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Decifrando o Humano: Um Olhar Multidisciplinar

Daniel de Oliveira Alves Nascimento1


José Luiz de Araújo Júnior2
Shirley Cardoso de Menezes3
Orientador: Prof. MSc Henrique José Leal Ferreira Rodrigues 4

RESUMO

Palavras-chave: Humano, Multidisciplinar, Genocídio, Descaracterização,


Virtualização.

O que é ser um ser humano? Esta questão foi a fagulha que acendeu em nós a
chama desta curiosidade que teima em se apagar. Foi então que a história de Pinóquio
surgiu inesperadamente para dar vazão às primeiras indagações sobre o humano,
momento em descobrimos que um boneco de madeira ansiava se tornar o que muitas
vez nós, que nos consideramos humanos, desconhecemos em sua essência primeva.
Buscamos nos aproximar de diversas ciências que, à sua maneira, lograram explicar o
seu entendimento sobre este tema. O início de nossa jornada deu-se através do próprio
conto de Carlo Collodi. Em seguida analisamos as obras de Primo Levi e Viktor Frankl,
dois sobreviventes dos campos de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial.
Passamos então a um estudo aprimorado sobre aquilo que alcunhamos como a
virtualização do ser, ou seja, a tendência contemporânea a uma relação profunda entre
os seres humanos e as várias formas de comunicação entre estes seres e aqueles
outros que habitam o interior das telas dos computadores. Em seguida, analisaremos
sucintamente a influência de Darwin na concepção que hoje temos de quem somos
biologicamente e evolutivamente. Finalmente, adentraremos o universo de nossa
pesquisa audiovisual, os depoimentos colhidos e as conclusões que delas pudemos
inferir.

1
Graduando em Psicologia pelo Centro Universitário Celso Lisboa (2009).
2
Graduando em Psicologia – Licenciatura Plena, pelo Centro Universitário Celso Lisboa (2009).
3
Graduando em Psicologia – Licenciatura Plena pelo Centro Universitário Celso Lisboa (2009).
4
Professor, Orientador e Supervisor do Centro Universitário Celso Lisboa. Pesquisador do Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre Análise Reichiana – NEPAR - UFRRJ/CNPq. Doutorando em Epistemologia
pelo HCTE/UFRJ, Mestre em Ciências pelo Programa de História das Ciências e das Técnicas e
Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Psicologia pela Universidade
Santa Úrsula (1998).
2

INTRODUÇÃO

Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores,


não somente aos bons e humanos,
mas também aos maus.
(I PEDRO, cap. 2, vers. 18)

Algumas lembranças distantes, porém ainda presentes, dos contos de infância e


o início da adolescência, serviram como fonte de inspiração para o início da caminhada
neste trabalho que agora inauguramos. A quantidade impressionante de imagens que
permanecem armazenadas em nossas mentes adultas ainda repercutem com uma
sonoridade que nos parece contemporânea.
Outrossim, representações aterradoras produzem o mesmo efeito, seja em
espíritos jovens ou maduros. Um bom exemplo desta afirmação são alguns dos
acontecimentos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, notadamente no que
tange ao período do genocídio 5 ocorrido durante a ocupação alemã em diversos países
europeus, no qual milhares de seres humanos foram privados de sua pretensa
condição humana.
Todavia, o que é ser um ser humano? Qual o significado que este significante
carrega para distintos campos da ciência? Onde poderemos nos deparar com o
alimento que sacie nosso apetite por respostas que se aproximem de nossa busca
inicial?
Encontramos em Carlo Collodi (2002) o estímulo necessário para que
partíssemos nesta epopeia, a qual seguirá à procura de uma definição íntima do que é
ser humano. Além deste autor, descobrimos em Primo Levi o derradeiro incentivo que
nos fortaleceu em nosso intento primevo, ou seja, estabelecer uma relação entre
diversas ciências que nos possibilitem alcançar diferentes visões que conduzam a um
mesmo objetivo: decifrar o enigma humano.

5
O termo genocídio não existia antes de 1944; ele foi criado como um conceito específico para designar
crimes que têm como objetivo a eliminação da existência física de GRUPOS nacionais, étnicos, raciais,
e/ou religiosos. Disponível em <http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007043>
Consulta realizada em 07 de Outubro de 2013.
3

Em seguida discutiremos alguns autores que tiveram a experiência empírica de


atravessar o período do genocídio ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, pois
estes sobreviveram para transmitir ao mundo uma visão sobre o que um ser humano é
capaz de causar a outros de sua espécie, desrespeitando assim quaisquer conceitos
minimamente aceitáveis de humanidade.
A virtualização do humano estará presente neste estudo na forma de redes
sociais e jogos eletrônicos, os quais, em nosso entendimento, melhor representam a
contemporaneidade do tema. Avaliaremos também a importância que a descoberta de
Darwin teve sobre o conceito de humano, mostrando que nossa espécie é nada mais
que o fruto de um processo evolutivo que atravessou eras. Encerraremos este trabalho
avaliando as entrevistas que realizamos com professores, ex-professores, alunos e
funcionários do Centro Universitário Celso Lisboa no intento de descobrir, afinal, o que
cada um de nós entende como ser humano.

METODOLOGIA

A metodologia basear-se-á em um estudo bibliográfico apurado dos trabalhos


citados anteriormente, trazendo em sua companhia outros autores e estudiosos que
possam auxiliar em nossa estrada. Além disto, utilizaremos instrumento audiovisual,
através de entrevistas dirigidas, pois compreendemos que este canal de expressão
adicionará elementos essenciais à compreensão da proposta que ora apresentamos.
De posse dos objetivos previamente definidos, escolheu-se a linha de pesquisa
descritiva (GIL, 2002, p. 25). A partir daí teve início o estudo de campo, o qual
realizamos durante os dias 5 e 6 de Outubro do presente ano, valendo-nos do método
de pesquisa qualitativo, além de observação sistemática. Todo este procedimento
envolveu, além dos pesquisadores, cerca de 50 entrevistados, incluindo filósofos,
antropólogos, psicólogos, sociólogos, entre outros. Todos autorizaram em formulário
próprio a divulgação parcial ou integral de suas imagens com fins estritamente
acadêmicos. A instrumentação utilizada caracterizou-se basicamente por uma série de
filmagens realizadas em ambiente propício, constando de apenas duas perguntas
4

dirigidas aos entrevistados: Você é um ser humano?, e, imediatamente a seguir, Por


que?.

PINÓQUIO E O QUE É SER HUMANO

O anseio do protagonista da primeira obra – Pinóquio -, era o de se tornar um


menino de verdade, ou seja, ele desejava intimamente ser transformado em um ser de
carne e osso, abandonando em definitivo seu aspecto de boneco de madeira,
assumindo assim formas e contornos de um garoto de sua idade. Pinóquio foi
imaginado e criado por Gepeto, um marceneiro cujo maior sonho era ter um filho; já o
desejo de seu pseudo-filho foi mais além. Com o auxílio da Fada Azul, o menino de
madeira recebeu o dom da vida (com a condição de que fosse sempre bom e
verdadeiro), mas uma vida que habitava ainda a estrutura de madeira que seu criador e
pai lhe oferecera. Mais adiante, no decorrer do conto de Collodi, vemos um menino que
foi seduzido pelo mal, e, ao contrário do pedido realizado por sua benfeitora, aliou-se a
companhias marginais.
Como preço por seus desatinos, Pinóquio percebia que, a cada mentira que
contava, seu nariz de madeira estendia-se infinitamente, o que lhe causava grande
embaraço. A história prossegue e o menino logo compreende ter escolhido um caminho
que o levaria apenas à desgraça, e que se tornar humano trazia consigo o fardo de
algumas obrigações para com outros seres de sua espécie. Pinóquio regenera-se de
seus erros e procura seguir uma estrada de retidão, recebendo assim da Fada Azul,
como presente de seu primeiro aniversário, um corpo de carne e osso, um corpo
animal, um corpo verdadeiramente humano.
Caso pudéssemos indagar o próprio personagem, a questão que lhe
proporíamos de maneira objetiva seria: Pinóquio, o que é humano para ti? O que o
tornaria afinal humano? A faculdade de se comunicar através de palavras, sejam elas
escritas ou faladas? A arte de formular pensamentos concretos e abstratos? Ou
5

simplesmente a possibilidade de mover-se com a liberdade de juntas formadas por


tendões e músculos?
Entregando-nos a um exercício de livre imaginação inferimos algumas de suas
possíveis respostas: “É poder brincar como os outros meninos”, “É envelhecer como
meu pai”, “É possuir um coração e sentir o sangue pulsar em minhas veias”, ou “É
poder chorar quando a tristeza me dominar”. No entendimento de WERNECK (2003, p.
38), Pinóquio poderia ser considerado um ser humano especial, ou seja, aquele que é
nada mais do que um deslize da natureza e, neste caso específico, um deslize
completo, pois possui todas as deficiências capazes de afastá-lo de um conceito
equivocado de humanidade. Aproximando o diálogo iniciado por Carlo Collodi no século
XIX de um debate contemporâneo sobre a questão humana, encontramos ainda na
mesma autora:
O momento é delicado porque muitas das próprias pessoas com deficiência não
se consideram sujeitos de direitos e sim de, no máximo, alguns direitos
especiais como, por exemplo, ingressar na universidade ou estar empregado.
Tenhamos cuidado com os ‘direitos especiais’, pois eles jamais combinam com
inclusão. (2003, p. 38)

É interessante ainda inferir deste conto o quanto a visão de humano permanece


atrelada a virtudes e jamais a imperfeições morais. Ou seja, os “bons” 6 seres humanos
receberão recompensas das mais diversas, enquanto os seres humanos “inferiores” 7
hospedarão toda a sorte de sofrimentos.

A DESCARACTERIZAÇÂO DO HUMANO

Imagine-se, agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de
sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo, enfim, rigorosamente tudo que
possuía; ele será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e carência,
esquecido de dignidade e discernimento — pois quem perde tudo, muitas vezes
perde também a si mesmo (...) (LEVI, 1988, p. 58)

6
Esta palavra encontra-se destacada entre aspas com o objetivo de designar um sentido avesso ao
original, ou tão somente questionar a sua própria condição.
7
Esta palavra encontra-se destacada entre aspas com o objetivo de designar um sentido avesso ao
original, ou tão somente questionar a sua própria condição.
6

A Segunda Guerra Mundial não se permite esquecer. Durante os anos de


batalhas em campo, outro combate silencioso era travado nos campos de concentração
espalhados pela Europa ocupada pelos nazistas, especialmente na Alemanha e
Polônia. Apesar de sua utilização estar sempre próxima às lembranças do nazismo,
outros países, tais como Estados Unidos, União Soviética, e até o mesmo o Brasil, já
abrigaram este modelo de aprisionamento e extermínio em massa 8.
Encontramos em Primo Levi a figura de um ser humano que atravessou
condições extremas de descaracterização. Em sua obra É isto um homem?,
considerada por muitos um dos mais importantes e fiéis trabalhos sobre o Holocausto, o
autor narra com riqueza de detalhes a sua trágica experiência em um destes campos
de concentração, onde pode compartilhar com seus semelhantes histórias que muitos
não sobreviveriam para transmitir. Primo Levi foi um químico e escritor italiano nascido
em 1919 e falecido em 1987. Partiu deixando para o mundo um relato sensível e
verdadeiro sobre o que vivenciou no campo de concentração de Auschwitz, o maior
entre todos que foram construídos à época, chegando mesmo a possuir mais de 45
campos satélites9.
As privações que podemos imaginar apenas através de sua literatura não nos
remetem a nossa atualidade. Assim sendo, não ousaremos nas próximas linhas
expressar em palavras um conhecimento absoluto, quando o que podemos é tão
somente nos aproximar do conhecimento relativo 10 a este momento histórico. Talvez
seja mais simples encontrarmos uma possível definição do não humano, como nos é
apresentado no trecho selecionado:
(...) hoje, neste meu companheiro de canga eu não sinto um inimigo, nem um
rival. Ele é Null Achtzehn11. Chama-se apenas assim: Zero-Dezoito, os três
algarismos finais da sua matrícula; como se todos tivessem compreendido que
só os homens têm direito a um nome, e que Null Achtzehn já não é um homem.
8
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_de_concentra%C3%A7%C3%A3o> Consulta
realizada em 06 de Outubro de 2013.
9
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Auschwitz-Birkenau> Consulta realizada em 06 de Outubro
de 2013.
10
Conhecimento absoluto e conhecimento relativo são conceitos propostos pelo filósofo Henri Bergson
em sua obra “Introdução à Metafísica”, sendo o primeiro aquele no qual apenas o próprio sujeito da ação
pode identificar-se; ao contrário do primeiro, o conhecimento relativo é aquele que pode ser inferido por
sujeitos externos à ação.
11
Zero-Dezoito.
7

Imagino que até ele próprio tenha esquecido seu nome; em todo caso,
comporta-se como se fosse assim. Quando fala, quando olha, dá a impressão
de estar interiormente oco, nada mais do que um invólucro (...) (1988, p. 41)

As linhas acima nos remetem a um sujeito destituído de quaisquer substâncias


capazes de preenchê-lo e torná-lo realmente humano. Ele possui um número ao invés
de um nome, pois apenas os homens tem este direito. Ele carrega uma proteção
exterior que, caso retirada, mostrará nada além de um vazio essencial. Ele existe aos
olhos dos outros, mas não a seus próprios olhos. Zero-Dezoito vive, mas perdeu
completamente a noção do que é viver.
Outro autor que enfrentou circunstâncias análogas às de Primo Levi foi Viktor
Frankl. Nascido em 1905 e falecido em 1997, este médico vienense, em seu livro Em
busca de sentido (2011), assim nos apresenta a sua visão da chamada Psicologia do
Campo de Concentração:
Pela maneira como uma pessoa assume seu destino inevitável, assumindo com
esse destino todo o sofrimento que se lhe impõe, revela-se, mesmo nas mais
difíceis situações, mesmo no último minuto de sua vida, uma abundância de
possibilidades de dar sentido à existência. A pessoa pode permanecer corajosa
e valorosa, digna e desinteressada, ou, na luta levada ao extremo pela
autopreservação, pode esquecer sua humanidade e acabar tornando-se por
completo aquele animal gregário, conforme nos sugeriu a psicologia do
prisioneiro do campo de concentração. (grifo nosso) (2011, p. 90)

Percebemos pelas palavras de Frankl que o destino de cada um daqueles seres


humanos que foram carregados aos campos de concentração alemães já se
encontrava previamente traçado. Não lhes era permitido acessar o benefício do livre-
arbítrio, não havia escolhas a fazer ou caminhos a seguir. Apenas uma estrada lhes era
oferecida e não havia possibilidade de recusa. E é neste momento que aqueles seres
conheciam o seu último suspiro de humanidade, pois em breve tornar-se-iam animais
dominados apenas por seu cérebro reptiliano, agarrados apenas ao desejo de
sobreviver, mesmo que esta vida significasse nada mais que uma vida vegetal.
Diversas vezes a morte vinha abreviar tão somente a existência humana nos
campos de concentração, pois a essência havia há muito abandonado aqueles corpos
magricelos. Thomas L. Pangle, em seu livro The Laws of Plato, assim traduz o
pensamento que o filósofo Platão adquire sobre a morte: A morte não é a pior coisa que
8

pode acontecer ao homem; muito pior são as punições que dizem persegui-los no
mundo inferior.12 (1980, p.278, tradução nossa). Aproximamos estas palavras de Platão
de um possível paradoxo que permeava as mentes fragilizadas daqueles que se
encontravam naquela condição de abandono. Seria realmente a morte o pior castigo
possível? Ou seria melhor viver naquele mundo inferior ainda em vida?

A VIRTUALIZAÇÃO DO SER

Aproveitando-nos da oportunidade que tivemos de visitar o passado,


embarcamos agora em uma viagem contemporânea, a qual, possivelmente, levar-nos-á
ao futuro. Apresentaremos um conceito não tão recente, mas que vem crescendo e se
renovando a cada dia: a virtualização da vida e, consequentemente, do humano. Redes
sociais, jogos eletrônicos, e outras formas de transformar a vida que julgamos real em
uma existência simulada e informatizada, vem invadindo paulatinamente o universo que
reconhecemos como o único plausível de habitarmos.
Redes sociais como o facebook13 (a mais imponente de todas), já fazem parte do
cotidiano de uma expressiva parcela da população mundial. O Tencent QQ14, programa
de mensagens instantâneas mais utilizado na China, já conta com uma estimativa de
800 milhões de usuários15 para uma população de aproximadamente 1,3 bilhão de
habitantes, fazendo-nos perceber o quanto um Estado que há milênios transmite uma
imagem de isolamento em relação ao restante do planeta vem sendo capaz de aderir à
globalizante virtualização deste novo modo de relação humana. Muitos julgam este
modelo de conexão como desumanizante, porém imaginamos que ele veio para ficar e

12
Original em inglês: Now death is not the worst that can happen to men; far worse are the punishments
which are said to pursue them in the world below. (PANGLE, 1908, p 241)
13
Facebook é um site e serviço de rede social. Foi lançado em 4 de fevereiro de 2004. O Facebook foi
fundado por Mark Zuckerberg e por seus colegas de quarto da faculdade Eduardo Saverin, Dustin
Moskovitz e Chris Hughes. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Facebook> Consulta realizada em
09 de Outubro de 2013.
14
O Tencent QQ, originalmente chamado OICQ, é o programa de mensagem instantânea gratuito mais
popular na China. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/QQ> Consulta realizada em 09 de Outubro
de 2013.
15
Disponível em <http://fgfmendes.blogspot.com.br/2013/09/redes-sociais-na-china-parte-1-qq.html>
Consulta realizada em 09 de Outubro de 2013.
9

qualquer esforço para bloqueá-lo será frívolo em seus intentos. Preferimos


compreender este fenômeno como algo que surgiu para encurtar distâncias geográficas
e acelerar a comunicação, sendo assim um aliado poderoso, uma nova maneira de
enxergar os relacionamentos humanos, e não um inimigo em potencial.
Adicionamos ainda neste campo de estudo os jogos eletrônicos, dentre os quais
se destacam The Sims e Grand Theft Auto, ou somente GTA. The Sims é uma série de
que simula a vida em uma tela de computador. Atualmente encontra-se em sua versão
The Sims 3, mas sua versão The Sims 4 já foi anunciada, e tem previsão de
lançamento para o ano de 2014. Neste jogo é possível criar e controlar a vida de
pessoas virtuais (Sims). Estes sims foram desenvolvidos com uma boa dose de
inteligência artificial16, a qual lhe oferece o livre-arbítrio na tomada de determinadas
decisões. Ainda assim, a maior parte do controle pertence ao próprio jogador, pois é ele
quem previamente determina as funções e os objetivos de cada Sim. É um jogo sem
fim, ou seja, não há tempo estipulado para o término de suas ações e, além disso, é
possível originar filhos, mantendo assim o ciclo da vida 17.
Outro jogo eletrônico que vem ganhando destaque nos últimos tempos é o GTA.
A série se concentra em torno de muitos protagonistas diferentes que tentam subir na
hierarquia do submundo do crime organizado. Grand Theft Auto pode ser traduzido
livremente como Furto de Automóveis de Valor Elevado, sendo assim muito criticado
por possivelmente incentivar crianças e jovens a apreciar o mundo do crime, afinal sua
constituição gráfica é das mais avançadas, além de possuir um tom de constante
aventura. Lançado em 1997, encontra-se atualmente em sua versão 5, lançada em
Setembro do presente ano.
Analisando a influência que este novo modelo de relacionamento humano vem
conquistando nos últimos anos, podemos compreender porque os seus críticos são tão
veementes. O ser humano real assume o controle de vidas imaginárias que habitam

16
(...) ramo da ciência da computação que se propõe a elaborar dispositivos que simulem a capacidade
humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas (...) Disponível em
<http://www.tecmundo.com.br/intel/1039-o-que-e-inteligencia-artificial-.htm> Consulta realizada em 06 de
Outubro de 2013
17
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Sims#The_Sims_4> Consulta realizada em 06 de
Outubro de 2013.
10

apenas o software de um computador, e ali ele passa a conviver com seres virtuais que
podem assumir (apenas em sua fantasia) uma consistência quase física e palpável. A
sua respiração pode ser sentida, seus passos podem ser ouvidos, e os pneus de seus
carros cantam, deixando para trás as marcas de suas manobras arrojadas. Será esta a
nova tendência de isolamento humano que nos permitirá ainda usar esta alcunha?

A ORIGEM DAS ESPÉCIES

Um século atrás, para situar sua descoberta do inconsciente na história da


Europa moderna, Freud desenvolveu a ideia de três humilhações sucessivas
sofridas pelo homem, as três “doenças narcísicas”, como as chamou. Primeiro
Copérnico demonstrou que a Terra gira em torno do Sol, e assim privou-nos a
nós, seres humanos, do lugar central no Universo. Depois Darwin demonstrou
que emergimos da evolução cega, e nos tomou nosso lugar de honra entre os
seres vivos. Finalmente, quando Freud descobriu o papel predominante do
inconsciente em processos psíquicos, revelou-se que nosso eu não manda nem
mesmo em sua própria casa. (ZIZEK, 2006, p. 7-8)

Charles Robert Darwin nasceu Inglaterra em 1809 e faleceu em 1882. Foi um


naturalista que convenceu a sociedade científica da existência da evolução das
espécies através da seleção natural, ou seja, a capacidade de adaptação ao ambiente
que algumas espécies possuem e que se sobrepõe à capacidade de outras, as quais,
fatalmente, serão extintas18. Este processo, em nossa própria espécie, não pode ser
acompanhado em períodos curtos de tempo. Já em outras espécies, como nos pombos
observados por Darwin durante anos, a seleção natural pode ser compreendida mais
facilmente. Apenas assim ele pode concluir que as características genéticas mais
favoráveis para a adaptação e sobrevivência de quaisquer espécies está intimamente
ligada à transferência das características dos pares que as originaram.
Esta descoberta de Darwin retirou imediatamente do ser humano o seu status de
superioridade, mostrando ao mundo que somos “apenas” 19 consequências naturais do
que bilhões de anos de evolução podem arquitetar. Sua teoria não foi digerida

18
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Darwin#Rea.C3.A7.C3.A3o> Consulta realizada em
08 de Outubro de 2013.
19
Esta palavra encontra-se destacada entre aspas com o objetivo de designar um sentido avesso ao
original, ou tão somente questionar a sua própria condição.
11

rapidamente. Vários grupos de cientistas e leigos fizeram o possível para aniquilar o


conhecimento que ele oferecia ao mundo, mas o tempo mostrou que estes não
obtiveram sucesso em seus intentos. É possível que seus escritos tenham
demonstrando que permanecemos como os seres mais evoluídos dentre todos os
outros seres. Entretanto, a distância que nos separava das espécies menos evoluídas
reduziu-se enormemente a partir da publicação de seus textos.
Suas ideias certamente retiraram de nós, humanos, algumas pseudo-qualidades
metafísicas, e questões tais como a existência de potestades supremas, ou mesmo de
uma alma – a essência última que nos tornaria sui generis -, foram lançadas a
discussões acaloradas, influenciando autores e filósofos posteriores, dentre os quais se
destaca Nietszche (sem data) e sua busca pelo super-homem, ou seja, aquele que não
apenas evolui biologicamente, mas persegue uma evolução mais profunda e não
somente atrelada ao destino, uma evolução onde o livre-arbítrio seja o aspecto
dominante de sua estrutura humana.
Que é o macaco para o homem? Um motivo de riso ou de dolorosa vergonha. E
é justamente isso o que o homem deverá ser para o super-homem: um motivo
de riso ou de dolorosa vergonha. Percorrestes o caminho que vai do verme ao
homem, mas ainda tendes muito do verme. Fostes macacos, um tempo, e,
também agora, o homem é ainda mais macaco do que qualquer macaco. Mas o
mais sábio dentre vós não passa de uma discrepância e de um híbrido de
planta e de fantasma. Mas vos mando eu, porventura, tornar-vos fantasmas ou
plantas? Vede, eu vos ensino o super-homem! (NIETZSCHE, sem data, p. 29-
30, grifo nosso em negrito)

ENTREVISTAS

Interessou-nos aqui não apenas buscar desvendar o fenômeno humano por


completo (o que obviamente é uma tarefa inacessível), mas tão somente investigar o
que distintas áreas da ciência poderiam nos oferecer nesta estrada sem fim. Além disto,
decidimos conhecer a opinião de pessoas que se reconhecem como humanas, mas
não estavam cientificamente preparadas para responder a esta questão aparentemente
simples. Estes participantes da pesquisa não foram previamente informados do
conteúdo que lhes seria indagado, pois nosso intento era o de não bloquear a
espontaneidade de suas réplicas.
12

Na história de Pinóquio, encontramos que um dos fatores essenciais para torná-


lo humano foi a presença do Grilo Falante, ou seja, a consciência que lhe foi ofertada
pela Fada Azul, aquela mesma que lhe proporcionou a “vida” 20. Uma das principais
respostas que encontramos, notadamente na fala do professor Marco Aurélio Mendes
da Silva, foi a de que um ser humano precisa de consciência para ser considerado
como tal. Poderíamos aprofundar um pouco mais o que a representação de consciência
significaria para cada campo científico, porém este trabalho adiamos para um próximo
estudo, afinal este conceito certamente se aproximaria das concepções de essência,
existência, e mesmo da metafísica, o que não é o objetivo primeiro deste texto.
Percebemos, sim, que a imensa maioria dos entrevistados acredita que há algo de
transcendente no humano e, para muitos, isto é o que os torna diferentes ou especiais
em relação aos outros seres viventes.
Destacamos também as palavras do professor André Luiz Jeovanio da Silva, o
qual nos presenteou com a visão que a Biologia subtrai da humanidade. Através de
seus preceitos, observamos um ser humano que atravessou eras evolutivas, sobreviveu
a intempéries que outras espécies não suportaram, e hoje se constitui como a raça que
é capaz de dominar todas as outras através da inteligência e da consciência que
adquiriu ao longo de sua história. Além disto, o professor André apresentou-nos a
parcela que cabe aos genes na construção de nossos fenótipos, demonstrando assim a
fundamental importância da concepção biológica de ser humano.
Salientamos ainda os olhares perdidos de diversos entrevistados ao receber a
segunda questão que lhes foi proposta (por que?). Evidenciamos então a rapidez e a
precisão no atendimento à primeira questão (você é um ser humano?). Entretanto,
aqueles olhares, além de uma pausa muitas vezes prolongada após o segundo
questionamento, mostram-nos o quanto a ideia de humano nos é desconhecida e,
muitas vezes, confusa.
Adicionamos aqui também a importância do uso do instrumento audiovisual, pois
somente através desta estratégia alcançamos o objetivo outrora proposto a nós

20
Esta palavra encontra-se destacada entre aspas com o objetivo de designar um sentido avesso ao
original, ou tão somente questionar a sua própria condição.
13

mesmos: compreender que nos reconhecemos humanos, mas na maioria das vezes
desconhecemos os porquês desta condição.

CONCLUSÃO

Encerrando este projeto, deparamo-nos com a encruzilhada que imaginávamos


encontrar desde que o iniciamos. O que significa, afinal, ser humano? Como
anunciamos no decorrer das linhas anteriores, entre nossos propósitos não
contemplamos o desejo de buscar definições engessadas, pois, nas palavras de Oscar
Wilde, Definir é limitar (2000, p. 129), e como ousaríamos limitar a nós mesmos, estes
seres biológicos, filosóficos, psicológicos, etc, que somos?
Procuramos, todavia, discorrer sobre o quanto desconhecemos de nossa própria
essência. Seria possível que uma vida humana completa perecesse sem jamais
perambular pelos becos escuros de seus próprios pensamentos? Alcançamos nosso
objetivo, ou seja, alcançamos as pausas e os olhares perdidos daqueles que puderam
responder sem hesitações ao primeiro questionamento, e carregados de ansiedade à
segunda indagação.
Compartilhamos este trabalho com a fiel intenção de que sirva para fomentar a
investigação sobre o fator humano que reside dentro do próprio humano. Nossa
esperança sincera é a de que estes parágrafos ganhem vida própria, saltem destas
páginas e conscientizem a nós, seres humanos de fato e de direito, de nossa condição
extraordinária em relação às outras espécies de seres viventes que conhecemos. E que
esta superioridade se manifeste não de maneira arrogante, mas que vença pela
simplicidade e respeito a outros seres humanos e ao planeta que ainda nos recebe com
seus braços abertos.
14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGSON, Henri. Introdução à Metafísica. Abril SA (Coleção Os Pensadores), 1974.


BÍBLIA SAGRADA. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
COLLODI, Carlo. As Aventuras de Pinóquio. Iluminuras, 2002.
FRANKL, Viktor E. Em Busca de Sentido. Vozes, 2011.
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. Atlas, 2002.
LEVI, Primo. É Isto um Homem. Rocco, 1988.
NIETZSCHE, Friedrich W. Assim Falou Zaratustra. Círculo do Livro, sem data.
PANGLE, Thomas L. The Laws of Plato. The University of Chicago Press, 1980.
WERNECK, Claudia. Você é gente? WVA, 2003.
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. Biblioteca Visão, 2000.
ZIZEK, Slavoj. Como Ler Lacan. Zahar, 2006.

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