais que nele atuam e sua relação com os usuários, para que o
estagiário se posicione já no estágio.

As instituições, apesar de criadas para atenderem as demandas sociais apresentadas pela população,
são também um espaço de aplicação das normas instituídas para a manutenção da ordem social, ou
seja, representam um local ideal para a transmissão de valores sociais, normas, ideias, com vistas ao
controle moral da consciência coletiva.

38
Supervisão de Intervenção Profissional

Sendo assim, o assistente social deve desvendar o que a instituição onde ele está inserido representa
na divisão social do trabalho, entender o processo histórico de seu surgimento, qual política atende,
quais facilidades ou obstáculos oferece para o exercício de sua função. Essa análise das instituições
é extremamente necessária para entender seu funcionamento, uma vez que elas têm uma dinâmica
de funcionamento que se modifica de acordo os acontecimentos que ocorrem na conjuntura social,
conforme já vimos.

Quando se descortina o funcionamento das instituições e apreende o que representam na estrutura


social, qual política trabalham, podem-se mais facilmente criar as estratégias necessárias para o
exercício profissional. Conhecendo o terreno onde seu trabalho é desenvolvido, o profissional articula as
ações e cria as habilidades que permitem o uso dos instrumentais técnico-operativos de forma refletida,
construindo uma ponte entre teoria e prática.

O assistente social supervisor de campo que atua sob essa perspectiva consegue apontar ao
estagiário o caminho para entender, refletir e discutir acerca do funcionamento das instituições. Isso
contribui para que o estagiário, de forma crítica, analise as instituições, conheça as possibilidades,
limites e facilidades e também construa estratégias e articulações para a efetivação dos direitos
sociais adquiridos e resolução das demandas dos usuários do Serviço Social, frente à burocracia
para a consecução da política.

Concluímos que a relação entre os sujeitos envolvidos no estágio (professor orientador,


supervisor acadêmico, supervisor de campo e aluno) contribui para uma formação integrada. O
aluno adquire o embasamento acerca da realidade social expressa na conjuntura contemporânea
por meio de teorias e dos conteúdos que são trabalhados pelos professores na universidade. E, para
que esses conhecimentos sejam relacionados com a prática e subsidiem-no como profissional,
na construção de estratégias saneadoras dos problemas sociais apresentados pelos usuários do
Serviço Social, é necessária a interação com os demais envolvidos no estágio. Além disso, essa
relação deve possibilitar a reflexão, a discussão necessária e privilegiar a intrínseca relação da
teoria com a prática.

2.4.6 As demandas sociais

O estudo das demandas sociais nas instituições requer considerar o contexto institucional,
consequência da situação conjuntural global em que está inserido, quadro das relações sociais
fundamentais da sociedade, que compreende o embate entre classes sociais e suas relações com o
Estado.

As demandas apresentadas ao Serviço Social resultam das relações entre o Estado e a sociedade,
que adquirem particularidades distintas dentro do contexto histórico em que se localizam, com
destaque à aliança estabelecida entre a economia e a política. Na prática, isso significa não se
poder explicar o processo crescente do empobrecimento das classes subalternizadas sem análise
das alterações dos processos tecnológicos do trabalho, nas particularizações do mercado de
trabalho (rural e urbano), de onde partem os segmentos da população com suas demandas.

39
Unidade I

É importante ressaltar que, na questão das demandas sociais, não se pode continuar considerando
a sociedade brasileira sob a ótica unicamente urbana, ou seja, articulando-se as questões sociais rurais
com as questões urbanas. É fundamental resguardar as particularidades relativas aos espaços urbano e
rural, distintamente. No caso do contexto rural, devem-se buscar compreender as ações do Estado e do
capital no processo de reprodução ampliada no capital, como a apropriação individual da terra, gerando
a expulsão dos trabalhadores, a luta pela terra e, consequentemente, dando um novo direcionamento
às relações do trabalho.

Portanto, são as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho que alteram, dimensionam
e redimensionam a demanda das políticas sociais. O Serviço Social implementa, nas instituições
prestadoras dos serviços sociais, variadas ações de enfrentamento às diversas formas de exclusão social
(desemprego, empobrecimento, violência urbana e no campo, falta de acesso aos direitos econômicos
e sociais, fome, condições de habitação – no campo e na cidade, dentre tantas) nas regiões do país.
Diante disso, cabe ao assistente social buscar respostas que ultrapassem as necessidades imediatas
do atendimento. Compete-lhe solucionar a equação entre as necessidades reais da população e as
possibilidades institucionais.

3 PARTICULARIZAÇÃO DOS CAMPOS DE PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL:


PROCEDIMENTOS INTERVENTIVOS, CONHECIMENTO E PRÁTICA

3.1 Paradigmas metodológicos do trabalho social

O Serviço Social utiliza procedimentos de elaboração de programas e projetos, centro de


atividades e avaliação de resultados que constituem as operações práticas do assistente social
no exercício da profissão. Para maior eficácia nesse trabalho, torna-se necessário levar em conta,
segundo opção ético-política profissional, que as suas ações inserem-se num contexto histórico,
político e teórico. Nesse sentido, vale uma análise das visões metodológicas dos procedimentos
interventivos dos paradigmas que vêm norteando a prática profissional. Na visão de Faleiros
(1995), consideram-se dois paradigmas assim denominados: um funcionalista-tecnocrático e
outro dialético e político.

O primeiro paradigma, funcionalista-tecnocrático, é visto como o processo metodológico de


regulação da prática, que consiste no conhecimento de situações-problema e nos procedimentos
para solucionar a situação em nível de manipulação de recursos. Nesse modelo, a atuação do
profissional combina problema-recurso, é regulada por normas institucionais preestabelecidas,
que percebem os problemas sociais como “desregulagem” que pode ser restabelecida por meio
dos mecanismos institucionais. O problema da população é definido e mostrado na perspectiva
da instituição, que busca levar a população usuária a acreditar que poderão ser solucionadas por
meio de mecanismos próprios. Essa é uma forma de particularizar o problema do contexto social
maior e das possíveis forças de mobilização da população, que, por sua vez, acaba aceitando as
imposições institucionais para obter o resultado imediato, mesmo que passageiro. Faleiros (1995,
p. 111) lembra que:

40
Supervisão de Intervenção Profissional

Na América Latina, as condições de favoritismo e clientelismo aumentam


ainda mais as pressões das classes dominantes sobre as dominadas, além do
mais, reprimidas pelo autoritarismo.

O segundo paradigma do trabalho social, conforme Faleiros (1995), volta-se para o processo
de articulação de forças para solução dos problemas. Opõe-se à metodologia da regulação,
quando considera as relações sociais contraditórias e, nesse contexto, pensa e articula a prática
profissional. A relação contraditória é resultado das relações de exploração e dominação entre
as classes que constituem a sociedade, formam frações aliadas numa manifestação de forças
sociais e se juntam em cadeias, se organizam com fins à conquista de seus interesses comuns.
Nessa visão, portanto, os problemas, no cotidiano profissional do assistente social, resultam de
relações complexas, e o encaminhamento para a superação dos mesmos só pode ser visualizado
manifestações sociais contraditórias.

Lembrete

“A contradição é movimento, luta, negação, superação, numa totalidade


complexa mediatizada por relações complexas” Faleiros (1995, p.111).

Assim, a apresentação de um problema é o ponto de partida para a relação do particular com o


geral na relação política do assistente social com a população. A prática desse profissional concerne em
esclarecer a visão de cada um sobre a questão, que é social, partindo da própria, para o encaminhamento
da ação, segundo o contexto e condições existentes. Quanto aos resultados, Faleiros (1995, p. 116)
afirma:

A produção de efeitos de esclarecimento mobilizado e crítica pode advir da


“capacitação” profissional para uma análise política mais ampla e para uma
utilização flexível do relacionamento e dos procedimentos específicos da
profissão, a fim de que a metodologia seja esse construir da reflexão sobre
o processo realizado a partir do mapeamento das forças em presença, das
suas perspectivas sobre uma determinada questão e das formas alternativas
possíveis de ação.

Isso significa a necessidade de o assistente social ter ciência das questões relativas ao capitalismo,
sua forma de desenvolvimento, as relações entre as classes e forças sociais, para que o contexto da
instituição e da população possa, nessas bases, estabelecer a vinculação teórica com o instrumental
técnico e profissional de que dispõe para executar o trabalho social.

Nessa perspectiva, segundo Guerra (2002), o assistente social, no conhecimento aplicado ao exercício
profissional, deve refletir sobre os vínculos entre as feições da realidade e aquilo que as determina. É
assim que se apreende a lógica interna dos fenômenos que se expressam na realidade como também as
conexões que aí se estabelecem. As opções feitas pelo assistente social, ao analisar um contexto e suas
contradições, implicam no atendimento dos interesses e necessidades reais da população.
41
Unidade I

3.2 Autoimplicação entre conhecimento e prática

A prática pode ser entendida como uma ação racional do profissional, e o conhecimento, como
resultado do confronto entre as experiências. Segundo Guerra (2002), o conhecimento, como produto
histórico-social contempla a experiência empírica dos sujeitos, como também os conceitos, resultados
do entendimento. Prado Júnior citado por Guerra (2002, p. 178) ratifica:

Precisamente do impacto produzido por novos dados empíricos colhidos na


experiência, sobre o conhecimento anterior, que resultam a nova elaboração
e o progresso do conhecimento.

Os assistentes sociais recorrem às elaborações teóricas na busca por saberes que tenham pertinência
para a sua prática ou que substanciem respostas às situações com as quais se defrontam no cotidiano
profissional. A análise das práticas do Serviço Social estabelece-se, então, num processo que envolve
teoria e prática: a teoria efetiva-se nas análises das atividades cotidianas, nela impera a repetição, a
padronização, as continuidades, que constituem sua matéria-prima; o assistente social utiliza das teorias
para instrumentalizar sua ação profissional, visto que, no dia a dia, as situações requerem mediações de
níveis de racionalidade cada vez mais elevadas. Em outras palavras, para dar materialidade às suas ações
no cotidiano, o assistente social utiliza conhecimentos, técnicas e habilidades que vão se modernizando
no fazer profissional.

Conforme Guerra (2002, p. 22),

Esse processo – cujo marco no Brasil é conhecido como movimento


de reconceituação – em razão de se constituir no momento em que as
contradições dos processos sócio-históricos iluminam os antagonismos
presentes na categoria, trazendo à tona as divergências teórico-ideológicas
imantadas no seu interior, convoca os profissionais a refletirem sobre os
fundamentos teóricos, princípios e postulados do Serviço Social.

A partir desse momento histórico, novas perspectivas apresentam-se à compreensão do


significado sócio-histórico da profissão, resultante das novas questões de enfrentamento para
o Serviço Social, impostas pelas condições sociopolíticas e econômicas do desenvolvimento
capitalista. Isso requer dos assistentes sociais novos modos de realizar a prática profissional
frente às questões sociais e os sujeitos envolvidos no processo de intervenção. Reforçando esse
pensamento, Iamamoto (2001, p. 58) afirma:

Importante avanço foi reconhecer que o chão comum, tanto do trabalho


quanto da cultura profissional, é a história da sociedade. A realidade cultural
provoca e questiona os assistentes sociais na formulação de respostas, seja
das elaborações intelectuais acumuladas ao longo da história do Serviço
Social, seja dos saberes que construiu as sistematizações da prática que
reuniu ao longo do tempo.

42
Supervisão de Intervenção Profissional

Observe que há necessidade premente dos assistentes sociais, calcados em bases teóricas,
sistematizar suas experiências, suas pesquisas cotidianas, partindo do conhecimento da realidade
em que atuam como também dos instrumentos utilizados em suas práticas profissionais, e analisar
os resultados alcançados como consequência dos esforços em atender as demandas dos usuários
do Serviço Social. Entenda a significância da discussão sobre as possibilidades e limites das teorias
em fornecer subsídios às práticas profissionais, em permitir a passagem das construções teóricas
à intervenção.

3.3 Pode-se pensar o conhecimento como instrumento de trabalho do


assistente social?

Quando se fala em instrumentos de trabalho, tem-se a visão de um arcabouço de técnicas:


entrevistas, reuniões, orientações, encaminhamentos etc. Segundo Iamamoto (2001), essa ideia
restrita de instrumento como simples conjunto de técnicas amplia-se para a compreensão de que o
conhecimento é um meio de trabalho, sem o qual o trabalhador especializado não consegue realizar sua
atividade profissional, situação a que o assistente social não escapa. Complementando esse pensamento,
Iamamoto (2001, p. 62) considera:

As bases teórico-metodológicas são recursos essenciais que o assistente


social aciona para exercer o seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura
da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam.
Assim, o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe superficialmente
à prática profissional, podendo ser dispensado, mas o meio pelo qual é
possível decifrar a realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado.
Nessa perspectiva, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos
pelo assistente social ao longo do seu processo formativo é parte do acervo
de seus meios de trabalho.

O Serviço Social, portanto, é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que
tem produtos tais como interferir na reprodução material da força de trabalho e na reprodução
sociopolítica dos indivíduos sociais. Nesse sentido, o assistente social desenvolve um trabalho
intelectual que requer conhecimento específico da profissão e conhecimento histórico-social
da realidade; contribui, junto com outros protagonistas, na criação de consensos em torno de
interesses de classes, sejam dominantes ou subalternos, no reforço da hegemonia ou contra-
hegemonia no cenário da vida na sociedade.

4 ANÁLISE DAS PRÁTICAS DO SERVIÇO SOCIAL: ELEMENTOS E PROCESSOS


INSTITUCIONAIS

4.1 Formas de práticas do Serviço Social

O assistente social, na sua prática, desenvolve, de modo geral, atividades cotidianas que se
caracterizam pelo encaminhamento, supervisão, coordenação de serviços, orientação, implantação de
programas e mobilização.
43
Unidade I

A análise da prática do Serviço Social avalia o desempenho do profissional, segundo paradigmas


ou tendências conceituais implícitas na sua prática diária. E isso diz respeito, tanto à observância
das normas próprias como do conteúdo teórico orientador da ação do assistente social no que se
refere à normatização de diretrizes de trabalho que definem as exigências de funcionamentos da
organização.

A ação do assistente social corresponde a dois modelos de prática: o primeiro é o fazer meramente
técnico-burocrático, prevalecendo o poder dominante da instituição sobre o usuário que busca a
liberação de bens e serviços e orientação para seu desenvolvimento social. O segundo, com vistas a
conhecer a realidade e, a partir dela, desencadear o processo de integração da população, na busca
do desenvolvimento social, constitui-se de ação técnico-científica, cujo objeto são os problemas de
participação da população-carente, decorrentes das relações com as organizações e serviços de bem-
estar social.

Passemos à análise do primeiro modelo de prática do Serviço Social, conforme Souza (2004):

a) encaminhamento: forma de prática imediata e passageira em que o assistente social, a partir da


solicitação do usuário e das suas condições socioeconômicas, relaciona-a aos recursos oferecidos
pela instituição e às exigências normativas desta. Partindo desse exame, encaminha-se ou não o
usuário ao setor da instituição ou a outras organizações da comunidade, com as orientações e
esclarecimentos necessários à movimentação.

b) orientação: realizada por meio de atendimento a indivíduos e/ou grupos, é uma forma de prática
do Serviço Social em que a relação de população com a organização tem certa continuidade.
Requer do profissional habilitação específica, conhecimentos de acordo com o campo de trabalho
que ocupa (hospitais, escola, empresas privadas etc.). A finalidade é predispor o usuário à
observância das normas e valores da instituição.

c) supervisão e coordenação de serviços: forma de prática em que o assistente social relaciona‑se,


indiretamente, com o usuário. Tem por finalidade orientar e esclarecer a população quanto aos
compromissos e condições a serem observados na utilização do recurso que lhe é oferecido e que
pode ser solicitado, segundo as normas institucionais. Essa prática é definida pelas exigências
funcionais da organização e leva os usuários à mera observância das mesmas.

d) mobilização e implantação de programa: são as formas de prática realizadas nas comunidades.


Caracterizam-se pelos informes prestados à população de modo individual, grupal ou em massa,
pelo recenseamento das necessidades ou mobilização populacionais em função de recursos
específicos de organização ou de algum interesse da comunidade. Essa prática complementa-se
com as de supervisão, coordenação de serviços e orientação em geral.

e) planejamento: forma de prática que corresponde à participação do assistente social em


equipe interprofissional responsável pelo processo de planejamento. As ações são voltadas
para previsão e detalhamento de recursos destinados à população carente, as condições de
liberação, caracterizadas pelo estabelecimento de critérios normalizadores do atendimento das
44
Supervisão de Intervenção Profissional

necessidades populacionais quanto às condições institucionais. Requer estudos, pesquisas da


área acerca das necessidades e condições da população.

Nessa perspectiva de prática, Faleiros (1995, p. 40) afirma:

O trabalho profissional de informação, encaminhamento, terapia,


planejamento e animação destina-se à reintegração da mão de obra às
novas exigências da acumulação do capital, baseado no avanço tecnológico.

Continuando a análise da prática do assistente social, Souza (2004) considera que as lutas sociais não
perderam a energia, e operários, camponeses, donas de casa, partidos populares foram desenvolvendo
formas de combate adaptadas às situações políticas democráticas ou autoritárias. As instituições, por
seu lado, foram obrigadas a apresentar modelos reformistas para a educação, agricultura, habitação etc.
O fracasso das soluções até então vigentes e a problemática da participação da população levaram certos
profissionais a novas posições de aliança com as lutas populares, contribuindo para a desmistificação
das soluções institucionais imediatistas.

Para analisarmos o segundo modelo de prática do Serviço Social, que diz respeito à questão da
participação social mediante as atividades desenvolvidas pelo assistente social, recorremos a Souza
(2004), encaminhando essa questão em cada uma das atividades já apresentadas na análise do primeiro
modelo:

a) encaminhamento: nessa prática, a ficha é um instrumento sempre presente, visto como ênfase
dominante das atividades de encaminhamento, como bloqueador da participação, pois desvia a
população da percepção dos fatores estruturais em que seus verdadeiros problemas se situam.
Como instrumento de trabalho, as questões existentes na ficha tornam-se meio de desencadear
ações que levem em conta os problemas reais da população usuária, a partir do que é trazido por
ela. O assistente social, por meio de um processo pedagógico, ajuda a instituição nas soluções
comuns que procura, o poder social por ele representado e pelo seu grupo social, na percepção
sobre a causalidade desse problema que ela apresenta. Dessa forma, o profissional comprometido
com o desenvolvimento social preenche a formalidade exigida, mas dá ênfase ao problema da
população.

b) supervisão e coordenação: o que se tem observado, de modo geral, nessa modalidade de prática,
é o assistente social profissionalmente dominante, que adota procedimentos formais, privilegiando
os problemas e soluções definidos pela instituição, o que bloqueia a participação e perspectivas da
população. Não se pode dizer que as práticas de supervisão e coordenação de serviços realizados
pelo Serviço Social, por meio de convênios, pareceres dados em processos, não são necessárias.
Contudo, só se tornam importantes para o desenvolvimento da população se acionadas de acordo
com os problemas desta. Essa perspectiva requer do assistente social uma ação pedagógica de
educação popular, democrática e libertadora.

c) orientação: na prática que utiliza essa modalidade de atividade nas ações desenvolvidas pelo
Serviço Social, a regra tem sido a organização propor-se a resolver os problemas da população
45
Unidade I

que impedem a observância de valores institucionais da sociedade. Entretanto, a ação do Serviço


Social adquire outra dimensão de importância se a perspectiva de identificação de problemas e
de ação for da população, transformando-a em instrumento fundamental na prática profissional.
É a partir da ação sobre problemas imediatos, particulares da população, em seus setores de
vida específicos (educação, saúde, segurança etc.) que se consegue atingir outras dimensões da
realidade e meios de ação sobre elas.

d) mobilização e implantação de programas: impedem a participação, na medida em que a ação


profissional, em nome das organizações, busca estimular a população para novos objetivos, novas
perspectivas de vida, com base nos valores e normas de organização, e não na problemática da
população usuária. Se essas atividades, por outro lado, levarem em consideração os problemas
comuns da população, podem ser ferramentas muito importantes para atingir os objetivos
profissionais do Serviço Social, pois são, nesse caso, acionadas em função dos interesses da
população usuária dos serviços sociais.

A mobilização e arregimentação da população, por iniciativa própria, resultam na conhecida “Ação


Comunitária”. O assistente social, como agente da organização que assume uma série de exigências
funcionais, deve atentar-se para as implicações dessas requisições da instituição sobre a população,
cujo grau pode ser reforçado ou entibiado (enfraquecido), de acordo com o reconhecimento dessas
implicações.

Portanto, a análise da prática do Serviço Social permite perceber as atividades desse setor como
conjunto de ações e articulações que mobilizam a população a afastar-se ou a inserir-se no processo
de desenvolvimento.

4.2 Repensando a prática profissional nas instituições

A prática profissional do assistente social nas instituições torna-se cada vez mais complexa e não pode
continuar reduzida a entrevistas, reuniões e ideologias sectárias, visto que é um saber situado num contexto
político global e num contexto institucional específico, que visualiza as relações de saber e de poder entre
a população e a instituição. Assim, a implementação das políticas de bem-estar social tende a reproduzir as
condições de desenvolvimento do modelo imperante quando tais serviços são demandados e reivindicados
pelos setores populares, ou seja, há lutas, e não apenas passividade, dos despossuídos para conseguir
encaminhamentos progressivos que deem respostas às suas enormes necessidades.

Ao se pensar a prática profissional do Serviço Social, no âmbito das instituições, é preciso ter claro
que qualquer trabalho implica uma matéria-prima, objeto sobre o qual incide a ação do sujeito que
também requer os meios ou instrumentos para executar a ação que se resulta num produto. Esses
elementos estão presentes em qualquer processo de trabalho. O trabalho realizado pelo assistente social
não foge a essa regra.

Sendo assim, para que a ação do Serviço Social possa ser colocada em prática pelo assistente social,
hão de se definir os elementos presentes no seu trabalho profissional. Qual o objetivo? Quais os processos
utilizados?
46
Supervisão de Intervenção Profissional

Vamos iniciar pelo elemento objeto de trabalho do Serviço Social que se identifica pela questão social
em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional para atuar junto, à luta
pela terra, nas situações de violência, nas garantias de direitos ao cidadão de forma geral. Portanto, são
essas expressões da questão social que constituem a matéria-prima, o objeto do trabalho profissional.
Para conhecer e identificar o objeto, é necessário pesquisar a realidade social do usuário que procura
o Serviço Social, junto ao qual se pretende promover um processo de mudanças. Isso significa que o
conhecimento da realidade é o conhecimento do objeto sobre o qual a ação deve incidir.

Passemos agora a pensar sobre os instrumentos de trabalho do assistente social, que não
podem ser vistos, de modo ingênuo, como conjunto de técnicas: plantões, encaminhamentos,
entrevistas etc. Nossa visão deve se ampliar, portanto, para abranger o conhecimento como um
meio de trabalho que tem nas bases teórico-metodológicas os recursos essenciais que devem ser
acionados pelo assistente social na realização do seu trabalho. A realização do trabalho profissional
na atualidade é parte de um trabalho coletivo, em grande equipe, que acontece nas instituições
sejam públicas ou privadas.

O terceiro elemento da ação do Serviço Social é o trabalho compreendido como atividade


humana exercida por sujeitos de classes. Entram em cena cidadãos, com bagagens técnica e
teórica, portadores de herança cultural, de valores ético-sociais etc., traços que delimitam o perfil
do assistente social.

E quanto ao produto desse trabalho do assistente social? Produz efeitos nas condições materiais e
sociais dos seus usuários. Dessa forma, compreende-se que o Serviço Social interfere na reprodução da
força de trabalho, por meio dos serviços sociais previstos em programas nas diversas áreas como: saúde,
condições habitacionais, educação e outras. Ele atua sobre questões que dizem respeito à sobrevivência
social e material dos setores majoritários da população trabalhadora. Sendo assim, segundo Iamamoto
(2001, p. 69):

O Serviço Social é um trabalho especializado, que se expressa na forma


de serviços que gera produtos, quais sejam, a interferência na reprodução
material da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica ou
ideopolítica dos indivíduos sociais.

Ressalte-se a importância dos profissionais de, por meio do trabalho intelectual, decifrarem novas
teorias e práticas coerentes à ética profissional, o que fazem, e que pode ser caracterizado como produto
do seu trabalho social, resultado da sua atuação e intervenção. Pois, quanto aos processos do trabalho
social, estes se constroem a partir da questão social, objeto da ação do sujeito, tendo seu início com o
conhecimento passando depois à intervenção.

O conhecimento como processo tem funções fundamentais, pois dele se origina a intervenção, a
ação do Serviço Social propriamente dita. Assim, o profissional deve buscar o seu desenvolvimento
intelectual por meio de estudos, pesquisas, reflexão crítica, tanto no campo teórico-metodológico da
profissão quanto nos conteúdos que lhe possibilitem uma visão ampla sobre o contexto social global e
institucional em que sua prática se efetiva.
47
Unidade I

O processo interventivo resulta do conhecimento, do saber ler a realidade, de forma que obtenha
as bases, a partir das quais possam ser identificadas as ações interventivas a serem adotadas, no que
tange ao planejamento, às estratégias da ação, às táticas mais adequadas à produção de resultados
pretendidos.

Observação
Por estratégia, entende-se o modo de ação futura, a trajetória de ir de
um ponto a outro. É fundamental para o exercício profissional do assistente
social.

O assistente social coloca então em ação suas habilidades e conteúdos intelectuais, experiências
cotidianas, submetidas a reflexões críticas, para colocar na prática profissional a sua competência,
compreendendo esta como o conjunto:

• saberes: conhecimentos;
• saber fazer: habilidades desenvolvidas;
• fazer: tomada de decisão para uma ação pretendida.

Nessa perspectiva, exige-se que o profissional tenha atitude crítica, propositiva capaz de conduzir
suas ações profissionais para a construção da cidadania ativa junto aos usuários.

4.3. Ética na dimensão política do Serviço Social

Na ação profissional do Serviço Social, a dimensão ético-política é determinada por um


comprometimento político com a classe trabalhadora e com as lutas populares e implica a defesa da
democracia, das liberdades individuais e garantias dos direitos humanos. E o Código de Ética do Assistente
Social traz uma configuração normativa sobre como deve a prática ser realizada, de conformidade com
os princípios éticos definidos pelo projeto ético-político profissional, que, construído historicamente,
apresenta a autoimagem da profissão pelo conjunto da categoria profissional.

Assegurar, no Código de Ética do profissional, compromissos políticos e sociais com a sociedade


representa avanço de suma importância para a categoria dos assistentes sociais. A dimensão
ético‑política da ação do Serviço Social é determinada pelos compromissos ético-profissionais
firmados pelo conjunto da categoria com a sociedade, na busca do desenvolvimento social,
considerando o ser humano como sujeito de direito.

Lembrete
São os princípios fundamentais do Código de Ética, com seus valores
ético-políticos, que dimensionam a identidade profissional do assistente
social com o desenvolvimento humano em todas as suas razões de direito.
48
Supervisão de Intervenção Profissional

O desafio ao assistente social deve ser então materializar os princípios fundamentais do Código
de Ética, no exercício de sua prática profissional, cotidiana, segundo a dimensão ético-política nele
determinada, que para Iamamoto (2001, p. 79) “requer um profissional informado, culto, crítico e
competente”.

O desafio é encontrar alternativas e possibilidades para o trabalho social, na conjuntura atual,


formular propostas que façam frente à questão social e que, ao mesmo tempo, solidarizem-se com
aqueles que, como sujeitos, vivenciam lutas pela preservação e garantias dos seus direitos, na perspectiva
de um mundo mais humano.

O Código de Ética do Assistente Social, em vigor, historicamente, percorreu uma trajetória evolutiva,
atingindo sua maturidade em 1993. Desde então, tem fortalecido a identidade profissional, articulado
com um projeto de sociedade democrática e justa.

Outro marco legal, de grande relevância para o Serviço Social, resultado de anos de luta da categoria,
é a Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social, Lei 8.662/93, que representa avanço para
o Serviço Social em todos os seus âmbitos: amplia a atuação profissional, estabelece as atribuições
privativas do assistente social e as alterações relativas a seus órgãos representativos.

4.4 As práticas institucionalizadas: estratégias e técnicas do Serviço Social


no campo de estágio e de atuação profissional

Inicialmente, devemos conhecer o que é instituição para melhor compreendermos as práticas do


assistente social nesses espaços. Para isso, apoiamo-nos em Serra (1983, p. 05) que nos ensina que “[...]
instituição é parte de uma estrutura social que repassa uma ideologia dominante, são mecanismos do
controle social, reproduz valores, é a garantia de um sistema vigente, ela é código, ela é lei, ela é norma”.
Logo a instituição é uma instância social orientada para a preservação dos valores instituídos.

Já Faleiros (1995), explica que as instituições são organizações específicas de políticas sociais. Mesmo
se apresentando como organismos independentes e estruturas em torno de normas e objetivos, elas
ocupam um espaço político nos meandros das relações entre o Estado e a sociedade civil. Fazem parte
da rede, do tecido social lançado pelas classes dominantes para amealhar o conjunto da sociedade.

Serra (1983) defende que as instituições são aparelhos ideológicos do Estado com função de
assegurar a reprodução das relações sociais. Faleiros (1995, p. 32) menciona que

as instituições se utilizam de uma face humanista para despertar o


consentimento da população, bem como moldar, educar e submeter
a população aos interesses hegemônicos. Mesmo quando privadas, as
instituições são reconhecidas pelo poder público ou recusadas por ele. Elas
se organizam com os aparelhos das classes dominantes para desenvolverem
e consolidarem o consenso necessário à sua hegemonia e direção sobre os
processos sociais. As classes dominantes precisam de consentimentos das
classes dominadas para exercer sua hegemonia
49
Unidade I

Sob esse ponto de vista, o progresso e o desenvolvimento social demandados pela sociedade dão
origem a novas necessidades e, assim sucessivamente, em espiral sempre crescente, decorrendo daí, a
evolução da própria técnica.

As instituições, conforme autores da área social, são aparelhos ideológicos que servem aos
interesses do Estado e do capital para submeterem a classe trabalhadora à dominação ideológica
e material. Para tal, utilizam-se políticas sociais para o consentimento, a legitimação diante da
população. Sendo assim, como se dá o fazer profissional do assistente social nesses espaços
legitimadores? Veremos adiante!

4.4.1. O Serviço Social e a prática institucionalizada

Você percebeu, pelas definições dos autores, que não podemos separar a instituição, do Estado,
uma vez que há um consenso entre esses dois elementos. É justamente dentro das instituições que
ocorre a prática institucionalizada do Serviço Social. São elas espaços de propagação de normas sociais
e disseminação de valores sociais e morais, são órgãos em que se cumprem funções no sentido de
responder a problemas ou demandas impostas pela sociedade.

O Estado cria as instituições como aparelhos funcionais para atender as necessidades da


sociedade na perspectiva do coletivo. Por isso, é necessário que o assistente social conheça a
instituição em que está inserido como profissional, suas normas e critérios de trabalho. Pode,
então, realizar a prática ou o exercício profissional, utilizando meios estratégicos e técnicos para
viabilizar os direitos sociais.

Como as instituições são normalmente elementos ou aparelhos de controle da população, para os


assistentes sociais é imprescindível a clareza da necessidade de montar estratégias criativas e propositivas
para a tomada de decisões, analisando as alternativas que possam ser implementadas na superação das
demandas dos usuários das instituições onde atuam.

O assistente social efetua sua atividade mediante uma autonomia relativa. Isso significa que ele
decide os meios como realizar a atividade, os instrumentos técnico-operativos e as estratégias a serem
implementadas, porém depende do aval das estruturas ou das instituições onde trabalha, para a execução
do seu trabalho. Se constrói um projeto, este só pode ser realizado se a instituição aprovar e destinar
recursos financeiros ou verbas para execução.

Portanto, o assistente social atua nas políticas públicas, mas, na maioria as vezes, subordinado
às chefias das instituições. Dessa forma, segundo Faleiros (1995), deve criar formas horizontais de
comunicação com o usuário, informá-lo sobre o que os assistentes sociais sabem a respeito de tal
política, se essa política é possível de ser efetivada ou não. Ele precisa socializar informações para que a
classe trabalhadora articule resoluções de seu interesse.

Para manter os usuários informados e participantes do processo de decisão nas políticas sociais,
precisa criar formas de comunicação em que haja uma horizontalidade no falar e em que informar seja
tomada como uma tarefa política para colocar a população a par daquilo que o assistente social sabe
50
Supervisão de Intervenção Profissional

e faz. No processo de comunicação, há um confronto de saberes que são diferentes, mas que servem a
políticas diferentes e estão em relação com interesses contraditórios. Esse informar implica mudança
das relações de força do saber para que a população tome conhecimento das políticas institucionais de
forma clara, simples e articulada com seus interesses (FALEIROS, 1995).

O assistente social trabalha, muitas vezes (ou na maioria das vezes), inserido nas instituições estatais,
órgãos burocratizados, em que o usuário dos serviços precisa encaixar-se nos critérios e normas de
atendimento das políticas implementadas e oferecidas por essas instituições.

Por outro lado, um conjunto de medidas burocrático-administrativas que são um entrave ao


exercício profissional. O usuário apresenta demandas urgentes, que precisam ser rapidamente sanadas,
independentemente de formulários ou laudos que demoram a ser confeccionados.

Faz-se necessário que sejam decifrados esses entraves institucionais, bem como a ampliação na
seletividade dos atendimentos que as instituições impõem ao trabalho e à atuação do assistente social,
pois o mesmo é colocado em situações contraditórias: prima pela universalidade do acesso aos bens,
serviços e políticas e é colocado diante da seletividade de usuário no exercício profissional nas instituições
em que, normalmente, trabalha-se com o mínimo de recurso para o máximo de beneficiados.

Diante da complexidade dos problemas sociais que hoje se apresentam, é fulcral ao assistente
social conhecer as instituições que implementam políticas que atuam em várias áreas, como: saúde,
assistência, educação, habitação, agricultura, meio ambiente, justiça etc. Conhecendo-as, é possível ao
profissional entender o funcionamento delas. Além disso, deve ter ciência de que a demanda por esses
serviços vem crescendo, em função do aumento da miséria e do empobrecimento das camadas baixas
da sociedade, bem como da crise fiscal e financeira do nosso país, que propicia a redução das verbas e
recursos destinados às instituições prestadoras de serviços públicos. A conclusão desse raciocínio está
na citação a seguir, quando Iamamoto (2001, p. 163) considera que

[...] daí resulta um receituário de medidas assentado na crítica dos desvios


institucionais da implementação das políticas de assistência pública, isto é,
se a assistência fosse tratada de forma “satisfatória” pelo Estado por meio
de uma gestão racional e eficiente de verbas, poder-se-ia dar conta da
administração da miséria.

O assistente social deve ter compromisso com a tarefa de desvendar o mundo contemporâneo,
descobrir como as políticas sociais são implementadas, como funcionam as instituições que as
viabilizam e como se insere a prática ou exercício profissional do Serviço Social nessas instituições.
Ele deve construir práticas que beneficiem os usuários de seu serviço, primar por uma transparência
na socialização de informações, zelar por um trabalho de qualidade pautado no projeto ético-político
da profissão, na defesa da universalidade dos serviços públicos. Além disso, deve voltar o seu exercício
profissional para o compromisso com os interesses coletivos da população usuária. As estratégias e
técnicas variam conforme o ambiente institucional. Cada espaço sócio-ocupacional do assistente social
possui características e possibilidades de intervenção peculiares. As políticas sociais públicas (assistência
social, saúde, educação, previdência social, habitação, segurança pública, entre outras) são espaços em
51
Unidade I

que os profissionais mais atuam e onde podem empregar estratégias democráticas previstas em leis
específicas, como os conselhos gestores, as conferências descentralizadas e participativas, a aplicação
transparente de recursos por meio de fundos.

No entanto, para além dos direitos previstos em lei, a atuação profissional deve propor a superação
ou simplesmente a minimização da burocracia no acesso aos serviços, dirimindo filas, adiamento de
pedidos, falhas na comunicação, falta de prestação de contas, ausência de explicações plausíveis.

O silêncio diante de ações autoritárias é característica muitas vezes frequente no cotidiano


dos usuários. Nessa situação, por exemplo, com o menor desgaste possível, o profissional poderia
estimular a construção de uma resposta consciente por parte do próprio usuário, contribuir para
sua capacidade de autonomia, garantir, em longo prazo, o fortalecimento das iniciativas oriundas
do saber popular. Cabe a cada assistente social utilizar sua criatividade para garantir, do planejamento
à execução, a participação dos usuários nos projetos sociais ou mesmo mantê-los informados de seus
direitos sem, contudo, agredir os princípios e os interesses da instituição que o contratou.

Conforme cita Iamamoto (2001), o assistente social possui uma relativa autonomia: é contratado por
uma classe, a burguesa, e atende aos interesses de outra, a trabalhadora. Nesse contexto, o desempenho
profissional deve, por um lado, garantir a reprodução de sua força de trabalho e, por outro, legitimar
os interesses da classe trabalhadora. Iamamoto (2001, p. 21) fundamenta a utilização de estratégias e
técnicas pelos profissionais de Serviço Social quando afirma que

[...] as alternativas não saem de uma suposta “cartola mágica” do


assistente social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não
são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe
aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos,
desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho.

Pelo viés propositivo, em uma perspectiva de fortalecer cada vez mais a identidade profissional
articulada a um projeto de classe, as estratégias e as técnicas no desempenho do trabalho devem
garantir materialidade aos interesses da classe trabalhadora e promover a concretização de direitos
sociais e humanos. Como vimos, não há receitas para a atuação, cabe ao assistente social conhecer as
estratégias e técnicas que podem ser utilizadas no exercício da profissão, cujos exemplos apresentamos
a seguir.

• Estratégias: explanação dialogada; realização de debates; trabalhos em grupos visando à politização/


emancipação; planejamento participativo, entre outras. São ações com um fim maior: o político, que
contribua para a reflexão e a efetivação de direitos.

• Técnicas: entrevistas, domiciliares, aplicação de questionários, jogos interativos, dinâmicas grupais,


utilização de músicas, poemas, teatro, fantoches, apresentação em data show, leituras coletivas de textos,
produção de painéis temáticos, entre outras. São essas as ferramentas que o assistente social utiliza no
fazer profissional. Ressalta-se que é necessário haver inter-relação entre as estratégias e as técnicas para
que as ações não fiquem limitadas ao fazer burocrático e ao imediatismo.

52
Supervisão de Intervenção Profissional

Em resumo, esses são alguns instrumentais técnico-operativos que podem ser utilizados pelo assistente
social. Essas estratégias e técnicas devem ser fundamentadas no arsenal teórico-metodológico de cada
profissional (conhecimento, habilidades, valores e herança cultural), bem como nas características e
perfil do público atendido.

A década de 1990 é, para o Serviço Social, um período de amadurecimento das reflexões acerca
da proposta curricular de 1982, um momento em que a preocupação com a reforma curricular ganha
ainda mais espaço, e as críticas à proposta de 1982 oferecem subsídios para a reformulação do currículo.
Trataremos disso a seguir.

4.4.2. Avanço das estratégias e técnicas profissionais

Inicialmente, estratégias e técnicas utilizadas pelo assistente social favoreciam seu contratante,
trazendo certo conformismo social e amenização de conflitos. O assistente social era responsável por
atividades que demandavam contato com a classe economicamente vulnerável, como a entrega de
auxílios governamentais em meio a situações de extrema pobreza.

Foi somente a partir da década de 1980 que o Serviço Social adquiriu, como principal característica,
a opção por um projeto profissional vinculado à defesa intransigente dos direitos humanos da classe
trabalhadora. Esse direcionamento fez com que as estratégias e as técnicas do profissional possuíssem
a intenção de reforçar a luta por uma nova ordem societária, sem dominação nem exploração de classe.

Na contemporaneidade, a maior parte dos assistentes sociais opta por uma identidade profissional
aliada à camada mais pobre da sociedade. No bojo dessa identidade, o processo de trabalho gesta-se
como resposta consciente aos conflitos de classe, ou seja, a elaboração e a execução de projetos sociais,
a concessão de benefícios, a realização de reuniões, entrevistas e atividades grupais, por exemplo, são
pautadas pela concretização de direitos humanos, sob a lógica de empoderamento e participação da
classe trabalhadora. Faleiros (2001, p. 55) assevera que

O desafio profissional consiste justamente na reorientação de seu cotidiano


de acordo com a correlação de forças existentes, para facilitar o acesso da
população ao saber, aos recursos disponíveis e ao poder de decisão [...] uma
reapropriação dos excedentes retirados da população e o acesso ao poder
produz efeitos políticos de auto-organização.

Igualmente, o caráter assistencialista e a visão clientelista são substituídos pela ampliação e


consolidação da cidadania e dos direitos sociais. É papel do assistente social provocar, no bom sentido,
os usuários para que esses procurem o acesso a informações, políticas, planos, programas e projetos
sociais.

Nessa perspectiva de atrelamento aos interesses dos usuários, não se pode perder de vista a relação
contratual do profissional, no sentido de compreender que essa defesa de direitos dá-se no âmbito de
instituições que seguem o modelo de produção e reprodução vigente no sistema capitalista. É importante
observar que esse modelo nem sempre é aberto aos anseios da classe subalterna.
53
Unidade I

Saiba mais

Técnicas, instrumentos, estratégias de intervenção, instrumental


técnico e instrumentos técnico-operativos são alguns dos termos utilizados
para fazer referência à dimensão mais proximamente operativa da prática
profissional do assistente social. No texto Técnica: uma aproximação
histórico-conceitual, Sandra Regina de Abreu Pires reflete sobre o termo
técnica, tomando-o em um sentido amplo, nas suas dimensões de
produção e de técnica social. Esperamos que essa leitura possa apoiar você
nas futuras discussões mais específicas. Para ler o texto na íntegra, acesse o
sítio: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v7n2_sandra.htm>. B />. Boa
Leitura!

Dessa forma, o desempenho profissional exige estratégias e técnicas capazes de empreender a


mediação entre instituição empregadora e usuário/destinatário dos serviços profissionais. No desempenho
das atividades profissionais, o assistente social deve informar os usuários sobre seus direitos, apontar
os caminhos para a melhoria da qualidade de vida. Além disso, é também de sua responsabilidade a
ampliação da participação dos usuários nos processos decisórios e na aplicação de recursos, o que
implica a garantia de espaços em que a população poderá ser ouvida em seus questionamentos e
solicitações.

Em suma, a partir da consolidação histórica da profissão, o profissional de Serviço Social utiliza


estratégias e técnicas para a garantia de direitos à classe trabalhadora. Como mencionado anteriormente,
a práxis representa a realização de atividades a partir de reflexão prévia, dentro de uma lógica de
racionalidade e intencionalidade. A partir desse pressuposto, convém registrar que toda intervenção do
assistente social deve ultrapassar a prática pela prática e materializar os objetivos profissionais voltados
para a autonomia e a emancipação dos sujeitos sociais.

Com respaldo teórico, toda técnica e estratégia encontram sua importância e sentido no ambiente
institucional. Um exemplo de aplicação de estratégia é propor que as decisões institucionais considerem
os anseios da população usuária. Além de configurar um princípio da Constituição Federal, essa estratégia
é também uma forma inovadora de gestão. Uma técnica também ilustrativa é a tomada de decisões
em grupos mistos, reuniões em que estejam presentes representantes da instituição e dos usuários,
considerando, portanto, o conjunto de seus interesses, sem ferir o princípio ético de radicalização da
democracia, por exemplo.

Tais ilustrações de estratégia e técnica representam a instrumentalidade no desempenho profissional.


O assistente social utiliza sua linguagem e conhecimento teórico para garantir materialidade aos objetivos
profissionais de alargamento da participação dos usuários, efetivação de direitos sociais, ampliação da
cidadania e, sobretudo, melhoria nas condições de vida, sem, contudo, agredir os objetivos da instituição
que o emprega.

54
Supervisão de Intervenção Profissional

As atuais Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social fazem parte da nova proposta
de formação profissional construída pelo conjunto da categoria nos anos de 1990, cujo conteúdo
está contido em alguns documentos básicos escritos a partir de relatórios dos debates ocorridos
em oficinas locais, regionais e nacionais promovidos pelo conjunto Abepss (Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) Cedepss (Centro de Estudos e Projetos em Educação,
Cidadania e Desenvolvimento Social), Cfess (Conselho Federal de Serviço Social), Cress (Conselho
Regional de Serviço Social) e Enesso (Executiva Nacional de Estudantes do Serviço Social), num
período de três anos (1993 a 1996).

Para concluir, é importante ressaltar que a prática profissional do assistente social acontece
em ambientes institucionalizados, sejam eles públicos ou privados, dos quais sofre pressões e
influências diretas e indiretas. Frequentemente, os interesses do profissional se chocam com os da
instituição. Nessa situação, é necessário o conhecimento, o domínio das técnicas e das estratégias
no trabalho de Serviço Social para melhor efetividade da prática nesses espaços contraditórios.

4.5 O estágio supervisionado e a prática profissional

As práticas profissionais são diferenciadas de acordo com o exercício de cada profissão, pois cada
uma tem suas funções, suas estratégias, seu desempenho e seu fim na sociedade. Essas diferenças são
identificáveis e devem ser, portanto, consideradas. As determinações das categorias é que determinam
as possibilidades, os limites e as demandas das profissões. Não podemos ainda deixar de considerar os
aspectos políticos que envolvem, direcionam e dão dimensão às práticas de cada profissão.

Por ter um caráter político, a prática profissional também é social e tem poder de transformação na
sociedade. Buriolla (2006) cita três dimensões da prática social, entre elas a ideológica e a política. A
autora aponta que essas práticas têm como referencial reproduzir a cultura e a estrutura de dominação,
suscitando a submissão ideológica que envolve as relações capitalistas e o levantamento dos espaços
de luta populares nas sociedades.

A prática social, por ter uma natureza política e ideológica, tanto pode contribuir para
legitimar a ordem estabelecida como pode ir de encontro a essa mesma ordem; isso depende do
posicionamento que a categoria e os profissionais assumem dentro das relações de poder em que
desenvolvem sua prática profissional: há aqueles que dominam e aqueles que são dominados.
Buriolla (2006, p. 86) assevera que

Nas necessidades de classe, o jogo de poder existente nas praticas socais


é um jogo entre classe dominante e classe dominada: a classe dominante
procurando conduzir e controlar cada prática social – e, portanto, toda a
sociedade – de acordo com seus interesses; e a classe dominada procurando
opor-se ao poder que a domina.

A prática profissional do assistente social desenvolve-se dentro do bojo desse jogo de poder que
Buriolla nos aponta, determinada pelas instituições, que são os espaços ocupacionais em que se
desenvolvem os estágios supervisionados.
55
Unidade I

Ainda dialogando com os autores acerca dissol, Iamamoto (2001, p. 60) defende a prática social
como trabalho. Para essa autora, é por meio do trabalho que o homem satisfaz suas necessidades
materiais e sociais. “É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas
práticas conscientes [...] às suas necessidades. O trabalho é, pois, o selo da atividade distintiva humana”.
Por meio do trabalho, o homem adquire a possibilidade de desenvolver a teleologia que o guia para
projetar as ações de seu trabalho, sempre com o alvo voltado para os resultados a serem alcançados
para satisfazer suas necessidades.

A autora Iamamoto (2001) afirma que o trabalho faz do homem um ser consciente, e essa
consciência implica uma postura ético-moral diante das finalidades das ações que ele desenvolve, que
são intrinsecamente ligadas aos seus valores. O trabalho é elemento constitutivo do ser social, uma vez
que possibilita ao homem tecer relações socais e exercitar a teleologia. Dispõe então de uma centralidade
na vida dos homens.

Um fator que deve ser considerado na prática como trabalho são os sujeitos trabalhadores, cidadãos
inseridos em um complexo social com suas peculiaridades, sua cultura, seus conhecimentos teóricos
e metodológicos e seus valores éticos, bem como seu posicionamento político. O Serviço Social tem
suas especificidades e dimensões históricas, teóricas e metodológicas que fundamentaram sua base de
atuação e determinaram o perfil do profissional da categoria. Ressaltamos que várias teorias permearam
a profissão de uma maneira dinâmica e heterogênea. O dinamismo permitiu à profissão, a partir de
1965, suscitar questionamentos acerca dos conhecimentos apreendidos no curso de Serviço Social e na
forma de atuação da categoria, provocando mudanças que levaram à construção do perfil profissional
contemporâneo.

O Serviço Social, como prática social, traz na sua gênese marcas que influenciaram e contribuíram
para o surgimento dessa profissão, que estão arraigadas na sua base de criação e inserção na divisão
social e técnica do mercado de trabalho. Uma prática profissional pautada na filantropia, por meio da
caridade desenvolvida pela Igreja Católica junto à população pobre, deu origem ao Serviço Social. Com o
passar dos anos, e com a demanda da sociedade de um profissional técnico com conhecimentos teóricos
para intervir nas mazelas sociais, o Serviço Social constituiu-se como uma profissão especializada,
conquistando um espaço sócio-ocupacional no mercado de trabalho.

Iamamoto (2001, p. 64) aponta que

[...] A recorrência a posturas e comportamentos messiânicos e voluntaristas


tem a ver com a forte marca da tradição católica oriunda da origem da
profissão. Componente cultural este que não pode ser desconhecido, assim
como não o podem os novos traços políticos culturais propulsores de um
Serviço Social protagonista e atento ao momento presente.

A autora apresenta-nos o comportamento caridoso e voluntarista que a profissão mantinha


antes do posicionamento político voltado para a proposição e o protagonismo que esta apresenta na
contemporaneidade. A prática do Serviço Social, em sua gênese, visava a atender exclusivamente o
interesse das classes dominantes, cumpria a finalidade, como já apontamos, de controlar as classes
56
Supervisão de Intervenção Profissional

subalternas para contribuir com a manutenção e a legitimação da ordem dominante, atuando conforme
os ditames do capital.

Na contemporaneidade, o Serviço Social discutiu coletivamente a prática profissional tradicional


e conservadora, assumindo um novo compromisso, agora voltado para a defesa dos usuários de seus
serviços, das lutas populares, dos valores nobres, em busca de uma nova ordem societária, pautada em
valores democráticos, na qual prevaleça a justiça e a igualdade social. Dessa forma, asseveramos que
a prática profissional do agente social contemporâneo visa a contribuir efetivamente para o acesso da
classe usuária das políticas públicas a projetos e programas.

No próximo item, demonstramos como a função educativa da prática profissional do Serviço Social
compromete-se a instruir e fortalecer os usuários para a organização e a busca pela efetivação dos
direitos sociais.

4.5.1 A prática profissional e sua função educativa

A função educativa sempre esteve presente no fazer profissional do Serviço Social, desde o
período da institucionalização da profissão, quando foi inserida na divisão social e técnica do mercado
de trabalho. Essa função educativa profissional, até meados de 1965, contribuía para criar ordem e
submissão nas classes trabalhadoras e legitimar os interesses do capital. O assistente social intervinha
para criar consenso entre os interesses das classes sociais, burguesia versus trabalhadores, e conseguia
isso mediante a prestação de serviços assistenciais como se fossem favores destinados aos trabalhadores.
Essa forma de atuar favorecia a expansão do capital.

Cardoso e Maciel (1995, p. 42) revelam-nos que

Desse modo, por meio da função educativa, a prática dos assistentes


sociais junto às classes subalternas responde às necessidades de adesão
e consentimento dessas classes às condições materiais que servem de
suporte a uma determinada direção intelectual e moral. Essa função
vincula, portanto, a prática do assistente social à dimensão cultural de um
determinado projeto de hegemonia.

O que os autores nos revelam é que a profissão teve sua função educativa e sua prática
atrelada ao projeto hegemônico da classe dominante. O assistente social desenvolvia uma prática
profissional com a função educativa de reproduzir a força de trabalho: atendendo às necessidades
básicas de sobrevivência do trabalhador participava de um processo de ideologização com base no
sustento de estratégias de controle do capital sobre o trabalho. Essa prática buscava a adaptação
e o enquadramento da classe trabalhadora aos padrões de sociabilidade impostos pelo sistema
capitalista.

Na atualidade, o assistente social desenvolve uma prática profissional com uma nova função
educativa junto às classes subalternas. Cardoso e Maciel (1995, p. 144) acrescentam que

57
Unidade I

[...] têm-se indicações corretas de que as requisições feitas por essas classes
à prática profissional do assistente social, na atualidade, correspondem
à necessidade de frentes de luta que caracterizam o projeto interventivo
dessas classes na sociedade. Essas frentes de lutas referem-se aos processos
de construção de respostas às necessidades materiais imediatas compatíveis
ao pleno desenvolvimento físico e intelectual dos sujeitos que compõem as
referidas classes; e às necessidades de sua formação e organização política.

O que os atores destacam é a função educativa da profissão frente às lutas subalternas na prática
profissional atual, que se volta para a organização política dos usuários do Serviço Social com vistas à
construção de respostas para os problemas sociais.

A função educativa da prática profissional do assistente social, voltada para atender os


interesses das classes subalternas, é norteada pelo Projeto Ético-político Profissional, materializado
no Código de Ética do Assistente Social que defendeu a construção de novas relações sociais
entre o assistente social e os usuários de seus serviços. O assistente social defende a participação
ativa dos usuários nos processos de decisões nos espaços institucionais, busca estratégias de
mobilização das classes populares para que estas participem fortalecidamente dos processos de
discussões e decisões institucionais. Essa iniciativa constitui um dos elementos primordiais da
ação educativa do assistente social na atualidade.

Você deve então se atentar para um aspecto dessa prática profissional educadora do assistente
social, que tanto pode beneficiar as classes subalternas como as classes dominantes. A profissão
assume aí um caráter contraditório, sendo preciso cautela para assumir uma conduta ideológica,
crítica, política e o direcionamento educativo que se volte para uma prática profissional libertadora
e emancipadora.

Ao desenvolver uma prática profissional com função educativa, voltada para o fortalecimento
das classes subalternas, o assistente social tem como espaços de participação os Conselhos de
Direitos e de Gestão de Políticas Públicas para garantir a participação dos usuários do Serviço Social
nos processos de decisões. Os conselhos são órgãos paritários, constituídos por representantes
do poder público e por representantes da sociedade civil organizada. São também espaços de
participação democrática em formulação, deliberação, fiscalização e controle social das políticas
públicas. A participação da sociedade civil organizada nesses espaços é fundamental para o
fortalecimento das classes subalternas.

Lembrete

O processo de mobilização das classes subalternas para uma participação


crítica e compromissada com a construção de uma nova ordem societária
nos Conselhos é orientado pela função da prática profissional educativa
do assistente social, que tem como norte a defesa da democracia e a
consolidação da plena cidadania.
58
Supervisão de Intervenção Profissional

Vejamos agora como é importante para você, aluno, apreender durante seu estágio a prática
profissional em relação com o mercado de trabalho.

4.5.2 A prática profissional no estágio e sua relação com o mercado de trabalho

A relação da prática profissional desenvolvida no estágio supervisionado com o mercado de trabalho


é um aspecto relevante. Nesse sentido, a formação não deve se limitar ao ensino de um currículo voltado
para a formação de um profissional que responda somente às exigências do mercado de trabalho,
mas deve ir além, preparando o aluno para o compromisso firmado pela categoria com a defesa dos
trabalhadores.

A formação profissional do assistente social no estágio deve articular-se com a sociedade


contemporânea e comprometer-se com a construção de uma nova ordem societária. Assim prepara o aluno
para sua inserção no mercado de trabalho, como também o envolve na preocupação de investigação dos
problemas sociais, no contexto histórico e político em que se desenvolvem as relações sociais. O futuro
profissional têm então habilidades suficientes para antecipar as problemáticas concernentes à prática
profissional, sendo capaz de formular propostas profissionais que criem alternativas de enfrentamentos
e soluções para as demandas encontradas.

Adequar o estagiário apenas para o mercado de trabalho compromete a formação profissional do


assistente social. A universidade deve formar profissionais qualificados, é claro, mas, sobretudo, esses
profissionais devem ser preparados para exercer a profissão de forma crítica e com o compromisso
ético-político com os usuários do Serviço Social.

Oliveira (2004, p. 77) afirma que “as diretrizes da formação profissional do assistente social devem
valorizar a dimensão técnica, mas não sobrepujá-la em relação à dimensão política da prática, o papel
social do cidadão profissional”, ou seja, o autor aponta que o papel político e social do profissional deve
articular-se aos conhecimentos técnicos que o mercado exige.

Lembrete

Sendo assim, aluno, chamamos sua atenção para um fato: a articulação


da profissão com o mercado de trabalho é imprescindível, mas não pode ser
confundida com uma mera subordinação aos interesses do capital.

É preciso um equilíbrio, pois a profissão tem uma escolha política de um papel crítico, mas,
ao mesmo tempo, precisa corresponder ao mercado, uma vez que isso implica diretamente a
sobrevivência dela, uma profissão sobrevive se tiver uma utilidade na divisão social e técnica do
mercado de trabalho.

O assistente social é um trabalhador assalariado que, para sobreviver, vende sua força de trabalho
especializada. Precisa, então, atender e dar respostas às demandas que lhes são impostas nos espaços
socioinstitucionais, até porque está em jogo sua inserção e permanência no mercado como um profissional
59
Unidade I

especializado. Apesar desses aspectos, você, aluno, não pode esquecer que a profissão como categoria
deve assumir o compromisso firmado com a classe trabalhadora e a luta em defesa intransigente dos
direitos humanos, e o combate à violência e ao preconceito, o que, dependendo da situação, vai de
encontro com a ideologia desenvolvida pelos mercados de trabalho capitalistas.

Você entenderá, a seguir, a relação entre a prática profissional, o estágio e a sociedade contemporânea,
assim como a necessidade de compreender o contexto contemporâneo para o desenvolvimento da
prática profissional.

4.5.3 A prática profissional, o estágio e a sociedade contemporânea

Para que entenda o Serviço Social na sociedade atual, apresentamos-lhe o pensamento da autora
Iamamoto (2001), que nos afirma ser imprescindível levar em consideração três pressupostos nessa
análise. O primeiro pressuposto alerta para a necessidade de rompermos com a visão endógena,
focalista, uma visão de dentro do Serviço Social, prisioneira em seus muros internos. De acordo
com a autora, o Serviço Social, para garantir uma sintonia com os novos tempos, precisa ampliar
seus horizontes e olhar para o movimento das classes sociais nas suas relações com o Estado e
com a sociedade. E, para sintonizar o Serviço Social com os novos tempos, é necessário apreender
a profissão na sociedade da qual ela faz parte e participa, atuando, tecendo relações e se fazendo
extremamente necessária.

Saiba mais

É preciso que o Serviço Social tenha uma visão de fora da profissão,


extensiva a olhar a sociedade. Iamamoto (2001, p. 20) afirma que
devemos “extrapolar o Serviço Social para melhor apreendê-lo na história
da sociedade da qual ele é parte e expressão. É importante sair da redoma
de vidro que aprisiona os assistentes sociais numa visão de dentro e para
dentro do Serviço Social, como precondição para que se possam captar
as novas mediações e requalificar o fazer profissional, identificando suas
particularidades e descobrindo alternativas de ação”. Para saber mais
sobre essa discussão que permeia a profissão, leia, na íntegra, a obra de
Marilda Iamamoto, O serviço social na contemporaneidade, da editora
Cortez, 2001.

O assistente social precisa ter uma visão da realidade social que o cerca, que determina e direciona
suas ações profissionais. Essa realidade é campo fértil para o exercício da sua prática profissional. Só a
partir de uma leitura crítica dela, na sua totalidade, é que o assistente social tem condições para propor
ações capazes de transformá-la socialmente.

A sociedade atual, com seus inúmeros problemas sociais, exige um profissional crítico, criativo,
propositivo e, sobretudo, operante, que vai além da capacidade de executar políticas públicas,
60
Supervisão de Intervenção Profissional

programas e projetos socais. A mera execução esbarra-se cotidianamente em questões que


inviabilizam uma atuação competente e eficiente do assistente social, na medida em que este fica
prisioneiro de atividades burocráticas e rotineiras preestabelecidas, que se transformam em ações
mecânicas e pontuais.

O assistente social precisa conhecer a realidade social e institucional em que está inserido e estar
em constante sintonia com ela para, assim, buscar alternativas de ação e de enfrentamento das
demandas sociais. Essa intervenção deve ser capaz de dar respostas qualificadas que contribuam para a
transformação social desse contexto, respostas que tenham como alvo principal a efetivação e garantia
dos direitos dos usuários do Serviço Social.

Conhecer a realidade social e institucional é imprescindível para uma intervenção competente do


assistente social. Iamamoto (2001), no entanto, alerta para a compreensão de que a conjuntura social,
ao mesmo tempo em que nos permite possibilidade de ação, impõe-nos limites. É importante que
assistente social seja ciente disso para que possa evitar posturas denominadas pela autora de fatalista
e messiânica.

A postura fatalista ocorre quando o assistente social não consegue visualizar alternativas de ação
em uma dada realidade social, deparando-se com os limites profissionais impostos pela instituição, tais
como questões da burocratização que envolve seu trabalho. O profissional nessa situação pensa que não
há mais nada a se fazer para ultrapassar os limites institucionais.

A postura messiânica relaciona-se com a visão heroica por parte dos profissionais, quando estes
desconsideram todos os limites impostos pela realidade social e institucional, pensando que sua prática
profissional só depende de sua vontade política. Nesse caso, é preciso que compreendam que não
são “os salvadores da pátria”, que sua vontade política vai ser sempre confrontada com os limites e
possibilidades existentes na realidade social.

O segundo pressuposto trabalhado por Iamamoto (2001, p. 23) chama a atenção para o entendimento
do Serviço Social como um tipo de trabalho na sociedade. Iamamoto (2001, p. 23) assevera que

A abordagem do Serviço Social como trabalho supõe apreender a chamada


“prática profissional”, profundamente condicionada pelas relações entre
Estado e sociedade civil, ou seja, pelas relações entre as classes na sociedade,
rompendo com a endógena no Serviço Social.

A autora cita como exemplo, para romper com a “endógena” no Serviço Social, não aceitar
que a profissionalização do setor dê-se sobre as bases da ajuda e da filantropia, pois essa é
uma visão de dentro e para dentro. Iamamoto considera que a institucionalização da profissão,
na divisão social e técnica do mercado de trabalho, só ocorre quando o Estado passa a intervir
nas expressões da questão social, trabalho este que demanda um profissional técnico para
intervir junto às classes subalternas para minimizar as mazelas sociais geradas da relação
capital/trabalho.

61
Unidade I

O assistente social integra-se ao mercado de trabalho mediante demanda do Estado, que exige um
profissional especializado para intervir nas expressões da questão social., insere-se em uma relação
de compra e venda da sua força de trabalho. Nesse sentido, Iamamoto (2001, p. 24) assevera que “a
profissão passa a constituir-se como parte do trabalho social produzido pelo conjunto da sociedade,
participando da criação e prestação de serviços que atende às necessidades socais”.

O terceiro pressuposto que a autora pontua diz respeito à profissão contribuir com a produção e
reprodução da vida material. O homem precisa, como sujeito social, do trabalho para satisfazer suas
necessidades: comer, beber, vestir, morar etc. E, para tal, precisa de meios de produção que garantam
sua inserção no mercado de trabalho, pois é por meio dele que os homens estabelecem relações entre si.

Nota-se que foi apontado que as relações sociais estabelecidas por meio do trabalho são relações
de poder, luta e confronto entre os diversos interesses das classes sociais. O Estado é a instituição
mediadora dos conflitos existentes nas contradições das relações entre as classes, e o Serviço Social,
como profissão especializada, insere-se nessas relações, sendo, por isso, inscrito no âmbito de produção
e reprodução da vida social.

Dessa forma é que a profissão e a prática profissional se relacionam com a sociedade contemporânea,
e o estagiário deve apreender essa relação em sua totalidade. Deve identificar o Serviço Social e suas
diversas dimensões na vida social, como afetam a profissão, como a auxiliam e a limitam na busca por
soluções das demandas impostas. Ao fazer essa leitura, você terá entendido como a prática profissional
relaciona-se com a sociedade contemporânea e o que faz a profissão ser necessária no mercado de
trabalho.

No próximo capítulo, estudaremos a relação teoria/prática, como o estágio supervisionado cumpre


seu objetivo primordial de suscitar a reflexão acerca dos conteúdos teórico-metodológicos adquiridos
ao longo da formação. Também veremos a aplicação desses conteúdos na prática durante a realização
do estágio supervisionado do curso de Serviço Social.

4.6 A relação teoria e prática no campo de estágio

O Serviço Social, em sua trajetória profissional, sempre esteve embasado em teorias para
exercer sua prática. Por isso, podemos dizer que a teoria é o farol que ilumina a atuação do
assistente social. Toda profissão, conforme vimos, tem suas práticas, e esse fato é que possibilita
a construção da identidade das profissões, cada uma com sua especificidade e sua forma de
atuar. Essas atuações são desenhadas e definidas pelas teorias que fundamentam as atitudes e as
práticas das profissões.

O Serviço Social tradicional (1935-1965) esteve embasado teoricamente, a princípio, sob a influência
de teorias francesas e belgas, guiando-se posteriormente pela forte influência de teorias americanas.
Atuando sob influência belga e francesa, a profissão trabalhava sob os ditames do capital, com uma
postura neutra, cumprindo ações paliativas, pautadas pela correção e ajuste das classes pauperizadas.
Sob influência americana, a profissão trabalhava para o aumento da produção e da manutenção da
reprodução do capital, buscando por meio de suas intervenções o consenso entre as classes sociais,
62
Supervisão de Intervenção Profissional

capital versus trabalho, e ainda a manutenção da exploração dos trabalhadores e do lucro exacerbado
pela classe dominante.

Após o encontro com a teoria de Karl Marx, a profissão desencadeia o Movimento de Reconceituação
e passa a ter um caráter revolucionário. Chamamos sua atenção para o fato de que passa a ter um viés
de luta em defesa dos direitos da classe que vive do trabalho e que sofre com as consequências da
expansão do capitalismo.

Para que o Serviço Social pudesse implementar uma mudança em sua perspectiva teórico-
metodológica, foi preciso uma ação dialética e o embasamento na teoria marxista sob uma nova
dimensão. Foi preciso também o resgate da formação acadêmica, tendo em vista a necessidade de
inovações dos fundamentos e das bases teóricas que incidiam diretamente na prática profissional. De
acordo com Silva (2006), essa aproximação com a teoria marxista possibilitou à categoria dos assistentes
sociais uma maior compreensão da luta de classes, das desigualdades sociais e da exploração sofrida pela
classe trabalhadora, o que incidiu diretamente na construção da formação acadêmica mais coerente e
fundamentada, voltada para a superação da teoria/prática, num avanço na elaboração de propostas
reflexivas e coerentes.

Dessa forma, fica claro que a teoria e a prática devem estar intrinsecamente ligadas, uma vez
que, ao refletir e discutir sobre a primeira, o Serviço Social é capaz de construir suas proposições em
respostas às demandas impostas à profissão. Contudo, é importante não desconsiderar o movimento
dialético que ocorre entre esses dois elementos. Segundo Silva (2006, p. 192), na unicidade dialética,
a teoria pode ser encarada como um processo de permanente construção, fazer-se e aprofundar-se
tomando a prática como referência.

Portanto, podemos considerar que a construção de teoria pode ser conferida na prática, em
que ambas se questionam, confrontam e se completam, o que propicia aos profissionais diversas
possibilidades de articulações no exercício profissional. Para ocorrer essa dialética entre teoria e
prática, devemos sempre considerar a construção metodológica, que é a mediação necessária para
que essa relação aconteça.

A ponte entre o saber adquirido na formação profissional e o saber aprendido com a prática
profissional é tema de discussão da qual nos ocuparemos agora em diante.

4.6.1 A relação teoria e prática e o saber no estágio supervisionado

A relação teoria e prática cumpre-se com a própria execução do estágio pelo aluno, que é, nesse
momento acompanhado durante todo o tempo dos profissionais responsáveis pela sua formação, em
especial o supervisor de campo e o supervisor acadêmico, que lhe ressaltam os conteúdos teórico-
metodológicos, o instrumentais técnico-operativos e o compromisso ético-político da categoria do
Serviço Social no campo de estágio.

Avaliemos como a relação de respeito e compromisso entre supervisor de campo e estagiário


pode implicar diretamente a fusão da teoria com a prática em favor da construção do saber do aluno
63
Unidade I

estagiário. Como esses sujeitos desenvolvem um processo, faz-se necessária uma apreensão dos sujeitos
individuais e coletivos. Vistos isoladamente, supervisor e aluno são sujeitos individuais e, vistos em
conjunto, são sujeitos coletivos. Desse processo, entendemos que cada um tem realidades específicas:
cada um traz em si um jogo de personalidade, concepções, opiniões eum jeito peculiar estar no mundo.

O homem é um ser de condições psicológicas, mas também sociais. Ao mesmo tempo em que tem
sua especificidade, que o faz ser singular e diferente do outro, é também social à medida que estabelece
relações sociais. Essas características incidem na forma e na construção do seu saber, uma vez que as
concepções, as opiniões traçam o jeito de cada um ser e estar no mundo.

Essa constatação faz-nos apontar para você, aluno, que, no processo de estágio, são estabelecidas
importantes relações que refletem no seu conhecimento. O supervisor de campo e aluno supervisionado,
apesar de serem sujeitos únicos, tornam-se sujeitos coletivos à medida que se vinculam em um contexto
relacional em função do exercício profissional. Sobre essa relação, Buriolla (2003, p. 83) afirma que
“[...] é relevante se terem relações objetivas que se manifestam no mundo do trabalho profissional e
da prática do estágio, inserindo tudo que abarcam: atividades, meios, fins, dificuldades, contradições,
êxitos, fracassos etc”.

A autora aponta a dialética que ocorre no espaço de prática do estágio, considerando a objetividade
como importante nesse contexto. Dessa forma, o estágio deve encaminhar-se por uma vertente
que suprima algumas condutas que muitas das vezes o perfazem: a dependência, o autoritarismo, a
competição, ou mesmo, a relação pautada apenas pela amizade.

A relação supervisor/aluno de estágio, segundo a discussão de autores, deve ser de debate e de saber,
o que se opõe ao autoritarismo que, de forma geral, tem permeado a formação profissional brasileira.
Essa relação implica respeito mútuo, que as ideias de cada um possam ser expostas e discutidas, o que
propicia a troca de experiências e a liberdade de expressão.

O estágio deve permitir que tanto o supervisor quanto o aluno adquiram um saber, cada um
com nuances diferenciadas. Sobre isso, Buriolla (2003, p. 83) cita o pensamento de Toledo, um dos
entrevistados de sua pesquisa, acerca da relação supervisor/estagiário:

O supervisor, pela sua própria condição, tem (ou precisa ter) um cabedal
mais amplo de conhecimentos teóricos-metodológicos, de cultura geral, de
experiências e de vivência práticas profissionais. Porém o estagiário também
tem um saber que deve ser coletivizado, explorado, trocado no processo da
supervisão.

A autora Buriolla pontua que os envolvidos no estágio não podem ser desconsiderados, mas, ao
contrário, mesclados, formando uma conjunção de conhecimentos que devem ser refletidos, discutidos,
explorados e explicitados no campo de estágio.

Essa relação de debate e saber levará à construção de estratégias construtivas e educativas, capazes
de propiciar um bom desempenho do estágio e, ao mesmo tempo, propiciará uma inovação do fazer
64
Supervisão de Intervenção Profissional

profissional do assistente social, supervisor de campo, na medida em que ambos abordarão a crítica e a
reflexão das ações profissionais.

Essa troca, de diálogo e de reflexão, que suscita a relação entre teoria e prática, propicia a empatia,
tão imprescindível no processo de estágio. Ela leva a uma afetividade, à manifestação de sentimentos
que facilitam o diálogo, em que o supervisor e o aluno estagiário saibam o momento de falar e de ouvir.

A sincronia implica compreender a outra pessoa. No processo de supervisão, esse suporte afetivo
vai ao encontro de uma prática do estágio pautada em comunicação verbal objetiva como também em
comunicação espontânea de expressão de sentimentos. Buriolla (2003, p. 85) defende que “a empatia
conduz a uma relação de identificação com o ‘outro’, favorecendo o diálogo, a troca, a reflexão e que
todo o conteúdo da supervisão seja satisfatório e livremente operado”.

A relação dialógica do supervisor com o aluno de estágio imprime uma responsabilidade para
ambos. Implica a construção de um relacionamento empático, de compromisso, de responsabilidade
com o fortalecimento da teoria e da prática. O contrário disso torna o processo de estágio algo limitado,
desperta inseguranças e conflitos e acaba prejudicando esse importante processo vivido pelo aluno
estagiário e o profissional do Serviço Social. Isso não quer dizer que não devem existir momentos de
embates e visões diferenciadas entre o supervisor e o aluno de estágio, até porque somos seres únicos e
cada um tem sua subjetividade.

Os momentos de embates (conflitos) que certamente surgem no estágio devem ser superados de
forma sensata, coerente e, sobretudo, fundamentada nas teorias estudadas. Um ponto de extrema
relevância no processo de estágio é não confundir autoridade com autoritarismo. A autoridade
hierárquica na instituição é do supervisor, já que existe uma relação de poder peculiar em todo
o espaço institucional. Todavia, isso não inviabiliza a participação do estagiário nas atividades e
no processo que exige reflexão e criação de estratégias de ação, conforme a combinação teoria/
prática permite.

Buriolla (2003, p. 91) recomenda que o aluno de estágio

[...] participe de todo processo, que ele opine, tome decisões, tenha espaço
e valorize as suas iniciativas. A desigualdade de atribuições entre supervisor
e supervisionado não impede que a relação seja sincera e amistosa e tanto
o supervisor quanto o supervisionado respeitem a identidade um do outro,
permitindo influencias mútuas.

Essa recomendação da autora mais uma vez nos remete a elementos próprios e fundamentais para o
exercício conciliado da teoria com a prática e o saber no campo de estágio. Também corrobora a relação
idealizada ao se primar por respeito mútuo, empatia, colaboração, cumplicidade, discussão construtiva,
reflexão etc., mesmo porque, os sujeitos envolvidos podem livremente relatar, discutir e refletir sobre a
aplicabilidade da teoria na prática em que ocorre a vivência do exercício profissional, o que propicia a
abertura de novas perspectivas no processo ensino/aprendizagem.

65
Unidade I

Saiba mais

Leia, na íntegra, o livro Supervisão em serviço social: o supervisor, sua


relação e seus papéis, da autora Marta Buriolla, 3. ed., São Paulo: Cortez,
2003. Você saberá mais sobre como desenvolver uma relação entre os
sujeitos envolvidos no estágio, que favoreça a aplicação da teoria e prática
no campo de estágio. Ainda na mesma obra, a autora ensina o porquê
de o respeito mútuo, a empatia, a colaboração e a discussão poderem
suscitar a reflexão, a vivência de novas experiências e a abertura de novos
conhecimentos mediante fundamentos importantes para o aluno de estágio
em sua futura atuação como profissional assistente social. Essa obra é uma
referência sobre o estágio supervisionado do Serviço Social.

A relação teoria e prática incide diretamente na efetiva prática profissional. Ambas são indissociáveis
e devem caminhar juntas para a realização das ações profissionais.

4.6.2 A prática profissional e a relação teoria e prática

O estágio supervisionado oportuniza ao estudante uma primeira aproximação com a prática


profissional em espaços sócio-ocupacionais onde atuam os assistentes sociais. Por esse fato, esse
importante processo de inserção do aluno não pode ser desassociado da formação profissional, mas
deve ser um momento de aprendizagem e aproximação da teoria com a prática.

As disciplinas ministradas no curso que antecedem o estágio supervisionado oferecem as bases


teóricas que norteiam a prática do aluno estagiário na instituição/campo de estágio. O aluno desenvolve
o seu estágio, então, à luz de uma fundamentação teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-
política.

As ações a serem desenvolvidas pelo aluno no cotidiano da instituição exigem, logo no início
de sua inserção no campo de estágio, a aproximação da realidade institucional mediante uma visão
investigativa. Segundo Iamamoto (2001), isso requer ultrapassar as rotinas da instituição com a intenção
de descortinar a realidade, as tendências e as oportunidades nela presentes.

Esse processo deve ser contínuo e expressar-se como uma unidade, uma união, em que os saberes
do aluno estagiário, do supervisor de campo e do supervisor acadêmico complementam-se e criam
uma interdependência entre os elementos teóricos e a realidade concreta na prática. Oliveira (2004)
considera que, por mais ampla que seja uma ação vivida na instituição/campo de estágio, ela não
possibilita a aplicação de todo o conhecimento teórico adquirido no decorrer do curso. Segundo a
autora isso seria impossível no estágio, uma vez que a teoria e a prática constituem-se como uma
unidade relacional, não podem ser percebidas e compreendidas com uma relação direta e instantânea.
O estágio supervisionado é uma etapa da formação profissional e tem duração limitada. Constitui o
66
Supervisão de Intervenção Profissional

primeiro contato do acadêmico com a prática profissional, sendo assim impossível, em um curto prazo,
o aluno aplicar todos os seus conhecimentos teóricos.

Lembrete

A teoria e a prática devem ser compreendidas com uma unidade


relacional que começa a se desenvolver no estágio supervisionado e deve
acompanhar, por meio de um processo contínuo, todo o fazer profissional
do assistente social.

Para Buriolla (2003), a universidade não pode priorizar a transmissão do saber técnico, subordinando
a prática à teoria. Para a autora (2006, p. 44), essa visão faz com que o processo ensino/aprendizagem
seja fragmentado, pois apesar da teoria e a prática serem de natureza diferente, ambas se tocam e
interpenetram, já que o Serviço Social é um só, embora existam visões e especialidades diferentes. O
que deve se perceber como diferente é o tipo e a intenção do procedimento, por um lado voltado para
o conhecimento teórico e, por outro, com o sentido de perceber e fazer o Serviço Social. Fazendo é que
se pode avaliar, analisar criticamente e repensar o Serviço Social. É nessa relação de contrários que os
espaços se abrem para aqueles que não se encontram acomodados.

Observação

Perceba que Buriolla (2003) quis, portanto, demonstrar que o fazer


profissional deve voltar-se para o conhecimento teórico, visto que o que
acontece na prática oferece-nos a possibilidade de refletir, construir e
desconstruir a própria profissão e as suas diferentes especialidades.

Diante disso, a universidade deve buscar constantemente mecanismos que fortaleçam a teoria
e a prática, para possibilitar ao estudante a apropriação de conhecimentos teóricos e, ao mesmo
tempo, proporcionar-lhe capacidade para aplicar tais conhecimentos. Dessa forma, não pode haver
dicotomia entre a teoria e a prática. O aluno de estágio deve saber que precisa da teoria para
aplicar seus conhecimentos na prática. Assim, teoria e prática não podem ser compreendidas como
categorias separadas, pois ambas são indissociáveis e devem caminhar juntas, uma dependente da
outra para a realização das ações profissionais do assistente social e do aluno estagiário do curso
de Serviço Social.

É importante que você, aluno, tenha compreendido a relação entre teoria e prática no exercício
profissional, que essas categorias são fundamentais para a aprendizagem no campo de estágio. O fazer
profissional associa-se diretamente com o domínio da teoria por parte do assistente social, profissão
que, desde sua gênese e em diversas épocas, esteve guiada e embasada por diversas teorias. Vale dizer
que o encontro com a teoria de Karl Marx possibilitou uma melhor compreensão das relações sociais e
contraditórias que são próprias da sociedade capitalista.

67
Unidade I

4.7 A legislação de estágio e a atividade de reflexão teórico-prática

As legislações de estágio regulamentam o estágio supervisionado do Serviço Social como requisito


obrigatório em todos os cursos de nível superior. É definido pelo Ministério de Educação – MEC, sob
forma de Lei n.º 11.788, de 25 de setembro de 2008, como ato educativo escolar supervisionado, que
deve ser realizado em ambiente de trabalho com o objetivo de preparar o aluno para o trabalho, e
como uma tarefa produtiva. Deve integrar o itinerário formativo dos projetos pedagógicos dos cursos,
sendo pré-requisito para a obtentação do diploma de aprovação, conforme o § 1º do Artigo 2º da Lei n.º
11.788/2008.

Para realizar o estágio, o aluno deve estar frequentando o ensino regular, em instituições de
educação de nível superior; a instituição de ensino deve celebrar um termo de compromisso com a parte
concedente do estágio; e deve haver compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e as
previstas no termo de compromisso. O estágio não pode ser considerado um emprego, pois em hipótese
alguma caracteriza vínculo de emprego de qualquer natureza.

O termo de compromisso ou convênio celebrado entre as instituições de ensino, no caso a UNIP e a


instituição de estágio, é um acordo tripartite, pois envolve o aluno, a instituição de ensino e a instituição
concedente de estágio. Nesse termo ou convênio são previstas as condições de adequação do estágio
à proposta pedagógica do estágio, à formação do aluno e ao calendário escolar ou acadêmico. Dele
devem constar alguns elementos, tais como:

I. dados de identificação das partes, inclusive dados da formação superior do supervisor de estágio
da parte concedente e da instituição de ensino;
II. responsabilidades de ambas as partes;
III. objetivo do estágio;
IV. plano de estágio;
V. jornada da atividade de estágio;
VI. vigência do termo;
VII. número da apólice de seguro do aluno.

Vamos apontar a você algumas obrigações das instituições envolvidas no processo de estágio,
previstas na Lei n.º 11.788/2008. As instituições de ensino devem celebrar termo de compromisso
ou convênio com a instituição concedente de estágio, indicando as condições de adequação do
estágio e a proposta pedagógica do curso, a etapa e a modalidade de formação escolar do aluno,
o horário e o calendário escolar. Devem indicar o nome do professor orientador da disciplina e do
professor orientador de estágio presencial que acompanhará e avaliará as atividades do estágio.
Deve exigir do aluno a apresentação periódica, em prazo não superior a seis meses, do relatório
das atividades do estágio.

68
Supervisão de Intervenção Profissional

As instituições concedentes de estágio devem ofertar instalações com condições de propiciar aos
alunos/estagiários as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, observando aspectos
relacionados à segurança e à saúde. Devem indicar, um funcionário do quadro funcional de pessoal
com experiência profissional na área de conhecimento do curso do aluno, para supervisionar e orientar
até dez alunos simultaneamente. Por último, deve manter em situação regular os documentos que
comprovem a realização do estágio.

Observação

Essa formatação de estágio está regulamentada pela Lei n.º 11.788, de


25 de setembro de 2008, quando foi revogada a antiga Lei de estágio n.º
6.494 de 07 de dezembro de 1977.

O aluno estagiário deve desenvolver as seguintes atividades: conhecer e identificar a área de estágio
(empresa pública, privada ou ONG); conferir com o tutor presencial o processo de formalização do
convênio de estágio, que ocorrerá mediante documento assinado entre a UNIP e a entidade campo de
Estágio; preencher os formulários anexos no Manual de Orientações de Estágio, disponível no portal da
UNIP.

Mais adiante, vamos conhecer algumas das atividades que o aluno/estagiário realiza durante
o estágio. No primeiro momento, deve reservar seu tempo para fazer análise institucional, de
acordo com orientações da disciplina. Após esse período, deve elaborar e desenvolver com o
supervisor acadêmico presencial o Plano de Estágio, de acordo com o cronograma e as orientações
estabelecidas pela UNIP. Em seguida, deve elaborar um relatório parcial contextualizando a política
pública ou privada, dependendo do espaço sócio‑ocupacional onde estiver inserido.

Vale lembrar quão importante é a análise institucional, já estudada anteriormente, pois permite
ao estagiário conhecer a instituição em que estagia, seu contexto interno, a política social que ela
representa e implementa, como o Serviço Social atua nessa política, os princípios e as normas das
instituições e ainda as estratégias que a profissão pode traçar para efetivar os direitos sociais de acordo
as determinações da instituição.

4.8 A análise institucional no estágio supervisionado

O Serviço Social é uma profissão que atua imbuída nas instituições do Primeiro, Segundo e Terceiro
setor. Sendo assim, as instituições precisam ser entendidas, analisadas e compreendidas, para que
o assistente social possa, a partir do conhecimento sobre o cenário em que atuará elaborando suas
estratégias e atividades propostas.

69
Unidade I

Saiba mais

A trajetória institucional do Serviço Social também precisa ser


compreendida, para que os profissionais possam atuar nas instituições
conforme a proposta ética do Serviço Social contemporâneo. Pensando
dessa forma, indicamos a você a leitura do livro de Ana Maria Estevão,
Serviço social e instituição: a questão da participação, publicado pela
editora Cortez em 1985. Essa leitura clássica do Serviço Social traz
aspectos interessantes da profissão e de sua institucionalização, fazendo
uma contextualização histórica desse processo e também investigando o
funcionamento das instituições, do Estado, da política social, da problemática
social, da burocracia nas instituições e de como esses elementos incidem
diretamente na profissão do assistente social. Acreditamos que esse livro
será um excelente subsídio para que você construa sua análise institucional
sob a ótica da profissão de Serviço Social.

O estágio supervisionado requer uma atividade muito importante: a análise institucional. Como o
nome aponta, constitui um instrumento que permite ao aluno estagiário conhecer a instituição onde
realizará o estágio. Conforme Estevão (1985, p. 64): “Fazer análise institucional é tentar descobrir para
que servem as instituições, como se dividem e se organizam os vários saberes e poderes dentro delas e
como este poder se espraia pelo resto da sociedade.”

Essa análise, na prática, utiliza de um roteiro como instrumento para certificar a coleta de
informações de modo significativo, o mais amplo e próximo da realidade. A partir do estudo do
contexto interno de determinada instituição, da conjuntura econômica, política e social, externa
a ela, e das implicações entre si, o profissional de Serviço Social poderá fazer uma reflexão crítica
acerca da realidade social e definir-se pelo método, pelas estratégias e pelas táticas a serem
utilizadas na sua ação profissional.

Dessa forma, apresentamos um modelo de roteiro para análise institucional a fim de estabelecer
critérios de coleta de informações que resultem no relatório, de competência do acadêmico, durante o
seu estágio na disciplina Estágio Supervisionado. É importante lembrar que este, para ser empregado
e acatar os objetivos pretendidos, deve ser adequadamente adaptado às características específicas da
instituição (pública), empresa privada ou organização da sociedade civil que será o objeto da análise
institucional, durante o estágio acadêmico.

4.8.1 Roteiro para a análise institucional

Conheçamos os elementos que devem conter um roteiro a ser seguido como forma de analisar a
instituição concedente do estágio. Em primeiro lugar, você deve solicitar o Estatuto Social dela. Dessa
forma, saberá dos dados que deve coletar para a identificação:

70
Supervisão de Intervenção Profissional

• nome da instituição;
• endereço completo: nome da rua, número, complemento (se houver), bairro, telefone; e-mail, site;
• área de atuação (refere-se à área de atendimento da instituição): habitação, saúde, educação,
meio ambiente, infância, idosos, família, trabalhador (quando se tratar de empresa) etc.;
• área de abrangência (municipal, regional, estadual);
• projetos envolvidos (aqueles desenvolvidos pela instituição);
• funcionamento (horário);
• vinculação administrativa (denominar o órgão a que a instituição vincula-se administrativamente.
Por exemplo, o presídio é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública);
• nome dos dirigentes (presidente, coordenador, secretário).

Em segundo lugar, você deve coletar os dados referentes à constituição histórica da instituição:
como se constituiu (data, por que):

• grupos sociais que participaram de sua criação e do desenvolvimento (contextualizar a instituição


na atualidade, relacionando grupos sociais que dela participam, as demandas e serviços atuais);
• demandas absorvidas no início;
• evolução histórica dos serviços.

Em terceiro lugar, é necessário pesquisar e pontuar na análise institucional o contexto atual da


instituição:

• objetivos institucionais (presentes na documentação da instituição);


• objetivos implícitos (percepção do acadêmico).

Seguindo o roteiro, como quarto aspecto, é importante que você se atente para a proposta
desenvolvida pelo assistente social da instituição para o atendimento do usuário, tais como:

• rotina de atendimento;
• tipos de atendimento geral.

Como quinto passo, ressaltem-se os resultados obtidos com as atividades desenvolvidas pelo
assistente social na instituição, de acordo com o Código de Ética:

• relação desenvolvida entre o usuário e a instituição;


• relação da instituição com usuário;
• relação entre os atores institucionais (equipe interprofissional).

71
Unidade I

Os aspectos subjetivos implícitos pertinentes aos objetivos da instituição devem ser analisados e
apontados na análise. São estes:

• sintonia/contradição entre objetivos e operacionalização;


• participação do usuário;
• articulação institucional (rede interna/externa).

Por fim, é importante coletar os dados relacionados ao Serviço Social e o assistente social supervisor
de estágio que atua na instituição analisada e acompanha o aluno estagiário:

• nome;
• número da inscrição no Cress;
• número de assistentes sociais;
• especialização;
• tempo de atuação;
• surgimento da necessidade do assistente social;
• proposta (plano de trabalho) e atribuições;
• descrição do processo de trabalho do assistente social;
• RH, materiais disponíveis;
• relação interdisciplinar (conflito/entendimento);
• flexibilidade diante das demandas institucionais;
• formulação de estratégias e implementação;
• quantidade de usuários que atende em média/mês;
• capacidade máxima de atendimento/assistente social;
• lugar que ocupa o profissional de serviço social (informal/formal);
• limites e possibilidades (escutar o profissional);
• requisitos/critérios para o ingresso do assistente social na instituição;
• carga horária semanal do assistente social;
• inserção do estagiário junto ao assistente social.

O roteiro com análise deve ser realizado no início do estágio na instituição pretendida.

Nosso próximo assunto é o relatório de estágio. Qual seria sua importância para a profissão e para
o estágio supervisionado? Aprenderá como elaborar esse instrumento, que é uma representação escrita
dos acontecimentos e das atividades desenvolvidas por você no estágio supervisionado.

72
Supervisão de Intervenção Profissional

Roteiro de Análise Institucional

1. Dados de identificação
1.1. Nome da Instituição
1.2. Endereço: rua, n°, bairro, telefone
1.3. Área de atuação
1.4. Área de abrangência (municipal, regional, estadual)
1.5. Projetos envolvidos
1.6. Funcionamento (horário)
1.7. Vinculação administrativa (mantenedora)
1.8. Nome dos dirigentes (presidente, coordenador, secretário)

2. Constituição histórica
2.1. Como se constituiu (data, por que)
2.1.1. Grupos sociais que participaram de sua criação e desenvolvimento
2.1.2. Demandas da instituição
2.2. Contexto atual (funcionamento atual da instituição)

3. Objetivos institucionais
3.1. Objetivos institucionais (presentes na documentação da instituição)
3.2. Objetivos implícitos (percepção do acadêmico)

4. Proposta de atuação ao usuário


4.1. Rotina (como ocorre o cotidiano institucional)
4.2. Tipos de atendimento geral

5. Resultados das atividades


5.1. Relação do usuário com a instituição
5.2. Relação da instituição com o usuário
5.3. Relação entre os atores institucionais (equipe)

6. Aspectos subjetivos (implícitos)


6.1. Sintonia/contradição entre objetivos e operacionalização
6.2. Participação do usuário
6.3. Articulação institucional (rede interna/externa)

7. Serviço Social
7.1. Nome: ______________________ Cress/região: _________
7.2. Número de assistentes sociais
7.3. Especialização
7.4. Tempo de Atuação
7.5. Surgimento da necessidade do assistente social
7.6. Proposta (plano de trabalho) – atribuições
7.7. Descrição do Processo de trabalho do assistente social
73
Unidade I

7.8. Recursos Humanos, recursos materiais (disponíveis)


7.9. Relação interdisciplinar (conflito/entendimento)
7.10. O assistente social é flexível diante das demandas institucionais?
Como você percebe?
7.11. Quantidade de usuários que atende em média/mês
7.12. Capacidade máxima de atendimento/assistente social
7.13. Lugar que ocupa o assistente social (formal e informal)
7.14. Limites e possibilidades (escutar o profissional)
7.15. Requisitos/critérios para ingresso na instituição (o assistente social)
7.16. Carga horária semanal do assistente social
7.17. Inserção do estagiário junto ao assistente social

8. Outros aspectos a ser considerados

9. Conclusão que conduza à elaboração do projeto de intervenção do estagiário (que


estudaremos na unidade II)

Resumo

Nesta unidade, você estudou, a partir de teorias clássicas a


contemporâneas, sobre a questão do poder nas instituições. Tomou
conhecimento, então, das influências dos seguintes pensamentos sobre o
Serviço Social: positivismo, fenomenologia, marxismo, além de conhecer
as perspectivas de Gramsci, Foucault, Goffman, Althusser e Marilena Chauí
acerca da ideologia como um conjunto de ideias e formas de ver o mundo
que orientam indivíduos, grupos e instituições sociais. Gramsci contribuiu
com a reflexão sobre hegemonia e relações do poder, o que é fundamental
quando se trata da inserção do assistente social nas instituições e
organizações.

Vimos que os principais aspectos tratados em relação ao poder e


contrapoder na sociedade institucional relacionam-se à necessidade
de compreensão da sociedade formada sob as bases das instituições e
organizações. Você pôde perceber como, no ambiente institucional, a
relação poder versus contrapoder demonstra um conflito ou tensão muitas
vezes latente.

Nesse sentido, falamos a respeito da hierarquia institucional e a


legislação específica existentes nas instituições. Você pôde ver as funções
de cada uma, bem como o que uma e outra podem representar para a ação
do Serviço Social.

74
Supervisão de Intervenção Profissional

Ainda, tivemos a oportunidade de refletirmos sobre a necessidade


de entendermos a questão da demanda como resultado das mudanças
conjunturais, respeitadas as particularidades das diferenças entre
o ambiente rural e o urbano. Aprendemos, dessa forma, que as
características regionais também implicam diferentes formas de
práticas do Serviço Social.

Quanto à análise da prática do Serviço Social aprendemos que


é fundamental levarmos em conta o desempenho do profissional,
mediante paradigmas ou tendências conceituais que se apresentam
durante a realização das atividades no seu cotidiano. Dois modelos
puderam ser apreendidos: o primeiro é o técnico-burocrático, em que
o fazer profissional responde aos interesses da instituição, colocando
o usuário em posição passiva. O segundo constitui ação técnico-
científica: tem como propositura a participação da população carente
na busca por soluções para suas demandas, assegurando-lhe seus
direitos, por meio dos serviços oferecidos pela instituição.

Você conheceu, então, dois paradigmas que vêm orientando a


ação do Serviço Social nas instituições: um de regulação e outro de
articulação. Pôde perceber os principais aspectos desses dois enfoques
metodológicos que, opostos entre si, são utilizados pelo assistente
social para nortear os procedimentos interventivos no seu cotidiano
profissional, conforme sua opção ético-política de atuação frente às
questões sociais. Você estudou também sobre a implicação da relação
entre a teoria e a prática tanto para a atuação mais prática do Serviço
Social quanto para o trabalho intelectual da construção e reconstrução
das suas bases teórico-metodológicas.

Dessa forma, vimos que as profissões têm suas especificidades e


a prática é que determina a construção de sua identidade. A prática
profissional competente, contudo, é orientada pela teoria. Assim, a relação
entre as bases teóricas que orientam o estagiário e a prática ou saber do
campo de estágio efetiva-se estritamente com a interação dos sujeitos
envolvidos nesse processo, especialmente supervisor de campo e aluno de
estágio. Essa relação deve ser de respeito, empatia, para que possa suscitar
o diálogo, a reflexão, a discussão, propiciando assim uma experiência de
ensino e aprendizagem.

Portanto, é preciso que você tenha compreendido que a relação


entre teoria e prática deve ser suscitada na experiência de estágio.
É importante, do mesmo modo, lembrar que a devida interação
entre supervisor de campo e aluno estagiário permite a reflexão e a
construção de saberes que privilegia a ambos. Compete-lhe, então,
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Unidade I

uma reflexão fundamental: os conteúdos teóricos que você adquire


durante o curso de Serviço Social podem ser colocados todos em
prática durante a realização do estágio? É possível, nesse espaço de
tempo, conseguir aplicar toda a teoria do Serviço Social na prática?
Verá que o estágio tem um tempo limitado a prática de toda a teoria
metodológica do curso! Contudo, mesmo com tempo determinado, o
estágio é o primeiro encontro do aluno com a prática profissional e
deve, por isso, ser aproveitado ao máximo.

Exercícios

Questão 01. Em relação às primeiras teorias do Serviço Social, assinale (V) quando a afirmativa for
verdadeira e (F), quando for falsa.

I) ( ) As primeiras teorias do Serviço Social mostravam-se preocupadas com casos isolados e com o
ajustamento dos indivíduos à sociedade.
II) ( ) As primeiras teorias do Serviço Social percebiam o indivíduo em seu contexto social.
III) ( ) O campo do Serviço Social era visto nas primeiras teorias como simplesmente assistencialista.

IV) ( ) Podemos afirmar que o Serviço Social, especialmente no seu início, adequava-se às necessidades
do desenvolvimento do capitalismo.

Assinale a alternativa que corresponde à correta análise das afirmações:

A) Somente as afirmações I e II são corretas.


B) Somente as afirmações I e III são corretas.
C) Somente as afirmações I, II e III são corretas.
D) Somente as afirmações III e IV são corretas.
E) Somente as afirmações I, III e IV são corretas.

Resposta: alternativa E.

Comentário:

A afirmação I é verdadeira, pois as primeiras teorias que fundamentaram o Serviço Social não
viam os problemas sociais em seu conjunto, mas preocupavam-se em ajustar o indivíduo à sociedade,
uma vez que este era visto como o problema. A afirmação II é falsa, uma vez que as primeiras teorias
do Serviço Social tinham foco de atenção voltado para o indivíduo, e não para o contexto social, o
que deu margem a uma ação assistencialista. Nesse sentido, a afirmação III também é verdadeira, pois
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Supervisão de Intervenção Profissional

o assistencialismo foi prioridade para conduzir os indivíduos a aceitarem o sistema capitalista que se
expandia. Conforme corretamente se comenta na afirmação IV, o sistema que se estabelecia exigia dos
indivíduos o disciplinamento, de modo que seguissem as regras estabelecidas a partir dos interesses
capitalistas. Assim, o Serviço Social focalizava a ação, portanto, nos indivíduos, ignorando os problemas
gerados pelo sistema.

Questão 02. A análise das práticas institucionais é fundamental para conhecer a estrutura
hierárquica que sustenta as relações entre setores e funcionários nas organizações. A esse respeito,
assinale a assertiva correta.

A) A estrutura hierárquica organizacional determina a qualidade e os interesses dos serviços que a


instituição presta à população usuária.
B) A hierarquia vincula autoridade e subordinação nas relações de poder das instituições.
C) A hierárquica existente na instituição deve ser representada por meio do organograma.
D) Todas as afirmações são corretas.

Resposta: alternativa D.

Comentário:

Você acertou se assinalou a alternativa D, pois a hierarquia vincula autoridade e subordinação nas
relações de poder de uma instituição, o que determina os interesses e serviços prestados à população. O
seu funcionamento é devidamente representado pelo organograma.

Questão 03. Comente, em um texto de 15 linhas, a citação de Prado Júnior a seguir, a partir das
reflexões de Guerra, segundo os nossos estudos.

“Precisamente do impacto produzido por novos dados empíricos colhidos na experiência, sobre o
conhecimento anterior, que resultam a nova elaboração e o progresso do conhecimento”.

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Unidade I

Comentário:

Sua resposta está correta se apontou a importância do reconhecimento da interdependência entre


a teoria e a prática e a realimentação entre si. Deve ter refletido sobre a construção do conhecimento
teórico, cujo princípio está na sistematização da prática, das observações cotidianas e nos resultados
alcançados. Certamente considerou também que a realização da prática profissional deve estar
embasada em teorias e experimentações que foram, criteriosamente, sistematizadas, mas que podem ser
reconstruídas a partir de novas experiências, e assim contribuírem, significativamente, para o processo
progressivo do conhecimento.

Questão 04. Para que o assistente social possa colocar em prática a ação do Serviço Social, deve
considerar os elementos que estão presentes no seu trabalho. Consulte o conteúdo que estudamos
pertinente a essa questão e apresente as características dos seguintes elementos encontrados na
realização da ação profissional.

A) Objeto

B) Trabalho

C) Instrumento

D) Produto

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Supervisão de Intervenção Profissional

Comentário:

Certamente, você fez uma leitura atenta do assunto em questão. Para comparar suas
atividades, relacionamos as seguintes características que correspondem a cada um dos
elementos elencados.

A) Objeto: identifica-se pela questão social, em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade
da ação profissional.
B) Trabalho: compreendido como atividade humana exercida por sujeitos de classes.
C) Instrumento: além do conjunto de técnicas de plantões, de encaminhamentos, de entrevistas, o
assistente social deve-se valer também do conhecimento das bases teórico-metodológicas como
recursos fundamentais na execução de sua prática.
D) Produto: refere-se à interferência da ação profissional na reprodução material da força de trabalho
e no processo de reprodução sociopolítica ou ideopolítica dos indivíduos sociais.

Questão 05. As organizações modernas, embasadas na lógica industrial e capitalista, apresentam-se


de maneira cada vez mais burocrática, de modo a esconder os conflitos e garantir a ordem social. Por
esse motivo, na sociedade, há predominância:

I. Da burocracia, a impessoalidade e a pressão para atender à ideologia de mudança.

II. Da burocracia, a pessoalidade e a pressão para atender à ideologia dominante.

III. Da mudança, a desordem e a burocracia para atender a sociedade.

Assinale a alternativa correta:

A) Somente as afirmativas I e II são corretas.


B) Somente as afirmativas II e III são corretas.
C) Somente a afirmativa I é correta.
D) Somente a afirmativa II é correta.
E) Todas as afirmativas são corretas.

Resposta: alternativa D.

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Unidade I

Comentário:

Se você respondeu a alternativa D, sua resposta está correta, pois a burocracia é típica da sociedade
moderna no sentido de manter a ordem vigente. Nesse sentido, a alternativa A é errada, pois a tendência
da burocracia é primar pela permanência da forma como a sociedade é instituída, e não pela mudança
referenciada na opção III.

Questão 06. Quanto ao poder e à ideologia, é correto afirmar que:

A) O poder não tem nenhuma relação com a ideologia.


B) O poder acontece por meio de ideologia que orienta a ação dos indivíduos, grupos e instituições.
C) A ideologia contribui para a autonomia dos indivíduos e das instituições sociais.
D) As instituições sociais formam-se independentemente das ideologias e do poder.
E) O poder não acontece por meio de ideologia, mas por ações que orientam os indivíduos, grupos e
instituições.

Resposta: alternativa B.

Comentário:

Está correta a sua resposta, se você escolheu a alternativa B, pois não existe instituição sem
ideologia e sem o poder. Sendo assim, a alternativa D, contrária à B, é incorreta, uma vez que as instituições
formam-se a partir de ideologias. A alternativa A é incorreta, porque poder e ideologia apresentam uma
relação profunda, como demonstram as abordagens de Althusser (1987) e Chauí (1996). A alternativa
C também é incorreta, pois a ideologia nem sempre contribui para a autonomia dos indivíduos e das
instituições sociais; serve para manter ou para mudar uma situação.

Questão 07. Elabore um texto dissertativo de 15 linhas, sobre os princípios fundamentais do Código
de Ética do Assistente Social, identificando sua importância na definição da dimensão ética e política
que assegura o cumprimento do compromisso assumido pelo assistente social com os usuários do
Serviço Social.

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Supervisão de Intervenção Profissional

Comentário:

Para dissertar sobre a dimensão ética e política da profissão do assistente social, você tem a
oportunidade de realizar uma reflexão acerca da relação entre os compromissos assumidos pelo Serviço
Social, no projeto ético–político profissional, e o desafio do assistente social em materializá-los na sua
prática cotidiana.

Questão 08. A teoria sempre pautou a prática profissional do Serviço Social. Nesse sentido, podemos
considerar que a característica da teoria marxista que provocou o Movimento de Reconceituação do
Serviço Social e mudanças em sua forma de atuação prática na contemporaneidade:

A) Impulsionou uma atuação neutra, que busca o consenso entre classe trabalhadora e classe
capitalista.
B) Orientou uma atuação profissional, sob os ditames do capital, de ações paliativas.
C) Influenciou a atuação profissional voltada para a correção e o ajuste da classe trabalhadora sob
os ditames do capital.
D) Influenciou a atuação profissional com o caráter revolucionário e um viés de luta em defesa dos
direitos da classe que vive do trabalho.
E) Todas as alternativas são corretas.

Resposta: alternativa D.

Comentário:

Se você marcou a alternativa D, acertou! Ela aponta que a teoria marxista influenciou a atuação
profissional e tem um caráter revolucionário, um viés de luta em defesa dos direitos da classe que vive
do trabalho. A alternativa A é incorreta, pois referencia as características da teoria positivista, conforme
estudamos. A alternativa B é incorreta, pois a teoria marxista não orientava a profissão para desenvolver
ações paliativas, sob os ditames do capital; as teorias americanas, sim, orientavam a profissão nesse
sentido. A alternativa C também é incorreta, pois apresenta características da corrente funcionalista,
que influenciava a atuação profissional voltada para correção e ajuste da classe trabalhadora sob os
ditames do capital. Portanto, a letra E, da mesma forma, é incorreta.

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