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Eu sou tu.

Uma eco(socio)logia da individuação.

José Pinheiro Neves

Pedro Rodrigues Costa

2015
[na ficha de publicação e na contracapa, assinalar que esta publicação teve o apoio da Fundação para a
Ciência e Tecnologia através da Bolsa de Pós-Doutoramento SFRH/BPD/42559/2007]

1
Introdução
Eu sou tu
Uma eco(socio)logia
A “individuação”
Síntese do livro

Os pioneiros da eco(socio)logia da individuação


Gabriel Tarde e as micro-diferenças
A hesitação de Max Weber como um ponto de partida
Simmel: a tensão entre a “mais-vida” e a “mais-do-que-vida”
Alfred Schütz e o fluxo do tempo
Vilfredo Pareto e a “ciência” das coisas não-lógicas
Síntese

A individuação em Carl G. Jung


Jung e a rutura com o modelo “individual” de Freud
A individuação humana como processo psico-coletivo
A individuação e os arquétipos
As imagens no processo de individuação
Síntese

A individuação em Gilbert Simondon


Individuação: do nível físico ao bio-psico-coletivo
Síntese

Processos de individuação: diálogo entre Jung e Simondon


Síntese

Conclusão: a eco(socio)logia dos processos de individuação


O individuar, e não o indivíduo, como ponto de partida
Um individuar entre ecos e ressonâncias: a contribuição de José Gil
A individuação e o mundo dos não-humanos
A individuação e o coletivo

Bibliografia

2
Ao Douro

Ao José Bragança de Miranda

Ao Edmundo Cordeiro

A Virginia Román Salgado

À memória do mestre “Mesquita”, o matemático Luís Fernando Mesquita da Silva

Dedicado à Zeza, Dani, Debby e aos pais e irmãos de Pedro Rodrigues Costa

3
O grande inspirador deste livro foi, sem dúvida, José Bragança de Miranda que, desde
há várias dezenas de anos, tem pensado a emergência das novas formas de ser coletivo.

Muitos outros investigadores das ciências sociais e de pensadores ligados a uma ação
coletiva partilham essa sensibilidade ecológica em redes de afinidades e de afetos, em várias
universidades e projetos coletivos.

Este livro não seria assim possível sem a ajuda dessa multitude de individuais coletivos
que não se deixam limitar pelas fronteiras dos Estados ou pelas paredes das instituições.

Nesse sentido, um sentimento de gratidão nos atravessa quando recordamos os


encontros com Adrian Mackenzie, Alberto Andino, Ana Silva, António Lourenço Fontes, António
Praça, Aristides Pereira, Astrid Pinto Durán, Azril Bacal, Bruno Latour, Catarina Patrício,
Eduardo Jorge Esperança, Filomena Viegas, Flórido, Hermínio Martins, Hermano Sol, Ilda Teresa
Castro, Índio Zico, Jacinto Rodrigues, Jacques Derrida, Jean Martin Rabot, Joel Felizes, Jorge
Leandro Rosa, José Gomes Pinto, José Luís Garcia, José Paulo Sousa, Luís de Barreiros Tavares,
Luzia de Oliveira Pinheiro, Manuel da Silva e Costa, Maria Luiza Cardinale Baptista, Mário Pais
de Oliveira, Martin Roldán, Michel Maffesoli, Nancy Alves Pereira, Nandão, Nuno Meireles,
Quetzalcóatl, Rosa Leonor Pedro, Rosa Oliveira, Solange Wajnman, Vítor Rua, Vítor Costeira,
Walter Frantz, William Moreno e Zara Pinto Coelho. Elas e eles ajudaram-nos, direta ou
indiretamente, a escolher os trilhos a seguir para pensar a individuação.

Uma palavra especial de gratidão e amizade para Albertino Gonçalves, Edmundo


Cordeiro, Pedro Andrade e Moisés de Lemos Martins pelo seu apoio intelectual a esta proposta
“arrojada”. Queremos também realçar a ajuda da socióloga Paula Mascarenhas que nos chamou
a atenção, desde o começo da escrita do livro, para a dimensão ecológica em Gilbert Simondon e
Carl Jung. Para Esser Jorge Silva, uma saudação especial, pela revisão do texto e pelo incentivo
permanente.

Finalmente, no plano institucional, agradecemos o apoio do Centro de Estudos


Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho, do Centro de Estudos
Comunicação e Linguagens (CECL) da Universidade Nova de Lisboa, da Fundação para a Ciência
e Tecnologia (FCT) através da Bolsa de Pós-Doutoramento SFRH/BPD/42559/2007 e do
Observatório sobre Alimentação, Tecnologia e Ecologia (OBSERVALICIA). Um agradecimento
sincero ao Departamento de Sociologia da Universidade do Minho pela concessão da licença
sabática, no ano letivo de 2011/2012, a um dos autores do livro, José Pinheiro Neves.

4
Introdução

5
Talvez seja necessário estar atento aos ensinamentos de Carl
Gustav Jung e ao ‘processo de individuação’ que ele analisa. Para lá
da egolatria, este abraça infinitamente mais em si mesmo que um
simples eu...

Michel Maffesoli (2001: 192)

Nous voulons être libérés de notre petit "univers" automatique et


étriqué, pour revenir au grand cosmos vivant de l'"obscurantisme"
païen. […] Gardons-nous de croire que nous voyons le soleil comme
le voyaient les civilisations anciennes. Nous ne voyons qu'un petit
luminaire scientifique, réduit à un ballon de gaz enflammé. Dans les
siècles précédant Ezéchiel et Jean, le soleil était encore une réalité
magnifique. Les hommes en tiraient force et splendeur, et lui
rendaient hommage, chantant sa gloire dans leurs actions de grâce.
La connexion en nous est rompue, les centres nerveux sont morts.
[…] Nous pouvons voir ce que nous appelons soleil, mais nous avons
perdu Hélios pour toujours, et plus encore le grand globe des
Chaldéens. Nous avons perdu le cosmos, nous ne sommes plus en
sympathie avec lui, c'est notre principale tragédie.

D. H. Lawrence, Apocalypse [1929], Paris, Editions Desjonquères,


2002, pp. 70-71.

“Eu sou tu”

A expressão “eu sou tu” inspira-se em três fontes.


Baseia-se, em primeiro lugar, numa saudação tradicional da civilização
maia que ainda hoje é usada por muitos indígenas do sul do México e da
Guatemala. Significa: “Eu sou tu e tu és eu”. Numa outra versão que ainda é
usada por indígenas do Sul do México: “Eu sou o teu outro tu”. E a outra pessoa
responde: “E tu és o meu outro eu”. De qualquer modo, os jovens indígenas
urbanos, desde há muitos anos, estão a ser contaminados pela patologia do “tu”

6
separado do “eu”. Realizam nos seus grupos, com lógicas tribais de resistência,
uma saudação um pouco diferente. Dizem simultaneamente “eu sou eu e tu és
tu” passando a palma estendida da sua mão direita pela outra mão duas vezes,
com delicadeza, tocando-se com a mão já como um punho e terminando com um
toque com a mesma mão de punho cerrado em direção ao peito dizendo ao
mesmo tempo que o parceiro: “E estamos juntos pelo coração”.
De algum modo, a primeira saudação tende a ser lida de uma forma
metafísica por muitos ocidentais. O que diz a segunda saudação, “eu sou eu e tu
és tu”, talvez esteja mais próximo da realidade do homem ocidental1.
Fiquei intrigado com a saudação “eu sou tu” que me fez recordar o que
sugeria Jesus quando um de nós fosse esbofeteado. Dar a “outra” face. Mas com
um pequeno detalhe diferente: o eu sou tu e tu és eu, na sua concordância, tem
um maior alcance. Não é apenas uma resistência não violenta e aparentemente
“passiva”. É a afirmação do caráter fraternal da raça humana sem cair numa
lógica de religiosidade monoteísta, de falso coletivo. É a reafirmação da
dimensão coletiva presente em toda a singularidade.
A segunda fonte inspiradora reside em livros ligados à neurociência e à
física quântica. Um exemplo: a obra “Deixa de ser tu” do neurocientista Joe
Dispenza (2012), sobre a relação entre a mente e a realidade: “Deja de ser tú. La
mente crea la realidad”. O autor tem em conta, visto que é um cientista, os novos
conhecimentos científicos sobre o funcionamento da mente e da realidade física.
A terapia de Joe Dispenza consiste na mudança do tu/eu para esse ser anfíbio,
nem eu, nem tu. Implica necessariamente uma transformação, um novo
equilíbrio que altera o coletivo, a forma como somos coletivo. “Cambiar en el
aspecto biológico, energético, físico, químico, neurológico y genético y [en el
psico-coletivo] y dejar de vivir [en el “tú”]”. Deixar de viver em coletivos que

1
“Una máxima filosófica Indoamericana es: "yo soy tú, tú eres yo", que nos habla de que todos
somos hermanos, hijos del sol y de la tierra. […] Mientras la filosofía neoliberal capitalista
considera a la naturaleza como la mercancía a la que debe sacársele ganancia, aún a costa de
la desaparición de la vida, la filosofía de los mayas expresa: "Gracias a nuestra madre tierra.
Ella nos ha cargado. También ella nos sostiene".[...] En otras palabras: la tierra no sólo nos ha
dado la vida (junto con el padre sol) sino también gracias a ella continuamos viviendo, pues
nos da oxígeno para respirar y nos sigue protegiendo y alimentando con sus productos.”
(Escobedo, 1998: 9-11).

7
“aceptan […] inconscientemente que la competitividad, las luchas, el éxito, la
fama, la belleza física, la sexualidad, los bienes materiales y el poder lo son todo
en la vida”. Apenas assim, pela combinação de todas estas mudanças, diz o autor,
“nos liberamos de las cadenas de lo mundano” (Dispenza, 2012: 328).
Entendemos aqui o mundano com sendo o falso. O autor sugere novas
ligações dentro de nós, no nosso pré-individual, que nos façam percecionar a
falsidade e a entropia patológica dos coletivos baseados quer no abafamento do
singular, quer no excesso de “eu”, o individualismo.
A terapia terá de ser individual e coletiva ao mesmo tempo. Sem
pensarmos a terapia ao nível psico-coletivo, a tendência será para um aumento
exponencial das duas patologias-catástrofes em cadeia, o predomínio do coletivo
ou a afirmação doentia do narcisismo, como veremos na parte final desta obra.
Poderemos levar mais longe a sua intuição: a melhor forma de sermos
ecologistas e seres humanos mais equilibrados é aprendermos com o que se
passa em nós quando, como seres anfíbios, oscilamos entre a nossa pré-
individualidade e o coletivo. Incentivar a mudança da dicotomia tu/eu para esse
ser anfíbio, nem eu, nem tu, parece ser o caminho mais adequado.
A terceira fonte de inspiração foi uma frase do conhecido sociólogo francês
Michel Maffesoli. Eis a citação: “Talvez [...] seja necessário estar atento aos
ensinamentos de Carl Gustav Jung e ao ‘processo de individuação’ que ele
analisa. Para lá da egolatria, este abraça infinitamente mais em si mesmo que um
simples eu…”.(2001: 192) A ideia geral consiste em sublinhar a dimensão
coletiva que nos atravessa quando se toma consciência do eu autêntico. De ser
capaz de ver a riqueza da nossa forma de estar com o que nos rodeia, com o pré-
individual que nos faça “abraçar mais em si mesmo que um simples eu”. O
“simples” eu seria o ego referido por Carl Jung, que pensa a partir do coletivo
coercivo do tu e que, na sua revolta hedonista, tende para a egolatria. É urgente
ver de outro modo os processos de individuação que podem permitir o “deixar de
ser apenas tu” evitando assim duas autênticas patologias-catástrofes na ecologia
do coletivo humano. Por um lado, na primeira patologia, “o pré-individual,
parece, às vezes, inundar a singularidade”. Na segunda patologia-catástrofe,

8
outras vezes, de maneira oposta e simétrica, força-nos em vão a reduzir todos os
aspetos pré-individuais de nossa experiência à singularidade pontual do “eu””
(Virno, 2009.: 35).

Uma eco(socio)logia

“Eco”, como prefixo da palavra ecológico, não significa uma ecologia


limitada à vertente “ambientalista” mas antes adota o sentido gestáltico da
relação com o “oikos” - palavra do grego antigo que significa casa, habitação2.
Não pretendemos “conciliar” a sociologia do ambiente com a ecologia.
Pretendemos antes repensar a sociologia a partir de uma crítica ao seu
antropocentrismo e ao seu “social-centrismo”.
Dizer que o nosso pensamento é ecológico é partir da forma como
“habitamos a Terra”, a Pachamama, expressão dos indígenas andinos que
significa “Mãe Terra”. Segundo a terminologia da Organização das Nações
Unidas, significa pensar e sentir o planeta Terra como um ser vivo em si3.
2
Segundo a socióloga Maria Luísa Schmidt, a ecologia levanta alguns desafios importantes à
própria noção de “social” e também ao conceito de “coletivo”. “O vasto campo temático
designado por «ambiente» parece propor uma contradição ao modelo clássico de oposição
entre ciências naturais e sociais, fundador da própria identidade disciplinar da sociologia. Isto
é, a ideia de uma sociologia do ambiente, ao requerer a convocação de factos e variáveis
físicas, naturais e biológicas para a explicação sociológica, vem pôr em causa a tradição
disciplinar da sociologia — a qual se construiu contra os «reducionismos biológico e
geográfico» dominantes no século XIX, recusando sistematicamente a incorporação de
variáveis ecológicas na análise social (Buttel, 1986; Feldmann, 1993; Goldblatt, 1996). A
sociologia do ambiente juntar-se-ia assim a outras tentativas de fusão disciplinar, como as da
sociobiologia (Wilson, 1975) ou da etologia (Lorenz, 1966), que reequacionam e integram os
factos naturais, técnicos e sociais” (Schmidt, 1999: 175). A proposta mais radical dos
pensadores ecologistas vai no sentido de “reorientar a própria sociologia”. Citando Luisa
Schmidt: “Assim, Catton e Dunlap (1978a) propõem o seu novo paradigma, NEP (new
environmental paradigm) — considerado desde logo por alguns uma tentativa polémica de
«reorientar a sociologia» (Buttel, 1978, 1987) —, que sublinha a dependência dos
ecossistemas por parte das sociedades humanas, e, sem negar as «características excepcionais
da nossa espécie (cultura, tecnologia, linguagem, organização social)», não isentam o homem
dos «princípios ecológicos e das influências e constrangimentos ambientais» (Dunlap e Catton,
1979, pp. 250). Reconhecendo, assim, as implicações sociológicas dos problemas ambientais,
os autores defendem não haver nenhuma oposição entre o ethos societal e o ethos ambiental,
mas sim interacção e influência mútua” (Schmidt, 1999: 181).
3
Abandonando a assimetria anterior à época do Antropoceno que começou há poucas décadas,
há necessidade de uma outra forma de "fazer" ciência menos assimétrica. Esta tomada de
consciência apenas é possível, no entanto, através de um choque ontológico de tipo ecológico
e político. Um choque que nos faça perceber a ligação íntima entre o pré-individual, o nosso eu
psicológico nas suas ligações com os colectivos que nos envolvem e com quem estamos

9
“Habitar” o planeta, segundo o filósofo Martin Heidegger (2002: 129), “é
ser trazido à paz de um abrigo, permanecer pacificado na liberdade de um
pertencimento. O traço fundamental do habitar é esse resguardo”, esse
“individuar”.
Nesta linha de pensamento ontológico, é nosso propósito tornar mais
visível a afinidade entre a eco(socio)logia e uma conceção alargada (e mais
profunda) da ecologia4.
Propomos também, tal como Bruno Latour (2005), uma sociologia das
associações como, de algum modo, um complemento de uma sociologia do
“social” ou das ciências da comunicação que elegem o conceito de
“comunicação” como central. No limite, seguindo a sugestão de Gilbert
Simondon, uma enciclopédia da génese e desenvolvimento das ligações tendo em
conta as relações, muitas vezes conflituosas, entre pré-individual, psíquico e
coletivo. Uma alagmática5, uma enciclopédia genética do humano. Naturalmente,
isso nos leva a rever a relação da sociologia tanto com o coletivo como com o
individualizado na sua parte mais pré-individualizada, tanto com o “humano”

conectados. Não é apenas uma ligação de tipo místico ou holístico. Como diz Latour, “não é
uma definição holística, é muito mais um conjunto de conexões entre a ação humana e a
natural.” Nesta linha de pensamento, faz todo o sentido ler a longa citação de Bruno Latour:
"A noção boliviana de Pachamama é uma deusa, mas também um princípio de direito
constitucional. É uma aproximação interessante. Mas, há outras soberanias: o mercado, Gaia,
o território (Mapu) dos mapuches, etc. São noções que desviam a atenção para uma soberania
que não é a clássica, coercitiva, do Estado-nação, mas, sim, uma que requer respeito, atenção,
cuidado. Algo semelhante a uma visão mais tradicional do que é um corpo político. [A esse
corpo político você chamou Gaia. O que é Gaia?] Gaia é uma entidade da mitologia grega que
foi reinventada cientificamente por James Lovelock. Como figura mitológica tem uma história
complexa e cruel, é a deusa das múltiplas facetas e da metamorfose, o que descreve muito
bem seu caráter e sua personalidade. E Lovelock recorreu a ela para imaginar uma forma de
prestar atenção ao planeta, não como algo inerte, mas também como uma forma acabada,
completa. Gaia significa Terra, sistema, planeta, mas não é uma definição holística, é muito
mais um conjunto de conexões entre a ação humana e a natural. História humana e história
planetária se reúnem em um processo que eu chamo de “geo-história”. Nossos predecessores
nunca imaginaram que teríamos que considerar o planeta completo, com suas idades
geológicas, como parte de nossa história." (Latour, 2015).
4
Inspirados também, em muitos aspetos, na ecologia profunda de um dos fundadores da
Ecologia, Arno Naesse (1972), na ecologia da mente do antropólogo G. Bateson (1972), na
teoria dos sistemas autopoiéticos dos cientistas chilenos Maturana e Varela (2001), nas três
ecologias do filósofo e psicoterapeuta Félix Guattari (1990) e finalmente na reflexão ecosófica
do sociólogo Michel Maffesoli (2010). Ver também, na área da comunicação, o trabalho
inspirado nomeadamente em F. Guattari, de Maria Luiza Cardinale Baptista (2014).
5
Um conhecimento enciclopédico do processo bio-psico-coletivo humano.

10
como com o não-humano nos seus graus de afinidade epifilogenética e de
ontogénese.
Pretendemos contribuir para uma eco(socio)logia que diagnostica as
principais patologias na nossa ecologia psiquíca e coletiva, na forma como
individuamos. Reconhece, por isso, o papel positivo da emergência de ativismos
ligados à ecologia profunda, às formas mais autênticas de relação com o
sagrado, a uma resistência estética virada para o coletivo, às multitudes-redes
de ativismo no coletivo, etc.

A “individuação”

Importa não confundir a individuação com a individualização de um


determinado sujeito. A individuação procura o contrário da
individualização ingénua baseada na ideia de “sujeito”. Procura dar
conta do peso do coletivo potenciando contudo, e paradoxalmente, o
indivíduo. Procura que nos libertemos da dicotomia entre “eu” e “tu”.
Procura deixar de ser “tu” e “eu”. Eu sou tu. Como veremos neste livro, é,
de algum modo, um paradoxo: um indivíduo que é coletivo e um coletivo que é
individual. Somos todos nós, de algum modo, um pouco “anfíbios”. Através da
individuação, o indivíduo gere, num processo não linear, as sensações que
provêm do seu pré-individual mais ou menos (in)consciente nas suas tensões
com a mente e as as solicitações que emanam do coletivo envolvente (Jung,
1964: 35-36). Não se defende uma psicologia do individual: o processo de
individuação sugerido por Jung e Simondon é paradoxalmente um processo
essencialmente “coletivo”, um coletivo nascido no individual.
O leitor poderá, apesar de tudo, continuar a insistir que as duas
dimensões (individual e coletivo) são coisas diferentes vendo o coletivo como
uma ameaça para a expressão individual. “Considera-se que o indivíduo, desde o
momento em que participa de um coletivo, deve desfazer-se de algumas de suas
características individuais, renunciando a certos signos distintivos que nele se

11
entre-mesclam e que são em muitos casos impenetráveis. Parece que no coletivo
a singularidade se dilui, que é desvantagem, regressão” (Virno, 2009: 38).
Esta visão não é correta. “É uma superstição: obtusa, desde o ponto de
vista epistemológico, e equívoca, desde o ponto de vista da ética. Uma
superstição alimentada por quem, tratando com desenvoltura o processo de
individuação, supõe que o indivíduo é um ponto de partida imediato” (Virno,
2009: 38).
Não é uma individualização baseada no mito liberal do
sujeito/cidadão/autor mas antes assenta as suas bases no processo de
“individuação”. Mais do que sobre o indivíduo devemos pensar numa espécie de
tensão entre pré-individual, individual e coletivo em que o coletivo, na sua
consciência de construção ecológica, está mais próximo da sua própria origem, o
universal indiferenciado. “Se, ao contrário, admitimos que o indivíduo provém do
seu oposto, quer dizer, do universal indiferenciado, o problema coletivo toma
outro aspeto. […] A vida de grupo é o momento de uma ulterior e mais
complexa individuação. Longe de ser regressiva, a singularidade burila-se e
alcança seu apogeu no atuar conjuntamente, na pluralidade de vozes; em uma
palavra, na esfera pública” (Ibid.: 38).

Resumo do livro

Lentamente, o puzzle deste ensaio em torno da individuação, foi erguido


sob o efeito de ressonâncias de autores clássicos da sociologia e de outras
ciências, muitas vezes com origens díspares, e de autores das margens da
ciência moderna como são os casos de Carl Gustav Jung (psicoterapeuta) e
Gilbert Simondon (filósofo da técnica e da cibernética).
Na primeira parte, procuramos indícios, muitas vezes contraditórios e
ambíguos, da eco(socio)logia da individuação nos autores clássicos das ciências
sociais. Porque será que hoje, passados mais de 100 anos, ainda não está “bem”
assente o objeto e método da sociologia e de outras ciências sociais? Pensamos
que as hesitações não ocorreram por acaso e devem até ser justamente

12
percecionadas como positivas. O colocar em causa paradigmas, a diversidade é
um sinal de vitalidade das ciências sociais evitando assim a sua captura pelo
modelo da tecnociência atual, pela ciência “normal” como defendia o físico e
historiador Thomas Samuel Kuhn (1992). As dificuldades das ciências sociais, em
vez de serem consideradas como um defeito, deveriam ser percecionadas,
segundo esse historiador da Física moderna, como qualidades que podem até ser
úteis para as ciências que estudam a vida humana tanto ao nível biológico como
físico.
Descobrimos que estas questões, nomeadamente a definição da “ciência
social” e do “social”, tinham sido objeto de reflexão por parte dos criadores da
ciência social em finais do século XIX. E que, apesar do tempo que passou, mais
de um século, essas “dúvidas” e “hesitações” eram ainda úteis e até poderiam
ser combinadas com autores mais recentes. A nossa escolha incidiu
principalmente em Gabriel Tarde, o verdadeiro fundador da sociologia como área
de saber científico não esquecendo as contribuições de outros clássicos das
ciências sociais como Max Weber, Vilfredo Pareto, Georg Simmel e o percursor
da sociologia fenomenológica Alfred Schütz. E não é por acaso que hoje, quando
se reflete sobre a pós-modernidade e a sociedade em rede, estes clássicos são
constantemente citados. Todos eles pensaram a natureza da ciência social e as
características do “social” de uma forma que ainda é atual e pertinente.
No texto seguinte, pretendemos, embora não sendo especialistas do
psíquico, pensar o processo de individuação em Carl Jung e os conceitos de
arquétipo e inconsciente coletivo na sua relação com o nosso consciente
cognitivo. Em vez de apresentar de forma exaustiva todas as implicações do
processo de individuação, optamos por mapear em Jung a centralidade do
processo de individuação no entendimento da ação humana. Desta forma,
realçamos a dinâmica entre consciente e inconsciente, entre indivíduo e coletivo
e entre as imagens e as suas perceções.
Em terceiro lugar, surge o tema da individuação em Gilbert Simondon.
O conceito de individuação permite estudar de forma mais integrada não só o
psicológico e o coletivo mas também o físico e orgânico físico-químico, o

13
orgânico que tende para o alo-plástico deixando de ser meramente auto plástico,
ou virado para o seu interior, o antropomórfico na sua relação com o não
humano6. Uma perspetiva que terá implicações coletivas e ecológicas
importantes. Permitirá rever a relação entre o nosso “eu” e o nosso “tu”, a
relação entre pré-individual, psíquico e coletivo. “A singularidade burila-se e
alcança seu apogeu no atuar conjuntamente, na pluralidade de vozes” (Virno,
2009: 38).
Na última parte, realçamos as afinidades entre os dois autores (Carl
Jung e Gilbert Simondon) que permitem pensar as ciências sociais e humanas
por um outro prisma, o transindividual, seguindo diversos pensadores atuais.
Estes autores sugerem uma eco(socio)logia em diálogo com outras ciências do
ser humano e do “social” sem o receio de perder a sua identidade. Como uma
ciência autónoma transversal, alagmática, uma geometria genética das formas
de interação. A criação de laços de inter-conhecimento transdisciplinar não é
uma ameaça para a sociologia tradicional ou para as outras ciências sociais. Irá
não só enriquecer a sociologia do “social” como também tornará mais fecundo o
estudo dos processos psíquicos e biológicos. Um dos exemplos é o que se passa
no campo das terapias alternativas. A visão mais “holística” inspirada na
psicologia fenomenológica e nas novas espiritualidades constitui um exemplo de
uma tentativa que articula polos dicotómicos artificialmente separados. Uma
tentativa que deveria ser acarinhada, e não repelida, não só pelas ciências
sociais e humanas mas também pela psicologia e biologia humana7.
6
Nos seres animais nomeadamente no homo sapiens, a expressão deixa de ser cada vez menos
interior (autoplástica) para se transformar em alopástica (Deleuze e Guatarri, 1980). “No
estrato aloplástico, a expressão torna-se cada vez mais linguística em vez de genética, ou seja,
adquire uma forma 'super-linear' ou temporal permitindo uma 'translação' [tradução] em vez
de uma transdução próxima do nível menos complexo dos seres” (Bonda e Proveti, 2004: 84).
A etimologia da palavra “aloplástico” remete para uma capacidade de dar forma a algo que
está fora, alter. "Allos" significa outro, diferente, diverso. “Plástico” vem do grego "Plastikós",
significa moldar, dar forma. A primeira aloplastia do estrato a que pertence o “homo sapiens”
consiste na transformação da expressão que deixa de ser cada vez menos apenas auto-plastica,
modelando o interior, para ser cada vez mais virada para o exterior, para o coletivo, para o
“outro”, aloplástica.
7
Ver, entre muitos outros, o exemplo de ligação entre a psicologia como ciência
academicamente reconhecida e o conhecimento a partir da experiência terapêutica baseada
em conhecimentos que são encarados com suspeita por uma grande maioria da comunidade
científica: a psicologia fenomenológica do antropólogo, psicólogo e psiquiatra chileno Claudio
Naranjo.

14
Os pioneiros da individuação na sociologia

15
"O aspeto mais impressionante da presente
situação na teoria sociológica é [...] a falta de
qualquer óbvio 'grande salto' ao nível da
teorização diacrónica comparada com o
funcionalismo clássico sincrónico ou acrónico
(muito menos comparado com o revisionismo
funcionalista tardio)" (Hermínio Martins, 1996:
93).

No campo das ciências sociais, “muito se tateia e pouco se abraça”


(Gonçalves, 2009: 11)8. É justamente com este diagnóstico que constatamos que
a história da sociologia tem sido contada, em muitos manuais académicos, de
forma pouco justa: a que saiu vitoriosa do debate clássico entre Émile Durkheim
e Gabriel Tarde. A partir da “vitória” de Durkheim, e da generalização da ideia
de que este fora o principal percursor da sociologia, todo um dispositivo teórico
e metododológico quantitativo formatou, e ainda parece querer continuar a
formatar, o enquadramento geral e clássico da sociologia influenciando muitos
autores relevantes nomeadamente autores com algumas afinidades com Karl
8
Abraçar, em vez de se tatear, implica estar disponível para o diálogo sem ficar preso “a
lealdades pessoais e apegos dogmáticos”. Na sociologia francesa, sucedeu algo semelhante.
De acordo com Cefaï, “inicialmente, uma representação estreita das mobilizações coletivas
conduziu a que se desse ênfase aos dilemas da escolha racional ou à dinâmica dos movimentos
sociais, proibindo-se que outros objetos fossem considerados – enquanto eles proliferavam, por
exemplo, no âmbito da sociologia das ciências e das técnicas [inspiradas em Bruno Latour e
Gabriel Tarde]. […] A mudança de gerações deveria permitir que os desafios da pesquisa e da
análise prevalecessem sobre as lealdades pessoais e os apegos dogmáticos” (Cefaï, 2009: 48).

16
Marx e Max Weber como Pierre Bourdieu (1983), entre muitos outros9.
Valerá então a pena não ficar apenas pelo tatear, pela história oficial.
Devemos também ser capazes de abraçar, numa leitura-abraço e fluxo, a escrita
desses autores. Uma leitura que assume o seu carácter de duplo de traição-
fidelidade10.
Ora, dificilmente estaremos perto da verdade quando se contam
constantemente partes da história, quando se fratura a história e se desenham
contornos sobre realidades parciais. A este propósito, interessa lançar o olhar
sobre os desenvolvimentos teóricos recentes na sociologia, e pensar no porquê
de dúvidas lançadas por tantos autores sobre o objeto fulcral da sociologia 11.
Porque será que ainda hoje, passados tantos anos, e sobretudo nesta fase, ainda
não está bem assente o objeto e método da sociologia?
Pensamos que estas hesitações não ocorrem por acaso e podem até ser
justamente encaradas como positivas. O colocar em causa paradigmas é um sinal
de vitalidade das ciências sociais evitando assim a sua captura pela tecnociência
atual, como defendia o físico e historiador da ciência Thomas Samuel Kuhn
(1992). As dificuldades das ciências sociais em vez de serem consideradas um

9
Segundo alguns neo-marxistas como Paolo Virno e Tony Negri, por exemplo, Karl Marx, em
alguns dos seus escritos já teria sugerido uma teoria da individuação muito próxima da
proposta de Simondon. Citando Paolo Virno (2009: 35 e 38): “Em uma passagem célebre dos
Grundrisse (que se intitula "Fragmento sobre as máquinas"), Marx designa o "indivíduo social"
como o verdadeiro protagonista de qualquer transformação radical do estado de coisas
presente (cf. Marx, 1857-1858). […] É possível, ao contrário, tomar esse conceito ao pé da
letra, até convertê-lo em um instrumento de precisão, para fazer que ressurjam formas de ser,
as inclinações e as formas de vida contemporâneas. Mas isso é possível, em boa medida,
justamente, graças à reflexão de Simondon e de Vigotski sobre o princípio de individuação.
[…] Poder-se-ia dizer - com Marx, mas longe e em oposição a uma boa parte do marxismo - que
a "substância das coisas esperadas" encontra-se no fato de conceder o máximo de relevância e
de valor à existência não reprodutível de cada membro singular da espécie. Por paradoxal que
isso possa parecer, a teoria de Marx deveria, hoje em dia, compreender-se como uma teoria
rigorosa, quer dizer, realista e complexa, do indivíduo. Assim como uma teoria da
individuação”.
10
Ver a origem latina da palavra tradução – traditore. Possui a mesma origem etimológica do
termo “traição”.
11
Esta releitura dos clássicos tem sido também um trabalho desenvolvido pelos mais variados
autores. Ver, como exemplo, o trabalho na sociologia francesa encetado por Bruno Latour e
Michel Callon (teoria do ator-Rede), Luc Boltanski et Laurent Thévenot (sociologia pragmática,
ou sociologia dos regimes de ação) e Philippe Corcuff. Este último propõe uma sociologia do
individualismo contemporâneo e da individualidade, através de releitura de clássicos tais como
Marx, Stirner, Durkheim e Simmel para além do debate das sociologias contemporâneas
(Corcuff, 2007).

17
defeito deveriam ser percecionadas, segundo vários cientistas e historiadores da
ciência moderna, como qualidades que podem até ser úteis para as ciências que
estudam a vida humana tanto ao nível biológico como físico.
Descobrimos que estas questões, nomeadamente a definição do que é o
“social”, tinham sido objeto de reflexão por parte dos criadores da ciência social
em finais do século XIX. E que apesar do tempo que passou, mais de um século,
eram ainda úteis e até poderiam ser combinadas com autores mais recentes. A
nossa escolha incidiu em Gabriel Tarde, Max Weber, Vilfredo Pareto, Georg
Simmel e o percursor da sociologia fenomenológica Alfred Schütz. E não é por
acaso que hoje, quando se reflete sobre a sociedade em rede, estes clássicos são
constantemente citados. Todos eles pensaram a natureza da ciência social e as
características do social de uma forma que ainda é pertinente como veremos em
seguida.

Gabriel Tarde e as micro-diferenças produzidas nos fluxos de


imitação

A sociologia, nos seus começos, hesitou entre dois polos: a valorização da


representação, por um lado, e a abertura ao vivido, por outro. Mas a linha
orientadora sempre esteve lá: o problema da événémentalisation [transformação
em acontecimento] do conhecimento e da relação com o mundo 12. Scott Lash tem
12
Segundo Deleuze, o “acontecimento” que atravessa a experiência está no centro desta
perspectiva. “With Whitehead's name there comes for the third time an echo of the question,
What is an event? He takes up the radical critique of the attributive scheme, the great play of
principles, the multiplications of categories, the conciliation of the universal and the individual
example, and the transformation of the concept into a subject: an entire hubris. He stands
provisionally as the last great Anglo-American philosopher before Wittgenstein's disciples
spread their misty confusion, sufficiency, and terror. An event does not just mean that "a man
has been run over." The Great Pyramid is an event, and its duration for a period of one hour,
thirty minutes, five minutes . . . . a passage of Nature, of God, or a view of God. What are the
conditions that make an event possible? Events are produced in a chaos, in a chaotic
multiplicity, but only under the condition that a sort of screen intervenes. [...] Events are
fluvia. From then on what allows us to ask, 'Is it the same flow, the same thing or the same
occasion...? It's the Great Pyramid...' The Great Pyramid signifies two things: a passage of
Nature or a flux constantly gaining and losing molecules, but also an eternal object that
remains the same over the succession of moments." (Deleuze, 1993: 76 e 79). A questão do
“acontecimento” é sempre uma questão de experiência do que acontece que pode estar mais

18
consciência da importância destas linhas que agora ficaram mais nítidas. "Creio
que os debates entre esquerda e direita na teoria social dos anos sessenta e
setenta foram substituídos por novas linhas de rutura emergentes [...]. De facto,
contrapõem-se as interpretações racionalistas (cognitivas) ou cientificistas às
conceções culturalistas ou hermenêuticas" (Lash, 1997: 237).13.
Tomando como ponto de partida esta opção de Scott Lash, iremos defender
uma ideia central: a tensão entre o pensamento da representação de tipo
racionalista e o da individuação de origem culturalista esteve presente desde o
início da sociologia. Por isso, a resposta dada por vários clássicos, em começos
do século XX, deve ser percecionada como uma primeira tentativa com naturais e
fecundas hesitações.

Bruno Latour assinalou, por diversas ocasiões, a lucidez teórica de Gabriel


Tarde e a sua importância na fundação da sociologia — no final do século XIX era
reconhecido como fundador da sociologia como ciência social em França
enquanto Émile Durkheim não passava de um jovem professor na província 14. No
ou menos cristalizada no “agora”. De saber como essa ressonância em nós é partilhada, ecoa
em outras ressonâncias. É preciso sempre partir dos acontecimentos no seu estado de
experiência. “É preciso partir da experiência, não daquela que se confunde com o precipitado
do “real” na memória dos indivíduos, mas da experiência que está [sendo] cristalizada no
estado de coisas existentes.” (Miranda,1997:32).
13
Ver, na sociologia, alguns exemplos desta perspetiva ontológica no trabalho desenvolvido
sobre as tecnologias e o pós-humano por Hermínio Martins (2003), sobre as questões da
técnica por José Luís Garcia (2003), e as investigações da sociologia interpretativa ou
hermenêutica por José Machado Pais (1993: 519-531) entre muitos outros.
14
Gabriel Tarde já era, nessa altura, professor no Colégio de França. O seu pensamento foi, de
algum modo, esquecido pelos manuais de Sociologia. “O penoso esquecimento a que foi
submetida a teoria tardeana das sociedades teve início logo após sua morte, em 1904. Podem-
se indicar, entretanto, algumas esporádicas – porém valiosas – releituras do arcabouço de
Gabriel Tarde no século XX. A primeira delas seria a fundação da Escola de Chicago nos
Estados Unidos do começo do século, em que se enfoca a microssociologia dos modos de
comunicação na análise da organização das comunidades. Destacam-se os trabalhos de Robert
Ezra Park (1864-1944), autor de uma importante tese de doutorado sobre públicos e massas, e
de textos que salientam sua concepção das cidades como espaços de pura mobilidade. Park é,
ainda, um dos introdutores de Tarde em território americano. A segunda leitura significativa
teria início a partir da publicação, em 1969, da tese de doutoramento de Gilles Deleuze (1925-
1995), Différence et répétition. Tanto a obra de Deleuze quanto seus trabalhos publicados em
companhia de Félix Guattari (1930-1992), especialmente Mille plateaux (1980), são inspirados
em preceitos tardeanos, como o pensamento da diferença, a atenção ao infinitamente pequeno
e a crítica da lógica do negativo. O terceiro movimento de releituras de Gabriel Tarde é
derivado do segundo deles. Desde 1999, vêm sendo republicadas as obras tardeanas basilares
sob direção do professor francês Eric Alliez. Nesta direção, a retomada de Tarde pelos
pensadores do grupo da revista Multitudes tem rendido, nos últimos anos, boas repercussões

19
entanto, a história “oficial” da sociologia afastou-o em favor das teses de
Durkheim. "Tarde foi evacuado da prestigiosa mas irrelevante posição de
principal precursor – não sendo mesmo essa posição muito agradável visto que
foi catalogado com o pecado do «psicologismo» e do «espiritualismo»" (Latour,
2001: 1).
De facto, com Gabriel Tarde, o caminho é diferente, em grande parte, dos
outros fundadores da sociologia. No início, a sua preocupação centra-se na
analogia biológica e interroga sobre o social a partir da analogia do mundo físico
e biológico. Vivendo num mundo afastado do meio académico ao exercer a
profissão de magistrado, fica impressionado com a realidade criminal e, talvez
por isso, começa a sua pesquisa numa lógica quantitativa e comparativa. No
entanto, e surpreendentemente, não segue a via que Durkheim irá propagar
como “ideal” da sociologia e afasta-se do seu inspirador inicial, Spencer, para se
debruçar sobre o fenómeno da propagação social ao nível micro: interessava-lhe
saber o que nos leva à repetição, à imitação, por um lado, e, por outro, à não-
repetição, ao desvio e à diferença. Porque é que a ordem social repetitiva muitas
vezes não funciona? Terá este movimento de repetição e não-repetição a mesma
lógica do mundo não-humano ou estaremos perante algo que, sendo
autorreflexivo devido à linguagem, ao signo linguístico, cria algo de diferente? 15
Os processos de imitação, de repetição, adotam diferentes formas em função do
meio em que se desenvolvem mas que são sempre algo em fluxo, em contínuo. As
"três principais formas da repetição universal, ondulação, geração e imitação [...]
são outros tantos procedimentos de governo e instrumentos de conquista que
dão lugar a três tipos de invasão física, vital e social: a radiação vibratória, a
expansão geradora, o contágio pelo exemplo" (Tarde, 1893: 51-52). De algum
modo, autor previa já a necessidade de pensar de forma mais integrada todos

aos estudos das sociedades a partir de uma epistemologia que tem na aposta na diferença sua
marca mais significativa.” (Clair, 2007: 14). Ver Virno (2009). Mais recentemente, os
investigadores anglo-saxónicos da “Ecologia dos Novos Media”, têm adoptado a teoria de
Gabriel Tarde para entender os media digitais e as novas redes sociais que utilizam a Web
(Sampson, 2012). Ver também Gonçalves e Clair (2007: 139-144).
15
De tal forma que mais do que o conteúdo do que se imita é a própria forma da imitação que é
mais importante. Mais do que o conteúdo substantivo do que se diz, são os efeitos dos
enunciados que nos interessam.

20
estes fenómenos que aparecem, na divisão de trabalho da tecno-ciência
moderna, separados uns dos outros.
Compreende-se com facilidade a preocupação inicial da sociologia,
presente tanto em M. Weber como em E. Durkheim, ainda que com maior
intensidade neste último, em explicar as regularidades que atravessam a vida
social, em pensar a parir da ideia de “correlação”. Tinha como alternativa a
impossibiliade de legitimar a ciência social emergente pois não seria possível
construir uma ciência baseada numa lógica individual, anárquica, centrada nos
heróis individuais. A ciência social poderia confundir-se com a literatura. Poderia
cair num relativismo crítico lançado para as margens, passível somente de ser
expresso no mundo através de alguns filósofos, escritores e, no limite, dos
poetas. Tarde sugere que se inverta o problema formulado por Durkheim.
Assumindo que o mais natural é a repetição, a imitação no âmbito do “social”,
na linha do que acontece na natureza, o que nos deve interessar é o que nos leva
a não ser como os outros, a não ser multidão, massa anónima. O acontecimento
da diferença, da não-imitação.
Vamos mostrar um caso muito concreto para ver melhor a diferença entre
as duas perspetivas. A compreensão ou explicação do fenómeno criminal, a área
de estudos de Gabriel Tarde, não passa assim apenas por estudar as
regularidades sociais que levam a que os criminosos sejam originários quase
sistematicamente de certos grupos sociais marginalizados. O que interessa
estudar é quando não se dá a repetição, quando algo de novo se instaura, linhas
de fuga que deixam de ser linhas para se aproximarem dos fluxos. Em vez de
partir das semelhanças, Tarde avança com outra via: partir das micro-diferenças
produzidas nos fluxos de imitação. Através de estudos nomotéticos seria possível
entender tanto as pequenas resistências (que podem não passar de hesitações)
como as ações da consciência coletiva global, como também as adaptações
inventivas. Esta perspetiva, na área da criminologia e da sociologia do desvio,
começou a desenvolver-se a partir do estudo dos processos de vitimização. Já não
se trata apenas de entender as razões macrossociológicas da violência mas de
pensar os micro processos de resistência a essa imitação generalizada. Esta

21
mudança implica estudar também os processos de ajuda à vítima, um maior
envolvimento “coletivo” na forma como se pensa e age. Um pensamento mais
centrado na “praxis”.
Durkheim e, em grande medida, Karl Marx preocupavam-se
fundamentalmente com o carácter molar da sociedade, nomeadamente as
grandes representações coletivas ou as ideologias e os fundamentos económicos
do capitalismo. Gabriel Tarde, ao contrário, tomava como ponto de partida fulcral
os fluxos que atravessavam a segmentaridade molecular e que, suportando-a,
estão sempre a tender para algo que é entrópico. O que nos deve espantar não é
o facto de existirem linhas de fuga, lógicas de nomadismo: o que devemos
interrogar é exatamente a ordem visto que todo o ser é um fluxo permanente de
energia, tendo em conta o que defende a física quântica. A linha remete sempre
para os enunciados e as visibilidades, as quais apenas fazem uma tangente ao
plano da imanência, da consistência – um mar feito de pura energia, puro fluxo,
para usarmos este vocabulário deleuzeano. Segundo Tarde, um fluxo implica
crença ou desejo, de tal forma que as representações sejam elas coletivas ou
individuais, seriam o nível molar da sociedade, pois tendem a fazer-se em
oposições binárias. No entanto, os fluxos das crenças e dos desejos alimentam
molecularmente a estabilização molar e linear. Como diz Deleuze, por um lado,
"as representações definem grandes conjuntos, ou determinados segmentos
numa linha”. Já as “crenças e os desejos são fluxos expressos em quanta, que se
criam, se esgotam ou modificam, e que se somam, se subtraem ou se combinam.
Tarde é o inventor de uma microssociologia, à qual proporciona toda a sua
extensão e alcance, denunciando com antecedência os contra-sensos de que ela
será vítima" (Deleuze, 2000: 268).
Por estas razões, Gabriel Tarde, denunciando, segundo Deleuze, com
antecedência os contra-sensos de que a sua teoria será mais tarde vítima
(Deleuze, 2000: 268), talvez tenha sido objeto de uma leitura apressada que se
expressa em dois enunciados. O primeiro acusa-o de misturar sociologia com
psicologia. Assim, segundo esta tese, Tarde reduziu a sociologia a um
psicologismo. O outro, mais grave segundo alguns autores, consiste em não

22
clarificar qual o objeto de estudo da sociologia, pois mistura objetos naturais
com objetos sociais, falando-se de uma cosmologia indiferenciada que ameaça a
autonomia das ciências sociais. Teria caído no “pecado” do espiritualismo.
Discordamos destas duas reticências atrás enunciadas. Vejamos porquê.
Primeiro: ele não reduziu a sociologia a um mero psicologismo. Quando
critica Durkheim, Tarde não o faz por motivos ligados a uma explicação de tipo
imitativo recuando para o micro interacionista. O que o preocupa é a
necessidade de a sociologia mudar de perspetiva, abandonar a obsessão pela
semelhança, pelas regularidades, presente em Durkheim. O que interessa Tarde
é evitar ficar encerrado na falsa dicotomia do individual idiossincrático e do
coletivo repetitivo: é necessário estudar as pequenas diferenças dos homens
vulgares nos fluxos de imitação. Tal como diz Deleuze, "a alternativa: dados
impessoais ou ideias dos grandes homens – é por ele substituída pelas pequenas
ideias dos pequenos homens, pequenas invenções e interferências entre
correntes imitativas. O que Tarde instaura é a microssociologia, que não se
estabelece necessariamente entre dois indivíduos, mas já está fundada num
mesmo indivíduo (por exemplo, a hesitação como «oposição social infinitesimal»,
ou a invenção como «adaptação social infinitesimal» […]). É através deste
método, procedendo por monografias, que se mostrará como a repetição soma e
integra pequenas variações, sempre para resgatar o «diferentemente diferente»
[...]. O conjunto da filosofia de Tarde apresenta-se assim: uma dialética da
diferença e da repetição que funda a possibilidade de uma microssociologia
numa cosmologia" (Deleuze, 2000: 151). Repetimos: “uma microssociologia numa
cosmologia”. Passando a diferença a situar-se na natureza do agenciamento,
talvez se possa dizer que as palavras linha e segmentos apenas fazem sentido
quando estamos perante organizações molares na sua relação com os fluxos
moleculares. "Com efeito, cada vez que se assigna uma linha com segmentos
bem determinados, apercebemo-nos que ela se prolonga sob outra forma, num
fluxo de quanta. E nesse momento, pode-se assinalar um «centro de poder» como
fronteira entre os dois e defini-lo não pelo seu exercício absoluto num
determinado domínio, mas sim pelas adaptações e conversões relativas que

23
efetua entre a linha e o fluxo" (Deleuze e Guattari, 1980: 264). Do mesmo modo
que, numa visão resumida da teoria da física quântica, os electrões são (quase?)
ao mesmo tempo matéria e energia, comunicando de algum modo a distâncias
incríveis, também nós, homo sapiens, somos ao mesmo tempo pré-individual,
individual e coletivo na forma como nos expressamos de forma mais linear ou
mais em fluxo, em quanta.
Em segundo lugar, e finalmente, a ideia de cosmologia, da existência de
agregados em que o humano se articula de uma forma gestaltica com o não-
humano, não pode ser confundida com o organicismo determinista e redutor de
Spencer. Defendemos que, com Tarde, não estamos perante a analogia
spenceriana que, em si, seguia a mesma lógica do pensamento analógico-
científico, mas sim perante uma dúvida em relação à fronteira "sacralizada"
entre o mundo humano e não-humano. Tarde abriu a sociologia a uma conceção
do social em que este "não diz respeito àquilo que está fora do aspeto material
das coisas que «deveria ser criticamente denunciado», mas sim à associação de
diferentes ingredientes relativamente sólidos" (Latour, 2002 [itálicos da nossa
responsabilidade]).

Resumindo, Tarde já antecipa algumas das questões com que a Sociologia


se irá enfrentar, no início do século XXI, introduzindo na "Teoria Social dois
temas fundamentais […]: a) divisão entre natureza e sociedade é irrelevante
para a compreensão do mundo das interações humanas; b) a distinção entre
micro e macro impede qualquer tentativa para compreender como a sociedade é
gerada" (Latour, 2001: 1). Estes pressupostos são a base da eco(socio)logia da
individuação, como veremos mais à frente, e de vários desenvolvimentos
recentes da sociologia como é o caso, entre outros, da “teoria do ator-rede”16.

16
Um dos fundadores desta corrente foi, como já foi dito, o antropólogo e pensador francês
Bruno Latour. Immanuel Wallerstein presidente da Associação Internacional de Sociologia, na
abertura do XIV Congresso Mundial da Sociologia, em 1998, em Montréal, considerou a
avaliação da obra de Bruno Latour um dos maiores desafios colocados às ciências sociais. E
também na linha da sociologia da individuação, elogiou a proposta do conceito de Cyborg da
pós-feminista Donna Haraway, no seu estudo do hibridismo (Wallerstein, 1998). Ver também
Benakouche (1999). Em “Pensar de Outro Modo”, o sociólogo francês Alain Touraine
(2010:126-127) fala na importância de pensarmos a vida em sociedade pelo prisma da

24
A hesitação de Max Weber como um ponto de partida

A obra de Max Weber (1864-1920), um dos clássicos da sociologia, deve ser


lida, acima de tudo, um ponto de partida. Não é um pensamento sistemático mas
antes um pretexto para melhorar a interrogação e a reflexão. Era essa
justamente a posição de um estudioso da sua obra, Julien Freund. "Embora
muitos universitários alemães tivessem seguido os cursos de Weber, não existiu
propriamente uma escola weberiana tal como se fala de uma escola positivista,
marxista, fenomenológica, etc. Mesmo nos nossos dias, não existem, por mais
que isso seja dito, «autênticos» weberianos. Isso deve-se ao carácter não
sistemático do seu pensamento que é mais um pretexto para a interrogação e a
reflexão do que uma doutrina que daria lugar a uma luta entre ortodoxos e
heterodoxos. A influência que ele continua a exercer cada vez mais não é a de
um mestre mas antes a de um herói lendário do pensamento" (Freund, 1968:
116).

Na verdade, em Max Weber podemos encontrar um esboço complexo da


natureza das ciências sociais e da sociedade, esboço esse desde logo atravessado
por uma hesitação. Pelo facto de ser um dos primeiros, constituiu e delimitou um
campo de pensamento, de possíveis. Mas esta hesitação, todavia, constitui uma
das riquezas teóricas em Weber: permite-nos encarar a sua tentativa como uma
formulação possível.
A sua noção central de “ideal-tipo” deverá então ser entendida mais como
ponto de partida do que como ponto de chegada17.
O conceito de ideal-tipo ainda está impregnada pelo debate neokantiano

individuação, processo que permite compreender como os indivíduos integram as várias


forças, porventura muitas vezes contrárias e desordenadas, que concorrem para a realização
da vida. Esta perspetiva, embora parecendo partilhar ainda de uma sociologia do “social”, tem
afinidades com a perspetiva da eco(socio)logia da individuação.
17
Esta forma de pensar a teoria de Weber parece também estar presente nos textos de Michel
Maffesoli, Julien Freund (1968) e de Jean-Martin Rabot (2001). Aproveitamos para agradecer a
ajuda de Jean-Martin Rabot, um estudioso da obra de Weber, que nos permitiu compreender
um pouco melhor o universo ontológico de Max Weber.

25
em torno das diferenças entre as ciências da cultura e as ciências da natureza.
De facto, o pensamento de Weber só pode ser entendido como uma das vozes
emergentes, bastante original, no debate filosófico na Alemanha em finais do
século XIX, que era atravessado pelo seguinte dilema: de um lado, os que
defendiam ser a história e os processos sociais explicados por regularidades
nomotéticas, correlações e leis científicas, que permitiam uma análise científica;
do outro, os que pensavam a história e os fenómenos sociais como uma adição de
fenómenos únicos e individualizados - a opção ideográfica18.
Para Weber, a solução era um pouco complexa na medida em que nenhuma
destas opções era a correta. A sua opção nunca foi totalmente clara de um ponto
de vista filosófico. Segundo ele, o mundo conceptual nunca poderá dar conta do
mundo real, mas apenas fornecer bons utensílios para o compreender, tanto na
sua lógica recorrencial e repetitiva, como na sua dimensão mais idiossincrática.
Embora dando uma carga analógica forte ao “tipo-ideal”, Weber ainda partilha
da crença na lógica especular dos conceitos. No entanto, a contribuição
weberiana, na sua ambiguidade, apresenta algumas nuances, talvez devidas à
influência de autores como Nietzsche, que a afastam de uma leitura única.
Vejamos em seguida como esta hesitação, enquanto virtualidade real
aberta a outros possíveis, a outras atualizações também fiéis ao seu pensamento,
atravessa a sua escrita. Se a saída weberiana se assemelha muito a um ponto de
vista neokantiano, atravessado por um fito epistemológico, Weber não pode, no
entanto, ser reduzido a um mero reprodutor dessas teses filosóficas. Há nele
18
De acordo com Ritzer, "o mais importante destes debates era o que abordava a relação entre
história e ciência. Num dos polos desse debate, situavam-se aqueles (os positivistas) que
pensavam que a história se rege por leis gerais (nomotéticas) e num outro situavam-se os
subjetivistas que reduzem a história a ações e acontecimentos idiossincráticos (ideográficos).
Os positivistas pensavam que a história podia ser uma ciência natural, enquanto os
subjetivistas viam as duas disciplinas de forma radicalmente diferente. Por exemplo, um
pensador nomotético generalizará acerca das revoluções sociais, enquanto um analista
ideográfico se fixará principalmente nos factos específicos que conduzem à revolução norte-
americana. Weber recusou ambos os extremos e desenvolveu um procedimento diferente para
analisar a sociologia histórica. Para ele, a história é composta por acontecimentos empíricos e
únicos; não pode haver generalizações ao nível da experiência. Por isso, os sociólogos devem
separar o mundo empírico do universo conceptual que constroem. Esses conceitos não chegam
a refletir completamente o mundo real, contudo podem ser usados como utensílios heurísticos
para atingir um melhor entendimento da realidade. Através destes conceitos, os sociólogos
podem elaborar generalizações, mas estas não são história e não devem ser confundidas com a
realidade empírica" (Ritzer, 1993: 249-250).

26
uma inquietação que o leva a aventurar-se por terrenos pouco percorridos na sua
época. Mais concretamente, sugerimos que Weber não se deixa encerrar nas
velhas dicotomias filosóficas, nomeadamente as kantianas, aproximando-se assim
de outras teses. Por isso, aplicando de uma forma reflexiva o método de Weber
ao seu conceito de ideal-tipo iremos apresentar uma perspetiva que, a ser
coerente, terá validade. Com essa intenção, apresenta-se uma leitura de um
ensaio escrito por Weber que reflete no essencial a sua forma de pensar (Weber,
1965).
Nesse ensaio, o autor ensaia uma resposta a dois tipos de questões que
atravessam o conhecimento do social. Em primeiro lugar, pretende saber "qual a
validade dos juízos de valor que um investigador formula ou que um escritor
utiliza para fundar as suas propostas de ordem prática? E em que medida tais
valorações continuam a manter-se no terreno da ciência, se atendermos a que a
característica dominante do conhecimento científico deve ser procurada na
validade «objetiva» dos seus resultados, considerados como verdades?".
Reparem na equivalência que faz entre o investigador científico social e o
escritor. A partir daqui, decorre uma segunda pergunta: "em que sentido existem
«verdades objetivamente válidas» no âmbito da vida cultural?" (Weber, 1965:
120-121).
Relativamente ao primeiro problema, a resposta de Weber é clara: não se
deve misturar as valorações em relação ao entendimento e ao sentimento. No
entanto, para Weber as valorações em si não são encaradas como algo negativo.
Apenas, e isto é o mais importante, deve ser diferenciado por um lado, o papel do
cientista que reflete na validade dos seus juízos de valor ou do escritor que
fundamenta as suas propostas de ação prática e, por outro, o papel do homem de
ação, algo que remete mais para o ativista, o político. Como evitar misturar, com
consequências terríveis, o cientista e o escritor com valorações ligadas ao
método com o político, com as valorações ligadas à ação do coletivo. .
Já em relação à segunda questão, “verdades objetivamente válidas” no
âmbito da vida cultural, a posição de Weber não é assim tão evidente sendo, por
isso, objeto de uma reflexão mais aprofundada. Há uma sua afirmação que nos

27
obriga a repensar este problema: "não existe qualquer análise científica
«objetiva» da vida cultural ou das manifestações sociais, que seja independente
de determinadas perspetivas especiais e parciais […]. A razão para tal deve-se ao
carácter particular do objetivo do conhecimento de qualquer trabalho das
ciências sociais". Mais à frente, o autor esclarece-nos um pouco mais: "nas
ciências sociais, trata-se da intervenção de fenómenos mentais, cuja
compreensão revivescente constitui uma tarefa especificamente diferente da que
poderiam ou quereriam levar a cabo as fórmulas do conhecimento exato da
natureza" (Ibid.: 152-153 e 156 [itálicos da nossa responsabilidade]).
Poder-se-ia pensar, à partida, que Weber pouco acrescenta ao debate
filosófico da época, visto que acentua romanticamente, como seria de esperar, o
carácter hermenêutico das ciências da cultura, por oposição às ciências da
natureza. Não obstante, uma maior atenção revela-nos algo surpreendente para
a época, visível, por exemplo, nesta sua afirmação: "Apesar de tudo, tais
diferenças [entre as ciências da natureza e as ciências da cultura] não são tão
categóricas como à primeira vista poderia parecer" (Ibid.: 156). Tudo indica que
Weber pretende, no mínimo, repensar a dicotomia clássica entre ciências da
cultura e ciências da natureza – uma espécie de Tratado de Tordesilhas, uma
divisão do trabalho. No entanto, parece evidente que, tendo em conta os
condicionalismos históricos, esta ideia assume necessariamente um aspeto ainda
latente e contraditório19. De facto, a leitura das suas considerações sobre a
ciência exata mostra-nos que, ao contrário de algumas leituras posteriores,
Weber não estava a adotar uma posição de tipo conciliatório, ou seja, tentando
mostrar que haveria aspetos objetivistas, nomotéticos, que poderiam ser uma
face das ciências da cultura. Pelo contrário, Weber sugere, talvez de uma forma
ainda um pouco incipiente, que as ciências da natureza, tal como as ciências da
cultura, são também e igualmente perspetivas parciais 20. As ciências da natureza
19
Nunca nos podemos esquecer que estávamos nos começos do pensamento sociológico e os
«ares» do tempo, nomeadamente o debate filosófico alemão, impregnavam os enunciados
weberianos.
20
Mais uma vez, torna-se visível a influência do perspetivismo de Nietzsche. Veja-se esta
afirmação do sociólogo A. Giddens: "Pouco antes de morrer, Weber sublinhou que Marx e
Nietzsche representavam as duas influências dominantes na cultura moderna. Poder-se-ia
dizer que a totalidade da obra de Weber constitui um ambicioso intento de integrar as

28
e da cultura são acima de tudo “perspectivas” sempre parciais. Sem existir
qualquer hierarquia. São como as duas faces de uma mesma moeda. Iguais. De
certa forma, a posição de Weber se assemelha muito a uma atitude agnóstica
presente em alguns autores modernos influenciados por uma visão ecologista,
como é o caso, por exemplo, de Bruno Latour e outros sociólogos da ciência e da
tecnologia. Já faz sentido, agora, a frase enigmática referida atrás. Na verdade,
podemos agora repetir com outra ênfase a frase ambígua de Weber: as
diferenças entre as ciências sociais e as ciências da natureza não são tão
categóricas como, à primeira vista, poderia parecer.
Esta “hesitação” weberiana tão fecunda não se limita apenas à definição do
que é a ciência social. Outras afirmações de Weber parecem dar conta de uma
consciência de novos problemas. Quando define a compreensão como
revivescente, está a situar este fenómeno no fluxo da própria vida. Voltemos a
essa ideia de reviver. Trata-se de vivências já passadas às quais são atribuídos
significados. São fenómenos mentais que se referem à memória. Apesar de
Weber não desenvolver muito este argumento, poderíamos avançar com um
desenvolvimento teórico em que a questão da memória passasse a ser um nó
central do seu pensamento tal como faz Henri Bergson (1987). Seria assim
aprofundado este começo de viragem para a individuação.
Weber parece estar consciente, pelo menos em parte, das dificuldades do
terreno que pisa. É significativa a forma como ele caracteriza o seu pensamento,
como uma tentativa: "todos estes sistemas de pensamento [...] não passam de
tentativas para conferir uma ordem ao caos dos factos que incluímos no âmbito
do nosso interesse" (Weber, 1965: 203)21. Será pois interessante ver se não

revelações mais profundas destas duas correntes do pensamento aparentemente


incompatíveis" (Giddens, 1998: 62). Talvez a tentativa conciliar estas duas correntes explique
não só as suas ambiguidades mas também a sua riqueza.
21
Neste ensaio, são reveladoras as alterações de registo que atravessam a escrita de Max
Weber. Poderíamos mesmo dizer que não se trata apenas de uma questão formal. Vejamos uma
das partes deste ensaio onde a inspiração fenomenológica aparece num registo literário
próximo do poeta alemão Goethe (o qual é expressamente citado no final deste seu ensaio): "o
fluxo do devir incomensurável flui incessantemente ao encontro da eternidade. […] Os pontos
de partida das ciências da cultura continuarão a modificar-se no futuro indeterminado,
enquanto uma espécie de imobilidade chinesa da vida espiritual não retirar aos homens o
hábito de colocar questões à vida, continuamente inesgotável" (Weber, 1965: 171-172).

29
existem duas faces em Weber: de um lado, uma atração kantiana pelo modelo das
ciências da natureza, devido, talvez, à sua formação de base em direito (trata-se
de encontrar modelos lógicos, causalidades, correlações); e, do outro lado, a face
mais atraída pela filosofia de Nietzsche, pelo carácter construído e contingente
dos sentidos que damos ao mundo, às nossas vivências. Esta última face tende a
dever muito ao perspetivismo de Nietzsche, um dos poucos autores que é
explicitamente citado e elogiado por Weber.

Em síntese, há sempre um começo, um momento inicial ainda hesitante. Na


sociologia, esse tempo é o momento em que Weber, inspirado em Kant, nos
sugere o ideal-tipo como solução para o debate entre uma ciência social
individualista e particular (na linha duma história descritiva) e uma ciência social
positivista demasiado nomotética, preocupada, na linha por exemplo do
marxismo, em descobrir leis gerais científicas. Para Weber, a solução passaria
pela formulação de tipologias ideais que funcionariam simultaneamente como
elementos com carácter nomotético, sendo por isso aplicáveis a múltiplas
situações concretas. Também teria características ideográficas, pois seria uma
tipologia baseada em situações históricas, em espaços de tempo determinados.
Aparentemente, esta solução apresentava-se como coerente e até relativamente
articulada. No entanto, corresponde a uma tentativa de Weber para dar uma
resposta satisfatória a um debate que atravessava a filosofia e, naturalmente, a
sociologia alemã. Simmel e Schütz, mais tarde, tornarão mais clara esta
hesitação weberiana22.

A tradução sociológica posterior desta hesitação de Weber tendeu, na


grande maioria dos casos, com algumas exceções, a limitar o seu alcance. De
facto, talvez nesta interpretação da hesitação de Weber, que esquece estas
pequenas nuances, se situe a base daquilo que Boaventura Sousa Santos (1989:

22
Julien Freund parece ter consciência desta hesitação de Weber quando diz: "Se a noção de
relativismo aparece sob a pena do comentador de Wissenschaftslehre, é porque Weber, que
tanto insistiu na consciência das consequências, desdenhou de tirar as devidas consequências
da sua própria posição" (Freund, 1968: 116).

30
58) designou por dualismo epistemológico 23. Dito de outra forma – as palavras de
Weber, atrás citadas, poderão ter duas interpretações com efeitos muito
diferentes. Uma primeira será dizer que as ciências da cultura se aproximam
bastante das ciências da natureza visto que as duas efetuam a necessária
distinção entre o objeto empírico e o objeto teórico. No essencial, a preocupação,
em criar um conhecimento analógico, que atravessa as ciências da natureza, a
astronomia por exemplo, não é diferente do que se passa nas ciências da cultura.
A partir daqui está aberto o caminho para a aplicação de uma solução do tipo
bachelardiano que defende um dualismo epistemológico (Silva, 1986: 29-53)24.
No entanto, haveria uma outra possibilidade: o movimento não iria no sentido de
aproximar a sociologia do modelo da astronomia defensor da “ciência”, da
“causalidade” e da correlação sendo este o ponto de referência, mas antes
efetuar o movimento contrário pondo em causa, de algum modo, a auto-limitação
da sociologia ao objeto “social” e ao método dito científico inspirado nas ciências
da “natureza” (ou ciências “exatas”, na linguagem do século XX), na noção de
correlação. As duas interpretações, à primeira vista, não parecem muito
diferentes. No entanto, as consequências, na prática da sociologia, foram
relevantes como veremos mais à frente.

Simmel: a tensão entre “mais-vida” e “mais-do-que-vida”.

Ao mesmo tempo que Max Weber procurava uma solução epistemológica


para a sociologia emergente, um outro autor, que aparentemente poderia ser
considerado um seu continuador, apontava para caminhos um pouco diferentes 25.
Uma outra sociologia, ainda num estado virtual em Weber, começava a irromper

23
Ver também Scott Lash (1997: 237-238).
24
Parece ser essa a estratégia seguida pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1983) na sua
obra O Ofício de Sociólogo.
25
O próprio Weber, embora continuasse a dialogar com Simmel, acentuaria, nos seus escritos
mais tardios, a sua diferença em relação a este autor: "O peso pedante da nossa formulação
tem como intenção separar rigorosamente o sentido visado subjectivamente daquele que é
válido objectivamente (no que nos afastamos parcialmente do método de Simmel)" (Weber,
1965: 325).

31
e a atualizar-se, a concretizar-se com Georg Simmel (1858-1918).
Simmel inseria a sociologia num processo civilizacional que encarava com
uma atitude de suspeita. Na verdade, o seu ponto de partida é o antagonismo
entre a criação subjetiva dos atores e as formas exteriores ameaçadoras que, por
todo o lado e com a difusão das ligações capitalistas, emergem como estranhas.
Em Simmel, o importante é esta corrente quotidiana, o acontecimento da vida na
sua capacidade de se transcender, quer dizer, de criar mais-vida. Evitando assim
o perigo da mais-do-que-vida ligado aos objetos ou aos seres-objecto. Há um
dualismo entre a capacidade criativa (mais-vida) em que nos transcendemos e,
por outro, a existência objetiva de formas de objetos que, após a sua criação, se
transformam em algo exterior a nós (mais-do-que-vida): podemos aqui assumir
que esta dinâmica constitui, para o autor, a tragédia da cultura. Por isso, a
sociologia deve pensar este intervalo, este no meio que vai da vida e da corrente
criativa, ao exterior, ao reificado.
Para evitar a reificação, Simmel define um princípio ontológico 26. Uma
maneira de resistir: os níveis mais abstratos dependem sempre dos indivíduos
concretos – aquilo que ele designava por princípio da emergência. Mas, por outro
lado, embora tomando como ponto de partida o concreto, o dia-a-dia, o
movimento constante de signos, ações, desejos, evita a armadilha da
individualização; a sociologia não pode ficar reduzida a uma psicologia micro que
isolaria unidades mínimas sem as pensar principalmente em relação a este
exterior. Numa palavra, era preciso evitar a armadilha do pensamento
psicológico individualizado que caracterizava a psicologia do seu tempo – a
psicanálise ainda estava no seu início.
Para evitar estes dois perigos — macro e abstrata ou concreta e
individualizada —, Simmel concebe a sociologia como uma espécie de geometria
social (englobando todas as ciências sociais) que estuda as formas das interações
e os tipos de pessoas envolvidos mas sem ficar enredado numa ambição
epistemológica representacional, uma imagem dogmática do pensamento. Seria

26
Denunciada justamente por Karl Marx em relação ao discurso da ciência económica no
capitalismo, à mercantilização da vida, da força viva do trabalho.

32
uma espécie de topologia das formas humanas de interacção. Estas formas
servem para tentar entender o porquê do surgimento desta monstruosidade
chamada sociedade moderna. Assim, as formas poderiam ser de subordinação,
supra-ordenação, intercâmbio, conflito e sociabilidade. Os tipos sociais, por seu
lado, tenderiam a organizar-se em torno de dois polos. No primeiro, teríamos as
posições em relação aos outros humanos tais como o competidor, a coquete. Num
segundo polo, as orientações em relação ao mundo: o avaro, o gastador, o
estranho e o aventureiro (Ritzer, 1993: 300-305). De algum modo, seriam uma
espécie de arquétipos de formas que moldam o “inconsciente” coletivo, tal como
foi sugerido mais tarde por Carl Jung como veremos mais à frente.
O núcleo que fundamenta este pensamento, o problema básico que a
sociologia, nesta perspetiva, terá de resolver não é o conhecer objetivamente,
estabelecendo correlações, os factos sociais – uma definição científica fora do
tempo e do espaço —, mas sim saber como é que a sociologia se insere na
formação da sociedade moderna. Ora, no século XIX, o facto dominante é o poder
prático que alcançaram as massas e os objetos massificados (técnicos) em
relação ao indivíduo. E é apenas neste âmbito que faz sentido a construção do
objeto da ciência sociológica. Ou seja, o ponto de partida de Simmel é no
essencial de tipo ontológico e histórico27. No limite, não existe propriamente um
objeto novo desta ciência sociológica "que já não seja tratado nas ciências
existentes, visto que é apenas um novo caminho para todas elas, um método
científico que, justamente por ser aplicável à totalidade dos problemas, não
constitui uma ciência em si" (Simmel, 1977: 14 [itálicos da nossa
responsabilidade]). É algo semelhante ao que Gilbert Simondon, em meados do
século XX irá propor: um enciclopedismo genético, uma alagmática. De algum
modo, Simmel estava consciente das implicações amplas das suas propostas.
Atrevemo-nos a sugerir que Simmel poderia dizer que a sociologia é, acima de
tudo, o caminho ontogénico na relação que estabelecemos, não só com o mundo
social do coletivo, mas também com o psíquico e com o mundo orgânico e

27
Weber não consegue ser tão explícito na sua opção sendo atravessado por alguma
ambiguidade.

33
inorgânico que nos atravessa no nosso pré-individual. Um caminho seguido muito
semelhante ao proposto por Simondon, como veremos num dos próximos
capítulos28.
Tem como lema o princípio da emergência: não existindo um objeto
específico da sociologia, Simmel coloca no centro da nossa análise (crítica e
ontológica) o conceito não reificado de sociedade, ao contrário do defendido pelo
“mainstream” da sociologia emergente naquela época. A sociedade existe nos
seus conteúdos concretos, nos seres humanos concretos, que são passíveis de
uma espécie de estudo geométrico, do estudo das suas formas 29. Portanto, a
forma, como resultado de uma relação com a matéria, deve ser o objeto da
sociologia. O que interessa é a forma dessas interações, ações recíprocas. "Se,
pois, tem de haver uma ciência cujo objeto seja a sociedade e só ela, unicamente
poderá propor-se como fim das suas investigações estas ações recíprocas, estas
maneiras e formas de socialização" (Ibid.: 17).
Neste sentido, tomando como objeto o próprio método, Simmel posiciona-
se em relação a algo exterior: o debate da filosofia alemã acerca do carácter
nomotético ou ideográfico das ciências da cultura. Será que cada processo social
é único, exigindo uma explicação e compreensão próprias? À primeira vista, a
solução apontada por Simmel assemelha-se ao sugerido pelo seu amigo Max
Weber. Contudo, podemos talvez considerar que a hesitação de Weber se
intensifica em Simmel.
Uma afirmação de Simmel mostra que há algo que se desloca no seu
pensamento e, por arrastamento, na sociologia: "não pode distinguir-se entre a
pura socialização e o fenómeno real total, com a sua complexidade" (Ibid.: 26).
Será que podemos dizer que Simmel se afasta um pouco do célebre ideal-tipo
weberiano? Na verdade, a ambição de Weber está muito próxima de uma
28
José Luís Garcia defende que Simmel desenvolve uma conceptualização sobre a tecnologia e a
tecnicidade com um grande alcance do ponto de vista sociológico nomeadamente "sobre o
significado social e axiológico da tecnologia moderna e do seu dinamismo independente, a
fenomenologia da instrumentalização, o processo de objetivação (Entäusserung), alienação
(Entfremdung) e reificação (Verdinglichung)" (Garcia, 2003: 93). A posição de Simmel
apresenta, sem dúvida, muitas afinidades com a ideia de individuação técnica de Gilbert
Simondon (1989a; Neves, 2006). Ver também José Luís Garcia (2003: 104).
29
Ou seja, numa linha próxima da cartografia dos agenciamentos de Deleuze e Guattari (1980),
nas suas linhas e intensidades.

34
geometria de formas puras, algumas das quais se assemelham imenso à proposta
de Kant. No entanto, como vimos atrás, em Weber não existe uma
conceptualização óbvia e indiscutível acerca deste tema. Simmel, pelo contrário,
defende uma posição clara e diferente: o processo de criação das formas não
deve assentar num a priori fora da experiência. Sugere um nome para este
processo: procedimento intuitivo30. Trata-se de "uma disposição particular do
olhar, graças à qual se realiza a cisão entre a forma e o conteúdo" (Ibid.: 26).
Como exemplo de aplicação deste método intuitivo, vejamos o fenómeno da
pobreza. Segundo ele, este fenómeno pode ser olhado a partir de três pontos:
como existência individual; como forma de interação; ou, finalmente, como
conteúdo expresso objetivamente na economia, na técnica, etc. Ora, a tendência
da sociologia, ao pensar em tipos ideais, tal como parece ser defendido por
Weber, centra-se na obtenção de uma imagem única que compreenda todos estes
três níveis. Além disso, há uma tendência para se valorizar o nível mais abstrato.
Em vez disso, Simmel sugere que a sociologia, embora tenha a interrogação
kantiana como guia, deverá estar consciente que a apreensão dessas formas
nunca será uma geometria social assente em modelos do tipo cognitivo. Vejamos,
em pormenor, a argumentação de Simmel.
No estudo da natureza, a dicotomia de Kant entre sujeito e objeto permitiu-
lhe, aparentemente, construir os objetos através da mediação das formas do
nosso intelecto. Estas formas a priori constituem a base dos invariantes do
mundo. Portanto, o conhecimento da natureza passa pela investigação das
formas que constituem a essência do nosso intelecto, produzindo assim um
conhecimento da natureza (Ibid.: 38). A pergunta fundamental de Kant – como é
possível a natureza? – é respondida, inicialmente, afirmando o carácter
construído do mundo. Na verdade, diz Simmel, "aquilo a que nós damos o nome
de natureza é uma maneira particular que tem o nosso intelecto de reunir,
ordenar e dar forma às sensações. Estas sensações «dadas» (cores e gostos, sons
e temperaturas, resistências e odores) que atravessam a nossa consciência na
sucessão casual do acontecer subjetivo, não são todavia «natureza», mas

30
Muito próximo do conceito de intuição de Henri Bergson (1987).

35
aparecem como tal, mediante a atividade do espírito, que as combina,
convertendo-as em objetos e séries de objetos, em substâncias e propriedades,
em relações causais" (Ibid.: 38). Ou seja, as impressões recebidas pelos nossos
sentidos, embora sendo subjetivas (são uma possibilidade que depende não só da
nossa herança genética homo sapiens que valoriza, por exemplo, o sentido
“científico” da visão em detrimento do olfato, apesar do carácter em grande
parte quanticamente aleatório e mesclado do fluxo contínuo de sensações)
convertem-se, num golpe de mágica, em objetos, são objetivadas ao serem
apreendidas, criando-se "uma imagem coerente da natureza" (Ibid.: 38)31.
Simultaneamente, para Kant, aquelas impressões continuam a ser algo não
passível de ser transformado em objeto. Esta última parte da reflexão kantiana
tende a ser menosprezada, pois remete para uma impossibilidade.
Voltando à face positiva de Kant, Simmel interroga-se: será que a
investigação das formas na sociedade poderia ser tratada de modo semelhante
ao sugerido por Kant? Na verdade, existem parecenças entre a natureza e a
sociedade: "também neste caso nos são dados elementos individuais, que em
certo sentido subsistem diferenciados, como as sensações, e só chegam à síntese
da sociedade através de um processo de consciência que coloca em relação o ser
individual de cada elemento com o de outro, sob formas determinadas e seguindo
determinadas regras" (Ibid.: 38). A solução mais positiva de Kant aplicada à
sociedade pode talvez ser considerada como a via adotada por Weber. É
exatamente neste momento que Simmel, em vez de se assumir como um
neokantiano dogmático, nos propõe uma outra aproximação. De facto, existe uma
diferença essencial entre a sociedade e a natureza: a segunda permite o sujeito
que a contempla, ao passo que a sociedade, "sendo composta de elementos
conscientes que praticam uma atividade de síntese, realiza-se sem mais e não
necessita de nenhum contemplador" (Ibid.: 39). Repare-se bem na expressão
usada por Simmel: a unidade social é composta por elementos conscientes que
31
A importância das descobertas da física quântica e da neurobiologia genética ainda não foi
suficientemente sublinhada nomeadamente os seus efeitos nas ciências sociais, na “ciência”
económica, nas nossas formas de ser coletivo e finalmente na relação com o sagrado e o
estético. Ver um resumo, ao mesmo tempo rigoroso e simples, destas novas teorias no livro do
neurocientista, Joe Dispenza (2012), “Deja de ser tú! La mente crea la realidad”.

36
se realizam sem mais, num tempo imediato. E essa imediatez do tempo, essa
duração intensiva do tempo, torna impossível a contemplação externa que
permite a criação de um sujeito separado de um objeto. Por outras palavras, o
sujeito e o objeto existem numa relação transdutiva (numa individuação) que não
pode ser restrita apenas ao processo de conhecimento do social. Situa-se aqui a
fenda importante que separa Simmel de Weber. Sendo possível distinguir em
Simmel um distanciamento relativamente à face mais “científica” de Kant, em
Weber parece haver, pelo contrário, uma nostalgia dessa relação científica entre
um sujeito e um objeto32.
Na prática, há uma ideia feita que é necessário combater: a de que Simmel
partilha da clássica divisão sugerida pelos filósofos neokantianos alemães que,
em finais do século XIX, defendiam a natureza compreensiva das ciências da
cultura por oposição ao carácter explicativo das ciências da natureza 33. Ora, esta
afirmação não corresponde à verdade. Tal como diz o próprio Simmel, a
diferença entre as ciências da natureza e as ciências da cultura não é assim tão
grande. Existe "um sentido ainda mais fundamental" (Ibid.: 41) que remete para
a natureza de qualquer conhecimento, seja ele do mundo cultural seja ele do
mundo natural. Não estamos apenas perante um problema metodológico
específico das ciências da cultura, mas sim perante um problema de índole
ontológica que atravessa todo o conhecimento do mundo. Levando o pensamento
de Simmel até aos seus limites, não se pode falar de um sujeito que contempla
um objeto ou um ser do mundo não humano do qual vai construindo algo teórico,
"mas sim numa situação em que a consciência da socialização é imediatamente a
que sustenta e encerra o seu sentido interno" (Ibid.: 43). A consciência da
32
Simmel segue Kant mais por uma questão de método, pois no essencial não partilha da
motivação epistemológica de Kant. Embora, neste texto, Simmel não torne esta ideia explícita,
poderíamos dizer que ela está talvez implícita na ironia e no distanciamento com que se refere
a Kant. Ver como se refere à questão da subjetividade em Kant (Simmel, 1977: 38).
33
Ver as teses de autores como Heinrich Rickert e Dilthey (1980; 2000). Este último ainda está
dominado por uma versão da hermenêutica presa ao imperialismo do signo linguístico e a uma
ambição epistémica embora se tenha afastado, nos últimos anos, de uma visão demasiado
psicologista da hermenêutica e adotado uma perspetiva mais relativista. A interpretação é
definida por Dilthey como sendo "a compreensão técnica das manifestações vitais fixadas por
escrito", e a ciência hermenêutica como sendo a "disciplina da interpretação de monumentos
escritos" (Dilthey, 2000: 33). Contudo, Dilthey não se empenha em alargar esta interpretação
para lá do signo linguístico, da linguagem e dos textos.

37
socialização, e não o pensá-la exteriormente, passa a ser o centro de qualquer
pensamento sobre o social.

Resumindo, Simmel não se limita a copiar Kant. Se, no essencial, Weber


utiliza a solução de Kant para o estudo da sociedade, já no caso de uma leitura
restrita de Simmel esta solução não é possível. O pressuposto kantiano não
poderia ser aceite visto que existiria uma diferença essencial entre a sociedade e
a natureza: "é que esta última – no pressuposto kantiano aqui aceite – somente
se produz no sujeito que contempla, só se engendra por obra do sujeito que a
produz com os elementos sensoriais desconexos; ao passo que a unidade social,
sendo composta de elementos conscientes que praticam uma atividade sintética,
realiza-se sem mais e não necessita de nenhum contemplador. Aquela afirmação
de Kant, segundo a qual a relação não pode residir nas coisas, é produzida pelo
sujeito, não pode ser aplicada às relações sociais, que se realizam
imediatamente, de facto, nas «coisas», que são, neste caso, as almas individuais"
(Ibid.: 38-39).
A nossa tese implica que se alargue a sugestão de Simmel: também no
conhecimento da natureza se processa uma atividade sintética em que o
contemplador e o objeto contemplado interagem numa relação transdutiva e
individuada. Poderíamos dizer que a resposta de Simmel ao problema kantiano é
mais radical, constituindo o elemento de rutura em relação a Weber. Para
Simmel, a separação entre o sujeito contemplador e a natureza externa aparece
como sendo impossível no social (diríamos que também é impossível ou talvez
muito complexa no natural), pois o contemplador – o sujeito – é parte da coisa
estudada. E, para além disso, essa coisa realiza-se imediatamente, impedindo
não só o distanciamento espacial mas também a própria ideia de um tempo do
contemplador fora do tempo do contemplado – Simmel está quase a sugerir que
a ideia de tempo linear das ciências exatas terá de ser substituída por uma noção
mais qualitativa na linha de H. Bergson (1987) e de F. Nietzsche.
Insistimos: a posição de Simmel não se pode resumir a um mero problema
metodológico ou epistemológico. É mais do que isso: a questão da forma, ou seja,

38
como é possível conhecer o mundo, está intimamente ligada ao que se conhece,
àquilo que se pode dizer sobre ele com o carácter de verdade. O que Simmel
sugere é simples: a partir do momento que a solução de Kant - que esteve na
base do esquecimento não só do problema de David Hume (1985: 132) mas
também da hesitação de Francis Bacon (Carrilho, 1994: 13-17) - é posta em
causa, abre-se o caminho, por agora apenas nas ciências sociais, para um mar de
possibilidades que aparentemente poderão ser repudiadas em nome de um
representacionismo epistemológico. Com Simmel, aprofunda-se a fenda no chão
fundador e estabilizador em que assenta o edifício kantiano. Parece ser isto que
Simmel quer acentuar: se o contemplador está imerso na coisa contemplada
(algo que também acontece de algum modo, como veremos mais à frente, nas
ciências da natureza), então o problema essencial da sociologia é aprender a
lidar com essa fenda, criando outros conceitos, sendo um criador científico no
mundo34.
Há aqui uma grande diferença em relação a Kant, de tal forma que não se
pode dizer que Simmel é somente um prolongamento de Kant no campo do
social. De facto, as formas de socialização que atuam a priori não podem ser
confundidas com as formas a priori de Kant. No caso de Simmel, estamos
perante axiomas muito gerais que não são inspirados no modo como Newton
formulou os seus princípios. A consciência do social tem como ponto de partida
três a priori muito simples: primeiro, a consciência de uma pessoa é
condicionada por modificações de estrutura, algo de gestáltico (Ibid.: 43);
segundo, cada elemento de uma sociedade é também, até certo ponto, algo fora
dela (Ibid.: 46); e, por fim, o terceiro acentua os elementos desiguais,
assimétricos, que atravessam a sociedade (Ibid.: 52). De passagem, é de realçar
a lucidez de Simmel, na medida em que o segundo a priori acentua o carácter
misto do social. Também coloca no centro da reflexão a dupla articulação que
atravessa o antropomórfico: a dualidade entre o mundo da expressão e o mundo

34
Um pouco na lógica da “cura” ontológica heideggeriana. Pode-se até argumentar que G.
Simmel antecipa, até certo ponto, algumas intuições de Heidegger. Em Alfred Schütz, na
sociologia fenomenológica, essa influência é muito mais visível. E explícita pois Schütz refere,
por várias vezes, a obra inicial de Heidegger: O ser e o tempo (Heidegger, 1968 [1927]).

39
da ação presente de forma acentuada no primeiro a priori. Algo que perturba e
torna mais complexa a sua análise. Por fim, não esquece os seus aspetos
assimétricos35.
Façamos uma pequena derivação a partir do pensamento de Simmel. A
partir do momento que se aceite a rutura proposta por Simmel, os efeitos
atravessam também o uso que fazemos das palavras para descrever o mundo
social. Teremos oportunidade de sublinhar, mais à frente, a afinidade de Simmel
com correntes sociológicas recentes, embora cerca de cem anos os separem: a
teoria do ator-rede e, também, a ideia transdutiva do social desenvolvida por
Deleuze, Simondon e Jung entre outros. Serão duas as afinidades essenciais
entre o raciocínio de Simmel e estes autores.
Em primeiro lugar, para estas correntes, o actante não é um objeto
empírico em si, bem delimitado. As redes ou rizomas, também não são formas
essencialistas reificadas. Este raciocínio é muito semelhante ao que nos diz
Simmel: a sociedade é composta por interações e não por indivíduos. Assim
sendo, a componente substantiva, os indivíduos, os actantes ou os inter-actantes
existem na medida em que interagem. Por esse motivo, não faz sentido falar de
sociedade como algo exterior a estes inter-actantes, mas como algo exterior e
simultaneamente interior: as formas dessas interações. Ou, nas palavras de
Simmel, "maneiras e formas de socialização". Utilizando a linguagem da teoria
do ator-rede, estaríamos perante redes no seu sentido mais alargado e mais
complexo: rizomas, pontos nodais que topologicamente remetem para
bifurcações multidimensionais que não se deixam encerrar no mundo
35
José Luís Garcia parece concordar com esta perspetiva quando afirma: "ao longo do seu vasto
estudo sobre o dinheiro, Simmel reitera sistematicamente a tecnicidade do seu âmbito de uma
forma completamente invulgar na sociologia. Como definirá na parte final da obra, o dinheiro
é uma técnica da vida exterior [...]. Talvez nos seja até autorizado dizer que, na sua visão, o
dinheiro como meio tem como que um «modo de existência», lembrando a expressão sobre os
objetos técnicos de Gilbert Simondon (1958), no sentido de que também se verifica na sua
realidade e no movimento objetivo da ação mediadora que através do dinheiro se concretiza
algo como um modo de ser em que os homens participam, não como meros usuários, mas
como plenos intervenientes. O dinheiro assegura, pela sua mediação, a conversão dos valores
de uso de objetos únicos em valores de troca substituíveis. Um pouco à semelhança do que
Simondon irá observar para os sistemas técnicos, a lógica da rede monetária que a circulação
do dinheiro impulsiona também institui uma malha de ligações, não só com as coisas mas do
homem consigo mesmo, destinado a um devir de ligação com o próprio mundo que o sistema
monetário criou" (Garcia, 2003: 103-104).

40
antropocêntrico do social.
A segunda afinidade entre Simmel e as novas sociologias situa-se no ponto
de vista metodológico. A conceptualização da rede submete-se ao princípio da
emergência. Quanto mais separada das interações concretas (dos
acontecimentos), menos exata, mais passível de erro, mais aproximativa. O
mesmo se passa na proposta geométrica de Simmel. As afirmações gerais sobre
as formas pouco nos dizem acerca da sua realização. Tal como diz Simmel, "o que
é necessário é, em vez disso, entrar nas diferentes classes de subordinação, nas
formas especiais da sua realização; e, naturalmente, quanto mais determinadas
sejam, menos extenso será o círculo da sua vigência." (Ibid.: 23 [itálicos da nossa
responsabilidade]). Esta posição é classicamente designada por individualismo
metodológico. Mas talvez seja mais do que isso. No caso de Simmel e das novas
sociologias, parece haver um esforço no sentido de pensar esta dicotomia de uma
forma mais produtiva, evitando esta adjetivação limitativa do individualismo. O
ponto de partida não é o indivíduo mas antes a individuação, tanto nas novas
teorias sociológicas, como na conceptualização das formas de Simmel.

Alfred Schütz: a sociologia e o fluxo do tempo

Começando Weber por ser aquele que produz a hesitação, a crise na


sociologia emergente que pode levar a uma outra decisão, Tarde, em França, e
Simmel, na Alemanha, foram o lado ligado ao ser que emerge no discurso
sociológico. Mais tarde, a partir da segunda década do século XX, esta viragem
ganha um outro ânimo com o trabalho do sociólogo alemão Alfred Schütz. Este
autor, inspirado quer na ideia de uma consciência subjetiva do mundo, quer na
valorização da intuição qualitativa do tempo, foi capaz de, em primeiro lugar,
traduzir – e trair – reivindicando a herança subjetivista de Weber e, mais tarde,
de criar uma nova linguagem para a sociologia36.
36
Todo este capítulo se baseia numa leitura da sua obra inicial dos anos 20: A construção do
mundo social [tese de doutoramento orientada por Husserl] (Schütz, 1993). De assinalar que
esta obra, publicada originalmente em língua alemã, apenas foi traduzida para inglês nos anos

41
Em primeiro lugar, este autor, contemporâneo de Weber, assume a sua
herança e propõe-se aparentemente aprofundar alguns dos aspetos mais
ambíguos da teoria weberiana. No essencial, Schütz parece não se afastar muito
da lógica do pensamento weberiano. Começa por dizer que a sua obra é apenas
um mero prefácio fenomenológico à sociologia compreensiva de Max Weber. É
evidente que esta estratégia retórica tem os seus efeitos positivos: Schütz parece
inscrever-se, de uma forma assumida, na tradição inaugurada por Weber. Mas
talvez esta opção não seja assim tão clara. Vejamos porquê.
Schütz pretende analisar criticamente os conceitos fundamentais
formulados por Weber na sua obra Economia e Sociedade. Começando por
afirmar a sua concordância em relação à metodologia e à formulação dos tipos
ideais, reforça a ideia que as ciências sociais se ocupam da ação social na
medida em que esta é atravessada por um significado subjetivo. Mas eis que
Schütz aponta algumas ambiguidades: Weber não aprofunda as características
essenciais da compreensão, do significado subjetivo e da ação social.
No primeiro caso, a compreensão e o significado subjetivo, não são
definidos claramente por Weber na medida em que se fala da compreensão sem
explicitar quem compreende o quê. O uso do impessoal é para Schütz uma
solução comprometedora e com pouco poder heurístico. Um segundo aspeto, que
merece reparos, é a explicação externa e mecânica da ação social numa lógica
semelhante às ciências da natureza do século XIX.
Após ter formulado o problema a que irá tentar dar resposta, Schütz, num
segundo capítulo da sua obra, concentra-se no conceito de significado. Segundo
ele, aquilo que se dá à consciência é uma corrente de vivências, um mundo
heterogéneo, em transformação constante. No meio desta corrente, os seus
conteúdos não possuem uma significação em si mesmos. Tal como dizia Weber, a
consciência parte de vivências que já aconteceram ou então de previsões.
Contudo, a corrente em si não é passível de significação. É algo que acontece. É
algo que dura. Ora, esta conceptualização não tem uma origem ingénua. Não

cinquenta coincidindo com o surgimento da etnometodologia de Harold Garfinkel nos Estados


Unidos da América.

42
estamos perante uma reflexão do tipo romântico ingénuo acerca da subjetividade
do ser humano. Nem estamos perante uma mera aplicação dos conceitos
fenomenológicos de Husserl. O que Schütz sugere, talvez ainda não de uma
forma muito explícita, é que se pense o significado numa corrente, numa
duração. Uma ideia de duração inspirada na reflexão de Bergson (1987).
Em síntese, Schütz procura, em áreas próximas da sociologia,
nomeadamente na filosofia e na física moderna (a noção de tempo de Bergson
inspira-se, nalguns aspetos, na teoria da relatividade de Einstein com quem
chegou a trocar correspondência), resposta aos problemas levantados por
Weber: por um lado, em Husserl e, por outro e com uma influência um pouco
diferenciada, nas teorias do filósofo francês Henri Bergson (1987). Ao primeiro,
vai buscar o conceito de consciência, na linha de uma filosofia fenomenológica.
Em segundo lugar, inspira-se também (e parece-nos de uma forma mais decisiva)
em Bergson ao propor um estudo do social a partir da sua noção de duração e
memória37.

A influência de Husserl em Schütz: entre a fenomenologia e a ontologia

Husserl teve uma influência decisiva no pensamento de Schütz,


constituindo até, segundo alguns autores, a base em que assenta a sua teoria.
Contudo, a ambição de Schütz não parece ter consistido no desenvolvimento
filosófico das ideias de Husserl. Schütz pretendeu fundamentalmente tornar
visível uma forma fenomenológica de pensar sociologicamente 38. Por esta razão
37
Quando Schütz (1993) escreveu a sua obra principal A Construção Significativa do Mundo
Social, nos anos vinte, a obra de Bergson era relativamente pouco conhecida no domínio das
ciências sociais. Por outro lado, não podemos esquecer que a sua reflexão se inseria no âmbito
da filosofia fenomenológica de Husserl (que era o seu orientador académico). Do ponto de
vista filosófico, os dois autores apresentam divergências que podem ser consideradas
importantes. Enquanto, para Bergson (1987), a intuição não surgia como uma substituição
alternativa ao método científico tradicional baseado no raciocínio lógico, para Husserl a
filosofia fenomenológica era um método científico alternativo através da perceção
fenomenológica. Esta opção de Schütz terá efeitos importantes no desenvolvimento posterior e
nos limites da sociologia, nomeadamente a etnometodologia que o assumiu como grande
inspirador.
38
Embora Schütz abandone um pouco a ambição epistemológica de Husserl, ela continua
presente na sua sociologia fenomenológica. Na verdade, ele procura encontrar algumas
formas, ideais-tipos, de intersubjetividade. Embora adote sempre uma atitude suspeita

43
iremos, nos parágrafos seguintes, fazer uma breve, e necessariamente
incompleta, resenha dos conceitos de Husserl.
O ponto de partida de Husserl é a consciência humana, nomeadamente a
procura da essência dessa consciência, aquilo que ele designa pelo ego
transcendental (Ritzer, 1993: 367-368). Esta palavra transcendental não se
inspira no conceito metafísico ou mentalista de consciência. "Para ele, a
consciência não é uma coisa nem um lugar, mas sim um processo. A consciência
não se encontra na cabeça do ator, mas sim na relação entre o ator e os objetos
do mundo" (Ibid.: 368). Estamos, portanto, perante uma consciência entendida
como algo relacional que produz significação aos objetos do mundo.
Um segundo aspeto das ideias de Husserl adotado por Schütz refere-se à
epistemologia. Na verdade, "para Husserl, a ciência não implicava espiritismo e
análise estatística dos dados empíricos. De facto, temia que uma ciência com
estas características fosse levada a recusar a consciência como objeto de análise
científico, considerando-a quer em termos demasiado metafísicos, quer como
algo físico" (Ibid.: 368). Esta orientação geral levou os fenomenólogos a, em
primeiro lugar, adotarem descrições dos processos sociais tal como são
experimentados pelos seres humanos. E, em segundo lugar, a opor-se a um
intuicionismo vago, afirmando a possibilidade de um estudo rigoroso das
estruturas básicas da consciência (Ibid.: 368-369).
Esta opção implica a necessidade de ultrapassar a visão natural dos atores,
através de uma espécie de desconexão, ou o que Husserl designava por redução
fenomenológica, para, mais tarde, descobrir os aspetos fundamentais da
consciência, as suas propriedades invariantes (Ibid.: 369). Estes dois pontos de
partida – consciência humana como processo e estudo rigoroso da estrutura da
consciência – constituem os pontos de consenso entre Schütz e Husserl. A partir
daqui, os seus caminhos tendem a divergir. Enquanto Husserl, numa lógica
neokantiana, se preocupa cada vez mais em descobrir as formas puras da
consciência sem qualquer conteúdo empírico, já Schütz opta por um caminho

relativamente a essas conceptualizações, a ambição husserliana poderá reduzir a sua


dimensão ontológica.

44
diferente. Deixa de considerar prioritária a ambição epistemológica de Husserl,
desenvolvendo, por sua vez, a parte mais insuficiente da teoria de Husserl, ou
seja, o estudo da consciência no mundo da vida, das relações interpessoais (Ibid.:
369). De algum modo, apresenta algumas afinidades com a forma como
Simondon irá pensar a individuação humana, como veremos mais à frente.

A influência de Bergson na sociologia de Schütz: o fluxo do tempo

Numa leitura rápida de obra de Schütz, o conceito bergsoniano de duração,


que surge logo no início da sua obra, poderá não assumir uma grande
importância. Na verdade, a sua referência ao conceito de duração de Bergson
poderá ser vista apenas como um pormenor secundário em relação às
conceptualizações teóricas posteriores. No entanto, parece-nos que a proposta
de Schütz não se fica apenas pelo registo literário. A questão do fluxo deixa de
ser apenas um pano de fundo, um contexto que nos aparece como evidente,
passando a assumir um papel fulcral.
Como é que Schütz opera esta passagem? Colocando o problema da
significação como dependente deste fluxo. O salto que vai da vivência do fluxo à
significação não é um caminho fácil de ultrapassar. Pelo contrário, transforma-se
no eixo central de toda a reflexão de Schütz. Daí que faça sentido o encontro
desta inquietação de Schütz com a reflexão de Bergson. Nomeadamente os seus
dois conceitos fundamentais: duração e intuição. Segundo o nosso ponto de vista,
esta influência bergsoniana constitui talvez o aspeto mais inovador da sociologia
de Schütz. Ora, traço importante para o caso, Bergson situa-se nos antípodas de
Descartes. Em vez de propor um pensamento racional baseado na extensão da
matéria, no pensamento espacializado, sugere um deslocamento que antecipa as
contribuições mais recentes das ciências 39. É por esse motivo que, para Bergson,
influenciado pela teoria da relatividade de Einstein, o conceito de duração coloca
em causa a reversibilidade do tempo e a sua representação no espaço. Segundo

39
Ver a questão da irreversibilidade do tempo em Ilya Prigogine e Isabelle Stengers citados por
José Luís Pio Abreu (2000).

45
ele, a ideia do tempo numa lógica de sucessão só é possível quando, pela
memória, colocamos indícios de estados já vividos em simultâneo numa folha de
papel ou num espaço imaginário do nosso cérebro, utilizando as palavras. As
palavras como signos, marcas, permitem que, num passe de mágica, se aprisione
a intensidade da duração numa lógica espacial. Por isso, permitem comparações
simultâneas e, por exemplo, a verificação do princípio da não contradição em que
se baseia o raciocínio lógico.

Schütz reinventa o problema da sociologia

Retomemos agora a nossa linha inicial: qual a resposta de Schütz, partindo


do novo olhar bergsoniano, ao problema formulado por Weber? A nossa leitura
sugere que, na medida em que ele se aproximou de lado ontológico valorizado
por Bergson e se afastou do lado mais epistemológico de Husserl, se pode falar
de um afastamento em relação à analogia estrutural ou cognitiva. Mas,
paradoxalmente parece ficar no meio da viragem dilacerado entre a ontologia e a
analogia estrutural ou cognitiva. Esta posição teve efeitos importantes na escrita
que os sociólogos foram capazes de nos dar. Efeitos que poderiam ter sido
evitados. Esta dualidade atravessa o seu texto sendo de reconsiderar a hipótese
da influência epistemológica de Husserl ter sido a mais decisiva. Apenas uma
leitura mais atenta poderá dar conta do exercício, da tentativa de Schütz, daquilo
que foi menos conseguido na sua viragem ontológica na sociologia.
No início da sua obra, o seu ponto de partida é a duração, concebida numa
leitura inicial de Bergson. Schütz afirma logo na primeira frase do capítulo que
Bergson só concebe duas formas possíveis de viver: uma na duração e outra no
tempo espacializado. Reparem: duas possibilidades de viver, e não duas
apreensões do tempo. Ora, Bergson sugere que a nossa apreensão do tempo – ao
espacializá-lo, evitando o confronto ontológico da duração – é ilusório. Portanto,
não se trata de dizer que se pode viver nas duas mas que se vive sempre na
duração, no tempo ontológico, e no entanto alguns pensam estar num tempo que
foi tornado abstrato porque passou para a dimensão espacial, foi metaforizado,

46
traduzido para o espaço quando ele na sua forma pura é, apenas, tempo
qualitativo não-espacializado.
Diz Schütz: "Comecemos por considerar a distinção que Bergson
estabelece entre viver dentro da corrente da vivência e viver dentro do mundo do
espaço e do tempo. Bergson opõe a corrente interna da duração, a durée – um
contínuo nascer e morrer de qualidades heterogéneas —, ao tempo homogéneo,
que foi espacializado, quantificado e se tornou descontínuo. Na «pura duração»
não há «co-existencialidade», não existe externalidade mútua de parte, nem
divisibilidade, mas apenas um fluxo contínuo, uma corrente de estados
conscientes. No entanto, a expressão «estados de consciência» é equívoca, pois
faz-nos recordar os fenómenos do mundo espacial com as suas entidades fixas,
tal como imagens, perceções e objetos físicos. O que na verdade vivenciamos na
duração não é um ser discreto e bem definido, mas sim uma transição constante
do agora-assim a um novo agora-assim" (Schütz, 1993: 75)
O ponto de partida é este: teremos de navegar sabendo que a duração nos
rodeia por todo o lado. Então, tudo o mais, a produção de metáforas terá de
abandonar a ambição especular? Sim, parece ser esta a resposta de Schütz. De
facto, "a estrutura das nossas consciências variará em função do facto de nos
entregarmos ao fluxo da duração ou de, em vez disso, nos determos a refletir
sobre ele, tratando de classificá-lo dentro de conceitos espácio-temporais. […]
Ora bem, podemos encarar os atos humanos desde este mesmo ponto de vista
duplo, vendo-os como processos conscientes que duram, ou como atos
congelados, espacializados, já completados" (Ibid.: 75-76). De uma certa forma,
Schütz afasta-se de Bergson e tenta articulá-lo com algo inarticulável: a ambição
epistemológica. O problema está no passo que dá em seguida, embora sempre
hesitante: se é possível viver no tempo espacializado, logo é essa consciência,
essa estrutura da consciência que é preciso aperfeiçoar, tornar o mais unívoca
possível pois o plano ontológico do tempo qualitativo é algo desordenado, uma
ameaça pouco unívoca carregada de caos e entropia. Ora, é este o momento em
que Schütz abandona a viragem para a fenda que tinha iniciado. Por outras
palavras, para Schütz o problema de Bergson não nos interessa como sociólogos

47
pois temos aqui o conceito de consciência de Husserl [um mentalismo que
remete para um sujeito presente e consciente] que é muito mais útil e de acordo
com essa percepção congelada da “duração”40.
Diz Schütz: "este duplo aspeto não aparece apenas nos «objetos
temporais», mas também em todas as vivências em geral" (Ibid.: 76). E quem nos
poderá guiar por entre este mundo de consciências? De acordo com Schütz,
apenas um autor estabeleceu a base mais profunda sobre a qual evitaremos
mergulhar mais na fenda ontológica entreaberta com a leitura de Bergson:
Husserl. Assim, a "sua base mais profunda foi estabelecida e expressa por
Husserl no seu estudo sobre a consciência temporal interna" (Ibid.: 75-76). Por
isso, "Husserl [...] distingue entre rememoração primária, ou retenção, que é a
consciência posterior da impressão original e a rememoração secundária,
evocação ou reprodução" (Ibid.: 77-78).
Vejamos um exemplo mais concreto: "quando, mediante o meu ato de
reflexão, dirijo a minha atenção para a minha vivência, já não estou tomando a
minha posição dentro da corrente da duração pura, já não estou simplesmente
vivendo dentro dessa corrente. Estas vivências são apreendidas, distinguidas,
postas em relevo, destacadas umas das outras; as vivências que se constituíram
como fases dentro do fluxo da duração tornam-se então objeto de atenção como
vivências constituídas. [...] Com efeito, o Ato da atenção – e isto é de uma
fundamental importância para o estudo do significado – pressupõe uma vivência
transcorrida, que já passou, [...] independentemente de a atenção ser reflexiva
ou reprodutiva" (Ibid.: 81). Há portanto um apelo a uma memória, ao que fica
depois de o presente ter acontecido. Esta distinção é em Schütz apresentada
como consciência, numa lógica de um ser individual que numa zona do cérebro
existe como autor, um ser consciente dos seus atos e pensamentos. Neste ponto,
Schütz afasta-se definitivamente da sua dimensão ontológica e da questão da

40
Esta estratégia, já presente em Weber (mas que em Simmel era mais fraca e que em Tarde
estava um pouco ausente), caracteriza muito do discurso sociológico atual. Ver, entre outros, a
estratégia do sociólogo francês Pierre Bourdieu [no entanto, um dos seus últimos livros,
Meditações Pascalianas (Bourdieu, 1997), parece sugerir novas vias no seu pensamento] e de
Giddens ao proporem soluções dualistas. De facto, a influência weberiana – infelizmente, sem
a qualidade da hesitação – fez escola na sociologia (Santos, 1989: 60).

48
memória e da imagem que critica a lógica representacionalista da consciência.
Um ponto que se torna claro quando ele afirma: "Somente desde o ponto de vista
do olhar retrospetivo existem vivências discretas. Só o que foi vivenciado é
significativo, não o que se está vivenciando. Com efeito, o significado é
meramente uma operação de intencionalidade que, não obstante, apenas se
torna visível através do olhar reflexivo" (Ibid.: 82). O significado é algo que a
consciência a posteriori ou a priori produz e que tem um poder espelhar, um
poder de voltara a tornar presente, a representar. Estava novamente aberto o
caminho epistemológico, uma sociologia que tende a seguir um modelo de tipo
“semiótico”, um “imperialismo linguístico” com dizia Deleuze41.
"Os limites da recordação coincidem exatamente com os limites da
«racionabilidade», sempre que usemos esta palavra equívoca – como o faz por
vezes Max Weber – no seu sentido mais amplo, ou seja, no sentido de "ser capaz
de dar um significado" (Ibid.: 83). Ser capaz de dar um significado pois,
repetindo as suas palavras, "os limites da recordação coincidem exatamente com
os limites" do significado. A revivescência de que falava Weber, só faz sentido na
medida em que é um re-presentar, um trazer de novo à consciência da razão,
pois a memória, no recordar, é o mesmo, é idêntica à significação, à
representação. Voltamos a insistir: trata-se de um movimento que evita o
essencial do pensamento bergsoniano, que radicalmente separa as águas entre
Bergson e Schütz, levando este último para os terrenos equívocos da metáfora
especular do mundo, como diria Richard Rorty (1988). Por isso, a sua atenção se
irá concentrar no que tem significado, valorizando de algum modo uma
abordagem mais semiótica e menos “afetiva”: "só tem significado a vivência que
é entendida reflexivamente sob a forma de atividade espontânea" (Schütz, 1993:
86).

Schütz e a sociologia fenomenológica (Berger e Luckmann) e a

41
Uma outra via é a sugerida por Deleuze (1966) quando defende a existência de um método em
Bergson. Ora, esse método poderia sem dúvida constituir um ponto de partida para a
sociologia como mais tarde aconteceu com a “ontologia” da teoria do ator-rede de Bruno
Latour.

49
etnometodologia (Garfinkel)

Esta tensão entre “tempo” congelado no espaço e tempo-duração-fluxo, que


ainda estava aberta na escrita de Schütz, tende, mais tarde, com a sociologia
fenomenológica de Berger e Luckmann e a etnometodologia, a ser um pouco
esquecida em dois aspetos.
O primeiro diz respeito ao facto ainda ser possível uma leitura
representacionalista de Schütz. Parece que Schütz ainda está marcado pelo
paradigma filosófico de uma relação definida entre o contemplador – sujeito – e o
mundo contemplado na linha da fenomenologia husserliana, uma ilusão do
sujeito consciente na sua relação com um objeto. De facto, a sua inspiração na
fenomenologia marcou o seu projeto teórico para a sociologia afastando-o de
uma noção de ser baseada na individuação. José Bragança de Miranda defende
que a fenomenologia parte da "pura visibilidade que se funda num De fora
relativamente à experiência, em que a linguagem funcionaria como simples
tradução de uma dada «fenomenotipia», como se cada fenómeno tivesse pré-
inscrita a linguagem no seu «tipo». Trata-se de uma interpretação instrumental
da linguagem, cuja única alternativa parece ser a negatividade mística"
(Miranda, 1994: 28). É aqui que se situa a fraqueza da sociologia
fenomenológica de Schütz. De facto, o movimento dos continuadores de Schütz,
aquilo que é conhecido por sociologia fenomenológica (Berger e Luckmann) e,
mais tarde, a etnometodologia (Harold Garfinkel e Cicourel) afastam-se, em certa
medida, do eixo ontológico do trabalho de Schütz tendendo a deixar-se enredar
na armadilha fenomenológica do social, esquecendo a face instável do processo
de individuação. Tanto uns como outros olvidaram os aspetos em que a tensão
ontológica com o ser no tempo/duração era mais forte devido a uma mudança na
forma de apreender as tensões entre o pré-individual, o individual/pessoal e o
coletivo transindividual.
Finalmente encontrámos um segundo aspeto que pode ser encarado como
uma lacuna que irá afetar, do nosso ponto de vista, negativamente, o
construtivismo social forte dos anos setenta: aquele em que Schütz se afasta da

50
cosmologia de Tarde. A análise do mundo da vida, em Schütz, parece limitar-se
numa espécie de antropocentrismo que considera apenas um mundo “social”,
esquecendo que não podemos apenas falar de redes sociais, visto que estamos
sempre perante redes constituídas por elementos humanos e não-humanos. Há
em nós, como homo sapiens, uma epifilogénese que o comprova na medida em
que somos também, de certa forma, o não-humano.

Vilfredo Pareto e a “ciência” das coisas não-lógicas

Vilfredo Pareto (1848-1923) é um autor fundamental para a formação da


sociologia e que partilha, sobretudo com Gabriel Tarde e com Georg Simmel, os
problemas do intermédio, das micro-diferenças e das relações complexas entre
objetividade e subjetividade.
Para lá das importantes contribuições que forneceu para a economia,
Pareto foi um dos principais autores a distinguir de forma original o objeto de
estudo da economia e o objeto de estudo da sociologia. Assim, definiu a
economia como o resultado das ações lógicas e a sociologia como uma ciência
social que pretende encontrar respostas lógicas às ações não-lógicas dos
indivíduos (Étienne et al., 1997: 338).
Pareto pensou assim a sociologia porque intuiu nela um fator
fundamental: uma ausência clara de procura pelo carácter utilitário. Ou seja, a
sociologia representaria assim o seu ideal de ciência, uma vez que para este
autor a ciência deveria, antes de tudo, encontrar a verdade independentemente
da sua utilidade. O autor considerava que a utilidade é o objeto das ações,
enquanto o da ciência é a verdade. A ciência deveria por isso estudar de forma
lógica ações não-lógicas, que, segundo ele, são as mais comuns entre os seres
humanos. O homem não é completamente um ser racional, mas antes um ser que
raciocina várias vezes. Vilfredo Pareto via nas ações não-lógicas, tal como as
imitações em Tarde, o fundo das sociedades. A ação nem sempre está em
sintonia com uma racionalização. Portanto, para Pareto, a ciência, tal como a

51
sociologia, não pode propor juízos de valor a respeito das ações individuais ou da
organização social. Poderá sim criticá-los enquanto não-lógicos, ou seja,
pautados numa relação falsa, não objetiva, entre meios e fins (Rosa, 2010: 36-
37).
Ora, esta constatação levou o autor a relacionar, tal como fizeram Tarde e
Simmel, a complexa dinâmica entre objetividade e subjetividade, sobretudo nas
suas variações com os meios e com os fins das ações. Ao estudar os fenómenos
sociais, Pareto considera sempre os dois aspetos fundamentais da ação humana:
o objetivo, como se apresenta na realidade; e o subjetivo, como se apresenta ao
espírito humano. E isto faz nascer uma inquietação: ou seja, as ações humanas
tanto podem ser verdadeiras do ponto de vista objetivo como verdadeiras do
ponto de vista subjetivo. Isto é, determinada ação pode ter meios lógicos e fins
não-lógicos e vice-versa e pode estar de acordo com o espírito objetivo e em
desacordo com o espírito subjetivo, e vice-versa ou mutuamente. Contudo, para o
autor ambos os fundamentos da ação humana remetem sempre para o lado
subjetivo. Tal como sugeriu o autor, “Não devemos nos enganar com os nomes
dados a estes dois tipos (objetivo e subjetivo). Ambos são, na realidade,
subjetivos, pois todo conhecimento humano é subjetivo, e eles se distinguem não
por uma diferença de natureza, mas por uma soma mais ou menos grande de
conhecimentos de facto” (Pareto, 1984: 46).
Tais inquietações levaram Pareto a formular a teoria das derivações,
teoria que preconiza a seguinte ideia: “os indivíduos racionalizam os seus
comportamentos «vestindo aquilo que é da ordem da paixão com um verniz
lógico»” (Étienne et all, 1997: 338). Por outras palavras, os indivíduos tentam
frequentemente atribuir justificações lógicas às ações não-lógicas, deixando-se
levar pelos sentimentos (Rosa, 2010: 36-37).
Estas preocupações de Pareto vinham de dentro, do pré-individual e da
procura da singularidade dele próprio e contida nos indivíduos, em suma nas
individuações e nas pulsões vitais que emergem através das dobras da
subjetividade. Pareto almejava já uma ciência neutra e experimental:
experimental porque se torna necessário relacionar o fenómeno subjetivo, o facto

52
teorizado, com o fenómeno objetivo, o fato experimentado/observado, para não
correr o risco de construções inexatas; e neutra no sentido de uma ciência que se
possa servir a si mesma, rejeitando os dogmatismos e não preocupada em
oferecer receitas ou formas para a felicidade e o bem do homem. Assim, Pareto
considera que “o objetivo nesse caso é exclusivamente científico; quer apenas
conhecer, saber e basta” (Pareto, 1984: 47). Para este autor, a ciência, e em
particular a sociologia, não tem uma utilidade prática direta, apenas a de
conhecer o real. De acordo com Raymond Aron (2002), para Pareto “a ciência
implica uma atividade de espírito que é a recriação”. Acima de tudo, vê-se aqui a
importância da sua formação de origem, a engenharia. A recriação não se fica
por criar. Implica uma maior complexidade, uma acuidade pressuposta no
experimental relacionada com a visão de ciência sempre inacabada, sempre
hipotética, refutável.
Com pretensões de introduzir o tal pensamento lógico e experimental
para estudar as ações não lógicas dos humanos, a parte mais profunda e invisivel
do “iceberg” social, Pareto esquematizou as ações não-lógicas em quatro géneros
para obter um axioma na relação entre objetividade e subjetividade, algo que se
poderia designar de um esforço em tentar ligar o dentro e o fora, o resultado das
individuações com as socializações, uma síntese entre cultura objetiva e cultura
subjetiva. À pergunta “as ações humana têm fim lógico?”, Pareto responde com
um quadro de análise às combinações possíveis entre objetivo e subjetivo, ou
seja, respondendo à sub-questão “o fim objetivo é diferente do fim subjetivo das
ações?”. A esta questão Pareto responde com 4 géneros de combinações
possíveis: 1º Género – “fim objetivo diferente?” (Não), “fim subjetivo diferente?”
(Não); 2º Género - “fim objetivo diferente?” (Não), “fim subjetivo diferente?”
(Sim); 3º Género - “fim objetivo diferente?” (Sim), “fim subjetivo diferente?”
(Não); 4º género - “fim objetivo diferente?” (Sim), “fim subjetivo diferente?”
(Sim).
Ao primeiro género, o género «não-não», poderíamos propor um exemplo
simples. Uma situação de cumprimento diário entre indivíduos, por exemplo.
Suponhamos a situação de um indivíduo desconhecido a cumprimentar com um

53
olá um outro indivíduo. A resposta tende a ser algo como «olá». Não existe
vínculo lógico, é uma questão de cortesia perguntar e responder (Não objetivo;
não subjetivo).
O segundo género, «não-sim», pode ser exemplificado com o exemplo
dado por Raymond Aron (2002). Numa tribo um grupo de índios dança num
ritual para chamar a chuva. Nesse caso, o indivíduo responsável pela ação
concebe isso no seu espírito subjetivo, algo que na realidade objetiva conhecida
pela ciência não corresponde objetivamente (não objetivo; sim subjetivo).
O terceiro género, «sim-não», pode ser exemplificado com a corrupção.
Objetivamente a corrupção traz ganhos para o indivíduo que a comete. Porém,
em muitos casos, essa mesma ação corrupta não está de acordo com o espírito
subjetivo do sujeito que a pratica, criando até, por vezes, efeitos internos de
culpa e de remorso persistentes que no limite podem levar ao suicídio ou a uma
neurose (sim objetivo; não subjetivo).
No quarto género, «sim-sim», temos uma compatibilidade entre ação
objetiva e ação subjetiva, ainda que o resultado final se traduza num paradoxo.
Lembremo-nos, por exemplo, da aplicação prática do “marxismo-leninismo” na
antiga União Soviética. No espírito objetivo reinava a intenção de eliminar a
desigualdade social introduzindo um governo de todos baseado no poder dos
“sovietes”. Subjetivamente eram os valores da liberdade, da igualdade e da
fraternidade que reinavam no espírito revolucionário (sim objetivo; sim
subjetivo). Já agora, por que razão é que quando encontramos o sim objetivo e o
sim subjetivo tende a existir uma resposta social paradoxal? Na realidade, para
Pareto, dificilmente encontraremos um «sim-sim», na medida em que no
subjetivo há sempre algo que escapa e que funciona como assimétrico. Também
neste aspeto Pareto e Simmel concordam com as contradições do humano:
simétrico e assimétrico, associação e dissociação, união e separação, entre
outros, são elementos de uma só realidade.
É a partir desta leitura que consideramos Pareto importante para a nossa
perspetiva. Muito antes do debate entre modelos de investigação baseados na
lógica do hipotético-dedutivo e hipotético-indutivo, Pareto, a par de Tarde, Weber

54
e Simmel, contribuiu para fortalecer esta perspetiva intermédia, valorizando o
lado não cognitivo, o não-lógico, mas capaz de ser explicada através da fusão
entre o pensamento lógico-epistemológico e a intuição. Assim, dimensões como
as do subjetivo, do pré-individual, da individuação e dos arquétipos podem ser
pensados de uma forma mais sustentada.

Síntese

Todos estes autores foram, sobretudo, teóricos de uma sociologia da


individuação na medida em que buscaram sempre uma teorização sociológica do
intermédio. A microssociologia concentrava-se no intermédio das coisas: para
Tarde a sociedade era a imitação, mas, como a imitação é sempre óbvia na
análise, seria a micro-diferença o grande objeto sociológico; por seu turno, para
a sociologia de Simmel importava, mais do que tudo, perceber o intermédio das
contradições. Aliás, contradições que, para este autor, constituíam o todo como
um lugar de opostos em permanente confronto.
De facto, ao apontarem para o intermédio das coisas, estes autores
preocupavam-se já com os processos de individuação. Como processo
intermédio, a individuação era apreendida por estes autores no sentido em que
era desse intermédio que emanava a chave do entendimento das sociedades,
fosse esse intermédio denominado de micro-diferenças (Tarde) ou denominado
de tensões (Simmel), como por exemplo as tensões existentes entre os processos
de objetivação e de subjetivação social. Parece-nos portanto falso o debate atual
que situa o dilema fundamental da sociologia entre dois polos: por um lado,
encontra-se o interacionismo, ou seja, a autonomia do sujeito com um lado mais
subjetivo e irracional; no outro extremo, aparece a estrutura, a sociedade no seu
aspeto mais global com uma visão mais objetivista e exterior.

Resumindo, há necessidade de uma reformulação dos dois problemas


fundamentais da sociologia: a sua natureza como ciência e as características do

55
social.
Primeiro implica uma outra visão da questão da ciência sem ter receio do
seu carácter subjetivo, defendendo que essa subjetividade atravessa “todo o ato
científico”. Julien Freund acrescenta: “há metafísica no cerne de toda a ciência.
[,,,] A separação entre o sensível e o inteligível, entre o compreensível e o
incompreensível, o racional e o irracional, ou, mais geralmente, entre a ciência e
a metafísica, não é assim tão definida quanto se tem pretendido [a partir de
Kant]. Há metafísica no cerne de toda a ciência; por conseguinte, há inexplicável
no cerne da explicação propriamente dita, há desconhecido no conhecido”
(Freund, 1987: 10-11).
Em segundo lugar, o problema do indivíduo e da individuação, a natureza e
os limites do “social”, terão necessariamente de ser repensados, como veremos
nos capítulos seguintes com a ajuda de Jung e Simondon.

56
A individuação em Carl Jung

57
Carl Jung e o momento da rutura com Sigmund Freud

A individuação, não sendo apenas um processo de auto-reflexividade,


adquire necessariamente em Jung a forma de uma terapia não só individual mas
também coletiva. Contudo, o pensamento de Jung sobre o processo de
individuação não é fácil de compreender principalmente para quem tenha uma
visão das ciências sociais como um campo de objetividade e rigor concetual
inspirado no modelo das ciências exatas. Não se trata de um psicanalista fácil de
entender pois alterna num mesmo texto considerações pessoais e poéticas
baseadas na sua experiência com reflexões de tipo científico. Faz então todo o
sentido propor algumas dicas que vos ajudem a compreender o seu potencial
para a teoria da individuação.
Primeira: é necessário que os leitores percebam as diferenças no campo da
psicologia entre as perspetivas ditas “românticas” e as “científicas”. Jung
encaixa-se “aparentemente” na primeira, numa espécie de psicologia centrada
no diálogo entre terapeuta e paciente. Por essa razão, o seu pensamento afasta-
se das correntes freudianas ortodoxas encabeçadas pelo criador da psicanálise,
Sigmund Freud. Dizemos aparentemente “romântico” porque apesar da
simplicidade das suas palavras, passíveis de uma leitura “romântica”, há um
grande rigor e justeza nas suas asserções que paradoxalmente o transforma
atualmente num dos psicólogos mais “objetivos” como veremos neste capítulo.
Os seus textos têm por detrás muita reflexão e experiência terapêutica. Diz C.
Jung: “Levei praticamente quarenta e cinco anos para destilar, no recipiente do
meu trabalho científico, o que vivi e escrevi até essa época.” (Jung, 1963: 199).
Mas curiosamente não é um pensamento que se baseia num movimento
para o exterior. Toda a psicossociologia de Jung se baseia num movimento para

58
dentro coletivo, para o coletivo que está como campo de potenciais vivos no
nosso pré-individual interior, ou inconsciente, na linguagem da psicologia
analítica.
Segunda dica: segundo Jung, a vida não está separada da teoria. Há uma
simbiose muito grande entre a sua vida e prática da terapia e as suas reflexões
de tipo teórico. A individuação nasce em Jung como uma resposta às suas
grandes questões, às suas grandes angústias e até aos seus mais íntimos
problemas de envelhecimento. Foi esta viagem, o seu processo de individuação,
uma das suas mais importantes contribuições teóricas para a humanidade. Tal
como o próprio sublinha, “os anos durante os quais busquei minhas imagens
interiores foram os mais importantes da minha vida – neles, tudo o que era
essencial foi decidido. Tudo começou então. Os outros detalhes são apenas
complementos e elucidações do material que emanou do inconsciente e que, a
princípio, me inundou. Foi a prima matéria do trabalho de uma vida inteira…
Levei praticamente quarenta e cinco anos para destilar, no recipiente do meu
trabalho científico, o que vivi e escrevi até essa época. Quando jovem, minha
meta fora realizar algo na minha ciência. Mas então deparei-me com essa
torrente de lava, e o calor do seu fogo deu nova forma à minha vida” (Jung, 1963:
199).

Jung é, hoje, um dos autores mais expressivos da ciência social


contemporânea. Não houve praticamente campo do saber humano que não fosse
analisado por ele. Dos fenómenos religiosos às dimensões místicas, da sociedade
aos indivíduos, do consciente individual ao inconsciente coletivo. Apesar de ter
sido considerado injustamente antissemita, de ser acusado sem fundamento de
trair Freud caindo no esoterismo e de até ser descrito falsamente como
simpatizante do Nacional-socialismo, o seu pensamento vem colmatar as
insuficiências teóricas de Freud e dos seus seguidores. Os movimentos New Age,
as crescentes críticas à ciência e uma atmosfera social mais favorável à auto-
reflexividade colocam o seu pensamento e os seus métodos de análise no centro
das atenções (Ribeiro, 2007: 14). Tal como sugere o sociólogo Maffesoli, será

59
necessário, para entender a sociedade contemporânea ter em conta o
“ensinamento de C. G. Jung e o 'processo de individuação' que ele analisa”
(Maffesoli, 2001: 192).

Breve biografia de Carl Gustav Jung (1875-1961)

“Carl Gustav Jung nasceu a 26 de Julho de 1875 em Kesswill, no cantão suíço do Thurgau.
Era filho de um pastor da igreja Evangélica, de nome Johannes. P. A. Jung e de Emile Preiswerk.
Aos 20 anos, em 1895, obteve a licenciatura em Medicina pela Universidade de Basileia. Em
1900, torna-se assistente na Clínica Psiquiátrica de Burghozly sob a orientação de E. Breuler.
Em 1902, aos 27 anos, conclui a tese de doutoramento intitulada de Acerca da Psicologia e
Patologia dos Designados Fenómenos Ocultos, e no ano a seguir torna-se assistente convidado
de P. Janet no Hospital La Salpetriére em Paris. Nesse mesmo ano casa com Emma
Rauschenbach. Aos 29 anos é convidado para Professor Extraordinário na Universidade de
Zurique. Aqui começa a defender a Psicanálise e inicia a correspondência com Freud. Em 1907,
encontra-se pela primeira vez com Freud e dois anos mais tarde faz conferências com este e
com Ferenczi a convite de uma universidade americana. Em 1910, assume a presidência da
Internationales Psychoanalytische Vereiningung e dois anos mais tarde publica Wandlung und
Symbole der Libido. Depois de abandonar e de se demitir da Internationales Psychoanalytische
Vereiningung, cumpre o Serviço Militar como Médico militar. Em 1919, faz uma viagem a África,
mas é entre 1924 e 1926 que estuda as comunidades ameríndias Taos – Pueblo no Novo México
e as tribos indígenas da África Oriental junto do Monte Elgon. Em 1928, inicia as suas incursões
à alquimia. Em 1934, escreve sobre as diferenças entre o inconsciente ariano e o inconsciente
judaico. Em 1935, torna-se professor Emérito no Instituto Superior Técnico da Confederação em
Zurique e no ano a seguir obtém o doutoramento Honoris Causa. Em 1940 escreve Psychologie
und Religion e cinco anos mais tarde ganha o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade
de Genebra. Publica Aion (1951), Antwort Auf Hiob (1952) e Mysterium Comiunctionis (1955)
falecendo em 6 de Junho de 1961 em Kusnacht” (Ribeiro, 2007: 36).

Jung foi, inicialmente, um discípulo de Freud e das suas teorias sobre o


inconsciente. Por isso, sempre que se fala do conceito de inconsciente, há uma
tendência geral para pensar no conceito inicial do seu criador. Porém,
fortemente influenciado pelo seu lado mais dialógico, Jung sentiu a necessidade
de reformular algumas ideias e conceitos do seu mentor, o que o levou a
distanciar-se deste. Depois dessa cisão teórica e pessoal, Jung passou a ser um
dos principais mentores das chamadas teorias ditas “românticas” do
inconsciente, longe da psicologia do desenvolvimento do eu - psicologia que
enquadrava o inconsciente dentro das premissas Freudianas. Segundo as

60
perspetivas Jungeanas, há quatro diferenças significativas em relação à teoria do
inconsciente de Freud que se constituem com princípios: 1) não existe separação
clara entre consciente e inconsciente. O que há é uma transição gradual de uma
para a outra dimensão psíquica; 2) existe uma relação de unidade entre corpo-
alma-espírito cujos componentes podem aparecer temporariamente separados e
serem conduzidos por uma lei da evolução; 3) o inconsciente não é uma ameaça
nem um poder inibidor da autonomia. Pode ser antes um fundo de motivação que
permite e conduz ao agir consciente; 4) o inconsciente é um potencial de
expressão enriquecedor e não um conjunto de textos adulterados a serem
descodificados na “análise” terapêutica privada (Ribeiro, 2007: 22-23).
De forma mais simples, o que separa Freud de Jung é que o primeiro
sugere que os impulsos sexuais inconscientes estão na base de praticamente
todos os comportamentos dos indivíduos; já para Jung, não são apenas os
impulsos sexuais, mas também as necessidades coletivas de aprovação, os
diversos tipos de crenças (sobretudo religiosas) e a sede e vontade de poder.
São várias as abordagens de Jung que mostram as diferenças conceptuais
e de abordagem sobre o inconsciente e sobre a importância deste no
funcionamento da vida em sociedade. Num parágrafo célebre, usado até por
autores como McLuhan para explicar a força do inconsciente no quotidiano, Jung
sugeria que “todo Romano era cercado por escravos. O escravo e a sua
psicologia inundaram a Itália antiga, e todo o Romano se tornou interiormente –
e, claro, inconscientemente - um escravo. Vivendo constantemente na atmosfera
dos escravos, ele se contaminou de sua psicologia, através do inconsciente.
Ninguém consegue evitar essa influência.” (cf. McLuhan, 2007 [1964]: 37).
“Ninguém consegue evitar essa influência”. É este princípio que está
subjacente em toda a obra de Jung, sendo também assim que este começa por
pensar toda a atividade humana. Dentro dos quatro princípios do inconsciente,
Jung analisa a expressão da ação humana considerando que a alma e a sua
respetiva função não se distinguem dos objetos das ciências naturais, pois
coexiste no tempo e no espaço, estando sujeita também a processos de
causalidade (Ribeiro, 2007: 23).

61
Todavia, para que Jung pudesse aplicar os quatro princípios analíticos
referidos atrás, houve a necessidade de criar conceitos. As perguntas que se
colocavam às suas perspetivas analíticas eram: como pensar a relação complexa
e tensa entre consciente e inconsciente? Como analisar os indivíduos na sua
unidade corpo-alma-espírito? Como entender o inconsciente como potência vital?
Como pensar a relação entre o passado e as dimensões sociais e os aspetos
idiossincráticos da individuação?
Eram estes dilemas que, resumidamente, apareceram nas suas
análises. Por isso, três grandes conceitos se tornaram fundamentais: o
inconsciente coletivo, o de arquétipo e o de individuação.
Em Transformações e Símbolos da Libido, Jung interpretou o mito do
herói, que erra e morre como todos, como o nosso próprio inconsciente em
agonia à espera das origens do próprio ser. Para Jung, o inconsciente persegue
um objetivo ou possui uma orientação final que frequentemente se opõe ao
consciente. Por outro lado, o autor não considera o inconsciente o desconhecido,
mas sim o psiquicamente desconhecido em relação ao consciente. Este revela-se
no consciente através de formas desconhecidas pelo lado racional. Ora, deste
modo Jung define o inconsciente como uma segunda estrutura da personalidade
ainda não conhecida, e apenas reconhecível pelas suas motivações e aspirações,
pois está sujeito aos estados da emoção, isto é à «numinosidade» (Ibid.: 56). O
autor coloca “o inconsciente como um elemento inicial, do qual brotaria a
condição consciente. As funções mais importantes de qualquer natureza
instintiva são inconscientes, sendo a consciência quase antinatural” (Jung, 2001:
3).
Portanto, se por um lado o inconsciente é um conteúdo em princípio
acessível, e por outro um estado de emoção avassalador, então ele ganha uma
outra dimensão: é uma espécie de força divina pois empiricamente impera sobre
o homem, quase como um Deus – numa lógica de tipo panteísta, como defendia o
filósofo Espinoza (1992).
Esta força do inconsciente, que impera sobre os indivíduos, não é
apenas una. Jung percebera isso e, por essa razão, sentiu a necessidade de

62
encontrar novas respostas. Foi então à filosofia das religiões da Antiguidade
(tardia) encontrar um conceito para poder demonstrar a forma utilizada pelo
inconsciente para se revelar ao indivíduo: o conceito de arquétipo. Numa
definição tardia de 1936, Jung define os arquétipos como formas pré-existentes
de um inconsciente coletivo, apresentando padrões modeladores ao
comportamento instintivo. Logo, os arquétipos seriam um a priori da atividade
humana, uma estrutura pré-consciente e individual da psique que deriva de um
todo universal coletivo. No entanto, considera os arquétipos elementos vazios,
formais, possibilidades da forma de representação fornecida a priori (Ribeiro,
2007: 58).
Consequentemente, não existe uma dicotomia mas antes uma tensão
relacional entre consciente e inconsciente, onde o inconsciente coletivo e os
arquétipos constituem dimensões e formas que imperam sobre a ação humana. A
partir daqui, a pergunta que surgiu a Jung foi: qual é o grande objetivo desta
ligação, mediada pelo inconsciente coletivo e pelos arquétipos, entre indivíduos
e inconsciente?
A resposta é: a psique, que resulta da relação entre
consciente/inconsciente, sofre os efeitos da cognição racional e das expressões
inconscientes; então, o processo que é comum entre consciente e inconsciente,
entre a evolução e o desenvolvimento, só pode ser um: o processo de
individuação. Encarado não como um processo linear que teria subjacente o
principio da adaptação mas antes como algo tortuoso e não-linear de tentativas,
muitas vezes frustradas.

A individuação como processo bio-psico-coletivo

A palavra individuação não foi criada por Jung. Recolheu o termo na


filosofia, sobretudo em Schopenhauer, termo que se reporta a Gerhard Dorn, um
alquimista do século XVI que fez aparecer a palavra individuação pela primeira
vez sob a designação de “principium individuationis”, o princípio da individuação

63
(Samuels; Shorter; Plaut, 1988: 108).

O princípio da individuação na filosofia

Chama-se "princípio da individuação" ao "princípio que explica porque algo é um


indivíduo, um ente singular" (Mora, 1977: 206). Este conceito de individuação tem sido tratado
recorrentemente na história da filosofia (ver em Aristóteles a relação hilemórfica entre
substância, forma e matéria). De uma forma inovadora, foi tratada por Duns Scotus: "o princípio
da individuação não é a pura essência nem tão pouco a matéria, nem um acidente externo
extrínseco à essência, nem um dos elementos constitutivos desta. [...] é uma modalidade da
substância. É uma haecceidade, que poderia traduzir-se por «estidade», «este», haec. Entre ela
e a substância não há distinção real, mas unicamente formal. Mas esta distinção formal não é
uma pura criação do espírito, como suporia o nominalismo, nem tão pouco algo radicado na
natureza" (Ibid.: 208).
A filosofia contemporânea infelizmente praticamente abandonou este tema, ou então deu-
lhe uma solução "externa". Na maior parte dos casos "tendeu-se para algumas das seguintes
soluções: 1. O individual fundamenta-se [...] em si mesmo; a entidade individual existe como tal
irredutivelmente. 2. A noção de indivíduo é uma construção mental à base dos dados dos
sentidos. 3. A ideia de coisa como «coisa individual» é determinada pela localização espácio-
temporal" (Ibid.: 209). No fundo, estas soluções não são muito diferentes das adotadas por uma
grande parte do pensamento sociológico. Em Soares (2001: 369-463), faz-se uma descrição de
algumas tentativas realizadas pela filosofia (Aristóteles, Duns Scotus e Leibniz) em torno do
problema da individuação. De passagem, refere-se nesta obra o efeito da teoria da individuação
de Simondon em alguém com formação clássica em filosofia, como é o caso da autora: "A
perspectiva de Simondon é, sem dúvida, interessante e atraente, sobretudo como superação do
substancialismo e da noção de forma, que imprimem um estilo hierático e aniquilosante ao
pensamento da singularidade; mas, apesar de ilustrada por numerosos e ricos exemplos
recolhidos nas ciências físicas e biológicas, a sua teoria da individuação como processo, deixa-
nos filosoficamente e epistemicamente desapetrechados e empobrecidos para a formulação de
uma filosofia do singular". Logo em seguida, a autora sugere que com Leibniz o problema já é
satisfatoriamente resolvido (Soares, 2001: 437). De facto, este é também o caminho deste livro,
embora por vias diferentes, que pensa a individuação a partir dos corpos, das energias, tal como
em Leibniz e, num seu continuador, o fundador da sociologia, Gabriel Tarde.

64
A individuação é, segundo Jung, essencialmente um processo de
transformação da personalidade. Essa significação está marcada pela simbologia
alquimista muito antiga. Perante o espanto de leitores, relembramos que o
historiador da física moderna, Thomas S. Kuhn (1992), descobriu com espanto
que algumas teorias da física antiga grega estavam mais próximas das
formulações da teoria da relatividade da Einstein e de algum modo da “verdade”
científica do que a sugerida por Newton. Não admira por isso que Carl Jung a
partir do momento que se afasta da preocupação positivista de Freud, procure
também nesses saberes antigos ocidentais e orientais, fontes de inspiração e
ferramentas para a sua atividade terapêutica e para o seu pensamento.
Curiosamente, é a partir de 1916, após o seu afastamento em relação
a Freud, que Jung começa a escrever sobre a individuação. Até ao final da sua
vida, tal como sugere em Memórias, Sonhos e Reflexões, todos os seus escritos
descreviam, de uma ou de outra forma, o processo de individuação. “Mediante o
estudo das evoluções individuais e coletivas, e mediante a compreensão da
simbologia alquimista cheguei ao conceito básico de toda a minha psicologia, o

processo de individuação” (Jung, 1963: 184).

Jung tinha os seus interesses direcionados para a sua prática de


terapeuta, o que o levava a ter uma visão psíquica do processo de individuação
(Staude, 1981: 129). Porém, a forma como analisa a psique permite muito mais
do que apenas interpretações psicológicas individuais. Segundo ele, a
individuação acompanha todo o crescimento humano. Ora, para que isso
aconteça, é necessário que ocorra uma espécie de aprendizagem da “gestão” do
jogo de forças entre o coletivo e o pessoal. É desta forma que o todo fica no
indivíduo e o indivíduo fica no todo. Assim, a individuação é o caminho do
desenvolvimento que tendemos a buscar e a experimentar, baseando-se nas
imagens coletivas da humanidade (arquétipos) e nas forças individuais que
emanam do si-mesmo.
O processo de individuação é determinante para a integração do
indivíduo nas estruturas exteriores e interiores da existência. No plano externo,

65
os arquétipos, dentro de um inconsciente coletivo, surgem, para os indivíduos,
de uma forma desconexa e até despojados de sentidos objetivos - o processo de
individuação aparece como forma de ordenar e dar sentido àquilo que
anteriormente era incomensurável (Ribeiro, 2007: 61). No plano interno, o
inconsciente pessoal atinge o eu através das transferências provocadas pelo
processo de individuação. De uma forma muitas vezes não linear, o processo de
individuação, que permite as integrações interiores e exteriores, permite
também dar forma individual àquilo que é coletivo, aos arquétipos e aos
fragmentos do inconsciente, e forma coletiva àquilo que é ao mesmo tempo
individual. De qualquer forma, os motivos oníricos do inconsciente coletivo
sempre retornam a determinadas formas típicas. Tal como Jung afirma: “a via
para o objetivo é sobretudo caótica e inabrangível; apenas gradualmente
aumentam os sinais inerentes a uma orientação em função do objetivo. A via não
é linear, antes aparentemente circular. Um conhecimento mais exato comprova o
seu movimento em forma de espiral: os motivos oníricos retornam sempre,
segundo intervalos regulares, a determinadas formas, desenhando um centro
segundo o respetivo tipo” (cf. Ribeiro, 2007: 62-63).
Portanto, por outras palavras, a individuação permite introduzir o
objetivo social no individual e o subjetivo individual no social. “Um processo por
meio do qual uma pessoa se torna consciente da sua individualidade” (Houaiss e
Villar, 2001: 2083).
Em O Eu e o Inconsciente, o livro em que Jung mais sistematiza a
individuação, esse processo é definido como uma forma de tornar o indivíduo
num ser único, um ser que abarca uma singularidade mais íntima, última e
incomparável, conduzindo ao si-mesmo (self). O si-mesmo é vulgarmente definido
por arquétipo do Self, isto é a totalidade da personalidade individual (Jung, 1966:
35-36). A individuação é entendida por Jung como a satisfação plena do seu si-
mesmo (self), significando “precisamente a realização melhor e mais completa
das qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o
esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor
rendimento social” (Jung, 1979: 49). Quanto mais se respeitar a singularidade

66
obtida pela expressão do self, mais interligado estará o indivíduo com o coletivo,
com o transindividual.
Desta forma, Jung considera o aparecimento do inconsciente coletivo,
que é animado pelas expressões arquetípicas e que aparecem, através da
individuação, de fora para dentro como o motor fundamental que leva a uma
dialética importante entre a instância expressiva do Ego e a instância expressiva
do Self. É o processo de individuação que na sua complexidade dobra os
sentidos: de dentro para fora e vice-versa num fluxo contínuo. É precisamente
isso que é feito pela individuação: não é somente o despojamento do social que
acontece com a individuação; pelo contrário, é a interpretação individual daquilo
que emana do exterior, um mastigar individual das qualidades coletivas do ser
humano. A individuação será assim entendida pelo autor como uma busca pelas
grandes qualidades coletivas do ser humano (ibid.: 49).
Importa, por isso, não confundir individuação com individualização. Esta
última é, para Jung, o acentuar e o dar ênfase de forma deliberada a
determinadas peculiaridades individuais centrada no ego, no “eu” institucional
da revolução burguesa, o autor (na arte, educação e ciência), o cidadão
individual (política e coletivo Estatal) e agente económico (economia). A
individuação procura justamente o contrário: acentuar e dar ênfase ao coletivo a
partir do singular, o indivíduo (Ibid.: 49). Portanto, Jung remete-nos para a ideia
de que a individuação é um processo através do qual o ser humano evolui de um
estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que
implica ampliação e mutação da consciência. Através do processo de
individuação completo e sadio, o indivíduo identifica-se mais com as orientações
que provêm do si-mesmo (o self - como o eu coletivo em si mesmo) do que com as
condutas, orientações e valores que emanam do meio social envolvente (ego)
(Jung, 1964: 35-36). O processo de Individuação é, acima de tudo, um processo
de transformação.

Segundo Jung, os indivíduos privilegiam sempre formas e graus diferentes

67
entre si de adaptação às coisas. Contudo, este considera que a adaptação por si
só não é suficiente para obter o processo de individuação. Jung percecionava o
Self como o arquétipo da totalidade, ou se quisermos, como o centro regulador
da psique. O Self era entendido como “um ponto virtual a meio caminho entre o
consciente e o inconsciente” (Jung, 1963: 263). O Self está, para Jung, como que
dividido mas funciona como uma gestalt. Uma parte está no eu consciente e
outra no eu inconsciente. No eu consciente, ou na primeira personalidade como
referia habitualmente Jung, o Self revela-se através da persona, da máscara
quotidiana. No eu inconsciente, ele aparece de forma mais profunda. Este Self
oculto, que reside no eu inconsciente, não é apenas a fonte e base da
personalidade, mas tem também o poder de se manifestar através das escolhas e
experiências do eu consciente, e até de o criar. Neste sentido, o Self é uma
espécie de voz interior, que não está apenas num homem. É, antes de mais,
universal, pois está no indivíduo a estabelecer um continuum para o
transpessoal. (Staude, 1981: 112). O Self tem um poder transpessoal, uma força
que transcende o Ego e sobre o qual este não possui todo o controlo. Este
permite uma harmonização e uma integração entre duas vias permanentemente
desarticuladas da psique humana: a via da consciência, que protege a razão e a
coerência; e a via aparentemente caótica do inconsciente (Jung, 1966: 244).
Nesse sentido, a lógica de Jung é, em certa medida oposta à de Freud. Para Jung,
o ponto de partida e de chegada é sempre o Self, o processo de criação e
aperfeiçoamento desse Self como centro harmonizador embora não esquecendo
a existência da máscara, do ego social, vê esse ego do “eu” como um factor
inevitável do que como algo positivo, um objetivo unificador a atingir.
O Self é assim entendido como uma recordação do “sagrado” pré-individual
que não se deixa auto-limitar pelo “religioso”, impulsionando-nos para a
plenitude, para a totalidade, para a integração de nós próprios com a nossa
própria sombra, para as nossas vontades, motivações e projeções e para o
reconhecimento autêntico do que somos e o que é realmente importante para a
nossa história individual. Portanto, a individuação é entendida pelo autor como
um processo arquetípico que permite o surgimento lento de uma personalidade

68
cada vez mais ampla (Staude, 1981: 103-104).
Por outras palavras, o que simboliza o processo de individuação em Jung é
a relação excêntrica entre o lado consciente e o lado inconsciente da psique
humana. Parafraseando as ideias de Pascal Chabot inspiradas por Simondon, o
indivíduo não é uma substância evolutiva linear mas antes o resultado de um
processo excêntrico e tenso de individuação (Chabot, 2003: 75).

A individuação e os arquétipos

Embora o processo de individuação se baseie nas forças nascentes do


inconsciente, o Ego (eu-consciente) desempenha um papel fundamental para a
objetivação das expressões do si-mesmo. O eu-consciente é fundamental no final
do processo de individuação pois orienta conscientemente a interpretação do si-
mesmo e dá-lhe um sentido terreno, mais prático e lógico. É precisamente esta a
essência do eu-consciente. Tem uma dimensão racional e uma ética mais ou
menos perto da moral, simultaneamente. Sendo o si-mesmo toda a gama de
fenómenos da psique, que inclui o consciente e o inconsciente, o eu-consciente
passa a ser o centro da esfera da consciência (Staude, 1981:109-111). O
processo de individuação é ao mesmo tempo uma teoria social da ética e uma
teoria psicológica. A ética é a linha condutora do ego, ao passo que o desejo e a
vontade são o guia do inconsciente. Jung considera que essa ética é fundamental
para a compreensão dos arquétipos inconscientes, pois a “sua incompreensão,
assim como a falta de sentido de responsabilidade ética, privam a existência da
sua totalidade e conferem a muitas vidas individuais um cunho de penosa
fragmentação” (Jung, 1963: 171). Neste sentido, a visão que Jung tem quanto à
pessoa toda como um sistema de auto-realização que interage com outros num
contexto social e cultural é muito parecida com a teoria de auto-realização, de
Maslow. O carácter autor-regulador e auto-determinado do indivíduo na sua
relação com o coletivo assemelha-se muito à dimensão ética e é transversal ao
processo de individuação de Jung (Staude, 1981: 99).
Em Fundamentos de Psicologia Analítica, Jung mostra de que forma é

69
possível, através do eu-consciente, chegar a pequenas partes do infinito universo
do inconsciente. Definindo a consciência como uma superfície ou película que
cobre a vasta área inconsciente, e o inconsciente como um elemento inicial da
consciência, é a capacidade individual de descodificação do caos inconsciente
que permite o desenvolvimento dos indivíduos. Para o autor, o eu-consciente
acelera ou retrai o processo de individuação (Jung, 2001: 5). Do mesmo modo, os
arquétipos só serão entendidos nas expressões, interiores ou exteriores, graças
às capacidades do eu-consciente em descodificar a expressão indireta e mediada
do arcaico humano.
Jung explica que o intercâmbio dinâmico entre os polos da personalidade,
que vai desde os conteúdos do lado consciente até aos conteúdos do lado
inconsciente, permite e torna possível a transição de atitudes mais ou menos
coerentes. Por exemplo, atitudes positivas, derivadas fundamentalmente de
emoções, sobre um assunto, para atitudes negativas sobre o mesmo assunto. Ou
melhor, as transferências de um polo para o outro da personalidade são
transferências mediadas por processos de individuação, resultantes de mesclas
de consciente com mesclas de inconsciente (Staude, 1981: 100).
Jung considera por isso os conteúdos arquétipos fundamentais para a
construção da psique. Os arquétipos são entendidos como imagens primordiais
herdadas e sem conteúdos pré-determinados. São vazios e passíveis de serem
preenchidos pelo material proveniente da experiência consciente do indivíduo.
De uma outra forma, podemos dizer que as imagens arquetípicas são
preenchidas com conteúdos que são o resultado de um processo de individuação,
que dependem da forma como vivemos as diferentes situações, da nossa
personalidade, do contexto histórico, da nossa história de vida e de muitos
outros fatores (Jung, 1963). Mas há dois efeitos que provém da identificação
desordenada com os arquétipos: 1) um hipnotismo gerado pelos conhecimentos,
sobretudo por aqueles que parecem ser capazes de explicar quase todo o
universo centrando-se apenas num ponto de vista parcial; 2) ao absorver o
conhecimento e, consequentemente, ampliando a consciência, o individuo sobe a
um nível não-humano, afastando-se dos outros, afastando-se do coletivo

70
transindividual. Ele chama a esse efeito o «efeito de inflação». A inflação é “uma
expansão da personalidade além de seus próprios limites, pela identificação com
um arquétipo ou, no caso da neurose, com a persona [máscara]” (Jung, 1964:
356).

"Ser astuto como uma serpente: fazer o mal, se a nossa decisão ética assim o exigir".

"Por mais duro que isso possa parecer, em algumas circunstâncias precisamos ter a liberdade de
evitar aquilo que é visto como bem moral e fazer aquilo que é considerado mal, se a nossa
decisão ética assim o exigir. Em outras palavras: não podemos sucumbir a nenhum dos opostos.
Um padrão útil é oferecido pelo neti neti [nem isto, nem aquilo] da filosofia hindu. Nesse
contexto, e em certos casos, o código moral é inevitavelmente abolido e a escolha ética é
deixada ao indivíduo.

[...] Essa é a situação psicológica do mundo nos nossos dias: alguns se denominam cristãos e
imaginam poder, por um simples ato de vontade, calcar o suposto mal sob seus pés; outros
sucumbiram ao mal e não vêem mais o bem. O mal, hoje, tornou-se uma Grande Potência.

As nações cristãs chegaram a um triste impasse; o seu cristianismo está adormecido e não
cuidou de desenvolver o seu mito no decorrer dos séculos. Nosso mito emudeceu e não dá mais
respostas. A culpa não cabe a ele, tal como está contido nas Escrituras, mas apenas a nós
mesmos, que não continuamos a desenvolvê-lo; a nós mesmos que, pelo contrário, reprimimos
quaisquer tentativas nesse sentido.

A versão original do mito oferece amplos pontos de partida e possibilidades de desenvolvimento.


Por exemplo, as palavras colocadas na boca de Jesus: "Sede, portanto, astutos como a serpente
e cândidos como pombas." Para que propósito precisariam os homens da astúcia da serpente? E
qual a ligação entre essa astúcia e a candura da pomba? A questão outrora colocada pelos
gnósticos, "De onde vem o mal?", não recebeu nenhuma resposta do mundo cristão; e a
cautelosa sugestão de Orígenes sobre uma possível redenção do demónio foi acusada de
heresia.

Hoje, somos compelidos a enfrentar essa questão; mas estamos de mãos vazias, espantados e
perplexos, e nem sequer percebemos que nenhum mito virá em nosso auxílio, embora tenhamos
tão urgente necessidade dele. Como resultado da situação política e dos assustadores, para não
dizer diabólicos, triunfos da ciência [e da tecnologia], somos agitados por tremores secretos e
escuros pressentimentos; mas não sabemos o que fazer. [...].

Também no cristianismo essa cisão metafísica foi claramente perpetuada; Satanás, que no
Antigo Testamento ainda pertencia ao séquito íntimo de Jeová [Deus], formava agora o oposto
diametral e eterno ao mundo divino. A partir daí, tornou-se impossível extirpá-lo. Portanto, não é
de surpreender que logo no início do século XI tenha surgido a crença de que o diabo, e não
Deus, havia criado o mundo.

Deu-se, assim, a tónica para a segunda metade da era cristã, depois que o mito da queda dos
anjos já explicara que esses anjos caídos haviam ensinado aos homens um perigoso
conhecimento da ciência e das artes.

71
O que esses antigos narradores teriam a dizer sobre Hiroshima?"

Carl Gustav Jung, “

Fonte: Connie Zweig e Jeremiah Abrams (Orgs.). Ao encontro da sombra. O potencial oculto do
lado escuro da natureza humana, Tradução de Merle Scoss, São Paulo: Editora Cultrix, Sem
data, pp. 192-194.

As imagens no processo de individuação

As imagens constituíram, para Jung, uma importância decisiva para


mostrar a forma como o processo de individuação se dinamiza. As imagens da
imaginação, as imagens do quotidiano e, sobretudo, as imagens dos sonhos são
determinantes no processo de desenvolvimento dos indivíduos. Quando o eu-
consciente desempenha uma participação ativa para perceber as mudanças
oferecidas pelas imagens, a consciência acaba por experimentar, a cada estágio
do processo, mudanças significativas à procura de um objetivo, sempre um
pouco caótico e num processo em espiral tal como referimos anteriormente.
A ampliação da consciência através da atividade de descodificação do
eu-consciente permite, como sugere Jung, «confrontar o inconsciente», levando
ao surgimento de uma nova consciência sobre os conteúdos em causa. Jung
sugere que “a contínua conscientização das fantasias (sem o que,
permaneceriam inconscientes), com a participação ativa nos acontecimentos que
se desenrolam no plano fantástico, tem várias consequências, como se pode
observar num grande número de casos. Em primeiro lugar, há uma ampliação da
consciência, pois inúmeros conteúdos inconscientes são trazidos à consciência.
Em segundo lugar, há uma diminuição gradual da influência dominante do
inconsciente; em terceiro lugar, verifica-se uma transformação da personalidade”

(Jung, 1979: 95).

72
É deste modo que Jung considera fundamental a dinâmica dialética
entre o eu-consciente e a dimensão mais ligada ao Self. É nesta relação de
imersão, onde o indivíduo se deixa mergulhar nas imagens que aparecem nos
processos inconscientes, que acontece a compreensão pelo eu-consciente do si-
mesmo. Assim nasce a ligação entre consciente e inconsciente. A individuação
acontece precisamente nesta ligação. Sonhos, imagens e imaginação (podendo
ser expressas mais ou menos esteticamente como terapia) são fundamentais
para conduzir o eu-consciente ao si-mesmo. Jung chega mesmo a afirmar que “o
sonho é testemunha de uma atividade inconsciente; escapa a qualquer regra
racional, e às dimensões do espaço e do tempo; permite ao indivíduo libertar-se
de suas tendências egocêntricas inconscientes e evitar o acumular de tensões.
Entretanto, os elementos do sonho são tomados de factos conscientes como
inconscientes, que se mesclam, sem ordem nem lógica, em composição
heterogénea. Por isso, é tão importante quanto difícil penetrar no significado
oculto dos seus símbolos” (cf. Samuels; Shorter; Plaut, 1988: 110).
Estas são as razões que levam Jung a considerar a individuação, o tal
processo de transformação, como um processo metaestável, em permanente
quase desequilíbrio, e não como um estado estabilizado do ser. A individuação é
apenas uma idealização nunca completamente efetuada. Desde o nascimento até
à morte dos indivíduos, o processo de individuação está sempre em curso; isto é,
o eu-consciente está sempre em tensão com os arquétipos e manifestações
inconscientes. O resultado não será a perfeição, mas sim uma maior
identificação com o inconsciente pessoal e com o inconsciente coletivo (Samuels,
1989: 127). Jung afirma mesmo, já no final da sua vida, que ninguém será
completamente individuado, pois embora a meta seja a totalidade, o processo é o
caminhar em direção a ela: “Quanto ao problema da perfeição – lutar por ela é
um ideal elevado. Leve a termo aquilo que está dentro de suas capacidades ao
invés de correr atrás daquilo que jamais será alcançado. Ninguém é perfeito (…).
E ninguém poderá sê-lo. Podemos modestamente lutar para nos completarmos,
para sermos seres humanos tão plenos quanto possível. O que já nos trará
trabalho suficiente” (Jung, 2001: 124).

73
Por conseguinte, nunca como agora, onde cada vez mais indivíduos
vivem a sua individuação como uma singularidade vivida no coletivo, faz tanto
sentido usar as ferramentas teóricas de Jung. Se hoje os indivíduos seguem mais
os seus instintos e emoções, isso não significa necessariamente que exista um
autêntica individuação. Ela existe apenas quando se começa a desenvolver uma
coerência interna, quando paradoxalmente se enfrenta de forma muitas vezes
complexa e pouco linear a nossa relação com o pré-individual, quando há um
equilíbrio entre o individual psíquico e o coletivo. Quando se começam a fazer
escolhas em que, pouco a pouco, se privilegia esse fundo pré-individual, se aceita
o desequilíbrio do meta-estável como condição primeira. Quando desenvolvemos
o lado dos sentidos e dos afetos.
“É alguém que tem coragem de dizer sim. Parece, nos nossos dias, que
uma tal coragem, simultaneamente renovada e enriquecida pela experiência, é
uma virtude, muitas vezes imoral, cada vez mais espalhada: dizer sim, ainda
assim, à vida!” (Maffesoli, 2001: 192). Este dizer sim à vida é precisamente dizer
sim à consciência da imperfeição, saber que o processo de aceder
completamente ao ser individuado nunca termina, prolongando-se por toda a
vida.

74
Síntese

O contributo de Jung é determinante no estudo dos processos de


individuação, sobretudo porque foi capaz de pensar a distinção entre consciente
e inconsciente sem cair numa dicotomia reificante e coisificadora. Jung centrou-
se na relação entre o nosso pré-individual, o inconsciente psiquíco-individual e o
ego que sofre o condicionamento transindividual, o que remete para o polo
coletivo. Nesse sentido, o self é uma espécie de gestor desta dualidade interna
que vive entre a máscara do ego social que muitas vezes tem de vestir, e as
solicitações, forças-energia, que lhe vêm do fundo mais ou menos enevoado, o
mais ou menos desconhecido coletivo que existe no pré-individual.
Em primeiro lugar, isto aconteceu porque Jung teve uma perceção
clara desse pré-individual coletivo, da força do eu profundo, sem se deixar
dominar pela desorientação total. Distinguiu de forma dialética o que lhe estava
mais próximo, mais conhecido: o ego (eu-consciente) do Self (si-mesmo). “Para
Jung, o Self é superior ao ego consciente (…). Ele abrange tanto a psique
consciente como a inconsciente. (…) O ego é apenas o centro do meu campo de
consciência e não é idêntico à totalidade da minha psique (…). O self é a meta da
nossa vida porque é a mais completa expressão dessa combinação decisiva a que
chamamos de individualidade” (Staude, 1981: 72). Ao mostrar esta diferença,
permite saber de onde vêm os arquétipos e todos os fenómenos que o lado
consciente não consegue explicar.
Em segundo lugar, Jung compreendeu, em certa medida, que a meta
do desenvolvimento humano, ainda que sempre inacabada, se faz em direção ao
desenvolvimento da inserção harmoniosa e dialética do singular no coletivo,
através do caminho da individuação plena. Apenas pode haver individuação não
neurótica se o polo do coletivo, a consciência mais ou menos plena desse buraco
interno (o inconsciente coletivo pré-individual), estiver ativado. A individuação é
sempre algo em processo cheio de avanços e retrocessos, tendências fortes para
a unilateralidade que podem provocar um grande dano tanto do ponto de vista

75
do indivíduo psíquico, como do coletivo humano onde está implicado. No limite
catastrófico de coletivos tomados pela unilateralidade como muitas vezes sucede
no mundo de hoje, restará aos indivíduos com uma réstia de “self”, com as suas
múltiplas interferências e ressonâncias, encontrar um caminho para o coletivo,
mesmo quando implica um afastamento temporário para o isolamento, que lhe
permita “escolher entre a verdade e o erro” (Jung, 1963: 364).
Fazendo uma pequena síntese, a vida dos indivíduos é entendida como
o resultado do enquadramento resultante das forças nascentes internas com as
forças externas. A dicotomia não deve ser vista de forma literal. O problema não
está no confronto entre um interior animal virado para as pulsões sexuais
reprimido pelo exterior racional das regras do “superego”. Essa é uma visão
simplista e adulterada da psicologia analítica de Jung. O problema está na
ligação, na forma mais ou menos dialética como ligamos o interior com o
exterior. Ou seja, as forças internas do inconsciente coletivo são uma pré-
individualidade que vem do todo atravessado por desejos e crenças. Elas são
uma condicionante mais ou menos incrustada na nossa memória “cristalizada”
nos genes como se fosse uma primeira cristalização. A segunda cristalização, o
inconsciente individual, é operada de forma mais epigenética. Vai ser ela que
consegue passar para formas epigenéticas de um certo grau de cristalização
toda a ação de condicionamento exterior sistemático efetuada, como se fossem
colmeias de abelhas, pelo coletivo a que cada um de nós pertence.

A diferença entre os dois inconscientes situa-se no seu grau de efeitos.


Quais são os arquétipos do inconsciente que mais perduram, os efeitos que
duram, em certos coletivos do ponto de vista histórico? Estas forças-energias da
recordação do pré-individual, de forma arquetípica, o inconsciente coletivo,
vivem numa tensão com o menos poderoso inconsciente pessoal inspirado no
condicionamento das formas e regras exteriores durante a “socialização” com o
uso de técnicas de expressão linguística como a voz com as cordas vocais e a
escrita/desenho/pintura permitida pela libertação da mão da sua função de
locomoção. Isto é, há partes desse inconsciente mais moderno que podem, pela

76
sua unilateralidade, ser mais “selvagens” e agressivas para a singularidade que
os mais inconscientes. Por isso, esses arquétipos medeiam a tendência do ego
para a unilateralidade. Para Jung, essas forças nascentes arquetípicas internas
eram tão poderosas que o levaram a afirmar que “aquilo que ocorre na vida de
Cristo ocorre em todos os momentos e locais. No arquétipo cristão, todas as
vidas de certo modo estão prefiguradas” (cf. Staude, 1981, 168). Por alguma
razão, o Novo Testamento é o livro mais vendido no planeta e até o nosso
calendário anual é regido pela data do nascimento de Jesus.

Ao aperfeiçoar estas ferramentas teóricas, Jung ofereceu não só à


psicologia como também à sociologia uma compreensão melhorada da rede de
complexidade que une o pré-individual (com os seus arquétipos e inconsciente
coletivo) com o individuo singular e o transindividual que remete para o coletivo.

77
A individuação em Gilbert Simondon

78
“A obra de Simondon é simultaneamente
problemática em si mesma e exigente para o leitor, o
que a torna problemática para o nosso tempo, ao
qual esta obra coloca um problema no duplo sentido
da expressão: inquieta porque questiona o fundo
abissal mas também a fragiliza desde o seu interior”
(Barthélémy, 2005: 27)

Sendo uma obra inquietante, ao contrário de outros teóricos


contemporâneos com reflexões incidindo em temas semelhantes, tais como os
fundadores da cibernética – Norbert Wiener e Shannon –, o trabalho de Gilbert
Simondon foi relativamente esquecido durante toda a sua vida com exceção
talvez de uma recensão sobre uma das suas obras, escrita por Gilles Deleuze nos
anos 60. Contudo, esta situação está a mudar. A sua alagmática, uma autêntica
enciclopédia dos processos bio-psico-coletivos e a sua leitura do processo técnico
inspirou e inspira autores tão diversos como o Herbert Marcuse, Jean Baudrillard
(“A sociedade de consumo”), Gilles Deleuze, Félix Guattari, Bruno Latour,
Bernard Stiegler, Sanford Kwinter, Steven Shaviro e Mark Hansen (Schmidgen,
2004)42.
42
Como já foi referido por várias vezes, as ideias de Simondon apresentam afinidades curiosas
com as obras de alguns dos fundadores da Sociologia tais como Gabriel Tarde (Latour, 2001) e
Georg Simmel (Garcia, 2003). Mais recentemente, diversas teorias ligadas à Antropologia, à
Sociologia e às Ciências da Comunicação partilham destas ideias. Ver, entre outros: Latour e
Woolgar (1986), Lash (2002), McLuhan (2007), Bolter e Grusin (2000), Flichy (2003), Taylor e

79
Qual é a razão deste interesse recente pela sua obra?
Podemos descortinar uma primeira razão ligada ao desenvolvimento
posterior da cibernética e das “novas tecnologias de comunicação e informaçã”.
Simondon é, de certa maneira, um convertido à cibernética, ao modo de pensar
cibernético. Escreve, em finais dos anos 50, acerca do livro de um dos
fundadores da cibernética (Norbert Wiener), “Cibernética e sociedade”.
Incorpora no seu pensamento a parte menos “monstruosa” da cibernética, o seu
lado menos maquínico que se recusa deixar dominar pela ideia unilinear de
informação, para o articular com a base ontológica do seu trabalho, a herança
que lhe deixou o filósofo Merleau-Ponty, entre outros. Não foi apenas à
cibernética procurar instrumentos que lhe permitissem compreender o fenómeno
da técnica moderna, da forma de individuação em que a técnica tem um papel
decisivo. Foi também à teoria da gestalt, à teoria dos sistemas, à termodinâmica
e até à física quântica buscar conceitos-ferramentas que lhe permitissem
entender a complexidade do que estava a acontecer. Como foi também tentado
igualmente por psicólogos como Jung, por vários antropólogos como Leroi-
Gourhan (1964) e por sociólogos como Gabriel Tarde, referido num dos capítulos
anteriores. E também por filósofos como Bento de Espinosa, Henri Bergson e o
seu colega e amigo Gilles Deleuze.

Simondon, na linha das investigações recentes na área da “Ecologia dos


media” (Sampson, 2012), aparece como um pioneiro, alguém que antecipou as
profundas transformações não só nas individuações psíquicas e coletivas mas
também na nossa relação com o corpo, na forma como nos estamos a deixar
capturar pelo lado maquínico da técnica, na forma como as novas expressões
estéticas deixam de ser apenas do domínio da expressão de um pré-individual
selvagem puro ou das singularidades transformando-se, na percepção de
Simondon, em questões decisivas para a sobrevivência do sentido solidário, para
a terapia necessariamente política do coletivo43.

Every (2000).
43
É transdisciplinar sem cair numa ainda utópica interdisciplinariedade, ou, no limite, numa
ambição holística pouco rigorosa e produtiva. Em parte, repensa, como referem Prigogine e

80
Biografia de Gilbert Simondon (1924-1989)

Gilbert Simondon (2 de Outubro de 1924, Saint-Étienne, França - 7 de Fevereiro de 1989,


Palaiseau, França). Filósofo francês, um dos mais influentes no estudo das técnicas e
tecnologias. Nascido em Saint-Étienne, Simondon foi aluno do filósofo da ciência Georges
Canguilhem, de Guéroult Marciais e do fenomenólogo Maurice Merleau-Ponty. Estudou na
École Normale Supérieure e na Sorbonne (Paris). Ele defendeu a sua dissertação de
doutoramento em 1958. A sua tese principal, L'Individuation à la lumière des notions de forme
et d'Information (A individuação à luz das noções de forma e de informação), foi publicada em
duas partes, a primeira em 1964 sob o título L'individu et sa génèse physico-biologique (O
indivíduo e a sua génese físico-biológica) na Presses Universitaires de France, enquanto
apenas em 1989 a editora Aubier publicou a segunda parte, L'individuation psychique et
collective (A individuação física e coletiva). No entanto, a sua tese principal, que estabeleceu
as bases de seu pensamento, não foi amplamente lida até que foi comentada por Gilles Deleuze
e, mais recentemente, por Bruno Latour e Bernard Stiegler. A sua tese complementar, Du
mode d'existence des objets techniques (Do modo de existência dos objetos técnicos), foi
publicada pela Aubier imediatamente após ser concluída (em 1958) e teve um impacto
imediato sobre uma vasta audiência. Foi somente em 2005 que Jérôme Millon publicou uma
edição completa da sua tese principal.
Adaptado de WIKIPEDIA (2011).

Stengers (1979), a separação entre ciências da natureza e ciências da cultura na sua génese
histórica. A ciência moderna apenas se separou totalmente do controlo da teologia monoteísta
em meados do século XIX com a descoberta de Darwin. Essa aparente separação apenas se foi
consolidando a partir do século XX com a emergência da tecnociência e sobretudo com as bio-
tecnologias. O processo transdisciplinar utiliza o conhecimento científico das ciências da
natureza para entender melhor as ligações e os processos que emergem em níveis superiores
de complexidade no transindividual e, num outro sentido, usa as descobertas no campo do
macrossocial para entender os processos biológicos ligados ao pré-individual. De algum modo,
o pré-individual permite comprender também muitos dos fenómemos macro a nivel social e
vice-versa.

81
O ponto de partida deste autor é simples. Simondon defende que, já ao
nível físico, estamos perante os mesmos problemas que irão atravessar as
individuações ao nível dos organismos vivos, plantas e animais. Com a era do
antropoceno, este animal, homo sapiens, esses problemas adquirem uma maior
importância e complexidade. Deve-se contudo realçar este ponto: tudo começa
com a perceção do choque ontológico com o nosso pré-individual ligado à
biologia e ao filogenético. Foi este o choque percetivo que sofreu Simondon.
Contudo, isso não significa que tenha caído numa lógica de determinismo
biológico ou filogenético. Evita o determinismo analógico biológico sob a forma
de uma sociobiologia limitada. Estamos persuadidos que já não é possível pensar
os seres antropomórficos sem ter este ponto de partida alagmático e
enciclopédico evitando assim a outra saída, a tentação da simplificação dum
“holismo” místico e esotérico. A individuação humana é vista como uma trama
mais ou menos invisível que atravessa todos os níveis, todos os estratos desta
geo-história como defende Bruno Latour (2015). É aqui que se vê a conveniência
da opção de Simondon em usar a mesma palavra, individuação, tanto para
estudar o físico (o exemplo do cristal), como para estudar o orgânico que,
deixando de ser apenas auto-plástico, tende para o aloplástico. Porque, no
essencial, repetimos, os fenómenos são semelhantes assim como os problemas
que levantam. Mas não idênticos. Trata-se então de fazer destacar essa diferença
sem a absolutizar.
A individuação de um cristal acontece "de uma forma apenas instantânea,
quântica, brusca e definitiva, deixando atrás dela uma dualidade do meio e do
indivíduo, o meio sendo empobrecido do indivíduo que não é, e o indivíduo não
tendo mais a dimensão do meio" (Simondon, 1989a: 16 [itálicos da nossa
responsabilidade]). Tudo começa por uma individuação física que remete para si
mesma, para as suas ressonâncias internas visto que não tem um outro

82
significativo, um meio associado. É o trabalhar da ressonância interna e
autoplástica, a impressão, que não se confunde, como vimos atrás, com a
expressão aloplástica (a transformação do exterior), a expressão que implica
ecos, formas de expressão.
Por outro lado, o processo de individuação quando se processa
biologicamente não pode ser visto apenas a partir desta internalidade: a
individuação é sempre menos e mais do que a unidade nos seus equilíbrios meta-
estáveis. Passa constantemente de um para o outro lado da unidade, do um.
Coloca-se aqui o problema central da ligação. "Este vivente, que é
simultaneamente mais e menos que a unidade, comporta uma problemática
interior e pode entrar como elemento numa problemática mais vasta do que o
seu próprio ser. A participação, para o indivíduo, é o facto de ser elemento numa
individuação mais vasta por intermédio da carga de realidade pré-individual que
o indivíduo contém, ou seja, graças aos potenciais que ele recolhe [no original:
recèle]" (Simondon, 1989a: 18-19). Já não é possível falar de uma individuação
relativamente bem delimitada (como era o caso da transdução do cristal ao nível
físico) em que o coletivo apenas existe no potencial virtual, na informação que
estava codificada, a memória da explosão inicial. Já nas outras individuações, o
próprio indivíduo tem uma maior carga pré-individual que o antecede, potenciais
que habitam nele e, por outro lado, faz parte de algo que o ultrapassa enquanto
ser. No humano, esta precedência potencial tende a adquirir outra expressão
mais ampla e complexa.
Nos seres territorializados de que o humano faz parte, uma outra distinção
começa a ser relevante: a relação interior e exterior, entre uma individuação
centrada no vital (individuação biológica), individual (individuação psíquica) e
uma outra centrada no meio associado (individuação coletiva). As duas, psico e
coletiva, são as faces de uma mesma moeda. Há uma unidade sistemática da
individuação interior (psíquica), e da individuação exterior (coletiva) que se
exprime pelo transindividual. A partir do momento em que esta relação é
pensada como individuação vital, as suas duas faces (interior e exterior)
aparecem interligadas. O aspeto coletivo da individuação só é possível através da

83
realidade pré-individual que ele transporta em si. "As duas individuações,
psíquica e coletiva, são recíprocas, uma em relação à outra; permitem definir
uma categoria do trans-individual que tende a dar conta da unidade sistemática
da individuação interior (psíquica), e da individuação exterior (coletiva). O
mundo psicossocial do trans-individual não é nem o social em bruto, nem é o
inter-individual; esse mundo pressupõe uma verdadeira operação de
individuação a partir duma realidade pré-individual, associado aos indivíduos e
capaz de constituir uma nova problemática com a sua própria meta-estabilidade"
(Ibid.: 19-20). Uma meta-estabilidade que tende, em individuações
antropogenéticas, a ser mais complexa, mais atravessada pela expressão
linguistica, pela auto-reflexividade e pelo poder do virtual, do imaginário. O
carácter problemático que ultrapassa a definição unitária implica encarar o ser
vivo como estando constantemente em devir, numa transformação permanente e,
por isso, também numa constante tensão entre o seu carácter de agente e de
agido em que o devir aparece como uma sequência contínua de uma meta-
estabilidade para outra meta-estabilidade. Simultaneamente, é também um
boneco articulado de uma peça de marionetas que o antecede, mas que ao
mesmo tempo está inscrita na sua realidade pré-individual. Para evitar uma visão
dualista recorre-se à ontogénese que nos permite distinguir em fluxo unitário,
numa visão com profundidade de campo, o que remete para o coletivo e o que
está associado à parte psíquica.
E a ontogénese complementa também a epifilogénese como sugere Stiegler
(1994: 153)44. De acordo com este último autor, todos nós somos, como
individuações, uma espécie de tensão contínua entre possibilidade e
concretização dessa possibilidade. O que interessa aqui é pensar em termos de
fluxo e, consequentemente, de graus de intensidade. No caso da filogenética do
ser, há como uma maior cristalização, uma maior impossibilidade de possíveis.
Um condicionamento que já não é, em grande medida, emergente. A parte “epi”
da palavra acentua essa possibilidade, essa capacidade de os individuais serem
44
“A epifilogénese, acumulação recapitulativa, dinâmica e morfogenética (filogénese) da
experiência individual (epi), designa a aparição de uma nova relação entre o organismo e o seu
meio, que é também um novo estado da matéria” (Stiegler, 1994: 185).

84
capazes de fazer génese a partir do ser, de se individuarem autonomamente.
Dito de outra forma, o que separa um cristal mineral de um organismo
biológico não é uma autêntica diferença de forma como se fossem totalmente
estrangeiras uma à outra mas antes o grau de possibilidade, capacidade de
transformar o possível em algo que perdura, de ser mais uma epigénese
(individuação) não ficando restrita a uma mera filogénese. No caso do cristal, há
transdução, há informação mas é de uma variação quase nula. De alguma forma,
a sabedoria popular tem razão quando diz que “água mole em pedra dura tanto
dá até que fura”. A água consegue transformar algo duro como os cristais tão
firmemente unidos de uma pedra. Assim, a nossa forma de ser, a nossa ontologia
quotidiana, agora pode, se repetida e imitada muitas vezes, ao limitar os
possíveis, conduzir a uma espécie de passagem aos genes, numa atualização
permanente e codificada. A forma da minha mão não surgiu por milagre
transcendental, é imanente a um passado com milhões de anos que continua ali,
de algum modo. Uma espécie de arquétipo que já foi interiorizado no nosso
código genético, um evita a efervescência molecular das células. Querer mudar
essa parte já muito molarizada é obra difícil e quase impossível porque já não se
trata de simples moléculas mais ou menos livres, no estado de caos da
“natureza”. Embora exista, pelo menos teoricamente, uma probabilidade
praticamente desprezível de essa mudança acontecer.

Faz todo o sentido o exemplo dado por um físico quântico que sugeria que,
embora quase nula, existe sempre a probabilidade de um ser humano atravessar
“efetivamente” uma parede. De algum modo, o nosso corpo humano, tal como os
nossas formas de pensar arquetípicas, funciona como uma espécie de
acumulações de camadas ou estratos ontogenéticos que se vão fixando e
induzindo um programa codificado nos genes que se repete de natureza pré-
individual. De algum modo, temos essa capacidade reflexiva de poder
reprogramar embora essa reprogramação seja limitada pelo filogenético do nível
molar. Temos muita informação genética, ao nível filogenético, já codificada que
nos assemelha ao peixe. Temos, nos ossos e nos dentes, áreas de inorgânico,

85
mineral que nos faz partilhar algo com o resto da bioesfera, as pedras ou, fora
dela, as estrelas, por exemplo, ao nível das partículas da física.
Um outro exemplo: a distinção que habitualmente fazemos entre as
sensações físicas que nos chegam através dos sentidos e o mundo que nos
rodeia. No esquema hilemórfico e dicotómico, estamos perante um sujeito já
constituído e substancializado, com formas a priori, que recebe sensações como
matérias do mundo exterior a serem trabalhadas pelas formas. O patrão dá a
forma e o servo, usando esse molde, cria a obra. Alternativamente, podemos
encarar o mundo e o ser vivo mais como polaridades extremas duma graduação
em constante movimento num espaço em constante devir. "É necessário partir da
individuação, do ser apreendido no seu centro segundo a espacialidade e o devir,
e não a partir de um indivíduo substancializado perante um mundo que lhe é
estranho" (Simondon, 1989a: 21). Partir sempre de um espaço e de um devir
contínuo. Ou seja, estamos perante uma ontogénese meta-estável, entre
individuações e des-individuações num espaço/tempo e num devir constante em
que diferentes coletivos se trans-influenciam e contagiam.
Por fim, a própria ideia de “ser” também aparece transformada com o
conceito da ontogénese ou individuação: "o ser já não possui uma unidade de
identidade, que é aquela do estado estável na qual nenhuma transformação é
possível; o ser possui uma unidade de transdução, ou seja, é possível ao ser [...]
transbordar-se em parte ou totalmente do seu centro. [...] A individuação deve
ser apreendida como devir do ser e não como modelo do ser do qual
esgotaríamos a significação. [...] Em vez de apreender a individuação a partir do
ser individual, é preciso apreender o ser individuado a partir da individuação, e a
individuação a partir do ser pré-individual, repartido segundo diversas ordens de
grandeza" (Ibid.: 23). Apreender também a individuação coletiva a partir do
transindividual, e este a partir da individuação psíquica.
Em resumo, o objetivo principal consiste em "estudar as formas, modos e
graus da individuação de maneira a substituir o indivíduo no ser, segundo os três
níveis físicos, vital [ou biológico], psíquico e psicossocial. Em vez de pressupor as
substâncias para dar conta da individuação, consideramos os diferentes regimes

86
de individuação como fundamento de domínios tais como a matéria, a vida, o
espírito, a sociedade. [...] Em vez das noções de substância, de forma, de matéria
propomos as noções mais fundamentais de informação primordial, de
ressonância interna, de meta-estabilidade, de potencial energético, de ordens de
grandeza" (Ibid.: 23) .
Não é, no entanto, possível esta mudança de perspetiva sem que se
transforme, por um lado, o método e, por outro, se explicite o processo, ou seja,
a transdução
Primeiro: em relação ao método, deve-se ter sempre como ponto de partida
a ideia de que todas as relações são modalidades do ser. Por essa razão "a lógica
clássica não pode ser empregue para pensar a individuação, pois ela obriga a
pensar a operação de individuação com conceitos e relações entre conceitos que
apenas se aplicam aos resultados da operação de individuação, considerados de
maneira parcial" (Ibid.: 23). A ideia de um método centrado na operação – no
processo – apresenta vantagens acrescidas. Como também estamos atravessados
pela transdução deixa de fazer sentido considerar a nossa expressão como algo
superior à própria transdução. Deve-se entender esta também como um processo
de individuação, centrado nos fenómenos da perceção e da sensação
abandonando o paradigma kanteano que valoriza a cognição (Lash, 1990: 23).
Em segundo lugar, uma outra noção, ligada ao processo, ganha uma maior
acuidade a partir desta mudança no método: a ideia de transdução. "Entende-se
por transdução uma operação, física, biológica, mental, social pela qual uma
atividade se propaga gradualmente no interior de um domínio, baseando esta
propagação numa estruturação do domínio operado de um lugar para o outro:
cada região de estrutura constituída serve à região seguinte como princípio e de
modelo, como início de constituição, se bem que uma modificação estende-se
também progressivamente ao mesmo tempo que esta operação estruturante. Um
cristal que, a partir dum germe muito pequeno, alarga e se estende em todas as
direções, na sua água sobressaturada, fornece a imagem mais simples da
operação transdutiva: cada camada molecular já constituída serve de base
estruturante à camada em vias de se formar; o resultado é uma estrutura

87
reticular amplificante" (Simondon, 1989a: 25). Também se pode aplicar a noção
de transdução em outros domínios mais complexos, visto que podemos falar de
transdução "quando existe atividade partindo de um centro do ser, estrutural e
funcional, estendendo-se em diversas direções a partir desse centro, como se
múltiplas dimensões do ser aparecessem em torno desse centro" (Ibid.: 25). Por
esse motivo, "a operação transdutiva é uma individuação em progresso; ela pode,
no domínio físico, efetuar-se da maneira mais simples sob a forma de iteração
progressiva; mas ela pode, em domínios mais complexos, como os domínios da
meta-estabilidade vital [...], avançar com um passo constantemente variável e
alargar-se num domínio de heterogeneidade" (Ibid.: 25).
A articulação entre o método e a operação aparece nesta frase paradoxal: a
transdução é a expressão da individuação ao mesmo tempo que nos permite
pensá-la. Também se pode dizer que se aplica à ontogénese sendo a própria
ontogénese. "Objetivamente, a transdução permite compreender as condições
sistemáticas da individuação, a ressonância interna, a problemática física.
Logicamente, ela pode ser usada como fundamento de uma nova espécie de
paradigmatismo analógico, para passar da individuação física à individuação
orgânica, da individuação orgânica à individuação física, e da individuação
psíquica ao trans-individual subjetivo e objetivo, o que permite definir o plano
desta pesquisa" (Ibid.: 26).

O plano de pesquisa de Simondon é sem dúvida mais complexo do que a


individuação em Jung. De algum modo, Simondon vai mais longe do que Jung que
ainda pensa, em certa medida e apesar da sua valorização do coletivo e do pré-
individual coletivo, a individuação como uma individualização, que pensa a
individuação ainda preso aos conceitos de indivíduo psíquico deixando o
transindividual e o coletivo pouco aprofundados.

A partir de um exemplo muito concreto que tem implicações não só ao nível


psíquico mas também coletivo iremos mostrar as potencialidade e o que
diferencia a eco(socio)logia da individuação centrada nos processos, uma

88
alagmática do psicossocial, por contraponto a ciências sociais tradicionais como
a psicologia e a sociologia que são dominadas em parte pela preocupação em
compreender as estruturas psíquicas e coletivas (inspiradas em parte no modelo
das ciências do físico). No fundo, pretendemos mostrar que a separação entre as
duas, a psicologia e a sociologia não faz mais sentido. Não estudamos domínios
separados que distinguem o “objeto” psíquico do objeto social, nem as nossas
preocupações se centram em procurar regularidades, leis de correlação ou
estruturas.

O pré-individual

“1. O pré-individual é, em primeiro lugar, a perceção sensorial, a motricidade, o fundo biológico


da espécie. [...] A sensação escapa à descrição em primeira pessoa: quando percebo, não é um
indivíduo singular que percebe, mas a espécie como tal. À motricidade e à sensibilidade se lhe
acrescenta tão somente o pronome anónimo “se”: vê-se, ouve-se, experimenta-se prazer ou dor.
[...]
2. O pré-individual, no nível mais determinado, é a língua histórico-natural de sua própria
comunidade de pertencimento. Enquanto que o pré-individual inerente à sensação parece
destinado a permanecer para sempre qual é, o pré-individual que corresponde à língua é
suscetível de uma diferenciação interna que desemboca na individualidade. Não se trata, aqui,
de examinar de maneira crítica o modo em que, para Vigotski e para Simondon, realiza-se a
singularização d@ falante; e menos ainda de acrescentar hipótese suplementar alguma. O
importante é unicamente estabelecer a diferença entre o domínio perceptivo (bagagem biológica
sem individuação) e o domínio linguístico (bagagem biológica como base da individuação).
3. Finalmente, ao pré-individual perceptivo e ao pré-individual linguístico é necessário
acrescentar um pré-individual histórico. O pré-individual é a relação de produção dominante.
[…] Marx forjou a célebre e controvertida expressão do General Intellect, intelecto geral: o
General Intellect (quer dizer, o saber abstrato, a ciência, o conhecimento impessoal) é também o
“pilar principal da produção de riqueza”, aí onde por riqueza devemos entender, aqui e agora,
mais-valia absoluta e relativa. O pensamento sem suporte ou General Intellect deixa sua marca
no “processo vital da própria sociedade” (Marx, 1857-1858), ao instaurar hierarquias e relações
de poder. Resumindo: é uma realidade pré-individual historicamente qualificada.”

(Virno, 2009: 33-34)

Vejamos um exemplo concreto para compreender o caráter transversal dos


fenómenos psicossociais: como estudar a questão da ansiedade usando o
pensamento de Simondon sobre a individuação (Krtolica, 2012).

89
A forma "individuada" de ver as emoções constitui-se como uma boa
ferramenta para entender os limites tanto de uma psicologia "individualista" da
emoção e as carências de uma microssociologia das emoções. A ansiedade, como
fonte de problemas biológicos, psíquicos e coletivos, é um tema recorrente da
psicologia das emoções e dos estudos de uma microssociologia. No entanto, as
duas falham de algum modo porque tendem ou a privilegiar o social “pesado” e
“estrutural” ou o individualismo psíquico.
Num primeiro momento, a sensação de angústia que emerge quando se
contacta o pré-individual cria uma espécie de invasão ontológica total, que nos
atravessa até ao âmago do nosso ser podendo inibir toda a ação. Transforma-se,
com o tempo, em ansiedade e stress.
Um segundo momento emerge como decisivo: a nossa ligação ao coletivo.
É um exemplo fecundo para colocar à prova a capacidade compreensiva do
conceito de "transindividual" em Simondon. A ambiguidade do conceito pode
constituir um aspeto positivo na medida em que nos alerta para os meandros
quase inextrincáveis que acompanham o processo e torna a sua compreensão tão
difícil. O transindividual numa situação de angústia possui uma qualidade
contraditória. Por um lado, possui a capacidade de ser um estado em que se
iluminam as tensões entre o psíquico e o coletivo. Por outro, pode originar um
bloqueio, no caso da ansiedade persistente, na medida em que se mostra incapaz
de agir de forma coerente, de passar a uma ação no transindividual coletivo45.
De algum modo, a emoção da angústia, quando se transforma em
permanente, funciona como um sintoma revelador das tensões que atravessam a
nossa relação com o pré-individual e o coletivo.
“A sign that all is not given, emotion implies a seemingly teleological
vocabulary with respect to the relation between the subject and the collective in

45
“The question of anxiety signals, second, the constitutive ambiguity of the concept of the
transindividual in Simondon. Indeed, the transindividual is at once immanent and
transcendent to the individual, the condition of the individuation of the subject and the
accomplishment of a spirituality, both a given and a result. The decisive concept of the second
part of Simondon’s main thesis (L’Individuation psychique et collective) – the transindividual –
is confronted there with certain major difficulties: far from being a contradiction or an
incoherence in Simondon’s thought, we will see that this ambiguity is in fact of central
interest" (Krtolica, 2012: 73).

90
Simondon’s work: ‘incomplete and unachieved insofar as it is not accomplished
in the individuation of the collective’, ‘initiation of a new structure’, ‘it manifests
in the individuated being the continued presence of the pre-individual; it is this
real potential that, at the heart of what is naturally indeterminate, incites, in the
subject, the relation at the heart of the collective that it institutes; there is a
collective to the extent that an emotion is structured; [...] it prefigures the
discovery of the collective’” (Krtolica, 2012: 73-74).
Por outro lado, a ansiedade, com a sensação contínua de stress, é uma das
emoções mais espalhadas numa situação de crise o que lhe dá também uma
faceta “política” ligada à forma como somos “coletivo”. É um momento em que se
podem desvelar as conexões que ligam o pré-individual ao individual. E também,
pela forma como se espalha na individuação coletiva, pode ser visto como um
sinal de incapacidade de transformação política. É um choque ontológico que
nos permite ver a tensão entre o que nos constitui como individuação físico-
biológica e a individuação emergente que se pode situar no psicossocial, no
processo ontológico de criação de algo mais que um mero seguir o que nos diz a
nossa parte mais determinada (os arquétipos do inconsciente coletivo em Jung e
o pré-individual epifilogenético em Simondon).
A ansiedade é acima de tudo uma emoção que se prolonga, ao contrário da
angústia que poder ser fonte de uma nova individuação com o coletivo. A
angústia pode ser algo criador, de algum modo, quando se assume apenas como
sensação, um momento de crise e de criação, uma crise que se torna produtiva
pela nova ligação com o coletivo que ela pode induzir. Como diz Heidegger, é no
perigo, em si, que está a sua salvação. Ou pelo menos, um momento de
maturação, de capacidade de gerir de uma outra forma essa sensação, deixando
de ser emoção, passando a ser um afeto virado para dentro, para a descoberta do
nosso pré-individual. Sem cair na ansiedade emocional que tende para a
unilateralidade em dois polos diminuindo, nas duas saídas, a intensidade da
ansiedade. O refúgio seguro e cínico na “persona” ou máscara do narcisismo
centrado no exterior, na adequação ou, no outro lado da mesma moeda, a sombra
da revolta. Contudo, o mesmo choque ontológico com o pré-individual, a mesma

91
sensação antes de passar a emoção crónica pode ser gerida de uma forma muito
mais criativa, mais “individuada” no sentido coletivo do termo, no seu sentido
mais transindividual (o lado do Self em Jung).
A gestão da angústia em relação ao pré-individual está no centro do
dispositivo ontológico de vários terapeutas e pensadores tais como Jung,
Simondon, Bateson e Maturana.
Segundo Chabot, foi a forma distanciada como Jung e Simondon geriram o
choque da angústia, sem evitar essa dobra interior, que as suas reflexões
evitaram o vazio das abstrações demasiado genéricas. “Pour Jung […],
l’individuation commence par l’isolement et s’acompagne d’un sentiment de
faute. Avec une manière aiguë de ressentir le problème des sociétés techniques,
Simondon, quant à lui, a peut-être connu ses épreuves. Les passages sur
l’angoisse et la solitude dans l’ “Individuation psychique et collective” ont un ton
personnel. Or Jung dit aussi que ce sentiment de faute peut être rataché par
l’apport des valeurs positives à la société.” Ou seja, por uma nova ligação ao
coletivo (Chabot, 2003: 121).
Simondon teve a intuição que as duas reações típicas a este choque
ontológico, o romantismo da “esquerda” ecológica e o “cinismo” do capitalismo,
são na verdade um espécie de fuga a esta dobra interior que nos pode levar a
uma outra forma de sermos coletivamente e individualmente homo sapiens.
“Ce thème a préocuppé Simondon, d’autant qu’il voit les limites des deux
solutions classiques pour faire face à la crise des sociétés techniques: le
romantisme et le capitalisme. Le romantisme préconise le retour à la nature et à
une économie de subsistance. C’est jeter le bebé avec l’eau de bain […]. Le
capitalisme table sur les régulations du marche. Son “cynisme” est en realité une
logique. […] La morale du rendement est en grande partie responsable de cette
crise: elle est asservissante. […] La rationalité de l’Occident a dissocie le sujet de
l’object. Cette approche est nécessaire à la science. Dans le domaine pratique,
elle aboutit à un dualisme. La relation étroite qui existe entre un mécanicien et
sa moto ou un viticulteur et son vin, se rompt. […] Mais c’est aussi une partie de
l’humain qui devient indifférente à lui-même” (Chabot, 2003: 121).

92
O mesmo se passa com outros investigadores na área da individuação
psicocoletiva. Dois exemplos: o célebre antropólogo estado-unidense Gregory
Bateson e o neurofisiologista chileno Humberto Maturana. O primeiro fez essa
passagem transformando a viagem ao pré-individual numa linha de
exterioridade, transformando esse pré-individual numa metáfora do mundo de
fora, do mundo coletivo. Foi na base dessa experiência forte e intensa de “crise”
que criou uma terapia para a esquizofrenia, no célebre Instituto Palo Alto, na
Califórnia, inspirado na tomada de consciência da comunicação tóxica do duplo
vínculo no âmbito familiar. Já o neurofisiologista chileno Maturana
(acompanhado pelo biólogo chileno Varela) foi mais modesto. Fez, de forma
semelhante a Bateson, a viagem ou mais propriamente viagens de individuação
ao mundo interior sem querer usá-las como metáforas do mundo exterior.
Simplesmente disse que elas eram próprias sem arriscar pensar, de forma
aprofundada, a dimensão coletiva e política a partir dessa experiência (Hayles,
1999: 80 e 199).

Este momento de choque e de crise é fundamental. Transforma o que pode


ser um começo de neurose que não nos conecta com o coletivo, numa espécie de
ponto de partida ontológico e com uma dimensão política.

93
94
Síntese

Com o processo de individuação, Simondon não pretendia uma


especialização ou uma mera aproximação entre disciplinas de fronteira como a
psicologia e a sociologia. Não adota a solução mais fácil que passaria por propor
uma psicologia do social ou uma sociologia micro do individual. Simondon
aprofunda algo que outros filósofos e sociólogos (e algumas teorias da
paleoantropologia e da nova biologia de Varela e Maturana) tinham destacado: o
antropocentrismo da existência de uma unidade humana (dita indivíduo,
separada da natureza), que poderia crescer na medida em que se deixasse
condicionar por uma suposta socialização.
Ao defender esta abordagem, Simondon rejeita duas caracterizações que
tendem a dicotomizar a sua obra: a de um filósofo muito generalista que se
deixou influenciar pela física termodinâmica e pela cibernética afastando-se
assim da “essência” das ciências sociais, o estudo do social; ou, num polo oposto,
a de um especialista em filosofia e sociologia da técnica nas sociedades
modernas. Sugerimos, pelo contrário, um outro retrato mais coerente deste
autor: a primeira parte da sua obra, mais generalista, assume um papel muito
importante, na medida em que delimita a sua componente mais teórica sobre a
“individuação” em geral. Com alguns ajustes, poderemos considerar a segunda
parte da sua obra acerca da ontologia política dos objetos técnicos como uma
prova da validade do seu pensamento baseado na individuação (Neves, 2006).
De facto, o desafio de Simondon consiste em encarar a individuação como
um processo em que constantemente se in-divide e divide como um processo

95
termodinâmico. Nesse sentido, inspirado no processo de individuação de um
cristal, pensa também a individuação humana com um processo metaestável e
ontogenético com três instâncias que coexistem na “duração” qualitativa do
tempo. Um pré-individual que pode ser mais ou menos epifilogenético, um
indívíduo psiquíco e um coletivo criado no transindividual. Ou seja, pode passar
tanto por aspetos mais profundos ligados à nossa herança biológica de tipo mais
filogenético, como pode resultar de algo mais aloplástico, mais virado para o
exterior em que haverá lugar, pelas ressonância internas, a processos
epigenéticos46. Tendo sempre o cuidado de não esquecer que este processo
nunca é nem claramente filogenético nem apenas epigenético, como pretende
uma ciência social presa pelo “mito/abstração” de um domínio do social puro por
contraposição com o biológico.

Tanto os desenvolvimentos da física, como os trabalhos desenvolvidos pelos


matemáticos, que levaram à criação da cibernética, e as investigações da
moderna neurociência originaram uma alteração profunda na forma de ver e
pensar o mundo. O essencial do trabalho de Simondon assenta nesta ideia
simples: em vez de nos ficarmos apenas pela reflexão filosófica e sociológica,
vale a pena arriscar e tentar aprender com o que se passa na física, na teoria da
informação (cibernética) e na teoria da forma [gestaltheorie] quando se pretende
entender a individuação, o fenómeno humano nas suas dimensões psico-

46
Durante muito tempo, acreditamos que a questão genética remetia para uma relação de
determinação. Os genes determinam em grande parte o que somos. Contudo, recentemente
descobriu-se, no campo da epigenética, que o meio também pode influenciar, de forma mais
importante do que supúnhamos, os genes, o nosso ADN. Diz Joe Dispenza, um neurocientista,
que os nossos genes são tão passiveis de mudança como o nosso cérebro. “La epigenética
contradice el modelo genético tradicional que afirmava que el ADN controla toda la vida y que
la expresión genética tiene lugar dentro de la célula. Este antíguo conocimiento nos
condenaba a un futuro predecible en el que nuestro destino estava condicionado por la
herencia genética y la vida celular estaba determinada. En realidad, los cambios epigenéticos
en la expresión del ADN se transmiten a las generaciones futuras. […] La sequencia genética
se parece a un plan. Imagínate que dibujas el plan de una casa y luego lo scaneas. [..]
Después lo modificas con el programa Photoshop. […] Solo por el mero hecho de cambiar
nuestros pensamientos, sentimientos, reacciones emocionales y conductas elegiendo por
exemplo un estilo de vida más sano en cuanto a la nutrición y al nivel de estrés, ya les estamos
enviando a las células nuevas señales, y estas expresan entonces nuevas proteínas sin cambiar
el plano genético”. Pero, repetindo las señales de forma continuada en el tiempo, “podemos
indicarles a nuestros genes que reescriban nuestro futuro” (Dispenza, 2012: 107-108).

96
coletivas.
Herdar esse debate implica partir das ideias de transdução, herdada da
biologia, e de individuação. Por isso, a sensação de captura transdutiva atravessa
um leitor atento da sua obra. Pode-se mesmo dizer que "o poder transdutor da
proposição alagmática que Simondon desenvolveu possui um poder assimilador
análogo ao do cristal em formação" (Stengers, 2002: 138)47.

Em síntese, e de acordo com Simondon, partir da ideia de ontologia e de


individuação implica um pensamento diferente daquele que se baseia no conceito
de identidade ou de indivíduo/agente social. Implica, acima de tudo, aceitar que
o problema não está nem no antes nem no depois do indivíduo: está no processo,
na zona obscura da individuação, na relação do ser humano, o indivíduo psíquico,
com o coletivo e com pré-individual humano e não-humano.

Veremos, em seguida, que o pensamento de Simondon poderá ser melhor


compreendido com a ajuda de Jung. Aliás, Simondon refere, por várias vezes, a
influência do pensamento de Jung na sua teoria da individuação. De certa forma,
os pensamentos destes autores complementam-se.

47
O sociólogo inglês Scott Lash subscreve de certa forma a proposta transdisciplinar e
alagmática de Simondon. "O fundamental, na maneira como entendemos a sociedade
informacional [...], é a focagem nas qualidades primárias da própria informação. A informação
deve ser entendida como sendo muito distinta de outras categorias socioculturais anteriores
tais como a narrativa, o discurso, o monumento ou a instituição. As características primárias
da informação são fluxo, disjunção, compressão espacial, relações em tempo real. Não
exclusivamente, mas é principalmente nesse sentido que vivemos numa era da informação.
Algumas pessoas têm denominado tais características como modernismo tardio, outras como
pós-modernismo, mas esses conceitos parecem-me amorfos demais. A informação não é
amorfa. De qualquer forma, não é através de [sociólogos como] Anthony Giddens e Harvey ou
Beck ou até Manuel Castells que conseguirei encontrar essas características. Mas antes
através de filósofos como Virilio, Gilles Deleuze [filósofo próximo de Gilbert Simondon], Donna
Haraway [bióloga e antropóloga pós-feminista], McLuhan, Walter Benjamin e do arquiteto Rem
Koolhaas" (Lash, 2002).

97
Processo de individuação em Jung e Simondon

98
“Jung décrit l’individuation en suivant la flèche du temps; Simondon
décrit ses structures” (Chabot, 2003: 114).

“Pour Jung […], l’individuation commence par l’isolement et


s’acompagne d’un sentiment de faute. Avec une manière aiguë de
ressentir le problème des sociétés techniques, Simondon, quant à lui, a
peut-être connu ses épreuves. Les passages sur l’angoisse et la
solitude dans l’ “Individuation psychique et collective” ont un ton
personnel. Or Jung dit aussi que ce sentiment de faute peut être
rataché par l’apport des valeurs positives à la société. Ce thème a
préocuppé Simondon, d’autant qu’il voit les limites des deux solutions
classiques pour faire face à la crise des sociétés techniques: le
romantisme et le capitalisme. Le romantisme préconise le retour à la
nature et à une économie de subsistance. C’est jeter le bebé avec l’eau
de bain […]. Le capitalisme table sur les régulations du marche. Son
“cynisme” est en realité une logique. […] La morale du rendement est
en grande partie responsable de cette crise: elle est asservissante. […]
La rationalité de l’Occident a dissocie le sujet de l’object. Cette
approche est nécessaire à la science. Dans le domaine pratique, elle
aboutit à un dualisme. La relation étroite qui existe entre un
mécanicien et sa moto ou un viticulteur et son vin, se rompt. […] Mais
c’est aussi une partie de l’humain qui devient indifférente à lui-même”
(Chabot, 2003: 121).

Entre Jung e Simondon

Neste capítulo, iremos imaginar um diálogo entre os dois autores para


acentuar as diferenças e as semelhanças na forma de pensar a individuação 48. Os
seus contributos permitirão pensar a complexidade das ligações entre individual
e coletivo.
Ambos os autores apresentam afinidades na forma como pensam a
individuação como uma zona obscura, que implica uma mediação entre duas
polaridades e que possui um caráter metaestável, nunca é completamente
finalizada.
Um primeiro ponto tem a ver com o foco de atenção sobre o desenrolar do
48
A influência de Jung parece ser evidente em Simondon: “Mais des autres auteurs, que
l’université juge marginaux, l’ont influencés: Jung et Mircea Eliade. […] Dans une note sur un
voyage en Inde, il evoque le Yoga. Des pratiques et dês sagesses anciennes ont modifié sa
maniére de voir les techniques” (Chabot, 2003: 133).

99
processo, nos seus desequilíbrios potenciais e não sobre o conhecimento
heurístico perfeito num tempo medido espacialmente em unidades bem
delimitadas. Os dois mostram a sua afinidade teórica pelo facto de se deterem
sobre a zona obscura e intermédia da individuação. Em relação a essa zona, os
autores constatam tal existência, ainda que os recursos que cada um utiliza para
a sua análise possam ser algo diferentes. Jung sugere que a “individuação […]
tem por meta a cooperação viva de todos os fatores. Mas como os fatores
universais sempre se apresentam em forma individual, uma consideração plena
dos mesmos também produzirá um efeito individual, que não poderá ser
superado por outro e muito menos pelo individualismo” (Jung, 1979: 50). A
individuação sendo um caminho que tende para a cooperação entre os vários
níveis do individual nas suas fronteiras obscuras não poderá ser restrito e isolado
no nível do eu psíquico. De um modo semelhante, Simondon concorda com esta
forma de colocar o problema, pois a zona obscura não se reduz ao papel
mediador do “ego” ou do indivíduo psiquíco. Está ligada de forma poderosa e
complexa com a dimensão coletiva presente no pré-individual numa espécie de
inter-mediação obscura. Tal como afirma Deleuze, “Simondon insiste sobre esta
espécie de dimensão que não é de todo uma síntese, não se trata de dizer que
este intermédio [a zona obscura] é uma síntese. […] É realmente uma terra
desconhecida, escondida por essa coisa do intermediário” (Deleuze, 1966: 2).
Um segundo ponto de afinidade tem a ver com a consideração do processo
de individuação como um processo mediador. Para mostrar essa tal afinidade,
relembramos que Jung sugeria a individuação como “um processo [paradoxal]
mediante o qual o homem se torna consciente do ser único que de facto é” (Jung,
1979: 50). Ele é sempre, na sua bio-ontogenética primordial, um ser único devido
yão somente à sua pré-individualidade de origem biológica. Pretende-se apenas
que a consciência dessa pré-individualidade única o faça sentir mais ligado ao
todo, levando até ao fim a sua singularidade. Por seu turno, e muito próximo
deste ponto de vista, Simondon sugere que o essencial da individuação é essa
coisa do intermédio. O que está no meio vivendo a dualidade e a inicial falta de
comunicação entre essas duas instâncias: o pré-individual e o individual.

100
“individuação é a mediação, que pressupõe em geral dualidade ordinária das
origens de grandeza e ausência inicial de comunicação interativa entre eles,
portanto comunicação entre ordem de grandeza e estabilização" (Simondon,
1989: 16).
Em terceiro lugar, como processo mediador, a individuação era assim
pensada por ambos como metaestável, nunca completamente finalizada.
Simondon enfatiza a ideia de que não há uma única unidade humana estável, não
existe um indivíduo finalizado. Existem, antes de mais, indivíduos em processos
de individuação onde constantemente se in-divide e divide. Neste ponto mais
dialético, quer Simondon como Jung estão em sintonia já que, tal como sugeriu
Samuels, também Jung salienta que a individuação é apenas uma idealização e
não uma meta completamente atingida. Nunca chegaremos ao ser
completamente individuados (Samuels, 1989: 127). Partir da metaestabilidade,
do desequilíbrio e da entropia não significa que se desvalorize a integração e a
harmonia. Significa apenas que se deve partir sempre dos fluxos de energia, a
realidade última como defende a Física quântica, e não a partir de uma ideia de
“matéria” estabilizada e uniforme.
Um outro ponto convergente tem a ver com o carácter dúplice e anfíbio do
ser humano. Jung apresenta sempre o indivíduo como um ser duplo, “na medida
em que o indivíduo humano, como unidade viva, é composto por fatores
puramente universais, é coletivo e de modo algum oposto à coletividade” (Jung,
1979: 50). Esta oscilação não pode ser suprimida, pode apenas ser harmonizada
como se fosse uma música. Simondon, do mesmo modo, apresenta o indivíduo
também como um ser duplo ou “anfíbio”, pois considera-o simultaneamente como
um ser individual e como membro do coletivo. É que Simondon considera a
individualização uma ação empírica, que designa a emergência do sujeito
segundo as suas condições de vida e o seu temperamento. Neste sentido,
Simondon vê o sujeito como algo duplo: formas gerais e idiossincrasias que
remetem para a relação com o pré-individual. Este pensador francês sugere que
a individuação se organiza de acordo com os significados coletivos inserido
sempre em individuações coletivas (famílias, empresas, igrejas, grupos políticos,

101
etc.). Deste modo, ambos consideram que a individuação não se processa na
identificação apenas com um arquétipo mas antes com uma multiplicidade mais
abrangente (Chabot, 2003: 113-114).
De este modo, os indivíduos são vistos por Simondon como o resultado de
mediações entre ordens de grandeza diferentes, sendo que uma ordem é de
realidade superior, que é a pré-individualidade do indivíduo, e uma ordem de
realidade inferior, estruturada conscientemente pelo indivíduo (Simondon, 1989:
8). A ordem da realidade superior que Simondon descreve, que é estruturante,
pode expressar-se pelo Self de Jung (si-mesmo); e a ordem da realidade inferior e
estruturada pelo indivíduo equivale ao eu-consciente de Jung.
As contribuições de Simondon, para além das já referidas afinidades com o
pensamento de Jung, permitem ainda colmatar a menor presença de um sentido
externo e aberto para com outras dimensões, sobretudo para lá das dimensões
puramente psicológicas. Vamos por partes.
Simondon apresenta a individuação com uma visão que constitui uma rutura
com a filosofia tradicional (Chabot, 2003: 107). Se é verdade que os arquétipos,
em Jung, significam as formas imateriais às quais os fenómenos psíquicos
tendem a se moldar, correspondendo aos modelos inatos que servem de matriz
para o desenvolvimento da psique, para Simondon esta não é propriamente a
essência do processo de individuação. As ideias, os mitos, as substâncias, os
absolutos e os arquétipos não são os grandes guias da ação. Os seus conteúdos
são apenas uma espécie de acessórios, de ferramentas para determinadas
situações (Ibid.: 111). Jung multiplica, por seu lado, as adesões e fala de herança
de arquétipos, que são universais à humanidade (Ibid.: 112).
Uma outra diferença entre Simondon e Jung reside na conceptualização do
termo unidade. Simondon dizia que “para pensar a individuação, é preciso
considerar o ser não como substância ou matéria, ou forma, mas como sistema
tenso, sobressaturado, por cima do nível da unidade, não consistente apenas em
si mesmo, e não adequadamente pensável por meio do princípio do terceiro
excluído; o ser concreto ou ser completo, isto é, o ser pré-individual, é um ser
que é mais que a unidade” (Simondon, 1989: 13). Evita a reificação em torno do

102
“eu” esteja ele mais ou menos ligado ao pré-individual. O ego e o self não são
coisas ou estados evolutivos, como defende uma visão metafísica e espiritualista,
mas antes formas de ontologia de um sistema tenso em que o pré-individual não
se reduz a um inconsciente nas profundidades da “alma”. O pré-individual é um
ser (infinito do verbo “ser”) que é mais do que a unidade. Vive num “agora”
pleno de potenciais, entre a possibilidade virtual e a efetivação concreta. Neste
sentido, para Simondon “uma tal individuação não é o encontro de uma forma e
de uma matéria preliminar existentes como termos separados anteriormente
constituídos, mas uma resolução que surge no rasto de um sistema meta estável
rico de potenciais: forma, matéria e energia preexistem no sistema” (Simondon,
1989: 16). Assim, a individuação é vista por Simondon de uma forma menos
passível de ser reificada ou hilemorfizada, pensando com conceitos como matéria
e forma vistas dicotomicamente como pares bem delimitados. Toda a
determinação humana é uma forma de diferenciação, por isso está distante da
ideia de Jung em relação a uma unidade interna universal que deveria ser
atingida, numa lógica “religiosa”. Jung procurava obter pela auto-introspeção
analítica e nos exemplos terapêuticos dos seus pacientes o caminho para o ser
individuado, que seria o resultado de um processo “terapêutico”. Numa das suas
imensas referências ao conceito de individuação, Jung dizia que a individuação
era um “processo através do qual nos tornamos o que realmente somos. A
individuação leva à progressiva integração do self inconsciente na vida do
indivíduo dentro dos seus limites de tempo e espaço” (Jung, 1966: 171).
Por seu turno, Simondon privilegiava a individuação sob o prisma mais
amplo da ontogénese, pois para ele o indivíduo é “um elemento numa
individuação mais vasta por intermédio da carga de realidade pré-individual que
o indivíduo contém, ou seja, graças aos potenciais que ele recolhe" (Simondon,
1989: 18-19). Surge então o que é “mais do que um”, o coletivo, pois já não é
possível falar de uma individuação bem delimitada (como era o caso do não
orgânico, da transdução do cristal) em que o coletivo apenas existe no potencial,
na informação que estava codificada. Já no orgânico, o próprio indivíduo tem
uma carga que o antecede, potenciais virtuais que habitam nele e, por outro

103
lado, faz parte de algo que o ultrapassa enquanto ser. Nesta linha de
pensamento, Simondon aproxima-se da preocupação terapêutica e
transformadora no sentido criativo de Jung (ver o papel da estética na terapia
Jungeana e na teoria da individuação de Simondon). Pretende dizer que essa
relação harmoniosa com a consciência pré-individual, esse equilíbrio começou a
decair a partir do final da fase mágica, numa época anterior ao surgimento dos
monoteísmos e dos coletivos de tipo patriarcal baseados na cidade e no Estado.
Por isso, a tecnicidade instrumental que surge com a industrialização, com a
criação das unidades coletivas baseadas na submissão, no trabalho assalariado,
tem efeitos terríveis que apenas poderão ser ultrapassados por uma nova relação
com a tecnicidade que se aproxima da estética, que retoma a unidade mágica
perdida, a consciência do fundo pré-individual. Desta maneira, há uma terapia da
individuação em que o pensamento estético, como nostalgia, “é o que mantém a
recordação implícita da unidade [perdida]; (…) Este modo [estético] procura
atingir a totalidade do pensamento e recompor uma unidade através duma
relação analógica" (Simondon, 1989a: 179).
É por esta razão que existe uma grande novidade complementar no
pensamento de Simondon ao acentuar esta cosmovisão mágica passível de ainda
assim emergir num ambiente aparentemente dominado pela tecnicidade. Esta
novidade diz respeito, numa lógica de pós-ecologia, à importância atribuída às
interações entre humanos e coisas não humanas (Andrade, 2001). Ele refere que
a relação entre sujeito e objeto é vista como ‘transindividual’, e motivadora de
processos de individuação. Assim, estamos a um nível muito maior do que o
coletivo apenas humano.
Para estabelecer esta ligação, Simondon apresenta o conceito de
transdução, herdado da biologia. A transdução é um processo de mediação.
Permite explicar a passagem da individuação física à individuação orgânica, e
vice-versa, e da individuação psíquica ao transindividual (Neves, 2006: 41). Este
conceito, aliado à individuação, permite que se pense em termos de um estado
em que ainda não se é ou em termos de um estado que pode tender para deixar
de se ser. A transdução permite assim compreender as condições sistemáticas do

104
processo de individuação, bem como as suas ressonâncias internas e as
problemáticas físicas e/ou biológicas sugeridas, por exemplo, pelas descobertas
das neurociências e da física quântica. Nesta perspetiva, a individuação pode ser
pensada na sua capacidade de se autonomizar, no seu antes de estar individuado
e relativamente estabilizado. Para isso, é preciso pensar no ser como um sistema
tenso e sobressaturado, por cima do nível da unidade (Ibid.: 41-42).
Simondon não privilegia tanto um nível epistemológico típico das ciências do
social e do psicológico tal como parece suceder em grande parte da obra de
Jung. Este processo de individuação está subordinado a uma outra ideia de
individuação humana que passa por um recordar a unidade sagrada perdida com
o mundo não humano. Num certo sentido, Simondon não se restringe a uma
mudança interior de tipo individual (como faz a psicologia tradicional), como
Jung tende também um pouco a fazer (uma tendência que se alargou com a
apropriação “psicologista” e individualista de Jung), mas alarga esta terapia para
uma nova consciência ecológica e coletiva, uma espécie de, relembrando Bateson
(1972), “ecologia da mente”, uma visão mais “coletiva” e ao mesmo tempo
“singular” da individuação humana (Maffesoli, 2010).

Síntese

Jung e Simondon têm perspetivas complementares em relação ao processo


de individuação. As grandes diferenças entre ambos residem mais propriamente
no âmbito das suas reflexões do que propriamente no conteúdo dos argumentos.
Se apenas nos baseássemos na individuação em Jung, ficaríamos com uma
visão mais voltada para o interior já que, por ter uma visão interna do processo
mais útil aos seus intentos de psicoterapia, Jung tendia a olvidar, de certa forma,
o mundo colectivo (Staude, 1981: 129). A individuação em Jung foi analisada do
ponto de vista interno, sob a força das influências arquetípicas. Devido à sua
formação de base e aos seus intentos de psicoterapeuta, Jung nunca se

105
preocupou muito com as ligações com o plano exterior. O seu aguçado senso de
cultura e história era fabuloso mas “a sua compreensão e o seu interesse pela
estrutura social, pelas instituições sociais e pela teia de relações sociais eram
[...] pouco desenvolvidos” (Ibid.:129). Jung estava mais preocupado com o
desenvolvimento da personalidade e dos problemas da psicanálise e, por isso, o
seu olhar estava direccionado para a procura de terapias dos seus pacientes.
Por isso, o pensamento de Gilbert Simondon, e, como vimos atrás, o de
autores da área da sociologia como Gabriel Tarde e Simmel, pode ser visto como
um complemento que permite um pensamento mais geral e menos interno dos
fenómenos transpessoais e coletivos em torno do processo de individuação.
Simondon tinha um olhar mais filosófico sobre a individuação, baseado numa
análise genética de base ontológica. Simondon complementa o pensamento de
Jung sobre a individuação, e permite pensar não apenas na individuação interna,
processo apenas para o sujeito, mas também na individuação coletiva entre
indivíduos e outras dimensões, e para além do social, entre o social e os objetos e
a natureza.
Podemos dizer que entre Jung e Simondon encontramos, sobretudo,
diferenças nos ângulos de visão, e não tanto nas assunções teóricas. Ambos se
encontram próximos tendo por base o conceito de individuação abandonando a
visão individual, a noção típica da modernidade que reforça o antropocentrismo.
O que os separa fundamentalmente é precisamente a questão dos fins a que se
propunham e o tempo e o espaço de dois contextos coletivos diferentes que
permitiram, exatamente, individuações diferentes sobre o mesmo tema.
Se, com Jung, a individuação permitia analisar o indivíduo na sua relação
com o mundo dito interior ligado ao pré-individual e ao psíquico, com Simondon
é possível complementar pensando mais o mundo exterior, e até certo, ponto,
como é sugerido por Latour (1994: 142), acentuar a dimensão ecológico-coletiva
da individuação humana.

106
107
Conclusão

108
“A angústia indica que a presença resiste à sua desagregação.”

Ernesto de Martino, Morte e pianto rituale, [1958], Torino,


Boringhieri, 2002, p. 32 [citado por Biancofiore (2010)].

“Há uma pandemia mundial, em curso, de narcisismo.


Narcisismo não é vaidade. Um narcísico pode até ser discreto,
calado e vestido de cinzento. Mas é uma pandemia insuportável.
[...] Os outros não são o preenchimento do nosso vazio, as
relações são relações, de discordância, de debate, de diferença.
O mundo está difícil. É aliás um barco a caminho do precipício,
onde há uns tipos no convés e a maioria no porão. Mas
desengane-se quem acha que vai ficar à tona – olhem para 1939-
1945! Todos nos vamos afundar se não reagirmos
organizadamente. Mas para reagir organizadamente temos que
ser livres, e só há liberdade na diferença, na discordância, temos
que re-aprender a viver com os outros na sua complexidade, na
sua surpresa, e sobretudo com aquilo que é distinto de nós. Não
precisamos de caras metades. Precisamos de gente inteira."

Raquel Varela, “A minha cara metade”, Acedido em :


https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2015/04/05/a-minha-
cara-metade/, em 5 de Abril de 2015.

A eco(socio)logia da individuação é, glosando as palavras de Julien Freund


(1968: 116), um pretexto para a interrogação e a reflexão transdisciplinar49.

49
O conceito de transdisciplinar é essencial para se compreender esta proposta. “Entiendo por
transdisciplinaridad – a diferencia de la interdisciplinaridad y la multidisciplinaridad – aquellos
procesos de formación de campos del saber que se constituyen por el entrecruzamiento de
varias disciplinas (o fragmentos de ellas), creando en los intersticios de los saberes
convencionales “zonas de nadie” que rápidamente reclaman para sí un estatuto
epistemológico propio y original, obligando a reconfigurar campos ya existentes y/o a generar
metacampos cognitivos que engloben perspectivas disciplinarias diversas, e incluso en más de
un sentido inconmensurables entre sí” (Reyes, s/data) Emergem assim duas áreas
transdisciplinares que inspiram este ensaio: Ciência, Tecnologia e Sociedade (nomeadamente
na sua vertente ligada à ecologia dos media e aos ciber-estudos) e a área dos Estudos
Culturais que pensam o carácter cada vez mais liquido e viral das agregações de humanos e
não humanos. Ou seja, que pensam de algum modo os processos de equilíbrio autoreflexivo
das alternativas que escapam tanto à teologia política do Estado Moderno como ao fetichismo
da mercadoria. Concordo com o que afirmam Edgar Morin e Anne Brigitte Kern: “os
problemas são interdependentes no tempo e no espaço, mas as pesquisas disciplinares isolam
os problemas uns dos outros. É verdade que há, especialmente no que concerne ao meio

109
Recusa ser um pensamento sistemático e fechado. A sua grande finalidade é
ser um pretexto para se pensar, de forma aberta, a questão da natureza
das ligações entre o individual e o coletivo que foi muito bem levantada
por alguns dos fundadores da Sociologia mas que, devido à inexistência
de uma perspetiva genética e meta-estável sobre o intermédio e o
transpessoal, os deixou, de algum modo, abandonados à irresolução
dicotómica dos pares de conceitos e á separação disciplinar e académica
entre biologia humana, psicologia e sociologia 50. Por outro lado, com uma
sociologia centrada na ideia de individuação, será possível ter em conta as
implicações ecológicas e coletivas desta mudança de perspetiva.

O individuar, e não o indivíduo, como ponto de partida

Tendo como princípio a mediação e a ligação com o mundo interno e


externo ao mesmo tempo, a base daquilo a que chamamos provisoriamente
eco(socio)logia da individuação reside na análise ao intermédio. Uma meso-
coletivo-logia que pretende dar conta dos fenómenos coletivos e psíquicos,
conscientes e inconscientes. Ignorar o poder do “coletivo” e do inconsciente
coletivo é o mesmo que dar explicações parciais sobre os assuntos. Por isso
mesmo se exprime a necessidade de uma nova forma de pensar que poderá ser a

ambiente e ao desenvolvimento, uma primeira tomada de consciência que leva a promover


pesquisas interdisciplinares, mas, apesar de uma importante destinação de recursos para essa
finalidade, os resultados são escassos porque os diplomas, carreiras e sistemas de avaliação se
fazem no quadro das disciplinas. Há sobretudo uma resistência do establishment dos
mandarins universitários ao pensamento transdisciplinar, tão formidável quanto foi a da
Sorbonne do século XVII ao desenvolvimento das ciências” (Morin e Kern, 1995: 161).
50
José Bragança de Miranda acentua a importância da ligação, do “eros” num sentido amplo, na
compreensão da crise moderna. “O deus Eros que, como diz Parménides, foi o primeiro a ser
criado, servia aos gregos arcaicos para pensar as ligações, e aquilo que aparece através delas.
Uma certa concepção órfica afirma que Eros é também o deus das epifânias, dos
aparecimentos. De nenhum modo está primitivamente associado à sexualidade. De um ponto
de vista mais radical, Eros rege tudo: a ligação dos humanos à natureza; as formas de partilha
do comum, os corpos, as terras e os bens; mas também as relações entre os humanos, a sua
assimetria ou reciprocidade, ou seja, toda a dialética da servidão que atravessa a nossa
história” (Miranda, S/data: 3).

110
eco(socio)logia da individuação, hoje51.
De resto, é um pensamento que acentua a necessidade de uma maior
transdisciplinariedade, pois é o intermédio e os fluxos que nos interessa. Embora
a base seja sociológica, será recorrente a necessidade de encontrar na Filosofia,
na Psicologia, nas Ciências da Comunicação, nas Neurociências, entre muitas
outras (e em saberes marginalizados pela tecnociência), complementos e
ferramentas para análise. Portanto, pretende-se fazer com que as delimitações
teóricas não caiam no erro de exagerar no balizamento teórico da ação humana,
pois os fluxos, tal como sugeriu Deleuze, não se limitam a um pretenso domínio
académico do “social” ou do “psicológico” ou até do “biológico” (Bessi, 2007: 3).
Em pensadores como Michel Maffesoli (1987, 2001, 2006 e 2010), Bruno
Latour (1986, 1994, 2001, 2002, 2005), Adrian Mackenzie (2005), Brian Massumi
(2002), Paolo Virno (2009), Bragança de Miranda (1994 e 2002), Moisés Martins
(2007), José Gil (1996), entre muito outros, o rizoma teórico procura igualmente
o intermédio, a ligação que no passado foi desfeita pelas dicotomias mas que
hoje suscita uma nova (re)interpretação. De certa forma, todos estes autores
pensam, tal como Simondon, que “o indivíduo só pode ser contemporâneo de sua
individuação e, a individuação, contemporânea do princípio: o princípio deve ser
verdadeiramente genético, não simples princípio de reflexão. E o indivíduo não é
somente resultado, mas também meio de individuação. Contudo, precisamente
deste ponto de vista, a individuação já não é coextensiva ao ser; ela deve
representar um momento que não é nem todo o ser nem o primeiro. Ela deve ser
situável, determinável em relação ao ser, num movimento que nos levará a
passar do pré-individual ao indivíduo” e do indivíduo ao trans-individual coletivo
(Deleuze, 1966: 2). Esse é o ponto central: a individuação é uma espécie de

51
De facto, de acordo com José Bragança de Miranda, a teoria sociológica tradicional atravessa
um impasse bastante grande, devido à sua lealdade, em grande parte, aos modelos herdados
principalmente de K. Marx e E. Durkheim, tendo sido incapaz de entender as mudanças
complexas atuais tais com os fenómenos da digitalização da experiência moderna e a
fragmentação das ligações (Miranda, 2002). Nas palavras de Hermínio Martins, ao nível dos
processos diacrónicos, "o aspeto mais impressionante da presente situação na teoria
sociológica é [...] a falta de qualquer óbvio 'grande salto' ao nível da teorização diacrónica
comparada com o funcionalismo clássico sincrónico ou acrónico (muito menos comparado com
o revisionismo funcionalista tardio)" (Martins, 1996: 93).

111
movimento, de ser capaz de gerir a oscilação. A individuação não se pode
dissolver no ser, nem no pré-individual, nem no individual. Nem ser o que nasce,
o primeiro, nem ser o todo que tudo abrange numa dissolução total. Para
conseguir pensar desta forma é necessário ter uma consciência aguda dessas
duas patologias-catástrofes: uma que surge pela irrupção intensa do pré-
individual; outra que se deixa capturar pelo individuo psíquico. Por conseguinte,
a génese/história destas oscilações só pode ser compreendida através de um
conhecimento em extensão onde não pode ser artificialmente separado o que é
biológico humano do psíquico ou do coletivo. Uma catástrofe coletiva, uma
desagregação demasiado repentina dos anteriores modos de lidar com o pré-
individual e com o psíquico pode abrir caminho a processos irreversíveis, tal
como sucede numa catástrofe física.
É este o sentido da “meta-estabilidade entre individual e coletivo” presente
na individuação humana, um equilíbrio em constante ameaça de desequilíbrio
para qualquer dos seus extremos, presente nas abordagens sociológicas recentes
sobre o indivíduo pós-moderno ou a modernidade líquida. A ideia de individuação
é sugestiva porque ao mesmo tempo que permite uma comunicação efetiva entre
grandezas díspares (o micro da neurobiologia comparado com o macro da
sociologia) é capaz, também, devido à sua ontogénese, de nos mudar na forma
como vemos o tempo e a realidade. De pensar um tempo circular em que a
natureza do “real” apenas poderá ser entendida pela sua tensão entre virtual e
atual.

“Dir-se-á tanto que ela [a individuação] estabelece uma comunicação


interativa entre as ordens díspares de grandeza ou de realidade; ou que ela
atualiza a energia potencial ou integra as singularidades; ou que ela resolve o
problema posto pelos díspares, organizando uma dimensão nova na qual eles
formam um conjunto único de grau superior (por exemplo, a profundidade no
caso das imagens retinianas) ” (Ibid.: 4). É precisamente neste ponto intermédio,
na mediação entre pré-individual e transpessoal, que hoje as atenções se estão a
concentrar: na capacidade de ver e mediar as ordens díspares de grandeza [ser

112
capaz de ver a profundidade de campo na imagem da retina, de forma
topológica], entre o biológico pré-individual misturado com a produção de signos
linguísticos e formas comungadas de conhecimento e a dimensão psiquíca do
“eu” anfíbio, dilacerado pela bipolaridade entre inconsciente e exterior
normalizador. Ou entre a dimensão psíquica do individual e as formas de
ressoar/ecoar que produzem o transindividual humano mesmo na sua hibridez
com seres também com uma ontologia, um modo de individuação, o mundo dos
objetos técnicos humanizados (Simondon, 1989a).
Gilles Deleuze descreve este processo em que a individuação pode ser
concebida como uma ressonância interna ligada aos afetos e emoções que é
complementada com a informação, o dar forma interior (perceto que não se
reduz a uma percepção) ao que vem do exterior, pela receção com uma certa
forma que encaixa no sinal exterior, e fazendo o feed-back evitando assim uma
teoria da informação dominada pelas dicotomias da cibernética emergente,
criada por engenheiros e pensada inicialmente para as máquinas da linguagem
digital que evitam a complexidade da significação humana, a dos signos
linguísticos. “A individuação, portanto, é a organização de uma solução, de uma
“resolução” para um sistema objetivamente problemático. Esta resolução deve
ser concebida de duas maneiras complementares. De um lado, como ressonância
interna [nos afetos], sendo esta o “modo mais primitivo da comunicação entre
realidades de ordem diferente” (e acreditamos que Simondon tenha conseguido
fazer da “ressonância interna” um conceito filosófico extremamente rico,
suscetível de toda sorte de aplicações, mesmo e sobretudo em psicologia, no
domínio da afetividade). Por outro lado, como informação, sendo que esta, por
sua vez, estabelece uma comunicação entre dois níveis díspares, um definido por
uma forma já contida no recetor, o outro definido pelo sinal trazido do exterior
(reencontramos aqui as preocupações de Simondon concernentes à cibernética e
toda uma teoria da “significação” em suas relações com o indivíduo psíquico)”
(Deleuze, 1966: 5).
Portanto, a hipótese de uma eco(socio)logia da individuação pode ser
compreendida desta forma: uma tentativa de organização de uma solução para

113
os fenómenos complexos. Por um lado, tenta destapar as ressonâncias internas (o
tal lado primitivo da comunicação entre realidades de ordens diferentes) e por
outro permite a comunicação entre as oposições que se concentram nos fluxos
que ocorrem entre o interior e o exterior dos indivíduos. Deste modo, a
eco(socio)logia da individuação permitirá ligar as diferentes ordens dos fluxos,
aquilo que na realidade constitui os indivíduos e os coletivos.

Importa por isso aqui somar também as contribuições de José Gil acerca da
perceção do mundo. As ressonâncias internas e a informação tratada
conscientemente mesclam não só aquilo que a descodificação mental é capaz de
proporcionar como também as pequenas perceções – experiências que nos
invadem, que se instalam e atingem o nosso inconsciente e que de uma forma
inexplicável acabam por influenciar a nossa perceção geral (Gil, 1996: 12). São
os fenómenos do limiar próximos do pré-individual, tais como o sonho, as
cerimónias de caráter sagrado, etc., que o conceito de individuação é, de algum
modo, capaz de pensar.

Um individuar entre ecos e ressonâncias: a contribuição de José Gil

Para além das contribuições de Jung e Simondon, a eco(socio)logia da


individuação tenta compreender o circuito de influências provocadas por fatores
como os arquétipos, o inconsciente colectivo, os valores, os mitos, etc. É
necessário saber: quais são os mecanismos que formam os ecos coletivos? Como
é que acontece a captura das ressonâncias (internas e coletivas)?
Só através de uma análise metafenomenológica é possível seguir o rasto à
constituição das acções e significações. E, por isso, convém seguir a sugestão de
José Gil: “não devemos ver no pré-verbal uma camada de sentido dando-se numa
«compreensão antipredicativa» de um sujeito constituinte ou de um «corpo
sujeito» operador de sínteses originárias – camada sobre a qual se ergueria a
linguagem e as suas «idealidades»” (Gil, 1996: 96). Este autor considera que o

114
sentido nasce nos indivíduos graças à relação semiótica entre pré-verbal e
linguagem e não na massa amorfa de sentido do pré-verbal. É que “a própria
linguagem descobre essa massa não formada retrospectivamente” (Ibid.: 96),
pois é a capacidade de nomeação da linguagem que permite a formação de
sentidos e de significações. É portanto o efeito semiotizante da linguagem que
facilita uma maior diferenciação entre diferentes funções (como entre as funções
biológicas e as funções semióticas – acções e significações) (Ibid.: 96-97).
Deste modo, o autor assinala que podemos ver no pré-verbal uma espécie
de pós-preverbal (Ibid.: 97), no sentido em que o pré-verbal descodificado pela
linguagem dos indivíduos estará presente, de certa forma, nos pensamentos,
ideias e sentimentos verbais. É uma ressonância interna, referida por Simondon,
que provocará através de acções e significações semióticas. É também um eco
social que se instala na sociedade e que se dirige a todos os becos para se
refractar. Para Gil, o pré-verbal irá se constituir num após linguagem ou num ‘in-
linguagem’, pois esta última “segrega e expulsa, para se estabelecer como
autónoma, toda uma ganga não-verbal (gestual, prosádica, sensorial) que deixa
flutuar à sua volta e de que continua a alimentar-se” (Ibid.: 97). Temos, portanto,
a linguagem a sentir o efeito do não-verbal, a ressonância que ecoa e que é parte
constituinte das acções e significações. Por isso, o estudo da individuação,
nomeadamente nos aspetos transpessoais e coletivos, deveria ter em conta as
pequenas perceções que Gil enumera, essas tais ressonâncias internas, esses
afetos que passam através dos sentidos sem inteligibilidade racional mas que
comandam, e muito, as ações e as significações52.
52
Uma eco(socio)logia da individuação deverá encarar a noção de “representação” com alguma
suspeita. Como sabemos, o conceito de representação é muito popular nomeadamente na
sociologia, na psicologia social e nas ciências da comunicação. A genealogia do conceito de
“representação” mostra que está ligada ao debate entre ciência e estética e às noções de
“perceção” e “sensação”, tal como sugerem, por exemplo, José Gil e Simondon. A imagem, a
perceção das imagens do mundo também nos atravessa como espectadores (mesmo com o
estatuto de observadores científicos porque todos temos corpos e olhos concretos). Ou seja, ao
contrário do que pretendia o Kant clássico, a perceção torna-se cada vez mais central. Com o
pós-modernismo, a separação entre cognição/representação (típica do conhecimento
científico) e perceção (que caracterizaria, segundo Kant, a intuição, a sensação característica
da arte e ligada a um conhecimento não científico e intuitivo) é colocada em causa de tal
forma que é a própria “representação” que se torna objeto da perceção. Desta forma, torna-se
natural a aproximação da eco(socio)logia da individuação ao campo da estética, ao campo das
perceções. Esta ideia já estava presente no começo da sociologia atravessando o pensamento

115
A individuação e o mundo dos não-humanos

A eco(socio)logia não só nos permite um melhor conhecimento, mais


modesto e prudente, do mundo atual mergulhado cada vez mais na tecnicidade,
mas também indicia uma outra forma de abordar e pensar as questões políticas
do coletivo (todos os coletivos incluindo os que incluem não-humanos) e as da
cidadania no sentido mais ecológico. De facto, a individuação, ao não se
restringir ao domínio “irreal” de um “objeto” chamado “social”, não só nos leva
para a colaboração transdisciplinar com a psicologia e a biologia, mas obriga-nos
justamente a rever algumas lógicas modernistas de ação política como Bruno
Latour já tinha referido (1994).
Há necessidade de, perante a complexidade das individuações humanas
atuais, em que a tecnicidade e as relações com os individuados não-humanos
começam a ser terrivelmente problemáticas, se crie uma outra noção de “coisa
pública”, de res-pública em que esta complexidade se reflita. Tal como muitos
movimentos ecologistas têm, de forma muitas vezes intuitiva, reivindicado, a
cidadania não se pode restringir, numa lógica modernista, aos humanos numa
lógica de participação esvaziada pela dicotomia Estado/Eleitor atomizado. “A

de Simmel, nomeadamente na sua tentativa de romper com a lógica da representação em


Kant. Scott Lash caracteriza assim este processo: "Na Crítica da Razão Pura, Kant efetua uma
distinção fundamental dentro da subjetividade entre uma «estética transcendental» que
contém as categorias do tempo e do espaço. [...] Um ponto deve ser sublinhado, usando os
termos do dualismo kantiano da cognição e da perceção. Em princípio, a perceção – embora
opere através das categorias de tempo e espaço – é imediata. A cognição, por outro lado, é
mediada pela representação, pelos conceitos ou proposições. A perceção é concreta, a
cognição é abstrata. A perceção é, em muitos casos, vista como operando através da sensação,
ou, como diz Kant, algo que diz respeito à «intuição» " (Lash, 1990: 23-24 [itálicos da nossa
responsabilidade]). Esta divisão é colocada em causa quando se repensa o estatuto da
representação. "Representar, tanto na ciência como na arte, é operar no campo do sujeito. É
evidente que a quantidade de mediação na arte é muito menos substancial, para Hegel ou para
Kant, do que na ciência. Contudo, tanto a ciência como a arte operam através de
representações que não existem no campo do objeto, mas antes na subjetividade. Portanto, no
modernismo, embora tanto a perceção como a representação se tornem problemáticas, elas
persistem no dualismo kantiano do sujeito e do objeto. [...] No pós-modernismo, é o próprio
estatuto das duas realidades separadas que é tornado problemático. A chave aqui é o facto de
as próprias representações passarem a ser objetos de perceção" (Ibid.: 24-25).

116
categoria de povo […] refere-se a uma miríade de indivíduos não
individualizados, quer dizer, compreendidos como substâncias simples ou átomos
solipsistas. Justo porque constituem um ponto de partida imediato, antes que o
resultado último de um processo cheio de imprevistos, tais indivíduos têm a
necessidade da unidade/universalidade que a estrutura do Estado proporciona.
Ao contrário, se falamos da multidão [multitude], colocamos o acento
precisamente na individuação, ou na derivação de cada um(a) d@s “múltipl@s” a
partir de algo de unitário/universal.” (Virno, 2008: 32).
Há necessidade de, tal como faziam e ainda fazem alguns coletivos ditos
pré-modernos, recompor a continuidade do coletivo não apenas entre humanos
mas também entre estes e os outros coletivos planetários. Temos de assumir a
nossa condição de falsos modernos sugerindo que, na verdade, somos todos
“não-modernos”. Repensar, por exemplo, a separação, herdada do século XVII,
entre ciência e política, entre cultura e natureza. Bruno Latour sugere uma
mudança que, de certa maneira, concretiza a inquietação de Jung e Simondon,
falando de um novo parlamento e espaço político aberto aos não humanos.
“Pouco nos importa que um dos mandatários fale do buraco de ozónio, que
um outro represente as indústrias químicas, um quarto os eleitores, um quinto a
meteorologia das regiões polares, que um outro fale em nome do Estado, pouco
nos importa, contanto que eles se pronunciem todos sobre a mesma coisa, sobre
este quase-objeto que criaram juntos, este objeto-discurso-natureza-sociedade
cujas novas propriedades espantam a todos e cuja rede se estende de minha
geladeira à Antártida passando pela química, pelo direito, pelo Estado, pela
economia e pelos satélites. Os imbróglios e as redes que não possuíam um lugar
possuem agora todo o espaço. São eles que é preciso representar, é em torno
deles que se reúne, de agora em diante, o Parlamento das Coisas”, a [Res]pública
(Latour, 1994: 142)53.

Somos todos, humanos e não humanos, uma mistura de

53
Ver também Márcia Moraes (2004).

117
natureza/sociedade. Todos somos atravessados por ecos que ressonam em nós e
que, criando novos ecos, vão provocar novas formas de expressão. Somos, como
dizia atrás Latour, sempre quasi-objectos em processo de constituição, “este
quase-objeto que criamos juntos, este objeto-discurso-natureza-sociedade cujas
novas propriedades espantam a todos e cuja rede se estende do meu frigorífico à
Antártida passando pela química, pelo direito, pelo Estado, pela economia e
pelos satélites” (Ibid.: 142).

Bruno Latour: uma eco(socio)logia do abismo.

Conheci pessoalmente Bruno Latour em 2001, numa Escola de Verão


organizada pela Universidade do País Basco. O que me surpreendeu logo nele foi a
sua forma de andar. Alto, um pouco curvado, parecia que mirava as pessoas de um
outro patamar. E a sua forma de andar, passos largos, assemelhava-se à de um
camponês. Tinha, ao mesmo tempo, uma forma de estar dentro da sua roupa que
parecia dizer: “Eu não pertenço a este mundo académico. Sou antes de tudo um
camponês.”
Durante a sua palestra, aconteceu algo que me fez sentir que não estava
perante um académico vulgar. Num certo momento, Latour deu um murro com
imensa energia na mesa. Confesso que, até àquele momento, estava um pouco
distraído sendo apanhado de surpresa. O que o levou a essa atitude aparentemente
“violenta”? Latour estava argumentando em torno da sua nova noção de república, a
“Coisa-pública”, sugerindo um parlamento em que os não-humanos estariam
representados. Usava um argumento de um ecologista profundo: não fazia sentido
que, sendo a república o governo da coisa pública, os não humanos não tivessem
direito a exprimir-se sendo eles uma parte essencial da “COISA” pública (Res-
pública)? Depois, alguém na assembleia o contestou, se bem me recordo, com
argumentos antropocêntricos do tipo: “A sua visão é irrealista, filosofia sem
interesse, porque toda a gente sabe que não é lógico introduzir os animais, por
exemplo, como membros do Parlamento. E muito menos as plantas ou outros não-
humanos. Os seres humanos são os que a isso têm direito, porque são racionais.”
Bruno Latour, na sua resposta, usando o gesto físico do “murro na mesa”, não
apelou inicialmente ao nosso pensamento racional, ao nosso “tribunal da razão” de
origem Kanteana, mas antes a algo de tipo ontológico, “brutal”. Com o seu murro na
mesa, apelava de algum modo ao plano da consistência referido por Gilles Deleuze e
Félix Guattari (1992), ao nosso próprio eu profundo (Self) referido por Carl Gustav
Jung, a pré-individualidade de Gilbert Simondon, a nossa perceção pessoal, sem
recorrer a mediações externas que o legitimariam perante nós. Bruno Latour seguia
o conselho de Michel Foucault (1997) na sua obra Ordem do Discurso: sair das
armadilhas do discurso do poder, do discurso que é mais poder do que saber.

118
Procurar a realidade mesma das coisas a partir da perceção, por uma intuição
ontológica no seu sentido bergsoniano e heideggereano, um desnudamento
essencial. Uma ciência alegre, uma ciência da vida que, como justamente dizia
Nietzsche, deve ser alegre.
“Quizás la risa le queda un porvenir. Tal vez cuando la máxima: la especie lo es
todo, el individuo nada, se haya incorporado a la humanidad y todos podamos
acogernos a esa emancipación final, a esa postrera emancipación, quizás entonces la
risa se unirá con la sabedoría y sólo habrá Gaya Ciencia. Entre tanto, las cosas son
muy distintas. Todavía la Comedia de la existencia no tiene consciencia de sí misma.
Estamos aún en la época de la tragedia, de las morales y de las religiones.”
(Nietzsche, 2003: 42)
Uma vontade autêntica de saber sem ser “envenenada” pelo “método científico”
da tecnociência moderna criado há cerca de 300 anos atrás. Uma ciência que deve
ser capaz de viver na “vertigem”, um termo usado também por Albertino Gonçalves
(2009) numa obra recente, na consciência do abismo, uma ciência abismal. Na voz
de Hafez (1996: 244), contra o “‘alarido e tagarelice de agitadores’ que defendem
uma ideia de ciência pura e objetiva se ergue Nietzsche, afirmando que ‘esses
corneteiros da efetividade’ são maus músicos. Em suas vozes não se pode ouvir,
finalmente, a profundeza da consciência científica — ‘pois, hoje, a consciência
científica é um abismo’” (Nietzsche, 2006: 228).
Retomando a nossa história, a intensidade do gesto de Latour, dizendo que a
mesa onde estava sentado também fazia parte da “coisa” pública, criou um silêncio
quase de morte. Uma sensação de abismo atravessou os presentes, que rapidamente
se desvaneceu quando Bruno Latour mostrou o seu sorriso de camponês travesso.

A individuação e o coletivo

Retomemos as duas principais descobertas de Simondon e, em certa


medida, de Jung:
“1) o sujeito é uma individuação sempre parcial e incompleta, consistente
bem mais nos traços cambiantes de aspetos pré-individuais e de aspetos
efetivamente singulares;
2) a experiência coletiva, longe de assinalar sua desintegração ou eclipse,
persegue e afina a individuação” (Virno, 2009: 32).
Como defende Paolo Virno, não basta adoptar a posição da teoria crítica
lamentando uma possível alienação do indivíduo, um “suposto afastamento do
indivíduo com respeito às forças produtivas e sociais, assim como com respeito à
potência inerente às faculdades universais da espécie (linguagem, pensamento,
etc.). A desgraça do ser singular foi atribuída precisamente a esse afastamento

119
ou a essa separação. Uma ideia sugestiva, mas falsa” (Virno, 2009: 35).
O problema está na falsa dicotomia entre “eu” individual e um coletivo
ameaçador para esse eu que seria o “tu”. Não está nem no perigo de uma
possível dissolução do “eu” nas massas dos “tu”, nem numa forma de
individualismo narcisista doentio que nos afastaria do coletivo. Situa-se na falta
de capacidade de gerir a nossa condição de ser anfíbio, na falta de uma
individuação metaestável, na tendência para cair na unilateralidade de um dos
polos. Um ser é sempre paradoxalmente individual e coletivo devendo gerir essa
meta-estabilidade, uma real aprendziagem.
“As "paixões tristes", para dizê-lo com Espinoza, surgem bem mais da
máxima proximidade, e inclusive simbiose, entre o indivíduo individuado e o pré-
individual, aí onde essa simbiose apresenta-se como desequilíbrio e
desgarramento” (Virno, 2009: 35). São paixões que pouco a pouco nos levam a
defender o “falso” coletivo. Basta ver as multidões emocionadas que congregam
os espetáculos desportivos de massa ou as manifestações ditas “patrióticas e
nacionalistas”.
As paixões tristes do ser “tu”, a partir do outro negando o seu self, o seu eu
mais profundo e coletivo, criam as personalidades autoritárias, viradas para o
controlo, baseando--se nesse conformismo adaptativo promovido pelo Estado
moderno (o falso coletivo) e pelas lógicas mercantis que dominam a economia na
sua unificação abstrata e metafísica. Uma universalidade “postiça” que se
reproduz como um vírus, uma autêntica patologia-catástrofe no plano da
constituição de uma “polis” ativa. Baseiam-se numa simbiose entre o pré-
individual e uma individuação incompleta porque assenta na incapacidade de ser
diferente, no medo de ser diferente, numa socialização virada para a
“normalização” e a obediência ou que, quando o quadro da “máscara” cai,
assumem formas de revolta niilista virada para o exterior, para a intolerância
numa lógica de guerra.
O outro lado passa pelo exacerbar das emoções ligadas ao narcisismo do
“eu sou eu”. Que promove paixões tristes cheias de consumo, emoções e “sexo”
que esquecem o seu carácter de sensação. É uma pequena saúde feita de receios

120
e frustrações. São seres carregados de “sexo” e apetite mas com corpos pouco
sexuados, sem desejo, sem afetos e intimidade. Sem o sentido do coletivo.

“Para o bem e para o mal, a “multidão” [ou multitude] 54 mostra a mescla


inextrincável de "eu" e de "se", singularidade não reprodutível e anónima da
espécie, individuação e realidade pré-individual. Para o bem: ao ter, cada um(a)
das multidões, atrás de si o universal, a modo de premissa ou de antecedente,
não tem a necessidade desta universalidade postiça que constitui o Estado. Para
o mal: cada um(a) das multidões, enquanto que sujeito anfíbio, pode sempre
distinguir uma ameaça em sua própria realidade pré-individual, ou ao menos
uma causa de insegurança [e de ansiedade]. O conceito ético-político de multidão
funda-se tanto sobre o princípio de individuação como sobre sua incompletude
constitutiva” (Virno, 2009: 35).

Pensando de forma sustentável e aceitando a ideia de uma meta-


estabilidade reflexiva, agregados de humanos e não humanos (que inclui o pré-
individual que afeta todo o humano), seremos capazes de, por um lado, evitar as
fronteiras artificiais antropocêntricas, mais ou menos inspiradas na valorização
do domínio patriarcal e, por outro lado, de distinguir as duas formas de patologia
resultantes de um excesso de um dos lados.

Na primeira patologia, “o pré-individual, parece, às vezes, inundar a


singularidade: esta última é como aspirada no anonimato do "se" (Ibid.: 35). De
algum modo, desconfia-se do “outro” na sua singularidade, na sua pretensa
anormalidade, entra-se numa forma adaptativa tribal ligada ao território e aos

54
A “multidão” ou “multitude” é constituída por “redes polimórficas”, em que se defende, nas
palavras de Negri (1997), o “direito de ir-e-vir e de cidadania, [um] nomadismo da força de
trabalho, da procura de novos espaços de expressão e vida, uma condição irremissível da
liberdade e da riqueza”, espaços de expressão política e estética alternativos (Negri, 1997).
Uma das medidas práticas que permitiria esta nova forma de coletivo seria uma outra forma
de encarar a questão da pobreza e da redistribuição da riqueza. Ver, entre muitos outros, o
exemplo do movimento de cidadãos de todo o mundo em defesa do rendimento básico
incondicional (RBI).

121
medos. Nesse sentido, a terapia passa pelo deixar de ser “tu”.
No segundo tipo de patologia-catástrofe, dá-se algo contrário: “outras
vezes, de maneira oposta e simétrica, força-nos em vão a reduzir todos os
aspetos pré-individuais de nossa experiência à singularidade pontual” do “eu”
(Ibid.: 35). O lado oposto, parecendo ter uma base racional não passa de uma
aceitação cínica e obscena da falta de um autêntico coletivo.

“As duas patologias [...] são os extremos de uma oscilação que, sob formas
mais contidas é, no entanto, constante e não suprimível” (Ibid.: 35). Não são
categorias dicotómicas mas antes oscilações no seu grau de intensidade, uma
tensão que não se pode suprimir. Um pouco na linha do argumento de Vilfredo
Pareto, a supressão quer do lógico, quer do não-lógico teria consequências
terríveis.

Nas palavras de Ernesto de Martino, as patologias-catástrofe surgem a


partir do exagero de um dos polos da individuação coletiva: "catástrofes da
fronteira eu-mundo nas duas modalidades da irrupção do mundo no ser-aí e do
refluxo do ser-aí no mundo" (Virno, 2009.: 35).

As catástrofes seriam um momento de mudança na medida em que nos


apercebemos da dimensão do desastre global na nossa ecologia ambiental,
psíquica e coletiva55. Estas patologias-catástrofe apenas poderão ser debeladas
55
O antropólogo Ernesto de Martino defende que a ultrapassagem destas patologias-catástrofes
apenas será possível através de uma autêntica terapia do “coletivo” individuado, na
participação autónoma e criativa num projeto comunitário de vida. “Le dépassement devient
possible à travers la relation intersubjective, à travers la participation à un projet
communautaire de vie, dans le devenir historique. La catastrophe de la présence a lieu lorsque
le sujet ne se sent plus en mesure d'être dans le devenir historique sans aucune forme de
culture possible.” L'ethnologue perçoit la crise de la présence du point de vue de la
psychopathologie, sous la forme du délire de fin du monde: pour un paysan, la disparition
momentanée du clocher de l'église de son village peut produire en lui une crise d'angoisse.
Pour le paysan de Berne qui fait dériver la fin du monde du déracinement d'un grand chêne, la
crise de la présence et le sentiment de l'apocalypse sont liés à un symbolisme ancestral:
l'arbre représente la vie dans plusieurs cultures et dans des récits populaires. L'arbre est le
symbole de l'homme: puisqu'il a les bras tendus comme branches vers le ciel, il participe de la
nature de l'air, cependant, ses racines s'enfoncent dans le terrain, il appartient, donc, au

122
através da redescoberta do sentido comunitário e coletivo sem abdicar da
expressão singular.

Cada vez mais, no mundo atual tende-se a entrar nessas patologias-


catástrofes de forma acelerada e apocalíptica 56. Talvez se possa falar, como
sugere de Jean-Luc Nancy (2014), de uma equivalência generalizada de
catástrofes de vários tipos e dimensões (do micro-individual ao macro-coletivo,
do nível macro do planeta ao micro das interações entre coletivos humanos e
não-humano) que tendem, como se a Terra fosse um ser vivo doente, a convergir
pouco a pouco para a sua destruição como sistema autónomo.
Usando a metáfora do corpo humano, o problema não está numa eventual
catástrofe maior, apocalíptica, uma doença repentina assassina. Tal como sucede
a um doente idoso que, já debilitado por várias doenças e infeções, acaba por
falecer devido a uma única bactéria multi-resistente do próprio hospital, o local
que o estava a tratar. Poderia dizer-se, com algum exagero e ironia, que o doente
morreu por causa da “cura”, numa situação em que o agente “patológico”, que
desencadeia o fim, poderia ser debelado se não fizesse parte de um conjunto
“equivalente” de catástrofes que convergem como um processo canceroso para
um fim trágico. No fim desse processo que tufo indica que já começou, a
destruição será total como já se pode imaginar, e sentir nas marcas quase
eternas na face do Planeta, com o desastre múltiplo de Fukushima no Japão, em
Março de 2011: “não haverá, então, mais nenhuma possibilidade de qualquer
espécie de pluralidade, de diferença entre corpos, sejam eles quais forem
(átomos, [seres humanos] ou planetas)” (Nancy, 2014: 7).

monde chtonien de la terre-mère” (Biancofiore, 2010).


56
O autor baseia-se em investigações sociológicas e antropológicas sobre o processo de
abandono do território rural em Itália e a consequente industrialização durante os anos fo pós
II Guerra Mundial. “L'apocalypse moderne, selon De Martino, s'articule autour des questions
suivantes: 1. crise de la présence du sujet isolé dans la société de masse: dépersonnalisation,
perte des autres, perte du monde qui n'est plus familier mais menaçant; 2. crise de l'ordre du
monde dérivant de la perte du sacré, des rituels collectifs, crise du sujet dans le devenir
historique; 3. crise des patries culturelles à cause du phénomène des migrations; 4. aliénation
du sujet, perte de la présence dans le cadre d'une vision purement bureaucratique et
technologique de la vie; 5. impossibilité du dépassement dans la construction des valeurs
intersubjectives, crise de la croyance dans un projet communautaire et communicable de vie”
(Biancofiore, 2010).

123
Um pensamento ligado à ideia de catástrofe não é necessariamente
derrotista e alarmista. É uma forma ativa de pensar o planeta no século XXI.
Evita deixar-se apanhar pela armadilha do pensamento crítico, pelo tribunal do
juízo ou o tribunal de Deus. O tribunal da razão instaurado por Descartes e
aperfeiçoado por Kant e por grande parte da filosofia e sociologia
contemporâneas. Um pensamento racional que suporta a tecno-ciência atual.

É necessário um outro tipo de pensamento. “Eu me sinto ligado aos


problemas que procuram meios para acabar com o sistema do juízo [o tribunal
da razão em Kant] e colocar outra coisa no seu lugar” (Deleuze, 2005). Um
pensamento onde aquele que pensa deixa de ser mero espetador de um
naufrágio iminente.

Vivemos um tempo estranho de possível naufrágio planetário, em que não


podemos ser apenas meros espetadores como cientistas distanciados das
preocupações dos homens comuns. As ciências sociais não podem continuar a
adotar “a posição apathos do sábio que o torna espetador – homem da ‘Theoria’ –
e, em consequência, em fonte de ordem frente ao ‘mar’ das paixões que arrastam
o homem no movimento de conjunto de sua história natural” (Miranda, 1990:
13).

É num contexto de uma crise-catástrofe, já irreversível, da nossa forma de


habitar o planeta que faz todo o sentido a proposta de uma perceção
transdisciplinar com capacidade para usar a faculdade de “profundidade de
campo”: detetar os contornos, fazer o mapeamento destas quase “invisíveis”
patologias-catástrofes da individuação psico-coletiva.

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