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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

NÚCLEO DE ESTUDOS JUNGUIANOS

O FENÔMENO PSIQUE CORPO EM SUA DIMENSÃO FISIOLÓGICA,


PSICOLÓGICA, CULTURAL, SIMBÓLICA E SOCIAL
Profª. Drª. Denise Gimenez Ramos

14/05/2020
Aluno:
Eduardo Arruda Sautchuk

Reich, W. (2007/1946). Escuta, Zé Ninguém!. Martins Fontes.

Resumo do texto “Escuta, Zé Ninguém!” de W. Reich

A introdução do texto traz algumas informações biográficas de Reich e


também aborda os principais pontos de suas publicações.
“A função do orgasmo” sintetiza o trabalho médico e científico de Reich
com o organismo humano, colocando o orgasmo como regulador biológico,
ressaltando que as neuroses são bloqueios à afetividade e coloca o orgônio
como conceito de energia psíquica.
“Análise do caráter” fala da psicoterapia, um texto escrito para a prática
clínica e seus principais pontos com exemplos.
“O assassinato de Cristo” explora o significado da vida de Jesus e a
questão da Peste Emocional da Humanidade.
Reich foi um dos grandes críticos que inspirou os desconfortos globais
juvenis. No texto, pergunta-se sobre o que o Zé Ninguém, ou seja, o Homem
Médio, Comum, é capaz de fazer a si próprio. Afirma que as ideologias não estão
restritas ao fascismo político, mas estão também na educação infantil que faz
com que crianças saudáveis se tornem adultos mutilados, autômatos e
moralmente dementes. Ressalta que para o educador e para o médico, só o que
importa é o que há de vivo na criança e no doente.
O autor afirma que vivemos na Era do Homem Comum, alguém que não
tem voz própria e seu futuro não pertence a si mesmo. Tem medo de olhar para
dentro e tem medo da crítica externa. Não é livre e não consegue amar
abertamente. A grandeza do homem é a capacidade de reconhecer quando e no
que é pequeno. A pequenez do homem é a incapacidade de reconhecer que é
pequeno e tem medo disso. E diz que a escravização não vem de uma ideologia
ou um governo, mas de si mesmo. Apesar de projetar a opressão em figuras
externas, assim como a libertação, é apenas o próprio indivíduo que pode se
libertar.
Aqui está exposto um paradoxo: o Zé Ninguém tem a liberdade de se
escravizar para alguém. Confunde a grandeza e liberdade pessoais com a
grandeza e liberdade nacionais, como um patriota. Por isso, é o Zé Ninguém que
dá poder ao seu escravizador, governante.
A liberdade seria deixar de lado segmentações étnicas, religiosas e
ideológicas, contratos e normas sociais e permitir-se dizer se faz amor porque
se ama e deseja. Cumprir leis quando fizerem sentido, mas quando estiverem
obsoletas ou absurdas, lutar contra elas. Para Reich, Deus é a energia cósmica
do universo e o melhor governante para o mundo seria o trabalho, e não as
opiniões sobre o trabalho.
O Homo normalis é o Zé Ninguém: o povo, a opinião pública, a
consciência social. Estes condenam os homens à solidão do temor da
incompreensão e ódio. Afinal, pergunta-se: o que leva o homem comum a
maltratar o marido ou mulher que lhe desapontou; torturar os filhos; desprezar e
explorar alguém bondoso; receber quando te dão e dar quando exigem, mas
nunca retribuir se recebeu algo por amor; mentir quando se pede a verdade?
Sufoca-se o pensamento, como uma mãe que diz para os filhos: “isto não é
próprio para crianças!”. O Zé Ninguém se defende da espontaneidade, se
aterroriza quando lhe pedem que seja si mesmo, autêntico. Nietzsche já havia
dito que o homem tem medo de altura e profundidade e tentou transformá-lo no
Übermensch: o Zé Ninguém tornou-se Hitler, ou permaneceu como
Üntermensch. Ao invés de ser si mesmo, o homem pequeno é o jornal, o vizinho,
o instagram, a fofoca, o whatsapp.
A hostilização vem de generalizações do tipo “a culpa é dos judeus”.
Culpa de quê? Sequer sabe o que é um judeu. O Zé Ninguém também pode ser
um marxista, revolucionário, que diz querer libertar as massas. E mesmo assim
não entende que indivíduos com fome nunca poderão fazer avançar a cultura.
Assim cria-se a ditadura.
Tudo que lhe é novo, o homem comum carrega como o peso de um fardo.
Lhe é negada a alegria, porque ela é algo que surge no trabalhar. Mas o homem
comum a nega porque a devora, a consome. Quer trabalhar para que possa
consumir alegria, ao invés de trabalhar sentindo alegria. Este é o sentido de
exploração que também permeia o trabalho e a descoberta científica: só importa
aquilo que se pode explorar. A capacidade de criar, ou o que foi criado, é
desinteressante até que se possa ganhar dinheiro com isso. Por muito tempo
falou-se ridícula a psicanálise, até que se descobrisse o potencial enorme de
ganhar dinheiro com o sofrimento mental. Com isso, o homem pequeno é
continuamente forçado a encher-se de dinheiro, satisfações, conhecimento,
porque se sente vazio, esfomeado e infeliz. Não quer saber da verdade, apenas
quer ser deixado em paz como consumidor e patriota fiel. Sócrates foi
assassinado porque pervertia o código moral, talvez fizesse perguntas demais.
Não adiantaria falar de grandes objetivos e soluções sem preocupar-se
em como alcança-los. Segurança, auto-afirmação e dignidade parecem
prevalecer perante a verdade, ou o terapêutico. É possível compreender que isso
ocorra na prática clínica: o processo terapêutico está a serviço de quem, afinal?
Do terapeuta, do paciente? Nenhum dos dois?
O Zé Ninguém sempre pensa que está em liberdade, ilusoriamente. Fica
entusiasmado com as lutas por libertação, mas sofre de uma terrível e cega
hipocrisia. Dessa forma, o ato de amor torna-se um ato pornográfico. Será que
é incapaz de amar porque só pode consumir? Perverte-se.
Reich afirma que qualquer educação só poderia ser válida se englobar o
conhecimento da sexualidade infantil. A incapacidade do homem comum de
compreender o amor da criança cria uma educação opressora. O Zé Ninguém
não suporta a espontaneidade viva, o movimento livre e natural. É covarde,
pensa sempre no que vai dizer o vizinho e cala a própria voz interior.
Esta seria a metáfora de construir a própria casa em um rochedo, ao invés
de sobre a areia. Trocar ilusões por verdade, trocar o entretenimento superficial
por uma biblioteca. Mas o homem pequeno confunde liberdade de expressão
com irresponsabilidade. Quer criticar, mas não suporta ser criticado.
Reich expõe uma visão controversa sobre a violação das mulheres,
referindo-se às alegações de estupro que podem ser oriundas da incapacidade
de meninas em assumir responsabilidade por querer ir para a cama com alguém.
A menina não entendeu que é explorada e desprezada. Este trecho faz lembrar
da música “O mundo é um moinho”, de Cartola. A mulher é desgraçada, porque
seus filhos se destroem e suas filhas se prostituem, enquanto seus homens
secam. Assim a mesquinhez da mulher está nos ossos, na prisão de ventre, no
reumatismo, na dissimulação e na sua negação da vida. A Maria Ninguém é
fraca, sozinha, dependente da mãe, desamparada e odeia a si própria, não se
suporta.
O problema principal é que a mesquinhez do Zé Ninguém fica muito grave
frente à sua importância: ele é o futuro. E assim Reich apresenta um olhar para
o futuro. O medo que o homem pequeno tem da própria profundidade é o que
lhe impede de abandonar suas certezas mesquinhas. Mas é esperançoso
quando diz que no futuro, talvez daqui muitos anos, o homem comum vai
considerar realmente vergonhoso não se conhecer, expressar sua própria
opinião. Só viverá bem quando a vida significar mais do que segurança, o amor
mais que o dinheiro, a liberdade mais que direções do partido ou opinião pública,
o respeito pelo amor mais do que um certificado de casamento, reconhecer os
tempos cedo mais do que tarde.
O Zé Ninguém pode encontrar sua grandeza na sua pequenez: essa é a
esperança que resta a todos. Será grande quando não mais passar pela
primavera sem a sentir. Será grande quando for mãe ou avô que embala a
criança nos braços, podendo sentir correr no corpo o fluxo da vida. E finaliza:

“Plantei a semente de palavras sagradas neste mundo.


Quando muito depois de morta a palmeira aluir o rochedo;
Quando a magnificência de todos os reis não for mais que a podridão das
folhas secas;
Através dos dilúvios mil arcas guardarão a minha palavra:
Ela prevalecerá”

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